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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MARIA DAS GRAÇAS GUERRA LESSA O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE EM FORTALEZA: VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS. FORTALEZA - CEARÁ 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MARIA DAS GRAÇAS GUERRA LESSA

O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE EM

FORTALEZA: VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS.

FORTALEZA - CEARÁ

2013

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MARIA DAS GRAÇAS GUERRA LESSA

O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE EM FORTALEZA:

VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Políticas Públicas e

Sociedade, da Universidade Estadual do

Ceará, como requisito para obtenção do

título de Mestre em Políticas Públicas e

Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Feitosa

dos Santos.

FORTALEZA – CEARÁ

2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário Responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3/919

L638a Lessa, Maria das Graças Guerra

O agente comunitário de saúde em Fortaleza: vivências profissionais / Maria das Graças Guerra Lessa . -- 2013.

CD-ROM. 101 f. : 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e Tecnologia, Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Políticas Públicas. Orientação: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos. 1. Agente comunitário de saúde. 2. Estratégia saúde da família.

3. Políticas públicas de saúde. I. Título.

CDD: 362.1

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A caminhada de quem passeia pelo seu

bairro é sempre portadora de diversos

sentidos: sonho de viajar diante de uma

certa vitrine, breve sobressalto sensual,

excitação do olfato sob as árvores do parque,

lembranças de itinerários enterrados no

chão desde a infância, considerações

alegres, serenas ou amargas sobre seu

próprio destino, inúmeros “segmentos de

sentido” que podem ir um tomando o lugar

do outro conforme se vai caminhando sem

ordem e sem regra, despertadas ao acaso aos

“acontecimentos” que sem cessar, se vão

produzindo na rua (MAYOL, 1996,p. 44).

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Ao meu filho por pedir sempre em suas orações que eu conseguisse

terminar minha tarefa.

À minha mãe porque eu sei que sempre esteve comigo.

Ao pai adotivo por ter acreditado tanto em mim. Sem ele eu não teria

conseguido.

Aos meus irmãos adotivos que seguraram a minha mão por diversas

vezes.

Às ACS entrevistadas que além dos dados, se doaram com atenção,

carinho e dedicação: o melhor do ser humano.

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AGRADECIMENTOS

Para que esse trabalho fosse construído contei com a participação, seja em maior ou menor

grau de algumas pessoas. Embora esse não expresse a importância que cada uma teve no

decorrer dessa caminhada, quero expressar meus agradecimentos:

A Deus e a todas as providencias divinas.

Aos meus queridos pais Valter e Judinete pelo amor e dedicação. A Tia Vanzita que tanto

me incentivou a estudar.

Ao Gabriel por compreender minha ausência em sua vida e por me ajudar com várias

estratégias para eu ter concentração nos estudos.

A Marisa, Elerize, Osmilda, Paulo Roberto, Paulo, Valdenora, Alexandra, Aline, Janduy,

Fernanda e Lucas por serem uma família tão especial e me animar nas horas precisas.

À minha família adotiva, ao pai que sempre me motiva, acredita em mim e me ajuda sempre,

assim como aos meus irmãos queridos.

Aos meus amigos do coração: Marco Aurélio, Rosana, Prícila, Frank, Joiza e Larissa, pela

força que me deram durante essa caminhada.

Ao Observatório de Recursos Humanos em Saúde por me inspirar e me proporcionar a

vivência com essa atividade que amo: a pesquisa.

À Coordenação do Mestrado Acadêmico em Curso Políticas Públicas e Sociedade/MAPPS.

Aos colegas e professores da pós-graduação em Políticas Públicas e Sociedade/MAPPS,

pelos anos em que contribuíram de forma direta ou indireta, para meu aprendizado e meu

crescimento pessoal. Em especial às amigas que fiz nessa parte do caminho: Ana, Irlena,

Monoalisa, Karina, Lara e Sarah, por todas as discussões que tivemos a respeito dos

nossos objetos de pesquisa e que nos ajudaram na nossa reflexão. Além disso, o

compartilhar de alguns aspectos de nossas vidas pessoais nos fizeram aprender que somos

cientistas humanas e isso é bom, é muito bom.

À Cristina secretária do MAPPS, pela atenção, incentivo e colaboração nos processos de

vivência do mestrado.

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À minha primeira orientadora Profa. Dra. Regianne Leila Rolim Medeiros pelo início e

também pela força no decorrer e no final desse processo.

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos meus sinceros agradecimentos

por sua paciência para que o presente texto ganhasse corpo.

À Profa. Dra. Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel e ao Prof. Dr. João Tadeu de

Andrade, por se disponibilizarem prontamente a conhecer e avaliar minha pesquisa por meio

da banca examinadora.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior – CAPES pelo apoio

financeiro.

Às informantes dessa pesquisa que ajudaram a construir parte importantíssima da pesquisa.

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RESUMO

O Programa Saúde da Família (PSF) surgiu como um programa nacional no contexto da reestruturação do sistema público de saúde no Brasil, propondo um modelo de atenção à saúde da população de forma a possibilitar o acesso universal e contínuo aos serviços, preconizando os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS): universalização, equidade, descentralização, integralidade e participação da comunidade. Atualmente a nomenclatura é Estratégia Saúde da Família (ESF). Este trabalho procurou compreender como o Agente Comunitário de Saúde, que é um dos integrantes da ESF, desenvolve suas das atividades cotidianas e como essas podem contribuir e/ou influenciar na implementação, no fortalecimento e na manutenção de uma política pública de saúde em uma cidade de grande porte. Viu-se a necessidade de compreender, a partir do Agente Comunitário de Saúde (ACS), qual o sentido de sua atuação, o seu papel dentro de um campo onde atuam profissionais diversos, tais como médicos, enfermeiros, cirurgiões dentistas, dentre outros. Diante do exposto, procuramos compreender como o ACS estabelece espaços de negociação, no cotidiano de trabalho, tanto com a equipe de ESF, como com a comunidade por ele assistida; como percebe seu trabalho dentro da equipe de ESF enquanto sujeito de articulação da comunidade com o sistema de saúde local, verificando as funções (previstas e praticadas) e formas de atuação do ACS na ESF. A metodologia utilizada, de natureza qualitativa, teve inspiração na etnografia tendo sido utilizado como ferramentas essenciais observação direta no campo por ocasião do acompanhamento de uma ACS, entrevistas semiestruturadas com outros ACS e com uma gestora, além de pesquisa documental e bibliográfica sobre o tema. Em uma cidade como Fortaleza, apresentam-se alguns obstáculos para o desenvolvimento do trabalho do ACS: falta de coesão entre a equipe de trabalho, falta de apoio institucional e o contexto de violência de uma metrópole. Verificou-se também, que o ACS realiza as atividades que são preconizadas pelo Ministério da Saúde, adequando-se às condições de cada área. O fato de ser um morador do mesmo local onde trabalha tem aspectos positivos como contar com a boa vontade dos moradores para realizar seu trabalho por conta da confiança desenvolvida; e aspectos negativos, como invasão de privacidade. Mesmo em se tratando de uma grande cidade e apresentando diversas características adversas à realização do trabalho do ACS, no interior das comunidades, as características são similares às características de cidades pequenas, como a intimidade entre os moradores que proporciona estreitamento de confiança, o que conta positivamente para o desenvolvimento do trabalho desse profissional. Palavras-chave: Agente Comunitário de Saúde. Estratégia Saúde da Família. Políticas Públicas de Saúde.

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ABSTRACT

The Programa Saúde da Família (PSF) has emerged as a national program in the context of the restructuring of the public health system in Brazil, proposing a model of health care for the population in order to enable universal and continuing access to services, advocating the principles and guidelines of the Sistema Único de Saúde (SUS): universality, equity, decentralization, and full community participation. Currently the nomenclature is the Estratégia de Saúde da Família (ESF). This study sought to understand how the Community Health Agent, which is one of the members of the ESF, develops their daily activities and how these can contribute to and/or influence in the implementation, strengthening and maintenance of a public health policy in a city large . Observed the need to understand, from the Community Health Agent (CHA), what is the meaning of their task, their role within a field where they operate many professionals such as doctors, nurses, dentists and others. Given the above, we seek to understand how CHA provides spaces for negotiation, in daily work, both with the staff of FHS as the community assisted by him; perceives his work within the staff of FHS as a subject of articulation with the community the local health system, checking functions (planned and practiced) and forms of performance of the ACS in ESF. The methodology was qualitative, took inspiration in ethnography has been used as essential tools direct field observation during the follow-up of an ACS, semistructured interviews with other ACS and a management as well as documentary and bibliographic research on the topic. In a city like Fortaleza, we present some obstacles to the development of the work of ACS: lack of cohesion between the team, lack of institutional support and the context of violence of a metropolis. It was also found that CHA performs activities that are recommended by the Ministry of Health, adapting to the conditions of each area. Being a resident of the same place where they work has positive aspects like having the willingness of residents to carry out their work on behalf of the trust developed, and negative aspects, such as invasion of privacy. Even when it comes to a big city and having several adverse to doing the work of the ACS, within communities, characteristic features are similar to the characteristics of small towns such as intimacy among residents which provides narrowing of confidence, which account positively to the development of this professional. Key words: Community Health Agent. Estratégia de Saúde da Família. Public Health Policies.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 1.1. Antecedentes do estudo ............................................................................................ 13

1.2 Contextualização do estudo ....................................................................................... 14

2 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................ 17 2.1 A comunidade como local de trabalho dos ACS ......................................................... 18

2.2 Definição do campo de investigação .......................................................................... 19

2.3 Os sujeitos da pesquisa ............................................................................................. 21

3 A CONSTRUÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL ............................. 24 3.1 Sistema Único de Saúde: visão estratégica de promoção da saúde .......................... 24

3.2 Saúde da Família: a política de inserção do objeto de estudo .................................... 27

3.3 O agente comunitário de saúde ................................................................................. 30

4 QUEM É E O QUE FAZ AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE EM FORTALEZA34 4.1 Caracterização das ACS e de suas áreas de atuação ............................................... 34

4.1.1 Território de Hígia e demais ACS envolvidas na pesquisa ................................... 34

4.2 Ser agente comunitário de saúde ............................................................................... 42

4.3 Ser trabalhador e morador da área ............................................................................ 45

4.4 Organização do trabalho ............................................................................................ 52

3.4.1 Gestantes e Puericultura ...................................................................................... 58

4.4.2 Consolidado e Cadastro dos usuários .................................................................. 63

4.4.3 Acompanhamento aos hipertensos e diabéticos .................................................. 66

4.4.4 Atendimentos adicionais do cotidiano de trabalho ................................................ 69

4.5 Influências na organização do trabalho do ACS ......................................................... 73

4.5.1 Forma de contratação .......................................................................................... 73

4.5.2 Atendimento no Centro de Saúde ........................................................................ 75

4.5.3 A Equipe Saúde da Família ................................................................................. 78

4.5.4 Dificuldades enfrentadas no trabalho dos ACS .................................................... 80

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 86

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 92

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1 INTRODUÇÃO

1.1. Antecedentes do estudo

O interesse por estudar o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) atuando

na Estratégia Saúde da Família (ESF) de Fortaleza, Ceará, aconteceu devido à inserção na

Estação Observatório ObservaRH CETREDE Ceará1, desde 2005, após graduação em

Ciências Sociais, o que nos proporcionou participar de diversas pesquisas e, assim,

conhecer melhor a Política Nacional da Atenção Básica.

Por meio da primeira pesquisa, intitulada “O agente de saúde no Ceará enquanto

agente de mudança sócio-cultural” (MEDEIROS et al., 2006), foi possível compreender o

funcionamento da Estratégia Saúde da Família (ESF), bem como o trabalho do Agente

Comunitário de Saúde (ACS). O estudo em questão fora desenvolvido em cinco municípios

de pequeno e médio porte do Ceará e, um dos pontos destacados, foi o fato de os ACS

desenvolverem forte influência no serviço de saúde, constituindo-se como elo entre o

serviço e a comunidade em que eles habitam e que é por eles assistida, notadamente se

comparado aos demais integrantes da Equipe, que detinham pouco conhecimento sobre a

área de atuação. Por serem nativos daquelas comunidades, eram detentores de um saber

que os demais membros não conheciam, por isso, possuíam grande influência.

Dando continuidade ao trabalho no Observatório, desenvolvemos mais duas

pesquisas também no âmbito da ESF, tratando especificamente da inserção dos

profissionais de enfermagem e medicina na Estratégia e da percepção dos mesmos sobre o

seu papel enquanto integrantes de uma política baseada na reformulação da saúde pública

no Brasil (MEDEIROS et al, 2006; MEDEIROS, 2008).

No estudo “O enfermeiro no Programa Saúde da Família: percepções, possibilidades

de atuação, fronteiras profissionais e espaços de negociação” (MEDEIROS et al., 2007),

encontramos relatos do profissional enfermeiro mencionando a importância do ACS para o

bom desempenho do trabalho da equipe, indicando-o como os “olhos da equipe na

comunidade”, olhos esses, que quando não funcionam prejudica o andamento dessa política

de saúde. Os enfermeiros entrevistados em Fortaleza, no período de 2006-2007, relataram,

a partir de experiências na ESF em outros municípios do Estado, que o trabalho do ACS na

Capital era diferente do desenvolvido nos demais municípios. Afirmaram ainda que tal

1 O Observatório de Recursos Humanos em Saúde Estação ObservaRH CETREDE Ceará é vinculado à Rede

Observatório de Recursos Humanos em Saúde ObservaRH, objeto de parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Ministério da Saúde. No Ceará conta com a participação de pesquisadores das Universidades Estadual e Federal do Ceará (UECE e UFC), da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), assim como também da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) e da Secretaria de Saúde do Ceará (SESA).

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diferença compreendia desde o compromisso pessoal de cada Agente com o trabalho

desenvolvido até às capacitações profissionais que, em Fortaleza, estavam aquém dos

demais municípios onde puderam acompanhar as atividades dos profissionais. A partir

desse resultado ficou o questionamento de como seria essa influência em município de

grande porte, como é o caso de Fortaleza.

1.2 Contextualização do estudo

Desde 1994, o Agente Comunitário de Saúde atua como profissional nível médio na

Estratégia Saúde da Família. No que se refere à viabilização da Estratégia, o trabalho do

ACS é relevante, haja vista este profissional possibilitar o intercâmbio entre a comunidade e

o serviço de saúde que a assiste. O fato de residir na área onde trabalha também favorece o

estabelecimento de uma relação de confiança com essa comunidade, beneficiando a

realização das ações de saúde como um todo. Sob todos esses aspectos o ACS constitui-se

um recurso humano estratégico no tocante à implementação das ações de promoção à

saúde e de novas formas de perceber e praticar a atenção à saúde, envolvendo as pessoas,

seus conhecimentos e entornos.

No entanto, estudos (MEDEIROS et al., 2006; 2008; 2009) apontam que tanto em

Fortaleza como nos demais municípios cearenses, não são todas as equipes que contam

com os profissionais minimamente preconizados para o funcionamento de uma equipe. Isso

se configura como um problema que essa política enfrenta.

No que concerne à relação equipe/número de famílias atendidas, Conill (2002) diz

que o Programa de Saúde da Família (PSF) apresenta problemas tanto no número restrito

de profissionais quanto no gerenciamento deficiente das atividades nas equipes de saúde

da família e nas equipes de saúde bucal.

Maciel et al. (2008) discorrem que o número de pessoas atendidas pelo ACS em

Fortaleza é maior do preconizado pelo Ministério da Saúde, o que dificulta o trabalho desse

profissional e, consequentemente, dos demais profissionais integrantes da equipe. Dizem

ainda que o número de ACS por equipe é insuficiente dada à alta demanda. Importante

perceber que a insuficiência de alguns profissionais nas Equipes de Saúde da Família

repercute no resultado do trabalho dos demais profissionais e incorre imediatamente nos

resultados dessa política.

Fernandes (1992) e Bispo (2011) discutem que alguns programas e estratégias da

Atenção Básica, tais como o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e a

Estratégia Saúde da Família (ESF), estão pautados dentro do modelo epidemiológico. As

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profissões do setor da saúde, portanto, estão mais voltadas para o tratamento curativo, o

que acaba ocasionando a restrição dos programas que visam o estímulo ao cuidado em

saúde. Isso permite uma contínua cultura do próprio usuário do serviço que espera que o

sistema atue na cura das doenças.

Marchado, Lima e Viana (2008) alertam que não houve centralidade na agenda

reformista brasileira da década de 1980 no tocante à Atenção Básica primada pela

Conferência de Alma-Ata. Há, portanto, uma provável discrepância entre a concepção da

Atenção Básica no desenho da política nacional e sua expressão nas realidades locais,

sendo necessário compreender a configuração da Atenção Básica e do PSF, as condições

de sua inserção e o funcionamento nos sistemas municipais de saúde (MARCHADO, LIMA

e VIANA, 2008).

O Ceará e a ESF têm forte identificação, pois foi o estado pioneiro na implantação do

PACS, anterior ao PSF, e um dos primeiros a aderir à essa política. Santos et.al. (2006)

dizem que em 1988, quatro anos após a implantação do programa nacionalmente, 83% dos

municípios cearenses já contavam com equipes da Saúde da Família.

Quanto à política de descentralização de recursos e incentivos aos municípios,

Marques e Mendes (2003) discutem sobre o destaque para o Estado no tocante à

implantação do Saúde da Família e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Vale

ressaltar, contudo, que o Estado, assim como o País, enfrenta sérios problemas

relacionados às condições de trabalhos dos trabalhadores do SUS de forma geral, inclusive

na ESF. (MACIEL et.al., 2012).

Por conta desse contexto, além do desejo de conhecer a dinâmica da atuação de um

ACS em município de grande porte, no caso Fortaleza, outras questões povoaram nosso

pensamento com relação ao trabalho do ACS na Capital: que fatores podem contribuir para

que o ACS desenvolva um trabalho eficaz na ESF, a partir do que é preconizado pelo

Ministério da Saúde? Ainda em relação aos ACS de Fortaleza, na época do estudo

supracitado, enfermeiros relataram a existência de alguns conflitos com os agentes devido à

pouca motivação destes no desenvolvimento de suas atividades, o que era relacionado por

eles com a precariedade do seu vínculo empregatício. Em 2006, entretanto, foi publicado

pela Prefeitura de Fortaleza edital de seleção pública para agentes comunitários de saúde

com o total de 2.627 vagas (FORTALEZA, 2006), com a proposta de mudança na forma de

contratação, passando da terceirização para o modo celetista. Diante desse contexto, surge

outro questionamento: que influencia no trabalho do ACS poderia causar a mudança de

vínculo empregatício?

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Dessa forma, foi se delineado o objetivo de estudo desta dissertação: compreender,

partindo dos próprios ACS concursados e atuantes na Estratégia Saúde da Família em

Fortaleza, as características necessárias para o bom desempenho do seu trabalho em uma

metrópole. Mais especificamente objetivamos investigar como o ACS percebe seu trabalho

dentro da Equipe de Saúde da Família enquanto articulador da comunidade com o sistema

de saúde local, verificando as funções (previstas e praticadas) e formas de atuação;

examinar a percepção do ACS sobre seu papel enquanto profissional de saúde na

comunidade e como membro desta; examinar a percepção do ACS a respeito do que

consideram fundamental para a boa execução do seu trabalho.

Este trabalho foi organizado em quatro capítulos. Após esta introdução, o capítulo

segundo, Percurso Metodológico, apresenta os aspectos metodológicos que orientaram a

pesquisa de campo, na qual utilizamos a etnografia como inspiração para realizar o

acompanhamento ao cotidiano de trabalho de um ACS, subsidiada por entrevistas

semiestruturadas com os sujeitos investigados e observação direta. O Capítulo terceiro, A

Construção da Promoção da Saúde no Brasil, apresenta a caracterização do Sistema

Único de Saúde, da Estratégia Saúde da Família e do Programa Agente Comunitário de

Saúde.

Os resultados do estudo empírico são apresentados no Capítulo quarto, Quem é e o

que faz o Agente Comunitário de Saúde em Fortaleza, no qual procuramos nos

aproximar das atividades do ACS para dar respostas aos objetivos deste estudo. Nas

considerações finais, procuramos apresentar pontos discutidos neste estudo com algumas

reflexões sobre o trabalho do ACS na Estratégia Saúde da Família, com vistas a contribuir

para discussão dessa temática tanto no âmbito científico, como também na gestão dessa

importante política de saúde: a Atenção Básica.

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2 PERCURSO METODOLÓGICO

Para este estudo, a opção mais apropriada foi uma pesquisa de natureza qualitativa,

na qual a inspiração no método etnográfico foi predominante. Recorremos à essa

abordagem por possibilitar constante “reposicionamento” (ROSALDO, 2000) das indagações

a respeito do objeto de investigação. Diante dessa escolha, a observação sistemática e

entrevistas semiestruturadas foram as principais técnicas para compreensão do campo.

Além disso, escolha do recurso etnográfico como o caminho para realizar a pesquisa

de campo ocorreu por ser um método que permitiria descrever a maneira de vivenciar

experiências do cotidiano de trabalho dos Agentes de Saúde, que nos propusemos a

investigar. Para tratar de questões como as funções que são preconizadas pelo Ministério

da Saúde, ou seja, aquelas que são previstas para o ACS desenvolver e as que ele

desenvolve na prática, este recurso foi de fundamental importância.

[...] o método etnográfico não se confunde nem se reduz a uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de procedimentos. Ademais, não é a obsessão pelos detalhes que caracteriza a etnografia, mas a atenção que se lhes dá: em algum momento, os fragmentos podem arranjar-se num todo que oferece a pista para um

novo entendimento. (MAGNANI, 2002, p. 17)

Magnani (2002) fala sobre a etnografia para estudar a cidade numa perspectiva

antropológica, pensando que na cidade existem grupos, redes, sistemas de trocas e muitas

outras mediações que o morador dessa cidade participa de modo efetivo cotidianamente.

Não tivemos a intenção de estudar o ACS sob a ótica da antropologia, mas a partir dessa

perspectiva do autor, podemos perceber, no público que mantivemos contato durante o

tempo da pesquisa de campo, os laços vivenciados naquele cotidiano, que não são

possíveis de ser ditos em um depoimento, mas são perceptíveis a partir do “olhar de perto e

de dentro” (MAGNANI, 2002, p. 11) que a etnografia proporciona.

De fato, a etnografia pode nos mostrar como é construída a interação entre o ACS e

seu campo de atuação, compreendendo as atividades realizadas e a forma como este as

realiza, a forma de como o profissional lida com as frustrações e êxitos no seu dia-a-dia de

trabalho, seja na interação com a comunidade ou com a Equipe a qual ele é membro.

Possibilitou-nos também perceber interações entre usuários do sistema com o objetivo de

otimizá-lo, como o ocorrido no dia em que a senhora hipertensa da comunidade, que tem

um automóvel, solicitou a Agente que agendasse a consulta dela e da vizinha para o mesmo

dia, pois o filho dela poderia levá-las juntas, considerando a distância do local de moradia ao

Centro de Saúde.

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Percebemos que, no decorrer da incursão no campo, as indagações foram se

modificando, tornando-se mais claras e mais fáceis de responder. Nesse ponto houve

identificação com que Rosaldo (2000) chama de “sujeto posicionado”.

El concepto clave aquí es el de sujeto posicionado (y re-posicionado). En los procedimientos interpretativos de rutina, de acuerdo con la metodología de la hermenéutica, podemos decir que los etnógrafos se re-posicionan conforme van entendiendo a otras culturas. Los etnógrafos empiezan la investigación con un conjunto de preguntas, las revisan durante el transcurso de la investigación y al final aparecen com nuevas preguntas distintas de aquellas con las que empezaron [...] Este enfoque interpreta-tivo ha sido desarrollado por Clifford Geertz dentro de la antropologíade la manera más influyente (ROSALDO, 2000, p. 28-29).

Em suma, um aspecto muito instigante em realizar a pesquisa com o Agente

Comunitário de Saúde foi o fato de poder presenciar a vida em comunidade, estar com esse

profissional relatando sobre sua condição de morador e trabalhador em um mesmo local,

saber como os moradores desse lugar reagem e interagem com esse trabalhador em

questão.

2.1 A comunidade como local de trabalho dos ACS

Para Bauman (2003), a expressão comunidade representa a impressão de lugar

cálido, confortável e aconchegante. Segundo o autor, numa comunidade podemos contar

com a boa vontade do outros, por exemplo, se tropeçarmos e cairmos, os outros nos

ajudarão a ficar de pé outra vez. Destaca ainda, que, na atualidade, essa palavra expressa

esperança do paraíso perdido, não mais acessível às condições contemporâneas de

sociabilidade (BAUMAN, 2003, p. 8).

Compreender esse local onde o ACS desenvolve suas atividades e onde também é

seu local de moradia, auxilia no entendimento de como esse profissional atua diante de

condições favoráveis a ele, ou desfavoráveis, pois a vida em comunidade também oferece

algumas adversidades. Sobre essas adversidades, Bispo (2011), em estudo sobre a

vitimização do ACS perante a violência sofrida no exercício do trabalho em Salvador (BA),

aponta que, de modo geral, os Agentes estão expostos à violência social cotidiana tais

como: ter conhecimento de situações criminosas no interior das comunidades, presenciar

violência física, conviver com miséria intensa e até mesmo em alguns casos sofrer algum

tipo de violência.

Quanto à perspectiva da violência, a autora diz ainda que, ao pesquisar os ACS de

Salvador (BA), houve relatos de convivência com conflito e violência que chegaram a causar

dilemas éticos, no que diz respeito à adequada intervenção em casos de desrespeitos às

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leis, de violência doméstica, de tráfico, dentre outros. Os Agentes temem sua própria

segurança e também de sua família, quando testemunham situações de risco e reconhecem

as pessoas que estão envolvidas (BISPO, 2011).

Nas primeiras incursões ao campo, participamos de algumas reuniões com uma

equipe de Saúde da Família em um determinado Centro de Saúde, quando foram expostas

as propostas da pesquisa, no entanto uma Agente Comunitária de Saúde elucidou que

poderia existir muita diferença no desenvolvimento do trabalho deles a partir do local onde

atuavam. No caso de o ACS trabalhar em uma área com boas condições de moradia que

contasse com saneamento, certo nível de segurança, equipamento de lazer, ele teria um

modo de trabalhar totalmente diferente de um ACS que trabalhasse em uma área que não

oferecesse as mesmas condições.

2.2 Definição do campo de investigação

O campo de investigação desse trabalho é o município de Fortaleza, Ceará. A partir

do conceito oficial da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) que, segundo

dados do Relatório de Gestão2, publicado em 2006, desenvolveu um mapeamento geral do

município com a finalidade de delimitar e quantificar as microáreas de atuação dos ACS,

trabalho este que definiu o número de agentes que o município necessitava e, assim,

estipulou o número de vagas para a seleção pública3. Esse processo de territorialização do

município iniciou-se em 2005 e teve seu término em 2006.

Tendo em vista que todos os ACS devem atuar em uma microárea, com cerca de

700 habitantes, determinou-se esse quantitativo seria dado de acordo com a classificação

de risco, compreendendo risco como um conceito apreendido da Saúde Pública e atribuído

conforme os mais variados tipos de indicadores (FORTALEZA, 2006).

Assim foi construído o conceito das características de risco, conforme segue:

Risco 1 — Quadras já catalogadas pela defesa civil sob nome popular de áreas de risco. Ficam em locais impróprios para habitação: leitos de rios, áreas que sofrem alagamentos e enchentes, deslizamento de terra, soterramento por dunas, enfim, estão ligadas a riscos ambientais. Além disso, estas áreas abrigam os considerados “mais pobres” da cidade, que vivem em condições subumanas e são excluídos do sistema de saúde e de outras políticas públicas. Por conta destas últimas características, optou-se por incluir também as comunidades que se enquadram nestas condições, embora não sofram, necessariamente, problemas ambientais. O número de habitantes por microáreas é de 500 pessoas;

2 Relatório de Gestão 2005/2006 disponível em: http://www.sms.fortaleza.ce.gov.br, acesso em 06/06/2012.

3 Em 2006 foi publicado, pela Prefeitura de Fortaleza, edital de seleção pública para agentes comunitários de

saúde com o total de 2.627 vagas (FORTALEZA, 2006).

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Risco 2 — Quadras próximas do Risco 1, famílias de comunidades nitidamente pobres, favelas com problemas de saneamento, ocupações desordenadas, conjuntos habitacionais para população de classe baixa (mutirões), áreas pobres com problemas graves de violência urbana. Estas microáreas possuem 700 moradores cada uma;

Risco 3 — Quadras mais distantes do Risco 1, famílias de comunidades nitidamente de classe média, condomínios de classe média baixa, loteamentos estabelecidos há muito tempo, áreas com saneamento e situação socioeconômica regular. As microáreas possuem neste risco 1.000 pessoas cada uma;

Risco 4 — Áreas consideradas nobres da cidade, condomínios de luxo e de classe média alta, áreas de mansões conjugadas, fábricas gigantescas, áreas comerciais puras, lagoas e áreas verdes, sem habitantes, quadras sem populações. Para estas áreas não está prevista, a curto prazo, a atuação dos ACS (FORTALEZA, 2006, p. 64-65).

Inicialmente foram escolhidos dois tipos de áreas para que fosse realizado o trabalho

de campo, ou seja, o acompanhamento diário das atividades de um ACS, com a finalidade

de realizar a etnografia. As áreas escolhidas foram a área de risco do tipo 4 e a do tipo 1, e

essa escolha se deu para tentar verificar como as atividades do ACS seriam desenvolvidas

em áreas que apresentam-se dois extremos da subdivisão oficial dos riscos. Com o atraso

para emissão do parecer favorável do Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará

(UECE), no entanto, só foi possível realizar o acompanhamento das atividades de um ACS

na área de risco do tipo 4, o que trouxe certa insatisfação, pois o desenho metodológico

inicial de pesquisa comparativa teria que ser revisto dada as novas circunstâncias.

Apesar de na descrição da área de risco 4 dizer que não está prevista a atuação do

ACS, verificamos que isso não ocorria, pelo menos, na área em que tivemos acesso para o

acompanhamento do trabalho da agente de saúde. Quanto a esse critério de não haver

atuação do profissional agente comunitário de saúde para a área de risco 4, deu-se pelo fato

de inicialmente não haver o conhecimento minucioso da área, conforme explicou a

coordenadora a qual entrevistamos.

Os conceitos de classificação de risco foram utilizados para tomar como base a

descrição dos territórios, no entanto, a partir das visitas das equipes para o reconhecimento

das áreas, viu-se que algumas áreas classificadas de risco 4 (que são conceituadas de

pouco risco) poderiam até não ter riscos de vida tão eminentes quanto as classificadas

como risco 1, que são áreas muito precárias, mas que necessitavam da atuação do ACS.

Então essa divisão foi feita por diversas pessoas que trabalhavam mesmo na perspectiva da defesa civil, não tinha o PSF. Então quando a gente chegou foi que a gente foi perceber o território, então tem coisas que nem mapeada tá. [...] e aí aos poucos o PSF foi mapeando e dando outro tipo de classificação, só que agora é que a gente está pensando em discutir uma nova territorialização porque

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primeiro a gente foi cuidar do que encontrou e não deu tempo relaborar os conceitos. (COORDENADORA)

Vale ressaltar que a realização de pesquisas no campo da Saúde é um desafio para

muitos pesquisadores, tendo em vista que, para realizar qualquer tipo de estudo, há

necessidade de submeter o projeto de pesquisa ao Comitê de Ética, e, no caso de

Fortaleza, o projeto também é submetido simultaneamente ao Sistema Municipal Saúde

Escola e, ainda, submetido à autorização da chefia dos Distritos de Saúde da cada

Secretaria Executiva Regional nas quais se pretenda realizar o estudo. Importante informar

que cada uma dessas instâncias pode desaprovar ou solicitar modificações no Projeto de

forma que fique de acordo com o que cada responsável pense ser o ideal de pesquisa para

ser aplicado com o público pretendido.

Ainda que o projeto seja aprovado por um comitê de ética reconhecido pela

Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), ou ainda aprovado pela instância

máxima da Prefeitura de Fortaleza, que é o Sistema Municipal Saúde Escola, se o chefe do

distrito de saúde não aprovar, a pesquisa ficará impossibilitada de se realizar naquele local.

Ao indagar sobre tais procedimentos, a resposta da gestão da Prefeitura Municipal de

Fortaleza foi a de primar por uma postura democrática.

Na oportunidade de apresentação da pesquisa à equipe a qual se pretendia trabalhar

na área de risco 4, houve a comunicação de que a pesquisa ainda não havia recebido o

parecer do Comitê de Ética. Tanto a supervisão da equipe quanto a coordenação do Centro

de Saúde avisaram que não poderia, sob nenhuma hipótese, participar de qualquer

atividade ligada ao Centro de Saúde, sobretudo que envolvesse os ACS integrantes do

local. Devemos mencionar que o fato de o ObservaRH já ter realizado trabalhos nesse

campo, possibilitou a autorização para o inicio da pesquisa para o Mestrado, porém com as

ressalvas já mencionadas.

2.3 Os sujeitos da pesquisa

Para atender aos objetivos do estudo, realizamos o acompanhamento diário do

trabalho de uma ACS, realizando observação, colhendo seus relatos, vivenciando todos os

momentos possíveis no seu ambiente de trabalho. A profissional que foi acompanhada em

sua atividade trabalha vinculada a um Centro de Saúde situado em uma área de risco tipo 4

sob administração da Secretaria Executiva Regional II (SER II).

Realizamos, portanto, entrevistas semiestruturadas com quatro ACS incluindo a

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profissional que acompanhamos. Duas dessas profissionais trabalham no referido Centro de

Saúde e as demais trabalham em outros dois Centros de Saúde distintos. Sendo uma

profissional atuante em outra área de risco 4, sob a administração da SER IV e outra agente

que trabalha em uma área classificada como risco 1, sob administração da SER VI.

O fato de as participantes serem todas mulheres corrobora com a tendência à

feminilização da profissão de ACS. Machado (2006) discorre que a feminilização no setor

saúde é uma marca registrada no Brasil, sendo que em 2006, as mulheres preenchiam mais

de 70% de todo o contingente do trabalho no setor, com disposição ao crescimento. O

exemplo do Ceará em 1987, quando o Programa Agente de Saúde (PAS) foi introduzido

como um programa emergencial em combate à seca, a maioria das pessoas selecionadas

eram do gênero feminino (MOROSINI et al., 2007). Outro sujeito envolvido na pesquisa foi a

coordenadora do Centro de Saúde no qual foi realizado o acompanhamento das atividades

de uma ACS. A participação dessa gestora esclareceu algumas questões objetivadas por

esse estudo no que se refere à organização do trabalho e a dinâmica do Centro de Saúde.

A inserção no campo teve início em outubro de 2011 na participação de algumas

reuniões com a equipe no referido CSF. Contudo o fato de ainda não termos o parecer

favorável do Comitê de Ética da UECE, impossibilitou o início do trabalho de campo e a

realização das entrevistas. A partir de julho de 2012 iniciamos o acompanhamento ao

trabalho da ACS, perante sua aceitação, finalizando essa atividade em dezembro de 2012,

quando a profissional comunicou que no mês seguinte entraria de férias. Escolhemos

realizar as entrevistas após a estadia em campo com a ACS podermos elucidar pontos não

compreendidos ou não respondidos a partir da observação e das conversas com Hígia4. Da

mesma forma procedeu a entrevista com a coordenadora, que na posição de gestora,

poderia esclarecer alguns aspectos do trabalho do ACS até então não esclarecidos.

Os ACS escolhidos para participar da pesquisa foram aqueles que estavam inseridos

na Estratégia de Saúde da Família (ESF) pelo menos dois anos antes da seleção pública

que foi realizada em 2006 pela Prefeitura Municipal de Fortaleza. Esse critério foi

estabelecido por acreditar que os profissionais que tinham a experiência de pelo menos

duas formas de vínculos empregatícios, pudessem dar conta, com mais propriedade, dos

processos, das relações e condições de trabalho aqui investigados.

Ao longo do trabalho, haverá depoimentos que foram coletados a partir da

4 A identificação por esse nome trata-se de uma homenagem a ACS que acompanhamos as atividades de

campo, por esse ser o nome da deusa da saúde na mitologia grega.

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observação sobre algumas atividades que participamos e que verificamos a importância de

inclusão desses discursos. Assim, realizamos o registro dos mesmos em um diário de

campo, justamente com o intuito de utiliza-los posteriormente.

Por fim, procuramos interpretar os dados coletados a partir da teoria das

representações sociais. As representações sociais são imagens construídas sobre o real e

por isso, trata-se de importante material para pesquisa no interior das Ciências Sociais

(MINAYO, 1998). Assim vemos os aspectos aqui tratados como importantes para a reflexão

sobre o profissional e seus processos de trabalho.

Para melhor organização dos discursos, considerando que dentre as quatro

entrevistadas uma foi acompanhada durante cinco meses, optamos por denomina-la de

Hígia e as demais nomearemos como ACS1, ACS2 e ACS3. A gestora entrevistada está

referida como “Coordenadora”.

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3 A CONSTRUÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

3.1 Sistema Único de Saúde: visão estratégica de promoção da saúde

Para analisar o Agente Comunitário de Saúde, no contexto desse estudo, faz-se

necessário contextualizar historicamente a estratégia de promoção da saúde e como se deu

o processo de implementação dessa política no Brasil. A promoção da saúde, de acordo

com Buss (2000), parte de uma concepção ampla do processo saúde-doença e daquilo que

o determina a fim de propor a articulação de saberes (técnicos e populares), a mobilização

de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e

resolução.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, em 1948, na carta de princípios o

conceito de saúde5, que implicava o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do

Estado na sua promoção e proteção. (SCLIAR, 2007), sendo a Conferência Internacional de

Assistência Primária à Saúde em Alma-Ata, promovida em 1978 pela OMS, considerada

como a primeira declaração internacional que deu ênfase e despertou a importância da

atenção primária em saúde como um dos fatores de grande importância para a promoção da

saúde. A declaração defende a procura de meios urgentes para o estabelecimento da

promoção da saúde como umas das prioridades da nova ordem econômica.

Outro documento que enfatizou essa estratégia foi a Carta de Ottawa apresentada

na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde realizada em Ottawa,

Canadá, em 1986. A Carta é um documento de intenções com vistas a contribuir com as

políticas de saúde de forma equânime e universal em todos os países, no sentido de reduzir

as diferenças do acesso da população aos recursos necessários para uma vida saudável.

(SANTOS et al., 2010).

No Brasil, a Reforma Sanitária foi um dos movimentos responsáveis pela

configuração do sistema de saúde universal e equânime. Cohn (1989) relata que o início

desse processo data na metade da década de 1970, quando diversas instituições se

empenharam nos discursos da universalidade e equidade da assistência à saúde no setor

público. Ressaltamos, ainda, que a Reforma Sanitária no Brasil foi inspirada no modelo

italiano devido à influência dos estudos de Giovanni Berlinquer tanto nas instituições de

ensino quanto no meio profissional da Saúde.

As ações em prol de uma reforma sanitária no país tinham como norteadores

5 Conceito de saúde da OMS: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não

apenas a ausência de enfermidade.” (SCLIAR, 2007, p. 37).

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aspectos técnicos e políticos. Os técnicos diziam respeito às críticas ao modelo de

percepção da saúde apenas como oposição a doença, sem considerar aspectos mais gerais

da vida em sociedade como componentes importantes. Do ponto de vista político se tratava

de uma luta pela redemocratização e contra o regime da ditadura atuante no País

(BERTONE, 2002).

A principal ideia discutida em favor da Reforma era de que não se podia discutir

saúde apenas de forma técnica, sem considerar os fatores sociais e econômicos que

poderiam contribuir no processo saúde-doença. Dessa forma, inaugura-se o discurso de

prevenção e promoção da saúde e, nesse sentido, uma das conquistas da Reforma

Sanitária foi a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 1986, com a

participação de diversos setores da sociedade, incluindo a participação dos usuários de

saúde, o que não ocorrera nas sete conferências anteriores.

A partir da 8ª CNS saiu a primeira emenda constitucional gerada de um movimento

social que foi o movimento pela emenda popular. Esse é considerado como o maior sucesso

da Reforma Sanitária no Brasil. (BRASIL, 2012a). Como resultado das discussões da 8ª

CNS, foi consenso para a criação do Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS), que

posteriormente viera a ser designado de Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL 2012b).

Criado em 1988, o SUS tinha como princípios norteadores a promoção, proteção e

recuperação da saúde, com vistas a colaborar para o desenvolvimento da dignidade dos

brasileiros (SCLIAR, 2007). Nesse sentido, a Constituição Brasileira de 1988 inscreve que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, art. 196).

Dessa forma, o SUS preconizava a realização de atendimento público de saúde a

toda população brasileira. Antes de sua criação, esse serviço era realizado pelo Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), porém restrito às pessoas

que contribuíssem com a Previdência Social. Àqueles que não realizavam essa contribuição

recorriam a outros serviços, inclusive os filantrópicos (BRASIL, 2009).

Bodstein (2002) diz que um dos instrumentos cruciais do processo de reforma da

saúde foi à regulamentação da lei 8.080 e da lei 8.142 do ano de 1990 que tratam das

normas gerais de funcionamento do SUS: a Lei 8.080/90 regula as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços

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correspondentes; já a lei 8.142/90, trata sobre a participação da comunidade na gerência do

Sistema Único de Saúde e sobre a disposição dos recursos financeiros na área da saúde

por meio de transferências intergovernamentais.

Assim, iniciou-se o processo descentralização e regionalização, que teve como

principal objetivo assegurar maior controle social e melhor gestão dos recursos, no sentido

de maior eficácia das ações (MACIEL et al., 2008). Contudo, esse processo acelerou a partir

de 1996, quando foram implementadas medidas de incentivo como as constantes na Norma

Operacional Básica 1996 (NOB/96), que expressavam que os municípios assumissem a

gestão da rede de serviços locais de saúde por meio de uma política do governo federal em

prol da municipalização.

Essa Norma ainda alterou as modalidades da gestão local do SUS que passaram a

ser duas: plena de atenção básica e plena do sistema de saúde. A primeira modalidade reza

que o poder público municipal tem governabilidade apenas sobre a rede de atendimento

básico, e a segunda modalidade prevê que o município gerencia todo o atendimento à

saúde em seu território, incluindo a rede hospitalar pública e privada conveniada, com

repasse direto de recursos do Ministério da Saúde para o Fundo Municipal de Saúde, sem

intermediação da esfera estadual. Contudo da NOB/96 entra em vigor somente a partir de

1998 e em 2000, 99% dos municípios atuavam em uma das duas modalidades de

gerenciamento definidas pela Norma. (BODSTEIN, 2002).

Quanto ao repasse de recurso para a garantia ao atendimento básico em saúde, foi

criado em 1998 o Piso de Atenção Básica (PAB) que correspondia a um valor em torno de

R$10,00 per capita, repassado pelo governo federal diretamente aos municípios, cujo

destino era o custeio exclusivo de um elenco predeterminado de procedimentos e ações

(BODSTEIN, 2002).

A condição de habilitação ao PAB é definida pela NOB/96, e obriga a criação do Fundo Municipal de Saúde e do Conselho Municipal de Saúde, dando relativa autonomia e crescente responsabilidade ao gestor municipal. [...]O PAB introduz uma outra lógica no financiamento da assistência à saúde, dissociando produção e faturamento. Assim, as prefeituras passam a receber regular e diretamente recursos para investir naqueles procedimentos definidos como prioritários e fundamentais para um programa de prevenção e promoção à saúde, consultas médicas e odontológicas, exames de pré-natal, vacinas, vigilância sanitária, etc. (BODSTEIN, 2002, p. 406).

Ao mesmo tempo da implantação do PAB, outras medidas são introduzidas,

por exemplo: a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) e a solidificação

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da atuação do Agente de Saúde, por meio do Programa de Agentes Comunitários de

Saúde (PACS). Os dois Programas se caracterizaram como fortes mecanismos do

Governo Federal para priorizar a atenção básica, realizando para isso, ações para

conseguir adesão dos governos municipais, tendo como principal atrativo o incentivo

financeiro (BODSTEIN, 2002).

3.2 Saúde da Família: a política de inserção do objeto de estudo

Na perspectiva de comunicação de mobilização do coletivo, a Estratégia Saúde da

Família (ESF) surgiu como um programa nacional no contexto da reestruturação do sistema

público de saúde no Brasil propondo um modelo de atenção à saúde da população de forma

a possibilitar o acesso universal e contínuo aos serviços, preconizando os princípios e

diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS): universalização, equidade, descentralização,

integralidade e participação da comunidade.

Inicialmente, recebeu a denominação de Programa Saúde da Família, popularizando-

se pela sigla PSF que até os dias atuais ainda se propaga por essa sigla. Na fase de

consolidação, por outro lado, passou se denominar Estratégia Saúde da Família (ESF)

(BRASIL, 2009). A ESF foi pensada, em sua essência, como um mecanismo de

transformação da relação entre os profissionais de saúde e o usuário, pautada

historicamente pela passividade de quem é atendido, entendendo o indivíduo como singular,

mas como parte integrante de um contexto mais amplo que é a família e a comunidade em

que vive (BRASIL, 2009).

O objetivo da ESF é:

Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população. (BRASIL, 1997).

A Estratégia Saúde da Família teve inicio no Brasil em 1994, quando o Ministério da

Saúde o adota como programa nacional, tendo como inspiração os distritos sanitários, os

sistemas locais de saúde (SILOS), a experiência Em Defesa da Vida (SILVA JUNIOR,

1998), a ação programática em saúde (NEMES, 1990) e algumas experiências de saúde da

família de âmbito internacional, principalmente as de Cuba e Canadá, todos estes modelos

que se mostraram exitosos na organização da atenção básica à saúde.

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Em setembro de 2011, o Ministério da Saúde pactuou na reunião da Comissão

Intergestores Tripartide, o lançamento da Portaria MS/GM 2.488, que tem como objetivo a

revisão das diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para a Estratégia

Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Desde

que não entrem em conflito com a atual, as normas e resoluções das portarias anteriores,

permanecem em vigor. A Portaria MS/GN 2.488, aprova a Política Nacional de Atenção

Básica voltada para a ESF e PACS; define recursos orçamentários com vistas à

manutenção e estruturação da ESF; e revoga algumas portarias anteriores (BRASIL, 2011).

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. É desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar no manejo das demandas e necessidades de saúde de maior frequência e relevância em seu território, observando critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos. É desenvolvida com o mais alto grau de descentralização e capilaridade, próxima da vida das pessoas. Deve ser o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção sócio-cultural, buscando produzir a atenção integral. (BRASIL, 2011).

Desde a implantação até o presente, observa-se que o Ministério da Saúde procura

reforçar a importância da ESF para o setor saúde no Brasil, tendo como objetivo principal o

discurso da promoção da saúde dentro dos princípios dos SUS.

A Política Nacional de Atenção Básica tem na Saúde da Família sua estratégia prioritária para expansão e consolidação da atenção básica. A qualificação da Estratégia de Saúde da Família e de outras estratégias de organização da atenção básica deverão seguir as diretrizes da atenção básica e do SUS configurando um processo progressivo e singular que considera e inclui as especificidades locoregionais. (BRASIL, 2011).

A promoção da saúde é o resultado de ações de diversos setores agindo em

determinantes gerais da qualidade de vida que vão além do cuidado. São técnicas postas

em práticas com a finalidade de tornar mais eficientes a comunicação e a mobilização da

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comunidade. As profissões do setor da saúde tradicionalmente estão mais voltadas para o

tratamento curativo, assim como a cultura do próprio usuário espera que o sistema de saúde

atue na cura das doenças. A proposta da promoção e proteção da saúde se faz como um

desafio nessa realidade.

Deste modo, as ações da Estratégia Saúde da Família são desenvolvidas por uma

equipe multiprofissional responsável pela atenção integral e contínua a uma população

limitada (BRASIL, 2011). De acordo com a portaria 2.488, os itens necessários à estratégia

Saúde da Família e as especificidades da equipe são:

I - existência de equipe multiprofissional (equipe saúde da família) composta por, no mínimo, médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião dentista generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal;

II - o número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família, não ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe;

III - cada equipe de saúde da família deve ser responsável por, no máximo, 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000 pessoas, respeitando critérios de equidade para esta definição. Recomenda-se que o número de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território, sendo que quanto maior o grau de vulnerabilidade menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe;

IV - cadastramento de cada profissional de saúde em apenas 01 (uma) ESF, exceção feita somente ao profissional médico que poderá atuar em no máximo 02 (duas) ESF e com carga horária total de 40 (quarenta) horas semanais; e

V - carga horária de 40 (quarenta) horas semanais para todos os profissionais de saúde membros da equipe de saúde da família, à exceção dos profissionais médicos, cuja jornada é descrita no próximo inciso. A jornada de 40 (quarenta) horas deve observar a necessidade de dedicação mínima de 32 (trinta e duas) horas da carga horária para atividades na equipe de saúde da família podendo, conforme decisão e prévia autorização do gestor, dedicar até 08 (oito) horas do total da carga horária para prestação de serviços na rede de urgência do município ou para atividades de especialização em saúde da família, residência multiprofissional e/ou de medicina de família e de comunidade, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial. (BRASIL, 2011).

De acordo com informações do Departamento de Atenção Básica (DAB),

competência abril/2013, o número de Equipes de Saúde da Família no Brasil, credenciadas

pelo Ministério da Saúde, é em um total de 42.423 com cobertura populacional estimada de

55,56%. Para o Ceará, a quantidade de Equipes é 2.262, e a proporção de cobertura da

população é de 70,04%. Já para o município de Fortaleza, o total de Equipes de Saúde da

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Família é de 349 e a população coberta por esse serviço corresponde a 35,8% (BRASIL,

2013a).

3.3 O agente comunitário de saúde

A atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS) no Brasil é anterior ao surgimento

da Estratégia Saúde da Família. Mesmo utilizando outra nomenclatura e nem tendo a

profissão regulamentada como hoje, registram-se experiências similares desse profissional

na história da saúde.Santos et al. (2010) relatam que no modelo “sespiano”6 havia uma

preocupação com a promoção da saúde numa perspectiva de educação e saúde, e também

o fato de haver visitadores que faziam a interação entre a comunidade e as equipes

sanitárias.

Segundo Silva e Dalmaso (2002), havia na década de 1970 vários municípios de

Minas Gerais, Paraná e São Paulo que adotaram iniciativas locais com a finalidade de

resolver demandas emergentes, implantando projetos dentro dos princípios da atenção

primária em saúde em que atuavam os agentes comunitários.

Outras duas ações em Minas Gerais, na década de 1970, constituíram experiências

baseadas no modelo de promoção da saúde, que contava com a cooperação entre as

agências internacionais de saúde como a Fundação Rockfeller, a Fundação Ford, o Banco

Mundial e a Fundação Kellogg; e os profissionais e intelectuais dos Departamentos de

Medicina Preventiva das Faculdades de Medicina (SANTOS et al., 2010). Tais projetos

tinham como ideia principal a construção coletiva de um novo modelo de organização de

serviços que fortalecesse a autonomia local com a valorização da participação da

comunidade com vistas a superar as estruturas estabelecidas. Eram selecionados agentes

na própria comunidade, esses eram chamados de auxiliares de saúde, no entanto esses

auxiliares não obtiveram grande êxito numa efetiva mobilização e conscientização da

população.

Algumas críticas foram tecidas aos projetos, tendo em vista que de alguma forma

pretendia treinar pessoal de nível médio para fazer diagnóstico e tratamento, o que se

caracterizava com exercício ilegal da medicina e também visto como um desrespeito à

comunidade pobre. Santos et al. (2010) considera que tais projetos, mesmo enfatizando um

caráter transformador do trabalho em saúde, ainda prevaleciam a orientação da medicina

6 Essa expressão deriva da Sigla SESP - Serviço Especial de Saúde Pública que foi criado em 1942, objeto de

convênio entre o governo americano (representado pela Fundação Rockefeller) e o governo brasileiro, com a finalidade de sanear regiões de extração de matéria-prima (a Amazônia e o Vale do Rio Doce, estratégicas para os EUA durante a guerra). Tais regiões apresentavam altas taxas de malária e febre amarela e foram escolhidas para implantação inicial desses serviços médico-sanitários. (SANTOS et al., 2010).

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tradicional, onde o usuário dos serviços não valorizava o aspecto educativo dos projetos e

tinham com foco principal o acesso à consulta e à receita médica.

Apesar de tais dificuldades apresentadas, um dos projetos, o Projeto Montes Claros

(MG) transformou-se no principal modelo para a montagem em âmbito nacional da primeira

experiência de extensão de serviços de medicina simplificada para a zona rural já levada à

prática no país – o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS).

No Ceará, o Programa Agente de Saúde (PAS) foi introduzido em 1987, pelo médico

ligado à Reforma Sanitária e, então, secretário de saúde do Estado, Carlile Lavor, como

parte de um programa emergencial, financiado com recursos do governo federal destinados

aos fundos temporários para socorrer a população de algumas regiões atingidas pela seca

(MEDEIROS, 2002). Esta iniciativa proporcionou oportunidade de trabalho para pessoas

originárias de vários municípios do Ceará, eleitas pela comunidade em que residiam e onde

passaram a atuar em um programa de promoção à saúde local. Nesse período, foram

selecionadas, aproximadamente, 6.000 pessoas, em sua maioria mulheres pobres, para

trabalhar como agentes de saúde local (MOROSINI et al., 2007).

Amenizada a situação da seca no Estado em 1988, termina a remessa dos recursos

provenientes do governo federal para o programa. Mesmo assim, cerca de 150 agentes de

saúde continuaram o trabalho como voluntários. Em 1989, o governo do Ceará decidiu

financiar o programa, haja vista o êxito atingido até então, e adota-o como programa

permanente (CASTRO et al., 2004).

O sucesso do PAS no Ceará motivou o Ministério da Saúde a criar, em 1991, o

Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), com o objetivo de

uniformizar diversas práticas e experiências desenvolvidas em várias regiões do Brasil que

ainda funcionavam de forma pontual, de acordo com a necessidade da população de cada

região. Um ano após, o PNACS passou a ser denominado Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS), terminologia utilizada até o presente (MOROSINI et al.,

2007; BRASIL, 2011).

A relevância do programa foi imediatamente percebida diante do desempenho dos

indicadores do Ceará, anteriormente, entre os piores do Brasil e da América Latina, que se

mostravam em alta. Como principal exemplo, tem-se a redução na taxa de mortalidade

infantil que, anteriormente ao Programa, era de 102 crianças para cada mil nascidas vivas e,

em 1992 caiu para 65/1000 crianças. Em virtude desse êxito, foi conferido ao Ceará o

prêmio Maurice Pate pela UNICEF, em 1993, algo inédito em toda a América Latina até

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então (TENDLER, 1998). Outro aspecto relevante foi a cobertura vacinal contra o sarampo e

poliomielite, que passou de 25% para 90% da população (MEDEIROS et al., 2006).

O PACS teve como foco principal no início de sua atuação a atenção ao grupo

materno-infantil e, posteriormente, expandiu sua abrangência para o apoio à organização da

atenção básica em saúde nos municípios. Devido ao contexto de mortalidade infantil e

materna, naquele momento, as ações básicas de saúde propostas para o ACS estava mais

fortemente vinculado à melhoria da saúde desse público. Com a entrada da cólera no Brasil,

o PACS iniciou sua atuação na perspectiva do controle e da prevenção dessa doença.

Com o sucesso alcançado pelos municípios que aderiam ao Programa Agente

Comunitário de Saúde, foram criadas condições que possibilitaram a formulação do PSF.

Dessa forma o PACS incorporou-se ao Programa Saúde da Família e sua expansão

vinculou-se a este segundo Programa que, por prever uma equipe multiprofissional, foi

considerado um projeto mais adequado para atender às necessidades de saúde da

população (MOROSINI et al., 2007). No ano 2000, o Brasil contava com número de 118.960

ACS, sendo que em 1994 esse quantitativo era de 29.098, representando em termos de

atendimento à população de 16,7 milhões para 68,4 milhões de habitantes. Nesse período,

aproximadamente 76% dos municípios brasileiros já contavam com a atuação dos Agentes

(BRASIL, 2001a).

A profissão de ACS seguiu algumas trajetórias de regulamentação, tais como: o

Decreto Federal nº 3189/99, que fixou diretrizes para o exercício das atividades desse

profissional e que fundamentou a elaboração do projeto de lei, criando a profissão de agente

comunitário de saúde em 2002 (Lei 10.507, de 10 de julho de 2002). Essa lei explicita que o

âmbito de trabalho desse profissional é o SUS e estabelece alguns requisitos para a

profissão, tais como: ser residente na área de atuação, ter concluído o ensino fundamental e

mostrar resultado satisfatório no curso de qualificação básica para a formação de ACS.

Quanto aos agentes que já atuavam na ocasião da publicação da lei, passaram a ser

reconhecidos profissionalmente, sendo dispensados da obrigação de ter o ensino

fundamental concluído (MENDONÇA, 2004).

Vale ressaltar que embora existisse o reconhecimento social do trabalho do ACS por

parte da comunidade e dos trabalhadores da Saúde, a profissão Agente Comunitário de

Saúde foi criada somente após 10 anos de implantação do Programa Agentes Comunitários

de Saúde (PACS), com registro de sucessivas lutas dos próprios profissionais devido à

própria característica do trabalho do ACS apresentar impasse quanto à delimitação de seu

papel e sua articulação com as demais categorias profissionais (SILVA, 2009).

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Algumas das atribuições do profissional ACS, preconizadas pelo MS, são: visitas

mensais às residências para orientar sobre assuntos relacionados à prevenção de saúde;

organização de reuniões para discutir saúde e prevenção; participação em campanhas de

vacinação; orientação das pessoas sobre práticas de saúde e higiene; monitoramento do

crescimento infantil; promoção do aleitamento materno e incentivo aos atendimentos

ambulatoriais para cuidados preventivos, tais como: vacinação e cuidados pré-natais

(BRASIL, 2001a).

Em março de 2006, a portaria número 648 aprovou a Política Nacional da Atenção

Básica, estabelecendo a Saúde da Família como “estratégia prioritária para reorganização

da atenção básica no Brasil” e redefine os princípios gerais de atuação desta. A mesma

portaria define atribuições específicas do ACS dentro da equipe de saúde que estarão

descritas no Capítulo 4. Salienta-se que até a portaria 648 não havia ainda a separação

entre o trabalho do ACS e do Agente de Combate às Endemias (ACE). A Emenda

Constitucional n°. 51, de 14 de fevereiro de 2006, acrescentou à Carta Magna os parágrafos

4°, 5° e 6° ao seu artigo 198. Assim foi editada a Lei n°. 11.350, de 05 de outubro de 2006,

no tocante à situação jurídica dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de

Combate às Endemias (ACE) (BARROS et al , 2010).

Conforme informações do Departamento de Atenção Básica (DAB), competência

abril/2013 o número total de ACS credenciados pelo Ministério da Saúde no Brasil é de

315.699 com percentual de cobertura estimada da população de 64,7%, enquanto no Ceará

o total desses profissionais é de 16.044, cobrindo 83,44% da população. Fortaleza

apresenta um número de 2.791 Agentes credenciados pelo Ministério da Saúde cobrindo

estimadamente 57,65% da população (BRASIL, 2013a).

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4 QUEM É E O QUE FAZ AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE EM

FORTALEZA

4.1 Caracterização das ACS e de suas áreas de atuação

O número e as características das ACS aqui apresentadas não representam a

realidade do trabalho do ACS nesse município, tendo em vista que as participantes não

foram selecionadas por critérios estatísticos que possam garantir tal representatividade. A

intenção, para este estudo, era participar do maior número de atividades de uma das ACS

da área: acompanhá-la nas visitas domiciliares, que se caracteriza como uma atividade

primordial no trabalho desse profissional, mas também acompanhá-la nas atividades junto

ao Centro de Saúde, tais como reuniões de equipe, entrega do consolidado, atividades

educativas com a coletividade, que se constitui o conjunto de atividades desempenhadas

pelo ACS e que são cruciais para o entendimento de suas atribuições dentro de uma Equipe

de Saúde da Família. Porém obtivemos autorização somente para acompanhar uma ACS

durante o turno da manhã nas visitas domiciliares, sempre que ela fosse trabalhar.

4.1.1 Território de Hígia e demais ACS envolvidas na pesquisa

Hígia, 46 anos, foi a profissional que nos permitiu acompanhar o cotidiano do seu

trabalho durante cinco meses. Ela exerce essa profissão há 18 anos, porém, inicialmente, a

forma de contratação era por meio de uma empresa prestadora de serviço que perdurou até

o ano de 2006, quando se submeteu à seleção pública da Prefeitura Municipal de Fortaleza

para o cargo. Posterior à seleção, o regime era celetista, tendo como contratante a

Prefeitura e, somente no final de 2012, passou do regime celetista para estatutário.

Hígia contou que se sentiu mais motivada com o trabalho após a seleção pública,

pois isso garantiu maior estabilidade. O fato de a categoria ter conseguido o direito de

passar do regime celetista para estatutário foi visto como uma grande conquista pela ACS e

algo merecido devido aos anos de dedicação ao trabalho. Na microárea em que a ACS

trabalha, são cadastradas 149 famílias. A escolha por exercer o trabalho de ACS aconteceu

porque, em 1994, houve chamada para seleção pública divulgada pela Fundação Nacional

de Saúde e isso se apresentava como uma opção de trabalho. Na época ela trabalhava no

comércio e viu a possibilidade de mudar de área e também ter estabilidade no emprego.

Na época a gente participou da seleção e a gente pensava que ia ser uma contratação como através de um concurso. Foi pela FUNASA e a gente achava que ia ser um emprego federal porque era através da Fundação né. Mas nunca ninguém explicou pra gente porque a gente passou por tantas provas, entrevistas com psicólogo e nunca foi contratado como funcionário público mesmo. Mas ao

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longo de todo esse tempo os agentes sempre lutaram para ter reconhecimento, inclusive na forma de contratação. (Hígia)

O exercício etnográfico, para essa empreitada, acompanhando Hígia nas visitas

domiciliares, permitiu maior proximidade com o cotidiano da profissional que, embora tenha

aceitado participar da pesquisa, não fez questão de entender com mais profundidade o que

estava sendo pesquisado, apesar dos esforços em explicar os objetivos. Então, a cada

encontro se explicava um pouco mais. Na nossa primeira semana em campo, ela explicou

que nem sempre iríamos adentrar os domicílios dos usuários, pois poderiam rejeitar a

presença da pesquisadora, o que não aconteceu em nenhum caso.

O ato inaugural da entrada na primeira residência juntamente com Hígia foi muito

tranquilo, pois o usuário que nos atendeu estava mais interessado em assistir ao programa

que estava passando na televisão e falou que a esposa dele não estava no momento e

asseverou: “ela é que resolve essas coisas”. Mesmo assim, Hígia solicitou que entrássemos

para ela explicar alguns procedimentos, já que aquela era a primeira vez que encontrava

alguém da família em casa. Fui apresentada, portanto:

Essa é a Graça e ela está realizando um trabalho em cima do meu trabalho. É uma pesquisa da faculdade, é sobre o meu trabalho, então ela vai ficar me acompanhando durante um tempo nas minhas visitas.

O senhor que nos atendeu não deu importância para a apresentação e, em seguida,

Hígia falou da necessidade de cadastrar a família, pois eram moradores novos na área e

explicou como funcionava o Centro de Saúde e como a família deveria proceder para ter

acesso aos serviços. Logo, o dono da casa informou que todos da casa tinham plano de

saúde, mas que, quando a esposa tivesse em casa, ela poderia fazer o cadastro, “pois é

melhor a gente ter né, já que é um direito”, consentiu aquele senhor.

A segunda residência em que adentramos era de uma senhora idosa, muito

simpática, e, pelo tratamento que teve para com Hígia, pareciam ser íntimas, já que

demonstrou ter muito afeto pela profissional. Mais uma vez, a pesquisadora foi apresentada

da mesma forma. Então a senhora disparou sorrindo como forma de brincadeira: “Ela tá

fiscalizando você pra ver se você trabalha direito né?”. Hígia continuou com os

procedimentos de trabalho, porém, com muitas declarações por parte da usuária de sua vida

pessoal, confidências, desabafos, atualização sobre os últimos acontecimentos à ACS que

ouvia com atenção. Vale ressaltar que, ao longo do tempo passado em campo juntamente

com Hígia, essa interpretação por parte dos usuários, de atribuir à presença de uma pessoa

como “fiscal” do trabalho da ACS, foi uma constante na maioria dos casos. Mesmo após

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explicação de maneira muito clara da presença de uma pesquisadora, contudo, a

compreensão era traduzida com expressões como: “Ah! É um trabalho da faculdade né?”.

A área em que Hígia atua conta com muitos condomínios, prédios comerciais,

diversas instituições de ensino, casas de classe média, porém não é uma área nobre nem

com imóveis classificados como luxuosos. É certo que o bairro é bastante procurado para

moradia por ficar em uma localidade que abriga instituições de ensino superior o que atrai

muitos estudantes para morar na Região. Além disso, ainda tem a tradição de ser um bairro

boêmio, lugar com imóveis caros, mas não necessariamente nobres, mostrando que a

microárea atendida pela ACS é bastante modesta.

Ao acessar o campo específico de trabalho, ou seja, a microárea, encontramos uma

realidade que um transeunte que trafega pelas principais ruas e avenidas do Bairro não

imagina existir. Ao acessarmos um beco, defrontamo-nos com um conjunto de casas

dispostas em forma de vila, contudo, nem todas têm a mesma estrutura física. Algumas

contam apenas com a parte térrea e com poucos compartimentos, em geral, uma sala, um

quarto, uma cozinha e um banheiro, outras com dois andares ou mais. Geralmente, no

centro da vila, há um pátio, espaço compartilhado pelos moradores que utilizam para

estender roupas, estacionar automóveis (quem os tem), cultivar plantas, dentre outras

utilidades. Outro tipo de imóvel muito presente na microárea, são as popularmente

conhecidas quitinetes. Esse tipo de imóvel não é residência apenas para estudantes, pois foi

observada a presença de famílias de até quatro pessoas morando em um espaço de três

micro compartimentos.

Quanto a esse tipo de moradia, a coordenadora entrevistada mencionou um dado

novo e interessante que está ocorrendo na área. Por conta da imigração de alunos de outros

países devido ao Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G)7 da

Universidade Federal do Ceará (UFC), ocasionou o aumento da população da área.

[...] o território antes era assim: uma casa e agora se transformou em um prediozinho e fizeram vários kitinetes para alugar para esses ‘ e isso aí não está mapeado. E os riscos que eles trazem porque tem vacinas que eles não tomaram lá. Então isso daí já é outro tipo de abordagem que você vai ter. Eles falam a língua portuguesa, mas os hábitos deles são diferentes, alimentação é diferente, algumas coisas são diferentes das nossas. Até pra o agente de saúde entrar na vida deles. (COORDENADORA)

7 O programa oferece aos estudantes de países em desenvolvimento que mantém acordo educacional, cultural

ou científico-tecnológico com o Brasil a oportunidade de estudar em Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. (BRASIL, 2013b).

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Além disso, a coordenadora falou que esse público utiliza os serviços de saúde do

Centro e, portanto, o trabalho do ACS torna-se imprescindível para a identificação e

cadastramento dessa população.

A partir da observação no horário da visita, não havia carros no local, contudo,

sabemos que, em algumas dessas vilas, há moradores que tem o veículo e, geralmente, é o

que faz os favores para os demais moradores, no que diz respeito ao transporte,

principalmente quando é para fins de saúde e/ou doença: levar ao hospital em uma

emergência; transportar um idoso ou criança para uma consulta no Centro de Saúde, ou

para outro local. Já quando se trata de motocicletas, a quantidade é maior, porém não é

muito expressiva. A maioria dos moradores tem condições financeiras modestas, algumas,

como ouvimos em depoimentos, que não têm sempre dinheiro para pagar passagem dos

ônibus urbanos.

A ACS também atende casas em algumas ruas de grande circulação de veículos e

de pessoas, com imóveis de classe média, amplos e com diversos compartimentos, alguns

térreos e outros com dois andares, sendo que, em sua maioria, é residência de pessoas

idosas morando com os cuidadores e/ou familiares, um ou no máximo dois filhos. Houve o

registro de uma senhora com 80 anos de idade que passa o dia com uma cuidadora que faz

os serviços domésticos em geral e cuida da medicação e alimentação da idosa. No período

da noite há o revezamento dos familiares para ficar com ela. A senhora não é assistida pelo

Centro de Saúde, porque tem plano de saúde e os filhos a levam a muitos especialistas que

tratam do diabetes e da hipertensão dela, contudo, não dispensa nenhuma visita da ACS, e

a profissional faz todas as anotações na ficha de adscrição da usuária. Em todas as vezes

que visitamos seu domicílio ela sempre contava muitas histórias desde quando era jovem,

das tarefas domésticas que desenvolvia e que hoje não pode mais desenvolver, relatava

sobre os remédios e sobre seus tratamentos, mas segundo depoimento da própria senhora,

sabia quais medicamentos lhe faziam bem e os quais não faziam e, apesar de ter a

prescrição do médico, ela dizia que quem sabia administrar tudo era ela.

Importante registrar que todos os idosos que visitamos mantinham esse mesmo

comportamento com relação às prescrições dos médicos, quanto aos medicamentos e às

indicações de terapias para diabetes e hipertensão. No tocante à medicação, eles relatam

que tomam somente quando precisa, a partir dessa fala, a ACS expõe que o uso da

medicação deve ser contínuo, pois é um tratamento para controle do diabetes e manutenção

da pressão arterial em uma condição que eles não passem por nenhuma crise e venham

passar por situações que os deixem acamados.

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Quanto à alimentação, a posição dos usuários também é unânime: não abrem mão

de comer o que já estão acostumados, como comida gordurosa, comida com muito sal,

massas e açúcar, ou seja, as recomendadas para não comerem. São hábitos que eles

relatam que não deixarão de fazer porque sabem que não faz mal. Os familiares presentes

tentam convencer o idoso e pedem que a ACS o faça. A ACS explica diversas vezes a

importância de seguir as orientações dos programas e dos profissionais, sejam os do Centro

de Saúde ou não, pois o tratamento para diabéticos e hipertensos é algo que deve ser

cumprido, tendo em vista que as consequências de uma crise podem ser irreversíveis. Ao

sair das casas em que acontece esse tipo de situação, a ACS desabafa que o trabalho de

promoção à saúde é algo muito difícil porque tem muito haver com os hábitos que os

usuários têm e não querem mudar.

Apesar de a microárea estar inserida em um bairro de classe média, com de tradição

universitária e boêmia, onde existem muitos equipamentos de lazer como bares,

restaurantes e praças, a área específica que Hígia trabalha não há muitas opções de lazer,

o que influencia negativamente os moradores que necessitam realizar algum tipo de

atividade física, como caminhadas ao ar livre, que é mais recomendado para o público

hipertenso e diabético. O fato é que não há praças próximas a esta microárea, somente

casas, estabelecimentos comerciais e estabelecimentos de ensino. Algumas lanchonetes e

restaurantes mais direcionados ao público de estudantes que transitam pela área o dia todo.

Os moradores locais fazem relatos sobre diversos problemas ligados à violência,

com ocorrências de assaltos e furtos na região, o que contribui para o constante medo dos

deles em transitar pelas ruas. Outros relatos são relativos ao envolvimento dos filhos e /ou

netos inseridos no contexto do tráfico ou uso de drogas. No início do trabalho, visitamos um

domicílio em que um jovem de 17 anos de idade havia sido assassinado e a suspeita da

família era ter sido devido a acerto de contas, por causa de dívidas com drogas, já que o

jovem fazia uso de entorpecentes. A família se constituía de uma avó bastante idosa, a mãe

do garoto, uma tia, um irmão (que no momento da nossa visita estava no trabalho) e um

cachorro. A avó faz tratamento de hipertensão e diabetes no Centro de Saúde, e a ACS faz

o acompanhamento desse tratamento. Já a mãe é manicure e vendedora da Avon e da

Natura, na sala, foi observado um mostruário com diversos produtos. A família estava,

aparentemente, unida e consternada com o ocorrido.

Um fato que aconteceu em outra vila foi com uma senhora que teve um infarto do

miocárdio e estava no Hospital Valter Cantídio para realizar uma cirurgia. Por volta de um

mês frequentando a área, soubemos desse fato, e os vizinhos sempre davam informações a

respeito. Ela tem dois filhos, um deles trabalha como cuidador em uma casa onde moram

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quatro idosos, sendo três acamados. Esses idosos tem acompanhamento pelo plano de

saúde, mas a irmã mais nova, que também é idosa, repassa todos os dados para a ACS. A

irmã mais nova realiza anotações quanto da verificação da pressão arterial de todos,

incluindo a dela, das medicações que tomam, dos exames realizados. Esse domicílio recebe

visita da ACS pelo menos uma vez no mês. Tendo em vista que os moradores desse

domicílio têm acompanhamento dos médicos do plano de saúde, a ACS não solicita visita

domiciliar, da equipe, para eles, pois a demanda de acamados que não tem plano é

expressiva e alguns meses os profissionais médicos e enfermeiros não conseguem realizar

visitas a todos da demanda. Outro filho é usuário de drogas e com a ausência da mãe e do

irmão na casa, furtou o computador do irmão e vendeu para alguém da vizinhança, o que

teve grande repercussão na comunidade, tendo em vista que o dono do computador fez

questão de reaver o bem, a pessoa que o comprou ficou com o prejuízo.

Nesse período, em todas as casas dessa vila que visitamos sempre alguém

comentava sobre o ocorrido como se fosse algo íntimo que aconteceu dentro da casa deles.

Algumas pessoas se penalizavam com o estado de saúde da mãe e de o fato agravar ainda

mais, preocupavam-se com o rapaz que fora roubado, pois todos sabem o quanto ele

batalha para ter seus bens, e preocupados também com a situação a qual o outro filho

passa com relação às drogas, pois ali todos se conhecem há muito tempo. Segundo Weber

(1994) a formação de relações comunitárias se caracterizam quando e na medida em que a

atitude na ação social — no caso particular ou em média ou no tipo puro — repousa no

sentimento subjetivo dos participantes de pertencer (afetiva ou tradicionalmente) ao mesmo

grupo (WEBER, 1994, p. 25).

Os moradores da área estudada sentem-se conectados uns aos outros tanto sob o

aspecto de comentários ligados à fofoca, quanto na perspectiva da solidariedade, pois se

consideram pertencentes ao grupo, próximos uns aos outros, mesmo não sendo no aspecto

positivo da afetividade, são ligados ao dar importância ao modo que vivem, o que elas

fazem, como fazem. Dessa forma, o trabalho da ACS é um dos aspectos observados por

muitos moradores da área onde desenvolve suas atividades.

Importante perceber que o ACS não se trata apenas de um profissional que trabalha

na comunidade, ele também é uma pessoa da comunidade e tem acesso a todo tipo de

informação, seja no âmbito da intimidade de uma família ou fatos que sejam do

conhecimento de todos que moram ali. Ele é um amigo, uma pessoa de confiança, é como

se fosse alguém da família, mas também é alguém que sabe demais. Durante o período de

acompanhamento, não tivemos contato com moradores que se identificassem como

contrários ao trabalho da ACS, porém a profissional informou que alguns residentes daquela

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área já manifestaram recusa à visita domiciliar, mesmo sendo um público que se enquadra

dentro dos Programas preconizados pelo Ministério da Saúde. Quando isso acontece, a

ACS solicita ao morador que assine em sua ficha a recusa da visita, dessa forma a Agente

tem como se proteger em caso de denuncias e/ou fiscalização.

A segunda Agente Comunitária de Saúde que tivemos acesso será identificada como

a ACS1, que também trabalha ligada ao mesmo CSF que Hígia, e o tipo de microárea em

que atua também é de risco 4, com características similares a microárea descrita

anteriormente e tem 180 famílias cadastradas. A ACS1 tem 52 anos de idade, passou pelo

mesmo processo seletivo que Hígia.

Eu sempre trabalhei com pessoas, mas eu trabalhei minha vida inteira na parte comercial, lidando com dinheiro, com papéis. [...] O meu último trabalho eu passei 14 anos em uma empresa só, e nos últimos 5 anos eu coordenava uma equipe de umas 30 pessoas. Eu tinha um trabalho muito direcionado para a parte financeira, pra o capital, pro lucro. (ACS1)

Com 35 anos de idade, a terceira entrevistada, denominada ACS2, trabalha há 10

anos nessa função. Quando participou da seleção para Agente Comunitário de Saúde,

estava em busca de emprego e viu a possibilidade de ter um trabalho com estabilidade e a

possibilidade de trabalhar em um lugar que ela conhecia muito bem, pois é moradora local

desde criança. O primeiro modo de contratação foi por uma empresa prestadora de serviço,

conforme as demais profissionais já relatadas.

Pra falar que eu sou apaixonada pelo trabalho, eu não sou. Eu estou mesmo pela parte da estabilidade. É uma categoria que não é valorizada. É uma categoria que é o bode expiatório, ela é muito importante, é a categoria que passa todos os dados que o Ministério da Saúde quer, que a Regional necessita, mas é uma categoria que só é valorizada naquele momento, depois... é isso que não só eu, mas muitos sentem entendeu. Mas mesmo assim eu desenvolvo o trabalho como tem que ser. É um trabalho como outro qualquer: eu tenho que fazer uma coisa e receber um salário por isso. Então se é pra ser assim, eu trabalho. Mas eu sei a importância que tem o trabalho do ACS por isso que fico chateada com a falta de reconhecimento com a gente. Mas é um trabalho como outro, então eu trabalho. (ACS2)

A microárea da profissional é classificada como área de risco 4, igualmente a de

Hígia e da ACS1, como área nobre, mas na prática há imóveis considerados de luxo:

grandes casas que ocupam terrenos extensos, com muros altos com diversos dispositivos

de segurança privada e a maioria dos imóveis obedecem esse padrão. Contudo, existe um

conjunto habitacional com casas voltadas para classes populares, mesmo assim, essa

população não se trata de uma classe pobre. Apesar de os imóveis apresentarem

características mais destinadas às classes populares, a maioria dos habitantes tem

emprego, contam com benefício de plano de saúde, têm automóveis, a área conta com

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saneamento, pavimentação. Essa é a população que mais recepciona a ACS, algumas

vezes, porque necessita mesmo do serviço, mas na maioria das vezes para contribuir com o

desenvolvimento do trabalho da pessoa que eles conhecem desde criança. A área atendida

pela ACS2 tem 370 famílias cadastradas.

Eu vejo que a comunidade aqui não vê aquela importância: “Oh! O agente de saúde!” Eu tenho uma amiga que ela se sente extremamente feliz quando ela vai pra área porque ela trabalha numa área de risco precária com esgoto a céu aberto, e ela diz que o mínimo que ela faz para a comunidade, para eles é importante. E ela sabe que é uma troca. [...] Então para o pessoal da minha área não tem essa importância. Então há realidades e realidades no nosso trabalho para cada área. Na minha área eu não vejo essa importância que eles dão. (ACS2)

Mesmo não sendo possível realizar o acompanhamento do trabalho de uma ACS em

uma área de risco 1, como foi idealizado no desenho metodológico inicial, vimos como

primordial entrevistar, pelo menos, um profissional de uma área com esse tipo de risco para

verificar suas percepções a partir de seu campo de trabalho. Durante a estadia no cotidiano

de trabalho de Hígia, ela sempre mencionava que há uma variação de realidades de acordo

com a área de atuação do ACS. Dessa mesma forma, a ACS2 relatou e exemplificou com

os casos de colegas que trabalham em áreas de risco diferentes da dela, falam como o

trabalho é diferenciado, inclusive no reconhecimento da comunidade para com suas funções

desempenhadas.

Dessa forma, realizamos a entrevista no próprio ambiente de trabalho da ACS para

visualizar e perceber a área onde atuava e assim ter mais propriedade para realizar, pelo

menos, uma breve descrição do lugar. A ACS3 foi a profissional que tivemos acesso em

uma área de risco 1. Conforme classificação das áreas de risco em Fortaleza, esse tipo

caracteriza-se como locais que oferecem maiores riscos ambientais, onde moram os “mais

pobres”, que vivem em condições subumanas, excluídos do sistema de saúde e de outras

políticas públicas (FORTALEZA, 2006). Assim é a micro área atendida pela ACS3 onde tem

280 famílias cadastradas.

Pesquisadora: Como é a área em que você trabalha?

Eu tenho que andar pisando em ovos porque a gente entra de casa em casa e a gente vê como é a situação das famílias. Muitos não tem SANEAR

8, muitos sem

água. As vezes pega uma gambiarra9 da CAGECE

10, aí deixa o dia todinho

8 O SANEAR foi um projeto lançado em 1993 pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará para beneficiar o

Ceará com sistema de esgotamento sanitário. Desde então passou por diversas etapas e ainda há áreas para realizar o atendimento. 9 Forma de ligação clandestina, nesse caso para o fornecimento de água. Dessa forma o consumo não é

registrado e consequentemente não é pago. 10

Companhia de Água e Esgoto do Ceará.

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correndo água frouxa. Não tá pagando! As condições: é verminose, as crianças descalço, cheias de piolho. As mães não cuidam porque muitas são... É como eu digo: pisando em ovos porque é cheio de campo de droga. Tem muita boca de fumo aqui. A gente tem que andar com a boquinha calada. Faz só o trabalho. Viu e esqueceu o que viu. É uma área que sempre ta acontecendo morte por conta de quererem o espaço para trabalhar no negócio das drogas. A gente vê muitas pessoas desempregadas porque muitos vivem do bolsa família. Depois que esse bolsa família aí apareceu eles não se preocupam em trabalhar, se preocupam em gerar filho porque sabem que é um filho a mais pra ganhar um dinheirinho. Quer dizer: gerar, mas não cuidar. Tem muitas crianças fora da escola. Esgoto a céu aberto, canais a céu aberto, lama, entulhos. (ACS3)

Verifica-se que o local não apresenta condições essenciais para os moradores terem

a manutenção de uma vida saudável, como é o caso do saneamento básico. Portanto,

imagina-se que o trabalho de promoção à saúde que a ACS3 desenvolve é bastante

diferenciado das demais que atuam na área de risco tipo 4. Essa população ainda lida com

a vulnerabilidade de estar inserida em uma realidade de vida do crime, como é o caso do

tráfico de drogas. Ademais, um ambiente com tais características requer do profissional um

perfil diferenciado para lidar com as situações que ocorrem no dia-a-dia.

A ACS3 iniciou sua atuação como agente de saúde em outro bairro, na ocasião em

que fora selecionada na primeira vez, em 1995. Anterior a isso, ela desenvolvia atividade

autônoma de cabeleireira e, ao saber da seleção pública, viu a oportunidade de ter uma

renda fixa. Procurando melhorias na remuneração, após quatro anos de trabalho como ACS,

demitiu-se e passou a trabalhar como cobradora em uma empresa de transporte urbano, na

qual passou a ganhar três vezes mais. Passados sete anos, percebeu que os ganhos como

cobradora estavam defasados e viu novamente a oportunidade de participar da seleção

pública para agente de saúde em 2006 em outra área. Dessa forma, submeteu-se à

seleção, porque já havia trabalhado e sabia que se identificava com o serviço.

4.2 Ser agente comunitário de saúde

A partir da convivência com esse profissional no acompanhamento de suas

atividades, tentamos identificar como se processa seu conhecimento a respeito de suas

atividades, como este se relaciona com os conceitos apreendidos ao longo de sua atuação

na Estratégia Saúde da Família.

Conforme Minayo (1998, p. 89), nas Ciências Sociais, as representações sociais “são

definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade”, explicando-a,

justificando-a ou questionando-a. Assim apresentamos a percepção das entrevistadas

referente ao significado de ser agente comunitário de saúde.

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Ser agente de saúde, eu acho assim: a gente tem quer gostar porque é um trabalho as vezes prazeroso pra gente e ao mesmo tempo não, pois tem muitas dificuldades. Porque muitas vezes não tem o retorno que a gente gostaria de dar. Mas pra mim é uma coisa que eu gosto de fazer e a gente consegue ajudar muito a comunidade. Manter um elo com a comunidade e o posto de saúde. E dentro do possível a gente tenta ajudar a comunidade. [...] E o prazer é exatamente quando a gente consegue com que aquela pessoa que a gente acha que poderia desenvolver uma doença mais séria, a gente conseguir que ela faça um tratamento mais rápido possível e ela fique bem. Ou mesmo que ela já tenha o problema, mas que seja encaminhado há tempo e que ela consiga ficar bem. Pra mim é isso. (Hígia)

Bornstein e Stotz (2008), em revisão de literatura sobre as concepções acerca do

trabalho do ACS, relatam sobre essa característica de mediador desenvolvido pelo ACS que

está presente em muitas publicações oficias e artigos científicos. Essa percepção de ser o

elo entre a comunidade e o serviço de saúde esteve presente na fala de todas as agentes

entrevistadas e demais profissionais com os quais conversamos por ocasião da pesquisa.

Interessante observar que essa percepção coloca o ACS em uma posição privilegiada

quando pensamos que ele pode conhecer sua área de atuação e ser o informante para a

equipe que poderá está ávida por conhecimentos sobre aquela população. Contudo, essa

posição também pode trazer muita tensão devido aos desdobramentos que verificaremos

mais a frente.

Observamos, ainda na fala de Hígia, a significação do seu o trabalho ser prazeroso

quando ela consegue ajudar a comunidade que atende. E, no momento em que se

apresentam as dificuldades e não é possível realizar essa ajuda, o trabalho deixa de ter

essa característica de prazer.

Eu me sinto frustrada. O que me frustra muito nessa profissão é você saber que muitos podem fazer muita coisa e não fazem. E os que não tem muita condição de fazer muita coisa como é o caso dos agentes de saúde, cortam suas pernas. Porque você tem muita demanda e você não tem como fazer porque a Regional não ajuda, o coordenador da Unidade também não facilita, então você brinca de fazer saúde. Na verdade são só os números para Regional é só isso. (ACS2)

Em conformidade com o que traz Hígia, a fala acima da ACS2 mostra que, quando

não há a possibilidade de ajudar, para ela é algo mais constante, é motivo para frustração.

Essa concordância de universo físico, social e psicológico estimula o empenho de buscar, propor todo o bem viver desejado para o outro, como para si, numa ampliação profunda das aspirações à satisfação das necessidades, a nível relacional (presença do outro), biológico (espaço de sobrevivência tribal) e sociopolítico (o espaço para todos, em nível institucional). (BACHILLI et al, 2008, p. 57)

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Quanto ao sentimento de impotência e/ou de frustração que permeiam a

subjetividade dos agentes de saúde, Bachilli et al (2008) verificaram que isso ocorre devido

à manutenção de relações muito próximas e profundas com as demais pessoas

pertencentes ao mesmo espaço social, as quais os ACS dirigem suas ações e cuidado, e

que partilham da mesma realidade. Os que “dependem” do seu trabalho não se tratam de

um público que vai a um local solicitar um serviço e fica dias sem procurar novamente, mas

sim de pessoas que estão em constante convívio.

Ser agente de saúde pra mim é lutar pelas condições de melhorias na parte de saúde, na parte do SANEAR, na coleta do lixo. Tinha partes daqui do bairro que não passava a coleta do lixo, então eu liguei lá pro órgão e começou a passar. As vezes não passava e a gente reclamava de novo. E agora passa três vezes por semana. Então isso daí já foi uma melhoria. É lutar pela saúde, que no caso é fazer a prevenção. O agente de saúde trabalha através do argumento. O objetivo é esse: promoção e prevenção pra gente orientar. Ser orientadora de saúde como o planejamento familiar por exemplo. É uma orientação pra evitar que venha... porque na minha área tem muita mocinha com 15, 16 anos... agora teve uma com 13 anos que teve um bebê.(ACS3)

Na perspectiva sociopolítica, podemos verificar, na fala da ACS3, que além de uma

trabalhadora no campo da saúde, ela se percebe também como um agente político que

realiza suas atividades no âmbito da Estratégia Saúde da Família, mas compreende o

conceito de forma completa, pois a promoção à saúde consiste em cuidar não só do

indivíduo, mas também do ambiente em que ele vive.

Tendo em vista que a área da ACS3 é extremamente precária, como vimos

anteriormente na caracterização das áreas, a preocupação dela toma uma dimensão mais

primária, pois a área não conta com saneamento básico. Nesse sentido, vemos como

realmente o trabalho desse profissional toma perspectivas diferentes a partir de sua área de

atuação. A Agente ainda falou da preocupação que tem no tocante ao número de cães e

gatos de rua que desenvolvem doenças e não tem atenção por parte de nenhum órgão do

governo, tanto no que diz respeito ao controle de natalidade desses animais como ao

possível contágio de doenças aos humanos que podem propiciar devido a essa condição.

Eu vejo um trabalho muito importante porque o agente de saúde ele é uma porta de coleta de dados. Ele coleta, ele leva e ele traz. Por exemplo: eu coleto os dados das gestantes, eu conduzo as gestantes até ao posto e aí vamos supor que vá ter uma oficina de gestante, eu vou até aquela gestante, transmitir que vai ter a oficina de gestante, mostrar a importância daquilo para elas. Então é isso: é uma coleta, eu levo e eu trago. A gente acompanha também os hipertensos, os diabéticos e os acamados. Tem o dia da visita que é terça-feira a tarde. Aí nessa hora vem o enfermeiro, o agente de saúde e o médico pra área visitar aquele paciente. As vezes é um pedido de um exame, as vezes é pra passar medicação... e é de três em três meses ou então se necessário, caso o paciente ficou doente em menos meses. Vamos supor: hoje o médico vai e passou pra fazer raio X,

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fazer exame de sangue ou exame disso e daquilo. Pediu a requisição né. Daqui um mês se recebeu o resultado do exame, aí a gente vai e aciona o médico de novo para o médico ir na casa do acamado pra ver o exame e passar o que for pra passar pra ele. Nesse caso de coleta tem o pessoal do posto que também vai coletar. Tem um dia que a moça que faz a coleta vai até a residência do acamado e coleta o sangue, a urina. No caso também de vacinação. Quando tem aquelas campanhas de vacinação a moça vai vacinar o paciente que não pode se conduzir até o posto. (ACS3)

No relato acima, podemos apreciar que a ACS3 percebe seu trabalho como a porta

de entrada para o SUS, conforme os conceitos e preceitos que literatura oficial divulga e

esclarece, tanto sobre a Saúde da Família quanto sobre o trabalho do ACS. Além do mais,

faz a descrição de todas as atividades que realiza para exemplificar a importância de seu

trabalho. Se por um lado ela mantém contato com todas as mazelas da comunidade, ela

também possui domínio de informações importantes que a ACS3 chama de “dados”, e este

conhecimento tanto ajuda no seu desempenho profissional, quanto lhe dar um status de

detentor de informações ninguém mais possui naquela área. Conforme corrobora o

depoimento da coordenadora a seguir:

Então o agente de saúde é esse elo. Eu não sei o que está acontecendo, o território é enorme, tem áreas que é totalmente distante da Unidade, mas a gente tem que dar conta de tudo. Então as informações do que acontece lá, do que é que tem, são eles que têm que trazer essas informações né? São eles que têm que dizer onde a gente tem que levar uma campanha de vacinação, eles que tem que fazer esse link da equipe com o local, com o território da própria equipe que a equipe nem vivencia. (COORDENADORA)

O que define e caracteriza o ACS é seu papel de intermediador entre a comunidade

a qual também pertence e o sistema de saúde. Nesse ofício há pontos que lhes dão prazer,

reconhecimento e satisfação profissional, mas ao mesmo tempo há frustrações relativas ao

exercício de um papel que envolve variados tipos de situações em que a postura profissional

e o cumprimento das metas por vezes, pode ser prejudicial a sua satisfação como pessoa.

De fato a familiaridade com a sua atuação pode ser problemática, dado a tênue linha

que separa o profissional do morador. No entanto, em cidades de grande porte as áreas de

atuação se estendem para além da microárea de seu conhecimento de vizinhança e se

torna um desafio profissional de maior complexidade, comparando-se aqueles ACS que

vivem e trabalham em pequenas comunidades rurais.

4.3 Ser trabalhador e morador da área

Até esse momento, procuramos discutir as questões inerentes às relações íntimas do

ACS com um dos seus locais de trabalho. Falamos, dessa forma, porque esse profissional

não trabalha apenas no território estabelecido e descrito como microárea, como pudemos

ver anteriormente, ele atua além desse campo. Contudo, é na microárea a mais forte

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expressão do desenvolvimento de suas atividades e é nesse lugar também que ele reside,

ou deveria residir,11 portanto esse local é também sua casa, seu pedaço, sua comunidade.

Assim, procuramos examinar a percepção do ACS sobre seu papel enquanto profissional de

saúde na comunidade e como membro desta.

Alencar et al (2012) afirmam que o ACS é um trabalhador sui generis com identidade

comunitária que recebe importantes recompensas de um grupo referência. No tocante a

essa característica profissional do Agente Comunitário de Saúde, Ferreira et al (2009)

relatam que seus processos de trabalho são atravessados por lógicas de vivências da

família tanto no território quanto no domicílio, onde acontecem encontros entre os sujeitos

dessa convivência que sofrem afetamentos, o que exige a produção de diferentes modos e

perfis de cuidar.

Dessa forma, levamos em consideração tanto os depoimentos dos ACS, no

momento das entrevistas e nas conversas informais, quanto os momentos observados

durante o acompanhamento de suas atividades junto à comunidade para verificar a

percepção deles em relação ao exercício de sua função em uma comunidade onde eles

também são moradores.

Tem dois lados. O lado positivo: é porque você passa a conhecer todo mundo, você já conhece, mas você passa a ter um contato, passa a ter confiança. Eles têm uma confiança no Agente de Saúde. Eu acho isso bom. Mas aí tem o lado ruim: porque você fica muito visada, você tem que pensar duas vezes antes do que você vai fazer, porque você é moradora, você é funcionária e todo mundo passa a te conhecer. Então tem um barzinho, você pode ir, mas tem que se moderar porque você é muito visada. No outro dia o pessoal: “Ah! A Fulana, a ACS tava ali as quedas. E as vezes você nem tava.” Então o lado negativo é porque você fica muito visada. (ACS 3).

Ao mesmo tempo em que a proximidade gera confiança, há também a possibilidade

de gerar uma espécie de invasão na privacidade dos vizinhos, principalmente se esse

vizinho é um profissional que tem a característica de atender e adentrar aos domicílios, de

ser conhecido como um servidor que representa uma instituição governamental. O fato da

ACS2 sentir-se visada a faz ter mais precaução no seu modo de ser quando não está em

serviço, e esse receio faz com que ela mantenha sempre o comportamento voltado para o

lado profissional de um trabalhador que necessita ter aquele comportamento e não agir

como um morador normal daquele lugar. Seus modos são mais limitados que dos demais

moradores.

11

Há casos em que o ACS não mora nem na mesma microárea e nem no bairro em que trabalha. São casos muito específicos e isolados, mas houve o relato desse caso e, portanto vimos a necessidade de realizar o registro.

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Ainda com relação a esse aspecto de “sentir-se visado”, Hígia relatou algo que se

encaixa nessa perspectiva. Quando encerrávamos um dos dias de visita, ela me

acompanhou até a parada de ônibus, como de costume. Uma gentileza, já que se

preocupava com o fato de eu andar sozinha nas ruas que ela achava perigosas por conta

dos assaltos que ocorriam ultimamente no bairro. Falei que ia ao shopping que ficava bem

próximo da área onde estávamos. Já era bem próximo da hora do almoço, e a convidei para

almoçar, então ela relatou que não vai ao shopping durante todo o dia. Se tiver que ir a

algum lugar, ela vai somente após as 17h porque houve uma denúncia que ela estava no

shopping no horário de trabalho e o Centro de Saúde fez uma investigação para averiguar.

Ela relatou, no entanto, que estava no shopping na hora do almoço, almoçando como é de

costume de muitos trabalhadores fazer isso. Alguém da área a viu e entendeu que ela

deveria estar na área e não no shopping e a denunciou. Desde então, ela não vai de forma

nenhuma para lugares que possam despertar alguma queixa, pois se sente visada e, para

não ter nenhum tipo de aborrecimento, evita determinadas situações.

Ainda nas conversas com os ACS presentes em uma das reuniões que participamos

no inicio da inserção ao campo, alguns relatam que, na comunidade, existem usuários do

Serviço que podem prejudicar o trabalho do ACS, seja porque há algum tipo de intriga

pessoal ou simplesmente porque as pessoas gostam de ver o profissional em situações

desagradáveis como foi essa enfrentada por Hígia. Tanto Hígia quanto a ACS 1 que

trabalham em equipes de um mesmo Centro de Saúde, e atuam em microáreas bem

próximas uma da outra e ali residem, falam de aspectos positivos de morar próximo ao

trabalho.

Eu acho bom porque eu estou próximo de casa. Quando eu termino de trabalhar eu vou direto pra casa. Se é hora de almoçar, eu vou almoçar em casa. Quando encerra o dia, se eu tiver na área a tarde né, eu vou direto pra casa, não pego ônibus, não pego trânsito, vou andando falando com um e com outro. Isso para mim é muito bom, nem tem nem o que comentar. Eu acho muito bom esse lado. (Hígia)

Também tem a parte de você está perto de casa e se você passar por alguma situação que você precisa ir em casa, você tem essa mobilidade, sabe. Se alguém de casa precisa, se você mesmo adoece, passa mal, ta perto. E também você está próximo de pessoas todas conhecidas, você pode pedir ajuda. Eu por exemplo me dou muito bem com todo mundo, então se eu precisar me sinto amparada mesmo. (ACS1)

Ambas comentam como é vantajoso estar próximo de casa e isso facilita a ida e

vinda ao trabalho. A ACS1 partilha de uma ideia de solidariedade, de amparo por estar perto

de pessoa conhecidas. Nunes et al (2002) ressaltam que é comum, na vivência de trabalho

do agente comunitário de saúde, o desenvolvimento de valores ligadas à solidariedade, à

extensão familiar além da família nuclear, tanto na relação agente/comunidade quanto na

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relação comunidade/agente, quando ocorre manifestações de afetividade chegando a

constituir práticas mais humanas e coletivistas, por isso a ACS1 sente-se tão integrada e

segura no seu espaço de trabalho.

Bauman (2003) diz que em uma comunidade é possível contar com a boa vontade,

com o amparo, caso haja a necessidade, por isso muitas vezes ela representa a impressão

de lugar cálido. Nesse aspecto, é inegável que trabalhar perto de casa tem muitas

vantagens, e a ACS3 partilha da mesma opinião quando se refere à comodidade:

É bom porque é próximo de casa. É bom, é ótimo, eu gosto. As vantagens é porque a gente ta perto de casa. Vamos dizer que se você sentir uma dor de barriga, corre pra casa. (risos). Pode vir pegar um lanche. Chega logo. Se fosse pegar um ônibus, uma hora pra chegar em casa pra almoçar. Perto já não perde tempo. Chegou almoçou, dá pra descansar um pouquinho. São essas vantagens. (ACS3)

Silva e Dalmaso (2002) dizem que o trabalho do ACS ao longo do tempo se

caracterizou pelo cuidado com a comunidade. Essa característica fez com que o trabalho

desse profissional adquirisse o caráter assistencial o que se diferencia e se distancia da

promoção à saúde e que proporciona acontecimentos, como os que a ACS3 relata:

A gente pensa que não ta trabalhando, ta em casa: “Ah! Terminei meu expediente.” Aí as pessoas da área já sabe onde a pessoa mora, vem na porta. Até 8 horas da noite quer saber de uma coisa. Por exemplo: eu passei na casa de uma mulher e avisei sobre o peso

12 do bolsa família: “É tal dia, nota aí no teu

calendário, bota na tua geladeira.” Aí quando dá fé, 8 horas, 9 horas da noite chega na minha porta. As vezes eu to deitada e o meu marido vai ver e diz: “É pra ti.” Essas pessoas, elas não gravam, elas não anotam. Eu sei que pode acontecer com qualquer um de nós, mas é constantemente assim. É assim com quase todos os agentes de saúde: as pessoas vão lá depois do horário de trabalho. Isso me incomoda. (ACS3)

No tocante a esse aspecto da comunidade não perceber quais as tarefas que o

Agente pode realizar e seus horários de trabalho, a ACS2 se posicionou da seguinte forma

perante a comunidade que ela trabalha:

Eu não deixei eles ficarem viciados não. Deixo bem claro pra comunidade quais são minhas atribuições como agente de saúde. Eu não deixo que eles me tratem como o empregadinho deles, que tem que fazer as coisas pra eles. É claro que se houver necessidade eu vou atender, um porque eu escolhi trabalhar nisso e depois pelo lado humano mesmo. Agora coisas que eu vejo que está extrapolando, eu dou um basta mesmo. Eu não deixo eles se viciarem não. Receitas por exemplo, eu sempre deixei claro que eu não arrumo receita, que tem que ir ao posto falar com o médico ou com a enfermeira e somente eles é que podem dar receitas. Esse negócio de está na minha porta por qualquer besteira eu

12

Essa atividade refere-se a atender o público beneficiário do Programa Bolsa Família que necessita de realizar a pesagem mensalmente e essa é uma atribuição da equipe saúde da família. As demais ACS relataram que avisam para os usuários o dia em que essa atividade acontecerá no Centro de Saúde, e nesse caso da equipe que a ACS3 integra, essa atribuição fica sob a responsabilidade dos ACS.

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também já conscientizei, então nesse sentido eu sempre deixo claro. Porque se não tomar uma atitude, eles montam mesmo na gente. (ACS2)

Jardim e Lancman (2009) discutem vários aspectos sobre essa perspectiva do

agente comunitário de saúde ser também morador do local onde trabalha e dizem que esses

profissionais sofrem consequências decorrentes dessa condição. Por vezes, são

consequências positivas e em outras são negativas, como algumas que foram relatadas

pelos profissionais entrevistados para esse estudo. Nunes et al (2002) corrobora neste

sentido:

A entrada no mundo familiar traz inevitavelmente consigo a intimidade das pessoas, o seu mundo privado, e, com ele, novas construções relacionais permeadas de significados e de sentimentos. O fato de ser o ACS um membro da própria comunidade, torna as fronteiras entre ele e os outros habitantes muito mais porosas, criando expectativas e julgamentos específicos e definindo posições e papéis muito particulares. [...] Pode-se pensar que esse modelo relacional condiciona, então, a excessiva valorização dos aspectos afetivos da relação desenvolvida pelos ACS com os moradores, bem como a ênfase que é colocada pelos usuários do PSF em conteúdos ligados à vida pessoal dos agentes, chegando por vezes ao extremo de exercerem um controle social sobre as suas vidas privadas. (p.1644-5).

O fato de o agente está para a comunidade tanto na condição de morador como

também de trabalhador faz com que não haja uma diferenciação entre o sujeito (morador,

pessoa comum) e o agente (trabalhador, representante do serviço de saúde) e com isso não

acontece o distanciamento entre o ato de trabalhar e de morar, já que tudo acontece em um

único espaço (a comunidade). Isso pode implicar em resultados positivos, mas está sujeito

também, como foi visto nos depoimentos, em relações geradoras de tensão que podem ser

prejudiciais para o desenvolvimento do trabalho e para a saúde do trabalhador, já que este

experimenta situações como as denúncias, as procuras por serviço fora do horário, as

invasões de privacidade, dentre outras.

Em estudo realizado em cinco municípios da Bahia, Nunes et al (2002) detectaram

dissabores da relação comunidade/agente comunitário de saúde, identificados por meio de

depoimentos da comunidade em grupos focais, nos quais foi relatado que os conflitos

geralmente acontecem por questões pessoais, e os membros da comunidade envolvidos

nessas situações abdicam dos procedimentos disponíveis no serviço de saúde para não ter

aproximação com o ACS. As autoras falam que essa é a forma não convencional de

resolver o problema, o que indica a necessidade do desenvolvimento de critérios de

avaliação do desempenho dos ACS nesse tipo de relação, porque a comunidade inscreve

esse profissional em uma demanda predominantemente pessoal.

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Nesse aspecto, os ACS entrevistados nessa pesquisa demonstram uma perspectiva

profissional onde estabelecem algumas condições para que desenvolverem suas atividades

sem grandes prejuízos tanto no aspecto profissional, quanto no pessoal. Ainda que existam

relatos de situações delicadas que eles enfrentam, há demonstrações de algumas

superações:

Porque as vezes a gente chega e as pessoas não querem nem lhe ver. É o dia. Então tem dia mesmo que a gente sai mal. Tem dias que eu chego em casa arrasada, porque uma pessoa que sempre me tratava bem e naquele dia me tratou mal. Então pra mim o meu dia acabou, mas eu tento entender. Como eu tenho que retornar e as vezes o usuário realmente não quer e em um outro determinado dia ele chega e lhe chama como se nada tivesse acontecido, e você tem que realmente engolir seu orgulho e seguir. (ACS1)

As vezes eu chegava as pessoas me recebia super bem. Aí quando passava um mês, eu ia lá e a pessoa só faltava me botar pra fora de casa. Isso além de me chatear, me revoltava muito. Então ao longo dos anos eu fui tentando modificar e tentado entender o porquê daquela mudança daquela pessoa. Então muitas vezes é porque aquela pessoa está com muitos problemas em casa com filho, com o marido, com irmão ou de doença ou de dinheiro, então muitas vezes era por essas razões e porque as vezes as pessoas não tem como liberar isso, aí libera na primeira pessoa que vier. Então ao longo dos anos eu fui vendo essa transformação em mim. Fui tentando ficar mais calma, entender mais o outro e eu acredito que foi uma mudança, não necessariamente devido à área, às pessoas, mas que houve essa mudança em mim. (Hígia)

A rejeição à visita domiciliar do agente comunitário de saúde é algo que atinge a

subjetividade do agente. Pela forma como eles narram esse acontecimento, dando o

significado de que todos ali o conhecem como morador do lugar, que sabem sobre seu

trabalho e que essa não aceitação pode repercutir negativamente no resultado do seu

trabalho. No entanto, como os próprios ACS relatam, estão lidando também com outros

sujeitos e suas subjetividades e o fato de superar as adversidades ocorridas demonstra a

capacidade do profissional em lidar com situações específicas dessa profissão sui generis

como dizem Alencar et al (2012).

E também a postura de cada um, porque a gente permeia toda a área, então a gente conhece quase todas as pessoas, então você saber entrar dentro da casa de cada um, que a gente sabe quando tem comunidade principalmente de vila, geralmente eles tem picuinha um com o outro, tem aquelas desavenças que sempre tem. Então a gente sabe que cada casa você ta ali e o que o outro falar vai ficar ali. (Hígia)

É a ética profissional. Jamais a gente vai saber de um problema de um domicilio e chegar duas, três casas depois e falar: “eu acabei de chegar ali e tá acontecendo isso e aquilo outro.” Jamais. É a confiança. Como eu disse a você. Muitas vezes eles confidenciam coisas que a família não sabe. [...] As pessoas as vezes tem um problema com uma irmã ou com alguém dentro de casa. Eu como agente de saúde me dou bem com todas as pessoas da casa e as vezes o filho não fala com mãe, a mãe não fala com filho, mas eu não quero saber disso, eu sou o elo de ligação, o meu trabalho, com todos eles.(ACS1)

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Além da superação, outro aspecto importante relatado pelas ACS participantes é a

percepção da ética profissional como um dos fatores importantes para o bom

desenvolvimento de suas atividades e de bons resultados junto a uma população que nem

sempre partilha de momentos harmoniosos uns com os outros e até mesmo no interior da

mesma família.

No período em que acompanhamos as atividades de Hígia, percebemos que ela se

portava de maneira ética no tocante aos comentários e situações vivenciadas, pois demorou

algum tempo para que ela fizesse algum desabafo. No mais, quando saíamos, ela solicitava

que mantivéssemos sempre uma postura que não sabíamos de nada sobre o assunto se

alguém iniciasse uma conversa narrando o acontecido. Dessa forma, para nós, seria sempre

novidade alguns fatos corriqueiros que aconteciam na área. Percebemos, com isso, que a

maneira de ela se portar em campo faz com que seu trabalho seja respeitado, admirado e

ela seguisse conquistando cada vez mais a confiança dos usuários do serviço de saúde de

sua área, mesmo que eles não acreditem muito, no próprio serviço13.

E as vezes a gente tenta contornar, eu pelo menos tento muito até mesmo na própria casa, dentro da vizinhança, a gente tenta com que eles se entendam. Eu acho que faz parte também do nosso trabalho, agora tem quer ser de uma maneira muito sutil porque a gente não pode dizer o que um diz, o que o outro diz, mas a gente tenta ajeitar pra ver se eles as vezes até se entendam, mas é uma coisa que a gente tem que ter cuidado. (Hígia)

Interessante perceber que Hígia tem conhecimento aprofundado de sua área, dado

que procura tratar de assuntos que possam desencadear desentendimentos com sutileza, e

até se propõe a apaziguar os ânimos, pois sabe que as relações entre a vizinhança e entre

os familiares dos próprios domicílios não são sempre harmoniosas devido às porosidades,

conforme comentam Nunes et al (2002). Durante o acompanhamento que fizemos a Hígia

em campo, a ética profissional era sempre referida, assim como também a menção que o

ACS é representado como um elo entre a comunidade e equipe saúde da família.

Ao término das observações em campo, iniciamos às entrevistas e essa perspectiva

da ética e do elo entre a comunidade e o serviço de saúde se repetiu com as demais ACS

entrevistadas, mesmo estando separadas, mesmo três delas sendo de diferentes áreas. A

constante preocupação das ACS no tocante a ética profissional nos fez refletir que sendo o

elo entre a comunidade a que pertencem e o Sistema de Saúde que as empregam, há que

se manter permanentemente atenção no cotidiano de trabalho, características comuns aos

ACS, que se diferenciam dos demais trabalhadores da equipe por terem a vida laboral e

13

Essa questão da descrença dos usuários na prestação do serviço do SUS é algo muito recorrente, pois as pessoas não acreditam que possa funcionar e embora a ACS se indigne com algumas situações em que reconhece o fracasso do Sistema, apresenta sempre as possibilidades de utilização do serviço como se é pregado na teoria que ela conhece.

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pessoal amalgamadas. Essa concepção tanto é comum a todos os ACS quanto se afirma

como um fator decisivo para sua satisfação e orientação como profissional.

4.4 Organização do trabalho

A Portaria 2.499, de 21 de outubro de 2011, define as atribuições específicas do ACS

dentro da equipe de saúde da família:

I - trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a microárea; II - cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados; III - orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis; IV - realizar atividades programadas e de atenção à demanda espontânea; V - acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade. As visitas deverão ser programadas em conjunto com a equipe, considerando os critérios de risco e vulnerabilidade de modo que famílias com maior necessidade sejam visitadas mais vezes, mantendo como referência a média de 1 (uma) visita/família/mês; VI - desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à UBS, considerando as características e as finalidades do trabalho de acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou coletividade; VII - desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças e agravos e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade, como por exemplo, combate à Dengue, malária, leishmaniose, entre outras, mantendo a equipe informada, principalmente a respeito das situações de risco; e VIII - estar em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações educativas, visando à promoção da saúde, à prevenção das doenças, e ao acompanhamento das pessoas com problemas de saúde, bem como ao acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família ou de qualquer outro programa similar de transferência de renda e enfrentamento de vulnerabilidades implantado pelo Governo Federal, estadual e municipal de acordo com o planejamento da equipe. É permitido ao ACS desenvolver outras atividades nas unidades básicas de saúde, desde que vinculadas às atribuições acima. (BRASIL, 2011, p. 11 e 12).

Conforme a listagem da Portaria referenciada, essas são as atividades preconizadas

pelo Ministério da Saúde que o Agente Comunitário de Saúde deve desenvolver junto à

população que atende. Procuramos saber qual o conhecimento que elas tinham sobre a

preconização do Ministério. A seguir elencaremos as atividades cotidianas desenvolvidas e

descritas pelas ACS participantes da pesquisa, mediante a coleta dos dados por meio do

acompanhamento do cotidiano de trabalho de uma ACS e das narrativas das demais nas

entrevistas realizadas. Isso nos permitiu identificar que na prática ocorrem situações

inusitadas que dinamizam o trabalho dos ACS para além do previsto na Portaria.

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Pudemos perceber, durante o período da pesquisa, que algumas ações são cruciais

e deixam o profissional muito preocupado quando não consegue realizar. Dentre elas,

elencamos algumas em que pudemos acompanhar de perto e entender a importância delas

para o trabalho do ACS, dentro da equipe e também para a Estratégia.

Temos ao acompanhamento à gestante, o acompanhamento a criança até 2 anos de idade, quando a gente vê peso e o desenvolvimento da criança, peso, altura, a vacina, o acompanhamento do diabético, do hipertenso, do hanseniano, caso tenha na área e do tuberculoso. Essas são as preconizadas mesmo, que não pode deixar de ir. E com o PSF tem o acompanhamento dos acamados que pode ser ou não um hipertenso ou diabético, porque no caso dos acamados muda as características, mesmo ele sendo hipertenso ou não, mas se ele for acamado, ele pode ser sequelado de AVC ou de alguma coisa, então tem essa necessidade. (Hígia)

Verificamos que, na fala da Agente, ela diferencia as atividades que são

preconizadas de outras atividades que ela nomeia como sendo do PSF. Outras ACS

também se remeteram a atividades que elas realizam e que são de orientação do Centro de

Saúde ou da Regional, como veremos mais a frente. O que acontece nesse caso é a

adequação do trabalho do ACS frente à demanda de sua área.

Durante os cinco meses em que acompanhamos as atividades de Higia em sua

microárea, verificamos que o carro chefe daquele lugar são os grupos de crianças com

idades de 0 a 2 anos e dos hipertensos e/ou diabéticos. Apenas no último mês,

identificamos uma mulher com um mês de gestação, sendo esse outro grupo de constante

atenção, desde o primeiro mês em que são agendados os atendimentos tanto com o médico

quanto com a enfermeira para a realização do pré-natal.

Visitar as crianças. Saber se os cartões estão em dia. O principal é isso, o carro chefe. Você tem que visitar essas crianças faça chuva ou faça sol. No dia do SIAB você tem que prestar conta de quantas crianças fora vacinadas, quantas crianças estão com os cartões atrasados ou não e por que? Esse é o principal. Mas aí vem o segundo as gestantes. Aí vem as puérperas que são mãezinhas que já tiveram bebê, os hipertensos e diabéticos. Você tem que dar esses números, porque se não der acaba o SIAB. Tem que fazer essas visitas, esses 4 grupos pelos menos. (ACS2)

Na percepção da ACS2, existem quatro grupos que necessitam do desenvolvimento

do seu trabalho junto a eles, contudo, na descrição das atividades na Portaria apresentada,

em nenhum momento há especificidade de trabalhar grupos, mas de considerar critérios de

risco e vulnerabilidade primando por mais atendimento aqueles que mais precisam, de

acordo com o princípio de equidade do SUS.

Dessa forma, para que houvesse melhor organização e dinamização do trabalho da

Estratégia e dos profissionais que nela atuam, incluindo o ACS, essas atividades foram

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dispostas em um cronograma a partir de grupos identificados como mais ou menos

vulneráveis, que serve de parâmetro para a organização do processo de trabalho da equipe

toda e do Centro de Saúde também. A partir dessa organização, a população também se

orienta para acessar o serviço de saúde. Vale ressaltar que, na realidade, nem sempre

acontece o funcionamento como idealizado. Portanto, no discurso de todas as profissionais

que participaram desse estudo, foi peculiar a citação da existência do cronograma que

compreende os programas e os períodos para a organização do serviço.

Esse cronograma é importante porque não é só o cronograma do médico, tem da enfermeira, do dentista, enfim, a equipe toda tem a participação nesse cronograma. Nós temos reuniões semanais com a médica da equipe que ela repassa todos os acontecimentos da área. [...] Já pensou a gente sair na comunidade, ai o povo perguntar qual o dia do pré-natal? E a gente dizer: qualquer um pode ir. Aí hoje a gente diz: quinta-feira a tarde é só pré-natal, a gente sabe quem é a médica, tem o cronograma da enfermeira. Aí o bolsa família, a gente informa: dia tal a tarde é só bolsa família. Quer dizer é uma coisa mais bem orientada, tem um rumo certo para cada coisa. (ACS1)

Para as entrevistadas, essa forma de organização propicia melhor dinâmica no seu

trabalho e também orienta a população atendida, no sentido de se programar para as idas

até o Centro de Saúde, da mesma forma que o trabalho delas na área é direcionado para

um público específico de acordo com o dia, o trabalho dos demais profissionais dentro do

Centro também obedece ao cronograma, conforme mencionou a ACS1. No caso do CSF,

onde a ACS1 trabalha (que é o mesmo que Hígia), toda a equipe se organiza dedicando um

dia para cada grupo.

Na segunda eu tiro só para visitar crianças, verificar os cartões, saber se estão gripadas, se estão com diarreia. Na terça eu tiro só pra visitar idosos e acamados. Agora quinta e sexta eu tiro só para visitar hipertensos e diabéticos porque tem uma demanda maior. Se bem que é mais aquela visita de escuta, não é a visita de orientar porque eles já são bem orientados. Isso tudo na parte da manhã porque na parte da tarde eu aproveito para ir na Unidade repassar para enfermeira ou então tem algum caso extra de alguma violência contra a criança ou contra o idoso eu passo pra ela para ela tomar as providências. Mas também é um trabalho muito flexível. Não é toda semana que eu faço aquilo porque em quatro semanas no mês, nem toda segunda eu saio para visitar as crianças porque se eu já visito na primeira semana e a vacina é mensal ou é semestral aí não tem a necessidade de fazer aquela visita. Aí muitas vezes eu vou para a Unidade de saúde por não ter o que fazer. Por não ter muito trabalho, muita demanda. (ACS2)

Então eu vou de manhã pra área, eu já tenho em mente uma ideia do que eu vou fazer: se é acompanhar hipertenso... Eu gosto de fazer assim: um dia só para os diabéticos. Porque tem pessoas que são diabéticas e hipertensas ao mesmo tempo. Aí eu faço os diabéticos e hipertensos. Aí quando são as gestantes, só gestantes. Quando é peso, é peso. (ACS3)

As falas das ACS2 e ACS3 demonstram como elas se utilizam do cronograma para

organizarem suas tarefas diárias. Relataram, ainda, que a equipe procura seguir a mesma

organização, mas, algumas vezes, os demais profissionais que integram a ESF, sobretudo o

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médico, fazem atendimento a partir da demanda que chega ao Centro de Saúde, e, algumas

vezes, as pessoas tem direito ao agendamento, como é o caso das gestantes, das

puérperas, dos hipertensos e dos diabéticos ao irem ao Centro e não haver mais a vaga

para eles, porque já foram distribuídas as fichas para as pessoas que chegaram antes.

Sobre esse aspecto, a ACS3 critica a forma como é executada a ESF, que, na

opinião dela, deveria dar prioridade às pessoas adscritas aquela área, contudo ela lembra

que o princípio de universalização do SUS reza que todo aquele que procura o Serviço de

Saúde tem que ser atendido. Mesmo assim, ela defende a ideia de a equipe se dedicar

exclusivamente para a população cadastrada e priorizar os agendamentos, pois, quando

acontece de esses usuários não serem atendidos, prejudica a credibilidade do ACS junto à

população.

Quando indagadas sobre o aprendizado dessa forma de organização, as ACS

entrevistadas informaram que no curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde14, foi

repassada a orientação de trabalhar na perspectiva de um cronograma organizado em dias

e programas de atendimento. Vale ressaltar, conforme informações das ACS participantes

desse estudo, que após a seleção pública de 2006, foi ministrada apenas a primeira Etapa

Formativa – Modulo I do referido curso.

Essa organização aprendemos no curso técnico de agente de saúde. [...] Até agora só houve o primeiro curso que foi justamente o que a gente conheceu esse cronograma que na verdade eles se centram muito uma semana só criança, mas a gente sabe que não tem necessidade. Eles dão uma base e você vai trabalhando em cima. Eu tive essa orientação, mas eu mesma faço de acordo com a necessidade da área eu faço o meu trabalho. Mas o curso deu essa orientação. (ACS2)

O trabalho da ACS inicia obrigatoriamente com a assinatura do ponto no Centro de

Saúde, quando em torno de 8h, todos os ACS daquele Centro comparecem ao local. Ali,

eles já resolvem alguma pendência de trabalho, verificam os agendamentos de consultas

dos usuários, conferem a chegada de resultado de algum exame do pessoal da área

atendida por ele, averiguam a situação dos usuários de sua área que estão na fila de espera

para realizar algum exame, consulta ou demais procedimentos e recebem avisos da

supervisão relativos a qualquer atividade destinada ao ACS que geralmente são originadas

na Secretaria Executiva Regional, conhecida popularmente como Regional.

14

O formato do curso é de 3 etapas formativas por módulo com total de 1.200 horas aulas, sendo distribuído da seguinte forma: Etapa Formativa 1 – Módulo I: Perfil Social do Técnico em Agente Comunitário de Saúde e o seu papel no âmbito da equipe multiprofisssional da rede básica do SUS. CH.: 400 horas; Etapa Formativa 2 – Módulo II: Promoção da Saúde e prevenção de doenças dirigidas a indivíduos, grupos específicos e doenças prevalentes. C.H.: 600 horas; e Etapa Formativa 3 – Módulo III: Promoção, prevenção e monitoramento das situações de risco ambiental e sanitária. C.H.: 200 horas. No Ceará a Instituição responsável pelo curso é a Escola de Saúde Pública (ESP-CE).

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A jornada de trabalho de todos os profissionais nas Equipes de Saúde da Família é

de 40 horas semanais, excetuando o profissional médico. Contudo, durante o

acompanhamento de Hígia, ela nos esclareceu que realizava suas visitas entre o horário de

8h ao meio dia, e no período da tarde realizava visitas pontuais, agendadas. Isso devido ao

forte sol da tarde que limitava mais sua ida ao campo nesse horário. Também às tardes, ela

realizava as visitas com os demais membros da equipe da Estratégia ou com a equipe do

NASF15 aos domicílios agendados. Procedimentos em que ela necessitava ir ao Centro de

Saúde, também destinava para esse horário.

As demais ACS afirmaram trabalhar 8 horas diárias e mencionaram que o período da

tarde é destinado aos atendimentos mais pontuais e que não necessitam ficar andando na

área sob o sol, já elas não dispõem de protetor solar e nem guarda sol. Caso queiram usar,

tem que comprar com recurso próprio. E isso, elas disseram, que não o fazem porque o

salário não compensa.

Eu trabalho 4 horas pela manhã e 4 horas a tarde. Começo as visitas depois que saio do posto e vou até a hora do almoço. Vou para casa almoçar, descanso um pouco e volto para área entre 2 e 3 da tarde e faço o restante das visitas. Quando tem peso do bolsa família, eu não vou fazer visita, vou fazer peso. Porque é ordem. Se tiver alguma coisa pra resolver no posto que seja mais demorado, eu deixo pra ir a tarde. (ACS3)

Todos os dias a gente tem a meta a atingir que são 16 casas, mas até o enfermeiro sabe que você não tem condições de atender 8 casas de manhã e 8 casas à tarde porque tem casas que a vista é rápida, mas tem casas que você demora quase uma hora porque você tem que conversar com o idoso e ele fica com aquele necessidade de ser ouvido e você não pode se limitar. (ACS2)

Quanto ao tempo de duração da visita que a ACS2 fez referência, pudemos verificar

também, quando acompanhamos as visitas domiciliares da ACS Hígia. A estadia da ACS

em cada domicílio variava muito. Nas casas em que o usuário demonstrava que necessitava

somente resolver o que a ACS solicitava, a duração era de pelo menos 20 minutos para a

conferência do Cartão da Criança, para acompanhamento do peso e das vacinas, ou para

dar uma orientação, ou saber o resultado da ida do usuário até o Centro de Saúde. Nesse

tempo de estadia na casa, os usuários faziam relatos de inúmeros casos: mau atendimento

no Centro de Saúde; uma viagem perdida, porque o médico não estava no dia agendado

para a consulta; porém, a maioria das queixas se tratava de assuntos ligados ao convívio

diário com familiares e vizinhos, o que ocasionava aos queixosos alguns males que os

15

NASF é a sigla de Núcleo de Apoio à Saúde da Família, criado em 2008 conforme Portaria GM nº 154 do Ministério da Saúde com objetivo de apoiar a Estratégia Saúde da Família no que se refere sua inserção na rede de serviços, na ampliação da abrangência, resolutividade, além dos processos de territorialização e regionalização (BRASIL, 2008).

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faziam ficar tristes e desestimulados com a vida. Nesse sentido, a ACS desenvolvia o papel

de ouvinte muito atenciosa.

Um caso muito marcante foi uma visita que teve duração de aproximadamente uma

hora e meia. Tratava-se da segunda vez que a pesquisadora foi juntamente com a ACS a

essa residência. Na primeira vez, a usuária iniciou a queixa, mas não se estendeu muito.

Contudo, na segunda vez, estava perceptível que ela não suportava mais ficar calada sobre

o seu problema, iniciando o relato logo que chegamos ao portão. “Bom dia, eu queria muito

lhe ver. Eu tô tão mal, tô péssima. Minha glicemia deu altíssima e minha pressão ontem

subiu demais. Hoje eu acordei com uma falta de coragem tão grande...” Adentramos ao

domicílio e a ACS indagou: “O que está acontecendo? A senhora está tomando a

medicação do jeito que o médico passou?” A partir de então, a usuária começou a contar

que os filhos não a visitam e que o marido não lhe dá atenção. Quando os familiares

precisam dela, telefonam avisando que vem almoçar, ou para ficar com algum dos netos,

mas que ninguém a chama para nenhum tipo de lazer e ela se encontra em um estado de

profunda tristeza e desgosto. O marido sai para conversar com os amigos, chega para

almoçar, dorme após o almoço, acorda e sai novamente, mas não faz companhia a ela, nem

conversa, nem a chama para algum tipo de divertimento. Nesse momento, o esposo chega

e ri dizendo que ela reclama demais. Após toda a queixa, a ACS informa que no Centro de

Saúde tem uma especialista em Psiquiatria e que está formando um grupo de pacientes e

pergunta se ela não quer agendar uma consulta com a médica. A senhora aceitou e saímos

de lá com a tarefa de agendar essa consulta.

No dia posterior, quando a ACS foi assinar o ponto no Centro de Saúde já realizou o

agendamento. Ao chegarmos à área, fomos diretamente ao domicílio da usuária dar o

retorno da consulta agendada. Durante o período da pesquisa, foi possível acompanhar um

procedimento com algum tipo de resultado mais imediato relativo o trabalho do ACS naquela

região. Após a consulta fomos à residência da usuária e ela estava contente e com uma

aparência bem melhor do que as duas últimas vezes. Ela pôde se consultar com a

especialista no Centro de Saúde, que foi muito atenciosa com o caso dela e falou que iria

realizar acompanhamento sob a perspectiva do tratamento psiquiátrico com uma medicação

adequada para o quadro em que ela se encontrava, algo que não acontecia na área

anteriormente, por não ter especialista e, quando esses casos são identificados pelo médico

da Equipe, ele encaminha, e o usuário entra para um cadastro, conhecido como fila de

espera. Esse processo pode demorar até anos, e o usuário ainda pode não ser contemplado

com a consulta.

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O que proporcionou aos usuários daquela área ter esse tipo de atendimento foram

dois fatores: a profissional médica da Equipe Saúde da Família ser especialista em

Psiquiatria; e o Centro de Saúde, além de trabalhar com o atendimento em Saúde da

Família, também trabalha com o atendimento especializado em algumas áreas no regime de

atendimento de 20 horas de cada especialista. Dessa forma, a especialista foi convidada

para atuar também lá, o que proporcionou realizar atendimento aos usuários das áreas

atendidas pelo Centro de Saúde, além da área especifica da médica da Equipe Saúde da

Família.

Nesse caso, podemos ver resultados refletidos na vida dos usuários. Interessante

observar a sensibilidade da ACS em identificar que a usuária poderia ser atendida pela

especialista e a forma como foi explanado isso sem que a usuária se sentisse constrangida,

já que existe muito preconceito em relação aos encaminhamentos para psiquiatras.

Contudo, a forma como o ACS conduziu a situação fez a usuária se sentir contemplada, o

que proporcionou resultados positivos em sua vida e, consequentemente, resultados

positivos no tocante ao trabalho da Agente naquela área.

3.4.1 Gestantes e Puericultura

O acompanhamento de gestantes e puérperas está entre as funções dos ACS,

conforme relata uma entrevistada:

Eu acompanho as gestantes. Eu vejo se elas estão sendo acompanhadas, se elas estão querendo ser acompanhadas. Porque tem aquela gestante que se dispersa, que se desestimula. “Ah! Eu não vou porque quando eu chego lá eu não consigo pegar consulta!” Então eu faço esse trabalho. Eu vejo se as vacinas delas estão em dia, se elas realmente tomaram as vacinas em quantidade certa, eu falo sobre a parte da alimentação o que não é bom pra elas comerem. Principalmente no início da gestação, por exemplo: coca-cola, o café, chá escuro e coisas amargas que podem desencadear um aborto. Tá entendendo? Então a partir daí a gente ensina como é para amamentar, a posição certa. Ensina o que ela vai fazer quando o bebê nascer, quais são as primeiras vacinas que o bebê vai tomar, no hospital ou no posto logo que chega da maternidade. A gente ensina como conduzir a assepsia do umbigo, a limpeza do bebê, da língua. Então tudo isso a gente vai ensinando, como banhar o bebê, certos tipos de sabonete de cor pode desencadear uma alergia para a criança, né! A forma de limpar a criança, porque às vezes as mães limpam de traz pra frente né. Então são N coisinhas que a gente ensina pras gestantes. Os exames que ela faz, se ela fez durante a gestação os exames solicitados pela enfermeira e pelo médico, a gente faz oficinas com gestantes também, pra ela ver o vídeo de como o bebê vai nascer, como é que ta se formando, certo, falamos sobre a mama exclusiva. Isso aí e outras coisas mais. (ACS3)

Essa fala demonstra, de forma detalhada, como é o trabalho do ACS junto ao grupo

gestante. Conforme a narrativa da ACS3, os cuidados do programa para com esse grupo

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prevê o início e acompanha todas as etapas da gestação, incluindo a preparação para a

mãe cuidar inicialmente do bebê, incentivo ao aleitamento materno. A proposta que se

apresenta para o acompanhamento desse grupo trata-se do pré-natal e supera o mesmo

procedimento proposto pelo plano de saúde ou até mesmo por médico particular. Segundo

literatura oficial do Ministério da Saúde, o atendimento a esse grupo consiste no

acompanhamento periódico e contínuo de todas as mulheres na gestação e no puerpério, tanto na unidade de saúde como em seu domicílio, visando garantir o seguimento durante toda a gestação, com classificação do risco gestacional na primeira consulta e nas consultas subseqüentes, assegurando esclarecimentos e orientações necessários por meio da realização de ações educativas. (BRASIL, 2005, p. 143)

O puerpério compreende o período após o parto e o acompanhamento acontece na

forma da visita domiciliar do ACS, durante o primeiro mês, à parturiente e ao recém-nascido.

Essa visita é obrigatoriamente feita em conjunto com o profissional enfermeiro e se

necessário, com o profissional médico.

Eu digo pra enfermeira: “Nasceu o bebê de Fulana, vamos agendar a visita.” As visitas do bebê até ele completar um mês que a enfermeira vai visitar, né! Na casa da pessoa. Isso não é 100%, mas acontece, alguns casos isolados, mas acontece. (ACS3)

A ACS3 foi a única profissional que registrou a existência de puérpera em sua área

de atendimento. Conforme ela relatou sobre a população de sua área, as pessoas realizam

o planejamento familiar baseado em gerar filhos para ter direitos aos benefícios do

Programa Bolsa Família, entende-se porque foi mais comum constar puérperas em seu

território, enquanto na área da demais ACS não houve registros.

Com o acompanhamento à puérpera, inicia-se a puericultura que é o

acompanhamento às crianças dentro da faixa etária de 0 a 2 anos.

[...] também tem a parte das crianças, são crianças de 0 A 2 anos que a gente acompanha com relação à vacina. Que é o caso de fazer a puericultura. [...] Então a gente vê o sistema de vacinação, a gente avisa quando vai ter campanha, a gente vê se a criança não está desnutrida, pesa as crianças, tem que pesar. Aí tem casos que a gente perde, porque as vezes por causa da falta uma simples pilha pra balança, aí a gente deixa de pesar. Porque a gente não vai tirar do bolso da gente pra comprar pilha. Sim, aí a gente vê se a criança está desnutrida pra encaminhar pra nutricionista. É isso. (ACS3)

De acordo com o relato anterior, podemos perceber que o acompanhamento à

criança nessa faixa etária se baseia em verificar o peso e a vacinação, que são indicativos

para detectar se a criança pode vir a sofrer algum problema de saúde. Ainda no relato, a

ACS denuncia a falta de estrutura para realizar seu trabalho, pois, em alguns momentos,

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falta pilha para a balança, e ela fica impedida de verificar o peso de suas crianças e também

falou sobre a falta do cartão espelho16.

Outra ACS com bastante experiência em atender esse público é Higia. “Hoje o dia

vai ser dedicado às crianças. Vamos pesar e conferir os cartões de vacina. Hoje é só dos

bebês.”. A primeira semana de acompanhamento do trabalho de Hígia coincidiu ser o

período de visita a esse grupo. Nesse encontro, a ACS estava de posse de uma balança

eletrônica com a função de verificar o peso das crianças. Desde o início do

acompanhamento, prontificamo-nos a ajudar no que fosse necessário, sem que essa ajuda

fosse interferir e/ou mudar o curso e o modo de trabalho do ACS. Uma das tarefas que

assumimos foi ajudar a levar a balança, que era leve, mas ao longo das horas caminhadas

indo de casa em casa, percorrendo diversos caminhos em busca do público a ser visitado,

tornava-se mais pesada.

Passamos em torno de quatro dias seguidos realizando visitas aos domicílios com o

objetivo de verificar peso, vacinas, consultas e todo procedimento que as crianças de 0 a 2

anos passaram durante o mês de referência. Havia aproximadamente umas 40 crianças que

se encaixavam nessa faixa etária e nessa condição de acompanhamento, contudo, nem

todas puderam receber a visita da ACS, o que a deixava apreensiva por não encontrar seu

público. E, como tática para fechar o seu mês de trabalho, ela repetiria os números do mês

anterior.

Houve casos que a residência estava fechada, porque os pais trabalham, e a criança

fica em outra casa longe dali. Nesse caso, os vizinhos já sabem da dinâmica e, às vezes, os

pais deixam o Cartão da Criança eles, e o ACS pode realizar as anotações pertinentes

àquele cadastro. Quando a casa onde a criança está é próxima à área, e a ACS já conhece,

ela se dirige até lá para verificar tudo pessoalmente.

Ocorreram casos, também, em que a criança se encontrava em casa com algum

responsável, que não é a mãe e nem o pai, e não sabia onde estava o Cartão da Criança.

Dessa forma, a ACS verificava o peso, anotava no cartão espelho e solicitava ao

responsável para pegar as demais informações no Cartão e entregar ao ACS no dia

seguinte. As informações pendentes, geralmente, são referentes às vacinas que tomou no

16

Trata-se de um Cartão que fica com o ACS para o monitoramento da situação vacinal, peso, curva de crescimento e demais informações das crianças de sua área, idêntico ao cartão que a família tem em casa. A partir das anotações realizadas ao longo dos atendimentos em equipamentos de saúde, ACS confere a situação da criança por meio das anotações realizadas no cartão e transcreve para o seu (que é o Cartão Espelho) para construir as informações dos cadastros das crianças.

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período, consultas realizadas, resultados de exames. Muitas vezes, não conseguimos pegar

as informações, e o trabalho do mês ficava incompleto, então ela fazia o procedimento de

repetir os dados do mês anterior.

Também há os casos de rejeição da visita domiciliar, o que inclui criança.

Geralmente, esses casos de recusa são porque a família já realizava acompanhamento por

meio de pediatra do plano de saúde. A Agente nos explicou que o acompanhamento do

público dessa faixa etária na área é imprescindível e, quando há uma recusa, é muito ruim,

pois necessita de uma justificativa dessa falta sobre aquela criança, e, nem sempre, as

pessoas que recusam a visita querem assinar a ficha esclarecendo a recusa, o que

resguardaria o profissional.

Antes de acessarmos uma residência, a ACS relatou que essa família já

demonstrava desinteresse em recebê-lo. A família era composta de três integrantes, a avó,

com aproximadamente 50 anos de idade, a filha, 25 anos, e a neta, 8 meses. Foi solicitado

às adultas o cartão da criança para as devidas anotações, e a solicitação foi atendida.

Posteriormente, tratamos de verificar o peso da criança e, como ela não podia ficar de pé

em cima da balança, a mãe pesou-se sozinha e depois pesou-se com a criança no colo.

Após estarmos com todas as informações anotadas, a avó falou: “Eu não sei pra que isso.

Porque a gente tem Unimed, se a gente quiser a ambulância da Unimed vem pegar a gente

na porta. Então não precisa você vir mais aqui não. Tem tanta gente que precisa mais que

nós.” A ACS explicou que as crianças daquela faixa etária, que estivessem na área de

atendimento, deveriam ser visitadas, independente de fazerem o acompanhamento no

Centro de Saúde ou não.

Mas não precisa vir mais não. Eu não quero. Não tem necessidade e nem adianta de nada esse cadastro aí. Quando eu quiser dar as vacinas eu vou no posto e pronto, mas eu não quero mais que você venha porque nem sempre eu to com disposição de vir atender e essa menina é muito chata e quando a mãe dela não ta em casa ela da muito trabalho. Eu não quero que você venha mais não. (Usuária em atendimento).

Reafirmou a avó, chefe do domicílio. Aconteceu um momento de tensão na casa,

porque a filha não concordou com a posição da mãe, no entanto, ficamos completamente

mudos, acatando a decisão, despedimo-nos e saímos da residência. Quando nos

encontrávamos longe da casa, a ACS desabafou: “Você viu? Essa mulher é conhecida. Ela

passa o dia sem fazer nada, só fofocando na rua, mas pra atender a gente é desse jeito.

Isso é o que a gente enfrenta.”.

Nos casos onde a família aceita a visita do ACS, tudo se configura muito

tranquilamente. Chegamos à residência, cumprimentamos os que ali estão, e a família nos

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convida a entrar. A criança geralmente está brincando com os colegas, ou irmãos, no caso

dos maiores de um ano, que já andam, correm até nós. Então, a mãe ou o pai comunica a

chegada da balança. “A tia veio te ver, veio te pesar.” A criança vem correndo satisfeita,

aquele momento é extremamente alegre para ela. A profissional pesa e faz algumas

perguntas a criança para deixá-la à vontade. Como a criança já conhece a ACS, fica

relaxada diante das perguntas. Nas visitas iniciais com a presença da pesquisadora, as

crianças foram as que mais demonstraram estranhamento, escondendo-se por trás do

adulto responsável, olhando sem se aproximar. A ACS apresentou da seguinte forma: “Essa

aqui é uma tia que vai vir comigo durante um tempo para te ver. Ela vai me ajudar a pesar

você, viu. Quando eu vier da outra vez ela vem de novo só pra te ver.” Assim, a criança foi

se aproximando aos poucos e, no mês seguinte, a timidez diminui até que no último mês

eles já haviam se acostumado com a presença da pesquisadora.

Pelo fato de estar mais perto do usuário e perceber algumas diferenças entre o

público de 0 a 2 anos, suscitou à reflexão ao princípio da equidade, um dos pilares do SUS,

que contradiz com essa forma de atendimento baseado somente no limite da faixa etária.

A noção de equidade diz respeito à necessidade de se “tratar desigualmente os desiguais” de modo a se alcançar a igualdade de oportunidades de sobrevivência, de desenvolvimento pessoal e social entre os membros de uma dada sociedade. O ponto de partida da noção de equidade é o reconhecimento da desigualdade entre as pessoas e os grupos sociais e o reconhecimento de que muitas dessas desigualdades são injustas e devem ser superadas. Em saúde, especificamente, as desigualdades sociais se apresentam como desigualdades diante do adoecer e do morrer, reconhecendo-se a possibilidade de redução dessas desigualdades, de modo a garantir condições de vida e saúde mais iguais para todos. (BRASIL, 2007, p, 234).

Essa obrigatoriedade de atendimento exatamente dentro de uma faixa etária, não se

enquadra no princípio de equidade, nem se configura exatamente com promoção à saúde e

prevenção de doenças. Tendo em vista que as crianças que estão sendo acompanhadas,

na medida em que completam dois anos, têm seus acompanhamentos encerrados. Em um

mês, visitamos uma criança e no outro ela já havia completado dois anos, a ACS falou:

“Pronto essa aí eu não preciso mais visitar, não é mais obrigado.” Não há preparação para a

família, nenhuma conversa sobre o fim do acompanhamento, explicando os motivos. Há

casos de famílias que talvez não necessitem mais desse acompanhamento, mas outras

ainda necessitam e, somente porque completaram dois anos, imediatamente saem da linha

de atenção.

Cada caso deveria ser avaliado individualmente, mas até mesmo esse atendimento

personalizado e atencioso é ligeiramente transformado em números quando chega o dia do

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“consolidado”, que se trata, a nosso ver, de uma das atividades mais importantes do ACS,

que será explicado posteriormente. De toda forma, o Programa que abriga os ACS é a

Estratégia Saúde da Família e “família” são todos os sujeitos do domicílio, como podem ser

excluídos alguns integrantes somente porque estão fora de faixa etária prevista? Sob esse

aspecto, a ACS3 nos informou que, por conta própria, ela continua acompanhando as

crianças até os cinco anos:

Eu procuro ver as criança até 5 anos também, porque ainda tem a dose de vacina de 4 a 5 anos que é o esquema de reforço da DTP, da Triplice, então eu costumo ver pra ficar o esquema realmente completo, pra ter o controle porque pode as mães esquecerem, porque elas esquecem mesmo. (ACS3)

Importante verificar o grau de comprometimento dessa profissional com a

área em que ela trabalha, tendo em vista que o próprio programa não obriga que ela

desenvolva o trabalho com crianças acima de 2 anos, mas, mediante sua percepção

sobre a condição de vida da população que ela atende, ela realiza atividades que

não estão previstas em documento, mas se enquadram como sendo preventivas e

de promoção à saúde.

4.4.2 Consolidado e Cadastro dos usuários

Ao chegar o término de cada mês, todas as atenções são voltadas para o

consolidado, que é o agrupamento de todos os dados da área, com informações gerais

sobre os atendimentos. Esse consolidado resulta em saber quantas crianças de 0 a 2 anos

têm na área, quantas grávidas, quantos nascidos vivos ou mortos, quantos óbitos, quantos

hipertensos, quanto diabéticos, se há registros de pessoas com tuberculose ou hanseníase.

É exatamente o apanhado pra consolidar todas essas fichas que são preenchida diariamente. A gente acompanha mensalmente o diabético, pra saber se ele fez aquela consulta naquele mês, porque tem muitos deles que são agendados que vão para o Centro do diabético, então as vezes eles são agendados pra 6 meses. Então o consolidado é isso a gente consolida todos esses dados que foram feitos diariamente ao longo do mês. (ACS 2)

E tem também o acompanhamento dessa parte de internação. A pessoa que se internou, o porque? qual o motivo? Foi por álcool? Foi por drogas? Os óbitos, internação, vacinas da criança, se estão em dia, o cartão, se foram pesadas, acompanhadas todas as crianças, tudo isso aí é um resumo de tudo na área. Quantas visitas foram feitas durante o mês? O total de visita e o total de cadastro. (Hígia)

Essas são as informações que alimentam o banco de dados do Sistema de

Informação da Atenção Básica (SIAB), que tem como objetivo agregar, armazenar e

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processar as informações coletadas por meio da Estratégia Saúde da Família e, como

podemos perceber, o coletor desses dados é ACS.

Pronto. É o consolidado ou SIAB. A gente passa o mês todo fazendo as visitas domiciliares acompanhando crianças menores de 2 anos, idosos acima de 60 anos, acamados independente da idade, gestantes, diabéticos e hipertensos. Pra gente o processo é importante cada dia porque cada dia você vive uma situação diferente, mas para equipe o importante mesmo é o dia 20 que é o dia “D”, que é o dia que a gente presta conta de tudo o que fez, das visitas realizadas, das crianças que nasceram, que faleceram, da gestante que perdeu ou não o bebê, da puérpera... o dia “D” é o dia fundamental para a equipe porque é o dia que você vai dar números para a equipe e para a Regional. Aí nesse dia a gente pega todas as visitas, pega todos os cartões de vacina que estão em dia e leva para enfermeira. (ACS2)

De acordo com essas informações, o Ministério da Saúde programa as tomadas de

decisão no tocante à Atenção Básica em nível nacional e, também, mediante a essas

informações que realiza a gestão financeira da Atenção Básica como um todo (BRASIL,

2003). Contudo, houve a informação de que, quando não é possível realizar todas as

atividades durante o mês, as ACS utilizam a tática da repetição de dados relativos aos

meses anteriores e, diante dessa afirmativa, questionamos sobre a veracidade desses

dados, caso todos os ACS do País se utilizem desse mesmo método.

O cadastro das famílias é realizado nas primeiras visitas que o ACS faz aos

domicílios da área em que ele atua e é realizado por meio de um formulário conhecido como

“Ficha A”, que é a identificação da família, cadastro de todos os membros, para que a

equipe tenha o conhecimento de como vive a sua população adscrita. (BRASIL, 2003).

Cada família tem sua ficha que é a ficha A, que é a ficha de cadastramento que tem o nome das pessoas que residem no domicilio, o nome, a data de nascimento de todas as pessoas, a profissão, se sabe ler, qual os remédios que toma, todos os problemas que tem, tem que é nessa ficha. (ACS1)

A gente faz até censo. Eu digo que é censo, porque a gente vai, eu tenho tantas fichas, o cadastro da família, tem esse cadastro rua por rua. A gente quando entra na área a gente começa pelo cadastro da família: entra na casa, pergunta o nome, a data de nascimento, coloca a idade, o sexo, se é alfabetizado sim ou não, eu coloco que série a pessoa faz. Pergunta a ocupação da pessoa, a doença ou condição referida: se é diabético, se é hipertenso, se é gestante, aí eu coloco aqui né. Aí tem as pessoas de 15 anos ou mais e de 0 a 14 anos. Aí isso daqui, de tempo em tempo a gente atualiza tudo de novo, vai na casa para saber se a pessoa ainda mora lá, se mudou, se chegou mais um pra morar. Com isso a gente vê a distribuição da população por idade e por sexo. Isso aqui é a população geral. (ACS3)

Vemos que os depoimentos das ACS corroboram com a literatura oficial sobre o

cadastro e a atualização dos dados que alimentam o SIAB. Conforme diz a ACS3, além do

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cadastro necessita da atualização, pois, toda mudança que ocorrer na área, é necessário

que seja realizada a atualização no banco de dados. Dessa forma, o ACS deve ficar atento

às mudanças todos os dias e, muitas vezes, os moradores passam as informações de novos

moradores, mudanças de casa, novos integrantes em um domicílio. Essa dinâmica foi

possível ser observada durante a estadia no campo com a ACS Hígia.

Em setembro de 2012, visitamos todas as residências da microárea de sua atuação,

com a finalidade de atualizar os cadastros, que segundo Hígia, foi uma tarefa designada

pela Secretaria Executiva Regional e se caracterizava como obrigatória. Devido a isso,

acessamos todas as residências que tinham pessoas em casa, mesmo que não estivessem

inseridas em um dos grupos preconizados. A finalidade era saber quantas pessoas moram

em cada domicílio, se houve aumento ou diminuição de moradores, incluindo grupos

prioritários, como os já explanados anteriormente, ou seja, fazer um apanhado geral da área

para ter o total conhecimento dos residentes. Esse procedimento é realizado pelo menos

uma vez a cada semestre, de acordo com o relato da ACS e é realizado exatamente como

diz a literatura oficial.

Durante a visita de atualização do cadastro, quando havia novos moradores, a ACS

informava a eles: os documentos necessários para levar ao Centro de Saúde; como

acontecia o atendimento, que iniciava pelo acolhimento, para identificar os casos que

poderiam ser atendidos no Centro ou encaminhados para outro lugar; os dias específicos

para cada programa; os horários de funcionamento17; e, até mesmo, a forma de lidar com as

informações que são dadas pelos funcionários. Em 2006, a Secretaria Municipal de Saúde

de Fortaleza (SMS) implantou o acolhimento como dispositivo de mudança na recepção dos

usuários do Sistema de Saúde em todos os equipamentos de Saúde vinculados ao

Município, tendo em vista a Política Nacional de Humanização (PNH), proposta pelo

Ministério da Saúde, que prima em transmitir valores humanos nas práticas de saúde

(FORTALEZA, 2006; ANDRADE et al, 2008).

Mesmo com essa perspectiva, há muita reclamação do atendimento realizado pelos

trabalhadores dos Centros de Saúde, Unidades Básicas de Saúde, todos conhecidos

popularmente como Postos de Saúde. A ACS que acompanhamos relatou que os ACS têm

um tipo de treinamento, no qual priorizam o usuário, considerando que o mais importante é

esclarecê-lo, de modo que não exista nenhuma dúvida acerca da informação que receber.

Nesse sentido, a equipe de Saúde da Família também partilha desse tipo de atendimento,

17

Nesse período, alguns Centros de Saúde e Unidades Básicas contavam com o atendimento no 3º turno, que compreendia o horário de 17h às 21h, e o Centro de Saúde, que a ACS acompanhada estava ligada mantinha esse turno. A partir de maio de 2013, foi cancelado o terceiro turno de todos os Centros e Unidades.

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contudo, na ida desse usuário ao Posto, ele se depara com funcionários que nem sempre

tiveram o mesmo treinamento, ou ainda não desenvolveram a habilidade de trabalhar na

perspectiva do acolhimento humanizado. No momento em que o usuário se depara com o

mau atendimento nas unidades, há uma espécie de revolta com o Sistema de Saúde e,

quem recebe todas as queixas e, em alguns casos, o mau tratamento de volta, é o ACS, que

vai até a casa de cada usuário. Portanto, a ACS previne os usuários também com relação

ao comportamento de alguns funcionários do Centro que ele frequenta ou frequentará.

4.4.3 Acompanhamento aos hipertensos e diabéticos

Assim como os demais grupos relatados até o momento, as ACS estabelecem

alguns dias para realizar a visita aos hipertensos e diabéticos. Esse público é composto por

pessoas que sempre estão em casa, muito receptíveis à visita e a todas as perguntas feitas.

Somente não realizam todas as solicitações do Programa e, quanto a isso, eles têm

bastante convicção que estão agindo corretamente.

Aí vem o hipertenso que a gente fala como é a alimentação, também que é importante evitar o sal, a gordura. A gente vê se o hipertenso foi à consulta, se ele tá sendo acompanhado, se ele tá tomando a medicação né! Também do diabético da mesma forma, no caso deles a gente trabalha pra ele ter cuidado no consumo do açúcar, se o diabético tá sendo acompanhado. As vezes a gente faz oficina com eles se enturmarem né, para aprender mais coisas. (ACS3)

Nosso trabalho é isso ai. Explicar principalmente para o hipertenso: “diminua o sal, diminua a gordura, faça caminhada.” São conselhos que a gente faz assim. E os diabéticos: “evite os doces, evite sal.” “Porque eu tenho diabetes, tem dias de ela chegar la ... minha diabete ontem deu quase 400.” Quando eu olho ta la o vidrinho de rapadura quebrado em cima da mesa. Então a rapadura aqui. “O que é isso?” “Ai, não é.” “Então quem é que ta comendo essa rapadura?” As pessoas trabalham fora, aquela rapadura que tava ali, ta acabando, ta entendendo. Ai ela pega e se abre: “É realmente sou eu que to comendo a rapadura.” “Num pode comer rapadura, num pode fazer isso.” As vezes a gente tem que aconselhar, pedir, e tem caso que eu tenho que pedir. A prevenção é isso. Até a rapadura tirada é prevenção, tudo isso aí é prevenção. (ACS1)

Os depoimentos deixam muito claro como o ACS desenvolve o trabalho junto a esse

grupo. Apesar de ser um público receptivo, nem sempre está de acordo em seguir as

orientações que são ações preventivas. Essa mesma característica foi observada durante a

pesquisa de campo. Não verificamos pessoalmente a rejeição desse grupo à visita de Hígia,

mas ela nos mostrou dois domicílios, informando que as famílias recusaram a visita, pois

todos já eram assistidos pelo plano de saúde.

Quando há casos morar na casa uma criança entre 0 a 2 anos e um adulto que seja

hipertenso e/ou diabético, a ACS já realiza todo o atendimento. Para esse tipo de

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atendimento, identificamos dois casos durante a pesquisa de campo na área da ACS

referida. Na visita aos hipertensos e diabéticos, a ACS leva consigo a ficha de adscrição do

domicílio, na qual constam os dados de todos os residentes e indaga sobre os que se

encaixam dentro do perfil atendido naquele dia. Pergunta sobre a última verificação da

pressão arterial, caso haja alguma mudança, apaga o anterior e anota as informações

atualizadas, juntamente com a data em que foi dada a informação.

Para o público de diabéticos e hipertensos, há o procedimento de agendamento de

consulta, realizado pelo ACS tanto para o atendimento do profissional médico, quanto com o

profissional enfermeiro e com o ACS para fazer o acompanhamento da medicação, realizar

exames periódicos, verificar a pressão arterial e identificar a participação em palestras sobre

hábitos saudáveis. A parte que compreende as palestras fica a cargo dos ACS, que fazem

uma programação para reunir em um ponto comum o contingente relacionado a esse

público que é atendido pelo Centro de Saúde. Eles organizam a programação, chamam

parceiros para falar sobre hábitos saudáveis, tirar dívidas do público e dos familiares e,

dessa, forma realizem essas atividades pelo menos uma vez a cada semestre.

As consultas são realizadas com o profissional médico pelo menos de três em três

meses e/ou todos os meses, dependendo do caso. Então, na visita é indagado ao usuário

sobre a consulta, qual medicação foi mantida, qual foi trocada, se realizou algum exame,

qual o resultado, quais a orientações dos profissionais em relação aquele caso específico.

Posteriormente, pergunta como ele está se sentindo com relação à medicação que toma,

como está realizando a alimentação, os exercícios físicos, o lazer, dentre outras questões

relacionadas ao modo de vida daquele paciente diabético e/ou hipertenso. Todas essas

informações são anotadas na ficha de cadastro do domicílio no campo relacionado àquele

usuário. Essas informações também farão parte dos dados gerais que alimentarão o banco

de dados SIAB.

O público descrito como diabético e/ou hipertenso, em sua maioria apresentam os

dois problemas de saúde, raramente sofrendo de um desses isoladamente. Como já foi

relatado anteriormente, há muita resistência desse público com relação à forma de se

alimentar, pois mantém hábitos que não são apropriados para a sua condição de saúde.

Não se trata da maioria, mas há muitos casos de total aceitação do tratamento e das

terapias indicadas e o que se percebe é que tem bons resultados. Contudo, existem muitas

realidades diferentes. As pessoas que visitamos e que têm entre 50 e 60 anos ainda

apresentam uma rotina bastante corrida, mesmo sendo diagnosticados como hipertensos

e/ou diabéticos, desenvolvem um volume de tarefas bastante cansativo como cuidar da

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casa, tanto na limpeza quanto da preparação dos alimentos, cuidar de netos, cuidar de

animais domésticos dos filhos, que não estão em casa e deixam a cargo do pai ou da mãe.

Registramos o caso de uma senhora que chorou durante nossa visita, porque a filha

mantinha uma família de 4 dobermanns, sendo a mãe e 3 filhotes, dentro de uma casa com

sala, quarto e cozinha. O quarto que era da dona do domicílio foi destinado para filha com

os cachorros, enquanto a senhora passava a noite na sala, onde os cachorros utilizavam

para urinar e defecar, com isso ela não dorme direito. Pela manhã, a filha sai para trabalhar

e deixa a mãe cuidando dos quatro animais, que passam o dia agitados por não ter um lugar

para brincar, já que a residência é muito pequena, com muitos móveis já destruídos pelos

cachorros. No dia da visita, ela estava muito apreensiva e muito aflita por ter que cuidar dos

animais, que ela não escolheu ter. A ACS, no entanto, aconselhou para que ela falasse com

a filha para conseguir um lugar para criar os cachorros, que aquele ambiente era prejudicial

para eles, já que se tratava de animais de grande porte e precisam de espaço. A senhora,

contudo, informou-nos que não tinha coragem de desapontar a filha, porque ela sempre

sonhou em ter aqueles animais. Esse impasse a deixava emocionalmente frágil, o que

resultava em sintomas desfavoráveis a sua saúde.

Outro caso peculiar foi de uma senhora que mantinha constante desentendimento

com a vizinha, que criava gatos. A senhora cuidadora dos gatos não se enquadra em

nenhum tipo de atendimento prioritário, como os diabéticos ou hipertensos, e, no período da

manhã, quando passávamos no local, ela nunca estava em casa. Os gatos sempre estavam

em casa e na casa da vizinha que é hipertensa e diabética, que sempre reclamou sobre o

fato de os gatos migrarem constantemente para sua casa e prejudicar seu telhado. Diante

das reclamações, a ACS tenta amenizar, mas longe dalí, confessa que não pode fazer nada

e que os desentendimentos são prejudiciais para a saúde da usuária, mas que não pode

impedir a outra moradora de criar os gatos.

Em geral as visitas são tranquilas, o público é receptivo e trata a profissional como

uma velha conhecida. Oferecem água, café e, algumas vezes, lanche, falam dos

desentendimentos com os vizinhos, sobre a vida de toda a família, até de quem não mora

na casa, sentem-se bastante a vontade para falar coisas de âmbito mais íntimo e “não

fizeram cerimônia” durante o período em que a pesquisadora estava acompanhando a ACS.

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4.4.4 Atendimentos adicionais do cotidiano de trabalho

O agendamento é um procedimento em que o ACS verifica na área o público que

necessita do atendimento específico, direciona-se ao Centro de Saúde e agenda o

atendimento com o médico ou enfermeira, dependendo do caso. Os casos que podem ter

agendamento são: atendimento para o grupo hipertenso e/ou diabético; pré-natal; puérpera;

mulheres para realizar o exame de prevenção de câncer ginecológico; e, no caso específico

desse Centro de Saúde em que Hígia e a ACS1 trabalham, também realizava o

agendamento para a especialidade de Psiquiatria.

As ações educativas que a Portaria trata consistem na constante orientação

realizada pelo ACS durante as visitas domiciliares, como vimos na apresentação ao longo

desse capítulo, das atividades desenvolvidas por esse profissional. Essas orientações se

classificam como ações educativas no âmbito do domicilio e individual.

E o resto é educação que a gente dar, que a gente fala em geral de todas as doenças, higiene pessoal, higiene da casa, realmente é informativo, acompanhamento e informação, nosso trabalho é o eixo central é isso ai. (Hígia)

Mas também há as ações educativas coletivas, que também são atribuições que o

ACS deve realizar junto à comunidade. Geralmente, são encontros com a população para

discussão de algum tema, que pode ser geral, como a prevenção a dengue, no caso de

Fortaleza nos últimos anos. Também podem abordar assuntos mais específicos aos grupos,

como pode ser observado nas falas a seguir:

Nunca mais nós tivemos essas atividades, mas tem também e inclusive é do próprio Ministério, do Programa que e pra gente dar palestras ou no Centro de Saúde ou em um local dentro da comunidade. Já faz algum tempo que a gente não vem exercendo essas atividades, mas a gente já teve. (Hígia)

Reúne gestante, diabéticos... a gente vai na área e comunica as pessoas que vai haver uma roda de gestante, ai a gente faz o máximo possível. Eles são muitos renitentes pra vir a uma palestra, geralmente se você comunicar 20 e vier 10, vem estourando. Nós fizemos uma palestra pra diabéticos acho que vieram 9 diabéticos de todas as microáreas. Já realizamos diário de DST, de dengue juntamente com os educadores sanitarista a gente faz em Associações, em algum colégio, escolhinha, creche, onde puder fazer. (ACS1)

As demais ACS entrevistadas deram informações similares aos relatos anteriores e

disseram, ainda, que, dependendo da temática, pode ser em um local mais próximo da

comunidade, como em escola ou associação no caso de necessitar de maior mobilização.

Quando se trata dos grupos ligados aos programas, como as gestantes, por exemplo, a

orientação é levar o grupo para mais próximo da equipe proporcionando, dessa forma, maior

contato do grupo com os demais profissionais. Sob esse aspecto, vemos que as ACS

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entrevistadas desenvolvem as ações que integram a equipe e a população adscrita a essa

equipe, como preconiza o Ministério da Saúde.

No início dos contatos com o Centro de Saúde que Hígia trabalha, participamos de

uma reunião na qual a médica da equipe solicitou aos ACS a mobilização de todas as

gestantes atendidas pelas duas equipes existentes no Centro. O objetivo era marcar

reuniões mensais para falar sobre alimentação, cuidados com o corpo, depressão pós-parto,

ou seja, trabalhar diversas informações pertinentes ao grupo. O intuito da médica era que

todos os integrantes das duas equipes participassem das reuniões, repassando os

conhecimentos de cada profissional e, também, trazer profissionais de outras áreas que

pudessem contribuir com o grupo no sentido da promoção da saúde dessas mães e bebês.

Outra atividade citada pelas ACS foi a busca ativa, que implica em estar atento a

todos os acontecimentos de sua área, buscando alguma gestante até então não identificada,

se houve algum óbito, nascimento, internação, dentre outros.

A gente tem que fazer a busca constantemente porque aqui tem muita casa alugada, a gente pensa que a pessoa ta morando, de repente daqui a um mês já não tá mais, já tem é outra família. As vezes ali não tinha uma gestante,mas pra aquela nova que ta morando ali já tem uma gestante. (ACS3)

Também fazer busca ativa de gestantes que não são da nossa microárea, mas isso já é uma coisa que não é específico do Ministério da Saúde, é específico da equipe e do PSF. (Hígia)

A busca ativa de vacina, busca ativa de exames, porque muita gente vem pro posto de saúde faz a consulta entra na fila de espera do exame e não acompanha. As vezes sai algum e os meninos que trabalham na recepção repassam pra gente o que o exame foi marcado e pede pra gente informar o usuário. [...] Digamos uma pessoa que veio fazer um exame de prevenção que de repente deu positivo, então a gente também faz uma busca ativa porque as vezes ela vem fazer, mas como infelizmente demora muito o resultado, nem sempre quando sai o resultado. [...] Então as vezes dá um exame desse positivo, então a gente vai fazer essa busca ativa pra ela vim no posto de saúde falar com a médica. Então também tem essa busca ativa de ver quem foi vacinado, no caso quando tem campanha de vacina, a gente vai atrás dos idosos, das crianças que ainda não tomaram vacina. (ACS1)

Além de identificar os casos, o ACS precisa encaminhá-los para o procedimento

necessário, que, no caso do público que não recebeu a vacina, identificar e fazê-los receber

a vacina. Outro caso é buscar os usuários referidos nos exames realizados no Centro de

Saúde, como foi o exemplo citado pela ACS1.

As entrevistadas ainda relataram que, quando há casos de tuberculose e hanseníase

na área e os usuários abandonam o tratamento, é atribuição delas buscar esses casos e,

em conjunto com a equipe, convencer o usuário retornar e concluir o tratamento. Foi

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mencionado pelas participantes que a busca ativa não se trata de uma atividade

preconizada pelo Ministério, que é específico da equipe. Contudo, dentre as atribuições do

ACS descritas na Portaria 2.499, no item VIII, diz que o ACS deve manter contato

permanente com as famílias acompanhando as pessoas com problemas de saúde e

desenvolver ações educativas que visem à promoção da saúde e à prevenção de doenças.

O trabalho do ACS é supervisionado mediante acompanhamento de um mapa de

visitas que é preenchido em campo, e solicitado à pessoa que atendeu ao ACS que assine,

fazendo constar que recebeu aquela visita.

Diariamente nós temos que preencher uma listagem de visitas e essa visita tem que ser assinada pelo usuário, independente do que for essa visita se for diabetes, gestante, hipertesos, bolsa família, enfim, você chegou naquele local, você tem uma comunicação pra fazer ali, tem um trabalho a fazer, então essa listagem é assinada. (Hígia)

Todo dia que a gente faz a visita a gente pede a assinatura do dono da casa ou do paciente, ele assina e a gente leva para o enfermeiro. Só que a gente leva no dia 20, no dia do consolidado. Aí é quando ele vai olhando todas as fichas e carimbando. (ACS2)

No acompanhamento ao trabalho de Hígia, pudemos verificar esse procedimento em

todos os domicílios que visitamos. Quando acontece de a agente ir mais de uma vez no mês

no mesmo domicílio, porém, ela não pede para o usuário assinar o mapa, pois, segundo

orientação da enfermeira, é preciso registrar somente uma visita por mês. Quando indagada

sobre o porquê de não solicitar a assinatura do usuário para todas as visitas, ela não soube

responder. Para atender esse questionamento, verificamos junto à coordenadora durante a

entrevista realizada.

Não existe fiscalização do trabalho do agente. É só para ter uma proteção até mesmo para eles. Porque se eles estiverem ali, fizeram o registro. Se alguém vier reclamar que ele não passou, a gente tem como provar que ele foi. (Coordenadora)

Pesquisadora: Já que se trata de um registro, por que não pedir a assinatura todas as vezes que ele for a casa?

Essa é a orientação que recebemos da Regional. (Coordenadora)

Interessante observar que existe um dispositivo que identifica a visita realizada pelo

ACS aos domicílios por meio da assinatura do usuário que o recebeu. Quando o ACS

retorna ao mesmo domicílio, durante o mesmo mês, ele está exercendo uma atividade

laboral e, algumas vezes, são visitas demoradas, como pudemos acompanhar na pesquisa

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de campo. Intriga-nos o fato de não haver registro para esse retorno sem uma explicação

plausível.

Quanto às atividades ligadas ao Programa Bolsa Família, essas foram citadas nas

entrevistas, porém, com algumas diferenças. Hígia, ACS1 e ACS2 visitam obrigatoriamente

o público da área que está inscrito no Programa e avisa que eles necessitam se dirigir até o

Centro de Saúde para realizar os procedimentos necessários. Já no caso da ACS3, a

atividade é outra, como ela descreve em seu relato:

A gente também acompanha o peso do bolsa-família e isso tira a gente da área. É uma coisa que eu particularmente não concordo, a gente ta fazendo o serviço de alguém. Se existe bolsa-família é para ter alguém do órgão do bolsa-familia pra fazer esse tipo de coisa.

Pesquisadora: E o que é que vocês fazem para o bolsa-família?

A gente vai pesar essas pessoas certo? E preencher uma ficha, o mapa do bolsa-família e preencher, colocar o NIS, o nome da pessoa, se aquela pessoa é titular do cartão né! E das pessoas que são dependentes. Pesa aquelas pessoas, vê se tá gestante... a gente vai pra um local. Antes a gente fazia isso no colégio, agora nós estamos lá no meio da rua, outra coisa que eu não concordo. Nós estamos embaixo de uma tenda acolá, quando chove ninguém faz porque não tem como fazer porque a gente não vai botar a balança dentro de uma poça de água, aí não faz naquele dia, porque são de 15 em 15 dias. E de 15 em 15 dias é com as gestantes, toda quarta-feira a gente faz isso. A gente preenche essa ficha, manda para o posto, do posto manda para a Regional, então o peso é isso. A gente sai divulgando quando é que vai ter, porque tem um período que tem férias, que para um mês. Aí quando começa a gente sai nas casas avisando. Isso é outro trabalho que a gente faz porta a porta: “Olha pessoal tal dia vai ter peso do bolsa-família, então é isso!

Aí é como eu tava te dizendo: fica no meio da rua, é sujeito vir um carro, porque é mesmo na ponta de uma avenida. Se vier um carro desgovernado? Se acontecer um tiroteio? Porque isso acontece aqui. É outro risco né? Mas assim a gente vai, eu vou.

Pesquisadora: Esse trabalho do bolsa-família é determinado por quem?quem manda vocês fazerem?

Na realidade quem manda a gente fazer é o posto de saúde, a enfermeira. Eu não sei se eles são mandados para o agente de pelo estado fazer esse tipo de trabalho. No caso aqui da nossa regional, se eles mandam a enfermeira da gente mandar a gente fazer isso. (ACS3)

Como vimos anteriormente nas atribuições que são preconizadas pelo Ministério da

Saúde, o ACS deve realizar o acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa

Família ou de outro programa de qualquer instância governamental que seja de

transferência de renda e/ou de enfrentamento de vulnerabilidades, conforme o planejamento

da equipe (BRASIL, 2011). O fato é que há um diferencial no tipo de atuação entre as ACS

que entrevistamos, sendo que o planejamento realizado pela equipe da ACS3 condiciona os

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agentes a realizar uma atividade que os próprios profissionais ficam em situação vulnerável

e em péssimas condições de trabalho.

No que se refere às condições de trabalho, a coordenadora entrevistada percebe que

existem fatores que influenciam de forma negativa para execução do trabalho do ACS,

inclusive fatos que foram relatados pelas ACS participantes, como é o caso da falta de apoio

da gestão municipal:

Eu acho que é o apoio da própria prefeitura. Agora por exemplo: eles estão sem fardamento, sem crachá de identificação para entrar nas casas, o protetor solar porque eles andam muito no sol. Acho que é um apoio institucional para que ele tenha direitos de algumas coisas que lhe protegesse como um trabalhador da saúde que precisa de uma certa proteção. Como ele está na rua, ele não tem a proteção de uma estrutura física, o trabalho dele é na rua, batendo palma nas casas. Eles reclamam porque as vezes as pessoas não os deixam entrar porque eles não tem um fardamento, não tem um crachá, uma documentação que comprove que ele está ali trabalhando, então eles precisam disso. Eles também precisam de mais treinamento sobre doenças crônicas que são mais esses tipos que a gente tem aqui na nossa área. Como são as orientações para os diabéticos, para os hipertensos, eles têm várias dúvidas com relação a isso. Eu acho que a Secretaria de Saúde precisa estimular mais, fazer mais treinamentos. Eu acho que isso facilitaria o trabalho deles. Eles precisam de ter melhores condições de trabalho mesmo. (Coordenadora)

Quanto à falta de material para execução do trabalho, as ACS fizeram diversas

referências, indicando com um dos pontos cruciais que dificultam sua atuação. Outro ponto

crítico é em relação à própria formação como aponta o relato anterior e, como já foi

explanado, as ACS não foram contempladas com o curso Técnico em sua totalidade, pois

tiveram apenas o primeiro módulo desde a seleção pública do ano de 2006. Ademais, a

educação permanente dos profissionais é um dos princípios para o fortalecimento da

Atenção Básica (SILVA, 2011).

4.5 Influências na organização do trabalho do ACS

Nesse tópico, veremos os fatores que influenciam na organização do trabalho do

ACS, tanto do ponto de vista positivo quanto negativo a partir da percepção das agentes

entrevistadas para essa pesquisa.

4.5.1 Forma de contratação

A vinculação institucional a qual é submetido o agente comunitário de saúde está

sempre posta em discussão, tanto nos estudos realizados sobre o tema Saúde da Família,

como nos movimentos que reivindicam melhorias das condições de trabalho para este

público e ainda entre gestores e entidades trabalhistas. Conforme a Lei 10.507/2002 (artigo

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4º) e a Portaria 1.886/1997 (no subitem 7.6 do Anexo I) preveem que o ACS presta seus

serviços ao gestor local do SUS que é a Secretaria Municipal de Saúde, e sua remuneração

é de responsabilidade desse gestor. A partir disso, existe uma variação no que se refere ao

tipo de vínculo empregatício desse profissional, que pode ser celetista18, estatutário19 ou sob

o regime de cooperativas e associações comunitárias (NOGUEIRA et al, 2000).

Em 06 de novembro de 2012, a Câmara Municipal de Fortaleza aprovou o Projeto de

Lei que confere a opção de mudança de regime jurídico tanto aos ACS quanto aos Agentes

de Combate às Endemias. Conforme redação da mensagem enviada pela prefeita Luizianne

Lins, em 25 de outubro de 2012, os trabalhadores dessas categorias teriam o prazo de até

30 dias após a publicação da Lei, para optar entre o regime celetista e estatutário (DIÁRIO

DO NORDESTE, 2012).

Essa mudança foi resultado de revindicações feitas ao longo de muitos anos e foi

encarada como uma grande conquista da categoria, que envolve movimentos de ACS de

todo o país. As informantes deste estudo perceberam com o vínculo empregatício, um dos

fatores que influenciam no trabalho realizado.

Agora de novembro pra dezembro nós passamos para o regime estatutário pela Prefeitura mesmo. Isso daí foi uma coisa que ajudou muito na autoestima. Agora nós temos IPM

20. Antes a gente dependia do posto, ficava na fila de espera, a

gente não tem prioridade dentro do posto. Pra gente marcar uma consulta tem que ficar na fila de espera igual a qualquer usuário. Quer dizer, eu tinha né porque agora eu tenho o IPM. A gente debatia assim: “Porque ao invés da gente ta na área, a gente ta ficando no posto, numa fila esperando a hora de ser atendida.” Porque a gente ta doente e precisa saber o que tem. Eu já cheguei a chorar lá no posto por isso, mas graças a Deus tivemos essa conquista. Essa conquista foi através de greves, a gente já vem batalhando mesmo. Todos os ACS de Fortaleza e do interior também passaram para o regime estatutário. (ACS3)

O fato de ser um funcionário público é percebido pelas entrevistadas como um fator

positivo para o trabalho, já que elas sentem-se em uma situação estável, permitindo maior

segurança para executar suas atividades.

18

Que tem vínculo laboral que se rege pela Consolidação das Leis do Trabalho, norma legislativa brasileira relativa ao direito do trabalho (disponível em http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=celetista, acesso em 01/09/2013). 19

Que tem vínculo laboral que obedece a estatuto próprio do serviço público onde exerce a profissão (disponível em http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=estatut%C3%A1rio, acesso em 01/09/2013).

20

O Instituto de Previdência do Município de Fortaleza (IPM) é um órgão autárquico com personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, criado pela Lei Nº 676, de 10 de Agosto de 1953, publicada no dia 13 de agosto de 1953 no Diário Oficial do Município. Tem por objetivo proporcionar assistência à saúde aos servidores do município de Fortaleza. Tem, também por finalidade garantir os seus segurados e dependentes, os direitos à Previdência Social nos termos definidos na Lei Nº 8.388 de 14 de Dezembro de 1999 c/c a Lei Nº 8.409 de 24 de Dezembro de 1999. Informações captadas na webpage do Instituto no endereço: http://www.fortaleza.ce.gov.br/ipm/o-instituto, acesso em 31/07/2013.

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A gente ter essa conquista nos deixa até mais motivados a trabalhar porque a gente se sente segura, sabe que de uma hora pra outra a gente não vai ficar sem emprego, sabe que tem alguma segurança e também tem o beneficio de ter um plano de saúde que não é tão bom, mas que a gente tem mais programação para fazer um tratamento num especialista por exemplo. Antes a gente não tinha. (Hígia)

Hoje eu me sinto um pouco mais valorizada. É como se finalmente tivessem reconhecido nosso valor. Pois a gente trabalha há tanto tempo sem ter nenhuma garantia. Quer dizer, se a gente fosse demitido tinha os direitos, mas agora é diferente, a gente tem mais garantias e ser reconhecido como um funcionário público e poder ter plano de carreira que a agora a gente tem, é diferente. Não é muita coisa não, mas a gente já se sente mais valorizado e isso repercute no nosso trabalho porque agora a gente sabe que está mais seguro com relação ao nosso emprego e isso todo mundo que trabalha quer. (ACS1)

Conforme o depoimento, nota-se que, além da forma de vinculação, outros fatores se

acrescentam, como os benefícios com assistência médica e previdenciária e a promessa de

participarem de um plano de cargos e carreira que proporciona determinado conforto para o

futuro:

Com esse plano [plano de cargos e carreira, a gente fica mais seguro de que quando a gente for se aposentar, ter condições mais dignas, do nosso salário acompanhar as condições do tempo de serviço, porque a gente num trabalhou? Então a gente merece. (ACS1)

Verificamos nos depoimentos acima que as profissionais veem no vínculo

empregatício por meio do regime estatutário, o reconhecimento profissional. Mesmo que

essa decisão não tenha sido tomada de forma espontânea por parte do empregador, essa

vinculação confere às ACS, motivação que se caracteriza como instigadora para

desenvolver suas ações continuamente com mais qualidade, tendo em vista a satisfação de

ter um emprego estável e com algumas garantias que outrora não existiam. Por ocasião

dessa recente conquista, as profissionais entrevistadas relatam essa condição como um

fator de satisfação, que influencia diretamente no seu cotidiano de trabalho, porém existem

outros fatores que também contribuem positiva e negativamente para o desenvolvimento de

suas atividades.

4.5.2 Atendimento no Centro de Saúde

Como já foi visto ao longo desse trabalho, o agente comunitário de saúde está

inserido em uma equipe saúde da família, que trabalha atendendo uma população adscrita à

unidade básica de saúde (UBS) específica, contudo, primando os princípios do SUS. No

decorrer dos anos, a nomenclatura das Unidades se alteraram para Unidade Básica de

Saúde da Família (UBASF), Centro de Saúde da Família (CSF), dentre outros. Atualmente,

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coexistem ainda muitos tipos, porém, o Ministério da Saúde trabalha a unificação das

definições para o lugar que sedia a equipe saúde da família para a nomenclatura de Centro

Saúde da Família (CSF).

A equipe saúde da família é formada por profissionais que tiveram um tipo de

treinamento mais especificado para trabalhar com essa política, no entanto, outros

profissionais já trabalhavam nessas unidades sob outra perspectiva de atendimento. Em

2004, o Ministério da Saúde implantou a Política Nacional de Humanização (PNH) com

objetivo de tornar o atendimento mais humanizado ao usuário que procura os serviços do

SUS, no sentido de orientá-lo e direcioná-lo para o atendimento específico de sua real

necessidade e, dessa forma, manter a organização no ambiente daquela instância de

atendimento (BRASIL, 2007b).

Essa definição é algo que está no plano teórico da política de humanização. Mesmo

sendo implantada em diversos níveis de atenção à saúde no SUS, há muitas reclamações

da resistência de trabalhadores que já tinham hábitos de trabalhar numa outra perspectiva e,

por conta disso, não desenvolvem o atendimento, como prima a PNH, o que proporciona

choque entre o atendimento da equipe (que, em geral, já está engajada na perspectiva da

humanização) e a antiga forma de atender. Esse é considerado, pelas ACS entrevistadas,

como um dos fatores que influenciam negativamente no trabalho do agente.

Infelizmente tem a parte ruim do lado de cá [se referindo ao Centro de Saúde]. Nós como agente saúde somos o elo entre a comunidade e o posto de saúde, então nós levamos para a comunidade toda a informação do posto e trazemos da comunidade para o posto a informação das pessoas. São pessoas muito necessitadas, principalmente a parte humana, humanização. As pessoas lá dizem: “vocês nos tratam de um jeito e quando a gente chega no posto o tratamento é outro.” Isso daí é muito importante porque no posto já existe o acolhimento, mas o acolhimento humano, num é só chegar, vê e pronto: “vá pra lá.” Não. É saber ouvir, saber entender, cada caso é um caso. Então isso aí é importante essa parte aí. (ACS1)

Falta para o servidor mais cursos de humanização, de atendimento para passar esse olhar, para ele tentar entender que as vezes quando você se coloca no lugar do outro, eu acho que é isso que a gente faz muito no nosso trabalho... [...] Porque talvez as pessoas já vem com uma certa agressividade e o funcionário as vezes retribui. Ou ele talvez com os problemas dele, já chegue no trabalho desgostoso do dia. E eu acho que no posto é geral. (Hígia)

Percebemos que em seu depoimento, Hígia aponta a falta de cursos de capacitação

para os servidores na área de humanização. Essa tarefa é algo que deve ser providenciado

e planejado pelo gestor local, no caso, o coordenador do Centro de Saúde. A forma de

tratamento ao usuário pode implicar em uma descontinuação do trabalho do agente de

saúde, tendo em vista que este trabalha com a orientação, com o “argumento”, e, na

realidade das entrevistadas, o fato de o atendimento no Centro de Saúde não ser adequado

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com a política de humanização implica no afastamento do usuário, e isso. para quem

trabalha com promoção à saúde, que é maior objetivo da atenção básica, acaba se tornando

um contrassenso manter o mau atendimento ao usuário.

A gente faz todo o trabalho de conscientização, de orientação. As vezes as pessoas são resistentes, não querem fazer as orientações dos programas, aí a gente vai lá nas casas, fala, agenda o atendimento, aí quando eles chegam no posto recebe uma patata. Pra gente fica até mais difícil convencer as pessoas mais uma vez, fica mais difícil do que da primeira vez. Se a pessoa não quer fazer como é o caso de uma gestante: se ela não quer fazer o pré-natal, aí a gente convence que é importante que ela tem que vir, etc. Ela vem e é tratada mal, fica mais difícil dessa aí voltar, fazer o que a gente ta pedindo. Aí digamos que ela não faça o pré-natal e chegue ao conhecimento da coordenação do posto, quem vai ser penalizado é o agente dela que não fez ela vir. Aí digamos que Deus defenda uma gestante dessa chegue a óbito e a coordenação sabe, vai os dados pro Ministério de um óbito. Menino é sério, mas as pessoas não pensam assim por isso que é difícil. (ACS3)

O que parece ser algo simples e corriqueiro pode incorrer, como prevê a ACS3, em

algo muito sério, que, do ponto de vista humano, pode ser a perda de uma vida; e, do ponto

de vista da avaliação de uma política que prima pela promoção à saúde, um óbito pode vir

denunciar a negligência do serviço. Durante a participação de uma reunião com a equipe

presenciamos a preocupação da enfermeira, que é a supervisora do trabalho do ACS, em

dar conta dos diversos casos da área.

Pessoal está faltando gestante para o pré-natal. A gente tem X gestantes cadastradas e não tá vindo esse pessoal fazer. Vocês tem que trazer essas gestantes. Ta faltando as crianças para vir pra vacinas e Fulano, informaram que na tua área tem uma gestante nova, você já falou com ela? Não doutora, eu ainda não encontrei essa gestante não. Pois procure e traga ela para fazer o pré-natal. Veja direitinho. Gente, temos que correr atrás. Não vamos deixar nossos casos sem o atendimento. (Enfermeira)

A queixa da ACS3 acontece, pois existe uma preocupação latente em relação ao

cumprimento das atividades da equipe saúde da família, que temos como exemplo o

acompanhamento das gestantes por meio do pré-natal, em que a atividade de orientação do

ACS é fundamental para que o usuário desse programa vá até ao Centro de Saúde realizar

os procedimentos específicos. Verificamos que, além da estrutura das redes de atenção

estabelecidas para atendimento do SUS, é fundamental a percepção dos diversos

integrantes dessa rede no tocante à cooperação para que haja o funcionamento. Percebe-se

pelo relato da ACS3 que no momento em que acontece uma comunicação inadequada todo

o trabalho realizado ao longo de um tempo pode ficar perdido, sem utilidade.

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Apesar de que, existem pessoas no posto que são elogiadas pela comunidade. “Fulano de tal esta lá ainda? Ah! Essa pessoa é maravilhosa! Trata todo mundo bem, Atende muito bem. Encaminha. Se não tem o que a gente quer no dia, explica porque não tem.” É como ela disse: é saber dar um não. (ACS1)

As pessoas do posto tem tentado acolher mais, tem sido mais receptivas com a comunidade. [...] Os próprios funcionários, eu já noto uma diferença, mas eu acho que tem algumas resistências ainda, principalmente os funcionários mais antigos. (Hígia)

Mesmo havendo reclamação em relação a esse fator, as ACS reconhecem os

esforços dos funcionários do Centro de Saúde em atender melhor à população e, quando há

o bom atendimento, a notícia repercute e é relatada pela população com o devido

reconhecimento desta.

4.5.3 A Equipe Saúde da Família

Outro fator considerado pelas entrevistadas como influência na organização do

trabalho realizado por elas é o relacionamento com os demais profissionais da equipe e a

atuação destes dentro dos preceitos da Estratégia. Araújo e Rocha (2007) dizem que há

duas formas de ver a equipe saúde da família: 1) apenas como um agrupamento de

pessoas que agem individualmente; 2) grupo que interage nas suas relações práticas em

busca de possíveis soluções para os problemas identificados. A segunda forma é

considerada desejável para a consolidação dos objetivos da Política de Atenção Básica para

a ESF (BRAND et al, 2010).

Pesquisadora: Como é o trabalho em equipe?

Equipe entre aspas porque isso é tudo fachada. Não existe essa história de “a equipe”. Porque pelo menos na minha Unidade é assim: o agente de saúde se senta com a enfermeira. Eu nunca tive uma reunião que fosse com a equipe: dentista, auxiliar, enfermeira e o médico, não. (ACS2)

O relato acima demonstra o exemplo real da desarticulação do trabalho em equipe, o

que pode gerar insatisfação dos profissionais que desejam manter a interação com os

demais no intuito de um trabalho em conjunto e de modo a interferir na resolução de

problemas/necessidades dos usuários, o que afeta diretamente os resultados da política de

saúde e causa impacto no trabalho do agente de saúde. Na medida em que essa

desarticulação se apresenta, há o desestímulo da profissional em realizar suas atividades,

porque não tem ajuda da própria equipe no momento em que precisa e nem sempre ela

pode alcançar resultados apenas realizando o seu trabalho.

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Verifica-se, ainda, que a equipe saúde da família, caracterizada pela composição de

um médico, um enfermeiro, um cirurgião dentista, um técnico em saúde bucal e um

auxiliar/técnico de enfermagem, no caso da ACS2, não trabalham de forma integrada, a

ponto de a profissional identificar a equipe como apenas sendo os ACS e a enfermeira. A

ACS3 ainda identifica algo mais, como a falta de interação do médico com a equipe:

Os médicos não ficam no posto para cumprir o horário deles, para se reunir com a equipe, para discutir os problemas com a equipe. Eles chegam atendem e vão embora. Então isso no meu entender não é saúde da família, é outro tipo de atendimento, mas não é saúde da família. Eu acho que deveria ter pessoas específicas só pra isso. Eles não deveriam ter outro trabalho lá fora. Médico nenhum passa o horário que é pra passar. Nem dentro de posto, nem dentro de hospital. Não passa. (ACS3)

A queixa da agente é pelo fato de haver uma proposta de atendimento dentro da

saúde da família, mas que na realidade dela não acontece, justamente porque não há

coesão na equipe, já que um dos integrantes realiza o atendimento à demanda que chega

ao Centro de Saúde e que ainda não obedece aos pressupostos da estratégia saúde da

família.

Agora nós temos uma médica muito boa, ela é uma pessoa que sabe realmente acolher o paciente. A nossa enfermeira também é muito boa nessa parte. Digamos que as coisas não dão mais certo porque não depende só da gente,da equipe, né. Mas assim a equipe trabalha muito dentro do que o PSF diz, todo mundo é interessado em trabalhar direito pra ver os resultados e a gente percebe isso na população que a gente atende. A coordenação também tem maior interesse, só que nem tudo depende da equipe e nem da coordenação do posto. Mas eu não tenho do que me queixar da minha equipe. Nossa médica é maravilhosa, nossa dentista também, a enfermeira. Tudo é bom. Só tem os probleminhas do pessoal do posto né e as coisas que não depende de nós. (Hígia)

No caso de Hígia, percebe-se uma equipe coesa que trabalha em conjunto e com

preocupação em resolver os problemas que surgem. Por haver essa interação, o agente de

saúde sente-se mais seguro para desempenhar seu trabalho, pois sabe que pode ser

compreendido, amparado, e a equipe se preocupa com os problemas que ele enfrenta ou

possivelmente pode vir a enfrentar.

No relato de Hígia não percebemos a horizontalização das relações (FERREIRA et

al, 2009) entre os diversos profissionais integrantes da equipe saúde da família, pois a

demonstração do sentido de coesão da equipe os fazem partilhar o ambiente de trabalho e

não somente estabelecer hierarquias funcionais. Ferreira et al (2009) ainda falam que,

quando a equipe se apresenta dessa forma, ampliam-se os espaços de compartilhamento

da gestão do cuidado com a população adscrita por todos os integrantes.

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A nossa equipe trabalha muito junto. Eu acho que isso ajuda muito no meu trabalho porque eu sinto que existe atenção da parte da nossa médica e da nossa enfermeira. O dentista é um pouco mais afastado, mas ele também participa das reuniões e dá a opinião dele, as sugestões... Quando eu preciso de algo que dependa tanto da enfermeira quanto da médica, elas estão sempre a postos para me ajudar, para discutir a melhor forma de fazer o que é preciso... eu sinto apoio. (ACS1)

Como veremos a seguir, o ACS conta com alguns fatores que influenciam

negativamente o seu trabalho, portanto, contar com o apoio da equipe representa um fator

positivo. No caso onde todos os integrantes têm os mesmos objetivos e vislumbram os

mesmos resultados, o ACS não se sente sozinho para enfrentar as dificuldades, pois essas

podem ser compartilhadas em conjunto com a equipe, tendo em vista que tudo o que é

possível realizar, a equipe realiza e o que não podem, esbarra somente nas deficiências do

sistema de saúde.

4.5.4 Dificuldades enfrentadas no trabalho dos ACS

Quanto aos fatores que influenciam de forma negativa o trabalho do ACS, as

profissionais entrevistadas apontam como um dos mais críticos a falta de respostas aos

encaminhamentos realizados para os serviços especializados, dificultado, dessa forma, o

seu papel de mediador junto à comunidade, resultando na descrença da população atendida

em seu trabalho e no desestímulo do profissional para o desempenho de suas ações.

É o retorno que está um pouco deficiente, principalmente por conta mais dos exames dos especialistas e as vezes e por conta de algumas pessoas dentro do posto não ser tão comprometidas. [...] Mas realmente acho que a maior dificuldade pra o nosso trabalho é que não tem retorno para população, principalmente para aqueles que precisam de encaminhamento para outros especialistas que é difícil. Exames que eles também necessitam que não tem esse retorno. As vezes demora demais no atendimento especializado. Digamos que as vezes tem uma pessoa que tem um problema de saúde sério e quando ele precisa do especialista, demora em média uns 4 meses. Tem mulheres que precisam fazer um exame de monografia demora de 3 meses a mais. Essa e a maior dificuldade de um agente de saúde. (Hígia)

Porque a população precisa de resultados. De uma consulta com um especialista, de um resultado de um exame, de ter o remédio que ele toma, de ter profissional para atender, de atendimento digno. Essas coisas que a gente leva um atendimento que eles gostam, mas quando chega a hora de ele vir ao posto não é da mesma forma e quando eles precisam de um atendimento mais especializado para o caso deles, o sistema de saúde não tem. (ACS3)

Conforme vimos anteriormente, foi relatado que o atendimento dentro do Centro de

Saúde não é adequado, o que se confirma no depoimento da ACS3, acrescentado o fato de

que na sua área de atuação, ela também enfrenta fatores negativos como a “não resposta”

ao usuário no tocante aos exames e às consultas de especialista, solicitados pela equipe.

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A falta de estrutura física do Centro de Saúde, de material, medicamento e

equipamentos que o usuário necessita a partir da identificação do seu problema, como é o

exemplo do aparelho auditivo citado pela ACS1 e da cadeira de rodas, pela ACS2,

contribuem para verificar que o sistema de saúde se encontra deficitário e na medida em

que um programa considerado pelo SUS como a sua porta de entrada detecta tais

necessidades e essas não sendo atendidas provoca a descrença personalizada no agente,

que serve de elo entre a comunidade e o serviço de saúde.

A falta de estrutura física e a falta de material: remédio, autorização, exames que demora muito o retorno. Autorização de um aparelho, por exemplo: um aparelho auditivo. Eu tenho uma paciente que está com quase 2 anos esperando uma autorização para um aparelho auditivo. Essa pessoa já foi pra outro lado não pode mais esperar, a audição é uma coisa importante, não pode ficar parado. (ACS1)

Um idoso acamado que você vê e a enfermeira também vê que tem a necessidade de uma cadeira de rodas e a necessidade de tais medicamentos e não são liberados pela farmácia, mas pelo CAPS e você vê que é muita burocracia para se conseguir aquilo. Aí a família tem que fazer toda uma documentação, tem que mandar pra outro órgão e gasta um tempo que você vê que tem que ser pra ontem. Ou então ele precisa de ajuda de fisioterapeuta e a gente não tem como conseguir porque tem que ir para fila de espera, tem que ver se tem vaga no sistema para ele ser atendido. Então você se sente impotente e você faz a visita mesmo só pra perguntar e aí como está? Mas você se sente impotente que não pode fazer nada. Algo que poderia até melhorar a situação daquela pessoa que necessita, mas são coisas que depende do macro e não do micro. (ACS2)

A nossa área aqui é uma área com muito idoso e os idosos têm essa necessidade da visita domiciliar que infelizmente ainda é insuficiente porque a médica não consegue dar conta porque são muitos programas e o número de hipertenso é imenso aqui na nossa área e de diabéticos também. Então é insuficiente uma equipe só para a população dessa área e ainda tem muita área descoberta. E principalmente por eles acharem que não somos uma área de risco, não temos tantos problemas como uma área de risco, mas o número de idoso aqui é uma coisa imensa, então eu acho que está faltando eles verem esse lado porque os critérios que eles usam, o PSF, usa de botar essas equipes é mais pelos riscos de enchentes, mas eles estão esquecendo que a população está envelhecendo, então tem muitos idosos que a família não tem como levar ao médico. Então os familiares ficam nos cobrando e a gente vai dizendo que logo que a gente tem tudo na programação e assim que der a gente realiza a visita com a médica e a enfermeira. (Hígia)

Igualmente aos demais procedimentos que são prometidos pela Estratégia, que são

conhecidos pelo usuário, e que não são concretizados, como é o caso aqui citado da visita

domiciliar da equipe às pessoas acamadas, fica a reclamação para o representante da

equipe que está constantemente em campo, o que o faz passar por constrangimentos.

Contudo, apesar das reclamações, Hígia mencionou que em sua área existe muita

compreensão por parte da população, o que a deixa feliz pelo fato de a comunidade

entender que a realização daquela atividade não depende da vontade apenas do ACS e sim

da disposição de um sistema. Mesmo assim, sente a impotência por estar inserida em uma

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política que poderia realizar as atividades que estão previstas, mas que não realiza.

Mesmo insatisfeitos com incapacidade do sistema em concretizar o que foi previsto,

há o reconhecimento de algumas ações realizadas, como a disposição de transporte para

realizar as visitas domiciliares no caso da ACS2:

A facilidade por conta do carro que a Regional disponibiliza quando é pra visitar idosos. Tem os dias da semana que a Regional manda um carro. Porque é até um critério dos enfermeiros de fazer as visitas aos acamados somente em transporte público, eles não podem ir até a residência do usuário nem a pé e nem no carro próprio, aí há essa facilidade de eles mandarem o carro e a gente fazer a visita domiciliar junto com a enfermeira. (ACS2)

Como poderemos ver no depoimento da ACS3, a seguir, o mesmo não acontece

quando a equipe necessita de transporte para realizar atividade similar. O fato é que se trata

de um mesmo município, mas o território se encontra sob administração de Secretarias

Executivas Regionais (SER) diferentes, o que mostra que a gestão é algo que pode

proporcionar tipos de qualidades diferentes nos serviços prestados pela Estratégia. Até

mesmo dentro do território de uma mesma Regional, dois Centros de Saúde podem atuar

diferentemente a partir da forma de cada coordenação trabalhar, como já foi visto ao longo

desse trabalho nos depoimentos das entrevistadas.

Algumas coisas ficam a desejar até por conta mesmo das condições de se conduzir para a visita da equipe aos acamados, porque o carro da Prefeitura tem a quilometragem pra rodar, uma coisa controlada. A gente só pode percorrer tantos quilômetros. Então o médico não vem a pé não. Tem que vir de carro, esse carro que a Prefeitura manda. Porque até o médico tem medo de entrar com seu carro, de ser roubado, ser assaltado. Os médicos tem medo, os enfermeiros. (ACS3)

Do ponto de vista da população atendida, as entrevistadas apresentaram como um

dos fatores de influência negativa no trabalho delas é o fato de os usuários rejeitarem o

acesso do ACS às suas casas, o que se constitui um impedimento do profissional trabalhar,

já que a essência do trabalho do ACS é a realização da visita domiciliar.

A dificuldade na área é quando as pessoas não quererem atender, porque tem algumas que ainda tem alguma resistência. Tem mães que não querem que a gente acompanhe, porque as vezes não dá a vacina da criança. Então as vezes não quer dizer que não, mas você vai lá duas, três vezes atrás do cartão da criança e a mãe diz que ta com o pai, que deixou na casa da avó, então tem essa dificuldade assim e tem outras que realmente diz que não quer. Eles acham que é desnecessário, porque na maioria das vezes a gente não ta levando nada de material digamos assim, porque a comunidade tem muito isso, porque as vezes eles querem que a gente dê uma medicação ou quer que a gente marque uma consulta que também não é a nossa função, fazer medição de pressão que também não é o nosso caso. Então como a nossa parte é mais de informação, mais de educação, então tem muita gente que acha desnecessário a visita mensal da gente, tem essa resistência, mas em geral eu sou bem atendida, graças a Deus. (Hígia)

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Existe dificuldade quando o dono da casa está com o humor diferenciado ai não atende, bota um pouco de complicação, aí pede pra gente voltar depois aí a gente volta no horário que ele pediu aí ele diz que não está afim de lhe atender e pede pra voltar outro dia. A dificuldade mais é em relação à família, do humor da família, não é em relação ao trabalho. Eu enfrento isso demais porque minha área tem parte que é considerada nobre e você ter que fazer esse levantamento de quantas pessoas moram na casa de hipertenso e diabéticos, quando você vai fazer a rotina mensal, aquela família vê que aquilo ali não tem necessidade pra eles, que tem plano de saúde.(ACS2)

Conforme as entrevistadas, a rejeição à visita do agente acontece por motivos

variados. O principal é simplesmente o fato de o morador não querer atender, mas tem os

casos em que os usuários não realizam determinados procedimentos, como as mães que

não levam as crianças para vacinar, o que é identificado pelo trabalho do ACS ser visitas

mensalmente às residências e acompanhar esse grupo.

Outro fator muito importante apontado pela gestora, no que se refere à rejeição às

visitas domiciliares dos ACS, é o fato de Fortaleza ser um grande centro e estar inserido em

um cenário de violência urbana, e quanto a esse aspecto ela faz uma comparação entre o

mesmo profissional que trabalha em Fortaleza e em municípios menores:

E em uma capital como Fortaleza, até com a própria violência urbana mesmo né, as pessoas são mais arredias, são sem confiança. Porque as pessoas vivem com medo, de portão trancado. A gente tem notícias de pessoas que até se passam de agentes de saúde pra roubar, diferente do interior porque lhe conhece e sabe que bem ali é a casa do agente de saúde. E todo mundo tem aquela referência, se quer alguma coisa vai lá e já sabe. Mas aqui não é bem assim. (Coordenadora).

Tendo em vista que o ACS trabalha com orientação e pouco pode ajudar em outros

aspectos, até porque muitas vezes nem mesmo o sistema de saúde disponibiliza o que o

usuário necessita, há casos em que a população quer trocar a visita do agente por algo mais

concreto para ele, como a marcação de uma consulta, medicação, favores, dentre outros.

Quanto a esse comportamento da população, a gestora entrevistada mencionou que o fato

de Fortaleza ter mais disponibilidade de informação, acaba que as orientações levadas pelo

ACS não são recebidas como importantes, enquanto se observa o contrário em um

município de pequeno porte, por exemplo. Dessa forma os moradores da Capital, projetam

para o ACS outros interesses que não são suas atribuições, mas que podem ser efetuadas

como favores.

Talvez eles achem que o trabalho do agente de saúde não tenha tanta relevância. Por que o que eles querem do agente de saúde? Quer saber como é que marca, onde é que está o especialista, quando é que ele vem pro médico, a consulta, o dentista, a prótese, o CEO. Até a própria rede de atenção, eles terminam levando as informações pras pessoas: qual o dia que o médico atende? [...] mas eu acho que no interior, o trabalho do agente de saúde é mais valorizado pela população porque tem mais carência por esse tipo de informação. (Coordenadora).

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A visita domiciliar se caracteriza como a essência do trabalho do agente comunitário

de saúde, imagina-se que a não realização dessa atividade possa acarretar em algum

prejuízo para o profissional, porém é sabido tanto pela gestão local, a coordenação do

Centro de Saúde, quanto pelos gestores da Regional, que acontece a rejeição por parte da

população. A indicação é que o ACS tente convencer o usuário a lhe receber e informar

sempre que não puder adentrar algum domicílio, pois, dessa forma, pode se resguardar

contra denúncias.

E quando há essa rejeição como é que vocês fazem? Aí eu não faço. Eu não tenho nem como pedir pra essa pessoa nem chegar ao portão para assinar pra eu mostrar que eu fui né. Aí você tem que ter muita criatividade. Aí eu vou no vizinho e se o vizinho não quiser assinar, vou no vizinho do vizinho pra mostrar que o agente de saúde esteve nessa casa tal dia e eu não pude ter acesso aquele dado, aí eu repasso isso para a enfermeira. Tudo que eu não consigo, eu repasso tudo para a enfermeira. (ACS2)

As entrevistadas mostram, como um dos pontos que dificultam seu trabalho, a

resistência de alguns grupos de usuários em cumprir suas orientações, pois o trabalho do

ACS consiste justamente no desenvolvimento de atividades de prevenção de doenças e

promoção da saúde mediante atividades de cunho educativo no âmbito domiciliar e também

na comunidade, portanto, quando os usuários não cumprem as orientações, pode contribuir

para que aquele cuidado disponibilizado pelo ACS tenham resultado na vida do usuário que

ele atende.

Eu acho que a dificuldade é exatamente essa, a resistência que a pessoa tem de mudar. Mudar seus conceitos, mudar seu modo de encarar a vida. Eu acho que essa é a maior dificuldade. Tem gente que tem já os seus hábitos e toda mudança é difícil e principalmente pra uma pessoa mais idosa é mais difícil porque muitas vezes eles vão ter que mudar o estio de alimentação, o estilo de vida que eles levavam e muitos deles que são hipertensos e diabéticos precisam está caminhando e não fazem, até mesmo pela dificuldade que eles tem devido a idade. A maior dificuldade é a resistência de eles mudarem seus hábitos, seus costumes tantos alimentares, quanto sociais também. (Hígia)

As ACS relatam que a mudança nos hábitos é algo muito difícil para os usuários

atingirem. O público idoso lidera, contudo, a resistência não é algo peculiar deles. Dessa

forma, a ACS1 encara esse fator como algo cultural que foi construído ao longo do tempo,

conhecimentos que foram passando de geração para geração, percepções diferentes de

outro estilo de vida e que, atualmente, as novas tecnologias sobre qualidade de vida se

tornam mais difíceis de serem apreendidas, ficando mais difícil também largar velhos

hábitos, incluindo-se também nessa perspectiva para poder compreender quem ela atende.

É a resistência dos costumes que as vezes já está enraizado na gente que é difícil pra gente mudar. É a cultura. A mãe as vezes dá um chá à criança porque já foi a

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avó, já foi a mãe. Se a criança chora a família já diz que o leite é insuficiente porque a criança chora demais, que a criança não ta engordando, porque as pessoas ainda tem esse pensamento que a criança pra está saudável tem que está gorda. É a resistência cultural porque também não é fácil você mudar seus hábitos de uma hora pra outra. Porque as vezes você vive comendo gordura e de repente você se ver hipertenso ou diabético, então você tem que deixar esse tipo de alimento. É difícil para as pessoas mudar os hábitos. Eu tiro por mim mesmo. Tem muita coisa que eu sei que está errado em mim que tento consertar, mas tenho resistência. Eu sei que eu tenho que fazer caminhada, mas coragem não deixa. Nós temos muita resistência a mudança, mudar seus costumes é muito difícil. (ACS1)

Compreendem que da forma como se estabeleceram os conhecimentos até hoje, a

forma de cuidar da saúde, como propõe a Estratégia Saúde da Família, é algo que deve ser

trabalhado cotidianamente para que seja também apreendido e que os usuários possam

realmente querer realizar as orientações porque percebam que é o melhor para suas vidas.

Elas percebem que a orientação representa a mais importante das atividades realizadas no

cotidiano de seu trabalho e à medida que essas orientações são aceitas e postas em prática

pelo público que atendem, geram satisfação, pois evidencia a contribuição para o bem-estar

da população.

Então quando você chega numa casa que um idoso lhe abraça, parece que o sol abre. Aí ele fala que ta melhor porque seguiu o que a gente falou, então isso pra mim é demais, me deixa muito feliz. Porque a gente ver que aquela pessoa tem aquela necessidade e você pode ajudar. As vezes não é de nada é só de conversar, é só de um abraço, de uma palavra. Então eu me sinto muito bem. (Hígia)

O aspecto da satisfação do servidor por meio da retribuição, do reconhecimento de

quem está recebendo o serviço, representa para as ACS entrevistadas algo que justifica seu

trabalho e que o fato de não poder realizar tais procedimentos pode até não resultar em

nenhuma penalização do ponto de vista institucional, porém é percebida pelas profissionais

como impotência e insatisfação.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação em pesquisas anteriores ligadas à Estratégia Saúde da Família, que

sempre faziam referência ao trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS), motivou-nos

a procurar entender como esse profissional desenvolve seu trabalho em uma metrópole

como Fortaleza. Sobretudo, porque os estudos dos ACS em municípios de pequeno e médio

porte já haviam sido trabalhados com certa exaustão. O desafio estava em compreender

como se dava essa atividade em Fortaleza, onde o fato de pertencer a um bairro não

significa conhecimento generalizado da área. Os bairros são geralmente superpopulosos e a

dinâmica de conhecimento não é igual ao de uma comunidade de municípios menores do

Estado.

A Estratégia Saúde da Família se configura como fundamental para a expansão e

consolidação da Atenção Básica e o Agente Comunitário de Saúde assume importância

crucial na implementação dessa política, por ser o profissional que conhece de perto as

famílias atendidas e também por ter o conhecimento a respeito do serviço de saúde

prestado a essas famílias por uma equipe multiprofissional que ele integra. Seja junto às

famílias ou junto à equipe, ele transita com determinado conhecimento que estabelece a

confiança necessária para desenvolver suas ações.

A base do trabalho da Estratégia são as famílias de um determinado território, e cabe

ao ACS identificar, cadastrar e desenvolver o constante acompanhamento a essas famílias.

No trabalho que desenvolve no dia a dia nas visitas domiciliares, o ACS colhe informações

que alimentam o banco de dados que gere a política de atenção básica do País.

Na oportunidade que tivemos em participar especificamente da pesquisa “O agente

de saúde no Ceará enquanto agente de mudança socio-cultural”, pudemos observar que a

definição das tarefas no trabalho desenvolvido por esse profissional em municípios de

pequeno porte é semelhante ao do ACS que trabalha em Fortaleza, ou seja, ele deve

desenvolver as atividades a partir do que é preconizado pelo Ministério da Saúde, mas,

devido às características do lugar, as possibilidades de realmente realizá-las é que se

diferencia quando comparamos mesmo aos municípios de médio porte.

Devido aos municípios de pequeno porte não disporem de muitas opções de serviços

de saúde nem de grande volume de informação, o trabalho do ACS é muito importante

nesse contexto, pois toda informação relativa ao serviço é repassada por ele e a relação de

confiança entre população e agente, e entre equipe e agente, é bem mais evidenciada. Em

lugares desse tipo, nunca há recusa a visita do ACS. Na medida em que o município

aumenta o tamanho e se mune de mais equipamentos de saúde, percebe-se clara mudança

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na dinâmica do trabalho dos ACS. As outras opções, tais como clínicas particulares, planos

de saúde, acesso a mais informação, entre outros fenômenos sociais, dificultam o acesso do

ACS na realização do seu trabalho pela recusa a sua visita.

Como vimos até aqui, o trabalho que o ACS desenvolve junto às comunidades

adstritas é de fundamental importância para a Política Nacional de Atenção Básica, pois ela

é gerenciada pelos dados que são disponibilizados ao Ministério da Saúde pelas equipes de

saúde da família, e o ACS é um dos principais responsáveis pela coleta desses dados. Em

uma cidade como Fortaleza, podemos perceber que há dificuldade na realização do trabalho

devido algumas características próprias de uma metrópole. O usuário do serviço de saúde

detém muito mais informação sobre saúde, o que parece tornar desnecessária a orientação

que é passada pelo ACS, além de uma cidade de grande porte como Fortaleza está inserida

em um contexto de violência urbana, proporcionando o medo e a falta de confiança do

desconhecido.

Ademais, o tamanho dos bairros e a forma de viver em uma cidade grande não

permitem hábitos de conhecer e compartilhar com a vizinhança o cotidiano da vida de cada

um. Nessa perspectiva, o ACS, mesmo nascido em determinado bairro, não

necessariamente compartilha de amizade e convívio com pessoas daquele lugar. Nesse

sentido, há forte diferenciação do ACS de pequenas localidades.

Como os moradores de Fortaleza costumam estar no mercado de trabalho

geralmente durante o dia inteiro, diferenciado dos de municípios pequenos, no momento em

que estão em casa, optam por mais privacidade, e atender o ACS com suas informações e

questionamentos pode ser considerado uma perda de tempo ou uma desnecessária

atuação, por já possuírem essas informações a partir de outros canais. Assim, encaram o

trabalho do ACS como algo pontual que eles procuram quando necessitam e não veem

como a proposta se apresenta: na perspectiva da promoção da saúde e prevenção de

doenças, já que a essência do trabalho do ACS é a orientação.

Possivelmente pela nossa cultura baseada na medicina curativa, essa característica

da Estratégia Saúde da Família é bastante ignorada pelos gestores, pelos profissionais e

pela população. Os demais profissionais da Estratégia possuem qualificações de

intervenção no corpo do indivíduo e por o papel do ACS ficar totalmente aquém dessa

perspectiva, seu trabalho seja mais ignorado e por muitas vezes não reconhecido.

De fato, a valorização do ACS também por outros profissionais da equipe acontece

diferentemente do que foi percebido no interior do Estado. Os profissionais da cidade

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possuem um ritmo de trabalho mais intenso, geralmente possuem outros vínculos e pouco

se articulam com o ACS sobre os seus atendimentos. A proximidade maior desse

profissional é com o enfermeiro, e, por vezes, apenas encontram os demais durante as

reuniões ou em contato por ocasião da reivindicação de um laudo ou marcação de exame

para um usuário da Estratégia.

A qualificação do ACS enquanto profissional fica totalmente restrita ao governo que é

quem decide quais cursos o profissional vai fazer e quando. Dessa forma, apresenta-se

insatisfação dos ACS em relação ao conhecimento referente a muitas coisas do seu

cotidiano de trabalho, que geralmente são repassados para eles por outros profissionais

integrantes equipe, sendo que essa realidade se apresenta em casos isolados. Quanto as

ACS entrevistadas, apenas duas relataram que no Centro de Saúde onde elas trabalham os

demais integrantes, e os gestores se preocupam com a dinamização do conhecimento a

respeito do contexto da Estratégia. Quanto à formação dos ACS em Fortaleza, há registros

de muitos ACS que realizam cursos por conta própria na tentativa de sentirem-se mais

valorizados. O mais comum é o curso de técnico de enfermagem, mas também há ACS que

ingressam em diversos cursos de nível tecnológico e superior, mesmo não tendo ligação

com a área de trabalho deles. Nesses casos, o diploma tem como objetivo mais que a

formação, a possibilidade de melhoria salarial.

Em suma, se por um lado morar em uma cidade de grande porte permite o acesso a

cursos de qualificação diversos, por outro a falta de incentivo é comum a todos,

independente do tamanho da cidade, o que favorece aqueles que possuem iniciativa e

sacrificam seu tempo livre e, por vezes, seu salário com o autofinanciamento de qualificação

profissional.

O reconhecimento do trabalho do ACS é um ponto muito tocado, pois tanto em

Fortaleza, por meio desya pesquisa, quanto nos demais municípios em que tivemos

conhecimento por intermédio de outra experiência de estudo, os ACS relatam que sempre

houve muita reivindicação para que fossem reconhecidos e valorizados como profissionais.

Muitos resultados foram alcançados e, em Fortaleza, a primeira seleção pública ocorreu em

1994, sem nunca antes ter tido interesse governamental em institucionalizar esse

profissional que era prestador de serviço por meio de empresas terceirizadas e/ou

cooperativas. Foi realizada uma nova seleção pública em 2006, na qual os aprovados

passaram a trabalhar sob regime celetista tendo como empregador a Prefeitura Municipal de

Fortaleza. Após seis anos, devido a reivindicações da categoria, por meio de inúmeras

greves ao longo desse período, os ACS que participaram do processo seletivo em 2006

passaram para o regime estatutário. Por outro lado, há trabalhadores dessa categoria que

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participaram de um processo seletivo posterior ao de 2006, que não foram contemplados

com esse tipo de vinculação institucional. Assim, a diferença de vínculo entre eles gera

insatisfação e sentimento de não serem reconhecidos como profissionais importantes para a

ESF.

A vinculação institucional foi debatida pelas ACS que participaram desta pesquisa

com um dos fatores que influenciam positivamente seu trabalho, tendo em vista que a

estabilidade no trabalho proporciona segurança e elevada autoestima, o que para esse

profissional é algo muito importante, já que lida com muitas frustrações no seu trabalho.

Fortaleza é um dos municípios que assumiu a contratação dos seus ACS, pois os demais

profissionais dessa categoria do Ceará são pagos pelo Estado e cedidos aos municípios.

Pela característica de um município com grande arrecadação, pode proporcionar esse

diferencial para a categoria.

A dinâmica do oficio de um ACS em uma cidade grande tem sido observada desde o

início do dia de trabalho. Geralmente tem que se deslocar em transporte público para chegar

ao Centro de Saúde e de lá se deslocar para as visitas. Mesmo os que moram nos bairros

em que trabalham, não conseguem domínio senão do entorno em que atuam e, ainda

assim, a discrepância de moradias e classes diferenciadas que moram em uma mesma área

numa cidade grande, os faz serem aceitos em algumas residências e em outras, rejeitados.

Quando muito, os moradores de forma sutil avisam que possuem plano de saúde e

aconselham visitarem casas de pessoas mais carentes. Nessa perspectiva, os ACS passam

por um dilema entre cumprir metas definidas de anotações de vacinas, identificação de

grávidas, entre outras apresentadas ao longo deste trabalho sem as quais podem ser

repreendidos por não terem cumprido a “meta”.

No desenvolvimento do seu trabalho em Fortaleza, o ACS conta com muitos

obstáculos, como o fato de nem todas as equipes que eles integram apresentarem coesão e

fazer com que o trabalho do Agente de Saúde aconteça isolado e sem apoio da equipe e

muitas vezes do gestor do Centro de Saúde. Além de não haver apoio institucional, o

mesmo ocorre quanto a ações de melhoria das condições de trabalho tais como:

fornecimento de material para o desenvolvimento das atividades, fardamento, protetor solar,

dentre outros apontados.

Quanto às atividades que são preconizadas pelo Ministério para serem

desenvolvidas pelo ACS, vimos que eles desenvolvem as que são possíveis de desenvolver,

adequando-se às condições de cada área. Quando a área é mais carente de informação e

serviços, o ACS desenvolve ações diferenciadas das que são desenvolvidas em áreas mais

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abastadas, contudo, há uma característica muito comum ao público que o ACS atende,

independente do risco que cada área represente: o não entendimento da promoção à saúde

por parte dos beneficiários.

O ACS se sente uma pessoa que está na comunidade para ajudar e superar os

dissabores que experimenta nos confrontos do seu dia-a-dia de trabalho, podendo se

considerar como um amigo que exige o respeito por ser dedicado e querer ajudar. Quanto à

sua percepção enquanto um profissional inserido em equipe multiprofissional, como um

integrante necessário dentro da ESF, a percepção dos ACS é de que nem sempre são

valorizados e vivem em constante busca de reconhecimento.

No tocante a trabalhar na mesma área em que mora, o ACS diz que isso o faz

enfrentar determinados desafios que, por muitas vezes, são ocasionadores de algumas das

suas frustrações, mas reconhece que o fato de ser morador apresenta mais aspectos

positivos que negativos. Quando relacionamos às ACS estudadas aos mesmos profissionais

relatados em outros estudos, percebemos que, numa cidade grande, deve haver muita

capacidade de superação às dificuldades encontradas em campo, pois eles conseguem

quase sempre reverter desentendimentos e partilhar de uma vida de trabalho tranquila,

apesar de atuarem em uma cidade grande, cuja dinâmica de vida é mais estressante e a

própria equipe da qual faz parte nem sempre encontra disponibilidade de tempo para ouvir e

atender as demandas que ele é portador. Nesse aspecto, o ACS dos municípios pequenos

são mais ouvidos e considerados como profissional que atuam como elo entre o serviço de

saúde e a comunidade onde trabalham e residem.

Percebemos, por outro lado, que mesmo em se tratando de uma grande cidade e

apresentando diversas características que contribuem para dificultar o trabalho do ACS,

podem ser encontradas no interior das comunidades características similares as rurais como

a intimidade entre os moradores e, de certa forma, proporciona estreitamento de confiança,

o que conta positivamente para o desenvolvimento do trabalho desse profissional.

Por fim, a inspiração no método da etnografia nos possibilitou estar dia-a-dia (dentro

e perto) em um lugar, realizando uma atividade comum, que, por vezes, aparentava

desnecessária as inúmeras visitas junto ao ACS nessas microáreas. Em certos momentos,

imaginamos que não chegaria o insight (MAGNANI, 2002), em que acontece o ordenamento

dos fragmentos vivenciados que nos mostra um significado, que pode ser inesperado. De

fato, essa experiência de insight ocorreu, por exemplo, nas repetidas visitas às crianças, nas

quais percebemos a continuação do trabalho do Agente Comunitário de Saúde por meio dos

registros de resultados diferentes, anotando o ganho ou a perda de peso, o crescimento, a

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hospitalização, a recuperação, além de essas reiteradas visitas servirem de reforço para a

confiança depositada pelos usuários no trabalho desse profissional, mesmo diante de

resultados quase inexpressivos. Nesse sentido, percebemos que o método foi de crucial

importância para ajudar a entender essa rotina de procedimentos que independente de ser

realizado em uma cidade pequena, media ou grande, contribui para a melhoria da atenção à

saúde, mesmo que haja especificidades em cada lugar e em cada indivíduo.

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