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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA EM ASSOCIAÇÃO AMPLA AA MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO FORTALEZA 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA EM ASSOCIAÇÃO AMPLA AA

MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA

VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO

BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO

FORTALEZA

2013

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MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA

VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO

BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva em Associação Ampla UECE/UFC/ UNIFOR, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Área de concentração: Políticas, Gestão e Avaliação em Saúde. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi

FORTALEZA

2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências da Saúde

S697v Sousa, Marcos Aurélio Macedo de. Vozes e documentos na articulação crítico-hermenêutica do bolsa família com o direito humano e social à alimentação/ Marcos Aurélio Macedo de Sousa. – 2013.

165f. : il.

Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Estadual do Ceará/ Universidade Federal do Ceará/Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2013.

Área de concentração: Políticas, gestão e avaliação em saúde. Orientação: Prof. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi.

1. Programas e Políticas de Nutrição e Alimentação. 2. Segurança Alimentar e Nutricional. 3. Políticas Públicas. 4. Saúde Pública. I. Título.

CDD 362.1

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MARCOS AURÉLIO MACEDO DE SOUSA

VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO

BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva em Associação Ampla UECE/UFC/UNIFOR, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Área de concentração: Políticas, Gestão e Avaliação em Saúde.

Aprovada em ____/ ____/_______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Lúcia Magalhães Bosi (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________ Profa. Dra. Kátia Yumi Uchimura

Faculdade Evangélica do Paraná e Ministério da Saúde (MS/Brasil)

______________________________________________________ Prof. Dra. Márcia Maria Tavares Machado

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________ Profa. Dra. Geison Vasconcelos Lira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________ Profa. Dra. Raimunda Magalhães da Silva

Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

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A todos que me toleraram quando vivi a

complexidade do drama pessoal de perda

da referência de família, período difícil, no

qual minha vida social e as atividades do

doutorado foram invadidas por uma

profunda e imobilizadora tristeza,

marcado por momentos em que quase

nada parecia fazer sentido. Hoje

reconheço que toda a experiência

passada e os sentimentos a ela

relacionados significaram um rito de

passagem para uma vida tanto mais

equilibrada e feliz, inclusive na

convivência com minhas duas filhas.

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AGRADECIMENTOS

Às mulheres que consentiram em participar do estudo e protagonizaram essa obra

com sensibilidade e ternura. A elas nossa estima e respeito.

À Eudaziane, minha mulher e parceira ideal, presente em cada seção desse trabalho

com inteligência e entusiasmo, ao dedicar esforços ao longo dos últimos dois anos

em sucessivas revisões e contribuições no texto, sem a quais essa versão final não

seria possível. Sem dúvidas foi a maior e mais imprevisível descoberta durante o

período que assinalou esse curso.

Aos informantes chaves e demais colaboradores que creditaram confiança no valor

desse trabalho. Todos eles são partícipes de nosso esforço de construção de uma

tese acadêmica dialogada com a comunidade.

Aos tradutores que me permitiram acesso a mais de uma centena de obras

originalmente publicadas em idiomas estrangeiros e referenciadas nesse texto.

Todos eles têm destacada importância hermenêutica nesse estudo, por força de

minha limitação na compreensão do inglês, francês, alemão e outros idiomas; em

especial agradeço à professora Jéssica, que se designou a traduzir com dedicação e

zelo os resumos produzidos ao longo desse trabalho.

À Bruna e Joyce, minhas filhas amadas, que mesmo morando em outro endereço,

muito me impulsionam a ser um pai digno, ou ao menos esforçado para merecer,

permanentemente, admiração e respeito, a exemplo dos sentimentos que cultivo por

elas.

À Malu Bosi pela qualidade e notável inteligência na condução da orientação desse

trabalho, apontando caminhos em Pesquisa Qualitativa e muitas vezes provocando

incomodações e inquietações que me remeteram à reflexão e ao esforço criativo na

direção da produção de inovações científicas e, nesse percurso, a submissão de

nove artigos científicos.

À Maristela Osawa pelos subsídios metodológicos que muito contribuíram no início

dessa caminhada.

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Aos professores Moses e Oscar, das Faculdades INTA, apoiadores incondicionais

durante todo o período desse curso.

Aos membros do colegiado do curso de Educação Física, que mesmo a despeito da

carência de professores naquela unidade acadêmica, apoiaram (por unanimidade)

meu afastamento remunerado para estudos de doutorado.

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“Eu sustento que a única finalidade da

ciência está em aliviar a miséria da

existência humana.”

(Bertold Brecht)

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RESUMO

No contexto da configuração política do direito humano e social à alimentação no Brasil, buscamos neste estudo compreender interesses, valorações e juízos presentes nas vozes de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa (BF) – reconhecido como um dos mais abrangentes em matéria de transferência direta e condicionada de renda com foco na pobreza. A metodologia inscreve-se na tradição da pesquisa qualitativa em saúde, fundada em uma abordagem reflexiva e dialética entrelaçada com a hermenêutica filosófica. Com base em entrevistas dialógicas junto a doze beneficiárias selecionadas conforme critérios baseados na moda da distribuição das famílias inscritas em Sobral-CE – gênero: feminino, idade: 30-39 anos e dois filhos > 18 anos –, foram analisados criticamente discursos e práxis relacionados ao BF, tomando-os como dimensões do debate acerca dos objetivos prioritários para definição de políticas públicas de alimentação e nutrição. A partir das fontes documentais consultadas e das experiências apreendidas no campo investigativo é interrogada a contribuição atribuída ao BF na indução da trajetória oblíqua da acomodação sob a égide da funcionalização da pobreza. Também é questionada a aproximação da mesma iniciativa estatal com a perspectiva de autonomia (financeira) sustentada, coerente com a premissa do capital humano ao prescrever a formatação de condutas orientadas por práxis higienistas de cuidado em saúde e de pedagogia empreendedora, tendentes a reduzir a pessoa humana a um bem de capital. Construímos uma rede interpretativa constituída por eixos temáticos estruturados em dimensões analíticas desdobradas em categorias empíricas. No cenário investigado, verificamos a singularidade moral das categorias liberdade e empregabilidade para as titulares do cartão do BF e, por outro lado, a materialização da lealdade como vínculo obrigacional forte e tenso na perspectiva da permanência da hegemonia política do agente patrocinador sobre os beneficiários, que devem obediência e explicações para fazer jus à transferência regular de renda, tendendo por isso a assumir posições políticas conservadoras. Adicionalmente, com esteio nas condicionalidades, esses sujeitos se revelam passíveis de investimento e controle estatal sobre seus corpos e esferas das suas vidas privadas. A produção subjetiva apreendida nessa tese desvela a falsa dicotomia acomodação/autonomia, apontando antes para comportamentos estereotipados e, sobretudo, ambíguos, de modo a tornar insubsistente a redução da complexidade de tais fenômenos a uma ou outra polaridade, e, nesse sentido, contraindicando argumentos de natureza maniqueístas ou qualquer abordagem linear que, notadamente por negligencia à dialética dos processos simbólicos, exclua as contradições e os paradoxos inerentes ao programa em questão.

Palavras-chave: Direito à Alimentação. Segurança Alimentar e Nutricional. Programa Bolsa Família. Alimentação e Nutrição. Políticas Públicas. Saúde Coletiva.

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ABSTRACT

In the context of the political configuration of the human and social right to food in Brazil, this study sought to understand interests, valuations and judgments present in the voices of beneficiaries of Bolsa Familia and the official texts of this program (PBF) - recognized as one of the most comprehensive programs in terms of direct and conditioned income transfer focusing on poverty. The methodology follows the tradition of qualitative health, based on a reflective and dialectical approach intertwined with the philosophical hermeneutics. Underpinned by dialogic interviews with twelve beneficiaries selected according to criteria based on the mode of the distribution of families enrolled in Sobral-CE – gender: female, age: 30-39 years and two children > 18 years old – were critically analyzed the discourses and praxis related the PBF, taking them as dimensions of the debate about the overriding objectives for setting of public policies regarding food and nutrition. From the documented sources consulted and the experiences learned in the investigative field is interrogated the contribution attributed to PBF in the induction of slant range of accommodation under the aegis of functionalization of poverty. It is also questioned the approach of the same state initiative with the prospect of (financial) autonomy sustained, consistent with the premise of human capital when prescribing the organization of behaviors driven by hygienist praxis concerning health care and entrepreneurial pedagogy, which tend to reduce the human being person to a capital asset. We have built a interpretative network consisting of thematic axis structured according to analytical dimensions split into empirical categories. In the scenario investigated, we have verified in one hand the moral uniqueness of the categories freedom and employability for the PBF cardholders. And on the other hand, the embodiment of loyalty as a strong and tense obligation bond in the view of the permanence of sponsoring agents’ political hegemony towards the beneficiaries, who owe obedience and explanations to justify the regular income transfers, tending thus to assume conservative political positions. Additionally, with the conditionality mainstays, those subjects turn out to be liable for investment and state control over their bodies and areas of their private lives. The subjective production apprehended in this thesis reveals the false dichotomy accommodation/ autonomy, pointing then to stereotyped behaviors and especially ambiguous, so as to make ineffectual the reducing of the complexity of such phenomena to either one or the other polarity, and in this sense contraindicating arguments of Manichean view or any linear approach that notably due to negligence towards the dialectic of symbolic processes, exclude the contradictions and inherent paradoxes in the program in question.

Keywords: Right to Food. Food Security. Bolsa Família Program. Food and Nutrition. Public Policy. Public Health.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Espirais de bases de dados inter-relacionadas por

triangulação de métodos............................................................

121

Figura 2 – Etapas do método de investigação dialético.............................. 125

Figura 3 – Passos da análise preliminar...................................................... 141

Figura 4 – Mapas de localização de Sobral no Ceará e no Brasil............... 148

Figura 5 – Principais eixos de ação políticas projetadas para serem

desenvolvidos conforme concepção inicial do Projeto Fome

Zero............................................................................................

171

Figura 6 – Esquema das propostas do Projeto Fome Zero......................... 172

Figura 7 – Execução Financeira (R$ milhões) do Bolsa Família e

programas remanescentes, 2003-2006, Brasil...........................

230

Imagem 1 – Imagem do Alto do Cristo Redentor, ponto mais alto da cidade

de Sobral-CE..............................................................................

147

Imagem 2 – Imagem de satélite dos bairros D. José I (“Alto Novo”) e D.

José II (“Sem Terra”)..................................................................

148

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Princípios explícitos da Constituição Federal identificados com o

Direito à Alimentação, Brasil, 1988................................................ 73

Tabela 2 – Normas da Constituição da República Federativa do Brasil

implicadas com o Direito à Alimentação........................................ 75

Tabela 3 – Perfil etário e tempo de permanência em programas de

transferência condicionada de renda das famílias beneficiárias

do PBF objeto das entrevistas.......................................................

156

Tabela 4 – Rede Interpretativa........................................................................ 164

Tabela 5 – Comparativo entre o número dos moradores de domicílios

particulares permanentes em situação de extrema pobreza e a

quantidade de beneficiários do PBF, Sobral, Cerá, Nordeste,

Brasil..............................................................................................

176

Tabela 6 – Famílias inscritas no PBF, Sobral, Ceará, Nordeste, Brasil, 2004-

2013................................................................................................

177

Tabela 7 – Evolução do Produto Interno Bruto, 2006-2008, Sobral, Ceará,

Brasil..............................................................................................

178

Tabela 8 – Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme

critério de composição das famílias com renda familiar de até R$

70,00 (extremamente pobres)........................................................

180

Tabela 9 – Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme

critério de composição das famílias com renda per capita de R$

70,00 a R$ 140,00..........................................................................

181

Tabela 10 – Movimentação de empregos formais em Sobral, janeiro a maio

de 2013...........................................................................................

245

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LISTA DE APÊNDÍCES

Apêndice A – Tópico Guia.............................................................................. 325

Apêndice B – Quantidade de titulares do cartão do Bolsa Família por idade, Sobral-CE, março de 2013......................................................

326

Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para Gestores do Programa Fome Zero / Bolsa Família..................

328

Apêndice D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para Beneficiários do Programa Fome Zero / Bolsa Família............

329

Apêndice E – Ofício de Solicitação para realização da pesquisa no Município de Sobral-CE............................................................

330

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRANDH Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos

AC Análise de Discurso

ADC Análise Crítica de Discurso

CadÚnico Cadastro Único para Programas Sociais

CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional

CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão

CEF Caixa Econômica Federal

CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CNS Conselho Nacional de Saúde

CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar

CGU Controladoria-Geral da União

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FZ (“Programa”) Fome Zero

GM/MDS Gabinete do Ministro / Ministério do Desenvolvimento Social

HP Hermenêutica de Profundidade

IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão

IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAN Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição

IOCS Inspetoria de Obras Contra as Secas

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplica

LOSAN Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MPI Ministério Público do Estado do Piauí

MS Ministério da Saúde

MTE Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

MDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

MP Medida Provisória

MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

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MEC Ministério da Educação

MTIC Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio

NUNPRA Núcleo de Nutrição e Produção de Alimentos

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PBF Programa Bolsa Família

PET Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PGRM Programa de Garantia de Renda Mínima

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PNAN Política Nacional em Alimentação e Nutrição

PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PPA Plano Plurianual

PR Partido da República

SAN Segurança Alimentar/Nutricional

SAPS Serviço de Alimentação da Previdência Social

SECOM Secretaria de Comunicação da Presidência da República

PDT Partido dos Trabalhadores

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 19

1.1 Objetivos................................................................................................... 32

2 NOTAS SOBRE AS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO

BRASIL: UMA APROXIMAÇÃO DE UM ENFOQUE HISTÓRICO-

CRÍTICO...................................................................................................

33

2.1 Fundamentos históricos da proteção social.............................................. 33

2.2 O Estado provedor e a emergência da alimentação como política

pública......................................................................................................

35

2.3 “Alimentação racional” e o processo de formação profissional em

Nutrição.....................................................................................................

40

2.4 A configuração da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no

contexto da “Guerra Fria”..........................................................................

45

2.5 Movimentos sociais e mudanças na pauta em alimentação e

nutrição.....................................................................................................

50

2.6 Segurança alimentar/nutricional no Brasil: uma meta republicana

articulada à pauta de direitos humanos....................................................

54

3 ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO EM MATÉRIA DE SEGURANÇA E

DIREITO: INTERFACES SOCIOPOLÍTICAS NO ÂMBITO DE UMA

PERSPECTIVA CRÍTICO-COMPREENSIVA...........................................

59

3.1 Configuração do Estado democrático para com o imperativo dos

direitos humanos sociais...........................................................................

61

3.2 Pressupostos conceituais e normativos da Segurança

Alimentar/Nutricional.................................................................................

66

3.3 A (In)segurança Alimentar e Nutricional e a força do mercado................ 69

3.4 A positivação do Direito à Alimentação no contexto da

globalização..............................................................................................

72

3.5 Tutela judicial do Direito à Alimentação no Brasil..................................... 76

3.5.1 Reserva financeira do possível................................................................. 77

3.5.2 Princípio da proibição do retrocesso social.............................................. 81

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34

3.6 Da positividade jurídica à hermenêutica do Direito Social à Alimentação

no Brasil...................................................................................................

84

4 ALIMENTAÇÃO, CONSUMO, NECESSIDADES HUMANAS: UMA

APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CRÍTICA..................................................

91

4.1 Necessidades humanas, mercado e devir histórico................................. 92

4.2 Comércio de alimentos, consumo e a questão da (in)segurança

alimentar/nutricional.................................................................................

93

4.3 A pertinência de uma teoria crítica........................................................... 95

5 VALORAÇÕES E JUÍZOS DE MÉRITO DO BOLSA FAMÍLIA NA

PRÁXIS EM ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO............................................

98

5.1 Senso comum e ideologia na esteira do conhecimento

científico....................................................................................................

99

5.2 Hermenêutica e dialética: convergências à realidade empírica do Bolsa

Família......................................................................................................

103

5.3 Práxis em alimentação e nutrição no contexto da transferência de

renda para demanda por comida.............................................................

109

5.4 O lugar das condicionalidades: oposição ou situação em face da

política de direitos humanos sociais........................................................

111

5.5 Condicionalidades e a perspectiva do investimento social em capital

humano.....................................................................................................

113

6 PERCURSO METODOLÓGICO.............................................................. 120

6.1 Pressupostos teóricos e metodológicos.................................................. 120

6.1.1 Triangulação de métodos: arte e ciência................................................. 120

6.1.2 Articulação da hermenêutica com a dialética do concreto....................... 124

6.1.3 Hermenêutica na vertente da tradição da teoria crítica...........................

126

6.1.4 Compreendendo a representação da realidade: linguagem e

comunicação............................................................................................

130

6.1.5 Matriz do estudo....................................................................................... 133

6.2 Análises do material discursivo............................................................... 136

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35

6.2.1 Tecendo caminhos entre a teoria e a empiria: Análise de Discurso e

suas implicações epistemológicas para o estudo dos

textos/documentos...................................................................................

137

6.2.2 A análise documental............................................................................... 140

6.2.2.1 Análise preliminar.................................................................................... 140

6.2.2.2 Análise propriamente dita........................................................................ 143

6.3 Fazendo o campo: Diálogo com os protagonistas do estudo.................. 144

6.3.1 A entrevista qualitativa na perspectiva de oportunizar o diálogo franco

e aberto....................................................................................................

146

6.3.2 Cenário do estudo.................................................................................... 148

6.3.3 O momento das entrevistas dialógicas.................................................... 149

6.3.4 Rede de contatos: mediações necessárias............................................. 151

6.3.5 Beneficiário tipo........................................................................................ 155

6.3.6 Roteiro Guia e saturação teórica............................................................. 157

6.4 Processo de codificação das informações qualitativas consoante a

Análise Crítica de Discurso.......................................................................

158

6.5 Rede Interpretativa................................................................................... 163

7 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ÉTICOS........................................... 166

8. O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS........................................................ 168

8.1 O Fome Zero com o Bolsa Família.......................................................... 168

8.2 “Programa” Fome Zero: Do projeto político à estratégia de governo

com objetivos em alimentação e nutrição................................................

170

8.3 O Bolsa Família e a erradicação da pobreza........................................ 175

8.4 A propósito da porta de saída do Bolsa Família (se é que há

alguma).....................................................................................................

184

9 A VOZ DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO BOLSA FAMÍLIA........... 189

9.1 Demandas de necessidades aos reconhecidamente pobres................... 189

9.2 A dimensão econômica da pobreza, planos de governo federal e o

cadastro único de programas sociais.......................................................

196

9.3 Dignidade e autonomia da pessoa humana em face da superação da

pobreza.....................................................................................................

200

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36

9.4 Advocacy e a perplexidade com as mobilizações de junho de 2013........ 203

9.5 “A gente” ante “eles” no contexto da dimensão imaterial da experiência

de pobreza...............................................................................................

208

9.6 O apartheid social brasileiro..................................................................... 214

9.7 O “Lula pai” e a compensação da presença do Estado à ausência

paterna.....................................................................................................

218

9.8 “Muita gente não recebe (o Bolsa Família) e precisa...”: Dimensões de

coordenação e controle do Bolsa Família................................................

225

9.9 Fiscalização e controle do Bolsa Família.................................................. 228

9.10 Dádiva ou favor........................................................................................ 234

9.11 Ócio, trabalho e poder.............................................................................. 239

9.12 “... Tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um

pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família.”............................................

247

9.13 O Programa Bolsa Família e o jogo político............................................. 254

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 263

REFERÊNCIAS........................................................................................ 270

APÊNDICES............................................................................................ 325

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19

1 INTRODUÇÃO

A presente investigação inscreve-se na vertente qualitativa da pesquisa em

saúde coletiva, em busca de compreender significados e sentidos atribuídos ao

Programa Bolsa Família (PBF), procurando avançar na avaliação crítica do processo

de criação política e de produção subjetiva daquele programa, cuja relevância e

atualidade decorrem, sobretudo, do amplo espectro de abrangência da transferência

direta e condicionada de renda em benefício de famílias em condição de pobreza no

Brasil.

Ao focar o PBF, nossa pesquisa parte da compreensão hermenêutica que

sustenta a efetivação do direito social fundamental à alimentação como pré-requisito

indispensável à justiça social. Nesse contexto epistemológico, é pertinente indagar

quais os significados com que se reveste o ideal, ético e político, de zerar a fome no

Brasil no sentido de concretização da condição humana e social de segurança

alimentar/nutricional (SAN) no país?

Antes, porém, foi lançado em 2003 o “Fome Zero” (FZ), pensado conforme o

próprio nome sugere, como um “Programa” de governo de combate à fome, que se

notabilizou de partida pelo repasse às famílias pobres de cupons para troca por

comida. Todavia, tal iniciativa nunca existiu verdadeiramente como um programa

institucional e, na sequência, foi assumido como estratégia integradora de programas

relacionados de algum modo à segurança alimentar/nutricional (SAN), com destaque

ao Programa Bolsa Família (PBF). Nesse sentido tem-se o Fome Zero com o Bolsa

Família, mas que para efeito desse trabalho preferimos designá-lo simplesmente

como PBF.

Na verdade, justamente porque desde 2004 o FZ passou a ser centrado no

benefício do Bolsa Família, que representa a unificação de programas pontuais de

transferência de renda, verifica-se, mesmo a teor da literatura científica, que o

primeiro é confundido ou entendido como transformado no segundo. Sendo assim,

se antes tínhamos um conjunto de propósitos apresentados pelos idealizadores do

“programa” FZ, enquanto práxis discursiva, atualmente temos a amplitude de uma

política de proteção social capitaneada no Bolsa Família com condicionalidades, em

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um contexto da complexa articulação intersetorial e federativa.

Na elaboração da proposta desse estudo partimos da premissa de que, a

despeito de contextos internacionais específicos, a velocidade e a intensidade das

mudanças ocorridas na dinâmica do mercado internacional em vias de globalização,

trazem consigo a exigência de mudanças no desenho e nas funções do Estado,

inclusive com a nova configuração das políticas públicas, passando a incorporar a

preocupação com as mazelas sociais associadas à fome e à miséria.

Nosso compromisso nesse trabalho envolve também a exploração dos

discursos e da práxis presentes no universo empírico do PBF, tomando-os no

contexto do debate acerca dos objetivos prioritários para a construção de políticas

públicas com foco na pobreza, tangenciando o tema alimentação e nutrição em

saúde coletiva.

No âmbito da Saúde Coletiva, Bosi e Prado (2011) discutem perspectivas,

limites e significados do binômio alimentação/nutrição, ressaltando a questão da

condição (humana e social) de segurança na interface das duas dimensões

inerentes à expressão SAN, envolvendo medidas relacionadas à disponibilidade e

ao acesso (dimensão alimentar) combinadas à utilização biológica da comida

(dimensão nutricional), em um contexto de cidadania (BATISTA FILHO, 2003;

MONNERAT, 2007).

Nessa perspectiva, importa ressaltar que a SAN deve ser entendida como uma

condição coletiva na qual se tem – de modo contínuo – acesso físico e econômico à

alimentação suficiente, segura, nutritiva, em harmonia com o meio ambiente,

respeitada a base cultural que viabiliza sua produção e o uso sustentável. Tal

condição deve ser garantida por políticas públicas (o público assumido como esfera

onde agem tanto agentes privados quanto governamentais), competindo

primordialmente ao Estado a proteção e a promoção do direito à alimentação.

Cumpre assinalar que nas últimas décadas, o debate acerca dos objetivos

prioritários para o planejamento e construção de políticas sociais tem,

invariavelmente, envolvido a SAN – demanda de saúde coletiva, cuja discussão não

se esgota na especificidade desse tema, apontada como princípio norteador de

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políticas públicas (PESSANHA, 2002). Reconhece-se, nesse campo, o caráter

amplo que possui uma política em tal setor, posto que além de procurar promover a

justiça social, situa-se como um dos eixos estratégicos do desenvolvimento que

associa crescimento econômico e equidade social, como pressuposto de (uma nova)

cidadania (NASCIMENTO; ANDRADE, 2010).

Assim, conhecer as condições de possibilidade de uma dada realidade social,

circunscrita em uma (por assim dizer) estratégia de governo para mitigar a

insegurança alimentar/nutricional e a miséria, requer o estudo de suas dimensões

qualitativas, incursionando pelas representações sociais como produção subjetiva e

construção político-estatal.

Nesse horizonte, seguindo um percurso hermenêutico, buscamos a apreensão

de representações do movimento da realidade percebida, interesse central da

pesquisa qualitativa em saúde, cujos pontos de vista dos atores sociais, conforme

observa Camargo Jr. e Bosi (2011) devem ser valorados na busca da compreensão

dos complexos processos subjetivos e simbólicos subjacentes aos desfechos, ditos

objetiváveis, mas não reduzíveis a simples mensuração.

A projeção de convergência do campo do direito com o da alimentação, indo e

vindo, no corpus da tese é provocada pelas inquietudes, desconfortos e incômodos

que marcaram a formação e atuação profissional do autor, acumulando identidade

como nutricionista e advogado, combinada a nossa trajetória, tensionada por temas

de alimentação e nutrição, no exercício do magistério universitário em cursos da

área de saúde. Também foi importante a experiência acumulada ao longo de nove

anos com assessoria de programas/projetos sociais, cumprindo em especial

monitorar dados quantitativos em saúde e nutrição junto a dezenas de organizações

não governamentais em alguns países da América Latina.

No entanto, já naquela época a abordagem quantitativa, uma vez pautada no

pragmatismo lógico da estatística – ressalvando sua importância científica – não

dava conta da complexidade da tarefa de compreender os processos implicados

com nossa atuação profissional no campo da alimentação e nutrição, em meio às

inquietações, incomodações e desconfortos que comumente desafiam a profissão

de nutricionista. Em outras palavras, a frieza dos dados e outras construções

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epistemológicas, a exemplo dos índices e indicadores de avaliação do “estado

nutricional” (na esteira do esforço no sentido de associá-los, cruzá-los ou relacioná-

los conforme a lógica linear de determinação do processo saúde/doença)

denunciavam a sua própria insuficiência para explorar as múltiplas dimensões

presentes na condição (humana e social) de segurança alimentar/nutricional.

Para discutir a concepção da alimentação (adequada e saudável) como direito

em face da empiria pautada no PBF, enquanto objeto síntese de investigação,

adotamos uma determinada perspectiva analítica que entende os discursos como

produtores e comunicadores de significados capazes de, uma vez compartilhados,

informar e traduzir concepções de mundo, permeadas sempre por certas

representações sobre a política e o poder.

Com efeito, as construções discursivas são dimensões integrantes das lutas

pela hegemonia, traduzindo ideias que não se restringem a uma esfera cultural

supostamente isolada, mas encontram-se materializadas, como argumentaram,

entre outros, Williams (1981) e Mouffe (1978), nas práticas sociais e nas instituições

em geral.

A investigação por nós empreendida buscou essencialmente apreender

dimensões presentes no universo empírico pesquisado, valorando neste processo

as falas das mulheres entrevistadas, referências singulares da experiência como

beneficiárias de transferência direta e condicionada de renda. Desse modo, nosso

desígno interpretativo nesse trabalho foi orientado pela abertura à perspectiva crítica

e reflexiva das questões presentes e possibilidades apontadas no campo

pesquisado, a exemplo de sofrimento e liberdade, respectivamente.

A etapa de exploração dos sentidos e significados do material empírico reunido

foi assumida como um desafio em permanente movimento, provocando uma

reflexão hermenêutica em face da tradição da escola crítico-social de Frankfurt,

notadamente o materialismo dialético. Nesse esforço crítico-compreensivo,

procuramos explorar contradições, paradoxos e falsas dicotomias presentes em

textos do programa, frequentemente em absoluto descompasso com a voz das

pessoas designadas como beneficiárias.

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Também foi nosso propósito explorar discursos e práxis em alimentação e

nutrição no contexto do PBF, tomando-os como dimensões integrantes do debate

acerca dos objetivos prioritários para o planejamento e construção de políticas

públicas focadas na pobreza. Nesse sentido, buscamos confrontar a dualidade

dialética entre emancipação sustentada e acomodação em face da transferência

condicionada de renda às famílias em suposta condição de insegurança

alimentar/nutricional por recorte econômico.

Por práxis em alimentação e nutrição entende-se, no escopo deste texto,

como um modo de viver e de interpretar criticamente significados relativos à

idealizada condição humana de segurança alimentar/nutricional, desvelando limites

e possibilidades do universo simbólico do comer e da comida em sua perspectiva

política, historicamente articulada à concepção de justiça social.

A teor da produção subjetiva de mulheres titulares do cartão do Bolsa Família

procuramos analisar nessa pesquisa os desdobramentos políticos e morais da

presença da transferência de uma renda mínima e condicionada na vida de famílias

em situação de privação material. A discussão seguiu ao lado de uma análise crítico-

compreensiva fundada em uma postura reflexiva de temas e dimensões analíticas

amparadas na Análise Crítica de Discurso (ADC).

Contudo, analisar criticamente um discurso requer, além de intuição e argúcia,

um método capaz de envolver uma série de dimensões sujeito-sujeito à maneira de

um encontro aberto e franco entre dois sujeitos que, sabe-se, desempenham papéis

diferentes. Desse modo, como lembra Vasconcelos (2005, p. 42):

Esse encontro não termina quando ambos se dão as costas após a entrevista. Existe uma ressonância que permanece num e noutro e que pode causar uma inferência sobre respostas silenciosas, segredos, esquecimentos, tartamudez, alheiamentos, recorrências, etc.

A decisão de fazer a análise do discurso impõe uma mudança epistemológica

radical, posto que o uso de tal técnica implica em questionar os pressupostos e as

maneiras como o analista habitualmente dá sentido às coisas. Nessa tarefa é

indispensável examinar a maneira como a linguagem é empregada, e, conforme a

perspectiva hermenêutica, estar sensível ao não dito, ao silêncio, em face dos

contextos aos quais os textos se referem (GILL, 2007).

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Com vistas à construção de informações qualitativas que representem

percepções e outras dimensões da subjetividade das beneficiárias, optamos pelo

emprego da técnica da entrevista dialógica, uma modalidade de conversação em

profundidade, aberta à fala livre das entrevistadas, cuja análise

[...] requer que as vozes das mulheres sejam ouvidas muito atentamente e repetidas vezes, para que se possa capturar uma dimensão não tangível às outras modalidades de pesquisa sobre o tema.

(PINZANI; REGO, 2013, p. 18).

No caso, empregamos um Roteiro Guia contendo eixos temáticos

desdobrados em questões, ambos harmonizados com a contextualização do objeto

da pesquisa, em direção à saturação teórica dos principais temas a ele pertinentes.

Na busca de alcançar uma análise crítica de discurso capaz de refletir as

experiências das pessoas envolvidas nessa investigação, na qualidade de

contempladas com o benefício em dinheiro, e o lugar do Estado provedor nesse

processo, procuramos combinar informações de documentos públicos com

informações colhidas nos discursos das beneficiárias do programa, incorporando no

texto da discussão uma abordagem reflexiva com base em pressupostos teóricos e

conceituais da hermenêutica filosófica, assumida em sua perspectiva crítica e

dialética.

No trabalho de campo, a partir das vozes das beneficiárias, foi interessante

verificar o surgimento de novos temas e categorias empíricas, ao ponto de nos

remeter a seguidas imersões na teoria, desde a revisitação das fontes antes

consultadas até a busca de novas referências, de maneira a implicar em maior

aprofundamento da análise via diálogos interdisciplinares por indução da empiria.

No curso de nosso giro compreensivo baseado na teoria crítica, muitas vezes

foi necessária a resignificação (ou mesmo mudanças) dos pressupostos teóricos e

conceituais apreendidos junto ao núcleo de ciências sociais e humanas do campo da

Saúde Coletiva. Foi nesse movimento de permanente diálogo que a nossa proposta

de pesquisa – uma vez sistematizados e integrados eixos temáticos, diretrizes

analíticas e categorias empíricas – apontou para a construção de uma estratégia

hermenêutica, a Rede Interpretativa, com vistas a nortear a análise e discussão dos

dados qualitativos, viabilizando a revisão rigorosa e sistemática do que dizem os

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documentos e as vozes consignadas em nossos dados.

O discurso político-ideológico do PBF constituiu uma unidade privilegiada de

análise, tendo sido interpretado particularmente em face da lógica do modo de

produção e consumo do mercado capitalista. Para tanto, com frequência, foi

importante considerar os documentos que oficializam a construção e o implemento

da iniciativa em confronto com os discursos dos sujeitos sociais envolvidos como

beneficiários de tal política social.

Noutro sentido, procedemos à validação dos achados do campo na

triangulação com uma análise de documentos oficiais e uma revisão sistemática do

objeto de estudo na interface do campo da Saúde Coletiva com a literatura em

ciências sociais e humanas.

Sendo assim, na perspectiva de uma estratégia de diálogo interdisciplinar

aberto às facetas distintas dos nossos dados – e, por conseguinte, de uma

diversidade de dimensões analíticas – optou-se nesse trabalho pelo uso da

triangulação de métodos, assumindo-se desse modo uma postura hermenêutica que

buscou articular reflexividade e dialética do concreto. Para tanto, nosso

empreendimento analítico valorou o entrelaçamento entre o discurso sobre o Bolsa

Família e seus desdobramentos no contexto envolvido, considerando com primazia o

ponto de vista dos beneficiários em contraste com a linguagem técnica dos

documentos oficiais, agregando-se na discussão uma variedade de formulações

teóricas sobre os temas destacados.

Nosso campo investigativo foi constituído por 12 mulheres na faixa de 30

anos, residentes na perifeira urbana de um município de médio porte situado no

semiárido do Nordeste brasileiro. Com elas, sem a pretensão de esgotar o tema, foi

problematizado o propalado paradoxo acomodação/emancipação, que seria induzido

pela transferência de renda sem contrapartida de trabalho. Como parte de nosso

exercício compreensivo, procuramos explorar a crítica que atribui a esse programa o

papel de favorecer a ociosidade e, por efeito, a acomodação em função da

dependência da transferência de dinheiro, desestimulando a superação da condição

de pobreza.

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Exploramos nesse trabalho, ainda que não de modo exaustivo, a premissa da

autonomia sustentada das famílias consoante à perspectiva desenvolvimentista de

investimento no capital humano, com foco na superação da pobreza material. Tal

idéia, por força da combinação de práticas higienistas e pedagogia empreendedora,

traz em si uma forte componente de biopoder (FOUCAULT, 2010). Nessa articulação

interpretativa, de partida, questionamos a vertente do pensamento liberal que

destaca a pessoa humana como bem de capital, e, nesses termos, “coisificado” como

alvo de investimento econômico e objeto de disciplinamento de sua conduta em face

de serviços públicos preconizados como dever do Estado e direito de cidadania na

Constituição Federal.

Não foi nossa pretensão um proceder de análise maniqueísta – vale dizer, do

tipo bem versus mal – quanto ao mérito do PBF. Procuramos, sobretudo, avançar na

discussão da realidade concreta desse programa, buscando a apreensão de uma

série de relações históricas e materiais, nas quais ele se inscreve, incluindo as

movimentações envolvidas e as contradições inerentes a sua existência.

No nosso processo de construção analítica valorizamos as evidências de que

em um mundo cujas desigualdades sociais são cada vez mais aprofundadas, a

consciência humana vai incorporando gradualmente a solidariedade como categoria

ética, resultante de uma sensibilidade eficaz e transformadora em direção à justiça

social (SACHS, 2000 apud DEMO, 2002). Nesse sentido, o Estado vem adotando

salvaguardas e medidas compensatórias em favor das sociedades mais

empobrecidas (KOERNER, 2003).

Na realidade, o debate acerca da distribuição desigual de renda no Brasil não é

recente, nasceu nos anos 1970 e não parou mais. Já naquela década prevalecia a

força explicativa da Teoria do Capital Humano para justificar as diferenças regionais

de renda e sua associação com uma série de fatores, a exemplo da tradição que

aponta o número de membros e a composição etária do grupo familiar como

impulsionadores do setor primário da economia; ao tempo que, na

contemporaneidade, em face da globalização neoliberal, a educação passa a ser a

variável mais relevante para favorecer avanços na economia, dessa vez nos setores

secundário e terciário, frações mais dinâmicas do mercado (LANGONI, 1973;

VIANA; LIMA, 2010).

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No Brasil dos anos 1990, com esteio em um processo internacional

identificado com as origens do Estado de proteção social (notabilizado pelo avanço

dos direitos de cidadania), houve uma efervescência da luta contra a miséria e a

fome. Passam a prevalecer nesse período concepções mais abrangentes de

sistemas de proteção social, em uma perspectiva de solidariedade para com os

excluídos dos meios de produção, e, por efeito, à margem do consumo

(MONNERAT et. al., 2007; AZEVEDO; BURLANDY, 2010).

Dados de 2006 revelam que 95% da população infantil frequentava a Escola

no Brasil, ao passo que apenas 33% dos jovens haviam terminado naquele ano o

ensino médio. Tal fato é suficiente para justificar, conforme propugna o senador

Cristovam Buarque, um esforço nacional em favor da universalização da frequência

às aulas até a conclusão do Ensino Médio (BRASIL, 2007a), como também no

sentido de oportunizar o acesso a uma educação pública e de qualidade.

Cumprem então às diferentes esferas de governo, no plano de solidariedade

orgânica e justiça social, empreenderem programas comprometidos com objetivos e

metas em alimentação e nutrição, sustentados por abordagens focadas na

superação da pobreza. Nesse sentido, surge em 2003, o Programa Bolsa Família

(PBF), anunciado como parte do então “Programa” Fome Zero (BRASIL, 2003a), de

abrangência nacional, com a pretensão de promover os cidadãos privados do

mínimo existencial (em termos materiais) a uma condição de dignidade como pessoa

humana, e nesse prisma prover um direito social.

Em realidade, por força da difícil caracterização e da vasta complexidade dos

problemas relacionados à pobreza e à SAN, e à relações entre ambas, o critério da

renda tem sido criticado por sua limitação (restrita à dimensão econômica) na

escolha dos beneficiários, e, nesse passo, como preditor de intervenção. Dada essa

complexidade, o recomendável (como preceito de adequação) é proceder a uma

análise ampliada das possibilidades de utilização da renda transferida conforme as

distintas caracterizações e contextos de vulnerabilidade familiar (BURLANDY, 2007).

Contudo, no enfrentamento da situação econômica das famílias carentes de

recursos materiais, por além da mera distribuição de dinheiro, não se pode prescindir

de programas voltados à promoção de uma efetiva redistribuição de renda, capaz de

desconcentrar a riqueza socialmente produzida no país (SILVA, 2007).

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O PBF como modalidade de transferência direta de renda, não obstante

enuncie o propósito de favorecer a emancipação sustentada das famílias mais

empobrecidas, paradoxalmente parece estabelecer algumas condições objetivas

propícias à acomodação dos beneficiários àquela ajuda externa (e nesse sentido um

viés assistencialista), a exemplo da conversão da própria situação de pobreza

material em “zona de conforto” apta a justificar a permanência da retribuição em

dinheiro. A adesão a tal benefício financeiro significa, nessa perspectiva,

acompanhar as recomendações dos agentes estatais, em um plano de suposta “boa

vontade”, para com o enfrentamento da problemática da exclusão social. Nessa

perspectiva, a adesão àquela medida compensatória de renda com

condicionalidades – como adiante será exposto – significaria acompanhar as

recomendações dos agentes estatais, em um plano de suposta “boa vontade” para

com o enfrentamento da problemática da exclusão social.

Assim, como alerta Demo (2002), o discurso acerca da solidariedade, exposto

com um dos fundamentos das políticas compensatórias, pode ser qualificado como

tendencioso, pois ao tempo que não passa de meras ajudas residuais, traz implícito

um efeito de poder, distanciado da projeção de emancipação autônoma das

populações implicadas.

Nesse contexto de crítica ao que está posto no discurso oficial do Bolsa

Família, apontado como o mais abrangente programa social do Brasil (UCHIMURA

et al., 2012), é pertinente a singularidade de uma abordagem fundada no

questionamento político propriamente dito, capaz de abranger as relações desiguais

de poder envolvidas (inclusive aquelas de cunho clientelista, movidas por propósitos

eleitorais escusos) na discussão do aporte de dinheiro para demandas em

alimentação e nutrição, ainda mais quando exigidas das famílias condicionalidades

em saúde e educação e assistência social.

Considerando-se toda essa polêmica, é pertinente a discussão sobre as

valorações e juízos de mérito atribuídos ao Bolsa Família na práxis em alimentação

e nutrição, enfocando-o em virtude da interrogação quanto à idealizada porta de

saída dos beneficiários, no centro da arena de disputas entre diferentes concepções

de políticas sociais de combate à pobreza e à fome, suas motivações e interesses

relacionados.

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Por outro lado, uma vez destacada a SAN no eixo central das políticas públicas

do Brasil – também motivada por indicadores sociais, insurge a importância de

procurar compreender as movimentações em favor do ideal de zerar a fome no país.

Para tanto, se faz oportuno recuperar a trajetória de dez anos do PBF até a sua

projeção atual de expansão para 16,2 milhões de brasileiros até 2014, via Ação

“Brasil Carinhoso”, no governo Dilma (BRASIL, 2011a).

Nesse debate aberto, resolvemos construir uma análise crítico- compreensiva

da práxis discursiva do PBF, enfocando-o no ambiente de conjuntura do país e de

seus determinantes, em associação com a discussão da problemática da fome como

miséria social – expressa na forma de violação ao direito à alimentação. A idéia foi

avançar com uma abordagem qualitativa daquela medida distributiva de renda no

âmbito de uma articulação estratégica para garantir o mínimo existencial em matéria

de alimentação e nutrição, e, nesse passo, em direção à almejada promoção

socioeconômica.

Adicionalmente, problematizamos a articulação entre senso comum, ciência e

ideologia na compreensão do preceito do investimento em capital humano com

vistas à superação da pobreza estrutural (e com ela a fome enquanto expressão de

miséria) através de pacotes de serviços públicos consignados na Constituição

Federal como direito-dever fundamental.

Como parte do trabalho de campo, optamos por realizar as entrevistas,

imediatamente após o final de um quadriênio da administração municipal do PBF

(correspondente ao mandato do prefeito), assinalando desse modo uma

coincidência com o período regular de nossa permanência nas atividades do curso

de doutorado. Sendo assim, os resultados traduzem o momento de fechamento da

gestão local do programa, entre os anos de 2009 a 2012.

Sustentamos que um trabalho hermenêutico voltado a entender o sentido de

um direito (se é que há algum) aplicável na melhoria da condição humana, deve ser

buscado também no texto das leis e em suas relações intertextuais (em face do

contexto ampliado do sistema jurídico e seus determinantes), que lhe conferem

relativa autonomia. Por tais considerações, foram consultadas fontes do direito

positivo, tomando-se a concepção ampliada de norma, de modo a abranger – além

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da lei em sentido estrito – decretos, portarias e outras normas jurídicas e

administrativas, que compõem o produto da construção jurídica do ideal político de

acabar com a fome e a miséria no país.

No afã de avançar por fronteiras do conhecimento, entendemos que nesse

trabalho de tese a consideração das interfaces históricas, socioeconômicas e

políticas do direito à alimentação é condição indispensável para a construção de

uma investigação crítica e para a análise/discussão fundamentada dos processos de

enfrentamento da insegurança alimentar/nutricional no Brasil.

Na esfera da literatura científica, nacional e internacional, é notável uma lacuna

em termos de abordagem qualitativa da dimensão moral e política de temas

emergentes em alimentação e nutrição, que demandam produção de conhecimento

no campo da saúde coletiva. Faltam análises com enfoque em perspectivas crítico-

compreensivas da vertente humana e social fundamental do direito à alimentação,

considerando-se, em particular, necessidades e interesses subjacentes às políticas

públicas, vale dizer, a “realidade sensível”, tal como percebida pelas pessoas

envolvidas nos programas sociais. Segundo Assis et al (2008), a literatura de

avaliação de tais programas enfatiza, basicamente, o potencial transformador dos

indicadores.

A propósito da pertinência da realização de pesquisas qualitativas, em um

extenso trabalho experimental para aferir o impacto de programas governamentais

no campo da alimentação e nutrição – estruturado (matrizes) por categorias e

dimensões pré-estabelecidas, Santos e Santos (2008a) verificaram a limitação do

modelo tipo estrutura-processo-resultado, sobretudo por omitir a discussão de

aspectos políticos e estruturais. A ampliação das dimensões de análise é tida e

reconhecida pelas autoras como imprescindíveis ao longo da pesquisa (sob pena de

comprometer a qualidade da análise) para contextualizar conjuntura e outras

ambiências da própria administração pública executora. Na mesma linha

argumentam os textos de Uchimura e Bosi (2002) e Bosi e Uchimura (2007).

No curso de nossa avaliação da complexa dinâmica social que envolve o

universo empírico desse programa de transferência direta e condicionada de renda,

entendemos necessário promover ajustes nos mecanismos de análise desta

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realidade para aproximar-se cada vez mais do cenário vivenciado pelos beneficiários

no cotidiano da investigação. Destarte considerado o processo de tessitura das

narrativas, buscamos identificar as estruturas de sentido para tornar apreensível o

tempo vivido (RICOEUR, 2010) com a transferência condicionada de renda,

valorando os significados dessa experiência na conjuntura de uma política pública

focada na dimensão material pobreza.

O percurso metodológico desse trabalho não envolve mensurar eventual

impacto, eficácia ou efetividade do PBF na (in)segurança alimentar/nutricional dos

sujeitos beneficiários, ou ainda, seus efeitos na redução de manifestações

sistêmicas da fome e da pobreza no país. Mesmo sem desmerecer a importância de

tais aspectos, pretende-se avançar na avaliação do processo de criação política e de

produção subjetiva deste programa, considerando, em especial, as arenas sociais

onde se travam toda ordem de conflitos e convergências de interesses.

Com tais considerações e propósitos acadêmicos, dois pressupostos teóricos

nos desafiam:

1) Na concepção do PBF a miséria social dos famintos no Brasil foi

institucionalizada como uma questão de direito a uma renda mínima na lógica

de inclusão social do modo de produção capitalista;

2) As principais dificuldades paradigmáticas do PBF no sentido da exigibilidade

da alimentação adequada como direito humano e social à alimentação, estão

relacionadas aos fundamentos da histórica concepção assistencial dos

programas no campo da alimentação e nutrição no Brasil, ao lado das

tensões e condicionamentos presentes na lógica da economia de mercado

subjacente à transferência direta de renda com foco na pobreza.

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1.1 Objetivos

Geral

o Compreender interesses, valorações e juízos presentes na voz de

beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa,

tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.

Específicos

Caracterizar os determinantes sócio-históricos e a configuração jurídica do

Bolsa Família no âmbito de uma análise crítico compreensiva que o destaca na

trajetória das políticas de alimentação e nutrição do Brasil;

Analisar distintas dimensões do discurso oficial e da práxis do Bolsa Família

ante a lógica do modo de produção e consumo do mercado capitalista e da

segurança alimentar/nutricional;

Compreender a experiência de mulheres beneficiárias da transferência direta e

condicionada de renda tal como por elas percebida, na perspectiva do contraste

acomodação/emancipação;

Analisar convergências e divergências entre os textos oficiais e a fala das

beneficiárias do Bolsa Família acerca de suas vivências com esse programa.

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2. NOTAS SOBRE AS POLÍTICAS DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO BRASIL:

UMA APROXIMAÇÃO DE UM ENFOQUE HISTÓRICO-CRÍTICO

O propósito desse capítulo é recuperar criticamente a trajetória das políticas

de alimentação e nutrição no Brasil, desde a origem da proteção social motivada pela

miséria e a fome até a configuração da SAN como meta republicana articulada à

pauta de direitos humanos, destacando-se o modelo de estado provedor em face dos

direitos sociais. Por tal contextualização histórica, uma vez considerada a relevância

do paradigma ético e moral da dignidade da pessoa humana e da reconfiguração do

Estado para o enfrentamento da pobreza material, notadamente a miséria social da

fome, procuramos problematizar o preceito da SAN no Brasil face à temática dos

direitos humanos e do princípio da cidadania plena.

Para tanto, resolvemos partir de uma perspectiva analítica na qual os

discursos são entendidos como produtores e comunicadores de significados que,

compartilhados, informam e traduzem concepções de mundo, permeadas por

representações acerca das relações de poder. Assim, construções discursivas são

assumidas, nesta discussão, como dimensões integrantes das lutas pela hegemonia,

traduzindo ideias que não se restringem a uma esfera cultural supostamente isolada,

mas se encontram materializadas, tal como sustentado por Gramsci (1978), nas

práticas sociais e no conjunto das instituições.

2.1 Fundamentos históricos da proteção social

A preocupação com os infortúnios da vida acompanha a história da civilização

desde os tempos mais remotos. Contudo, a civilização evolui no sentido de reduzir as

ameaças da vida e os efeitos de adversidades capazes de vulnerar a existência

humana. Pode-se afirmar que comportamentos dessa natureza têm algo do instinto

comum aos demais animais, a exemplo do hábito de guardar alimentos para

consumo em dias mais difíceis. O diferencial seria o nível de complexidade do nosso

sistema de protetivo, assinalado pela racionalidade (IBRAHIM, 2005; MORRIS,

2010).

Registros de proteção social e ajuda humanitária aos mais pobres podem ser

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verificados na História Antiga, em sociedades com algum grau de organização,

atuando, ressalve-se, sem qualquer mediação estatal nessa tarefa. Posteriormente

criaram-se normas para assegurar a sobrevivência dos trabalhadores em seus

infortúnios, a exemplo do Código de Hamurabi e da Lei das Doze Tábuas. Ambos

tinham o escopo de garantir a dignidade humana através da realização da

assistência caritativa às pessoas em dificuldades materiais, uma vez impossibilitadas

para o trabalho (FELIX, 2009).

A origem da proteção moderna aos mais pobres remonta até meados do

século XIV, com as relações de dependência e troca entre os senhores e os servos,

resultando na criação de estruturas mínimas para lidar com a fome e as doenças.

Tais ações solidária e coletivamente empreendidas foram intensificadas a partir do

horror com a peste negra (1348-9) (HOBSBAWN, 1979).

Anos mais tarde, o fechamento da quase totalidade dos mosteiros, em 1536,

juntamente com a desagregação da estrutura social medieval, fez com que, na

Inglaterra do início do século XVII, a ajuda aos necessitados passasse de ato

voluntário para uma obrigação a ser custeada com imposto pago e administrado por

comunidades paroquiais (circunscritas em territórios legitimados pelo Estado

monárquico) (IBRAIM, 2005).

Naquele período, existia um grande número de ingleses desempregados,

vários deles em uma vida de mendicância, peregrinando em busca de comida. Tal

fato agredia a sociedade a ponto de provocar a coroa inglesa a empreender esforços

para minorar tão absurdo flagelo social. Assim, em 1801 foi editada a Lei dos Pobres

(Poor Relief Act), instituindo uma política de transferência de dinheiro aos que não

reunissem condições mínimas de sustento. Para boa parte da doutrina especializada

em seguridade social (GOES, 2012; OLIVEIRA, 2005) esse foi o momento da história

onde efetivamente o Estado iniciou sua participação na assistência aos socialmente

desvalidos.

Na transição entre os séculos XIX e XX, a questão social foi retomada pela

Igreja Católica, cuja doutrina – inspirada na encíclica Rerum Novarum de 1891,

(intitulada "Sobre a condição dos operários") – refutava uma solução socialista e,

alinhada ao Estado Liberal, sustentava a manutenção do modelo de produção

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capitalista, mas agora amenizado por práticas humanistas e solidárias para com os

trabalhadores explorados (ou sem oportunidade de emprego) (BARBOSA, 2010;

MONTANO, 2012).

A encíclica do Papa Leão XIII tornou-se um marco das prescrições feitas pela Igreja ao Estado no que concerne à proteção do proletariado, do trabalho e da propriedade; e, ao mesmo tempo, um "convite para os operários católicos se associarem" de modo a fazerem face ao comunismo e evitarem "dar seus nomes a sociedades de que a religião tem tudo a temer". (GONÇALVES et al, 2010, p. 98)

Sendo assim, ações desenvolvidas pela Igreja mobilizavam recursos junto à

sociedade para executar ações de caridade e misericórdia aos mais pobres

(CASTRO, 2008) (muito embora, com a crescente absorção do trabalho humano na

indústria, a condição de pobre fosse, basicamente, reconhecida como uma condição

operária). Tal influência religiosa representou o marco do regramento jurídico da

seguridade social, sensibilizando muitos governantes por conta do sentimento de

obrigação cristã para com a proteção e o amparo aos pobres (GONÇALVES et al,

2010).

No Brasil, a partir do século XVI os governantes, preocupados com a

instabilidade social em razão do problema da fome, decorrente de extensos períodos

de secas (invasões de terra, saques, etc.), recorreram a “socorros públicos”,

modalidades de ajuda humanitária na forma de doação de alimentos, diretamente, ou

o equivalente em dinheiro para adquiri-los. Medidas dessa natureza foram vitais

naquelas situações de emergência, mas que, via de regra, além de incertas,

negligenciavam as causas estruturais do problema. A propósito do tema, no

longínquo 1890, Rodolfo Teófilo (2002, p. 244, grifos nossos), no romance “A Fome”,

dedicado à seca de 1877, já alertava:

A distribuição dos socorros públicos em dinheiro e, por meio de cartões, o novo presidente proibiu logo que assumiu a administração da província.

2.2 O Estado provedor e a emergência da alimentação como política pública

Na busca de explorar fatos significativos com vistas à compreensão

hermenêutica do que se convencionou chamar políticas públicas de alimentação e

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nutrição no Brasil, em sua dinâmica histórica, considerando a miríade de programas

e serviços, mais ou menos institucionalizados nesse campo, resolvemos adotar o

entendimento de Matildes da Silva Prado (1993, p. 23), como segue:

Política de Alimentação e Nutrição [como] conjunto de medidas adotadas pelo Estado, visando “proteger” determinados segmentos sociais, através da implantação de programas e serviços voltados para a questão de produção, comercialização, distribuição e consumo de alimentos.

Para aquele professor baiano, recuperar a conjuntura nacional em cada

momento histórico é condição que se impõe à compreensão das políticas de

alimentação e nutrição, destacando-se nessa trajetória a correlação de forças entre

os movimentos sociais e o poder estatal (PRADO, 1993).

Embora ações de Estado para com a questão alimentar e nutricional da

população tenham sido empreendidas desde o início da colonização portuguesa no

Brasil, somente no ano de 1909, com a criação da Inspetoria de Obras Contra as

Secas (IOCS), o país passou a ter uma referência institucional em políticas públicas

de alimentação. Com esse órgão, o governo de Nilo Peçanha procurou criar

condições de acesso à água no semiárido brasileiro, devastado por grandes

estiagens (BRASIL, 1909).

Na passagem do Estado liberal-oligárquico ao Estado intervencionista-

burguês (em período de cerceamento das liberdades democráticas) foram

estabelecidos instrumentos e mecanismos para uma Política Nacional em

Alimentação e Nutrição (PNAN), como parte do conjunto de programas sociais do

então governo de Getúlio Dorneles Vargas (VASCONCELOS, 2005b; FROZI;

GALEAZZI, 2004).

Ao longo do século XX verifica-se a ampliação gradual do debate em torno da

inserção de temas de Alimentação e Nutrição na agenda de discussão dos

problemas nacionais, bem como no contexto em que se configuraram blocos

políticos e econômicos de integração regional, com esquemas cooperativos e

institucionalizados capazes de empreender, com base no estabelecimento gradual

de regimes jurídico-normativos, políticas públicas próprias de abrangência

internacional (BOSI, 1988; VASCONCELOS, 1988).

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Contudo, para compreensão da historicidade da PNAN, como de resto,

qualquer política social daquele período da história do Brasil, faz-se necessário,

como sugerido anteriormente, reportar-se ao contexto político e econômico de

transformação ocorrida em fins do século XIX, com a substituição do governo

imperial pela república burguesa de inspiração positivista.

Naquele período houve grandes mudanças no modelo de produção da

economia, com o açúcar brasileiro perdendo importância e, com isso, diminuindo

sensivelmente a força política da oligarquia rural situada no eixo Norte-Nordeste.

Paralelamente, cresce bastante a demanda de exportação do café, o que faz

emergir – no lugar dos produtores de alimentos (principalmente cana-de-açúcar) do

Nordeste e os de metais em Minas Gerais – a aristocracia dos cafeicultores

paulistas. Essa última, ao contrário das anteriores, passa a investir grandes

montantes de capital na nascente indústria brasileira (PRADO JR, 2006).

A contar da libertação dos escravos e da entrada progressiva de imigrantes no

Brasil para as lavouras de café, as cidades conquistam progressiva autonomia em

relação à tradicional vida rural. Logo, a terra farta de cafezais passa a representar,

sobretudo, uma fonte de renda para custear a vida nos centros urbanos. Enfim, as

cidades ganharam novo sentido com o café, ou, mais especificamente com o seu

valor elevado na pauta de exportação. Toda essa situação teria prejudicado

sensivelmente o modo de vida rural baseado na produção para o autoconsumo

(HOLANDA, 1987).

Em plena primeira Guerra Mundial, mesmo adotando uma postura oficial de

neutralidade, o Brasil viveu uma severa crise de desabastecimento acompanhada

de grande aumento nos preços dos alimentos (pressionados pela venda direta aos

países aliados em conflito) (FAUSTO, 2006). Justamente nesse período, através do

Decreto 13.069, criou-se o Comissionário de Alimentação Pública, com o propósito

de monitorar o comércio atacadista de alimentos, através do controle do

abastecimento e preços (BRASIL, 1918).

Todavia, justamente pela intervenção na economia em afronta aos interesses

dos (poderosos) proprietários rurais, o Comissionário de Alimentação Pública teve

curta duração (5 meses), não indo além da resistência dos usineiros do Nordeste a

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tentativa de regulação do mercado de açúcar (LINHARES; SILVA, 1979; PRADO,

1993).

Para melhor compreensão daquela iniciativa pioneira no âmbito de uma

política nacional de alimentação, é preciso considerar que na década 1910, a

exportação de café, sustentáculo da economia do eixo sul-sudeste, caiu

severamente. No nordeste, as seguidas secas – sobretudo o horror vivido em 19151

– criava uma situação de medo e instabilidade social de difícil controle. Por outro

lado, a greve geral iniciada em julho de 1917 surpreendeu a indústria e o comércio,

dada a organização operária, sem precedentes na história do Brasil, com

importantes lideres imigrantes, diversos dos quais identificados com o anarquismo e

o comunismo (VICENTINO; DORIGO, 2010; PRADO, 1993).

Por volta de 1915, ao passo que a elite cafeeira aumentava o padrão

econômico de vida em virtude do êxito nas exportações, a maioria dos brasileiros

convivia com a carestia e o desabastecimento de alimentos e outros bens de

consumo indispensáveis (FAUSTO, 2006).

Contudo, foi com fundamento, dentre outros, na necessidade de ampliar a

produção nacional para exportação de alimentos aos países aliados (hoje

identificada como preocupação com a “segurança alimentar”) que o Brasil resolver

decretar uma série de medidas para organizar o abastecimento alimentar

(LINHARES, 1979).

(...) Considerando que o Brasil, assim de concorrer efficientemente para a alimentação dos paizes alliados e manter o equilibrio de sua balança commercial internacional, tem o maior interesse em que sua exportação seja a mais variada e copiosa que fôr possivel;

Considerando, porém, que, a exemplo das nações belligerantes e até neutras, essa exportação deve ser fiscalizada e mantida dentro de certos limites, afim de que se não aggrave ainda mais a carestia da vida que já se faz sentir em alguns centros populosos do paiz, tornando cada vez mais difficil a subsistencia de todos, especialmente a do operariado;

Considerando que o Governo Brasileiro, si por um lado cumpre com firmeza seus deveres de alliado, não póde, por outro lado, deixar de attender aos

1 Consoante à impressionante narrativa de Raquel de Queiroz no clássico “O quinze”, escrito em

1930, a insuficiência de água e alimentos no sertão nordestino deu causa naquele ano a muito sofrimento e morte (vidas abreviadas pela inanição). “Era raro e alarmante, em março [1915], ainda se tratar de gado. (...) a água dos riachos afina, afina, até se transformar num fio gotejante e transparente. Além disso, a viagem sem pasto, sem bebida certa, havia de ser um horror, morreria tudo.” (QUEIROZ, 1994, p. 15).

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justos reclamos das classes consumidoras, cujos legitimos interesses podem e devem ser conjugados aos dos productores;

Considerando, finalmente, que se trata no caso de verdadeira medida de necessidade publica e como tal de natureza inadiavel; (...)

(BRASIL, 1918)

Avançando algumas décadas na história até os anos de 1930, os inquéritos

realizados a partir de 1932 – primeiramente em Recife com Josué de Castro –

desnudaram a crítica situação alimentar e nutricional em diferentes estratos

populacionais no Brasil (L´ABBATE, 1988; CASTRO, 1946). À época, já sob a

administração de Getúlio Vargas (à frente do governo provisório no período

1930/34), o país sofria com os nefastos efeitos de uma crise econômica mundial

(queda do poder aquisitivo, desabastecimento, desemprego, etc.), cujo epicentro

teria sido a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em novembro de 1929

(FAUSTO, 2006; FURTADO, 2007).

O advento do ano de 1930 assinala a derrocada do poder capitaneado pela

política café-com-leite, protagonizada pela conjugação de forças entre a oligarquia

cafeeira paulista e os latifundiários mineiros. Essa mudança na elite dominante do

Estado foi causa de uma grave tensão política, cuja instabilidade cresceu ainda mais

quando o presidente Vargas nomeou o militar João Alberto Lins de Barros,

pernambucano e ex-guerrilheiro da Coluna Prestes, como governador de São Paulo.

Malgrado a economia nacional já revelasse exaustão desde meados da

década de 1920, por força da violenta queda de preços do café no mercado externo,

a dramática desvalorização das ações no mercado financeiro em todo o mundo, por

efeito do aludido crash da bolsa estadunidense, promoveu uma redução, sem

precedentes, dos negócios no mercado internacional, motivando o fechamento em

série de fábricas (FIGUEIRA, 2011).

Por outro lado, dada a dificuldade de exportar ou importar quaisquer produtos

e mesmo com as severas dificuldades em infraestrutura do país, o setor industrial

brasileiro focou na ampliação do mercado interno, transformando as estruturas

produtivas ao aumentar e diversificar a oferta de bens de consumo, sobretudo

alimentos. Assim, já em 1933, ao mitigar a dependência para com os mercados e o

capital estrangeiro, o Brasil (até então notabilizado por contar com uma economia

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periférica) despontava como um dos primeiros a superar a crise. No entanto, foram

preservados os aparelhos de dominação do período anterior (VICENTINO; DORIGO,

2010; PRADO JR, 2006).

2.3 “Alimentação racional” e o processo de formação profissional em Nutrição

No Brasil dos anos 1930 e 1940, durante o Estado Novo, a alimentação do

brasileiro – assumida como problema, cuja solução deveria compreender as suas

dimensões fisiológica, dietética, higiênico-sanitária e social – converteu-se em objeto

de interesse para pesquisadores da nascente ciência da nutrição, produzindo-se uma

expressiva quantidade de estudos sobre carências nutricionais e outros temas

relacionados. Muitos intelectuais, atuantes no serviço público, entre eles Josué de

Castro, buscavam alinhar seus interesses científicos com as políticas estatais

desenvolvimentistas, voltadas à integração nacional, que marcaram a história política

do Brasil nesse período (RODRIGES, 2011; CHAVES, 2009; PRADO, 1993;

LINHARES; SILVA, 1979).

Foi um período no qual a alimentação teve destacada importância, tanto que

se criou no serviço público e na iniciativa privada (com incentivo fiscal) um conjunto

de órgãos e divisões especializados em fomentar ações de “alimentação racional” –

incluindo-se, além da educação alimentar, a regulação da produção agropecuária e

da comercialização de alimentos, com vistas a superar o “subdesenvolvimento”.

Nessa tarefa, destacaram-se a Seção de Nutrição da Divisão de Organização

Sanitária do Departamento Nacional de Saúde e o Serviço Técnico de Alimentação

Nacional da Coordenação da Mobilização Econômica, de onde partiram políticas

sociais, articuladas a setores empresariais, resultando na criação, dentre outras

estruturas, de restaurantes populares, do Serviço Central de Alimentação, da

Delegacia Executiva de Produção Nacional (Ministério da Agricultura) e do Serviço

Social da Indústria (Federação Nacional da Indústria) (RODRIGES, 2011; LIMA,

1997; CASTRO, 1946; SILVA, 1996; PRADO, 1993).

No mesmo cenário histórico, motivado por uma visão higienista atrelada ao

poder de polícia sanitária (e sua função tributária), o estado de São Paulo criou o

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Serviço de Policiamento da Alimentação Pública, junto ao Departamento Estadual de

Saúde, dirigido a fiscalizar locais de venda e produção de alimentos (SÃO PAULO,

1938).

O campo profissional em nutrição no Brasil surgiu no contexto das mudanças

econômico-político-sociais e culturais do país 1930-1940, junto com sua afirmação

como disciplina implicada com tal cenário em transformação. A formação de

nutricionistas no país começou em São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 1939 e

1940. Os primeiros Cursos de bacharelado foram criados na Universidade de São

Paulo, em 1943 (a partir do curso de nutricionista técnicos do Serviço Central de

Alimentação do IAPI – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários) e na

Universidade do Rio de Janeiro (inicialmente vinculado ao SAPS – Serviço de

Alimentação da Previdência Social) (VASCONCELOS, 2001).

Durante a segunda guerra mundial, em meio às severas dificuldades de

logística comercial com o mercado externo, a ciência da nutrição foi frquentemente

empregada pra justificar o interesse empresarial de ampliar o consumo interno de

determinados alimentos, prejudicados pela redução da pauta de exportação, como

ocorreu com a laranja.

A conjuntura da produção de laranjas, em 1940, possibilitava uma tentativa de intervenção pela via educativa. Paula Souza fora aos microfones da Rádio Educadora para inaugurar a Campanha da Laranja. (...) os produtores paulistas estavam às voltas com dificuldades de exportação do produto para a Europa, tradicional mercado de consumo dessa fruta. (...) o que denota uma articulação de interesses entre a promoção da saúde pública (no caso, dos bons hábitos alimentares) e a ampliação do mercado consumidor interno para itens da lavoura nacional (no caso, a laranja). (...) Comer laranjas passaria a ser, a partir de então, um ato patriótico e parte do esforço de manutenção da produção econômica brasileira, diante da situação de guerra na Europa (RODRIGUES; VASCONCELLOS, 2007).

De 1933 a 1939, em virtude da emergência da proteção social, o governo

federal, através do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) criou

diversas caixas e institutos de aposentadorias e pensão (CAP e IAP) específicas

para coletivos de trabalhadores, reunidos em categorias. Na sequência, foram

contemplados os marítimos, os bancários, os aeroviários, os trabalhadores em

trapiches e armazéns (passando, em 1936, a denominar-se de empregados no

transporte de cargas), os industriários, os operários estivadores (IBRAIM, 2005;

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LINHARES, 2009b; GOES, 2012).

Em 1940, foi criado o SAPS, autarquia federal mantida pelos IAPs e CAPs,

componente importante da política de assistência social em pleno governo ditatorial

de Getúlio Vargas (BRASIL, 1940; BEZERRA, 2009).

Somando-se ao esforço nacional de autonomia em tempos de guerra, o SAPS desenvolveu-se rapidamente administrando atividades (...) de gestão de restaurantes, (...) medidas educativas, práticas de merenda escolar e de assistência em geral às populações urbanas. Tornou-se um marco na história das políticas de educação alimentar e nutrição no Brasil (MUNIZ, 2010, p. 1).

O Decreto-lei que instituiu o SAPS definiu como propósito a ser perseguido por

esse órgão: a garantia de condições “favoráveis e higiênicas à alimentação” dos

segurados dos diversos institutos e caixas de aposentadoria e pensão subordinados

ao governo federal. A justificativa da aludida criação, conforme expressa na mesma

norma é:

...melhorar a alimentação do trabalhador nacional e, conseqüentemente, sua resistência orgânica e capacidade de trabalho, mediante a progressiva racionalização de seus hábitos alimentares (BRASIL, 1940).

O SAPS foi idealizado e inicialmente presidido por Josué de Castro. Nos 27

anos de sua existência o órgão investiu, sobretudo, na distribuição de alimentos

(cestas básicas) e comida (restaurantes populares, inclusive universitários) a

determinadas categorias de trabalhadores (e suas famílias), justamente aqueles

valorizados pelo sistema corporativo então vigente (LIMA, 1997; PESSANHA, 2002).

Sobre a nomeação de Castro para o SAPS, Andrade (1997, p. 175) observa:

A ação política de Josué de Castro desenvolveu-se a partir de 1940, quando o governo Getúlio Vargas criou o SAPS (...) que ele instituíra com a vitória da Revolução de 1930. Além de Geografia Humana na Faculdade de Filosofia, Josué de Castro lecionava Nutrição e Alimentação no curso de pós-graduação da Faculdade Nacional de Medicina e foi designado primeiro diretor do SAPS. Era a oportunidade que passava a ter o professor e cientista de por em prática os seus conhecimentos teóricos.

Para Prado (1993) a criação do SAPS inaugura, no contexto populista do

Estado Novo, a institucionalização de uma política nacional de alimentação e

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nutrição. Seu antecedente histórico imediato, que lhe conferiu o fundamento no

binômio alimentação/educação, foi a implantação, um ano antes, do Serviço Central

de Alimentação junto ao IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários

(PELIANO, 2010).

Investido de uma lógica marcadamente desenvolvimentista, coube ao SAPS o

propósito de “melhorar a alimentação do trabalhador e, consequentemente, sua

resistência orgânica e capacidade de trabalho, inclusive mediante a progressiva

nacionalização dos seus hábitos alimentares.” (BRASIL, 1940; grifos nossos). Acerca

desse propósito, Peregrino (1950, p. 7) destaca a iniciativa do governo Vargas de

“proporcionar alimentação cientificamente planejada a operários, no seu local de

trabalho”.

O plano de “propiciar aos trabalhadores alimentação adequada e barata”

norteava as medidas atribuídas ao SAPS na perspectiva do Estado do Bem-Estar

Social, destacando-se na área da nutrição (ou mais especificamente na seara da

educação alimentar), “a formação, na coletividade, de uma consciência familiarizada

com os aspectos e problemas da alimentação”. Para tanto, foram produzidas

cartilhas, treinadas visitadoras domiciliares (BRASIL, 1940) e técnicas dietéticas

“cientificamente validadas” como “padrão SAPS” – conforme ressaltado por

Peregrino (1950) em referência ao trabalho do pesquisador Dante Costa.

Basta referir que a mesa tipo SAPS, em uso em todos os Restaurantes Populares dessa Instituição, e que fora criação de Paulo Seabra para o restaurante do seu Laboratório particular, foi por este patenteada em nome do SAPS para que fosse adotada, como o foi em todos os seus Restaurantes Populares (PEREGRINO,1950, p. 8).

Quanto ao contexto histórico no qual se entendeu necessário um modelo de

Estado voltado a confortar e proteger aqueles em condição marginal ao modo de

produção capitalista, porque limitados severamente das relações de consumo por

insuficiência de renda, Ibraim (2005) explica:

Sabe-se que o Estado do Bem-Estar Social surgiu muito mais como um contraponto necessário ao crescimento do comunismo, do que propriamente pela conscientização dos dirigentes mundiais pela importância da proteção social. A farta oferta de benefícios foi feita, frequentemente, de modo irresponsável, e visando unicamente rivalizar com o leste europeu.

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Araújo, Costa-Souza e Trad (2010), com base no pressuposto relatado por

Rodrigues (2007) – na análise da práxis discursiva subjacente à política pública de

alimentação popular em São Paulo (1920 a 1950) –, de que naquela época a

“ignorância” do indivíduo (em relação a sua própria alimentação) era apontada como

causa de má nutrição, sustentam que as ações educativas, desenvolvidas pelo

SAPS, no sentido de promover a racionalidade em matéria de educação alimentar

(em contraponto à aludida ignorância) omitiam as causas da problemática da fome

no país.

A disseminação da idéia de "alimentação racional" como base de políticas públicas na área rendeu inúmeras páginas em estudos feitos principalmente durante o Estado Novo – tema que ainda se ressente de uma análise mais detida pelos historiadores da alimentação no Brasil (ARAÚJO; COSTA-SOUZA; TRAD, 2010).

A oferta de diversas modalidades de refeições aos empregados em fábricas e

em outras empresas inscritas no SAPS, e de uma refeição matinal aos seus filhos

são, respectivamente, apontadas como precurssores, do Programa de Alimentação

do Trabalhador (PAT) e do (hoje denominado) Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE) (PRADO, 1993; VASCONCELOS, 2005b; BRASIL, 1976).

De acordo com Silva (1995), a maior expansão das ações do SAPS ocorreu

no Rio de Janeiro, através de serviço próprio em seis restaurantes populares, além

da fiscalização de outros quarenta e dois, como também fornecendo refeições

transportadas a mais de cinquenta empresas.

...o primeiro restaurante foi instalado na Praça da Bandeira, em um prédio vizinho ao corpo dos bombeiros, o SAPS impunha já em sua fachada alegorias simbolizando a indústria, o comércio e a refeição, ícones do refeitório operário ali em funcionamento. Utilizando as instalações do extinto Serviço Central de Alimentação do IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários), em novembro de 1940 surgia um serviço que mais do que servir refeições para trabalhadores tinha como meta baratear e diversificar os gêneros que compunham a alimentação nacional (MUNIZ, 2010, p. 2).

Vasconcelos (2005) observa que a permanência das ações da SAPS –

compreendendo o intervalo entre a sua criação, em 1940, pelo presidente Vargas e a

extinção, em 1967, por Castello Branco –, em seguidos governos, passando por

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Gaspar Dutra (a contar de 1948) e João Goulart (até 1967), denota a materialização

de uma política pública continuada, e desse modo, uma duradoura intervenção do

Estado em matéria de alimentação e nutrição.

2.4 A configuração da Política Nacional de Alimentação e Nutrição no contexto

da “Guerra Fria”

Em 1945, momento do pós-segunda guerra, a coordenação da PNAN foi

transferida para a CNA – Comissão Nacional de Alimentação, no âmbito do Conselho

Federal de Comércio Exterior, competindo sua função executiva ao Serviço Técnico

de Alimentação Nacional do Ministério da Saúde. Tal comissão estabeleceu os

princípios norteadores dos programas de alimentação do país, se notabilizando por

eleger a questão da desnutrição como prioridade da área de saúde pública do

governo2. (BRASIL, 1945; FROZI; GALEAZZI, 2004; PELIANO, 2010).

A partir de 1946, o Brasil do pós-guerra, por influência dos Estados Unidos,

empreendeu uma experiência isolada (e logo fracassada) de planejamento: o Plano

SALTE, em cujo desenho normativo a alimentação figurava no elenco de prioridades

do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946/1951) na perspectiva de estímulo à

produção nacional. Contudo, é da discussão da fome como urgência política nos

anos seguintes que nascem na década de 1950 as políticas de nutrição de caráter

nacional (BOSI, 1988; LUZ, 1988; HAMILTON; FONSECA, 2003).

A década de 1950 é reconhecida como um período no qual foram

empreendidos em muitos lugares no mundo (especialmente no ocidente) programas

de alimentação e nutrição harmonizados com a ideologia desenvolvimentista,

prevalente na época. A “melhoria nutricional” da população era um objetivo a ser

alcançado, tanto com medidas de proteção específica (suplementação alimentar e

aumento da oferta “proteínas de alto valor biológico”), quanto por ações em nutrição

clínica (serviços de recuperação nutricional). Em ambos os sentidos, o Instituto de

Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, dirigido por Nelson Chaves, é

2 De 1972 a 1987, coube ao INAN, também na área de saúde, dar segmento ao processo de

elaboração e coordenação de diversos programas de alimentação e nutrição.

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referenciado como exemplo de boas práticas, inclusive em inquéritos dietéticos e

nutrição experimental (LIMA, 1997; CHAVES, 2009; VASCONCELOS, 2001).

A propósito do debate sobre os enfoques dos discursos “científicos” em

nutrição, presentes nos programas e projetos a ele relacionados, e na formação de

pessoal qualificado para atuar nesse campo, Bosi (1988, p. 45), ao destacar o

número e diversidade de estudos “científicos” (especialmente na primeira metade do

século XX) que apontam uma relação direta entre a suplementação alimentar em

trabalhadores e a melhoria da produtividade das empresas, faz alusão a um trecho

do clássico “Nutrição Básica e Aplicada”, de Nelson Chaves, nutrólogo

pernambucano apontado como criador do Curso de Nutrição da UFPE, em 1956.

Fatos como esse vêm confirmar o papel fundamental da nutrição na produtividade do ser humano, do qual depende inteiramente o desenvolvimento global... de um país.

O destaque acima pode ser reconhecido como uma interessante expressão

da ideologia desenvolvimentista, tantas vezes reproduzida na literatura – da qual

aquela obra é referência – dirigida à formação de profissionais nutricionistas. Na

sequência, por alusão ao mesmo autor, Bosi (1988, p. 54) critica o distanciamento

(talvez um paradoxo) entre as soluções, cientificamente legitimadas, em nutrição (ao

menos no discurso) e a realidade sensível daqueles que vivem à margem do

processo social mediado pela economia de mercado.

É interessante notar como, através de categorias do tipo “etiologia dietética”, o discurso consegue deter o raciocínio causal e justificar a implementação de projetos ou práticas de Educação Nutricional para prevenir o Kwashiorkor (ou seja, desnutrição grave)! E vai mais além, propondo o “encorajamento” para o consumo de “proteínas de alto valor biológico”, que tem fontes principais alimentos de origem animal (...) totalmente inacessíveis às classes subalternas, na lógica distributiva do modo de produção capitalista, no entanto, esta é uma das soluções científicas legitimadas.

Essa discussão traz à tona a teoria crítico-reprodutiva de Louis Althusser

(1985), filósofo francês que viveu no período supra-mencionado, pautada na

denuncia do caráter ideológico de diversas instituições, com destaque à escola, uma

vez voltadas à legitimação da cultura dominante, ao multiplicarem conceitos e

práticas coerentes ao modo de produção e consumo capitalista. Assim, frente às

contradições inerentes a esse modelo, as instituições de ensino superior,

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responsáveis pela formação de nutricionistas e outros técnicos, podem ser (como

tem sido) úteis como aparelho ideológico (em oposição ao aparelho repressivo),

direcionando, sutil e “conscienciosamente”, estudantes no sentido da formatação de

profissionais reprodutores do discurso hegemônico.

É com a dominação dos aparelhos ideológicos de Estado que a elite (...) reproduz sua lógica de dominação excludente e desigual. E o faz principalmente através da escola, (...) Não basta, contudo, assegurar à força de trabalho (trabalhadores) as condições materiais para sua reprodução. A reprodução deve-se dar contando com um elemento fora do processo produtivo, qual seja, (...) a escola (...) ensina o “know-how” sob a forma de assegurar a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua “prática” (ALTHUSSER, 1985, p. 58-59).

O Serviço Nacional de Merenda Escolar, precursor do PNAE, foi criado no

governo do presidente Café Filho – em momento de transição com intensa agitação

política (entre o suicídio de Getúlio Vargas e o processo eleitoral que elegeu

Juscelino Kubitscheck) – na forma do Decreto n° 37.106, de 31 de março de 1955. A

idéia, sugerindo continuísmo de práticas assistencialistas, é consentânea com as

políticas sociais empreendidas por Getúlio Vargas, criticadas por seu viés populista,

interessante aos interesses econômicos dos Estados Unidos no cenário de disputa

capitalismo/socialismo com a União Soviética (Guerra Fria) (MOYSÉS et al., 1986;

PEDRAZA; SOUSA, 2006).

Todavia, nos anos que se seguiram, o PNAE evoluiu gradualmente até ser

reconhecido como um amplo programa estatal, adotando uma diversidade de

denominações, estruturas institucionais e modelos de gestão (BELIK; CHAIM, 2009),

mantendo uma rara continuidade no universo das políticas sociais do País.

Antes de seguir a descrição e a análise das políticas públicas de alimentação e

nutrição no Brasil dos anos 1950, saltaremos agora para 2008 com o intuito de

ressaltar que apenas nesse ano, com a edição da Medida Provisória 455/08, a

seguir convertida na Lei n° 11.947 (BRASIL, 2009a), a alimentação (na escola)

passa a ser direito subjetivo dos alunos da educação básica pública e,

simultaneamente, dever do Estado. Essa última norma inova ao estabelecer a

obrigatoriedade do gasto mínimo de trinta por cento do dinheiro repassado pela

União (no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar) para compra direta

de alimentos originários da agricultura familiar, de empreendedor familiar rural ou de

suas organizações, inclusive com dispensa de licitação.

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Retomando a década de 50 do século XX, ocasião em que foi criado o

Programa de Metas (1958) na administração do presidente Juscelino Kubistchek3.

Tal iniciativa trouxe objetivos no setor de alimentação, e o fez com fundamento em

uma lógica desenvolvimentista (sustentada com investimentos diretos de capital

estrangeiro na produção nacional), tudo isso em um contexto internacional de

oportunidade em razão da demanda de mercado induzida pela recuperação

econômica europeia do pós-guerra (CAPUTO; MELO, 2009; MOREIRA, 1998).

No Brasil do governo João Goulart (iniciado em 1961), o desafio de erradicar a

fome figurou no Programa de Reformas de Base, abortado pelo golpe militar de

1964 (BETTO, 2003). Anos mais tarde, com a crise mundial de oferta de alimentos

entre 1972 e 1974, renova-se no país a discussão da fome. No bojo daquele evento

crítico, o então governo ditatorial cria o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição

(INAN), adstrito ao Ministério da Saúde, voltado para a formulação da política do

setor (BRASIL, 1972; CAPUTO; MELO, 2009).

O advento de 1967, no governo Castello Branco, assinala a extinção do SAPS,

que sofreu um processo de esvaziamento progressivo, tendo suas funções sido

transferidas para a COBAL – Companhia Brasileira de Alimentos (PELIANO, 2001),

instituição essa responsável por regular o abastecimento e, ao mesmo tempo, ofertar

produtos com baixo peso, através de uma rede oficial de supermercados (BRASIL,

1962).

Na década de 1970, finalmente o governo institui incentivo fiscal para

patrocinar uma parte da alimentação do trabalhador urbano, dando segmento a

medidas nessa direção a partir do SAPS. No entanto, ainda que o regulamento do

PAT tenha sido modificado diversas vezes desde sua criação em 1976, assumindo

distintas estratégias de distribuição do benefício, continua a ser um programa muito

limitado, uma vez que deixa de fora o grande contingente de trabalhadores do

mercado informal (BRASIL, 1976; ARAÚJO; COSTA-SOUZA; TRAD, 2010).

Contudo, ainda hoje, na lógica materialista do PAT, como revelam Araújo

3 Tendo sido produto do recém-criado Conselho de Desenvolvimento, órgão controlador da economia,

diretamente ligado à Presidência da República, diretamente ligado à presidência da república, que recorria a especialistas dos diversos setores previstos no Plano de Metas.

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Costa-Souza e Trad (2010, p. 983), “a alimentação não é tida como um direito do

trabalhador, mas sim como um 'combustível' necessário ao 'trabalhador-máquina' e,

inclusive, deveria custeá-la em parte”. Relativo à eventual questionamento quanto à

concepção apontada por esses autores, podemos verificar que o regulamento do

programa não deixa quaisquer dúvidas.

O PAT é um programa de complementação alimentar no qual o governo, empresa e trabalhadores partilham responsabilidades e tem como princípio norteador o atendimento ao trabalhador de baixa renda, melhorando suas condições nutricionais e gerando, conseqüentemente, saúde, bem-estar e maior produtividade (BRASIL, 2013a)

A criação do INAN, como parte do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento

(I PND, 1972/74) trouxe, de forma explícita, a questão alimentar para o elenco das

preocupações estatais. Na burocracia estatal do governo militar, coube a essa

autarquia a missão de sintetizar distintas linhas de ação em curso (materializadas

em experiências isoladas e descontínuas) em planos e programas de alimentação e

nutrição (BOSI, 1988).

Através do INAN foram empreendidas algumas iniciativas para combater à

fome, destacando-se duas versões do Programa Nacional de Alimentação e Nutrição

(PRONAN I e II) (SILVA, 1995), sendo seus desdobramentos dificultados pela

configuração político-institucional do INAN, extinto em 1997, inclusive em razão de

limitações na articulação intersetorial no âmbito do executivo federal por força de sua

adstrição ao Ministério da Saúde (MOREIRA, 1988; BRASIL, 1997; BURLANDY,

2009).

É durante esse período histórico que a fome se torna uma opção institucional de combate ao estilo das campanhas sanitárias das primeiras décadas do século (XX). Opção que se traduzirá em política nutricional, com características acentuadamente biomédicas ao nível do discurso técnico e dos programas (LUZ, 1988).

Sobre a efervescência da discussão em torno da nutrição social nas décadas

de 1970 e 1980, Bosi (1988, p. 16-17) assevera:

Mas não é só no MEC, INAN e outros aparelhos estatais que a questão nutricional aparece. O conjunto da sociedade se mobiliza de diferentes formas em torno da questão: frente aos projetos e programas nutricionais, há a resposta da população; no meio acadêmico, os movimentos estudantis e a produção científica inovadora; no meio profissional a luta por melhores

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condições de trabalho e pela organização da categoria. Enfim, um período em que a nutrição do ponto de vista social entra em cena.

No curso da ditadura militar (de 1964 a 1985), as áreas de Saúde e Nutrição

no Brasil, embora entendidas como um plexo de produtos e serviços, passam a

revelar diferentes faces das iniquidades socioeconômicas, a exemplo da insuficiência

do salário mínimo para as despesas essenciais. A despeito do discurso oficial que

enunciava um “milagre econômico”, a inflação combinada com as seguidas perdas

remuneratórias registradas no período comprometeu severamente o poder aquisito

da grande massa de trabalhadores, relegando-os aos limites da sobrevivência

material. Com efeito, nos anos 1970 e 1980 a situação, de tão crítica, fez com que “o

salário mínimo ficasse tragicômico” (BOSI, 1985, p. 13).

2.5 Movimentos sociais e mudanças na pauta em alimentação e nutrição

Na década de 1990 reacendem no Brasil importantes ações de mobilização

política e articulação institucional, impulsionadas por movimentos sociais de luta por

ética na política e pela urgência na superação da pobreza e da fome aguda, até

como pressuposto de desenvolvimento equilibrado da economia. Dentre essas

iniciativas, a “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, a criação do

Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), além de programas

lastreados como de renda mínima: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás e

Bolsa Renda (BRAGA; PAULINO, 2010).

Com efeito, nas últimas décadas do século XX, os sistemas alimentares do

terceiro mundo passaram gradualmente a se constituírem como realidades

complexas, cada vez mais dependentes de importações que inviabilizam o pequeno

produtor rural pelo critério da competitividade econômica do livre mercado, espaço

competitivo esse no qual a produção para o consumo doméstico vai cedendo espaço

aos novos padrões de demanda definidos por grandes interesses econômicos

(GARCIA, 2003).

Nesse cenário, um quadro de sensível pobreza no meio rural brasileiro,

especialmente no semiárido nordestino, pode ser verificado junto às famílias

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classificadas como produtoras familiares que, em sua maioria, sequer tem acesso a

instrumentos de política agrícola capazes de assegurar o mínimo essencial ao seu

autoconsumo. Constitui-se, dessa forma, um significante contingente de pessoas em

situação de insegurança alimentar (SILVA, 2006a). Quadro esse que não é

novidade, posto Josué de Castro, a contar da década de 1930, haver se notabilizado

justamente por discutir tal questão em um contexto político marcado por uma forte

luta contra um modelo econômico gerador de escassez e miséria, alertando que a

fome sempre existiu enquanto fenômeno social (CASTRO, 1946).

No século atual, não obstante o modelo neoliberal, os combates à pobreza e à

exclusão social constituem imperativos éticos que integram a denominada questão

social, positivando nos sistemas jurídicos o poder-dever estatal de erradicar suas

causas (ARZABE, 2008), bem como seus nefastos efeitos, dentre eles a fome.

Nesse prisma, os efeitos estão invariavelmente presentes nas causas,

compreendendo-se, como propõe Spinosa (2002) – rompendo um raciocínio

linear/unidirecional – que o conhecimento dos efeitos depende do conhecimento das

causas e o implica; ou como observa Engels (2004, p. 54), percebendo tratar-se de

dois polos inseparáveis de uma antítese e, ao mesmo tempo, penetráveis

reciprocamente:

Causa e efeito são representações que somente regem como tais, em sua aplicação ao caso concreto, mais que examinando o caso concreto em sua concatenação como imagem total do universo se juntam e se diluem na idéia de uma trama universal de ações e reações em que as causas e os efeitos mudam constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é efeito adquire em seguida ou ali o caráter de causa, e vice-versa.

Todavia, a exclusão social não é fenômeno recente, a novidade é a tentativa de

transformá-la em uma categoria que represente um sem número de problemas, tanto

mais porque se criam continuamente no capitalismo novas formas de exclusão e

inclusão social, com reintegração dos excluídos ao apetite do mercado (MARTINS,

2007).

Intrinsecamente relacionado à acentuada transição demográfica observada

nos países em vias de desenvolvimento a contar da segunda metade do século XX –

com deslocamento na configuração dos grupos etários em direção a uma maior

expectativa de vida combinada com redução expressiva de nascimentos – tem-se

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uma correspondente transição epidemiológica através da redução proporcional na

frequência de doenças de origem infectocontagiosa e parasitária, em detrimento do

aumento daquelas identificadas com processos crônico-degenerativos (BATISTA

FILHO; MIGLIOLI, 2006; PONTES et al., 2009).

Nesse período, o Brasil vem experimentando acentuadas mudanças na

trajetória dos problemas de saúde e nutrição, caracterizando um notável processo de

transição epidemiológica, marcada pela mudança de sinais em dois polos

antagônicos de distúrbios da nutrição mediados pelo padrão de consumo alimentar e

por outros componentes do estilo de vida (PONTES et al., 2009). No âmbito da

alimentação e nutrição, a busca por mais mercado consumidor também faz crescer o

desenvolvimento e a produção de novos alimentos, com notável crescimento da

linha dos dietéticos, bem como de uma miríade de serviços voltados ao

emagrecimento, à medida que aumenta o número de pessoas com sobrepeso, em

um aparente mecanismo de retroalimentação (PINHEIRO; CARVALHO, 2008).

Por tais e quais razões, Frenk (1994) qualifica o termo transição

epidemiológica como acumulação epidemiológica, visto que os agravos

infectocontagiosos e parasitários de ontem ainda persistem, mas agora ao lado da

maior prevalência e/ou emergência de outros males (câncer, viroses inespecíficas,

etc.) e, inclusive, do conhecido ressurgimento, com maior força, de doenças tidas

como controladas, a exemplo da tuberculose pulmonar e da dengue.

Nesse cenário epidemiológico de acumulação, mudanças no perfil

epidemiológico do brasileiro são percebidas no campo da alimentação e nutrição,

haja vista a gradual alteração na dimensão dos problemas associados à insegurança

alimentar/nutricional; conquanto, ao longo do período compreendido entre os anos

1950 e os dias atuais, a desnutrição energético-proteica, anemia e outras carências

nutricionais vêm perdendo visibilidade, embora reconfiguradas e fortemente

presentes, para agravos à saúde decorrentes justamente do incremento do consumo

de alimentos quantitativa e qualitativamente inadequados. Não por acaso a

prevalência de sobrepeso/obesidade tem crescido, sobretudo a partir dos anos

1990, na medida em que cai a frequência de desnutrição energético-proteica

(PINHEIRO; CARVALHO, 2008; PONTES et al., 2009).

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No terceiro milênio, a agenda nacional de intervenções para reduzir a

insegurança alimentar passa a incluir a preocupação com o excesso do consumo de

alimentos, com destaque ao Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

2012/2015 (PLANSAN), ao adotar o desafio de “reversão das tendências de

aumento das taxas de excesso de peso e obesidade” (BRASIL, 2011b, p. 34).

Com o PLANSAN finalmente se verifica no Brasil a institucionalização de uma

política do setor. Essa situação atende ao comando do artigo 6º da Constituição da

República (direito social à alimentação), é coerente com a concepção de SISAN na

LOSAN e, especialmente, guarda consonância com as diretrizes, objetivos e metas

do Plano Plurianual (PPA) do governo federal para o mesmo quadriênio (BRASIL,

2011b).

O PLANSAN prevê a implicação de diferentes setores da administração

federal na realização e monitoramento de ações voltadas para a produção, o

abastecimento e a educação alimentar, com ênfase ao fortalecimento da agricultura

familiar e a promoção da alimentação saudável e adequada. Sua concepção

envolveu consulta ao CONSEA como parte de um processo de discussão e

aprovação com representantes de dezenove ministérios reunidos na Câmara

Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) (BRASIL, 2011b).

No documento de lançamento do PLANSAN, o governo da presidente Dilma

Rousseff assume que a iniciativa tem o propósito de se constituir em uma

“ferramenta poderosa para o alcance da meta de superação da extrema pobreza no

país, retirando 16,2 milhões de brasileiros da extrema pobreza em quatro anos” (p.

10). Ao mesmo tempo, informa que o plano pretende se consolidar como uma política

estruturante permanente de garantia do direito humano à alimentação adequada e

saudável, dentre outros direitos fundamentais (BRASIL, 2011b).

Contudo, no cenário de transição demográfica brasileira enquanto o governo

evidencia que cerca da metade de sua população com mais de vinte anos, entre

2008 e 2009, encontra-se em situação de sobrepeso (BRASIL, 2010a),

paradoxalmente, no mesmo período, a mesma fonte oficial estima em um terço a

proporção de brasileiros que admite passar fome "às vezes" ou "normalmente".

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Nesse ambiente de iniquidades e mudanças no âmbito da (in)segurança

alimentar/nutricional, é razoável presumir ainda que a superação da fome clássica,

caracterizada pelo baixo consumo de alimentos, estaria apontando para outra

modalidade de fome, relacionada com a qualidade dos alimentos no mundo

tendenciosamente globalizado: a fome oculta (ANGELIS, 1999), a qual esconde um

sem número de carências nutricionais.

2.6 Segurança alimentar/nutricional no Brasil: uma meta republicana articulada

à pauta de direitos humanos

Nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar implantada em 1964, no

contexto da luta pela (re)democratização no Brasil, o termo cidadania ganha

evidência consolidando-se como ideal perseguido com entusiasmo. O cenário de

mudança então prevalente favoreceu a tomada de consciência em favor da justiça

social e da melhoria das condições de vida no país. Não obstante tal movimento,

logo se perceberia que a convergência de liberdade com participação popular não

conduziria a uma rápida resolução dos problemas sociais (CARVALHO, 2011).

Ainda na segunda metade do século XX, a adesão do Brasil a uma série de

cartas internacionais de direito humanos impulsionaram o sentimento nacional de

solidariedade, pautada na ética e na moral, favorecendo a chamada consciência

cidadã. Nessa perspectiva, o direito à alimentação, inserido na ótica dos direitos

humanos, demanda zelo e séria observância para sua efetividade, cabendo exigi-lo

como preceito de cidadania e não como dádiva (PIOVESAN, 2007).

O alinhamento do direito à alimentação com o princípio da cidadania plena

delimita um campo científico de saberes, discursos e práticas interdisciplinares,

ambiente esse favorável para a crítica às políticas públicas adstritas à concepção de

justiça social e ao alcance da segurança nutricional. Tais fenômenos se desdobram

no contexto sócio-histórico do qual este mesmo campo se estrutura, com mútuas

interferências, dinâmicas e conflitos (BOURDIEU, 2009).

As atrocidades cometidas nas grandes guerras mundiais constituíram

anomalias suficientemente impactantes para mudanças de paradigmas, legítimas

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revoluções no pensamento científico, conforme acepção de Thomas Kuhn (2004). O

desabastecimento alimentar como parte de estratégias militares que, além dos

custos sociais e econômicos absurdos, vitimaria milhões de pessoas, vulnerou

nações inteiras à morte e a doenças ligadas a fome. O clamor público daí decorrente

foi um forte catalisador para inovações na abordagem da alimentação como questão

de segurança, ora considerada como um novo marco no interior do campo científico:

a SAN.

Delimitar a concepção de alimentação e nutrição como questão de segurança

não é tarefa das mais simples; de inicio, requer a consideração ontológica do

humano, sua implicação com o meio ambiente, remetendo, ainda, ao processo

histórico de luta pela afirmação dos direitos e garantia de necessidades

fundamentais. Somente nesse contexto de construção hermenêutica, no sentido de

uma idealizada condição de bem viver, pressupondo relativa estabilidade para com o

mínimo existencial e a diversidade que se expressa no âmbito do que se denomina

como "necessidades", é coerente sustentar a pertinência do uso da expressão SAN.

Ainda no escopo da discussão (teórica e política) acerca do conceito de SAN,

coletivamente imaginado e processualmente construído, podemos assinalar

movimentos sociais articulados em um verdadeiro campo de disputa, de modo que

estão presentes interesses os mais diversos em uma única definição, a exemplo da

perspectiva (ambientalista) de sustentabilidade (PORTO; MILANEZ, 2009), mas que

também assumem caráter polissêmico ao incorporar as ordens cultural, econômica e

política (PINHEIRO; CARVALHO, 2010; BURLANDY, 2009; KEPPLE; SEGALL-

CORREA, 2011).

O debate atual acerca dos objetivos prioritários para o planejamento e

construção de políticas sociais tem, crescentemente, envolvido a SAN. Reconhece-

se o caráter amplo que possui uma política nesse campo, posto que além de

procurar promover a justiça social através do direito à alimentação, situa-se como

um dos eixos estratégicos de desenvolvimento nacional, capaz de associar

crescimento econômico e equidade social (BOSI, 2010; BRASIL, 2012a).

Com suporte nas Declarações de Havana (2001) 4 e Nyélény (2007) 5, a

4 Fórum mundial sobre soberania alimentar. Declaración de Havana, Cuba, 7 de setembro de 2001.

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soberania alimentar deve ser assumida como o direito-dever dos povos de decidir o

que vai comer, compreendendo os processos de criação, cogestão e avaliação das

políticas e ações relacionadas com alimentos e nutrição, de acordo com direitos,

necessidades e interesses (sobretudo quando criticamente refletidos); ações estas

não comprometidas com a lógica da economia de mercado e capazes de valorizar o

protagonismo dos produtores familiares na dinâmica dos sistemas alimentares,

implicando na garantia da alimentação em seu contexto multidimensional

(nutricional, cultural, econômico, político, social, ético).

O paradigma da SAN vincula-se organicamente ao reconhecimento do direito

enquanto construção de e para a pessoa humana, compondo uma relação jurídica

com o dever estatal no campo da alimentação e nutrição. Nesse prisma, é

moralmente intolerável a convivência social com a realidade sensível da fome (e

seus nefastos efeitos), inclusive a propalada ameaça à paz social.

Uma leitura atenta do conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada

(DHAA) reproduzido na versão de 2012 da Política Nacional de Alimentação e

Nutrição (PNAN) – por referência ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (PIDESC), de vinte anos antes (janeiro de 1992) – revela a

abrangência (multidimensional) da questão, indo até a garantia da paz e do bem

viver.

O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, (...) a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva (BRASIL, 2012b, p. 70).

Cabe assinalar que, não obstante sua força instituinte (BAREMBLITT, 2012),

ao propor uma imagem-objetivo de grande apelo social, talvez consentânea com a

ideia mítica da ordem, amparada na “utopia de uma sociedade transparente, sem

conflito e sem desordem” (MORIN, 2005, p. 26), – impõe-se reconhecer a dificuldade

na demarcação do que se concebe por uma vida livre do medo e plena, nas

Disponível em: <http://neaepr.blogspot.com.br/2010/01/declaracao ii.html>. Acesso em: 13 jun. 2013. 5 Foro mundial pela soberania alimentar. Declaração de Nyéléni, Selingue, Malí, 28 de fevereiro de

2007. Disponível em: < http://www.wrm.org.uy/temas/mujer/Declaracion_Mujeres_Nyeleni_PR.html>. Acesso em: 15 jun. 2013.

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dimensões física, mental, social e coletiva, o que em si indica que o texto se abre a

distintas interpretações.

No que concerne ao DHAA, este pode ser assumido a partir de um dialógo

pautado na dialética da complementaridade entre norma (lei formal), fato

(insegurança alimentar/nutricional) e valor (dignidade da pessoa humana),

compondo uma modalidade de conjugação compreensiva em polos implicados e

articulados harmonicamente, conforme a sistematização proposta por Reale (1994)

em sua Teoria Tridimensional do Direito, que examinaremos a seguir.

A originalidade das proposições de Reale soa-nos como basilar para o

desvelamento da unidade dinâmica da valoração da alimentação como direito, em

sua expressão no ordenamento jurídico, no contexto da realidade da existência

sócio-histórico-cultural do indivíduo e da coletividade humana.

No entanto, a versão tridimensional do direito – entendida em sua perspectiva

teórica, tendo em vista a conjugação norma/fato/valor de interesse no campo

científico da alimentação e nutrição, pode ser considerada, por alusão a Bobbio

(2008), no plano de seu significado ideológico (tende a afirmar determinados valores

ideais e a promover certas ações) e de seu valor científico (voltado a compreender

uma dada realidade e dar-lhe explicação).

Muito embora o Direito à Alimentação já estivesse relativamente legitimado no

Brasil com a edição da Constituição Federal, em 1988 – com interseção nos

segmentos dos direitos civis, políticos, econômicos e sociais – apenas nos anos

2010 e 2011, a SAN conquistou status de meta republicana articulada à pauta de

Direitos Humanos. Atualmente a alimentação é um direito social fundamental

(consignado no artigo 6º da Constituição Federal através da Emenda Constitucional

nº 64/2010), portanto, uma legítima questão de Estado. O país conta hoje com um

complexo mecanismo de pactuação intersetorial e federativa na forma de um

sistema e de um plano nacional de SAN (BRASIL, 2011a). Trata-se de um modelo

inspirado nos desenhos dos sistemas públicos de saúde (SUS) e ação social (SUAS)

que prevê, como preceito de cidadania, a estruturação de políticas e programas

coordenados nas diferentes esferas de governo e em conjunto com segmentos da

sociedade civil articulados com advocacy (BURLANDY, 2009; SORTE JR, 2012).

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No entanto, a cidadania, qualquer que seja a concepção adotada, pressupõe a

satisfação dos direitos sociais estabelecidos na ordem jurídica de um Estado, em

vista de sua implicação com a dignidade da pessoa humana (alçada a princípio

fundamental da Constituição Federal brasileira de 1988), entendido como atributo de

valor a todo indivíduo do gênero humano independente de sua condição.

A supramencionada inclusão da alimentação no rol dos direitos sociais

constitucionais consagra a questão multifacetária do acesso à comida e suas

implicações com a nutrição humana no amplo espectro do princípio da cidadania,

princípio cuja abordagem adequada supõe a consideração conjunta das

necessidades e interesses individuais e coletivos, incluindo o exercício do direito de

voto como expressão de soberania.

É importante lembrar, entretanto, que nos idos do Brasil Império, o voto, mero

ato de “obediência forçada”, fora frequentemente motivado por gratidão com abrigo

em uma espécie de operação de compra e venda. O pagamento muitas vezes era

realizado com alimentos, sendo comum a manutenção de eleitores “reunidos e

vigiados em barracões, ou currais, onde lhes dava farta comida e bebida, até a hora

de votar” (CARVALHO, 2011, p. 35).

A Constituição Cidadã (consoante designação atribuída pelo deputado Ulysses

Guimarães, presidente da então Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a

Carta de 1988) traz em si, através de dispositivos para a garantia das liberdades

individuais e da participação popular na definição dos rumos da República, uma

maior amplitude nas dimensões civil e política da cidadania no Brasil. Extensão de

tal qualidade não se procedeu, na mesma proporção, no que concerne à dimensão

social, haja vista, mais de duas décadas depois, ainda se verificar a configuração de

um Estado democrático de direito que não dá conta de superar sequer as

iniquidades sociais em matéria de alimentação e nutrição.

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3. ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO EM MATÉRIA DE SEGURANÇA E DIREITO:

INTERFACES SOCIOPOLÍTICAS NO ÂMBITO DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICO-

COMPREENSIVA

O propósito desse capítulo é discutir, como parte de um processo de

compreensão crítico-hermenêutica, a afirmação da Alimentação e Nutrição em

matéria de segurança e direito. Nesse sentido, são exploradas algumas interfaces de

natureza sociopolítica concernentes à alimentação e ao âmbito de sua configuração

no universo jurídico, considerando suas normas e princípios.

Tomando-se o Brasil como cenário sócio- histórico, é problematizada a

efetividade do direito fundamental à alimentação mediante políticas sociais. Para

tanto, são referenciados um conjunto de entendimentos jurisprudenciais e

doutrinários, como também se recupera a evolução do direito positivo, no que

concerne ao propósito de promover a condição, humana e social, de segurança

alimentar/nutricional, esclarecendo-se seu significado. Para tanto, acreditamos que a

essência do fenômeno não está posta explicitamente em sua concretude aparente,

não se revelando de modo imediato, demandando a revelação de suas mediações e

de suas contradições internas fundamentais (KOSIK, 2002).

No processo dialógico de apreensão da configuração do direito constitucional à

alimentação no Brasil, discute-se a valoração jurídica da alimentação e nutrição

humana na vertente social fundamental do direito, explorando-se sua positivação no

ordenamento jurídico pátrio, compreendendo, inclusive, tratados e convenções

internacionais, dos quais o Brasil é signatário, concernentes a direitos humanos,

sociais, econômicos e culturais.

Assim, revisou-se a literatura das ciências sociais e jurídicas, destacando

importante produção legislativa na forma das Leis nº 11.346/2006 e 11.947/2009, do

Decreto nº 7.272/2010 e excertos da Constituição Federal com a Emenda

Constitucional nº 64/2010, que inclui a alimentação dentre os direitos sociais

constitucionais – produto de notável sensibilidade política (ou senso de

oportunidade) do Congresso Nacional.

Nesse debate aberto, considerando a concepção axiológica do Direito Social à

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Alimentação, partimos da premissa de que, a despeito de contextos regionais

específicos, a velocidade e a intensidade das transformações ocorridas na dinâmica

internacional trazem consigo a exigência de mudanças no desenho e nas funções do

Estado, notadamente de outra configuração das políticas públicas, norteada por uma

nova ordem jurídica para fazer frente à agenda do que se convencionou chamar

globalização (ou mundialização), avançando na direção de modelos contra-

hegemônicos (SANTOS, 2006).

Valorizamos nesse processo de construção as evidências de que em um

mundo que aprofunda as desigualdades sociais, a consciência humana vai

incorporando gradualmente a solidariedade como categoria ética, resultante de uma

sensibilidade eficaz e transformadora em direção à justiça social (DEMO, 2002).

Nesse sentido, o Estado Constitucional Brasileiro vem adotando salvaguardas e

medidas compensatórias em favor dos segmentos sociais mais empobrecidos,

invariavelmente positivadas em normas jurídicas, como o faz com o Direito à

Alimentação.

Consideramos, nesse esforço compreensivo, que tal empreendimento é

limitado e historicamente situado (PALMER, 2006). Não obstante, julgamos

necessário buscar um entendimento mais elaborado do Direito Social à Alimentação

no Brasil, síntese de múltiplas determinações, concreto pensado no contexto

histórico e de conjuntura nacional, como também no plano das relações humanas,

tangenciando concepções de legitimidade, subjetividade e verdade.

Todavia, o trabalho hermenêutico voltado a entender o sentido de um direito

aplicável na melhoria da condição humana, deve ser buscado também no texto das

leis e em suas relações intertextuais (em face do contexto ampliado do sistema

jurídico e seus determinantes), que lhe conferem relativa autonomia.

Sendo assim, adotamos um percurso de revisão crítica, no qual recuperamos

inicialmente a configuração política do Estado em face da emergência dos direitos

humanos sociais, a seguir procuramos analisar alguns dos principais pressupostos

conceituais e normativos da segurança alimentar/nutricional, para então destacar a

concepção de Direito à Alimentação presente no contexto do modelo neoliberal de

Estado, passando pela transição demográfica, a transição/acumulação

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epidemiológica com sua vertente alimentar e nutricional e a inclusão da SAN,

demanda de saúde coletiva, na agenda das políticas públicas.

Na sequência, com amparo no ordenamento jurídico brasileiro, situamos a

positivação do Direito à Alimentação no cenário da globalização, ressaltando valores

cambiantes, normas vigentes e os princípios da proibição do retrocesso social e da

reserva financeira do possível, destacados pelo ativismo judicial nesse campo.

Por fim, transitando do campo da positividade jurídica para os sentidos

desvelados a partir da linguagem identificada com os direitos fundamentais,

advogamos pela importância do emprego de métodos qualitativos apropriados e

rigorosos para fazer face ao processo compreensivo do Direito Social à Alimentação

no Brasil, com vista a contribuir para torná-lo tanto mais exigível e efetivo.

3.1 Configuração do Estado democrático em face dos direitos humanos sociais

Os direitos humanos são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão.

(PIOVESAN, 2007, p. 26)

O constitucionalismo, fenômeno histórico multidimensional (social, político,

jurídico, ideológico, etc.) voltado a estabelecer uma nova ordem jurídica

constitucional, originou-se por contraposição ao absolutismo, pretendendo a

jurisdicização do liberalismo, de modo a garantir liberdades civis e políticas da

pessoa em face do Estado. Por outro lado, no afã de assegurar uma economia de

livre mercado, sem limites de expansão, os constitucionalistas de então, membros da

burguesia emergente, reivindicavam a segurança jurídica negada pelo regime

absolutista (KELSEN, 2000).

Não por acaso, portanto, no século XVIII, a garantia do direito de propriedade

servia de parâmetro e de limite para a identificação dos direitos fundamentais. Na

época, havia pouca tolerância às pretensões conflitantes com tal direito, daí porque

se argumentava que a exclusão dos não proprietários de terra do processo eleitoral

(voto censitário) era uma forma de legitimar a democracia, haja vista a concepção de

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que aqueles com menor renda tenderiam a se corromper em busca de propriedade e

outros bens materiais, viciando desse modo as eleições livres (BRANCO, 2002).

No segmento de um gradativo processo de evolução do constitucionalismo, os

princípios e regras constitucionais, com raízes na Declaração dos Direitos Humanos

de 1948, passaram a ser conclamados como obrigação ética superior. Para tanto, ao

longo da história, há inúmeros registros de gradual adequação e coerência do

conteúdo das constituições com as carências e necessidades de cada povo. Dessa

forma e conteúdo, o que antes era uma mera carta política escrita em linguagem

jurídica, artificialmente construída, com fraca eficácia jurídica e social, passou a ser

reconhecida e afirmada como um autêntico dever jurídico na direção de ordens

sociais democráticas e justas, valorando o indivíduo como sujeito de direitos: um

cidadão (DALLARI, 2010).

Nessa acepção de Estado hodierno, a administração pública traz para si a

responsabilidade de realizar o bem comum e de satisfazer as necessidades

materiais de sua população, valorando a dignidade da pessoa humana (sustentáculo

da tese de limitação do arbítrio e do poder do Estado). Constrói-se então um

ordenamento jurídico constitucional em harmonia com propósitos democráticos e

sociais, pactuados em tratados e acordos internacionais de direitos humanos. Tudo

isso em um ambiente econômico no qual grandes corporações transnacionais criam

impasses e, não raro, impedem a realização do bem comum ao determinar funções

do Estado a reboque do modelo econômico neoliberal (MANIGLIA, 2009;

PENTEADO FILHO, 2006).

Àquela altura, verifica-se ainda que, no Estado Liberal, a solidariedade social

deixa o campo da moral para ocupar a ordem jurídica, agora como uma espécie de

dever para com o próximo. Porém, tornar esse dever uma obrigação jurídica elimina

a moral que deve existir como essência da coesão social (SOUTO MAIOR, 2007).

Todavia, a aludida proteção do Estado a certas pessoas, no sentido da

assistência aos mais necessitados em suas carências e necessidades, parecia, na

perspectiva dos então (1948 e anos seguintes) detentores do poder econômico,

romper com a igualdade dos próprios cidadãos perante a lei, interferindo, inclusive,

na livre competição. Além disso, a ajuda do Estado também foi apontada, pelos

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mesmos agentes hegemônicos, como uma forma de restringir a liberdade individual

do beneficiado, comprometendo assim sua condição de eleitor independente

(CARVALHO, 2011).

Na verdade, foi, sobretudo, a partir da primeira guerra mundial que se

fortaleceu a cidadania enquanto discurso social, de modo que, daí em diante, todas

as constituições contêm dispositivos de direito social, tratando, de forma imediata, de

normas trabalhistas e previdenciárias – causas de tensões no núcleo ideológico do

liberalismo (SOUTO MAIOR, 2007).

Ressalte-se que o renascimento do liberalismo econômico trouxe consigo o

desenvolvimento da cultura do consumo, inclusive para a população mais excluída.

Nesse sentido, a cidadania reivindicada é o direito ao consumo. Se o direito de

comprar um objeto da moda – necessidade artificialmente criada –tem a força de

silenciar ou inibir qualquer modalidade de militância política dos que vivem à

margem da sociedade, as perspectivas de avanço democrático estariam

sensivelmente diminuídas (CARVALHO, 2011).

A propósito da contextualização da condição de vulnerabilidade humana no

polo mais fraco da correlação de forças desiguais da sociedade contemporânea, que

o remete à proteção do Estado provedor, o jurista cearense Paulo Bonavides, com

notável propriedade, assevera:

A circunstância de achar-se o Homem contemporâneo – o homem-massa –, desde o berço, colhido numa rede de interesses sociais complexos, com a sua autonomia material bastante diminuída, na maior parte dos casos irremissivelmente extinta, há concorrido para que ele, em meio a essas atribulações, como um náufrago em desespero, invoque a proteção do Estado, esperança messiânica de sua salvação.

(BONAVIDES, 2011, p. 200).

De toda sorte, um direito social é assim chamado, não pela sua dimensão

coletiva – posto esse direito ter como titular, na maioria das situações, pessoas

consideradas individualmente (BRANCO, 2002) –, mas porque existe, sobretudo,

para atender as exigências do bem comum, reivindicadas pelos defensores,

sensíveis e/ou carentes, da justiça social.

Assim, no contexto da crescente tensão dicotômica liberal entre os valores

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(jurídicos) liberdade e igualdade, a aludida edição da Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 1948 trouxe extraordinária inovação em matéria de linguagem

de direitos. Conjugando os discursos liberal e social da cidadania, tal declaração traz

direitos civis e políticos ao lado daqueles econômicos, sociais e culturais, como

também estabelece a premissa da universalidade dos direitos humanos, culminando

por demarcar a concepção contemporânea de cidadania (PIOVESAN, 2003).

Na sequencia, a grande maioria das constituições adotou a cidadania com

fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e outros de índole sócio-

jurídica, assumindo-se de então o conceito de cidadania contemporânea, como

revelado por Lafter (1997, p. 6) – por alusão ao pensamento crítico de Hannah

Arendt, vale dizer:

Cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direito dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso a um espaço público comum. Em resumo, é esse acesso ao espaço público – o direito de pertencer a uma comunidade política – que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos.

No entanto, a conquista e a consolidação dessa acepção engajada de

cidadania impõem respeito à constituição, somente alcançado a partir do

compromisso permanente com os seus princípios (expressos ou implícitos), em linha

com a preocupação com a sua efetividade nas relações sociais. Deve-se, ainda,

como parte do processo de concretização dos preceitos constitucionais, considerar a

evolução social dos próprios valores ali consagrados, sobretudo os direitos

fundamentais (DALLARI, 2011, SARLET, 2007). Tal coerência é, sem dúvidas,

essencial para assegurar condições favoráveis à dignidade da pessoa humana e,

também por isso, alcançar uma ordem social justa.

A premissa ideológica, logo consagrada nas constituições contemporâneas a

1948, de que o Estado é sujeito de direitos e obrigações – sendo a pessoa humana,

como tal, sujeito de direitos –, fundamenta o exercício, identificado com a cidadania,

da luta pela exigibilidade (jurídica, e administrativa) dos direitos sociais fundamentais

em face do próprio Estado.

No Brasil, dentre os vários caminhos historicamente possíveis de

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desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais, optou-se na década de 1930,

por esse último grupo, remetendo para frente o implemento e consolidação dos

direitos civis e políticos. Todavia, naquele período notabilizado pelo populismo que

atravessou o governo ditatorial de Getúlio Vargas – a proteção do Estado aos

hipossuficientes fora apontada como uma quebra da igualdade de todos perante a

lei, uma interferência indevida na livre competição e nas relações de trabalho

(CARVALHO).

Além disso, o auxílio do Estado era visto como restrição à liberdade individual do beneficiado, e como tal lhe retirava a condição de independência, requerida de quem deveria ter o direito de voto. Por essa razão, privaram-se, no início, os assistidos pelo Estado o direito do voto. Nos EUA, até mesmo os sindicatos de operários se opuseram a legislação social, considerada humilhante para o cidadão. (Op. cit, p. 221).

No processo de redemocratização no Brasil, vigorou um período de transição

política entre a chamada "Nova República" e o anterior Regime Militar Logo após o

fim da ditadura militar, o Brasil estabeleceu uma nova ordem jurídica constitucional, a

Constituição da Nova República ao estabelecer normas identificadas com o Estado

de Bem-Estar-Social, intervencionista e planejador. Prevaleceu a ideia de fortalecer o

Estado para reduzir a desigualdade material no país, assinalando-se assim uma

vertente contra-hegemônica ao modelo liberal de Estado – para o qual não haveria

vítimas, cada um seria autor do seu destino. Ao mesmo tempo, entretanto, criou-se

um arcabouço jurídico-constitucional para consolidação do país no contexto

internacional marcado pela globalização econômica e por políticas neoliberais

(FREITAS JÚNIOR, 2006; SOUTO MAIOR, 2007; PIOVESAN, 2003; STRECK,

2004).

Em matéria de tratados internacionais de direitos sociais, vigora no Brasil,

desde 25 de setembro de 1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos

(Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em 22 de novembro de 1969. Dessa

forma, o Estado brasileiro assumiu o compromisso internacional de adotar

providências com vistas a alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos

decorrentes, dentre outros, das normas sociais contidas na Carta da Organização

dos Estados Americanos, com a ressalva, de que tal deva ser feito – via legislativa ou

outros meios apropriados – de maneira progressiva, na medida dos recursos

disponíveis (OEA, 1969).

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Ainda sobre a incorporação dos direitos favoráveis à pessoa humana no

ordenamento jurídico pátrio, é importante destacar que Brasil também aderiu ao

Protocolo de São Salvador – um desdobramento do Pacto de São José da Costa

Rica, vigorando em nível internacional desde 16 de novembro de 1999 (BRASIL,

1999a). Nele, em seu artigo 12, intitulado “Direito à alimentação”, está estabelecido

que “toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade

de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual”. Sem

dúvidas, uma definição legal da vertente nutricional indissociavelmente ligada à

segurança alimentar da pessoa humana, como pressuposto de uma vida digna.

Em geral, nas Cartas Internacionais de Direito humanos nas quais o Brasil é

signatário, é assumido que os direitos dessa ordem – uma vez fundamentados nos

próprios atributos de pessoa humana como premissa de dignidade – são

indispensáveis para a promoção da justiça social (ONU, 1948; OEA, 1969).

Embora não citados nesse texto, cumpre assinalar ainda que o Brasil ratificou

diversos outros tratados internacionais de não menos importância, com vistas a

fundamentar, devidamente, políticas públicas eficazes para garantir a segurança

alimentar/nutricional, como premissa indispensável à justiça social, na direção da

construção da soberania alimentar.

3.2 Pressupostos conceituais e normativos da Segurança Alimentar/Nutricional

Na perspectiva positivista, o direito é concebido como um conjunto de regras,

princípios e procedimentos (ALEXY, 2011). Em tal ambiente de normatividade

jurídica, as necessidades básicas não satisfeitas fundamentam a existência de

direitos à sua efetivação, alguns destes transcritos em leis formalmente escritas, e,

desse modo, positivados. Exemplo disso é o Direito à Alimentação – o qual assume

status de fundamental, natural, elementar, básico, inviolável e indisponível, em

virtude de estar atrelado ao direito à vida, não apenas na acepção de estar vivo,

mas, como critério de justiça, de viver com dignidade.

Com efeito, desde o postulado jusnaturalista que defende a existência de

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normas transcendentes para assegurar certos direitos fundamentais ou naturais

(TORRES, 2006), passando pelas teses e produtos do positivismo jurídico,

alicerçadas na força normativa do Estado (KELSEN, 2008), sempre haverá espaço

de inegável destaque à alimentação, e por extensão à nutrição, dentre os mais

básicos e sociais direitos.

Nessa arte, a norma jurídica do Direito à Alimentação, a exemplo de qualquer

outro direito social, não pode simplesmente ter estrutura análoga àquelas

apresentadas pelo positivismo, no sentido de relacionar um fato descrito no desenho

normativo, que bem poderia ser a situação de fome, com uma relação jurídica

prevista em lei, a qual, nessa hipótese, corresponderia à (condição de) segurança

alimentar e nutricional. Tal condição, na forma da lei, consiste no acesso regular e

permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer

o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base, “práticas alimentares

promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental,

cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006a); convergindo para

um dos objetivos fundamentais do direito, que é proporcionar estabilidade e

continuidade.

A noção de Direito à Alimentação materializada no conceito de Segurança

Alimentar surgiu na Europa devastada pela primeira guerra, associada ao

movimento de internacionalização dos direitos humanos, decorrente de atrocidades

dos regimes totalitários, em singular momento histórico marcado pela crise do

Estado de exceção com índole positivista (ALEXY, 2011; BATISTA FILHO, 2003).

Assim, o conceito de Segurança Alimentar emerge como resposta às sensíveis

demandas sociais de nações incapazes de produzir alimentos suficientes para o

consumo humano, o que, dado o caos configurado em grandes contingentes

populacionais famintos, tem a força de fragilizar a soberania de qualquer país.

Tendo em vista a insuficiência do aporte alimentar, estampada na inanição, a

problemática da dimensão política da insegurança alimentar pode ser compreendida

com a verificação empírica de que a manifestação da fome extrapola a natureza

humana, posto que, como sustentado por Marins (2003), a escassez de alimentos,

enquanto condição coletiva é suficiente para corroer a força moral de uma nação e

contaminar o estado de espírito geral até transformar o país em uma pátria (com

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predomínio) de famélicos.

Reconhecendo o necessário debate quanto aos limites e significados dos

termos Alimentação e Nutrição (BOSI; PRADO, 2011), ou da interseção que

justificaria num só conjunto as seguranças alimentar e nutricional, merece acolhida a

argumentação de Batista Filho (2003) ao sustentar a inteligência do emprego

unificado de ambos na forma da expressão “Segurança Alimentar/Nutricional” (p. 7),

posto o reconhecimento de que se trata de processos necessariamente simultâneos,

onde com a segurança alimentar a pretensão é alcançar um estado nutricional

adequado, ou seja, uma condição fisiológica satisfatória, que requer, minimamente,

acesso à alimentação saudável.

Todavia, delimitar a concepção de alimentação e nutrição como questão de

segurança não é tarefa das mais simples, requer a consideração da natureza

humana, sua implicação com o meio ambiente, e remete ao processo histórico de

luta pela afirmação dos direitos e garantias fundamentais em face dos paradigmas

de riscos socioeconômicos envolvidos. Somente nesse contexto de construção

hermenêutica no sentido de uma idealizada condição de bem viver, pressupondo

relativa estabilidade para com o mínimo existencial, é coerente sustentar a

pertinência do uso da expressão segurança alimentar/nutricional (SAN).

No âmbito da discussão (teórica e política) em torno do conceito de SAN,

coletivamente imaginado e processualmente construído, podemos assinalar

movimentos sociais articulados em um verdadeiro campo de disputa. A hegemonia

almejada (e conquistada até então) guarda relação com o propósito de fazer

presente interesses os mais diversos em uma única definição, a exemplo da

perspectiva de sustentabilidade originária na corrente ambientalista, mas que

também assume caráter polissêmico ao incorporar as ordens cultural, econômica e

política.

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3.3 A (In)segurança Alimentar e Nutricional e a força do mercado

Pobreza e miséria são questões sociais e não naturais e fatais. Elas são produzidas pela forma como se organiza a sociedade.

(Leonardo Boff)

Em face da problemática da má nutrição no mundo, discute-se a produção e o

consumo sustentável de comida na perspectiva da segurança alimentar/nutricional,

condição essa que, na forma da Lei 11.367/2006, consiste na realização do direito de

todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade

suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais (BRASIL,

2006a).

Nesse contexto, a agenda da sustentabilidade ambiental converge para a

garantia do acesso a uma alimentação adequada e saudável nos sentidos ecológico

e nutricional, integrado as dimensões política, econômica, cultural e social. Têm-se

assim, múltiplas faces e um sem número de instrumentos para a abordagem da

problemática da fome e de outros problemas percebidos no campo da alimentação e

nutrição.

No âmbito do modo de produção capitalista, a quantidade e a qualidade de

alimentos disponíveis para consumo humano são determinadas por processos

complexos, identificados com interesses econômicos daqueles que detêm a

hegemonia do mercado de alimentos, inclusive porque capazes de determinar

hábitos, necessidades e demandas de consumo.

Mudanças verificadas nos padrões de consumo alimentar nos últimos anos

têm influenciando sobremaneira os meios de produção agrícola, sobretudo em

função da notória desvalorização das culturas tradicionais, em um ambiente onde os

produtores familiares, situados em posição marginal no debate acerca da SAN, têm

limitada influência na cadeia de produção e consumo.

O quadro de sensível pobreza no meio rural brasileiro, especialmente no

Nordeste, pode ser verificado junto às famílias classificadas como produtoras

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familiares que, em sua maioria, sequer tem acesso a instrumentos de política

agrícola capazes de assegurar o mínimo essencial ao seu autoconsumo,

constituindo, dessa forma, um significante contingente de comunidades rurais em

situação de insegurança alimentar (SILVA, 2006).

Não obstante, a existência humana é essencialmente dependente da

satisfação de demandas nutricionais, entretanto, na lógica do mercado global, a

nutrição adequada passou a representar uma expressão de marketing, com valor

simbólico contabilizado em lucro – não raro, legitimada por expoentes cientistas

(ainda que nesse aspecto não caiba generalizar, haja vista a produção contra-

hegemônica nesse campo) e seus métodos úteis ao sistema alimentar prevalente no

mercado global. O interesse em voga passa a ser a sustentabilidade econômica

pautada em tecnologias apenas acessíveis aos grandes produtores de alimentos, em

detrimento da agricultura de base familiar.

A realidade de insegurança alimentar/nutricional de comunidades rurais no

Brasil desmente a teoria de que o livre comércio, e seu sucedâneo crescimento

econômico, beneficiam aos pobres. Na realidade, o processo de internacionalização

da economia, ao tempo em que limitou a capacidade de regulação estatal, tornou

mais candentes questões relativas à regulamentação e controles de mercado, ao

lado da adoção de salvaguardas e medidas compensatórias em favor das

sociedades mais empobrecidas (KOERNER, 2003).

No nível internacional, grande parte dos sistemas alimentares mundo afora

são realidades complexas, alguns dos quais envolvem nações inteiras,

crescentemente dependentes de importações, inviabilizando os pequenos produtores

rurais pelo critério da competitividade econômica do livre mercado. Assim, a

produção para o consumo doméstico tende a desaparecer e, em contrapartida, novos

padrões de demanda são definidos por grandes interesses econômicos,

massacrando economias nacionais.

A fome como questão social foi fortemente evidenciada por volta de 1974, em

virtude da inanição (aparentemente decorrente da escassez mundial de alimentos),

face mais cruel da insegurança alimentar, ter vitimado milhões de pessoas,

principalmente na África e na América Latina. Ocorre que, nesse período, a

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concepção de segurança alimentar restringia-se à realização de armazenamento

estratégico de alimentos e de sua oferta segura e adequada. Apenas nos fins da

década de 1970, com o paradoxo do registro de grande incremento na produção

global de alimentos, ao lado do aumento do número de famintos, o mundo passou a

conceber a realidade da fome e desnutrição como um problema de acesso e não de

produção de alimentos. A partir de então, ao invés do enfoque no alimento, o ser

humano passa, enfim, a ser destacado nas ações estratégicas e táticas dos Estados

(MANIGLIA, 2009).

Haja vista o fato incontroverso de que a crescente hegemonia do modelo de

produção e consumo voltado ao mercado global, sobretudo a partir da década de

1970, desfavoreceu severamente (ou mesmo quebrou) os tradicionais mecanismos e

sistemas alimentares de base local (JONSSON, 1979), depreende-se porque se faz

necessária uma abordagem da fome enquanto fenômeno social praticamente

inseparável da pobreza, com uma expressão grave e óbvia da instabilidade

econômica mundial.

Nessa mesma linha, o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos afirmou, há mais

de três décadas, com notável força visionária, que estaria em curso, em termos

dispersos e incompletos, um processo institucional de transformação na sociedade

que poderia culminar em uma sociedade centrada no mercado (multicêntrica ou

reticular). Tal processo seria moldado a partir dos agentes históricos, através de

duas formas: aceitação passiva das circunstâncias ou exploração criativa das

oportunidades contemporâneas (RAMOS, 1981).

Ao longo de um percurso de desenvolvimento perverso e excludente

assinalado por um modelo centrado no mercado e, por efeito, na concentração de

renda, têm-se a emergência de ações afirmativas do tipo transferência condicionada

de renda com o fito de corrigir distorções históricas. Destaca-se então a abordagem

econômica de problemas nutricionais associados à desigualdade social, visto que o

foco capitalista na lógica da ampliação do mercado de alimentos sobrepõe-se ao

interesse pela condição humana de insegurança alimentar/nutricional.

Noutro sentido, estudos nos campos da genética e fisiologia sustentam

recomendações relativas ao consumo de alimentos transgênicos e funcionais,

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respectivamente. Trata-se de oportunidade de negócio no campo da alimentação e

nutrição, habilmente manipulada pela indústria do setor. Entretanto, “esquecem” os

inventores de comida com valor agregado (adicional econômico decorrente da

transformação industrial da matéria-prima alimentar), que a condição humana de

segurança alimentar/nutricional não é um bem econômico, valorado com

investimento na compra de alimentos processados, mas, isto sim, um bem da vida,

indissociavelmente relacionado à dignidade da pessoa humana.

Uma alimentação saudável e equilibrada precisa cada vez mais ser

considerada um direito social, sobretudo porque a fome e o direito de comer não se

limitam à insuficiência de comida, mas devem ser estendidos também ao comer mal,

em quantidade e em qualidade. Tal assertiva parece-nos relevante haja vista o fato

de milhões de brasileiros não comerem o suficiente e avançarmos céleres para

outros milhões que, malgrado a desigualdade notável na renda entre ricos e pobres,

comem cada vez pior, sobretudo, mais do que deviam. Nesse contexto do excesso

no consumo, cresce no país uma epidemia de sobrepeso/obesidade, atual e

relevante desafio à saúde coletiva.

3.4 A positivação do Direito à Alimentação no contexto da globalização

Em fins do século XX, com o advento e hegemonia de uma abordagem

econômica supostamente dirigida a unificar a economia mundial, a globalização

(ARNAUD, 1998) – em que pese a redução da importância do Estado-nação e das

economias de base local (o que é bastante para definir a política neoliberal,

inseparável da propaganda econômica que lhe confere força simbólica com sutis

ambiguidades) – emerge uma nova configuração das relações estatais por além da

esfera do direito (BOURDIEU, 2009). Desenho esse aponta para a possibilidade

concreta do direito nacional ser suplantado por novos tipos de regulação global, em

razão da emergência de ordens espontâneas que fogem a ação regulatória Estatal,

em um contexto no qual os direitos fundamentais passam a constituir paradigma de

legitimação de regimes políticos perante a comunidade internacional e, com isso,

cumprem uma função primordial na arquitetura jurídico-política (BALLESTRIN,

2010).

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No Comentário Geral n 12, adotado em maio de 1999, produto de discussão

no Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Alto Comissariado de

Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, o Direito à Alimentação é

definido como: “direito de ter um acesso regular, permanente e livre, (...), à

alimentação suficiente e adequada (...), correspondendo às tradições culturais das

pessoas a quem o consumo pertence, e que assegura uma realização física e

mental, individual e coletiva, de uma vida digna e livre de medo” (ONU, 2009).

No Brasil, em uma perspectiva fundada em princípios jurídicos de inspiração

positivista, o Direito à Alimentação já constituía um imperativo jurídico consignado na

Constituição Federal quando de sua promulgação em 1988 (BRASIL, 1988;

MARINS, 2003) (Tabela 1).

Tabela 1 – Princípios explícitos da Constituição Federal identificados com o Direito à Alimentação, Brasil, 1988.

Artigo Princípio Constitucional Identificado

1°, inc. II Cidadania

1°, inc. III Dignidade da pessoa humana

3°, inc.III Dever do Estado para com a alimentação escolar

3°, inc. IV Promover o bem de todos

5°, caput Inviolabilidade do direito à vida

100° Preferência aos créditos de natureza alimentar

208°, inc. VII Erradicação da pobreza e da marginalização

Interpretação normativa que, ao anunciar princípios constitucionais, configura o

que Streck (2011) propugna como positivação de valores, casuisticamente criados,

por alusão à crença pautada no paradigma de que o Estado Democrático (e Social)

de Direito fosse uma pedra filosofal da legitimidade desses mesmos princípios,

retirando-se tantos quantos necessários para solução dos casos mais complexos ou

mesmo corrigir as incertezas da linguagem. Sendo assim, quando a própria

constituição não basta ou não diz tudo que o intérprete deseja, simplesmente criam-

se novos princípios.

Talvez, como advoga Mastrodi (2012), o problema central relativo à proteção

dos direitos fundamentais esteja na superação das amarras do positivismo jurídico,

embora paradoxalmente, a forma encontrada de superá-las tem sido a positivação

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dos valores sociais por via de princípios, que passaram a ser entendidos por além de

pautas morais, agora como verdadeiras normas jurídicas, verdades direcionadas a

conferir sentido ao sistema jurídico, em sua estrutura.

Uma leitura atenta da Carta Magna revela ainda que ao longo de seu texto o

legislador originário trata do Direito à Alimentação, e, via reflexa, da garantia da

SAN, em diversas outras normas (tabela 2).

Desde a edição da Lei Federal nº 11.346 (BRASIL, 2006a) – Lei Orgânica de

Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – o Brasil conta com um marco legal de

referencia para SAN. Norma essa coerente com a recomendação do precitado

Comentário Geral n 12, art.11: “os Estados deveriam considerar uma lei, ajustada

ao quadro de referência do direito, como um instrumento importante para a

implementação da estratégia nacional para o Direito à Alimentação” (ONU, 1999, p.

269).

Resulta que, presentemente, a nação brasileira vivencia um ambiente inédito

de positivação do Direito à Alimentação, com a LOSAN prescrevendo Sistema

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) – com vistas a políticas e

planos envolvendo governo e sociedade civil, cuja proposta de estruturação,

ressalte-se, também se deve aos movimentos sociais de enfrentamento da miséria e

da fome.

Em agosto de 2010, tendo como marco legal a LOSAN, e na forma do Decreto

nº 7.272, tem-se a instituição de a primeira versão da Política Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, onde há o estabelecimento de

parâmetros para a elaboração do plano quadrienal do setor, enquanto produto de

um complexo mecanismo de pactuação intersetorial e federativa (BRASIL, 2010b).

Ainda em 2010, digna de nota foi a inclusão da “alimentação” no artigo 6º da

Constituição (Emenda Constitucional n. 64/10), junto com outros dez direitos sociais

ali positivados: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

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Tabela 2 – Normas da Constituição da República Federativa do Brasil implicadas com o Direito à Alimentação.

Norma Constitucional

Redação

Art. 5º, inc. L Preconiza que serão asseguradas as presidiárias condições para permanência junto aos filhos no período de amamentação;

Art. 6º, caput Enumera a alimentação entre os direitos sociais, ao lado, dentre outros, da saúde, da proteção à maternidade e à infância e da assistência aos desamparados.

Art. 6º, inc. IV

Destaca o salário mínimo com vistas à melhoria da condição social, cujo valor deve ser capaz de atender, dentre outras necessidades vitais básicas do trabalhador, a sua alimentação.

Art. 7º, inc. IV Prescreve a alimentação enquanto necessidade vital básica, individual e coletiva (grupo familiar), a ser contemplada com o salário mínimo.

Art. 23, inc. VIII Define que a organização de qualquer modalidade de abastecimento alimentar e o fomento da produção agropecuária compete cumulativamente a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Art. 203, caput, inc. I e II

Universaliza a assistência social a todos que dela necessitarem, objetivando, inclusive, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Art. 208, inc. VII, combinado ao art. 212, § 4º

Prevê o atendimento ao estudante da educação básica mediante programa suplementar de alimentação, financiados com recursos públicos, inclusive de contribuições sociais.

Art. 227

Estabelece o dever comum da família, da sociedade e do Estado de assegurar o Direito à Alimentação da infância até a juventude (o jovem foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 65/2010), ao lado de outros direitos e com absoluta prioridade à esses grupos etários.

Art. 79, das Disposições Constitucionais Transitórias.

Instituí, por tempo indeterminado, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, circunscrito ao Governo Federal, com previsão de aplicação de recursos em ações suplementares de nutrição (com redação dada pela Emenda Constitucional nº 67/2010).

Ressalte-se que a iniciativa de ampliação daqueles direitos no texto

constitucional não é inédita, tendo sido a moradia incluída doze anos após a

promulgação da Constituição Federal, onde o poder constituinte originário já houvera

estabelecido nove direitos sociais (Emenda Constitucional 26/00) no mesmo preceito

normativo. Vitória do positivismo jurídico, como se vê! E desafio tanto à Dogmática

Constitucional Concretizadora (HESSE, 1991)6 quanto à Hermenêutica Filosófica

6 O jurista alemão Konrad Hesse sustenta que inexiste (em face da realidade) uma norma

constitucional independente, posto que a essência desta reside em sua vigência, vale dizer: a situação por ela regulada deve (pretensamente) ser concretizada na realidade. Todavia, como

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(GADAMER, 2008)7.

3.5 Tutela judicial do Direito à Alimentação no Brasil

O direito à alimentação, ao modo de todos os demais direitos sociais, decorre

de problemas, lutas, perdas e conquistas de uma nação politicamente organizada (o

Estado), como também depende de mobilizações e articulações sociopolíticas para a

sua efetiva concretização nas vidas vulneradas pela realidade mais ou menos severa

da insegurança alimentar/nutricional. Políticas nessa direção supõem o esforço de

considerar, em particular, a gênese das históricas iniquidades sociais do Brasil,

explicativas da vulnerabilidade nutricional que ameaça a dignidade humana de

grandes continentes populacionais na diversidade do território nacional.

Nesse cenário sociopolítico, a presença da alimentação no rol dos direitos

sociais da Constituição brasileira (art. 6º) é apontada como um legado capaz de

acelerar a concretização do ideal de um país mais justo. Sendo assim, a não

concretização de políticas públicas nessa matéria sob pretexto do princípio da

reserva financeira do possível, adiante exposto, é reconhecido na prática dos

tribunais como uma forma de inércia qualificada do poder público, em afronta à

ordem jurídica. Tudo isso por força da ausência (ou fragilidade) de medidas capazes

de tornar real a condição humana de segurança alimentar/nutricional, em harmonia

com o conjunto de princípios e garantias fundamentais de justiça social insculpidos

no texto da Constituição Federal. Dentre aqueles, como parte da compreensão

hermenêutica dos direitos individuais e coletivos, destaca-se a proibição do

retrocesso social aplicado à tutela do direito social à alimentação, como uma cláusula

de um conteúdo mínimo de direitos fundamentais, ou ainda, um princípio capaz de

preservar os avanços em matéria legislativa relacionada à garantia da nutrição

adverte o mesmo autor, a pretensão de eficácia de uma norma da Constituição associa-se às condições de sua realização como elemento autônomo, configurando uma espécie de força ativa baseada na natureza singular do presente, e não como mera adaptação à realidade dos fatos. 7 A literatura em ciências sociais é assente em afirmar que a hermenêutica filosófica está associada

de modo muito particular ao nome de Hans-Georg Gadamer, inclusive porque esse autor transformou em precursores seus antecessores, destinando-lhes um lugar no desenvolvimento defendido por ele próprio. O autor de Verdade e Método contrapõe, com uma radicalidade discreta, o diálogo aberto, nunca possível de ser concluído, no qual se colocam efetivamente em jogo as supostas certezas (FIGAL, 2007). Na perspectiva filosófica de Gadamer (2008), a hermenêutica – por carregar sempre consigo seu próprio presente – é apontada como a gênese da consciência verdadeiramente histórica.

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adequada de coletividades humanas no Brasil, até como preceito de soberania

nacional.

3.5.1 Reserva financeira do possível

Na hipótese nas quais (por ação ou omissão) os órgãos legislativos ou

executivos comprometem a eficácia e a integridade de quaisquer dos direitos sociais

constitucionais, tem prevalecido em nosso sistema jurídico o entendimento

consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de conferir,

excepcionalmente, ao judiciário o poder de determinar políticas públicas previstas na

Constituição Federal, mitigando assim a questão da reserva do possível.

Em recente julgado do STF acerca de matéria relacionada ao Direto Social à

Educação (desde então tantas vezes referenciado pelos ativistas dos diretos

sociais), o ministro Celso de Melo em sua manifestação acerca da obrigação do

município frente ao atendimento em creche e pré-escola para crianças de até cinco

anos de idade, concluiu:

O administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional (...). Sendo assim (impõe-se) ao município de São Paulo, em face da obrigação estatal de respeitar os direitos das crianças, o dever de viabilizar, em favor destas, a matrícula em unidades de educação infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida.

(STF, Informativo nº 632, 24/06/2011, grifos nossos)

Contanto, a hermenêutica constitucional brasileira, da lavra da Suprema Corte,

evoluiu ao ponto de inadmitir que por mera discricionariedade da administração

governamental seja o dinheiro público gasto de forma ilegítima, tanto mais com

intuito de inviabilizar (ou fraudar) os direitos sociais. Na hipótese de uma prestação

visar proporcionar condições mínimas de existência não é lícito ao Estado nem

mesmo justificar-se pela precitada teoria da reserva do possível (STF. RE

436996/SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJU: 7.11.2005).

No que concerne ao Direito Social à Alimentação, sua efetiva realização

relaciona-se, em grande medida, com a capacidade econômico-financeira do Estado

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e, nesse ínterim, depende dos limites e possibilidades orçamentárias do governo

(princípio da reserva do possível). Entretanto não seria mesmo razoável, nem

legítimo, frustrar o cidadão da garantia fundamental da alimentação,

indissociavelmente vinculada à nutrição como questão de segurança, que remete às

condições materiais mínimas de existência digna, e assim, não pode prescindir de

incorporar dimensões de ordem cultural, social e política.

Assim, tratando-se o direito à alimentação de garantia constitucional diretamente relacionada ao supraprincípio da dignidade da pessoa humana, deve ser gozado com prioridade absoluta.

(DJSP 30/10/2012, Judicial – 1ª Instância / Interior, parte II, p. 884).

Decerto, em face da inoperância de uma ampla variedade de políticas públicas

no campo da alimentação e nutrição, supostamente eficazes, embora com pouco ou

nenhum alcance no âmbito da segurança alimentar/nutricional, a omissão estatal é

uma conclusão que se impõe, porque grosso modo o governo deixa de fazer, ainda

que parcialmente, o estabelecido no texto constitucional no que concerne à

concretização da alimentação.

Sendo a alimentação parte indissociável da ordem social constitucional, a não

concretização de políticas públicas nessa matéria caracteriza inércia qualificada do

poder público, em afronta à ordem jurídica, por força da ausência (ou fragilidade) de

medidas capazes de tornar real a condição humana de segurança

alimentar/nutricional, em harmonia com o conjunto de princípios e garantias

fundamentais de justiça social insculpidos na Lei Maior.

Para se ter uma ideia da força de uma norma de direito social na ordem

constitucional do Brasil, basta considerar que os atos do Presidente da República

atentatórios ao exercício dos direitos sociais (incluso a alimentação), por expressa

disposição constitucional (art. 85, inc. III) são tipificados como crimes de

responsabilidade, com previsão, dentre outras sanções, da perda do mandato

presidencial. Punição conquanto de tão extrema em nosso sistema político,

acreditamos só crível em ficção jurídica.

A presença da alimentação no rol dos direitos sociais da Constituição brasileira

é apontada como um legado capaz de acelerar – por analogia aos catalizadores de

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processos bioquímicos em matéria de nutrição – a concretização do ideal de um

país mais justo. Nesse sentido, pode ser útil para

[...] impulsionar a articulação do governo federal com os governos municipais, estaduais e do Distrito Federal e com a sociedade civil em quatro eixos de atuação (...): ampliação do acesso à alimentação com transferência de renda; fortalecimento da agricultura familiar; promoção de processos de geração de renda e da articulação, mobilização e controle social (BRASIL, 2003c).

Frequentemente, os tribunais fundamentam o direito à alimentação no direito à

saúde e à vida, com se extrai do AG 74622-RN, no qual a 4ª Turma do Tribunal

Regional Federal da 5ª Região, em apertada síntese, fazendo coro a inúmeras

decisões pelo país, em matéria análoga, reconheceu o dever do Estado para com a

alimentação especial de criança com restrição dietética (no caso, tratava-se de um

aminoácido), in verbis:

Constitucional e Processual Civil. Direito à saúde e à vida. Criança portadora de doença congênita. Alimentação especial. Dever do Estado. Tutela que se limita ao fornecimento de leite sem tirosina. (...).

(Relator: Des. Federal Lázaro Guimarães. DJ: 02.05.2008, p. 837)

Em recentes julgados, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça teve

oportunidade de enfrentar – determinando providências imediatas – situações de

flagrante omissão estatal em matéria de saúde e nutrição e outros valores

fundamentais, firmando jurisprudência no sentido de que a alegação de reserva

financeira do possível não é um fundamento capaz de contrapor a obrigação estatal

para com a efetivação dos direitos fundamentais. A título de exemplo, seguem três

acórdãos com tal entendimento:

ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. (...)

5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome (...). O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes.

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(STJ. REsp 1.068.731-RS, Min. H. Benjamin, DJ 08.03.2012; grifos nossos)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL (...) ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA. PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL (...).

(...)

4. (...) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. (...) Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da “democracia” para extinguir a Democracia.

5. (...) a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial.

6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na “vida” social.

(STJ. 2ª T. REsp.1.185.474-SC, Rel. Ministro Humberto Martins. DJ: 29.4.2010; grifos nossos)

(...) DIREITO FUNDAMENTAL. NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. (...) ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO.

10. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

11. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

12. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

(STJ. 1ª T. Resp. 753565/MS; Recurso Especial 2005/008658-2, Relator: Ministro Luiz Fux. DJ 28.05.2007; grifos nossos)

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Em matéria correlata, tem-se uma interessante manifestação do Conselho

Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) na resposta à consulta (n.º 48561-

84.2010.5.90), da Associação dos Magistrados do Trabalho da Paraíba. O objeto da

solicitação foi a possibilidade de extensão aos associados (somente juízes federais)

do auxílio-alimentação pago, stricto sensu, aos servidores públicos federais – com

fundamento (pasmem), no artigo 6º da Constituição, ou, mais especificamente, no

texto alterado pela Emenda Constitucional nº 64/2010 (que incluiu a alimentação no

rol de direitos sociais). Resulta que o CSJT negou a pretensão ali anotada, por

entender (com absoluta coerência, ética e bom senso), sem divergência, que:

(...) a mera previsão do direito à alimentação no rol dos direitos sociais não implica o direito subjetivo dos magistrados a receber parcela de sua remuneração destinada diretamente à sua alimentação.

A norma constitucional deve ser interpretada como o reconhecimento de que todos os cidadãos brasileiros devem ter acesso à alimentação, e que o Estado tem o dever de procurar alocar seus recursos de maneira a satisfazer as necessidades alimentares de todos, e, em especial, a dos cidadãos com maior carência de recursos financeiros. Este não é o caso, evidentemente, dos magistrados.

(DeJT n. 685, data: 10/03/2011, p. 3-4; grifos nossos)

3.5.2 Princípio da proibição do retrocesso social

O significado da Constituição depende do processo hermenêutico que desvendará o conteúdo de seu texto, a partir de novos paradigmas insurgentes das práticas dos tribunais.

(Lenio Streck)

No contexto de luta em favor da concretização dos direitos fundamentais, tais

como o direito social à alimentação, o “princípio da proibição do retrocesso social”

(CANOTILHO, 1999, p. 542) tem destacada importância, visto que a sua aplicação

tem por escopo proteger os direitos fundamentais já positivados, contrapondo a

produção legislativa e compreensão hermenêutica que aponte para supressão ou

restrição indevida de tão relevantes direitos.

Coerentes com tal entendimento em matéria de jurisdição constitucional, ao

revelar harmonia entre suas decisões e a concepção de Estado Democrático de

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Direito, os tribunais em todo o mundo vêm assumindo posições concernentes com a

ética do bem comum ao adotar proibição do retrocesso social como princípio basilar

dos direitos sociais. Nesse sentido, destaca-se o acórdão nº 39/84, do Egrégio

Tribunal Constitucional de Portugal, com a seguinte conclusão:

A partir do momento em que o estado cumpre (total ou parcialmente), as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.

(AC 34/84, DRe: 05.05.1984, n. 104, série I, p. 1455-1468)

Noutros termos, a teor do precitado entendimento da suprema corte

portuguesa, uma vez criada uma lei requerida pela Constituição para a realização de

um direito fundamental, o legislador passaria a ser impedido de revogá-la,

retrocedendo a situação anterior. Por tal entendimento, os serviços e institutos

jurídicos consagradores de direitos sociais, uma vez estabelecidos por lei, têm a sua

existência constitucionalmente garantida, admitindo-se alteração ou reforma por

outra norma legal nos limites constitucionais, não se admitindo a sua extinção ou

revogação.

Impende ressaltar que a teor do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (PDESC), ratificado pelo Brasil em 1992, no livre e pleno exercício

de sua soberania, o Estado deve observar o princípio da aplicação progressiva, o

que de per si implica justamente no princípio da proibição do retrocesso social

(PIOVESAN, 2007).

No acervo de jurisprudência brasileiro, colhe-se que já há precedentes nos

quais se reconhece o quão fundamental é o direito social à alimentação, a ponto de

justificar a aplicação do entendimento doutrinário que prima pela proibição ao

retrocesso. Ademais, dado o caráter indispensável da alimentação para garantia do

bem viver, é natural que demanda jurídica que envolva matéria dessa magnitude,

reúna os fundamentos para decisão que antecipe o mérito do provimento final, quais

sejam: fumus boni juris (fumaça do bom direito) e do periculum in mora (perigo da

demora), como visto no seguinte julgado:

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(...) entre nós, está escrito que o princípio da dignidade humana é fundamento da República, e que os direitos sociais, entre os quais, lógico, o da alimentação, figuram como limites à atuação de qualquer poder. Se derrubarmos a ideia de Constituição Dirigente, derrubamos todo o nosso arcabouço constitucional, é colocarmos ao chão o princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso é que se ensina, em Direito Constitucional, que as conquistas sociais não podem retroceder. Tudo o que a legislação já garantiu às classes trabalhadoras não pode ser suprimido. Entendemos, portanto, e (...) retomando a Canotilho, que se deva aplicar o princípio da proibição do retrocesso social, de modo que nem uma lei municipal poderia suprimir o direito das partes-autora à cesta básica - quanto mais um decreto municipal. Nesse ambiente de interpretação legalista e constitucionalista, é que a cesta básica deve ser garantida aos servidores públicos de Santa Albertina-SP. Por fim, como se trata de direito social de alimentação, inerente à sobrevivência humana, defere-se a tutela antecipada, para que a cesta alimentação seja imediatamente restabelecida.

(DJSP 09/10/2012, Judicial – 1ª Instância / Interior, parte II, p. 807)

A propósito da evolução legislativa, coerente com o constitucionalismo

contemporâneo, o Projeto do Novo Código de Processo Civil, em tramitação no

Congresso Nacional, em seu artigo 6º prevê que ao aplicar a lei deve o juiz “atender

aos fins sociais a que ela [a lei] se dirige e as exigências do bem comum, observando

sempre o princípio da dignidade da pessoa humana” (grifos nossos).

Por oportuno, tendo em vista a realidade que a grande maioria dos brasileiros

nunca teve assegurados vários dos direitos ditos de cidadania – ressalvando-se

prestações mínimas, por parte de organizações estatais ou não, é razoável sustentar,

como o fazem Agra (2007) e Piovesan (2007), a proibição do retrocesso social como

uma cláusula de um conteúdo mínimo de direitos fundamentais (doutrina

das entrenchment clauses), e, dessa forma, como um instrumento de referência para

impulsionar avanços na solução do problema crônico da exclusão social no país.

Em reforço à idéia de não retorno das conquistas legislativas em matéria de

direitos sociais, deve ser considerado, como lembram Valente, Franceschini e Burity

(2007), que as notáveis desigualdades socioeconômicas (e sua manutenção) no

Brasil refletem a correlação de poder desigual. De fato, no país que é um das

distribuições de renda mais desiguais do mundo, fruto da absoluta prevalência dos

interesses hegemônicos de uma minoria dominante em detrimento de uma maioria

sofrida, que assiste atônita uma sucessão de violações e ameaças aos direitos

sociais, reconhecidos como tal pela Constituição Federal.

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O atual cenário de crise econômica reforça a relevância das políticas públicas

pautadas nos direitos sociais fundamentais e, nesse processo, é pertinente o

emprego de instrumentos jurídicos voltados à proteção social, inclusos os

mecanismos de controle estatal sobre as pessoas envolvidas (SOUTO MAIOR,

2013).

3.6 Da positividade jurídica à hermenêutica do Direito Social à Alimentação no

Brasil

Inspirado na proposição de que a hermenêutica deve visar o conhecer

existencial (HEIDEGGER, 2006), sustentamos que o Direito Social à Alimentação no

Brasil deve ser compreendido e interpretado enquanto dimensão que é ao mesmo

tempo complementar e indispensável à análise formal ou objetiva da aspiração à

justiça, não como um procedimento especializado, empregado pelo analista na

esfera sócio-histórica, mas antes como uma característica fundamental do ser

humano como tal.

Humano que percebe o direito como integrante de sua experiência sensível,

lastreada pela carga de intersubjetividade, que, movida pela moral, não raro, situa a

superação da miséria social da fome, como dever-ser a ser alcançado pelo Estado

democrático de direito. A propósito, o modo ocidental de vincular as dimensões

biológicas e simbólicas constitutivas do ser humano faz de cada um de nós um homo

juridicus, onde o direito une a infinitude de nosso universo mental com a finitude de

nossa experiência física (SUPIONT, 2007).

Partindo-se de tal racionalidade hermenêutica para o campo da positividade

jurídica, o Direito Social à Alimentação está relativamente legitimado no Brasil, com

interseção nos segmentos dos direitos constitucionais, civis, políticos, econômicos e

sociais. Há dessa forma importante, embora discutível, base jurídica para sua

exigibilidade (judicial e administrativa), haja vista o reconhecimento de que, a

despeito de haver uma série de princípios e normas que positivam a alimentação

como direito social na história recente do Brasil, ainda não foi alcançado um grau

satisfatório no que concerne à sua efetividade.

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É notório que a legislação relativa à alimentação enquanto direito destaca-se

como expressão da intensificação das discussões sobre SAN, de onde também

partem recomendações. Tem-se então uma importante vinculação à produção e

inovação científicas (BOSI, 2010), circunscrevendo um campo que demanda o

fortalecimento das ações e o aumento de necessidades de informações sistemáticas

e confiáveis (PRADO et al, 2010). Campo científico (BOURDIEU, 1994) esse cujo

enfoque intersetorial requer um olhar interdisciplinar, e, assim, a formação de grupos

de pesquisa provenientes de variados campos e instituições (ANJOS; BURLANDY,

2010).

Na seara do Direito Positivo, sustenta-se que a recente inclusão do termo

alimentação no rol dos direitos sociais expressos no art. 6º da Constituição Federal

representa uma oportuna cautela político-legislativa contra interpretação que negue

efetividade ao Direito à Alimentação, ao tempo que reforça as políticas públicas,

presentes e futuras, de SAN. Na realidade, quando a questão diz respeito às

políticas públicas constitucionalmente previstas, o Supremo Tribunal Federal, órgão

máximo do judiciário brasileiro, firmou entendimento no sentido de que o princípio da

reserva do possível – assinalado pela negação do direito por ausência material ou

indisponibilidade jurídica de recursos financeiros – não tem o condão de afastar a

exigibilidade judicial dos direitos fundamentais (MARTINS FILHO, 2010).

O fato é que explicitar, no sentido afirmativo, o Direito à Alimentação no topo da

hierarquia normativa amplia a base político-estatal desse direito, consignando assim

a concepção axiológica do Direito Social à Alimentação, coerente com uma

constituição democrática, onde as valorações jurídicas são estratégicas para ampliar

a efetividade dos direitos fundamentais e de cidadania na direção do justo. O sentido

de tal inclusão evidencia problemas relativos à racionalidade-validade e à

legitimidade do direito, porque remete à exploração do elemento hermenêutico de

base em qualquer experiência empírica que se manifeste numa decisão judicial ou

político-administrativa, como se depreende do pensamento de Streck (2009).

Dito de outra forma, muito embora a alimentação esteja no rol dos direitos

sociais constitucionais, é fato que assegurar a comida, desde a questão do acesso

até a soberania alimentar, permanece como um desafio a ser superado no Brasil, ao

menos na perspectiva dos direitos humanos. Em tal contexto, caracterizado por um

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hiato entre norma e decisão politica, marcado pela negativa da efetividade do direito

à alimentação, destacam-se no contexto das políticas públicas, a ineficiência dos

programas de renda mínima e o fracasso no trato da proteção ao meio ambiente.

Noutra dimensão, a partir da premissa de que a exigência de direitos sociais é

um produto da crítica das teorias igualitárias para se opor à concepção e a prática

liberal do Estado (BOBBIO, 2004), é coerente sustentar que a concepção estatizante

da garantia do Direito à Alimentação no Brasil está fundada no ideal de

solidariedade e justiça em um Estado de desiguais que reconhece a emergência da

proteção social.

Nesse sentido, as iniciativas políticas que propõem ações intersetoriais para

promoção da SAN, e por extensão de solidariedade orgânica e justiça social, são

fruto de construções que exigem um arcabouço jurídico institucional e uma base

científica tão interdisciplinar quanto possível, capaz de compreender as multiplicas

faces do problema, inclusive a dimensão subjetiva da desigualdade, entendida como

significações e sentidos simbolicamente construídos pelas vítimas da desigualdade

social, dialeticamente vinculados à concretude das relações sociais em que tal

produção subjetiva emerge.

Naturalmente, promover a segurança alimentar/nutricional é, sobretudo, um

desafio de todos que remete ao necessário cuidado e zelo com o meio ambiente,

prevenindo ou mitigando, tanto quanto possível, o impacto da ação humana sobre o

clima, o solo, a água, a fauna, a flora e outros fatores da natureza imprescindíveis ao

equilíbrio vital. Nessa linha, por além do direito positivo, impõe-se o desenvolvimento

de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e economicamente justos, em

harmonia com a universalização do direito à alimentação.

É forçoso reconhecer que no contexto da atual crise do modelo econômico

hegemônico desse início de século, incluindo o mercado de alimentos baseado no

agronegócio, são notórias as ameaças à promoção do direto à alimentação no

mundo. Diversas organizações não governamentais, a exemplo da FoodFirst

Information & Action Network (FIAN, 2011), vêm denunciando a expropriação

desmedida de terras e seu impacto deletério no clima e nos recursos naturais

renováveis, bem como a exploração absurda do trabalho de pequenos agricultores e

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pecuaristas, pescadores artesanais, dentre outras pessoas, que embora

majoritariamente responsáveis por alimentar à comunidade humana, sequer

conseguem o que se faz necessário para cobrir as necessidades alimentares e

nutricionais de suas famílias.

Também é importante incluir a discussão dos programas que se investem no

propósito de promover o Direito à Alimentação, envolvendo a estrutura e os

resultados almejados, como também, em especial, a percepção da segurança

alimentar em famílias envolvidas em tais ações governamentais (CASEMIRO et al.,

2010; ROCHA, 2011).

Albuquerque (2009) propugna pela importância de se planejar pesquisas

capazes de avaliar o impacto acerca da situação e da percepção da segurança

alimentar em famílias partícipes de determinados programas sociais. Na mesma

trilha, Casemiro et al. (2010) observam que compreender a forma como os agentes

sociais avaliam e (res)significam sua realidade, envolvendo preceitos de justiça,

ética, participação política e intersetorialidade, pode constituir um bom começo com

vistas à efetivação do propalado Direito Social à Alimentação.

Contudo, o direito à alimentação, ao modo de todos os demais direito sociais,

decorre de problemas, lutas, perdas e conquistas de uma nação politicamente

organizada (o Estado), como também depende de mobilizações e articulações

sociopolíticas para a sua efetiva concretização nas vidas vulneradas pela realidade

mais ou menos severa da insegurança alimentar/nutricional. Por tais razões, Beurler

(2008) propugna pela importância de questionar a omissão estatal em realizar

plenamente o direito à alimentação, conforme enunciado pelo nosso ordenamento

jurídico constitucional.

No atual estágio da democracia brasileira, não obstante a relevância política

atribuída ao Direito Social à Alimentação enquanto matéria formalmente

constitucional, a concretização de um valor material dessa ordem de essencialidade

para o bem maior da vida – dada a sua singularidade, requer algo mais que uma

expressão de fetiche constitucional ao modo do princípio da dignidade da pessoa

humana, ou de mero elemento de normatividade positivista, mas, isto sim, um

processo factível de concretização, no sentido de norma-decisão essencialmente

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dinâmica e relacional com a realidade.

Certamente que tornar efetivo o Direito Social à Alimentação na práxis

inerente à globalização, em um país marcadamente desigual, é um grande desafio

do governo e da sociedade, que sugere, em nível interno, uma ampla mobilização

social e articulação política; e, nas relações internacionais, a afirmação da soberania

alimentar e da cooperação internacional. Daí a importância das cartas internacionais

de direitos sociais e econômicos nesse contexto.

Outrossim, em um cenário onde há poucos estudos empíricos tratando do

Direito Social à Alimentação, reconhecemos na hermenêutica uma base

epistemológica apropriada para a construção de uma teoria crítica (FIGAL, 2008;

SANTOS, 2010), tendo em conta a compreensão linguística por processo de fusão

de horizontes (GADAMER, 2006) dos discursos significativos da praxis das políticas

sociais no campo da alimentação e nutrição; notadamente a complexidade semântica

revelada na fala do cidadão envolvido como beneficiário, o modo como se percebe

(ou não) implicado com um programa relacionado à promoção da SAN, bem como as

tensões e condicionamentos presentes ao lado do paradigma assistencialista,

historicamente orientador da condução de políticas compensatórias de renda, sob

pretexto de aplacar a miséria social da fome.

Por último (embora não menos importante), entendendo o social como a

essência do direito, como prescreve Souto Maior (2007), e tendo em vista a sensível

implicação da alimentação e nutrição humana com a dinâmica da vida em sociedade,

se impõe relevante aos operadores do direito assumir a segurança alimentar como

um compromisso social em favor de uma nação mais justa. Políticas nessa direção

supõem o esforço de considerar, em particular, a gênese das históricas iniquidades

sociais do Brasil, explicativas da vulnerabilidade nutricional que ameaça a dignidade

humana de grandes continentes populacionais, na diversidade do território nacional.

No entanto, além de assumir a dignidade humana como princípio, conforme

perspectiva fundada no reconhecimento jurídico dos direitos humanos, as políticas de

Estado no campo da alimentação e nutrição, precisam fortalecer os mecanismos de

accountability – isto é, envolver, a um só tempo vias de responsabilidades

integradas em um sistema nacional de segurança alimentar/nutricional, deveres de

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transparência na prestação de contas dos programas sociais, democracia no trato

das decisões e sistemas de controle eficientes do gasto público.

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4. ALIMENTAÇÃO, CONSUMO E NECESSIDADES HUMANAS: UMA

APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-CRÍTICA

O propósito deste capítulo é analisar, sob uma perspectiva histórico-crítica, a

construção social da alimentação como bem de consumo e, em tal contexto, analisar

sua expressão na consciência humana como uma necessidade. Para tanto, assume-

se a história enquanto fenômeno em permanente construção, que se atualiza em um

tempo saturado de acontecimentos, cuja compreensão pressupõe revisitar o

passado, indo e vindo ao presente (BENJAMIN, 2005; FOLCAULT, 2008).

Nessa perspectiva de análise, aludindo à concepção dialética da história em

Gramsci (1978) e à premissa materialista de que os homens constroem a história

procurando atender àquilo que eles reconhecem como necessidades (PLEKHANOV,

2003), revela-se a trama das relações sociais que envolvem interesses em disputa,

ambiente no qual cada indivíduo singular ou agrupamento humano se depara

permanentemente com contradições.

Tomamos como cenário o campo da saúde coletiva, visitando a literatura em

ciências sociais e humanas (BOSI, 2012) e elegendo a alimentação e nutrição como

tema transversal. Para tanto, considera-se a noção do devir histórico,

problematizando-se a associação das necessidades humanas com a força da

economia de mercado, explorando-se o viés da insegurança alimentar/nutricional

como fenômeno de interface. Na sequência, dentre outros aspectos críticos, focaliza-

se a reprodução do modelo de desenvolvimento alicerçado no agronegócio (voltado à

exportação e naturalizado pela grande propriedade), negligente para com a saúde de

produtores e consumidores.

4.1 Necessidades humanas, mercado e devir histórico

Marx e Engels (2009) concebem o indivíduo como resultante do

desenvolvimento histórico; um produto social, cuja interpretação requer compreensão

de suas relações e vínculos. Dessa forma, as condições concretas de existência

(humana e social) são mediadas por um processo de apropriação do acúmulo

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histórico (socialmente produzido) que, nesse contexto, determinam uma consciência

histórica, constituída por ideias, representações e juízos.

No entanto, a assertiva de que a natureza humana deve ser entendida como

conjunto de relações sociais inclui a ideia do devir histórico: o homem transformando-

se em compasso com as mudanças nas relações sociais, aqui concebidas como

expressões de agrupamentos humanos, compondo uma unidade dialética e não

formal (GRAMSCI, 1978).

É pertinente assinalar, contudo, que toda tentativa racional de pensar a

existência humana e seu sentido deve refletir criticamente sobre a capacidade

humana em articular o sentido intersubjetivo e indagar sobre suas condições de

possibilidade e validade (COSTA, 2002).

Em 1887, ao criticar a implicação da sociedade humana com a então

economia política de base capitalista, Marx (2003) já asseverava que nesse modelo,

a dinâmica da vida é processualmente determinada pela dialética da produção

capitalista, movimento esse que alça o sujeito à condição de agente daquilo que ele

identifica como sua “vontade”, para a qual demanda uma necessidade e, por efeito, a

reveste de valor econômico.

É fato que vivemos em uma sociedade de consumidores, na qual o labor e o

consumo são dois estágios de um mesmo processo, impostos ao homem pelas

necessidades de sua vida: “o que quer que façamos, devemos fazê-lo a fim de

ganhar o próprio sustento” – sentencia a sociedade, com cada vez menos pessoas a

contestar (ARENDT, 2009, p. 139).

Atualmente, sob a égide da subserviência da sociedade ao dinheiro que

movimenta a economia no rumo das necessidades humanas socialmente

construídas, reificadas, mexer no sustento é também mexer na vontade, no modo de

viver, na condição de consumidor de bens e serviços supérfluos e até perigosos,

mas, não raro, julgados necessários por indução de mensagens publicitárias. Tal

movimento se dando no complexo processo de construção da hegemonia, conforme

tematizado por Gramsci (1978).

Para Adorno e Horkheimer (1985), a lógica de atrelamento da sociedade ao

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mercado compõe uma civilização técnica, movimentada por necessidades

produzidas em larga escala. Nesse prisma, Arendt (2009) adverte que quanto mais

fútil se tornar a vida em uma sociedade de consumidores, mais difícil será preservar

a consciência das exigências do que ela define como (reais) necessidades.

Sabendo-se que os elementos potencialmente capazes de satisfazer as

necessidade humanas, uma vez relacionados a cada pessoa ou realidade

singularizada, são identificados nas dimensões emocional, material e simbólica, a

civilização humana atrelada ao mercado impõe – através dos agentes detentores do

poder econômico – o consumo de produtos e serviços ditos úteis e necessários,

habilmente manipulados por estratégias de propaganda e marketing (FREITAS,

2007), igualmente transformadas em produto/serviço de alto valor no mercado,

instalando-se um ciclo em que vários interesses se superpõem.

Ademais, as rápidas transformações socioculturais no mundo

tendenciosamente globalizado, notadamente os efeitos das modificações sensíveis

nas noções de tempo e de espaço, têm favorecido o consumismo e o individualismo.

Cada vez mais os produtos disponíveis ao consumo passam a atuar como precárias

matrizes de identidade, confundido a percepção do que seja necessidade ou desejo

(CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2006).

Sendo assim, no capitalismo não há espaço para a produção em função das

necessidades humanas, haja vista o foco ser gerar produtos, em ritmo e variedade

crescentes, que se imponham como objetos de desejo, com força de se

apresentarem como necessidades, induzindo o consumo de bens e serviços, não

sendo a esfera alimentar exceção.

4.2 Comércio de alimentos, consumo e a questão da (in)segurança

alimentar/nutricional

Ao longo da história das civilizações humana, é possível verificar que os

agrupamentos sociais reúnem modos próprios de alimentação, representado uma

viva expressão das relações sociais em seu conjunto. Todavia, as revoluções e o

desenvolvimento histórico global, uma vez criados hábitos, costumes e crenças

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alimentares, têm a força de modificar a alimentação humana (não sendo a recíproca

verdadeira). O fim do nomadismo8 não foi consequência da colheita regular de trigo,

antes pelo contrário, decorreu de condições opostas a ela, motivando o

desenvolvimento de técnicas de cultivo desse cereal e, por conseguinte – além da

novidade do sedentarismo – trouxe adaptações nos modos de armazenamento,

preparo e consumo (GRAMSCI, 1978).

Na realidade contemporânea – construída como tal mediante relações sociais

ao longo da história (BERGER; LUCKMANN, 2009) – o desenvolvimento tecnológico

da agricultura (fortemente vinculada ao gênero masculino) afastou do comum dos

homens em sociedade a primitiva função caçadora. Nesse contexto, o “trabalho”

passou então a ser a forma primária de sustento alimentar, mantendo-se, entretanto,

o deslocamento regular entre a habitação e o “local de caça” (MORRIS, 2010).

A despeito da exploração desmedida do meio ambiente e da falta de

legitimidade social do mercado livre, o modo de produção capitalista expandiu de tal

ordem que seu tamanho, ao determinar e expor iniquidades sociais em saúde,

passou a ser ameaça à sua própria perspectiva de reprodução. Contexto análogo ao

verificado na primeira fase da revolução industrial, momento em que as péssimas

condições e a jornada exaustiva de trabalho deram causa a muito sofrimento e a

inúmeras mortes (GALLO, 2012), ameaçando o segmento do modelo e motivando

ajustes no modo de exploração do labor humano.

Sabe-se que, além do sedentarismo, a convergência de práticas

agropecuárias contemporâneas (baseadas no extenso uso de insumos químicos)

com mudanças de hábitos alimentares urbanos (pautadas na globalização do

consumo de alimentos impróprios à sadia qualidade de vida) tem favorecido um

aumento, sem precedentes, na incidência de doenças crônico-degenerativas (várias

das quais associadas à nutrição), como revelam indicadores epidemiológicos já nos

anos 1990 (VALENTE, 2002). Naquela década, conforme lembra Vasconcelos, se

configurou uma forte tendência à massificação dos hábitos e práticas alimentares em

escala planetária, reproduzindo padrões dietéticos ocidentais notabilizados por serem

8 Na Pré História, comunidades humanas inteiras movimentavam-se em busca de espaços onde

encontrassem alimentos e outras condições materiais essenciais à vida, os nômades, demorando-se pouco em cada lugar. Acredita-se que o desenvolvimento da agricultura foi determinante para fixação do homem em um dado território.

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ricos em gorduras (sobretudo as saturadas) e açúcar (principalmente a sacarose) e

pobres, dentre outros nutrientes, em vitaminas e sais minerais.

O modelo de produção pautado no monocultivo irrigado de frutas para o

mercado externo induz e impõe mudanças sensíveis no espaço territorial e na vida

humana, uma vez que afeta severamente a saúde do trabalhador rural, vitimado por

precárias condições de trabalho em razão da absurda exposição a agrotóxicos nos

campos de plantios (PESSOA; RIGOTTO, 2012). Além disso, faz-se necessário

produzir novas tecnologias em substituição aos clássicos sistemas agrícolas,

impostos pelo poder hegemônico (PORTO; SOARES, 2012).

Na realidade, a economia contemporânea, norteada pela força de grandes

conglomerados financeiros, também especula artificialmente com o comércio de

alimentos, ao negociá-los na forma de commodities agrícolas em bolsa de

mercadorias e futuros. Nesse ambiente financeiro, cuja circulação e transferência de

valores ocorrem em tempo real, os alimentos são cotados conforme os preços a eles

atribuídos em função da dinâmica do mercado. Nessa lógica, a dicotomia entre a

produção de comida para seres humanos ou a geração de combustíveis para

máquinas é reduzida a uma questão de preço, sendo a inflação de alimentos que

limita o aporte de nutrientes às famílias mais empobrecidas (RICARDO; CLARO,

2012) mero efeito das tensões presentes no mercado.

O mercado de alimentos, em franca expansão na atualidade, revela-se

indiferente aos efeitos nefastos dos produtos que negocia sobre a saúde humana,

quer pela ingestão elevada de calorias ou de componentes sabidamente prejudiciais,

uma vez que seu foco é o aumento do consumo. Não por acaso, portanto, assiste-se

o aumento da prevalência, incidência e intensidade dos problemas nutricionais em

todo o mundo, tornando a questão alimentar/nutricional um permanente e crescente

desafio no âmbito da saúde coletiva.

O incremento do consumo de alimentos processados, altamente calóricos,

pobres em nutrientes, impregnados de agrotóxicos e aditivos de efeitos duvidosos

ou francamente nocivos, dá a dimensão do viés de insegurança alimentar/nutricional

da movimentação econômica baseada no aumento do consumo. Tal movimento se

apoia no crédito fácil e incentivo fiscal, a pretexto de promover o crescimento

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sustentado do mercado e, nesse passo, gerar mais emprego e renda. O caos da

mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras, o sedentarismo e os estilos de

vida não saudáveis levando à obesidade e a outros males nutricionais, também

podem ser apontados com resultantes dessa linha oblíqua do consumo desmedido.

Quanto a esse modelo, vale lembrar que nos anos 2007 e 2008, os Estados

Unidos protagonizaram uma crise de dimensões globais, notabilizada pela

instabilidade da economia nacional (maior do planeta), fortemente baseada no

consumo. À época, o mundo foi surpreendido por uma perda dramática da

credibilidade do sistema financeiro norte, decorrente da especulação associada à

inadimplência no setor imobiliário, crise esta com efeitos que ainda se multiplicam.

Nesse cenário, caiu a oferta de crédito ao consumidor, e, por conseguinte, o poder

de consumo das famílias. A solução encontrada envolveu a edição de medidas

econômicas para recuperar o consumo, como também o saneamento de bancos para

recuperação do crédito (BUENO, 2008).

No que concerne ao Brasil, ao analisar a possibilidade de existência de uma

“bolha” no mercado imobiliário nacional, economistas do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA) revelam que a insistência do governo em aquecer ainda

mais o (já aquecido) mercado imobiliário (para citar apenas uma esfera do mercado),

sabendo-se que a maioria dos contratos de financiamento habitacional no país é

indexada por juros pós-fixados, só tende a piorar o quadro já vulnerável às

oscilações das taxas de juros (BRASIL, 2012c). No mesmo estudo, os autores

sustentam que as atuais políticas fiscal e monetária do país são inflacionárias,

tendentes a elevar o custo de vida, dificultando ainda mais o acesso econômico aos

bens, dentre eles, os alimentos. Esses, uma vez demarcados como mercadorias

(commodities), cabe lembrar, têm produção, oferta e preço variáveis em função de

especulações de toda ordem no mercado financeiro internacional, movimentadas no

mundo do agronegócio (agrobusiness).

4.3 A pertinência de uma teoria crítica

Por tais considerações, compreender a determinação presente do consumo

alimentar no contexto de uma análise das transformações sociais que permeiam o

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comer e a própria comida, passa, recorrendo à crítica de Foucault (2008), pela

superação da história como empreendimento estruturado, vale dizer: sistema

ideológico do tipo linear e justificador do poder hegemônico. Somente valorando a

perspectiva dialética dos fatos e as possibilidades de mudanças, rompendo com a

abordagem da história restrita à linearidade do tempo e, por conseguinte, o passado

situado em uma escala evolutiva, acreditamos ser viável discutir criticamente os

acontecimentos associados à condição humana de (in)segurança

alimentar/nutricional.

Assim, respeitando as posições em contrário, consideramos que, na pauta da

saúde coletiva, a produção intelectual do materialismo-histórico, notadamente a

filosofia da práxis e o devir histórico (em oposição ao mecanicamente dado)

(GRAMSCI, 1978; PLEKHANOV, 2003; MARX; ENGELS, 1999), continua sendo

referência importante – ainda que se imponha revisão de certas ortodoxias e um

diálogo com outras contribuições afins. Sem dúvida, várias das categorias de base

da teoria marxista da sociedade, tais como: contradição, mediação, autonomia,

reificação e alienação (MARX, 2003; GRAMSCI, 2005; KOSIK, 2002) oferecem

importantes pressupostos para a construção de conhecimentos a serviço da melhoria

da condição de vida no âmbito da alimentação e nutrição (sem negligenciar ou

comprometer outras necessidades igualmente vitais). Adicionalmente, o conhecido

fundamento de aliviar a miséria da existência humana que dá sentido à ciência, como

sustentado por Brecht (1977), já justificaria a práxis acadêmica nessa direção.

Contudo, a pretensão de uma existência digna ou, simplesmente do bem viver,

pressupõe a garantia da condição (humana e social) de segurança

alimentar/nutricional em uma perspectiva contra-hegemônica ao atual modelo

econômico, com sua vertente consumista. Daí porque entendemos que a pauta das

políticas públicas deve favorecer: (1) o fomento da agricultura de base familiar (ou

campesina) ecologicamente sustentável, inclusive livre de agrotóxicos; (2) a

multiplicação do comércio justo fundado na economia solidária; e (3) o

desenvolvimento de uma educação alimentar/nutricional desde que articulada a um

acesso ao consumo consciente e saudável.

Qualquer destas iniciativas seria impensável com base em uma abordagem

linear, evolutiva e integrativa da história. É imperativo, portanto, investir em modelos

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críticos que, considerando a historicidade dos processos, subsidiem a superação do

malfadado progresso econômico, às custas da desestabilização de sistemas

alimentares nos diferentes estratos ecológicos e seus graves desfechos na

existência humana, nos planos individual, comunitário e planetário.

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5. VALORAÇÕES E JUÍZOS DE MÉRITO DO BOLSA FAMÍLIA NA PRÁXIS EM

ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO

O objetivo deste capítulo é discutir o preceito do investimento em capital

humano com vistas à superação da pobreza estrutural, conforme fundamento

enunciado no PBF. Na exploração desse tema fazemos remissão ao senso comum,

a ciência e a ideologia, tomadas como manifestações do esforço propriamente

humano de compreender, uma vez que cada um desses, a seu modo, conhece e

transmite concepções acerca da realidade. Por seu turno, ciência e senso comum

constituem espaços propícios para a expressão de diferentes ideologias em face da

aparente realidade do mundo vivido.

É questionado o PBF na aproximação interpretativa da crítica que o aponta

como incentivo à ociosidade e à acomodação, pois estaria induzindo à condição de

dependência do aporte mensal em dinheiro sem a contrapartida de trabalho. A

análise é pautada na percepção da realidade sensível configurada na implicação de

famílias, reconhecidas pobres, com direitos e interesses subjacentes à transferência

condicionada de renda, patrocinada pelo Estado.

Propugnando pela superação da concepção da realidade ao que ela parece

ser, questiona-se a premissa da autonomia sustentada das famílias em sua lógica

desenvolvimentista, com forte componente de biopoder (na acepção de Foucault)

em vistas da combinação de investimentos em práticas higienistas e de pedagogia

empreendedora.

São criticamente explorados os fundamentos ideológicos que apontam a

pessoa humana como um bem de capital – fundada no preceito do investimento em

capital humano para superação da pobreza estrutural, passível por isso de

investimento e controle estatal através de moldes e pacotes de serviços públicos

consignados na Constituição Federal como direito-dever.

Consideramos nesse esforço compreensivo que o Bolsa Família, sendo um

programa de transferência condicionada de renda focada na pobreza em curso por

mais de uma década, constitui uma realidade concreta de ações políticas,

motivações, valores, sentimentos, crenças e atitudes. Conhecer tamanha

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complexidade requer uma abordagem qualitativa da compreensão acerca do mérito

das contrapartidas impostas às famílias em saúde, educação e assistência social.

Movimento dessa natureza não pode negligenciar o conhecimento do senso comum

presente no sentimento de solidariedade e justiça social para com a superação da

crueza da miséria e sua incômoda realidade de privação e insegurança no âmbito da

alimentação e nutrição do sujeito humano.

5.1 Senso comum e ideologia na esteira do conhecimento científico

O senso comum e a ideologia não são propriamente ciência, posto ser o

primeiro conhecimento caracterizado pela falta de rigor lógico, nada especializado,

porque genérico, qualquer do povo, em geral, desconhece até mesmo quando o está

utilizando, ou como revela Gadamer (2008), o sentido que institui a comunidade; ao

passo que a ideologia, cujo papel na produção da história é inegável, traz como

critério distintivo seu caráter justificador de posições sociais vantajosas.

Gramsci (2005), embora considere o senso comum como algo difuso,

incoerente e limitado a uma compreensão superficial da realidade, atribui a ele uma

qualidade (essencialmente humana) de filosofia implícita de vida. O conhecimento

que pertence ao senso comum é nesse prisma tido como verdade, contudo, ao

lançar mão do rigor na pesquisa, do debate e da crítica de opiniões, a ciência

procura afastar-se do senso comum, embora, paradoxalmente, o cientista costuma

se apropriar de conceito originário do cotidiano até convertê-lo em científico,

acreditando assim romper com o senso comum (FRANCELIN, 2004).

Na realidade, o senso comum, uma vez apreendido de modo reflexivo é

capaz de produzir a sua própria transformação. Essa necessariamente passa pela

crítica do conhecimento tido como evidente porque recebido sem maiores

estranhamentos (PATY, 2003).

Do mesmo modo, o conhecimento do senso comum refere fenômenos

imediatos do cotidiano, compreensíveis por seu caráter aparente de certeza, o

mundo da falsa concreticidade ou da realidade reificada (KOSIK, 2002), permeada

de ideologia, visto que embora sustentada por um conjunto de ideias dirigidas à

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elaboração e a sistematização de uma determinada compreensão da realidade, a

dissimula conforme os interesses de seu proponente (KIPNIZ, 2005), não raro

travestindo-a de cientificismo ou outras formas deturpadas de interpretação a

depender de quem dela faz parte.

No contexto pós-moderno da segunda ruptura epistemológica (BACHELARD,

2002; SANTOS, 2008), marcado pela reaproximação e interpenetração da ciência

com o senso comum (recusado na primeira ruptura), emergem novos campos

científicos, requerendo senso crítico mais aguçado para com as correntes

ideológicas do conhecimento, destacando-se a importância da aproximação de

abordagens qualitativas em pesquisa com o entendimento do senso comum.

O senso comum, a despeito de seu caráter difuso, impreciso e não rigoroso,

contém (admitindo-as como certas) uma diversidade de interpretações pré e quase

científicas acerca da realidade cotidiana (BERGER; LUCKMANN, 2009). Trata-se,

por conseguinte, de um saber fundado em experiências concretas. Nesse sentido é

um saber popular que está em estreita relação com as condições sociais variadas e

por isso serve como norma de conduta para regular (ou conservar) um modo de vida

socialmente aceito. Não obstante, muitos entendem que o senso comum com

requinte e disciplina passa a assumir status de ciência (MYRDAL, 1965; DEMO,

2009; SAVIANI, 2007).

Contudo, a ciência é antes de tudo uma questão de crença, e assim como o

senso comum, sua maior preocupação (digamos ideológica) tem sido buscar a

compreensão (e muitas vezes manutenção ou estabilização) da ordem do que está

posto, até como maneira de contribuir para a superação de dilemas da existência

humana e buscar a pacificação de conflitos sociais de diferentes ordens, lugar de

onde emerge o direito.

Acerca do saber comum, convém trazer à baila ensinamento de Paulo Freire

(1986, p. 34):

Não há para mim, na diferença e na distância entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então (...) curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao

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objeto, conota seus achados de maior exatidão. Na verdade, a curiosidade ingênua que, ‘desarmada’, está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. Muda de qualidade mas não de essência.

Para aquele designo educador pernambucano, uma posição que se pretenda

crítica não pode dicotomizar o saber do senso comum daquele científico – mais

sistemático, de maior exatidão –, mas, isto sim, buscar uma síntese dos contrários

(FREIRE, 2001), movimento esse marcadamente dialético. Entendendo aqui que tal

movimento tem de ir além do nível das aparências, instrumental-designativo na

linguagem, alcançando o nível hermenêutico das relações, no qual se desocultam os

juízos prévios condicionantes de toda interpretação (CUSTÓDIO, 2002).

Com efeito, sem a pretensão maliciosa de travestir ideologia – subjacente a

dimensão política do Bolsa Família – em ciência, ou negar o senso comum – no trato

do direito condicionado ao benefício em dinheiro, entendemos oportuno considerar

em primeiro plano que essas categorias são historicamente situadas.

A propósito, não há como fugir do caráter ideológico da ciência em nome de

uma hipotética neutralidade, porque, como discutido por Gramsci (2005), a ciência é

marcadamente ideológica, posto resultar do processo histórico, e não acima da

história. Nesse prisma seria insubsistente buscar promover uma contraposição rígida

entre ciência e ideologia, mesmo porque todo procedimento de investigação está

assentado em pressupostos teóricos e práticos, variáveis em razão de interesses

ideológicos em voga no ato de conhecer; tal premissa sustenta ser o fenômeno

humano irredutível a eventos objetivamente verificáveis, considera inexistir (ou ser

falsa) a neutralidade, ao tempo em que concebe a realidade como relativa por

representar conhecimento social construído por sucessivas aproximações às

perspectivas transformadoras ou de manutenção (SAVIANE, 2007; HABERMANS,

2009), sabendo-se que transformação muitas vezes representa um modo de

deslocar uma perspectiva no sentido da não mudança de uma relação de

dominação.

De certo, é inegável o potencial crítico inerente à interpretação da ideologia

subjacente a uma política pública, porque, conforme preleciona Thompson (2009),

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no caso, trata-se de um movimento intelectual capaz de contribuir para o processo

de autoformação e autocompreensão, não necessariamente coincidente com o

senso comum presente no mundo social, podendo até mesmo provocar as pessoas

no sentido de perceberem as formas simbólicas diferentemente, e, por efeito,

verifiquem mudanças significativas em si mesmas.

O sentido daquilo que se apresenta à nossa interpretação, sob pena de nos

chegar mascarado ou deformado por uma ou outra ideologia, só se revela

verdadeiro ou real com mediação dirigida a descobrir o verdadeiro significado do que

não é aparente (GADAMER, 2008). Para tanto, é preciso interpretar a ideologia no

bojo de uma análise sócio-histórica das relações estruturadas de poder, discutindo-

se o papel e a organização interna das formas simbólicas concebidas pelo poder

hegemônico e inscritas no senso comum.

A concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou obter o consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer, logrou converter-se em senso comum.

(SAVIANE, 2007, p. 2)

Nesse diapasão, o estudo da ideologia subjacente ao Bolsa Família exige uma

investigação do modo como o sentido (significado) é construído e usado pelas

formas simbólicas de vários tipos, desde os documentos oficiais que estruturam o

programa até as falas linguísticas de seus beneficiários, envolvendo ainda contextos

sociais e políticos dentro dos quais essas formas simbólicas são empregadas e

articuladas, notadamente para sustentar (e mesmo mascarar) relações de

dominação permeadas por interesses de mercado, ou, noutro sentido, subverter a

hegemonia presente nesse mesmo modo de produção capitalista.

Processo compreensivo dessa ordem pressupõe a consideração das

expressões de poder hegemônico e suas contestações, inclusive a dinâmica de

dominação neoliberal, bem como os vieses da dominação por trás das

representações de interesses que atribuem significado às coisas como verdade.

Mas a verdade não existe fora do poder ou sem ele, cada sociedade

desenvolve e sanciona modalidades de discursos verdadeiros e mecanismos

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distintivos dos enunciados falsos, valorizando o modo de dizer o que deve funcionar

como verdade (FOUCAULT, 2008).

A “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem (...), está submetida a uma constante incitação econômica e política (...), é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos (...), enfim, é objeto de lutas “ideológicas”.

(FOUCAULT, 2008, p.13)

Aliás, coerente com a receita neoliberal que aponta para intervenções

focalizadas e compensatórias aos desequilíbrios concebidos pela economia de

mercado, as condicionalidades do Bolsa Família assumem forma de discriminação

positiva em favor da equidade na garantia de direitos universais básicos

(TREVISANI et al., 2012).

Contra o poder hegemônico expresso nas entrelinhas do Bolsa Família,

desafiando o senso comum e o conhecimento científico de inspiração positivista,

fascina o caminho rumo à emancipação social, assim como o pressuposto de que

existe toda uma ordem de interesses por trás do conhecimento, mas não aquele

linear e limitado à esfera da produção, convertendo interesse em ideologia, como

sustentado por Marx (2001), em um cenário no qual os conflitos de interesses são

reduzidos à luta de classes. Preferimos nesse campo interpretativo uma reflexão

fundada nos pressupostos teórico-conceituais da hermenêutica e da dialética.

5.2 Hermenêutica e dialética: convergências à realidade empírica do Bolsa

Família

A hermenêutica, ao tempo em que assume a missão de compreender

sentidos, constitui um pressuposto teórico-metodológico de interpretação dirigida a

entender formas e conteúdos da comunicação humana, sua complexidade e

simplicidade. Nesse passo, a hermenêutica deve equilibrar capacidade formal e

percepção política na medida em que cada coisa tocada pelo sujeito humano deixa

de ser tão somente dada e passa a representar referência histórica permeada de

sentido (DEMO, 2009).

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Nessa indução criativa o cientista deve estar permanentemente preocupado

com o abuso do cientificismo e sua pretensão totalizante (MERLEAU-PONTY, 2006),

como também com a ideologização da verdade e seus propósitos marcadamente

políticos, tanto mais quando basicamente prescrevem medidas econômicas

supostamente para aplacar demandas sociais resultantes de desarranjos no sistema

econômico.

Na prática, os programas de transferência de renda condicionados e

focalizados na pobreza, desenvolvidos na America Latina a partir dos anos 1990

são, em seu conjunto, expressões de importantes transformações das políticas

sociais, razão pela qual devem ser compreendidos no contexto da crescente

reestruturação produtiva da economia norteada pela ideologia neoliberal, e, também

por isso, na contramão do processo histórico de luta pela universalização dos

direitos sociais, alimentando o pseudomoralismo da dependência, do desestímulo ao

trabalho e da obrigação do cumprimento de condicionalidades pelas famílias

carentes de recursos financeiros (SILVA, 2007).

Por força da abrangência centralizadora e da indefinição do tempo de duração

das políticas compensatórios de renda, Marques (2008) entende que programas

dessa natureza, tal como o Bolsa Família, negam qualquer exercício emancipatório e

ainda se constituem como espécie de política de institucionalização da mendicância.

Ademais, o paternalismo estatal manifesto em seu discurso de compensar a pobreza

tende a, sutilmente, induzir no beneficiário a adoção de um caráter deformado de

conduta, investindo-se na conveniente condição de dependente.

Os meios de comunicação social têm pautado com muita frequência o caráter

assistencialista, eleitoreiro e de ócio remunerado das políticas de transferência de

renda. Nesse passo, Castro et. al. (2009) revelam que na ótica do senso comum a

transferência de recursos traz em si efeitos deletérios na inserção ao mercado de

trabalho, acomodação e toda sorte de subterfúgios com o fim de perpetuar o

benefício em dinheiro, ainda que para isso seja preciso gerar mais filhos. Além disso,

o noticiário de fraudes relativas à inclusão de quem não preenche os critérios

comprovariam uma percepção (identificada como senso comum) de facilidades para

desviar o dinheiro do programa em desfavor daqueles que mais precisam (CASTRO

et. al., 2009).

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Por outro lado, discutir os meandros compreensivos das proposições do Bolsa

Família desde seu entendimento como política/programa, e suas controvérsias e

convergências com os fatos narrados pelos sujeitos nele implicados, pode envolver

propósitos bem interessantes, a exemplo de buscar o sentido e o alcance de tais ou

quais proposições (linguagem normativa) e fatos (percebidos, comunicados e

expressos na linguagem de agentes sociais) no contexto do Direito Humano à

Alimentação Adequada, destacando a idealizada condição de segurança

alimentar/nutricional como elemento nuclear de uma política pública compensatória

com vistas a alcançar a emancipação sustentada das famílias, e não apenas

proporcionar o mínimo existencial que o dinheiro pode comprar.

Porém, enunciar o Bolsa Família como uma política pública meramente

compensatória aos efeitos da pobreza é, sobretudo, assumi-lo nesse sentido como

proposição verdadeira, em que pese os dissensos nesse campo interpretativo

baseados nos fatos e acontecimentos a eles relacionados.

Na alegoria da caverna, Platão (2006) nos impulsiona a refletir sobre o dilema

da condição humana: o homem preso a uma caverna desde o nascimento, na qual

ele, desconhecendo a origem da luz que vem de trás, só vê, inerte, sombras

projetadas na parede a sua frente (domínio das coisas sensíveis). Na sequencia, ao

conseguir olhar em outras direções e se permitir desvencilhar das amarras que o

prendem na caverna passa a enxergar um mundo novo, diversamente iluminado

(domínio das ideias), cujas imagens têm outras cores e sentidos. Transitaria então

do conhecimento do senso comum como visão de mundo até a explicação da

realidade através do conhecimento filosófico, superando sua ignorância quase cega.

Kafka (2009), dando azo a diversas interpretações, não raro controversas,

incursiona por aspectos da natureza humana e da crueza da sociedade, desvelando

o desespero do indivíduo ante o absurdo da existência, como se vê em seu conto “O

artista da fome”, no qual é explorado, com rara sutileza, o descontentamento do

homem consigo mesmo ante o espetáculo da sobrevivência física e social. Trata-se,

em nosso entendimento, de uma alegoria da correlação de forças que tensiona à

emancipação do homem na sociedade, o que nos remete a uma reflexão da

condição de existência do sujeito relacionado ao Bolsa Família por critério de

pobreza material.

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Na ficção kafkiana tem-se o fastio existencial de um jejuador que, embora

insatisfeito, assume essa condição em uma dada circunstância de sua vida. A

decisão de passar fome, assim, é parte espontânea da luta para ser socialmente

reconhecido, situação essa absolutamente contraposta à realidade daqueles

beneficiários do Bolsa Família, cuja sociedade, personificada no Estado, resolveu

assegurar (por entender dever moral) meios materiais para malferir o problema da

fome, de modo que não passar fome em um contexto de vulnerabilidade econômica

assume então uma condição justificadora de reconhecimento social, sem luta, em

um sistema gerador de indisfarçável satisfação dos beneficiários de transferência

compensatória de renda (um direito público subjetivo) porque materialmente pobres.

Lavergne (2012) identifica no Bolsa Família uma nova modalidade de jogo de

poder, cujas condicionalidades funcionam estrategicamente para conduzir (ou

motivar) a conduta humana em um contexto de necessidade e desejo de consumir.

Nesse prisma, para o mesmo autor, a escola, o posto de saúde e o centro de

assistência social operam, via mecanismos de controle aos beneficiários, na fixação

dos membros da família e induzem formas de subjetivação em harmonia com o

universo simbólico, essencialmente político, que interessa aos detentores do poder.

Embora considere que alguns comem por causa do Bolsa Família, o

sociólogo Francisco de Oliveira, qualifica esse programa como assistencialista,

focado na carência, assentado na irrelevância da política, apontando uma sutil

identificação daquela iniciativa com a premissa do biopoder em Foucault,

materializada em uma espécie de controle sobre os corpos dos miseráveis: uma

espécie de regressão no desenho das políticas públicas (SILVA; CARIELLO, 2006).

Silva (2007), ao tempo em que reconhece entender a exigência das

condicionalidades do Bolsa Família com o fito de potencializar impactos positivos na

autonomização das famílias atendidas, aponta, dentre outros problemas, a realidade

objetiva da inoperância dos municípios brasileiros em matéria de oferta de serviços

sociais básicos, a exemplo de educação, para esse mesmo coletivo. Nesse contexto

de exclusão, aquela autora sugere que, ao invés das famílias carentes, as

condicionalidades deveriam ser exigidas dos gestores públicos no sentido de

proporcionar expansão e melhoria da qualidade das ações em saúde, educação e

trabalho.

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Lavergne (2012), com amparo na sobredita racionalidade biopolítica de

Foucault, lembra a perspectiva disciplinar e higienista das condicionalidades do

Bolsa Família, dirigidas a intervir no núcleo familiar para prevenção dos riscos de

anormalidades ou degenerescências sociais, notadamente da marginalidade

socioeconômica. Dessa forma, o ideário de futuro saudável, sustentável e

responsável, não prescinde de preocupações de ordem gerencial, inclusive da

limitação dos gastos governamentais em educação.

Ao conceder subsídios mínimos para satisfazer o desejo de consumir e, assim, manter os seus beneficiários no jogo do mercado, o Programa Bolsa Família induz a ideia de que, a quem tiver coragem e vontade de empreendimento, ainda permanece a possibilidade de mudar o curso do seu destino.

(LAVERGNE, 2012, p.340)

A categoria emancipação social (Freire, 2008; Santos 2010) nos parece

apropriada para entender a construção de identidades discursivas junto àqueles que

renunciaram ao dinheiro do Bolsa Família, importando também para compreensão

dos sentidos que revelariam um nascente empoderamento, ou mesmo um

desvencilhar do cárcere da falsa consciência; talvez uma sutil libertação, nos moldes

propostos por Dostoiéviski (2003) no romance “Crime e castigo”, rumo a uma nova

realidade, ignorada até então, constituindo-se daí o começo de uma história de

progressiva renovação de um homem, transitando de um mundo para outro.

A proposição, expressão da linguagem, mostra as condições de uma verdade

(WITTGENSTEIN, 1999), e é justamente no campo da linguagem – e em função da

palavra – que o sujeito como tal se constitui. Para interpretá-la (buscar o sentido da

linguagem) cabe um olhar reflexivo ancorado na hermenêutica, para onde converge,

em primeiro plano, a realidade percebida pelos beneficiários do Bolsa Família.

Em uma investigação qualitativa acerca de percepções sobre o Bolsa Família,

Castro et. al. (2009) revelaram uma interessante diferença entre os que conhecem

beneficiários e aqueles que os desconhecem; os primeiros, mesmo conhecendo

dificuldades operacionais do programa, expressaram-se de modo tanto mais positivo

quanto a adequação de seus resultados e foram mais ponderados nas críticas.

Cumpre observarmos, entretanto, que no universo empírico que subjaz uma

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política compensatória de renda, como de resto em qualquer outra realidade coletiva

vivida, ao se fazer o uso da palavra numa determinada situação discursiva, o

indivíduo, como parte de um grupo social, ocupa a palavra, porém, essa não lhe

pertence, porque já contém uma expressividade que vem, não raro, do senso

comum.

Relativo à mencionada fala do sujeito comum implicado com o interesse

público, a abordagem qualitativa intenta desvelar dimensões interpretativas da

realidade percebida no plano de seu pensamento, e nessa condição, realidade

essencialmente humana, constituída por aquilo pelo qual o ser se desvela como

mundo (SARTRE, 2005), em suas possibilidades de existência histórica,

notadamente, em tudo que entende ser verdade.

De acordo com Pareyson (2005), o adequado conhecimento da verdade pode

ser reduzido na interpretação. Nela a pessoa funciona como instrumento de

organização e antena captadora, como faro revelador e meio de penetração da

linguagem. Em tal sentido, a interpretação não acrescenta à verdade nada de

estranho e nada que não lhe pertença, já que a sua tarefa consiste precisamente no

revelá-la, no possuí-la.

Assim, embora conscientes, como adverte Demo (2009), de que a prática

científica realiza-se somente através de uma visão historicamente possível da

realidade (e não a sua verdadeira interpretação), importa o pensar reflexivo acerca

da realidade empírica do Bolsa Família a partir dos discursos de sujeitos envolvidos,

valorando suas marcas de tradição, cultura e conjuntura, na ótica (hermenêutica) de

um saber compartilhado com o intérprete no processo dialógico da investigação.

Na perspectiva do bem viver, da plenitude da cidadania como pressuposto de

uma vida saudável, conhecer cientificamente uma dada realidade social requer

estudar as suas dimensões qualitativas. Nesse horizonte, como parte de um esforço

hermenêutico, deve-se almejar, dentre outros propósitos, a apreensão de

representações simbólicas do movimento da realidade percebida, pauta essa

circunscrita dentre os mais relevantes interesses da pesquisa qualitativa em saúde,

cujos pontos de vista dos atores sociais, conforme observa Camargo Jr. e Bosi

(2011) são valorados na busca da compreensão dos complexos processos

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subjetivos e simbólicos subjacentes aos desfechos, ditos objetiváveis, mas não

reduzíveis à simples mensuração. Nada obstante, o estatuto científico do enfoque

qualitativo no âmbito da saúde coletiva enfrenta desafios para sua plena afirmação

junto aos vários domínios do campo científico (BOSI, 2012).

5.3 Práxis em alimentação e nutrição no contexto da transferência de renda

para demanda por comida

Muitas são as evidências de que o bem viver requer uma relação harmoniosa

homem/alimento. Comer é, sobretudo, ato indispensável à existência humana, que

corresponde, também, a uma forma de realizar a vida em sociedade, um jeito de

viver no contexto da práxis em Alimentação e Nutrição. Nesse ambiente de

significados, funções e relações, as possibilidades de interpretação do mundo vivido

devem envolver a singularidade da percepção humana sobre o lugar da comida em

nosso universo simbólico.

Com efeito, ao situarmos o alimento no mundo social, é forçoso reconhecê-lo

como carregado de significados, assumindo a comida a qualidade de mediadora de

relações e de funções muito além dos processos fisiológicos, afirmando nesses

termos sua importância para o bem viver do indivíduo humano (BOSI, 2011).

Os significados do que e porque comemos constam na trama complexa das

relações sociais e econômicas; contudo, no modo de produção capitalista, poucos

dispõem de terra e insumos agrícolas para vivenciar a recompensa de colher e

comer o que plantou, justificando o prazer e outras significações sensíveis no

saborear o produto que brota do campo. À maioria, concentrada nos núcleos

urbanos, resta a alternativa de reproduzir a força de trabalho perante a economia de

mercado para ter acesso à comida enquanto bem de consumo. No Brasil.

determinados segmentos, desde que reconhecidamente pobres, podem ainda, ter

possibilidade de acesso a uma renda mínima, providenciada pelo governo.

Analisando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada

no Brasil no início dos anos 2000, Segall-Correa et al. (2008) revelam que o fato de

as famílias beneficiárias da transferência de renda residirem em meio rural favorece

a realização da condição de segurança alimentar, o que contrasta com a situação

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em áreas urbanas metropolitanas, ainda que estas ultimas recebam

proporcionalmente mais dinheiro. A provável explicação desse acontecimento,

segundo os mesmos autores, estaria relacionada aos reduzidos gastos das famílias

do campo com itens de vestuário, transporte, e, devido à produção agrícola local.

Por alusão ao sertanejo em sua culinária da fome (como parte da luta

cotidiana de convivência com o semiárido) e da novidade do dinheiro transferido

pelo governo a título de política compensatória aos efeitos estruturais da pobreza

que flagela as famílias do meio rural, Almeida (2012, p. 3) conclui:

O dinheiro dos planos sociais não resolve, pois não poupa a capivara, nem o mocó. É destinado à inclusão dos excluídos dos bens de consumo, é para dar crédito, permitir que comprem a prestações nas lojas da cidade, a geladeira, a tão sonhada televisão, a antena parabólica e o sofá.

Nesses termos, para o homem do sertão, em meio à diversidade dos recursos

naturais e à riqueza de sua cultura alimentar, mesmo face às dificuldades impostas

pela própria natureza e à influência nefasta da economia de mercado, parece não

fazer muito sentido o pressuposto de partida do então Projeto Fome Zero9 de que a

insuficiência da renda é fator limitante do consumo de alimentos em quantidade

adequada (BRASIL, 2001). No caso, a dialética que permeia a troca entre campo e

cidade, mediada pelo dinheiro, impõe novos modos de perceber o mundo em

sociedade; sem muita resistência, o universo simbólico rural da comida vai perdendo

espaço para a noção urbana de consumo.

Adicionalmente, as mudanças climáticas e econômicas verificadas na história

recente do planeta ocasionam graves riscos à segurança alimentar/nutricional dos

países em desenvolvimento, como o Brasil, afetando sobremaneira o pequeno

agricultor por força de dificuldades de conciliar as demandas do mercado de

alimentação com os complexos processos de conservação e uso sustentável dos

recursos ambientais, já combalidos pelas dramáticas variações de temperatura e

umidade.

9 Proposto pelo Instituto Cidadania (ligado ao Partido dos Trabalhadores) e transformado em

programa do governo Lula (janeiro de 2003), a partir do qual nasceu (após nove meses de gestação), o PBF, através de Medida Provisória (n

o 132/2003), convertida na sequencia (três meses depois) em

Lei (no 10.836/2004).

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5.4 O lugar das condicionalidades: oposição ou situação em face da política de

direitos humanos sociais

Beccaria (2002) adverte que, em coletivos humanos, pode-se observar a

tendência contínua de concentrar privilégios, poder e felicidade em um menor

número de indivíduos, e deixar à maioria miséria e fraqueza. O mesmo autor

sustenta ser somente possível impedir abusos dessa natureza com base em valores

que apontem para a premissa de que as vantagens produzidas pela sociedade

devem ser distribuídas equitativamente entre os seus membros, sendo a miséria e a

debilidade socializadas com a mesma equidade.

Distribuição equitativa essa que evoca a concepção de igualdade entre os

homens, brilhantemente satirizada na fabulosa paródia orwelliana ("A revolução dos

bichos", de 1945), onde a recém-fundada República dos Animais declarava, no

caput do seu primeiro artigo, que “todos os bichos são iguais”, para em seguida

ressalvar, em parágrafo único, que “alguns bichos são mais iguais do que os outros”

(ORWELL, 2007, p. 106).

Embora atual, o ideal de igualdade junto à invocação do propósito de realizar o

justo remonta ao direto romano, onde a justiça passou a significar igualdade perante

a lei, preceito logo incorporado ao ideário político-constitucional do Estado de direito

moderno (VASCONCELOS, 2006).

No mundo contemporâneo, com a passagem do dever estrito e das obrigações

para a seara da reivindicação de direitos e garantias, o poder e a lei passaram a ser

representados como emanação da própria sociedade, donde nascem, em

conjunturas de desigualdade e correlação de poder, os direitos públicos subjetivos

ou direitos sociais, a exemplo do direito à alimentação conjugado à finalidade de

segurança alimentar/nutricional.

Existe, no entanto, uma oposição dialética (GRAMSCI, 1978) entre a

concepção de segurança alimentar/nutricional, enquanto condição humana

amparada na esfera do direito incondicional de cidadania, e as condicionalidades

sociais impostas como contrapartidas positivas. No caso do PBF, devem os

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beneficiários buscar junto à rede de serviços públicos, quando for o caso, (1)

assistência pré-natal e ao puerpério, (2) vacinação das crianças de acordo com o

cronograma das autoridades sanitárias, (3) atividades educativas de promoção da

alimentação saudável (a partir do aleitamento materno), (4) ações de vigilância

alimentar e nutricional (aos menores de 7 anos) e (2) matricula e garantia da

frequência escolar mínima de 75% (6 a 15 anos) (BRASIL, 2005a).

Muito embora reconhecendo o mérito da transferência direta de renda às

famílias de baixo poder aquisitivo, concretizada na Bolsa Família, como uma

compensação aos efeitos imediatos das limitações socioeconômicas que

comprometem o bem viver, como também, sem desconhecer que tal solução, como

regra, não prima pela permanência, vários autores (MONNERAT et al., 2007; SILVA,

2007; BURLANDY, 2007) propugnam pelo acerto da prestação continuada desse

benefício em dinheiro vinculada ao acesso aos serviços públicos, materializando a

sobredita contrapartida positiva. Mas afinal de que relações sociais implicadas com a

condição humana tratam as políticas limitadas a compensar a pobreza material com

distribuição condicionada de dinheiro? Quais dimensões simbólicas e subjetivas são

trabalhadas, e em que perspectiva de devir histórico o Estado e o mercado projetam

o bem viver?

A lógica dialética que sustenta a exigência de contrapartidas nos programas

sociais pode também ser identificada no argumento contratualista, em favor de uma

ordem social mais justa, articulando direito e obrigação, com o estabelecimento de

sanções que podem culminar com o desligamento das famílias do programa.

Ressalte-se que a teor do ordenamento jurídico brasileiro qualquer acordo de

vontades, desde que capaz de criar, modificar ou extinguir direitos (como

expressamente previsto no regulamento do PBF, de livre adesão), vincula

juridicamente as partes.

Duramente criticado como incentivo à ociosidade, uma vez que, mediante

discursos que procuram desqualificá-lo por “remunerar” independente do exercício

de trabalho produtivo, cumpre, nessa linha argumentativa, indagar: Qual a porta de

saída do PBF (na direção da emancipação sustendada das famílias)?

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5.5 Condicionalidades e a perspectiva do investimento social em capital

humano

No PBF, um dos objetivos básicos é estimular a emancipação sustentada das

famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, como também promover o

acesso permanente à rede de serviços públicos enquanto condição para o repasse

mensal de dinheiro ao grupo familiar. Nessa lógica, têm-se os programas ditos

remanescentes (Bolsa Escola, Vale Gás e Bolsa Alimentação), isto é, aqueles de

transferência de renda, cujos procedimentos de gestão e execução foram unificados

na Bolsa Família (BRASIL, 2005a).

No regulamento do Bolsa Família, de aplicação nacional, o governo federal

conceitua as exigências a serem cumpridas pelas famílias para que possam ser

beneficiadas com uma renda mensal, nos seguintes termos:

As condicionalidades são contrapartidas sociais que devem ser cumpridas pelo núcleo familiar para que possa receber o benefício mensal.

(BRASIL, 2005a)

Relativo à educação, a teor da mesma norma disciplinadora, as famílias com

crianças e adolescentes de 6 a 15 anos de idade se obrigam a mantê-los na escola

com no mínimo 85% de assiduidade verificada por apuração mensal da frequência

escolar, consolidada bimestralmente, como também cumpre ao responsável legal

pela família informar à escola, de imediato, a justificativa para eventual

impossibilidade de comparecimento do aluno à aula e até mesmo a transferência

deste para outra escola (BRASIL, 2005a).

Para famílias beneficiárias que tenham em sua composição gestantes, nutrizes

ou crianças menores de sete anos se impõe a obrigação do cumprimento da agenda

de nutrição como condição indispensável à continuidade da transferência mensal de

renda, constituindo condicionalidades: (1) participar de atividades educativas de

incentivo ao aleitamento materno e outras de promoção da alimentação saudável,

(2) levar a criança ao serviço público de saúde para, entre outras ações

preconizadas pelas autoridades do setor, ser submetida ao acompanhamento do

estado nutricional e do desenvolvimento (BRASIL, 2005a).

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No entanto, a partir do entendimento de que a cobertura dos elegíveis de

políticas compensatórias de renda é um direito social, o que, grosso modo, implicaria

caráter incondicional, tem sido objeto de recorrentes polêmicas a legitimidade da

exigência coercitiva de contrapartidas dos beneficiários do Bolsa Família, ou mais

especificamente, discute-se o quão legítimo é (ou não) condicionar a correspondente

transferência de dinheiro a obrigações (por responsabilidade legal) de assiduidade

escolar até a idade adolescente, ainda quando tais contrapartidas não são

suportadas a segmentos outros beneficiários de diferentes auxílios.

Assim, o Bolsa Família mais do que proporcionar um equivalente monetário ao

beneficiário, decidiria por ele (CRUZ; PESSALI, 2011), em outras palavras, não

restaria à família envolvida outra possibilidade razoável que não cumprir as

condicionalidades.

Nesse contexto de permanente disputa, o Bolsa Família consiste, dentre outros

componentes subjetivos, de protagonistas capazes de receber, produzir e

compreender as formas simbólicas enquanto parte integrante de sua vida cotidiana,

seu modo de ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2001), tornando inseparáveis as noções

de mundo e realidade humana (SARTRE, 2009). Em face desse cenário de

interpretação, aquele programa de governo deve ser entendido na tessitura de

relações intersubjetivas e da apreensão de fenômenos do cotidiano, constituindo

assim um campo objetivo permeado, sobretudo, de ideologia.

No modo de produção pautado na economia de mercado sobrevive uma

sociedade com foco na acumulação capitalista e nas possibilidades de consumo,

prevalece então uma cultura da mais-valia, da esperteza, identificada como a Lei de

Gérson: “o importante é levar vantagem em tudo”. Trata-se de uma norma

consagrada pelo costume, legitimada por um discutível senso comum, e mesmo

referenciada como “jeitinho brasileiro”, enfim, uma demonstração inequívoca da

brutalidade do espírito humano.

Nesse diapasão, a honestidade é um valor ignorado ou tido como atributo de

pessoa boba ou ingênua, tal qual frequentemente acontece com aqueles que

devolvem o cartão do Bolsa Família, renunciando ao benefício em dinheiro por

entender que o programa já cumpriu seu papel de contribuir para a autonomia

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sustentada de sua família. O que, como no caso, poderia ser entendido como uma

lição pública de cidadania, não raro se desdobra em chacota, com pessoas

passando a debochar e tratar aquela família com desdém, uma verdadeira barbárie.

Fatos desta natureza evidenciam a importância da investigação qualitativa

dirigida à compreensão do universo empírico do Bolsa Família, oportunizando

reflexões e a interpretação de significados da experiência humana em meio ao

horizonte de expectativas, respostas, consciência histórica e implicações políticas

das famílias envolvidas, motivadas em grande parte por promessas oficiais de

redenção social.

Cumpre lembrar, como mencionado anteriormente, que no Estado de Direito o

propósito de proteção social requer políticas públicas para minimizar as históricas

desigualdades estruturais do modelo econômico, socializando o acesso a serviços

de qualidade nas áreas de educação, saúde e assistência social e quiçá, favorecer a

sustentabilidade, inclusive a necessária distribuição de benefícios sociais.

Na busca de expandir a lógica do mercado até domínios antes tidos como não

econômicos, a racionalidade neoliberal constituiu, a partir da década de 1960, a

concepção de capital humano. A hipótese proposta por Schultz (1961) é de que o

investimento na melhoria das capacidades das pessoas como produtores e

consumidores constitui o fator básico para a redução da desigualdade na

distribuição de renda e para o desenvolvimento econômico de uma nação.

No Brasil, a partir da década de 1970, alguns consagrados economistas

(LANGONI, 1973; BARROS; CAMARGO, 1993) passaram atrair políticos da

esquerda e da direita ao sustentarem, através de modelos matemáticos, o papel da

educação na gênese do fenômeno da desigualdade na distribuição de renda. Dessa

forma foi propagada uma equação que aponta a relação direta entre a renda de

cada individuo e as diferenças quanto as suas habilidades e capacidades, refletidas

na qualificação para o trabalho, renda familiar, e, por extensão, na economia

nacional. Assim, deve-se investir na educação, na perspectiva de maximizar as

possibilidades futuras de qualidade de vida, conforme a lógica do modo de produção

e consumo da economia capitalista (SCHEINKMAN, 2002; BARROS; HENRIQUES;

MENDONÇA, 2000).

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Scheinkman et al. (2002) enfatizam que as gerações mais velhas, com menos

educação, sofrem nos primeiros anos uma redução relativa de sua renda em

comparação com as geração de seus filhos, com mais tempo de escolaridade,

aprofundando assim a desigualdade de renda entre gerações que coexistem no

mercado de trabalho. No médio prazo, entretanto, uma vez se completando a

transição no mercado de trabalho entre a velha e a nova geração, a desigualdade de

renda tende a diminuir. Os mesmos autores afirmam que há evidencias empíricas de

que educar os mais velhos impacta pouco no seu ganho salarial, por outro lado,

investimentos em educação de crianças e jovens refletem fortemente no aumento

futuro do salário, mas apenas quando da inserção dessa nova geração no mercado

de trabalho (Op. cit, p. 20).

Noutras palavras, o desenvolvimento de capacidades humanas a partir de

boas condições de educação (aumenta a produtividade), pressupondo também o

cuidado em saúde/nutrição (corpos sadios potencializam o investimento em

educação), de modo a promover o trabalho produtivo. Uma espécie de cultura

empreendedora (forjada na educação formal) com atributo de investimento futuro de

capital. Afinal, como prescreve o senso comum: “É preciso estudar para ser alguém

na vida”.

Para além da educação formal, o sentido de capital humano agrega virtudes

pessoais, competências não necessariamente atribuídas à aprendizagem sistêmica,

atitudes e inclinações sociomotivacionais. A mensuração de seu valor (como

proposta em meados do século XX), mediante ganhos e salários já não faz muito

sentido (BOURDIEU, 2011).

Todavia, a concepção instrumental do homem como fonte potencial de capital

estabelece uma relação de poder sobre um corpo, disciplinando e regulando a

conduta humana, sem negligenciar as práticas higienistas e o cuidado com a saúde,

na perspectiva de fomentar a acumulação de competências e habilidades de

interesse para produção de sua renda, e consequente capacidade para o consumo

(BECKER, 1962; FOUCAULT, 2008).

Prescrevendo uma necessária parceria entre a família e o Estado, a cartilha

neoliberal destaca o propósito moral de reduzir as vulnerabilidades sociais,

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garantindo inclusive um crescimento infantil adequado mediado por uma alimentação

saudável na idade pré-escolar e a gestão do risco da repetência, do fracasso e da

evasão escolar.

Para tal lógica desenvolvimentista, a transferência condicionada de renda

opera essencialmente no sentido de dirigir e conformar um processo claramente

implicados com a gestão da vida das pessoas, em especial de mulheres-mães e de

suas crianças, gerando e acumulando capital humano desde os primeiros anos e

com validade definida até a velhice (FOUCAULT, 2008; KLEIN; DAL'IGNA, 2012;

SCHULTZ, 1961).

Sabe-se que povos que vivem em algum lugar afastado do modelo de

organização da sociedade contemporânea, desconhecem pobreza e riqueza, tal

como materializadas no sistema capitalista de produção e consumo. Tudo o que

aqueles grupos humanos são capazes de produzir, conforme seu modo de vida são,

em geral, socializados sem restrições (STOTZ, 2005).

Cruz e Pessali (2011), com base em uma teoria microeconômica descritiva

pautada na compreensão do comportamento do indivíduo, acreditam que o Bolsa

Família tende, no longo prazo, a avançar com mecanismos eficazes para estímulo da

independência dos beneficiários para com a transferência de renda.

Contudo, modelos baseados na econometria (técnica de avaliação econômica

apoiada na análise matemática), ou mesmo na antropometria (técnica de avaliação

nutricional fundamentada em parâmetros estatísticos) – como de resto qualquer outro

conjunto de ferramentas baseado em parâmetros objetivos com abrigo na precisão

numérica – são verdadeiramente limitados para avaliar a (complexidade da) condição

de pobreza e insegurança alimentar/nutricional.

Diversos estudos suscitam questões no âmbito de uma abordagem

instrumental do desenvolvimento econômico por indução de políticas sociais. Muito

se discute acerca da real ou verdadeira motivação da exigência de

condicionalidades em face do preceito da emancipação – ao menos na acepção

econômica – do cidadão lastrado por seu acervo de capital social, na direção de

superação da condição de dependente da transferência de renda

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(KERSTENETZKY, 2009; SENNA et al., 2007; SILVA, 2007; OLIVEIRA, 2006;

CASTRO, 2009).

No Brasil, o economista José Márcio Camargo propugna que as

condicionalidades, enquanto investimentos sociais, representariam o diferencial do

Bolsa Família, superando a índole assistencialista quando comparado àqueles

programas restritos à transferência de renda (ARPON, 2004). O fundamento aqui

estaria relacionado à assertiva de que o baixo nível de capital humano limita a

ascensão socioeconômica das famílias pobres.

Todavia, é bastante controverso o debate acerca do potencial atribuído, no

longo prazo, às políticas compensatórias de renda para a ruptura do ciclo vicioso da

pobreza. A polêmica maior reside na discussão da “porta de saída” da situação de

beneficiário, questão essa sobremodo desafiante no âmbito científico (CASTRO et

al, 2009).

O objetivo do Bolsa Família é investir no futuro. Sendo respeitadas as condicionalidades, educação e saúde, o programa cria condições para que a próxima geração tenha mais capital humano que a de seus pais, seja mais produtiva e, portanto, consiga empregos de maior qualidade, com melhores salários, saindo definitivamente da condição de pobreza.

(CAMARGO, 2008, p. 17)

Na versão de Camargo (2008), portanto, o programa busca alcançar a

equidade e a qualidade no acesso à educação em articulação com a realização das

condicionalidades, compensando os mais pobres com uma renda mínima, através

do patrocínio de uma relação do tipo custo-benefício para motivar os pais a manter

seus filhos no sistema escolar, catalisando a geração de crescimento sustentado de

longo prazo.

Cumpre observar que há um sensível problema na perspectiva instrumental da

(condicionalidade em) educação para melhorar a oferta de mão de obra qualificada

com vistas à ascensão social e econômica, vale dizer, o absurdo de considerar o

homem primordialmente como elemento ou coisa destinada a operar tecnologias

cada vez mais dependentes da especialização do trabalho.

É cediço o incômodo e o desconforto manifestado no senso comum quando da

denuncia do viés de acomodação eventualmente presente no comportamento dos

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beneficiários do dinheiro do Bolsa Família, tudo porque a não exigência de

contrapartida de trabalho, seria, conforme o comum dos homens, uma premiação ao

ócio com requinte de desestímulo a saída da condição de dependente.

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6. METODOLOGIA

Uma crítica bem sucedida é a que explica os fenômenos sob investigação com mais sucesso do que as teorias aceitas até o momento. E ao fazer isto, ela deve desafiar pressupostos que até o momento tinham sido aceitos acriticamente.

(Habermas)

6.1 Pressupostos teóricos e metodológicos

Tratando-se de um estudo fundamentado na tradição hermenêutica, na

sequencia, procuramos recuperar alguns elementos referentes a essa vertente

filosófica e base para a análise compreensiva empreendida nessa tese. Mas antes

entendemos pertinente descrever a triangulação de métodos empreendida ao longo

do processo de análise das informações qualitativas.

6.1.1 Triangulação de métodos: arte e ciência

Partindo do princípio de que nenhum método de produção e análise de

informações/dados se esgota em si mesmo, resolvemos combinar diferentes destes,

processo esse reiteradamente recomendado por Minayo (2010) e Flick (2009), sob a

égide de triangulação, abordagem útil para aprofundar o conhecimento obtido

através de métodos qualitativos.

A triangulação de métodos nesse trabalho (Figura 1) é parte de nosso firme

propósito de aprimorar a análise das observações empíricas em conjunto

informações quantitativas e qualitativas apreendidas nos documentos consultados,

integrando-as, conferindo validade interna aos achados da própria pesquisa. Nesse

ínterim, Cellard (2010, p. 421) aponta que a validade reside, essencialmente, na

“exatidão e pertinência da ligação estabelecida entre as observações empíricas e

sua interpretação”, valorando o sentido como lugar central na análise dos

fenômenos humanos.

Porém, a análise de informações qualitativas não deve ser ingênua a ponto de

eleger a pretensão de empregar um enfoque “correto” ou selecionar a técnica (ou

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conjunto delas) “apropriada”. Diante da complexidade e das limitações da própria

compreensão, tal labor científico requer competência e rigor intelectual, bem como

um relativo conhecimento epistemológico e metodológico, abertura ao diálogo

acadêmico (COFFEY; ATKINSON, 2003), e, em especial, à criatividade e à

reflexividade. Movimento do pensamento por tal sentido compreensivo passa pela

ousadia de combinar, com rigor, aprendizado científico e o desenvolvimento de

múltiplas dimensões de análise (artística, intuitiva, dialógica, etc.), mas que não se

coaduna com “aventuras” (BOSI, 2007) ou apegos ideológicos.

Diante da diversidade de dimensões analíticas – assumindo uma postura que

buscou articular reflexividade e dialética – optou-se nesse trabalho pelo uso da

triangulação de métodos na perspectiva de uma estratégia de diálogo

interdisciplinar. Para tanto, nosso empreendimento analítico valorou o

entrelaçamento entre o discurso sobre o PBF e seus desdobramentos no contexto

envolvido, considerando com primazia o ponto de vista dos beneficiários em

contraste com a linguagem técnica dos documentos oficiais, especialmente normas

jurídicas e administrativas, agregando-se na discussão uma diversidade de

formulações teóricas sobre os temas destacados.

Por tal enfoque metodológico partimos da consideração de que são tensas e

Figura 1 - Espirais de bases de dados inter-relacionadas por triangulação de métodos

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complexas as relações entre o informalismo da linguagem comum e o formalismo da

linguagem técnica, especialmente a jurídico-estatal, sobretudo porque essa última

tem o condão de criar uma atmosfera de oficialidade e, por coseguinte, se reveste de

uma função instrumental na retórica institucional e casuística dos agentes políticos

(SANTOS, 2006), não raro estranhas ou distanciadas dos anseios populares, a

exemplo da vontade comumente manifesta no discurso dos beneficiários de uma

política compensatória de renda.

Cumpre assinalar, portanto, que por tal emprego da triangulação de métodos

– atento à advertência de Coffey e Atkinson, (2003) – não se buscou a acumulação

de estratégias analíticas distintas (análise documental + entrevista dialógica) com o

fito de elaborar uma imagem coerente e completa da realidade empírica estudada,

mas, isto sim, explorar facetas distintas dos nossos dados, especialmente em face

da complexidade neles presentes conforme a nossa própria compreensão, construir

versões de mundo coerente com a realidade estudada, e, nesse sentido, uma forma

de arte.

Igualmente es importante saber que la combinación de diferentes técnicas de investigación no reduce la complejidad de nuestra comprensión. Mientras más examinamos nuestros datos desde puntos de vista diferentes, más podemos revelar - – o em realidad construir –, acerca de su complejidad (COFFEY; ATKINSON, 2003, p. 17).

Sobre arte e ciência, pode-se traçar um paralelo entre fins e meios distintivos

dos domínios de atuação de artistas e cientistas, conforme representados em

notável síntese pelo físico e historiador alemão Thomas Kuhn.

O cientista, à semelhança do artista, é orientado por considerações estéticas e guiado por modos estabelecidos de percepção. (...) O que quer que signifique o termo ‘estética’, o objetivo do artista é a produção de objetos estéticos, os enigmas técnicos são o que eles têm de resolver a fim de produzir esses objetos. Para os cientistas, os enigmas técnicos resolvidos são o objetivo, e a estética é um instrumento para sua consecução. Quer no domínio das produções, quer no das atividades, os fins dos artistas são os meios dos cientistas e vice-versa (KUHN, 2009, p. 364).

Conquanto longe da certeza assumidamente egocêntrica de Nietzsche (2010,

p. 12), manifestada na segunda metade do século XIX, no aforismo: “que a gente se

torne o que a gente é pressupõe que a gente não saiba nem de longe, o que a gente

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é”, preferimos nesse processo hermenêutico, que também é de autoconhecimento, a

estranheza do processo de revelação, suposto por Heidegger (2006), pelo qual o

sujeito ganha existência, mediada pela palavra em seu sentido mais fundo.

Reconhecer a importância do sentido na análise é, sobretudo, considerar o

papel da subjetividade na ação humana como pressuposto de validade interna da

pesquisa qualitativa, bem como da complexidade de sua implicação no contexto

natural. Para tanto, é indispensável investir na qualidade das interações entre

pesquisador e sujeitos da pesquisa, com emprego de abordagens discretas,

valorando o conhecimento aprofundado do contexto pesquisado e dos

posicionamentos dos atores sociais e do investigador, enfim, realizar uma escuta

simultaneamente crítica e empática aos sujeitos pesquisados, ponderando uma e

outra de acordo com as posições epistemológicas assumidas (CELLARD, 2010).

Ademais, na pesquisa qualitativa, as subjetividades e intencionalidades do

pesquisador são reconhecidas como parte integrante da produção do conhecimento,

e não uma variável a interferir no processo investigativo. Tornam-se dados em si

mesmos e constituem material para a interpretação as reflexões do pesquisador

qualitativo suas atitudes, irritações e sentimentos (FLICK, 2009).

Assis, Njaine e Minayo (2008) observam ser possível imprimir maior validação

interna em uma pesquisa qualitativa quando as categorias conceituais empregadas

tem significado mútuo e partilhado entre os participantes e o pesquisador. Assim, no

contexto da pesquisa, a implicação do pesquisador e o envolvimento comprometido

do sujeito pesquisado são pré-condições importantes para conferir rigor e

verossimilhança em uma investigação que toma, por exemplo, a entrevista como

base de dados.

Na análise das informações (expressas ou não) a partir das entrevistas,

tomamos como referência uma máxima basilar do pensamento de Schleirmercher

(2005) que impõe testar com procedimentos críticos, em relação a uma possível

inverdade, a legitimidade da certeza de um entendimento efetivamente inserido na

linguagem.

Aliás, como explica Frank (2005), determinado contexto de interpretação

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124

apenas proporciona entendimento e compreensão porque os interlocutores

(intérprete e interpretado) pactuam uma aproximação de suas representações, e não

porque tivessem acesso a um modo de validação absolutamente independente. A

compreensão bem sucedida nunca chegará a ser evidente e não obtém da certeza

singular daqueles que compreendem nenhum tipo de garantia metafísica para a sua

correção (Op. cit.).

6.1.2 Articulação da hermenêutica com a dialética do concreto

Essa pesquisa tem como veio condutor lançar um olhar sobre a condição

humana na perspectiva dos envolvidos na transferência de renda do Bolsa Família,

em confronto com a idealização política da Segurança Alimentar/Nutricional em sua

convergência com o discurso científico do direito à alimentação, expressados em

documentos oficiais e textos a ele relacionados.

Contudo, sabe-se que o processo hermenêutico não advém de explicação

científica limitada ao conteúdo de textos. Ele é, em essência, originário do

pensamento, através do qual o significado desvenda o que não está explicitamente

presente (THOMPSON, 2009), a exemplo da trama de dominação escondida nas

políticas compensatórias de renda, em suas lógicas econômica e eleitoral.

Nesse contexto interpretativo, o processo de análise de dados realizado nesse

trabalho consistiu basicamente em extrair sentidos de textos em falas e documentos

pertinentes ao PBF, valorando dimensões do direito (humano e social) à alimentação.

Também buscamos refletir acerca das condições de produção e apreensão dos

significados desses mesmos discursos.

Para Kosik (2002), a partir do movimento de partida-retorno – contínuo,

ininterrupto, indo e vindo à direção fenômeno-essência e totalidade-contradição –

mantém-se a realidade em todos os seus planos e dimensões como dinâmica

permanente entre sujeito e objeto para a construção da totalidade concreta.

A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano (sensível) para outro plano (racional): é um movimento no pensamento e do pensamento (Op. cit., p. 30).

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Nesse ínterim, a dialética é empregada nesse texto como um método da

investigação que compreende três etapas (Figura 2):

Adaptado de Kosik (2002, p. 30-31)

A primeira etapa (Figura 2) envolveu uma apropriação meticulosa com vistas a

alcançar, tanto quanto possível, o domínio do texto, nele inclusos os detalhes

históricos (aplicáveis) disponíveis. Em seguida, foi realizada uma análise de cada

forma de desenvolvimento desse mesmo texto. Na sequência, empreendemos uma

investigação da coerência interna, vale dizer, uma determinação de unidades de

significação consoante à perspectiva filosófica da dialética do concreto (KOSIK,

2002).

Cumpre assinalar que a dialética do concreto foi desenvolvida por Kosik

(2002) na vertente do materialismo histórico, teoria essa que – diferente do “Era uma

vez...” e outras abordagens atribuídas ao historicismo – considera o passado como

uma experiência única. Sendo assim, ao romper com a versão que aponta para o

contínuo da história, aquela abordagem teórica toma o passado como referência

singular para a análise crítico-compreensiva do presente, sobretudo por entendê-lo

como o momento no qual o acontecido, a despeito do tempo não parar (o que

eternizaria o passado, o tornado rígido), permanece (BENJAMIN, 2012; FOUCAULT,

2006). Por assim dizer, muitos dos movimentos do pensamento filosófico originários

da Grécia Antiga fundamentam as ideias e as concepções de mundo no presente.

(1)

Minuciosa apropriação do material

(2)

Análise de cada forma de desenvolvimento do

material

(3)

Investigação da coerência interna

Figura 2 – Etapas do método de investigação dialético

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126

6.1.3 Hermenêutica na vertente da tradição da teoria crítica

Conhecimento só se “conhece” se for

questionador e inovador.

(Pedro Demo)

Na medida em que é necessária a admiração ante a tarefa de pesquisar, do

esforço de realizar a compreensão do ser humano e de suas inter-relações, é

preciso discernimento para evitar confundir conhecimento científico com razão

instrumental, e, no mesmo passo, valorizar a razão argumentativa, originária dos

ideais iluministas, inclusa a verdade possível e negociada, procurada na direção de

um horizonte normativo apto a conduzir a uma racionalidade dialógica, em um

processo de produção de consensos necessários, concretos e provisórios

(VERONESE; GUARESCHI, 2006).

A análise das formas simbólicas foi feita com base no marco referencial

metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP), na convergência do

pensamento de Theodor Ludwig Adorno, Max Horkheimer, Pierre Bordieur, Pedro

Demo, Jürgen Habermas, Paul Ricoeur, e, sobretudo, na sistematização de John

Brookshire Thompson, fundada na premissa de ser o objeto de análise uma

construção simbólica significativa que exige a interpretação/reinterpretação,

movimento esse que entendemos de suma importância para compreensão do

contexto dialético das políticas públicas circunscritas no campo da Saúde Coletiva.

A HP de Thompson (2009), como referencial metodológico, prioriza o estudo

da produção de sentido e recomenda que o intérprete deva ater-se às formas

simbólicas produzidas por sujeitos e reconhecidas pelos próprios na qualidade de

construções significativas. Trata-se de um processo interpretativo, complexo,

fundado na razão argumentativa, dialógica e composto, além da

interpretação/reinterpretação acima aludida, por outros dois outros estágios

antecedentes e sequenciados, quais sejam: (DEMO, 2009; THOMPSON, 2009;

RAMALHO; RESENDE, 2011; VERONESE; GUARESCHI, 2006).

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(1) análise sócio-histórica: possibilita a compreensão e a contextualização das

condições espaço-temporais pré-existentes;

(2) análise formal ou discursiva: voltada à temática e à identificação de formas

simbólicas, inclusive das maneiras como o significado é construído no interior

das formas quotidianas do discurso;

(3) interpretação/reinterpretação: toma a construção criativa do significado com a

perspectiva de algo que é representado ou dito.

A interpretação/reinterpretação assenta na premissa de que a interpretação

não se esgota em si mesma, porque ela transcende para aquilo que o mesmo autor

chama de reinterpretação (uma vez que o objeto já é pré-interpretado). Desta forma,

considera-se que tal reinterpretação compõe uma postura assumida pelo

pesquisador em face da possibilidade de reinterpretar com base na exploração das

análises sócio-histórica e discursiva (THOMPSON, 2009).

Nessa arte, uma vez assumida a pretensão de aproximação com o que pré-

compreendemos existir de verossímil no fenômeno em estudo, acreditamos que a

técnica de interpretação/reinterpretação da linguagem, última etapa da

Hermenêutica de Profundidade (THOMPSOM, 2009), tensiona a pré-compreensão

junto à abertura para transformação ao conhecer em essência (profundamente) a

realidade em estudo, uma vez identificada sua relação dialética, indo e vindo,

trajetória essa conhecida como círculo hermenêutico (GADAMER, 2008), justamente

por propor a dialeticidade entre partes e o todo, em um arranjo de confirmações e

negações a todo tempo.

Adorno e Horkheimer (1985), no trato da dialética da razão (ou do

esclarecimento) ensinam que na sua origem a razão teria sido concebida como um

processo emancipatório de cunho humanista, capaz de conduzir o homem à

autonomia e à autodeterminação, mas que para Freitag (1994), logo se atrofiou ao

se transmutar em racionalidade reduzida à dimensão técnico-instrumental. Contudo,

uma firme contraposição teórica não tardou. Assim, Coll (1991) atribui a Habermas o

caráter antipositivista de fazer ciência voltada a superar criticamente (ou seria

frankfurtianamente) tal concepção da razão, em favor de uma hermenêutica de

profundidade.

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128

O esclarecimento, que provoca uma compreensão radical, é constantemente político. Naturalmente, a crítica também permanece ligada ao contexto tradicional que ela reflete. (...) Para interpretação hermenêutica profunda, não há nenhuma ratificação além da autorreflexão de todos os participantes, uma ratificação que chega a termo e acontece no diálogo (HABERMAS, 2009, p. 335).

Na mesma direção, conforme observa Lawn (2007), Gadamer teria feito da

razão uma função do diálogo, abolindo a idéia de uma racionalidade universal.

Todavia, sendo a própria razão um instituto do sentido, não pode ela desconsiderar

a compreensão. Exatamente por isso, a não compreensão precisa ser

fundamentalmente sustentada como caso regular do encontro com um sentido por

outrem constituído, de forma que “as regras de interpretação – se for possível

descobrir algumas (...) – são funções de concepção de racionalidade segundo a qual

se procede” (THOREAU, 2010, p.29). Nada obstante, todo sentido só pode ser

compreendido através do contexto, tessitura não linear e complexa (complexidades

polarizadas) da realidade (DEMO, 2008).

Retomando a compreensão que Adorno e Horkheimer (1985) fazem do

homem no contexto de sua história e racionalidade, vê-se ali a indicação da trajetória

de primazia do sujeito como a verdadeira conquista da emancipação humana. Para

os mesmos autores, a lógica cultural é instrumentalizada no atrelamento da

sociedade ao mercado, compondo assim uma civilização técnica movimentada por

absurdas necessidades produzidas em larga escala, uma verdadeira indústria

cultural (Op. cit.).

A interpretação é o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido escondido no sentido aparente, em desdobrar os níveis de significado na significação literal. (...) há interpretação onde existe sentido múltiplo e, é na interpretação que a pluralidade dos sentidos se manifesta (RICOEUR, 1978).

Com Ricoeur (1978) a compreensão ou a interpretação (alvo de algum

esquema explicativo) se move a partir de uma pré-compreensão para uma

compreensão mais profunda: um entendimento ampliado, dialeticamente mediado

pela explicação em face de introduzir um dado momento objetivo crítico.

Para Gadamer (2008) é somente quando se apoia em um conhecimento

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prévio das realidades que a pesquisa pode fazer surgir as realidades que o

pesquisador deseja com ela registrar. Entretanto, interpretar não é um caso

particular de compreensão, pois a interpretação aplica-se a todo processo que

abrange a explicação e a compreensão. Para tanto, inicia-se com a compreensão

superficial e através da explicação, considerada como o momento metódico do

estudo, se chega a uma interpretação. Desse modo, cumpre à explicação ser o

caminho obrigatório da compreensão, a lógica ordenatória das condutas (RICOEUR,

1978; 2008a).

Segundo Bourdieur (2011) ainda que o conhecimento prévio possa

proporcionar o equivalente teórico do conhecimento pratico associado à proximidade

e à familiaridade, o conhecimento mais aprofundado seguiria incapaz de conduzir a

uma verdadeira compreensão, caso essa não correspondesse a uma atenção com o

outro.

Embora seja frequente a referência da tradição teórica originária pela Escola

de Frankfurt como sendo a teoria crítica, para Mclaren e kincheloe (2006), nenhum

dos teóricos dessa tradição jamais assumiu o desenvolvimento de uma abordagem

unificada para a crítica cultural. Os mesmos autores entendem que uma teoria social

crítica deve ocupar-se com as questões associadas ao poder e à justiça, bem como

com as diferentes maneiras pelas quais “a economia, as ideologias, os discursos e

diversas outras instituições sociais e dinâmicas culturais interagem para construir um

sistema social” (Op. cit., p. 283).

Os pesquisadores críticos, como de resto qualquer ser humano, fazem história

e vivem no interior de estruturas de significado não necessariamente por eles

preferidas. Cabe ao hermenêuta crítico fundamentar sua pesquisa na relação entre

as experiências cotidianas dos sujeitos pesquisados e as representações culturais

dessa mesma experiência no contexto das questões públicas do poder, da justiça e

da democracia (MCLAREN; KINCHELOE, 2006).

Para Kosik (2002), ainda que possamos apreender o todo a partir das

representações e experiências, isso por si só não é suficiente para que possamos

conhecer e compreender a realidade, pois ela se apresenta de forma compreensível

tão somente pela mediação das partes.

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130

Realizar uma pesquisa qualitativa com base em uma abordagem crítica e

reflexiva é, sobretudo, pautar-se nos fundamentos de uma hermenêutica crítica, em

um movimento para dar conta das dinâmicas do poder. Mas, é também, conforme

indicado por Mclaren e Kincheloe (2006), deslocar-se em direção ao que eles

denominam de hermenêutica normativa, no sentido de levantar questões acerca das

finalidades e dos procedimentos relativos à interpretação.

Por tal contexto compreensivo, entendemos que a tarefa de interpretar

pressupõe análise crítica, e não pode prescindir da contextualização histórica do

tema, tendo claro que nossa implicação com a noção de direito à alimentação não é

basicamente uma dada categoria hermenêutica, justamente porque assumimos no

desenvolvimento de nossa tarefa compreensiva uma atitude fenomenológica com

designo crítico-interpretativo, ao apontarmos diversas representações daquele direito

no âmbito da concretude do Programa Bolsa Família (a partir dos preceitos

subjacentes ao Fome Zero), fundamentalmente possíveis, e, mesmo do ponto de

vista lógico, não necessariamente incompatíveis entre si.

Longe de forçar uma indevida comparação, ousamos revelar, como o faz

Balzac (2006) no romance Eugénie Grandet, que nossa modesta intenção nesse

texto foi assegurar o direito de demorar-nos nas divagações exigidas pela

complexidade do tema, a partir do qual nos permitimos se mover quase sempre

preocupados com a arte do fazer científico e, por tal designo, provocados por

interrogações situadas na convergência de uma dupla trajetória acadêmico-

profissional: direito e nutrição. Nesse caminhar, simpático às reflexões teóricas do

marxismo e seduzido pelos fundamentos filosóficos da hermenêutica, acreditamos

haver desenvolvido uma proposta de estudo cunhada em uma abordagem crítica e

reflexiva.

6.1.4 Compreendendo a representação da realidade: linguagem e comunicação

É mesmo necessário procurar entender a realidade humana, interpretar o

mundo, nisso a palavra escrita tem muita importância. Segundo Dilthey (2010), a

vida não nos é dada imediatamente, ela nos é explicada pela intermediação objetiva

do pensamento, na qual cada visão de mundo tem seu caráter histórico e, ao mesmo

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tempo, se articula com a historicidade propriamente dita de seu movimento dialético.

Cabe lembrar que a fidedignidade da investigação qualitativa no sentido de

representação coerente da realidade é uma questão sensível, objeto de recorrentes

questionamentos dentro e fora da Saúde Coletiva. Nesse contexto de disputas no

campo científico, acreditamos que importa buscar e “manter uma atitude reflexiva e

aberta, admitindo-se que outras interpretações possam ser sugeridas, discutidas e

igualmente aceitas” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 52); mesmo porque a codificação é

um processo multifacético que requer um elaborado esforço criativo e consistente

embasamento teórico, ambos implicados com o sujeito epistêmico investido da

tarefa de investigador, atento aos termos significativos que emergem do universo

empírico através de recursos linguísticos.

Sem embargo, a linguagem condiciona o nosso pensamento, ao mesmo

tempo em que constitui meio para representar a realidade e, além disso, se

apresenta (na perspectiva do conhecimento) como um elemento “formativo de

realidades” (GRACIA, 2004). Por sua vez, “as relações de linguagem são relações

de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de

discurso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2012, p. 21).

Nesse prisma, têm-se diversas dimensões e possibilidades interpretativas, em

face das quais cumpre ao hermeneuta, como também ao poeta, decodificar a

palavra, nomeando-a, interpenetrando criador e criatura por fusão de horizontes

(GADAMER, 2008), e, porque não dizer, um momento dialético de sensível traço

poético, ainda mais quando empregadas sutis metáforas para expressar a essência

imaterial da consciência humana, compondo uma alegoria prenhe de significados

científicos.

Nesse ponto, é oportuno citar Merleau-Ponty (2006), que ao tempo de sua

resignação contra o abuso do cientificismo e sua pretensão totalizante, denuncia

outra forma de poder, agora tipificado em uma forma de literarismo pautado na

premissa positivista de que o dito pela ciência passa a ser interessante e profundo

quando transcrito para uma linguagem literária permeada pelo sentido conotativo.

Para esse autor, em tal projeção as metáforas são aparentemente dirigidas a

autorizar e desculpar um sem número de imprecisões interpretativas (Op. cit.), não

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raro, à semelhança de um processo fisiopatológico (para usar uma metáfora),

avançando por analogias facilmente controversas.

Contudo, a idéia de conhecimento metafórico indica uma relação com

componentes da realidade concreta ou objetiva (fora do ser), da qual não se tem

propriamente controle (DEMO, 2009). Cabe então ao hermeneuta o conhecimento

teórico em vista de um mundo já devidamente formatado pela linguagem: o conhecer

teórico (ERNEST, 2011).

Ademais, por força da capacidade de acesso à dimensão simbólica, o

discurso e as metáforas nele manifestadas cumprem o papel de conduzir o

pesquisador à compreensão de construções sociais pertinentes às racionalizações,

às representações, às normas e aos valores (PALASSI et al., 2007). Nesse caminho

do pensamento, procurar as estruturas metafóricas que trazem significados não

literais constitui um caminho para chegar à compreensão do que não dito quando se

expressa algo (WIKLUND et al., 2002).

Interessante mencionar ainda o movimento sensacionista, originário da teoria

poética de Fernando Pessoa por alusão à idéia de que não existe a realidade em si,

mas somente sensações (conscientes na arte) do que seja realidade. Assim, a

própria compreensão deve ser explorada por conjugações e implicações com

antíteses fundamentais do conhecimento: subjetivo/objetivo, espiritual/material,

interior/exterior (MATOS, 2007; PESSOA, 2011). Desse modo, mediado pela

palavra, assume-se uma sutil tensão dialética dos contrários no ato propriamente

humano de compreender, processo esse que no âmbito da tradição hermenêutica

requer disciplina.

A propósito, o termo disciplina, conforme ensina Coffey e Atkinson (2003) traz

em si conotação de rigor e cuidado, não se confundindo, em absoluto, com “castigo”,

resiliência ou oposição à criatividade. Para os mesmos autores, a partir de tal

premissa basilar de análise dos dados qualitativos, deve o pesquisador sustentar a

consistência dos procedimentos analíticos, com abertura para reflexão do tipo:

“É possível ganhar muito quando se ensaiam diferentes ângulos analíticos nos

dados. Se geram novas luzes, e às vezes uma se pode escapar das perspectivas

analíticas que se tornaram estereotipadas e estéreis” (Op cit, p. 16).

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Assim, compreender pressupõe uma transformação pessoal (SAINT-

EXUPÉRY, 2000), não aquela descrita por Kafka (2000) na obra metamorfose, por

designação à transmutação extrema e irreversível do homem (em uma “barata”) –

entendida como a tentativa de levar ao limite uma inadequação (SCHWARZ, 1981),

mas transformação como uma necessidade de busca e retomada permanente do

sujeito ao longo de sua própria vida em direção à conversão em si mesmo (como

pressuposto para haver verdade), o que não implica, necessariamente, em se

constituir como objeto e domínio do conhecimento (FOUCAULT, 2006).

6.1.5 Matriz do estudo

Conforme foi aludido, este estudo inscreve-se na tradição da pesquisa

qualitativa fundada em uma abordagem crítica e reflexiva articulada com a

compreensão hermenêutica, na qual assumimos como matriz de estudo um conjunto

textos relacionados ao PBF, seus antecedentes e contextualização histórica, e o

produto da comunicação intersubjetiva orientada por um roteiro guia de entrevista

junto a beneficiários desse programa.

A opção por essa modalidade de estudo é fundamentada no reconhecimento

deste como uma estratégia de investigação que tem como problema central as

significações e os sentidos do ideal político de zerar a fome no Brasil a partir de um

programa estatal que se pretende de SAN, associado a uma concepção de

solidariedade orgânica, em um contexto de iniquidades socioeconômicas.

Por esta concepção, procuramos analisar o entrelaçamento de temas e

dimensões analíticas pautadas por pressupostos teóricos e conceituais que

amparam a Análise Crítica de Discurso (ACD), e, nesse processo hermenêutico, a

partir do confronto com a empiria, estabelecer a solução do problema pesquisado.

A análise de discurso empreendida nessa pesquisa está identificada com uma

postura reflexiva frente aos princípios metodológicos de uma abordagem pautada na

tradição da teoria crítica, seus limites e possibilidades, demandando uma discussão

epistemológica ancorada no lugar da pesquisa qualitativa em saúde coletiva.

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Nesse processo hermenêutico, buscamos desenvolver eixos temáticos

relacionados ao objeto de estudo a partir de uma imersão aprofundada na literatura

de ciências sociais e humanas em sua interface com o campo da Saúde Coletiva,

valorando a análise documental das fontes de direito positivo que tratam do direito

humano e social à alimentação.

No cerne de um esforço compreensivo, aderimos à ideia de fenomenologia

em Husserl, no ponto em que ela concebe as coisas na profundidade de suas

essências, em seus “verdadeiros” significados, sendo as mesmas referidas como se

apresentam, por apelo à experiência da consciência (intencionalidade) (HUSSERL,

1990). Por tal atitude fenomenológica, entendemos que a crítica reflexiva e coerente

da experiência de beneficiário do PBF requer a consideração das possibilidades e

limitações do próprio conhecimento no contexto de nossa implicação com o objeto

pesquisado, como também abertura ao desvelar da linguagem, consoante processo

indutivo descrito por Gadamer (2008, p. 497):

Costumamos dizer que “levamos” uma conversa, mas na verdade quanto mais autêntica uma conversação, tanto menos ela se encontra sob a direção da vontade de um ou outro dos interlocutores. Assim a conversação autêntica jamais é aquela que queríamos levar, ao contrário, em geral é mais correto dizer que desembocamos e até que nos enredamos numa conversação. (...) Nela não são os interlocutores que dirigem; eles são os dirigidos. O que “surgirá” de uma conversação ninguém pode saber de antemão. (...) a linguagem que empregamos ali carrega em si sua própria verdade, ou seja, “desvela” e deixa surgir algo que é a partir de então.

Partindo-se do entendimento de que “com o seu agir o homem inscreve

significados no mundo e cria a estrutura significativa do próprio mundo” (KOSIK,

2002, p. 241), nosso compromisso nesse trabalho envolveu também a valoração dos

fenômenos como eles se nos apresentam, conforme a vivência dos envolvidos nas

entrevistas, muito embora atento ao que não é imediatamente perceptível.

Aliás, considerando que a hermenêutica dirige-se a compreender formas e

conteúdos da comunicação humana, sua complexidade e simplicidade (DEMO,

2008), a análise dos diálogos e documentos de interesse nesse estudo – em meio a

categorias como contradição, reificação, oposicionalidade e mediação – foi aqui

assumida como um instigante exercício dialético.

Figal (2007) ensina que a hermenêutica pode ser caracterizada, de maneira

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sintética, como uma tentativa de reconciliar conhecimento e história em meio à

relação de oposição entre aquele que conhece e o modo de ser das coisas, a

oposicionalidade. Sendo assim, o hermenêutico indica um estado de coisas

complexo, ao qual pertence a compreensão e a interpretação (Op. cit.). Na

experiência hermenêutica lidamos com aquilo que nós mesmos não somos, com

algo que se acha contraposto (HABERMAS, 2009).

Não faz sentido buscar a cientificidade por ela mesma porque método é apenas instrumento. Faz sentido sim fazer ciência para conseguirmos condições objetivas e subjetivas mais favoráveis de uma história sempre mais humana. É um absurdo sarcástico jogar fora da ciência o que não cabe no método. Se a ciência se der a isto, não passará de algo mesquinho (SEIFFERT apud DEMO, 1998, p. 260).

Para Schleiermacher (2005), as regras hermenêuticas precisam ser mais um

método para driblar as dificuldades do que indicações para solucioná-las. Todavia,

como revela Gadamer (2008), inexiste um método apropriado para ensinar a

perguntar, capaz de ensinar a ver o questionável. Métodos naturalmente sucedem e

são função da pergunta de partida. Nesse ínterim, a pesquisa qualitativa, dado que

não valora quaisquer respostas fechadas, oferece a abertura das perguntas (DEMO,

2009; PATTON, 2002).

Destarte, a compreensão buscada nessa pesquisa deve ser situada enquanto

premissa indispensável da hermenêutica (DEMO, 1995) visto que, como preleciona

Ricoeur (2008), faz-se necessário procurar compreender os sentidos (expressados e

não expressados) no discurso, tudo coerente com a ideia de Hans-Georg Gadamer

de que a hermenêutica é o saber do quanto fica de não dito quando se diz algo

(CUSTÓDIO, 2000), e mesmo o que a pessoa talvez nunca venha a dizer, trata-se,

portanto, de uma difícil tarefa de ausculta que requer muita aplicação.

Colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras (ORLANDI, 2012, p. 59).

Quando se escuta alguém não se faz necessário esquecer as opiniões

prévias (correspondentes ao elemento da tradição), antes pelo contrário, a abertura

para a opinião do outro requer colocá-la em alguma relação com o conjunto das

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próprias opiniões (GADAMER, 2008, p. 358), e, além disso, considerar as nossas

implicações com os pontos de vistas expressos no discurso.

Conforme a perspectiva filosófica sustentada por Gadamer (1987; 2008), a

elaboração da situação hermenêutica interessante à interpretação metódica começa

pela disposição de admitir a infinitude dessa tarefa e segue com a consciência de

que só é possível compreender os enunciados que nos preocupam ou nos motivam

se reconhecermos neles nossas perguntas. Contudo, procurar elucidar, tanto quanto

possível, algo que se encontra na base de nossos interesses é sempre uma tarefa

legítima (Op. cit., 1987).

Nessa indução criativa, por força da entropia de nosso ambiente (sistema)

aberto, marcado por preconceitos, ideias, projeções e desconfianças, é mister

assumir um desafio de fazer pesquisa preocupado com a cientificidade e a

ideologização da verdade, com propósitos marcadamente políticos, tanto mais

quando basicamente prescrevem medidas econômicas supostamente para aplacar

demandas sociais resultantes de desigualdade social e fome.

O nosso desafio nesse estudo também passou pela delimitação de um campo

científico de saberes, discursos e práticas interdisciplinares, ambiente esse favorável

para discutir criticamente o PBF como uma política anunciada como compensatória

dos efeitos estruturais da pobreza e, nesse passo, adstrita à concepção de justiça

social e alcance da segurança nutricional.

6.2. Análises do material discursivo

Em face das informações qualitativas na forma de corpus de pesquisa foram

construídos (como será detalhado em seguida) eixos temáticos, estruturados em

dimensões analíticas, espécies de unidades de significação, com as respectivas

categorias empíricas. Nesse labor, interessou na presente pesquisa as instâncias de

discurso e o discurso estendido que, como os símbolos, significam mais de uma

coisa ao mesmo tempo.

Contudo, no curso na análise do material discursivo, em vista da relevância

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dos números para caracterização do PBF no contexto de sua cobertura, por vezes

entendemos oportuno agregar informações de natureza qualitativa de textos oficiais,

a exemplo de indicadores sócio-demográficos e econômicos.

6.2.1 Tecendo caminhos entre a teoria e a empiria: Análise de Discurso e suas

implicações epistemológicas para o estudo dos textos/documentos

O trabalho simbólico do discurso está na base da existência humana.

(Eni Orlandi)

Optamos nesse trabalho por adotar a técnica de Análise de Discurso (AD), em

sua singularidade, por entender que esse caminho representa uma abordagem

metodológica apropriada para um estudo com amparo nos pressupostos teóricos de

uma adequada hermenêutica da linguagem, visto sua missão de compreender

sentidos. Noutras palavras, a AD busca o conteúdo caracteristicamente humano

presente em um dado contexto histórico, algo mais do que fatos dados ou

acontecimentos externos, posto envolver também significação, percepções e valores,

em um movimento marcado pelo caráter significativo do fenômeno do entendimento

entre o intérprete e o objeto por ele interpretado (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p.

682).

Curso é a forma arcaica do particípio do verbo correr, e dis é prefixo que indica

“em todas as direções”, portanto, etimologicamente, discurso significa correr em

todas as direções (MELO et al., 2013). Diante de tão variadas possibilidades e

posturas interpretativas, mormente considerando-se a heterogeneidade e

dialeticidade de abordagens desdobradas em múltiplas relações interdisciplinares,

assumimos para essa tese uma atitude reflexiva pertinente à AD.

Preferimos não enveredar pela construção de significados por meio de signos

de um texto, como pretende (latu sensu) a metodologia de análise de conteúdo (AC),

de maneira acrítica e linear (ROCHA; DEUSDARA, 2005). Sendo assim, no nosso

entender, a AC tem o fito de cercear a necessária mediação da comunicação que

viabiliza a compreensão dos sentidos atribuídos a uma fala em um dado contexto,

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invariavelmente influenciados por correlação de forças assimétricas (DEMO, 2009),

contraindicando, desse modo, tal abordagem analítica para um estudo de índole

crítico-interpretativa.

O texto na qualidade de corpus de pesquisa é o discurso acabado para fins de

análise, um objeto completo. Mas, enquanto objeto teórico, aquele é inacabado, com

múltiplas possibilidades interpretativas (MINAYO, 2008), desde que – como

acreditamos – assumidas com rigor e coerência metodológica, essenciais à

abordagem qualitativa em pesquisa, notadamente quando se busca fundamentação

nas tradições da hermenêutica e da dialética.

Demo (2009), ao propugnar que em metodologia de investigação qualitativa –

inclusa a abordagem crítico-compreensiva – todo dado deriva fundamentalmente de

uma elaboração subjetiva a partir da combinação de vários elementos, sustenta que

as possibilidades de entendimento derivam da variação interpretativa e, portanto,

não se coadunam com padronizações únicas ao modo prescrito pela objetividade

positivista.

O dado empírico é um construto resultado de múltiplas determinações teóricas e ideológicas. A informação qualitativa, além de nunca negar isso trata de fazer disso uma vantagem em termos de captação mais flexível da realidade. Não se trata de evitar o efeito reconstrutivo de toda análise, mas de fazê-lo criticamente, de modo que possa ser sempre questionado abertamente, refeito e rediscutido (Op. cit., p. 33).

Também por isso, o esforço propriamente humano de compreender deve

também partir da consideração de que sempre há algo no discurso não entendível,

quer seja em função da limitação do intérprete (sobretudo nosso mecanismo

cerebral que conduz à padronização mental, captando recorrências nas dinâmicas,

vale dizer: interferindo na realidade tal como percebida) (VYGOTSKY, 1991), de

problemas da própria comunicação ou mesmo por conta do sujeito que fala não

saber exatamente o que diz. Por evidente, em seu conjunto, problemas dessa

natureza prejudicam a análise contextualizada e situada do momento discursivo.

O que alguém queria de verdade dizer em seu depoimento permanece mistério indevassável, porque nem o analista consegue deslindar de todo as entranhas da fala, nem o depoente sabe totalmente de si pra garantir o que disse o que realmente queria dizer (DEMO, 2009, p. 34).

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Tendo a ciência como pano de fundo, Boff (2001) adverte que compreender

não é descortinar o nexo entre os dados de modo a identificar a estrutura oculta

recolhida em um nível mais profundo. No ponto de vista desse expoente teólogo, o

processo do verdadeiro conhecimento envolve um ir e vir nos fatos para lhes

compreender. Movimento o qual entendemos necessário para o pleno

desenvolvimento de uma abordagem crítico-compreensiva, tal como proposta nesse

estudo. Para tanto, a análise (de discurso), em sua dialeticidade, tem de ir além do

nível das aparências, instrumental-designativo na linguagem, alcançando o nível

hermenêutico das relações, no qual se desocultam os juízos prévios condicionantes

de toda interpretação.

A inteligência do raciocínio que valora tal rigor terminológico nos remete, de

logo, a reflexões acerca de conceitos e premissas teóricas não muito bem resolvidas

na proposta preliminar de pesquisa, mormente quando se constituem em expressões

de construções discursivas que, sabe-se, podem assumir variados e, por vezes,

imprecisos sentidos, tanto mais quando atravessados por um esforço hermenêutico

de que atravessa nossa implicação com o exercício profissional no campo da

alimentação e nutrição.

Aquele que compreende já está sempre incluído num acontecimento, em virtude do qual se faz valer o que tem sentido (GADAMER, 2008, p. 490).

Emerge assim a demanda por um pensar crítico, o qual Paulo Freire, com

notável sabedoria, há muito ensina:

É na minha disponibilidade permanente à vida a que me entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação com o contrário de mim. E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil (FREIRE, 1987, p. 152).

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6.2.2 A análise documental

Investigar é um processo que assume, simultaneamente, forma de produto e

produtor de uma objetivação da realidade, bem assim como a objetivação do

investigador se transmuta em produto de seu processo de elaboração (MINAYO,

2008). Nisso o sujeito nunca dá conta do real e o objeto é sempre também um objeto

sujeito (DEMO, 1998, p.10). Por tais premissas, entendemos pesquisa como um

diálogo inteligente e crítico com a realidade, atento as suas sutis representações,

inclusive no que concerne à implicação sujeito-objeto.

A propósito, na Saúde Coletiva, enquanto campo científico emergente,

produzir conhecimento novo com fundamento no questionamento sistemático de

temas convergentes é tarefa árdua que requer zelo metodológico e coerência

epistemológica.

No curso da pesquisa procuramos empreender uma análise crítico-

hermenêutica em múltiplas fontes documentais, cientes de que essas são

potencialmente capazes de representar evidências empíricas úteis para, conforme o

contexto investigado, fundamentar nossas afirmações. Nessa esteira, analisamos

normas jurídicas e administrativas, dentre outros documentos técnicos disponíveis

em diferentes sítios eletrônicos da internet, com destaque a planos e programas de

governo, relatórios de acompanhamento, avaliação e fiscalização, dados estatísticos

oficiais, exposição de motivos, pareceres, informes operacionais e o Cadastro Único

para Programas Sociais (CadÚnico).

Tal como aludido nas referências ao final dessa tese, foram consultados

documentos dos seguintes órgãos e instituições da União Federal: Presidência da

República, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),

Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC), Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Ministério do Trabalho e Emprego

(MTE), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tribunal de Contas da

União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público da União

(MPU), bem como coletados dados junto à Coordenação municipal do Bolsa Família

em Sobral. Nesse último órgão priorizamos dados atualizados para os meses de

março a maio de 2013, correspondentes ao período de realização das entrevistas.

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Muito embora não tenha sido nossa pretensão nesse trabalho aprofundar a

discussão do PBF no campo da comunicação, mas dado o apelo midiático de tal

programa, atravessando todo o período de produção desse texto, resolvemos que o

corpus de análise também deveria envolver (pontualmente) textos jornalísticos com

essa pauta, sobretudo aqueles identificados por repercutir e/ou criticar o discurso

oficial. Nessa direção, reportagens, artigos e outras matérias foram selecionados no

ambiente de internet por critério de aproximação às dimensões analíticas alinhadas

à contextualização teórica e, particularmente, aos achados do trabalho de campo,

isto é conforme o vivenciado pelos beneficiários.

6.2.2.1 Análise preliminar

Antes de iniciada a análise propriamente dita, entendemos prudente proceder

a uma aproximação preliminar da documentação disponível, vale dizer: normas (leis,

decretos, regulamentos, portaria e instruções normativas) e outros textos de

interesse para a pesquisa (discursos, projetos, exposição de motivos, pareceres,

relatórios, etc.) do PBF, processo esse com fundamento em pressupostos teóricos e

conceituais da hermenêutica filosófica (MCLAREN; KINCHELOE, 2006; GADAMER,

2008), com base em livre adaptação do roteiro proposto e dimensões sistematizadas

por Cellard (2010), como segue:

Figura 3 – Passos da Análise preliminar

Fonte: Baseado no modelo proposto por Cellard (2010, p. 299-303)

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142

Por tal contexto analítico, impulsionado pela tradição da teoria crítica

(HORKHEIMER, 1990; MCLAREN; KINCHELOE, 2006; SANTOS, 2006), buscamos

abrigo em uma análise hermenêutica para elaborar uma crítica política e social das

dinâmicas do poder dentro dos textos em análise, abordando inclusive o objetivo (do

Bolsa Família) de emancipação sustentada das famílias em situação de pobreza e

extrema pobreza, em face da compreensão que Adorno e Horkheimer (1985) fazem

do homem no contexto de sua história e racionalidade, indicando a primazia do

sujeito na trajetória da conquista de sua emancipação.

Nesse agir, com vistas a uma interpretação elaborada em bases científicas

para construção de conhecimento novo, procuramos nortear nossa postura conforme

a vertente da reflexividade reflexa proposta por Bordieur (2002), sempre coerente

com o papel do pesquisador como agente ativo na realidade social, potencialmente

capaz de identificar e resistir à ideologia hegemônica.

A propósito, na perspectiva da ACD, tomada como abordagem metodológica

que se articula com o escopo dessa tese, “a concepção de poder em termos de

hegemonia implica uma inerente instabilidade, um equilíbrio instável” (RAMALHO;

RESENDE, 2011, p. 24).

6.2.2.2 Análise propriamente dita

O passo seguinte consistiu em reunir todas as sobreditas dimensões,

exploradas na análise preliminar das normas e outros documentos do Bolsa Família,

com o fito de estabelecer conexões crítico-interpretativas rigorosamente coerentes

com diferentes concepções hermenêuticas do direito humano e social à alimentação,

na perspectiva do Estado Constitucional Brasileiro e dos (cidadãos)

envolvidos/beneficiários.

As informações coletadas foram sistematizadas na forma de análise e

discussão do tema proposto, notadamente no contexto do ordenamento jurídico

pátrio, onde a legitimação do DHAA é discutida à luz da jurisprudência, doutrina,

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143

costumes, normas e princípios do direito, bem como da dinâmica do processo

político, social e econômico, embora compreendendo que dessa forma os dados são

indiretamente obtidos, posto ter como referência um conjunto de material

bibliográfico do tipo impresso ou eletrônico (MINAYO, 1994; WITKER, 1987).

Partimos da compreensão de que no processo de análise propriamente dito o

analista é fundamentalmente um intérprete, ao qual cumpre realizar uma leitura

também discursiva influenciada, dentre outros fatores, por suas experiências e

vivências, seus posicionamentos ideológicos e interesses, enfim, sua

individualidade, como ensina Caregnato e Mutti (2006, p. 682) “a interpretação

nunca será absoluta e única, pois também produzirá seu sentido”.

Na análise do discurso oficial do Programa Bolsa Família entendemos

pertinente a singularidade de uma abordagem fundada no questionamento político

propriamente dito, capaz de abranger as relações de poder envolvidas, inclusive

aquelas de cunho clientelista, movidas por propósitos eleitorais escusos.

Na análise dos dados bibliográficos tomamos de empréstimo categorias do

materialismo histórico dialético, a exemplo da reificação e da contradição, na

compreensão e apreensão da dinâmica em que se está constituindo o PBF em

Sobral.

O princípio da contradição, presente neste marco teórico, indica que para

pensar a realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o

que dela é essencial. Neste percurso compreensivo, movimentar o pensamento

significa refletir sobre a realidade partindo do empírico, isto é, a realidade a ser

estudada, assim como ela se apresenta ao intérprete (HABERMAS, 2001).

Gadamer (2011) observa que a compreensão é também o alcance de uma

autocompreensão ampliada e profunda. Assim, a atitude hermenêutica passa pela

consciência de suas implicações na filosófica prática, e, nesse sentido, uma reflexão

acerca daquilo que deve ser a constituição da vida humana (Op. cit.).

Trata-se de uma atitude teórica frente à práxis da interpretação, da interpretação de textos; porém, também, das experiências interpretadas neles e nas orientações do mundo, que se desenvolvem comunicativamente. (GADAMER, 1983, p. 76).

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144

Assim, por meio de abstrações (elaborações do pensamento, reflexões,

modelos), buscou-se chegar ao concreto, isto é, compreensão mais elaborada de

significações e sentidos do PBF, síntese de múltiplas determinações, concreto

pensado no contexto da exigibilidade do direito (humano e social) à Alimentação.

A diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado)

corresponde às abstrações (reflexões) do pensamento (KOSIK, 2002), que nesse

estudo, tornam mais completa a realidade de uma política pública que se pretende

de segurança alimentar/nutricional.

6.3 Fazendo o campo: Diálogo com os protagonistas do estudo

Nossas perguntas não têm outro motivo que não ensinar o que queremos aquele a quem perguntamos.

(Santo Agostinho)

Preocupados em apreender informações qualitativas a partir da perspectiva

dos beneficiários do PBF, empregamos a técnica de entrevista dialógica com vistas a

construir um ambiente de confiança com as pessoas envolvidas. Procuramos assim

fazer o campo – conforme assertiva sustentada por Bourdieu (2011) – como um

processo compreensivo de permanente descoberta.

No fazer o campo, cientes dos desdobramentos dos diálogos empreendidos e

longe das certezas de inspiração positivista, assumimos uma postura de reflexividade

atenta ao rigor (não à rigidez) e zelo metodológico que, conforme a tradição da teoria

crítica, precisa nortear a análise de discursos. Por tal designo interpretativo seguimos

atentos à advertência de Gadamer (2009) ao ressalvar, como premissa da

hermenêutica filosófica, a verdade apesar do método.

Nos diálogos de campo buscamos a apropriação de parte das singularidades

da experiência de estar beneficiário da renda com foco na privação material, e, por

conseguinte, pressuposta condição de insegurança alimentar (ao menos no nível do

discurso que sustenta o mérito de medidas compensatórias aos efeitos estruturais

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145

da pobreza). Nesse sentido, “o vivenciado” pelas entrevistadas constituiu um corpus

privilegiado de análise, referência indispensável para compreensão das significações

e sentidos do Programa Bolsa Família.

Na exegese de Gadamer (2008) o termo “vivenciar” designa o momento

imediato de se conhecer algo real, prévio a toda interpretação, em oposição ao que

se acredita saber. Nesse sentido, não inclui a credencial da vivência própria do “ouvi

dizer” ou o recebido a partir de outra pessoa, inclusive suposto ou deduzido. Porém,

a expressão “o vivenciado”, embora parta da transitoriedade do vivenciar, indica o

conteúdo permanente do que é vivenciado.

Ambas as direções do significado encontram-se na base da formação da palavra “vivência”, tanto a imediaticidade que precede toda interpretação, elaboração e transmissão, e que oferece apenas o suporte para a interpretação e a matéria para a configuração, quanto o rendimento transmitido por ela, seu resultado permanente (Op. cit., p. 105-106).

Contudo, como premissa hermenêutica do diálogo com o outro – indo e vindo

com nossos (pré)juízos de interpretação, através de um movimento circular de

reinterpretação, na direção de novos horizontes compreensivos – entendemos

pertinente a assertiva de Gadamer (2008, 497) de que “compreender o que alguém

diz é pôr-se de acordo na linguagem e não transferir-se para o outro e reproduzir

suas vivências”.

O contexto vivenciado no campo implicou no pesquisador, dentre outras

mudanças epistemológicas, a resignificação das categorias temáticas inicialmente

pensadas, e, ainda, a inclusão de novas que emergiram das narrativas de

experiências com a transferência direta e condicionada de renda, tais como

empregabilidade e liberdade. Ambas assumidas na perspectiva do desvencilhar das

amarras socioeconômico-culturais para fazer face ao efetivo acesso às

oportunidades, tais como almejadas pelas mães de famílias em situação de pobreza,

destacando-se a conquista de bens imateriais implicados com dignidade da pessoa

humana.

A construção de categorias não é tarefa fácil. Elas brotam no primeiro momento, ao arcabouço teórico em que se apoia a pesquisa. Esse conjunto inicial, no entanto, vai se modificando ao longo do estudo, num processo dinâmico de confronto constante entre teoria e empiria, o que se origina novas concepções, e, consequentemente, novos focos de interesse (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 42).

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146

6.3.1 A entrevista qualitativa na perspectiva de oportunizar o diálogo franco e

aberto

Cumpre, assim, à entrevista apontar para a construção de um precioso

material sobre versões, opiniões, descrições peculiares, criadas na interação do

entrevistador e o seu entrevistado (DESLANDES, 2008). Nesse diapasão, optamos

pelo uso da entrevista dialógica ou participativa, por considerá-la útil para estabelecer

um relacionamento tanto mais aberto e franco com as informantes, com vistas de

buscar informações qualitativas para esclarecimento e análise dos problemas postos

na pesquisa.

Diferente da entrevista tradicional – na qual o papel do entrevistador é ativo ao

tempo que cumpre ao entrevistado função passiva, fornecendo informações

condizentes com o que se pretende na pesquisa – na entrevista dialógica ambos

participam ativamente. Nessa última é empregado um roteiro tentativo de entrevista

(que pode mudar conforme a técnica se desenvolve) e o entrevistado é cientificado

sobre os objetivos da pesquisa nos sentido de despertar o seu interesse em

participar de maneira ativa e crítica (SORIANO, 2004).

A entrevista pessoal um a um, do tipo face a face, que remete à participação

ativa dos locutores, é reconhecida como vantajosa nas hipóteses nas quais não é

viável que os participantes sejam observados diretamente, muito embora tenham o

limite de fornece informações indiretas, pois oferecem uma perspectiva dos pontos

de vista dos entrevistados (MONTERO, 2003).

Acerca da metodologia de entrevista qualitativa, Gaskell (2007, p. 65) aponta o

pressuposto que o mundo social é

ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob condições que elas mesmas estabeleceram. Assume-se que essas construções constituem a realidade essencial das pessoas, seu mundo vivencial.

O uso da entrevista qualitativa com vistas a compreender o mundo da vida dos

sujeitos participantes, constitui ponto de partida de esquemas interpretativos

voltados a compreender as narrativas em termos mais conceituais e abstratos,

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inclusive em relação a outras observações (GASKELL, 2007).

A entrevista qualitativa requer a compreensão do mundo da vida dos

entrevistados, processo social esse no qual entrevistado e entrevistador estão

envolvidos, embora diferentemente, na produção de conhecimento por meio da

exploração/desenvolvimento de realidades percebidas. Trata-se então de “uma

interação ou um entendimento cooperativo em que as palavras são o meio principal

de troca, uma troca de ideias e de significados.” (GASKELL, 2007, p. 73).

Na perspectiva de dar conta dos propósitos definidos nesse estudo,

elaboramos um instrumento do tipo Tópico Guia (Apêndice A) para as entrevistas,

com perguntas pautadas por temas fundamentados na contextualização teórica da

pesquisa. Dessa forma acreditamos haver estabelecido um referencial útil para

progressão sistemática ao longo da exploração de dimensões analíticas inicialmente

projetadas.

Em um primeiro momento, realizamos um pré-teste do Roteiro Guia junto a três

(3) beneficiárias do PBF, resultando em algumas sutis modificações para melhor

adequação da abordagem das questões, principalmente no trato da delimitação das

perguntas conforme os temas destacados em articulação com os objetivos da

pesquisa. Ao fim desse processo, chegamos a um conjunto de questões articuladas

a três (3) eixos temáticos (Apêndice A), quais sejam:

(A) Alimentação e Nutrição

no contexto da proteção social; em matéria de segurança/saúde; necessidades

(assumidas como tal); como questão de direito/advocacy.

(B) Experiência com a transferência direta de renda

conhecimento da origem do programa; entrada (vivência); significados atribuídos

ao aporte mensal em dinheiro (simbolizado no cartão); importância na vida

familiar e comunitária; mudanças na situação alimentar do grupo familiar, saída

(perspectiva); dependência/acomodação (risco).

(C) Condicionalidades

Forma(s), conteúdo(s) e sentido(s); direito em face do estado (motivado pela

pobreza) versus obrigações das famílias (no ambito de serviços sociais); capital

humano / autonomia.

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148

Figura 4 - Mapas de localização de Sobral no Ceará e no Brasil

6.3.2 Cenário do estudo

Tem-se como perspectiva focal o vivenciado na experiência de beneficiário da

transferência de renda do PBF no município de Sobral (Figura 4) e sua inter-relação

com os discursos oficiais do governo federal que

sustentam o programa, particularmente o propósito

assumido na perspectiva do direito humano e social

à alimentação.

Sobral é um município cearense com sede

situada às margens do rio Acaraú, em um ambiente

semiárido (Imagem 1)10. A cidade é atravessada pela

Rodovia BR 222 (no trecho que liga Fortaleza e

Teresina), sendo reconhecida como polo econômico

e cultural da Região Noroeste do Ceará. Dados do

censo de 2010 (BRASIL, 2011c) mostram 188.233

pessoas residentes no município, dos quais 22.211

(11,8%) vivendo na extrema pobreza (renda per

capita abaixo de R$ 70). Em 2012, a estimativa

populacional para a mesma localidade foi de 193.134

habitantes (BRASIL, 2012d).

O braço esquerdo da estátua

do Cristo Redentor (Imagem 2)11, em

Sobral, aponta para o local onde foi

realizado o estudo, o bairro D. José –

situado na periferia urbana da sede

10

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sobral 11

Fonte: http://monumentoarquiteturaearte.blogspot.com.br/

Imagem 1 - Imagem do Alto do Cristo Redentor, ponto mais alto da cidade de Sobral-CE

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municipal12, dividido em I (Alto Novo) e II (Sem Terra), ambos resultantes de

ocupações de terra por “famílias sem teto”, nos anos 1970 e 1990, respectivamente.

Imagem 2 - Imagem de satélite dos bairros D. José I (“Alto Novo”) e D. José II (“Sem Terra”)

O bairro D. José fica situado ao sul da cidade, notabilizado pela presença de

pessoas de baixa renda, com a maioria das casas situadas entre a linha férrea e o

Canal do Mucambinho. Toda a área é coberta pela rede pública de água, mas a

despeito de ali ficar situada uma lagoa de estabilização (Imagem 2, ao centro), não

há sistema de esgotamento sanitária na ampla maioria das casas.

6.3.3 O momento das entrevistas dialógicas

Realizamos as entrevistas dialógicas com nossas informantes

predominantemente no fim da tarde e início da noite, entre 16 e 19h, na maioria das

vezes na casa (n=8) da família beneficiária, e outras (n=4) na Sociedade de Apoio à

Família Sobralense (SAFS). Ajudou o fato de conhecermos previamente as principais

ruas, becos e ladeiras daquela comunidade.

Os diálogos tiveram tempo de duração variável de 42 a 73 minutos. Muitas

delas trouxeram informações que impactaram profundamente nossa pré-

compreensão da realidade vivenciada pelo PBF, tais como as narrativas que

12

Disponível em: < https://maps.google.com.br/>. Acesso em 12 jul. 2013.

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expressam o constrangimento e inquietação das mães ao simularem situações

relativas à dinâmica familiar para permanecerem recebendo o benefício.

Por ocasião das entrevistas realizadas nos espaços de moradia das famílias

beneficiárias tivemos mais facilidade – comparada àquelas feitas na SAFS – para

apreender uma diversidade de informações qualitativas de interesse da pesquisa.

Em casa (conforme decisão das mulheres), além da boa vontade manifestada

(regra geral) para colaborar conosco, a singularidade do ambiente doméstico e de

seu entorno influíram bastante em nossa compreensão, contribuindo sensivelmente

para formularmos convicções e melhorar a precisão da análise dos discursos.

No curso da entrevista, a beneficiária fez referência por diversas vezes, sempre com muita emoção (por vezes chorando), ao filho que perdeu para o “mundo das drogas”, que aqui também deve ser entendido em sua implicação com a miséria. Em um dos trechos narrou que naquele momento o seu primogênito “andava por ai à toa, parando nas esquinas para pedir ou roubar”. Nesse instante lembramos que ao passar na esquina do beco onde fica localizada a casa de PÊNIA, na qual em seguida fomos recebidos (já éramos esperados) para entrevista, nos deparamos com um jovem rapaz de pés descalços, vestindo apenas um short sujo e rasgado, deixando transparecer um corpo franzino e muito sujo. Mesmo à distância, era perceptível seu “olhar perdido”, parecia assustado (Diário de Campo, 26/04/2013).

A propósito, através de anotações no Diário de Campo nos permitimos

registrar informes de suma importância sobre o lugar e as circunstâncias em que

vivem os informantes da pesquisa. Nossa presença junto ao cotidiano daquelas

famílias, embora modificando a rotina, possibilitou vivenciar momentos bem

interessantes, a exemplo de uma criança que ao chegar a sua casa trazia alimentos

distribuídos na escola (duas caixinhas de suco e um pacote de biscoito salgado). De

acordo com a mãe tratava-se da merenda do Programa Segundo Tempo13.

Fundamentado na importância do registro útil da conversação para a análise

dos discursos em momento oportuno e posterior, realizamos as entrevistas, que

duraram em média 52 minutos. As vozes das participantes, precedida de autorização

expressa, foram gravadas em áudio no formato Mp3, tendo sido posteriormente

transcritas na íntegra (com notas breves).

13

O Programa Segundo Tempo (PST), administrado pelo MEC, conta com a gestão local da prefeitura de Sobral. Envolve uma proposta pedagógica na perspectiva da educação em tempo integral, que agrega atividades esportivas e alimentação (cujo valor per capita é o dobro do repassado pelo PNAE) no contraturno das aulas convencionais.

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Logo depois, em um lugar reservado (distinto da casa das informantes)

dedicamos cerca de 30 minutos para anotações no diário de campo. Desse modo,

preferimos não intercalar com anotações em papel o curso natural das entrevistas, o

que nas palavras de Gaskell (2007, p. 82), “permite ao entrevistador concentrar-se

no que é dito em vez de ficar fazendo anotações”.

Realizamos o registro de ocorrências relevantes no Diário de Campo, e, por

vezes, consultamos e referenciamos dados quantitativos coletados junto ao

CadÚnico, disponibilizados pela coordenação local do PBF de Sobral ou por acesso

ao portal da transparência do governo federal, tornando possível traçar um perfil das

famílias beneficiárias, inclusas as titulares do cartão de benefício.

6.3.4 Rede de contatos: mediações necessárias

Para facilitar a entrada no campo investigativo, entendemos prudente envolver

a mediação de pessoas capazes de identificar mulheres elegíveis para as

entrevistas, conforme o perfil inicialmente pensado (35 anos, dois filhos, inscrita no

PBF há no mínimo dois anos), e, ao mesmo tempo, que fossem da esfera de

confiança destas, no sentido de motivá-las a participar da pesquisa, dialogando

conosco. A ideia foi procurar, tanto quanto possível, desvencilhar aquelas mulheres

do receio de perder o benefício, em razão da suspeita de (possível) ação

fiscalizadora. Em outras palavras, adotamos uma postura de cautela, que deve ser

compreendida como um esforço com vistas a “exorcizar” o medo de deixar escapar a

“zona de conforto” proporcionada pela transferência mensal de dinheiro, por entender

que tal situação de insegurança poderia, como notório, influir na fidedignidade das

narrativas.

Antes, porém, percebemos que o recrutamento de beneficiárias para a

entrevista não seria tarefa fácil, tendo em vista dificuldades no trato da aproximação

inicial, cuja qualidade da abordagem é vital para pactuação de uma relação de

confiança. Mas, onde e como começar a tratar uma questão tão sensível, visto que

envolve dinheiro para sustento de uma família, sabendo-se ser natural a estranheza

de uma titular desse direito com a atitude curiosa e, porque não dizer invasiva, de

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152

terceiros.

A propósito, avaliamos a possibilidade de abordar beneficiárias ao acaso,

chegamos inclusive a estabelecer contatos iniciais com o proprietário de uma

agência lotérica ligada à Caixa Econômica Federal, lugar onde é pago grande parte

dos benefícios do PBF. Todavia, abandonamos a idéia por avaliar de antemão que

nossa presença naquele local poderia transparecer ameaça (golpe ou roubo),

assédio (moral e sexual) ou outro viés.

Dentre outras soluções de encaminhamento para recrutar beneficiárias,

cogitamos a possibilidade de partir dos dados relativos às famílias dos alunos da

educação infantil e/ou ensino fundamental de uma determinada escola, bem como

das informações contidas em certa unidade do Programa Saúde da Família (PSF) ou

Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Entretanto, logo descartamos

esse caminho, posto envolver equipamentos públicos relacionados ao controle das

condicionalidades em educação, saúde e assistência social, respectivamente. Pela

mesma razão, preferimos não partir das indicações do staff da “Casa do Cidadão” de

Sobral.

No afã de buscar informantes a partir de um local que não tivesse implicação

direta com as condicionalidades, optamos pela Escola de Artes e Ofícios de Sobral,

espaço público voltado à qualificação profissional (gratuita) de jovens e adultos de

baixa renda. Assim, a partir de contatos com a direção da Escola chegamos até uma

Educadora Social residente no mesmo bairro (D. Expedito, situado na periferia

urbana) que, tão logo cientificada dos propósitos da pesquisa e tendo conhecido o

instrumento da entrevista, aceitou a tarefa de colaborar conosco na fase de pré-teste

do Roteiro Guia, com a missão adicional de identificar no cadastro da escola três

mulheres de 35 anos beneficiárias do Bolsa Família e com 2 filhos inscritos no

programa há pelo menos dois anos (naquele momento os dados de inscritos no PBF

apontavam 726 mulheres nessa situação no município – Apêndice B) e, ato contínuo,

convidá-las para uma entrevista.

O processo de recrutamento acima descrito demorou três semanas, tendo

sido relatadas dificuldades de localizar mulheres com exatos 35 anos e que,

satisfeitas as outras condições exigidas no perfil indicado, aceitassem participar da

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entrevista. Na oportunidade, a Educadora Social relatou haver encontrado resistência

e desconfiança quanto ao mérito da pesquisa, no sentido de que poderia ser uma

fiscalização de algum agente do governo, motivo pelo qual elas preferiam não

participar.

Retornamos então à Educadora Social para detalhar os objetivos do pré-teste

e analisar com ela as questões propostas no sentido de esclarecer eventuais mal

entendidos, que poderiam estar dando causa à hesitação das beneficiárias quanto à

participação voluntária na pesquisa. Na mesma articulação, analisando em conjunto

a dificuldade em localizar uma mulher de 35 anos completos e a distribuição por ano

de idade das titulares do PBF em Sobral (Apêndice B), resolvemos alterar o perfil

etário alvo das entrevistas, de modo a abranger o intervalo de 30 a 39, justamente a

idade em anos com maior frequência, visto os dados oficiais.

Duas semanas depois, finalmente nos foi oportunizado o acesso a três

mulheres (dentre quatro convidadas) para entrevista, conforme grupo etário ampliado

de um ano para uma década, como acima mencionado. Dessa feita realizamos as

primeiras entrevistas com o propósito definido de aperfeiçoar o instrumento para

esse fim específico, (Roteiro Guia, Apêndice A), bem como o equipamento de

gravação.

Por tais motivos, procuramos nos cercar de algumas cautelas para, senão

afastar, minimizar resistências e desconfianças quanto à real ou suposta

intencionalidade do pesquisador. Tanto mais considerando as dificuldades relatadas

em campos investigativos análogos, as quais destacam o medo da perda do

benefício do PBF como limitador importante.

Tivemos a dificuldade de fazer com que as mães beneficiárias falassem espontaneamente e aceitassem se envolver com a pesquisa, talvez pelo fato de o PBF impor condicionalidades e estabelecer punições, como, por exemplo, o cancelamento do recurso, as mães de demonstraram receosas e constrangidas durante as entrevistas (MOREIRA, 2011, p. 70). Surgiram algumas dificuldades para a realização das entrevistas, pelo fato de que as pessoas a serem entrevistadas pensaram tratar-se de uma fiscalização do programa, em vez de um estudo. (...) Houve resistência à gravação das falas pelo medo de comprometer o benefício por meio das declarações prestadas (BORGES, 2009, p. 54).

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Nossa experiência no exercício do trabalho de nutricionista junto a SAFS, no

período de 1996 a 2008, facilitou por demais os contatos com as famílias da

comunidade. Nesse processo, cinco agentes comunitárias de saúde (ACS) e duas

lideranças locais aceitaram de pronto colaborar e recrutaram beneficiárias com o

perfil traçado para a investigação. De modo que, nossa incursão no campo contou

com uma Rede de Contatos.

Sendo assim, a história de nossas relações profissionais e afetivas firmadas

ao longo de doze anos em torno das famílias e alguns atores sociais que compõem a

comunidade dos bairros Alto Novo I e Alto Novo II, facilitou sobremaneira o

estabelecimento um pacto de confiança, indispensável no que tange ao sigilo das

informações expressadas nas entrevistas, conforme as razões antes expostas.

Contudo, também contamos com informantes-chaves relacionados à

condução do PBF em Sobral, pessoas essas responsáveis pela gestão do programa,

cadastro e operacionalização das inclusões e exclusões de beneficiários e comando

das ações de campo junto às famílias inscritas. A partir da colaboração desses

sujeitos tivemos acesso à base de dados local.

Optamos pelo apoio das ACS por força de estarmos seguros da relação de

confiança historicamente construída entre aquelas profissionais e a comunidade da

área, tomando como referência o que testemunhamos de perto em anos anteriores.

Adicionalmente, não identificamos qualquer implicação prática daquelas agentes com

a possibilidade de bloqueio do benefício por desconformidade da conduta da família,

seja em relação à vacinação, assistência pré-natal ou outra contrapartida exigida das

famílias no campo da saúde. Nessa linha, não apuramos nenhum registro em Sobral

de bloqueio ou corte do benefício em dinheiro do PBF por conta de descumprimento

das condicionalidades em saúde, diferente do que ocorre na Educação, como será

adiante exposto.

Na sequência, com a intermediação de nossa Rede de Contatos constituída

por cinco ACS, um instrutor da Banda Musical sediada no bairro (na SAFS) e uma

liderança do tipo carismática residente há 34 anos no bairro, foram progressivamente

surgindo beneficiárias com o perfil previamente definido, e, nesse processo,

agendadas entrevistas com dia hora e local, conforme a conveniência de cada

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pessoa convidada a participar. Cumpre ressalvar que as mulheres da comunidade

reservam a manhã e o início da tarde para o trabalho, inclusive o doméstico.

6.3.5 Beneficiário tipo

Uma vez considerando o extenso universo de inscritas do PBF no município de

Sobral, como também por força das razões acima referidas, optamos por traçar um

perfil de beneficiário tipo, tomando-se como referência os registros do CadÚnico do

município, em 31 de março de 2013.

A partir da exploração do banco de dados supramencionado, muito embora a

média de idade das titulares do cartão resulte em 38,4 anos, preferimos a moda (35

anos) para tal indicador como referência mais significativa de medida de tendência

central da distribuição etária, notadamente porque observamos (Apêndice B) que,

uma vez estratificadas por anos de idade, os grupos de 30 a 39 anos (com discretas

variações numéricas) foram aqueles com maior número de pessoas dentre todas as

faixas existentes.

Em suma, a partir da consideração da estratificação do universo amostral – de

acordo com a idade das titulares do cartão e dos demais beneficiários que compõem

o grupo familiar inscrito no PBF em confronto com os critérios de composição do

valor transferido – chegamos a seguinte “beneficiária tipo” para entrevista: Gênero

feminino, idade entre 30 e 39 anos (“balzaquiana” 14), 2 filhos e benefício no valor de

R$ 138,00. No segmento do trabalho de campo, por critério de saturação teórica,

chegamos a 11 entrevistadas (Tabela 3), todas com dois filhos inscritos no PBF e

cujas idades variaram de 31 a 39 anos na ocasião do diálogo.

Todas elas beneficiárias no PBF, ou dos programas de transferência de renda

antecedentes, com tempo variável de 9 a 13 anos. Acreditamos tratar-se de um

tempo significativo que, inclusive, na maioria dos casos, remete à memória de

transição dos programas remanescentes (Bolsa Escola, Auxílio Gás e Cartão

14

A expressão "balzaquiana" é aqui empregada para designar a mulher na faixa de 30 anos, por referência a Honoré Balzac, autor da obra “a mulher de 30 anos”, publicada inicialmente em 1832 na França.

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Alimentação) para o Bolsa Família, fato esse que constituiu um interessante

parâmetro de análise.

Tabela 3 - Perfil etário e tempo de permanência em programas de transferência

condicionada de renda das famílias beneficiárias do PBF objeto das entrevistas

IDADES DO BENEFICIÁRIO (anos)

NOME FICTÍCIO (entrevistada)

TEMPO (anos) como beneficiária da Transferência

de Renda* Titular do Cartão Filhos

(2) “DEUSA GREGA”

PERSONIFICAÇÃO

31 13 03 IRENE Paz 12

32 10 07 HERA Casamento 09

33 09 07 EUFROSINA Alegria 07

34 15 12 ÍRIS Arco-íris 12 14 10 PÊNIA Pobreza 13

35 13 10 TÊMIS Justiça 08

36 14 10 FEBE Mistérios e segredos 10 16 10 ÉRIS Discórdia 09

38 17 14 ADASTREIA

Cuidado nutricional (Responsável pela Nutrição do bebê

Zeus)

13

17 14 DEMETER Maternidade 13

39 14 05 ELPIS Esperança 11

Informante Chave (Renunciou ao benefício do PBF)

34 10 16 METIS SABEDORIA Recebeu entre 1999 e 2008

* inclui o período de aos programas remanescentes ao Bolsa Família, quais seja: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil)

Para preservar a identidade e garantir o anonimato das mulheres

entrevistadas, trocamos seus nomes verdadeiros por fictícios. No caso, utilizamos

nomes de “deusas gregas”, por critério de aproximação entre a narrativa de cada

entrevistada e a personificação de uma dada deusa, conforme o conhecimento de

mitologia que tivemos acesso (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2003; RUSS, 1994). A

opção por tal designação se deve em particular à escolha da hermenêutica filosófica

como principal referencial teórico nesse estudo, sabendo-se que etimologicamente a

palavra hermenêutica (do grego hermeneutike) é uma derivação do nome de

Hermes, deus grego, a quem competia transmitir a mensagem entre homens e

deuses (GADAMER, 2010).

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157

6.3.6 Roteiro Guia e saturação teórica

Na perspectiva da abordagem compreensiva da produção subjetiva

apreendida no campo, optamos pela criação de um Roteiro Guia com enfoque na

técnica de entrevista dialógica (apêndice A), compondo dessa forma uma matriz

norteadora das questões abordadas no campo investigativo. Assim, as perguntas

foram preliminarmente orientadas conforme as dimensões de análise fundamentadas

na teoria (explorada nos capítulos antecedentes), em direção à saturação teórica dos

principais temas de interesse para essa pesquisa.

Uma vez realizada uma série de entrevistas dialógicas, sequenciamos as

informações obtidas em dois polos cronológicos:

(1) Pré-análise - leitura flutuante do material constituinte do corpus da pesquisa;

(2) exploração do material: codificação e recortes dos elementos constitutivos do

objeto de estudo em categorias empíricas, agrupadas em unidades (ou dimensões)

de análise.

Na sequência, apresentamos os resultados como segmento do processo de

formulação teórica que culminou com a construção de uma Rede Interpretativa,

procurando avançar na análise e discussão das informações qualitativas, distribuídas

em tópicos que refletissem os eixos temáticos (desdobrados em categorias

empíricas) e conceitos referenciados na literatura, intercalando com (1) os textos dos

documentos consultados e (2) as vozes das beneficiárias.

Empregamos um critério de amostragem não probabilístico intencional,

coerente com a tradição da pesquisa qualitativa, cujo número de entrevistados deve

alcançar o limite preconizado como saturação teórica (FONTANELA et al., 2011),

vale dizer, critério que determina a inclusão na pesquisa de tantos sujeitos quantos

necessários para que o conjunto dos informantes se mostre suficiente e denso para a

análise pretendida.

Sendo assim, na construção do corpus de análise utilizamos o critério da

saturação teórica para selecionar informações qualitativas diretamente das

entrevistas ou indiretamente dos textos. Nesse labor, em vista do adensamento dos

dados, adotamos o procedimento descrito por Bauer e Gaskell (2007, p.512).

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O processo de seleção é interrompido quando se torna claro que esforços adicionais não irão trazer mais nenhuma variedade. Unidades adicionais dão lugar a retornos decrescentes.

No processo de análise dos discursos das beneficiárias dedicamos particular

atenção às redundâncias nas informações qualitativas, no ponto em que

reconhecíamos a suficiência dos dados qualitativos obtidos nas entrevistas, atentos

ao limite (empírico) a partir do qual já não mais encontrávamos inovações. Nesse

passo, sempre buscando articulações e implicações dos dados obtidos com a

precitada Rede Interpretativa (pautada nos referenciais teóricos explorados),

acreditamos haver atingido o critério de saturação teórica preconizada por Glaser e

Strauss (1967), em cuja amostra é delimitada pela variedade de dimensões

analíticas, e suas respectivas categorias, contidas nos dados e não pela

representatividade numérica destes.

6.4 Processo de codificação das informações qualitativas consoante a Análise

Crítica de Discurso

Nosso trabalho com as informações qualitativas envolveu a coleta e

tratamento dos componentes mais significativos das informações qualitativas. No

trato das entrevistas dialógicas, tomamos o cuidado de transcrevê-las logo após a

sua realização, ainda com a memória recente das impressões de maior impacto em

nosso entendimento. Utilizamos o editor de texto Word Office 2010, momento a partir

do qual, indo e vindo nas leituras, fomos selecionando trechos e atribuindo notas

breves (comentários ou lembretes) baseados em nossa pré-compreensão –

conforme assinalada por Gadamer (2008) – e nos pressupostos teóricos e

conceituais antes referidos, mas sempre com zelo para evitar etiquetas deterministas

e simplistas.

El proceso analítico de escribir marcha paralelo al de leer. Así como escribir es un acto positivo para encontrar sentido, también lo es leer (o ló debería ser). Un acercamiento activo y de tipo analítico a la “literatura” es parte importante del proceso recurrente de reflexión e interpretación (COFFEY; ATKINSON, 2003, p. 130).

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O ponto de partida de nosso exercício hermenêutico nessa pesquisa foram os

eixos temáticos, as dimensões interpretativas e as categorias preliminares baseadas

na teoria, as quais foram sendo resignificadas e reelaboradas no processo de

codificação, seguido da análise dos discursos, à medida que emergiam categorias

novas no campo investigativo. Todas elas apreendidas nos textos dos discursos

obtidos para então serem destacadas na composição reformulada da Rede

Interpretativa, com vistas a destacar temas e conceitos capazes de cumprir funções

importantes, inclusive, nos permitir revisar rigorosamente o que disseram as vozes

consignadas em nossos dados.

As categorias inicialmente emergentes da base teórica que estruturou a

pesquisa foram reformuladas e reajustadas com o avanço do trabalho de campo, no

interior de um diálogo entre teoria e evidência empírica. O ponto de partida desse

processo complexo de categorização, que nos exigiu muito na etapa de análise do

material empírico, foi o esforço criativo para identificação de temas e dimensões

relevantes e significativas – pertinentes aos objetivos da pesquisa e a dialética do

desenvolvimento do projeto – surgidas nos discursos com alguma regularidade e

coerência (LÜDKE e ANDRÉ, 1986; BOSI; UCHIMURA, 2010). Toda essa dinâmica

no curso do estudo provoca, dentre outros movimentos, um revisitar da literatura

antes consultada.

Gadamer (2008), por alusão a Heidegger, ressalta a importância da revisão

dos projetos prévios de sentido em vistas da compreensão, notadamente na

perspectiva de antecipar um novo plano de sentido. Sendo assim, criam-se as

condições subjetivas para que também projetos rivais sejam postos lado a lado na

construção de sentido, até alcançar uma unidade. Para aquele autor, todo esse

movimento de sentido do compreender e do interpretar deve começar com conceitos

prévios que, no curso desse processo, cederão lugar a outros mais adequados.

Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido (Op. cit., p. 105).

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Ao lado das recorrências, procuramos igualmente evidenciar nos discursos

analisados aqueles que se diferenciaram por expressar opinião notoriamente

inovadora e, por vezes, oposta às demais. Foi interessante verificar ao longo desse

processo hermenêutico que várias das vozes e experiências nelas presentes

produziram insights, surpresas e outros impactos de viva importância em nosso

esforço criativo, no encontro de uma tese de natureza acadêmica. Portanto,

desenvolvemos nossa pesquisa conscientes de que o nosso conhecimento é,

particularmente, função de interações com o mundo social que nos cerca, sendo

também modelado pelos métodos de investigacão e tratamento dos dados que

elegemos ou produzimos, não como um conjunto independente de procedimentos

aplicados e resultados obtidos, mas como trabalho que foi adquirindo existência

conforme nossas próprias vidas e processos analíticos.

Realizamos a condensação do grosso de nossas informações qualitativas em

unidades analisáveis – e o fizermos à semelhança da codificação descrita por Coffey

e Atkinson (2003), como o processo de compilação dos dados na perspectiva de

expandir, transformar e recontextualizar os mesmos, ampliando assim as

possibilidades analíticas no sentido de reconstruirmos diversas facetas das

experiências das beneficiárias do PBF na forma de um texto analítico,

intrinsecamente relacionado a um processo de teorização. Trabalho intelectual esse

que, sabe-se, além de exigir uma leitura ativa da literatura de ciências sociais e

humanas, requer uma interação criativa e disciplinada com a produção subjetiva.

Nesse prisma, a codificação foi empregada para interagir com as informações

qualitativas até alcançar categorias mais gerais e simples e, adicionalmente,

selecionar e recombina-las com vistas à formulação de novas perguntas e níveis de

interpretação.

Percorrendo e integrando as informações qualitativas no processo de

codificação criamos categorias com elas e a partir delas estabelecemos vínculos de

várias classes, destacando excertos significativos por nós reunidos para identificar,

criativa e criticamente, categorias estreitamente relacionadas às diretrizes analíticas

e aos eixos temáticos, sempre buscando unidades significativas, como parte do

empreendimento indutivo guiado pelas mesmas informações, coerentes com os

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objetivos traçados para essa pesquisa.

A codificação das informações qualitativas – ao exigir a leitura e releitura e

realizar uma série de ações que ajudam a seleção, o recorte, a fragmentação e a

categorização – possibilita ao investigador obter uma visão (recontextualizada) em

perspectiva do conjunto de informações reunidas. Nada obstante, a interpretação

requer a transcendência os dados “fáticos” como parte de um processo analítico

norteado por zelo e rigor (COFFEY; ATKINSON, 2003; NEVES, 1996). Para tanto,

nesse trabalho, buscando o alinhado com a tradição hermenêutica, optamos pela

técnica de análise de discurso identificada com a vertente crítica.

Na perspectiva de uma análise crítica, o discurso – uma vez reconhecido

como prática social (nas dimensões reprodutiva e construtiva) – deriva da interface

dialética entre as estruturas e as relações sociais. Por tal óptica, a Análise de

Discurso abrange também algumas dimensões implicadas com o contexto de quem

fala em um dado tempo e lugar (ROJO, 2004). Sendo assim, no caso concreto dessa

pesquisa, importou conhecer a representação dos processos comunicativos

implicados com a condição de privação material, particularmente do modo

expressado (e apreendidos como códigos em nosso esforço hermenêutico) pelos

titulares do cartão do Bolsa Família, ao lado da intervenção política a ela relacionada

ou focalizada.

Os códigos frequentemente representam categorias de distintas abordagens,

não necessariamente contraditórias, mas sempre complexas, algumas das quais já

implicam referências interpretativas ao vincularem pressupostos teóricos e

conceituais a questões críticas que emergem do campo de investigação. Nesse

passo hermenêutico, a decisão que tomamos nesse trabalho ao longo do processo

de codificação – focalizando relações sistemáticas entre eixos temáticos, diretrizes

analíticas e categorias empíricas – implicou em uma estratégia analítica, aqui

assumida como uma Rede Interpretativa.

Todo el proceso de investigación debe estar condicionado por la conciencia de lãs posibilidades del análisis. La investigación bien informada y diseñada y la recolección de datos siempre deben conducirse comprendiendo cuáles, seguramente, van a ser lãs estrategias analíticas (COFFEY; ATKINSON, 2003, p. 14).

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O processo de codificação realizado possibilitou a identificação de fenômenos

instigantes, representando, por conseguinte, informação qualitativa para análise

crítica dos discursos. Os códigos, tomados como princípios organizadores

favoreceram ainda o reordenamento das informações qualitativas, provocando-nos a

discutir os mesmos de modos distintos de muitas de nossas ideias de partida nesse

trabalho.

Desse modo, em nossa incursão no campo investigativo protagonizado por

beneficiárias da transferência de uma renda mínima, nos permitimos analisar os

discursos em termos de como eles se desenvolvem ou como constroem sentidos e

significados. Por tal premissa hermenêutica, buscando-se problematizar a relação do

sujeito com o sentido em face da determinação histórica do processo de

significação, foram estabelecidas corelações entre fontes documentais e algumas

das situações narradas ou os argumentos mais ou menos expressos pelas

entrevistadas.

Quem escuta deve estar disposto a ouvir pra lá das evidências e compreender, acolhendo a opacidade da linguagem, a determinação dos sentidos pela história, a constituição do sujeito pela ideologia e pelo inconsciente, fazendo espaço para o possível, a singularidade, a ruptura, a resistência (ORLANDI, 2012, p. 59).

Na busca da compreensão da constituição do sujeito, em função das

ideologias que o implicam no âmbito de suas funções e relações sociais,

particularmente aquelas associadas à sua inserção como beneficiário do PBF,

adotamos uma versão analítica de discurso também inspirada na teoria crítica

identificada com o materialismo histórico. Por tal enfoque reflexivo, valoramos a

vertente interpretativa que considera as produções discursivas na qualidade de

componentes de formações ideológicas – contexto no qual o sujeito que fala toma

posição em meio às representações das quais ele é o suporte em um determinando

momento histórico (MALDIDIER, 2003). Dito de outra forma, as narrativas

individuais estão situadas dentro de interações particulares e no interior de discursos

sociais específicos.

Para a identificação dos temas e conceitos pertinentes ao objeto em estudo

tomamos como referência as informações qualitativas coletadas nas entrevistas para

pensar com e a partir deles, prestando atenção não apenas na semântica do

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163

discurso, mas também na maneira como se expressa algo, as conexões com outras

passagens discursivas, o conjunto de cada fala individual e, ainda, o que foi referido

sobre o mesmo assunto por outros entrevistados.

6.5 Rede Interpretativa

No afã de procurar sentidos no ato interpretativo, buscamos com a análise da

entrevista através da lente hermenêutica, em um movimento reflexivo, focar algo

mais que a mera aceitação do real aparente, alcançando sobremodo valores

sensíveis da história e cultura daqueles partícipes do estudo, não verificáveis

objetivamente.

Na vida cotidiana sei, ao menos groseiramente, o que posso esconder de cada pessoa, a quem posso recorrer para pedir informações sobre aquilo que não conheço e geralmente quais os tipos de conhecimento que se supõem serem possuídos por determinados indivíduos (BERGER; LUCKMANN, 2009, p. 65).

Em nossa espiral compreensiva ao longo da presente investigação,

assentado na teoria crítica, muitas vezes foi necessária a resignificação (ou mesmo

mudanças) dos pressupostos teóricos e conceituais apreendidos a partir da literatura

pertinente ao núcleo de ciências sociais e humanas do campo da Saúde Coletiva.

Também por isso, em nosso esforço propriamente humano de compreender

partimos da consideração de que sempre há algo no discurso não entendível – quer

seja em função da limitação do intérprete (sobretudo nosso mecanismo cerebral que

conduz à padronização mental – captando recorrências nas dinâmicas, vale dizer:

interferindo na realidade tal como percebida) (VYGOTSKY, 1991), de problemas da

própria comunicação ou mesmo por conta do sujeito que fala não saber exatamente

o que diz. Por evidente, em seu conjunto, dificuldades dessa natureza prejudicam a

análise contextualizada e situada do momento discursivo.

O que alguém queria de verdade dizer em seu depoimento permanece mistério indevassável, porque nem o analista consegue deslindar de todo as entranhas da fala, nem o depoente sabe totalmente de si pra garantir o que disse o que realmente queria dizer (DEMO, 2009, p. 34).

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Para nortear nosso exercício de compreensão hermenêutica a partir de

leituras exaustivas das entrevistas, optamos por “tecer” uma Rede Interpretativa

(LÜDKE E ANDRÉ, 1986), baseada em um conjunto entrelaçado de dois eixos

temáticos, estruturados em igual número de dimensões analíticas, cada uma destas

desdobradas em uma série de dezesseis categorias empíricas. Tal arranjo teórico,

que traz consigo a ideia de “rede”, representa um esforço didático no sentido de

facilitar o processamento das informações apreendidas no curso do trabalho

(GODOY; BOSI, 2007; KANDEL, 1987), conforme a perspectiva teórica adotada.

Tabela 4 - Rede Interpretativa

EIXOS TEMÁTICOS DIMENSÕES ANALÍTICAS CATEGORIAS EMPÍRICAS

(A) Transferência de renda focalizada na pobreza material

(A.1) Segurança alimentar/nutricional na aproximação da vertente do bem viver

15

Mínimo existencial Bem viver Solidariedade orgânica

Consumo Accountability Advocacy

(A.2) Ideologias e relações assimétricas de poder

Dissimulação da dominação Reificação da realidade Funcionalização da miséria Liberdade

(B) Política compensatória na perspectiva de investimento no capital humano

(B.1) Serviços públicos mediados por condicionalidades

Dádiva

Direito de cidadania

(B.2) Projeção de futuro às famílias beneficiárias

Acomodação

Empregabilidade

Emancipação

Entendemos por “solidariedade orgânica”, nos limites desse estudo, como um

movimento em favor do equilíbrio de uma sociedade incomodada pela pobreza e a

fome, algo como um construto que envolve as iniquidades sociais mediadas pelo

trabalho ao lado das demandas socioeconômicas voltadas à sobrevivência material.

É contrário à lei da natureza que um punhado de homens seja abarrotado de superfluidades, enquanto faltam à multidão faminta as necessidades

15

As mais recentes constituições latino-americanas, a exemplo da Venezuela e Bolívia, inovam na configuração política do Estado (diferenciado dos ordenamentos jurídico-constitucionais europeus, fonte de inspiração de todas as Constituições no curso da História do Brasil) ao apontarem para uma transição paradigmática em direção à vertente do bem viver, voltado à proteção da vida nas suas diferentes manifestações e, nesse sentido, aberto a abordagens de direitos que valoram a convivência harmônica com o meio ambiente, sobretudo a partir de novas formas de participação democrática e de controle social das políticas públicas.

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básicas (ROUSSEAU, 1762, p. 288).

Nesse contexto, os indivíduos se aproximam entre si e do Estado pela

necessidade de troca de serviços e bens, função de uma relação de

interdependência, vital para a organização de uma sociedade complexa do tipo

capitalista. Na solidariedade orgânica, como revela Durkheim (2010), a diferenciação

social dá azo a um sentimento de liberdade individual, mormente quando a

consciência coletiva perde a rigidez, abrindo espaço à consciência individual, na

qual cada um tem autonomia de juízo e de ação.

Acreditamos que, ao destacar o direito social à alimentação no arranjo

político-constitucional do Brasil ao lado do direito de todos ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, caput) e da dignidade da pessoa humana

como princípio fundamental de um Estado Democrático de Direito (CF, art. 1ª, inc.

III), nossa nação assumiu a meta de promover a segurança alimentar/nutricional na

perspectiva do bem viver. Nesse sentido, consignou a obrigatoriedade de políticas

públicas no campo da alimentação e nutrição, ao tempo que favorece a emergência

de dinâmicas construtivas legitimadas por novos sujeitos participativos.

Bem viver entendido como um uma condição humana e social tendente à

harmonia com o meio ambiente e articulada com transformações paradigmáticas,

que envolvem processos sociais em permanente movimento. Tal abordagem da

dinâmica da vida se opõe à idéia de qualidade de vida – pressuposta pelo

paradigma da globalização – como objetivo a ser alcançado pelos seres humanos.

Por outro lado, discute o impacto na sociedade e na natureza da crise cultural

contemporânea de inspiração liberal-capitalista, particularmente a determinação das

relações assimétricas de poder e da lógica de consumo.

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166

7. PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ÉTICOS

A forma de agir na relação que estabelece com o objeto de estudo, bem como os meios utilizados para estudo e a reflexão desenvolvida, deve ser acima de tudo uma atitude ética.

(Hans-Georg Gadamer)

Seduzido por aconselhamento em prosa de Luis Fernando Veríssimo, em “A

pessoa errada”, resolvemos adotar nesse trabalho o desígnio interpretativo por ele

proposto, qual seja:

Compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças, brindar as descobertas, buscar a evolução. (VERÌSSIMO, 1986).

E o fazemos por concordar que no relacionamento conosco e com outro humano,

como parte de uma investigação científica pautada na exploração/interpretação do

estar-no-mundo (HEIDEGGER, 2006), sem falsas verdades. Daí, minha missão

nesse trabalho passa por compreender o universo empírico daqueles partícipes da

trama desse estudo, rechaçando o pensamento meramente sistemático.

Aliás, como parte do nosso labor compreensivo com vistas a esboçar um

processo de comunicação significativa com o objeto da pesquisa, projeto empregar

uma abordagem qualitativa instrumentalizada em um rigor metodológico

permanentemente integrado ao cuidado e zelo éticos.

Por outro lado, uma vez definida nesse trabalho a reflexividade como postura

epistemológica, optamos por assumir com zelo ético práticas de análises,

questionamentos e, quando entender necessário, me reposicionar em temas e

situações porventura identificadas fora do lugar na práxis pesquisada.

Assim, movido por uma abordagem reflexiva, assumimos por todo o tempo de

realização desse trabalho o compromisso de sopensar e rever nossas ações e

procedimentos técnicos empregados em cada etapa processo de trabalho

investigativo, mormente na entrevista dialógica. A ideia foi assegurar que a coerência

epistemológica e o exame atencioso de todos os achados reflitam também nossa

visão de mundo.

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Nesse passo, com primazia sobre a missão desdobrada no pragmatismo de

nosso ato de pesquisar – consentâneo natural de um curso de doutorado nas hostes

da Capes, observamos no trato cuidadoso com os sujeitos envolvidos na

investigação os seguintes aspectos éticos: o anonimato, a confidencialidade e o

consentimento livre e esclarecido.

Por via de responsabilidade, acreditamos haver cumprido o compromisso

integralmente as disposições éticas definidas pelas normas vigentes no âmbito da

pesquisa com seres humanos, inclusive com observância dos princípios da bioética

(autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça), positivados na resolução

196/96 do CNS – Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1998). Procurando sempre

contextualizar cada procedimento envolvendo pessoas no âmbito da dimensão

altruística, porventura identificada, no campo da Saúde Coletiva.

Os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos que possuem livre arbítrio para

decidir participar ou não da pesquisa, sempre de forma voluntária, inclusive negar a

responder quaisquer dos questionamentos ou desistir da pesquisa, ficando esses

termos evidenciados na forma de um instrumento: Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE).

Cada pessoa entrevistada foi cientificada da importância de sua

participação nesse trabalho, admitindo-se que ela possa ampliar a informação ou

expor fatos por ela julgado relevantes para o pesquisador melhor compreender a

situação ou fenômeno em estudo (SORIANO, 2004).

Em atenção ao prescrito na Resolução no 196/96 a presente pesquisa foi

cadastrada (14 de novembro de 2012) no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa

(SISNEP), através da Plataforma Brasil, e recebeu do Comitê de Ética em Pesquisa

da Universidade Federal do Ceará parecer (nº 108.635, em 4 de outubro de 2012)

favorável à sua realização.

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8. O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS

A diversidade de fontes documentais relacionadas, direta e indiretamente, ao

PBF, incluso sua origem no bojo do FZ, envolvendo normas administrativas e

jurídicas que tratam do direito humano e social à alimentação – inclusive o extenso

rol de documentos técnicos disponibilizados (na internet) por diferentes ministérios e

órgãos de planejamento e de controle interno (CGU) e externo (TCU) da União

Federal – constituíram um rico material que, ao lado das informações coletadas junto

à coordenação municipal do Bolsa Família em Sobral no período de março a maio

de 2013, nos permitiram avançar na compreensão do objeto de estudo, como a

seguir será apresentado.

8.1 O Fome Zero com o Bolsa Família

Uma vez considerada a segurança alimentar e nutricional no eixo central das

políticas públicas do Brasil, é pertinente abordar as movimentações em favor do

ideal de zerar a fome no país, destacando motivações no âmbito da moral social e

da economia política. As reflexões apresentadas são originárias de pesquisa

bibliográfica e documental da trajetória do Fome Zero, assumido-o como uma

política pública com vistas à promoção do DHAA.

Conforme discurso oficial, tal iniciativa corresponde ao implemento e

articulação de programas sociais focalizados no alcance da segurança

alimentar/nutricional e, nessa condição, a inclusão social e a conquista da cidadania

daqueles mais vulnerável à fome (INSTITUTO CIDADANIA, 2001; BRASIL, 2011d).

Reconhecendo-se como tal, o Fome Zero seria uma estratégia em

permanente movimento, desfecho incompleto no qual quaisquer tentativas de

promover uma análise conclusiva encontra limitações prejudiciais por força da

carência de uma maior substancialidade reflexiva no universo de inúmeras

controvérsias e polarizações reducionistas, bem como em virtude da fragilidade da

produção empírica nesse campo temático (BRAGA; PAULINO, 2012).

Todavia, desde o seu lançamento em 2003, na cidade de Guaribas, no

semiárido piauiense, até alcançar os 5.564 municípios do Brasil ao longo de 10 anos

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169

de sua implementação, o Fome Zero passou por uma série de transformações e

cresceu em amplitude de ações, cobertura e complexidade no processo de gestão

intersetorial nas diferentes esferas da federação, todavia,como antes mencionado,

hoje o Bolsa Família é o programa que prevalece na ótica de promoção da SAN.

Considerando-se a relevância e a extensão do tema no âmbito da saúde

coletiva, nosso compromisso nesse trabalho passa também pela exploração de

significações e sentidos dos discursos e da práxis em alimentação e nutrição no

universo simbólico do Bolsa Família, uma vez declarado como estratégia nacional

capaz de integrar ações intra e intergovernamentais na perspectiva da promoção

socioeconômica de famílias e, nesse processo, voltado a mitigar a possibilidade de

fome e, por extensão, qualquer outra expressão de pobreza material que o dinheiro

pode afastar.

Nesse contexto em movimento cabe a analise das distintas dimensões

presentes no discurso oficial e na práxis em alimentação e nutrição do Bolsa

Família. Optou-se então por explorar os principais aspectos históricos que delineiam

essa estratégia governamental em face da lógica do modo de produção e consumo

do mercado capitalista e das movimentações políticas pautadas no DHAA.

Contudo, compreender as razões e o porquê da convergência de variados

programas de governo, presentes e passados, circunscritos no Fome Zero remete à

análise do processo sócio-histórico do país, sobretudo a partir da década de 1990,

materializado na mobilização nacional pela valoração da miséria social da fome

como questão a ser combatida, conforme consenso de agentes sociais e políticos

envolvidos.

Ao longo desse percurso, entendendo-se a fome como forma de violação ao

direito à alimentação, é pertinente discutir o mérito da transferência direta e

condicionada de renda na forma do Bolsa Família. Nessa perspectiva são

explorados significações e sentidos dos discursos e da práxis em alimentação e

nutrição no universo empírico desse programa. Para tanto, confronta-se a dualidade

dialética entre emancipação sustentada e acomodação em face da transferência

condicionada de renda às famílias em suposta condição de insegurança

alimentar/nutricional por recorte econômico.

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170

8.2 “Programa” Fome Zero: Do projeto político à estratégia de governo com

objetivos em alimentação e nutrição

Reunião de preparação do Fome Zero no gabinete do ministro Graziano. Queremos evitar o assistencialismo: Como se sabe que uma política pública é ou não assistencialista? Depende da resposta a questão: se o provedor desaparecer, o beneficiário avança ou regride?

(Frei Betto)

O Projeto Fome Zero (BRASIL, 2001), formulado por técnicos e colaboradores

do Instituto Cidadania, com o envolvimento de organizações não governamentais em

uma série de seminários e debates ao longo do Brasil, foi efetivamente apresentado

à sociedade em 16 de outubro (Dia Mundial da Alimentação) de 2000, como

proposta de política nacional participativa de segurança alimentar e combate à fome,

fundada basicamente em análises técnicas desenvolvidas na Universidade Estadual

de Campinas - UNICAMP com indicação de ser a problemática da fome no país

função da insuficiência de renda, e não da falta de alimentos.

A análise de conjuntura nacional no bojo do Fome Zero fundamentava a

necessidade premente de empreender, naquele momento histórico, políticas em três

grandes eixos (Figura 5), quais sejam: (1) ampliação da demanda efetiva de

alimentos, (2) barateamento do preço dos alimentos e (3) programas emergenciais

para atender aquela parcela da população excluída do mercado (BRASIL, 2001).

Betto (2007) revela que testemunhou anos antes – início da década de 1990,

no Instituto Cidadania – a indicação (feita por Lula) do bispo dom Mauro Moreli e do

sociólogo Betinho para levar às ruas uma proposta de segurança alimentar

elaborada pelo agrônomo José Gomes da Silva, coordenador do Plano de

Segurança Alimentar do Governo Paralelo do PT (gabinete informal criado após a

derrota na eleição presidencial de 1989 para Fernando Collor, com o propósito

elaborar planos setoriais de governo e que, ato contínuo teria sido formalmente

estabelecido como o Instituto Cidadania, presidido por Lula). Para a mesma fonte,

Betinho, identificado com o PDT de Brizola,

[...] ao assumir a proposta como sua, evitou que a campanha da fome fosse partidarizada. Deu-lhe caráter cívico, acima de partidos e credos, e facilitou a mobilização nacional. Teve o mérito de sensibilizar toda a nação para o problema,

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171

projetando-o como questão política. (BETTO, 2007).

Figura 5 - Principais eixos de ação políticas projetadas para serem desenvolvidos conforme concepção inicial do Projeto Fome Zero

Fonte: Instituto Cidadania, 2011.

Silva et al. (2010), em artigo dirigido aos críticos do Fome Zero, reclamam que

até a edição dessa iniciativa, os programas de transferência de pequenos valores

monetários – por eles denominados de “Bolsa-Esmola” – eram insuficientes para

alterar o quadro de miséria e desnutrição.

...Por isso é que a proposta do Fome Zero envolve três grandes eixos simultâneos: ampliação da demanda efetiva de alimentos, barateamento do preço dos alimentos e programas emergenciais para atender a parcela da população excluída do mercado. (Op. Cit, p. 41)

Na eleição presidencial de 2002, o então Projeto Fome Zero passa a fazer

parte do conjunto de propostas do vitorioso candidato Lula, em cujo discurso de

posse – texto onde a palavra fome figura doze vezes – anunciou o combate à fome

como prioridade de governo: “se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros

tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a

missão da minha vida” (SILVA, 2003). Tornar real aquela projeção, conforme seu

discurso, representaria a culminância de sua missão histórica. Tal declaração viria a

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172

motivar um amplo apoio da sociedade e de segmentos do mercado àquele programa

(BETTO, 2003).

Ato contínuo, mesmo antes de iniciado, o agora Fome Zero (FZ) já fora citado

como referência mundial no combate à fome, uma vez que o inédito propósito de,

mediante políticas estruturais, específicas e locais (Figura 6), garantir o Direito à

Alimentação como prioridade de governo, se coaduna(va) com a luta de diversos

movimentos sociais do país no sentido de fortalecer a abordagem dos direitos

humanos na discussão sobre SAN (VALENTE, 2003; ZIMMERMANN, 2004), em

harmonia com uma articulação internacional de segmentos importantes da

sociedade civil com vistas à construção de um sistema democrático favorável à

consecução plena (ou no mínimo satisfatória) dos direitos humanos (SARAMAGO,

2002).

Figura 6 - Esquema das propostas do Projeto Fome Zero

Fonte: Instituto Cidadania, 2011.

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173

Em um primeiro momento, a operacionalização do Fome Zero foi centrada no

repasse de um crédito de R$ 50 a 250 reais mensais (variável à razão da quantidade

de filhos) para compra de alimentos, mas não na forma de dinheiro vivo e sim na

modalidade de vale-alimentação, uma espécie de “moeda” de troca por produtos

alimentícios previamente listados pelo governo federal, com indicação de consumo

pelos beneficiários do projeto.

Em troca da ajuda, as famílias beneficiadas deveriam cumprir algumas exigências do programa, como a de participar em programas para a comunidade local, como a construção de viadutos, ampliação da rede elétrica e coleta de lixo. Também, ‘cada família terá que indicar que um adulto se comprometerá a construir um banheiro em sua casa’, enquanto em outros casos deveriam realizar tarefas agropecuárias, de turismo ou de serviços (...). Para receber a ajuda concedida no mês seguinte sucessivo, as famílias beneficiadas deveriam mostrar o ticket ou a fatura dos alimentos que compraram no mês precedente. (COGGIOLA, 2007, p. 12)

Antecipando a polêmica em torno da proposta do FZ, Batista Filho (2003)

sustentou, no ano do lançamento da iniciativa (2003), que o seu campo de

proposições constituía um marco de referência capaz de mudar o curso da história

política, econômica e social do Brasil, com novas diretrizes éticas voltadas à

correção das distorções estruturais da sociedade brasileira. Quatro anos mais tarde,

o Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) considerou que a

iniciativa do FZ de complementar um conjunto de ações compensatórias com outras

de geração de renda configurava um acerto estratégico digno de ser replicado

noutros países (TUBINO, 2007).

Na linha diametralmente oposta, Francisco de Oliveira, um dos fundadores do

Partido dos Trabalhadores (PT), sustentava que programas como o Fome Zero

seriam instrumentos de funcionalização da miséria, isto é, tornariam a miséria

suportável e funcional. Aquele referenciado sociólogo advertia que tais iniciativas

constituem um tipo de "ajuda humanitária" para garantir a sobrevivência dos mais

pobres sem alterar a condição social destes e a estrutura de distribuição de riquezas

no Brasil (OLIVEIRA, 2006). Nesse sentido se fragiliza o caráter inovador e

emancipatório eventualmente sustentado pelos entusiastas das políticas

compensatórias.

O desafio maior do FZ, quando de seu início, estaria relacionado às

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174

Mediações políticas entre o mundo social e o universo público dos direitos e da cidadania. Essas mediações, a serem construídas e reinventadas, circunscrevem um campo de conflito que é também de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e democracia. (YASBEK, 2004, p. 111).

Valente (2003) observa que no primeiro mandato do governo Lula foi

assinalado com pioneirismo a priorização do combate à fome como eixo norteador

das políticas econômicas e sociais - e não só enquanto objeto de políticas

estritamente compensatórias - articulado a um novo modelo de desenvolvimento.

Com referência à mensagem publicitária do FZ: "Brasil que come ajudando o

Brasil que tem fome", Freitas e Pena (2007, p. 77) destacam que tal abordagem

reproduz um discurso reducionista que associa a problemática da fome aos objetivos

de atenuação da pobreza, minimizando o processo político-econômico gerador de

desigualdade social e fome.

Noutro sentido, partindo-se da premissa teórica de que as identidades são

construções sócio-discursivas e cambiantes, Cruz (2010) sustenta que o FZ, quando

de seu anúncio, representou uma interessante estratégia de marketing, no sentido

de buscar um inimigo comum (a fome) para auxiliar no processo de construção da

identidade nacional e favorecer a governabilidade.

Ainda na última década do século passado, o sociólogo Herbert de Sousa

(Betinho) defendia que “a alma da fome é política” (SOUZA; RODRIGUES, 1993, p.

22). Enquanto que, mais recentemente, Yasbek (2004), com base na conjuntura

político-eleitoral, sustentou que para a compreensão do significado político do FZ

para a sociedade é preciso ter como referência a amplitude das relações sociais,

bem como o significado da eleição de Lula no contexto de interesses do capitalismo

contemporâneo. Fato esse que, dadas as circunstâncias históricas, em tese,

significou um lócus privilegiado para ação de sujeitos-políticos potencialmente

capazes de superar a realidade reificada, coisificada, conforme sentido convergente

dos conceitos atribuídos por Habermas (1987) e Lukács (2009) em favor de uma

nação conscientemente mais justa: ética, econômica e socialmente.

Sob o pretexto de melhorar a gestão operacional e aumentar a efetividade do

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gasto social, superando o caráter fragmentado e pouco eficaz dos (até então)

programas de transferência de renda, e sem admitir finalidade político-eleitoral, o

governo Lula resolveu unificá-los na forma do Bolsa Família, logo reconhecido pelo

impacto na redução da desigualdade de distribuição de renda (MARMOT, 2007) e

que, a seguir, passa a se confundir com (ou suceder) o FZ.

8.3 O Bolsa Família e a erradicação da pobreza

Com o propósito definido de promover o envolvimento contínuo do Sistema

Único de Saúde (SUS) na gestão do PBF, o PPA 2004-2007 reitera a importância do

protagonismo do setor saúde na condução de medidas relacionadas ao “combate à

fome” (sob coordenação do recém-criado Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome). Nesse particular, está consignado naquele plano o compromisso

do governo para com o cumprimento da agenda de compromissos em saúde –

representados pelo “pré-natal, vigilância alimentar e nutricional, acompanhamento do

crescimento e desenvolvimento e a vacinação em dia de crianças e gestantes” – na

forma de condicionalidades do Bolsa Família (BRASIL, 2004b, p. 17).

Na sequência, o PPA “Desenvolvimento com inclusão social e educação de

qualidade” (2008-2011), que destaca desenvolvimento com inclusão social, reforçou

a medida de transferência direta de renda com condicionalidades, mas inova16 ao

delimitar o foco de intervenção para “famílias em situação de pobreza extrema”

(BRASIL, 2007b, grifo nosso).

No quadriênio que vai até 2015, o PPA Mais Brasil, traz a meta de ampliar o

impacto do PBF na “erradicação e/ou na diminuição da pobreza e da extrema

pobreza” (BRASIL, 2011b, grifo nosso). Para tanto prevê esforços com vistas a incluir

800 mil famílias em extrema pobreza como beneficiárias do programa,

compreendendo, inclusive, o desenvolvimento de metodologias, instrumentos e

sistemas de informações socioeconômicas (atreladas ao CadÚnico) com o propósito

16

O PPA anterior (2004-2007) refere “pobreza e outras formas de privação das famílias”, sem fazer referência à extrema pobreza.

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de subsidiar a gestão das políticas de enfrentamento da pobreza e da desigualdade

social (Op. cit., p. 16).

Passada mais de uma década, o município de Sobral conta com cerca de

15.000 pessoas diretamente abrangidas pelo PBF, que antes (em outubro de 2003)

foram beneficiárias do Bolsa Escola, conforme registros atualizados para março de

2013 (MAPA, 2013).

40,03% (12.605) das 31.486 famílias sobralenses inscritas no CadÚnico17 em

março de 2013, posto terem informado possuir uma renda per capita de até R$

70,00, compõem as estatísticas oficiais de famílias em situação de pobreza extrema.

No mesmo banco de dados consta que 26,34% (8.293) das famílias ali domiciliadas

têm renda per capita entre R$ 70,00 e R$ 140,00 reais, as quais são consideradas

pobres, porém acima da linha de extrema pobreza (BRASIL, 2013b).

Tabela 5 - Comparativo entre o número dos moradores de domicílios particulares permanentes em situação de extrema pobreza e a quantidade de beneficiários do PBF, Sobral, Ceará, Nordeste, Brasil.

BRASIL NORDESTE CEARÁ SOBRAL

N % N % N % N %

Domicílios em Extrema Pobreza*

16.267.197 100,00 9.609.803 59,07 1.502.924 9,24 22.290 0,137

Famílias Beneficiárias do PBF**

13.581.604

100,00

6.833.740

50,31

1.069.393

7,87

19.070

0,140

Fontes: *CadÚnico 2013, MDS; **Censo Demográfico 2010, IBGE

O ritmo acelerado da expansão do PBF em 2004 veio junto com uma série

extensa de exigências aos responsáveis nos diferentes níveis, ao tempo que as

estruturas locais e a logística operacional não respondiam devidamente ao

processamento de quem já tinha o benefício e, ao mesmo tempo, a nova demanda

com cerca de um milhão de famílias que antes não tinham acesso a programas de

transferência de renda. Toda essa situação motivou uma grande pressão nas

17

Estimativa baseada na metodologia elaborada pelo IBGE para produção dos Mapas de Pobreza a partir da combinação dos dados do Censo Demográfico 2000, da PNAD 2006 e de outros indicadores socioeconômicos das famílias com renda per capita de até meio salário mínimo mensal.

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gestões locais, que cresceu muito nos anos que se seguiram até alcançar 13,6

milhões de famílias inscritas em 2013 (Tabela 6).

Tabela 6 - Famílias inscritas no PBF, Sobral, Ceará, Nordeste, Brasil, 2004-2013.

Ano BRASIL NORDESTE CEARÁ SOBRAL

2004 6.571.839 3.320.446 572.730 8.480

2005 8.700.445 4.245.574 742.454 15.177

2006 10.965.810 5.442.567 882.220 18.317

2007 11.043.076 5.573.605 891.418 17.194

2008 10.557.996 5.445.428 870.153 15.769

2009 12.370.915 6.207.633 947.720 18.258

2010 12.778.220 6.454.764 1.022.259 18.112

2011 13.352.306 6.825.997 1.076.764 17.728

2012 13.902.155 7.049.046 1.107.009 18.699

2013 13.581.604 6.833.740 1.069.393 19.070

Fonte: CadÚnico / MDS.

Em março de 2013 Sobral apresentava 0,14% dos beneficiários do PBF de

todo país, em 2004 eram 0,13%. O total de 19.070 famílias beneficiárias em março

de 2013 representa uma cobertura de 95,7 % da quantidade estimada de unidades

familiares em situação de pobreza no município de Sobral. Assim, existiriam 857

destas fora do programa. No mesmo município, o acompanhamento das

condicionalidades em saúde atingiu 83,82% (14.068) em dezembro de 2012, de um

total de 16.784 beneficiários do PBF, distribuídos entre crianças com idade menor de

7 anos e mulheres entre 14 e 44 anos. Na educação, o segmento da frequência

escolar alcançou 67,43% (16.752) de um total de 24.842 alunos matriculados com

idades variando de 6 a 17 anos.

Todavia, a imposição de contrapartidas das famílias é uma questão que

incomoda várias das beneficiárias, dando azo a um questionamento quanto ao mérito

de tal medida no que concerne ao condicionamento do comportamento dos pais por

agentes externos à dinâmica familiar.

Em 2009, os resultados da economia nacional foram impactados

negativamente (PIB caiu 0,3 em relação ao ano anterior) por força da crise

econômica mundial. Naquele ano, o PIB brasileiro apresentou queda em volume de

0,3% em relação ao ano anterior (BRASIL, 2011e).

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178

É evidente o impacto econômico capitaneado pelo Programa Bolsa Família,

perceptível especialmente através do aumento real no PIB per capita dos municípios

de baixa atividade econômica e com significativa proporção de beneficiários.

Tabela 7 - Evolução do Produto Interno Bruto, 2006-2008, Sobral, Ceará, Brasil.

2006* 2007* 2008* 2009* 2010**

Brasil 2 369 483 546 2 661 344 525 3 032 203 490 3 239 404 053 3 770 085 000

Ceará 46 303 058 50 331 383 60 098 877 65 703 761 77 865 000

Sobral 1 516 531 1 751 595 1 715 272 1 964 743 2 348 207

Fontes: * Produto Interno Bruto 2005-2009, IBGE (2011e) ** Contas regionais do Brasil 2010, IBGE (2012e)

O tamanho da economia medido pelo PIB tem avançado sistematicamente nos

últimos anos em Sobral, todavia esse resultado “positivo” não vem acompanhado da

redução do número de pessoas em extrema pobreza no município, visto o aumento

do número de pessoas do município no CadÚnico elegíveis para o Bolsa Família,

sobretudo aquelas com renda inferior a R$ 70,00.

Assumindo o propósito de mobilizar e promover uma articulação federativa

para a superação da extrema pobreza, o governo federal criou em 2011 uma

Secretaria Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza (Sesep), ligada à

Presidência da República, cujo “foco de atuação são os 16 milhões de brasileiros

cuja renda familiar per capita, é inferior a R$ 70,00 mensais, visando sua inserção na

cidadania” (sic) (SECRETARIA, 2012).

Nesse sentido, a presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano Brasil sem Miséria,

envolvendo 18 ministérios que prevê ações nacionais e regionais, estruturadas em

três eixos: (1) garantia de renda, (2) inclusão produtiva e (3) acesso a serviços

públicos (DILMA, 2013a). Uma das 100 iniciativas previstas nesse plano é Ação

Brasil Carinhoso, que, para o município, amplia em 50% a transferência de recurso

financeiro na proporção de cada vaga em creche ocupada por criança do PBF, e,

para as famílias beneficiárias mais pobres (aquelas com pelo menos um filho de até

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15 anos, desde que com renda familiar mensal de até R$ 69,99) aumenta em R$

70,00 o valor da renda mensal transferida18.

O Bolsa Família ainda não chegou pra muitas das famílias pobres que eu conheço. Se um tem direito, todos têm direito, eu acho que os direitos tem ser iguais. Todos têm de ser tratados igual(mente).

HERA

Eu vejo também aqui no Alto Novo que tem muita agente ainda carente que não recebe o Bolsa Família.

ÍRIS

Para Rocha (2010) o único critério admissível para transferência do benefício

do PBF deveria ser a condição de vulnerabilidade do grupo familiar por conta do

baixo poder aquisitivo. Todavia o programa prevê uma série de critérios de seleção

de famílias, vinculando-a para definição do valor do benefício.

As famílias atendidas pelo programa devem receber uma renda mensal que

pode variar de R$ 70,00 a R$ 306,00, voltada a famílias com renda per capita mensal

de R$ 70,00 (famílias de extrema pobreza) a R$ 140,00 (famílias pobres). Esta renda

é repassada através de três tipos de benefícios: Básico, Variável e Variável Vinculada

ao Adolescente (BVJ). Famílias extremamente pobres recebem um beneficio básico

de R$ 70,00, e família pobres podem receber um Benefício Variável por criança de 0

a 15 anos, ou gestante, no valor de R$ 32,00 por pessoa com limite de até cinco

benefícios, além do benefício variável jovem de R$ 38,00 por jovem de 16 e 17 anos

com limite de até dois jovens por família (BRASIL, 2012f). As tabelas 7 e 8 mostram a

distribuição desses benefícios.

A seleção das famílias participantes é feita de forma automatizada pelo

Governo Federal e leva em consideração, como antes detalhado, as informações

contidas no Cadastro Único para Programas Sociais, bem como a estimativa de

famílias pobres de cada município (BRASIL, 2012f).

18

Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013.

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180

Tabela 8 - Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme critério de composição das famílias com renda familiar de até R$ 70,00 (extremamente pobres)

Número de gestantes, nutrizes, crianças e

adolescentes > 15 anos

Número de jovens de 16

e 17 anos Tipo de benefício

Valor do benefício

R$

0 0 Básico 70,00

1 0 Básico + 1 variável 102,00

2 0 Básico + 2 variáveis 134,00

3 0 Básico + 3 variáveis 166,00

4 0 Básico + 4 variáveis 198,00

5 0 Básico + 5 variáveis 230,00

0 1 Básico + 1 BVJ 108,00

1 1 Básico + 1 variável + 1 BVJ 140,00

2 1 Básico + 2 variáveis + 1 BVJ 172,00

3 1 Básico + 3 variáveis + 1 BVJ 204,00

4 1 Básico + 4 variáveis + 1 BVJ 236,00

5 1 Básico + 5 variáveis + 1 BVJ 268,00

0 2 Básico + 2 BVJ 146,00

1 2 Básico + 1 variável + 2 BVJ 178,00

2 2 Básico + 2 variáveis + 2 BVJ 210,00

3 2 Básico + 3 variáveis + 2 BVJ 242,00

4 2 Básico + 4 variáveis + 2 BVJ 274,00

5 2 Básico + 5 variáveis + 2 BVJ 306,00

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dezembro/2012.

Com frases de efeito do tipo: “Por não termos abandonado o nosso povo a

miséria está nos abandonando” e “Nenhum (ato editado pelo Palácio do Planalto no

atual governo) têm a força simbólica, a marca histórica e o efeito imediato desse ato

que eu hoje assino”, Dilma Rousseff autorizou em fevereiro de 2013 recursos

complementares ao Programa Bolsa Família para alcançar (através de busca ativa)

2,5 milhões de beneficiários com renda familiar inferior a R$ 70,00 mensais: “É

necessário encontrá-los. O Estado não deve esperar que esses brasileiros batam a

nossa porta para que nós os encontremos” (DILMA, 2013a). Na ocasião, ao afirmar

que nos últimos dois anos foram retirados 22 milhões de brasileiros da extrema

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pobreza, a presidenta afirmou que o Brasil vira ali uma página decisiva da exclusão

social (Op. cit.).

Dois anos antes, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) apresentou números tanto mais modestos sobre o impacto do PBF na

redução da extrema pobreza, o atribuir ao programa a retirada de três milhões de

pessoas da extrema pobreza no ano de 2009 (BRASIL, 2011f).

Tabela 9 - Tipos e valores do benefício incluso no Bolsa Família conforme critério de composição das famílias com renda per capita de R$ 70,00 a R$ 140,00

Número de gestantes, nutrizes, crianças e

adolescentes de até 15 anos

Número de jovens de 16 e

17 anos Tipo de benefício Valor do benefício

0 0 Não recebe -

1 0 1 variável R$ 32,00

2 0 2 variáveis R$ 64,00

3 0 3 variáveis R$ 96,00

4 0 4 variáveis R$ 128,00

5 0 5 variáveis R$ 160,00

0 1 1 BVJ R$ 38,00

1 1 1 variável + 1 BVJ R$ 70,00

2 1 2 variáveis + 1 BVJ R$ 102,00

3 1 3 variáveis + 1 BVJ R$ 134,00

4 1 4 variáveis + 1 BVJ R$ 166,00

5 1 5 variáveis + 1 BVJ R$ 198,00

0 2 2 BVJ R$ 76,00

1 2 1 variável + 2 BVJ R$ 108,00

2 2 2 variáveis + 2 BVJ R$ 140,00

3 2 3 variáveis + 2 BVJ R$ 172,00

4 2 4 variáveis + 2 BVJ R$ 204,00

5 2 5 variáveis + 2 BVJ R$ 236,00

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dezembro/2012.

A Ação Brasil Carinhoso prevê a implicação direta do gestor municipal com o

acompanhamento a cobertura do Cadastro e do Bolsa Família no município,

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competindo a eles, com base em estimativas oficiais da quantidade de famílias

extremamente pobres, promover (tomando-se como meta de cobertura) a busca ativa

daquelas não incluídas no CadÚnico, e, por conseguinte, no PBF19.

De acordo com dados divulgados no único jornal impresso de circulação local,

pelo próprio prefeito de Sobral, o município contava em 2012 com ao menos oito mil

famílias vivendo em condição de pobreza extrema. Estimativas daquele gestor

público, recém-eleito para o segundo mandato20, indicam que no município existiriam

aproximadamente 32 mil pessoas vivendo na miséria21 (CERCA, 2012). Tais

indicadores divergem daqueles disponibilizados pelo governo federal, contendo a

estima de 12.605 famílias em extrema pobreza no município, portanto, bem maior do

que a quantidade referida pelo alcaide municipal.

Muito embora em março de 2013 houvesse 20.898 famílias inscritas no PBF, o

cruzamento desse número com a estimativa do total de famílias com renda per capita

de até R$ 140, revela que haveria cerca de 1.990 unidades familiares elegíveis fora

desse programa. Tal conjunto passou a ser considerado público alvo de um trabalho

de busca ativa no sentido de “identificar e incluir as famílias de baixa renda no

CadÚnico” (BRASIL, 2013b, p. 54).

Interessante observar que conforme dados do IBGE, atualizados para janeiro

de 2013, a população de Sobral gira em torno de 193.134 habitantes – 88,35 destes

residentes em área urbana22 –, representando aproximadamente 0,1% dos

193.946.886 residentes no Brasil. Porém, considerado a estimativa oficial que aponta

a proporção de 12.605 famílias sobralenses em situação de pobreza extrema (0,2%

do total nacional, 16 milhões), estes representariam um número 37% maior quando

comparado à média nacional (Op. cit.). Vale dizer – mesmo concordando ser

bastante questionável na perspectiva da epistemologia qualitativa a natureza

aritmética dessa informação – cerca de 1 em cada 1.000 famílias que moram no

19

Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013. 20

“Quero ampliar a base econômica de Sobral e quero trabalhar para garantir salários dignos, uma boa qualidade de vida financeira. (...) Quero ser Prefeito para fazer de Sobral uma cidade que não tenha famílias na extrema pobreza.” (VEVEU, 2012). 21

Interessante observa que por todo o ano de 2012 até março de 2013 o recurso do Programa Bolsa Família representou a única transferência de outro ente federativo ao município de Sobral para aplicação na área de assistência social (BRASIL, 2013c). 22

Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 27 ago. 2013.

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183

Brasil reside em Sobral, ao passo que no mesmo município sobre(vive) 1 em cada

630 brasileiros extremamente pobres.

Mas, paradoxalmente, Sobral é referenciada como integrante do seleto grupo

dos municípios que mais se desenvolveram no Brasil nos últimos dez anos e, ainda,

como uma das trinta melhores cidades desse país para morar, trabalhar e estudar.

Não bastasse toda essa projeção – diga-se de passagem, na contramão dos dados

que indicam o elevado contingente de famílias vivendo em extrema pobreza no

mesmo lugar – a cidade é destacada no contexto regional das três Américas como a

9ª cidade de pequeno porte mais indicada para receber investimentos estrangeiros

(GOMES, 2011; SOBRAL; 2013).

Desde janeiro de 2013, o município de Sobral conta com um órgão

responsável por coordenar ações no âmbito da proteção social e da promoção do

trabalho e renda, a “Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Extrema

Pobreza” (VEVEU, 2013). Coube a esse órgão governamental promoveu seleção de

260 estudantes para a realização de trabalho (voluntário) de busca ativa de famílias

de baixa renda, compreendendo visitas domiciliares com vistas à localização

(informação para georeferenciamento) e identificação (coleta de dados cadastrais),

ambos ligados ao Cadúnico23. A idéia é incluir as famílias mais pobres na rede de

proteção social, oportunizando o acesso ao conjunto de ações socioassistenciais

disponíveis no município (SELEÇÂO, 2013).

Interessante observar ainda que o Censo Demográfico de 2010 mostra a

população de Sobral constituída por 91.462 homens (42,6%) e 96.771 (57,4%)

mulheres, correspondendo a 188.233 habitantes. Por sua vez, os registros do

CadÚnico de 2013, atualizados para março de 2013 revelam uma maioria menos

acentuada do gênero feminino, ao revelar que há 50.168 (45,63%) homens e 58.903

(54,37%) mulheres. Talvez a existência de população mais jovem e equânime

(quanto ao gênero) no CadÚnico, posto a presença majoritária de famílias com filhos

menores – quando comparada a população geral, universo no qual é notória á maior

expectativa de vida das mulheres – explique essa diferença.

23

A prefeitura informa que pretende montar um banco de informações na forma de mapa de coordenadas cartográficas (integrado ao GPS - Sistema de Posicionamento Global), como parte de um sistema informatizado de localização de famílias que integram o CadÚnico no município.

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184

8.4 A propósito da porta de saída do Bolsa Família (se é que há alguma)...

Certo é que, em cenário político pautado no calendário eleitoral dos agentes

públicos, dificilmente estes sutentariam uma tese que responda tal pergunta de

modo a reduzir o contigente de mais de treze milhões de famílias brasileiras

beneficiadas, cujos eleitores recebem ajuda em dinheiro do governo (o benefício

médio em junho de 2013, dez anos após lançamento do programa, foi de R$ 152)24,

independente da demonstração de esforço laboral, ainda que obrigados a

contrapartidas em saúde, educação e assistência social. Considerada a lógica

política eleitoral que sustenta esse processo, tem-se então uma virtual tendência à

acomodação política, em favor da manutenção daquele modelo de proteção social, e

mais ainda, favorável à ampliação da cobertura e do valor do benefício em dinheiro.

Para o governo federal, ou pelo menos para a ministra da Casa Civil à época,

Dilma Rousseff (oito meses antes de eleita presidenta da República), o PBF tem

uma saída dos beneficiários materializada na redenção financeira das famílias

beneficiárias, competindo ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento (por

ela gerenciado no governo Lula) criar mecanismo de distribuição de renda PBF.

O programa (PAC) é, na verdade, o compromisso do governo com um crescimento com distribuição de renda. Isso é fundamental para incorporar os milhões de brasileiros do Bolsa Família. É uma porta de saída porque, ao ocorrer, gera uma quantidade muito significativa de emprego e renda.

(PAC, 2008)

A perspectiva desenvolvimentista aludida pela então dirigente do PAC é

importante para uma análise compreensiva de uma pretensão assumida como

estratégica pelo governo federal: a expansão da renda nacional atrelada à inclusão

socioeconômica de famílias com baixo poder aquisitivo, ou pelo menos daquelas

beneficiárias do PBF.

24

Informe do Governo Federal, de jul/2013. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2013/06/19/bolsa-familia-repassa-beneficios-ate-28-de-junho>

Acesso em: 10 ago, 2013.

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Cocco (2010) discorda do discurso que aponta tão somente a entrada no

mercado de trabalho como “porta de saída” do PBF, e, nesse sentido, indicativo da

eficácia do programa. Isso em um contexto do sistema (capitalista contemporâneo)

preocupado em incluir os excluídos, reconhecidos como pobres – incluídos na

produção, mas excluídos dos direitos. Para a mesma fonte, a transferência de renda

àqueles mais pobres deve ser reconhecida muito além do combate darwinista

(seleção dos mais aptos) à pobreza, alcançando o terreno da mobilização produtiva

como expressão da cultura.

Difícil entender como sendo uma política de proteção social um programa que

reproduz (e amplia gradualmente) uma espécie de modelo de bolsa-cidadania-

condicional, especialmente em virtude de sua vertente de compensação aos efeitos

da pobreza, conforme foco da economia de mercado. Não convence, ademais, o

argumento de que tal iniciativa de governo contribuiria para valorar as dimensões

produtivas da vida dos brasileiros tidos como pobres, a exemplo (por paralelismo) do

incentivo à livre expressão da cultura popular mediada por políticas públicas,

independente da indústria cultural subjacente à lógica do mercado.

A julgar pela natureza eminentemente econômica do PBF, é forçoso deduzir

que nesse programa, a ética capitalista reinventou a fome como déficit econômico na

lógica científica das políticas compensatórias de renda. Dessa forma, a

monetarização do bem estar nutricional – tal como a concepção de monetarização

do risco de agravos à saúde do trabalhador, com os adicionais remuneratórios de

insalubridade e periculosidade (BONIFACIO, 206) – passou a ser o foco central,

onde aquela modalidade de política compensatória com condicionalidades ganhou

status de medida primordial de combate à pobreza.

Nesse diapasão, a partir do entendimento de que a cobertura dos elegíveis de

políticas compensatórias de renda é um direito social, o que, grosso modo, implicaria

caráter incondicional, tem sido objeto de recorrentes polêmicas a legitimidade da

exigência coercitiva de contrapartidas dos beneficiários do PBF. Mais

especificamente, discute-se o quão legítimo é (ou não) condicionar a correspondente

transferência de dinheiro a obrigações (por responsabilidade legal) de assiduidade

escolar até a idade adolescente e de frequência do grupo materno-infantil a serviços

de saúde, ainda quando tais contrapartidas não são impostas a segmentos outros,

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também beneficiários de diferentes auxílios.

Ao tempo que a responsabilidade legal é apontada como postulado básico do

positivismo jurídico, essa mesma escola não reconhece a liberdade moral, corolário

da tese do livre arbítrio (MARQUES, 2008). Para tal premissa, no caso, não se trata

de punir alguém tido como moralmente irresponsável, mas titular do Direito à

Alimentação. Entende-se assim que a medida administrativa de excluir o benefício

da transferência de renda não tem propriamente caráter de sanção, mas, isto sim, de

um ato de defesa social; sendo, nesse ponto, injusta em relação aos que

descumprem as condicionalidades previstas no regulamento do PBF, e, por tal

fundamento, justa para a sociedade.

Mesmo admitindo-se as contrapartidas como ponto focal no desenho do PBF,

não nos parece razoável o entendimento que, a pretexto de propugnar pela melhora

da condição econômica (do grupo familiar à nação), prega o acerto da medida de

vincular a transferência de uma renda mínima à valoração (positivada com coerção)

da obrigação dos beneficiários (sabidamente vulneráveis) de acessar serviços

sociais inerentes à cidadania plena.

Tampouco convence a redução dessa discussão a uma mera questão de

projeção do custo social e econômico de crianças e adolescentes fora da escola ou

de mulheres sem assistência pré-natal que, na lógica desenvolvimentista,

invariavelmente seria suportado pelas famílias, a sociedade e o Estado. Na hipótese,

tem-se a configuração artificial de uma “indesejável” ameaça ao modelo de

qualidade de vida pautado no consumo, comprometendo sobremaneira o

crescimento econômico, via expansão de mercados, consoante o prescrito no ideário

neoliberal da globalização.

Em nossa compreensão, não deve prevalecer tal premissa do investimento na

formação de capital humano, inspirada no pensamento econômico neoliberal

(SCHULTZ, 1961), dado o absurdo que seria negar a necessária e continuada

responsabilidade estatal de proporcionar incondicionalmente o acesso a unidades de

saúde e escolas, bem como aos serviços de assistência social, ao cidadão titular de

direitos sociais fundamentais.

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Tal reconhecimento insere o risco e o perigo de os beneficiários da

transferência direta de renda, porque pobres, assumirem justamente essa “aparência

objetiva”, do modo proposto por Lukács (2003), como consciência falsa e invertida

da realidade – reificação, retroalimentando a condição de dependente do programa,

vale dizer, um "desejo de pobreza (ou acomodação) sustentada" (Op. cit., p. 197).

Para melhor compreensão, basta partirmos do discurso recorrente que se ouve dos

sujeitos que recebem dinheiro na modalidade Bolsa Família, do tipo: “recebo porque

sou pobre, se eu sair da pobreza, perco a bolsa” (BUARQUE, 2007, p. 8). Isso

porque o regulamento do PBF prevê a exclusão daquelas famílias capazes de

prover o seu sustento alimentar, monetarizado em valores per capita superiores ao

estabelecido para a inclusão nesse programa (BRASIL, 2005a).

É conhecido o caso da dona de casa paranaense, que mesmo sacrificada pela

burocracia estatal (a família esperou nove meses pela BF), virou celebridade

nacional por ter devolvido o cartão de benefício alegando que não era certo receber

o Bolsa Família porque seu marido já havia conseguido um novo emprego. Tal gesto

a fez receber carta de agradecimento do Presidente da República e até ganhou os

prêmios “Faz diferença”, e “Personalidade do ano de 2004”, onde foi destacada

como exemplo de solidariedade e ética. Todavia, aquela lição pública de cidadania

viria a se desdobrar em chacota para dezenas de vizinhos e moradores de Maringá,

que passaram a debochar e tratá-la com desdém (EXEMPLO, 2005; SODRÉ, 2005).

Fatos desta natureza sugerem a necessidade de investigar o cotidiano

daqueles beneficiários do PBF, oportunizando reflexões a partir do universo empírico

desse programa, interpretando significados da experiência humana em meio ao

horizonte de expectativas, respostas, consciência histórica e implicações políticas

das famílias envolvidas, motivadas em grande parte por promessas oficiais de

redenção social.

De tão profundas as desigualdades econômicas entre as famílias brasileiras,

a ponto de comprometer o acesso ao mínimo existencial da maioria das famílias, o

propósito de assegurar uma renda básica articulada à promoção da SAN –

distribuindo uma parte do orçamento federal com os pobres entre os mais pobres –

tem sido largamente aceito. Assim, a iniciativa do PBF é simpática, sobretudo,

porque focaliza famílias de menor renda, apontando para melhoria da condição de

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vida presente e, mais ainda, para um futuro redentor para as crianças e

adolescentes beneficiadas.

Contudo, conforme procuramos evidenciar, o PBF, posto seu caráter

meramente compensatório aos efeitos do ajuste estrutural que vulnera (no sentido

econômico do termo) a sociedade, não entra no mérito da complexa singularidade

do problema da miséria social e, muito menos, considera a produção subjetiva

inerente à condição humana de (in)segurança alimentar, centrando o foco em

abordagens fragmentadas da pobreza e da fome, na contramão de perspectivas

efetivamente emancipatórias, ao favorecer a trajetória oblíqua da acomodação sob a

égide da funcionalização da pobreza, tal como denunciado por Oliveira (2006).

Assim, as construções sócio-discursivas do PBF são basicamente dimensões

integrantes da luta pela hegemonia do poder, traduzindo ideias não restritas a uma

esfera cultural supostamente isolada, mas materializadas nas práticas sociais e nas

instituições em geral, particularmente no governo e seus fins políticos atrelados à

lógica econômica prevalente e ao poder.

Compreender tamanha complexidade, que envolve o sujeito de direito à

alimentação, demanda trabalho hermenêutico, o qual, sem a pretensão de se

esgotar no virtuosismo técnico ou em amarras ideológicas, requer procedimentos

qualitativos rigorosos e apropriados a uma aproximação da verdade, reivindicando-a

por vias de interpretação (PAREYSON, 2005).

Entendemos, por fim, que trabalho hermenêutico de tal ordem, deve incursionar

de e para a peculiar dimensão da intersubjetividade humana, questionando normas

e valores vigentes no mundo reificado. Para tanto, se faz necessário discutir a

opacidade do discurso dominante, sustentado pela idéia de uma sociedade sem

sujeitos, submetidas a determinismos de toda ordem, sobretudo econômica

(TOURAINE, 2009). Em processo de tal significação crítica, como prelecionam

Gadamer e Frucchon (2006), merece destaque o papel da consciência histórica no

processo compreensivo.

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9. A VOZ DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DO PBF

Em certo sentido toda pergunta é igualmente uma resposta, responde a uma necessidade. Sem uma tensão interna entre nossas expectativas de sentido e as concepções amplamente difundidas, e sem o interesse crítico nas opiniões dominantes, não existiria qualquer pergunta.

(Hans-Georg Gadamer)

9.1 Demandas de necessidades aos reconhecidamente pobres e a inflação de

alimentos

A insegurança alimentar grave no Ceará, medida pelo IBGE em 2010,

corresponde a 10,3%, significando mais que o dobro do verificado no Brasil e no

mesmo período (5,0%)25. Nesse cenário de pobreza, as entrevista realizadas junto a

mulheres-mães de beneficiárias do PBF em Sobral revelam algumas das faces da

insegurança alimentar local, mitigadas pela renda transferida no programa.

Tem muitas famílias que não têm muito que fazer. Não têm muito de onde tirar. Tem dia que a gente chega na casa – é dez horas, dez e meia – a pessoa não tem nem colocado o feijão no fogo e muitas delas as vezem tem vergonha. Aquelas famílias, são muitas, tem vergonha de dizer que naquele dia ela tão tem o que botar no fogo.

METIS

Tem mãe que não tem nada pra comer, mas chega aquele mês, aquele dia do Bolsa Família que a gente recebe, então a gente compra, dá pra fazer um bom mercantil. E ai o pai vai se virando, arrumando um biscate, pra trabalhar, e a mãe se vira também.

ELPIS

Tem dias que tem, tem dias que não tem. Hoje não tem, mas minha vó recebeu o ganho dela e estão tudim lá (4 filhos), porque eu só recebo o Bolsa família dia 31 (entrevista realizada dia 25).

PÊNIA

Do ponto de vista da estrutura econômica, a pobreza é considerada uma

25

Disponível em: <http://www.mds.gov.br/brasilsemmiseria/brasil-carinhoso>. Acesso em 21 jul. 2013.

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condição na qual vivem aqueles com renda inferior ao mínimo necessário para cobrir

os gastos inerentes à vida em um mundo capitalista. Por outro lado, a linha da

miséria (indigência ou extrema pobreza) representa o limite, abaixo do qual não se

ganha o suficiente sequer para garantir aquela que é a mais básica das

necessidades: a alimentação (GOMES; PEREIRA, 2005).

Monteiro (2003) observou que no ano de lançamento do Bolsa Família já se

fazia notar no Brasil o impacto do implemento de programas de transferência direta e

condicionada de renda às famílias reconhecidamente pobres na redução dos

indicadores de desnutrição, e que, do mesmo modo, o combate à fome ataca a

pobreza.

Em meados dos anos 1990, Suplicy e Buarque (1997) fundamentaram a

necessidade de empreender no Brasil um programa de garantia de renda mínima

por inspiração no preceito aristotélico de que para alcançar a justiça política se faz

necessário primeiro promover a justiça distributiva. Nesse diapasão, os autores se

reportam a uma espécie de bandeira de luta contida na crítica de Karl Marx ao

Programa de Gotha, em carta escrita em 1875: "De cada um de acordo com sua

capacidade, a cada um de acordo com a sua necessidade!" (Op. cit., p. 80).

Ao longo dos últimos 60 anos, modelos de crescimento econômico clássico

(voltados às necessidades de consumo e acumulação capitalista) vêm apontando

para a óbvia associação entre problemas nutricionais e a baixa renda. No afã da

busca do desenvolvimento nacional procura-se identificar variáveis ligadas à inclusão

social, de populações vulneráveis. Contudo, ao longo da história, os governos vêm

demonstrando não apenas desconhecer características dessas pessoas em situação

de pobreza material (foco preferência da proteção social) que possam ser

modificadas por políticas específicas a elas orientadas (CASTRO, 1946; SAMPAIO,

1979).

Na realidade, a despeito da importância do fomento ao crescimento

sustentado da economia, para erradicação da pobreza no Brasil faz-se necessário

políticas públicas que priorizem a redução da desigualdade social (BARROS;

HENRIQUES; MENDONÇA, 2000).

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191

Posto a fragmentação da intervenção na vertente da transferência direta de

renda (simplificação que não faz jus a natureza polissêmica da questão alimentar e

nutricional), os governos “não conseguem operacionalizar uma concepção ampliada

de pobreza” (AZEVEDO; BURLANDY, 2010, p. 207), que remete aos princípios da

dignidade e igualdade da pessoa humana, reclamados nas entrevistas.

Quando eu falo em pobreza não é assim o negocio de carro, moto, de luxo, falo da chance que uma pessoa mais ou menos tem de chegar num canto, por exemplo, uma consulta, uma pessoa de mais recursos vai e marca; mas o pobre, na mesma hora, ouve que não tem vaga hoje, venha daqui a um mês. (pausa de 4 segundo) Eu não acho certo isso! (pausa de 4 segundo). Por que eu penso que todo mundo é igual. Não importa se é aquela pessoa que tem isso, que tem aquilo.

TÊMIS

Acho que (minha família foi incluída no PBF) pela necessidade, a carência (pausa). O pessoal, a gente né, pela pessoa que é pobre né... Pobre no sentido assim, de não ter muito recurso, nem trabalho (...) de não ser respeitada como pessoa, tratada com indiferença.

ÍRIS

Mesmo reconhecendo-se o mérito da abordagem quantitativa da pobreza, um

olhar atento na versão de uma dona de casa sobralense, que demonstra conhecer de

perto a luta pela sobrevivência em face do enfretamento de distintos níveis de

privação material, ajuda a compreender a experiência de pobreza extrema em sua

implicação com a alimentação e nutrição do grupo familiar.

Pobreza pra mim é a pessoa que não tem um trabalho, que não tem uma renda, que não tem como se virar pra ter uma alimentação. Extrema pobreza eu acho que é quando uma família se encontra dentro de casa e que nenhum tem uma renda, nem pra alimentação, vive assim de fazer um biscate aqui outro acolá pra sobreviver. Tem deles que não tem nem condições de arrumar um biscate, vivem só na mãos dos outros.

ADASTREIA

Mas sobre a pobreza, acho que só a pessoa não ter onde morar eu acho que é a pior pobreza, porque trabalhar para arranjar o que comer, a gente estando com saúde, a gente trabalha e arranja.

FEBE

No sentido material, a casa própria foi apontada como o principal desejo a ser

alcançado na perspectiva de superar a condição de pobreza. No mesmo sentido,

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Dias e Silva (2009) também evidenciaram a importância da casa própria como

elemento definidor da condição de pobreza.

Só sei que quando eu sair do aluguel é que vou me sentir livre dessa vida de pobreza. É muito duro pagar sem comer nem beber.

ÉRIS O que eu gostaria de realizar até pra mim e eles mesmo, que eu tenho vontade é ter uma casa.

TÊMIS

A formulação de intervenções adequadas a cada contexto de insegurança

alimentar e nutricional não pode prescindir de uma compreensão da lógica

subjacente à utilização intrafamiliar de recursos e às escolhas alimentares,

principalmente em razão do fato de que os perfis de consumo refletem aspectos

simbólicos e fatores como praticidade e tempo de preparo de alimentos, superando

preceitos estritamente nutricionais ou econômicos (BURLANDY, 2007).

Meus filhos são assim, eles não são muito comedores, o negócio deles é coisa assim: danone, suco, fruta; comida assim como a gente come eles comem muito pouco. Eles são muito ruim pra comer, eles se alimentam mais é com mingau, Nutrilon, Nescau. Exatamente as coisas mais caras, comem maça.

EUFROSINA Porque o que eu mais compro pra minhas filhas é uma fruta, também, se faltar, compro o caderno, mas não compro roupa com esse dinheiro.

FEBE

Com o Bolsa Família a alimentação aqui em casa mudou muito. O que eu não podia comprar agora eu posso. Quando eu recebo o dinheiro eu compro uma fruta melhor para eles (os filhos).

ELPIS

A ênfase à compra de frutas com a renda extra do Bolsa Família, expressa no

discurso das entrevistadas, embora aponte para a satisfação das preferências de

seus filhos, tal como observado por Menezes e Santarelli (2008), Saldiva et al (2010)

e Cotta e Machado (2013), opõe-se aos achados, dos mesmos autores, no que

concerne a verificação de consumo relativamente insuficiente de vegetais em

contrapartida ao de alimentos de alta densidade calórica. Cumpre ressalvar que,

nesse caso, a literatura apontada é coerente com os dados das pesquisas nacionais

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de orçamento familiar, realizadas pelo IBGE nos biênios 2002-2003 e 2008-2009,

com base na disponibilidade domiciliar de alimentos (BRASIL, 2004a; 2010c).

As entrevistadas, confirmando com diversas outras observações empíricas

(DUARTE et al., 2009; SALDIVA et al., 2010; ÁVILA, 2011; PINZANI; REGO, 2013),

afirmam que com o dinheiro do Bolsa Família priorizam basicamente a compra de

alimentos, sobretudo para os filhos.

Eu compro de tudo com o dinheiro dos bicos que eu faço, mas o Bolsa Família eu só emprego na comida aqui em casa.

FEBE

O Bolsa Família vai para a necessidade, a precisão que a criança tem. (...) A necessidade que eu compro pra eles assim é alimento, compro alimento: arroz, feijão e o tempero (ou) mistura (carnes) que eles necessitam todo dia, e a merenda de 9 horas da manhã e a tarde.

TÊMIS Do dinheiro do Bolsa Família eu compro as coisas para as minhas filhas, eu nunca comprei com isso aquilo, nunca estraguei com nada assim que me interessasse, só com aquelas coisa que eu preciso para o comer delas

DEMETER

Mesmo reconhecendo-se a importância do PBF em proporcionar alimentos e

outros mínimos essenciais em matéria de consumo, sabe-se que esse programa não

promove a superação estrutural da pobreza e da fome (ou outras expressões de

insegurança alimentar/nutricional). Na realidade, a gênese dessa problemática está

indissociavelmente relacionada à concepção de desenvolvimentista do sistema

capitalista, que aprofunda a desigualdade e vulnera os de menor renda, situação

essa severamente agravada pela inflação atual dos alimentos. Nesse prisma a

superação da miséria social da fome supõe, entre outras medidas, maior sinergia das

políticas sociais com as políticas macroeconômicas consentâneas à geração de

emprego e renda. Para tanto, é preciso romper com a lógica de intervenção residual

do Estado na questão social (OLIVEIRA, 2012; SOUSA, 2012).

Uma vida livre de medo é um dos pré-condições para segurança

alimentar/nutricional, como também diz respeito ao direito social à segurança (ao

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lado do direito social à alimentação), mas que parece distante na experiência de vida

de algumas das entrevistadas.

O que tá acontecendo é violência e a gente tem medo. Eu que já tenho um filho no mundo da droga, a gente sofre.

PÊNIA

Eu acho muito natural uma criança querer um brinquedo para brincar assim de qualquer coisa (uma vez um chegou pra mim e pediu um videogame), porque (para) muitas crianças de 7, 10, 6 anos lá fora o brinquedo que tem é uma arma de verdade, uma arma que mata!

TÊMIS

A análise do contexto atual de insegurança alimentar/nutricional no Brasil não

pode prescindir de considerar os avanços sensíveis nos indicadores de inflação de

alimentos e, pior, a economia dá sinais de que a variação nos custos da alimentação

seja algo estrutural, capaz, inclusive, de impactar ainda mais no longo prazo

(SOUSA, 2012). O fato é que salta aos olhos o aumento recente nos preços dos

alimentos de primeira necessidade, desafiando a política de metas do governo e

vulnerando ainda mais as famílias de baixa renda, algo que as entrevistadas – como

verificado nos anos 1970 e 1980 – identificam como “carestia”.

Gostaria de comprar mais frutas para alimentação de minhas filhas, mas com a carestia que tá não dá, pois o dinheiro do Bolsa Família é pouco, só vem por mês e acaba em dois dias, mas fruta tem de comprar é todo dia. (grifo nosso)

ADASTREIA

Tá faltando ter mais condições de comprar o que elas precisam. As coisas tão muito caras, um quilo de feijão ou farinha é 7,50 (reais). (grifo nosso)

FEBE

Antes as coisas eram mais baratas, Hoje a gente pega nas coisas e é num sei quanto, uma carestia, mas tem que comprar, tem de comer sempre. (grifo nosso)

DEMETER

Na realidade o valor real do Bolsa Família não vem acompanhando a variação

da inflação. Durante os dez anos de existência do programa o benefício acumulou

um reajuste de 40% ao passo que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor

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(INPC) para o mesmo período correspondeu a 52%. Considerando-se ainda que a

inflação de alimentos teve um expressivo peso nesse índice, pode-se inferir que

“cada vez menos alimentos cabem no Bolsa Família”. No caso do Rio de Janeiro, no

mesmo intervalo de tempo, a alta da cesta básica foi de 107%, conforme dados do

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) (BARROS,

2013).

Da situação que nós estamos, as coisas subindo, ficando mais difícil, acho que família nenhuma sem o Bolsa Escola (Bolsa Família) não vai ter jeito não, tem que ter ajuda.

ELPIS

A família que diz que vive só do Bolsa Família (...) tá mentindo. Se fosse só isso eu tenho certeza que a gente tava com um saquinho no meio da rua pedindo.

HERA

Sem dúvidas a inflação de alimentos, que limita o aporte de nutrientes às

famílias mais empobrecidas, está fortemente relacionada às tensões dos mercados

(RICARDO e CLARO, 2012). Entretanto, talvez mais grave à dinâmica

socioeconômica seja o fenômeno da “inflação nutricional”, conforme adverte Pollan

(2008) – com base em estudos de Still Halweil26 junto à competitiva agroindústria dos

Estados Unidos – ao denunciar um viés na relação ecológica homem/alimento, algo

que ele situa no âmbito nutricional por analogia ao desequilíbrio inflacionário. Na

hipótese, trata-se de uma redução significante da qualidade nutritiva da alimentação

humana em razão de uma série de ações obstinadas do homem, com emprego da

sofisticação tecnológica, para imprimir ganhos de produtividade. Por efeito, cumpre

ao homem comer maior quantidade de alimentos (com cada vez menos

micronutrientes) para suprir suas demandas nutricionais, algo absolutamente

pertinente aos interesses do mercado.

26

In: HALWEIL, B. Still. No Free Lunch: Nutrient levels in U.S. food supply eroded by pursuit of high yields. The Organic Center, Washington, p 1-6, 2007. Disponível em: <http://www.organicagcentre.ca/Docs/OrganicCenterUSA/Still_No_Free_Lunch_sept07.pdf> Acesso em: 12 de jun. 2013.

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196

9.2 A dimensão econômica da pobreza, planos de governo federal e o cadastro

único de programas sociais.

Em maio de 2012, ao anunciar a prioridade de superação da extrema pobreza,

a presidente Dilma criou – como parte do Plano Brasil sem Miséria – um benefício

extra aos inscritos no Bolsa Família, com vistas a assegurar que a renda per capita

mensal em cada unidade familiar supere o valor de R$ 70,00. Todavia, em um

primeiro momento, tal ganho adicional ficou restrito à primeira infância, sob o

fundamento de ampliar a oferta da educação infantil. Assim, foram inicialmente

contempladas apenas as famílias com crianças de até seis anos de idade (BRASIL,

2012e).

Ouvi dizer que ia ter aumento (para as famílias com crianças) de zero até dois ou seis anos, só que não veio aumento ainda. Eu queria um aumento porque R$ 134 é pouco.

IRENE

Na televisão a Dilma falou que ia ter um aumento das crianças do Bolsa Escola, e até agora, com dois filhos, nunca recebi o aumento.

EUFROSINA

Na sequência, o governo federal ampliou, a partir de março de 2013, de seis

para quinze anos a idade para concessão daquele aporte de dinheiro (mantendo-se,

cumulativamente, a exigência de renda per capita declarada menor que R$ 70,00)

(BRASIL, 2013c). Sendo assim, cresceu significativamente a quantidade de unidades

familiares beneficiárias do PBF elegíveis ao recebimento do benefício financeiro para

superação da extrema pobreza. Na exposição de motivos ao Congresso Nacional da

norma que criou esse direito-dever27, subscrita por cinco ministros, é estimado que

27

“A medida ora apresentada a Vossa Excelência tem como objetivo eliminar a principal característica da extrema pobreza no Brasil, que é o fato de atingir desproporcionalmente as crianças e adolescentes de até quinze anos de idade (...). De 2,21 milhões de famílias que, estima-se, receberiam o benefício de superação da extrema pobreza na primeira infância em dezembro de 2012, saltar-se-ia para um número de aproximadamente 3,88 milhões de famílias, com a implementação da nova medida. (...) Estima-se que o custo do benefício ampliado seja de três bilhões e novecentos e sessenta milhões de reais por ano.” (exposição de motivos da medida provisória nº 570, de 14 de maio de 2012; posteriormente convertida na Lei nº 12.722, de 3 de outubro de 2012).

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com o seu implemento a extrema pobreza deva diminuir em 54,8% no Brasil (Op.

cit.).

Assim, a existência de mais ou menos pobres – considerando-se a dimensão

do acesso a bens materiais – em sentido amplo ou estrito (extrema pobreza) é

também, como na física newtoniana, uma questão pertinente ao referencial adotado.

De certo, mexer com os números a reboque da objetividade matemática, interessante

às conveniências políticas dos governantes de plantão, tem, por evidente, o condão

de impactar nas estatísticas oficiais, a exemplo dos números que supostamente

apontam a redenção socioeconômica daqueles antes considerados miseráveis

porque, dado o recorte econômico por decisão (ou seria dissimulação?) política,

estavam situados abaixo da linha de pobreza.

A prioridade de governo ao enfretamento da extrema pobreza, no sentido

estritamente econômico do termo, é coerente com a abordagem focalizada através

de programas de transferência de renda. Todavia, a definição política nesse sentido,

implica na preterição do movimento pelo enfoque universal dos direitos sociais

(SOUZA et al., 2013).

A propósito da decisão política que define quem seja pobre no foco da

transferência direta de renda do Bolsa Família, o governo federal estabeleceu há

algum tempo, no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, que as famílias em situação de

pobreza deveriam ter renda per capita de até R$ 100,00 (BRASIL, 2004b), ao passo

que para o PPA atual (2012-2015) pobres são aquelas famílias com renda inferior a

R$ 140,00 (BRASIL, 2011b).

Tomando-se como referência janeiro de 2004, mês cuja renda per capita de

corte para delimitar a pobreza fora estabelecida em R$ 100,00, verifica-se que esse

valor nominal, monetariamente atualizado para junho de 2013, corresponde a R$

175,0228. Tal variação representa uma defasagem relativa de 25%, significando, por

conseguinte, que as famílias cuja renda média por pessoa estiver no intervalo entre

R$ 140 e 175, na lógica atual do governo, não são consideradas pobres atualmente,

mas seriam se essas cifras fossem ajustadas para o correspondente monetário de

9,5 anos atrás. Dai a dizer que temos menos pobres, há uma grade diferença. 28

Cálculo realizado com base na planilha eletrônica disponível em http://drcalc.net/

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Voltando novamente no tempo, no PPA 2000-2003, intitulado “Avança Brasil”,

o governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso (em segundo mandato)

já assumia como meta a construção de um modelo de desenvolvimento voltado ao

atendimento das necessidades básicas do cidadão, projetando uma “melhor

distribuição dos frutos do crescimento econômico entre os brasileiros.” (BRASIL,

2008, p.13). Nessa linha, ficou estabelecida uma série de metas e objetivos

norteadores de políticas públicas compensatórias, com destaque para os programas

de transferência de renda associados a um conjunto de diretrizes estratégicas, dentre

as quais: combater a fome e reduzir a mortalidade infantil (BRASIL, 1999). Até junho

de 2002, conforme dados do CadÚnico, o governo federal havia incluído 8,6 milhões

de crianças no Bolsa Escola, o que corresponderia a 5,1 milhões de famílias

residentes em 5.536 municípios brasileiros (99,55%) (BRASIL, 2008).

Em Sobral, o lançamento de dados das famílias no CadÚnico29 foi iniciado em

outubro de 2001 com foco nos beneficiário do Programa Bolsa-Renda30, do

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)31. Em maio de 2002, surgiu a

demanda do Programa Bolsa-Alimentação32, inicialmente contempladas apenas as

famílias com crianças menores de seis anos e, cumulativamente, identificadas com

“algum grau de desnutrição”. Posteriormente, acabou essa última exigência,

passando a admitir-se a inclusão de todas as famílias com crianças em idade pré-

escolar (MESQUITA, 2010).

A minha família foi incluída no Bolsa Escola lá em 2002 por causa que eles (atendimento do CadÚnico no município) acharam que eu era assim... como se diz... eu era tipo assim de família carente, necessitava mesmo, porque (...) não tinha uma renda certa.

ADASTREIA

29

Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal é um banco de dados nacionalmente integrado, que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, entendidas como aquelas com ganho mensal de até meio salário mínimo per capita ou cujo somatório das rendas de todos os membros da família é inferior a três salários mínimos.

30 Instituído pelo governo federal em 2002 para atender aos agricultores familiares atingidos pelos

efeitos da estiagem, residentes nos Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência. 31

Criado pelo governo Federal em 1996, inicialmente como o nome de Programa Vale Cidadania (sic.), posteriormente denominado PETI (atualmente vigente) com vista a eliminar qualquer forma de trabalho infantil. 32

Instituído pelo governo federal em 2001 com o propósito de melhorar as condições de saúde e nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de seis meses a seis anos e onze meses de idade, através da complementação da renda familiar para melhoria da alimentação.

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A partir de novembro de 2003, foi processado no CadÚnico em Sobral o

recadastramento das famílias que recebiam Bolsa-Escola, agora ampliando o público

de beneficiário para todas as crianças de 6 a 15 anos matriculadas nas escolas que

compõem as três redes de ensino de Sobral. No ano seguinte, nos meses de

setembro e outubro, o município processou a atualização dos dados das unidades

familiares beneficiárias dos programas de transferência direta de renda então

existentes no sentido de operacionalizar a unificação na forma do cartão do Bolsa

Família (MESQUITA, 2010).

Disseram que no posto tava colocando o nome para ganhar o Bolsa Alimentação, lembro que primeiramente era Bolsa Alimentação. Fiquei esperando dois meses para poder receber o cartão. Quando chegou o dia, foi um mês 30 e 15 reais no outro. (...) depois tiraram o Bolsa Alimentação e botaram o Bolsa Família. (grifos nossos)

ÍRIS

Ao incorporar o Bolsa Escola e outros programas de transferência direta de

renda focalizados na pobreza, a exemplo do Vale Gás – e, nesse prisma voltados a

promoção do capital humano – o PBF manteve a exigência de garantir a presença

da criança na escola como contrapartida do grupo familiar para a continuidade do

aporte mensal em dinheiro.

Ressalte-se que o processo de unificação de quatro programas federais (Bolsa

Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil) na forma do Bolsa Família foi, em um primeiro momento, projetado para

acontecer até o fim de 2005, prazo esse posteriormente estendido para dezembro de

2006.

Contudo, passados quase dez anos desde a edição da Medida Provisória

132, de 20 de outubro 2003 que redenominou o Bolsa Escola – agregando o Auxílio

Gás e o Bolsa Alimentação – para Bolsa Família (BRASIL, 2003a), seguida da

reprodução de cartões eletrônicos com a logomarca do novo (embora em sua maior

parte velho) programa, o Bolsa Escola continuo vivo na memória dos beneficiários.

Antigamente eu conhecia como Bolsa Escola, até hoje eu só conheço como Bolsa Escola. Bem, dá época que eu sou cadastrada é de 2003, eu comecei receber um mês sim e outro não... Chegou o cartão azul, o Vale

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200

Gás, foi aumentado quando eu cadastrei minha neném, e eu continuo recebendo. (grifos nossos)

EUFROSINA

Hoje o Bolsa Escola é uma ajuda que pras pessoas que não tem condição, e é muita gente!

ELPIS

Antes do Bolsa Escola eu dependia da minha vó, ela que me assumia, eu e meu menino (que nasceu em 1998). Ela dava leite, frauda descartável... Eu vivia do aposento dela (...) Nesse tempo o pai dele, que vivia naquela vida (crime), não mandava nada, só vivia preso!

IRENE

9.3 Dignidade e autonomia da pessoa humana em face da superação da

pobreza

O condicionamento social do homem pelas circunstâncias, de que nos fala

Marx e Engels (1999) e Gramsci (2005) não significa, como esclarecem os mesmos

autores, ter uma relação passiva com o preexistente, adaptar-se ou conformar-se ao

dado. Nesse prisma, o homem é, sobretudo, um ser de criação, em busca da

conquista de sua liberdade, protagonizando um movimento histórico tendente à sua

emancipação.

Aliás, considerado o homem no contexto de sua história e racionalidade,

torna-se possível compreender a indicação da trajetória de primazia do sujeito como

a conquista de sua emancipação, em sentido amplo, posto que uma vez investido de

poder (empowerment) esse mesmo homem se reconhece capaz de contestar a

ordem social que aliena e daí assumir o protagonismo da transformação de si e do

contexto de vida a ele relacionado.

Contudo, ser reconhecido como uma pessoa pressupõe a construção da

dignidade como autonomia (Beyleveld e Brownsword, 2002). Nesse sentido, a

primeira questão relacionada à dignidade humana é a do empowerment, assumida

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201

(nos limites desse trabalho), sobretudo, como autodeterminação da pessoa humana

em sociedade, e nessa acepção, titular de eventual direito de auxílio e assistência

para assegurar as condições objetivas ao bem viver, tais como a segurança

alimentar/nutricional. Posto isso, o reconhecimento da dimensão material da

dignidade humana passa pela compreensão de que se faz necessária a

concretização de uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada como pré-

requisito material de nossa existência com dignidade.

É razoável inferir que seria pouco provável a conciliação de diferentes pontos

de vista sobre o que se entende como pobreza em um único conceito. Também por

isso é impensável um consenso em torno do perfil de quem deva ser reconhecido

como beneficiário de uma política voltada à combatê-la. O primeiro governo Lula, por

exemplo, adotou a fome como o critério de pobreza extrema, tomando aqueles tidos

como incapazes, por recorte econômico, de assegurar a sua própria subsistência

alimentar como foco para transferência de benefício na forma de uma política

compensatória de renda (STOTZ, 2005; BETTO, 2004).

Porém, o enfoque de uma política social não deve ser reduzido aos serviços

realizados pelo Estado, visto que iniciativas nesse campo envolvem um amplo

conjunto de meios e canais (administrativos, jurídicos e políticos) relacionados à

positivação dos direitos de cidadania e à prevalência dos interesses sociais coletivos

e individuais indisponíveis, tal como a participação social através de mecanismos de

controle externo no sentido da promoção da segurança alimentar/nutricional.

Contudo, a perspectiva ampliada de política social na ótica das sociedades

capitalistas, longe do propósito altruísta para com o bem viver e para com a

igualdade social, é, sobretudo, um campo de permanente tensão e oposicionalidade,

por vezes confusão, envolvendo o entrelaçamento entre interesses públicos e

privados. Nesse contexto dialético destacam-se lutas em favor da exigibilidade dos

direitos coletivos acompanhadas, em outro polo, do uso instrumental do Estado em

benefício de uma ordem econômica comprometida com a reprodução das

desigualdades sociais e da pobreza material (ALGEBAILE, 2005).

Sabe-se, entretanto, que a pobreza, uma vez notabilizada pela não realização

pessoal do modo de vida alcançado por uma coletividade humana em um dado

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202

momento histórico, constitui um fenômeno complexo e, ao mesmo tempo, um

sentimento de múltiplos sentidos. Em geral, a situação de pobreza daqueles que não

conseguem prover o próprio sustento (e de suas famílias) com o trabalho, suscita

obrigações da sociedade nação, norteadas pela concepção de cidadania plena e dos

direitos sociais.

A pobreza, considerada em sua complexidade, não se resolve simplesmente

através do PBF, por maior que seja o impacto econômico desse. Entretanto, no caso

das mulheres envolvidas como titulares do benefício, a transferência direta de renda

favorece mudanças sensíveis na moral (no sentido de dignidade), implicando em

reconhecimento social de sua capacidade financeira por força da conquista de certo

grau de liberdade e autonomia para com o gerenciamento das compras da família

(PINZANI; REGO, 2013), ainda que tal poder seja mitigado pelo pouco, embora

significante, dinheiro disponível.

O Bolsa Família não dá pra encher a barriga de uma criança o mês todo, aqueles R$ 134 não dá mesmo, mas pelo menos com esse pouco eu posso escolher o que trazer pra casa.

TÊMIS

Antes de eu receber o Bolsa Família era mais difícil, agora com esse trocadinho dá pra comprar uma calça, um caderno, uma chinelinha. (...) Mas tem de organizar, juntar o dinheiro pra ir comprando as coisas que as minhas filhas necessitam.

ÍRIS

Opondo discursos em contrário, as mulheres ouvidas anseiam muito além de

um mínimo de “ajuda” em dinheiro transferido a partir do governo (ou de quem quer

que seja), com regularidade mensal. Todas elas demonstraram convicção de

quererem com primazia um trabalho regular, melhor ainda, um emprego com carteira

assinada para não passar “necessidade” ou “precisão” – termos esses recorrentes

nas entrevistas, por referência a carências e privações (alimentares e outros bens

que o dinheiro pode comprar). Discursos esses análogos aos transcritos por Pinzani

e Rego (2013) ao estudarem, entre 2006 e 2011, o comportamento de mulheres a

partir do momento em que passaram a contar com o auxílio na forma do Bolsa

Família.

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203

No que concerne ao descompasso entre a condução das políticas públicas e

os anseios do cidadão brasileiro, cumpre destacar que no momento da produção

desse texto houve a efervescência, com muita força, de uma série mobilizações

sociais espontâneas e difusas pelo país, marcadas por um sentimento de pertença a

uma comunidade nacional. Muito embora, a consideração crítica de tal

acontecimento fuja em grade medida do escopo de nossa tese, entendemos

pertinente discuti-lo a seguir, como fenômeno historicamente situado e adstrito a

alguns dos temas e dimensões analíticas que circunscrevem esse trabalho.

9.4 Advocacy e a perplexidade com as mobilizações de junho de 2013

O movimento das ruas registrado em junho de 2012 no Brasil foi, inicialmente

pacífico, marcado pela insatisfação com o aumento dos preços e a baixa qualidade

dos transportes públicos, mas logo se estendeu para insatisfação com a insuficiência

de investimentos em setores essenciais ao bem viver, tais como: mobilidade urbana,

segurança pública, saúde coletiva e educação. Foi inclusive alvo de protestos a

inversão de prioridades materializada em gastos financeiros vultosos junto à FIFA

(Federação Internacional de Futebol) e o COI (Comitê Olímpico Internacional) para

realização de espetáculos mundiais do esporte. No entanto, logo as mobilizações

foram potencializadas e multiplicadas (a moda de um genuíno “efeito dominó”) em

decorrência do despreparo e da truculência de muitos dos agentes de segurança do

Estado33 no trato com aqueles que expressam abertamente seu desalento com a má

gestão de recursos públicos.

Acossados pelas mobilizações das ruas, os membros do Senado e a Câmara

Federal se apressaram em votações simbólicas, para enfim aprovar, com a urgência

que demanda a pressão popular, reivindicações históricas adormecidas em

diferentes comissões das duas casas, tais como: (1) a destinação da receita da

exploração de petróleo do pré-sal para educação (75%), saúde (25%), (2) a

tipificação da corrupção como crime hediondo, e o (3) fim do voto secreto para

33

Os acontecimentos de 2013 podem ser tomados por analogia ao que se verificou no Brasil dos anos 1980 quando da reação violenta das Polícias Militares e do Exército às marchas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), visto que, ao invés de inibir, a reação do Estado na realidade favoreceu o fortalecimento da mobilização.

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204

cassação de mandato (JUNGBLUT, 2013; BRITO; ÁLVARES, 2013; MATTOS,

2013).

Foi notável nesse processo de luta a perplexidade dos agentes políticos

(titulares de mandato) com a demonstração de poder dos manifestantes (articulados

através de redes sociais na internet) ao conclamarem que não se reconhecem

representados por tais detentores de cargos eletivos, ao tempo em que questionam o

mérito da condução política por meio das “instituições democráticas”. Assim, o povo

nas ruas contesta duas teses clássicas do pensamento liberal: “soberania popular

apurada em sufrágio universal e partidos políticos como meio de institucionalizar e

canalizar a vontade política do povo” (MACEDO, 1997 p. 24).

Nesse ambiente de tensão e incertezas políticas com o rumo dos

acontecimentos puxados pelas mobilizações, o governo e seus agentes procuram

ajustar suas práticas, iniciando por responder as pressões com discursos e gestos

habilmente formulados por profissionais de marketing34. Nesse particular, é

pertinente a ponderação de Dias (2011) ao sustentar que a essência do objetivo do

marketing político residiria na falsificação das vontades.

O contexto provocado pelo movimento das ruas foi, em seu primeiro momento,

particularmente propício ao emprego de mecanismos de democracia direta, como o

plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis e planos de governo. Nesse giro,

cumpre ao povo protagonizar, diretamente, uma reforma política capaz de mudar a

lógica perversa do toma lá da cá, sustentada por óbvios mecanismos de corrupção,

que notabilizam a “base parlamentar” no Congresso Nacional adstrita à estrutura de

um “governo de coalização”, em nome do paradigma da “governabilidade”.

A coalizão em favor da governabilidade – conforme a base lógica do sistema

eleitoral brasileiro – é retroalimentada por uma ampla maioria de eleitores que

entendem os parlamentares eleitos como meros intermediários de favores pessoais

perante o (todo poderoso) Executivo. O voto no candidato ao legislativo em troca de

favores pessoais é a ponta de uma cadeia na qual os eleitos buscam barganhar

cargos e dinheiro público para cooptar o apoio de seus eleitores. Nesse cenário

34

A presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, teria recorrido ao marqueteiro baiano João Santana para elaborar e, posteriormente, analisar o posicionamento dela sobre as manifestações pelo país (DILMA, 2013c).

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político-eleitoral permeado de vicissitudes, como adverte Carvalho (2011), “cria-se

uma esquizofrenia política, os eleitores desprezam os políticos, mas continuam

votando neles na esperança de benefícios pessoais”.

Por outro lado, visto o preceito da legalidade na base dos programas de

governo, conforme mandamento constitucional, não é ocioso observar que nenhuma

das beneficiárias do PBF entrevistadas recorda o nome do legislador (deputado

federal ou senador) por ela votado nas últimas eleições. Sem embargo, com uma

única exceção, todas as outras mantinham vivo na memória o nome votado para

Presidente da República no mesmo pleito. A presença na memória somente do voto

para a chefia do executivo reforça a tese que indica a maior importância atribuída a

esse cargo, muito provavelmente por força da hipertrofia do poder executivo no

modelo político-administrativo brasileiro.

Muito embora o modelo de sistema representativo remonte à doutrina de

tripartição de poderes no século XVIII – no âmbito da teoria geral do Estado

desenvolvida por Montesquieu (2000), na obra O Espírito das Leis (1748) – a

concepção de harmonia e independência entre o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário, presente naquele conjunto de princípios liberais, está distante de ser

realidade no Brasil contemporâneo, bem assim nos países que adotaram diferentes

variações do mesmo desenho de estrutura política.

No caso da configuração política do modelo brasileiro de Estado democrático

de direito, a própria Constituição Federal – ao tempo que estabelece direitos sociais

como alimentação e assistência aos desamparados – define os limites e

possibilidades da pactuação federativa: União, Estado e Município. Tem-se então um

ambiente político-normativo fértil ao fortalecimento de programas de caráter nacional,

a exemplo do Bolsa Família.

Sabe-se, entretanto, que o Bolsa Família não é uma política de Estado, mas

um programa de governo, e como tal, a dinâmica de seu implemento está sujeita à

análise de conveniência e oportunidade dos representantes eleitos para o exercício

do poder executivo. Pode inclusive cessar a transferência de dinheiro sem aviso

prévio aos interessados. A propósito dessa última possibilidade, as beneficiárias do

Bolsa Família entrevistadas, ao serem provocadas sobre o que fariam no caso, muito

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206

embora concluindo que daí em diante precisariam trabalhar mais tempo ou buscar

outra fonte de recurso, em breve síntese, responderam: “nada”, denotando uma

maior aproximação com a compreensão do benefício como uma concessão do

Estado, da qual constituem o polo passivo.

Eu ia sofrer, ia sofrer (visivelmente constrangida) porque que eu ia sofrer? Porque eu tava comprando as coisas para minhas filhas e diminuiu. Eu ia ter que trabalhar mais ainda.

FEBE

Eu não faria nada, eu ficaria satisfeita do mesmo jeito de quando eu recebi. Eu não ia brigar com o pessoal lá em Brasília. Mas também eu ficaria triste, mas tranquila, daí a gente iria correr atrás de outro recurso, a gente não vai esmorecer não.

ÍRIS Ai... O que eu faria? (pausa de 3 segundos) entregaria a Deus! Não podia fazer nada. Porque Deus tinha me dado até aquele tempo todim (pausa de 4 segundos). Ai eu agradeci muito até hoje, até o dia que eu receba.

ELPIS

Cumpre assinalar que depois de onze entrevistas já realizadas, ao ouvirmos

da última entrevistada a afirmação de que “[...] tinha que aceitar numa boa. A gente

não faria nada” (caso o PBF acabasse hoje), interrogamos “será que não?”, tendo

obtido uma resposta nos seguintes termos:

Não (pausa de 3 segundos), a não ser que o povo se reunisse, um grupo de mães e corresse atrás do direito dos nossos filhos...

HERA

A rigor não é possível afirmar ou negar que a fala acima mencionada reflita a

percepção do conjunto das mulheres entrevistadas, nem tão pouco que seja uma

opinião isolada, visto que provocação e resposta nesse sentido apareceram no

momento final do trabalho de campo, portanto, inconcluso nesse estudo em termos

de saturação teórica.

Tratando-se de um estudo historicamente situado, cumpre consignar, que

cerca de um mês antes das mobilizações supramencionadas (iniciadas em junho de

2013) o país foi surpreendido – em um fim de semana, 18 e 19 de maio – com a

mobilização de grandes contingentes de beneficiários e muita confusão nas agências

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e postos de atendimento da Caixa Econômica Federal dos estados de Alagoas,

Amazonas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio de Janeiro. Também nesse caso,

houve perplexidade das autoridades governamentais, porém dessa vez, o movimento

não se coadunava com ativismo por transformações políticas. A corrida aos caixas

eletrônicos teria sido motivada por boatos (de origem desconhecida) do tipo: "a

história que chegou pra mim é que até a meia-noite de hoje quem não receber o

dinheiro da bolsa não receberá mais. Falaram isso quando eu estava em casa e eu

vim correndo pra cá"35 (BOATO, 2013).

Criou-se uma situação de instabilidade, uma verdadeira comoção em diversos

postos de atendimento da Caixa Econômica Federal (CEF). Vozes do governo

responsabilizaram a oposição, a política federal entrou em campo, e, em meio às

interrogações, os dirigentes da CEF admitiram que o fato de ter havido uma

antecipação do pagamento dos benefícios (segundo o banco, por força de uma

mudança operacional) deve ter sido a causa primeira da corrida para o saque de

dinheiro do PBF (CAIXA, 2013). Por seu turno, a Presidenta da República, logo se

apressou para desfazer os boatos: “[...] Queria deixar claro que o compromisso do

meu governo com o Bolsa Família é forte, profundo e definitivo” (DILMA, 2013b, grifo

nosso).

Ficou evidente nesse episódio o quão sensível é a questão do pagamento

regular do benefício do PBF para a estabilidade (ou não) da hegemonia política do

governo no contexto da conjuntura nacional. Portanto, a julgar pela fala da

presidenta, mesmo a necessidade de medidas de ajustes fiscal que apontem para o

contingenciamento de gastos públicos (como ocorre a cada ano) não deve afetar a

transferência direta de dinheiro para os pobres, justamente a maior proporção de

eleitores do país.

35

Tivemos a oportunidade de observar, pessoalmente, centenas de pessoas que se amontoavam em uma agência bancária de Fortaleza, no bairro Messejana, por volta de 23h30min de sábado (20/05/2013) procurando sacar o benefício, apressadas para fazê-lo até meia noite. Na ocasião ouvimos esse mesmo boato.

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208

9.5 “A gente” ante “eles” no contexto da dimensão imaterial da experiência de

pobreza

Gadamer (2008) afirma que através da comunicação elaborada na linguagem

o homem tem a representação de um mundo de si mesmo, diferenciando-lhe de

outro qualquer ser vivo. Para esse autor, o jeito humano de existir com autonomia e

liberdade se exprime no modo de apreender e dominar esse mundo propriamente

humano, tal como se verifica no esforço de buscar a verdade através da interlocução

mediada pelos símbolos da linguagem (Op. cit.).

Todavia, como revela Gadamer (1983), a linguagem, considerada a energia

que movimenta o círculo hermenêutico, não pode ser reduzida a elemento

comunicativo, de mero caráter instrumental, visto que representa o próprio

conhecimento materializado; tanto que deixa de fazer parte do interlocutor ao

desvelar novas perspectivas de mundo ou mesmo assumir um sentido de

apropriação do coletivo em primeira pessoa do plural. Desse modo, foi interessante

observar recorrencia nas falas das entrevistadas – ao reportarem o

autoconhecimento da experiência de pobreza – o emprego da expressão “a gente”

(“a gente sofre”, “filho da gente”, “a gente diz”...) como identidade discursiva. Noutro

polo, também com muita reiteração nos discursos, referem os governantes como

“eles”.

Tem muita coisa que a gente se pergunta por que não seria diferente (grifo nosso)

ADASTREIA

Eu acho que eles devem botar mais serviço, não sei. (grifo nosso)

.

FEBE

Acho que a gente deve cobrar mais deles (os gestores públicos), mais melhoria pra gente, melhoria no posto (de saúde), de não haver dificuldade quando uma pessoa quiser fazer uma compra em uma loja, porque tem muita burocracia e eles devem olhar mais pelos pob... pela gente! (grifos nossos)

TÊMIS

Pra gente continuar recebendo o Bolsa Família a gente tem de ir no CRAS, passar três dias lá para pegar uma senha para ser atendida, pois é muita gente. Ai quando a gente é atendida, as vez(es) nem dá certo porque o

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sistema é lento, não dá tempo atender todo mundo, ai volta outro dia, é outro sacrifício. Quando a gente é atendida, no dia que dá certo, elas dizem que vai ter uma visita na casa. A gente passa mais um mês para esperar essa visita e depois mais dois meses ainda para ser desbloqueado o cartão. Eu já estou com mais de quatro meses que não recebo, só nesse sofrimento pra lá e pra cá, atrás. É muita burocracia em cima da gente. (grifos nossos)

ÉLPIS

O emprego da expressão “a gente” ante “eles” é produto de uma construção

discursiva das ações e das representações sociais que parece desvelar (na ótica das

entrevistadas) uma apropriação do incômodo e da resignação coletivas com

obstáculos ao bem viver, por vezes expressos na linguagem como interrogação ou

proposição. Corroborando com esse entendimento, a forma pronominal “a gente” é

apontada por Lopes (1998) como possibilidade linguística utilizada para expressar o

“eu-ampliado".

Sendo assim, as representações dos atores sociais – notadamente a quem se

atribui a responsabilidade por seus próprios destinos e sobre quem são projetadas as

consequências da situação de pobreza – observada em nosso estudo é, sobretudo,

produto de “dinâmicas de oposição e polarização” (ROJO, 2004, p. 216) entre os

beneficiários, coletivamente considerados (“a gente”), e os agentes políticos (“eles”)

que representam a vontade do Estado pelos pobres.

Por seu turno, a expressão “muita burocracia”, mencionada por duas vezes

nos discursos supra, remete aos obstáculos que emperram o exercício dos direitos

sociais, nesse sentido não se confunde com a designação de burocracia atribuída

por Weber (2004) ao reportar um tipo ideal de organização, todavia pode ser

identificada como disfunção dessa mesma burocracia (weberiana).

De imediato, o Bolsa Família materializa-se como aumento da capacidade

financeira com vistas à satisfação de algumas das necessidades de consumo

(entendidas como tal pelos beneficiários). Dessa forma, assume-se uma perspectiva

economicista de intervenção do Estado por critério de (baixa) renda, focalizando,

portanto, a dimensão material da pobreza. Mas há uma segunda dimensão do

fenômeno da pobreza, trata-se da imaterial, que embora articulada à primeira na

produção da subjetividade, é comumente negligenciada nas políticas públicas.

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Um pobre sofre muito, (...) ele não tem condições de muitas coisas, sofre muito. (...) O pobre se acha humilhado, se acha rebaixado, porque tem muita coisa que outras pessoas têm e os pobres não têm.

TÊMIS

É muito ruim a gente ser pobre, não ter assim como ajudar o filho da gente que pede uma coisa e não tem como ter. Muita mãe chora (...), eu sou uma... Teve uma época que me deu vontade de arrancar os cabelos tudim.

ELPIS

Em sentido análogo as experiências de privação que se depreende dos

excertos acima transcritos, Ávila (2011), em estudo no qual tratou dos avanços e

limites do Bolsa Família, observa que a pobreza seria, essencialmente, expressão da

repressão, ou ainda resultado da discriminação no âmbito das vantagens, vale dizer,

a não posse de dinheiro e poder, dois bens raros.

No que concerne à análise das relações de poder desiguais, é preciso

considerar que especialmente no Brasil, a desigualdade material é profundamente

entrelaçada à desigualdade não material, notadamente na seara das oportunidades e

capacidades para organizar interesses e, mais além, na conquista da autonomia em

processos de tomada de decisões significativas (SANTOS, 2006).

A face simbólica da condição de pobreza desvela o quão sensível é a

experiência de se reconhecer pobre em meio às relações sociais e suas implicações

com legados culturais e posturas políticas. Assim sendo, questões complexas como

liberdade surgem nas entrevistas.

O governo não vai acabar com a pobreza das famílias apenas fazendo chegar dinheiro ou casa pra elas, é preciso mais porta para o emprego, o trabalho, dar mais chance para essas pessoas, mais liberdade. (Liberdade pra mim) é a pessoa ter alguma chance na vida, a pessoa perseguir o que quer, é ir à luta sem ter muita dificuldade, nada de burocracia. (grifo nosso)

TÊMIS

Uma pessoa pobre tem uma liberdade de tudo ter, e ao mesmo tempo de não ter. De tudo aquilo ser oferecido ali nas palavras e quando na realidade nada acontece. (grifo nosso)

ADASTREIA

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211

Vale destacar aqui que a liberdade e a consciência desta mesma liberdade,

entendidas como a essência da natureza humana (CHOMSKY, 2008), uma vez

tomadas como uma unidade de experiência na perspectiva de uma vida ética de

constituição individual e do ser no mundo, concretiza-se verdadeiramente no

encontro com o outro (SAMPAIO, 2011).

Contudo, como lembram Uchimura e Bosi (2004), com base na experiência

dos programas Mercadão Popular e Armazém da Família (ambos em Curitiba-PR) as

políticas públicas que visam proporcionar alimentação adequada ao favorecerem o

atendimento de um direito fundamental como tal não podem prescindir dos aspectos

qualitativos inerentes à subjetividade, presentes nas bases da personalidade, da

autonomia e da liberdade das pessoas envolvidas, nos programas sociais.

Para Gramsci (1978), embora a possibilidade não seja propriamente a

realidade, ela o é, tendo em vista que o ser humano pode, socialmente, determinar-

se (com liberdade) se faz ou não alguma coisa, conforme as alternativas possíveis

(em um horizonte ampliado) e o valor de suas decisões. O mesmo autor assevera:

...que existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome é algo importante, ao que parece. Mas a existência de condições objetivas – ou possibilidade, ou liberdade – ainda não é suficiente: é necessário conhecê-las e saber utilizá-las. Querer utilizá-las. (Op. cit., p. 47).

Assim, uma maior amplitude na liberdade/oportunidade de escolhas, desde

que referenciada não apenas na desigualdade de renda e no difícil acesso

(quantitativa e qualitativamente) a uma diversidade de bens e serviços, é

reconhecida como elemento nuclear de uma estratégia de combate à pobreza. Por

esse entendimento, nas basta investir em políticas de fomento ou transferência de

renda; deve-se assegurar que intervenções nesse campo sejam integradas com o

acesso aos serviços sociais e, em seu conjunto, às políticas públicas.

A exemplo dos achados de Dias e Silva (2009) e Silva e Rodrigues (2011) no

interior dos estados do Maranhão e Paraíba, respectivamente, as falas dos

entrevistados, as seguir transcritas, nos rementem à compressão de que para as

famílias beneficiárias do Bolsa Família pobreza é:

(1) privação do mínimo para uma vida digna, remetendo a frustração por não prover

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necessidades elementares por meio de ganhos com o trabalho, tais como:

alimentação suficiente e saudável e outros bens de consumo;

Se tivesse emprego para todo mundo trabalhar, o direito dos filhos os pais já dariam.

HERA

Esse mês eu dei um dinheiro pro meu filho comprar um celular, que custou R$ 40. Eu recebo R$ 134, e sei que tem um tanto que é meu e outro parte é dos meus dois filhos. (...) mas, acontece que esse dinheiro do governo mais outro tanto que recebo pelos bicos que faço num dá pra nossas necessidades.

IRENE

Eu acredito se tivesse uma condição melhor através do trabalho, poderia oferecer as minhas filhas uma alimentação com é pra ser, ter um almoço, uma merenda, ter aquele momento que ela as vezes como criança deseja ter, de ter uma boa fruta, de tomar um suco. Tudo isso alimenta uma criança, deveria ter uma boa fruta. O corpo necessita de uma boa alimentação, porque senão lá na frente vai ficar com alguma consequência.

ADASTREIA

(2) é o desalento pela falta de resolubilidade dos serviços de saúde, sobretudo

porque o comum dos homens não se sente devidamente considerado e respeitado

como pessoa humana (ou titular de direitos de cidadania) nos serviços públicos de

saúde;

Eu tava precisado muito do posto, meu filho levou um acidente, ai cortou isso aqui dele por dentro (na face, próximo do olho direito), ficou só um buraco, ai ele tinha de fazer uma cirurgia. Depois que foi feita a cirurgia na Santa Casa, mas pra fazer ele ainda ficou doze dias lá... (pausa de 3 segundos) porque não tava tendo vaga na agenda do médico. Ai tudo bem, o médico fez a cirurgia dele e nós viemos embora, ai o médico disse que no retorno eu ia ter de pagar R$ 60, ou então ia ter de levar para o posto marcar, mas que isso ia demorar. (...) Eu tive que pedir ajuda a outras pessoas pra poder conseguir o dinheiro do retorno com o medico.

TÊMIS

(3) é viver um cotidiano de insegurança no contexto do “mundo das drogas”;

(Meu filho) usa aquela (droga) que o pessoal chama de pedra... crack, mas também ele cheira cola, toma comprimido. Ele é bem magrim. Já foi preso, ele assalta, rouba as coisa dos outros. (As pessoas roubadas por ele) iam naquela casa que eu morava pra mim pagar as despesas, as vezes chegavam a ameaçar me matar. É uma vida sofrida pra uma mãe. Se eu

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deixar ele dentro de casa, ele leva as coisas pra vender e comprar droga. (...) Mudei pra uma casa que é só dois cômodos, bem pequenininha, mas lá eu sou mais feliz porque não estou arriscando a minha vida como lá onde eu morava.

PÊNIA Tem mãe que pensa assim, será que é melhor eu tirar ele (do mundo das drogas) ou seguir junto com ele. Tem muita família da gente mesmo que no início elas tentaram, mas que não conseguiram e entraram no mesmo barco. E ai elas vão se envolvendo, se envolvendo, e acabam fazendo o que os chefes do tráfico querem, consomem drogas, traficam e envolvem os filhos... Ai vai virando uma bola de neve, que vai aumentando e, quando pensam que não, elas não tem mais como sair. É tipo assim: vai cavando um buraco e entrando, mas a terra não tem fim.

METIS Tem muita gente que vive nessa viva por ai roubando, muito novim morrendo...

IRENE

Fica o traficante todo tempo ameaçando, como ela não tinha dinheiro para pagar, só achou o cartão para dar pra ele (...) empenhar até terminar de pagar a dívida.

TÊMIS

(4) é ser vítima de sutis preconceitos por sua limitação financeira.

Uma coisa que aconteceu comigo quando meu menino tava internado que eu cheguei na Santa casa com ele, ai a minha irmã entro com ele e eu fiquei esperando. No local das cadeiras para o povo se sentar estava muito cheio de gente, né e eu fiquei em pé, ai teve uma cadeira lá que ficou vazia, ficou desocupada (porque) uma senhora se levantou – uma senhora rica. Eu tava muito nervosa e me sentei onde ela tava, porque ela tinha saído lá pra fora. Ai quando ela veio de volta, ela não falou nada nem eu... Eu só fiz levantar da cadeira e disse assim: – Tai senhora a sua cadeira, ai ela disse assim, ela disse assim: – Você pode ficar sentada. Eu disse assim: – Não, fique. Você não tava primeiro? Ai tudo bem, eu fiquei assim, ai ela foi, tirou um lenço e colocou no assento da cadeira. Eu me senti péssima!

TÊMIS

Cumpre destacar que a realidade da dependência química do crack

(subproduto da pasta base de cocaína) é motivo de grande preocupação junto às

famílias. O “mundo das drogas”, como acima mencionado – abrangendo a tensão

associada ao tráfico e outros crimes, é fortemente marcado por ameaças à vida e à

saúde de crianças e jovens.

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A expansão de políticas compensatórias do tipo Bolsa Escola para

adolescentes seria particularmente importante como barreira à participação de jovens

em atos criminosos (SCHEINKMAN et al., 2002).

Pelo menos na Escola sei que eles (os filhos) ficam longe das drogas.

PÊNIA

9.6 O apartheid social brasileiro

Ao tempo em que referencia o número de 27,9 milhões de pessoas que teriam

superado a condição de pobreza material entre os anos de 2003 e 2009, o governo

federal analisa ser “alarmante a persistência de extrema pobreza em cerca de 16,2

milhões de indivíduos” no mesmo período (BRASIL, 2011d). Coerente com tal

preocupação, e ampliando o escopo do debate para as dimensões da identidade

cultural brasileira, entendemos altamente recomendável empreender políticas

públicas, tão intersetoriais quanto possível, voltadas ao enfrentamento das raízes da

desigualdade socioeconômica presente na face da pobreza extrema do Brasil, a

exemplo da política de cotas para acesso à universidade, provimento de cargos

públicos, tomadas como políticas afirmativas para superar o apartheid social

brasileiro.

A propósito da segregação que historicamente maltrata e reproduz a maioria

pobre, projetando nosso país como um dos mais desiguais do mundo, importa

destacar que subjacente à identidade cultural brasileira, no que ela tem de uniforme,

esconde-se uma imensa distância social (maior até mesmo do que as diferenças

raciais) associada ao tipo de estratificação produzida pelo processo de formação

nacional, cuja implicação com os modos de agir social é amplamente documentada

por Darci Ribeiro (2009), Gilberto Freyre (2006) e Sérgio Buarque de Holanda (1987).

Nessa trama sócio-histórica emerge um sentimento de desalento – ou talvez de

relativo antagonismo classista – da maioria desfavorecida em face das pessoas de

maior poder econômico e político, frequentemente motivado pelo fato dessas últimas,

em regra, denotarem mais prestígio social, materializado, por exemplo, na maior

facilidade de pronto atendimento aos serviços públicos.

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Essas pessoas que têm poder para fazer as coisas acontecer é gente que se acha muito importante, é de outra classe social, eles são diferentes de nós que vive na pobreza. (...) Uma pessoa rica tem o que um pobre não tem, porque se você é rico as coisas dão logo certo pra você, mas para um pobre não, esse tem de esperar, esperar...

TÊMIS

As razões enunciadas no discurso supra reforçam a persistência de uma

modalidade de apartheid social no Brasil – expresso na segregação de pessoas em

estratos de renda, cor, gênero, educação e origem, tomada em sua implicação direta

com a desigualdade latente no país. Problema esse cujo nosso sistema

representativo tem sido, historicamente, incapaz de enfrentar com a necessária

determinação (CARVALHO, 2011).

No trato das relações de poder, como expresso no excerto antes transcrito,

embora o peso da desigualdade seja organizado e enquadrado discursivamente pelo

elo mais próximo, aquele que aparentemente mais tensiona, este pode na verdade

não ser o mais determinante no conjunto de desigualdades que constituem a

trajetória de vida ou as oportunidades desta ou outra pessoa; podendo envolver a

convergência entre elos de uma cadeia tão complexa e diversificada como raça,

sexo, classe, idade, origem e recursos educativos. Assim, algo que surge como

determinação externa de uma específica relação de poder vem a significar muitas

vezes a representação de uma constelação de poderes por sobre um ou mais elos

anteriores e mais remotos (SANTOS, 2006).

A propósito da discussão acerca da origem e consolidação da desigualdade

na sociedade humana, Rousseau (1999), ainda no século XVIII, já afirmava que esta

praticamente inexistiria no estado de natureza36, mas que ao longo do

desenvolvimento da racionalidade e dos progressos do espírito humano avançaria

para se estabelecer e legitimar-se por meio do estabelecimento da propriedade e das

leis37. Segundo aquele referenciado pensador iluminista, como critério de justiça, “é

36

Uma versão (contratualista) quanto ao estado do ser humano anterior à configuração de um governo civil: um nativo selvagem. “Perceber e sentir será seu primeiro estado, que lhe será comum com todos os animais; querer e não querer, desejar e temer, serão as primeiras e quase únicas operações de sua alma, até que novas circunstâncias lhe causem novos desenvolvimentos” (ROUSSEAU, 1999). 37

Para Rousseau (1999), "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros". Entendendo dessa forma, seriamos originalmente livres, de boa conduta, mas logo levados a nos

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216

manifestamente contra a lei da natureza, de qualquer maneira que a definamos, que

(...) um punhado de pessoas nade no supérfluo, enquanto à multidão esfomeada falta

o necessário” (Op. cit., p. 116).

Na consciência das entrevistadas a idéia de justiça parece funcionar como um

canal de estabilização de suas expectativas sociais (HABERMAS, 1987), sugerindo a

demarcação de um posicionamento político (embora sem aparente articulação social)

frente à desigualdade socioeconômica, mormente em favor da libertação consciente

de uma condição de inferioridade social mediada pela pobreza, e nesse contexto de

mundo, a legitimidade conferida aos representantes eleitos como agentes públicos.

Eu acho que o governo deveria fazer justiça àquelas pessoas que tem mais necessidade, mais precisão, mais pobre mesmo.

TÊMIS

Acho que [acabar com a pobreza é papel] das pessoas que a gente vota. Só elas que podem fazer justiça, porque o nosso voto vale tudo.

PÊNIA

Os excertos dos discursos acima transcritos reforçam o paradigma do Estado

provedor do bem estar social, uma materialização da sociedade política alicerçada na

ideia de justiça social, sempre na busca de harmonizar, em uma perspectiva

ontológica do humano, os aspectos que expressam um valor de norma moral (campo

da consciência) e de um direito positivo (universo jurídico) (HUSSERL, 1990; STEIN,

2004). Nessa última dimensão, com o ordenamento jurídico, tem-se a representação

de um sistema de direitos, que é referenciado pelas pessoas, individualmente

consideradas, na busca de legitimar suas condutas (HABERMAS, 1987), como o

fazem para exigir uma renda básica e outros mínimos sociais concedidos pelo

governo, posto serem considerados obrigações em benefício da harmonia em

sociedade no plano do bem viver.

A propósito da consciência de reconhecimento social do indivíduo como

pessoa humana, Gadamer (1983), ao comentar a produção intelectual kantiana,

destaca que a consciência do indivíduo constitui uma sua realidade vinculante à

corromper através do processo civilizatório, notadamente por força das amarras que demarcam a luta pela vida no contexto das circunstancias sociais que desigualam uns e outros.

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esfera social e política, representando a base da vida humana no modelo de Estado

e de sociedade alicerçada na tradição liberal. Nesse contexto coletivo que valora o

direito positivo, a autoconsciência humana avança em busca da estabilização através

do reconhecimento sócio-jurídico do nosso próprio ser pelos demais, uma vez

amparado pelo princípio (de direito) da dignidade da pessoa humana.

Eu não acho que o Bolsa Família seja uma ajuda, eu penso que seja um direito da gente mesmo, porque aquilo dali a gente paga e volta de novo pra gente. A gente paga muito imposto em cima dos preços das coisas. Eu acho que seja assim, eu penso.

TÊMIS

O Bolsa Família deveria ser um direito da gente que não tem marido, vive só cuidando dos filhos, e não ser só porque a criança tá indo pra escola, pois isso ai já é papel nosso.

ÉRIS

Uma leitura atenta das formações discursivas acima referidas nos revela um

sentido marcadamente ideológico, que remete a historicidade de uma construção

cujas pessoas incorporam a forma de sujeito de direito (jurídico-positivo). Para

Orlandi (2012) representação desse tipo corresponde ao sujeito – com seus deveres,

além de direitos – historicamente determinado pelo sistema capitalista, no sentido de

que ele é, ao menos em parte, produto de condições externas e, ao mesmo tempo,

investido de autonomia, tanto que é responsável por seus atos, inclusive pelo que

diz.

Um exemplo ilustrativo da tradição positivista do direito na determinação de

normas de conduta autorizadas pela ciência é o conjunto de “Leis da Alimentação”,

enunciadas pelo nutrólogo argentino Pedro Escudero (1934): quantidade, qualidade,

adequação e harmonia – devidamente fundamentadas nas bases científicas da

Ciência da Nutrição, emergentes no início do século XX.

Ainda hoje, no âmbito da prescrição de dietas alimentares, expressões como:

isso “pode”, aquilo “não pode” são recorrentes na “orientação nutricional” do que é ou

não permitido, visto que, por exemplo, a desobediência à autoridade científica da

nutrição (personificada no nutricionista ou outro agente menos habilitado no campo

da alimentação e nutrição) pode, legitimamente, implicar em uma sanção moral, não

raro com conotação de ameaças à saúde e à própria vida, ou simplesmente a

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objetivos estéticos. Nesse mesmo sentido, tem-se o discurso moralizante da Saúde

Pública que proíbe o colesterol e outros fatores ditos antinutricionais, ao tempo que

negligencia o prazer de comer.

Todavia, a exploração econômica do prazer – trabalhado a ponto de gerar e

manter oportunidades de negócios – a partir do renascimento liberal trouxe consigo o

desenvolvimento da cultura do consumo, mesmo entre os grupos mais excluídos.

Nesse novo modo de viver em sociedade a cidadania reivindicada é o direito do

consumo, cujo exercício é capaz de silenciar ou prevenir entre os extremamente

pobres a militância política, dificultando sobremaneira as perspectivas de avanço no

modelo de democracia representativa (CARVALHO, 2011).

Ao longo da história do Brasil, a fraca militância política dos segmentos

populacionais de muito baixa renda (excluídos do processo social de produção e

consumo) combinada com o oportunismo eleitoral de lideranças políticas aliadas aos

interesses hegemônicos do mercado, redundou na hipervalorização do poder

executivo. Uma vez que a maioria dos direitos sociais foi implantada a revelia do

legislativo, em governos totalitários, criou-se no imaginário popular a consciência da

centralidade do executivo. Nessa interpretação, a cultura política tem sido mais

orientada para os entes estatais (personificados no presidente, governadores e

prefeitos), razão pela qual Carvalho (2011), com acerto em nosso entender, prefere

denomina-la de “estadania” em oposição à cidadania. A propósito, a presidenta Dilma

Rousseff manifestou-se nesse sentido:

Nós sabemos que a superação da miséria não se faz apenas por meio da renda. Isso é essencial, mas estamos agora enfrentando suas outras faces. E levando cidadania e oportunidades...

(DILMA, 2013a)

Cidadania – uma vez enfocada na dimensão do relacionamento poder do

Estado versus cidadão vulnerável e subserviente, como expresso no discurso acima

transcrito – refere-se à concepção de uma cidadania concedida, como ensina Sales

(2004); nesses termos, uma cidadania tendente a ser retribuída com lealdade, tanto

mais quando acena para a perspectiva da autonomia sustentada de uma família

extremamente pobre, como supõe o objetivo do PBF. Todavia, logo se percebe que

motivação nesse último sentido traz consigo o viés de reforçar a histórica

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desigualdade social do Brasil, conforme o contexto que subjaz as relações de mando

e subserviência atravessadas pela cultura política da dádiva ou favor concedido pelo

agente detentor do poder estatal.

Consoante à argumentação de Thompson (2009) o emprego generalizado de

verbos nominalizados38 e na voz passiva, a exemplo de “exercício da cidadania”, são

indicativos de estratégias ou processos empregados para sustentar relações de

dominação por meio da reificação de fenômenos sócio-históricos, vale dizer,

apresentam “uma situação transitória, histórica, como se fosse permanente, natural,

fora do tempo” (Op. cit., p. 358). Nesse sentido, oposto à compreensão que Adorno e

Horkheimer (1985) fazem do homem no contexto de sua história e racionalidade, ao

indicarem a trajetória da conquista de sua emancipação: a primazia do sujeito.

9.7 O “Lula pai” e a compensação da presença do Estado à ausência paterna

No universo simbólico das entrevistadas, o ex-presidente Lula é, na maioria

das vezes, referenciado como o criador do Bolsa Família e, não raro, recebe

atributos de redentor da pobreza com a ajuda (ou por desígno) de Deus.

O Lula (ao criar o Bolsa Família) fez uma coisa muito bem feita, ele só pode muito ajudado por Deus, porque pra ele distribuir assim – que isso aqui é uma alegria, um benefício para todo o mundo do país, (se eu pudesse falar com ele), eu diria: muito obrigada.

ELPIS

Bem... a gente tem de ser justo, antes da Dilma, quem inventou esse Bolsa Família foi o Lula, ele quem fez isso pela pobreza.

HERA

Uns falam que foi pelo Lula, eu não sei bem não! Diz que tá a Dilma agora.

IRENE

A paternidade do Bolsa Família é reivindicada pelo PSDB, para o senador

Aécio Neves, virtual candidato desse partido à Presidência da República nas

eleições 2014: “Lula apenas teve a ‘virtude’ de unificar programas sociais criados na

38

Verbo que assume função de substantivo em uma frase

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era Fernando Henrique Cardoso. (...) Ele pegou o Bolsa-Escola, Vale-Gás, Vale

Alimentação, criados por nós e juntou" (AÉCIO, 2013).

A intenção de encontrar um salvador da pátria, e, ao mesmo tempo, o fascínio

pela força do poder executivo, encontra abrigo na liderança carismática do presidente

Lula. Por tal perspectiva, em um ambiente marcado pelo pouco trato popular com o

exercício da democracia representativa e o aprofundamento dos problemas sociais,

aumenta a impaciência dos cidadãos com os vícios e a morosidade dos mecanismos

democráticos de decisão. Contexto dessa natureza, conforme observa Carvalho

(2011, p. 222) em outros momentos históricos, favorece “a busca de soluções mais

rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas”.

No meu pensamento quem criou esse programa na época foi o Lula. [Se eu pudesse falar com ele] ia dizer que era uma ajuda que eu nunca um dia acreditava que ia acontecer.

PÊNIA

O Lula criou o Bolsa Família para ajudar as crianças, ajudar as famílias necessitadas.

DEMETER

No caso da ajuda em dinheiro por parte do “Lula pai”, tem-se a exata

expressão do que Weber (2004) denomina de poder patriarcal radicado “na

satisfação das necessidades cotidianas normais, recorrentes, tendo por isso seu

lugar originário na economia” (Op. cit., p. 323).

Não obstante, em termos de direito de família, compete ao pai e a mãe,

mesmo separados, assumirem a manutenção responsável e solidária dos direitos-

deveres inerentes ao sustento dos filhos. Para tanto é natural que, os pais dividam as

tarefas e responsabilidades em todas as dimensões do cuidado, zelo e proteção dos

filhos, inclusive no que concerne a assistência material e moral possível.

É de se observar que os pais devem manter um relacionamento harmonioso,

pautado pelo respeito e desejo de querer proporcionar a melhor educação, saúde e

outros bens indispensáveis ao atendimento do que se fizer necessário aos filhos,

com a divisão, tanto quanto possível, proporcional das despesas necessárias.

Porém, a presença do genitor não é realidade em boa parte dos lares com crianças e

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adolescentes, cuja ausência daquele é sentida não apenas no sentido afetivo, mas

também no que concerne ao aporte de recursos para o sustento do descendente

comum.

Parte das beneficiárias do Bolsa Família ouvidas informaram que o dinheiro

transferido do governo teria o mérito de prover com regularidade um mínimo

indispensável para seus filhos, cujo pai muitas vezes não assume com os deveres

materiais, nem tampouco afetivo-emocional.

Tem mãe que precisa, tem filho que o pai não assume, vive (a mãe) só com eles e sofre com eles. Eu pelo menos posso dizer que eu não tenho família, mas esse dinheiro (do Bolsa Família) serve de ajuda pra mãe sustentar a criança que o pai abandona

PÊNIA

Pra mim (o Bolsa Família) é bom, é uma ajuda, porque eu tenho um marido e é mesmo que não ter, ele não me ajuda.

EUFROSINA

Recebo esse dinheiro do governo desde que a minha filha tinha 6 meses (há 13 anos)... De lá pra cá tá sendo ótimo, principalmente nos últimos tempos porque eu não tenho marido, sou eu e minhas duas filhas e com o Bolsa Família me ajuda muito.

ÉRIS

No imaginário dessas mães, o Estado personificado na pessoa que teria

criado o programa, substitui com mérito a figura do pai na função de provedor de

alimentos.

Olha Ceribely (filha), o Lula foi o melhor pai pra ti, porque nem o teu pai que era pai se lembrava de mandar o dinheiro pra ti quanto o Lula, todos os meses era aquela coisa certa. (grifo nosso)

FEBE

O Bolsa Família foi uma boa coisa que o Lula fez pra gente como fosse um pai. Quando ele entregou o cargo pra Dilma, ela continuou. (grifo nosso)

HERA

Na realidade, a julgar pelos dados coletados, há certo consenso junto aos

atores sociais envolvidos quanto à titularidade do cartão do Bolsa Família ser

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222

prioritariamente concedida às mulheres, uma vez que cumpre a elas o papel de

provedoras mais diretas de atenção e cuidados aos filhos – especialmente em

situações de ausência do pai, hipóteses frequentes de mães solteiras ou separadas,

tendendo a gastar o beneficio com alimentação e outras necessidades de crianças e

adolescentes (TRALDI; ALMEIDA; FERRANTE; 2012).

Agora com esse dinheiro do Bolsa Família eu tenho mais liberdade para comprar o que eu acho que é certo para minhas filhas, sem depender de mais ninguém.

HERA

Em pesquisa junto a municípios do Piauí e Maranhão foi verificado uma

tendência na aplicação dos recursos recebidos pelos beneficiários do Bolsa Família

em gastos com alimentação, contas domésticas e despesas escolares (SILVA;

SILVA, 2008).

A atribuição da responsabilidade às mães pela gestão do dinheiro do Bolsa

Família em favor da economia doméstica reproduz o papel social esperado do

gênero feminino por vinculação à maternidade. Por outro lado, contar com a relativa

segurança de uma renda certa a cada mês abriria possibilidades para que essas

mulheres negociem (ou protagonizem) a decisão de compra conforme as

necessidades e desejos que entenderem mais adequadas, agora com o poder de

barganha (fundamento de uma sensação de independência financeira) associado à

posse do cartão do Bolsa Família (POCHMANN, 2004). Não são raros os casos em

que a emancipação39 é de tal ordem que estas mulheres põem fim a uma união

conjugal só justificada até então pela dependência econômica do homem para

satisfação das necessidades mínimas dela e dos filhos (COSTA, 2009).

Para dar uma condição de vida melhor de minhas filhas só posso contar comigo mesmo, porque são duas crianças que não podem trabalhar, tem de ser eu, logo porque eu sou mãe solteira, tenho de me virar com tudo.

HERA

No entanto, a compreensão do sentido da autonomia das mães (independente

de eventual renda transferida pelo pai de seus filhos) para comprar o que entender

como mínimos desejos de consumo, com vistas ao bem viver da família, deve ser

39

A emancipação da mulher é também uma das teses sociais originárias do liberalismo do século XVIII.

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223

analisada em um contexto que quase sempre envolve a superposição do labor

doméstico com o trabalho externo, ainda que presente a figura do marido ou

companheiro.

Para além desse estado de coisas, a resignação dessas mulheres desvela o

entendimento de que “liberdade” e “autonomia”, como observado por Carloto e

Mariano (2012), são questões muito sensíveis para mulheres em situação de

extrema pobreza (vulneradas tanto pela incapacidade financeira para sustento delas

próprias e dos filhos quanto devido à hegemonia, frequentemente hostil, do gênero

masculino), com implicações culturais, dentro e fora dos serviços públicos.

O quadro de extrema pobreza em família, não raro associado à criança fora da

escola, favorece o ingresso precoce no mercado de trabalho, produzindo adultos com

alguma experiência de trabalho e pouca escolaridade, projetando-se assim um futuro

igualmente pobre, como em um mecanismo de retroalimentação positiva (FONSECA,

2001).

No contexto de vida em condições precárias no qual se insere uma mãe

trabalhadora, envolvida com um conjunto de responsabilidades (a ela atribuídas)

inerentes à dinâmica familiar, as exigências do mercado de trabalho (educação

formal, qualificação profissional, etc.) contribuem para estender o tempo de

permanência de sua família na condição de beneficiária do Programa Bolsa Família.

Eu acho que as pessoas mais grandes, como a gente chama no nosso falar, poderiam assim dar um trabalho, uma ajudinha para ver se a gente sai da pobreza, que é pra vê se acaba com tanta pobreza, com tanta dificuldade que nós do povo vive.

ELPIS

Adicionalmente, a imposição no sentido de que tais mulheres, vulneradas por

limitações financeiras, cumpram com as condicionalidades em saúde, educação e

assistência Social, é potencialmente capaz de impactar no tempo e no trabalho

delas, reforçando o papel social tradicionalmente atribuído à mulher na esfera dos

cuidados com os filhos (CARLOTO; MARIANO, 2012).

Análise do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011d) aponta o aumento do

prestígio social da mulher titular do cartão Bolsa Família, visto que o poder de

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224

compra a ela conferido via transferência mensal em dinheiro repercutiria nas relações

tradicionais de gênero, contribuindo para afirmar sua autoridade no espaço

doméstico, e, nesse ínterim, a autoestima e a percepção de ganhos de cidadania.

O termo cidadania, como acima mencionado, não deve ser compreendido

como um lugar ou condição a ser alcançada, mas isto sim como uma expressão cujo

real significado emerge do conjunto semântico da expressão "exercício da

cidadania", na perspectiva da contextualização da pessoa na vida social como

cidadão, conforme ensina Rodrigues (2001), e nesse sentido um direito político que

recebe sua legitimidade na ação educativa.

Mais recentemente, no calor das manifestações populares pelo país,

diferentes agentes políticos tem referenciado o termo cidadania para referir, por

abstração, à personagem – nascente das redes sociais e legitimada nas ruas – que,

como antes referido, vem protagonizando de viva voz a cena política na atual

conjuntura nacional. Nesse sentido a Presidenta da República assumiu a seguinte

posição:

Precisamos oxigenar o nosso sistema político, (tornando-o) mais permeável à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar.

(ROUSSEFF, 2013b)

A abertura política para ouvir com primazia a “voz da cidadania” demarca, ao

menos nesse discurso, uma mudança de posição da mandatária do executivo

federal, agora distinta da concepção, antes manifestada, a qual, inequivocamente, se

aproximava da expressão “estadania”, conforme definida por Carvalho (2011).

Para Carloto e Mariano (2012), comparado aos programas convencionais de

combate à pobreza, a transferência direta de renda representa uma inovação,

substituindo a mera distribuição de alimentos e outros benefícios do tipo

assistencialista pela transferência monetária.

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225

9.8 “Muita gente não recebe (o Bolsa Família) e precisa...”: Dimensões de

coordenação e controle do Bolsa Família

Consoante informe da CEF, operador do PBF, Desde novembro de 2008, os

titulares dos cartões dos programas remanescentes, supostamente pobres, só

podem sacar os benefícios com o cartão específico do Bolsa Família, nem mesmo o

antigo “Cartão do Cidadão” está habilitado para tanto (CEF, 2013).

O cartão do Bolsa Família, além de ser o meio que permite ao titular se

identificar com cidadão beneficiário do programa, possibilitando a realização de

saque diretamente em correspondentes bancários da CEF. Para o governo federal,

tal mecanismo de saque sem intermediários

[...] reduz a possibilidade de vinculação entre “distribuição de benefícios” e agentes políticos locais, contribuindo para romper com práticas de distribuição de favores e da busca de ganhos políticos a partir dos programas sociais. (BRASIL, 2006b, p. 18).

Importa registrar que em 2012, ao cruzar dados da folha de pagamento e do

CadÚnico com a relação de informações do Ministério do Trabalho e Emprego

(MTE), a Controladoria-Geral da União (CGU) verificou em Sobral a existência de

195 empresários e 83 servidores públicos municipais dentre os titulares do Bolsa

Família, todos eles com evidência de renda per capita superior à estipulada pela

legislação do Programa. Notificada em tempo, a gestão local do Bolsa Família

limitou-se a justificar a permanência daqueles ligados a empresas em razão de ainda

não haverem sido alcançados pelo processo de atualização periódica (a cada dois

anos, com atuação de 200 visitadores domiciliares). Todavia, quanto aos seus

próprios servidores que recebem o benefício, mesmo que supostamente fora do

critério de elegibilidade, a prefeitura preferiu não se manifestar (BRASIL, 2013d).

O fato do titular do cartão receber o benefício a despeito de sua família, na

ótica da moral social, “não passar necessidade”, é reclamada como uma incomoda

realidade por todas as entrevistadas, indicando uma possível manifestação do senso

comum, como o faz Weber (2013b) ao citar uma diarista que devolveu o cartão do

Bolsa Família tão logo entendeu que não mais fazia jus a esse benefício: “Da mesma

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forma que serviu para os meus filhos, vai ajudar outras pessoas. Acho muita covardia

a pessoa não necessitar e ficar recebendo”.

Tem gente por ai que recebe dois ou três salários e ainda recebe (o Bolsa Família), mas as vezes tem assim muita gente que não recebe e precisa.

HERA A gente sabe que tem muita gente que tem boas condições e recebe.

FEBE

A situação de Sobral, quanto à presença de servidores públicos na lista de

beneficiários do Bolsa Família, é análoga à verificada em Acauã-PI. Só que naquele

município o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública

por fraude na gestão local do programa. Interessante observar que tal ação foi

provocada por duas representações à procuradoria da República do Piauí por parte

da Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água, e

Terra Rural40 e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acauã. Aquelas entidades

da sociedade civil apontaram a existência de trabalhadores de baixa renda no

município que estariam tendo negada sua inclusão no PBF, ao passo que agentes

públicos municipais com renda bem superior recebiam regularmente o benefício em

questão, dentre os quais: a mulher do secretário de saúde, uma vereadora e diversos

parentes do prefeito (MPF/PI, 2013).

Ocorre que a demora do Estado em disponibilizar ao acesso público dados de

gestão dos programas sociais, dificulta o controle social e a defesa dos interesses

coletivos. Nesse particular, o Ministério Público Federal em Goiás, com base na Lei

(nº 12.527/2011) de Acesso à Informação, instaurou inquérito civil público com vistas

a investigar a ausência de informações atualizadas sobre os beneficiários do

Programa Bolsa Família, mais especificamente no sítio eletrônico da CEF (operadora

do sistema) e no Portal da Transparência do Governo Federal (BRASIL, 2013e).

Tem muitas pessoas que estão ganhando sem precisar, eu acredito que devia ter uma fiscalização maior.

40

Constituída por relator e assessores voluntários legitimados perante os movimentos sociais do campo dos Direitos Humanos. No Brasil, atuam desde 2002 junto a um conjunto articulado de entidades não governamentais, com destaque à Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH). Desenvolve ações pautadas em tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Informes adicionais, consultar em: <http://www.dhescbrasil.org.br/>.

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227

ADASTREIA Eu vejo pessoas que tem as coisas mais do que as outras e recebem (o Bolsa Família), e eles (os agentes do governo) não veem isso, e já tem outras pessoas... Tem muita gente que não consegue nem se cadastrar.

TÊMIS

Em nível nacional, os programas de transferência de renda, sob a égide de

políticas compensatórias (aos ajustes estruturais da pobreza), iniciados pelo

presidente Fernando Henrique Cardoso, focalizam famílias pobres com crianças.

Importante ressaltar a desconcentração da gestão de tais ações governamentais,

conforme marcos regulatórios respectivos, sempre na forma de Medida Provisória

(MP) com força de lei: o Auxílio Gás (MP nº 18/2001) era responsabilidade do

Ministério das Minas e Energia, cabendo à pasta da Educação coordenar o Bolsa

Escola (MP nº 2.140/2001); ao Ministério de Saúde cumpria gerir o Cartão

Alimentação (MP nº 108/2003). Todavia, cada um desses programas tinha forma

específica de seleção, compreendendo um cadastro próprio de beneficiários

(BRASIL, 2001a; 2001b; 2003b), e, uma vez que se tratava do mesmo perfil de

beneficiários, gerou-se retrabalho e muita confusão de dados e critérios de inclusão

junto aos profissionais envolvidos na operacionalização.

“A agenda perdida”, documento ainda hoje referenciado como marco para

definição de estratégias eficazes de combate à desigualdade econômica e à miséria

social no Brasil, ao aprofundar a critica, então prevalente, que denuncia a ineficiência

e a falta de focalização dos gastos públicos na área de assistência social, propõe,

como parte da solução dessa problemática, a criação de um cadastro único para

operacionalização e monitoramento das políticas ditas compensatórias. O propósito

principal da idéia de unificação dos programas de combate à pobreza é fazer chegar

o recurso público diretamente (minimizando o risco de desvio ou malversação)

àquelas pessoas que de fato necessitam (SCHEINKMAN et al., 2002; CARIELLO,

2012)

Conforme o estudo supramencionado a dimensão material de pobreza deve

ser mensurada através do indicador renda familiar per capita, compreendendo uma

unidade de habitação, considerando-se adequada quando aquela satisfaça

minimamente as necessidades básicas de moradia, vestuário e alimentação,

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correspondendo a um valor determinado, logo assumido como linha imaginária de

pobreza. A idéia é verificar não apenas o número de famílias com renda abaixo deste

valor, como também quanto, em média, é necessário para que cada uma dessas

famílias supere tal hiato de renda. O mesmo estudo sustenta ainda que “é possível

calcular a renda necessária para que uma família satisfaça apenas suas

necessidades de alimentação (linha de indigência)” (Op. cit., 2002, p. 16).

9.9 Fiscalização e controle do Bolsa Família

A despeito do PBF prever condicionalidades desde sua criação em 2003,

apenas no mês de novembro de 2005 foi estabelecido um (primeiro) regulamento

específico com o fito monitorar as contrapartidas exigidas dos beneficiários, definindo

uma logística operacional com procedimentos de coleta e conferência de

informações (BRASIL, 2005b). Antes, porém, nesse intervalo de tempo, à medida

que iam sendo migrados para o novo programa, os beneficiários da transferência de

renda de então deixam de ser monitorados (BRASIL, 2004b).

Analisando informes municipais de 2004, ano em que, como parte do processo

de unificação dos programas de transferência direta de renda, foi iniciada a

implementação gradual do Bolsa Família, o Tribunal de Contas da União identificou

dúvidas dos operadores do lançamento de dados no sistema quanto à inserção de

famílias, atribuídas a dificuldades operacionais do sistema eletrônico CadÚnico,

comprometendo a abrangência e qualidade pretendidas na base de dados. Para

aquele órgão de controle externo, as incertezas dos beneficiários quanto ao efetivo

acesso aos benefícios motivaram tensões junto à coordenação local do programa e

aos agentes da CEF, sobretudo porque se incute na família cadastrada uma natural

expectativa quanto ao recebimento imediato de uma renda do governo. Todavia, a

ausência de informação sobre os reais critérios de inclusão no Bolsa Família teria

dado causa a frustração (BRASIL, 2005c).

Ao analisar a corelação entre o percentual de cobertura do Bolsa Família e o

partido político dos governadores41 e prefeitos no exercício do mandato em julho de

41

PT, 104,68%; PSDB, 102,27%; PFL; 101,82%; PMDB, 99,12%.

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229

2006, o TCU – tendo em vista a abrangência em torno de 100% das famílias

(estimadas42) pobres, independente da unidade federativa – descartou qualquer

favorecimento ou discriminação em razão da legenda partidária quanto à distribuição

dos benefícios do programa. O Ceará, por exemplo, governado por Tasso Jereissati

(PSDB) tinha à época 24.791 famílias além do número estimado de pobres, vale

dizer 102,76% de cobertura (BRASIL, 2006c).

Nos primeiros 4 anos da implementação do PBF o aporte de recursos

destinados à transferência de renda diretamente às famílias beneficiárias cresceu

222% (de 3.357,1 para 7.455 milhões de reais), conforme mostra a Figura 7. Nesse

período, visto a gradual unificação de todos os programas de transferência direta de

renda com base no CadÚnico, verificou-se a diminuição da participação relativa dos

programas remanescentes à medida que foi aumentando a destinação (por

centralidade) de recursos para o Programa Bolsa Família, conforme a lógica da

unificação (BRASIL, 2006b).

De acordo com plano plurianual 2012-2015 do governo federal, o Programa

Bolsa Família deve ter um aporte de 3% dos recursos orçamentários reservados para

a área social. Naquele texto orientador das políticas públicas43, a União prevê que a

alocação de 10% do dinheiro destinado a mesma área deve ser gasto em programas

relacionados ao setor “trabalho, emprego e renda”, ao passo que mais da metade

(55%) deverá fazer face às despesas com a previdência social (BRASIL, 2011b).

42

Em 2003, o governo federal tomou como base as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2001, que estimou em 11,2 milhões o número de famílias brasileiras em situação de pobreza ou extrema pobreza. Naquele ano (quando do lançamento do Fome Zero), a Presidência da República estimou que até 2006, último ano do então mandato de Lula, todas àquelas famílias seriam abrangidas pela transferência de renda. 43

O Plano Plurianual (PPA) é uma lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas do governo federal para quatro anos, a contar do segundo ano do mandato presidencial. É referência para elaboração a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), instrumento que norteia a formulação da Lei Orçamentária Anual (LOA), instrumentos orçamentários das políticas públicas.

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Figura 7 - Execução Financeira (R$ milhões) do Bolsa Família e programas remanescentes, 2003-2006, Brasil

Fonte: Tribunal de Contas da União / TC n° 022.093.2006-5 (BRASIL, 2006c).

Através de visita in loco, a CGU verificou que 3.671 famílias (31,4%) das

11.686 visitadas não foram encontradas no local informado no CadÚnico. Tal fato

teria levado a União Federal a concluir que houve negligência na atuação dos

gestores municipais no processo de atualização (ao menos uma vez a cada dois

anos) do endereço das famílias cadastradas44 (BRASIL, 2012f).

Por outro lado, nossos achados desvelam outra razão para justificar eventual

desconformidade do endereço informado no cadastro de referência para o PBF e a

real localização de seus beneficiários. Trata-se de dissimulação materializada na

indicação de outro domicílio (diferente do que a família efetivamente mora) para

viabilizar o enquadramento nos critérios de inclusão relativo à baixa renda per capita.

Ainda que consciente das implicações éticas dessa atitude, algumas famílias

entrevistas preferem, falsamente, comportar-se desse modo para assegurar a

oportunidade de receber o Bolsa Família.

Eu pra poder tá ganhando o Bolsa Família tive de fazer algo pra continuar recebendo essa quantia. (...) Foi quando uma senhora me propôs uma coisa. Primeiro ela disse tipo assim: – você mora aqui em uma casa que tem várias pessoas, como essas pessoas tem salário, tem aposentadoria... jamais você vai ganhar, então você tem de informar que mora sozinha com

44

O controle social do Programa Bolsa Família (PBF) em Sobral está a cargo do Conselho Municipal de Assistência Social.

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

Bolsa Família

Bolsa Escola

Bolsa/Cartão Alimentação

Auxílio Gás

2003 2004 2005 2006

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suas filhas. Por que lá (CadÚnico) não pode consta que você mora com seu pai que é aposentado, e ainda trabalha como vigia, a mãe que é aposentada, a irmã que trabalha. Fiz o que ela disse... Porque eu não trabalho, não é certo depender de minha família. Mas, eu não me sinto bem diante dessa condição, porque eu sinceramente, não precisava mentir, porque é a minha necessidade. Essa questão me incomoda... Olha pra gente conseguir as coisas que é justo ter que mentir. Não é fácil tá nessa situação!

ADASTREIA Eu tenho um salário, e acho que é errado o governo num querer dá o Bolsa Família por causa disso, porque não dá pra manter três filhos e uma casa de aluguel com um salário. Eles vão na casa de uma pessoa e se perceberem que tem televisão e mais móveis cortam, dizendo que aquela família tem mais condição. Por causa disso ai é ter o cartão no nome de minha mãe é o jeito de continuar recebendo o direito de minhas filhas sem mais perturbação, pois ela ainda não tem aposentadoria.

ÉRIS

Curioso observar a indução no arranjo da composição do grupo familiar em

razão da lógica da elegibilidade no PBF.

Não pode ter dois cartões (do Bolsa Família) na mesma casa, mas muitas vezes tem, muitas mulheres por aqui dão um jeitinho e quando vem visitadora se assustam, mas como as famílias não são visitadas no mesmo dia, dá certo, até porque acho que não dá mesmo pra conferir quem mora na casa de verdade.

FEBE

A intervenção econômica do Estado no grupo familiar prestigia o modelo de

família nuclear ou tradicional, condicionada à presença de criança(s) e/ou

adolescente(s). O consenso em torno da mulher como responsável, consigna a

instrumentalização do papel desta, via programas de transferência de renda, na

esfera privada da família.

Silva e Rodrigues (2011) acreditam que, ao transferir recursos para a garantia

de uma alimentação mínima, o governo favorece a permanência do pai em casa, que

está em transição para um novo emprego, mas cujo estigma da condição de

desempregado (humilhação) poderia levá-lo ao extremo de abandonar a família.

Tem famílias que é aquela confusão... Porque são duas ou três famílias que moram dentro da casa. Ai no dia de pesar vem o nome de algumas, vem salteado, mas só que o cartão tá no nome só de uma, e aquela que está com o cartão muitas vezes não repassa o dinheiro, não divide com os outros, ai acaba que no dia de pesar elas não vão. (...) Conheço uma família que a mãe diz que não vai porque quem recebe, porque o cartão está no nome da filha dela. E se tá no nome da filha dela ela não vê o dinheiro e

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não vai se pesar. Já é a segunda vez e provavelmente vai ser suspenso, porque a gente sabe que quando não se pesa, não é avaliado, a pessoa pode perder.

METIS

A propósito, as beneficiárias sabem que, além de pesar, medir, consultar,

vacinar, levar à escola, são obrigadas a receber uma visita em casa para verificar,

com frequência, se a situação corresponde ao informado no cadastro da família. Elas

são, em geral, conscientes que esta é sim uma modalidade de condicionalidade, na

medida em que sabe que devem tolerar a presença de um “fiscal” do governo em

casa, sob pena de perder o direto ao benefício em dinheiro.

Eles olham, perguntam de novo se a casa é própria, se eu trabalho, eu digo que tá do mesmo jeito.

ÍRIS

Pra receber o que o dinheiro manda o que a gente faz é o peso pra mim e os meus menino e a minha menina. Acho, de ano em ano ou é de dois em dois anos renova. Nós vamos se pesar de tempo em tempo pra renovar os papeis (...) Eles vêm visitar a casa da gente. Se num tiver tudo certo, corta, cancela, tem de ter cuidado.

IRENE

Por ocasião das visitas domiciliares realizadas por técnicos do CGU, somente

61,3% das famílias beneficiárias do PBF tinham renda dentro dos critérios desse

programa (BRASIL, 2012f).

No exercício de 2011, o controle interno do governo federal, através da CGU45

identificou que 22,7% (n=1.542) dos Centros Referência de Assistência Social

(CRAS) distribuídos no país não alcançaram a meta de cumprimento do

“acompanhamento prioritário das famílias em descumprimento de condicionalidades

do PBF”46, tendo sido essa a meta de pior resultado daquele conjunto de unidades

45

A CGU (Controladoria Geral da União), órgão adstrito a Presidência da República, realiza periódica e aleatoriamente (por sorteio) fiscalizações in loco nos municípios brasileiros, com o propósito de averiguar o uso dos recursos públicos federais transferidos, inclusive a operacionalização dos controles locais relacionados à transferência de renda da União diretamente ao cidadão. Cada visita (a primeira foi em 2003) gera um relatório com abordagem dos programas fiscalizados, disponibilizado aos ministérios envolvidos e na internet para acesso livre. Por tal concepção, este órgão estatal constitui um forte aliado às organizações da sociedade civil no exercício democrático do controle social das políticas públicas. 46

Atividade reconhecida pela burocracia estatal como essencial na gestão pública, sendo atribuição também do CREAS ou de outros modelos de organização em políticas sociais, a depender da causa do descumprimento (conforme relatório de gestão 2011 do Ministério do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS).

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estatais descentralizadas (BRASIL, 2012f). Com vista à melhora de tais indicadores,

foi criada em julho de 2011, no âmbito do MDS, em junho de 2011, a “Comissão de

acompanhamento de benefícios e transferência de renda”47, com o propósito de zelar

pela aplicação dos critérios de concessão, monitoramento e manutenção do Bolsa

Família.

Nos dois meses imediatamente anteriores ao período de realização das

entrevistas dessa pesquisa, entre fevereiro e março de 2013, o Ceará foi destaque

no universo dos beneficiários do Bolsa Família como o estado com maior frequência

escolar entre crianças/adolescentes de 6 a 17 anos, com registro de (apenas)

53,53% dos cearenses presentes em sala de aula nessa faixa de idade, ao passo

que o índice de assiduidade em todo Brasil foi menor ainda para o mesmo período,

40,35% (CEARÁ, 2013; DILMA, 2013d).

Mas no trato do registro da frequência escolar, a situação informada pelas

autoridades locais pode não refletir os fatos efetivamente ocorridos ou mesmo

significar uma negligência disfarçada de tolerância. Foi o que constatou a CGU em

algumas das escolas municipais de Sobral no período de 6 de agosto a 10 de

setembro de 201248. No caso, a fiscalização dos agentes da União Federal apontou

divergências entre os registros escolares de frequência e os dados efetivamente

informados pela prefeitura ao governo federal, como parte do controle dessa

condicionalidade em educação. Foi verificado in loco, por critério de amostragem, 43

alunos beneficiários não frequentando a escola e outros 6 (de 30 visitados, 20%) com

registro de faltas superior a 15% do total de aulas de português e matemática,

portanto em desacordo com o estipulado pelo programa. A prefeitura teria justificado

que as frequências foram registradas em 100% para evitar prejudicá-los, mormente

para aqueles alunos na situação de “não localizado” (BRASIL, 2013d).

Cumpre assinalar que a precitada atividade de controle interno restringiu-se à

verificação da frequência escolar, da renda e atualidade do endereço das famílias

47

Criada pelo novo Regimento Interno do CNAS (Resolução Nº 06/2011), a Comissão de Acompanhamento de Benefícios e Transferência de Renda, tem competência para acompanhar os benefícios de transferência de rendas executadas pelo MDS. 48

Momento no qual, por coincidência, iniciávamos os primeiros contatos com a gestão do Bolsa Família no mesmo município com vista a obter a autorização para realizar a presente pesquisa

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beneficiárias. Dessa forma, foi negligencia, muito embora previsto como ação fiscalizadora

no próprio relatório da CGU, o cumprimento das condicionalidades em saúde, além de

“programas/ações municipais complementares ao Bolsa Família e Instância de Controle

Social ...” (BRASIL, 2013d, p. 85).

9.10 Dádiva ou favor

Historicamente, a maioria das ações de enfrentamento da pobreza no Brasil

têm se apoiado “na matriz do favor, do apadrinhamento, do clientelismo e do mando,

formas enraizadas na cultura política do país” (YAZBEK, 2003).

Uma vez que remunera sem a contrapartida de trabalho, a ideia da renda

mínima é duramente criticada como incentivo à ociosidade. Em contraposição,

Suplicy (2003) sustenta que tal iniciativa é coerente com o estímulo ao crescimento

econômico no sentido de expansão da oferta de bens e serviços essenciais, inclusive

a alimentação, favorecendo o comércio local. A mesma fonte aponta dentre as

vantagens dessa medida, o melhor atendimento às famílias pobres e a eliminação de

estigmas ou vergonha dos beneficiários.

Todavia, compreender as raízes da desigualdade social no âmbito da cultura

política brasileira, não pode prescindir da consideração do processo histórico de

construção de nossa cidadania nas hostes do liberalismo, inicialmente expressa

como uma cidadania concedida, porque condicionada a favores, vale dizer, uma

contradição ou não cidadania. Na sociedade escravocrata, o homem livre e pobre,

amesquinhado na sombra de dádivas, era submetido à vontade e ao que fosse

concedido pelos proprietários da terra. Todavia, a cultura política da dádiva persiste

com notável força nos dias atuais, mediada por relações de mando/subserviência em

favor da coesão social (SALES, 1994).

No entanto, a análise do uso do paradigma da dádiva na atualidade contribui

também para compreender que o mercado, Estado ou mesmo a Ciência não são

propriamente garantidores da coesão social, mas isto sim, as trocas recíprocas (dar,

receber e retribuir) que caracterizam as relações sociais por elas mesmas e se

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235

estendem, por exemplo, para revestir de sentido a transferência condicionada de

renda (SILVA; RODRIGUES, 2011).

No entendimento das entrevistadas, o Programa Bolsa Família estaria

resignificado como uma ajuda (financeira) muito bem-vinda, prevalecendo a

percepção da transferência de dinheiro como um mero favor, dádiva ou graça divina,

porém, com a ressalva moral de que, em geral, o beneficiário deve ter a condição de

pobreza reconhecida por seus pares. Contudo, há opinião que reconhece a mesma

política compensatória como um legítimo direito de cidadania – particularmente

dirigido aos filhos de até 18 anos, motivada pela desigualdade socioeconômica que

marginaliza as famílias de baixa renda.

O Bolsa Família ajuda muito, ele é uma benção pra quem não tem ajuda. (...) Só Deus mesmo na vida da gente e a ajuda das pessoas boas que ainda tem, porque hoje o sofrimento das famílias tá demais.

PÊNIA

Já ganho esse dinheirinho que ajuda e eu vou continuar com elas na escola até o dia que Deus me dê essa ajuda.

FEBE

A revelação de Deus, em sua infinita bondade (conforme preceito de fé

cristã), mediado por um messias (que bem poderia ser um presidente que já viveu

na miséria) junto aos oprimidos, como forma de libertá-los da pobreza em que se

encontram, ou ao menos amenizar a dor, o medo e outros males associados à

incapacidade financeira para o mínimo indispensável a sua vida e de sua família. O

PBF assume então, no contexto de um compromisso de boa vontade, a natureza de

uma dádiva, digna de gratidão.

Mas, o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada, então tudo que a gente ganha conforme Deus manda a gente fica agradecida.

HERA

Só Deus mesmo na vida da gente e a ajuda das pessoas boas que ainda tem, porque hoje o sofrimento das famílias tá demais. (...)Espero um dia ter uma melhora pra minha família, mas só rezando muito.

PÊNIA

O Bolsa Família é uma ajuda para todo o mundo, para todo o pais, tinha gente que não tinha nada para comer. O Bolsa Família veio mesmo do céu pra ajudar muita gente.

ELPIS

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236

A propósito da última fala, um estudo de opinião pública realizado por Castro

et al. (2009) mostra a predominância no Brasil da percepção de que o PBF é bom

para melhorar a vida de toda a população do pais. Corroborando com essa tese,

pesquisa realizada em Porto Velho junto a 385 famílias, revela o impacto desse

programa no combatendo à fome das famílias que vivem em condição de pobreza e

extrema pobreza (ROCHA et al., 2011).

O poder simbólico destacado na religião tem a força de construir uma

realidade voltada especialmente para estabelecer certa ordem no mundo social

(BOURDIEU, 2009, p. 77) envolvendo, em harmonia com a dádiva celeste, a

sensibilidade para a ação humanitária da nação politicamente organizada

personificada (o Estado) em favor dos socialmente excluídos.

Pois o governo é da gente mesmo, porque Deus dá a cabeça, os braços e as pernas pra gente ir atrás, mas há gente que espera que Deus faça cair lá de cima pra baixo, e receber na mão... Não pode ser assim. Se não correr atrás ninguém não ganha nada.

ÍRIS

Uma vez claramente concebida a idéia da existência de um deus protetor –

preceito de fé cristã expresso no discurso das entrevistadas – combinada com a

missão divina (de ajuda aos necessitados) que elas reconhecem na liderança

carismática do ex-presidente Lula, tem-se um ambiente propício ao exercício do

poder político (essencialmente patriarcal) com esteio na arte de dominação daqueles

que se devotam a uma liderança legitimada pelo carisma (não em sua forma "pura",

visto que patrocina ganhos privados), conforme acepção de Weber (2004), no caso,

em nome do bem-estar alcançado pelo incremento das possibilidades de consumo

por conta da renda transferida, admitindo-se contraprestações como parte de uma

relação econômica com o líder.

Pesquisa qualitativa realizada por Silva e Rodrigues (2011) nos estados do

Maranhão e Piauí, destaca que o Bolsa Família não se limita apenas à esfera do

econômico. As autoras demonstram a força da religiosidade e da política eleitoral na

compreensão do sentido desse programa, conforme juízo dos próprios beneficiários,

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tendo em vista o fato de que grande parte desses o consideraram uma dádiva de

Deus e o associarem com o ex-presidente Lula.

Mas, há vozes discordante da concepção do Bolsa Família como dádiva, por

entender que trata-se de um direito.

Assim, eu não acho que seja uma ajuda, eu penso que seja um direito da gente mesmo, porque aquilo dali a gente paga e volta de novo pra gente... A gente paga muito de imposto em cima dos preços das coisas. Eu acho que seja assim, eu penso.

TEMIS

Diniz (2007) vê o Bolsa Família como uma política assistencialista e clientelista,

focalizada em um coletivo de miseráveis desarticulados para lutar por seus direitos.

Para essa fonte, a renda transferida através do Bolsa Família não representaria

propriamente um direito social, podendo inclusive ser suprimida a qualquer tempo,

ao sabor dos interesses do governo de ocasião.

Avanços na conquista da autonomia sustentada a partir da transferência

condicionada de renda estão em pauta no debate sobre questão da porta de saída

do PBF, objeto de muitas incertezas. Nesse ínterim, certo mesmo é que o governo

fixou um tempo definido para promover o desligamento compulsório das famílias,

correspondendo à idade limite de 17 de idade para os filhos (ou outros dependentes),

todavia, não se tem notícia de indicação no sentido de apoio ou qualquer outra forma

de segmento àqueles grupos após a exclusão (SILVA; SILVA, 2008).

Buarque (2013), ao tempo que reconhece no Bolsa Família uma iniciativa

exitosa no atendimento das necessidades básicas de grande parte dos brasileiros,

aponta esse programa como um fracasso na missão de superar a pobreza em um

movimento de revolução capaz de abolir a necessidade da dependência. Para aquele

senador identificado com o caráter emancipatório da educação, é lamentável que os

governos Lula e Dilma tenham preterido o propósito abolicionista em nome do caráter

assistencialista do Bolsa Família.

Muito embora se reconhecendo a iniciativa da transferência direta de renda

(TDR) às famílias de baixo poder aquisitivo, concretizada na Bolsa Família,

enquanto mera compensação aos efeitos imediatos das limitações socioeconômicas

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238

que comprometem o bem viver, como também, sem desconhecer que tal solução,

como regra, não prima pela permanência, Uchimura et al., (2012) propugnam pelo

mérito da prestação continuada desse benefício em dinheiro.

Contudo, como alerta Burlandy (2004), os menos pobres dentre os pobres

constituem os segmentos sociais que, em termos relativos, historicamente mais se

apropriam dos serviços e benefícios prestados no bojo de programas sociais,

favorecendo assim a reprodução ao invés da compensação das desigualdades

sociais.

Renunciar ao benefício, por entender que sua família já não mais precisa da

ajuda regular em dinheiro é uma questão difícil, suscitando muita resistência.

Se devolvesse o cartão meus vizinhos iam dizer assim: – Mulher, tu vai fazer isso e ai... outra pessoa vai tá recebendo no teu lugar, uma pessoa que talvez nem precise também. (...) Deixar eles cancelar por conta própria.

METIS

Iam dizer que eu era doida.

ELPIS

Com certeza eles iam dizer assim que eu era abestada, porque estava devolvendo algo que eu estava ganhando do governo, que não eraninguém que tava me dando.

ADASTREIA

Iriam reclamar, falar besteira... Por que tu fez isso?

FEBE

Se eu devolvesse (o cartão do Bolsa Família) as pessoas podiam achar que era ignorância... Mas se eu tivesse condições eu não devolvia, porque me ajudou muito quando eu precisava, e agora que eu não preciso mais, subi, devolveria não. Eu ficava recebendo com amor e carinho e agradecia, devolvia não, jamais!

IRENE

Eles iam achar que eu não tava precisando mais daquele dinheiro. Realmente, se eu mudei para uma vida boa eu não ia mais precisar, mas eu ia pedir pra colocar outra criança que necessita no meu lugar.

TÊMIS

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239

9.11 Ócio, trabalho e poder

O contexto sociocultural contemporâneo que envolve uma diversidade de

interações entre o Estado, a comunidade e o mercado, tem se caracterizado por uma

notável ampliação da vertente da regulação – instrumentalizada pelas ciências

jurídicas, a ponto de “absorver” a vertente da emancipação. Todavia, o poder

emanado das estruturas hipertrofiadas do mercado, ao controlar a liberdade e criar

necessidades, desequilibrou a correlação de forças em desfavor da comunidade,

evidenciando (no âmbito do direito) uma tensão entre regulação e emancipação.

Nesse ambiente dialético configurou-se a legitimação de um sistema racional de leis

universais e abstratas, produtos de um modelo burocrático de gestão estatal, através

de uma modalidade de justiça baseada em uma racionalidade lógico-formal,

distanciada da idéia do conhecimento-emancipação (SANTOS, 2006).

Chomsky (2008), por alusão à abordagem comportamentalista desenvolvida

por Skinner49 (identificada com o behaviorismo50) – no trato de uma análise da

convergência entre ócio, trabalho e liberdade – postula que o enfraquecimento dos

controles sobre o humano poderia levá-lo à passividade, particularmente em

condições de baixa privação. Por esse entendimento, uma vez tendo pouco a fazer,

as pessoas tenderiam a ficar ociosas51, por outro lado, aqueles que têm o poder para

forçar ou induzir outras trabalharem para eles parecem capazes de, conforme lógica

skinneriana, “fazer o que bem entendem” (Idem, p. 406).

Diferentemente do não ter nada para fazer, o “poder de fazer o que se quer”

pode ser considerado uma ambição plenamente justificável, ainda que por tempo

definido, a exemplo de viver às custas da proteção social quando não se dispõe de

49

Atribui-se a Frederic Skinner o postulado de que o padrão de atividade de um animal seria função de sua História Ambiental de Reforço, e nesse prisma, seu organismo oscila da atividade vigorosa até o completo repouso, dependendo dos esquemas pelos quais foi reforçado. Aprendizagem por recompensa ou castigo (preceitos da tese do Condicionamento Operante) (SAMPAIO, 2005). 50

No artigo “Psicologia, como o behaviorista a vê”, apontado como clássico da psicologia experimental, Jonh Wahson (um dos precursores do behaviorismo) sustenta que o comportamento dos seres humanos, como o de qualquer outro animal, pode ser investigado sem o apelo à consciência (em um sentido psicológico). “Nós podemos chamar a isto o retorno a um uso não-reflexivo e ingênuo de consciência” (WATSON, 2008, p. 300). 51

“Mas o ócio ‘é um estado para o qual a espécie humana foi mal preparada’ e, portanto, é um estado perigoso.”

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nenhum trabalho interessante (por assim dizer, na compreensão de quem emprega

a sua mão de obra) (CHOMSKY, 2008).

Eu sou empregada doméstica, mas a minha patroa não quis aceitar assinar a carteira, então eu não aceitei mais trabalhar lá, voltei pra casa do meu pai. (...) Falei que o tempo que ela tava me pagando (R$ 350,00) não tava dando pra manter minha casa, pagar a água, a luz, o gás, os alimentos, (...) além de ter de ficar o dia todo e até a noite afastada dos meus dois filhos. (grifo nosso)

TÊMIS

É pertinente a discussão do critério moral e de justiça que evolve a questão do

tempo dedicado ao trabalho remunerado, especialmente em decorrência de a

jornada de prestação de serviço assalariado implicar, invariavelmente, na abdicação

do tempo dedicado aos filhos. Por tal razão, a transferência direta de uma renda

mínima favoreceria mais tempo da beneficiária junto a sua família ou, ao menos,

contribuiria para um repensar da importância de se permitir mais tempo com os

filhos, considerando-se em particular o contexto socioafetivo do ambiente doméstico,

frequentemente vulnerado por doenças ocupacionais.

Tem 14 anos que faço um movimento só no trabalho. Com o braço direito não consigo fazer nada em casa, é uma dor assim cansada. (...) A líder da esteira xinga a gente de lerda, de deficiente, pois o que tem de fazer tem de ser rápido. Não é culpa da gente, que adoeceu lá dentro. Se for pra tirar as pontas de linhas tem de ser ligeiro, se faz devagar fica um monte de chinela em cima da mesa. Com a máquina é muito ligeiro e quando é a palmilha da chinela (...), tem de ir pro outro lado.Tudo que faz lá tem de ser ligeiro, senão eles caem em cima da gente. O médico me deu três meses de licença, mas o INSS só deu um mês, eu tenho medo de voltar, tem de resolver minha licença. (...) Antes de eu adoecer eu gostava do meu emprego, mas fico com medo de ficar assim deficiente, precisar me operar e eles não me quererem mais, porque isso aqui num melhora não. Na fisioterapia bota um gelo, dão comprimido pra dor, mas no outro dia já tá do mesmo jeito. (...) Aqui em casa com esse braço aqui eu não faço mais nada, se for para lavar uma roupa eu não torço porque dá uma dor cansada.

ÉRIS

Ademais, atualmente, para ocupar o mesmo posto de trabalho (auxiliar da

linha de produção de um fábrica de calçados), remunerado com um salário mínimo,

se faz necessário demonstrar que concluiu o segundo ano do ensino médio. Há 14

anos o requisito de escolaridade era a 4º série.

É bem provável que seja falsa a proposição de que o trabalho na sociedade

capitalista signifique a causa de toda (sic) degeneração intelectual e deformação

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orgânica, como defende Lafargue (2003), no manifesto “O direito à preguiça” (em

contraposição à defesa do direito ao trabalho) 52, entretanto, não é menos verdade a

assertiva de que as mercadorias produzidas através do trabalho são parte de um

mecanismo complexo que converte seres humanos em consumidores passivos,

incursos em uma sociedade estruturada na racionalidade do mercado. Tal lógica

econômica é indissociável da ambição (tanto daquele que compra como de quem

vende) que favorece a reificação do tempo dedicado à realização do trabalho

humano. Tal sentimento vincula-se à percepção de que “tempo é dinheiro” e esse

último traz felicidade através do fetiche de consumir (MATOS, 2003).

A centralidade do trabalho na nossa sociedade é uma questão muito

interessante, mormente quando observamos que a condição de desempregado é

socialmente reprovada, inclusive motivo de distanciamento ou reservas no círculo de

convivência que frequentemente distingue uns e outros pela (plena) atividade

profissional.

Quando a gente não tem trabalho, isso faz com que as pessoas lhe vejam de forma diferente. Se você trabalha tem amigos, é como se você tivesse todo o mundo ao redor. Mas quando você não tem trabalho, só Deus lá em cima, é cada um na sua. Porque o dinheiro, eu acredito que o dinheiro veio pra nos ajudar, mas que com ele você acaba querendo ser o dono da situação e menosprezando as pessoas.

ADASTREIA

Na fala acima transcrita é interessante verificar a alusão à sociabilidade (na

esfera privada) pelo trabalho e, no outro extremo, a exclusão do outro pelo

desemprego (SILVA, 2006), bem como ao poder associado à contrapartida

remuneratória desse mesmo trabalho (WEBER, 2004), processos sociais esses que,

como dito, permeiam a vida daqueles que se reconhecem no mundo das relações

sociais associadas ao trabalho remunerado.

Por outro lado, não se pode desconhecer que a formatação política do Bolsa

Família se afigura como uma inegável expressão de poder, e, nesses termos, como

ensina Marx (2003), uma estrutura política primordialmente receptiva às condições

impostas pelo modo capitalista de produção. Nesse sentido, infere-se que a

52

“Uma estranha loucura dominou as classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Essa loucura traz como consequência misérias individuais e sociais que há séculos torturam a triste humanidade. Essa loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda que absorve as forças vitais do indivíduo e sua prole até o esgotamento.” (LAFARGUE, 2003, p.19).

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subordinação funcional dos beneficiários a tal estrutura reforça a premissa da

dependência, por vezes manifesta ou mesmo disfarçada.

Na esteira da centralidade do trabalho para conquista da autonomia

sustentada das famílias, como indicado pelas entrevistadas, surge a

responsabilização do governo para na produção social da empregabilidade e

abertura de postos de trabalho. Nesse sentido, foi recorrente a reclamação no

sentido de que o governo deveria criar as condições objetivas para oportunizar a

geração de emprego para mulheres mães com baixo ou nenhum grau de

escolaridade.

Todavia, não se pode desconhecer que a formatação política do Bolsa Família

se afigura como uma inegável expressão de poder, e, nesses termos, como ensina

Marx (2003), uma estrutura política primordialmente receptiva às condições impostas

pelo modo capitalista de produção. Nesse sentido, infere-se que a subordinação

funcional dos beneficiários a tal estrutura reforça a premissa da dependência, por

vezes manifesta ou mesmo disfarçada.

Em geral, os discursos e as posturas expressas pelas entrevistadas ressalta o

trabalho como parte ativa do cotidiano de suas famílias, opondo-se, dessa forma, à

opinião de que a renda transferida induz à acomodação (ou preguiça).

A partir da verificação empírica de que os beneficiários do Bolsa Família

preferem o próprio esforço como meio de garantir o sustento familiar, Menezes e

Santarelli (2008) concluíram que o Bolsa Família não gera desestímulo ao trabalho:

“Quando perguntados se haviam deixado de exercer algum trabalho a partir do

ingresso no Programa Bolsa Família, 99,5% dos titulares disseram que não”.

De acordo com Fleury (2013), a política social para ser considerada adequada

deve – uma vez articulada ao contexto internacional da economia – favorecer a saída

da extrema pobreza por meio de transferências públicas mínimas, todavia de forma a

aumentar o poder de consumo sem desestimular o pobre da situação-limite ao

trabalho.

No nosso universo empírico ficou evidenciado que as pessoas não deixam (ou

deixariam) de exercer atividades laborais por conta do aporte de dinheiro do Bolsa

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Família, exceto se, a juízo delas mesmas, a contrapartida remuneratória não fizer

justiça ao esforço de trabalho.

Sou empregada doméstica, ai a minha patroa não quis aceitar assinar a carteira, ai eu sai, voltei pra casa do meu pai. Eu falei pra ela que o tempo que ela tava me pagando (R$ 350,00) não tava dando pra pagar o aluguel de casa, pra mim se manter, pagar a água, a luz e o gás, os alimentos. Pra tudo isso só recebo mais R$ 134 do Bolsa Família, Entreguei, o aluguel da casa, era R$ 150.

TÊMIS

Discursos desses tipos sugerem um fortalecimento na capacidade de discernir

a qualidade de uma proposta de trabalho e, nesse sentido, confirma a análise de

Dias e Silva (2010). Uma vez contando com o repasse do dinheiro federal, a mãe de

família beneficiária muitas vezes se reconhece mais tranquila para sopesar entre

trabalhar fora e cuidar dos filhos em casa. Diversos fatores são considerados nessa

decisão, tais como: direitos e interesses trabalhistas, saúde e segurança dos filhos. A

percepção da importância do tempo dedicado (ou não) ao convívio com a família se

revela como uma forte influencia na escolha da jornada de trabalho.

O dinheiro do Bolsa Família apesar de pouco salva uma diárias que eu ia ter de fazer, ai eu fico em casa com minhas filhas, é preciso a mãe em casa o dia todo pra acompanhar certas coisa

HERA Agora com esse benefício sobra até mais tempo pra ficar em casa, num preciso correr tanto pra ter um ganho.

DEMETER

Naturalmente, o destino do dinheiro do Bolsa Família não se limita a prover,

ainda que parcialmente, as demandas alimentares dos beneficiários (em situação de

baixa renda53), constituindo-se em importante mecanismo de ampliação do acesso

das famílias a utensílios domésticos, aparelhos eletrônicos e outros bens de

consumo, muitas vezes só possível – como observado por Pirani (2009) junto a

famílias paranaenses, cujos membros tem baixa empregabilidade – através da

solidariedade alheia.

53

A versão cearense do Bolsa Família, presente em 184 município e 1.078.238 famílias contempladas, assume

como objetivo do programa: “Assegurar às famílias de baixa renda o acesso à alimentação através da

transferência de renda” (CEARA, 2013).

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244

Nada obstante, empregabilidade, termo impregnado de diversos sentidos, é

aqui assumido como as condições individuais de qualificação, aperfeiçoamento e

disponibilização da força de trabalho.

Uma pessoa pobre tem uma liberdade de tudo ter, e ao mesmo tempo de não ter. De tudo aquilo ser oferecido ali nas palavras e quando na realidade nada acontece.

IRENE

Falta eu arrumar um emprego para eu ajudar meu marido, que trabalha na reciclagem hoje. Se aparecesse um emprego pra mim, (seria) muito melhor para poder ajudar mais dentro de casa. Também porque só a ajuda do governo não dá.

ÍRIS

Na concepção liberal de sociedade, a empregabilidade é exaltada como

condição necessária para viabilizar que uma pessoa individualmente considerada

(em face da estrutura das relações sociais implicadas com os meios de produção e

consumo) seja protagonista do próprio destino, (BOURDIEU, 2011; ALVES, 2008;

LEMOS; RODRIGUEZ; MONTEIRO, 2011). Nessa direção, a face pragmática e

utilitarista da educação (conforme imperativos da competitividade econômica e da

ordem social que lhe é consentânea) destaca-se como diferencial para uma almejada

mobilidade social, impregnada de poder simbólico, muito embora sem romper com as

condições estruturais que reproduzem as desigualdades sociais (BOURDIEU, 2001;

2007).

O governo poderia até mudar a extrema pobreza que existe no mundo, mas se ele colocasse trabalho sem tá opondo grau de estudo, porque a gente às vezes tem uma profissão, a gente faz em prática, mas a gente não tem estudo. A chance da gente é pequena, o mercado de trabalho cobra muito, exige muito o estudo, se a gente não tem estudo, mesmo com a prática não entra (no emprego). (...) Exigem que você tenha terminado o terceiro (ano do ensino médio), ter curso... mas é muito difícil ter oportunidade de curso pra gente.

ADASTREIA

O diploma escolar abriga um alto poder simbólico, cujo valor agregado à

empregabilidade valora a escola como uma das instâncias indispensáveis à

manutenção da ordem social, conquanto a conquista de uma certificação por tempo e

grau de estudo “fixa” as disposições dominantes. “Trata-se de uma delegação

simbólica que desapossa e separa os menos competentes em favor dos mais

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competentes; os menos instruídos, em favor dos mais instruídos” (LIMA, 2007, p. 6).

Hoje pra entrar na fábrica eles querem que você tenha o 2º e 3º ano científico. Na época que entrei exigiam só a 5ª série.

ÉRIS Pelo menos na Grendene, se eu pedir um emprego eu não vou conseguir o emprego, porque eu só fiz até a 4ª série. Tão pedindo mais estudo... querem o segundo grau. Pra trabalhar tem de ter estudo, quem não estudou... Por isso que é bom os nossos filhos estudarem.

PÊNIA

Empregabilidade é modernamente entendida como a capacidade de

adequação da pessoa às demandas dos mercados de trabalho (LEMOS;

RODRIGUEZ; MONTEIRO, 2011). Tal noção traz implícita a idéia da

responsabilidade individual desde a formação até a obtenção de trabalho

(BALASSIANO; SEABRA, LEMOS, 2005). Alcançá-la pressupõe ao menos o domínio

da leitura e da escrita, sabendo-se que há uma relação direta entre a escolaridade

(inclusive a educação profissional) do empregado e as oportunidades de emprego

(com correspondente e proporcional remuneração).

Balassiano, Seabra e Lemos (2005) confirmam o impacto positivo na renda do

trabalhador com o aumento de sua escolaridade (premissa da teoria do capital

humano), todavia indicam um incremento significativo dos salários tão somente para

aqueles que chegaram ao ensino superior. Por outro lado, o mesmo estudo indica

uma reversão de expectativas quanto aos demais níveis, visto que a faixa com

escolaridade até a quarta série incompleta recebe salário, em média, acima do pago

àqueles que, no mínimo, estão cursando a quinta série; ademais, “o grupo sem

escolaridade formal (analfabetos) apresentam a mesma taxa de empregabilidade do

grupo que possui o segundo grau completo”.

O governo podia botar mais emprego, mais fábrica para a pessoa trabalhar, sem exclusão (por causa) desse negócio de escolaridade, porque não estudou isso ou deixou de estudar aquilo. Às vezes tem muitos que não trabalham em firma porque não tem os estudos. E outros que tem não conseguem também.

ÍRIS O governo deveria colocar uma lei para as pessoas que são analfabetas poderem trabalhar, porque emprego nenhuma aceita uma pessoa de 5ª ou 4ª série, nem 1ª nem alfabetização, isso eu acho errado. Não importa se seja pobre, nem a série ou estudo que tenha, tem de trabalhar pra acabar

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mais com a fome. ÉRIS

Se eles pudessem mandar mais cursos para os bairros, emprego também. Se eles pudessem abrir uma fábrica que desse para empregar. As mães que tivessem assim 40, 42, porque depois dos 42 não tem mais quem queira empregar ninguém, só mesmo as mais jovens. Eu, pelo menos, tá com o bocado de tempo que eu pelejo e não arrumo emprego em nenhum canto mais. Eu acho que tenho mais coragem de trabalhar do que as novinhas.

ELPIS

De fato tem havido uma redução significante dos postos de trabalho para

analfabeto. Entre 2005 e 2011, a quantidade de registros de empregos formais em

Sobral cresceu 37,64% (de 33.194 para 41.477), mas o número de postos de

trabalho ocupados por analfabetos caiu de 630 para 2002 (BRASIL, 2013c). Todavia,

é evidente que a geração de emprego para pessoas que não sabem ler e escrever

nem de longe é a solução, até por força do direito social à educação.

Em 2004, dentre os 33.194 postos de trabalho ocupados em Sobral, havia 615

vagas com pessoas analfabetas, isto é, para cada 54 empregos formais, um era

ocupado por analfabeto. Apenas cinco anos depois essa mesma proporção passou a

ser de 1:102, pois os registros de 2011 revelam 406 analfabetos no universo dos

41.477 ocupações formais no mercado de trabalho (BRASIL, 2013c).

Tabela 10 - Movimentação de empregos formais em Sobral, janeiro a maio de 2013.

Localidade Admissões Desligamentos Saldo

Sobral 3.960 -2.790 1.170

Fortaleza 73.528 -76.623 -3.095

Ceará 122.260 -124.925 -2.665

Nordeste 651.464 -732.165 -80.701

Brasil 5.417.831 -5.153.035 264.796

Fonte: MTE, Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

Quando comparado com o contexto geográfico regional é notável o

crescimento da oferta de trabalho em Sobral, cuja movimentação nos primeiros três

meses de 2013 aponta um incremento de 1.170 empregos formais (Tabela 10), ao

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passo que a capital Fortaleza apresentou um decréscimo de 3.095 para o mesmo

indicador.

Mesmo para quem tem emprego, sabe-se que as inovações tecnológicas no

mercado de trabalho exigem do empregado o retorno e a permanência nos estudos

(educação continuada).

Hoje eu tenho 35 anos, mas se eu fosse uma mulher de 40 eu já tinha (teria) perdido a esperança que firma nenhuma ia empregar, porque não empregam quem tem pouco estudo e, principalmente gente como eu que não fez curso.

HERA

Falta emprego pra gente que já fez 30 anos e num tem formação, mas num tem como voltar pra escola e aprender depois que a gente assume uma família. As firmas exigem que a gente tenha curso disso, daquilo... Hoje em dia, tá difícil arrumar quem dê um trabalho, mudou tudo, tem de aprender até a mexer com computador pra ser vigia.

ÍRIS

A julgar pelas falas acima transcritas, essa e outras mulheres na faixa de 30

anos envolvidas nesse estudo, compreendem que o mundo econômico requer

profissionais cada vez mais qualificados. Para elas reaprender e aperfeiçoar

habilidades são parte de um processo de readaptação à função modificada pelos

novos tempos.

9.12 “... Tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um

pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família.”

[A mãe vai às unidades de saúde] porque têm medo a fonte de renda que elas têm, digamos assim, é a vaquinha que elas têm que dá o leite. Se parar como é que elas vão fazer? (...) Porque nós costumamos dizer que tem uma vaquinha que dá leite todos os meses, nem que seja um pouquinho, mas dá, que é o Bolsa Família. Ela tá dando um leitinho ali. É o jeito que a mãe encontrou pra sobreviver, as custas de uma vaquinha em casa. (...) Mas essa vaquinha não alimenta a família o suficiente, ela apenas dá um suporte, alguma coisa assim que faz com que a mãe vá deixar a criança na escola, pois se ela faltar a mãe já sabe que no outro mês podem nem ter (o Bolsa Família). (grifo nosso)

METIS

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248

Naturalmente a “vaquinha” que representa o Bolsa família é nutrida com as

condicionalidades, sob pena de ser suspenso, bloqueado ou cancelado o benefício

mensal em dinheiro.

É tanto que muitas mães obrigam mesmo os filhos a ir pra escola. Sabem que se a criança tiver muita falta vai ser suspenso, é bloqueado durante um período. Ai elas fazem de tudo mesmo para manter o filho na escola.

METIS

As vezes o Bolsa Família não está nem beneficiando a criança, tá beneficiando é os pais As vezes a criança não chega nem a ver aquele dinheiro. Acredito que os pais devem levar seu filho pra escola de uma forma que é pra ser... Não obrigar! Obrigar, porque senão não vou ganhar o Bolsa Família. Eu tiro por mim mesmo aqui, minha filha diz assim: – Mãe eu preciso é ir pra Escola amanhã, porque se eu ficar faltando você perde o Bolsa Família. Não é pelo lado que eu force ela, mas ela sabe, ela vê assim: – Minha mãe está sem trabalhar e precisa do Bolsa Família. Acredito que na mente dela, mesmo sendo uma criança pequena, vai esse pensamento. Eu jamais quero que minha filha se obrigue a fazer uma coisa pra me ajudar. Mas sim porque ela gosta, porque ela tá aprendendo, que aquele estudo sirva pra ela ser alguém na vida, não porque a mãe dela precisa do Bolsa Família. Ela deve sim ter um propósito maior, alcançar um trabalho que exige mais estudo.

ADASTREIA

Contudo é muito controversa entre as entrevistadas a pertinência da exigência

das condicionalidades. Há posicionamentos favoráveis e contrários, como também

conciliatórios, alguns dos quais destacando a importância dos serviços sociais de

saúde e educação, outros valorando a autonomia dos pais.

O governo não deveria impor as condicionalidades. Até mesmo em muitos casos, tem mãe fica pressionando a criança pra criança ir pra Escola. – Você vai porque senão eu vou perder o Bolsa Família... (...) Às vezes a criança fica ali oprimida, pois sabe que se não tiver presença na Escola a mãe vai perder o dinheiro todo mês. Eu não concordo, não precisam disso, porque se eu tenho um filho e sei que ele precisa estar acompanhado por uma vacina, acredito que ninguém precisa tá me pagando para eu fazer isso.

ADASTREIA

Com certeza. E deve continuar, porque tira as crianças do meio de rua. Porque se o governo não exigisse isso ai também quem é que queria estudar? As crianças já são preguiçosas para estudar, ai o governo ia levar a vida sustentando essas crianças. Isso não! Tem de exigir mesmo.

FEBE

Eu acho que cada mãe e cada pai não deveria se preocupar com a Escola dos filhos só porque recebem o Bolsa Família, porque recebendo ou não recebendo isso não é pra fazer diferença com a educação.

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249

HERA O governo tá certo (de impor as condicionalidades), mas isso ai é uma coisa que todo mundo deve fazer, levar seu filho no posto para evitar doença. O governo tá fazendo é o bem! (...) Eu acho que ele faz isso pra ajudar as pessoas (...) Se você não levar seus filhos pra vacinar, não botar pra estudar, daqui pra frente ele vai ser o que?

IRENE

A importância singular da educação é observada, com notável lucidez, como

parte da experiência de vida de uma mãe que se assume (na entrevista) analfabeta:

Mesmo que eu não sei ler nem escrever, concordo com o governo, porque desde quando começou isso ai (a transferência de dinheiro condicionada à frequência escolar) eu já vi que há muita criança lendo e escrevendo, por que? Porque estava todo dia ali indo pro colégio. Mas também eu conheço muitos pais e muitas mães que não vão lá saber se o filho tá bem na leitura e na escrita.

TÊMIS

O reconhecimento da educação para impulsionar os filhos no mundo do

trabalho é consenso entre as entrevistas com falas do tipo:

Estudar é um futuro pra ele. O estudo só serve pra ele mesmo, pra mais ninguém, porque ele estudando, fazendo curso, arruma um emprego bom. Que ele vê, eu sempre digo: – Tu vê o meu jeito aqui! Hoje em dia eu me arrependo de não ter aprendido a ler, (...) Se eu soubesse ler, se tivesse estudado, hoje eu estaria na Grendene, assumindo meus dois filhos, assumindo até eu só mesmo, não dependendo de ninguém não; Mas hoje em dia, não vou mentir, eu me arrependo... Só não me boto pra estudar porque eu tenho essa meninazinha aqui.

IRENE

Todavia, por vezes, a exigência da condicionalidade em educação extrapola o

tolerável, posto avançar na linha de cuidado familiar para com a criança.

É bom sim a criança não faltar o colégio, mas as vezes a criança tá doente, a gente vai num posto pro médico com uma gripe, agora ele não quer dar mais um atestado para a gente botar no colégio. E tem só um médico aqui posto pra três bairros. Teve uma vez que (...) eu levei meu filho com febre e cansado no posto, não consegui o atestado, fui explicar na direção do colégio que o médico não dar quis me dar o atestado para gripe. Eu falei pra professora, ela viu ele com febre, mas queria que eu deixasse meu filho no colégio, que não tinha problema, elas iam dar umas gotinhas lá... Então eu não concordei e disse: – Se nem eu que sou mãe eu não sei o que é que ele tem realmente, eu vou deixar ele aqui, você vai saber? (...) Ora, gota por gota eu já botei lá em casa e não passou. (...) Trouxe meu filho pra casa.

TÊMIS

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250

Ainda sobre o mérito das condicionalidades do PBF, muito embora em um

primeiro momento estas tendam a parecer algo negativo por força da dimensão de

controle sobre a conduta das famílias beneficiárias, verifica-se que, ao menos na

perspectiva das mães titulares do cartão, essas mesmas contrapartidas assumem

um caráter positivo, percebidas como retribuição ao Estado provedor daquele

benefício em dinheiro, compondo um sistema de prestações e contraprestações

(CUNHA; PIRES, 2011).

Não custa nada à mãe levar o filho para tomar vacina, não custa nada botar ele na escola, e não custa nada ele frequentar para receber o dinheiro, porque nem a mãe nem o pai dele suaram para ganhar, só chegar aquele dia, aquele mês, vai com o cartão e tira.

ÍRIS

Com certeza deve (o governo) continuar (a exigir a condicionalidade em educação), porque tira as crianças do meio de rua. Porque se o governo não exigisse isso ai também quem é que queria estudar? As crianças já são preguiçosas para estudar, ai o governo ia levar a vida sustentando essas crianças. Não, tem de exigir.

FEBE

Mattos (2005) denuncia que são comuns casos de alunos pouco assíduos

cujos professores abonam as faltas, e assim o fazem por entenderem que uma vez

cancelado o Bolsa Família, favorecer-se-ia ainda mais a exclusão social dessas

crianças.

Conforme observado por Cunha e Pires (2011), para fazer justiça social com

os pobres e entre os mais pobres, o Estado passa a dar dinheiro (prestação). Assim,

quem o recebe vincula-se a obrigações (contraprestações), estabelecendo um elo de

interesses entre esses dois agentes, uma espécie de acordo de vontades que se

prolonga no tempo.

Em geral, as entrevistadas relacionam a pobreza com as noções de

distribuição desigual de oportunidades e poder. Os discursos muitas vezes trazem

experiências no âmbito da qualidade dos serviços públicos, denunciando, por

exemplo, situações limite de descaso aos usuários do SUS, tendenciosamente

motivado por uma lógica de poder que decide, por exemplo, o atendimento de quem,

quando e por qual profissional, consubstanciando desse modo um costume perverso

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de facilitar (ou não) o acesso através de mecanismos de poder atrelados aos

operadores do sistema.

Uma pessoa que é pobre, não tem uma chance nem ajuda de alguém, por exemplo, se você vai ai no posto para marcar um dentista, eles marcam... só (que é) pra daqui a um mês. Uns que trabalham lá, marcam pra cinco dias, por que? Que diferença é essa tão grande? (...) Pelo (fato de) que elas trabalham lá... Acho que seja por isso elas fazem as coisas ser mais rápidas pra elas e quem elas querem. Enquanto tem muita gente na fila esperando por uma coisa mais importante e não consegue. Não posso concorda com isso, eu reclamo, mas a maioria não diz nada.

TÊMIS

O excerto acima transcrito denota o reconhecimento de uma posição ocupada

no campo social – entendido por Bourdieur (2009) como um espaço multidimensional

de posições, com distintas espécies de capital (incorporado ou materializado) que

definem o estado das relações de força institucionalizadas (aparelhadas e

legitimadas em estatutos sociais, por vezes juridicamente garantidos) entre agentes

objetivamente definidos em função da posição ocupada nestas relações. Partindo-se

desse contexto teórico, o acesso ao servido público de saúde da entrevistada,

mediado por operadores do Estado articulados em espaços de poder desigual, é

severamente limitado pelo baixo prestígio social expresso na condição de pobreza

em que essa se encontra. Por outro lado, esse mesmo lugar é determinante para o

acesso ao “ganho” do Bolsa Família.

Hoje o meu ganho, a minha renda, vem do Bolsa Família. (grifo nosso)

ADASTREIA

Eu já vivo assim dependendo desse ganhozinho. Ai serve pra pagar uma água, luz, comprar uma chinelazinha, comprar o caderno deles, que eu não tenho dinheiro. (grifo nosso)

PÊNIA

Na opinião de Demo (2002), programas de transferência de renda

condicionada a educação, do tipo Bolsa isso ou aquilo, transformam facilmente

situações provisórias em definitivas, implantando uma dependência

tendenciosamente irreversível. No mesmo sentido, como antes mencionado, Oliveira

(2006), por alusão às primeiras iniciativas do recém-eleito governo Lula no sentido de

reforçar a distribuição de dinheiro (já empreendida pela administração de Fernando

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252

Henrique Cardoso), assevera que iniciativas desse porte seriam instrumentos de

funcionalização da miséria, sem mudar a estrutura desigual de distribuição de

riquezas no país. Nesse sentido, o Estado provedor converte a pobreza em um lugar

suportável e funcional. Talvez por isso, poderia deslocar os pobres para a direção

oblíqua da acomodação sustentada com recursos federais (tantas vezes referenciada

por inúmeros críticos), como se depreende do discurso abaixo transcrito.

O Bolsa Família é pra ser uma ajuda pra família melhorar, só que muita gente acha que ali é pra ser pra sempre...

METIS Hoje (o Bolsa Família) é a única renda que muita gente tem. Alguns porque querem, alguns porque não querem melhorar; não querem buscar outra coisa, porque já estão viciados. Não querem procurar outra coisa porque sabem que se for fazer outra coisa e for descoberto ele (o dinheiro) podem ser cortado. (...) Algumas pessoas tem oportunidade de melhorar, mas não buscam.

METIS

Uma vez assumindo-se pobreza e riqueza como fenômenos socialmente

produzidos, Anatole (2009) entende que não importa investir muito esforço para

melhorar a condição do pobre, mas, isto sim, para acabar com a pobreza

propriamente dita. Todavia, esforços nesse sentido esbarram na mecânica da

desigualdade, visto que a riqueza apregoada pelo liberalismo como condição

supostamente ao alcance de todos, supõe a existência da pobreza, ainda que

mitigada pelas políticas compensatórias de renda, mas sem mudança importante na

estratificação entre pobres e ricos.

No entanto, assumir que o Bolsa Família não tem o condão de mobilizar uma

efetiva transformação das pessoas para busca da emancipação sustentada é o

mesmo que reconhecer um distanciamento da almejada porta de saída do benefício,

vale dizer: a família provendo seu próprio sustento, conforme propósito institucional

do programa e anseio de boa parte dos beneficiários (notadamente através de um

trabalho digno e justa remuneração). Cumpre ponderar, entretanto, com esteio na

pretensão hermenêutica, a procura da essência por trás da aparência (BOURDIEU,

2009)54, que as construções sócio-discursivas que indicam a acomodação dos

54

“Reduzir os agentes ao papel de executantes, vítimas ou cúmplices, de uma política inscrita na Essência dos

aparelhos, é permitirmo-nos deduzir a existência da Essência, ler as condutas na descrição dos Aparelhos e, ao

mesmo tempo, fugir à observação das práticas e identificar a pesquisa com a leitura de discursos encarados como

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beneficiários desvelam algo para além das dimensões da hegemonia política

atreladas à lógica de inclusão econômica no mercado. Trata-se do desconforto e da

incomodação dos próprios beneficiários com a alegada indução de um processo de

retroalimentação da pobreza.

Para Cruz e Pessali (2011), o PBF mais do que proporcionar um equivalente

monetário ao beneficiário, decide por ele. Em outras palavras, não resta à família

envolvida outra possibilidade razoável que não cumprir as condicionalidades.

Zimmermann (2006) e Senna et al. (2007), sob a ótica dos direitos humanos,

veem com reserva a imposição de condicionalidades ou contrapartidas no Bolsa

Família, de maneira que a pena de exclusão dos beneficiários não conformes com

tais exigências constituiria grave violação aos direitos humanos, principalmente em

razão de que não seria admissível a vinculação a quaisquer formas de conduta para

aquelas famílias em notória situação de desvantagem frente à inoperância das

políticas públicas sociais.

O próprio governo federal analisa que as condicionalidades são impostas não

apenas às famílias beneficiárias, pois cumprem ao Estado, considerado nas

diferentes esferas da federação (União, Estado, Município e Distrito Federal) e seus

respectivos níveis de competência, “prover a oferta de serviços e equipamentos”

públicos às demandas sociais (BRASIL 2011, p. 267).

Ressalte-se ainda ser duvidosa a capacidade de os serviços educacionais e de

saúde absorverem adequadamente o aumento de demanda resultante da

implementação do Bolsa Família (SENNA et al., 2007), situação essa que a

complicada repartição da receita tributária do Brasil não dá conta, e que é

sobremodo agravada pelo despreparo e a corrupção que impera nas administrações

públicas ao longo do pais.

Tavares (2010), em um estudo observacional com beneficiárias do PBF,

investigou a existência de possíveis incentivos adversos do programa para as

decisões relativas à oferta de trabalho e concluiu, com base em dados explorados

com ferramentas de estatística descritiva, que receber a transferência de renda

matrizes reais das práticas” (p. 77).

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constituiria um fato estigmatizante de ordem a provocar na mãe um aumento de

disposição para o trabalho, reduzindo sua dependência da transferência de dinheiro

público. Por outro lado, Santos et al. (2010), com base nos dados do PNAD/IBGE

2007 no meio rural brasileiro, observam que as mulheres contempladas com a renda

mensal do PBF tendem a reduzir a oferta de trabalho.

Quando interrogadas se o Bolsa Família favoreceria a acomodação ou a

autonomia sustentada das famílias, as entrevistadas, em geral, concordam com a

ocorrência de ambas as possibilidades, contrapondo-se à tendência de reduzir

questões tão complexas a um dualismo simplório.

É dividido, algumas pessoas tem autonomia, vai tentando melhorar, outras não querer tentar procurar trabalhar de emprego fixo, carteira assinada, elas não querem, porque sabem que correm o risco de perder, mas elas procuram trabalhar em uma casa. Elas procuram fazer outras atividades, outras procuram trabalhar com artesanato. (...) Tem famílias que são bastante acomodadas e outras mais desenroladas.

METIS

O Bolsa Família dá só um complemento naquilo que se ganha com o trabalho, penso que não dá pra acomodar, mas alguns se acomodam durante um tempo porque ficam só esperando o dinheiro do Bolsa Família, se bem que as vezes é estão esperando um trabalho melhor (...) Tem comodismo sim, tenho consciência disso.

ADASTREIA

Por outro lado, é notório que na operacionalização do Bolsa Família há

inúmeras irregularidades e efeitos perversos. Nesse sentido, o noticiário jornalístico é

farto de exemplos, tais como a titularidade do benefício em favor de pessoas de

razoável poder aquisitivo (comerciantes, vereadores, etc.) e a retenção do cartão por

agentes do tráfico de drogas.

6.13 O Programa Bolsa Família e o jogo político

No período de 2004 a 2012, foram propostos 34 Projetos de Lei (PL) com

vistas a alterar o PBF. Tais iniciativas, ao todo, partiram de 30 parlamentares,

originários de 16 estados da federação e 12 partidos políticos (de diferentes matrizes

ideológicas) representados no Congresso Nacional. Dentre as mudanças desejadas

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pelos membros do legislativo destacam-se: a criação de condicionalidades adicionais

e de incentivos e/ou oportunidades de trabalho para os beneficiários (BRITTO,

2011b).

Apenas para fins ilustrativos do conjunto de iniciativas no Senado e na

Câmara dos Deputados no sentido de criar condicionalidades adicionais ao Bolsa

Família, muito embora sem a pretensão de esgotar tal abordagem no processo

legislativo nacional (até porque fugiria ao escopo desse trabalho), é pertinente citar

(1) o PL n° 6.747, de 2010 (BRASIL, 2010c), apresentado pelo Senador Cristovam

Buarque (PDT/DF), com intuito de obrigar os pais a participarem de reuniões

escolares55; e o (2) PL n° 44, de 14 de fevereiro de 2007 (BRASIL, 2007c), proposto

pelo Deputado Lincoln Portela (PR/MG), a fim de exigir a prestação de serviço

“voluntário” (sic) por algum dos membros da família beneficiária56. Cumpre observar,

entretanto que condicionar a prestação de serviço à comunidade como contrapartida

à transferência de dinheiro, por comando do Estado, não se coaduna com a idéia de

trabalho voluntario, podendo caracterizar uma relação de emprego.

Por sua vez, o projeto de lei 7.892 de 11 de novembro de 201257 (BRASIL,

2012g), de autoria do Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), visa conceder aos

beneficiários do Programa Bolsa Família um adicional a cada mês de dezembro –

equivalente ao décimo terceiro salário pago aos trabalhadores formais.

É inegável o apelo eleitoral de uma proposição política que aponta mudanças

favoráveis aos milhões de beneficiários, cidadãos particularmente sensíveis – porque

incursos na pobreza material – à intervenção econômica do Estado na economia

doméstica deles próprios. Por outro lado, ainda que uma proposta de lei vise criar

nova condicionalidade, estar-se-ia com isso contemplando a idéia (também popular)

55

Após aprovada pelo Senado Federal a proposição foi rejeitada por maioria (14 x 7) em reunião deliberativa ordinária da Comissão de Educação e de Cultura da Câmara dos Deputados, realizada em 17 abril de 2013. 56

Atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania com parecer pela aprovação (desde 2 de agosto de 2011) no qual é destacado que “associar a concessão do benefício Bolsa Família à prestação de serviço voluntário representa oportunidade de inserção do beneficiário no mercado de trabalho (...) e um retorno social de grande valor à comunidade. É, portanto, medida que objetiva o bem-estar e a justiça sociais (art. 193, CF)”.

57 Rejeitado (por unanimidade) em 29 de maio de 2013, na Comissão de Seguridade Social e Família,

com fundamento na assertiva de que o Bolsa Família trata-se de um programa de assistência social, não cabendo por isso a bonificação natalina paga aos trabalhadores urbanos e rurais, como também aos aposentados e pensionistas em geral.

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de controle estatal da conduta humana legitimada pela moral social, verdadeira

expressão de biopoder, conforme ensina Foucault (2008).

Na perspectiva de uma genuína solidariedade ético-civil, a capacidade de

discernir sobre o que seja (ou não) justo ficou evidente em vários dos discursos das

entrevistadas como preocupação com o bem coletivo, expressando algo próximo ao

que Gadamer (2008, p. 72) descreve como “senso comunitário”, no sentido de

representar um caráter comum da sensibilidade ética, e assim, uma manifestação do

ser cidadão e ético.

Quando eu tiver mais condições eu vou dar o cartão (do Bolsa Família) para uma pessoa que precisa mais do que eu, porque eu entendo que todos são iguais, mas tem alguns que são mais carentes do que a gente. Tem aquele que tem mais necessidade do que os outros. Tem um acolá que não tem o que colocar na panela, amanhece o dia e não tem pão, não tem comida. Eu vendo aquela pessoa na má vida, eu não posso seguir em frente, tenho de olhar pra trás, porque um dia eu tive no lugar dele, lá atrás.

ÉRIS

Se eu tivesse um bom emprego para sustentar minha família, eu ia passar (o cartão do Bolsa Família) pra outra família que precisa. Se trabalhasse eu e minha filha e passasse o que hoje recebo para outra família que não ganha, eu acharia justo.

FEBE

Canêdo-Pinheiro (2009), divergindo de boa parte da literatura, refuta a tese de

que a massificação do programa Bolsa Família (particularmente em bolsões de

pobreza no semiárido) e o desempenho da economia seria (um ou outro isolado)

fator explicativo do crescimento da votação favorável à Lula em 2006, quando de sua

reeleição para novo mandato de Presidente da República. Conforme o mesmo autor

(com base em dados da votação de 3.397 municípios), na hipótese, aplica-se a

conjectura de que, independentemente de partido ou candidato, as pessoas de

regiões economicamente frágeis e, por efeito, dependentes do Estado, teriam um

perfil eleitoral mais conservador, tendendo a não votar nos concorrentes do governo

(Idem, 2009). Na Região Nordeste, por exemplo, com maior contingente de

beneficiários do Bolsa Família desde o seu lançamento, Lula superou 70% dos votos

em praticamente todos os municípios (BRASIL. 2006).

Ainda com base na pesquisa acima mencionada, foi amplamente noticiado

uma suposta influência do Bolsa Família (11 milhões de famílias beneficiárias em

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2006) na afirmação eleitoral do novo mandato de Lula. Tal diferença, acaso

existente, não passaria de 3% (2,9 milhões) dos votos totalizados no segundo turno

(86.630.734, excluídos brancos e nulos); números esses insuficientes para definir o

pleito em favor do eleito, visto que o candidato da coligação PT/PRB/PC do B

alcançou a proporção de 61% dos votos válidos, disputado com Geraldo Alckmin, à

frente da aliança PSDB/PFL (AGÊNCIA ESTADO, 2009; BRASIL, 2006d).

Na realidade, dentre as variadas interpretações para a maioria expressiva do

eleito no segundo turno da eleição de 2006, a mais óbvia ressalta uma suposta

influência do Bolsa-Família como elemento indutor da preferência eleitoral nos

estratos mais pobres da sociedade. Entretanto, é bem mais complicado explicar por

que Geraldo Alckmin teve perto de 40% dos votos registrados no primeiro turno e,

diminuiu em cerca de 2 milhões de votos seu eleitorado no segundo turno, passadas

apenas quatro semanas (BRASIL, 2006d; OLIVEIRA, 2007).

A coordenação nacional do Bolsa Família é responsabilidade federativa da

Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, da estrutura do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Através desse órgão, a administração

federal tem afirmado reiteradas vezes que tal programa não acomoda nem vicia as

populações assistidas. Técnico e gestores repercutem em veículos de comunicação

social de grande repercussão que as opiniões contrárias traduzem preconceito contra

quem vive na pobreza, uma vez que o recurso recebido pela família constitui um

direito, uma renda básica de cidadania (BRASIL, 2011a; BRITTO, 2011a; WEBER,

2013a).

Agentes políticos das três esferas de governo têm ocupado espaços nos

meios de comunicação social para contestar a afirmação de que a transferência

condicionada de renda perpetua a miséria, para tanto referencia a indução da

formação de capital humano mediada pela garantia de assiduidade escolar

justamente para quebrar o ciclo da pobreza. Assim, a tese de proteção social

combinada com inclusão produtiva atribuída ao Bolsa Família é endossada, por

formadores de opinião, no meio jornalístico, vale dizer: ao sustentar-se que o dinheiro

doado contribui para que o público atendido supere a condição de pobreza (a ponto

de renunciar o benefício), se tem por desqualificada a afirmação de que a

transferência de renda perpetua a miséria (SOBRAL, 2008, WEBER, 2013a; DILMA,

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2013a).

Uma fonte expressiva de legitimidade dos discursos politicamente favoráveis

ao Bolsa Família tem sido a voz de gestores do programa, os quais, ao expressarem-

se em diferentes veículos de comunicação social estabelecem estreita articulação e

coerência discursiva, expressando em uma só voz a reprodução de uma propaganda

institucional sempre positiva. Trata-se de falas impregnadas de números que

revelariam a expansão da cobertura, o crescente volume de recursos transferidos, os

supostos avanços na emancipação de famílias. Noutros termos, existe coerência

entre os discursos daquele que fala (os gestores) e de quem lhes dá voz (os meios),

situação essa análoga àquela verificada por Carvalho (2005) na análise do modo

como os técnicos do FZ abordaram, de forma articulada e coordenada, a fome nos

meios de comunicação, justamento no momento em que o tema atraia a atenção da

sociedade nos primeiros anos do primeiro governo Lula.

Para Singer (2009), diversas das ações empreendidas no primeiro governo do

presidente Lula, de 2003 a 2006, tais como a ampliação da política compensatória de

renda, a contenção de preços dos produtos da cesta básica, o aumento real do

salário mínimo e outras medidas do Estado no domínio da economia extrapolaram a

simples "ajuda" aos pobres, configurando a base estrutural para um

redirecionamento político em harmonia com os anseios dos segmentos mais

empobrecidos da sociedade (o mesmo que concentram a ampla maioria dos

eleitores) – favorecendo assim, inclusive, a expansão do mercado interno via

inclusão de consumidores de baixa renda. “Nesse sentido, tais ações colocam Lula à

frente de um projeto, que é compatível com aspectos de sua biografia”, (Idem, p. 40),

posto o seu histórico sofrível de privação em razão de haver vivido uma experiência

de extrema pobreza.

Em várias das falas das entrevistadas ficou evidente a identificação do Lula

com a pobreza. Para elas, estaria na história de privação do então presidente a

sensibilidade e a motivação para criar um programa de combate à fome e à miséria.

O Lula já foi pobre, passou necessidade, andava de pau de arara – eu prestei atenção em muita coisa que ele falou na televisão, tinha uma empresa que ele trabalhava, perdeu um dedo... A pessoa que sofre sabe o que é o sofrimento, pois pessoa pobre sofre, e ai vai também acudir os outros (também pobres).

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DEMETER

O Lula criou o Bolsa Família por causa do passado dele muito difícil, nasceu na roça, eu venho de lá do sertão e sei o que é dificuldade. Agora que o Lula tá bem de vida, ele ajuda as pessoas que, como ele no passado, estão tendo dificuldade na fome e na pobreza.

ÉRIS Quando o Lula criou esse Bolsa Família, como ele falava muito na televisão, ele já foi uma pessoa muito carente, a família dele, ele veio de uma família muito pobre. Tendo vivido assim ele soube entender melhor as pessoas carentes, porque só a gente (vivendo a experiência de ser pobre) sabe o que a pessoa passa. Então ele fez isso pra acabar com a pobreza.

HERA

Do mesmo modo que o voto popular no MDB nos anos 1970 não simbolizaria

qualquer tipo de rejeição ao regime militar instalado no Brasil, o voto em Lula, para

estranheza do senso comum, não expressaria uma opção ideológica; mas, isto sim, a

resultante de uma desideologização útil a um exitoso processo de realinhamento

eleitoral, simpático à grande massa de eleitores da esquerda e da direita (SINGER,

2009). O “Lulismo” em voga nos anos 2000, notabilizou-se por desconstruir a

concepção, então prevalente, de classe média a ponto de conquistar a adesão de

milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza material, mas que passaram a

se reconhecer com poder de compra, como “nunca (antes) na história desse país...”.

Coerente com tal entendimento, Rodríguez (2012) conclui que o Lulismo constitui

uma variante do populismo, marcado pelo uso abusivo do Estado para fins político-

eleitorais.

Consoante análise de Singer (2012), o Lulismo significaria uma combinação

extraordinária entre elementos de esquerda e de direita, que se notabilizou pela

capacidade de gerar uma sensível redução da pobreza sem promover nenhum tipo

de ruptura com a ordem estabelecida. Pragmatismo nesse sentido contraria as

diretrizes de base do PT, mas se apresenta coerente com a mudança de discurso às

vésperas das eleições presidenciais de 2002 – consignada na “Carta ao povo

Brasileiro”, subscrita em junho daquele ano pelo então candidato Lula (SILVA, 2002).

Nesse documento, cuidadosamente elaborado para conquistar a simpatia dos

segmentos hegemônicos da economia (até ali majoritariamente avesso às propostas

da “esquerda”), ficou estabelecida uma modalidade de obrigação do futuro governo

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no sentido de não interferência unilateral nos contratos em curso no mercado

financeiro, nem mesmo a pretexto de justiça social.

Ressalte-se que o anuncio do Fome Zero (e com ele a materialização do

cartão do Bolsa Família) teve, desde o lançamento, o efeito simbólico de

concretização de um compromisso do Lula, assumido nas eleições presidenciais de

2002, de grande apelo popular e capaz de sensibilizar também aos intelectuais sobre

as primeiras medidas do então nascente governo (BETTO, 2007; CARVALHO,

2005).

No âmbito de uma análise do aporte de dinheiro do Estado na forma do PBF, a

pobreza assume então a prévia e permanente condição capaz de justificar a

transferência de renda como preceito de cidadania (concedida), e daí pode até

mesmo ser instrumento para sustentar uma forte base de apoio político-eleitoral.

Estudos realizados por Licio (2009) e Marques et al. (2009) dão suporte à hipótese

de que as eleições presidenciais de 2006 (1° e 2° turnos), com Lula candidato ao

segundo mandato, teria sido decisivamente influenciada por força de uma

tendenciosa preferência eleitoral motivada pela satisfação dos eleitores das mais de

onze milhões de famílias cobertas com o dinheiro do Bolsa Família.

Considerando, sobretudo, a distribuição demográfica e a densidade eleitoral de

não menos que 26% da população beneficiária no PBF no Brasil (cerca de 11

milhões de famílias), Marques et al. (2011), baseados em técnicas de regressão

estatística, acreditam haver demonstrado a influência determinante daquele

programa governamental na reeleição do presidente Lula em 2006. Os autores

apontam uma associação direta entre o aumento da faixa de cobertura (em relação à

população total) e os votos válidos recebidos no segundo turno da eleição em

questão, análise essa coerente com conclusão assinalada um anos antes por Bichir

(2010). Acabar de vez com o programa Bolsa Família significaria o risco de decretar

a morte eleitoral do então candidato (ao segundo mandato) Lula.

Marques et al. (2009) apontam forte relação entre o voto em Lula no 2° turno e

o peso do PBF na população total de cada município. Para a mesma fonte, quanto

maior a faixa de cobertura em relação à população total, maior a proporção de votos

válidos recebidos. Mesmo quando os municípios não são agregados em faixas de

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cobertura, sendo o grau de dispersão bastante significativo, o PBF explicaria sozinho

os 45% de votos (idem).

Ainda tratando das eleições presidenciais de 2006, agora com base na

associação geográfica de dados relativos à votação com indicadores da participação

do Bolsa Família na renda das cidades, Soares e Terron (2008) afirmam que o

volume de dinheiro transferido por município através do programa teria sido o fator

de maior peso na explicação das diferenças de votação no nível local.

A assistência financeira do governo (situação) às famílias mais pobres

combinada com a dívida de gratidão que lhe é sucedânea, lastreada pela

racionalidade político-eleitoral, estabelece uma dependência recíproca (dar e receber

como moeda de troca), uma espécie de aliança que favorece a manutenção do

status quo ante, motivando inclusive uma postura conservadora do cidadão frente às

incertezas e desconfianças para com os destinos da política compensatória de renda

que o beneficia no imediato, mas que se tem por ameaçada na hipótese de um novo

governo saído da oposição.

Eu não votaria em um candidato se percebesse que se ele chegasse lá em cima podia acabar com o Bolsa Família, pois se ele pensa assim (é porque) não tem conhecimento com a pobreza.

ÉRIS Eu não ia votar [em um candidato quem fosse a televisão dizer que o Bolsa Família é um erro, e que caso eleito ele iria lutar para acabar com esse Programa], porque se a opinião dele está contra muitas pessoas, ele tá pensando só em si. Pode até tá certo, mas não esta pensando nas pessoas, quantas pessoas ele pode fazer o mal com aquela decisão dele de acabar.

ADASTREIA

Ao tempo que a prestação positiva do Estado (muito embora longe de ser

considerado um mero altruísmo dos governantes) faz significante diferença na vida

do beneficiário do Bolsa Família, motivando-o a responder com uma ação igualmente

positiva, por outro lado, promove o governo no outro polo da relação de troca, pondo

em evidência o mecanismo central de solidariedade social que é o da reciprocidade,

suposto por Maus (2008), no clássico “Ensaio sobre a dádiva”, quando da crítica ao

utilitarismo das teorias econômicas que procuram configurar a vida social através de

um mecanismo obrigacional de dar, receber e retribuir, culminando com o

favorecimento da reprodução de desigualdades a partir da dádiva.

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Eu acho que era o Lula quando começou o bolsa do governo. (...) foi ele que mandou esse dinheiro pra minha família que é pobre, e tomara que quem entrar não vá cortar.

HERA

No meu entendimento (o Bolsa Família) vem do governo para os pobres. Ele vê a situação dos pobres no país, ai ele tem essa caridade de contribuir com os pobres.

ELPIS

De acordo com o IPEA, a expansão do PBF, de 2013 a 2010, e a

concomitante ampliação de outros mecanismos de proteção social, a exemplo do

Benefício da Prestação Continuada (BPC)58 impactam fortemente tanto na redução

da pobreza quanto na queda da desigualdade socioeconômica. Os técnicos desse

instituto informam acreditar que o aumento dos postos de trabalho puxado pelo

crescimento econômico tem a força de eliminar a miséria social no Brasil nos

próximos anos (IPEA, 2010).

58

Benefício previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/1993), correspondente à transferência de um salário mínimo mensal às pessoas maiores de 64 anos, ou deficientes em condições especiais, que não possuem meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família).

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10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nobody knows where you are, how near or how far.

(David Gilmour)

Não é recente a caracterização da sociedade brasileira como uma das mais

discrepantes no mundo, quando analisados os indicadores econômicos e sociais

(JAGUARIBE, 2000; BARROS; HENRIQUES; MENDONÇA, 2000). Nesse cenário

historicamente marcado por iniquidades sociais, os dados indicativos de fome e

insegurança alimentar/nutricional, tomados em associação com a pobreza material,

têm sido ponto de partida em políticas públicas compensatórias, como no caso do

PBF, cujo propósito remete à formação de capital humano, ao acenar para o

favorecimento de possibilidades de emancipação sustentada das famílias (BRASIL,

2011b).

No contexto da proteção social do Estado, entendemos que, ao destacar o

direito social à alimentação no arranjo político-constitucional do Brasil (1988) ao lado

do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput) e

da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental de um Estado

Democrático de Direito (art. 1ª, inc. III), nossa nação assumiu a meta de promover a

SAN na perspectiva do bem viver. Nesse sentido, está consignada no ordenamento

jurídico pátrio a obrigatoriedade de políticas públicas articuladas ao campo da

alimentação e nutrição, a exemplo do PBF, favorecendo inclusive a emergência de

dinâmicas construtivas protagonizadas (e não apenas legitimadas) pelos próprios

beneficiários.

Bem viver (articulado a SAN) assumido como um uma condição humana e

social tendente à harmonia com o meio ambiente e articulada com transformações

paradigmáticas, que envolvem processos sociais em permanente movimento. Tal

abordagem da dinâmica da vida se opõe à ideia de qualidade de vida – pressuposta

pelo paradigma da globalização – como objetivo a ser alcançado pelos seres

humanos. Nesse sentido, busca resignificar o impacto social na natureza da crise

cultural contemporânea de inspiração liberal-capitalista, particularmente a

determinação das relações assimétricas de poder e da lógica de consumo.

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De tão profundas as desigualdades econômicas entre as famílias brasileiras,

a ponto de comprometer o acesso ao mínimo existencial, o propósito de assegurar

uma renda básica articulada à promoção da SAN, e ainda condicionalidades em

saúde e educação – distribuindo uma parte do orçamento federal com os pobres

entre os mais pobres – tem sido largamente aceito. Tudo porque a iniciativa do PBF

se apresenta simpática ao focalizar as famílias de menor renda, apontando para a

SAN e outras perspectivas de melhoria da condição de vida presente e, mais ainda,

para um futuro redentor para as crianças e adolescentes beneficiados.

A partir da discussão em torno do mérito da transferência de renda do Bolsa

Família para compra de alimentos, entendemos pertinente fortalecer, além das

políticas públicas em alimentação e nutrição, a efetividade do direito humano e social

à alimentação mediante a atuação do poder judiciário, do ministério público e dos

órgãos de controle externo. Para tanto, referenciamos nessa tese um conjunto de

entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, como também recuperamos parte da

evolução do direito positivo, no que concerne ao propósito de promover a condição

de SAN, explorando-se sua positivação no ordenamento jurídico pátrio.

A concepção hegemônica de SAN está organicamente atrelada ao

reconhecimento do direito enquanto construção de e para a pessoa humana,

compondo uma relação jurídica com o dever estatal no campo da alimentação e

nutrição. Nesse prisma, é moralmente intolerável a convivência social com a

realidade sensível da fome (e seus nefastos efeitos), inclusive a propalada ameaça à

paz social mediada por uma conjuntura que comprometa o acesso físico e

econômico a alimentos – entendido, esse último, em um contexto ampliado de

segurança capaz de abranger as demandas de adequações nutricionais assumidas

na interface da dietética com as ciências sociais e econômicas.

Por outro lado, partindo-se da perspectiva ampliada de Estado e cidadania, a

concretização do direito humano e social à alimentação passa a ser uma questão de

soberania nacional, fundada na autodeterminação de um povo à produção e ao

consumo de alimentos; e, nesse prisma, deve ser entendida como um fim a ser

alcançado pelo direito. Portanto, a SAN constitui questão de natureza

essencialmente política, que sugere mecanismos eficazes de exigibilidade.

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Todavia, no campo da alimentação e nutrição sabe-se que a transferência de

renda não constitui propriamente uma medida de SAN, devido ao seu enfoque

restrito à dimensão do acesso econômico aos alimentos, afora seu caráter não

sustentável agravado pela insuficiência em quantidade, devido ao pouco dinheiro

repassado a cada família beneficiária. Além disso, negligencia aspectos qualitativos

da nutrição humana, sequer tangenciando dimensões de ordem ambiental, cultural,

regional e social; todas, aliás, consignadas no art. 2o, § 1o da Lei Orgânica de

Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2006a), por força de proposição de

significativos movimentos sociais.

Contudo, conforme procuramos evidenciar, o PBF, posto seu caráter

meramente compensatório aos efeitos do ajuste estrutural que vulnera (no sentido

econômico do termo) a sociedade, não entra no mérito da complexa singularidade

do problema da miséria social. Muito menos, considera a produção subjetiva

inerente à condição humana de (in)segurança alimentar, centrando o foco em

abordagens fragmentadas da pobreza e da fome, na contramão de perspectivas

efetivamente emancipatórias, ao favorecer a trajetória oblíqua da acomodação sob a

égide da funcionalização da pobreza, tal como denunciado por Oliveira (2006).

Assim, as construções sócio-discursivas do PBF expressas nos documentos

oficiais, cujas análises constituem parte dos objetivos desse estudo, são

basicamente dimensões integrantes da luta pela hegemonia do poder, traduzindo

ideias não restritas a uma esfera cultural supostamente isolada, mas materializadas

nas práticas sociais e nas instituições em geral.

No desenvolvimento desse trabalho, em virtude dos fatos que identificamos

nos enunciados discursivos das beneficiárias do PBF, nos pareceu coerente o

entendimento de que emancipação e acomodação coexistem lado a lado no

imaginário de cada indivíduo. Muito além de uma correlação de forças motivacionais

na seara da economia e da política pública, expressam condutas contextualizadas e

situadas no universo social. Sendo assim, sua compreensão deve envolver estudos

interdisciplinares tão diversos quanto o direito das obrigações e a antropologia

teológica.

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Nada obstante, no contexto crítico compreensivo que circunscreveu o escopo

da metodologia dessa tese, seus sentidos, alcances e limitações, entendemos que a

valorização dos complexos processos subjetivos e simbólicos inerentes ao PBF,

particularmente a percepção dos atores sociais envolvidos, alcançou a apropriação

de parte significativa das especificidades de nosso objeto, e nessa perspectiva, foi

nosso ponto de partida para elaboração de uma rede interpretativa e outras

estratégias hermenêuticas inscritas no vasto espectro da pesquisa qualitativa em

Saúde Coletiva. Nesse labor dialético, nos identificamos com a proposição

sustentada por Camargo e Bosi (2011) de que os métodos devem ser recrutados

conforme as necessidades do fazer científico, não sendo a recíproca verdadeira.

No curso das análises, compreendemos simplista dicotomizar entre

acomodação e emancipação em face do universo empírico do Programa Bolsa

Família como se fossem representações de comportamento situadas em polos

antagônicos, tanto mais derivando o debate para uma abordagem maniqueísta de

tais fenômenos tão complexos quanto ambíguos, notadamente porque presentes em

maior ou menor grau em um mesmo indivíduo, conforme a dinâmica situacional no

contexto do mundo vivido.

Sendo assim, não nos parece sensato o discurso voltado a “satanizar” a

acomodação (ou simplesmente desqualificá-la como lugar indigno) ou, por outro lado,

aquele que considera a emancipação como uma panaceia (resolveria todos os

problemas) no restrito universo da economia de mercado, subjacente à lógica da

transferência condicionada de renda, focalizada na pobreza material, na forma do

Bolsa Família, em cuja concepção programática o capital humano ostenta o lugar de

um valor em si.

No nível um pouco mais abstrato – embora nada contraproducente – ao

procurarmos relacionar os termos acomodação/emancipação, revela-se (ao menos

no campo da sintaxe) mais apropriada uma justaposição expressa pela conjunção

aditiva “e”, quando comparada à oposição assinalada pela conjunção “ou”. Por assim

dizer, na experiência hermenêutica dessa tese, nos reconhecemos impactados pela

abertura à dimensão da complexidade, na qual, por vezes em um movimento de

familiaridade e/o distanciamento, lidamos com aquilo que se acha contraposto e, ao

mesmo tempo, convergente nos discurso das beneficiárias do PBF no sentido de

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desvelar o quão perto ou longe de “sustentada” está a acomodação e a

emancipação.

Por seu turno, a premissa do capital humano, norteada por concepções

higienistas de cuidado em saúde e de pedagogia empreendedora, ao projetar a

autonomia sustentada de famílias via formatação de condutas condicionantes da

transferência de uma renda mínima, reduz a pessoa humana a um bem de capital,

passível por isso de investimento e controle estatal sobre seus corpos, através de

moldes e pacotes de serviços públicos consignados na Carta Política de uma Nação

(Constituição Federal) como direito do cidadão e dever do Estado.

Entendemos, sem desconhecer a importância da educação e da saúde

públicas para a formação e a própria sobrevivência digna do cidadão, que aquela

abordagem reducionista e focalizada na pobreza tem sido sobremodo limitada pela

notável inoperância do Estado em proporcionar as condições normativas e

estruturais adequadas para o implemento de políticas emancipatórias afinadas com

o bem viver, favorecendo possibilidades mais conscientes e saudáveis de

organização do trabalho e da decisão de consumo.

Ao invés da noção de capital humano, apto a impactar na produtividade e no

crescimento da economia, preferimos a ideia de investimento na melhoria da

condição humana através de práticas educativas voltadas à autonomia, com respeito

à dignidade, na conquista da liberdade, como sustentado por Freire (2007), cuja

práxis (pedagógica) procura alcançar criticamente a superação da opressão pelo

próprio oprimido (ação transformadora), de olho no efeito de poder da solidariedade

que parte do opressor.

Assim, para uma análise séria do modelo de autonomia sustentada proposto

pelo PBF – com base na premissa do capital humano, entendemos pertinente a

singularidade de uma abordagem fundada no questionamento político propriamente

dito, capaz de abranger as relações de poder envolvidas, inclusive aquelas de cunho

clientelista, ideologicamente movidas por propósitos eleitorais escusos.

Do ponto de vista financeiro, com o PBF tem-se uma autonomia precária e

condicionada, uma vez que o beneficiário em situação de pobreza material pode, em

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princípio, gastar o dinheiro como entender, porém deve obediência e explicações ao

agente patrocinador para fazer jus à transferência regular de renda, mês após mês.

Agindo assim os titulares desse direito legitimam as condicionalidades.

Trata-se, portanto, de uma “autonomia financeira” na perspectiva das regras

do liberalismo econômico – pessoas supostamente livres para ganhar dinheiro e

comprar o que quiser, conforme pauta comercial, a reboque dos interesses

hegemônicos que controlam as relações de produção e consumo em favor da

maximização do lucro. Por tal lógica, a educação escolar (proporcionada ou regulada

pelo Estado) é destacada como caminho para mobilidade social, muito embora

alinhada à perspectiva instrumental do trabalho e da expansão do mercado

consumidor.

O “ganho” da dádiva materializado em prestação mensal em dinheiro não

constitui uma simples experiência, reduzível a uma unidade de interpretação –

mesmo porque não existe uma, por assim dizer, correta (SCHWANDT, 2006). Antes

pelo contrário, trata-se de um tema suficientemente amplo para envolver um conjunto

de fenômenos mais ou menos complementares, concorrentes e antagonistas, bem

como articulados (e interligados na dimensão da complexidade) aos distintos planos

de realidade emoldurados na relação dialógica doador (governo) versus donatário

(cidadão) (MORIN, 2011; FREIRE, 1987).

Contudo, pode afirmar que os beneficiários que entendem o Bolsa Família

como favor são partícipes de uma práxis patrimonialista do Estado, do qual

conhecem e se beneficiam de maneira oportuna ao julgo dos donos do poder.

Prevalece nesse entendimento o assistencialismo em sua expressão clientelista em

detrimento do direito de cidadania na perspectiva da assistência social.

Sendo assim, considerada em uma perspectiva política no plano da

reciprocidade (“é dando que se recebe”), a idéia do Bolsa Família como dádiva e a

gratidão daí decorrente, além de demarcar uma modalidade singular de contrato

social (ROUSSEAU, 2007) no sentido do acordo de vontades entre Estado e a

família em situação de pobreza, pode ser entendida como uma expressão da

solidariedade como efeito de poder (DEMO, 2008), pressupondo obrigação do

beneficiário para com o “favor” do doador. No caso do Bolsa Família, é evidente a

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materialização de um vínculo obrigacional forte e tenso entre a continuidade da

hegemonia política do governo patrocinador e o titular do cartão, para o qual retribuir

com a força do voto (aos agentes políticos identificados com o programa), se

apresenta como contrapartida à “ajuda” em dinheiro.

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WEBER, Demétrio. Secretário afirma que programa não cria dependência: Luis

Henrique Paiva diz que sempre haverá ações para crianças e população

economicamente ativa. O Globo, Rio de Janeiro, 05 mai. 2013b. Disponível em:

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dependencia-8295495#ixzz2THVkZNxn>. Acesso em: 13 mai. 2013.

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325

APÊNDICE A

TÓPICO GUIA

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326

APÊNDICE B

DISTRIBUIÇÃO POR IDADE DOS TITULARES DO CARTÃO DO BOLSA FAMÍLIA POR IDADE, SOBRAL-CE, MARÇO DE 2013.

IDADE QUANTIDADE IDADE QUANTIDADE

35 726 61 128

33 703 62 122

38 669 19 113

37 668 60 113

34 648 59 109

36 641 63 106

31 637 18 66

30 635 64 61

32 633 65 53

39 615 66 42

27 600 17 0

29 589 69 27

40 560 67 26

41 534 68 22

42 534 70 20

26 526 73 17

28 523 71 12

43 503 16 0

25 494 74 9

44 487 72 7

45 467 76 7

46 461 75 5

24 437 77 4

48 426 79 4

47 419 78 2

49 384 82 2

50 377 83 2

23 370 84 2

51 324 80 1

22 300 81 1

52 285 85 1

55 243 91 1

54 241 86 0

53 217 87 0

21 216 88 0

57 210 89 0

56 195 90 0

58 143

20 133

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327

Beneficiário Tipo – Titular do (Cartão do) Bolsa Família que predomina em Sobral/CE, março 2013.

Gênero: feminino

Idade: 35 anos

Composição familiar em número de beneficiários (além do titular) e

correspondente à renda transferida:

2 crianças/adolescente -> R$ 134,00 [70 (básico) relacionado ao titular e 32

(variável) a cada um dos dependentes de até 15 anos ]

Número de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de até

17 anos Tipo de benefício Valor do benefício

2 Básico + 2 variáveis R$ 134,00

Media de idade dos titulares do cartão = 38,39 Moda de Idade dos titulares do Cartão = 35 Desvio Padrao =

10,98

Total de Famílias =

18903 Total de Beneficiários

57555 (33,5% pop Sobral)

Beneficiários por família (média) = 3,05

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328

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA GESTORES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Universidade Federal do Ceará – UFC Doutorado em Saúde Coletiva

Pesquisa: VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO DE USO DO BANCO DE DADOS

PARA GESTORES DO PROGRAMA FOME ZERO / BOLSA FAMÍLIA

A presente pesquisa tem como objetivo geral: Compreender interesses, valorações e juízos presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa, tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.

Em sua aplicação, o estudo coletara dados através da técnica de entrevista dialógica e procederá a exploração de normas e diferentes outros documentos relativos ao Fome Zero / Bolsa Família, com o fito de estabelecer conexões crítico-interpretativas rigorosamente coerentes com diferentes concepções hermenêuticas do Direito Humano à Alimentação Adequada, na perspectiva do Estado Constitucional Brasileiro e dos (cidadãos) envolvidos/beneficiários.

Garante-se que a pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição de vida e trabalho dos participantes, salientando que as informações serão sigilosas e que não haverá divulgação personalizada.

Os dados e as informações coletadas serão utilizados para compor os resultados da investigação, as quais serão publicadas em periódicos e apresentados em eventos científicos, além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos trabalhadores e gestores de saúde, a fim de criar políticas públicas que melhorem a qualidade dos serviços.

A todos os participantes é assegurado o direito de receber esclarecimentos a quaisquer dúvidas acerca da pesquisa, bem como, garantida a liberdade de retirar o consentimento a qualquer momento da pesquisa. Para tanto, o pesquisador responsável pode ser encontrado em Sobral, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone (88) 3111 3020. O Comitê de Ética em Pesquisa da UFC fica situado em Fortaleza, à Rua Cel. Nunes de Melo, 1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.

Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você assinará duas cópias deste termo que também será assinado pelo pesquisador, ficando uma cópia com você.

Sobral, Ceará, ____/____/2012

___________________________________

Marcos Aurélio Macedo de Sousa Pesquisador – Doutorando em Saúde Coletiva UFC

_____________________________

(Nome) Participante da Pesquisa

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329

APÊNDICE D

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) PARA BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Universidade Federal do Ceará – UFC Doutorado em Saúde Coletiva

Pesquisa: VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

PARA BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

A presente pesquisa tem o objetivo geral: Compreender interesses, valorações e juízos presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa, tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.

Em sua aplicação, o estudo coletara dados através da técnica de entrevista dialógica em vistas de buscar informações para esclarecimento e análise dos problemas postos na pesquisa. Será empregado um roteiro guia (que pode mudar conforme a entrevista se desenvolve), instrumento esse informativo do que se pretende com a entrevista e voltado a despertar seu interesse em participar de maneira ativa e crítica.

Garante-se que a pesquisa não trará prejuízo na qualidade e condição de vida sua e de seus familiares, bem como não ameaça o regular recebimento do benefício do Bolsa Família, salientando que as informações por você prestadas serão sigilosas e que não haverá divulgação personalizada.

Os dados e as informações coletadas serão utilizados para compor os resultados da investigação, as quais serão publicadas em periódicos e apresentados em eventos científicos, além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos trabalhadores e gestores de saúde, a fim de criar políticas públicas que melhorem a qualidade dos serviços.

A todos os participantes é assegurado o direito de receber esclarecimentos a quaisquer dúvidas acerca da pesquisa; bem como, garantida a liberdade de retirar o consentimento a qualquer momento da pesquisa. Para tanto, o pesquisador responsável pode ser encontrado em Sobral, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone (88) 3111 3020. O Comitê de Ética em Pesquisa da UFC fica situado em Fortaleza, à Rua Cel. Nunes de Melo, 1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.

Assim, após ter sido informado sobre a pesquisa, caso consinta em participar, você assinará duas cópias deste termo que também será assinado pelo pesquisador, ficando uma cópia com você.

Sobral, Ceará, ____/____/2012

___________________________________

Marcos Aurélio Macedo de Sousa Pesquisador – Doutorando em Saúde Coletiva UFC

_____________________________

(Nome) Participante da Pesquisa

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330

APÊNDICE E Ofício de Solicitação para realização da pesquisa no Município de Sobral-CE

Universidade Federal do Ceará – UFC Doutorado em Saúde Coletiva

Sobral, __ de __________ de 2012.

À Gestão Municipal do Programa Bolsa Família – Sobral/CE

Jani Mesquita Rodrigues

Venho, por este intermédio, solicitar de V.S

a. autorização para que eu, Marcos Aurélio

Macedo de Sousa, nutricionista e pós graduando em Saúde coletiva na UFC, possa realizar a coleta de dados para o seu Trabalho de Tese intitulado “VOZES E DOCUMENTOS NA ARTICULAÇÃO CRÍTICO-HERMENÊUTICA DO BOLSA FAMÍLIA COM O DIREITO HUMANO E SOCIAL À ALIMENTAÇÃO”, junto a Coordenação Municipal do Programa Bolsa Família, incluindo informações cadastrais e de controle das condicionalidades em saúde, educação e assistência social, com vistas ao desenvolvimento de sua Tese de Doutorado vinculada ao Curso de Doutorado em Saúde Coletiva da UFC, em Associação Ampla de IES, juntamente com a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

A pesquisa em questão tem como objetivo geral: Compreender interesses, valorações e juízos presentes na voz de beneficiárias do Bolsa Família e nos textos oficiais desse programa, tangenciando a dimensão da alimentação como direito humano e social.

Na primeira fase, será necessária a autorização escrita, por parte de V. Sª, para envio ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, juntamente com os demais documentos de responsabilidade do pesquisador, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Informações complementares e maiores esclarecimentos podem ser obtidos comigo, pesquisador responsável, na Av. Lúcia Sabóia, 473, bairro Centro, CEP 62.010-330 e telefone (88) 3111 3020; ou ainda junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, situado em Fortaleza, à Rua Cel. Nunes de Melo, 1127, Rodolfo Teófilo, CEP 60.430-270, telefone (85) 3366 8344.

Na segunda fase, a coleta de dados, propriamente dita, será efetuada com instrumento apropriado, direcionado aos gestores do Fome Zero / Bolsa Família e a beneficiários da transferência de dinheiro desse programa,

Ciente de vossa valorosa colaboração, antecipadamente agradeço.

Atenciosamente,

______________________________________________ Marcos Aurélio Macedo de Sousa

DOUTORANDO EM SAÚDE COLETIVA UFC