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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE MESTRADO ACADÊMICO EM CUIDADOS CLÍNICOS EM SAÚDE - ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ENFERMAGEM PRODUÇÃO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA ATENÇÃO BÁSICA: SUBSÍDIOS PARA PRÁTICA CLÍNICA JULIANA FREITAS MARQUES FORTALEZA CE 2010

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE MESTRADO ACADMICO EM CUIDADOS CLNICOS EM SADE - REA DE CONCENTRAO: ENFERMAGEM

    PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA

    ATENO BSICA: SUBSDIOS PARA PRTICA

    CLNICA

    JULIANA FREITAS MARQUES

    FORTALEZA CE

    2010

  • JULIANA FREITAS MARQUES

    PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA ATENO BSICA:

    SUBSDIOS PARA A PRTICA CLNICA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos, da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cuidados Clnicos em Sade.

    Orientador(a): Maria Veraci Oliveira Queiroz

    Fortaleza Cear

    2010

  • JULIANA FREITAS MARQUES

    PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA ATENO BSICA:

    SUBSIDOS PARA A PRTICA CLNICA

    Dissertao de Mestrado submetida ao Curso de Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos, da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cuidados Clnicos em Sade.

    Aprovada em: 04 de Fevereiro de 2010

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________ Prof Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz

    Universidade Estadual do Cear Orientadora

    ____________________________________________ Profa. Dra. Patrcia Neiva da Costa Pinheiro

    Universidade Federal do Cear (1 examinador)

    ____________________________________________

    Profa. Dra. Maria Salete Bessa Jorge Universidade Estadual do Cear

    (2 examinador)

  • DEDICATRIA

    Deus, por todas as possibilidades concedidas

    em minha vida pessoal e profissional, pela fora e

    coragem para lutar pelos meus sonhos e objetivos,

    e discernimento para enfrentar os obstculos

    desta caminhada.

    Aos meus pais, Luciano e Jane, pelo amor e

    dedicao durante todos esses anos e por terem

    investido tudo que tinham na minha educao e na

    minha formao. Obrigada por apoiarem minhas

    escolhas, por apostarem nos meus sonhos e por

    iluminarem cada dia na minha vida.

    Aos adolescentes que fizeram parte da pesquisa,

    por terem confiado em mim e compartilhado suas

    idias, seus pensamentos, seus anseios e sonhos

    na construo do cuidado integral.

  • AGRADECIMENTOS

    minha famlia, tios, primos, afilhados e ao meu irmo, Paulo Rannier,

    pessoa especial que esteve do meu lado sempre, compartilhando alegrias e

    dividindo as tristezas.

    Ao meu noivo, Rafael, pelo companheirismo e amor nesses anos de

    convivncia e pelo apoio nos momentos mais difceis. Em voc encontro a paz,

    a maturidade, a dedicao e a alegria de viver, compartilhando sonhos e

    expectativas em relao ao nosso futuro.

    s minhas amigas Karla, Rgia, Linicarla e Mnica. Obrigada por

    fazerem parte dessa conquista.

    Kerley pela disponibilidade e compromisso em participar da coleta de

    dados.

    Aos professores e funcionrios do CMACCLIS pela dedicao e esforo

    no aprendizado compartilhado.

    Aos professores e servidores do Centro Municipal Sade Escola Projeto

    Nascente pela acolhida e boa receptividade.

    s professoras Salete e Patrcia Neiva por aceitarem participar da banca

    examinadora e pelas valorosas contribuies.

    Aos profissionais e gestores da Unidade Bsica de Sade Projeto

    Nascente pelo o empenho e interesse em construir um grupo de adolescentes.

    Secretaria Municipal de Educao do municpio de Fortaleza pela

    contribuio para a concretizao da pesquisa.

  • AGRADECIMENTO ESPECIAL

    minha querida orientadora Maria Veraci Oliveira Queiroz. Foram seis

    anos de convivncia, entre a graduao e o mestrado, e muita experincia e

    sabedoria compartilhada. Devo a voc todo o meu respeito e admirao

    profissional e pessoal, e agradeo pela dedicao, carinho, ateno,

    compreenso, pacincia e tolerncia dispensadas a mim durante esses anos.

    Pelos bons momentos e pelos momentos difceis vividos nessa caminhada,

    pela amizade, parceria e confiana... Muito obrigada.

  • RESUMO

    MARQUES, J. F. Produo do cuidado ao adolescente na ateno bsica: subsdios para a prtica clnica. 2010. Dissertao. (Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade) Centro de Cincias da Sade Universidade Estadual do Cear, 2010. A adolescncia um perodo de crescimento e desenvolvimento com mudanas rpidas e substanciais sobre os aspectos fsicos, sexuais, cognitivos e emocionais. Tais transformaes trazem demandas e necessidades de sade diferentes daquelas que ocorrem na fase infantil. Assim, as situaes de sade e cuidado nessa fase devem ser analisadas e compreendidas para que a oferta dos servios seja efetivada na perspectiva da integralidade. O estudo teve como objetivos: descrever as concepes do adolescente sobre sade, cuidado e produo do cuidado na ateno bsica; analisar a produo do cuidado na ateno bsica enfocando os dispositivos da integralidade, na tica dos adolescentes e compreender a forma como se do as relaes entre os adolescentes e a equipe de sade, a oferta de servios, o acesso, o acolhimento nas unidades de sade e o vnculo dos adolescentes na ateno bsica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, portanto descreve e compreende a realidade a partir das experincias dos sujeitos. Participaram da pesquisa doze adolescentes que estudavam no Centro Municipal de Educao e Sade Projeto Nascente, localizado na regional VI, na cidade de Fortaleza, Cear e que freqentavam a unidade de sade anexa escola. A coleta das informaes ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2009, com a realizao de trs sees de grupo focal no ambiente escolar. A pesquisa atendeu aos critrios ticos presentes na Resoluo n 196/96, do Conselho Nacional de Sade. As informaes emergidas nas discusses dos grupos foram submetidas a analise de contedo, proposta por Bardin (2008), seguindo as etapas sugeridas: pr-anlise, explorao do material e tratamento dos resultados que deram origem as temticas principais: Concepes dos adolescentes sobre Sade e Cuidado; Vivncias e experincias dos adolescentes na produo do cuidado: um olhar para a ateno bsica; Necessidades dos adolescentes sobre a produo do cuidado na perspectiva da integralidade. A estruturao das temticas deu origem a construo das categorias que possibilitou compreender as concepes de sade para os adolescentes, as concepes de cuidado, os dispositivos da integralidade, como acesso, acolhimento e vnculo na produo do cuidado, a construo de um fluxograma descritor e a compreenso das necessidades dos servios na produo do cuidado. As concepes de sade para os adolescentes se traduziram em qualidade de vida, felicidade e pela dimenso espiritual. As representaes de cuidado enfocaram aes realizadas para o cuidar da sade, como realizar atividade fsica, ter uma alimentao saudvel e ter um bom convvio social. Emergiu ainda, o cuidado com o meio ambiente, envolvendo atividades de preservao da natureza. Os adolescentes discorrem sobre suas necessidades e as necessidades do servio na produo do cuidado. Neste sentido, demonstram insatisfao pela demora no atendimento junto aos profissionais, dificuldade de acesso medicao e a relao superficial com a equipe de sade gerando um sentimento de desvalorizao quando chegam ao servio em busca de cuidados. Dentre os diversos aspectos destaca-se, a importncia de o profissional perceber suas necessidades e envolver aes de orientaes em sade de forma participativa com integrao dos setores sade e educao na construo de uma rede de cuidado para o adolescente, favorecendo a perspectiva de integralidade. PALAVRAS-CHAVE: adolescente, cuidado, ateno bsica, integralidade.

  • ABSTRACT

    MARQUES, J. F. Production of care to adolescents in primary health care: support for clinical practice. [Dissertation]. Academic Masters Degree in Health Clinical Care: State University of Cear. 2010. Adolescence is a period of growth and development with fast and notorious changes in physical, sexual, cognitive and emotional aspects. Such transformations bring demands and needs of health different from those in childhood. Health and care situations in this phase should be analyzed and understood so that the offer of services is executed in the perspective of integrality. The study had as objectives: to describe adolescent's conceptions on health, care and care production in primary health care; to analyze the care production in primary health care focusing on the devices of integrality in the adolescents' view and understand the way they feel the relationships between adolescents and health team, services offer, access, reception in health units and the adolescents' bonds in primary health care. This is a qualitative research therefore it describes and understands reality based on subjects experiences. Twelve adolescents participated in the research, they studied in the Municipal Center of Education and Health Nascent Project, located in the Regional Executive Secretariat VI, in the city of Fortaleza, Cear-Brazil and attended the health unit enclosed to the school. Data collection happened in September and October 2009, with three focal group sections in the school environment. The research followed the ethical precepts present in the Resolution n 196/96 of the National Health Council. The information verified in group discussions were submitted to Bardins (2008) content analyses, following the suggested stages: pre-analysis, material exploration and treatment of the results that gave origin to the main thematic: Adolescents' conceptions on Health and Care; Adolescents' Experiences in care production: a look at primary health care; Adolescents Needs on Care Production in the Perspective of Integrality. Thematic structuring originated the construction of categories that made possible to understand the health concepts to adolescents, the care concepts, the devices of integrality as access, reception and bonds in care production, the construction of a descriptive fluxogram and the comprehension of adolescents' health needs. Health concepts for adolescents were translated in life quality, happiness and through spiritual dimension. Care representations focused on actions carried out to promote health care, how to practice physical activity, to have a healthy eating and to have a good social life. It also showed up the care with the environment, involving activities to preserve nature. Devices of integrality were identified by adolescents' as disappointing because of professionals' delay in assisting them, the difficult access to medication, the superficial relationship with the health team and a depreciation feeling when they attend to the service in search of care. And among the several aspects verified it stands out the importance of understanding adolescents' needs and demands in care production, showing that teenagers lack orientations in health and that integration between health and education can favor the construction of a care net to adolescents. We believe that this study can contribute to the comprehension of the adolescents' care needs, collaborating for the reorganization of health services in integral care to adolescents. KEYWORDS: Adolescent, Care, Primary Health Care.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Desenho do Adolescente (A4). CMES, 2009 ....................................57 Figura 2: Determinantes sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead ................58 Figura 3: Desenho do adolescente (A9). CMES, 2009 .................................... 59 Figura 4: Desenho do Adolescente (A2). CMES, 2009 ................................... 61

    Figura 5: Desenho do Adolescente (A12). CMES 2009 ...................................75 Figura 6: Desenho da Adolescente (A1). CMES, 2009 ....................................90 Figura 7: Desenho da Adolescente (A4). CMES, 2009 ....................................94 Figura 8: Desenho do Adolescente (A11). CMES, 2009 ..................................95

    Figura 9: Desenho do adolescente (A2). CMES, 2009 .....................................97

  • LISTA DE DIAGRAMAS, FLUXOGRAMAS E QUADROS

    Diagrama 1: Gesto do SUS e os seus fluxos na produo do cuidado...........34

    Mapa 1. Diviso da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza................45

    Quadro 1: Construo das unidades de anlise, segundo Bardin (2008).........51

    Fluxograma 1: Fluxograma descritor do acesso do adolescente aos cuidados ofertados por uma unidade bsica de sade da famlia, situada na regional IV, Fortaleza-Cear.................................................................................................85

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACS Agentes Comunitrios de Sade

    ADOLEC Sade na Adolescncia

    CMES Centro Municipal de Educao e Sade

    CNPq Centro Nacional de Pesquisa e

    Tecnologia

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    FUNABEM Fundao Nacional do Bem Menor

    GF Grupo Focal

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica

    LBA Legio Brasileira de Assistncia

    LILACS Literatura Latino-Americana e do

    Caribe em Cincias da Sade

    MS Ministrio da Sade

    OMS Organizao Mundial da Sade

    OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

    PNAD Pesquisa nacional por amostras por domicilio

    PROSAD Programa Sade do Adolescente

    SAM Servio de Assistncia ao Menor

    SCIELO Scientific Electronic Library Online

    SER Secretaria Executiva Regional

    SUS Sistema nico de Sade

    TCLE Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido

    UECE Universidade Estadual do Cear

    UFF Universidade Federal Fluminense

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    USP Universidade de So Paulo

    http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&base=LILACS&lang=phttp://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&base=LILACS&lang=phttp://www.scielo.org/

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ......................................................................................... 13

    2 OBJETIVOS ............................................................................................. 23

    3 EIXO TERICO DA PESQUISA .............................................................. 24

    3.1 Polticas de Ateno Sade do Adolescente: breve contexto histrico e

    social ............................................................................................................. 24

    3.2 O Sujeito Adolescente e o Cuidado em Sade ........................................ 31

    3.3 A Produo do Cuidado ao Adolescente na Ateno Bsica e sua

    Interface com a Clnica. ................................................................................. 35

    4 PERCURSO METODOLGICO .............................................................. 43

    4.1 Natureza do Estudo ................................................................................ 43

    4.2 Campo da Pesquisa ............................................................................... 43

    4.3 Participantes da pesquisa ....................................................................... 45

    4.4 Perodo e estratgia de coleta das informaes ..................................... 46

    4.5 Anlise das Informaes ......................................................................... 48

    4.6 Aspectos ticos ....................................................................................... 49

    5 RESULTADOS: ANLISE E COMPREENSO DO FENMENO .......... 51

    Temtica 1. Concepes dos adolescentes sobre Sade e Cuidado ..... 54

    Categoria 1:Concepes de sade para os adolescentes ......................... 56

    Categoria 2: Concepes de cuidado para o adolescente ........................ 62

    Temtica 2. Vivncias e Experincias dos adolescentes na produo do

    cuidado: um olhar para a ateno bsica ................................................. 67

    Categoria 3: Acesso, acolhimento e vnculo produzido na unidade bsica

    de sade na viso dos adolescentes. ........................................................ 69

    Categoria 4: Fluxograma descritor do cuidado ao adolescente na ateno

    bsica. ....................................................................................................... 82

    Temtica 3. Necessidades dos adolescentes e a produo do cuidado

    na perspectiva da integralidade ................................................................. 88

    Categoria 5: Necessidades de sade dos adolescentes na produo do

    cuidado .......................................................................................................91

    6 CONSIDERAES FINAIS, CONTRIBUIO PARA O SUS, LIMITES E

    AVANOS DA PESQUISA ............................................................................ 100

    7 REFERNCIAS ...................................................................................... 104

    APNDICES

    ANEXOS

  • 1 INTRODUO

    1.1 Aproximao com o tema

    Ao ingressar no Curso de mestrado, minha experincia inicial como

    enfermeira, recm formada, havia sido na ateno bsica, fazendo parte da

    equipe profissional da Estratgia Sade da Famlia (ESF). Durante o tempo em

    que atuei como enfermeira assistencial, pude desenvolver os programas que

    se inserem na ESF e observei que alguns grupos etrios eram, pode-se assim

    dizer, mais privilegiados que outros, no tocante cobertura e ao prprio

    cuidado que era produzido na unidade de sade.

    Ao longo dessa experincia, constatei que os programas oferecidos

    seguiam uma lgica compartimentalizada de atendimento, permitindo que

    algumas demandas fossem mais visibilizadas do que outras. Assim, na

    assistncia oferecida aos usurios, pude perceber que as aes de sade

    eram desenvolvidas em forma de programas destinados aos diversos

    segmentos: criana, mulher, adulto e idoso, tornando-se visveis algumas

    lacunas em relao sade do adolescente. O cuidado prestado ao

    adolescente ficava muitas vezes voltado sade reprodutiva, estando este

    grupo presente nos diversos atendimentos, mas de forma assistemtica. A

    assistncia a essa clientela ocorria de forma rpida, onde o foco principal do

    cuidado era a doena e o agravo, no se percebendo espaos para os

    profissionais conversarem com os adolescentes sobre o que os levavam a

    procurar o servio, quais suas necessidades e o que os afligiam em relao

    sua sade, e qual seria o direcionamento ideal das aes destinadas a esse

    pblico.

    Em contatos com esses adolescentes durante o atendimento nesse

    servio, fui percebendo que os mesmos procuravam a unidade permeados de

    dvidas e ansiedades, e se mostravam muito receptivos as orientaes sobre

    sade, as conversas sobre sexualidade, doenas sexualmente transmissveis,

    gravidez e drogas. Porm, sabe-se que as necessidades de sade deste grupo

    no envolvem apenas a sade reprodutiva e sexual, mas perpassam por outros

  • aspectos biolgicos, cognitivos e sociais que se integram na

    multidimensionalidade deste ser.

    Aps contato com minha orientadora no mestrado, e por meio de sua

    experincia no campo cientfico, nossas idias foram aproximadas e surgiu o

    interesse em realizar a dissertao de mestrado na temtica ateno sade

    do adolescente. Desta forma, a dissertao um recorte do projeto da

    orientadora, que assume a coordenao da pesquisa: Necessidades e

    demandas de cuidados ao adolescente na ateno bsica, pesquisa

    financiada pelo CNPq.

    Os vrios questionamentos que foram conjugados entre orientanda e

    orientadora conduziram a busca de respostas por intermdio da pesquisa que

    foi construda com os sujeitos adolescentes, constituindo formas de pensar a

    realidade e responder as questes que conduziram a investigao.

    Contamos com outros motivos, baseados em informaes tcitas e

    cientificas, que motivaram a prosseguir nesta investigao. Observa-se elevada

    freqncia de adolescentes que procuram diariamente atendimento nas

    unidades, tendo, portanto, oportunidade de interagir com esses sujeitos; por ser

    a ateno bsica um espao de ateno que incluem vrios campos de

    atuao profissional, seja assistencial, educativa e de promoo da sade,

    sendo um local adequado a pensar a ateno a essa populao com vistas

    discusso sobre os aspectos da integralidade e outros dispositivos que venham

    possibilitar a produo do cuidado de aproximando-se dos princpios e

    diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS).

    Assim, intenciona-se elucidar os principais questionamentos que

    envolvem a produo do cuidado ao adolescente na ateno bsica, na

    tentativa de trazer para discusso e reflexo o contexto da prtica e os

    fundamentos tericos que embasam a ateno a sade do adolescente.

  • 1.2 Objeto de Estudo

    Na sociedade contempornea, a fase da adolescncia ocupa um espao

    e um imaginrio decorrentes das mudanas sociais nos ltimos anos, que

    permitiram maior visibilidade e participao dos adolescentes na vida social. No

    aspecto conceitual, o processo de adolescer pressupe o amadurecimento

    corporal, sexual, psicolgico e social, deduz-se que a adolescncia comea na

    puberdade, com as primeiras alteraes corporais e comportamentais e finaliza

    quando a pessoa assume sua identidade pessoal e profissional (TAQUETTE et

    al, 2005; HEIDEMANN, 2006).

    A Organizao Mundial de Sade (OMS) define a adolescncia como

    um processo fundamentalmente biolgico, no qual se acelera o

    desenvolvimento cognitivo e a estruturao da personalidade. Abrange o

    adolescer em duas etapas: a pr-adolescncia que constitui a faixa etria de 10

    a 14 anos e a adolescncia propriamente dita que vai dos 15 aos 19 anos

    (TAQUETTE et al, 2005).

    J o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) define que a

    adolescncia se inicia aos 12 anos e termina aos 18 anos. Pelo cdigo civil

    brasileiro, atinge-se a maioridade aos 18 anos, porm permitido votar aos 16

    (HEIDEMANN, 2006).

    Entretanto, a adolescncia uma etapa da vida que no podemos

    delimitar em marcos cronolgicos ou cognitivos, haja vista que a estruturao

    da personalidade e o desenvolvimento orgnico sofrem influncias externas e

    podem sofrer alteraes conforme seu processo de construo. E ainda,

    porque tais definies podem dificultar ainda mais no entendimento dessa fase,

    impedindo que se tenha clareza em relao aos seus direitos e deveres.

    importante ressaltar que a escolha da adolescncia como foco de

    estudo no pode deixar de trazer alguns dados importantes que ajudam a

    compreender o contexto destes sujeitos. A populao de adolescentes no ano

    de 2007, segundo a pesquisa nacional de amostra por domiclio (PNAD),

    representa 14% da populao total brasileira, o que representa 28 milhes de

    adolescentes em todo o pas (IBGE, 2008). Entretanto, 46% de crianas e

  • adolescentes de at 16 anos esto na indigncia ou na misria e 56% das

    mortes de crianas e adolescentes so causadas por desnutrio, drogas e

    violncia urbana (AMARANTE, p.56, 2007).

    Tais informaes apontam para uma situao de excluso social,

    violncia e risco de vida, revelando as muitas necessidades dos adolescentes

    que resultam em demandas no campo da sade.

    Nesse sentido, as necessidades de sade dos adolescentes, muitas

    vezes, no esto ligadas diretamente a problemas na esfera orgnica, podendo

    ser influenciada pelas ms condies de vida, pelas situaes de abandono, e

    envolvimento com prostituio, ou at uso de drogas, como tambm ocasies

    que o adolescente sofre algum tipo de violncia. Assim, os servios de sade

    devem estar preparados para oferecer cuidados a esses jovens, baseando-se

    na integralidade, princpio universal do Sistema nico de Sade (SUS). Trata-

    se, ento, do reconhecimento das diferentes necessidades, de sujeitos tambm

    diferentes, para atingir direitos iguais (TAQUETTE et al., 2005).

    Trazendo o pensamento de Campos (2008), a existncia de muitas

    adolescncias, e respectivamente de suas necessidades, uma construo

    social proposta para homens e mulheres com idade entre 12 e 18 anos visto

    que dada diversidade de condies de vida dessa populao, no h um

    modo nico, universal e totalizante de viver a adolescncia e o seu processo de

    sade. Assim, h muitas possibilidades dos jovens poderem se inserir, em sua

    comunidade, como sujeitos, criando novas maneiras de viver, novos modos de

    pensar, explorando um novo saber-fazer na produo da sade.

    Os adolescentes so percebidos, ainda, pelos adultos em geral, como

    sujeitos que no possuem autonomia frente aos seus direitos e desejos na

    esfera da sade, embora sejam vistos como depositrios das possibilidades de

    mudana de um melhor prognstico para o mundo. A sociedade acaba por

    estabelecer valores dicotmicos e ambguos em relao a eles, esperando que

    sejam responsveis por seus atos, entretanto parece no reconhecer a

    legitimidade dos seus direitos e as possibilidades decorrentes do exerccio

  • destes, principalmente quando se trata de assuntos que envolvem a sua sade

    e o seu cuidado (OLIVEIRA; LYRA, 2008).

    Dessa forma, a competncia para a realizao do cuidado ao

    adolescente , muitas vezes, questionada, pois muitos profissionais de sade

    ressaltam que os adolescentes no tm autonomia, ou seja, as decises sobre

    sua sade passam pelo crivo de seus pais/responsveis (LIEBESNY; OZELLA,

    2002). Entretanto, Ramos, Monticelli e Nitschke (2002) advogam que para essa

    autonomia possa ser exercida, o setor sade e outros setores sociais precisam

    construir prticas que favoream o reconhecimento, pelo grupo, de suas

    prprias potencialidades para decidir e responsabilizar-se por sua sade

    segundo valores ticos de solidariedade e eqidade.

    Assim, deve-se atentar para o fato de que esses jovens devem ser

    considerados sujeitos ativos em constante processo de construo e

    transformao de si e das prprias relaes sociais. Ao viver seu cotidiano, os

    adolescentes interiorizam valores que constituem essas relaes e, assim, vo

    construindo suas prprias formas de perceber o mundo e estar nele. Esse

    sentido prprio do sujeito, e vai constituir a base sobre a qual continuar

    construindo suas relaes e seus sentidos. atravs dessa construo que o

    adolescente torna-se um sujeito autnomo dentro do seu processo de sade

    (LIEBESNY; OZELLA, 2002).

    As aes de cuidado embasadas pelas noes da integralidade da

    ateno propiciam a reorientao do planejamento de sade para uma base

    populacional especfica, como o adolescente, que poder gerar a promoo da

    sade com medidas gerais e a proteo com medidas especficas para a

    preveno de agravos e para a realizao do cuidado clnico (FERRARI,

    THOMSON, MELCHIOR, 2008).

    Nesse sentido, o cuidado deve ser embasado em prticas clinicas

    fortemente relacionado e sustentado pelo trabalho e cuidado de enfermagem,

    exigindo novas pautas, propostas e metodologias de interveno por meio de

    novas formas de compreender os processos sociais, biolgicos, subjetivos e

    institucionais que conformam a qualidade de vida dos adolescentes brasileiros.

  • Assim, novas formas de conceber e atuar s so elaboradas num processo em

    que confluam perspectivas diferenciadas - do ponto de vista e das situaes

    peculiares de todos os sujeitos (profissionais, adolescentes, famlia), em que

    interesses e estratgias compartilhadas fortalecem o espao institucional em

    articulao aos mltiplos espaos de estruturao da vida individual e coletiva

    (ABEN, 2001).

    Corrobando com o pensamento de Pinheiro e Guizardi (2006), as

    prticas do cuidado, quando tomadas de fonte de criatividade e de crticas,

    podem potencializar aes emancipatrias e de liberdade, tanto do

    conhecimento cientfico que est aprisionado ao mtodo que o legitima e lhe

    confere autoridade quanto da prpria sociedade, ao possibilitar-lhe a

    expresso de sua participao ativa e constituinte de novos e crticos saberes

    sobre sua sade e de fontes de sua construo.

    Por isso, torna-se necessrio repensar novas modelagens assistenciais,

    assentadas em diretrizes da integralidade. Assim h que se aprofundar o

    debate sob novos fundamentos tericos, particularmente sobre a natureza do

    processo de trabalho, particularmente a sua micropoltica e a sua importncia

    na compreenso da organizao da assistncia sade. Propostas

    alternativas de modelagem dos servios de sade buscam incorporar outros

    campos de saberes e prticas em sade e configurar outras formas de

    organizao da assistncia anti-hegemnicas. Estas aes diferenciadas na

    produo da sade operam tecnologias voltadas para a produo do cuidado e

    apostam em novas relaes entre trabalhadores e usurios, tentando construir

    um devir para os servios de sade, centrado nos usurios e nas suas

    necessidades e estabelecendo um contraponto sade (MALTA, et al. 2004).

    Corroborando com tais prerrogativas, Franco, Andrade e Ferreira (2009,

    p. 13) partem da idia que o cuidado uma produo social no cenrio da

    micropoltica e prticas de sade e tambm uma produo subjetiva expressa

    pela fora desejante de cada trabalhador, usurio e gestor do SUS. Afirma o

    autor que estas dimenses tm sido esquecidas nos cenrios da avaliao dos

    servios de sade, e, assim, prope incluir tais discusses em seus estudos

  • sobre a produo do cuidado, sendo esta entendida como a produo

    subjetiva.

    Associada a esta idia de produo do cuidado, vale salientar que ao

    falar de modelos de assistncia na ateno bsica importante destacar o

    atual modelo vigente, que consta na Constituio Federal, nas Leis Orgnicas

    Municipais e na Legislao do SUS, e destina-se a cumprir os princpios do

    SUS, sob a gide da Estratgia Sade da Famlia (ESF). Esta o eixo

    norteador da ateno bsica e sua expansibilidade tem favorecido a equidade

    e a universalidade da assistncia. No caso da ESF, a equipe de sade deve

    estar capacitada para executar aes de busca ativa de casos na comunidade

    adscrita, mediante visita domiciliar e acompanhamento ambulatorial (ALVES,

    2005; FERRARI, THOMSON, MELCHIOR, 2008).

    Com a Estratgia da Sade da Famlia e o foco na ateno bsica, os

    trabalhadores de sade tendem a se tornar mais prximos e integrados com os

    valores e saberes dos adolescentes e de suas famlias, o que fazem com que

    tais trabalhadores busquem outros referenciais alm dos biolgicos, j que se

    reconhece que so necessrias aes descentralizadas para a adeso a

    tratamentos e cuidados. Em longo prazo, estas aes esto profundamente

    imbricadas com a cultura, ou seja, com os estilos de vida, hbitos, rotinas e

    rituais na vida desses jovens (BOEHS, et al. 2007).

    Assim, ao realizar um levantamento bibliogrfico sobre a temtica

    cuidado do adolescente na ateno bsica, encontramos diversos estudos que

    apontam uma abordagem tecnicista, voltada para o saber biomdico, pautada

    em procedimentos e com foco na doena. Porm, percebemos que houve um

    avano, e que muitos estudos vm abordando perspectiva mais humanizadora

    e integral. Para o levantamento dos estudos, utilizamos as bases de dados:

    Scielo, Lilacs, Medline, Adolec, Google acadmico, bem como a busca de

    teses e dissertaes sobre a temtica em sites de universidades brasileiras,

    como a USP, UNICAMP, UFRJ e UFF. Realizou-se, ainda, a busca de livros,

    manuais tcnicos e documentos legais sobre a sade do adolescente em sites

    especializados.

  • Utilizamos como descritores: Adolescente, Adolescncia, Ateno

    Primria, Ateno Bsica. A exemplo cita-se a base de dados Lilacs que

    apresentou 191 estudos relacionados com a temtica, e a base de dados

    especializada em sade do adolescente ADOLEC que apresentou 818

    estudos. Realizando um refinamento dos diversos estudos encontrados, alguns

    autores trazem uma abordagem da sade do adolescente voltada ao modelo

    hegemnico, focando uma viso curativa e institucionalizada do cuidado.

    Dentre esses autores, citaremos alguns: LEMOS; LIMA; MELLO (2004),

    BRUSCHI, et al. (2005), GARCIA; BARRA (2005), AVANCI, et al. (2005),

    AGUIAR et al. (2005), ILIAS, et al. (2006), PELLISON, et al. (2007), ANTUNES,

    et al. (2008), ARREGUY-SENA; CARVALHO (2008), TEIXEIRA, et al. (2007),

    BOARATI; FU-I (2008), DOHNERT; TOMASI (2008).

    Poucos foram os estudos que abordaram a adolescncia com foco na

    promoo da sade e na valorizao dos saberes e prticas culturais na

    produo do cuidado e o foco da integralidade. Dentre os estudos encontrados,

    temos os autores: LIMA; ROCHA; SCOCHI (1999), PERES; ROSEMBURG

    (1998), FERREIRA (2006), FERREIRA et al. (2007).

    Enfatiza-se que o desconhecimento sobre as caractersticas especficas

    dos adolescentes e a desvalorizao das percepes e significados

    construdos sobre a sade e os meios teraputicos distanciam cada vez mais

    as aes profissionais das necessidades e das prticas individuais de

    cuidados, inviabilizando uma assistncia qualificada em termos de eficcia e

    resolutividade dos problemas que atingem a sade dos adolescentes.

    No mbito da ateno ao adolescente percebe-se, ainda, a ausncia de

    organizao e instrumentalizao dos trabalhadores em geral e os de

    enfermagem, de modo que possam atender as necessidades e as demandas

    dessa populao. A indisponibilidade de recursos humanos habilitados na rea

    com viso sobre os direitos dos usurios, a necessidade de um trabalho em

    equipe e a sensibilizao para a incorporao das diretrizes do SUS, tais como

    a perspectiva da ateno integral so condies que merecem ser revestidas.

    A ausncia de elementos organizacionais, envolvendo os trabalhadores na

    ateno integral aos adolescentes, dificulta o acesso dos mesmos aos

  • servios, e, consequentemente, encaminhamentos e resolutividade dos

    problemas que atingem essa populao.

    Ao longo das experincias adquiridas na assistncia de enfermagem

    populao de adolescentes, e diante de um referencial terico que defende e

    direciona as aes de cuidado ao adolescente na perspectiva de integralidade,

    percebe-se o quanto se tem que avanar em tal prerrogativa. Trazendo o foco

    para a ateno bsica como porta de entrada preferencial aos cuidados

    sade, essa problemtica torna-se mais evidente e preocupante considerando

    que esse um espao em que as praticas de cuidados podem ser cada vez

    mais participativas e geradoras de mudanas no sistema.

    Diante desta problemtica e da vivencia na prtica discorrida na

    aproximao com o tema, surgiram muitas inquietaes que levaram a buscar

    de forma compartilhada, com estudiosos da rea e com os sujeitos da

    pesquisa, as oportunidades de refletir e construir referenciais tericos e

    metodolgicos que possam contribuir com a melhoria da assistncia a

    populao de adolescentes. Assim, para construir a pesquisa partiu-se dos

    seguintes questionamentos: Quais as necessidades de sade

    demonstradas pelos adolescentes? Como se d a produo do cuidado

    ao adolescente na ateno bsica e a perspectiva da integralidade ?

    Neste contexto, esta pesquisa ser impulsionada pela necessidade de

    olhar o cuidado ao adolescente na ateno bsica e a perspectiva da

    integralidade, subsidiando, para a enfermagem, a discusso de novos

    elementos como o acesso, o acolhimento, o vnculo dos usurios com a equipe

    da ateno bsica, e no somente a promoo da sade, pensada distante e

    de maneira passiva, mas percebendo esse sujeito adolescente como ser

    autnomo em busca de sua cidadania.

    No entanto, a pretenso do estudo no de produzir protocolos ou

    recomendaes para a sade dos adolescentes, mas sim de contribuir para

    uma melhor compreenso das necessidades processadas nas unidades

    bsicas de sade sob a tica do prprio sujeito. Tem-se a inteno de

    promover a discusso das aes e o cuidado de enfermagem na sua prtica

    clnica. Dessa forma, tem-se a possibilidade de evidenciar perspectivas de

  • acolhimento, acesso e vnculo destes sujeitos, o que projetar uma maior co-

    responsabilizao dos profissionais que atuam na ESF, como o enfermeiro, na

    produo do cuidado ao adolescente.

    Esta reflexo reafirma a importncia da efetivao de um projeto

    teraputico para ampliar o acesso do adolescente ao servio de sade, e da

    mudana das atuais prticas, especialmente do enfermeiro. Nesta perspectiva,

    observa-se que as prticas de sade tradicionais projetadas na viso

    tecnicista e valorizando somente o saber profissional no atende s

    necessidades dos usurios.

    Desta forma, ao articular tais aspectos, considera-se este trabalho

    relevante, pois imprescindvel conhecer as necessidades de sade e de

    cuidados dos adolescentes que so atendidos na ateno bsica, para que

    possamos contribuir com conhecimentos empricos e tericos na produo do

    cuidado. Deste modo, a pesquisa poder fornecer subsdios prtica clnica na

    ateno ao adolescente, idealizando-se um cuidado de enfermagem na

    perspectiva da integralidade.

  • 2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral

    Analisar a produo do cuidado na ateno bsica enfocando os

    dispositivos da integralidade, na tica dos adolescentes.

    2.2 Objetivos Especficos

    Descrever as concepes do adolescente sobre sade, cuidado e produo

    do cuidado na ateno bsica.

    Compreender a forma como se do as relaes entre os adolescentes e a

    equipe de sade, a oferta de servios, o acesso, o acolhimento nas

    unidades de sade e o vnculo dos adolescentes na ateno bsica.

  • 3. EIXO TERICO DA PESQUISA

    3.1 Polticas de Ateno Sade do Adolescente: breve contexto histrico e social

    Para compreender a importncia das polticas pblicas voltadas para o

    adolescente, necessrio entender como se deu essa evoluo e como as

    atuais polticas de ateno sade e proteo ao adolescente foram

    formuladas.

    Relembrando a prpria histria do Brasil, sua primeira carta

    constitucional, datada de 1824, foi baseada nos princpios meritocrticos que

    determinava a organizao da sociedade segundo as leis do mercado, assim a

    diferena entre os homens eram evidenciadas atravs do desenvolvimento de

    suas potencialidades. Com a constituio de 1891 e sua reviso em 1926,

    manteve-se a tendncia ao liberalismo, uma vez que as questes sociais,

    apesar de constiturem problemas estruturais graves, permaneciam

    completamente ignoradas. Somente ao incio do sculo XX que os esforos

    higienistas e polticos passaram apresentar reflexos se fazendo ouvir na busca

    da implementao de prticas sanitrias, que objetivavam o controle de

    doenas que ameaavam a populao, e, especificamente, a fora de trabalho.

    Dessa forma, as primeiras aes estatais que se formaram enquanto polticas

    de sade tinham como alvo parcelas marginalizadas da populao, que se

    apresentavam como a grande fora produtiva do pas (CORRA; FERRIANI,

    2005).

    Naquele momento, a criana e o adolescente eram vistos como

    elementos de renovao, esperana, fonte futura de produtividade do pas,

    sendo, para tanto, necessrio o controle do seu crescimento e

    desenvolvimento. Assim, no sentido de garantir a formao de cidados, o

    governo assumia a educao e a assistncia sade dos jovens em situao

    de risco social, onde os educandrios e hospitais filantrpicos eram as

    instituies que prestavam ateno integral s crianas e aos adolescentes,

    visando o progresso da nao. Por volta da dcada de 1920, o Estado passou

    a buscar formas de administrar as questes sociais reconhecendo a

  • necessidade de preservar a fora de trabalho produtiva, surgindo ento Cdigo

    de Menores em 1927, que regulamentava o trabalho do menor, sendo tal

    legislao revista e substituda em 1932. Em 1930, foi criado o Ministrio da

    Educao e Sade Pblica, sendo organizados os servios na esfera da sade,

    mas somente em 1940, a proteo aos jovens foi definida como uma proposta

    poltica, criando-se o Departamento Nacional da Criana, que teve sua ao

    voltada para a rea mdica e higienista. Nesse mesmo perodo, foram criados

    rgos que chamaram a si a responsabilidade do atendimento a menores

    abandonados e delinqentes, como a Legio Brasileira de Assistncia (LBA).

    Ainda na dcada de 30, foi introduzido o ensino pblico e gratuito e foi criado o

    Servio de Assistncia ao Menor (SAM) do Ministrio da Justia, com normas

    correcionais e opressivas (CORRA; FERRIANI, 2005).

    Na segunda metade do sculo XX, a nvel mundial, os pases

    desenvolvidos decidem cooperar com as polticas de desenvolvimento,

    transferindo seus saberes e tecnologias por meio de programas e prticas de

    intervenes verticais, autoritrias e prescritivas (BURSZTYN; RIBEIRO, 2005).

    Seguindo essa tica, na dcada de 60, o poder pblico brasileiro estabeleceu

    as diretrizes e bases de uma Poltica Nacional do Bem-Estar do Menor que

    atualizava o enfoque coercitivo e repressivo vigente anteriormente, criando a

    Fundao Nacional do Bem Menor (FUNABEM), mantendo a segregao dos

    chamados menores. Nesse perodo, em 1979, o Cdigo de Menor foi

    reestruturado e institudo pela Lei Federal n 6.697. Cabe aqui salientar

    algumas crticas dirigidas esse cdigo. Uma delas se refere ao termo

    preconceituoso de tratar a criana e o adolescente em situao irregular de

    menor. Na verdade, essa terminologia expressava a culpabilizao e o

    estigma construdo pela classe hegemnica sobre a criana e o adolescente

    das classes populares, para desviar a ateno dos fatores que impulsionavam

    a situao irregular desses meninos e meninas, como por exemplo, a

    desigualdade social e econmica. A desigualdade era agravada pela

    conjuntura econmica do pas e pela precariedade e/ou inexistncia de

    polticas pblicas capazes de responderem, adequadamente, s diversas

    necessidades dessas crianas e adolescentes e a seus respectivos familiares.

  • A outra crtica era a privao de liberdade dirigida criana e ao adolescente

    apenas pela suspeita do ato infracional (CORRA; FERRIANI, 2005).

    Frente ao fracasso previsvel dessa poltica, emerge a conscincia de

    que o custo de impor hbitos e comportamentos a uma populao,

    desprezando-se a realidade objetiva e subjetiva, muito alto. Com base nisso,

    comea-se a abrir, no campo institucional, um espao para crescimento das

    propostas participativas, florescendo de forma alternativa e contra-hegemnica.

    Entre a participao voltada para o desenvolvimento da conscincia crtica e

    libertadora e as prticas prescritivas de natureza controladora, vo se

    delineando matizes que evidenciaram novos modelos de planejamento

    (BURSZTYN; RIBEIRO, 2005).

    Assim, a partir da dcada de 80, observa-se um incremento das medidas

    poltico-sociais voltadas populao jovem. Em 1985, a OMS proclamou o Ano

    Internacional da Juventude para melhor apreender as questes que envolvem

    esse grupo. Com o lema Juventude: hora de buscar, hora de entender vrios

    pases passaram a destinar maior ateno suas especificidades de sade e

    as vulnerabilidades da populao adolescente (FERREIRA, et al, 2007).

    No Brasil, iniciou-se uma articulao entre os diversos setores da

    sociedade, empreendendo avanos no campo poltico, o que culminou com a

    formulao da nova carta constitucional, em 1988, em que prev a Sade

    como direitos de todos e dever do Estado. No que tange ao adolescente, d-se

    destaque ao artigo 277, da Constituio, que ressalta ser dever da famlia,

    Estado e sociedade assegurarem criana e ao adolescente o direito vida,

    sade e educao, direitos sociais bsicos do cidado (BRASIL, 1988). Neste

    momento, o adolescente passa a ser sujeito de direito, e no, somente, um

    agente passivo de proteo e cuidado, tendo garantias como cidado,

    respaldado pela legislao brasileira e protegido pelo Estado.

    Tendo como foco principal a sade em consonncia com a problemtica

    scio-econmica da populao jovem brasileira, em 1989, o Ministrio da

    Sade oficializa o Programa Sade do Adolescente (PROSAD). Este programa

    previa a integrao com os diversos setores da assistncia, no intuito da

    promoo da sade, identificao de grupos de risco, deteco precoce de

  • agravos, tratamento adequado e reabilitao dos indivduos nesta faixa etria,

    numa perspectiva integral e interdisciplinar. Propunha ainda, entre muitas

    aes, o exerccio de uma rede de referncia no setor sade, em centros

    culturais, e organizaes comunitrias, a discusso de interesses dos

    adolescentes, o intercmbio de informaes sobre a adolescncia, e a

    participao do adolescente como agente multiplicador na promoo da sade

    (RAMOS, PEREIRA, ROCHA, 2001).

    Situado nesse contexto da ento recente promulgao da Constituio

    Brasileira de 1988 e da formulao de um programa de sade voltado

    especificamente ao adolescente, em 13 de julho de 1990 sancionada a Lei

    8.069 que criou o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), sendo

    revogado o Cdigo de Menores. O objetivo principal do ECA estabelecer os

    direitos da criana e do adolescente numa perspectiva condizente com sua

    condio de pessoa em desenvolvimento e que, por sua vulnerabilidade,

    merecem ateno integral, sendo esta fsica, psquica e moral (BRASIL,

    2006a).

    No Captulo I referente ao Direito a Vida e a Sade, o Estatuto da

    Criana e do Adolescente, diz em seu art. 7 que: a criana e o adolescente

    tm direito a proteo vida e sade, mediante a efetivao de polticas

    sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e

    harmonioso em condies dignas de existncia (BRASIL, 2006a, p. 10).

    Vieira (2008) ressalta a importncia da criao do ECA, instituindo uma

    nova dimenso sociedade brasileira, garantindo-lhes os direitos democrticos

    de participao cidad e a consolidao do Estado de Direito. O autor destaca

    ainda que, nesse perodo, o pas vivia numa ambincia de redemocratizao

    das instituies polticas e sociais. E uma das instituies sociais que

    conseguiu propor e implantar novos paradigmas epistemolgicos e culturais,

    enquanto cuidado/promoo do ser humano foi a Sade, com a criao do

    Sistema nico de Sade (SUS).

    Dessa forma, a criao do SUS, sendo institudo pela Constituio

    Federal em 1988, representou um grande avano rumo organizao da

  • assistncia, o que significou o alcance de um grau civilizatrio maior, uma vez

    que se estabeleceram diretrizes e os princpios que expressam a sade e a

    cidadania conquistada nesse processo (MAGALHES JUNIOR, 2006). Desde

    ento, o SUS vem se destinando a cumprir os seus princpios de integralidade,

    universalidade, equidade e igualdade, fortalecendo as aes preventivas e

    promocionais, bem como reorientando o planejamento de sade para uma

    base populacional, como o adolescente.

    Nesse contexto e em consonncia com o PROSAD, vo se lanando

    estratgias de ateno sade do adolescente. Em 1993, o Ministrio da

    Sade publica as Normas de Ateno Integral ao Adolescente, visando,

    portanto, orientar e dar suporte tcnico s decises tomadas na porta de

    entrada do Sistema nico de Sade e procurando, de modo direto e simples,

    definir, justificar e selecionar tecnologias, padronizar procedimentos e

    normalizar condutas (BRASIL, 1993).

    Em 1997, o XL Conselho Diretor da Organizao Pan-Americana de

    Sade (OPAS) e a Organizao Mundial de Sade (OMS) recomendaram aos

    seus pases membros que inclussem em suas agendas polticas de ateno

    sade, aes destinadas ao desenvolvimento dos adolescentes e jovens.

    Define-se ento um marco conceitual de desenvolvimento e de promoo

    sade dos adolescentes. Para isso foram formuladas sete linhas de aes:

    polticas, legislao e atividades de defesas dos direitos; formulao de planos,

    programas e organizao dos servios; desenvolvimento de recursos humanos

    no tema; incorporao da comunicao social; formao de redes e difuso de

    conhecimento; mobilizao de recursos sociais e apoio investigao e seu

    desenvolvimento (TANAKA; MELO, 2001).

    No contexto das polticas de sade brasileira vai se percebendo que,

    apesar dos avanos substanciais do ponto vista programtico, as polticas de

    ateno sade do adolescente no conseguem atingir de forma satisfatria a

    maioria da populao. Percebe-se ainda que, esses avanos existentes em

    cada setor no se articularam adequadamente, nem se mantiveram por tempo

    suficiente e suas repercusses sobre a populao brasileira de adolescentes

    no vem atingindo de forma substancial.

  • Mediante a baixa adeso das aes programadas, tanto por parte dos

    profissionais de sade, como por parte dos jovens, em 2005, o Ministrio da

    Sade por meio da Secretaria de Ateno Integral de Adolescentes e Jovens

    retoma as discusses sobre a ateno sade dos adolescentes. So

    publicadas orientaes bsicas para nortear a implantao e/ou implementao

    de aes e servios que atenda essa populao de forma integral, atravs de

    duas normas tcnicas: Marco Legal da Sade dos Adolescentes e Sade

    Integral dos Adolescentes e Jovens orientaes para a organizao dos

    servios de sade. O manual sobre sade integral dos adolescentes descreve

    as diretrizes para a organizao de servios de ateno sade integral de

    jovens e adolescentes: adequao dos servios de sade s necessidades

    especficas de adolescentes e jovens, respeitando as caractersticas da

    ateno local vigente e os recursos humanos e materiais disponveis; respeito

    s caractersticas socioeconmicas e culturais da comunidade, alm do perfil

    epidemiolgico da populao local; participao ativa dos adolescentes e

    jovens no planejamento, no desenvolvimento, na divulgao e na avaliao das

    aes (BRASIL, 2005).

    No ano seguinte, em 2006, o MS lana a verso preliminar do Marco

    Terico e Referencial da Sade Sexual e Reprodutiva de Adolescentes e

    Jovens. Pautado na perspectiva da ateno sade sexual e reprodutiva, tal

    documento oferece subsdios terico-polticos, mais uma vez normativos e

    programticos, que visam implementao de aes voltadas a essa

    populao (BRASIL, 2006a).

    Motivados pela retomada dos programas voltados para a sade dos

    jovens e pelas discusses do pacto pela vida junto aos gestores brasileiros, em

    2007, o governo institui a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade dos

    Adolescentes, cujo objetivo desta poltica de incorporar a ateno sade a

    este grupo populacional estrutura e mecanismo de gesto em todos os

    nveis. (BRASIL, 2007).

    Um entrave na implementao da poltica de ateno sade do

    adolescente no Brasil apresentado por Oliveira e Lyra (2008), em que os

    autores apontam a carncia na formao dos recursos humanos, como fator

  • primordial. Segundo eles, no h equipes de sade suficientes para a

    populao e as equipes existentes no esto capacitadas/sensibilizadas para o

    trabalho com os adolescentes. Mesmo passando por perodos de formao,

    nem todos os profissionais se dispem a trabalhar com essa populao, e

    muitos profissionais, embora capacitados, ainda percebem os adolescentes

    como pessoas em formao, que precisam de orientao e tutela, no tendo

    maturidade para assumir seu cuidado e para exercer plenamente seus direitos.

    O que se percebe, que as polticas pblicas de ateno sade,

    promoo e proteo dos direitos dos adolescentes vm sofrendo mudanas

    na concepo e no modo de produo de sade, originadas das construes

    sociais histricas. Esse contexto, reflete na conduo dos programas

    ministeriais que envolvem a sade dos jovens, que so, na maioria das vezes,

    pensados de maneira vertical, a nvel de tcnicos e gestores, permanecendo a

    carncia da base, onde o produto final destinado. Da pode-se indagar o

    porqu do baixo impacto desses programas ou at mesmo da baixa

    resolutividade que se observa na realidade de sade dos adolescentes na

    ateno bsica.

    H outra questo terica importante implicada com esta questo: ao

    resolver de forma verticalizada o formato dos programas para adolescentes,

    estaria o Ministrio da Sade tentando determinar que a vida do adolescente

    se produza de uma determinada forma, tentando determinar a priori que tipo de

    vida deve se produzir no adolescente? Ou seja, estaria o Ministrio da Sade,

    a partir dos programas estaria tentando induzir certo tipo de vida, ou de

    comportamento dos adolescentes?

    Para compreender a importncia e a possibilidade do impacto das aes

    e servios em sade destinados aos adolescentes fundamental considerar as

    demandas de sade, de maneira que as aes oferecidas se adequem

    realidade local individual e coletiva dos principais interessados. Assim,

    todas essas aes programadas pelo governo brasileiro devem estar pautadas

    nas reais necessidades dos adolescentes.

  • 3.2 O Sujeito Adolescente e o Cuidado em Sade

    A palavra adolescente, segundo o perfil de sua evoluo diacrnica do

    latim ao portugus, prende-se ao radical olescere: crescer. A forma verncula

    conecta-se diretamente ao semantema adolere: aumentar, queimar, sacrificar

    queimando, e adolescere: crescer em idade e fora. Em todas as formas est

    presente a idia da mudana, do desgaste, da busca do amadurecimento. Por

    isso o verbo latino incoativo, por encerrar noo de comeo e continuao de

    ao, ao de crescer. Adolescer, portanto, tornar-se adulto. E adulto, neste

    plano, aquele que queimou as energias necessrias ao atingimento da

    plenitude de sua evoluo psicofisiolgica (HEIDEMANN, 2006).

    Ferreira et al. (2007) discutem que a adolescncia uma etapa da vida

    caracterizada pelas dimenses psico-biolgica, sociocultural e cronolgica

    implicadas no crescimento e no desenvolvimento as quais resultam tambm de

    contextos polticos, histricos e econmicos. Encontrar-se na adolescncia

    viver uma fase em que mltiplas mudanas acontecem e se refletem no corpo

    fsico, pois o crescimento somtico e o desenvolvimento em termos de

    habilidades psicomotoras se intensificam e os hormnios atuam vigorosamente

    levando a mudanas de forma e expresso. No que tange ao aspecto

    psicolgico, so vrias as transformaes, principalmente, as relacionadas

    labilidade do humor. Surgem muitas questes e dvidas sobre a vida e o viver,

    os modos de ser e estar com os outros, at a construo do futuro com as

    escolhas profissionais.

    Corrobando com esse pensamento, Heidemann (2006) caracteriza a

    adolescncia por um perodo de grande vulnerabilidade fsica, psicolgica e

    social. Corresponde a faixa etria de assuno de caractersticas complexas

    para o desenvolvimento pleno do ser humano. O desenvolvimento fsico,

    cerebral, endcrino, emocional, social, sexual ocorre de forma conjugada,

    modificando as estruturas fsicas, mentais, emocionais, originando

    comportamentos e emoes no antes sentidas pelo adolescente ou pelas

    pessoas que convivem com ele. Desta forma entende-se o adolescente com

    um sujeito de uma vulnerabilidade orgnica e social definida. Porm seguindo

    este propsito de abordar a adolescncia como algo construdo, acaba-se por

  • criar uma identidade adolescente, que vai de encontro subjetividade de

    cada ser.

    Campos (2008) traz a concepo de que pertencer a uma faixa etria

    uma condio provisria, onde a idade atravessa cada sujeito, mas so suas

    vivncias e sua maneira de conceber o mundo que se encarrega de fazer

    com que cada um passe para outra faixa etria. Assim, ao valorizar o saber

    do adolescente e a forma como o adolescente experiencia seu agir no mundo,

    pode-se verificar que no existe uma nica adolescncia, e que as diferenas

    culturais, de saberes e prticas, com diferentes marcas, dentro de uma mesma

    comunidade, proporciona viver muitas adolescncias, dependendo da

    maneira de como foi possvel subjetivar cada existncia.

    Trazendo o pensamento de Pinheiro e Guizardi (2006), produzir

    conhecimento a partir de experincias requer aplicar um olhar reflexivo sobre

    qualquer objeto do vivido, com a finalidade de apreender suas significaes.

    Nesse sentido, o compartilhamento de saberes capaz de romper com a

    ditadura unitria de conhecimentos e dos efeitos centralizadores. Assim o

    entre do saber cientfico e o saber popular que como lao constri vnculos e

    amplia acesso, rompendo os elos de concepo sobre adolescncia. Ao tentar-

    se compreender o saber do adolescente, desatam-se os ns dos pr-conceitos

    para se chegar razo primeira de ser em sade: o cuidado.

    Assim, para cuidar do adolescente, valorizando sua subjetividade, torna-

    se necessrio ouvi-los, criando espaos de discusso e aprofundamento das

    questes formuladas por eles. Entretanto, a discusso de temas dificilmente

    abordados no cotidiano vai alm das preocupaes higienistas e

    epidemiolgicas, perpassando pelo conhecimento das necessidades individuais

    e coletivas em sade (JEOLS; FERRARI, 2003).

    importante ressaltar que sade no pode ser vista como um estado

    ideal, uniforme, mas como a busca permanente de mobilizao de foras

    ativas, das energias necessrias para viver. Desse modo, falar em sade

    falar de uma sucesso de compromissos que assumimos com a realidade, e

    que se alteram, que se reconquistam, se definem a cada momento. Sade

  • um campo de negociao cotidiana para se tornar a vida vivel (ROCHA,

    2002).

    Ferreira (2006) afirma que, com o intuito de ampliar as concepes de

    sade e de cuidado, cada vez mais pesquisas vm buscando desvelar as

    representaes indicadas pelos prprios sujeitos, buscando, assim, oferecer

    cuidados que venham ao encontro nas necessidades e desejos da clientela.

    Ainda segundo a autora, o ato de cuidar exige mais do que um

    conhecimento tcnico de abordagem, pois o discurso da prtica clnica

    hegemnica no basta para conhecermos o outro (sujeito do cuidado).

    necessrio que entendamos o adolescente a partir dele prprio, do que ele

    vive, sente e necessita no seu cotidiano de vida. Esse entendimento condio

    necessria para o cuidar, do ponto de vista humanstico e integral. Assim,

    produzir cuidado em consonncia s necessidades de sade dos usurios abre

    possibilidades de entend-los, naquilo que os jovens tm de nico e singular,

    viabilizando um cuidado direcionado para as demandas, no caso a populao

    adolescente em estudo (FERREIRA, 2006).

    Para compreender que necessidades de sade estamos abordando, nos

    aproximamos das idias de Schraiber e Mendes-Gonalves (2000) quando

    afirmam que definir necessidades uma questo complexa, pois se pensar

    necessidade requer pensar em assistncia, e a imagem desta est

    representada pela procura de cuidados mdicos que um doente faz ao dirigir-

    se a um servio. Desta forma, a origem dessa busca a carncia que o

    indivduo tem que deve ser corrigido em seu atual estado scio-vital, e o

    resultado das intervenes sobre qualquer carecimento reconhecido, portanto

    como necessidade. Com base nisso, a interveno pode ser reconhecida

    tambm como uma necessidade, com base na demanda cuidada pela

    interveno.

    Podemos pensar nos adolescentes como sujeitos que possuem

    necessidades prementes de sade para que possam obter um crescimento e

    um desenvolvimento saudvel. Merhy (2006) reflete sobre as necessidades de

    sade dos usurios as quais podero estar representadas das mais variadas

    formas, pois eles no so uma categoria de atores uniformes. Porm o segredo

  • olhar e analisar cada situao na sua singularidade, na maneira como esses

    sujeitos procuram construir o mundo pra si e para os outros, constituindo suas

    representaes sobre sade e cuidado.

    freqente, no entanto, ocorrerem as representaes de cuidado

    apenas de forma impessoal, sem a necessidade de desenvolver um

    relacionamento mais ntimo e profundo que fortalea o self do outro. Assim, o

    ser cuidado precisa estar totalmente presente e, simultaneamente, sendo

    capaz de refletir com o outro (o ser cuidado), sobre o que est sendo

    experienciado, num dado momento, para juntos encontrarem a soluo para a

    sua necessidade de sade (NASCIMENTO E TRENTINI, 2004).

    Trazendo o pensamento do cuidado de enfermagem de Waldow (2001),

    deve-se atentar para a importncia de se envolver no contexto histrico,

    cultural e social que o ser cuidado est inserido. Desse modo, o cuidado

    assume vrias conotaes que no se traduzem apenas como atividade

    realizada no sentido de tratar uma ferida, aliviar um desconforto e auxiliar na

    cura de uma doena. O sentido do cuidado mais amplo e se revela como

    uma forma de expresso, de relacionamento com o outro e com o mundo, ou

    seja, como uma forma de viver plenamente.

    Dessa forma, falar da presena do sujeito no cuidar no significa apenas

    seu comparecimento fsico. A concepo de cuidado para Boff (2005, p.31)

    envolve um compromisso tico de resgate do saber inerente a cada sujeito:

    [...] a relao no sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os

    seres como sujeitos, como valores, como smbolos que remetem a uma

    realidade [...]. Seu pensamento rompe com a perspectiva cartesiana do sujeito

    do conhecimento, pois considera o sujeito como ser de linguagem que no

    comporta apenas o aspecto racional e consciente. Portanto, o enfoque do

    cuidar deve enfatizar a subjetividade do paciente, tornando-o capaz de ficar

    responsvel pelo seu cuidado devido uma mudana na forma de perceber sua

    necessidade.

    Para tanto, faz-se necessrio compreender a sua subjetividade, como

    ressalta Vieira e Rodrigues (2007), em que as situaes vivenciadas pelo

    sujeito adolescente representam a forma concreta de como interpretam a vida,

  • de modo que a anlise desta interpretao torna-se tpica quando reflete uma

    vivncia do censo comum, em um determinado contexto.

    Reconhece-se, portanto, que no lidamos apenas com necessidades

    bio-fisiolgicas, mas tambm com a dimenso subjetiva e no que ela implica de

    articulao com o outro. Ou seja, o cuidado ao sujeito adolescente extrapola

    seu carter instrumental e, necessariamente, vo ser perpassadas por uma

    articulao com ferramentas que busquem a satisfao das suas

    necessidades.

    3.3 A Produo do Cuidado ao Adolescente na Ateno Bsica e sua

    Interface com a Clnica.

    A ateno bsica um cenrio de encontros espao intercessor

    entre o usurio e o trabalhador de sade, onde se operam processos

    tecnolgicos1 que visam produo de relaes de escutas e

    responsabilizaes. Estas se articulam com a constituio dos vnculos e dos

    compromissos em modelos de intervenes, que objetivam em atuar sobre as

    necessidades em busca da produo do cuidado (FRANCO, BUENO, MERHY,

    2006).

    A ateno bsica faz parte de uma rede de gesto do SUS e operada

    por linhas de produo do cuidado, sobre as quais trabalhadores e usurios

    buscam satisfazer as necessidades de sade. Fazendo a relao entre os

    diversos lugares de produo. Franco (2007) props um diagrama

    interpretativo que trs o fluxo de produo do cuidado, onde agregam

    elementos sociais, polticos, tcnicos e subjetivos que dependem dos sujeitos e

    de seus grupos, na micropoltica que opera nesses mesmos cenrios.

    1 Merhy, em sua publicao Sade: a cartografia do trabalho vivo (2002) trs o processo tecnolgico

    como o "trabalho vivo" capturado pelas tecnologias mais estruturadas, ou, "duras" e "leve-duras". O

    "espao intercessor" referente ao encontro entre o usurio e o profissional de sade, onde ocorrem

    possibilidades de mudanas e de atos criativos, sempre podendo ser recriado. Este encontro singular e

    opera usualmente em ato, tornando difcil capturar o "trabalho vivo". Este espao relacional sempre

    conflituoso, tenso, existindo diversas possibilidades de desdobramentos, tornando-se um momento

    especial, portador de foras "instituintes".

  • Diagrama da Gesto do SUS e os seus fluxos na produo do cuidado

    (FRANCO, 2007).

    O diagrama representa diversos lugares de gesto, espaos de

    microgesto e de produo de cuidado no interior do SUS. O foco na ateno

    bsica, como uma microgesto regulada por um padro de conduta tcnica,

    tica, poltica, subjetiva e socialmente produzida, tende a ser assumida diante o

    usurio e sua necessidade de sade. Nesta tica, a idia da ateno bsica

    como espao de produo do cuidado, vem em consonncia com as suas

    diretrizes e o direcionamento que dado famlia e comunidade, a partir da

    definio de sujeito e seus diversos planos de co-produo (FRANCO, 2007).

    Em consonncia com essa idia, nos reportamos a Portaria n 648, de

    maro de 2006, onde aprova a Poltica Nacional de Ateno Bsica, e expressa

    textualmente que a ateno bsica considera o sujeito em sua singularidade,

    na complexidade, na integralidade e na insero sociocultural (BRASIL,

    2006b).

    Inserida na Poltica de Ateno Bsica, a Estratgia Sade da Famlia

    (ESF) constitui-se como prioritria, sendo enfatizada a definio de

    responsabilidades entre o sistema de sade e a populao. Nesta perspectiva,

    a micropoltica de trabalho tomada como uma prtica social, complexamente

    interligada realidade em questo, fazendo com que a integralidade e a

  • intersetorialidade sejam partes importantes do desenho estratgico da ao. A

    participao popular torna-se, ainda, bastante valorizada para compor a co-

    responsabilidade nas intervenes desenvolvidas no territrio (CAMARGO,

    2008).

    Assim, na prtica cotidiana da organizao da ateno bsica so

    destinadas aes de territorializao, integralidade da ateno e impacto

    epidemiolgico com o objetivo de reorientar o planejamento de sade para uma

    base populacional. No caso dos adolescentes, a poltica da ateno bsica e,

    consequentemente, a ESF contribui com medidas de promoo da sade e

    proteo especfica (FERRARI, THOMSON, MELCHIOR, 2008).

    Entretanto, nesta prtica organizacional acaba-se por setorizar a

    Estratgia Sade da Famlia, o que contribui para a reduo de ndices

    epidemiolgicos desejveis. Porm, tornam-se residuais as necessidades de

    sade de outros grupos populacionais, como os adolescentes, contribuindo

    para o afastamento deste grupo, aumentando sua vulnerabilidade (OLIVEIRA;

    LYRA, 2008).

    Oliveira e Lyra (2008) ressaltam ainda que no caso dos adolescentes o

    afastamento do grupo etrio da unidade de sade influenciado por duas vias:

    a) por considerarem que as suas demandas no se enquadram na lgica

    assistencial, no tendo o que lhes oferecer nos servios de sade; b) e pela

    naturalizao do argumento que os adolescentes no esto preocupados em

    cuidar da sade. Com base nesses entraves, os autores apontam trs desafios

    para uma produo de cuidado e de sade eficazes ao adolescente na ateno

    bsica: quanto oferta sistemtica e organizao das aes e servios

    voltados aos adolescentes; quanto capacitao e sensibilizao dos

    profissionais de sade para a realizao do cuidado destinado ao adolescente,

    dentro de uma perspectiva que os considere como sujeito de direitos; quanto

    matiz moral que direciona o comportamento de muitos profissionais em

    expressar desateno s necessidades dessa clientela.

    Segundo Gil (2006), medida que a ESF vai se ampliando no pas, fica

    evidente a necessidade de novos instrumentos para lidar com os cuidados em

    sade e com a gesto em sade, como a co-gesto e o foco no processo de

  • trabalho. Desta forma, ainda segundo o autor, fica claro que h uma

    inconsistncia terico-conceitual no campo da ateno bsica para lidar com

    essas transformaes, necessitando de outros olhares para este cenrio.

    Tal prerrogativa vem reforar o cenrio atual, onde o adolescente no

    trata-se de uma demanda em si, mas como um grupo populacional que se

    insere nos diversos programas, sem aes planejadas e voltadas para as

    necessidades de cada um, ou seja, no h uma sensibilizao em considerar o

    adolescente como sujeito, como ator principal, que demanda cuidados

    especficos.

    Complementando a idia, Rocha (2002) afirma que a ESF norteada,

    ainda, pela construo da relao entre trabalhadores e usurios na ateno

    bsica, tendo inicio no estabelecimento dos problemas comuns, na aglutinao

    de profissionais e de idias e na anlise coletiva do cotidiano. nessa

    perspectiva, de conhecer e articular os saberes e prticas, que se possibilita a

    busca do cuidado. Contudo, no se trata somente de conhecimentos e

    habilidades, deve-se articular as prticas clnicas do cuidado da equipe

    multiprofissional frente s demandas individualizadas e coletivas, norteando

    novas relaes com a famlia, com a escola e com outros grupos institucionais.

    Esta perspectiva de mudana no modelo assistencial e as possibilidades

    de transformao do cuidado e da prtica clnica da enfermagem cuidado

    clnico, procura responder as questes voltadas ao servio das necessidades

    de sade da populao, bem como investir numa relao horizontal e dialgica

    e incorporando novos atores, saberes e prticas que desenvolvem, valorizem e

    legitimem as aes bsicas. (FAVORETO, 2007).

    A clnica vem sendo influenciada por novos contextos e expectativas de

    ateno sade produzida pelas transformaes dos servios, como as

    mudanas que vm ocorrendo na ateno bsica e em seus novos cenrios de

    prticas. A ateno bsica vista como uma unidade de produo que

    aproxima os profissionais dos contextos sociais, culturais e afetivos em que

    vivem os usurios. Possibilita, assim, uma relao cotidiana dos vrios atores

    envolvidos com os aspectos sociais e subjetivos constitutivos do processo

    sade-doena-cuidado, implicando na construo de maior vnculo e dilogo

  • entre os profissionais e os usurios na perspectiva ampliada da clnica

    (FAVORETO, 2007).

    Nesta possibilidade, temos os dispositivos intercessores que atuam

    inseridos numa prtica clnica que podem propiciar uma qualidade na ateno,

    e conseqentemente uma satisfao dos sujeitos em relao ao cuidado

    produzido a ele e por ele. Assim, podemos embasar a produo do cuidado em

    torno deste eixo, trazendo a perspectiva da clnica ampliada e os dispositivos

    da integralidade como fortalecedores desse processo, indo ao encontro ao

    modelo hegemnico vigente (FRANCO, 2007).

    Nas idias de Franco e Magalhes Jnior (2006), o modelo focado

    apenas na prtica biomdica contribui para baixa resolutividade na rede bsica,

    no exerccio de uma clnica centrada no ato prescritivo e na produo de

    procedimentos tcnicos. Ao contrrio da clnica na perspectiva ampliada, com

    ao de mltiplas perspectivas e uma relao de vnculo entre usurios e

    trabalhadores de sade.

    Campos (2003), ao discutir sobre a viso ampliada da clnica, afirma que

    devemos conhecer o que os usurios necessitam, a fim de atenuar a peleja

    entre as demandas infinitas e a finitude de recursos. Desta forma, deve-se

    envolver usurios, famlias e comunidade na produo de sua sade,

    estimulando o co-produo, partilhando conhecimentos de sade com grupos,

    e definindo prioridades para o direcionamento das aes de cuidado.

    So vrios os gestores, profissionais e usurios do SUS, que na busca

    da melhoria de ateno sade, vm apresentando evidncias da insatisfao

    e da necessidade de reviso de idias e concepes sobre a sade, em

    particular dos modelos tecnoassistenciais2. Assim, deve-se destacar a luta pela

    construo de um sistema universal, democrtico, acessvel e de qualidade

    que propicia a efetivao de um modelo de ateno pautado na integralidade

    (PINHEIRO; GUIZARDI, 2006).

    2 necessrio reforar que a construo de saberes no vinculados ao saber biomdico no significa abrir

    mo de recursos e intervenes tecnicistas, mas ressaltar que o saber hegemnico nas prticas clnicas

    insuficiente, quando utilizado de forma excludente, principalmente na ateno bsica (CUNHA, 2005).

  • A integralidade mais que uma temtica ou um conceito, ela vem

    assumindo o papel de uma lente que amplia o olhar sobre a organizao dos

    servios de sade e de suas prticas, delineando-se sobre a realidade na

    construo de um cuidado clnico dimensionado nas relaes profissionais,

    necessidades dos usurios e no planejamento dos servios de sade (MATOS,

    2001; FAVORETO, 2007).

    Seguindo esse pensamento, a Integralidade quando trs o sujeito como

    foco, em suas necessidades e expectativas, remete a discusses de questes

    que so transversais s aes de sade como a acessibilidade, o vnculo, a

    acesso e a continuidade do cuidado ofertado. Remete, ainda, s relaes entre

    os sujeitos envolvidos na produo do cuidado e, consequentemente, abre o

    cenrio dos servios e das prticas para o dilogo entre diferentes saberes

    (FAVORETO, 2007).

    Encontra-se na literatura diversos estudos que tratam a noo de

    integralidade como se a mesma fosse apenas um dispositivo jurdico-

    constitucional, usado para designar um dos princpios do Sistema nico de

    Sade (SUS), expressando umas das bandeiras de luta do movimento

    sanitrio. Encontra-se ainda a integralidade como articuladora de aes e de

    servios de sade, envolvendo a promoo, proteo, recuperao da sade,

    bem como em atividades preventivas e assistenciais. Da mesma forma, atribui-

    se a integralidade como eixo norteador de organizao dos servios, tendo sido

    associada ao tratamento digno, respeitoso e com qualidade, de acolhimento e

    vnculo (MATTOS, 2004).

    Para Gomes e Pinheiro (2005), a integralidade se traduz na

    resolubilidade da equipe e dos servios, por meio de discusses permanentes,

    capacitao da equipe, utilizao de protocolos e na reorganizao dos

    servios. Como exemplo, tem-se o acolhimento/usurio-centrado (FRANCO;

    BUENO; MERHY, 2006) e a democratizao da gesto do cuidado pela

    participao dos usurios nas decises sobre a sade que se deseja obter

    (PINHEIRO; MATTOS, 2003).

  • Desta forma, pode-se reconhecer, nas estratgias de melhoria de

    acesso e desenvolvimento das prticas de sade e de cuidado, o acolhimento,

    o vnculo e a responsabilizao como prticas integrais (PINHEIRO, 2002).

    Franco, Bueno e Merhy (2006) defendem o acolhimento como

    dispositivo para interrogar processos intercessores que constroem relaes nas

    prticas de sade, buscando a produo da responsabilizao clnica e

    sanitria e a interveno resolutiva, reconhecendo que, sem acolher e vincular,

    no h produo dessa responsabilizao.

    O acolhimento considerado um dos dispositivos disparadores de

    reflexes e mudanas, a respeito de como os saberes vm sendo ou deixando

    de ser utilizados para a melhoria da qualidade dos servios de sade.

    Pressupe a atitude de receber, escutar e tratar humanizadamente os usurios

    e suas demandas; tais aes facilitam na discriminao do risco e na oferta de

    cuidados. No mbito da organizao dos servios, o acolhimento reorienta

    desde a composio do trabalho em equipe, at as caractersticas de

    superviso e avaliao pessoal (CAMARGO JR, et al, 2008).

    Dentro desta perspectiva integral, incorpora-se a idia da acessibilidade

    para complementar o conceito de acolhimento. No campo da sade, acesso

    pode ser definido por aquelas dimenses que descrevem a entrada em

    potencial ou real por um dado grupo populacional em um sistema de prestao

    de cuidados de sade. Assim, a acessibilidade entendida como um conjunto

    de aes que viabiliza a entrada de cada usurio na rede de servios,

    representando as dificuldades e facilidades em obter tratamento desejado,

    estando, portanto, diretamente ligado s caractersticas de oferta e

    disponibilidade de recursos (CAMARGO JR, et al, 2008).

    Ramos e Lima (2003) afirmam ainda que acesso e acolhimento so

    elementos essenciais de um bom atendimento. Eles remetem discusso de

    modelos assistenciais a serem adotados nas unidades de ateno bsica,

    podendo favorecer a reorganizao dos servios e a qualificao da

    assistncia prestada, para que se possa atuar efetivamente sobre a sade do

    indivduo e da coletividade. So importantes tambm para a qualidade dos

    servios de sade, uma vez que a conjugao de fatores facilitadores do

  • acesso e/ou acolhimento propiciam a qualidade do atendimento, determinando

    a escolha do servio e estabelecendo, freqentemente, um bom vnculo,

    expresso atravs de um longo tempo de contato com os usurios.

    Nesse sentido, trazemos o pensamento de Campos (2003), onde os

    usurios trazem as demandas, de acordo com suas necessidades, e a

    possibilidade de construo do vnculo resulta da disposio de acolher de uns

    e da deciso de buscar apoio em outros.

    Campos (2003, p.28) enfatiza ainda:

    O vnculo , portanto, a circulao de afeto entre as pessoas (...). Os vnculos se constroem quando se estabelece algum tipo de dependncia mtua: uns precisam de ajuda para resolver questes sanitrias; outros precisam disso para poder ganhar a vida, exercer a profisso. Ou seja, para que haja vnculo positivo os grupos devem acreditar que a equipe de sade tem alguma potncia, alguma capacidade de resolver problemas de sade. E a equipe deve acolher a demanda dos usurios ou das organizaes.

    O vnculo tambm implica a responsabilizao, que significa o

    trabalhador de sade assumir a responsabilidade pela conduo do cuidado

    clnico, teraputico, dentro de uma possibilidade de interveno, porm nem

    burocratizada, nem impessoal (CAMARGO JR, et al, 2008).

    Segundo SOLLA (2005), a responsabilizao para com o problema de

    sade vai alm do atendimento propriamente dito, diz respeito tambm ao

    vnculo necessrio entre o servio e a clientela. Assim, possvel construir

    relaes de confiana e apoio entre trabalhadores e usurios atravs do

    acesso e acolhimento adequado.

    Desta forma, para transcender a produo do cuidado que responda ao

    acolhimento com garantias, recomendvel que tal conceito seja articulado

    com a abordagem do sujeito, ao reconhecimento de sua singularidade, no

    acesso adequado, na oferta de servios e no estabelecimento do vnculo.

  • 4 PERCURSO METODOLGICO

    4.1 Natureza do Estudo

    Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com a utilizao de multimtodos,

    que busca descrever e compreender a realidade a partir das experincias dos

    sujeitos e cujo objeto de estudo no reduzido a variveis, e sim, estudado em

    sua complexidade e totalidade em seu contexto, bem como nas prticas e

    interaes da vida cotidiana. A pesquisa qualitativa permite a descrio das

    experincias humanas tal como vivida e definida por seus prprios atores. Os

    pesquisadores dessa abordagem coletam e analisam material pouco

    estruturados que propiciam campo livre ao rico potencial das percepes e

    subjetividades dos seres humanos (MINAYO, 2006; FLICK, 2004).

    Assim, concebe-se o objeto e o sujeito fazendo parte da mesma teia,

    onde o objeto abrange as prticas de sade e de cuidado e discutido luz

    dos sujeitos neles implicados (FERREIRA et al, 2007).

    4.2 Campo da Pesquisa

    A pesquisa foi realizada no Centro Municipal de Educao e Sade

    (CMES) Projeto Nascente, localizada na regional Regional IV, conforme

    diviso da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza Cear (Mapa 1).

    .

  • A Secretaria Executiva Regional IV (SER IV) abrange 19 bairros e seu

    perfil socioeconmico caracterizado por servios, com uma das maiores

    feiras livres da cidade, a da Parangaba, e vrios corredores comerciais, entre

    eles o Montese. Os bairros pertencentes a esta rea so Jos Bonifcio,

    Benfica, Ftima, Jardim Amrica, Damas, Parreo, Bom Futuro, Vila Unio,

    Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demcrito Rocha, Itaoca,

    Parangaba, Serrinha, Aeroporto, Itaperi, Dend e Vila Pery. Sua populao

    de cerca de 280 mil habitantes segundo censo do IBGE. O CMES fica

    localizado no bairro Itaperi, prximo a Universidade Estadual do Cear (UECE).

    O Centro Municipal de Educao e Sade (CMES) Projeto Nascente,

    localizada no bairro Itapery, uma instituio de ensino criada pelo Decreto N

    9135 de 01/07/93, DOM N 10176 de 16/08/93. Foi criada em 2005 atravs de

    um convnio entre o Municpio de Fortaleza e a UECE com o objetivo de

    promover aes integradas de educao e sade, por meio da Escola Projeto

    Nascente e da UBASF Projeto Nascente.

    O CMES uma instituio que tem uma singularidade e uma identidade

    prpria diferente das demais escolas pblicas da rede municipal. Isso porque

    alguns professores ainda so estudantes universitrios servindo, assim, como

    espao de aprendizagem para os futuros docentes que intencionam articular na

    prtica os conhecimentos adquiridos durante a sua formao. A escola conta

    ainda com professores e funcionrios concursados pela Prefeitura Municipal de

    Fortaleza e voluntrios.

    A escola possui desde o 1 ano do ensino fundamental at o 9 ano,

    sendo que pela manh estudam alunos do 1 ao 4 ano, e tarde os alunos do

    5 ao 9. No turno da noite funciona o curso de educao para jovens e adultos

    (EJA). Segundo a diretora da escola, no ano de 2009, 537 alunos estavam

    regularmente matriculados entre ensino fundamental I e II.

    A escola possui boa infra-estrutura, sendo composta por salas de aulas

    amplas, refeitrio, espao de recreao, auditrio, sala de estudo, quadra

    poliesportiva, alm de biblioteca e sala de professores, coordenao e direo.

  • 4.3 Participantes da pesquisa

    A escolha dos adolescentes aconteceu inicialmente atravs da aplicao

    de um questionrio (apndice A) com 32 alunos regularmente matriculados e

    que freqentavam o 9 ano da Escola Projeto Nascente, onde se levantou os

    aspectos socioeconmicos dos mesmos, com o intuito de caracterizar os

    adolescentes quanto origem social e demogrfica, aspectos subjetivos

    relacionados compreenso dos mesmos sobre sade e cuidado e sobre a

    freqncia na procura dos servios de sade da Regional IV, especificamente

    na Unidade Bsica de Sade da Famlia Projeto Nascente. Tal investigao foi

    importante para se obter a primeira aproximao em relao s necessidades

    dos adolescentes e a produo do cuidado sade. E ainda compreender que

    a origem social dos adolescentes repercute diretamente nas aes de cuidado,

    pois os participantes da pesquisa so sujeitos provenientes de uma classe

    desfavorecida, em termos sociais, econmicos e culturais. Tal fato deve ser

    ressaltado, pois adolescentes de classe mdia, so obviamente diferentes dos

    adolescentes pobres, de origem rural ou os que esto envolvidos com trfico e

    violncia e que a produo do cuidado com foco na integralidade deve estar

    voltada para atender as necessidades especficas de cada grupo.

    Aps essa aproximao, foi perguntado aos adolescentes sobre o

    interesse em participar da pesquisa. No primeiro momento, apenas 10

    adolescentes manifestaram interesse, no entanto, aps sensibilizao da

    pesquisadora por meio da explicao sobre a importncia da participao na

    pesquisa, foi fechado o grupo com 12 participantes, sendo trs do sexo

    masculino e nove do sexo feminino.

    Previamente, tambm foi definido o local de realizao dos encontros,

    pois foi conveniente debater o ambiente mais apropriado juntamente com os

    adolescentes, sujeitos da pesquisa. Neste momento foi determinado como

    seria a escolha e participao no grupo, e optou-se em selecionar um grupo

    com algumas caractersticas em comum: todos alunos da escola e do mesmo

    ano de ensino. Outro critrio foi que freqentasse regularmente a unidade de

    sade anexa escola. No houve dificuldade neste aspecto, pois todos tinham

    freqentado o servio em diversas situaes de cuidado sade.

  • Nesse momento, foi acordado entre os adolescentes e a pesquisadora o

    dia do 1 encontro e horrio. Mediante a necessidade, os encontros foram

    realizados sempre aps as aulas, no horrio de 17 horas.

    4.4 Perodo e estratgia de coleta das informaes

    A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de abril a outubro de

    2009, perodo considerado suficiente para que se pudessem apreender ao

    mximo as informaes pertinentes ao estudo.

    Ao optar como procedimento metodolgico pela triangulao de

    mtodos, utilizou-se inicialmente para apreenso dos dados as seguintes

    tcnicas de coleta: Grupo Focal (GF) e Observao Livre.

    Pop e Mays (2009) declaram que a tcnica de grupo focal bem

    indicada para pesquisas de campo, por, em pouco tempo e baixo custo,

    possibilitar um aprofundamento diversificado dos contedos relacionados ao

    tema de interesse. ainda uma tcnica relevante para lidar com questes de

    sade sob uma tica social, j que se torna possvel identificar percepes,

    sentimentos, atitudes e idias dos participantes a respeito de um determinado

    assunto.

    Ressel et al. (2008) destaca ainda a importncia da tcnica de grupo

    focal, pois esta apreende os contedos implcitos da temtica, como regras,

    valores e significados culturais institudos, alm de permitir o desvelamento das

    singularidades e coletividades presentes na complexidade cultural do contexto.

    Traz a luz semelhanas, mas no igualdades. Portanto, neste estudo pode

    emergir profundas diferenas nas experincias vivenciadas pelos adolescentes

    sobre sade e produo do cuidado no contexto da ateno bsica.

    Observando os objetivos do estudo, na inteno de apreender alm das

    expresses verbais, mas tambm, as no-verbais comunicadas ao longo das

    discusses, foi selecionada uma colaborador