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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ UECE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PPGE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO DANIELLE FERNANDES VASCONCELOS ALVES SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA CONSTITUIÇÃO DOCENTE FORTALEZA-CEARÁ 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

DANIELLE FERNANDES VASCONCELOS ALVES

SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA

CONSTITUIÇÃO DOCENTE

FORTALEZA-CEARÁ

2017

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DANIELLE FERNANDES VASCONCELOS ALVES

SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA

CONSTITUIÇÃO DOCENTE

Tese de doutorado apresentada como pré-requisito

para obtenção do título de doutora em Educação no

Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual do Ceará. Linha de pesquisa:

Formação e desenvolvimento profissional em

Educação. Núcleo de Aprendizagem e Subjetividade

no Percurso de formação e prática docente.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Ignez Belém Lima

Nunes

FORTALEZA-CEARÁ

2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Alves, Danielle Fernandes Vasconcelos .

Saúde Mental e Subjetividade: Estratégias Defensivas na

Constituição Docente [recurso eletrônico] / Danielle Fernandes

Vasconcelos Alves. - 2017. 1 CD-ROM: 4 ¾ pol. CD-ROM contendo o

arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico com 205 folhas,

acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Tese (doutorado) - Universidade Estadual do Ceará,

Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,

Fortaleza, 2017. Área de concentração: Formação e Desenvolvimento

Profissional em Educação. Orientação: Prof.ª Ph.D. Ana Ignez Belém

Lima Nunes.

1. Estratégias Defensivas. 2. Formação de Professores. 3.

Subjetividade. 4. Psicologia Histórico-Cultural. 5. Educação. I.

Título.

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A todos os bons professores que já tive e que

plantaram em mim o amor e a crença na sala de aula

como lugar de aprendizado e transformação para

vida. Às mulheres da minha vida: minha mãe,

professora, luminosa e amiga; minha filha que me

ensina todo dia e minha melhor amiga Elinadja,

professora, escritora e memória externa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida, oportunidades, vocação e família.

A meu pai, que torceu pela conclusão desse doutorado, como alguém em uma partida final de seu

time favorito de futebol.

À minha orientadora Ana Ignez pelo incentivo e carinho.

Às 11 mulheres, companheiras de caminhada, foram quatro anos, muito trabalho, perdas e ganhos,

mortes, nascimentos, cansaço, risadas e a sensação boa de poder contar umas com as outras, avante!

Aos amigos do Indie VIPs, que trouxeram alegria e leveza para meu cotidiano.

Às minhas chefinhas Jamile Braide, Niedja Pinheiro e Virna Nascimento cuja generosidade e

compreensão me ajudaram a chegar até aqui.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, que me

permitiu dedicação exclusiva ao curso em meu primeiro ano.

Ao meu marido, porto seguro e observador.

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“Mais importante do que a ciência é o seu resultado,

uma resposta provoca uma centena de perguntas.

Mais importante do que a poesia é o seu resultado,

um poema invoca uma centena de atos heroicos.

Mais importante do que o reconhecimento é o seu

resultado. (...)”

(Jacob Levy Moreno)

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RESUMO

O trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa, exploratória, do tipo estudo de caso, feita em

uma escola pública de ensino médio na cidade de Fortaleza. O público-alvo do estudo foram

professores de ensino médio e o objetivo geral foi investigar as estratégias defensivas utilizadas por

esses docentes para manutenção de sua saúde mental. Os objetivos específicos foram: 1) Conhecer

as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade de vida. 2) Identificar as

estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento

psíquico. 3) Conhecer as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma

relação entre ela e seu bem-estar. Além disso, existia uma hipótese de que a formação continuada

poderia ser uma ferramenta para promoção da saúde mental do professor. No que diz respeito ao

primeiro objetivo, as ideias dos professores sobre saúde mental estão relacionadas à sensação de

bem-estar e à capacidade de administrar o estresse ou a saúde mental aparece como uma extensão

da saúde física, sendo consequência dela ou estando relacionado a ela. Já no que diz respeito à

qualidade de vida, para eles, Qualidade de Vida, é um conceito relacionado, principalmente, ao

tempo livre (principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados com o corpo

(alimentação, descanso, exercício). As estratégias coletivas encontradas foram: O humor, o bom

ambiente e as boas relações interpessoais, a sensação de liberdade na escola e a personalização de

espaços coletivos (armários). As estratégias individuais foram: ignorar ruídos, confrontar alguns

alunos, reconhecimento e laços afetivos com alguns alunos, identificação com as vitórias dos

alunos, cultivar a espiritualidade, cuidados com o corpo, ouvir músicas ou ver filmes e criar

pequenos rituais cotidianos para se desligar dos problemas de sala e da escola. A formação

continuada está relacionada a dar prosseguimento aos estudos, seja de modo informal (cursos de

curta duração, leituras) seja através de cursos formais de pós-graduação (especialização, mestrado,

doutorado); a maior parte dos docentes parece ter a compreensão de que essa seria uma

responsabilidade principalmente individual, ou seja, caberia aos próprios professores buscar

atualização; a formação continuada não apareceu como responsabilidade, ou papel, também, do

Estado e da Escola. Além disso, a formação continuada, também, apareceu como um possível

espaço de promoção para à qualidade de vida/saúde mental.

Palavras-chave: Estratégias Defensivas. Psicologia Histórico-Cultural. Saúde Mental. Qualidade

de Vida. Formação Continuada.

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ABSTRACT

This work is the result of a qualitative research with an exploratory approach and can be classified

as a study of a case that took place at a public high school located at Fortaleza city in Brazil. We

target the group of high school teacher to research their psychological defensive strategies to keep a

good mental health. The specific objectives were 1) to gain insight into the teachers´s own ideas

about what mental health means and what quality of life means. 2) To seek to identify the

psychological defensive strategies used by the high school teachers to handle stress and

psychological suffering. 3) To gain insight into teachers‟ own ideas about ongoing formation and if

they think that ongoing formation can affect positively their feeling of well-being. Besides those

specific objectives there was an assumption that ongoing formation could be used as a tool to

promote high school teachers‟ mental health. The answer to the first objective was that the teachers‟

ideas about mental health are related to a feeling of well-being and the ability to master stress on

daily basis or the mental health is related to health of the body as a consequence of it or as an

extension of the body health. The concept of quality of life is related to having time to spend with

their families and friends and also to take care of their bodies (correct feeding habits; enough rest

and exercising). The collective psychological defensive strategies identified were humor; good

interpersonal relationship; the feeling of freedom inside of the school; to personalize a few

collective objects. The individual psychological defensive strategies identified were to ignore the

noise inside classroom; To confront some of the students; to bound with students who

acknowledged them as good teachers; to feel related to the victories of their students; to work on

their spirituality; to take care of their bodies; listening to music or watching movies to relax; to

create daily small rituals to copy with school problems. The ongoing formation process concept is

related to keep studying after graduation in informal way (small duration courses, reading books

etc.) or in a formal way through post-graduation courses. Most of the interviewed teachers seems to

understand that ongoing formation is a personal responsibility of the teachers alone. Besides that

ongoing formation was also described as a possible scenario to help promoting mental health and

quality of life.

Key-words: Psychological defensive strategies. Historical-Cultural Psychology. Mental Health.

Quality of Life. Ongoing formation.

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APRESENTAÇÃO - FRAGMENTOS AUTOBIOGRÁFICOS: DE ONDE VENHO PARA

ONDE QUERO IR...

Chamo-me Danielle Fernandes Vasconcelos Alves, nasci em 1975, na cidade de

Fortaleza, Estado do Ceará. Sou a caçula de oito irmãos e, também, filha única. Meus pais se

conheceram no trabalho (eram funcionários públicos) após ambos terem sido casados e terem tido

filhos anteriormente. Meu pai é filho de pai militar (General) e mãe dona de casa; minha mãe é filha

de comerciantes, sua mãe trabalhava e se sustentava em um período em que poucas mulheres o

faziam. Minha avó materna, que se alfabetizou sozinha, valorizava profundamente a educação e fez

questão de que as filhas estudassem em escolas particulares; talvez isso tenha sido um reflexo da

constituição de 1937 que, modificando a anterior de 1934, em seu artigo 125 afirmava ser da família

a responsabilidade pela educação dos filhos cabendo ao estado somente “(...) suprir as deficiências e

lacunas da educação particular” o que, como destacam Freitas e Bicas (2009) punha o Estado como

uma entidade que vigiava para que a nação se responsabilizasse pelas ações educativas de certo

modo se eximindo de um papel principal. Apesar disso, meu pai estudou no Liceu do Ceará (há uma

foto dele com o casaco da farda aberto, tocando tambor junto a um grupo de outros alunos – com

outros instrumentos – comemorando o último dia de aula de latim). Ambos estiveram sob a égide,

também, das leis orgânicas dos anos 40, seu curso ginasial teve quatro anos seriados acompanhados

de três anos de colegial científico (FREITAS E BICCAS, 2009) o que lhes permitiu o ingresso

posterior na faculdade que quisessem, apesar de ambos terem ingressado na faculdade, tarde,

beirando os 30 anos; fizeram administração de empresas na UFC (porque era o curso que lhes seria

mais útil no trabalho por questões de ascensão profissional) na época em que cursavam faculdade

vigorava a lei 5.540 de 1968, que logrou modificar estruturalmente o ensino superior no Brasil e

que foi inspirada no modelo norte-americano, adotando o sistema de créditos e introduzindo a

matrícula por matérias (FREITAS E BICCAS, 2009); minha mãe fez concurso para a universidade

(UECE) e iniciou uma nova carreira, paralela, como professora universitária após completar 40

anos; depois de se aposentar do órgão em que trabalhava inicialmente, começou a ministrar aulas,

também, na UNIFOR.

Cresci em uma casa grande e bonita, com belo jardim e quintal, bichos e um vai-e-vem

constante de pessoas, minha melhor amiga, que também é minha sobrinha, passava longos períodos

conosco e algumas vezes usávamos roupas idênticas (o que eu adorava e ela odiava). Havia muitos

livros e li bastante enquanto estava crescendo.

Tive a sorte de estudar ao longo de toda vida enquanto dados apontam que nos anos 80,

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no Nordeste do Brasil (onde sempre vivi) o número médio de anos de estudo era de 2,2 anos, sendo

que no final da década de 80 o país possuía 33% de sua população analfabeta, somente 14% da

população havia completado o primeiro grau, 7% o ensino médio e apenas 5% o ensino superior; no

final dos anos 90, quando concluí o ensino médio, somente 13% da população o fazia e apenas 8%

concluía o nível superior (FREITAS e BICCAS, 2009), além disso, de acordo com os mesmos

autores, o mundo e o país passaram por grandes mudanças durante o período em que estive na

escola e na faculdade, quando comecei a estudar ainda estávamos em plena ditadura e éramos

regidos pela Lei 5.692/71; quando estava terminando a terceira série o país voltou a ser uma

democracia, em 1988 foi promulgada uma nova constituição (eu estava na quinta série), em 1990

foi aprovado o Estatuto da criança e do adolescente (ECA), através da Lei 8.069 de 13 de julho; em

1996, no meu primeiro ano de faculdade, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional e em 1997 a Internet começou a ganhar força.

Minha primeira escola, onde permaneci até a quarta série (final do ensino fundamental)

chamava-se Colégio Santa Maria Goretti, era uma escola católica, tradicional e tenho lembranças

fabulosas desse período. A escola era pequena, ficava perto do trabalho de meus pais e as freiras me

adoravam; a área da educação infantil ficava no térreo separada das demais áreas por um por portão

gradeado e tínhamos acesso a um jardim interno muito bonito; a única professora de que me

lembro, desse período, chamava-se Catarina (chamávamos todas as professoras de “tia”, então ela

era “tia Catarina”), era belíssima, tinha os cabelos lisos, de um preto profundo, que estavam quase

sempre presos, rabo de cavalo, era morena e sorria bastante. As lembranças de aprendizado, ou,

melhor, de atividades didáticas, não vêm de forma clara à memória; as memórias afetivas que tenho

são das atividades artísticas e culturais (festas, viagens, peças teatrais, feiras de Ciências), das

sandálias de couro, da farda xadrez em tom de azul com meu nome bordado, de estar sempre com o

penteado “Maria Chiquinha”, da minha lancheira em forma de trem - que sempre continha Nescau

na garrafinha acompanhada de sanduiche, bolo ou biscoito; das freiras nos ensinando a não temer o

diabo, de brincar muito com a Nadja e de comer pipocas (inclusive catadas do chão, para desespero

de minha mãe).

O ensino fundamental, nessa escola, tinha início de forma simbólica com uma mudança

de farda, que permanecia a mesma até o final do segundo grau do ensino médio, passei a usar

sapatos mocassins com meias brancas, saia preta com “suspensórios”, blusa braca de tecido com

botões e um broche com o brasão da escola do lado esquerdo, na altura do peito, no suspensório. A

farda da educação física era um collant (que hoje chamamos de body) de cor preta com o brasão da

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escola impresso, uma saia branca e tênis branco. Outra mudança significativa foi à introdução de

uma cerimônia diária em que nos reuníamos no pátio, antes das aulas terem início, em grupos

separados de acordo com as séries para o hasteamento da bandeira, enquanto cantávamos o hino

nacional (era início da década de 1980 e, ainda, estávamos em plena ditadura militar) ter o direito

de hastear a bandeira era uma grande honra; um outro ritual diário eram as orações antes do início

da aula, já em sala, todos de pé; havia também um desfile anual – parada de Sete de setembro –

onde caminhávamos com os símbolos pátrios pelas ruas no entorno da escola.

Desse período, a professora que mais me marcou foi a da alfabetização, chamava-se

Zuraide e lembro-me de suas aulas e do prazer que sentia por estar aprendendo a ler com a ajuda do

“tio Juquinha” que era um personagem em nosso livro didático; posteriormente a Zuraide foi minha

professora particular durante alguns anos... Fui a oradora da minha turma de alfabetização (foi a

primeira vez que falei em público e lembro que me senti importante!). Lembro também da

professora de Educação Física que se chamava Dila que tinha incríveis olhos azuis e era corajosa

como um garoto, da professora da segunda série que havia perdido um bebê e por isso estava

sempre triste e de uma professora da quarta série (Regina), que por algum motivo misterioso,

parecia não gostar de mim e foi rude em algumas ocasiões, o que durou pouco, pois a diretora da

escola e a coordenadora (irmã Bernadete) gostavam muito de mim e eram amigas de minha mãe;

eu, também, tinha um excelente desempenho acadêmico então ela arranjou outro alvo.

A segunda etapa do ensino fundamental trouxe outra mudança, dessa vez de escola,

após visitar algumas escolas escolhi ficar no Colégio Santa Cecília, outra escola confessional; lá

não cantávamos o hino nacional e nem hasteávamos a bandeira (Era o ano de 1988 já fazia três anos

que o país mudara de regime político e os militares não mais estavam no poder). A prática da oração

antes do início da primeira aula foi mantido, passei a ter vários professores, inclusive do sexo

masculino (uma grande novidade já que até então todas as minhas professoras haviam sido

mulheres, na tradição descrita por Vincentini e Lugli (2009) onde a grande maioria das professoras

desse período eram mulheres formadas pela escola normal que passou a se chamar Habilitação para

o Magistério a partir de 1971). Os professores que marcaram esse período foram o Alexandre e o

Paulo Wagner respectivamente das disciplinas de Religião e de Matemática. O primeiro era muito

mais um filósofo que propriamente um religioso (havia sido seminarista) e as discussões sobre

moral, certo e errado, religião e ética deixaram marcas fortes em mim; o segundo foi o primeiro

professor que me fez gostar de Matemática e aprendê-la de forma prazerosa (passei um período

longo tendo aulas particulares com ele também). No mais as lembranças dos primeiros

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apaixonamentos, da farda vermelho com branco (calça e blusa) e que eu considerava horrorosa, uma

reprovação na sétima série (a sala inteira reprovou) e algumas grandes amizades que permanecem

até hoje.

No início do ensino médio resolvi mudar, novamente, de escola cujo motivo principal

era buscar a companhia da minha melhor amiga (e sobrinha) fizemos o teste de seleção para a

Escola Técnica Federal, não passamos e acabamos iniciando o primeiro ano no Colégio Capital, foi

a primeira vez que estudei em uma instituição laica, não havia orações, crucifixos, educação

religiosa e muito menos hinos e bandeiras; o uniforme era uma blusa branca com o símbolo da

escola, e qualquer calça, jeans e tênis nas cores de nossa preferência. Nesse período fazia inglês no

IBEU, que ficava a cinco quarteirões da escola, eu ia pé e no final do dia meu pai me pegava lá. O

clima de liberdade me chocou de início, não havia medo nenhum da coordenação e alguns alunos

eram desrespeitosos com eles. Tive alguns professores extraordinários cujas aulas me recordo até

hoje: Morano e Kerbage (Biologia), Myrson Lima (Português), Marcos Threiger (História Geral),

Carlos Augusto (Literatura), Paulo Humberto (História do Brasil). As lembranças desse período são

a sensação de liberdade, fazer parte do quadro de honra de redação, fazer trilhas nas serras e festas

na escola. As aulas são um capítulo à parte, esses profissionais eram apaixonados pelo que faziam e

tudo acontecia com leveza: Morano e Kerbage eram amigos e suas aulas eram intercaladas eles

“insultavam” um com o outro e deixavam recados no quadro, nós ríamos muito e aprendíamos no

meio de tudo (eles também forneciam fórmulas mnemônicas para aprendermos determinados

conteúdos, por exemplo, quais são as vitaminas lipossolúveis? O que é lipo r- gordura, certo e se

você está andando e pisa em gordura? Você vai levar uma? Queda! Muito bem, pois as vitaminas

lipossolúveis são k e d a). Marcos Threiger punha os meninos para lutarem de “espada” (réguas)

quando ia explicar sobre as cruzadas; Myrson nos fazia aprender Português enquanto ficávamos de

maxilar dolorido de tanto rir; Carlos Augusto ensinava Psicanálise enquanto analisávamos textos de

Clarisse Lispector. Só fazia exercício quem queria, mas, para quem queria, havia professores de

natação (e piscina olímpica coberta), vôlei e basquete. Por algum motivo que não recordo nesse

período li toda a obra de Gabriel Garcia Marques.

Sempre soube que cursaria a faculdade de Psicologia, nunca quis fazer outra (ok, por

um breve momento pensei em ser psiquiatra, mas só pela possibilidade de poder prescrever

remédios), prestei exame vestibular em 1994 e fui aprovada na UNIFOR, minha mãe era professora

na Instituição e eu tinha 50% de desconto por isso. As aulas eram tradicionais, havia pouco uso de

metodologias ativas, não gostávamos dos professores que “inventavam” seminários infinitos,

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fazíamos provas abertas, estudávamos bastante. O curso era eminentemente voltado para o mercado

e nos preparava para o trabalho: em empresas, escolas ou consultório, havia pouco foco na

produção acadêmica e na pesquisa, não havia bolsas de iniciação científica ou grupos de pesquisa

formalizados, poucos professores eram mestres (não havia doutores) a maior parte era especialista.

O curso atendia ao que se propunha: todos ingressavam sem problemas no mercado, ainda durante o

curso, como estagiários e geralmente permaneciam nos locais de estágio como profissionais depois

de graduados.

A docência entrou na minha vida ainda na faculdade, para ganhar um dinheiro extra eu

ministrava aulas de Inglês em um curso particular e considerava incrível como conseguia me

divertir enquanto ensinava.

Nas empresas onde trabalhei, sempre acabava coordenando e ministrando treinamentos

e um ano após me formar comecei a ministrar aulas na UVA em cursos de pós-graduação (eu era

apenas graduada) isso foi em 2002, não tinha vínculo, me contratavam, eu ministrava uma

disciplina e me pagavam por ela.

Em 2004 iniciei minha especialização em Socionomia pela UECE/FEPS tinha dois

objetivos: qualificar-me para continuar lecionando (as exigências já estavam aumentando) e voltar a

atender no consultório porque estava cansando de trabalhar em empresas. Antes de concluir o curso

comecei a tentar o mestrado em Psicologia (só então comecei a perceber como minha formação

inicial na faculdade havia sido falha na área de pesquisa) no final de 2005 passei no processo

seletivo para o mestrado da UFC, e em dois concursos (IJF e CAGECE) optei pelo segundo porque

era mais bem remunerado e comecei a trabalhar na área de treinamento da empresa. As aulas do

mestrado começariam em março de 2006 e pensei que não haveria problemas em cursá-las já que

era concursada e seriam poucas vezes por semana, esse julgamento resultou errôneo e tive que optar

em permanecer no trabalho ou fazer o mestrado (nesse período a situação estava difícil e minha

filha era pequena) abri mão do mestrado e passei um período profundamente triste.

Em 2008 voltei a lecionar, dessa vez no IEPRO, em algumas especializações (o que

faço até hoje) e em 2009 passei no processo seletivo para ser professora no curso de Psicologia da

FATECI onde permanecí até 2013. Nesse mesmo ano (2009) ingressei no mestrado de Psicologia da

UNIFOR e quando o conclui em 2011 fiz um processo seletivo para professor substituto do curso de

Psicologia na UECE, consegui uma licença não remunerada no trabalho e passei o ano de 2012

inteiro ensinando na UECE (durante o dia) e FATECI (à noite) e me sentindo muito, mas muito

feliz.No final de 2012 fiz o processo seletivo para o Doutorado em Educação e em 2013 (em março)

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iniciaram as aulas, em abril consegui uma bolsa da FUNCAP, pedi demissão das Universidades e

passei a me dedicar, exclusivamente, às atividades doutorais. Em novembro de 2013 reabri o

consultório para complementar a renda familiar; em dezembro do mesmo ano dois eventos me

obrigaram a fazer uma mudança de direção (a CAGECE exigiu o meu retorno e minha filha havia

passado na faculdade para Arquitetura na UNIFOR, cuja mensalidade ultrapassava o valor da bolsa)

em janeiro de 2014 retornei à minha atividade na Companhia (felizmente já tinha uma quantidade

de créditos superior ao exigido no doutorado). Consegui manter o consultório em funcionamento até

fevereiro de 2015 e comecei a ministrar aulas no curso de especialização em Psicodrama da FA7

(um final de semana por mês, atividade que mantenho até hoje), qualifiquei o projeto de doutorado

em abril de 2015 e iniciei a pesquisa de campo em maio de 2015 (ia para o campo apenas uma vez

por semana, já que precisava faltar ao trabalho para isto) Em novembro a escola entrou em recesso e

só retomou as atividades em fevereiro de 2016; nesse mesmo mês consegui uma redução de carga

horária e passei a trabalhar somente seis horas diárias, a intenção era fazer entrevistas três vezes por

semana, e duas vezes por semana assistir a duas disciplinas obrigatórias no doutorado que estavam

previstas em edital. Esse projeto funcionou bem até meados de maio, quando a escola entrou em

greve e não tive mais como fazer as entrevistas às quais só retomei em julho de 2016. Atualmente

estou ensinando na Faculdade Mauricio de Nassau, no curso de Psicologia e na Especialização em

Psicodrama da FA7; trabalhando na Cagece, na área de qualidade de vida e estou terminando o

doutorado, tenho de defender a tese até março de 2017. Termino esperançosa, de que o sonho de um

dia viver somente da vida acadêmica (através de um concurso) pareça menos longe.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16

1.2 SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE .................................... 17

1.3 A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL .................................. 20

2. SAÚDE, ESCOLA E PROFESSORES ............................................................................. 25

2.1 A SUBJETIVIDADE COMO CONCEITO MÚLTIPLO E COMPLEXO ........................... 32

2.1.1 Psicologia Histórico-Cultural e Sofrimento Psíquico ...................................................... 35

2.2 SAÚDE MENTAL E TRABALHO DOCENTE: O PANORAMA DE PESQUISAS ......... 37

3. SAÚDE E ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS ...................................................................... 49

4. FORMAÇÃO CONTINUADA E SAÚDE DOCENTE ................................................... 56

5. METODOLOGIA: CAMINHOS E CENÁRIOS NA PRODUÇÃO DA PESQUISA .. 59

5.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................... 64

5.3 TRAJETÓRIA PERCORRIDA ............................................................................................ 64

5.3.1 Contextualizando o Campo de Pesquisa ........................................................................... 65

5.3.2 Etapas do Trabalho ............................................................................................................ 66

5.3.2.1 A observação como ferramenta para coleta de dados .......................................................... 67

5.3.2.2. A entrevista como ferramenta para coleta de dados ............................................................. 69

6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS ACHADOS ................................................... 76

7. CONCLUSÕES ................................................................................................................. 111

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 118

APÊNDICES......................................................................................................................135

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO..............136

APÊNDICE B – DIÁRIO DE CAMPO..............................................................................138

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1. INTRODUÇÃO: PROBLEMATIZANDO O OBJETO DE ESTUDO E SITUANDO SUA

RELEVÂNCIA NOS CENÁRIOS ACADÊMICO E SOCIAL

O presente trabalho tem como objeto de estudo a saúde dos professores. O interesse

pelo tema surgiu a partir de minha vivência como docente universitária (professora substituta)

quando me deparei com uma infinidade de desafios que me trouxeram crescimento, alegria e,

também, uma boa dose de sofrimento.

Afinal o que me motivava? Salário baixo, exigência de grande qualificação, classes

numerosas, várias disciplinas diferentes a serem ministradas (o que implicava grande tempo de

trabalho também em casa) e a sensação de não estar sendo suficientemente boa (já que não sobrava

tempo para publicar artigos e apresentar trabalhos em congresso, por exemplo) nenhum desses

fatores conseguia pôr fim a meu entusiasmo.

Quando ingressei no doutorado em 2013 os questionamentos cresceram: pensar sobre

minha própria prática levava a outras questões: ser professor foi sempre assim? Como os outros

docentes fazem para não sofrer em sua atividade? Será que a situação dos docentes que ensinam no

ensino fundamental e médio, no âmbito público, também é assim? A curiosidade também foi

alimentada a partir das discussões e eventos promovidos pelo Laboratório de Estudos da

Subjetividade e Saúde Mental da UECE (LADES), grupo coordenado pela professora doutora Ana

Ignez Belém Lima Nunes, do qual faço parte, e que atualmente conduz uma pesquisa ampla que

visa investigar a saúde mental dos professores do município de Fortaleza.

Movida por esses questionamentos, escolhi pesquisar os mecanismos defensivos

utilizados pelos professores de ensino médio da rede pública em Fortaleza, para manter a sua saúde

mental. Por conseguinte, isso me levou a questionar, inicialmente, o próprio conceito de saúde.

Mas afinal, o que é saúde? Optei pelo conceito saúde e o de saúde mental da maneira

como são compreendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), quais sejam, de que saúde é

o completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença.

Saúde mental é o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer

face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a

comunidade em que se insere (OMS, 2007). Essas definições deixam clara a importância da

subjetividade e da alteridade para vivências de bem-estar e/ou prazer associados ao trabalho, assim

como para seus complementares opostos (o adoecimento e o sofrimento.).

Por esse motivo, torna-se necessária a clarificação do significado de tais conceitos

(subjetividade e alteridade) no contexto do presente trabalho. O conceito de subjetividade aqui

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utilizado é o da Psicologia histórico-cultural que afirma serem as relações sociais de produção as

responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade, e que a sua formação está

atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos

e externos. A forma do indivíduo se perceber está relacionada ao modo como os homens

estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições histórico-

sociais. (AITA e FACCI, 2011). Isso significa que é o modo de vida da pessoa o que vai determinar

sua consciência e não o contrário. É nesse contexto também que a alteridade será compreendida,

pois o homem só pode aprender e apreender o mundo através dos outros (mediação); qualquer

aprendizado inclui relações entre pessoas ainda que de forma indireta.

Além disso, como assinala Clot (2007) o trabalho, como atividade simbólica e genérica,

é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor que cada um atribui a

si mesmo. Sua função é vital, pois é atividade de conservação e transmissão cultural e, ao mesmo

tempo, atividade de invenção e renovação (de si mesmo e da cultura).

Se as condições materiais da vida são o que produzem nossa consciência, nossa saúde e

saúde mental vão estar obrigatoriamente relacionadas, também às nossas condições materiais do

existir. E para todas as pessoas, de uma forma ou de outra, as condições materiais de existir estão

atreladas ao trabalho. Portanto, de acordo com as definições da OMS a saúde depende em grande

medida da saúde mental posto que se alguém não conseguir “trabalhar de forma produtiva e

frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere” dificilmente vai conseguir usufruir de um

“completo estado de bem-estar físico, mental e social”.

Diante disso, é possível afirmar que um contexto de trabalho docente precarizado tem

obrigatoriamente de apresentar consequências para saúde de quem ensina e de quem aprende. É

importante, portanto, compreender e contextualizar esse processo; o que será feito incialmente nessa

introdução, ampliando a problematização do tema e destacando sua significação.

1.2 SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE

Para abordar o trabalho docente, faz-se necessário situar, inicialmente, alguns pontos

acerca do mundo do trabalho como um todo, no universo do capitalismo. Afinal, o docente também

se insere nos desafios impostos aos trabalhadores das mais diversas categorias profissionais na

contemporaneidade. Inclusive, para a Psicologia Histórico-Cultural nenhuma problemática que

envolva o humano pode ser tratada adequadamente sem ser considerado o contexto no qual se

insere; se desenvolve com suas contradições e leis próprias.

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O mercado de trabalho tem se transformado muito nas últimas décadas; a precarização e

a flexibilização das relações de trabalho fazem parte desta mudança. No trabalho docente, isso se

manifesta em contratos flexíveis com maior intensificação da carga de trabalho e exigência de

polivalência. (MARIA CHALFIN, MAGRO e BUDDE, 2011). No âmbito internacional, Tedesco

(2012) traz uma série de fatores que contribuem para esse quadro: O novo capitalismo é baseado no

uso intensivo de tecnologias da informação, globalização e desmantelamento dos serviços sociais.

Há um aumento na concentração de renda, aumento da pobreza, desemprego e exclusão social o que

se reflete, ainda, em fragmentação cultural e erosão nos níveis de confiança na democracia. Moraes

Cruz ET AL (2010) destacam que “as condições decorrentes deste cenário, e as múltiplas exigências

feitas ao papel do professor, cada vez mais tem sido associadas aos problemas de saúde física e

mental apresentados por estes trabalhadores.” (p.148).

Neste novo mundo do trabalho, as possibilidades para a criação tornam-se cada vez

mais bloqueadas para a maioria dos trabalhadores, à medida que estes são obrigados a adequar-se ao

modelo normativo que a organização do trabalho lhes impõe e seus desejos são colonizados. Isso é

relevante posto que a criatividade é um fator importante para saúde mental, de acordo com a

perspectiva Histórico-cultural.

Mancebo, Goulart e Dias (2010) apontam para um contexto atual de implementação de

contratos de trabalho “ágeis” e econômicos, como “temporários”, “precários”, “substitutos” e outras

denominações já em vigor, inclusive nas grandes universidades públicas. Isto aprofunda um

mercado de trabalho diversificado e fragmentado, composto por poucos trabalhadores centrais,

estáveis, qualificados e com melhores remunerações e um número cada vez maior de docentes

periféricos, temporários, em mutação e facilmente substituíveis;

De acordo com Oliveira (2004) esse cenário de precarização, na área docente, está

relacionado às reformas educacionais que - apesar de serem orientadas pela busca da promoção de

justiça social buscando uma maior equidade social, ou seja, buscando ampliar o atendimento

educacional, estendendo-o aos que não têm acesso e aos que não puderam manter-se na escola;

focando na universalização do ensino fundamental, ampliação do acesso ao ensino médio e, mais

recentemente, o atendimento prioritário à educação infantil em creches e pré-escolas mantidas pelo

poder público(ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009) - tem resultado em intensificação do trabalho

docente, ampliação do seu raio de ação e, consequentemente, em maiores desgastes e insatisfação

por parte desses trabalhadores.

A LDB 9.394/96, afirma que no plano legal o trabalho docente não se restringe à sala de

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aula, ele contempla ainda as relações com a comunidade, a gestão da escola, o planejamento do

projeto pedagógico, a participação nos conselhos, entre outras funções. Assim, podemos considerar

que houve uma dilatação, no plano legal, da compreensão do que seja o pleno exercício das

atividades docentes. (ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009).

Segundo Lüdke e Boing (2007, p. 1.188), “as críticas externas ao sistema educacional

cobram dos professores cada vez mais trabalho, como se a educação, sozinha, tivesse que resolver

todos os problemas sociais”.

A esse respeito Gatti, Barreto e André (2011) comentam que em uma medida cada vez

maior, os professores trabalham em uma situação na qual a distância entre a idealização da

profissão e a realidade laboral tende a aumentar, exatamente pela complexidade e multiplicidade de

tarefas que são chamados a desempenhar. Sua prática passa a depender não apenas de

conhecimentos e/ou competências cognitivas no ato de ensinar, mas também de valores e atitudes

favoráveis a uma postura profissional aberta que seria capaz de criar e ensaiar alternativas para os

desafios que lhes são apresentados.

Loureiro (2001) esclarece que a formação dos professores tem sido vista também como

a panaceia para os males da educação, o que não condiz com a sua complexidade na relação com a

própria educação e a sociedade.

Nesse ponto, podemos abordar outra faceta da precarização que impacta os docentes,

qual seja, a questão da inadequação da formação docente para fazer frente a essa complexidade e

multiplicidade de tarefas.

Basso (1998) afirma que, em um panorama de precarização, no qual as escolas tendem a

funcionar à imagem das indústrias, o controle das atividades docentes em sala de aula, felizmente,

ainda se mantém sob o domínio do professor. No entanto, o controle pode efetivar-se muito mais

pela formação aligeirada do professor do que por outras vias. As ocorrências no espaço da sala de

aula dependerão, fundamentalmente, do professor, de suas condições subjetivas, de sua formação.

Para o trabalho do professor, tomando por analogia a lógica da produção, o

conhecimento seria sua matéria-prima, da qual não pode prescindir sem prejuízo do produto ou

resultado final. Alves (2009, p.40) destaca que “apartar o professor desse saber, matéria-prima de

seu trabalho, é contrariar a própria lógica orientadora do processo educativo” e reforça o argumento

salientando que a supressão desse elemento leva a precarização do trabalho pedagógico.

Além disso, formar alguém é algo muito maior que apenas treiná-lo em aptidões

didáticas e atualizações de conteúdos. Existe uma dimensão ética, uma dimensão crítica, uma

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necessidade de estar comprometido de modo pessoal e social com os alunos que exigem condições

apropriadas para florescerem; o tempo para maturar determinadas experiências é uma dessas

condições.

Freire (1996) destaca, que o preparo científico do professor deve coincidir com sua

retidão ética e que infelizmente estamos submetidos “(...) ao comando da malvadez da ética do

mercado” (p.17) é essa ética do mercado que quer fabricar professores como se fabrica qualquer

outro produto. No entanto, justamente por isso, é necessário lembrar que podemos ser

condicionados, mas não determinados; o futuro pode ser problemático, mas não é inexorável.

Para aprofundarmos mais no entendimento dessa questão do trabalho docente, vale a

pena discorrer um pouco acerca de como se configurou a história da profissão docente no Brasil.

Esse percurso nos revela como o cenário de precarização foi sendo constituído e as tramas

desenhadas para que hoje tenhamos muito dos desafios que se apresentam no país.

1.3 A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

De acordo com Saviani (2009) a questão do preparo de professores no Brasil emergiu de

forma explícita depois da independência quando se cogitou a organização da instrução popular.

Partindo desse momento, ele distinguiu seis períodos na história da formação de professores no

país:

1. Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Nesse período, que se

iniciou com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras Letras, obrigavam-se os professores a

instruírem-se no método do ensino mútuo, às próprias expensas; estendeu-se até 1890, quando

prevaleceu o modelo das Escolas Normais.

2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932), cujo marco

inicial foi à reforma paulista da Escola Normal, tendo como anexo à escola-modelo.

3. Organização dos Institutos de Educação (1932-1939), cujos marcos foram as

reformas de Anísio Teixeira no Distrito Federal, em 1932, e a de Fernando de Azevedo em São

Paulo, em 1933.

4. Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e

consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-1971).

5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-

1996).

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6. Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores e o novo

perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006).

Com a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, surgiu a preocupação explícita com a

formação dos professores. É na lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro

de1827, que essa preocupação apareceu pela primeira vez. Ao determinar que o ensino, nessas

escolas, deveria ser desenvolvido pelo método mútuo, a referida lei estipula no artigo 4º que os

professores deverão ser treinados nesse método, às próprias custas, nas capitais das respectivas

províncias. Além disso, Gondra e Schueler (2008) assinalam que, a partir dessa data, os candidatos

ao cargo de professor passaram a ser avaliados publicamente por uma banca e somente brasileiros

(natos ou naturalizados) poderiam fazê-lo. Há, portanto, uma exigência de preparo didático, ainda

que não se façam referência às questões pedagógicas (SAVIANI, 2009) e nem fossem dadas as

condições para a maior parte dos professores buscarem tal preparo por conta própria.

Gondra e Shueler (2008) destacam ainda a existência de lugares sociais diversificados

entre os profissionais do ensino (consequência da fragmentação dos cursos e das diferenças nos

objetivos dos níveis de instrução primária, secundária e superior). No topo da hierarquia estava uma

minoria de docentes que gozava de maior nível de remuneração e prestígio social (os que

ensinavam em instituições destinadas à elite intelectual e política, ou seja, nas faculdades do

império e nas instituições oficiais de ensino secundário, sobretudo o Imperial Colégio Pedro II e os

Liceus e Ateneus provinciais). Entretanto, mesmo entre estes havia a diferença entre os

proprietários das cadeiras (efetivos) e os substitutos ou repetidores que estavam de forma

temporária nesses locais e percebiam salários menores. Por conseguinte, tinham uma situação,

instável e ficavam à espera de exames e concursos ou da efetivação de nomeação para cargo

público. Na base da pirâmide estavam os professores primários públicos cujos salários dependiam

de diversos fatores: localização da escola, efetividade ou substituição no cargo, número de

matrículas, valor dos aluguéis das casas escolares (que eram descontados de seus vencimentos);

afora estes ainda havia uma multiplicidade de profissionais que vivia de ensinar em aulas isoladas e

em cursos preparatórios.

Após a promulgação do Ato Adicional de 1834, que colocou a instrução primária sob a

responsabilidade das províncias; estas tenderam à adoção dos modelos de Escolas Normais

europeias para a formação dos professores.

As primeiras escolas normais voltadas à formação dos docentes surgiram a partir de

1835 no Rio de Janeiro. Apesar disso, o número de alunos formados era muito pequeno. Apenas em

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1860 as leis começaram a prever vantagens para quem passava por essas instituições e de acordo

com Gondra e Shueler (2008) passaram por um processo gradativo de transformação em

funcionários públicos.

De acordo com Saviani (2009) esse modelo se estabeleceu e se expandiu durante os

primeiros anos da recém-estabelecida República (1890-1932); uma nova fase (1932-1939) foi

aberta com a criação dos institutos de educação, que tinham o diferencial de preocupar-se não

somente com o ensino, mas também com a pesquisa. Nesse âmbito, as duas principais iniciativas

foram o Instituto de Educação do Distrito Federal, idealizado e implantado por Anísio Teixeira em

1932 e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo, implantado em 1933

por Fernando de Azevedo. Ambos sob a inspiração do ideário da Escola Nova.

Com a reforma instituída pelo decreto n. 3.810, de 19 de março de 1932, Anísio Teixeira se

propôs a erradicar aquilo que ele considerava o “vício de constituição” das Escolas

Normais, que, “pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura

profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos” (Vidal, 2001, p. 79-80). Para

esse fim, transformou a Escola Normal em Escola de Professores. (SAVIANI, 2009, p.

145).

Almejava-se que os institutos de educação fossem pensados e organizados de forma a

incorporar as exigências da pedagogia, que buscava se firmar como uma forma de conhecimento

científico. Dois desses institutos foram elevados ao nível universitário; o paulista em 1934

incorporado pela recém-criada Universidade de São Paulo e o carioca em 1935 incorporado à

Universidade do Distrito Federal criada no mesmo ano. Saviani (2009) destaca que:

Foi sobre essa base que se organizaram os cursos de formação de professores para as

escolas secundárias, generalizados para todo o país a partir do decreto-lei n. l.190, de quatro

de abril de 1939, que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da

Universidade do Brasil. Sendo esta instituição considerada referência para as demais

escolas de nível superior, o paradigma resultante do decreto-lei n. 1.190 se estendeu para

todo o país, compondo o modelo que ficou conhecido como “esquema 3+1” adotado na

organização dos cursos de Licenciatura e de Pedagogia. Os primeiros formavam os

professores para ministrar as várias disciplinas que compunham os currículos das escolas

secundárias; os segundos formavam os professores para exercer a docência nas Escolas

Normais. Em ambos os casos vigorava o mesmo esquema: três anos para o estudo das

disciplinas específicas, vale dizer, os conteúdos cognitivos ou “os cursos de matérias”, na

expressão de Anísio Teixeira, e um ano para a formação didática. (p.146)

Ao ser generalizado, no entanto, esse modelo de formação em nível superior perdeu sua

referência de origem, cuja base era as escolas experimentais às quais competia fornecer campo de

pesquisa para dar caráter científico às formações.

Durante o governo militar as escolas normais foram extintas e os professores

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polivalentes passaram a ser formados no Magistério, com nível de 2º grau. Para lecionar para os

outros anos, era necessário cursar uma licenciatura em programas de curta ou longa duração.

Até 1996 a exigência de nível superior para o ensino nas escolas se resumia àqueles

profissionais que ensinavam no ensino médio, não havendo referências aos docentes de ensino

fundamental (Vieira, 2012). Só a partir de 1996 com LDB 9394/96 é que a formação em nível

superior passou a ser requisito na Educação Básica através de seu artigo 62 (VIEIRA, 2012).

No que diz respeito à pós-graduação na formação desses mesmos profissionais, Vieira

(2012) afirma que não há, ainda, leis de fato, e sim um “estado de coisas”, algo que incomoda,

prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a se constituir como item na

agenda governamental.

Saviani (2009) assinala que as sucessivas mudanças introduzidas no processo de

formação docente revelam um quadro de descontinuidade, ainda que não haja rupturas; o que se

revela é a precariedade das políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram o

estabelecimento de um padrão minimamente consistente de preparação dos docentes para fazer face

aos problemas enfrentados pela educação escolar no Brasil.

As Diretrizes Curriculares para Formação de Professores para Educação Básica são

ostensivas, portanto, para garantir uma qualificação mínima de seus docentes. Mas, uma

qualificação mínima não é suficiente para dar conta da multiplicidade de desafios que a

complexidade cotidiana do ensino demanda, principalmente, se levarmos em consideração o fato de

que muitas escolas estão situadas em locais considerados perigosos em virtude da situação de

vulnerabilidade social de seus alunos e familiares, o que acarreta viver em situações de violência de

múltiplos aspectos. De acordo com Pigatto (2010), cenas de agressividade entre alunos, tráfico de

drogas, furtos, indisciplina, depredações e desrespeito com os profissionais que atuam na escola são

comuns.

A premência da necessidade de formação dos professores é confirmada, ainda, quando

verificamos a meta 15 do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, que estipula a criação de

uma política nacional de formação docente, visando garantir a todos o curso superior específico na

área em que lecionam. Entram nesse ponto também as melhorias no currículo das graduações, a

oferta de bolsas de estudo aos professores, a valorização do estágio e o aprimoramento da formação

de outros profissionais, como as merendeiras. Em linha com essa meta está a 16, na qual o país se

compromete a oferecer cursos de pós-graduação a 50% dos docentes da Educação Básica.

(BRASIL, 2014). Cabe salientar que em 2016 esse plano ainda não havia sido implantado. Em

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janeiro de 2017, no governo Temer, notícias foram divulgadas sobre cortes nas bolsas de estudo a

professores. Há também a perspectiva de desmantelamento dos programas da Universidade Aberta

do Brasil e do programa de bolsas de iniciação à docência.1

Independente disso, em sua maioria, as formações tendem a não incluir a dimensão

subjetiva dos professores. Gatti (2003) apud Scoz (2011) afirma que de modo geral, existe a crença

de que o oferecimento de informações, conteúdos ou se trabalhando apenas a racionalidade dos

profissionais, estes produzirão, a partir do domínio de novos conhecimentos, mudanças nas posturas

e formas de agir. Essa poderia ser uma das razões pelas quais muitos programas que almejam

mudanças cognitivas, de práticas e de posturas docentes fracassem; desperdiçando tempo e dinheiro

público.

Freire (1996, p 22-24) já advertia sobre a formação que:

(...) o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se

como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar

não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua

construção. Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por

aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o

sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que

recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e que são para mim

transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora,

terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto

de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá

ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se reforma ao

formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (...) não há docência sem

deiscência (...) Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente

que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar (...) foi assim

que perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos

de ensinar. (...)”

Como se essas questões já não fossem suficientes para gerar preocupação, em 22 de

setembro de 2016 o presidente, à época, em exercício, Michel Temer, instituiu a Medida Provisória

de número 746 que autoriza que além de trabalhadores em educação, portadores de diploma de

curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim, também, profissionais com notório saber,

reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, possam ministrar conteúdos de áreas afins à sua

formação; como os sistemas de ensino farão para reconhecer esses profissionais, quais critérios

serão adotados, não são esclarecidos pela tal medida.

Temos, portanto, o panorama no qual se insere o desafio da promoção da saúde mental

1 Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/governo-temer-quer-cortar-bolsas-de-estudos-de-professores ,

https://falandoverdades.com.br/2017/01/10/governo-temerpsdb-cortara-bolsa-de-estudos-de-professores/ ,

http://painel.blogfolha.uol.com.br/2017/01/09/mec-contratara-auditoria-externa-para-avaliar-programas-criados-em-

gestao-petista/

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do professor: globalização, precarização na forma de atividades em excesso, formação aligeirada,

salários baixos, violência e sobreposição de papéis.

Diante deste quadro, a proposta desta tese é relevante e justificável. Nesse sentido,

definimos como objetivo geral: investigar as estratégias defensivas utilizadas por docentes do

ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental.

Os objetivos específicos foram: 1) Identificar as concepções dos professores sobre

saúde mental e qualidade de vida. 2) Mapear as estratégias defensivas das quais os professores

lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento psíquico. 3) Verificar o que os professores

pensam sobre a formação continuada e se fazem alguma relação entre ela e seu bem-estar. Além

disso, defendemos a tese de que a formação continuada poderia ser uma ferramenta para promoção

da saúde mental do professor.

Para responder aos objetivos supracitados, organizamos o trabalho em diferentes

capítulos que se seguem à introdução.

No capítulo 2 são apresentados dados e modelos de pesquisa sobre saúde mental,

escolas e professores para ajudar na compreensão do enquadre do presente trabalho. Também

traremos um levantamento das produções nacionais sobre a problemática relativa à saúde mental

dos professores, num período de dez anos, 2005 a 2015, no Portal de Periódicos da CAPES.

No capítulo 3 discutimos o que são estratégias defensivas a partir de um levantamento

similar ao anterior, feito no Banco de teses da CAPES utilizando os seguintes descritores: 1.

Estratégias defensivas docentes; 2. Estratégias de defesa docentes. Definimos também um recorte

de 10 anos (2004-2014). Os resultados foram catalogados destacando sua teoria de base e a

metodologia utilizada no trabalho. Em seguida, é apresentada a compreensão das estratégias

defensivas sob a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural.

No capítulo 4 é retomada a questão da formação continuada e sua importância para a

saúde dos docentes. Afinal, desde os primeiros passos no desenho da tese, esse foi um tema que

consideramos relevante como espaço no qual os professores podem encontrar apoio para o

enfrentamento das problemáticas da profissão.

No capítulo 5 discutimos a metodologia utilizada na pesquisa detalhando aspecto do

lócus no qual desenvolvemos o trabalho, dos instrumentos utilizados e dos procedimentos de

análises das informações obtidas.

No capítulo 6 apesentamos e analisamos as categorias da pesquisa, que se traduzem nas

vozes dos professores. Para nós, o ponto culminante de nossa tese.

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Por fim, apresentamos as conclusões do trabalho, expondo os achados de forma

sistemática, destacando o modo como os nossos objetivos foram atingidos e, por fim, levantando

novas questões que podem suscitar outras investigações.

2. SAÚDE, ESCOLA E PROFESSORES

O interesse pelo estudo da relação entre saúde mental e trabalho cresceu porque

aumentou a prevalência dos transtornos mentais e de distúrbios do comportamento nos

trabalhadores de diversos países. No Brasil, de acordo com dados do INSS (2001), os distúrbios

psíquicos ocupam o terceiro lugar na causa de concessão de benefício previdenciário com

afastamento superior a 15 dias e de auxilio doença por invalidez. (GASPARINI, BARRETO e

ASSUNÇÃO, 2006; JACQUES, 2003).

O estudo realizado por Gasparini, Barreto e Assunção (2006) na rede municipal de Belo

Horizonte sobre a prevalência de transtornos mentais comuns em professores, mostrou que 50,3% dos

751 professores pesquisados apresentavam risco de transtornos mentais.

Em outro estudo dos mesmos autores (GASPARINI, BARRETO e ASSUNÇÃO, 2005) foi

constatado que, nos dados pesquisados em Belo Horizonte da Gerência de Saúde do Servidor e Perícia

Médica (GSPM), em um universo de 16.556 profissionais da educação no período de maio de 2001

a abril de 2002, 92% dos profissionais se afastaram do trabalho por motivo de doença e 82% desses

profissionais eram professores. Nesse estudo os transtornos psíquicos ocuparam o primeiro lugar

entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos (15%).

Em São Paulo, Vedonato e Monteiro (2008) realizaram pesquisa com 258 professores de

escolas estaduais e verificaram que a maioria destes profissionais apresentavam estilos de vida

precários, com a presença de muitos problemas de saúde, como transtornos musculoesqueléticos,

respiratórios e mentais. Na mesma pesquisa, foi constatado que 96,5% dos sujeitos consideravam o

trabalho na escola estressante e sugeriram que este fato pudesse estar relacionado com o

aparecimento de transtornos mentais em 20,9% dos entrevistados. Aliás, 74,1% destes que

consideravam o trabalho estressante faziam uso de medicamentos antidepressivos.

No maior estudo realizado até hoje no Brasil sobre burnout2 em educadores,

desenvolvido por Codo (2002), em uma amostra nacional de cerca de 39.000 professores. Os

2 Maslach (1997) define burnout como uma síndrome psicológica que envolve uma relação prolongada com os

estressores interpessoais crônicos, há uma sensação de exaustão avassaladora, ceticismo, desligamento do trabalho,

sensação de ineficácia e falta de realização. O burnout quando comparado ao stress é mais duradouro e não apenas

circunscrito a uma situação específica.

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resultados revelaram que 31,9% dos profissionais apresentavam baixo envolvimento emocional em

relação a sua tarefa; 25,1% apresentavam exaustão emocional e 10,7%, despersonalização. A

incidência de pelo menos um dos três sintomas do burnout foi de 48,4% da categoria.

Esse panorama não parece estar restrito ao Brasil. Desde os anos oitenta pesquisas sobre

a saúde docente, relacionadas às condições de trabalho, têm sido conduzidas em vários países. Cruz

ET AL (2010) destacam algumas delas na Suécia, França, Alemanha e Reino Unido. Elas informam

ainda que o estresse e a síndrome de burnout eram apontados como os principais problemas entre

professores naquela época, com implicações sobre o absenteísmo por doença e abandono da

profissão. Farber (1984) realizou uma pesquisa com 365 professores de escolas públicas do

subúrbio de New York, EUA; e encontrou uma frequência de 20 e 25% entre os docentes que se

apresentavam vulneráveis ao burnout, sendo que 10 a 15% deles já apresentavam os sintomas que

caracterizam essa síndrome; e, nesta década, o estresse e o burnout, provocaram um custo calculado

em mais de U$ 150 bilhões anualmente para as organizações Americanas (Trigo, Teng, & Halak,

2007).

Assunção e Oliveira (2009, p.365) citam outros estudos como o estudo realizado em

Hong Kong (Chan, 2003) que também mostrou a profissão de ensinar como altamente estressante.

Aproximadamente um terço dos professores pesquisados apresentaram sinais de estresse e burnout

entre os principais problemas de saúde; o de Dimitrov (1991) avaliou 69,5% dos professores de uma

região da Bulgária. Os resultados evidenciaram elevada taxa de morbidade (número de casos por

mil trabalhadores) por distúrbios mentais (DM) e por doenças do sistema nervoso (DSN),

associados ao nível de ensino no qual o entrevistado estava inserido.

Gomes (2006) em uma investigação sobre o estresse, burnout, saúde física e satisfação

profissional com 127 professores de uma escola secundária do Distrito do Porto, em Portugal,

descobriu que mais de 30% dos professores apresentavam estresse ocupacional e uma porcentagem

considerável desses profissionais apresentava sintomas de burnout. 14% evidenciavam problemas

de exaustão emocional, 17,95% apresentavam sintomas de despersonalização e 6% apresentavam

baixos índices de realização pessoal. A combinação simultânea dos três fatores indica uma

porcentagem média de 13% de professores que parecem se encontrar em situação de burnout.

Os estudos a respeito do adoecimento docente não se reduzem, contudo, à questão

epidemiológica dos afastamentos (que em si já é relevante e preocupante). De acordo com Jacques

(2003) um fator significativo para a abertura do campo da saúde do trabalhador à psicologia foi a

introdução de alterações significativas, a partir de 1986, propostas pela VIIIª Conferência Nacional

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de Saúde e Iª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, consolidadas na Constituição

Brasileira de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde de 1990. Tais alterações romperam com o modelo

teórico centrado no conhecimento médico e puseram o foco nos saberes compartilhados por

categorias profissionais diversas, para proporem ações integradas e interdisciplinares.

A mesma autora propõe quatro amplas abordagens que se articulam por

percursos diversos com a psicologia e com a psicologia social em particular: as teorias

sobre estresse, a psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou

diagnóstica e os estudos e pesquisa em subjetividade e trabalho. Estudos empíricos sobre

natureza e conteúdo das tarefas, estrutura temporal e densidade do trabalho e controle do

processo enquanto associados ao desgaste mental se incluem entre um ou outro dos

conjuntos conforme a ênfase de opção (por exemplo, se privilegiam as experiências e

vivências dos trabalhadores frente à estrutura temporal do trabalho, incluem-se no último

conjunto proposto). (JACQUES, 2003).

As teorias sobre estresse privilegiam os métodos quantitativos e os pressupostos

teóricos da Psicologia cognitivo-comportamental, cabendo ao trabalho o papel de desencadeamento

do adoecimento com grau maior ou menor de relevância (JACQUES, 2003).

A psicodinâmica do trabalho tem no autor Dejours seu fundador. Seu livro A Loucura do

Trabalho (publicado no Brasil pela primeira vez em 1987) foi muito bem recebido e amplamente

difundido no meio acadêmico, sendo um dos referenciais teóricos de apoio para diversos trabalhos e

pesquisas no Brasil. A ênfase de sua proposta consiste no privilégio concedido ao estudo da

normalidade sobre a patologia o que, inclusive, ensejou a substituição do termo psicopatologia do

trabalho por psicodinâmica do trabalho para minimizar a importância dos aspectos

psicopatológicos. (JACQUES, 2003).

Explicitando a relação entre aparelho psíquico e o trabalho, Dejours (1992) afirma que

o bem-estar psíquico provém de um livre funcionamento em relação ao conteúdo da tarefa. Assim,

se o trabalho é favorável a esse livre funcionamento, existe o equilíbrio; se a ele se opõe, será fator

de sofrimento e doença.

A organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o

aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao

choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e

uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa

quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa

Dejours (1992: 133).

Dejours (2009) também afirma o paradoxo do trabalho “Fonte de equilíbrio para uns, é

causa de fadiga para outros”. De acordo com o autor isso se deve ao funcionamento de um

referencial que ele chamou de “carga psíquica do trabalho”. Ele ressalta que essa carga tem pouco a

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ver com a noção de carga da ergonomia já que não é possível quantificar uma vivência que é antes

de qualquer coisa qualitativa. Afinal, o prazer, a satisfação, a frustração e a agressividade não se

deixam dominar por números.

No entanto, diante da impossibilidade de quantificação, ele propôs um modelo que

denominou de “abordagem econômica do funcionamento psíquico” que é uma combinação de um

modelo da clinica médica e dos princípios da economia psíquica propostos por Freud.

Partindo da clínica médica ele afirma que submetidos às excitações provenientes do

exterior ou do interior, o trabalhador dispõe de muitas vias de descarga de sua energia. A excitação,

quando se acumula é a origem de uma vivência de tensão: tensão psíquica. Essas vias de descarga

da tensão seriam em número de três: vias psíquicas, motoras e viscerais.

Se as vias mentais ou motoras não forem utilizadas como saída, a energia pulsional3 não

pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autônomo e pelo desordenamento das

funções somáticas. É a via visceral, atuando no processo de somatização4.

Partindo desses pressupostos, Dejours, chegou a alguns fatos: o organismo do

trabalhador não pode funcionar como máquina, posto que é permanentemente objeto de excitações

endógenas e exógenas; Além disso, o trabalhador possui uma historia pessoal que se concretiza por

certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades

psicológicas – ele não chegaria como máquina nova em nenhum trabalho – cada indivíduo possui,

portanto, características únicas e pessoais; ainda em razão de sua história, as vias de descarga

preferenciais das tensões não são as mesmas para todos.

Essas considerações remeteriam a uma questão básica: a tarefa que afeta um

trabalhador oferece uma canalização apropriada à sua energia psíquica? Em se tratando de carga

psíquica, o perigo principal seria o de um subemprego de aptidões psíquicas, fantasmáticas ou

psicomotoras, que ocasionaria uma retenção de energia pulsional, o que constitui precisamente a

carga psíquica do trabalho. Ou seja, a grande questão estaria na organização do trabalho: o trabalho

se tornaria perigoso para o aparelho psíquico quando ele se contrapusesse à sua livre atividade.

A psicodinâmica do trabalho preconiza o emprego de métodos qualitativos, de

abrangência coletiva, pautada no modelo clínico de diagnóstico e intervenção. Apesar disso, no

Brasil, é comum em estudos e pesquisas com base em seus pressupostos à substituição da entrevista

3 Freud (1996) define pulsão como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o

representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo - dentro do organismo - e alcançam a mente, como uma

medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.

4 Somatização é um processo onde existe um ou mais sintomas físicos que não podem ser diagnosticados via exames

porque sua origem está relacionada às emoções e são por elas mantidos.

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coletiva pela entrevista individual. Tal substituição se deve a dificuldades de reunir coletivamente

os trabalhadores, mas, inegavelmente, limita as abrangências da proposta, pois a interação grupal

permite reconstruir a lógica das pressões do trabalho e as defesas (principalmente coletivas) contra

os efeitos psicológicos dessas pressões. (JACQUES, 2003).

Apesar da genialidade e coesão de seu pensamento, devido a sua associação com a

psicanálise, Dejours parece não dar uma maior importância aos fatores históricos em seu trabalho.

Doray (1989) afirma que a visão ontológica presente na obra dejouriana remete à essência humana

uma abstração a-histórica. Para Lima (2002), o trabalho permanece em sua obra como uma

categoria marginal, subordinada à subjetividade que continua sendo, por excelência, o objeto da

psicodinâmica do trabalho.

Já epidemiologia tem suas pesquisas sobre o trabalho remetendo-se ao Sec. XVIII a

partir da obra de Ramazzini, que foi a primeira a sistematizar os efeitos do trabalho nos processos

de adoecimento dos trabalhadores. No entanto, só a partir da segunda guerra mundial a concepção

multicausal se apresentou como marco explicativo predominante em substituição ao paradigma

monocausal. (JACQUES, 2003).

Le Guillant (2006), que foi um dos fundadores da Psiquiatria Social na França,

conseguiu perceber, por meio de investigações, que, nas diferentes formas de organização do

trabalho de sua época, existiam fatores que poderiam ser relacionados com a incidência de alguns

distúrbios mentais em certas categorias profissionais. Ele também identificou a relação entre as

doenças mentais e as condições de vida, pois, quando observados em diferentes épocas da história,

alguns distúrbios eram mais frequentes do que outros em determinadas populações. Sua proposta

era de uma psicopatologia social, que ultrapassasse o puro sociologismo que atribuía somente aos

fatores sociais, as causas de distúrbios como alcoolismo, criminalidade, alterações de caráter,

delinquência juvenil, suicídio, atos de violência contra terceiros, etc. Ele detectou que algumas

atividades profissionais constituíam fatores patogênicos indiscutíveis que somente as predisposições

do sujeito não eram capazes de explicar.

De acordo com Clot (2010) a primeira inovação de Le Guillant foi justamente a ideia,

segundo a qual, há uma síndrome subjetiva da fadiga nervosa, que mostra que os sujeitos estão

sobrecarregados, profundamente feridos pelas condições de trabalho:

Le Guillant foi o primeiro, eu penso, a inventar, mesmo se ele não a conceituou, a ideia de

sistema de defesa profissional. Foi ele que escreveu um dia, essa frase emprestada de

Simone Weil, a filósofa, “os trabalhadores são muitas vezes obrigados a não pensar para

não sofrer”, agir sem pensar para não sofrer (...) às vezes é necessário fechar os olhos,

esquecer, não refletir ao que se passa conosco para poder suportar essa situação (...) a

anestesia psíquica como meio de suportar sua condição. (CLOT, 2010, p. 218).

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De acordo com Sampaio e Messias (2002) a epidemiologia é uma ciência social, prática

e aplicada que estuda a distribuição, determinação e modos de expressão de qualquer elemento do

processo saúde/doença para fins de planejamento, prevenção ou produção de conhecimento levando

em consideração os elementos socioeconômicos e culturais que possam implicar em

heterogeneidade.

No Brasil, de acordo com Jacques (2003) os trabalhos de Codo e colaboradores são

bastante conhecidos e tem suas bases na lógica epidemiológica; um de seus objetivos é identificar

os quadros psicopatológicos associados a determinadas categorias profissionais. No que diz respeito

aos Educadores o quadro identificado foi o de burnout.

A mesma autora afirma que a visão ontológica que emana das pesquisas de Codo e

colaboradores vem da psicologia histórico cultural e de concepções marxistas. No que diz respeito à

metodologia:

Codo e colaboradores propõem a utilização de instrumentos de medida das condições de

trabalho e saúde mental dos trabalhadores (incluindo 13 escalas de trabalho, sete escalas

clínicas – depressão, histeria, paranoia, mania, esquizofrenia, desvio psicopático e obsessão

– e uma escala de alcoolismo), um protocolo de observação do trabalho e análise de tarefas

e entrevistas qualitativas de aprofundamento. Tal proposta preconiza a utilização de

abordagens qualitativas e quantitativas. (JACQUES, 2003, p.12)

A autora diz ainda que a abordagem sofre críticas dos quantitativistas por usar casos

clínicos e dos qualitativistas por usar estatística. Para nós, na realidade, é uma abordagem

interessante por associar métodos diversos, rompendo uma perspectiva dicotômica em pesquisa.

Os estudos e pesquisas em subjetividade e trabalho buscam analisar o sujeito

trabalhador a partir de suas experiências e vivências no mundo do trabalho. Nesses estudos, o

trabalho é o eixo norteador para além do seu caráter técnico e econômico cuja significação perpassa

a estrutura socioeconômica, a cultura, os valores e a subjetividade do trabalhador. A concepção

marxista sustenta a concepção sobre a determinação histórica dos processos de saúde-doença e suas

vinculações às condições sociais de vida e de trabalho das pessoas. Outra característica comum a

esses estudos é a ênfase concedida a categorias como: vivências, cotidiano, modos de ser e não,

necessariamente, a diagnósticos psicopatológicos; ou ainda, a valorização de aspectos qualitativos e

das experiências em si dos trabalhadores que acompanham os processos de adoecimento associados

ao trabalho. Como metodologia privilegiam abordagens qualitativas através de técnicas como

observação, entrevistas individuais e coletivas, análises documentais e pesquisas etnográficas.

(JACQUES, 2003). Essa perspectiva coaduna com a visão da Psicologia Histórico-Cultural de

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Vigotski quando afirmava que mais importante do que a doença que a pessoa tem, é a pessoa que

tem a doença.

O trabalho de Clot também se insere nessa última categoria, pois a clinica da atividade

almeja:

Fazer trabalhar os trabalhadores para cuidarem do trabalho (...) cuidar do trabalho, em

francês, tem um duplo sentido: transformar o trabalho, mas também, em francês, fazer um

bom trabalho, é a qualidade do trabalho bem feito que é uma fonte de saúde. E, poderíamos

dizer, para que a organização do trabalho apreenda no vivo que os trabalhadores são seres

humanos responsáveis por aquilo que fazem, o que não é fácil de ser colocado em evidência

e é essa a ideia, fazer com que a organização leve em conta que os trabalhadores são seres

humanos responsáveis por aquilo que fazem. Para que eles apreendam isso em toda sua

importância é necessário fabricar métodos que mostrem isso, fabricar métodos que mostrem

que os trabalhadores são capazes de transformar a situação de trabalho. (...) (CLOT, 2010,

p.222)

O mesmo autor continua sua explicação sobre sua metodologia afirmando que primeiro

os pesquisadores agem, junto com os trabalhadores, e que, se não agirem mal, terão a chance de

apreender alguma coisa, mas apreender ao final. Não se busca, junto aos trabalhadores, confirmar a

ciência. Nessa ação há um problema técnico que é o da observação; A observação psicológica na

clínica da atividade não é a mesma observação que a observação ergonômica. Inspirado pelas ideias

de Wallon ele acredita que a observação de outrem parece obrigar o sujeito a se observar. Então

quando se faz observação em situação de trabalho, o resultado que se obtém é duplo: o primeiro

produz conhecimento sobre a atividade; o segundo produz uma atividade no observado e produz

nele um diálogo interior. Então, para a clínica da atividade a grande pergunta metodológica é acerca

do que fazer da atividade do observado de observação de si mesmo. O que fazer com isso? Sua

resposta é dar um destino dialógico ao diálogo interior que se abre durante a observação. É isso que

os permite religar, a concepção de observação, que foi apresentada, à concepção da ação.

Em um livro anterior, Clot (2007) afirma que o objeto da análise das atividades no

trabalho deve ser o desenvolvimento, com suas histórias e empecilhos, isso porque o

desenvolvimento que é possível aos homens e mulheres em situação de trabalho pode ser sede de

vários conflitos que, por vezes, deixam as pessoas diante de dilemas intransponíveis, fontes de

sofrimento desconhecido ou negado; o autor afirma, ainda, que esses conflitos se deslocam nas

metamorfoses sociais do trabalho, mas não desaparecem. Ora, a formação continuada é grande fonte

de desenvolvimento profissional, além da experiência, para um professor o que a colocaria na

perspectiva de Clot, em minha opinião, como foco de atenção de estudo.

Um dos principais dilemas está relacionado à contenção dos impulsos e gestos

espontâneos durante a execução das atividades e tarefas cotidianas. A esse respeito, o autor destaca

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que “a atividade é a apropriação das ações passadas e presentes de sua história pelo sujeito, fonte de

uma espontaneidade indestrutível. Mesmo brutalmente proibida, nem por isso ela é abolida (…)”

(CLOT, 2007, p.14); por isso mesmo a contenção da atividade espontânea leva ao esgotamento e à

fadiga. O autor fala em “(...) possibilidades que se sentem, mas que não podem ser vividas, daquilo

que não se pode fazer no âmbito daquilo que se faz.” (p.15)

É interessante observar que essa contenção de gestos não está restrita à esteira da linha

de montagem na fábrica, mas também, à restrição do pensamento em tarefas mentais, por exemplo,

envolvendo puramente classificação, preenchimento de formulários, repetição de conteúdos, etc.

Paradoxalmente, e em certa medida como consequência dessa contenção, por vezes, os

próprios sujeitos trabalhadores aumentam sua carga mental para tentar preservar ou recuperar o

tecido de relações sociais que podem ser privadas em certas situações de trabalho. Assim, “os

trabalhadores fazem mais do que o necessário, aprimoram, enganam ou desafiam com o aparente

objetivo de afirmar uma identidade que a tecnologia ou a situação de trabalho ameaçam” (DE

KEYSER, 1983 APUD CLOT, 2007, P. 68).

O presente trabalho, partindo dessa concepção de Clot e de Vigotski, tem aproximações

com estudos e pesquisas em subjetividade, com destaque para a compreensão dos sentidos

produzidos pelos professores sobre seu trabalho. Portanto, entendemos necessária a explicitação do

que compreendemos por subjetividade.

2.1 A SUBJETIVIDADE COMO CONCEITO MÚLTIPLO E COMPLEXO

Como dito acima, o presente trabalho tem aproximações com os trabalhos e pesquisa

em subjetividade com destaque para a compreensão dos sentidos produzidos pelos professores sobre

seu trabalho. É importante que fique claro, portanto, a compreensão do que é subjetividade no

contexto desse trabalho e do que se está falando quando se fala em sentido e em significado.

O conceito de subjetividade aqui utilizado é o da Psicologia histórico-cultural que

afirma serem as relações sociais de produção as responsáveis pela promoção do desenvolvimento da

subjetividade, e que a sua formação está atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade,

portanto, é constituída por fatores internos e externos e a forma de o indivíduo se perceber está

relacionada com o modo como os homens estabelecem as relações sociais em um contexto

específico, decorrente de condições histórico-sociais. (AITA e FACCI, 2011).

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Na Psicologia Histórico-Cultural Significado e Sentido são conceitos importantes; para

sua compreensão é necessário compreender a diferença entre atividade e ação. De acordo com

Leontiev (1978) a atividade humana é constituída por um conjunto de ações, e a necessidade

objetiva ou o motivo pelo qual o indivíduo age não coincide com o fim ou o resultado imediato de

cada uma das ações constitutivas da atividade. É somente através de suas relações com o todo da

atividade, isto é, com as demais ações que a compõem, que o resultado imediato de uma ação se

relaciona com o motivo da atividade.

Asbahr (2005) afirma que os componentes estruturais da atividade são, portanto,

necessidade, objeto e motivo. Além desses, a atividade não pode existir senão através de ações,

constituindo-se pelo conjunto de ações subordinadas a objetivos parciais advindos do objetivo geral.

Assim como a atividade relaciona-se com o motivo, as ações relacionam-se com os objetivos.

Para pesquisar uma atividade é necessário fazer a análise de sua estrutura e das relações

entre seus componentes. É preciso investigar o motivo da atividade.

Existem atividades externas e internas, as internas dizem respeito à reconstrução da

atividade prática sensorial externa, a transformação da realidade externa em interna recebe o nome

de internalização. Em termos de estrutura ambas se igualam (necessidade, objeto e motivo). A

consciência nasce dessa transformação do externo para o interno. De acordo com Asbahr (2005,

p.108) “Leontiev define a consciência como conhecimento partilhado, como uma realização social.

A consciência individual só pode existir a partir de uma consciência social que tem na língua seu

substrato real”.

A relação entre consciência e atividade é dialética, de acordo com Asbahr (2005) a

consciência é o produto subjetivo das atividades dos homens com os outros homens e com os seus

objetos; a atividade constitui, portanto, a substância da consciência.

A consequência disso é que para investigar a consciência de alguém relativa a algum

contexto, faz-se necessário investigar as particularidades das atividades daquele contexto, segundo

Leontiev (1978, p.100) “consiste, portanto, em encontrar a estrutura da atividade humana

engendrada por condições históricas concretas, depois, a partir desta estrutura, pôr em evidência as

particularidades psicológicas da estrutura da consciência dos homens”. Nessas particularidades, é

fundamental compreender os significados e sentidos produzidos pelos indivíduos coletiva e

individualmente.

Nesse ponto, podemos retomar a questão da diferença entre significado e sentido: a

passagem do mundo social para o mundo interno, psíquico, não acontece de forma direta, pois o

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mundo psíquico não é, simplesmente, uma cópia fiel do mundo social. Entre a consciência social e a

consciência individual estão a linguagem e a atividade coletiva laboral. É através da linguagem que

os homens podem compartilhar representações, conceitos, técnicas, e os transmitem às próximas

gerações. O significado se insere nessas representações compartilhadas, é aquilo que é

compreendido por todos da mesma forma. De acordo com Vigotski (1987) o sentido é um agregado

de todos os fatores psicológicos que surgem em nossa consciência, como resultado da palavra. O

sentido seria uma formação dinâmica, fluída e complexa com inúmeras zonas que variam em sua

estabilidade. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire no contexto

da fala. É a mais estável, unificada e precisa dessas zonas.

No entanto, de acordo com Asbahr (2005, p.111) “O homem apropria-se das

significações sociais expressas pela linguagem e confere-lhes um sentido próprio, um sentido

pessoal vinculado diretamente à sua vida concreta, às suas necessidades, motivos e sentimentos”. O

sentido, de acordo com González Rey (2003), exprime as diferentes formas da realidade, em

complexas unidades simbólico-emocionais, nas quais a história do sujeito e seus contextos sociais

produtores de sentido fazem parte como constituidores.

Em outras palavras, como afirma Scoz (2011) o sujeito não é a priori, nem é puro

reflexo do social, mas representa um momento de contradição e confrontação com este social e ao

mesmo tempo com sua própria constituição subjetiva; dessa confrontação nascem novos sentidos

vão modificando o sujeito e suas práticas. Clot (2007) destaca que o sentido do trabalho não está no

trabalho já que os comportamentos em uma dada instância da vida são regulados pela significação

que o sujeito lhe atribui em outros domínios da vida.

Então temos uma representação geral dos objetos, conceitos e técnicas (significado) e

uma representação particular ligada à história de vida ou contexto específico de uma ou mais

pessoas (sentido). “A relação entre a significação social, o sentido pessoal e o conteúdo sensível,

emocional, é o principal componente da estrutura interna da consciência”. (ASBAHR, 2005, p.111).

De acordo com Duarte (1993) a finalidade (o significado) do trabalho docente

consistiria em garantir aos alunos acesso ao que não é reiterativo na vida social. Dito de outra

forma, ao professor caberia uma ação de mediação entre a formação do aluno na vida cotidiana

onde ele se apropria, de forma espontânea, da linguagem, dos objetos, dos usos e dos costumes; e a

formação do aluno nas esferas não cotidianas da vida social, dando possibilidade de acesso a

objetivações como ciência, arte, moral etc.

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Obviamente esse papel, de mediador, não é uma empresa fácil. Ele implica na aquisição

de uma série de habilidades técnicas e comportamentais, no impacto emocional constante (já que se

está na presença de várias pessoas, diariamente.) além de grande investimento de tempo.

Em assim sendo, é preciso descobrir o que motiva e o que incita o docente a realizar tal

tarefa; em outras palavras, é preciso descobrir qual é o sentido destas atividades para os professores

(BASSO, 1998) porque isso pode levá-los a um estado de sofrimento ou ajudá-los no

desenvolvimento de estratégias de enfrentamento protetoras de seu psiquismo.

2.1.1 Psicologia Histórico-Cultural e Sofrimento Psíquico

Para entender o conceito de sofrimento psíquico na perspectiva histórico-cultural é

preciso compreender o que significa, nessa perspectiva, a alienação.

De acordo com Leontiev (1978) nas sociedades primitivas, onde ainda não havia divisão

social do trabalho e nem relações de exploração do homem; havia uma coincidência entre o sentido

e o significado das ações. Na sociedade capitalista, caracterizada pela divisão social do trabalho e

divisão em classes, no entanto, há a ruptura da integração entre o significado e o sentido das ações.

O sentido pessoal de uma ação não corresponde mais necessariamente ao seu significado. Lukács

(1972), ao tratar dos traços ontológicos gerais da alienação, afirma que a história da humanidade, a

partir de certo nível da divisão do trabalho, é também a história da alienação. Tal consideração é

indispensável para compreendermos concretamente o desenvolvimento da capacidade criativa em

nossa sociedade, que ainda se mantém dividida fundamentalmente em duas classes antagônicas

(trabalhadores e capitalistas). Se, no comunismo primitivo, a atividade vital produzia a satisfação

das necessidades de sobrevivência; com a divisão social do trabalho e a sociedade de classes no

interior do processo produtivo, o homem realiza uma atividade alheia, estranhada, que não lhe

oferece satisfação em si (quando está com fome o sujeito fabrica sapatos, por exemplo), troca sua

força de trabalho com outra pessoa, realiza uma atividade que não o satisfaz diretamente.

Sob as relações sociais de dominação, o significado e o sentido das ações podem

separar-se, tornando-as alienadas. No trabalho alienado, "a vida mesma aparece só como meio de

vida" (Marx 1984, p. 156 - grifos no original). Ou seja, há uma ruptura entre o significado e o

sentido das ações.

Basso (1998) afirma que, se o sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o

realiza for apenas o de garantir sua sobrevivência, ou seja, trabalhar só pelo salário, sem ter

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consciência de sua participação na produção das objetivações na perspectiva da genericidade,

haverá a cisão com o significado fixado socialmente.

Esse esvaziamento de sentido pode ser responsável, ou um componente fundamental, no

desenvolvimento de sofrimento no trabalho. Marx (1984, p. 153) afirma que o trabalhador que “(...)

não se afirma, mas se nega em seu trabalho, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve

energia mental e física livre, mortifica a sua physis e arruína a sua mente". Marx (1984) também

destaca que o trabalho na forma social do capital é transformado em mais uma mercadoria; Ora, se é

mercadoria, tem preço e valor que é, infelizmente, intuído através daquele; portanto, o valor pago

pelo trabalho de alguém o insere, também, em uma cadeia de auto percepção de mais ou menos

valor ante outros trabalhos; o que pode ter impacto em sua autoestima. Além disso, Marx também

sublinha quatro características que marcam o estranhamento do trabalhador no seu cotidiano: “o

estranhamento em relação ao produto do seu trabalho; o estranhamento no interior da sua própria

atividade; o estranhamento no que diz respeito ao outro homem e o estranhamento com relação a si

mesmo” (Marx, 2004, p. 38).

Para Basso (1998) o trabalho docente estaria alienado porque hoje os professores, de

maneira geral, ganham mal e tem uma jornada de trabalho extensa; o que não deixa tempo

disponível para a preparação de aula, a correção de trabalhos e a atualização. Também há poucas

oportunidades de discussão coletiva para solucionar problemas do cotidiano escolar. Diante disso, o

autor questiona: como o professor pode desenvolver um trabalho que tenha interesse para ele

próprio e para o aluno?

Ora, se como afirma González Rey (2003) o sujeito aparece nos momentos de sentido

em que pensa, o não pensar o remeteria a um não existir. Se os sujeitos não se tornam críticos para

exercitar e confrontar seus pensamentos, eles não podem gerar novos sentidos, não podem

modificar a si mesmos e nem aos espaços sociais onde atuam. Scoz (2011) acrescenta que também

na escola, quando o professor não é reconhecido como alguém que pensa, ele tende a repetir

modelos padronizados e preestabelecidos, tornando os projetos pedagógicos conservadores,

enquanto limita a sua própria capacidade de produzir conhecimento e o que é pior: esse professor

dificilmente reconhecerá seus alunos como sujeitos pensantes.

Um trabalho que se resume a repetir conteúdos imutáveis embota o professor. A

reprodução mecânica da atividade docente não permite a ampliação das possibilidades de crescer

como professor e ser humano (BASSO, 1998). O trabalho alienado docente pode levar ao

sofrimento psíquico e ao adoecimento. No entanto, deve haver pessoas que não sofrem ou sofrem

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menos e que conseguem serem felizes em seu trabalho cotidiano, para isso elas deverão lançar mão

de estratégias defensivas para sua psique. Falaremos mais a respeito das estratégias defensivas no

capítulo 3. Agora, ainda seguimos relacionando saúde mental e trabalho docente.

2.2 SAÚDE MENTAL E TRABALHO DOCENTE: O PANORAMA DE PESQUISAS

Com o intuito de aprofundar, ainda mais, a problemática relativa à saúde mental dos

professores, foi feito um levantamento das produções nacionais, enquadradas nesse descritor, num

período de dez anos, no Portal de Periódicos da CAPES. Os resultados encontrados foram os

seguintes: 205 achados entre livros, artigos, teses e dissertações. Desses, 19 achados foram

relevantes para essa tese. Os demais estiveram relacionados à saúde vocal dos professores, saúde

mental em geral, problemas de aprendizado de alunos ou a aspectos de formação. Esses trabalhos

foram tabulados por título, ano de publicação, Região Geográfica de Publicação, tipo de estudo, tipo

de instituição pesquisada (pública ou privada) e principal referencial teórico. Essa tabulação está

abaixo.

Foram identificados 2 (dois) trabalhos em 2005; 2 (dois) trabalhos em 2006; dois (dois)

trabalhos em 2008; 3 (três) trabalhos em 2009; 1 (um) trabalho em 2010; 3 (três) trabalhos em 2011;

1 (um) trabalho em 2012; 4 (quatro) trabalhos em 2013 e 1 (um) trabalho em 2014. Desses trabalhos

11 (onze) são artigos; 6 (seis) trabalhos são dissertações de mestrado e 2 (dois) trabalhos são teses

de doutorado.

Relativamente ao tipo de instituição pesquisada: 1 (uma) privada; 14 (quatorze)

publicas; 4 (quatro) Públicas e Privadas (método misto).

Quanto à natureza do estudo: 2 (dois) quali-quanti; 9 (nove) qualitativos e 8 (oito)

quantitativos.

Concentração por região: A maior parte dos estudos está concentrada nas regiões Sul e

Sudeste. Sete estão na região Sul; dois no Centro-oeste; três no Nordeste; um no Nordeste/Sudeste;

seis no Sudeste (apesar de um dos trabalhos classificados nessa região tratar de docentes da Paraíba,

optou-se por deixá-lo nessa região em virtude da ligação dos pesquisadores com Universidades do

Rio de Janeiro e sua publicação em um periódico da mesma região). Nenhum trabalho foi

identificado na região Norte.

Pela escassez de trabalhos e também porque o foco da presente pesquisa são os

professores da cidade de Fortaleza (Região Nordeste) vamos iniciar a descrição dos trabalhos

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39

produzidos por essa Região, após a tabulação:

Quadro 1 - Trabalhos sobre saúde mental e docência

(continua)

Título Região Tipo Base

Epistemológica

Tipo

Escola

Ano

A dor e a delícia de ser

(estar) professora:

trabalho docente e saúde

mental

Nordeste

(Paraíba)

Qualitativa Canguilhem

(1995) e está

presente nos

estudos de

Dejours (1992),

Oddone ET AL

(1986), Guérin ET

AL (1991) e

Schwartz (2000).

Pública 2006

Trabalho docente e

saúde: o caso dos

professores da segunda

fase do ensino

fundamental

Sudeste

(Rio de

Janeiro)

Qualitativa Psicodinâmica do

Trabalho

Pública 2006

O exercício da docência

e a preservação da saúde

mental do professor: um

estudo a partir de suas

condições de trabalho e

existência (dissertação)

Sudeste

(Minas

Gerais)

Quali/Quanti Louis Le Guillant/

Clot

Pública 2011

Condições de trabalho

docente e saúde na

Bahia: estudos

epidemiológicos

Nordeste

(Bahia)

Quantitativa Epidemiologia Pública/p

rivada

2009

Produtivíssimo e

precariedade subjetiva na

universidade pública: O

desgaste mental dos

docentes

Sul Qualitativa Mista Pública 2014

"Se eu tirar o trabalho,

sobra um cantinho que a

gente foi deixando ali”:

clínica de psicodinâmica

do trabalho na atividade

de docentes no ensino

superior privado

(Dissertação).

Sul (Rio

Grande do

Sul)

Qualitativa Psicodinâmica do

Trabalho

Privada 2013

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40

O professor, as

condições de trabalho e

os efeitos sobre sua

saúde.

Sudeste

(Minas

Gerais)

Quantitativa Análise

Documental

Pública 2005

Desgaste mental do

professor da rede pública

de ensino: trabalho sem

sentido sob a política de

regularização de fluxo

escolar (Tese)

Sudeste

(São

Paulo)

Qualitativo Selligman-Silva

(Teoria do

Desgaste Mental)

Pública 2009

Avaliação da qualidade

de vida de professores do

ensino fundamental:

influência das variáveis

sociodemográficas

(dissertação)

Centro-

Oeste

(Goiânia,

Goiás).

Quantitativo Teorias sobre

qualidade de vida

Pública 2011

Gênero e qualidade de

vida percebida--estudo

com professores da área

de saúde

Sul

(Espirito

Santo)

Qualitativa Análise de

conteúdo de

Bardin e

Psicodinâmica do

trabalho

Publica/p

rivada

2012

Gestão e trabalho

pedagógico:

Um estudo sobre o

sentido do trabalho para

gestores e docentes de

escolas municipais de

ensino fundamental na

cidade de Campinas

(Tese)

Sudeste

(Campina

s)

Quali/Quanti Teorias sobre

Subjetividade e

sentido do

trabalho (autores

variados)

Pública 2008

Condições de vida do

trabalhador docente:

Associação entre estilo

de vida e qualidade de

vida no trabalho de

professores de educação

física.

Região

Sul

Quantitativa Teorias sobre

qualidade de vida

Pública

estadual

2010

Representações sociais

de professores sobrea a

organização do trabalho

na escola e a promoção

de ambientes

educacionais saudáveis

(dissertação)

Nordeste

(Fortaleza

)

Qualitativa Representações

sociais e teorias

do enfrentamento

Pública 2005

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O docente universitário

em Enfermagem e a

Síndrome de Burnout:

uma questão de

educação para a saúde

(dissertação)

Sul

(Ribeirão

Preto)

Qualitativa Teorias sobre

estresse e saúde

mental (autores

variados)

Pública 2008

Condições de saúde,

estilo de vida e

características de

trabalho de professores

de uma cidade do sul do

Brasil.

Sul

(Bagé)

Quantitativa Análise estatística Pública 2013

A promoção da saúde a

partir das situações de

trabalho: considerações

referenciadas em uma

experiência com

trabalhadores de escolas

públicas

Nordeste

e Sudeste

(Paraíba e

Rio de

Janeiro)

Qualitativa ergo logia

(Schwartz,

Durrive, 2007;

Schwartz, 2000a)

Dejours; Clot

E outros

Pública 2009

Síndrome de Burnout em

professores: prevalência

e fatores associados.

Sul (Porto

Alegre)

Quantitativa Teorias sobre

estresse e burnout

Pública/p

rivada

2011

Prevalência da síndrome

de Burnout em uma

amostra de professores

universitários brasileiros.

Sudeste

(Piracicab

a)

Quantitativa Análise estatística Pública/p

rivada

2013

O perfil do adoecimento

docente na Universidade

de Brasília de 2006 A

2011

(dissertação)

Centro-

oeste

(Brasília)

Quantitativa Epidemiologia

Descritiva

Pública 2013

Fonte: Elaboração própria.

É interessante constatar que pesquisas realizadas em regiões geográficas bastante

distintas em seus diversos aspectos, fazendo uso de metodologias distintas e com fundamentação

teórica também distinta partilharam de vários achados coincidentes.

Trabalhos da Região Nordeste:

No trabalho “Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos

epidemiológicos” (ARAUJO e CARVALHO, 2009). As condições de saúde e trabalho de

professores foram analisadas a partir de resultados de oito estudos epidemiológicos desenvolvidos

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no estado da Bahia. Os estudos, realizados em docentes baianos, de 1996 a 2007, determinaram as

prevalências dos três principais grupos de queixas de saúde (problemas vocais, problemas

osteomusculares e saúde mental) e as associaram a características da organização do trabalho

docente. O estudo foi transversal e utilizou um questionário autoaplicável como principal

ferramenta de coleta além do Job Content Questionnaire (JCQ) Para avaliação dos aspectos

psicossociais do trabalho e o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) para avaliar a saúde mental.

As prevalências de Transtornos Mentais Comuns foram elevadas em todas as

populações estudadas, as mulheres surgiram como a população mais atingida. Os aspectos do

trabalho associados ao adoecimento foram os seguintes: trabalho repetitivo, insatisfação no

desempenho das atividades, desgaste nas relações professor-aluno, ambiente intranquilo, falta de

autonomia no planejamento das atividades, ritmo acelerado de trabalho, desempenho das atividades

sem materiais e equipamentos adequados e salas inadequadas.

Na população feminina, somados a esses fatores, estão às demandas do segundo turno

de trabalho (medida por atividades domésticas como lavar, passar, cozinhar e limpar, ponderada

pelo número dos moradores do domicílio). Essa demanda foi alta para apenas 3% dos homens e

33% para as mulheres, revelando que a responsabilidade pelas tarefas domésticas é atribuição ainda

restrita à população feminina.

No estudo realizado na cidade de Fortaleza intitulado “representações sociais de

professores sobre a organização do trabalho na escola e a promoção de ambientes educacionais

saudáveis” (MOURA ET AL, 2005) foi feita uma investigação a fim de identificar os impactos

provocados pela organização do trabalho escolar na saúde mental do professor. Nesse estudo, a

organização do trabalho se referiu à divisão do trabalho, ao conteúdo da tarefa, ao sistema

hierárquico, à burocratização da tarefa e as questões de responsabilidade exigidas pelo trabalho. Foi

utilizado o referencial teórico das Representações Sociais e da Teoria do Enfrentamento para a

leitura situacional. No percurso metodológico foram utilizados o questionário Maslach, a

observação participante e as entrevistas semiestruturadas.

Os resultados demonstram que os participantes estabeleceram relação entre o significado

atribuído à organização do trabalho e as estratégias de enfrentamento utilizadas. A escola significou

principalmente um local que é bom, mas, também, problemático. Neste aspecto, os professores

ressaltaram a presença da interação, amizade e companheirismo, problemas relacionados às

condições estruturais e organizacionais da escola.

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43

Como conclusão os autores destacaram que as práticas sociais de promoção da saúde no

trabalho docente devem observar o incentivo e o fomento de uma rede social intensa e extensa que

tenha um papel importante na prevenção de estresse e de outros problemas. Devem, também, ser

reforçados os suportes afetivos sociais que proporcionem, ao indivíduo, condições de desenvolver

estratégias de enfrentamento em vez de adaptações automáticas.

O terceiro estudo intitulado “A dor e a delícia de ser (estar) professora: trabalho docente

e saúde mental” (NEVES, e SELIGMANN-SILVA, 2006) versou sobre vivências de sofrimento

psíquico e prazer das professoras da primeira fase do ensino fundamental do município de João

Pessoa-PB e fez uso, principalmente, da teoria de Dejours para fundamentar suas análises. No

estudo foi constatado que as trabalhadoras desenvolveram defesas coletivas e individuais nas quais

se destacaram como recursos mais utilizados o “faltar para não faltar ao trabalho” (para não

adoecer), as saídas constantes de sala de aula, as relações de desconfiança entre colegas de trabalho

e demais profissionais, o individualismo e o desengajamento afetivo e cognitivo. Contudo, as

estratégias defensivas não foram o foco do trabalho.

Trabalhos da Região Sul:

No Trabalho de Oliveira, ET AL (2012) “Gênero e qualidade de vida percebida-estudo

com professores da área de saúde” Foram analisadas as condições de trabalho de professoras do

ensino superior da área da saúde em Vitória, no Estado do Espírito Santo, e suas implicações sobre

a saúde e qualidade de vida. A pesquisa teve abordagem qualitativa e a coleta de dados foi realizada

através de entrevistas; para a análise foi empregada à análise de conteúdo de Bardin, possibilitando

a abordagem de três categorias: lazer, descanso e saúde; sentimentos de perda da interação social e

familiar; e qualidade de vida percebida. Os resultados apresentam relatos relacionados à ausência de

lazer com consequentes distúrbios do sono favorecendo doenças psíquicas; excesso de trabalho;

alterações significativas na forma de organização do mesmo, comprometimento da interação social

e familiar, com influência sobre a saúde e a qualidade de vida. O trabalho executado pelas

professoras da área da saúde parece contribuir, portanto, para o desenvolvimento do processo de

adoecimento, com influência sobre a sua vida familiar, amorosa, social, ambiental e profissional,

com perda da qualidade de vida.

O trabalho “Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e

qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física.” (BOTH, ET AL 2010) teve por

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objetivo identificar o nível de correlação entre qualidade de vida no trabalho (QVT) e estilo de vida

(EV) dos professores de Educação Física. A amostra de 1645 professores foi selecionada por meio

de três estágios. O primeiro estratificou a região Sul do Brasil conforme as unidades da federação, o

segundo dividiu cada estado em mesorregiões e o terceiro considerou os Núcleos Regionais de

Ensino como conglomerados. Na coleta de dados foram utilizados questionários que avaliaram a

QVT e o EV. Os resultados evidenciaram que os professores estão insatisfeitos com os salários, as

condições de trabalho, a integração social e o tempo dedicado ao lazer, bem como possuem

comportamentos negativos na alimentação, controle do estresse e atividade física.

O artigo “Produtivismo e precariedade subjetiva na universidade pública: O desgaste

mental dos docentes” (BERNARDO, 2014) busca discutir as características desse modelo, partindo

do pressuposto que ele conduza a uma situação de precariedade subjetiva para os docentes. É

apresentado o resultado de uma pesquisa qualitativa com professores de uma universidade pública,

realizada por meio de entrevistas reflexivas. Os resultados apontam que há uma precariedade

subjetiva vivenciada que leva a um desgaste mental, o qual, por sua vez, pode ter como

consequência o sofrimento psíquico e o adoecimento. Apesar de se mostrarem conscientes do

processo que vivenciam, alguns docentes buscam adotar táticas individuais cotidianas de

“sobrevivência”, enquanto as estratégias coletivas com vistas à transformação são pouco

enfatizadas.

“Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma

cidade do sul do Brasil” (SANTOS e MARQUES, 2013). O objetivo deste trabalho foi investigar a

condição de saúde, o estilo de vida e as características de trabalho dos professores municipais de

Bagé (RS). Realizou-se um estudo transversal com 414 professores através de questionários

padronizados autoaplicáveis. O tratamento dos dados foi feito através de análise descritiva e

bivariada dos dados. O grupo de docentes caracterizou-se como feminino (96,1%) e de meia idade

(média = 40,1 ± 9,4 anos). O tempo de docência foi de 12,4 ± 9,5 anos, apresentaram alta

escolaridade (59,0% pós-graduado), carga de trabalho elevada (média = 31,7 ± 10,5 h/ sem) e

38,0% apresentou absenteísmo. A percepção de saúde foi boa para 38,5%. Foram fisicamente ativos

(65,2%), com excesso de peso (32,3% sobrepeso e 14,4% obesos), baixo consumo de frutas e

verduras (79,6%), nível médio de estresse de 14,9 ± 6,6 pontos e 20,3% relataram hipertensão

arterial. A percepção de saúde esteve associada com o tempo de docência, absenteísmo, atividade

física, número de refeições, nível de estresse e hipertensão arterial. A prevalência de professores que

avaliaram sua saúde negativamente foi baixa.

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No artigo “Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados.”

(CARLOTTO, 2011) a autora teve como objetivo do estudo identificar a prevalência da Síndrome

de Burnout em 882 professores de escolas da região metropolitana de Porto Alegre-RS. Foram

utilizados como instrumentos de pesquisa: um questionário elaborado especificamente para

levantamento de variáveis demográficas, laborais e o MBI- Maslach Burnout Inventory (HSS-ED).

Os resultados obtidos evidenciam 5,6% de professores com alto nível de exaustão emocional, 0,7%

em despersonalização e 28,9% com baixa realização profissional. Mulheres, sem companheiro fixo,

sem filhos, com idade mais elevada, que possuíam maior carga horária, que atendiam maior número

de alunos e trabalhavam em escolas públicas apresentaram maior risco de desenvolvimento de

Burnout.

“O docente universitário em Enfermagem e a Síndrome de Burnout: uma questão de

educação para a saúde” (MULATO, 2008). Neste estudo qualitativo as autoras tiveram por objetivos

levantar com docentes de Enfermagem o significado que atribuem à sua profissão; os momentos de

satisfação e insatisfação profissional; as atividades ocupacionais, de lazer e promoção de saúde e

averiguar o conhecimento sobre a Síndrome de Burnout, seus sinais e sintomas. Foram pesquisados

13 docentes, a maioria mulher, casada e católica, com mais de 40 anos e com filhos, com formações

variadas, e que atuavam na educação para a saúde. Elas referiram que a profissão significa

amorosidade, troca e diálogo, com papel mediador, humanizador e transformador, e a perceberam

como importante, porém exigente, desgastante e estressora.

O trabalho parece proporcionar satisfação como honrarias, ascensão profissional,

orientação de alunos, mas também insatisfação com o excesso de reuniões, responsabilidades e

estresse. As docentes desenvolviam atividades ocupacionais de ensino, como aulas na graduação e

pós-graduação; na pesquisa; na extensão, com a realização de palestras, cursos e estágios; na gestão,

por meio de comissões e conselhos; e nas atividades de lazer, ainda que incipientes, realizando

leituras, viagens, filmes, e alguns passeios. Como promoção de saúde, as docentes utilizavam o

lazer, apoio social, organização do tempo, terapias convencionais e alternativas, atividade física e

alimentação equilibrada. As docentes conheciam a Síndrome de Burnout, mas não reconheciam

parte dos sinais e sintomas que ela apresenta.

O trabalho de Perez (2012) “Se eu tirar o trabalho sobra um cantinho que a gente foi

deixando ali: clínica de psicodinâmica do trabalho na atividade de docentes no ensino superior

privado” foi o último dessa região e se propôs a investigar temáticas referentes à saúde mental e o

trabalho de docentes universitários, especificamente relacionadas às vivências de prazer e

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sofrimento no trabalho de professores universitários em Instituições de Ensino Superior (IES)

privadas. A Fundamentação teórica e metodológica foi a da Clínica da Psicodinâmica do Trabalho.

O método foi qualitativo, com a realização de entrevistas individuais semiestruturadas com dezoito

professores universitários de IES privadas. Os resultados evidenciaram uma extensiva jornada de

atividades que, com frequência, invade a vida fora do trabalho, revelando a sobrecarga de atividades

que lhes é solicitada cotidianamente, o que, como consequência, compromete a saúde física e

psíquica dos professores. Para evitar o sofrimento e adoecimento psíquico os docentes entrevistados

fazem uso de estratégias que promovam a saúde, dentre elas foram evidenciadas as estratégias

defensivas que favorecem a manutenção da organização do trabalho, sendo estas consideradas

alienadoras, e as estratégias que estimulam a continuidade do trabalho docente. Dessa forma, foi

possível identificar as maiores solicitações de mudança neste contexto, sendo elas: conquista de um

espaço para discutir as questões do trabalho; a obrigatoriedade da distribuição na jornada de

trabalho compatível com o tempo de preparação de aulas e atividades acadêmicas; menor carga

horária direcionada ao trabalho em sala de aula, para permitir o desenvolvimento de atividades

ligadas à extensão e, especialmente, à pesquisa e à qualificação.

Trabalhos da Região Centro-Oeste:

No trabalho “O PERFIL DO ADOECIMENTO DOCENTE NA UNIVERSIDADE DE

BRASÍLIA DE 2006 A 2011” (SOUSA, 2013) O objetivo principal foi, tendo como base a

epidemiologia descritiva, investigar a composição do perfil epidemiológico das morbidades dos

docentes, em específico os professores ativos da Universidade de Brasília, entre janeiro de 2006 a

dezembro de 2011, a partir dos dados de morbidade coletados junto a prontuários disponibilizados

pelos órgãos de saúde da universidade. Os dados foram coletados na forma de CIDs e o perfil geral

dos professores foi elaborado com dados fornecidos pela própria instituição. A população de

referência foi composta por 2.507 docentes efetivos do quadro funcional da UnB sendo que destes,

2.218 estavam ativos em dezembro de 2011, dos quais 202 professores viveram episódios de

afastamentos por doença. Observou-se maior prevalência de afastamentos em docentes entre 41 e

60 anos, do sexo feminino, solteiros. Foram computados no período estudado 15.108 dias de

afastamentos. A pesquisa de campo revelou diversas morbidades como justificativa para o

afastamento, no entanto, chama a atenção àquelas motivadas por Transtornos Mentais e

Comportamentais e as motivadas por Doenças do Sistema Musculoesquelético e Tecido Conjuntivo.

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“Avaliação da qualidade de vida de professores do ensino fundamental: influência das

variáveis sóciodemográficas” (SILVA, 2011). No trabalho, o objetivo foi analisar a qualidade de

vida dos professores de ensino fundamental da cidade de Goiânia, Goiás e correlacionar os fatores

sócio demográficos com os domínios do questionário de qualidade de vida Medical Outcomes

Study 36-Item Short Form Health Survey (SF-36). Foi feito um estudo transversal, no qual foram

avaliados 190 professores de ensino fundamental de 15 escolas municipais de Goiânia, no período

de abril a julho de 2010. Os resultados apontaram que Dor e Vitalidade foram os domínios mais

afetados. Os fatores idade, tempo de serviço, carga horária de trabalho e gênero contribuíram para a

piora dos domínios Capacidade Funcional, Dor, Estado Geral de Saúde, Vitalidade, Aspectos

Sociais, Limitações por Aspectos Emocionais e Saúde Mental da qualidade de vida consideram-se

necessárias políticas públicas que visem a agir tanto de forma educativa, quanto de forma

preventiva e curativa. A integração da saúde do trabalhador com a saúde da mulher deve ser

pensada já que a maioria dos docentes de ensino fundamental é do sexo feminino e o gênero

feminino mostrou-se fator importante para a diminuição de alguns domínios na qualidade de vida.

Trabalhos da Região Sudeste:

No trabalho “O exercício da docência e a preservação da saúde mental do professor: um

estudo a partir de suas condições de trabalho e existência” a autora Mota (2011) teve o propósito

inicial de investigar possíveis relações entre as condições do trabalho docente e o adoecimento

mental dos professores. Seu ponto de partida foi um levantamento de cunho epidemiológico

realizado em prontuários de pacientes do Hospital Espírita André Luiz. Os resultados desse

levantamento apontavam para uma possível relação entre o trabalho docente e o adoecimento

mental. Em um segundo momento, foi realizado um estudo de caso em uma escola municipal de

Belo Horizonte, visando não apenas conhecer uma experiência bem-sucedida, como aprofundar no

conhecimento a respeito das causas do alto índice de adoecimento verificado nessa categoria

profissional. Na segunda etapa, foram utilizados observações clínicas do trabalho e o método

biográfico proposto por Louis Le Guillant (2006). Os resultados apontam que a preservação da

saúde do professor depende da associação entre suas características individuais e uma determinada

forma de organização do trabalho que lhe permita criar formas inovadoras de realizar o seu trabalho

a partir dos meios disponíveis e estabelecer trocas de experiências com seus pares.

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“O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde” (GASPARINI;

BARRETO e ASSUNCAO, 2005) Este artigo apresenta o perfil dos afastamentos do trabalho por

motivos de saúde de uma população de profissionais da educação. Buscando elementos na literatura

disponível, aventa a hipótese de que as condições de trabalho nas escolas podem gerar sobre esforço

dos docentes na realização de suas tarefas.

Foram analisados os dados apresentados no Relatório preparado pela Gerência de Saúde

do Servidor e Perícia Médica (GSPM) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais,

relativos aos afastamentos do trabalho de funcionários da Secretaria Municipal de Educação, de

abril de 2001 a maio de 2003. Os afastamentos foram indicados pelos atestados médicos fornecidos

pela própria instituição. Os dados obtidos, embora não permitiram discriminar o número de

professores envolvidos, mas possibilitaram o conhecimento do número de afastamentos entre os

professores, sendo que os transtornos psíquicos ficaram em primeiro lugar entre os diagnósticos que

provocaram os afastamentos.

O artigo de Costa ET AL (2013). “Prevalência da Síndrome de Burnout em uma

amostra de professores universitários brasileiros” investigou a prevalência da Síndrome de Burnout

em 169 professores universitários da cidade de Piracicaba-SP, por meio do Questionário de

Avaliação para a Síndrome de Burnout (CESQT versão brasileira). O valor de consistência interna

alfa de Cronbach foi satisfatório para todas as dimensões do questionário. Os resultados mostraram

que 11,2% dos professores apresentaram Perfil 1 e 3% Perfil 2 da Síndrome de Burnout. A autora

destaca que prevalência encontrada é motivo de preocupação e merece atenção, não só pelos danos

que a Síndrome de Burnout provoca na saúde física, mental e social do profissional, mas também

pela influência na qualidade de ensino praticado nas escolas.

O trabalho de Mariano e Muniz (2006). “Trabalho docente e saúde: o caso dos

professores da segunda fase do ensino fundamental” teve como objetivo analisar a relação entre a

saúde mental e trabalho das professoras da segunda fase da rede pública do município de João

Pessoa – PB. Utilizou as contribuições teóricas da psicodinâmica do trabalho, propondo-se analisar

a dinâmica dos processos psíquicos pela confrontação do sujeito com a realidade do trabalho,

objetivando um espaço de discussão que privilegiasse a intersubjetividade dos sujeitos na

construção do sentido acerca do trabalho. A análise evidenciou que as docentes vivenciam

diferentes formas de sofrimento psíquico ao confrontar-se com as situações desfavoráveis de sua

atividade. Por outro lado, as professoras desenvolvem estratégias de enfrentamento que amenizam o

sofrimento e favorecem transformar a angústia em força propulsora de mudança, pois a presença do

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trabalho coletivo, o desenvolvimento de regras de ensino e o reconhecimento por parte dos alunos,

se constituem como possibilidade de construção de saúde e de prazer no trabalho destas professoras.

A tese de Paparelli (2009) “Desgaste mental do professor da rede pública de ensino:

trabalho sem sentido sob a política de regularização de fluxo escolar.” Parte da perspectiva da Saúde

do Trabalhador e procura identificar a participação da escola na produção do desgaste mental,

considerando o lugar ideológico de justificação das desigualdades sociais ocupado por essa

instituição na sociedade de classes, as questões de exclusão escolar, tais como se configuram no

interior das políticas educacionais atuais (programas de regularização de fluxo escolar) e a natureza

do trabalho docente, cuja lógica é avessa à organização do trabalho produtor de mercadorias. Desse

modo, busca responder as seguintes perguntas: quais são os principais determinantes do desgaste

mental de professores de ensino fundamental nas escolas públicas hoje? Como eles aparecem na

vivência dos professores? Que formas de enfrentamento e de resistência estão sendo engendradas

pelos trabalhadores?

Para responder as perguntas acima referidas, foram feitas entrevistas com professoras de

uma escola da rede municipal de ensino, paulistana, que viviam diferentes situações de trabalho:

readaptada, afastada por problemas mentais e, atuante, em sala de aula. Desde a invasão da escola

por uma lógica neoliberal produtivista, materializada pelos programas de regularização de fluxo

escolar, implantados a partir dos anos 1990, o trabalho docente vem passando por reestruturações

que vão em direção de sua intensificação, da ampliação dos tipos de tarefas, da sua desqualificação

e da precarização das relações de emprego, consolidando-se a desvalorização do trabalho educativo.

A pesquisa constatou que, em uma escola norteada pela seriação, os ciclos de aprendizagem pioram

as condições de trabalho no magistério, na medida em que o impedimento à ação de reprovar os

alunos implica em perda do controle docente, em aumento da indisciplina e do desinteresse do

alunado por uma escola cujo objetivo tornou-se basicamente credencialista. Sob essas condições, os

alunos que até os anos 1980 viviam a exclusão da escola, agora nela permanecem, mas sem

aprender, vivendo a exclusão na escola. As inúmeras tentativas docentes de reverter esse quadro

acabam, frequentemente, transformando-se em estratégias para minimizar o desgaste no trabalho,

sendo concretizadas em ações que representam uma espécie de renúncia ao papel de educador. Essa

desistência de educar significa, ao mesmo tempo, uma renúncia ao sentido do trabalho docente, que,

desse modo, passa a gerar intenso desgaste mental.

A tese de Diniz (2008) “Gestão E Trabalho Pedagógico: Um Estudo Sobre O Sentido

Do Trabalho Para Gestores E Docentes De Escolas Municipais De Ensino Fundamental Na Cidade

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De Campinas” analisa as percepções de professores, orientadores pedagógicos, vice-diretores e

diretores, em escolas públicas de ensino fundamental, sobre aspectos relacionados à organização,

condições e relações vivenciadas no ambiente de trabalho, articulados aos seus sentimentos de

prazer, sofrimentos e desafios no processo de realização do trabalho. O principal objetivo deste

estudo é, a partir das percepções particulares investigadas, compreender o sentido do trabalho para

os trabalhadores e o que o mesmo pode significar para escolas públicas de ensino fundamental.

O estudo envolveu 258 profissionais de 12 escolas públicas municipais de ensino

fundamental da cidade de Campinas, sendo que desses, 58 profissionais de 05 das escolas

colaboradoras participaram das entrevistas. Através das entrevistas reflexivas, os resultados

demonstraram que as dimensões relações, condições e organização do trabalho, tanto no âmbito da

gestão, como no âmbito da docência, estão relacionadas entre si pelo sentido de

precarização/desprofissionalização do trabalho, havendo uma tendência à vivência de sofrimento,

com nocividades para a saúde mental dos trabalhadores: a ansiedade produtiva acompanhada de

sinais de exaustão, a tolerância ao sofrimento e em alguns casos, a saída individual da desistência,

sobretudo, a desmobilização do trabalho. Configuraram estratégias de resistência/sobrevivência no

ambiente de trabalho: a mobilização pessoal por meio de outros, as defesas coletivas no âmbito da

docência, a gestão diretiva, a gestão compartilhada, a remoção, a estratégia defensiva do silêncio.

Estudo pareado Nordeste/Sudeste:

O artigo “A promoção da saúde a partir das situações de trabalho: considerações

referenciadas em uma experiência com trabalhadores de escolas publicas” (SILVA, ET AL, 2009)

apresenta e discute o que os autores denominaram como Promoção da Saúde a partir das Situações

de Trabalho (PSST). Para isto, fez-se uso de uma experiência desenvolvida no estado do Rio de

Janeiro e no município de João Pessoa/PB: o Programa de Formação em Saúde, Gênero e Trabalho

nas Escolas Públicas. Tal experimentação teve, como ponto de partida e chegada, as situações

concretas de trabalho, e envolveu, numa perspectiva ergológica, o diálogo sinérgico entre os polos

da experiência e dos conceitos, mediado pelo polo ético-epistêmico, pela constituição de

Comunidades Ampliadas de Pesquisa (CAP). Sua realização propiciou a produção de vários eventos

promotores de saúde, englobando modificações concretas na organização e no ambiente de trabalho,

mudanças nas formas de luta pela saúde e, mesmo, transformações no modo de olhar o trabalho e a

vida.

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Feito esse passeio pelo panorama dos principais trabalhos que se relacionam com nosso

tema, vamos a seguir adentrar de modo mais intenso na discussão sobre saúde e estratégias

defensivas. Sublinhar novamente que foram bem poucos os trabalhos que abordam o tema, ainda

mais relacionados à docência.

3. SAÚDE E ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS

A escolha de uma estratégia defensiva vai estar articulada à maneira como o sujeito

funciona e esse funcionamento está vinculado à percepção que o sujeito tem de si; essa percepção é

da esfera do constructo da identidade, categoria também importante para o presente trabalho.

A respeito da construção da identidade Scoz (2011) salienta que a tentativa de tradução

dos componentes da subjetividade e da identidade implica em ter presentes alguns processos

dinâmicos, tais como: a confluência de uma série de sentidos que estão articulados com a história

do sujeito e as condições concretas dentro das quais o sujeito atua em um dado momento. Partindo

dessa confrontação, o resultado é que surgem situações em que se apresentam a necessidade do

sujeito reconhecer a si mesmo, de delimitar seu espaço onde entrará em congruência consigo na

situação que está enfrentando. A subjetividade surgirá dessa situação. (GONZÁLEZ REY, 2003).

Para que se possa pensar em intervenções voltadas para promoção/manutenção da

saúde mental docente faz-se necessária à compreensão das estratégias defensivas utilizadas pelo

professor para manter-se em funcionamento.

Mais que isso, é necessário perguntar a respeito do que são Estratégias defensivas, em

quais teorias esse termo aparece bem como que tipo de trabalho tem sido produzido a esse respeito

em nosso país.

Com o intuito de esclarecer um pouco essa temática efetuei um levantamento no Banco

de teses da CAPES utilizando os seguintes descritores: 1. Estratégias defensivas docentes; 2.

Estratégias de defesa docentes. Foi definido um recorte de 10 anos (2004-2014), buscando trabalhos

recentes produzidos objetivando um caráter atual de produção.

Os resultados foram catalogados destacando sua teoria de base e a metodologia

utilizada no trabalho. A compreensão do que são estratégias defensivas em cada um deles é

detalhada abaixo dos quadros.

Na maior parte dos trabalhos, foi adotada a perspectiva da Psicodinâmica do trabalho,

apesar de nem sempre serem abordadas estratégias de defesa coletivas.

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Foram encontrados quatro registros – 3 dissertações e uma tese – no Banco de teses da

capes a partir do descritor: Estratégias defensivas docentes.

Quadro 2 - Estratégias defensivas docentes

Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem

Metodológica

PEREZ, KARINE

VANESSA.

UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO

GRANDE DO SUL

SE EU TIRAR O

TRABALHO, SOBRA

UM CANTINHO QUE

A GENTE FOI

DEIXANDO ALI:

CLÍNICA DA

PSICODINÂMICA

DO TRABALHO NA

ATIVIDADE DE

DOCENTES NO

ENSINO SUPERIOR

PRIVADO „.

Psicodinâmica do

trabalho.

Qualitativa

VIEIRA, MARILENE DE

LOURDES.

UNIVERSIDADE DE

UBERABA

MAL-ESTAR

DOCENTE E

SOFRIMENTO

PSÍQUICO: OCASO

DE PROFESSORES

DE UMA ESCOLA

DA REDE

MUNICIPAL DE

UBERABA, MG.

Eclética: psicodinâmica

do trabalho; Psicologia

histórica cultural;

Epistemologia

histórica,

Epidemiologia?

Formação docente.

Quali-quantitativa

CUPERTINO, VALERIA.

FACULDADE

NOVOS

HORIZONTES

PRAZER E

SOFRIMENTO NA

PRÁTICA DOCENTE

NO ENSINO

SUPERIOR: ESTUDO

DE CASO EM UMA

IFES MINEIRA

Psicodinâmica do

trabalho

Quali-quantitativa

COSTA, VERBENA

LÚCIA DE MEDEIROS

A DIVERGÊNCIA NA

ACADEMIA: FACEWORK

-ESTRATÉGIAS

DISCURSIVAS PARA

DEFESA E

PRESERVAÇÃO DAS

IMAGENS SOCIAIS'

Teoria de Polidez de

Brown e Levinson,

bem como, em alguns

pressupostos teóricos

metodológicos da

Análise da

Conversação.

Qualitativa

Fonte: Eboração própria.

No primeiro trabalho, intitulado “Se eu tirar o trabalho sobra um cantinho que a gente

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foi deixando ali: Clínica da psicodinâmica do trabalho na atividade de docentes no ensino superior

privado”, a autora faz uso da teoria de Dejours para embasar a análise das 18 entrevistas

semiestruturadas, conduzidas por ela, com professores de IES privadas em Porto Alegre, a fim de

pesquisar suas vivências de prazer e sofrimento no trabalho.

De acordo com a autora, para evitar o sofrimento e adoecimento psíquico os docentes

entrevistados fazem uso de estratégias que promovem sua saúde, dentre elas foram evidenciadas as

estratégias defensivas que favorecem a manutenção da organização do trabalho e as estratégias que

estimulam a continuidade do trabalho docente. É importante destacar que as estratégias

investigadas pela autora foram de cunho individual e não do coletivo dos docentes investigados.

Ela ressalta que, para Dejours, a principal função das estratégias defensivas é a de mascarar o

sofrimento para poder dar continuidade ao trabalho; para a autora, além disso, as estratégias

permitem a preservação da saúde mental mesmo que em alguns contextos tenha um caráter

alienante, já que podem evitar a mobilização dos sujeitos enquanto categoria. Nesse sentido, duas

das defesas apontadas foram a da passividade, da não implicação e do isolamento; as outras defesas

citadas foram: a dissociação afetiva, a autoresponsabilização, a intelectualização (relacionada ao

isolamento), o desejo de não falar sobre o trabalho, repensar a escolha da docência, o adoecimento,

a busca excessiva por qualificação, a negação, a ambivalência e a desistência.

Outras estratégias foram citadas no texto como sendo “puramente” positivas, quais seja

o relacionamento com os colegas, o relacionamento com os alunos, a criação de espaços

alternativos para discussão, a conscientização, a reorganização da rotina, Estar alerta aos sinais

emitidos pelo corpo antes do adoecimento, o estabelecimento de limites, a autonomia e possuir

perspectivas de futuro.

O trabalho subsequente de autoria de Vieira (2011) apresenta estratégias defensivas

utilizadas por professores do ensino fundamental de uma escola pública para manutenção de sua

saúde. A autora usa o nome de estratégias de autorregulação – apesar de cambiar essa denominação

com a de estratégia de defesa ao longo do texto - para discutir o assunto. A teoria de base por trás da

análise desenvolvida parece ser a de Dejours (em outros capítulos são citados autores como Codo e

Tardif); a autora dividiu os mecanismos em 10 categorias temáticas e os descreveu. Dos seus

achados o que chamou atenção foi o fato de que as chamadas “atividades de autorregulação” (outro

sinônimo usado pela autora) estarem direcionadas a vida pessoal das professoras (comportamentos

manifestados fora da escola) tais como: atividades esportivas e de lazer, cuidados pessoais, suporte

afetivo, espiritualidade, busca por medicalização e ajuda médica. Ela diz ainda que essas estratégias

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são classificadas como de defesa por não modificarem o ambiente, pois se assim o fizessem seriam

nomeadas de estratégias de enfrentamento.

O trabalho de Cupertino (2012) tem por referencial teórico a Psicodinâmica do

Trabalho e fez uso de metodologia quali-quantitativa. Seus achados apontam para uma situação na

qual prazer e sofrimento convivem de forma não excludente. A principal fonte de sofrimento, de

acordo com o autor, é a organização do trabalho (pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho,

número de pessoas insuficiente para realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga

de trabalho, falta de reconhecimento e necessidade constante de capacitação) para lidar com isso as

estratégias defensivas acionadas seriam a negação, a racionalização e adaptação forçada. O autor

destaca que o uso de estratégias individuais e a ausência de um coletivo de trabalho coeso e com

confiança mútua, contribui para manutenção da situação de exploração patogênica do trabalho.

O último trabalho não versa sobre estratégias defensivas de cunho psicológico, mas sim

sobre estratégias linguísticas utilizadas pelos acadêmicos para mitigar divergências, atingirem seus

interesses acadêmicos e preservarem sua imagem social.

Utilizando o descritor: Estratégias de defesa docentes no banco de teses da CAPES

foram encontrados 13 registros encontrados, sendo duas teses e 11 dissertações. Uma já aparecera

no descritor anterior, três dizem respeito ao tema:

Quadro 3 - Estratégias de defesa docentes

(continua)

Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem

Metodológica

MORAES, RAFAELA

MAYER DE.

CENTRO

UNIVERSITÁRIO

FRANCISCANO DO

PARANÁ

ESTRATÉGIAS

DEFENSIVAS E

TRABALHO

DOCENTE: O

TRABALHO DO

PROFESSOR NO

CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO

Psicodinâmica do

trabalho, na economia

política do poder e na

psicossociologia.

Qualitativa/ Análise de

conteúdo

ROSAS, MARIA LETICIA

MESSIAS.

UNIVERSIDADE

FEDERAL DO

AMAZONAS

ANÁLISE

PSICODINÂMICA

DO TRABALHO DE

PROFESSORES DE

UMA ESCOLA

RURAL NO

MUNICÍPIO DE

Psicodinâmica do

trabalho

Qualitativa

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55

IRANDUBA/AM

SOLDATELLI,

ROSANGELA

UNIVERSIDADE

FEDERAL DE SANTA

CATARINA

O PROCESSO DE

ADOECIMENTOS

DOS PROFESSORES

DO ENSINO

FUNDAMENTAL DE

FLORIANÓPOLIS E

SUAS

POSSIBILIDADES

DE RESISTÊNCIA A

ESSE PROCESSO

Materialismo histórico-

dialético?

Qualitativa

Fonte: Elaboração própria.

O primeiro trabalho não está disponível em sua versão completa, apenas seu resumo. O

foco de atenção do trabalho está na compreensão das estratégias defensivas docentes de forma

coletiva (como elas são vivenciadas pelo grupo) para isso a questão da materialidade é abordada. O

trabalho afora a teoria de Dejours faz uso da economia política do poder e da psicossociologia.

Foram realizadas entrevistas com os professores e foi feita a análise de conteúdo das mesmas. Os

resultados apontam para uma organização do trabalho que não proporciona espaços para reflexão

sobre o trabalho; o grupo social é apontado como elemento de suporte afetivo, sendo a principal

forma de defesa coletiva.

O trabalho de Rosas (2012) fez uso da Psicodinâmica do trabalho em sua metodologia e

análise. As estratégias identificadas foram de enfretamento (os professores propositalmente

transgrediam o trabalho prescrito) e de defesa (racionalização, resignação e presenteismo) além de

quadros de adoecimento.

Soldatelli (2011) fez uso de pesquisa empírica – questionário respondido por 165

professores - no intuito de articular as abordagens quantitativa e qualitativa de investigação. Ela cita

que seus achados estão de acordo com os de Seligmman-Silva (1994) e que as principais defesas

encontradas foram as seguintes: evitar pensar em determinadas situações no tempo fora do trabalho;

procurar explicações racionais para essas determinadas circunstâncias; resignação; repressão de

sentimentos ou manifestações de raiva, irritação ou revolta em seus ambientes de trabalho;

Isolamento; adoecimento; para evitar o adoecimento alguns dos entrevistados afirmaram fazer

exercícios, cuidar da alimentação e utilizar terapias alternativas.

Como pode ser percebido, existe quase uma hegemonia da perspectiva Dejouriana nos

trabalhos, seja com um enfoque mais “puro” destacando as estratégias de defesa coletiva, seja

fazendo uso de sua teoria, mas focando em estratégias defensivas de cunho individual.

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Feitas essas considerações, vamos tentar explicitar o que seriam Estratégias Defensivas

na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Para tanto, inicialmente, iremos apresentá-las como

produto da função superior criatividade, para em seguida destacar seu papel na produção de sentido.

Os estudos de Vigotski acerca da capacidade criativa contrariam as concepções inatistas

ou meramente descritivas predominantes no senso comum. Para Vigotski (1997):

(...) a conduta humana se distingue pela mesma peculiaridade qualitativa – comparada com

a conduta do animal – que diferencia o caráter da adaptação e do desenvolvimento histórico

do homem comparado com a adaptação e desenvolvimento dos animais, já que o processo

de desenvolvimento psíquico do homem é uma parte do processo geral do desenvolvimento

histórico da humanidade (p. 62).

Reconhecida a necessidade da história e do movimento para se compreender a

criatividade, na psicologia, Vigotski e Luria (1996) estudaram a história do comportamento dos

símios, do homem primitivo e da criança, concluindo que, para estudar a psicologia do homem

cultural adulto, faz-se necessário entendê-la como fruto de três trajetórias: 1) da evolução biológica

desde os animais até o ser humano; 2) da evolução histórico-cultural do homem primitivo ao

homem moderno; e, 3) do desenvolvimento individual (ontogênese), do recém-nascido até o homem

adulto moderno.

De forma sintética pode-se dizer que os autores resumiram o processo de

desenvolvimento dialético do psiquismo humano desde a transformação do símio ao homem

cultural moderno; fazem isso partindo de uma compreensão concreta do mundo e dos homens, das

particularidades do psiquismo humano como sendo uma síntese de múltiplas determinações que

compõem as relações humanas de produção e reprodução da vida.

Então, o homem apresenta potenciais para se tornar, inclusive, humano. Entretanto, a

manifestação de sua humanidade está subordinada à apropriação dos bens culturais historicamente

criados e acumulados, criações materiais e simbólicas cuja interiorização é indispensável para que

haja o desenvolvimento do complexo psiquismo humano. Quando a natureza é transformada em

matéria-prima para a produção da sobrevivência, inaugura-se o descolamento do homem com

relação à natureza (hominização). Um instrumento não é apenas um corpo físico, como para os

animais, mas um meio de ação elaborado socialmente já que as operações de trabalho estão

“cristalizadas nele”. O desenvolvimento do psiquismo se consolida quando as objetivações humanas

são apropriadas pelos seres humanos de geração em geração, num processo denominado educação.

O pensamento e o saber de uma geração, portanto, são formados a partir da apropriação dos

resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes.

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Tudo o que existe, o que foi produzido e institucionalizado pelo homem e que não

existia antes que ele o inventasse é criatividade cristalizada; a criatividade é uma função mental

cujo papel é o de encontrar soluções para as necessidades humanas (que, a exceção das fisiológicas,

muda constantemente). Ela pode ser utilizada, entre outras coisas, como dispositivo de tomada de

decisão quando não há caminho claro a ser escolhido, para inventar mediadores para memória e ou

para criar sentido (ou se distrair) em situações de impossível.

Como exemplo da primeira situação podemos citar o uso de dispositivos, tais como tirar

cara ou coroa quando estamos diante de um impasse cuja decisão compromete uma de duas

escolhas igualmente importantes; como mediador de memória posso citar mudar um relógio de

braço para recordar um compromisso em determinado horário ou amarrar uma fita em um dedo com

o mesmo propósito. Vigotski (1997) chamava a esse tipo de manifestação criativa de vontade

cultural que é o emprego de estímulos na qualidade de instrumento da memória, algo que só o

homem é capaz de fazer.

Acredito que as estratégias defensivas seriam uma forma de manifestação criativa, um

tipo de vontade cultural assim como a memória cultural só que sua função seria a de proteger a

psique da dor trazida por determinada realidade situacional (por exemplo, trabalhar

compulsivamente para não pensar em um problema pessoal). O grau de adequação de cada defesa

vai depender do contexto e das potencialidades subjetivas de cada um.

Vygotski (2003) considera que o "homem está pleno a cada minuto de possibilidades

não realizadas". Essas possibilidades, não realizadas, vão constituir um plano em que o sujeito pode

agir mais ou menos livremente; em que o sujeito pode, inclusive, resistir quando se tenta amputar

seu poder de agir.

Trabalhar impõe que a todo instante estejamos frente a impasses. Se as pessoas não

dispõem de recursos internos para lidar com tais impasses, ou de formas para desenvolver esses

recursos, estarão em situação de atividade impedida ou contrariada.

O trabalho só pode produzir saúde quando há atividade, sendo que a situação de

atividade impedida é uma situação de sofrimento e desgaste. As Estratégias Defensivas, também

poderiam ser entendidas, como aquelas relativas ao desenvolvimento de ferramentas internas que

permitam o desenvolvimento de recursos para realizar as atividades de forma diferente ou permitam

a criação de novas atividades mais livres ou realizadoras.

Elas podem ter um caráter coletivo ou individual. Na clínica da atividade (que tem

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inspiração na Psicologia Histórico-Cultural), existe uma necessidade de reconhecimento de seu

trabalho por parte do trabalhador; esse reconhecimento que produz saúde se dá no reconhecimento

do trabalhador, por si mesmo, produzido a partir da avaliação de que realiza um bom trabalho, do

qual pode se orgulhar. Os critérios desse “bom trabalho” são gerados continuamente na dinâmica do

ofício, na permanente construção e reconstrução do gênero de atividade profissional.

Existe, portanto, um caráter identitário e de reflexão no que tange a estar inserido em

uma categoria profissional e pensar e repensar suas práticas, suas atividades; o que implica,

também, numa tentativa individual de resistência, numa busca por não se deixar alienar pela

velocidade e repetição das atividades cotidianas.

Dito de outra maneira, as Estratégias Defensivas no âmbito da Psicologia Histórico-

Cultural estão relacionadas à produção de novos sentidos pelas pessoas diante das situações onde a

cisão entre significado e sentido provoca sofrimento.

4. FORMAÇÃO CONTINUADA E SAÚDE DOCENTE

Como dito no inicio do trabalho, a formação tem papel fundamental para a saúde dos

docentes e, em tempos de precarização, pode ser considerada um de seus principais focos de

manifestação (formações aligeiradas e insuficientes, por exemplo).

Uma revisão bibliográfica, seguindo os moldes anteriores, foi feita a respeito do assunto

no intuito de verificar a produção de trabalhos acadêmicos, no banco de teses da capes, relativos à

temática da formação continuada docente e sua relação com a saúde.

Utilizando o descritor formação continuada e saúde docente foram encontrados 38

registros, 26 trabalhos de mestrado acadêmico, 9 trabalhos de doutorado e 3 de mestrado

profissional. Destes trabalhos apenas seis apresentaram relações com a temática.

Quadro 4 - Formação continuada e saúde docente

(continua)

Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem

Metodológica

ALVES, ANDRÉ LUCIANO.

UNIVERSIDADE

FEEVALE

A FORMAÇÃO

CONTINUADA

COMO VIÉS DE BEM

/ MAL-ESTAR

DOCENTE

Inspiração histórico–

cultural

Quali-quanti

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59

RAMIREZ, VERA LUCIA.

PONTIFÍCIA

UNIVERSIDADE

CATÓLICA DO RIO

GRANDE DO SUL

A CONSTITUIÇÃO

DO

PROFISSIONALISMO

DOCENTE E SUAS

INTERFACES COM O

EXERCÍCIO DA

DOCÊNCIA NO

ENSINO SUPERIOR.

Nóvoa, Pimenta,

Pimenta e Anastasiou,

Tardif e Perrenoud

(constituição do

profissionalismo

docente, a formação

inicial e continuada).

Estudo de caso quali-

quantitativo

PINHEIRO,

LEANDRO BRUM.

PONTIFÍCIA

UNIVERSIDADE

CATÓLICA DO RIO

GRANDE DO SUL

O BEM-ESTAR NA

ESCOLA

SALESIANA:

EVIDÊNCIAS DA

REALIDADE

Psicologia positiva -

(SELIGMAN, 2000;

FERNÁNDEZ-

ABASCAL, 2008;

LYUBOMIRSKY

, 2008;

SNYDERS & LOPEZ, 2009).

JESUS, 2002

Quanti-qualitativo e o

estudo de caso como

abordagem metodológica

PADILHA, ADRIANA

CUNHA

UNIVERSIDADE

FEDERAL DE SÃO

CARLOS

O TRABALHO DE

PROFESSORES DE

EDUCAÇÃO

ESPECIAL :

ANÁLISE SOBRE A

PROFISSÃO

DOCENTE NO

ESTADO DE SÃO

PAULO

Marx, Saviani, Tardif,

Imbernón,

Shiroma, Frigotto, entre outros)

Qualitativa,

procedimento

metodológico a Análise

Coletiva do Trabalho

(ACT) .

CUNHA, FLÁVIA

BASTOS DA.

UNIVERSIDADE DE

BRASÍLIA

TORNAR-SE

PROFESSOR NO

COTIDIANO: UM

DESENHO

METODOLÓGICO -

EPISTEMOLÓGICO

DE PROCESSOS DE

SUBJETIVAÇÃO

CONSTRUÍDOS NO

CONTEXTO DA

EDUCAÇÃO

FILOSÓFICA

Sacristan, Freire e a Psicologia

histórica cultural. Qualitativa, unindo à

Epistemologia

Qualitativa (Rey, 2003,

2005) ao Método da Cartografia (Deleuze

e Guatarri, 1992; Passos, Barros e

Escóssia, 2010).

ANTUNES, DENISE

DALPIAZ

PONTIFÍCIA

UNIVERSIDADE

CATÓLICA DO RIO

GRANDE DO SUL

Dout....

OFICINAS

PEDAGÓGICAS DE

TRABALHO

COOPERATIVO:

UMA PROPOSTA DE

MOTIVAÇÃO

DOCENTE

Inspiração histórico-cultural. Abordagem quanti-quali,

elegeu dentro do

paradigma naturalista, o

Estudo de Caso como

método de pesquisa,

dentro de um único

ambiente escolar. Para a

coleta de dados foi

utilizado o questionário

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60

Indicadores

Motivacionais da Prática

Docente na Educação

Superior (adaptado para

a Educação Básica), no

que diz respeito ao

estudo diagnóstico-

exploratório quantitativo.

No que concerne à coleta

e posterior análise

qualitativa, optou-se pelo

Diário das Oficinas

Pedagógicas de Trabalho

Cooperativo; registros

fotográficos e registros

em gravado

Fonte: Elaboração própria.

Os resultados do trabalho de Alves (2011) apontaram a Educação Continuada como um

fator de pouca influência no bem-estar dos professores. De acordo com a pesquisa, a concepção de

educação continuada destes professores está relacionada a cursos e reciclagens de conhecimentos

externos, eles não veem a escola como lócus de formação continuada para si. Os fatores apontados

como contribuição para o bem-estar docente foram: o empenho profissional, as metas profissionais,

sucesso profissional, motivação intrínseca, a expectativa de eficácia e controle. A conclusão do

autor foi a de que é necessário repensar a forma como os momentos de formação continuada

acontecem nas escolas para que a mesma, se não puder ser fonte de bem-estar, não se torne fonte de

mal-estar.

O texto de Ramirez (2011) apesar de não ter como foco a saúde dos docentes, e sim, a

constituição de seu profissionalismo, traz, contudo, informações interessantes sobre a visão dos

professores universitários de Porto Alegre sobre as contribuições da formação continuada. Seus

achados apontam que: a) é reduzido o número de investigações direcionadas à formação dos

docentes que atuam em cursos de bacharelado b) é consenso entre os professores que nos cursos de

bacharelado, prepondera formação técnico-científica e os professores com essa formação inicial

carecem de conhecimentos didático-pedagógicos; c) os pesquisadores são unânimes em ressaltar a

formação continuada como fundamental em seu processo formativo docente.

A pesquisa de Pinheiro (2011) abordou a realidade de duas escolas salesianas em Santa

Catarina apontadas, pelo autor, como modelos de possibilidade para o bem-estar docente. A

formação docente foi apontada como um fator importante nesse quadro. Nessa pesquisa, os fatores

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de bem-estar foram agrupados em duas categorias, os que dependem do próprio professor e os que

dependem da instituição, a formação continuada apareceu nas duas categorias. Os demais fatores

foram os seguintes; de cunho pessoal: vocação, empenho na execução das tarefas, à identificação

com proposta da escola. De cunho institucional: o acompanhamento e as estruturas de apoio, os

recursos disponíveis, o ambiente psicossocial e físico da escola e a valorização do profissional.

Padilha (2012) identificou os cursos aligeirados de formação continuada como um dos

fatores contribuintes para o estresse e o adoecimento docentes dos professores de Educação

Especial do Estado de São Paulo.

O trabalho de Cunha (2013) foi um estudo de caso em uma escola pública de ensino

fundamental do Distrito Federal. A metodologia do trabalho fez uso da pesquisa-intervenção e seu

objetivo foi propor um referencial teórico-metodológico para a formação continuada de professores

no ambiente escolar, apoiado na prática filosófica. Apesar de não estar claramente explicitada, a

ideia por detrás dessa proposição parece ser a de que esse trabalho auxiliaria no processo de

(re)construção da subjetividade do professor como sujeito social, agindo nas zonas de

desenvolvimento proximal, o que obviamente tem implicações para sua saúde.

No trabalho de Antunes (2012) também foi feito um estudo de caso com intervenção,

sua tese era a de que se poderia fazer Oficinas Pedagógicas de Trabalho Cooperativo como proposta

motivacional na Educação Continuada; a pesquisa foi feita em uma escola estadual na cidade de

Porto Alegre. Os resultados confirmaram essa hipótese.

Esses estudos parecem indicar, portanto, duas perspectivas: 1) A maneira como a

Formação Continuada tem acontecido normalmente não traz contribuições para o bem-estar e saúde

dos docentes. 2) Quando utilizada como um espaço, também, de intervenção a Formação

Continuada apresenta potencial gerador de motivação e bem-estar, o que obviamente tem impacto

para promoção da saúde mental.

Apresentados os estudos que nos ajudaram a problematizar nosso objeto de estudo e

ampliar nossa visão sobre os contextos nos quais deve ser situado; na próxima parte do trabalho

vamos explicar o processo metodológico seguido na investigação que dá suporte a essa tese.

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62

5. METODOLOGIA: CAMINHOS E CENÁRIOS NA PRODUÇÃO DA PESQUISA

O universo acadêmico é multifacetado, tem suas regras de funcionamento e temáticas

próprias que evoluem junto com a história da humanidade. A questão dos paradigmas de pesquisa

tem fundamental importância nesse contexto, não apenas com a função de nortear e localizar

melhor uma temática de pesquisa, mas com a função última de amenizar as inseguranças e nortear o

pensamento do pesquisador.

De acordo com Guba e Licoln (1994) paradigmas são sistemas de crenças baseados em

pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos que definem a identidade do

pesquisador. Ruto-Korir e Lubbe (2010) concordam com essa definição e acrescentam uma quarta:

a axiológica que insere a questão moral e ética à equação identitária.

Essas quatro dimensões formariam um enquadre que nortearia a interpretação do mundo

por parte do pesquisador. A escolha do paradigma orientador, contudo, está longe de ser simples, as

consequências da escolha trazem implicações para a pesquisa, para o pesquisador e para o objeto

pesquisado, que no caso das ciências humanas significam pessoas.

De acordo com Guba e Licoln (1994) existem quatro paradigmas principais, hoje, que

competem pela preferência das pessoas no momento de efetuar uma escolha para pesquisa:

Positivismo, Pós-positivismo, Teoria Crítica e Construtivismo.

Independente da escolha do método ser quantitativo ou qualitativo qualquer dos

paradigmas de pesquisa pode ser usado como escolha norteadora. Questões de método são

secundárias as de paradigmas.

A escolha de um paradigma, por parte do estudante, conta com vários fatores

intervenientes dentre eles estão: a escolha do paradigma do supervisor (orientador), os critérios

adotados pelas agências financiadoras das pesquisas e a área do conhecimento onde se irá produzir

a pesquisa (RUTO-KORIR e LUBBE, 2010).

O que tem se tornado comum é a adoção de práticas de fronteira envolvendo diversas

abordagens, talvez por isso, Ruto-Korir e Lubbe (2010) afirmam que nenhuma pesquisa está a salvo

do escrutínio da crítica.

Essa “permeabilidade” fronteiriça, se por um lado pode trazer possibilidades maiores de

originalidade e criatividade nos trabalhos, por outro pode transformar um trabalho em uma enorme

colcha de retalhos com paradigmas irreconciliáveis em seu interior o que pode vir a comprometer a

qualidade do trabalho final e vincular a identidade do pesquisador a uma espécie de esquizofrenia

acadêmica.

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Um erro comum, segundo Yu (2010) é acreditar que a pesquisa quantitativa está,

obrigatoriamente, vinculada ao positivismo lógico o que pode levar alguns pesquisadores a evitar

essa abordagem; de acordo com o autor, a pesquisa quantitativa não é necessariamente objetiva, ela

pode ser probabilística; o que representa um grau de crença em última instância.

A utilização de métodos mistos, no entanto, pode ser válida. Kincheloe (2007)

relativamente aos estudos culturais, afirma que em alguma medida toda investigação científica é

precária até certo ponto, pois não há ciência “pura”, “limpa” ou neutra. As dimensões: emocional e

objetiva são profundamente valorizadas nessa perspectiva, discurso e contexto são dimensões

centrais do ato interpretativo não podendo ser removido da dimensão das relações de poder e luta

para criar sentidos particulares e vozes específicas legítimas.

Essa fala poderia ser facilmente enquadrada em dois paradigmas descritos por Guba e

Licoln (1994), quais sejam, a Teoria Crítica e o Construtivismo, que do ponto de vista ontológico

apresentam, respectivamente, as seguintes concepções: Realismo histórico – Realidade virtual, que

toma forma pelo social, político, cultural, econômico, ético e de gênero, valores cristalizados

através do tempo; e Relativismo – a realidade como constructo local e específico.

O que isso significa? Que mesmo que se trabalhe numa perspectiva mista, ou de

bricolagem, a questão dos paradigmas atravessa o pesquisador de forma definitiva sendo

indispensável, portanto, para a construção de uma identidade clara de pesquisa/pesquisador, o

conhecimento e aprofundamento dos principais paradigmas de pesquisa em suas quatro dimensões

(Ontológica, Epistemológica, Metodológica e Axiológica) para que possam ser gerados discursos e

práticas coerentes durante o percurso acadêmico e em seu resultado (Tese).

Figura 1 - Identidade do pesquisador a partir de dimensões relacionadas aos paradigmas

Fonte: elaboração própria.

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Esse trabalho, em particular, se aproxima do paradigma da teoria crítica, mas também

do construtivismo, isso porque meu objeto de pesquisa envolve duas concepções ao mesmo tempo:

uma que toma forma pelo social, político, cultural, econômico, ético e de gênero, valores

cristalizados através do tempo (que dizem respeito às políticas educacionais, as mudanças advindas

da globalização, o fato de pedagogia ser uma profissão, ainda, essencialmente feminina, o fato de

historicamente, no Brasil, a profissão já ter nascido sob o signo da precarização) e a outra que toma

a realidade como constructo local e específico, o que implica que mesmo em meio as mesmas

condições materiais serão produzidas vivências pessoais distintas de cunho subjetivo e que poderão

levar a adoecimento ou saúde.

Freitas (2002) afirma que os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva histórico-

cultural, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o

particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e,

por seu intermédio, compreender também o contexto. Nessa perspectiva, não se investiga em razão

de resultados, as questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da

operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua

complexidade e em seu acontecer histórico. Isto é, não se cria artificialmente uma situação para ser

pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de

desenvolvimento.

O presente trabalho de pesquisa foi de natureza qualitativa do tipo estudo de caso. Foi

escolhida uma escola específica para realização da pesquisa. Essa escolha levou em consideração o

bom desempenho da escola, aqui nomeada por JG, nas provas avaliativas do Governo e as boas

condições físicas e materiais disponíveis para os professores; o que atrelaria, em hipótese, a

possibilidade de sofrimento psíquico simplesmente à organização do trabalho e/ou as relações

sociais (entre pares, superiores e alunos) bem como as estratégias defensivas estariam reduzidas,

também a esse universo o que facilitaria o trabalho de coleta e análise de dados (que foi feito pela

pesquisadora sozinha).

Os métodos qualitativos geralmente são descritos como modelos diferenciados de

abordagem empírica, especificamente, voltados para os chamados “fenômenos humanos”, ou seja,

como métodos que fogem da tradicional conexão com aspectos empíricos, tais como: medição e

controle (HOLANDA, 2006).

Os métodos qualitativos são métodos das ciências humanas que pesquisam, explicitam,

analisam, fenômenos (visíveis ou ocultos). Esses fenômenos, por essência, não são

passíveis de serem medidos (uma crença, uma representação, um estilo pessoal de relação

com o outro, uma estratégia face um problema, um procedimento de decisão...), eles

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possuem as características específicas dos “fatos humanos”. O estudo desses fatos humanos

se realiza com as técnicas de pesquisa e análise que, escapando a toda codificação e

programação sistemáticas, repousam essencialmente sobre a presença humana e a

capacidade de empatia, de uma parte, e sobre a inteligência indutiva e generalizante, de

outra parte. (p. 363)

No entanto, é preciso cuidado, pois como destacam Gerhardt e Silveira (2009) o

pesquisador precisa estar atento para alguns limites e riscos desse tipo de pesquisa, tais como:

excessiva confiança no investigador como instrumento de coleta de dados; risco de que a reflexão

exaustiva acerca das notas de campo possa representar uma tentativa de dar conta da totalidade do

objeto estudado, além de controlar a influência do observador sobre o objeto de estudo; falta de

detalhes sobre os processos através dos quais as conclusões foram alcançadas; falta de observância

de aspectos diferentes sob enfoques diferentes; certeza do próprio pesquisador com relação a seus

dados; sensação de dominar profundamente seu objeto de estudo; envolvimento do pesquisador na

situação pesquisada, ou com os sujeitos pesquisados.

De acordo com Spink (2003) o termo “pesquisa de campo” é normalmente empregado

para descrever um tipo de pesquisa feito nos lugares da vida cotidiana e fora do laboratório ou da

sala de entrevista. Nesta ótica, o pesquisador ou pesquisadora vai ao campo para coletar dados que

serão depois analisados utilizando uma variedade de métodos tanto para a coleta quanto para a

análise.

Ventura (2007) destaca que o estudo de caso é apropriado para pesquisadores

individuais, pois dá a oportunidade para que um aspecto de um problema seja estudado em

profundidade dentro de um período de tempo limitado. Neste tipo de pesquisa deverá haver sempre

a preocupação de se perceber o que o caso sugere a respeito do todo e não o estudo apenas daquele

caso. A autora destaca ainda que o estudo de caso teve origem na pesquisa médica e psicológica e se

tornou uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e Sociais.

(VENTURA, 2007).

O que pode tornar exemplar um estudo de caso é ser significativo, completo, considerar

perspectivas alternativas, apresentar evidências suficientes e ser elaborado de uma maneira atraente.

Gil (1995) afirma que em um estudo de caso não cabe um roteiro rígido para a sua

delimitação. No entanto, é possível definir quatro fases que mostram o seu delineamento: a)

delimitação da unidade-caso; b) coleta de dados; c) seleção, análise e interpretação dos dados; d)

elaboração do relatório.

A delimitação do estudo de caso (primeira fase) vai exigir que o pesquisador tenha

bastante clareza a respeito de quais dados serão suficientes para se chegar à compreensão almejada

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do objeto. Segundo Ventura (2007) Como nem sempre os casos são selecionados com base em

critérios estatísticos, algumas recomendações devem ser seguidas: buscar casos típicos (em função

da informação prévia aparentam ser o tipo ideal da categoria); selecionar casos extremos (para

fornecer uma ideia dos limites dentro dos quais as variáveis podem oscilar); encontrar casos

atípicos (por oposição, se pode conhecer as pautas dos casos típicos e as possíveis causas dos

desvios).

A segunda fase é a coleta de dados que geralmente é feita com vários procedimentos

quantitativos e qualitativos; a terceira fase é conjunta, representada pela seleção, análise e

interpretação dos dados. A seleção dos dados deve considerar os objetivos da investigação, seus

limites e um sistema de referências para avaliar quais dados serão úteis ou não. Somente aqueles

selecionados deverão ser analisados; A quarta fase é representada pela elaboração dos relatórios

parciais e finais. O relatório deve ser conciso, embora, em algumas situações seja solicitado o

registro detalhado. (VENTURA, 2007).

Do ponto de vista qualitativo houve ênfase para a compreensão dos sentidos produzidos

pelos professores sobre seu cotidiano de trabalho e sua saúde. Embora já tenhamos explicitado os

objetivos na introdução, vale a pena lembrá-los.

5.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

O objetivo geral deste trabalho foi investigar as estratégias defensivas utilizadas por

docentes do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde.

Os objetivos específicos foram:

1) Identificar as concepções dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade

vida.

2) Mapear as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com o

estresse e o sofrimento psíquico.

3) Verificar as visões dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma

relação entre ela e seu bem-estar.

5.3 TRAJETÓRIA PERCORRIDA

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A pesquisa foi realizada a partir do segundo semestre do ano de 2015 e concluída em

2016 (houve algumas interrupções por questões internas da escola, do cenário político – greve de

três meses – e de agendas pessoais dos professores e da pesquisadora) e teve como lócus a escola

JG. Essa escolha levou em consideração, como dito anteriormente, o bom desempenho da escola nas

provas avaliativas do Governo e as boas condições físicas e materiais disponíveis para os

professores o que permitiria, em hipótese, analisar seu bem-estar/mal-estar, saúde/adoecimento mais

relacionado à organização do trabalho e/ou as relações sociais (entre pares, superiores e alunos),

sem desconsiderar obviamente o contexto econômico e político que perpassa os professores. As

estratégias defensivas estariam reduzidas, também a esse micro universo o que facilitaria o trabalho

de coleta e análise de dados.

A presente pesquisa se inseriu em um projeto maior desenvolvido no âmbito do

Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Subjetividade (LADES) da Universidade

Estadual do Ceará (UECE) e apoiada pela CNPq para investigar a saúde mental dos professores da

rede pública de Fortaleza.

Os sujeitos foram os professores de ensino médio regular da escola, que estavam há

pelo menos dois anos no ensino público e há um ano na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida.

Os professores podiam ser efetivos ou terceirizados, já que os efeitos da precarização do trabalho

também pode ser fator de adoecimento. O tempo de trabalho foi delimitado pressupondo um tempo

para a internalização do cotidiano de trabalho e o estabelecimento das estratégias defensivas

individuais e assimilação daquelas coletivas.

Foram respeitadas as condições éticas de sigilo relativas à identidade dos participantes e

todos assinaram e ficaram com uma cópia de um termo de consentimento livre e esclarecido

(apêndice 1).

A pesquisa fez uso de observação em sala de aula e na sala dos professores (seis visitas

com esse propósito, no turno matutino ou vespertino, com anotações feitas a cada cinco minutos em

um diário de papel que depois foram copiadas para o formato digital), entrevistas coletivas e

individuais (duas coletivas e oito individuais) que foram gravadas e depois transcritas para o diário

de campo (cópia em anexo) e o levantamento dos atestados dos professores no ano de 2015; o do

ano de 2014 não estava disponível.

As observações e entrevistas foram analisadas a partir do referencial teórico escolhido e

organizadas em categorias, nos moldes da análise de conteúdo, levando em consideração os

objetivos gerais e específicos do trabalho da seguinte maneira:

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Foram definidas quatro categorias (fatores para qualidade de vida, principais fontes de

stress, estratégias defensivas, formação continuada e bem-estar) sendo que as três primeiras

categorias se subdividiram em duas subcategorias e a última em três subcategorias. Uma

representação gráfica desse esquema será apresentada quando das análises.

As falas dos professores que ilustram cada categoria são apresentadas em códigos que

nomeiam cada professor, para deixar mais claras as diferenças e aproximações entre eles.

5.3.1 Contextualizando o Campo de Pesquisa: Um pouco da história da escola pesquisada

Na perspectiva do método dialético de Vygotsky, os fenômenos devem ser estudados em

seu processo de mudança, portanto, em sua historicidade. Assim, recuando no passado, procurei

acompanhar como foi constituído o campo de pesquisa escolhido.

O colégio JG tem 69 anos de existência e está situado na cidade de Fortaleza tendo sido

fundado em 1947.

A escola inicialmente não era pública; em 28 de fevereiro de 1972 (Diário Oficial do

Estado – DOE/CE, Abril/19972, 3969) foi celebrado um convênio entre a xxxxxxxxxxxxxxxxxx e a

Secretaria da Educação – SEDUC/CE, o Colégio passou a funcionar com ensino Fundamental e

Médio e se tornou uma escola pública mantida pelo Estado.

O Colégio foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação em 1975. Atualmente, o

referido convênio de cessão se mantém e foi publicado no DOE/CE em 11/12/2013, com vigência

no período de 04/11/2013 à 03/11/2018. O Colégio está sob a jurisdição da SEFOR, com sede no

município de Fortaleza/CE.

Atualmente, existem 960 alunos e um corpo docente constituído por 29 professores de

ensino fundamental e 46 professores de ensino médio (foco desta pesquisa).

A escola se esforça por proporcionar ao aluno oportunidades para o ingresso no ensino

superior e desenvolve algumas ações nesse sentido que já foram matéria jornalística em meios

impressos e televisão.

Em 2014, 84 alunos foram aprovados no Exame (154 prestaram o exame). O colégio é

referência na rede estadual de ensino, pois em 2015, 102 alunos foram aprovados no Exame (158

prestaram o exame) em universidades públicas.

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Sua infraestrutura, é de 6.610,35 m² (3.730,05 m² de área construída), inclui Biblioteca,

Cozinha, 2 (dois) Laboratórios de Informáticas, Auditório, Sala de Vídeo, Estúdio de Música,

Despensa, 2 (dois) Laboratório de Ciências, Laboratório de Redação, Quadra de Esportes, Salão de

Jogos, Sala de Professores, Secretaria além de estacionamento, 3 (três) pátios, Diretoria, 18 salas de

aulas, sanitários (inclusive acessível a deficientes físicos) e equipamentos multimídias. O Colégio,

também, fornece alimentação aos alunos em seu refeitório.

Seu corpo docente do ensino médio conta com 34 professores pós-graduados

especialistas, 09 mestres, 01 doutor e a maior parte tem em média 10 anos de casa.

5.3.2 Etapas do Trabalho

A pesquisa constou das seguintes etapas:

1. Escrita inicial dos capítulos teóricos (até o final de abril de 2015)

2. Qualificação do projeto (maio de 2015)

3. Contato com a escola e reunião com os responsáveis e com os professores para

apresentação da pesquisa (junho e julho de 2015).

4. Observações sistemáticas na sala dos professores e em sala de aula.

5. Entrevistas e assinatura dos termos de consentimento Livres e Esclarecidos pelos

sujeitos.

6. Transcrição dos dados e análise preliminar organizando as falas em categorias.

7. Análise das informações finais: Categorização e análise.

8. Devolutiva do trabalho para os profissionais.

9. Revisão do trabalho final de tese (Até março 2017)

10. Defesa da tese.

5.3.2.1 A observação como ferramenta para coleta de dados

Freitas (2002) afirma que trabalhar com a pesquisa qualitativa numa abordagem

histórico-cultural consiste numa preocupação de compreender os eventos investigados,

descrevendo-os e procurando por suas possíveis relações, integrando o individual com o social. Para

Luria (1983), seria necessário encontrar uma observação que, aproveitando-se das qualidades da

ciência romântica, evitasse seus perigos. Assim, a observação não deveria limitar-se à pura

descrição de fatos singulares, pois o seu verdadeiro objetivo seria o de compreender como uma

coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas e acontecimentos. Tratar-se-ia, pois, de

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focalizar um acontecimento nas suas mais essenciais e prováveis relações. Quanto mais relevante é

a relação que se consegue colher em uma descrição, tanto mais se torna possível a aproximação da

essência do objeto, mediante uma compreensão das suas qualidades e das regras que governam as

suas leis. Quanto mais se preservam em uma análise as riquezas das suas qualidades, tanto mais é

possível a aproximação das leis internas que determinam sua existência. De fato, só ao obter os

traços mais importantes e depois aqueles mais secundários, identificando suas possíveis

consequências, é que começam a emergir claras as relações que os ligam entre si. O objetivo da

observação se enriqueceria, assim, de uma rede de relações relevantes.

Freitas (2002) destaca ainda que a observação seria, nesse sentido, um encontro de

muitas vozes: ao observar um evento, existem diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos.

São discursos que refletem e refratam a realidade da qual fazem parte e constituem uma verdadeira

tessitura da vida social. O enfoque histórico - cultural é o que principalmente ajuda o pesquisador a

ter essa dimensão da relação do singular com a totalidade, do individual com o social.

A observação é bastante utilizada como ferramenta para coleta de dados em pesquisas

qualitativas. Zanelli (2002) destaca que a observação atenta dos detalhes coloca o pesquisador

dentro do cenário de forma que ele possa compreender a complexidade dos ambientes psicossociais,

ao mesmo tempo em que lhe permite uma interlocução mais competente e mais adequada a uma

análise de comportamentos espontâneos e à percepção de atitudes não verbais, podendo ser simples

ou exigindo a utilização de instrumentos apropriados.

Outra função importante da observação, de acordo com Shah (2006), é a oportunidade

do pesquisador se familiarizar com o ambiente e conhecer os participantes em potencial e seus

estilos de comunicação e interação uns com os outros, pois as perguntas de posteriores entrevistas

devem ser feitas levando esses fatores em consideração.

Lüdke e André (1986, p. 25) descrevem que “para que se torne um instrumento válido e

fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática.

Isso implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do

observador”.

Patton (1990) faz uma excelente descrição da observação como procedimento para

coleta de dados. Destacando que nossa percepção é seletiva e depende de nossos interesses,

conhecimentos prévios e que pode ser aprimorada; ele destaca que o trabalho de observação implica

em disciplina, concentração e perseverança. É necessário que se faça uma imersão no contexto,

ainda que a observação seja não participante (como foi o caso da desenvolvida neste trabalho), que

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haja abertura para o inesperado, confiança nos demais, tempo, foco (saber o que procurar). O autor

também fornece uma série de procedimentos e técnicas de observação aos quais procurei seguir:

Chegar antes ao local da observação (pelo menos uma hora)

Encontrar um local onde seja possível observar o todo.

Fazer desenho esboçando o ambiente e a disposição de móveis e materiais.

Indicar a chegada dos participantes e como eles se distribuíram no ambiente.

Estabelecer um código para cada participante (ex:p1, p2,p3...)

Marcar o horário de início da observação.

Anotar a duração de cada observação.

Anotar de forma literal o que for dito.

Fazer anotações a cada 5 minutos, ou menos se acontecer algo relevante.

Se por acaso o observador se desconcentrar, anotar isso e o horário em que ocorreu (pode ajudar a

esclarecer incongruências).

Ficar atento aos comportamentos e interações não verbais entre os participantes.

Ser descritivo nas anotações.

Não usar adjetivos para descrever situações.

Descrever primeiro para só depois interpretar.

Atentar para regularidades e eventos únicos.

Sobre o Diário de Campo, Patton (1990) orienta que ele seja passado a limpo o quanto

antes e que ele permaneça fiel ao que os partícipes disseram. Se possível, que as anotações sejam

confrontadas com outros artefatos (textos, fotos, filmes, arquivos etc.); o diário deve ser o mais

detalhado e descritivo possível para que quem o leia seja capaz de visualizar e compreender o que

se passou com a maior exatidão possível.

Quanto à análise dos achados é recomendado que ela aconteça de modo simultâneo à

coleta, estando embasada por uma teoria e sendo confrontada com outros pontos de vista e

resultados obtidos por meio de outros instrumentos.

5.3.2.2. A entrevista como ferramenta para coleta de dados

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A entrevista tem sido amplamente utilizada como ferramenta metodológica em

pesquisas qualitativas, isso não é por acaso; a entrevista conecta a memória, história de vida e

temáticas específicas.

Cedro (2011) destaca que a entrevista é um dos procedimentos metodológicos utilizados

pelo modelo qualitativo na produção de dados na pesquisa social. No entanto, a necessidade de

obter respostas de indivíduos ou grupos, através de entrevistas, não é uma peculiaridade exclusiva

da metodologia qualitativa. Os métodos estatísticos se utilizam de questionários, técnicas de

amostragem, survey, dentre outros procedimentos. Porém, a pesquisa qualitativa – quando faz uso

das técnicas de entrevista – necessita expandir o universo das questões fechadas, provenientes do

método quantitativo, na busca por respostas de maior profundidade. Pode-se destacar como

exemplos de metodologia qualitativa vinculados às fontes orais: o grupo focal, a observação

participante, a etnografia, as histórias de vida, as entrevistas temáticas etc.

A entrevista é um processo de interação social no qual o entrevistador tem por objetivo

a obtenção de informações por parte do entrevistado. No entanto, não é uma conversa solta, possui

um direcionamento visando apreender dados que possam ser interpretados mediante o problema

formulado a partir do objeto da pesquisa. É uma forma de interação social que valoriza o uso da

palavra, símbolo e signo privilegiados das relações humanas, por meio da qual os atores sociais

constroem e procuram dar sentido à realidade que os cerca (FLICK, 2002; CEDRO, 2011).

Freitas (2002) diz que a entrevista, na pesquisa qualitativa de histórico-cultural é

marcada pela dimensão do social. Ela não se reduz a uma troca de perguntas e respostas

previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica.

Os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes

espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da

situação concreta nas quais se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, ou seja,

depende de com quem se fala e de como se fala. Na entrevista é o sujeito que se expressa, mas seu

discurso carrega elementos de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia,

classe, momento histórico e social.

Existem quatro tipos de entrevistas empregadas na pesquisa social: entrevista

estruturada associada ao survey; a entrevista semiestruturada; a entrevista não estruturada ou

focalizada e a entrevista em formato de grupo e a de grupo focal. (MAY, 2004).

Fraser e Gondim (2004) destacam algumas vantagens da entrevista como técnica de

pesquisa, quais sejam,

(…) a de favorecer a relação intersubjetiva do entrevistador com o entrevistado, e, por meio

das trocas verbais e não verbais que se estabelecem neste contexto de interação, permitir

uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões dos atores sociais a

respeito de situações e vivências pessoais. Outra vantagem é a flexibilização na condução

do processo de pesquisa e na avaliação de seus resultados, visto que o entrevistado tem um

papel ativo na construção da interpretação do pesquisador. Esta seria uma modalidade de

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triangulação (confiabilidade), pois, ao invés de o pesquisador sustentar suas conclusões

apenas na interpretação que faz do que o entrevistado diz, ele concede a este último a

oportunidade de legitimá-la. Este é um dos aspectos que caracteriza o produto da entrevista

qualitativa como um texto negociado. (p.140)

O presente trabalho fez uso de entrevistas semiestruturadas e entrevistas em grupo,

procurando manter a perspectiva histórico-cultural ao longo de sua execução.

Boni e Quaresma (2005) descrevem as entrevistas semiestruturadas e dizem que

combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o

tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele

o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar

atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa

fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o

contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele.

Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações,

obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam

alcançados.

As entrevistas grupais permitem ampliar a compreensão transversal de um tema, ou seja,

mapear os argumentos e contra-argumentos em relação a um tópico específico, que emergem do

contexto do processo de interação grupal em um determinado tempo e lugar (jogo de influências

mútuas no interior do grupo), enquanto as entrevistas individuais permitem ampliar a compreensão

de um tópico específico de modo aprofundado para uma mesma pessoa, em seu processo de

interação com o entrevistador.

A preparação das entrevistas é uma das etapas mais importantes da pesquisa e requer

tempo e alguns cuidados, entre eles destacam-se: o planejamento da entrevista, que deve ter em

vista o objetivo a ser alcançado; a escolha do entrevistado, que deve ser alguém que tenha

familiaridade com o tema pesquisado; a oportunidade da entrevista, ou seja, a disponibilidade do

entrevistado em fornecer a entrevista que deverá ser marcada com antecedência para que o

pesquisador se assegure de que será recebido; as condições favoráveis que possam garantir ao

entrevistado o segredo de suas confidências e de sua identidade e, por fim, a preparação específica

que consiste em organizar o roteiro ou formulário com as questões importantes (LAKATOS, 1996).

A questão do número de entrevistas a serem realizadas também é relevante; o critério

mais importante a ser considerado neste processo de escolha não é numérico, já que a finalidade não

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é apenas quantificar opiniões e sim explorar e compreender os diferentes pontos de vista que se

encontram demarcados em um contexto.

Em um ambiente social específico, o espectro de opiniões é limitado, pois a partir de um

determinado número de entrevistas percebe-se o esgotamento das respostas quando elas tendem a se

repetir e novas entrevistas não oferecem ganho qualitativo adicional para a compreensão do

fenômeno estudado. Isto significa que já se tornou possível identificar a estrutura de sentido, ou

seja, as representações compartilhadas socialmente sobre determinado tema de interesse comum.

(FRASER e GONDIM, 2004; GASKELL, 2002) o último autor afirma, porém, que o número de

entrevistas para cada pesquisador deve oscilar de 15 a 25 entrevistas individuais e de seis a oito no

caso de entrevistas grupais, a depender do nível de aprofundamento da análise almejada e de outras

decisões metodológicas do pesquisador.

As principais vantagens deste tipo de ferramenta são as seguintes: sempre produz uma

boa amostra, diferente dos questionários aos quais muitas pessoas não respondem; algumas pessoas

que tem dificuldade de responder questões por escrito não poderão expressar-se mais livremente,

inclusive pessoas sem educação ou analfabetas podem ser entrevistadas; elas têm uma elasticidade

de tempo maior o que, em hipótese, pode levar a um maior aprofundamento das temáticas de

interesse; permitem uma maior aproximação afetiva o que pode ser bom no momento de trabalhar

com assuntos mais delicados e/ou íntimos e permite uma maior espontaneidade de respostas; é

possível fazer uso de “disparadores”, tais como: fotografias, cartões, frases para facilitar o processo

de trabalho.

Em nossa tese realizamos 10 entrevistas com duração variável entre 40 minutos e 1hora

e trinta minutos. 08 foram individuais e duas coletivas. As entrevistas foram realizadas na própria

escola, em dias e horários combinados com os participantes, de modo que pudessem estar tranquilos

e disponíveis para a pesquisa. Vale sublinhar que todos foram bastante receptivos e permitiram a

gravação de seus discursos, após assinarem termo de consentimento livre e esclarecido. No

documento (apêndice 1), esclarecemos os objetivos da pesquisa, garantimos o sigilo dos nomes e

nos comprometemos com a divulgação das informações apenas para fins acadêmicos.

As análises das informações obtidas foram feitas qualitativamente, utilizando-se do

recurso de categorias temáticas. Essas categorias foram de natureza mista, pois surgiram do material

teórico e das vozes docentes. Para essa categorização, fizemos uma leitura inicial de todas as

entrevistas transcritas, para nos familiarizarmos com as informações, tendo por base o que o

material teórico nos havia subsidiado. Depois separamos as falas dos professores de acordo com

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cada um dos objetivos específicos. Em seguida, dentro de cada objetivo fomos definindo as

categorias e posteriormente, suas subcategorias, conforme ilustração abaixo:

Os dados do trabalho foram agrupados em quatro categorias de acordo com os objetivos

propostos no trabalho, sendo que cada categoria se subdividiu em duas ou três subcategorias da

seguinte maneira:

Figura 2 - Categorias de acordo com os objetivos

Fonte: Elaboração própria.

Com esse quadro em mãos, partimos para as análises e a redação final. Sempre tivemos

o cuidado de não nos afastarmos do foco do trabalho que é, em última instância, a saúde dos

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professores do ensino médio, o meio encontrado para tanto foi a investigação dos sentidos

produzidos por eles sobre saúde mental, qualidade de vida, formação continuada e cotidiano

visando a identificação das estratégias defensivas utilizadas por eles para manutenção de sua saúde

emocional.

Para finalizar o percurso metodológico, gostaria de identificar alguns fatos que me

chamaram atenção quando da análise dos afastamentos dos professores do ensino médio no ano de

2015, na escola pesquisada, o primeiro é que houve pouquíssimos afastamentos (apenas 12

professores apresentaram atestados para afastamento por motivo de saúde). No entanto, a duração (o

número de dias de afastamento) dos atestados variou de 15 a 120 dias. Isto indica motivos sérios de

comprometimento da saúde. Contudo, esses atestados não continham a identificação de sua

patologia, estavam sem o número do Código Internacional de Doenças (CID). Somente dois

atestados, com curta duração, três dias, indicavam seus CID (um por motivo de episódio de fuga

dissociativa e outro por infecção viral não especificada); os atestados de 120 dias foram por motivo

de parto.

As idades das pessoas variaram de 34 a 67 anos, cinco das 12 idades estavam omitidas,

o que me levou a não fazer nenhuma inferência nesse caso, em particular, (por exemplo, associar

uma maior idade a uma duração maior de afastamento), de qualquer maneira, como dito

anteriormente chama atenção o número baixo de afastamentos da escola quando comparado aos de

outras pesquisas como a de Gasparini, Barreto e Assunção (2005) que destaca um afastamento de

84% dos professores das escolas públicas de Belo Horizonte em um intervalo de um ano (entre abril

de 2001 a abril de 2002). Uma informação fornecida por um funcionário da secretaria, de que os

professores perdem os vales alimentação quando estão afastados, pode fornecer uma pista sobre o

número baixo de afastamentos, os professores prefeririam repor as aulas perdidas a apresentar

atestados para se ausentar.

Tabela 1 - Dados sobre afastamento dos professores da Escola J em 2015

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Fonte: Elaboração própria

Feitas essas observações vamos para apresentação e análise dos dados do trabalho.

6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS ACHADOS: AS VOZES DOS PROFESSORES

Antes de apresentar as vozes dos professores, é preciso destacar que parte do trabalho

de categorização das falas incluiu o estudo da conceituação pelos professores de algumas noções,

tais como: saúde mental, qualidade de vida, formação continuada. Isso é importante porque as

estratégias defensivas estão relacionadas à produção de sentidos novos. Mas também a produção de

conceitos está relacionada a isto porque inclui uma dupla função mental de cunho cognitivo e

afetivo relativa, portanto a significados e sentidos.

Uma palavra sem significado é um som vazio, o significado é um critério da palavra,

seu componente indispensável, do ponto de vista da Psicologia, o significado de cada palavra é uma

generalização ou um conceito, ou seja, são atos de pensamento, fenômenos do pensamento

(OLIVEIRA, 1993).

No entanto, sobre o significado da palavra, se encontra uma conexão entre os aspectos

cognitivos e afetivos porque Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: O

significado propriamente dito e o sentido; enquanto o significado refere-se ao sistema de relações

objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo em um núcleo

estável de compreensão, partilhado por todas as pessoas, o sentido refere-se a um significado

diferente, pessoal, de cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso

da palavra e às vivências afetivas do indivíduo. (OLIVEIRA, 1993)

A palavra computador, por exemplo, tem o significado objetivo de máquina destinada

ao processamento de dados, capaz de obedecer a instruções que visam produzir certas

sexo dias de afastamento CID carga horária mês idade

Feminino 60 não informado 40h Janeiro 53

Feminino 15 não informado 40h Janeiro 67

Feminino 3 F44.1 40h Abril não informado

Feminino 45 não informado 40h Maio 54

Feminino 45 não informado 40h Maio 46

Feminino 3 B.34.9 40h Maio não informado

Feminino 15 não informado 12h Outubro não informado

Feminino 60 não informado 9h Outubro 34

Masculino 60 não informado 20h Outubro 56

Feminino 30 não informado 40h Outubro 67

Feminino 120 parto 15h Novembro não informado

Feminino 120 parto 20h Novembro não informado

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transformações nesses dados para alcançar um fim determinado; seu sentido, no entanto, irá variar

de acordo com quem a utiliza e em qual contexto; para um executivo pode significar trabalho e

forma de comunicação; para um adolescente pode significar uma fonte de lazer; para um idoso pode

representar um obstáculo etc. O sentido da palavra liga seu significado aos motivos afetivos

particulares de cada pessoa.

Oliveira (1993) destaca que isso ocorre porque a experiência individual é sempre mais

complexa do que a generalização contida nos signos.

Para compreender uma palavra, a construção de seu conceito por alguém, é necessário

compreender as motivações por trás dos pensamentos correlatos a ela. O sentido sempre agrega os

aspectos cognitivos e afetivos.

Não se tratou, portanto, nesse trabalho de se averiguar se as concepções dos professores

estavam mais corretas ou equivocadas quando comparadas às definições científicas desses conceitos

(Saúde mental, qualidade de vida e formação continuada) mas sim de se tentar compreender o que

eles representam para eles e as consequências disso para a maneira como percebem seu trabalho,

cotidiano e profissionalidade pois isto tem consequências para suas emoções e saúde e, em hipótese,

para a escolha de determinadas estratégias defensivas em detrimento de outras.

CATEGORIA 1 – QUALIDADE DE VIDA E DOCÊNCIA

Para apresentar essa categoria achamos interessante explicitá-la em um quadro que a situa

com suas duas subcategorias e os respectivos itens nos quais cada uma delas se subdividiu. Para

pensar a questão do trabalho docente no que tange às estratégias defensivas, nos interessou perceber

o que pensam sobre saúde mental e qualidade de vida, do ponto de vista conceitual. Mas também de

modo mais prático, os fatores que podem contribuir para qualidade de vida, que posteriormente

serão cruzados com os fatores estressores.

Quadro 5 - Qualidade de vida e docência

(continua)

CATEGORIA: QUALIDADE DE VIDA E DOCÊNCIA

SUBCATEGORIAS:

CONCEITO DE SAÚDE

MENTAL E DE QUALIDADE

DE VIDA

FATORES PARA QUALIDADE DE

VIDA

Sentido sobre saúde mental Melhor salário e mais estabilidade

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Sentido sobre qualidade de vida Profissionais de saúde na escola

Melhor acústica nas salas

Melhor comunicação institucional

Fonte: elaboração própria

Conceitos sobre saúde mental e qualidade de vida

No início do trabalho, fizemos uso da definição de saúde mental da OMS (2007), qual

seja, a de saúde mental como o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades,

pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a

comunidade em que se insere para discutir a importância da subjetividade e da alteridade para

vivências de bem-estar e/ou prazer associados ao trabalho, assim como para seus complementares

opostos (o adoecimento e o sofrimento.); destacamos que o conceito de subjetividade aqui utilizado

é o da Psicologia histórico-cultural que afirma serem as relações sociais de produção as

responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade, e que a sua formação está

atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos

e externos e a forma de o indivíduo se perceber está relacionada com o modo como os homens

estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições histórico-

sociais. (AITA e FACCI, 2011).

Como não poderia ser diferente, os sentidos (conceitos) de saúde mental produzidos

pelos professores vem impregnados de historicidade, vivemos em um momento histórico onde o

acesso à informação é fácil e rápido e, de certo modo, inevitável; além disso os profissionais foco

dessa pesquisa são pessoas com boa formação, percebemos falas de grande aproximação com o

conceito da OMS, como constatamos a seguir:

“P6 Saúde mental é você estar de bem consigo mesmo, estresse de trabalho é

inevitável, independente da profissão que você escolher, sempre vai ter estresse e

hoje então, sempre há acúmulo de atividades, então o importante é a maneira como

você lida com as situações e se vale a pena... tipo eu to estressado, é muita coisa,

mas é um trabalho que eu gosto que me faz bem, você vai lá e faz; (...)”

“P12 Saúde mental é você estar bem com os problemas que precisam ser

resolvidos... é que... hoje você ter 100% de saúde mental é tão complicado, né?

Nesse mundo que a gente vive...”

Para outros, a saúde mental apareceu como uma extensão da saúde física, sendo

consequência dela:

“(...)P8 se você não está bem com seu corpo, sua mente também adoece! Se o corpo

pesa a cabeça sofre as consequências: você não raciocina bem, fica estressado, fica

grosseiro, tem dificuldade de respirar... é uma consequência...”

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Ou estando relacionada a ela:

“(...)P10 eu vi uma palestra que dizia que a medicina dizia que ter saúde era não ter

doenças mas que saúde era muito mais que isso... então ao mesmo tempo em que

penso que saúde mental é não ter nenhum tipo de doença seja ela psicológica ou até

mesmo biológica que afete a parte mental acho que ter saúde mental é saber lidar

com coisas que não são doenças mas que acontecem todos os dias, podem fazer mal

mas você tem de lidar com elas para não adoecer é não só não estar doente mas

saber lidar com as situações difíceis para não adoecer...foi o que consegui

pensar...(...) Acho que às vezes o corpo adoece para lhe fazer parar como se fosse

assim o corpo diz “pera aí deixa eu por uma febre para ver se essa menina para; e

muitas coisas psicológicas afetam a parte de física...”

Essas construções são importantes porque o grau de percepção que temos dos eventos,

ou a interpretação que fazemos deles (os sentidos que produzimos), tem importância nas estratégias

defensivas cotidianas que empregamos, sejam conscientes ou não. Nesse sentido, foi importante

obter dos professores seus sentidos acerca da qualidade de vida.

No levantamento bibliográfico, apresentado anteriormente, feito a partir dos descritores

saúde mental x trabalho docente, no Portal de periódicos, num período de dez anos (2006-2016)

entre os 19 trabalhos relevantes catalogados havia três que tratavam da qualidade de vida dos

professores e suas condições de trabalho, o que serve para ilustrar como esses dois conceitos estão

imbricados, historicamente atrelados.

Apesar do tema estar imbricado ao anterior, há necessidade de esclarecer os

significados teóricos e técnicos de Qualidade de Vida principalmente da QVT (Qualidade de Vida

no Trabalho) essa expressão tem sido utilizada de modo abrangente englobando temas, tais como:

condições de trabalho, gerenciamento de estresse, satisfação, motivação e estilos de liderança.

Tonelli e Azevedo (2014) fazem um histórico interessante sobre o tema destacando alguns marcos

importantes, ao longo do século XX:

De acordo com as autoras os objetivos do movimento sindical, após a depressão de

1930 foram um elemento relevante na discussão sobre QVT, as dificuldades do período teriam

alimentado reflexões sobre segurança e salubridade no trabalho, salários e formas de lidar com os

funcionários. Os trabalhos do Tavistock Institute conduzidos pelo pesquisador EricTrist e seus

colaboradores na Inglaterra nos anos 50, também contribuíram para essas discussões. Essas

pesquisas tinham forte embasamento na Psicologia e privilegiaram os aspectos humanos no

funcionamento das organizações; eles estudaram a importância dos fatores sociais no

funcionamento das organizações, investigando as relações positivas entre ânimo e produtividade,

com destaque para o papel das relações humanas como catalizadoras dessa relação.

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A partir da década de 1960, aconteceu um novo impulso nos movimentos de QVT. O

autor Richard Walton foi um dos primeiros pesquisadores a sistematizar critérios e conceitos de

QVT; seu modelo é um marco nessa área. Segundo esse autor, para haver QVT a humanização das

organizações era necessária para enriquecer o trabalho e envolvê-lo com um grau de

responsabilidade e de autonomia. Para tanto, deveriam ser observados os seguintes critérios:

remuneração justa e adequada, oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades, trabalho e vida

privada, oportunidade de crescimento e segurança, segurança e salubridade no trabalho, integração

social na organização, leis e normas sociais e significado social da atividade.

Nos anos 70, houve uma diminuição na atenção destinada às discussões sobre QVT,

devido às dificuldades econômicas do período (crise do petróleo, aumento dos juros internacionais e

inflação); nos anos 80 com o aumento da competitividade internacional o interesse pela QVT

ressurgiu, principalmente nos Estados Unidos. Nesse período, a ergonomia ofereceu contribuições

importantes e fatores físicos, cognitivos, ambientais e psicossociais passaram a fazer parte dessa

perspectiva.

Atualmente, a abordagem da ergonomia ampliou seu escopo de análise e normalmente

privilegia questões relacionadas ao escopo dos cargos e das tarefas, Como o trabalhador está

inserido em um contexto social mais amplo isso tem sido levado em consideração nas análises

ergonômicas atuais, bem como os impactos dos sentidos do trabalho na vida e bem-estar do

trabalhador. A QVT tem sido percebida como um processo direcionado para a busca do

desenvolvimento humano e organizacional.

Há dois movimentos principais na gestão de qualidade de vida no trabalho; o primeiro

tem foco no indivíduo, estresse e condições do ambiente organizacional; o segundo tem foco na

organização e aborda qualidade total relativa a aspectos comportamentais e satisfação individual

como metas da organização.

Os professores pesquisados não relacionaram a qualidade de vida, a priori, ao trabalho

(isso foi feito quando interrogados sobre que fatores poderiam melhorar sua qualidade de vida);

para eles Qualidade de Vida é um conceito relacionado, principalmente, ao tempo livre

(principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados com o corpo (alimentação,

descanso, exercício).

“P5 Olhe, qualidade de vida, para mim é estar bem mesmo assim, de bom astral,

você está para cima, é lógico que tem momentos em que não dá para estar 100%,

mas a qualidade de vida além da saúde mental requer que você esteja bem

fisicamente, se você não cuidar do corpo não sei se a palavra certa na psicologia é

somatizar, mas você vai acumulando muita coisa e aí adoece mesmo; tem que ter

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atividade física “mente sana in corpore sano” as duas coisas tem de estar alinhadas,

né? Tem que ter lazer – acho primordial sair, rir se divertir com os amigos – tem de

ter uma ligação religiosa, acho fundamental ter um encontro com os seres sagrados,

principalmente porque a gente tá num ritmo de vida muito corrido, muito

aperreado, às vezes não se tem tempo nem para Família; o professor então (…)

qualidade de vida para mim tem de aliar isso tudo... cinema, show... encontro com

amigos, jantar, conversar, principalmente uma boa conversa, para mim são

importantes (...)”

“P7 Para você poder dizer que tem uma boa qualidade de vida, você tem de ter uma

vida equilibrada. Tanto a questão do profissional, quanto a questão do equilíbrio,

dos relacionamentos, não é só uma questão material, ter só as melhores coisas não

garante bem-estar, porque até isso se torna entediante, você tem de ser equilibrado

em seu trabalho, em seu convívio social...”

“P8 Qualidade de vida é você estar bem consigo mesmo, você ter saúde, você se

alimentar bem, ter o seu lazer, para que seu organismo não sofra as consequências

futuramente, isso é ter qualidade de vida.”

“P9 não sei se isso é um conceito subjetivo né? Acho que ele tá mais para objetivo,

deve ter um conceito específico para isso, mas a gente procura ter uma qualidade

de vida, a questão da alimentação, a questão de não cometer nenhum excesso com

relação a nada, eu acho que nós – eu e minha família – nós temos uma boa

qualidade de vida.”

“P10 Qualidade de vida? É você conseguir viver minimamente, conseguir atender

minimamente todos os aspectos da sua vida... digamos assim, se você só ficar

trabalhando, não conseguir descansar, não conseguir estar com as pessoas que você

gosta, ter algum tipo de lazer você não tem qualidade de vida...as coisas não estão

equilibradas ou quando você só estuda muito ou quando você só faz nada... assim

para você ter qualidade de vida, você tem de saber dosar o tempo de cada coisa:

tempo de descansar, tempo de trabalhar, de estudar (se você estudar) e o tempo de

ócio e de fazer o que gosta.”

“P11 Qualidade de vida é você se sentir bem naquilo que você está fazendo, onde

você está... lógico que a saúde é importante: duas questões a mental e a corporal, se

você estiver bem com isso aí... souber separar não vai ter problema...”

“P12 Qualidade de vida é você usar o tempo fazendo coisas que você gosta e é

assim sabe? Ter tempo para família; eu, aqui mesmo na escola, abri mão de muita

coisa para eu ter mais tempo em casa sabe?(...)”

Como dito anteriormente, para os professores pesquisados o conceito de qualidade de

vida está relacionado, principalmente, ao tempo livre (principalmente para o lazer e interação

familiar) e aos cuidados com o corpo (alimentação, descanso, exercício); é curioso, contudo não

surpreendente, perceber que os fatores alegados para uma melhor qualidade de vida são em sua

maioria relativos às questões concretas e associadas ao trabalho: melhores salários, estabilidade,

profissionais de saúde atuando dentro da escola, melhor acústica nas salas de aula e uma melhor

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comunicação institucional.

Fatores para a qualidade de vida

É fato que nossas possibilidade de tempo e lazer estão vinculadas à nossa materialidade,

ao quanto ganhamos, bem como nossas possibilidade de descanso, exercício e alimentação; essas

últimas também estão atreladas ao quanto precisamos trabalhar (em termo de tempo) o que implica

em mais ou menos tempo para todas essas atividades. Como foi apresentado anteriormente, já no

modelo Walton, nos anos de 1960, para haver QVT devem ser observados os seguintes critérios:

remuneração justa e adequada, oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades, trabalho e vida

privada, oportunidade de crescimento e segurança, segurança e salubridade no trabalho, integração

social na organização, leis e normas sociais e significado social da atividade. Ainda hoje o foco nas

condições de trabalho (materiais e subjetivas) tem de ser levada em consideração para qualquer

avaliação em QVT.

Os achados são similares ao encontrados em uma categoria profissional específica de

professores, os de Educação Física, em outra região do país (Sul). No trabalho “Condições de vida

do trabalhador docente: associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de

professores de educação física.” (BOTH, ET AL 2010) os resultados evidenciaram que os

professores estão insatisfeitos com os salários, as condições de trabalho, a integração social e o

tempo dedicado ao lazer, bem como possuem comportamentos negativos na alimentação, controle

do estresse e atividade física.

A necessidade de estabilidade advinda da situação de precariedade, característica do

trabalho temporário, também é assinalada como fator que afeta a qualidade de vida. Nesse sentido,

vale destacar outros fatores que os professores assinalaram em relação à qualidade de vida:

Melhor salário e mais estabilidade

É fato que a questão salarial sempre afetou os professores. Como descrito no texto

introdutório, desde seu início, em nosso País, a profissão de professor vem acompanhada do signo

de salários pouco justos. Atualmente, o piso profissional do professor é de R$ 2.298,80; não é à toa

que o salário surge como ponto a ser melhorado para obtenção de uma melhor qualidade de vida,

para ganhar melhor muitos professores se veem obrigados a aumentar sua carga de trabalho, o que

diminui seu tempo para as demais atividades.

“P5 um melhor salário, porque assim: tenho uma condição de vida melhor porque

tive suporte de pai, mãe onde nunca faltou nada, sempre tivemos muita coisa boa,

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eu viajo muito, mas não viajo por conta do meu salário de professor, se fosse viver

só com o salário de professora com certeza não teria a mesma qualidade de vida.

Porque meu salário de professora não tem nem perigo de dar para viver como vivo.

Não sei como meus colegas vivem e ainda tem filhos, porque o dinheiro mal dá

para um...”

“P6 não há como falar em qualidade de vida sem falar em dinheiro”

“(...)P12 dá para manter o barquinho navegando; mas para eu sobreviver com meu

salário de 200h sozinha ia ser bem complicado para começar acho que minha filha

não estudaria na escola que ela estuda, eu não teria o meu carro talvez, talvez até ela

estudasse onde estuda mas o padrão de vida seria outro...”

Assim como no caso dos salários, a falta de estabilidade de grande parte do professorado

também é fato histórico. Sendo a necessidade de segurança algo básico para as pessoas, o desejo

por estabilidade é algo natural e desejável para uma melhor qualidade de vida.

“P7 Estabilidade financeira, que por ser temporário eu não tenho...”

“P9 antes eu trabalhei como professor temporário, assim que não tem aquele vínculo ...”

Profissionais de saúde dentro da escola

A demanda por psicólogos para orientação e atendimento de alunos e profissionais da

educação dentro das escolas já se tornou projeto de lei, 557 de 2013, que atualmente se encontra na

Comissão de Educação, Cultura e Esporte aguardando designação de relator. As falas dos

professores reverberam essa necessidade, já identificada anteriormente, e que hoje é motivo de luta

no campo político profissional para que as escolas, e os professores, possam se beneficiar de

cuidados imediatos em seu cotidiano de trabalho no âmbito da promoção de saúde mental e

qualidade de vida.

“(...)P5 há muito estresse, adoecimentos, doenças que são da profissão que existem

mesmo, se houvesse um profissional da área da saúde na escola, sei lá um

psicólogo, um terapeuta, alguém da saúde mental para trabalhar com os professores

– já que não temos condição de pagar um profissional lá fora – seria muito

interessante porque você lidar com trinta, trinta e cinco adolescentes em cada sala,

requer o auxílio de alguém da área de saúde mental, para eles também, acho que

falta isso nas escolas...alguém para dar suporte, para professores e alunos. Seria

uma melhoria para todos. Cuidar dos cuidadores para eles cuidarem bem. Para

melhorar a sociedade...às vezes um professor está no limite e é provocado demais e

acaba dizendo uma palavra ou outra que pode marcar para sempre um aluno...”

Como ser percebido pela fala acima, a necessidade de profissionais de saúde mental

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dentro da escola tem caráter de urgência e sua ação seria principalmente preventiva.

Melhor acústica nas salas

Um dos problemas de saúde crônicos que têm sido relatados pelos professores é o

problema da voz. Muitos profissionais acabam afastados por questões dessa natureza, sendo que

não identificamos também projetos que pudessem auxiliar os professores nesse sentido.

Profissionais de fonoaudiologia só estão presentes na vida docente, quando ele já desenvolveu

algum problema vocal e via iniciativa pessoal.

“P6 uma coisa que me preocupa muito é a saúde da minha garganta, acho que todo

professor se preocupa com isso em grau maior ou menor; quando criança, tinha

muita crise de amigdalite depois de começar a dar aula nem tanto, mas vira e mexe

eu fico muito rouca e ouço muito relato de pessoas que ficaram com calo nas cordas

vocais ou que desenvolveram até câncer e isso me preocupa mesmo; porque o

cansaço físico não incomoda tanto mas quando falta a voz...passo o final de semana

fazendo gargarejo, tomando mel; então acho que isso deveria ser prioridade nas

escolas, por exemplo a acústica nas salas é péssima e isso vira uma preocupação

diária do professor...Falo um pouco mais e já fico rouca, até uma época iniciei um

tratamento melhorei um pouco aí parei. Pelo menos aqui temos uma média de 30 a

35 alunos por sala mas já trabalhei em locais com 60 alunos numa sala...e os alunos

são muito dispersos então acabo levantando a voz, vários professores já compraram

microfone...”

Como observamos na fala da professora, é comum entre os docentes conhecerem os

relatos dos companheiros afetados nessa área. Vemos também que isso está diretamente ligado às

difíceis condições de trabalho, com salas numerosas, ventilação e acústica, inadequadas.

Melhor comunicação institucional

Merece destaque também a voz dos professores, aqui representada pela professora

(P10), sobre a importância da comunicação entre a gestão e os demais membros da escola. A falta

de informações, coerentes e num tempo adequado, torna o cotidiano do professor muito confuso,

pois ele já tem seu tempo bastante reduzido para a vida pessoal, ademais as tarefas se acumulam e

precisam de organização prévia.

“P10 Talvez uma questão de organização, por exemplo um evento recente: a

questão da greve, na semana anterior que estava o rumor que ia ter greve, lembro

que um dos coordenadores foi de sala em sala dizendo: pessoal venham segunda

que vai ter aula (porque muita gente estava achando que não iria ter). Então

mesmo se não fosse ter aula era para vir porque iria ter reunião para explicar como

iria ser e ai quando cheguei na segunda-feira o diretor estava praticamente

“expulsando” os alunos da escola, e eles queriam ficar pelo menos para ficar

jogando mas ele replicou que não haveria ninguém para ficar olhando... Então

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assim coisas que dizem e quando chega na hora é de outro jeito. (…) às vezes

quando tem prova dizem assim: pode liberar os alunos tal hora aí os alunos ficam

perguntando e a gente diz: não, só pode sair tal hora; ai acontece de dar a tal hora,

a gente liberar os alunos e eles mandam eles voltarem (não, não é tal hora é só

depois...) Essas coisas do dia a dia que é realmente uma questão de comunicação;

dizem uma coisa aí depois não é... fica essa confusão...”

Como pudemos perceber os sentidos dos professores obtidos a partir de como

compreendem saúde e qualidade de vida, nos mostram que eles estão atentos ao que pode promover

saúde no seu cotidiano. Também, vemos que seu sentido sobre saúde mental, que é particular, como

destaca Vigotski, coaduna com o significado social sobre o tema. Contudo, esse sentido se choca

com a realidade, na qual os professores não conseguem ver como obter essa saúde mental e essa

qualidade de vida diante do cenário no qual estão inseridos. Para a Psicologia Histórico-Cultural,

embora por si só o movimento de identificar essas contradições já seja um avanço no

desenvolvimento do sujeito, o não conseguir efetivar esse sentido na sua dinâmica de vida, pode

gerar uma desagregação, uma paralisia ou uma falta de dinamicidade das funções superiores como

criatividade, linguagem, pensamento, memória, motivação, raciocínio lógico etc. Esse, inclusive,

seria um tema relevante para a formação continuada. Ao expressar–se e conceituar suas

experiências sobre a realidade, o sujeito organiza o pensamento, integra afeto e cognição e pode

produzir novas zonas de desenvolvimento para si. Como visto na parte 2, Vigotski destaca o papel

da linguagem no psiquismo humano. Nesse sentido, defendemos que os professores possam

continuamente produzir novos sentidos sobre seu trabalho. Para tanto, é necessário também que

identifique as principais fontes de estresse em seu dia a dia.

CATEGORIA 2. PRINCIPAIS FONTES DE STRESS

Para dar conta dessa categoria, precisamos, inicialmente, nos perguntar: afinal o que é

estresse? A palavra tem origem na engenharia e diz respeito a uma força física que, exercida contra

alguém, provoca uma tensão. De uma maneira geral, as pessoas são capazes de lidar com pressões e

se recuperam quando acabam tais pressões; entretanto, há situações em que as pessoas não

conseguem lidar com a tensão, especialmente quando ela é forte demais. Quando isso ocorre

estamos falando de estresse e, embora, existem definições variadas de acordo com a multiplicidade

de disciplinas que o estudam, Biologia, Psicologia, Ergonomia, Medicina Ocupacional etc. a

definição mais comum sempre envolve uma situação externa nociva que atua na pessoa e provoca

reações negativas (TONELLI e AZEVEDO, 2014)

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Comumente, se associam os fatores estressores a quatro categorias: conteúdo do

trabalho, condições de trabalho, condições de emprego e relações sociais no trabalho. No presente

trabalho, agrupamos as principais fontes de estresse em duas subcategorias: Condições objetivas de

trabalho e Sentidos subjetivos sobre a docência. Na primeira subcategoria, foram reunidos os

fatores que são associados às condições de trabalho, de emprego e relações sociais no trabalho; Nos

sentidos subjetivos estão agrupados os fatores mais relacionados ao conteúdo do trabalho e também

outros que não estão inclusos em qualquer dessas categorias.

Para melhor compreensão, apresentamos um quadro dessa categoria e suas duas

subcategorias, com os respectivos itens abordados em cada uma delas:

Quadro 6 - Fontes de Estresse

CATEGORIA: FONTES DE ESTRESSE

SUBCATEGORIAS

CONDIÇÕES

OBJETIVAS DE

TRABALHO

SENTIDOS SUBJETIVOS SOBRE A

DOCÊNCIA

Carga horária extensa Sentir-se desvalorizado

Excesso de alunos em sala Falta de interesse dos alunos

Turmas muito

heterogêneas

Falta de limites dos alunos

Falta de integração entre

profs.

O professor como alguém em

desvantagem

Excesso de papéis/falta

suporte

Falta de materiais

Dificuldade de conciliar

vida pessoal e profissional

Fonte: autoria própria.

Subcategoria: Condições objetivas de trabalho:

Nessa subcategoria, os itens estão separados de acordo com a fala dos professores que

remetem às questões específicas do universo do trabalho, especialmente na escola.

Carga horária extensa (muitas turmas em uma ou mais escolas)

Podemos constatar pelas falas, destacadas nesse item, que os professores pesquisados

vivem uma rotina intensa de atividades. Isto contraria completamente o conceito que eles mesmos

têm acerca da qualidade de vida. O tempo livre para atividades físicas, lazer, família é bastante

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restrito. Além do mais, a própria formação em serviço fica comprometida. Os principais estudos

sobre formação continuada desde os anos 1980 (NUNES, 2005), especialmente no campo do

desenvolvimento profissional, vêm reafirmando a importância de o professor dispor de tempo para

refletir e investigar sua prática, ressignificar conceitos e produzir-se como sujeito de forma mais

criativa e autônoma.

“P5 tem gente que trabalha os três expedientes e ainda dão aula particular no final

de semana. É desumano o que fazem com nossa profissão. O salário é injusto! (...)”

“P6 E a tarde tem aula, uma atrás da outra, vou para uma sala, saio, já entro na

outra e dar a mesma aula, tem dia que termino um caco só dessa coisa de ficar indo

de um canto para outro da escola. A quarta-feira é o pior dia porque são dez aulas

seguidas: cinco de manhã e cinco à tarde e são séries diferentes, xxxxxxx e

xxxxxxxx aí preencher diário, corrigir prova... tenho 13 turmas de xxxxxxx,

multiplique aí 13 turmas com cada uma mais ou menos 35 alunos a quantidade de

trabalho fora da sala de aula que tenho...”

“P7 eu tenho três aulas pela manhã, na quinta feira duas, e na sexta uma. À tarde

tenho cinco aulas na terça e quatro aulas na quarta, quinta-feira tenho

planejamento. Hoje no caso estou usando parte do meu horário de planejamento. A

maior carga horária é a do período da tarde e é bem puxado (…) ou também na

escola xxxxxxxxxxxxx lá dou aula nas outras manhãs incluindo planejamento. (…)

Minha rotina é mais puxada por causa do outro colégio tem dias que ministro nove

aulas. Os planejamentos faço os de lá pela manhã e os daqui na quinta à tarde. Tem

dias que... que se torna bem puxado.”

“(...)P12 nem sempre dá para fazer isso aqui... então essas tarefas faço quando

estou em casa na segunda de manhã, na quarta ou na sexta à tarde...e isso só tenho

200h/a tem colegas que tem 300h/a é pior (…) Muitos escolhem 300 por uma

questão sanitária, eu trabalho duzentas porque meu esposo trabalha, ele não é da

área de educação, e aí a gente quando vai juntar as contabilidades dá para manter o

barquinho navegando (...)”

Nessa rotina, conforme vimos ao mencionar os estudos de Clot (2007), o sujeito acaba

não se apropriando da sua atividade, e as ações ficam mecanizadas; por conseguinte, podem

promover stress e sensação de não valorização e de não significação do trabalho em sua vida.

Podemos observar em seus discursos que o excesso de trabalho acaba sendo gerado pela

necessidade de um salário digno para sobreviver.

Excesso de alunos em sala de aula

O excesso de alunos em sala de aula que já foi reportado pelas professoras ao

mencionarem o problema da voz, também apareceu na identificação dos fatores estressantes.

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“P.3-E tem outras coisas... a aula é curta, são muitos alunos em cada classe, a própria rotina

atrapalha, e aí se cai no discurso da culpa do professor novamente”

“P9 é impossível em uma sala com 40 alunos você conseguir atingir todos (...)”

Interessante observar na fala da professora P3 que ela se refere também à insatisfação

com a “culpabilização” do professor, pelos problemas em sala de aula. Mas, ao mesmo tempo,

constata que o número grande de alunos e a aula com tempo curto, acabam por interferir na

possibilidade de ela realizar da melhor forma seu trabalho docente. Muitas vezes, o estresse está

associado à sensação do professor de não conseguir realizar bem o seu trabalho e ser cobrado por

isso. Isso gera contradição, crise, que se não for trabalhada e refletida criticamente; ao invés de se

tornar promotora de desenvolvimento, como preconiza Vigotski, pode se tornar produtora de

sofrimento psíquico.

Turmas muito heterogêneas

Ainda relativo à organização de sala de aula, com referência aos alunos, outro tema

bem mencionado pelos professores é a dificuldade em lidar com alunos com níveis distintos de

conhecimentos, status social e econômico.

De fato, nas escolas públicas essa tem sido queixa constante. As escolas têm trabalhado

o processo de aprendizagem em uma perspectiva que iguala os alunos ou que desconsidera suas

potencialidades. Vigotski (1998) chama atenção para a importância do professor como mediador de

sujeitos que estão em diferentes zonas. Contudo, é preciso que haja formação para esse professor

atuar de forma qualificada, bem como as condições de trabalho devem ser propícias para isso.

“P.3 - (…) aqui no Jenny é complicado tem alunos que chegam de corola, com

iphone última geração e tem alunos que vem pensando na merenda porque não tem

o que comer em casa, então é muito desafiador lidar com essas realidades, as áreas

são muitos diferentes, tem alunos aqui de vários bairros...”

“P.1 - sim, isso atrapalha muito, até para você fazer o projeto político pedagógico

da escola é complicado, em 2010 quando fomos fazer foi muito difícil: como dar

conta dessa diversidade? São pessoas diferentes, com necessidades tão diferentes?

E agora vamos refazer e nos deparar de novo com isso, né?”

“P12 Trabalhamos com alunos com diferentes tipos de família, temos alunos que se

chegarem com um palito de fósforo em casa os pais questionam e outros que se

chegarem sem o palito de fósforo ele apanha, tá entendendo?”

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Essa heterogeneidade que poderia ser um aspecto interessante para troca de experiências

entre os alunos e para que uns pudessem ajudar aos outros em seus percursos de aprender, acaba

sendo um fator de dificuldades no exercício docente. A convivência plural de diferentes realidades

na própria cidade de Fortaleza, não precisaria ser vista como negativa. Afinal, a escola pública

deveria ser para todos.

Contudo, as salas numerosas não permitem que o professor possa acompanhar mais de

perto o desenvolvimento dos alunos, olhando não apenas para o que ele já sabe ou não sabe, mas

também para o que está em vias de melhorar, e só precisa de ajuda. Inclusive, essa heterogeneidade

na escola, muitas vezes é maior que a desejável. Há referências de alunos que mal conseguem ler ou

escrever no ensino médio. Muitas vezes precisam ser alfabetizados paralelamente. O custo para o

professor é muito alto, e para o aluno também.

Falta de integração entre professores das diversas áreas (do ponto de vista profissional)

Os fatores estressores no trabalho não aparecem apenas com referência aos alunos. Os

professores também mencionam as dificuldades na interação com seus pares. Nunes (2004) mostrou

em seu trabalho que uma das principais formas de aprendizagem da profissão docente e dos

conhecimentos que ela demanda, é entre os próprios pares.

“P.1 - (…) a gente sente falta de uma reunião (de planejamento) com o grupo todo.

Nunca tem uma reunião com o grupo todo? P.1 - Tem a semana pedagógica, mas é

muito pouco... P.2 - é, não dá para fazer um trabalho interdisciplinar bem feito!

Essa coisa de separar as áreas e ficar cada um por si...”

“vocês tinham comentado que agora o planejamento foi segmentado por áreas do

conhecimento, no momento de fazer o projeto político-pedagógico vocês (de todas

as áreas) constroem juntos ou é segmentado também? P.2 - em 2010 foi, mas dessa

vez, esse ano cada área submeteu suas propostas e agora eu tava pensando nisso

que deveríamos falar a esse respeito, temos que buscar outras formas de despertar o

interesse deles”.

Podemos perceber aqui que o professor se sente sozinho no enfrentamento dos desafios

que a profissão impõe. Sabemos que uma rede de apoio afetivo e de conhecimentos, é fundamental

para a saúde mental não só no âmbito da docência, mas no contexto do trabalho, em geral. As falas

abaixo continuam seguindo nessa direção. Contudo, elas evidenciam a necessidade de maior

atuação do núcleo gestor nessa função de integração da escola e de coerência nas informações

veiculadas.

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“Você está dizendo que há uma falha de comunicação entre a equipe pedagógica e

a administrativa, elas não estão alinhadas em termos de prática? P5 Exatamente,

uma pede uma coisa e outra não atende e eu falo, eu digo para eles que tá errado,

sou sincera, talvez seja até ousada, falo demais tem um rapaz que trabalha demais...

outro ponto negativo apesar de toda a interação ainda temos companheiros que

ainda não acreditam na escola pública como algo bom; mas você vê professores em

escolas particulares que não acreditam na educação também... então falta essa

harmonia entre o pedagógico e o administrativo... o resultado é que algumas

pessoas ficam insatisfeitas e começam a colocar atestados...”

“(...)P6 falta (...) uma maior organização, vinculação entre coordenação e técnicos; falta uma

solidariedade maior; faltam mais trabalhos vivenciais”

As vozes dos professores denunciam uma lacuna na escola que parece influenciar

fortemente o trabalho docente. Inclusive, ao ponto de professores não se sentirem ouvidos ou não

terem espaço para trabalhar suas questões na docência. Com isto, muitos deles buscam no

afastamento por doença a alternativa para lidar com o problema. Nossa compreensão, então, é a de

que o núcleo gestor também cumpra um papel importante para promoção de um ambiente escolar

produtor de saúde mental.

Excesso de papéis e falta de suporte para seu desempenho

Assim como a subcategoria anterior, essa vai destacar a importância da rede de apoio

para o docente. Essa falta de apoio acaba colocando no professor a responsabilidade na resolução de

problemáticas, dos mais diversos campos, muitas vezes, fora de sua competência. Como vimos nos

estudos sobre política educacional (VIERA, 2010) a LDB 9394/96 ampliou muito a definição sobre

o exercício da docência, deixando os professores confusos sobre seu papel e sobrecarregados.

“P.3 - você tá entendendo o que quero dizer esperam que a gente seja tudo,

psicólogo, professor, pedagogo e não dá, qual o suporte que nos dão? Por exemplo,

como lidar com um aluno com dislexia? No curso de letras não te ensinam isso;

precisaria ter alguém para orientar; e outros problemas tdah... tem coisas que você

até intui mas não temos como diagnosticar, já imaginou como ia ser bom? você

desconfia e encaminha para o profissional, na escola, que faz os testes diagnosticos

e dá as diretrizes de como proceder? Seria maravilhoso, facilitaria nosso trabalho,

seria bom para o aluno...P.2 - antigamente tinha o SOE – Serviço de Orientação

Escolar – aqui mas dessa equipe só sobrou a xxxxx que faz um trabalho as quartas-

feiras, muito bom com as crianças; P.3 – sim, mas alguém que saiba tratar de

problemas de aprendizagem, que faça diagnóstico mesmo, não tem... se tivesse

para nós seria maravilhoso...”

“P.3 -. o que desestimula, às vezes, é esse discurso de que o professor tem que dar

conta de tudo, quer me ver ficar maluca? Aponte o dedo na minha cara e diga “a

culpa é sua” porque assim, eu defendo minha profissão com unhas e dentes (...)

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Nesse caso, a diretora da escola foi afastada e o aluno e a família ficaram

recebendo apoio psicológico, quer dizer: o professor descarta; isso é errado. Porque

a professora não recebeu apoio também?”

Esse discurso ao qual a professora P3 se refere esteve muito presente a partir das

reformas educacionais implementadas na América Latina, e, portanto no Brasil, a partir dos anos

1990. Alguns autores chegam a falar de um desencontro entre os professores e as reformas, pois os

docentes se sentiram responsabilizados em demasia pelo sucesso ou fracasso do aluno. Com isso, o

contexto escolar que já é cheio de desafios, tornou-se mais tenso, estressante e pouco atrativo. Não

é por acaso, que vemos no país cada vez mais com dificuldade em fazer com que os jovens se

interessem pela profissão docente. Inclusive, os professores dessa pesquisa, em sua maioria, não

escolheram, inicialmente, trabalhar no magistério, mas foram levados a ele pelas mais diversas

circunstâncias. Sobre isso, discutiremos na categoria formação continuada.

Falta de materiais pedagógicos e de equipamentos

Quando nos referimos às condições objetivas de trabalho, não podemos nos esquecer da

relevância dos professores e alunos terem acesso aos equipamentos e aos materiais pedagógicos, de

modo a enriquecer e, algumas vezes, viabilizar o ensino e a aprendizagem.

“P.2 - Nossos problemas não são da escola, são do contexto, falta material, às vezes

livro, texto (você tem de fazer uma predição, às vezes você quer uma música

impressa para introduzir uma matéria) e não tem, não tem verba. P.3 - Sim, com

essa crise uma das primeiras áreas a ter corte nos gastos foi educação, antes xerox,

essas coisa era mais livre agora tá apertado, estamos sentindo na pele” “P.1 -

Talvez até por isso algumas pessoas hesitam em ensinar na rede pública”

“(...)P6 a falta de material, essa crise tá complicado (...)”

Interessante observar nessas falas que, mesmo em uma escola considerada modelo em

aprovação no vestibular e com boa infraestrutura, ainda faltam materiais básicos. Também, os

professores conseguem refletir sobre essa situação, estabelecendo uma relação entre a situação

econômica do país, considerado em crise e a desvalorização da educação. Mais um elemento de

cenário negativo para o seu trabalho.

Dificuldade para conciliar vida profissional e pessoal

Esse item está bem relacionado aos itens anteriores como excesso de trabalho e falta de

apoio. O que aparece de forma reiterada na fala dos docentes é o fato de terem de levar trabalho pra

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casa, principalmente no fim de semana. Isto diminui o tempo livre para estar no lazer e/ou com a

família (fator considerado fundamental para uma melhor qualidade de vida).

“(...) P5 o professor então, a gente leva trabalho para casa, muita prova, aula para

preparar e olhe que já melhorou muito com esses momentos de planejamento na

escola, mas você acaba levando para casa (...)”

“(...) P6 o professor nunca tem dia livre, na segunda não venho para escola mas

trabalho do mesmo jeito, elaborando testes, trabalho, corrigindo atividades...”

“Você leva tarefas do trabalho para casa? P12 Quando não dá tempo, ou quando a

concentração aqui não é legal, eu levo...E com qual frequência isso acontece? P12

Rapaz, de dez acontece sete... quando é algo que requer uma concentração maior

(porque a escola não tem um espaço onde eu possa ficar sozinha)...

Percebemos aqui também uma menção a falta de um espaço físico, com silêncio

adequado, na escola para que o professor possa trabalhar fora da sala de aula. Tornou-se comum

estender as tarefas da escola à sua casa, como se isso fizesse parte das exigências da profissão; o

que contribui também para o desgaste físico, mental e a precarização da vida do professor. Nas falas

que se seguem, poderemos constatar como os professores sentem a profissão como algo difícil e que

acaba comprometendo a relação com a família e a própria saúde, pela não possibilidade de cuidar-se

melhor.

“(...)P5 olhe é assim: trabalhar com educação não é fácil, tive de abrir mão da minha vida familiar

para me dedicar a isso (...)”

“(...) P6 agora que tenho criança... segunda eu acordo mais cedo, enquanto ela

ainda tá dormindo, eu já adianto alguma coisa da escola, aí lá para as nove horas

ele acorda, eu faço a merenda dele, ponho no cercadinho e fico do lado dele,

corrigindo prova, fazendo trabalho mas de olho nele, interagindo aí meio dia eu

paro, vou dar o banho dele, dar o almoço... faço questão de fazer as coisas dele se

eu puder; aí depois ele dorme e vou trabalhar de novo, lá para as quatro ele acorda

e ponho ele pertinho de mim e continuo com as atividades (…) quando passei no

concurso pensei que ia puder ficar só com 100 horas de carga horária, ia ficar com

um expediente para cuidar dele mas aí as condições não permitiram e precisei

ampliar minha carga horária. Sempre negocio no inicio do ano para meu horário

ficar o mais concentrado possível para eu ter tempo de trabalho em casa porque ai

posso ficar com ele também...”

“P8 Ter um tempo maior para mim. Para cuidar de mim, porque eu não tenho! Eu

preciso me exercitar, descansar mais, mas eu tenho o terceiro expediente! Eu cuido

da casa! Então isso também atrapalha um pouco. (…) É muito estressante, eu

almoço muito rápido porque tenho de voltar para sala de aula, encarar mais um

turno de trabalho...quando eu chego em casa, cansada, ainda tenho de fazer o jantar

para mim, para as crianças... quer dizer com isso tudo, eu esqueço um pouco de

mim...”

“(...)P12 quer você queira quer não o seu dia a dia no trabalho vai refletir na

família, se você é muito consumida você vai chegar em casa diferente (…) aí meu

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esposo disse que não adiantava nada eu ficar cuidando dos filhos dos outros e a tua

família? E ai eu comecei a perceber que a gente trabalha para estar bem também

com a família, né?”

Quando a professora P12 traz a ideia de sentir-se consumida no exercício do trabalho e

os outros professores falam em cansaço e falta de vida familiar, algo aí merece ser olhado com mais

atenção. Como os estudos sobre Burnout (CODO, 2002) mostraram que os trabalhadores vão

chegando à exaustão, até o nível em que já não conseguem mais lidar com a profissão. Então,

aparecem os diversos sintomas, que vão desde doenças físicas como a gastrite até os problemas de

depressão e ansiedade.

Subcategoria: Sentidos sobre a profissão

Nessa subcategoria, vamos discutir quais os sentidos que os professores construíram

acerca do trabalho docente e que são fontes de estresse para eles. Lembramos que os sentidos são

construções simbólicas individuais constituídas a partir da apreensão do sujeito acerca do

significado de suas vivências na realidade, ou seja, na cultura na qual está inserido. Em outras

palavras, como afirma Scoz (2011) o sujeito não é a priori, nem é puro reflexo do social, mas

representa um momento de contradição e confrontação com este social e ao mesmo tempo com sua

própria constituição subjetiva; dessa confrontação nascem novos sentidos que vão modificando o

sujeito e suas práticas. Clot (2007) destaca que o sentido do trabalho não está no trabalho já que os

comportamentos em uma dada instância da vida são regulados pela significação que o sujeito lhe

atribui em outros domínios da vida.

Então temos uma representação geral dos objetos, conceitos e técnicas (significado) e

uma representação particular ligada à história de vida ou contexto específico de uma ou mais

pessoas (sentido). “A relação entre a significação social, o sentido pessoal e o conteúdo sensível,

emocional, é o principal componente da estrutura interna da consciência”. (ASBAHR, 2005, p.111).

Sentir-se desvalorizado

Como vimos na introdução dessa tese, pelo breve histórico da profissão professor no

Brasil, o significado social da docência tem sido bastante contraditório. Por um lado, foi vista como

profissão importante, sacerdócio e vocação. Por outro, essa própria ideia acerca da profissão foi

acompanhada de uma desvalorização permanente seja nos processos formativos, nas condições

materiais de trabalho e, consequentemente, na própria visão da sociedade brasileira sobre a carreira

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do magistério.

Os discursos, das professoras participantes da pesquisa, denotam essa percepção acerca

de seu trabalho como docente, inclusive, a falta de respeito não só no âmbito dos governos em

relação aos salários, mas também da própria família dos alunos ao não valorizarem o professor.

“P.3 - (…) quando falo da desvalorização do professor, não tô falando nem da

questão financeira, salarial mas sim dessa visão destorcida, onde um educador se

acha melhor que outro, fica apontando o dedo um para o outro, quando na verdade

as áreas são complementares, aqui tem disso também; essa fala de “ah! um

educador não pode fazer isso ou aquilo; ou ah, você é um educador, devia fazer

isso ou aquilo” você já viu aquela charge? A que mostra os pais nos anos 60

brigando com o aluno pelas notas baixas e depois mostra os pais brigando com o

professor por causa das notas baixas do filho? Aquilo resume tudo: tudo é em cima

do professor.”

“P6 falta essa valorização, esse respeito, estudei muito para estar aqui, se houvesse isso já muita

coisa se modificava (...)”

“(...)P12 uns dizem: ah, que escolha! Mas eu não vou discutir, eu penso de maneira diferente, com a

educação me sinto bem... agora... poderia ganhar melhor? Poderia!”

Consideramos relevante frisar que, nessas falas, os professores demonstram ter

consciência de que não é apenas a questão salarial que define o valor da profissão. Embora seja um

tema importante, não é o único. Isso contraria o discurso do senso comum de que os professores só

consideram como melhoria profissional a questão salarial. Vemos que é preciso muito mais para que

os professores possam produzir novos sentidos mais positivos acerca do lugar que a profissão do

educador ocupa no universo do trabalho e das demais profissões. Esse movimento dos sentidos

pode ser um elemento importante na capacidade de enfrentar os desafios cotidianos de forma mais

saudável e como sujeitos protagonistas de sua atividade laboral.

Falta de interesse dos alunos

Em um contexto com uma série de variáveis pouco positivas influenciando a visão de si

como profissionais, a falta de interesse dos alunos é algo brutal, já que em termos de significado o

aprendizado final dos discentes seria a meta. As falas dos professores denotam sentimentos de

mágoa e frustração:

“P.3 - Eu brinco com os alunos dizendo que nossa profissão é a única onde os

clientes não querem receber pelo serviço que pagam, porque se você vai a um

médico você vai seguir as orientações dele, vai fazer os exames, vai tomar os

remédios; você vai a um advogado, você vai seguir as orientações, vai providenciar

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os documentos fazer ele lhe orientar; já um professor por vezes tem um

conhecimento para ofertar e os alunos não se apropriam (...)”

“(...) P5 Uma professora uma vez entrou na sala dos professores rindo e disse que

tinha encontrado com uma aluna que tinha entrado no segundo grau e ela tinha

perguntado como estava sendo e a menina respondeu que o problema era que os

professores queriam que eles aprendessem...”

“(...) P7 se você não vê a turma respondendo isso te leva muito para baixo, mesmo

que seja só em uma sala, você fica com um peso na consciência porque foi um

trabalho que você se propôs a fazer e não foi bem aceito...”

Como se pode perceber, as falas dos professores denotam sentimentos de mágoa e

frustração, o que pode provocar sentimento de desvalorização de si e falta de motivação para o

trabalho.

Falta de limites dos alunos

A falta de limites está relacionada à questão anterior sendo talvez sua causadora; a

questão dos limites é temática comum hoje. As novas exigências sociais estabelecem como ideais a

serem perseguidos a independência, a competitividade, a espontaneidade e a iniciativa, o que

implica em práticas educativas menos autoritárias e mais democráticas, conforme salientam Oliveira

e Caldana (2004). A consequência segundo Paggi e Guareschi (2004) é a queda da autoridade

parental e a prevalência de relações mais permissivas. A questão dos limites surge, então, como uma

problemática recorrente nas práticas educativas atuais.

“P2. Sim, há a necessidade de trabalhar os deveres do aluno também, não só do professor.”

“P3. Isso os alunos só tem direitos.”

“P.2 os alunos precisam ser trabalhados em suas obrigações, as mais básicas, de

respeito ao outro. Digo muito isso, quando entro em sala de aula, sempre lembro da

importância do saber ouvir, quem só quer falar, falar, falar vai aprender pouco. Até

para ler você precisa escutar, tem de haver concentração”

“P5 Às vezes escutamos xingamentos de alunos e não podemos revidar por uma

questão de postura profissional e engolimos calados... não é fácil não...”

“(...)P9 aqueles seis meses no conjunto esperança foram ruins, era uma clientela

que realmente eu não sabia lidar eu tentei de tudo, até comprar os meninos: tinha

dia que eu chegava lá com um monte de pipoca, pirulito, levava para assistir filmes,

fiz de tudo para que eles não me torturassem tanto (...)”

“(...)P10 eu repetia muito, será que preciso gritar? Vocês só funcionam no grito?

Tenho de chamar o coordenador para vocês prestarem atenção? Vocês só querem

fazer as coisas se forem ameaçados? Lembro que uma vez cheguei ao extremo de

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pegar uma pasta e tacar na mesa para pararem com o barulho e foi papel para todo

lado, eles ficaram assustados, eu fiquei assustada, e fiquei triste pensei não quero

passar por isso... e então aprendi... raramente grito, sei que não vai resolver, que

eles vão se assustar ali num momento e depois vão fazer tudo de novo, então tento

me preservar...”

Como se pode perceber a sensação de ser desrespeitado é algo forte e os professores

precisam desenvolver estratégias para lidar com isso.(retomaremos essa questão um pouco mais a

frente).

A imagem do professor como alguém em desvantagem

Como dito no início do trabalho, citando Clot (2007), o trabalho, enquanto atividade

simbólica e genérica, é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor

que cada um atribui a si mesmo. Sua função é vital pois é atividade de conservação e transmissão

cultural e, ao mesmo tempo, atividade de invenção e renovação (de si mesmo e da cultura). A

imagem do professor como alguém em desvantagem simbolicamente pode ser prejudicial para sua

autoestima por isso as falas dos professores são tão veementes em negar essa condição:

“(...)P5 Odeio aquelas reportagens que mostram o professor como um pobre

coitado...ah acorda de madruga, anda trocentos quilômetros, atravessa um

rio...mostra o professor como um coitadinho... o professor não é um coitadinho!

Tem de ser tratado como um profissional, com respeito! eu acho que a mídia

coloca muito o professor para baixo, é responsável pela desvalorização da imagem

do professor...acabam com a autoestima do professor”

“(...)P6 acho que falta ainda muito reconhecimento da profissão, não estou falando

só da questão financeira, mas dos estigmas “ah a professorinha, bichinha,

coitadinha...” às vezes tenho a impressão que a sociedade pensa que todo professor

é professor por falta de opção, comigo, por exemplo, eu me achei na profissão, me

sinto satisfeita com ela, então não sou coitadinha, não é uma questão de se

acomodar; acho que falta esse reconhecimento, que as pessoas me olhassem com

um olhar de admiração (...)”

Esses achados consubstanciados nessa categoria “Principais fontes de estresse” e nas

suas duas subcategorias “condições objetivas de trabalho” e “sentidos subjetivos sobre a profissão”

são similares aos do trabalho de Cupertino (2012). Nesse trabalho, ele aponta para uma situação em

que prazer e sofrimento, convivem de forma não excludente. A principal fonte de sofrimento é a

organização do trabalho (pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho, número de pessoas

insuficiente para realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga de trabalho, falta

de reconhecimento e necessidade constante de capacitação).

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Ainda sobre o estresse docente cabe citar, mais uma vez, alguns trabalhos como o

desenvolvido em São Paulo por Vedonato e Monteiro (2008) que realizaram pesquisa com 258

professores de escolas estaduais e verificaram que 96,5% dos sujeitos consideravam o trabalho na

escola estressante e sugeriram que este fato pudesse estar relacionado ao o aparecimento de

transtornos mentais.

No maior estudo realizado até hoje no Brasil sobre Burnout, em educadores,

desenvolvido por Côdo (2002), em uma amostra nacional cerca de 39.000 professores, os resultados

revelaram que 31,9% dos profissionais apresentavam baixo envolvimento emocional em relação a

sua tarefa; 25,1% apresentavam exaustão emocional e 10,7%, despersonalização. A incidência de

pelo menos um dos três sintomas do Burnout foi de 48,4% da categoria.

Esse panorama não parece estar restrito ao Brasil. Desde os anos oitenta, pesquisas

sobre a saúde docente, relacionadas às condições de trabalho, têm sido conduzidas em vários países.

Cruz ET AL (2010) destaca alguns: Suécia, França, Alemanha e Reino Unido. Os autores

informaram ainda que o estresse e a Síndrome de Burnout eram apontados como os principais

problemas entre professores naquela época, com implicações sobre o absenteísmo por doença e

abandono da profissão. Farber (1984) realizou uma pesquisa com 365 professores de escolas

públicas do subúrbio de New York, EUA; e encontrou uma frequência de 20 e 25% entre os

docentes que se apresentavam vulneráveis ao Burnout, sendo que 10 a 15% deles já apresentavam

os sintomas que caracterizam essa síndrome; e, nesta década, o estresse e o Burnout, provocaram

um custo calculado em mais de U$ 150 bilhões anualmente para as organizações Americanas

(Trigo, Teng, & Halak, 2007).

Assunção e Oliveira (2009, p.365) citam outros estudos como o realizado em Hong

Kong (Chan, 2003) que também mostrou que a profissão de ensinar é altamente estressante.

Aproximadamente um terço dos professores pesquisados apresentaram sinais de estresse e Burnout

entre os principais problemas de saúde; o de Dimitrov (1991) avaliou 69,5% dos professores de uma

região da Bulgária. Os resultados evidenciaram elevada taxa de morbidade (número de casos por

mil trabalhadores) por distúrbios mentais (DM) e por doenças do sistema nervoso (DSN),

associados ao nível de ensino no qual o entrevistado estava inserido.

Gomes (2006) em uma investigação sobre o estresse, Burnout, saúde física e satisfação

profissional com 127 professores de uma escola secundária do Distrito do Porto, em Portugal,

descobriu que mais de 30% dos professores apresentavam estresse ocupacional e uma porcentagem

considerável desses profissionais apresentava sintomas de Burnout. 14% evidenciavam problemas

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de exaustão emocional, 17,95% apresentavam sintomas de despersonalização e 6% apresentavam

baixos índices de realização pessoal. A combinação simultânea dos três fatores indica uma

porcentagem média de 13% de professores que parecem se encontrar em situação de Burnout.

Esses dados estatísticos servem como ilustração para destacar a importância de se

identificar os fatores estressores no cotidiano de trabalho dos professores para que possam ser

desenvolvidas ações a fim de amenizar ou resolver às questões buscando a minimização dos danos

sofridos pelas pessoas que trabalham como professores. Os dados também demonstram que,

infelizmente, a imagem do professor como alguém em desvantagem não é propriamente incorreta.

CATEGORIA 3. ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS

As estratégias defensivas são parte importante do foco principal desse trabalho, que é a

saúde mental dos docentes. Apesar de compreendê-las como parte de um contexto maior (que inclui

as questões de QVT, adoecimento, sofrimento psíquico e de formação) gostaria de abordá-la com

destaque.

As estratégias defensivas podem ser de cunho coletivo ou individual; conscientes ou

não; servir como forma de resistência política (ações de uma categoria) e ter caráter transformador

ou ter efeito alienante. Contudo, um denominador comum é que seu propósito último é a proteção

do psiquismo contra a dor e o adoecimento (físico ou mental). Em termos de Psicologia Histórico-

Cultural, ela é manifestação de criatividade na produção de novos sentidos.

As estratégias defensivas encontradas nessa pesquisa refletem um caráter adaptativo,

consciente, que promovem sua saúde e favorecem a manutenção da organização do trabalho; apenas

uma delas parece ter uma característica de ação transformadora que é propiciada pelo coletivo dos

profissionais, mas que é mediada pela postura da direção da escola, qual seja a liberdade que os

docentes sentem dentro da escola.

Os achados encontram similaridades aos de outros trabalhos descritos anteriormente

como os de Perez (2012) que identificou como estratégias positivas o relacionamento com os

colegas, o relacionamento com os alunos, a criação de espaços alternativos para discussão, a

conscientização, a reorganização da rotina, estar alerta aos sinais emitidos pelo corpo antes do

adoecimento, o estabelecimento de limites, a autonomia e possuir perspectivas de futuro; o de

Vieira (2011) atividades esportivas e de lazer, cuidados pessoais, suporte afetivo, espiritualidade,

busca por medicalização e ajuda médica.; Moraes (2012) que aponta o grupo social como elemento

de suporte afetivo e o de Soldatelli (2011) constatou que para evitar o adoecimento alguns dos seus

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entrevistados afirmaram fazer exercícios, cuidar da alimentação e utilizar terapias alternativas.

Quadro 7 - Estratégias Defensivas

Estratégias Defensivas

Subcategorias

Coletivas Individuais

Humor Ignorar ruídos

Bom ambiente e boas relações humanas Confrontar alunos

Sensação de liberdade na escola Reconhecimento por parte de alguns alunos e

identificação com suas vitórias

Personalização de espaços coletivos Cultivar a espiritualidade

Cuidados com o corpo

Ouvir músicas e/ou ver filmes

Criar pequenos rituais cotidianos

Fonte: Elaboração própria

Estratégias defensivas coletivas:

O humor

O fazer piada das mais variadas situações, foi uma das estratégias observadas. As piadas

parecem fazer parte da dinâmica desse grupo. Quase tudo pode servir como mote para o humor,

como foi possível observar em diversas situações em que estivemos na escola. Abaixo, para ilustrar,

algumas das anotações retiradas do diário de campo logo no início do trabalho em 2015.

07.10.2015 - 12h30min – cheguei à sala dos professores que estava apinhada de professores, a TV

estava desligada, alguns professores almoçavam na mesa. O ambiente estava descontraído e os

professores riam muito. Alguém mostra vídeos e alguns professores comentam.

Um professor que entrou na sala comenta (olhando para mim): - Eita chegou a professora que irá

estudar nossas mentes! Um outro replica: - professora, desconsidere esses momentos... todos riem.

21.10.2015 - 12h45min – após ouvir as sugestões da professora volto minha atenção novamente

para os demais. Alguns se queixam de que a escola está com forte cheiro de fumaça (parece que

houve uma “queimada” no terreno vizinho à escola). Outros professores brincam fingindo tirar

“selfies” e o ambiente começa a se encher de risos com algumas pessoas fazendo piadas

situacionais.

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12h50min – as piadas continuaram, dessa vez a respeito da relação de alguns professores com

algumas turmas. Um professor brinca comigo: “anota aí professora, a professora x surtando em alto

grau de estresse” ao que a professora x replicou” e você? Acha que é saudável ficando aí em pé e

implicando com todo mundo?'” o professor respondeu “tô me aquecendo para aula” os professores

riram e confesso que eu também...

13h05min – uma professora chama os demais: vamos pessoal, trabalhar! Alguns a seguem. Uma

professora comenta que nunca viu povo tão alegre “quanto mais liso mais alegre, sei não...”

Também nas falas dos professores, eles fazem questão de reforçar esse clima de humor

na escola como uma forma de amenizar o ambiente pesado de trabalho e de certo modo, integrar

mais os colegas entre si. Como apresentamos antes, o tema da integração entre eles é considerado

algo relevante para os professores pesquisados.

“P.1 - (...) Lembra logo que você veio se apresentar e trouxe um bolo? O clima de

brincadeira, descontração, não é porque você estava aqui, é daquele jeito mesmo.

Se você vier um dia no planejamento da quarta-feira aí é que é animado mesmo!

Você vai ver a alegria à bagunça! É muita gente, é misturado, às vezes você sai da

aula só para beber uma água e dá vontade de ficar! Tem mais homens, e tem alguns

engraçadíssimos, parece que sempre estão em intervalo! É uma terapia isso aqui”

“P7 Acho que o próprio corpo docente favorece, porque se os próprios docentes

não se ajudassem já seria uma coisa muito pesada e o próprio ambiente, a relação

dos professores entre si é boa, ajuda, tem um colega nosso o ... que é conhecido faz

todo mundo rir, deixa o ambiente leve.”

A estratégia de tentar fazer piada com as situações diversas pode ser eficaz como

auxiliar na manutenção da saúde, já que o ato de rir induz corpo a produzir endorfina o que ajuda a

relaxar, dormir melhor e controlar a pressão sanguínea (BERK, 1988); Além disso segundo um

estudo de Fry (1992) rir cem vezes durante o dia teria os mesmos efeitos cardiovasculares que fazer

exercícios de remo durante 10 minutos.

O humor pode aumentar a tolerância à dor (WEISENBERG, 1995) e ser um mecanismo

de luta usado para diminuição de medo, ansiedade, estresse psicológico além de melhorar

habilidade de lutar contra doenças (KUIPER,2004; WOOTEN,2005).

Não é à toa que os professores dessa escola conseguem se manter relativamente

saudáveis mesmo diante de tantas situações pouco favoráveis.

O bom ambiente e as boas relações interpessoais

As boas relações interpessoais são um fator de extrema importância para a manutenção

de uma boa saúde mental, podemos escolher e selecionar nossas amizades e as pessoas com quem

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iremos conviver fora do trabalho, no entanto, no ambiente de trabalho de modo geral não temos essa

autonomia e temos de conviver com pessoas das mais variadas formas de funcionamento o que

pode ser um fator de sofrimento e obstáculo para um bom desempenho profissional; não é à toa que

os bons relacionamentos nessa escola são citados como fator de proteção profissional.

“P.1 - Aqui o forte é a relação com os colegas, para quem já trabalhou em outras

escolas, fica clara a diferença, eu já trabalhei em outras escolas e eu ia e voltava

não fazia diferença, aqui rapidamente você conversa faz amizade, no colégio da

polícia eu entrava muda e saia calada, aqui podemos falar à vontade o que me

desgosta não tenho nenhum problema em falar; (…) Ah, eu brinco é muito! Eu

gosto muito da energia daqui, flui, não tem falsidade! Sim, eu sinto uma energia

muito boa aqui, noto muito respeito”

“P.3 - tem um professor que todo final de ano faz questão de organizar uma festa,

um churrasco na casa dele, por conta dele e chamar todo mundo, é muito bom! Ele

tem toda uma preocupação com a gente”

“P5 Aqui a gente conversa muito, é uma catarse, você fala muito e escuta muito e

essa troca de desabafos vai ajudando você, nos fortalecer... nos apoiamos uns nos

outros é o que nos fortalece para esse tipo de situação não acontecer e se acontecer

estarmos preparados... unidos... por ai não tem isso, não tem união”

“P7 A estrutura que temos, nosso corpo docente acho que em muitos colégios não

tem porque são professores que buscam se ajudar, tem uma outra peça que é

exceção, mas no geral os professores se ajudam muito e isso ajuda muito na

qualidade. Você não precisa se preocupar com aquela coisa de alguém querendo te

derrubar. Existe um sentimento de união. Se você chegar cabisbaixo todo mundo

vai te perguntar o que você tem, vai querer ajudar...”

“P8 Eu gosto muito dos meus colegas, me dou muito bem com eles, são bons,

carinhosos, eu transmito aquilo que estiver sentindo mesmo para eles (...) gosto de

estar com eles, rio, converso bastante.”

Segundo Moscovici (1994), nas empresas, a interação humana ocorre em dois níveis

concomitantes e interdependentes. O nível da tarefa é o que podemos observar, que é a execução

das atividades individuais e em grupos. Já o socioemocional refere-se às sensações, aos sentimentos

que são gerados pela convivência.

Caso esses sentimentos sejam positivos, o nível da tarefa é facilitado, gerando uma

produtividade satisfatória. Se, ao contrário, o clima emocional não é satisfatório, a tarefa passa a

sofrer os efeitos, tornando o cotidiano penoso. Pelas falas, fica claro que o papel das relações

interpessoais contribui como estratégia defensiva para promoção/manutenção da saúde dos docentes

nessa escola.

A sensação de liberdade na escola

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Ao mesmo tempo em que os professores relatam estresse pela má qualidade da

comunicação institucional na escola, eles ressaltam que o núcleo gestor os deixa bastante livres para

se expressarem. Acreditamos que é uma estratégia defensiva interessante porque oferece ao

professor a possibilidade de se sentir mais partícipe de seu trabalho, com maior autonomia e certo

grau de controle sobre sua atuação. Isso pode favorecer a produção de novos sentidos sobre a

docência e aliviar as situações de estresse e sofrimento. Ter uma sensação de liberdade de expressão

permite o uso da linguagem de modo mais rico e, por sua vez, a dinamização das funções

superiores, em geral. O professor pode sentir o ambiente mais propício para criar na sua prática isso

é fundamental, já que, de acordo com Clot (207) a contenção da atividade espontânea leva ao

esgotamento e à fadiga.

“Vocês têm liberdade para se expressar? P.1 - Sim, eu não tenho medo, falo

mesmo; P.3. Isso, nem sempre somos atendidos mas podemos falar à vontade. P1.

Se eu quiser falar, falo mesmo, claro que tem a coisa de ser funcionário público, de

ter mais estabilidade, mas não é só isso.”

“P5 Nós temos liberdade, é por isso que flui. Eu considero dos locais que trabalhei

aqui sendo o melhor, eu me sinto muito, mais muito bem mesmo aqui. E o que é

mais importante não há descriminação com professores temporários. Rapidamente

se entrosam...”

“P6 aqui acho que nós professores temos mais liberdade para fazer o que é certo

por outro lado por vezes faltam recursos. Mas temos grande liberdade de mudar,

trabalhar os conteúdos como quiser;”

“(...)P9 há escolas em que a gente é muito reprimido, você só pode fazer até ali,

aqui não, eles nos dão total liberdade, você... inclusive nem existe uma exigência

de que todos os professores de xxxxxxx sigam um mesmo plano então isso para

mim é muito bom, eu não gosto de me sentir presa”

“P11 a coordenação aqui, chama a gente e conversa, no começo do ano quando

fazemos nosso calendário, tem uma votação, quem é contra levanta o braço... é

muito democrático aqui... aqui não tem nenhuma imposição, como as de uma

escola particular, apesar de ter três coordenadores e de ser uma escola de

referência; o professor xxxxxxx tem um trabalho de referência, não é um trabalho

qualquer, há um comprometimento muito grande e ele cobra isso, faz questão de

mostrar as reportagens, porque o J, já foi tema de várias reportagens e... quem não

gosta de ter um trabalho reconhecido? Não só o nome de fazer as pessoas de fora

acreditar no trabalho desenvolvido, na gestão pública... O J faz esse trabalho e isso

é porque os professores e a coordenação falam a mesma língua...”

A sensação de ser livre, de poder fazer escolhas, é uma das condições mais humanas do

ponto de vista existencial. Poder manifestar as próprias ideias e emoções em forma de palavras

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diante de outras pessoas, com as quais nos sentimos seguros, sem receio, pode ter um efeito

extremamente terapêutico, já que isso implica em uma suposição de aceitação por parte do grupo; e

se o grupo aceita seus partícipes, tais quais são, esses indivíduos também podem passar a se aceitar

melhor; a auto aceitação é importante para a auto estima e reforço identitário.

O clima de liberdade desenvolvido pelo corpo docente, portanto, também parece uma

excelente estratégia defensiva para manutenção do bem-estar psíquico.

Personalização dos espaços coletivos

Essa estratégia foi percebida por nós ao observarmos os espaços da instituição escolar.

Vimos que tornar alguns espaços coletivos mais personalizados pode dar ao professor uma sensação

de maior vinculação do trabalho com sua vida e assim, melhorar o clima de trabalho.

Ao observar os armários percebemos que cada um tem o nome do seu proprietário e,

além disso, uma gravura que parece identificá-lo. Em sua maioria, as gravuras são Santos católicos

(Nossa Senhora, São Francisco de Assis, Cristo), mas há também fotos de cães, gatos, flores e

brasão de futebol.

Estratégias defensivas individuais em sala de aula (e fora dela):

Ignorar ruídos

Essa primeira defesa identificada remete a teoria de Bandura que acreditava haver uma

capacidade no ser humano para aprender, que é auto ativada como resposta para seu meio. Para ele

existiriam determinadas formas de aprendizagem que acontecem a partir da observação do

comportamento dos outros indivíduos. A ideia central é a de que o comportamento de um indivíduo

se modifica em função da exposição ao comportamento de outro, os sujeitos podem espelhar

comportamentos socialmente aceitos ou não. Também Vigotski se refere ao tema, quanto fala da

zona de desenvolvimento proximal e dos processos interativos e da imitação (NUNES e SILVEIRA,

2008).

Imaginamos que, hipoteticamente, os professores ao ignorarem os ruídos podem

fornecer exemplo para os demais alunos que gostariam de prestar atenção na aula ou para tentar não

reforçar os comportamentos de conversa. Outro aspecto é que para lidarem cotidianamente com

tantos ruídos, desatenções, comportamentos inadequados, os professores precisam desenvolver uma

atenção seletiva mais apurada. Assim, conseguem maior concentração e menos envolvimento

emocional com aquilo que os aborrece e sobre o qual não conseguem um controle total; como por

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exemplo, a conversa paralela dos alunos.

Vamos exemplificar com alguns trechos do diário de campo:

“Duas alunas chegaram, entram sem pedir licença e cumprimentam algumas colegas que estão

sentadas nas carteiras no final da sala: -oi usuária! A colega responde: - diz usuária.

Mais um aluno chegou e perguntou se podia entrar, depois de autorizado sentou-se.

Um grupo de quatro estudantes juntaram as carteiras no fundo da sala e conversavam fazendo

bastante barulho.

Senti-me ligeiramente irritada, imagino como o professor deve se sentir...mas ele permanece em sua

mesa fazendo anotações. (será que é assim que ele consegue lidar com essa situação? Ignorando-a?)

13h30min – me sinto muito cansada, com tanto barulho como será que ele se sente? ...13h35min – a

situação volta ao caos anterior . O professor se cala e permanece em pé esperando que se faça

silencio. Quando o ruído diminui o professor diz: - olha se eu sentar, o conteúdo estará dado e vai

ser cobrado.

13h40min – o professor está de pé, comentando o conteúdo e conseguiu atenção de parte da turma...

alguns alunos fazem perguntas, mas o professor está tão determinado a conseguir concluir o que

preparou, que mal os escuta (não é à toa!).

Os alunos continuam a falar alto (na aula subsequente), a professora fica em pé, encostada no

quadro em silencio.

A esse respeito também a fala de um professor deixa clara a estratégia de ignorar

para não ter de lidar com a constatação de que os alunos não estão envolvidos na aula, o ambiente é

inadequado e que eles não têm a quem pedir ajuda para resolver suas questões sobre a docência.

“P.4 - (…) tem alunos que você pode chegar pelada em sala de aula, plantar

bananeira que ele vai olhar para sua cara e baixar a cabeça, não vai se interessar,

vai baixar a cabeça e dormir. Tem meninos, cada um, e são muitos tem alunos que

foram devorados pela situação, eles tão aqui por que os pais obrigam, porque tem

bolsa família mas eles estão totalmente desacreditados da educação, ele não dão a

mínima. As vezes eles tem algum problema cognitivo, a gente ignora por que não

tem nenhum aparato para isso... oh isso é outra coisa: falam do despreparado do

professor, cara eu sou licenciada , vi uma cadeira ou outra de psicologia na

faculdade só por cima, não é função da gente lidar com esses problemas, eles

teriam de ser contornados por um psicólogo, um psicopedagogo e a gente não

tem... não tem uma escola nesse Estado que tenha um trabalho sério, um

profissional bem capacitado atuando só com isso”

A estratégia também serve para fugir da sobrecarga de papéis a qual o professor é

solicitado a desempenhar.

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Confrontar alguns alunos

Em alguns momentos o professor lança mão da estratégia de não ignorar e resolve

confrontar alunos, quando a situação de desrespeito se torna insustentável. Sobre isso, observamos

uma situação específica quando um professor foi até um aluno, que continuava de costas na aula. O

professor exigiu que ele saísse e sentasse na carteira da frente. Fez-se silencio; foi a primeira vez

desde que iniciou a aula, que pude ouvir a voz do professor de forma clara.

Em outra situação observei, que quando as conversas reiniciaram, o professor

precisou dar vários “psius” para contê-las. Ele chamou a atenção de uma aluna e ela respondeu

argumentando que todos estavam conversando; o professor, então, perguntou se ela era todo mundo.

Com essa estratégia o professor retoma certo controle da profissão e assume um

lugar de autoridade, muitas vezes, desconsiderado pelos alunos; levando à sensação de

desvalorização da docência. Ao dominar a situação na sala, ele assume o papel de mediador que

organiza e viabiliza o processo de aprendizagem para todos.

Reconhecimento por parte dos alunos e identificação com suas vitórias

Nossa subjetividade, de acordo com a Psicologia Histórico-Cultural, é constituída

através das relações sociais de produção e sua formação está atrelada à historicidade dos

fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos e externos e a forma de o

indivíduo se perceber está relacionada ao modo como os homens estabelecem as relações sociais

em um contexto específico, decorrente de condições histórico-sociais. (AITA e FACCI, 2011). A

alteridade, portanto, é de suma importância: O homem só pode aprender e apreender o mundo

através dos outros (mediação) qualquer aprendizado inclui relações entre pessoas, ainda que de

forma indireta. Ora, a maneira do professor se perceber está atrelada, em parte, ao resultado último

de seu trabalho, a educação, a constatação de que seus esforços foram recompensados (que seus

alunos aprenderam, obtiveram sucesso) serve como combustível para construção de uma

autoimagem positiva e é motivador por agregar sentido a seu trabalho. Além disso, como dito

anteriormente, as boas relações interpessoais também podem funcionar como um fator de proteção

emocional e isso também vale para as relações professor-aluno.

“P.1 - o professor fica contente com pouco: um sorriso de reconhecimento de um aluno salva um

dia...”

“P.1 - (...) os bons alunos recompensam! Essa história que ela disse ai: eu também

recebi uma mensagem há pouco tempo de uma ex-aluna, que já tá formada, hoje é

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diretora de um hotel, e eu disse a ela: é por alunos como você que vale a pena

continuar ensinando... você ver a pessoa crescendo...mantém você com vontade de

ensinar, outros podem crescer; hoje to dando aula numa turma onde os alunos

brigam para ler: eu, eu, eu... isso é muito bom;”

“(…) P.3 - eu também, mas assim: eu gosto quando eu sinto que a aula está

rendendo, porque o papel do professor não é só o de transferir conteúdo o mais

importante é conseguir fazer o aluno se interessar por aquele conteúdo, eu acredito

muito nisso, então quando em momento eu vejo os olhos de um e outro brilhando

aí sinto que cumpri meu papel”

“P.3 - Ano passado, eu estava grávida, quando chegava, já tinha três ou quatro

alunos de plantão esperando para me ajudar a levar minhas coisas, sabe? Esse lado

solidário do aluno é bom. tem coisas que chamam a atenção, por exemplo, aquele

aluno que pede ajuda, ou que a cara dele, já diz que quer ajuda é estimulante (...)”

“P6 Tem poucas coisas que empolgam tanto quanto entrar em uma sala de aula e

ver os alunos participando, debatendo, empolgados; infelizmente nem tudo o que a

gente gosta e quer fazer às vezes é possível...”

“(...)P6 vem um aluno e pergunta professora eu te adicionei no facebook a senhora

não me aceitou por quê? Sabe? Parece que sou importante para aquela pessoa...

essas pequenas coisas, aí falo, ai foi meu amor? Vou adicionar... quando eu ainda

fazia faculdade, eu encontrei com uma ex-aluna que havia se tornado colega de

curso e ela veio na maior alegria: professora que coisa boa e tal... Professora...ora,

ele ia fazer a mesma cadeira que eu... Professora eu passei... e isso é muito bom.”

“(...)P8 eles são muito carinhosos, respeitosos eles ainda não ultrapassaram aquele

nível onde alguns começam a bater boca com professor, xingar, extrapolar os

limites. Não, eles são ...dá para controlar.”

“P12 Gosto de estar com meus alunos, de quando acaba a aula em um vem e diz ah

professora entendi o assunto ou gostei da aula... isso me gratifica e tem aluno que

chega e diz mesmo, sabe? Aí tem dias que você não tá legal e não dá uma aula

legal também, eles percebem isso, ontem mesmo, eu achei tão legal, eu tava quase

sem voz e abri a chamada, não tava de muita conversa, né? Sem voz, e eu abri o

diário para fazer a chamada e comecei: número 1, e a voz saindo bem pouco,

quando eu cheguei no número três, eu não estava mais chamando quem tava era

um aluno, bem forte: número 4...e eu comecei a rir, então são essas coisas, você

pode pensar: mas são coisas tão pequenas... mas são essas coisas que eu acho legal

(...)”

“P.3 - Essa semana eu tava em casa e recebi uma mensagem de um ex-aluno, (foi

meu aluno há dois anos) ai do nada ele mandou uma mensagem pelo facebook: ah,

professora olha aqui (e mandou uma foto) a pilha de livros de literatura que

comprei para ler, deviam ser uns 10 livros, do nada comecei a sentir essa vontade

de ler, fui num sebo e tô aqui devorando os livros, tô adorando; ai eu pensei: poxa

vida, ele nem é mais meu aluno e sei que o incentivei (...) também acontece de

estar na aula é ver como eles melhoram o raciocínio lógico, eu ensino gramática e

nem sempre é fácil eles darem conta das estruturas gramaticais, então ver que eles

estão dando conta é estimulante, ou mesmo que digam é difícil, para achar difícil

você tem de estar lendo se interessando”

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“P.3 - (...) eu tive um aluno assim, que de nota três foi para nove no outro semestre,

puxa, como me senti bem, cumpri meu papel.”

“P7 Gosto quando consigo passar um conteúdo planejado e os alunos conseguiram

assimilar e durante a aula demonstraram interesse, isso para mim é muito

prazeroso.”

“P9 eu fico muito feliz quando vejo aqueles que realmente estudam por prazer, que

tem um foco, que tem um objetivo, nesses eu invisto (...)”

“P10 o principal, que são os alunos... tem muito aluno interessado...turmas inteiras

que são muito boas...”

“P12 A sensação deles voltarem para a escola é muito boa, eles vêm e dizem oh

professora, tô em tal semestre da faculdade ou entrei mas ainda não é o curso que

eu queria...mas mesmo assim, já é uma grande conquista ter entrado numa

faculdade pública, porque ele está buscando outra tá entendendo? Um menino que

não tinha nenhuma perspectiva de vida...”

Essa estratégia defensiva também parece útil por trazer significado para o desempenho

do papel de professor e seu cotidiano de trabalho, a vitória do aluno percebida como vitória pessoal

também do docente, pode atuar como um constituinte positivo para uma boa autoimagem e agregar

sentido para suas atividades, mesmo àquelas enfadonhas como preencher diários, elaborar e corrigir

provas e trabalhos etc.

Espiritualidade como estratégia defensiva

A espiritualidade foi ignorada do ponto de vista histórico pelos psicólogos, Larson e

Larson a denominam de o fator esquecido na saúde física e mental. Esse panorama tem se alterado

em função do que Saad ET AL (2001) chamaram de espiritualidade baseada em evidências, já

existem diversos artigos científicos mostrando uma associação entre religião/espiritualidade e saúde

inclusive do ponto de vista estatístico causal (LEVIN, 1994).

O fato de termos identificado a espiritualidade como uma estratégia de defesa não é

surpreendente, portanto.

“(...)P5 tem de ter uma ligação religiosa, acho fundamental ter um encontro com os

seres sagrados, principalmente porque a gente tá num ritmo de vida muito corrido,

muito aperreado, às vezes não se tem tempo nem para família (...)”

“P5 eu vou caminhar e também tenho uma prática espiritual, sou budista, faço minhas práticas”

“P9 Olha, eu já senti na pele o que é não ter saúde mental né? Antes que eu me

convertesse novamente ao catolicismo, porque eu nasci católica, mas durante muito

tempo eu ia só para as missas dominicais quando muito, e eu tive depressão pós-

parto nas minhas duas filhas, problemas no casamento, coisas que eu não sabia

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lidar direito, tinha algumas sequelas de traumas de infância, meus pais nunca foram

muito unidos... aí junte tudo ao estresse de professor porque o dia a dia de sala de

aula é estressante então houve momentos em que realmente não soube lidar com

tudo isso e eu era uma pessoa muito complicada, de difícil relacionamento, que

explodia com facilidade sabe? Então eu agradeço muito a Deus o fato de hoje eu

ser uma pessoa mais equilibrada; eu não precisei ir a psiquiatra nem a psicólogo,

não precisei tomar antidepressivo, não precisei fazer nenhum uso da medicina e

hoje eu me acho uma pessoa saudável”

Como se pode depreender pelas falas, o exercício da espiritualidade também pode

contribuir de forma positiva para saúde mental; é interessante observar, que não se está falando

sobre religião propriamente dita e sim de um sentimento de religiosidade, de crença, de fé; ainda

que as práticas e dogmas sejam distintos a sensação de estar conectado a algo maior capaz de trazer

ordenação e proteção à vida pode diminuir os níveis de ansiedade e angustia e contribuir para a

homeostase emocional do indivíduo.

Cuidados com o corpo como estratégia defensiva

Os cuidados com o corpo são uma forma reconhecida de alívio para o stress, além da

produção de endorfina – que funciona como um ansiolítico natural – algumas atividades também

podem acionar outros potenciais como a memória (dança), coordenação motora, estratégia,

concentração etc. Além disso, os demais cuidados com o corpo também podem ser um fator protetor

da autoestima pelo caráter simbólico do “cuidar de si”.

“P5 faço caminhadas (...)”

“(...)P6 agora por questão de saúde comecei a fazer zumba, como exercício e também como lazer

(...)”

“(...) P6 passo o final de semana fazendo gargarejo, tomando mel (...)”

“(...)P10 semestre passado uma colega do mestrado estava fazendo uma pesquisa

sobre yoga e estava dando aulas para nós gratuitamente na própria faculdade e eu

estava indo duas vezes por semana e às vezes fazia de manhã também... e me

ajudou demais a lidar com a pressão... esse semestre acho que não vou conseguir

encaixar...mas tô querendo voltar a fazer uma coisa que gosto que é dançar. Não

tenho mais tempo de fazer aula, em uma academia e tal como eu gostaria mas o que

tento fazer é um pouco antes de tomar banho para vir para o trabalho eu ponho uma

música e fico dançando até suar um pouquinho e vou tomar banho.”

As atividades de cuidado descritas são variadas, como dito anteriormente o ato

simbólico de “cuidar de si” pode funcionar como fator positivo para a autoestima; atividades físicas

como zumba, caminhadas e yoga, além de exercício físico, podem ser fontes de ativação de outros

potenciais que ajudam no bom funcionamento emocional (sentir-se bem, encontrar respostas para

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algumas indagações após aquietar a mente etc). Os cuidados com o corpo, portanto, também podem

ser uma boa estratégia defensiva.

Ouvir música ou ver filmes

Essa é uma estratégia fundamental não só para os professores, mas para o ser humano,

em geral. Para a Psicologia de Vigotski (PSICOLOGIA DA ARTE) a arte é uma das formas mais

ricas de expressão do psiquismo. Para ele, nenhuma linguagem consegue expressar e transformar de

forma tão contundente as nossas emoções como os processos artísticos. Não é atoa, que os

professores diante de um cotidiano, já descrito como exigente e de multitarefas, buscam na música

ou no cinema um modo de lidar com a realidade. Mas, ao fazê-lo não estão apenas fugindo da

dimensão cansativa da profissão, podem através da arte resignificar-se e produzir-se.

“P8 Eu gosto muito de ouvir música, de cantar e gosto muito de filmes! Esqueço

do mundo quando estou vendo um bom filme, principalmente se mexer com o lado

psicológico, trabalhar as emoções, os sentimentos do dia a dia, eu gosto disso. (…)

Quando estou na cozinha, quando vou me deitar... ponho o celular do lado da cama

e ponho músicas gostosas que trabalham o relaxamento, gosto muito, fico mais

tranquila.

Seria recomendável que as formações continuadas utilizassem-se mais dos recursos da

arte e pudessem ampliar o universo cultural dos professores e permitir que eles se expressassem e se

traduzissem nas mais diversas linguagens.

Criar pequenos rituais para se desligar

Foi muito interessante poder constatar, que os professores criam pequenos rituais para

esquecer o cotidiano de trabalho. Aliás, os rituais sempre fizeram parte do desenvolvimento humano

ao longo das diferentes épocas. Os rituais estão inseridos no campo dos signos, colaborando para

que o sujeito possa produzir novos modos de reflexão e de ação sobre a realidade. Com isso ele

pode iniciar e encerrar determinados processos que o afetam.

“(...) P12 quando eu pego meu carro aqui no estacionamento eu já me desligo dos

problemas de alguns alunos... aí já penso na minha filha e de vez em quando vem

aqueles pensamentos, né? Mas coloco minha família, procuro pensar em outras

coisas... começo a me burlar, praticamente, mas antes eu não conseguia fazer

isso...

Você consegue substituir certos pensamentos mais obsessivos por outros mais

propositados...

P12 É se é problema com aluno procuro lá fora pensar em soluções para coisas da

minha filha.

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Então tem um certo ritual? Assim: você entra no carro, fecha a porta e é como se

fechasse a porta para escola...

P12 Sim, se for problema com aluno, ou alguma coisa faraônica, como se diz, eu

procuro fazer isso porque senão se ficar naquela coisa não consigo me concentrar

em nada em casa … e não quero levar problema da escola para casa. (...)”

Essa última fala nos remeteu a uma citação feita por Clot (2010):

Le Guillant foi o primeiro, eu penso, a inventar, mesmo se ele não a conceituou , a ideia de

sistema de defesa profissional. Foi ele que escreveu um dia, essa frase emprestada de

Simone Weil, a filósofa, “os trabalhadores são muitas vezes obrigados a não pensar para

não sofrer” , agir sem pensar para não sofrer (...) às vezes é necessário fechar os olhos,

esquecer, não refletir ao que se passa conosco para poder suportar essa situação (...) a

anestesia psíquica como meio de suportar sua condição. (CLOT, 2010, p. 218).

A criação de pequenos rituais servem para ajudar, algumas vezes, a não pensar, não

refletir sobre determinada situação para suportá-la (principalmente quando é sábido que a situação

será passageira) e assim não sofrer; os pequenos rituais podem ajudar a suportar uma situação

durante algum tempo com menos prejuízos para a saúde mental.

Até aqui, viemos apresentando categorias mais relacionadas diretamente ao fazer

docente, na seção subsequente abordaremos uma questão relativa a produção do modo de ser

docente, da construção de seu papel profissional, qual seja, a da formação continuada e sua relação

com o bem-estar, ou não, dos docentes.

CATEGORIA 4. FORMAÇÃO CONTINUADA E BEM- ESTAR

No intuito de investigar se a formação continuada teria algum papel na promoção do

bem-estar e/ou saúde mental dos docentes incialmente, buscamos compreender o conceito que

tinham dela para em seguida verificar se a escola promovera, ou promove ações nesse sentido; Se

os docentes identificam alguma situação, como falha de formação e se fazem alguma relação entre a

formação continuada e sua saúde mental.

Um fato interessante é o de que a maior parte dos professores entrevistados não

escolheu a profissão docente a priori, a formação inicial de alguns, inclusive, não teve como foco à

educação nesse sentido a continuidade de formação se faz ainda mais premente.

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112

Quadro 8 - Formação Continuada e Bem-Estar

Formação Continuada e Bem Estar

Subcategorias

Conceito Saúde Mental x Formação Escolha x Atividade

Formação na Escola

Deficiências da Formação

Fonte: Elaboração própria

Conceito de Formação Continuada:

No que diz respeito à conceituação, a formação continuada parece ser compreendida

pelos docentes, principalmente, como um processo que é conduzido pelo próprio profissional, que

busca continuamente cursos e materiais para se manter atualizado e garantir sua empregabilidade e

progresso na carreira (ascensão profissional).

Além disso como destaca Basso (1998) as ocorrências no espaço da sala de aula

dependerão, fundamentalmente, do professor, de suas condições subjetivas, de sua formação. É

natural que o professor busque sanar suas dificuldades. É uma pena, contudo, constatar que no

século XXI eles ainda estejam, no sentido de sua formação, em condições similares àquelas dos

professores do século XIX de quem se esperava que se instruíssem no método do ensino mútuo, às

próprias expensas.

“(...)P5 é dar prosseguimento nos estudos, ver o que tem de novo no campo da

educação, ver das novas teorias o que pode ser adequado para sua sala de aula...”

“P8 é um processo de aprendizagem, de desenvolvimento pessoal, pedagógico,

psicológico, é não parar no tempo, prosseguir...”

“P9 É... eu, eu sinto falta, assim... eu fiz minha especialização, mas eu não

terminei, não defendi a monografia né? Ficou só como aperfeiçoamento e eu

confesso, que eu sinto falta de estudar, de ficar me renovando...Então você acha

que formação continuada é algo que o professor deve buscar por conta própria?

Poderia ser também incentivado pela escola, promovido pelo governo (...)”

“P10 Tava tentando lembrar de algo que o professor falou... imagino que, formação

foi o que você fez para conseguir uma qualificação para estar em um emprego,

continuada são os cursos as coisas que você faz para garantir seu exercício

profissional. E para ser professor você tem de estar sempre estudando acho que é

isso mesmo trabalhando você ter um continuo de estudos poder fazer um curso de

vez em quando...”

“P11 Existe a formação continuada e existe aquele processo que o professor se

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mobiliza e vai buscar fora um título como forma de melhoramento financeiro mas

acho que não seria essa a ideia, né? O ideal é que se pense num crescimento

profissional, que contribuição vou poder dar para a sociedade? Poxa, tô estudando

para fazer minha parte também para chegar numa sala de aula e chegar diferente

então penso a formação continuada deveria perpassar por isso e não somente por

uma questão financeira, tenho colegas que só querem isso, o título para melhorar o

salário...”

“P12 Eu acho, que formação continuada é primordial, eu até tenho algo sobre isso,

eu fiz aqui na escola, a importância da educação continuada para os professores...”

Esse conceito é compreensível, ao vermos, que os professores relatam não haver uma

política clara de formação e nem ações voltadas para esse fim, na escola.

Formação continuada e atividade na escola (se houve ou há alguma prática nesse sentido):

A maior parte dos professores afirmou que a escola não promove ações voltadas para

educação continuada, alguns (dois) citaram uma ação, que não teve continuidade, que foi feita em

pareceria com o estado; parece haver um estado de coisas, algo que incomoda, mas não é claro

nesse sentido (quem deveria ofertar as formações? Por que não há ações nesse sentido?)

“(...)P5 tinhas umas histórias de que vinham pegavam dois ou três professores,

levavam para um hotel e isso se configurava como educação continuada esses

professores teriam de voltar para escola e repassar o que foi aprendido, como

multiplicadores, mas isso não acontece; mas faz muito tempo que isso não acontece

também... veio do governo federal um programa chamado pacto e éramos eu e um

professor de matemática que participávamos era muito bom só sobre o histórico da

educação no país... mas não teve continuidade (...) “e o programa foi simplesmente

encerrado? Não mandaram um comunicado? Como foi? Foi assim fomos para a

última reunião, na UFC, e a pessoa que era o cabeça que estava à frente avisou...

tivemos só seis encontros... por que essas coisas que são boas, que são

maravilhosas não continuam? Aquilo dava um amparo para os professores... por

que a educação não é levada a sério nesse país?”

“P6 olha, sinceramente, não. A gente que tem de buscar por conta própria... eu

conclui minha pós quase toda, parei por causa de uma crise de ansiedade e depois

engravidei... mas do estado, uma iniciativa do estado nesse sentido, não existe; ano

passado veio um pessoal da UFC e deu um curso para os professores do ensino

médio, eu como não estava dando aula no ensino médio nessa época, não

participei... os professores que participavam até recebiam uma bolsa que depois foi

cancelada. Então assim, foi uma entidade não uma iniciativa da própria secretaria

de educação, por exemplo. Então acho que não existe, no entanto, penso ser

extremamente importante e necessário porque nós professores às vezes ficamos

muito perdidos, algumas vezes queremos ajudar um aluno e simplesmente

baixamos a cabeça por não saber como...não vejo isso como uma falha minha mas

falha realmente de formação (...)”

“P8 houve um projeto do qual participamos sobre essa prática voltada para

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formação humana, para nos tornarmos mais sensíveis, aprendermos a nos enxergar

no próximo, a lidar melhor com preconceitos, com as diferenças...(...) Seis ou sete

meses. A cada encontro pedagógico eram colocados novos conteúdos, tínhamos

uma apostila...”

“(...)P9 eu sinto falta se nós não procurarmos de forma independente não tem,

nossos professores são bens esforçados, alguns estão fazendo mestrado, outros

especialização, mas algo coletivo não há; a escola deixa um pouco a desejar nesse

sentido. Inclusive, nos dias de planejamento, fica cada um no seu lugar, era um

momento em que a gente podia se reunir, trocar ideias... eu sinto falta dessa parte

também”

“P10 Eu nunca participei, nem lembro de ter ouvido falar, o que sei é que há uma

instituição do estado que fornece cursos e que você pode se inscrever, mas isso não

é divulgado na escola... acaba sendo uma coisa do professor ficar sabendo e se der

vai... mas não sei... aqui nunca ouvi falar disso...”

“(...)P12 eu entrei no estado no concurso de 2003 e assumi em 2004 desde então se

eu não procurasse estudar eu não teria nada, nenhum curso pago pelo estado, você

acredita? Nem um curso simples assim de oito horas, não tem curso aqui, cada um

caminha com suas próprias pernas e sei que tem colegas que não têm esse tempo

para estudar nem para refletir sobre sua prática porque tem trabalhar uma jornada

de trabalho desgastante (são 300h)”

Fica claro pelas falas que o quadro anterior, do conceito de formação continuada, é

consequência em grande medida do fato de não haver ações voltadas para a formação continuada na

escola e mais, de não se saber realmente de quem seria o papel de ofertar tais formações. Talvez as

universidades, via projetos de extensão, pudessem ajudar em alguma medida as escolas através de

parcerias; no entanto, o fato de o Estado exigir e demandar do professor uma série de

conhecimentos e habilidades não contempladas em suas formações, já aligeiradas, além de não lhes

dar condições materiais (salariais) para se manterem em somente uma escola, parece apontar para

uma responsabilidade maior para com essa categoria (e consequentemente com a população) o que

implicaria em arcar, senão com todo custo, com parte dos custos que deveriam ser destinados à

formação continuada dos professores.

As deficiências da formação:

Relativamente às deficiências de formação, os docentes destacaram situações com as

quais não souberam lidar porque eles não foram preparados para isto, o que gera insatisfação e

ansiedade. Em tempos de precarização, as formações aligeiradas e insuficientes, são mais uma

manifestação desse contexto.

Isso me parece sério, já que a formação pode ter um papel importante na manutenção da

saúde mental dos professores.

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“P.4 - É complicado, nossa formação não é suficiente para dar conta de

determinados desafios, esse meninos estão tendo a mente forjada pela mídia, que é

muito forte, como concorrer com isso? Cada dia eles parecem mais

desinteressados... Que metodologias usar? Se você usa um recurso, um data show,

um som, já é uma inovação, mas ainda assim é difícil prender a atenção;(...) oh, isso

é outra coisa: falam do despreparado do professor, cara eu sou licenciada , vi uma

cadeira ou outra de psicologia na faculdade só por cima, não é função da gente lidar

com esses problemas, eles teriam de ser contornados por um psicólogo, um

psicopedagogo e a gente não tem...”

“(...) P6 eu me deparei com a rotina da universidade que o professor não tava nem

aí, você quem tinha de correr atrás... o professor era o “bichão” sempre tive essa

impressão na universidade, o aluno era o sem luz, o que não sabia de nada...e não

era fácil, acho que fazem de propósito eles põem as piores disciplinas, as mais

obscuras no início do curso, “introdução à linguística” “teoria da literatura” coisas

das quais nunca tinha ouvido falar, muita teoria mesmo, era muita abstração e eu

não conseguia acompanhar e eu pensava “Meu Deus o que estou fazendo aqui?(...)”

“(referindo-se a uma experiência anterior em outra escola) P9 É a clientela de

alunos e eu não recebi nenhum tipo de curso preparatório para lidar com aquela

realidade, são alunos que usam drogas, de faixa etária completamente diferente da

que eu estava acostumada a lidar... São alunos que estão ali por quaisquer outros

motivos menos para estudar e foi... foi muito difícil! Eu quase não consigo chegar

até o final do ano”.

Como pode ser percebido as demandas associadas à formação, também, se referem a

aquisição de um repertório comportamental/emocional para lidar com situações também dessa

natureza.

Ora, os professores e a escola, estão inseridos em um contexto

político/econômico/cultural que pouco favorece, para não dizer que dificultam sua atuação pelo fato

de lhes trazer para sala de aula uma multiplicidade de subjetividades forjadas por vazios de limites,

de parâmetros, de esperança e de perspectivas.

Uma formação continuada que não contemple o fortalecimento dos papéis, identidade e

habilidades dos professores para forjar laços afetivos e alianças interpessoais será pouco útil nesse

contexto.

Urge, portanto, não apenas tornar a formação continuada parte do cotidiano dos

docentes, mas formatá-la de modo adequado a prepará-los para os desafios humanos do seu fazer

profissional.

Papel da formação continuada para saúde mental (se ela pode contribuir para sua promoção)

A fala da professora P12 ilustra a importância, que pode ter para a saúde de um

professor à formação continuada e isso levando em consideração, que a professora só pensou no

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impacto cognitivo que o acesso a conteúdos atualizados pode trazer; o que não é de causar

estranhamento, já que a maior parte das formações não incluem a dimensão subjetiva dos

professores, Gatti (2003) apud Scoz (2011) afirma, que de modo geral existe a crença de que o

oferecimento de informações, conteúdos, ou se trabalhando apenas a racionalidade dos

profissionais, estes produzirão, a partir do domínio de novos conhecimentos, mudanças nas posturas

e formas de agir.

“P12 Eu acredito que sim, porque você começa a ver as coisas de uma outra

maneira, às vezes você está em sala de aula trabalhando coisas, que já são

obsoletas e para ela aquilo é uma verdade porque foi passado isso para ela mas a

época em foi a faculdade era um período e agora, já estamos em outro então eu

acho, que a formação continuada é importante para professor estar atualizado, fazer

uma reflexão sobre sua prática pedagógica; porque assim você entra em sala de

aula, depois de uma semana você tem de refletir, principalmente após o resultado

dos alunos, pensar: poxa, eu tô errando em que? O problema sou eu? Sabe ter

humildade, poxa talvez eu não tenha passado essa matéria da maneira como era

para ter passado, somos seres humanos... eu defendo demais, mas entendo os casos

dos meus colegas, que já tem uma carga extensiva demais e ainda terem de

estudar? Eu mesma se estou mais cansada digo: não aguento mais fazer essa leitura

aqui... até porque senão eu leio, leio, leio e depois o que ficou? Até que ponto isso

vai ajudar e até que ponto vai atrapalhar? Mas que acho positivo fazer essas

reflexões, aprimorar os conhecimentos... eu acho.”

Como destacado na seção anterior, não é suficiente, que sejam trabalhados nas

formações questões puramente cognitivas relativas a técnicas didáticas ou atualizações conteudístas;

a formação também precisaria ser um momento de reflexão sobre si, seu papel profissional, de

fortalecimento identitário, de partilha para que, mais fortalecidos, os docentes possam ter direito,

também, a uma melhor qualidade de vida.

Sobre a escolha profissional (a maior parte não escolheu ser professor inicialmente, se

tornaram professores por circunstâncias outras da vida) respostas à pergunta “Você sempre

quis ser professor”:

A importância da formação continuada ganha relevo quando da constatação de que a

formação inicial de muitos professores não os preparou para os desafios que precisam enfrentar

enquanto docentes. O fato de esses profissionais não terem escolhido atuar incialmente em sala de

aula implica em não terem dado atenção para questões relacionadas à didática, mediação de

conflitos, psicologia da educação dentre outras, o que pode resultar na necessidade manifestada

anteriormente de ter profissionais de saúde na escola para orientá-los e propiciar cuidados com a

saúde mental, afinal pode ser extremamente estressante ter de trabalhar com situações para as quais

não se está preparado.

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É importante destacar, porém, que apesar de não ter sido uma escolha inicial a docência

foi abraçada por estes profissionais posteriormente com muita dedicação e amor.

“P11 Bem, é... eu não era da área de educação, pelo contrário, minha área

profissional era outra (…) Eu ganhava um valor até considerável, era um salário

legal, só que aí... eu não me identificava, já estava saturado, não tinha tempo o

trabalho era sábado, domingo, feriado... ligavam para você a qualquer hora: me dá

esse código aí, me dá essa senha... (…) Aí eu peguei o dinheiro que recebi, paguei

todas as minhas contas e guardei o resto para ir me mantendo enquanto conseguia

mais escolas no ano seguinte e aí no seguinte surgiu à escola na minha área. Aí

pronto, teve um período que eu estava trabalhando em quatro escolas, eu trabalhava

de manhã, de tarde e de noite. Isso no segundo ano de faculdade...”

“P9 E... na minha época, assim... a gente só tinha duas opções com relação ao

ensino médio, ou a gente fazia o pedagógico que é o que a maioria das meninas

fazia ou você ia fazer científico junto com a maioria dos meninos, mas não tinha

um mercado certo de trabalho e naquela época a gente não aspirava fazer uma

faculdade tudo era muito difícil então eu fui... eu, eu não escolhi ser professora,

acho que a situação mesmo da falta de opção é que me empurrou né? Para esse

mercado de trabalho mas eu abracei com boa vontade, eu me identifiquei (...)”

“P.5 - Não, no meu caso eu aprendi a gostar do que faço.”

“(...)P10 licenciatura é para ser um curso que prepara você para a docência mas,

não só no meu caso mas no de vários colegas meus, que iam para essa licenciatura

não porque desejavam ensinar mas porque queriam estudar música e só existia o

curso de música do tipo licenciatura, porque existe também bacharelado, mas é

específico de um instrumento então às vezes, você não se encaixa em um perfil

(…) fui para música não porque eu pensava em ser professora mas porque eu

queria estudar música (a parte mais artística) (…) era como se ser professor fosse à

última possibilidade “se nada der certo vou ser professor” e eu vejo que muitos

colegas que fazem também teatro, que é licenciatura, tem esse mesmo pensamento,

assim: eles têm o sonho de serem artistas, mas se a questão financeira pesar eu vou

ser professor, dificilmente conheço alguém que tenha entrado em um desses cursos

(música, dança, teatro) e que queria ser professor mesmo (...)”

“P.1 - Eu acabei sendo professora por acaso, minha primeira formação é em

administração de empresas, trabalhei dando aula de iniciação empresarial, e achei

bom aquela coisa de dar aula, dar aula, e eu gostava muito de línguas estrangeiras e

meu irmão sugeriu que eu desse aula e dei, aí fui fazer o curso de Letras – que foi

completamente diferente do administração que conclui na marra – eu gostava de ir,

não perdia nada, era a metida conhecia todos os professores! Foi assim...”

“P.3 - deixa só eu interromper, engraçado eu revisitando algumas coisas do

passado, eu vejo que essa profissão sempre me chamou “hello, você vai dar aula”

mas eu meio que não ouvia, não queria aceitar, olha só: quando eu era criança a

brincadeira que eu gostava mais era de brincar de escolinha, botava todas as

bonequinhas de alunas tinha uma lousa pedia para comprar giz, dava aula para elas

ou para meus amigos...fazia isso quase todo dia...se fosse para eu ser aluna eu não

ia, só se fosse professora.(...) fui dar aulas para adolescentes e to aqui,

assumidíssima, professora, dando aula; acho que, às vezes, a sociedade mascara

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esse desejo por não ser uma profissão tão bem-vista”

“P6 Certo é... na verdade, como muitos profissionais da área de educação, essa não

foi à profissão que escolhi inicialmente, ela me escolheu, mas hoje não me vejo

fazendo outra coisa, não por falta de opção mas de interesse mesmo...”

“P7 Na verdade, não foi algo que eu tinha em mente para mim. O curso de xxxxxx

eu queria e queria que fosse pela UECE aí lá só é a licenciatura, mas ainda assim

minha vontade não era a de ir para sala de aula, pensava em ir para a área

xxxxxxxx era o que eu queria, porém, tanto por questão de oportunidade quanto de

necessidade para estar concluindo o curso, eu vim para sala de aula e foi algo que

gostei bastante, porque além de me aprofundar na matéria teve o contato com os

alunos foi algo que me despertou o interesse, foi o contato que me manteve

motivado para continuar na docência.”

O que essas falas significam? “Se descobrir”, professor, enquanto desempenha esse

papel ou constatar que possui aptidão para esse papel quando era sua última escolha (como na fala

da p10 “se nada der certo vou ser professor”) pode apontar para algumas hipóteses dentre elas, no

caso da vocação para esse trabalho, o de que ele não é abraçado de imediato talvez pela perspectiva

de baixo salário ou pouco reconhecimento social, no entanto, no que diz respeito à formação, se ela

já é falha e aligeirada para quem se prepara inicialmente para ser professor o que dizer de quem não

se preparou para isso? Diante dessa possibilidade, a importância e a necessidade da Formação

Continuada se torna, ainda mais, evidente.

7. CONCLUSÕES

O presente trabalho objetivou investigar as estratégias defensivas utilizadas por

docentes do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental,

para tanto percorremos um caminho que revisitou a constituição da profissão docente no Brasil

desde a chegada Família Real no século XIX até os dias atuais onde a multiplicidade de tarefas e a

falta de uma legislação mais ostensiva, no que diz respeito à formação docente inicial e continuada,

tornam o desempenho da profissão de professor um desafio algumas vezes excessivo; vimos

também que apesar de ter nascido sob o signo da precarização a profissão docente, hoje, passa por

processo de precarização também em outro nível, além dos contratos temporários e remuneração

insuficiente, qual seja, o do aligeiramento das formações que torna o desempenho das múltiplas

funções definidas pela LDB 9.394/96 injusto e quase impossível (A LDB 9.394/96 afirma que no

plano legal o trabalho docente não se restringe à sala de aula, contemplando ainda as relações com a

comunidade, a gestão da escola, o planejamento do projeto pedagógico, a participação nos

conselhos, entre outras funções (ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009) ).

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Em seguida, buscamos definir de que lugar falávamos, quando nos referíamos às

estratégias defensivas, para tanto antes de fazer uma revisão bibliográfica estruturada no Banco de

Teses da CAPES, definimos nossa visão de subjetividade e alteridade embasada da Psicologia

Histórico-Cultural de Vigotski, sendo que, após a revisão também esclarecemos o que se poderia

compreender por sofrimento psíquico e estratégias defensivas dentro dessa abordagem. Também

apresentamos as principais formas de pesquisa no que diz respeito ao adoecimento docente: as

teorias sobre estresse, a psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou

diagnóstica e os estudos e pesquisa em subjetividade e trabalho, (JACQUES, 2003), sendo que este

trabalho se insere na última categoria (subjetividade e trabalho) tendo em vista, que buscamos

analisar o sujeito trabalhador a partir de suas experiências e vivências no mundo do trabalho. Nesses

estudos o trabalho é o eixo norteador para além do seu caráter técnico e econômico cuja

significação perpassa a estrutura sócioeconômica, a cultura, os valores e a subjetividade do

trabalhador. Ser professor hoje é completamente diferente do que era ser professor há vinte anos,

por exemplo. Como metodologia privilegiamos a abordagem qualitativa através de técnicas como

observação, entrevistas individuais e coletivas.

Elegemos a abordagem do Estudo de Caso porque como destaca Ventura (2007) o

estudo de caso é apropriado para pesquisadores individuais, pois dá a oportunidade para que um

aspecto de um problema seja estudado em profundidade dentro de um período de tempo limitado.

Neste tipo de pesquisa deverá haver sempre a preocupação de se perceber o que o caso sugere a

respeito do todo e não o estudo apenas daquele caso.

As observações e entrevistas foram analisadas a partir do referencial teórico escolhido e

organizadas em categorias, nos moldes da análise de conteúdo, levando em consideração os

objetivos gerais e específicos do trabalho da seguinte maneira:

Foram definidas quatro categorias (Fatores para qualidade de vida, principais fontes de

stress, estratégias defensivas, formação continuada e bem-estar) sendo que as três primeiras

categorias se subdividiram em duas subcategorias e a última em três subcategorias. Uma

representação gráfica desse esquema foi apresentada quando das análises.

As falas dos professores, que ilustram cada categoria, foram apresentadas em códigos

que nomeiam cada professor, para deixar mais claras as diferenças e aproximações entre eles.

Feito esse breve resgate do percurso do trabalho até aqui, podemos retomar os objetivos

específicos elencados na pesquisa e seus achados:

1) identificar as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade vida.

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2) Mapear as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar

com o estresse e o sofrimento psíquico.

3) Verificar quais são as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem

alguma relação entre ela e seu bem-estar.

No que diz respeito ao primeiro objetivo, as ideias dos professores sobre saúde mental

estão relacionadas à sensação de bem-estar e à capacidade de administrar o estresse. A saúde mental

aparece como uma extensão da saúde física, sendo consequência dela ou estando relacionado a ela.

Já no que diz respeito à qualidade de vida, os professores pesquisados não a

relacionaram, a priori, ao trabalho (isso foi feito quando interrogados sobre que fatores poderiam

melhorar sua qualidade de vida); para eles Qualidade de Vida é um conceito relacionado,

principalmente, ao tempo livre (principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados

com o corpo (alimentação, descanso, exercício).

Podemos ver, portanto, que os sentidos de saúde mental e de qualidade de vida estão

imbricados para os professores, já que para alguns a saúde mental estaria relacionada à saúde física,

como sua consequência ou extensão e que os cuidados com o corpo aparecem como fundamentais à

qualidade de vida, ora, não há saúde física sem alimentação, descanso e atividade física adequada

além disso, sem tempo livre (lazer e interação social) é pouco provável que haja sensação de bem-

estar geral e capacidade de administração de stress (fatores associados, por eles, à saúde mental).

Os fatores apresentados como necessários para uma melhor qualidade de vida foram em

sua maioria relativos às condições associadas ao trabalho: melhores salários, estabilidade,

profissional de saúde atuando dentro da escola, melhor acústica nas salas de aula e uma melhor

comunicação institucional.

Isso mostra como o trabalho e suas condições materiais estão atreladas à saúde mental

do professor. No levantamento bibliográfico, apresentado neste trabalho, feito a partir dos

descritores saúde mental x trabalho docente, no Portal de periódicos, num período de dez anos

(2006-2016) entre os 19 trabalhos relevantes catalogados havia três que tratavam da qualidade de

vida dos professores e suas condições de trabalho, o que serve para ilustrar, como esses dois

conceitos estão imbricados, historicamente atrelados. Não é surpresa, portanto, que às condições do

trabalho sejam associadas a uma melhor qualidade de vida nas falas dos sujeitos dessa pesquisa.

Além disso, a Psicologia Histórico-Cultural afirma serem as relações sociais de produção as

responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade e é o tipo de vida que alguém

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leva o que vai determinar sua consciência e não o contrário, o trabalho, enquanto atividade

simbólica e genérica, é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor

que cada um atribui a si mesmo.(CLOT, 2007) para atribuir um melhor valor a si e à sua qualidade

de vida é natural que os professores queiram melhores condições de trabalho.

Na tentativa de satisfazer o segundo objetivo (Mapear as estratégias defensivas de que

os professores lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento psíquico.), examinamos quais

são as fontes objetivas e subjetivas de estresse/sofrimento psíquico para o docente para, em seguida,

examinar as estratégias defensivas coletivas e individuais empregadas por eles para tentar fazer

frente àquelas.

Foram apontados como estressores relativos às condições objetivas de trabalho: carga

horária extensa (muitas turmas ou porque precisam ensinar em mais de uma escola para ganhar

melhor), excesso de alunos em sala de aula, turmas muito heterogêneas (em termos de poder

aquisitivo), falta de integração entre professores das diversas áreas (do ponto de vista de problemas

de comunicação), falta de materiais, excesso de papéis e falta de suporte para seu desempenho,

dificuldade para conciliar vida profissional e pessoal, ter de levar trabalho para casa. Como

estressores relativos às fontes subjetivas foram os seguintes sentidos subjetivos encontrados: Sentir-

se desvalorizado, falta de interesse dos alunos, falta de limites dos alunos, a imagem do professor

como alguém em desvantagem.

Esses achados encontram eco no de Cupertino (2012) que identificou como fontes de

sofrimento a pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho, número de pessoas insuficiente para

realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga de trabalho, falta de

reconhecimento e necessidade constante de capacitação.

As estratégias defensivas encontradas (segundo objetivo do trabalho) foram agrupadas

em duas categorias, uma relativa às estratégias defensivas coletivas e outra às individuais. No que

diz respeito às estratégias coletivas foram os seguintes os achados: o humor, o bom ambiente e as

boas relações interpessoais, a sensação de liberdade na escola e a personalização de espaços

coletivos (armários). As estratégias individuais foram: ignorar ruídos, confrontar alguns alunos,

reconhecimento e laços afetivos com alguns alunos, identificação com as vitórias dos alunos,

cultivar a espiritualidade, cuidados com o corpo, ouvir músicas ou ver filmes e criar pequenos

rituais cotidianos para se desligar dos problemas de sala e da escola.

Esses achados são similares aos de outras pesquisas como as de Perez (2012), que

identificou como estratégias positivas o relacionamento com os colegas, o relacionamento com os

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alunos, a criação de espaços alternativos para discussão, a conscientização, a reorganização da

rotina, estar alerta aos sinais emitidos pelo corpo antes do adoecimento, o estabelecimento de

limites, a autonomia e possuir perspectivas de futuro; o de Vieira (2011) atividades esportivas e de

lazer, cuidados pessoais, suporte afetivo, espiritualidade, busca por medicalização e ajuda médica.;

Moraes (2012) que aponta o grupo social como elemento de suporte afetivo e o de Soldatelli (2011)

que identificou evitar pensar em determinadas situações no tempo fora do trabalho; procurar

explicações racionais para essas determinadas circunstâncias; resignação; repressão de sentimentos

ou manifestações de raiva, irritação ou revolta em seus ambientes de trabalho e para evitar o

adoecimento alguns dos seus entrevistados afirmaram fazer exercícios, cuidar da alimentação e

utilizar terapias alternativas.

Vygotski (2003), considera que o "homem está pleno a cada minuto de possibilidades

não realizadas". Essas possibilidades não realizadas vão constituir um plano em que o sujeito pode

agir mais ou menos livremente; em que o sujeito pode, inclusive, resistir quando se tenta amputar

seu poder de agir.

As Estratégias Defensivas no âmbito da Psicologia Histórico-Cultural estão relacionadas

à produção de novos sentidos pelas pessoas diante das situações onde a cisão entre significado e

sentido provoca sofrimento. Elas são, também, uma forma de manifestação criativa, um tipo de

vontade cultural cuja função é a de proteger a psique da dor trazida por determinada realidade

situacional, sendo que o grau de adequação de cada defesa vai depender do contexto e das

potencialidades subjetivas de cada um, no caso das defesas identificadas, a maior parte denota um

caráter adaptativo o que contribui, paradoxalmente, para a manutenção do contexto adoecedor.

Trabalhar impõe que a todo instante estejamos frente a impasses. Se as pessoas não

dispõem de recursos internos para lidar com tais impasses, ou de formas para desenvolver esses

recursos, estarão em situação de atividade impedida ou contrariada.

O trabalho só pode produzir saúde quando há atividade, sendo que a situação de

atividade impedida é uma situação de sofrimento e desgaste. As Estratégias Defensivas, também

podem ser entendidas, como aquelas relativas ao desenvolvimento de ferramentas internas que

permitam o desenvolvimento de recursos para realizar as atividades de forma diferente ou permitam

a criação de novas atividades mais livres ou realizadoras. No caso dos professores de nossa

pesquisa, por exemplo, a sensação de liberdade, o poder falar, se colocar livremente, dialogar e

discutir com a coordenação pode mobilizar o desenvolvimento de recursos para agir de modo

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diferente ou mais satisfatório.

O último objetivo diz respeito às ideias dos professores sobre formação continuada e se

eles fazem alguma associação entre ela e sua saúde mental/qualidade de vida (bem-estar). A

formação tem papel fundamental para a saúde dos docentes e, em tempos de precarização, pode ser

considerado um de seus principais focos de manifestação através de formações aligeiradas e

insuficientes.

Para a maior parte dos entrevistados, a formação continuada está relacionada a dar

prosseguimento aos estudos, seja de modo informal (cursos de curta duração, leituras) seja através

de cursos formais de pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado); a maior parte parece ter

a compreensão de que essa seria uma responsabilidade principalmente individual, ou seja, caberia

aos próprios professores buscar atualização; a formação continuada não apareceria como

responsabilidade, ou papel, também, do Estado e da Escola. Isso me parece preocupante, já que a

maior parte dos professores alegaram ter tido uma formação inicial insuficiente para dar conta de

algumas situações e vários professores alegaram não ter se preparado inicialmente para o

magistério (não escolheram ser professores a priori, se tornaram professores), se levarmos em

consideração, que um dos fatores de estresse dos professores, é a falta de tempo em virtude de uma

carga horária extensiva, como esperar que eles ainda tenham de responder por conta própria à

demanda de formação continuada?

Outro espaço de relevância dado à formação continuada foi o de que a formação,

também, pode ser um espaço de promoção para à qualidade de vida/saúde mental, o que reforça a

necessidade de ações nesse sentido, também, pelo Estado e Escola. Esse achado é reforçado pela

pesquisa de Pinheiro (2011) que aponta a formação continuada como fator importante para o bem-

estar docente e o de Antunes (2012) que aponta a possibilidade da formação continuada, como

motivador profissional; contradiz, no entanto, o achado da pesquisa de Alves (2011) que apontou a

Educação Continuada como um fator de pouca influência no bem-estar dos professores.

Chegamos, ainda que temporariamente, portanto, ao final dessa caminhada. Considero

como satisfeitos os objetivos desse trabalho, a ideia de que a formação pode ser usada, também,

como ferramenta para promoção de saúde mental é partilhada pelos professores.

Sugerimos que outras pesquisas possam ser feitas e que a discussão gere frutos na forma

de ações que possam realmente melhorar a qualidade de vida dos professores.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Termo de Consentimento, Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

VOCÊ ESTÁ SENDO CONVIDADO COMO VOLUNTÁRIO A PARTICIPAR DA

PESQUISA: SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA

CONSTITUIÇÃO DOCENTE

OS MOTIVOS QUE NOS LEVAM A ESTUDAR O PROBLEMA : A possibilidade de

identificar estratégias defensivas individuais e coletivas que podem ajudar os professores a manter

sua saúde.

A PESQUISA SE JUSTIFICA porque as condições materiais da vida são o que produzem nossa

consciência, nossa saúde e saúde mental vão estar obrigatoriamente relacionadas, também, às

nossas condições materiais de existir. E para todas as pessoas, de uma forma ou de outra, as

condições materiais de existir estão atreladas ao trabalho. Portanto de acordo com as definições da

OMS a saúde depende em grande medida da saúde mental já que se alguém não conseguir

“trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere”

dificilmente vai conseguir usufruir um “completo estado de bem-estar físico, mental e social”.

Diante disso é possível afirmar que o contexto de trabalho docente tem obrigatoriamente de

apresentar consequências para saúde de quem ensina e de quem aprende. É importante, portanto,

compreender e estudar como os professores podem permanecer saudáveis.

O OBJETIVO DESSE PROJETO É investigar as estratégias defensivas utilizadas por docentes

do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental.

Os objetivos específicos são:

1) Conhecer as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade vida.

2) Identificar as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com

o estresse e o sofrimento psíquico.

3) Conhecer as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma

relação entre ela e seu bem-estar.

O PROCEDIMENTO DE COLETA DE MATERIAL, SERÁ DA SEGUINTE FORMA: Serão

efetuadas observações no local de trabalho, entrevistas coletivas e individuais e/ou aplicação de

questionário.

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DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: EXISTE UM DESCONFORTO E RISCO

MÍNIMO PARA VOCÊ SE SUBMETER À COLETA DO MATERIAL PARA A PESQUISA, que é a possibilidade de sentir-se desconfortável ao examinar sua trajetória profissional e/ou

cotidiano.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE

SIGILO: Você será esclarecido sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Você é livre para

recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento.

A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar qualquer penalidade ou

perda de benefícios. A pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo.

Os resultados da pesquisa serão divulgados para o corpo docente e seu nome ou qualquer material

que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão. Você não será identificada em

nenhuma publicação que possa resultar deste estudo.

CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR EVENTUAIS

DANOS: A participação no estudo não acarretará custos para você e não será disponível nenhuma

compensação financeira adicional.

Eu, _____________________________________________________ fui informada dos objetivos

da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer

momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar do trabalho

se assim o desejar.

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento

livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Nome Assinatura do Participante Data

Nome Assinatura do Pesquisador Data

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APÊNDICE B – Diário de Campo

Diário de Campo.

Dia 21 de setembro de 2015, escola J.

Após contato telefônico na sexta-feira, na segunda-feira, de posse da carta de encaminhamento da

coordenação do PPGE da UECE, dirigi-me à escola Jeny Gomes para conversar com a direção e

tentar obter a autorização dela para iniciar meu trabalho de pesquisa em campo.

O diretor se chama Marcos Antônio Bezerra Costa e foi bastante solícito e atencioso em escutar a

respeito da proposta de trabalho e me autorizou a realizar o trabalho e me indicou que o melhor

horário para conversar com os professores e pegar autorização deles para o trabalho seria às

09h30min para os que trabalham no turno da manhã e às 15h30min para os que trabalham no turno

da tarde.

Antes dos nos despedirmos o Professor Marcos sugeriu que eu conversasse com um professor

chamado Helder que é bastante ativo e bem-quisto pelos demais para escutar sua opinião. Dirigimo-

nos para sua sala de aula e ele saiu para que pudéssemos conversar um pouco, o referido professor

está fazendo doutorado e pareceu ter uma empatia com minha condição. Após os esclarecimentos

ele afirmou acreditar que os demais professores não se oporiam e até iriam gostar do trabalho.

Despedi-me comprometendo voltar no dia seguinte para conversar com os professores.

Dia 22 de setembro de 2015.

Conforme o acordado cheguei à escola um pouco antes das 09h30minh. O diretor me recebeu em

sua sala e conversou um pouco sobre assuntos aleatórios relativos ao cotidiano da escola. No

horário agendado me conduziu até a sala dos professores e me apresentou, em seguida leu o ofício

encaminhado pela coordenação do PPGE e passou a palavra para que eu pudesse me apresentar e

explicar o trabalho de modo mais aprofundado.

Alguns professores explicitaram de forma verbal o desejo de participar prontamente, enquanto

outros simplesmente me lançaram olhares longos.

O fato de ter levado um bolo ajudou a quebrar um pouco o gelo.

Despedi-me e me comprometi de ligar no dia 23 para pegar o resultado (se eles me autorizarão ou

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não a fazer o trabalho) e também de voltar à tarde nesse mesmo dia para conversar com os

professores do horário vespertino.

Dia 23 de setembro de 2015

Conforme o acordado me dirigi à tarde para a escola novamente e conversei com os professores no

horário da tarde, alguns também ensinam pela manhã, então já haviam escutado anteriormente à

proposta da pesquisa o que facilitou um pouco a conversa. O Diretor não pode estar nesse segundo

momento, mas a coordenadora pedagógica me acompanhou e apresentou. Os professores fizeram

muitas brincadeiras ao saber que a pesquisa era sobre saúde mental e aceitaram o trabalho sem

maiores dificuldades.

Dia 29 de setembro de 2015

Enviei o cronograma das visitas – que iniciarão em outubro – para o diretor e a coordenadora da

escola.

Dia 05 de outubro de 2015

Devo efetuar minha primeira visita de observação no período da tarde. Tentei ligar várias vezes para

falar com a Coordenadora pois não sei com certeza a que horas inicia o expediente dos professores

no horário da tarde e gostaria de observar como se dá a chegada deles, se eles ficam na sala dos

professores antes do inicio das aulas, no intervalo, também gostaria de que ela me indicasse um

professor a quem eu pudesse acompanhar em sala de aula... são 10h28min vou tentar contato

novamente daqui a dez minutos...

Dia 05 de outubro de 2015

Cheguei à escola às 12h00min porque queria observar a chegada dos professores, após ser recebida

pelo porteiro dirigi-me a sala dos professores, havia 3 professores no local. A TV estava ligada e

exibia o jornal do meio dia.

Inicialmente me chamou atenção o silêncio da sala. Uma professora estava sentada à mesa e mexia

em seu celular; os outros dois também estavam sentados só que no sofá e, também, estavam atentos

para com o celular. Um dos professores puxou assunto perguntando se eu estava iniciando a

pesquisa, qual era meu referencial etc respondi de forma breve e fiz algumas anotações no diário (as

anotações são feitas a cada cinco minutos) nesse momento eles ficaram silenciosos novamente, a

professora que estava sentada à mesa foi sentar-se junto a eles no sofá e passaram a se ocupar

novamente de seus aparelhos celulares. Os ruídos de notificação de mensagens do aplicativo what´s

up eram frequentes.

12h25min – o mesmo professor que puxara assunto antes comenta a respeito de um autor que se

embasa na Psicologia Sócio-Histórica e que ele gosta bastante. Outro professor entra na sala e

permanece em pé.

O professor anterior continua a conversa e me dá dicas de escolas de ensino médio em áreas mais

vulneráveis onde poderia conduzir a segunda parte da minha pesquisa. Ele balança bastante as

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pernas. Pergunto a ele sobre a rotina de chegada ao horário da tarde dos professores, ele informa

que geralmente os professores vãos até a sala dos professores (seus armários de pertences ficam

neste local) e depois passam na secretaria para pegar suas cadernetas e seguem para suas aulas (o

primeiro horário é as 13h00min).

Dois professores conversam sobre as notícias que estão sendo anunciadas no telejornal.

12h35min – um professor entra e outros dois colegas perguntam sobre atividades relativas ao dia do

professor; estão decidindo qual frase e qual imagem irá aparecer em uma blusa que irão usar em um

ato de protesto na assembleia.

12h40min – nenhum novo evento, continuaram a falar sobre as camisas e o movimento. Pouco

depois o professor que chegara por último sai.

Tive uma sensação de desconforto porque eram poucas as pessoas na sala e eu tinha de ter o

cuidado de não olhar para elas o tempo inteiro.

Um representante de coordenação entra e questiona sobre os horários da tarde de cada professor

presente (seria necessário que alguém substituísse uma pessoa no primeiro horário).

Enquanto isso um professor cantarola baixinho enquanto duas outras professoras conversam sobre

amenidades.

12h45min – os professores conversam sobre um rumor referente ao décimo terceiro salário (que

talvez eles não o recebam). Um professor comenta sobre eventos no período do Governo de

Gonzaga Mota e isso serve de mote para muitas piadas referentes à idade.

A direção da conversa muda e eles passam um a um a lamentar a falta de prioridade do governo

para com eles (da dificuldade para conseguir coisas que deveriam estar asseguradas como direito;

como adicional de salário por titulação e ascensão profissional).

12h50min – Alguns professores comentam um jogo de futebol que está sendo anunciado. Pergunto

se posso acompanhar os professores em suas salas de aula e eles concordam.

Um professor cantarola, assovia e mexe as pernas. Uma professora se prepara para levantar e diz em

voz alta “bora, vamos agitar!” outros professores continuam a discutir sobre a blusa talvez ao invés

de uma coruja pudessem colocar outro animal, quem sabe um leão? (esse comentário dispara mais

algumas piadas, dessa vez, de cunho futebolístico).

As piadas parecem fazer parte da dinâmica desse grupo, quase tudo pode servir como mote para

uma piada. (humor como estratégia defensiva?)

12h55min – mais alguns professores adentram o recinto, alguém comenta sobre um evento anterior

em que alguém perdeu uma carteira, imediatamente alguém brinca dizendo que é consequência da

profissão (Alzheimer). Por um período curto a sala fica silenciosa e só comentários esporádicos

sobre mensagens no what´s up são feitos.

Vários professores entram pegam seus materiais e saem em direção às salas de aula.

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13h00min – Soa o sinal, alguns suspiros de ah...oooh.... e todos levantam.

Decido iniciar a observação em sala de aula com o professor que buscou conversar algumas vezes

comigo, sua disciplina é Educação Física.

13h05min – já em sala de aula (A sala não é grande, mas é arejada, bem iluminada, as carteiras são

bem distribuídas e de boa qualidade) os alunos começaram a chegar fazendo bastante barulho.

Sentei-me ao fundo para poder observar a sala e o professor.

Os alunos fazem perguntas sobre suas notas e recebem dele a informação de que serão entregues no

final da aula. Há muitas carteiras ainda desocupadas. O professor começa a fazer algumas anotações

no quadro e pede por três vezes que os alunos façam silêncio. O professor me apresenta de forma

breve.

O professor inicia a aula, os alunos continuam a falar uns com os outros. Ele propôs uma atividade

onde anotaria algumas questões no quadro que serviriam de “gatilho” para discussão em sala; os

alunos deveriam anotar e responder as perguntas (individualmente, em duplas ou trias).

Enquanto o professora anotava as questões os alunos continuaram a conversar em voz alta e rápido.

Quando terminou de anotar suas perguntas, o professor reforçou que cada pergunta poderia ser

respondida em duas ou três linhas e que algumas pessoas seriam chamadas a responder para que ele

pudesse comentar os assuntos.

Dito isso, o professor foi para sua mesa, sentou, bebeu água e passou a fazer anotações.

13h15min – o professor levantou e foi até a carteira de um aluno para lhe fornecer alguns

esclarecimentos que estavam sendo solicitados e voltou para sua mesa, o aluno o seguiu para

terminar de esclarecer algumas dúvidas ainda remanescentes. Após o aluno voltar para seu lugar, o

professor fala com a classe informando que em 15 minutos irá chamar algumas pessoas para

responder as perguntas.

Duas alunas chegaram, entram sem pedir licença e cumprimentam algumas colegas que estão

sentadas nas carteiras no final da sala: -oi usuária! A colega responde: - diz usuária.

Mais um aluno chegou e perguntou se podia entrar, após autorizado sentou-se.

Um grupo de 4 estudantes juntaram as carteiras no fundo da sala e conversavam fazendo bastante

barulho.

Senti-me ligeiramente irritada, imagino como o professor deve se sentir...ele permanece em sua

mesa fazendo anotações. (será que é assim que ele consegue lidar com essa situação? Ignorando-a?)

13h20min - os alunos começaram a formar duplas e trios para realizar a atividade.

Mais alguns alunos chegam atrasados. O professor levanta e começa a checar quem já está com o

caderno aberto, quem já iniciou a atividade e reforça que tentem conversar menos (pede silêncio

mais uma vez); vai até a sua mesa, bebe água e conversa com alguns alunos que estão próximos de

si.

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Pede atenção aos alunos (por favor, silêncio, novamente) e dá alguns esclarecimentos sobre as

perguntas que eles tem de responder: elas não podem ser respondidas com sim ou não; reforça a

objetividade da atividade e vai até alguns alunos.

Após caminhar pela sala, permanece em pé por alguns momentos, encosta-se na janela e ressalta: -

vamos lá? Só mais 5 minutos, ok? Em seguida se dirige até o grupo que juntou as carteiras no fundo

da sala e que conversa animadamente e dois alunos que ainda não haviam aberto os cadernos o

fazem.

A sala está muito barulhenta, em meio ao burburinho de conversas alguns alunos chamam: -

professor, professor, e minha nota? O professor repete que a nota será dada no final da aula.

As perguntas são sobre dança e duas alunas começam a conversar: - ah, eu fiz ballet - eu também...

O professor reforça que vai começar a chamar pessoas para responder ás perguntas.

13h30min – Eu me sinto muito cansada, com tanto barulho como será que ele se sente? O

professor avisa que irá apagar o quadro e irá escrever outras coisas pede que os alunos retornem ao

alinhamento inicial. O professor pergunta quem pode responder a primeira pergunta, 3 ou 4 alunos

começam a falar ao mesmo tempo. O professor avisa que não levou seu MICROFONE (a sala é tão

pequena!) e que por isso não pode falar mais alto, pede silencio pela milésima vez. Enquanto ele

fala os alunos de trás continuam a falar alto.

O professor anota as respostas da primeira pergunta no quadro e tenta comentá-las, precisa

aumentar muito seu tom de voz. Dirige-se aos alunos de trás e pergunta à resposta da segunda

questão, os alunos respondem de forma precária e o professor pede que permaneçam virados para o

quadro (olhando para frente, já que eles estavam de costas); após respirar profundamente o

professor pede atenção mais uma vez e os outros alunos “brigam” com os que não param de falar,

há uma ligeira melhoria.

13h35min – a situação volta ao caos anterior . O professor se cala e permanece em pé esperando

que se faça silêncio. Quando o ruído diminui o professor diz: - olha se eu sentar, o conteúdo estará

dado e vai ser cobrado.

Depois vai até um aluno que continua de costas e exige que ele saia e sente-se na carteira da frente.

Faz-se silêncio, é a primeira vez desde que iniciou a aula que posso ouvir a voz do professor, de

forma clara.

O professor então continua a aula, alguns alunos tentam conversar novamente e os outros alunos

pedem que eles façam silêncio.

13h40min – o professor está de pé, comentando o conteúdo e conseguiu atenção de parte da turma...

alguns alunos fazem perguntas mas o professor está tão determinado a conseguir concluir o que

preparou que mal os escuta (não é atoa!).

13h45min – os alunos estão participando um pouco mais o problema é que agora falam todos ao

mesmo tempo e muito alto. O professor pede silêncio para comentar a última pergunta. Na próxima

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aula haverá aula prática (ele informa).

Os alunos ficam ruidosos novamente e ele pede silencio.

13h50min – o professor avisa que irá fazer a chamada, senta-se, avisa que fará em voz baixa. Senta-

se uma aluna fica em pé ao seu lado. Depois disso os alunos recomeçaram a conversar e não ouvi

mais a voz dele. O sinal soa. O professor pergunta se eles vão querer saber as notas, pede silêncio,

mostra as notas para cada um sem que os outros vejam.

Gostaria muito de saber como ele está se sentido...estou cansadíssima...

13h55min – a outra professora entrou na sala (Sinto curiosidade em saber como será o

comportamento dos alunos nessa aula)

A professora fecha a porta, me cumprimenta e peço a ela autorização para permanecer na classe e

autoriza.

Dá boa tarde a todos. Alguns alunos estão em pé, o grupo de trás está ainda mais animado e

conversa alto.

A professora demanda que as carteiras sejam postas no alinhamento correto e os alunos acatam. A

professora separa um material. Os alunos continuam a falar alto, a professora fica em pé, encostada

no quadro em silêncio.

14h00min – os alunos estão em silêncio, ela começou a dar alguns avisos sobre as notas, eles

parecem atentos, ela continua com mais alguns avisos.

Ela afixa as notas no quadro e os alunos vão olhar, enquanto isso ela monta o PC, data show, caixa

de som.

14h05min – Alguns alunos estão em pé, outros em frente ao quadro (por causa das notas) o que me

impede de ver a professora. Ela pede que eles voltem a seus lugares e liga o data show, em pouco

tempo surgem imagens de pincéis com rostos no quadro; os alunos prestam um pouco mais de

atenção mas ainda assim há ruído (porque todos querem falar ao mesmo tempo) a professora

solicita que falem um de cada vez; ela escuta um aluno e usa o exemplo dele para falar sobre o

cigarro, o alunos escutam com atenção.

14h10min – a professora continua sua fala e os alunos tentam prestar atenção.

14h15min – o mesmo

14h20min – Ela começou a falar sobre Pop Art.

14h25min – percebo que a professora tem um controle maior da sala talvez por usar mais recursos

audiovisuais; ela faz pausas, escuta comentários e ainda que sejam pura bobagem procura valoriza-

los e usá-lo como mote para aula.

14h30min – Encerra a aula. Um aluno pergunta: -Acabou? Ela confirma, a sala fica barulhenta

novamente. Ela faz silêncio, sorri e recapitula a aula que dera sábado (poucos alunos foram) sobre

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música e propaganda.

14h35min – a professora pede silêncio pois a sala está muito barulhenta, no entanto, todos os alunos

estão falando sobre o assunto da aula; ela põe um jingle e os alunos fazem silêncio

momentaneamente para escutá-lo.

14h40min – acaba oficialmente a aula. Quinta-feira ela avisa que darão continuidade nesse assunto.

Começa a guardar os equipamentos, uma aluna vai ajudá-la.

14h45min – Sai da sala de aula.

Segui a professora até a outra sala onde ela iria dar aula, queria ver como era a dinâmica dela com a

outra turma. A sala é maior que a anterior mas é igualmente bem iluminada e fresca, o quadro é bem

maior.

14h50min – a professora inicia a aula de forma similar ao que fez anteriormente; os alunos são bem

mais silenciosos; consigo ouvir com clareza o que ela diz.

14h55min – os alunos começam a montar os equipamentos para ela.

Percebo que ela levou menos de dez minutos para sair de uma sala e entrar na outra; sinto-me mais

relaxada. Como será que ela se sente?

Encerro minha observação por hoje; percebo-me cansada não tomando notas de modo adequado e

resolvo que é hora de ir embora (15h10min).

07.10.2015

11h30min – estou pensando se devo ir no mesmo horário, ou se seria melhor ir no intervalo

(15h30min) e ficar até o final da tarde, quero observar outros professores em aula...

12h30min – cheguei à sala dos professores que estava apinhada de professores, a TV estava

desligada, alguns professores almoçavam na mesa. O ambiente estava descontraído e os professores

riam muito.

Alguém mostra vídeos e alguns professores comentam sobre outro.

Um professor que entrou na sala comenta (olhando para mim): - Eita chegou a professora que irá

estudar nossas mentes! Outro replica: - professora, desconsidere esses momentos... todos riem

O HUMOR PARECE SER UMA FERRAMENTA IMPORTANTE NO COTIDIANO DELES.

Alguém comenta que só irá dar aula no nono, ano naquele dia “uma beleza”.

12h40min – Alguns professores comentam sobre processos seletivos para mestrado em aberto.

Agora há um total de 12 professores na sala.

12h45min – Recebi uma ligação. Os professores comentam sobre a possibilidade de “casar”

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algumas aulas com atividades de seminário. Voltam a fazer piadas.

Um professor toca “bateria” com canetas na mesa. A conversa sobre o trabalho é retomada. Outros

professores entram, pegam seus materiais nos armários e saem.

12h50min - há dois grupos que conversam de forma independente. Peço para observar um professor

em sala e ele replica: - hoje? Respondo que sim. Ele concorda e brinca que a aula vai ter de ser

séria (...uma pessoa me analisando... vou pegar o data show).

Começo a observar os armários: cada armário tem o nome do seu proprietário e além disso uma

gravura que parece identificá-lo (só 4 professores não tem gravuras nos armários). Em sua maioria

as gravuras são Santos católicos (Nossa Senhora, São Francisco de Assis, Cristo) mas há também

fotos de cães, gatos, flores e brasão de futebol.

O professor que vou observar volta para sala e brinca: - ninguém quer me emprestar à escova de

dente? (todos riem) vou levar essa questão para reunião pedagógica.

13h00min – Soa o sinal, o professor brinca e anuncia em voz alta seu número de telefone, conta do

facebook e instagram (qualquer coisa ele está aí, é carente...) as pessoas riem novamente e

perguntam se tenho certeza de querer ir com ele para sala.

O professor põe perfume e se prepara para sair.

13h05min – estávamos a caminho da sala de aula, sigo-o, ele vai cumprimentando os alunos no

caminho até a sala, alguns pelo nome.

Após entrarmos em sala ele começa a montar os equipamentos; metade da sala ainda não havia

chegado, mas logo em seguida começaram a chegar e conversavam entre si.

13h10min – o professor pergunta para que servirá um quilo de alimentos que está em sua mesa (é

uma doação para algum lugar) o aluno pega o alimento que será doado para entregar no local

apropriado.

O professor identifica-se no quadro, bem como o capítulo e página em que estão.

Convida-me para vir até a frente e me apresentar para os alunos e assim o faço.

13h15min – o professor fala a respeito de como irá funcionar a logística de um trabalho que será

para nota; os alunos escutam com atenção; há alguns protestos quando o professor os lembra de que

há um grande volume de notas baixas.

13h20min – Inicia a aula que versa sobre a água (o consumo de água no planeta) os alunos escutam

(me lembro da outra sala e me pego surpresa). De vez em quando o professor faz uma brincadeira

para chamar a atenção dos alunos.

Há muito ruído vindo de fora (do corredor e das outras salas) por isso o professor precisa levantar a

voz.

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13h25min – alguém chama o professor para fora da sala e lhe entrega algo. Ele volta, retoma a aula,

faz observações engraçadas e os alunos riem.

Alguns alunos conversam entre si e o professor levanta um pouco a voz para se fazer ouvir.

13h30min – interrompe sua fala para recepcionar uma aluna atrasada. Oferece um ponto para quem

responder uma pergunta; e um aluno a responde. Alguns alunos recomeçam a conversar e trocam

bilhetes, o professor pergunta do que se trata vai até eles e eles mostram o bilhete para o professor e

lê devolve-o e diz “ok”.

13h35min – as conversas reiniciam e ele precisa dar vários “psius” para contê-las. Ele chama a

atenção de uma aluna e ela responde argumentando que todos estão conversando, o professor

pergunta se ela é todo mundo.

A conversa diminuiu, ele faz perguntas e os alunos respondem. Pouco depois recomeçam algumas

conversas.

13h40min – o professora bate algumas vezes no quadro para chamar a atenção dos alunos e

continua a aula (fala sobre a indústria da seca).

13h45min - pede silencio e dá alguns “psius”. Continua a aula (me pego fazendo “xxxiu” para os

alunos). O professor destaca que o assunto que está sendo trabalhado será cobrado no seminário.

Os alunos recomeçam a conversar e a sala fica barulhenta.

13h50min – o professor deixa que os alunos desliguem os equipamentos e conversa em particular

com um aluno. Encerra a aula.

Pergunto como ele se sente – dever cumprido e expectativa? (já que tenho outra aula). Comenta que

acredita que minha presença inibiu um pouco os alunos e diz, que em relação a outras turmas,

àquela é boa; comenta sobre algumas turmas. despedimo-nos, agradeci.

Hoje vou sair da escola mais cedo às 14h00min, porque tenho um compromisso de trabalho...

próxima semana será feriado para eles na segunda e na terça. Então vou ter alterar que meu

cronograma de trabalho (eu iria lá na terça e quinta que vem). Vou ver o que será mais adequado.

15.10.2015

Não pude fazer a observação que programara pois terça-feira foi feriado na escola (antecipação do

dia dos professores) e hoje, por questões pessoais, não cheguei ao meio dia e por isso não pude

observar os professores na sala dos professores e tampouco a primeira aula.

Cheguei às 13h30min e me dirigi à coordenação pedagógica, solicitei informações relativas aos

horários em que acontecem as aulas de matemática e português (fiquei curiosa sobre o

relacionamento professor/classe, já que são disciplinas mais tradicionais, será que o comportamento

dos alunos é melhor?)

O professor coordenador me levou até a sala da professora de português. Cheguei após meia hora

do inicio da aula e me surpreendi com o silêncio. Os alunos faziam redações.

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13h40min – a professora levantou e deu instruções a respeito de como proceder à atividade

(espaços, número de parágrafos, atenção ao uso dos pronomes pessoais, etc.). Os alunos fizeram

perguntas que me pareceram pertinentes e deram continuidade ao trabalho. O silêncio é quase

material (me questiono SERÁ SEMPRE ASSIM?).

A professora depois dos comunicados sentou-se e passou a corrigir algumas atividades. Meus

pensamentos vaguearam um pouco e lembrei-me da imagem dos professores quando cheguei, todos

os professores com quem encontrei estavam usando blusas “uniformizadas” que depois eu soube

estarem associadas à atividade que teria lugar no dia subsequente a este: o JG NIGHT um evento

para os alunos que irão fazer o ENEM (os alunos vão na sexta à noite e “dormem” na escola) fui

convidada para este evento será válido participar?

13h50min – um aluno levantou e levou sua redação até a professora para tirar algumas dúvidas e

outros dois alunos fizeram o mesmo. Os demais alunos permaneceram silenciosos.

13h55min – a professora, ladeada por dois alunos, solicitou que alguém emprestasse uma

calculadora para que ela calculasse as notas dos alunos.

Em virtude de algumas conversa a professora reforçou o fato de que a redação é uma atividade que

exige concentração e é um momento de construção individual.

A sala ao lado é muito barulhenta. Uma aluna faz uma pergunta que provoca comentários agressivos

em tom de brincadeira por parte de outros alunos mas logo em seguida a sala cai novamente no

silêncio do inicio.

14h00minh – a professora respondeu às perguntas de uma aluna e permaneceu sentada à sua mesa,

ela fazia uso da calculadora o que me levou a crer que permanecia ocupada calculando às notas da

turma.

Um aluno tirou uma dúvida e a professora usou o mote para falar a cerca da estrutura das provas da

UECE, UFC e ENEM.

Mais alunos se aproximaram da mesa onde a professora permaneceu calculando as notas e

respondendo às dúvidas.

Um aluno queixou-se que fora machucado por outro; a professora indagou sobre o que acontecera e

em pouco tempo a situação foi encerrada.

14h05min - Um membro da coordenação entrou na sala e conversou com a professora. A professora

solicitou que os alunos que estavam a sua volta retornassem a seus lugares pois ela precisaria ir até

outra sala. No entanto, os alunos permaneceram onde estavam e ela pediu outra calculadora pois a

que estava usando havia descarregado.

A professora em seguida levantou-se e informou a toda classe que precisaria ir até outra sala para

“dar algumas coordenadas”, já que outro professor faltara. Ressaltou que voltaria com brevidade.

Solicitou que os alunos permanecessem quietos e saiu.

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14h10min - a professora veio até a minha mesa e reforçou que iria precisar sair durante alguns

minutos mas que voltaria em seguida. Saiu, voltou para pegar um estojo e saiu novamente.

Alguns alunos começaram a conversar entre si e outro se sentou no lugar da professora.

14h15min – os alunos continuam a conversar entre si, alguns indagam sobre as redações uns dos

outros.

14h20min – a coordenadora entrou em sala e chamou a atenção de alguns alunos, após sua saída a

sala ficou inquieta e as falas aumentaram bastante de intensidade (mais pessoas conversando e mais

alto).

O diretor entrou em sala de aula e deu boa tarde; chamou um aluno que o seguiu e os alunos ficaram

silenciosos.

14h25min – alguns alunos voltaram a conversar outros retomaram ao trabalho da redação, um ficou

em pé e foi até a porta. Tenho vontade de fazer algumas perguntas à professora...

14h30min – a professora ainda não retornou. Alguns alunos sentaram-se próximos a outros e

passaram a conversar. Alguém assoviava uma canção.

14h35min – a professora retornou para a sala de aula e sentou-se. Riu muito de um comentário, em

voz baixa, que um aluno fez. Retomou o trabalho de correção. Os alunos mantiveram o padrão

anterior de algumas conversas, alguns estavam de pé.

14h40min – a professora continuou a corrigir os trabalhos enquanto o número de alunos em pé

cresceu bastante.

A professora pediu para dar os vistos nos cadernos dos alunos e informou que continuaria a

correção na próxima aula. Ela começou a dar os vistos.

14h45min – começou a arrumar suas coisas para sair, em seguida despediu-se e saiu.

21.10.2015

Fui para escola decidida a não entrar em sala hoje, irei me concentrar nas relações dos professores

uns com os outros e sondá-los sobre a possibilidade de entrevistá-los.

12: 25 – quando entrei na sala dos professores os mesmos conversavam sobre a possibilidade de ter

de aumentar o número de alunos em sala de aula e/ou o tempo de aula. Dois professores discutiam

de forma acalorada enquanto no fundo da sala um professor brincava tentando apaziguar os ânimos

“Olha o stress, isso é o cansaço gente, já estamos no final do ano”.

12h30min – a pauta do aumento de alunos/carga horária permaneceu, percebo que os professores

que estão discutindo, estão sentados à mesa enquanto os que estão “de fora” no sofá ou cadeiras

encostadas na parede não emitiram opiniões e faziam outras coisas.

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12h35min - a dupla que estava discutindo de forma mais aguerrida sai ainda conversando; um deles

volta em seguida. Uma professora (a que estava na aula de redação na última observação) pergunta

se irei para alguma sala hoje. Digo que não, que estou mais interessada no momento nas relações

entre os próprios professores mas que irei fazer mais algumas observações em sala no período da

manhã. Uma professora me sugere que eu participe das reuniões de planejamento que acontecem da

seguinte forma: terças de manhã (professores de língua); quartas de manhã (professores das áreas

exatas) e quintas de manhã (professores das humanas). Gostei muito da ideia, me parece uma

oportunidade para observar mais de perto outra faceta do trabalho deles e também uma

oportunidade para efetuar algumas entrevistas coletivas.

12h45min – após ouvir as sugestões da professora volto minha atenção novamente para os demais.

Alguns se queixam de que a escola está com forte cheiro de fumaça (parece que houve uma

“queimada” no terro vizinho à escola). Outros professores brincam fingindo tirar “selfies” e o

ambiente começa a se encher de risos com algumas pessoas fazendo piadas situacionais (O

HUMOR PARECE SER REALMENTE UMA CARACTERÍSTICA FORTE NESSE GRUPO).

12h50min – as piadas continuaram, dessa vez a respeito da relação de alguns professores com

algumas turmas. Um professor brinca comigo: “anota aí professora, a professora x surtando em alto

grau de estresse” ao que a professora x replicou” e você? Acha que é saudável ficando aí em pé e

implicando com todo mundo?'” o professor respondeu “tô me aquecendo para aula” os professores

riram e confesso que eu também...

12h55min – Entraram mais alguns professores. O professor brincalhão abriu a geladeira e começou

a fazer piada novamente, sobraram alguns picolés do evento do final de semana. Uma professora

começou a maquiar-se para ir para sala.

13h00min – alguns professores comentam sobre o filme “De volta para o futuro” o sinal soou.

Alguns professores tiraram fotos. Os professores começam a sair para ir para suas aulas, um

professor volta e comenta que o cheiro de queimado diminui bastante e outro replica em tom de

brincadeira “droga vou ter de ir para sala então”.

13h05min – uma professora chama os demais: vamos pessoal, trabalhar! Alguns a seguem. Uma

professora comenta que nunca viu povo tão alegre “quanto mais liso mais alegre, sei não...”

comenta então com outra sobre a perspectiva de receberem o 13º salário parcelado no ano que vem.

13h10min – a sala está praticamente vazia, somente eu e mais dois professores permanecemos nela;

resolvi perguntar-lhes a cerca dos adesivos nos armários, eles me disseram que a maior parte dos

adesivos foram escolhidos e pregados por uma única pessoa (não souberam dizer quem) e que a

maior parte dos armários masculinos não os tem... me sugeriram conversar com o professor y que

provavelmente sabe melhor da história... agradeci e encerrei as atividades.

Penso que devo falar com minha orientadora sobre a possibilidade de utilizar os espaços de

planejamento para fazer as entrevistas coletivas e me informar se o nosso laboratório possui

gravadores...

Dia 10.11.15

Hoje fui à escola de manhã com a intenção de aproveitar o momento do planejamento para

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conversar (entrevista coletiva aberta) com alguns professores. Fiz uso de gravador, após a devida

autorização por parte dos professores.

Transcrição - “então só para fazer uma apresentação: estou aqui na escola Jenny Gomes, no horário

do planejamento, eu pedi autorização para gravar enquanto converso um pouco com as professoras

e estávamos falando de final de ano, de voz que acaba, enfim, vou deixar o gravador aqui (na mesa)

que ele até tem uma potência boa e a gente vai conversando.”

“P1. ah, mas tem professor que nem precisa o professor x da disciplina … tem uma voz que é

melhor que a minha e a da p2, né p2?”

“P2. Sim, e olhe que falo alto! Já fiz até fono um tempo”

“Acho que é hábito de professor mesmo, não é? Algumas vezes você está em lugar pequeno e ainda

assim fala alto” “p.2 Sim, isso mesmo.”

“p3. Vira vício mesmo, como ele falou, às vezes você tem um grupo pequeno de pessoas e ai: ops,

acaba falando mais alto”

“Sim é verdade... vocês são professores há quanto tempo aqui? P3. Eu há três anos; p2. Eu há 15

anos, aliás 16 anos; p1. Tu diz aqui na escola, né?; p2. Sim, aqui na escola, eu já tenho 27 anos de

sala de aula. Mas aqui na escola são 16? p2. Sim, 16. p1. Eu entrei aqui em 2006.”

“Vocês sempre ensinaram ensino médio? P2. No Estado quando comecei era ensino fundamental

mas aqui no Jenny sempre foi ensino médio! No inicio tínhamos 20% a mais para planejamento,

depois tiraram, agora o planejamento é durante o expediente, antes era aos sábados”

Ruído, alguém entrou na sala e as conversa ficaram abafadas por alguns minutos.

“p1. (…) a gente sente falta de uma reunião (de planejamento) com o grupo todo. Nunca tem uma

reunião com o grupo todo? P1. Tem a semana pedagógica, mas é muito pouco... p.2 é, não dá para

fazer um trabalho interdisciplinar bem feito! Essa coisa de separar as áreas e ficar cada um por si...”

“O que é que vocês mais gostam no trabalho de vocês? p.1 o que eu mais gosto é da sala de aula,

me sinto realizada com meus alunos; p.3 eu também, mas assim: eu gosto quando eu sinto que a

aula está rendendo, porque o papel do professor não é só o de transferir conteúdo o mais importante

é conseguir fazer o aluno se interessar por aquele conteúdo, eu acredito muito nisso, então quando

em momento eu vejo os olhos de um e outro brilhando aí sinto que cumpri meu papel” “p3. Essa

semana eu tava em casa e recebi uma mensagem de um ex-aluno, (foi meu aluno há dois anos) ai do

nada ele mandou uma mensagem pelo facebook: ah, professora olha aqui (e mandou uma foto) a

pilha de livros de literatura que comprei para ler, deviam ser uns 10 livros, do nada comecei a sentir

essa vontade de ler, fui num sebo e tô aqui devorando os livros, tô adorando; ai eu pensei: poxa

vida, ele nem é mais meu aluno e sei que o incentivei”

Ruído, alguém entrou novamente e as falas mais uma vez ficaram abafadas.

“...também acontece de estar na aula e ver como eles melhoram o raciocínio lógico, eu ensino

gramática e nem sempre é fácil eles darem conta das estruturas gramaticais então ver que eles estão

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dando conta é estimulante, ou mesmo que digam é difícil, para achar difícil você tem de estar lendo

se interessando”

“p.3. o que desestimula, às vezes, é esse discurso de que o professor tem que dar conta de tudo, quer

me ver ficar maluca? Aponte o dedo na minha cara e diga “a culpa é sua” porque assim, eu defendo

minha profissão com unha e dentes então... dia desses eu peguei uma briga pelo facebook com uma

pessoa que postou um vídeo; (no vídeo uma criança tinha um ataque de má criação, quebrava tudo e

tal e os professores filmaram) e essa pessoa disse que isso era um reflexo da educação falida no país

porque ela só vira “quatro babacas sem fazer nada na cena”; ok não deveriam ter feito o vídeo e

muito menos postado, mas daí, você xingar publicamente de “babaca” um professor, eu disse:

queria ver você nessa situação, o garoto estava fora de si, num nível de agressividade muito grande

e tenho certeza de que os professores tentaram pacificar, contornar a situação da melhor maneira,

mas não conseguiriam sentar e conversar com o garoto (como a pessoa havia sugerido) no mínimo

iam levar um tapa na cara; aí foi uma conversa longa, perguntei se ela era realmente educadora, já

que na primeira oportunidade ela está desqualificando os colegas de profissão... se fala muito do

aluno, das pressões, mas o professor também sofre pressões, muitas, e você é humano está

suscetível de perder o controle de vez em quando, hoje as coisas se inverteram, o aluno sempre é o

coitadinho e você fica numa posição difícil; esse aluno que quebrou tudo, precisa ser punido, lógico

que não é bater, mas ele precisa ser punido, como vai aprender? Nesse caso, a diretora da escola foi

afastada e o aluno e a família ficaram recebendo apoio psicológico, quer dizer: o professor descarta;

isso é errado. Porque a professora não recebeu apoio também?”

“p4. É complicada nossa formação não é suficiente para dar conta de determinados desafios, esse

meninos estão tendo a mente forjada pela mídia, que é muito forte, como concorrer com isso? Cada

dia eles parecem mais desinteressados... Que metodologias usar? Se você usa um recurso, um data

show, um som já uma inovação mas ainda assim é difícil prender a atenção; p1 o que eles querem é

aula de campo e não temos como fazer isso porque não tem transporte para todos e não vou

selecionar alguns em detrimento de outros, prefiro não levar, não concordo; p4. Eu também prefiro

não levar.”

“então o maior desafio é manter a atenção deles? p.4 também, e o lidar com isso, porque tem alunos

que você pode chegar pelada em sala de aula, plantar bananeira que ele vai olhar para sua cara e

baixar a cabeça, não vai se interessar, vai baixar a cabeça e dormir. Tem meninos, cada um, e são

muitos tem alunos que foram devorados pela situação, eles tão aqui porque os pais obrigam, porque

tem bolsa família mas eles estão totalmente desacreditados da educação, eles não dão a mínima. As

vezes eles tem algum problema cognitivo, a gente ignora porque não tem nenhum aparato para

isso... oh isso é outra coisa: falam do despreparo do professor, cara, eu sou licenciada , vi uma

cadeira ou outra de psicologia na faculdade só por cima, não é função de a gente lidar com esses

problemas, eles teriam de ser contornados por um psicólogo, um psicopedagogo e a gente não tem...

não tem uma escola nesse Estado que tenha um trabalho sério, um profissional bem capacitado

atuando só com isso p2. E precisa viu? p.3 você tá entendendo o que quero dizer esperam que a

gente seja tudo, psicólogo, professor, pedagogo e não dá, qual o suporte que nos dão? Por exemplo,

como lidar com um aluno com dislexia? No curso de letras não te ensinam isso; precisaria ter

alguém para orientar; e outros problemas tdah... tem coisas que você até intui mas não temos como

diagnosticar, já imaginou como ia ser bom você desconfia e encaminha para o profissional, na

escola, que faz os testes diagnostica e dá as diretrizes de como proceder? Seria maravilhoso,

facilitaria nosso trabalho, seria bom para o aluno... p.2 antigamente tinha o SOE – Serviço de

Orientação Escolar – aqui, mas dessa equipe só sobrou a xxxxx que faz um trabalho as quartas-

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feiras, muito bom com as crianças; p.3 – sim, mas alguém que saiba tratar de problemas de

aprendizagem, que faça diagnóstico mesmo, não tem... se tivesse para nós seria maravilhoso...”

“P3. E tem outras coisas... a aula é curta, são muitos alunos em cada classe, a própria rotina

atrapalha, e aí se cai no discurso da culpa do professor novamente”

“E diante disso, como vocês fazem para permanecerem motivadas? Darem conta disso tudo?

P2 esse trabalho é diário, de procurar renovar, competir com as mídias... p.3 – sei lá tem a coisa da

sala de aula mesmo que é bom... p1. Professor tá doente e vem dar aula... o professor fica contente

com pouco: um sorriso de reconhecimento de um aluno salva um dia...p3. Ano passado, eu estava

grávida, quando chegava já tinha 3 ou 4 alunos de plantão esperando para me ajudar a levar minhas

coisas, sabe? Esse lado solidário do aluno é bom. P1. Sim os bons alunos recompensam! Essa

história que ela disse ai: eu também recebi uma mensagem há pouco tempo de uma ex-aluna, que já

tá formada, hoje é diretora de um hotel, e eu disse a ela: é por alunos como você que vale a pena

continuar ensinando... você ver a pessoa crescendo...mantém você com vontade de ensinar, outros

podem crescer; hoje to dando aula numa turma onde os alunos brigam para ler: eu, eu, eu... isso é

muito bom; é a primeira vez, aqui, que isso acontece, quando eu dava aula no colégio da polícia,

sempre tinha uma turma assim, mas aqui são os primeiros...p2. Sim essa turma é a do ano passado

que eu peguei, eles são interessados mesmo! P3. Sim, mas tem coisas que chamam a atenção, por

exemplo, aquele aluno que pede ajuda, ou que a cara dele já diz que quer ajuda é estimulante; eu

tive uma aluna que só tirava nove e dez, a menina era “crânio” mas era cheia de problemas tinha

uma mãe complicada, eu tinha muita vontade de ajudar ela, mas ela nunca deu brecha, então não era

estimulante para mim, outra coisa é um aluno ruim que só tira nota baixa como eu já tive e que lhe

olha pedindo ajuda, eu tive um aluno assim que de nota 3 foi para nove no outro semestre, puxa

como me senti bem, cumpri meu papel. Eu brinco com os alunos dizendo que nossa profissão é a

única onde os clientes não querem receber pelo serviço que pagam, porque se você vai a um médico

você vai seguir as orientações dele, vai fazer os exames, vai tomar os remédios; você vai a um

advogado, você vai seguir as orientações, vai providenciar os documentos fazer ele lhe orientar; já

um professor por vezes tem um conhecimento para ofertar e os alunos não se apropriam então

quando outro se interessa isso já é estimulante”

“Então o que te mantem motivada são os heróis da resistência? Esses poucos alunos que validam

seu trabalho? P3. Isso, aqueles que dão brecha, que dizem pode me ajudar; porque, às vezes eles

não se deixam ajudar e aqui no Jenny é complicado tem alunos que chegam de corolla, com iphone

última geração e tem alunos que vem pensando na merenda porque não tem o que comer em casa,

então é muito desafiador lidar com essas realidades, as áreas são muitos diferentes, tem alunos aqui

de vários bairros...p.1 sim, isso atrapalha muito, até para você fazer o projeto político-pedagógico

da escola é complicado, em 2010 quando fomos fazer foi muito difícil: como dar conta dessa

diversidade? São pessoas diferentes, com necessidades tão diferentes? E agora vamos refazer e nos

deparar de novo com isso, né?”

“vocês tinham comentado que agora o planejamento foi segmentado por áreas do conhecimento, no

momento de fazer o projeto político-pedagógico vocês (de todas as áreas) constroem juntos ou é

segmentado também? P2 em 2010 foi, mas dessa vez, esse ano cada área submeteu suas propostas e

agora eu tava pensando nisso que deveríamos falar com a xxxxxx a esse respeito, temos que buscar

outras formas de despertar o interesse deles”

“p.3 você tá focando muito no que estimula a gente mas é interessante, também, falar do que

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desestimula, quando falo da desvalorização do professor, não tô falando nem da questão financeira,

salarial, mas sim dessa visão destorcida, onde um educador se acha melhor que outro, fica

apontando o dedo um para o outro, quando na verdade as áreas são complementares, aqui tem disso

também; essa fala de “ah!, um educador não pode fazer isso ou aquilo; ou ah, você é um educador

devia fazer isso ou aquilo” você já viu aquela charge? A que mostra os pais nos anos 60 brigando

com o aluno pelas notas baixas e depois mostra os pais brigando com o professor por causa das

notas baixas do filho? Aquilo resume tudo: tudo é em cima do professor. P2. Sim, há a necessidade

de trabalhar os deveres do aluno também, não só do professor. P3. Isso os alunos só têm direitos.

p.2 os alunos precisam ser trabalhados em suas obrigações, as mais básicas, de respeito ao outro.

Digo muito isso, quando entro em sala de aula, sempre me lembro da importância do saber ouvir,

quem só quer falar, falar, falar vai aprender pouco. Até para ler você precisa escutar, tem de haver

concentração”

“deixa eu perguntar uma coisa: vocês sempre quiseram ser professoras?: p1. Não. p.2 Sim, desde

que me lembro brincava de ser professora, com oito ou nove anos, eu pegava um caco de tijolo (eu

morava no interior) e a parede era minha lousa e eu brincava de dar aula; eu tinha uma tia que era

professora e eu queria ser como ela, aquilo era fascinante para mim e até hoje continuo assim, tanto

faz ser escola ou faculdade (porque já dei aula em faculdade) as pessoas comentam xxxxx você é

fascinada ainda por ensinar... e é sou mesmo, já desenvolvi projetos muito bons voltados para a

aquisição da leitura e da escrita; nos últimos anos (por conta de algumas cirurgias) não me dediquei

tanto, mas ainda me empolgo, sonho, fazemos trabalhos interdisciplinares... agora mesmo no Enem

caíram várias questões que trabalhamos de forma interdisciplinar. Enquanto na disciplina de

História estão trabalhando a guerra de canudos, no Português trabalhamos a obra de Euclides da

Cunha, por exemplo; eles amavam! Agora para fazer um trabalho desses você tem de estar bem,

fisicamente, emocionalmente, eu não estou tão bem; p3. Pois é como é que você ajuda alguém se

não estiver bem? Primeiro tem de cuidar de si para poder ajudar o outro”

“Então o trabalho interdisciplinar também motiva vocês? Porque parece motivar os alunos e isso

motiva vocês? p.2 sim, ajuda, eles percebem bem esse tipo de trabalho. p.3 deixa só eu interromper,

engraçado eu revisitando algumas coisas do passado, eu vejo que essa profissão sempre me chamou

“hello, você vai dar aula” mas eu meio que não ouvia, não queria aceitar, olha só: quando eu era

criança a brincadeira que eu gostava mais era de brincar de escolinha, botava todas as bonequinhas

de alunas tinha uma lousa pedia para comprar giz, dava aula para elas ou para meus amigos...fazia

isso quase todo dia...se fosse para eu ser aluna eu não ia, só se fosse professora...rsrsr na

adolescência quando começou aquela coisa de ah, que área eu vou escolher eu sabia que era

humanas, mas não queria ser professora, queria ajudar fazer algo com jovens...ah, já sei: Psicologia,

é a área ideal para mim...mas ai quando eu tinha uns 15 anos, tive minha primeira aluna de reforço

(Ela quem me procurou) minha fama começou a correr, porque na escola ajudava todo mundo, na

recuperação eu ia para ajudar os que estavam na recuperação... ai começaram a surgir alunos para

eu dar aula de reforço, porque a fama foi se espalhando, mas eu sempre em negação, não queria ser

professora de jeito nenhum, e só aparecendo alunos, mais e mais. Eu resolvi fazer turismo porque

eu queria trabalhar de guia, falando em público, dando informação, quer dizer recaia na coisa da

aula, só eu não queria ver; acho que pela própria sociedade que desestimula “ah, vai ser professor

não; é ruim, ganha pouco” ai quando eu tava terminando o curso de turismo resolvi fazer Letras e

focar no ensino de Espanhol para investir na carreira do turismo; só que aí dentro do curso nas

disciplinas de estágio, acendeu aquela luzinha dentro de mim: é isso o que eu quero, não vou mais

brigar, vou dar aula; aí fui me apaixonando, tendo mais alunos, comecei a ensinar em uma escolinha

e ai já fiquei em dúvida se devia continuar em Letras ou fazer Pedagogia; fui dar aulas para

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adolescentes e tô aqui, assumidíssima, professora, dando aula; acho que às vezes a sociedade

mascara esse desejo por não ser uma profissão tão bem vista”

“E você (com p.4) sempre quis ser professora? P4. Não, no meu caso eu aprendi a gostar do que

faço.”

A gravação fica quase inaudível por algum tempo.

“...p1. Eu gosto muito de ensino médio, quando entrei no Estado eu dava aula em uma turma de

alfabetização com gente de toda idade, de todos os níveis...quase peguei o beco, rsrsr, mas com o

tempo fui construindo outras coisas ensinando em outras turmas e hoje gosto do foco no ensino

médio. O que você mais gosta aqui no Jenny Gomes e o que é mais desafiador? Aqui o forte é a

relação com os colegas, para quem já trabalhou em outras escolas, fica clara a diferença, eu já

trabalhei em outras escolas e eu ia e voltava, não fazia diferença, aqui rapidamente você conversa,

faz amizade, no colégio da polícia eu entrava muda e saia calada, aqui podemos falar à vontade o

que me desgosta não tenho nenhum problema em falar; Vocês tem liberdade para se expressar? Sim,

eu não tenho medo, falo mesmo;p.3. Isso, nem sempre somos atendidos mas podemos falar a

vontade. P1. Se eu quiser falar, falo mesmo, claro que tem a coisa de ser funcionário público, de ter

mais estabilidade, mas não é só isso. Lembra logo que você veio se apresentar e trouxe um bolo? O

clima de brincadeira, descontração, não é porque você estava aqui, é daquele jeito mesmo. Se você

vier um dia no planejamento da quarta-feira aí é que é animado mesmo! Você vai ver a alegria a

bagunça! É muita gente, é misturado, às vezes você sai da aula só para beber uma água e dá vontade

de ficar! Tem mais homens, e tem alguns engraçadíssimos, parece que sempre estão em intervalo! É

uma terapia isso aqui p2. É mesmo! P3. É o pessoal das exatas é mais divertido, nós dos códigos

somos um pouco mais sérios. P1. Não. P3. Ah, a gente é muito sério, preocupado, eles são mais

“Zem” ou é mal de mulher...”

Todas falam ao mesmo tempo animadamente

“p2. É então vai ver que é o pessoal de códigos que é mais sério” p1. Ah, eu brinco é muito! Eu

gosto muito da energia daqui, flui, não tem falsidade! Sim, eu sinto uma energia muito boa aqui,

noto muito respeito”

“Falam de um professor xxxxx que é bem-quisto quisto por todos e muito engraçado”

P3. tem um professor que todo final de ano faz questão de organizar uma festa, um churrasco na

casa dele, por conta dele e chamar todo mundo, é muito bom! Ele tem toda uma preocupação com a

gente, p1. Sim, ele é um grande anfitrião gosta muito de receber!

“e o que não é bom na escola? Nossos problemas não são da escola, são do contexto, p.2 falta

material, às vezes livro, texto (você tem de fazer uma predição, às vezes você quer uma música

impressa para introduzir uma matéria) e não tem, não tem verba. P3. Sim, com essa crise uma das

primeiras áreas a ter corte nos gastos foi educação, antes xerox, essa coisa era mais livre, agora tá

apertado, estamos sentindo na pele” “p1. Talvez até por isso algumas pessoas hesitem em ensinar na

rede pública” Ruído, todos falam ao mesmo tempo.

“p1. Eu acabei sendo professora por acaso, minha primeira formação é em administração de

empresas, trabalhei dando aula de iniciação empresarial, e achei bom aquela coisa de dar aula, dar

aula, e eu gostava muito de línguas estrangeiras e meu irmão sugeriu que eu desse aula e dei, aí fui

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fazer o curso Letras – que foi completamente diferente do administração que conclui na marra – eu

gostava de ir, não perdia nada, era a metida conhecia todos os professores! Foi assim...”

Encerrei o trabalho agradecendo.

Quero ir num dia de quarta-feira, para checar a dinâmica desse grupo e fazer algumas entrevistas

individuais com as professoras da terça-feira.

17.11.2015

Entrevista individual, cheguei perto das oito e perguntei às professoras se haveria disponibilidade de

alguma delas ser entrevistada naquela manhã, duas professoras se disponibilizaram e agendei com a

segunda professora para a quinta-feira dia 19 de novembro.

Fomos para uma sala reservada e após a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e

esclarecido demos início à entrevista:

“Estamos começando a entrevista são 09h45min obrigada por participar, por me acolher”

P5“bom dia agradeço sua ajuda aqui na escola, acho que todo trabalho é benéfico, a gente tenta

fazer e acolher as pessoas que vêm para ajudar, da melhor maneira possível”

“vamos começar do começo, eu gostaria que você me dissesse quais são suas ideias, o que você

entende, por qualidade de vida, saúde mental?”

P5“Olhe, qualidade de vida, para mim é estar bem mesmo assim, de bom astral, você estar para

cima, é lógico que tem momentos em que não dá para estar 100%, mas a qualidade de vida além da

saúde mental requer que você esteja bem fisicamente, se você não cuidar do corpo não sei se a

palavra certa na Psicologia é somatizar, mas você vai acumulando muita coisa e aí adoece mesmo;

tem que ter atividade física “mente sana in corpore sano” as duas coisas tem de estar alinhadas, né?

Tem que ter lazer – acho primordial sair, rir se divertir com os amigos – tem de ter uma ligação

religiosa, acho fundamental ter um encontro com os seres sagrados, principalmente, porque a gente

tá num ritmo de vida muito corrido, muito aperreado, às vezes não se tem tempo nem para a família;

o professor então, a gente leva trabalho para casa, muita prova, aula para preparar e olhe que já

melhorou muito com esses momentos de planejamento na escola, mas você acaba levando para

casa; qualidade de vida para mim tem de aliar isso tudo... cinema, show... encontro com amigos,

jantar conversar, principalmente uma boa conversa para mim são importantes, eu trabalhei num

munícipio há oito km daqui, ia e voltava todo dia e eu sentia muita falta de conversas de boa

qualidade... profissionais que pudessem interagir comigo...que tivessem um bom nível, fiz

Administração e Letras antes da Pedagogia então fazia falta alguém para dividir alguns gostos, um

bom filme, uma boa música; eu ficava muito triste quando estava algumas vezes na sala dos

professores e tinha que ouvir conversas ridículas sobre big brother... então quando vim trabalhar

aqui me senti bem melhor! É outro nível, houve uma melhoria e isso para mim também é qualidade

de vida. É fundamental na área da docência as pessoas terem conversas mais interessantes,

principalmente, para quem atua na área de Linguagens e Códigos, é inadmissível não se ter um bom

nível. E aqui eu circulo em várias áreas, tenho o hábito de circular, de abraçar interagir muito, gosto

de gente, brinco muito com os meninos da Matemática; mas é coisa de amigo, liberdade que não é

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libertinagem”

“qual é o papel da escola, do trabalho em si na qualidade de vida? Você acha que influencia?”

P5“Dessa escola?”

“Dessa escola e também de uma maneira geral”

P5“Eu acho que o povo que vem é que faz a escola, se meus colegas não fossem como são o clima

seria outro, a energia não ia fluir. Quando vim para Fortaleza, trabalhava aqui e na escola xxx com

toda a estrutura, com boas instalações, disciplina … mas eu não me sentia bem lá, não tinha essa

energia boa que tem aqui; aí alguns colegas falam ah porque tem de ter mais disciplina, tem de ter

mais regras, tem de ter...e eu fico me lembrando, muitos que reclamam é porque não tem uma

experiência anterior para fazer um comparativo, compreende? Quando você vivencia várias outras

histórias, vários outros lugares percebe, que aqui a qualidade de vida está nas pessoas... pode ter

essa questão de uma boa estrutura, tudo perfeito em termos pedagógicos, administrativos, ser bem

encaminhado, mas e a interação? O fator humano? O coleguismo o companheirismo? Essa coisa de

se comemorar aniversário e todo mundo ir? Se vai porque se quer... não é o núcleo gestor quem

organiza... é tão engraçado antes havia o hábito de o núcleo gestor comemorar os aniversários e isso

era imposto, tinha de dar dinheiro para comprar presentes para o núcleo gestor e isso não era

espontâneo, hoje a gestão até tentou, mas tem muita gente nova, entrou muita gente nova com trinta

anos para baixo e começaram a questionar: eu dar dinheiro? Eu não! Porque os gestores são

funcionários iguais a gente e pararam...mas se teve liberdade para falar. Nós temos liberdade, é por

isso que flui. Eu considero dos locais que trabalhei, aqui sendo o melhor, eu me sinto muito, mas

muito bem mesmo, aqui. E o que é mais importante não há descriminação com professores

temporários. Rapidamente se entrosam...”

“Existe uma cultura de liberdade na escola?”

P5“É...de você se sentir bem, você chega e sente bem”

“Você pode me descrever um dia típico de trabalho seu?”

P5“um dia típico? Deixa ver... vou pegar um dia mais puxado... teria de ser um dia que tivesse

trabalho de manhã e de tarde, sou professora pca – professora coordenadora de área – então a gente

tem 100h na sala de aula e 100h para as demais atividades, somos apoio junto ao núcleo gestor;

então assim: eu me sinto realizada na sala de aula! Essa história de ser pca eu não gosto muito...

tenho uma colega, que chegou agora e me chama de chefinha... eu digo logo sou sua colega de

trabalho, eu dou aula adoro seja do que for, Literatura, Gramática o que for até às 11 e meia; e esse

ano tive de dar aula de Artes para umas coisinhas de 12 anos com quem interajo pouco e Artes não é

muito a minha praia, eu fiquei meio... o que vou fazer? Mas foi uma experiência excelente, era dia

de quarta e sexta e os meninos puseram um apelido em mim: professora relax; porque a aula era

relax mesmo; eu já ia tipo aceitando esse codinome que me deram... o que não acontece no ensino

médio na minha disciplina mesmo; eles perguntaram: professora no ensino médio a senhora é relax

também ou é pesadex? Eu sou mais rigorosa! Quero que o aluno aprenda! Uma professora uma vez

entrou na sala dos professores rindo e disse que tinha encontrado com uma aluna que tinha entrado

no segundo grau e ela tinha perguntado como estava sendo e a menina respondeu que o problema

era que os professores queriam que eles aprendessem... eu quero que eles aprendam! Gosto de

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repetir, perguntar, não no sentido de cobrar mas quero formar cidadãos, quero que eles aprendam...

já fui muito para fila de editora para ter abatimento de livros de 20 ou 30% para poder comprá-los e

hoje vocês tem esses mesmo livros de graça, então bora ler, entender isso aqui! Puxo para que meu

trabalho faça efeito na vida deles e fico muito feliz quando vem um aqui e diz eu passei para

Engenharia eu passei para...não importa passou para alguma coisa! Às vezes indico que alguém faça

um curso técnico de cabeleireiro, de aux. de enfermagem (quando vejo que não querem estudar

muito) dá para ganhar dinheiro... ter habilidade...aqui nessa escola a maior parte dos alunos são

muito carentes, tem os que são bem sem condições financeiras, mas a maior parte tem um padrão

razoável mas não tem orientação profissional em casa e eu gosto de fazer isso não sei se é ranço da

administração de empresas... mas o trabalho a rotina mesmo... vou dizer uma coisa que talvez

assuste você, essa coisa do rigor em gostar de trabalhar : eu trabalhei oito anos em Horizonte e só

tive três faltas: porque o ônibus em que estava indo virou... entendeu, fiquei com braço enfaixado e

tal! Trabalho aqui desde 2006 e nunca faltei! Gosto de trabalhar. Nunca adoeci. Não é para me

gabar, mas tenho isso como um mérito! Às vezes tenho um problema de garganta, tive algumas

crises, mas venho para sala, passo atividades e à tarde – como sou pca e é bem mais quente –

trabalho de casa. Mas aula, deixar de dar aula? Nunca faltei! Gosto desse compromisso, fazer o que

é certo! Só porque sou funcionária pública vou me escorar? Não! Gosto de cumprir com minhas

responsabilidades...levo minha vida muito a sério, apesar de brincar muito... passei num concurso,

levo a sério; se existe essa fala lá fora de que funcionário público não trabalha, já escutei alguns

colegas novinhos dizerem 'eu quero é passar num concurso para não fazer nada' não é por ai...não é

querendo malhar o colega, mas isso não é ético, para vida dele; gosto de estar com meus colegas, da

sala de aula, de ver como estão conversando para usar os termos certos; quando não sei pergunto o

que é isso? Não tenho vergonha de admitir quando não sei algo... nem sempre fui assim... no inicio

achava que o aluno estava ali só para receber e hoje vejo que não é assim. Essa diferença foi

importante, tenho de entender o mundo que o adolescente vive porque senão não me comunico e

com essa vontade que tenho de estar em sala de aula não vou dar conta; às vezes até advertiam os

alunos de que eu era difícil e aí os alunos me contavam e diziam mas você é limpeza! Eu me

dedico! Minha rotina de trabalho é de dedicação, sem corpo mole, o dia de trabalho para mim é uma

entrega, vejo pessoas dizendo, ah eu queria que fosse sábado, ah eu tenho de ir? E esses desejos eu

nunca tive; eu venho trabalhar satisfeita”

“quando você chega em casa o que vai fazer?'

P5“de noite?”

“a hora que for”

P5“eu vou caminhar e também tenho uma prática espiritual, sou budista, faço minhas práticas”

“você não faz nenhuma tarefa doméstica? Você tem alguém que lhe ajuda? Como é?”

P5“Assim: moro com duas sobrinhas, é muito leve, aprendi a conviver com adolescentes. Assisto

pouco televisão, não lembro quando assisti uma novela, vejo o jornal...”

“ok e quem faz as tarefas? Quem lava os pratos? Quem cozinha? Quem lava a roupa?”

P5“Nós três! O apartamento é pequeno, a gente sai, elas fazem faculdade, temos uma faxineira... é

muito leve. Não acumula. É uma troca, não dá para chegar em casa e ainda ir fazer coisas para elas.

Não comemos em casa. Temos horários desencontrados.”

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“se você fosse dar uma nota a sua qualidade de vida variando de zero a dez qual seria sua nota?”

P5“eu diria que oito, sendo bem rigorosa, mas gosto muito do meu viver, sou alegre, satisfeita”

“para chegar aos dez o que faltaria?”

P5“um melhor salário, porque assim: tenho uma condição de vida melhor porque tive suporte de

pai, mãe onde nunca faltou nada, sempre tivemos muita coisa boa, eu viajo muito, mas não viajo

por conta do meu salário de professor, se fosse viver só com o salário de professora com certeza não

teria a mesma qualidade de vida. Porque meu salário de professora não tem nem perigo de dar para

viver como vivo. Não sei como meus colegas vivem e ainda tem filhos, porque o dinheiro mal dá

para um...”

“e ainda assim, sendo um, o dinheiro não é suficiente”

P5“não.”

“tem muitos professores que tem atividades extras para complementar a renda?”

P5“tem, tem gente que trabalha os três expedientes e ainda dão aula particular no final de semana. É

desumano o que fazem com nossa profissão. O salário é injusto! Tenho certa leveza mas não é por

conta do salário... talvez se não tivesse a condição financeira que me foi oportunizada pela minha

família, se tivesse de viver mesmo só do meu salário, desse dinheiro se eu seria tão leve”

“Vocês tem alguma prática voltada para formação continuada aqui na escola?”

P5“olhe, tem uns cursos de pjf mas não considero isso formação continuada, desde 2006 que estou

aqui e nunca participei de nada que pudesse considerar como formação...como uma vantagem para

minha formação profissional; uma coisa interessante é a semana pedagógica, só participei uma vez,

não foi aqui, olha que interessante o nome “cuidando de quem cuida” foi à única vez que foi algo

voltado para o professor: tivemos massagens, dinâmicas... e foi muito bom! Fantástico e acho que a

gente precisa disso, para aliviar a carga”

“você acha então que as formações deveriam incluir essas práticas mais lúdicas?”

P5“Com certeza, porque se você pegar um professor que trabalha os três expedientes é fácil sentir

como ele precisa de um apoio emocional. Porque não da tempo de ele se relacionar nem com a

família. Seria fantástico ter momentos assim...se num momento de planejamento – quando temos de

manhã e de tarde – se tivéssemos um momento de relaxamento seria fantástico. Não acho que isso

seja pedir demais... um momento de relaxamento uma vez por semana? Seria muito proveitoso”

“e qual é seu conceito de formação continuada? Quando falo nisso o que você pensa?”

P5“ sei que fugi um pouco...é dar prosseguimento nos estudos, ver o que tem de novo no campo da

educação, ver das novas teorias o que pode ser adequado para sua sala de aula... tinha umas

histórias de que vinham pegavam dois ou três professores, levavam para um hotel e isso se

configurava como educação continuada esses professores teriam de voltar para a escola e repassar o

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que foi aprendido, como multiplicadores, mas isso não acontece; mas faz muito tempo que isso não

acontece também... veio do governo federal um programa chamado pacto e éramos eu e um

professor de Matemática que participávamos era muito bom só sobre o histórico da educação no

país... mas não teve continuidade, esse ano parou, talvez seja retomado em março de 2016; nós

recebíamos até uma bolsa, um dinheiro, para participar... tem de ter! Estimula... não tem como

fechar os olhos e pensar que um professor não quer receber melhor...as apostilas eram

maravilhosas...recebemos um cartão com validade até 2020... não durou nem dois anos o

programa... poxa a bolsa era uma ajuda, fez falta. Isso dá uma quebra... você passa a não acreditar

tanto...”

P5“nós éramos bons multiplicadores sentávamos toda semana com os outros professores do ensino

médio e repassávamos o que estávamos aprendendo; a gente estudava!”

P5“todos os professores recebiam essa bolsa a nossa era um pouco melhor, mas todos recebiam”

P5“tinha o pessoal da Seduc e da UFC que estavam à frente, mas os recursos eram do governo

federal, o programa não era da Seduc, entendeu? Era para o pais inteiro”

“Você acha que esse programa teve um impacto positivo para a saúde dos professores?”

P5“Acho que sim, para os que estavam participando, sem dúvida os que estavam participando

direitinho, estudando, participando dos debates, das apresentações se beneficiavam porque a gente

tava conhecendo a realidade da formação dos professores no País... desde o começo, desde o tempo

em que só estudava quem tinha dinheiro... era muito amplo, o período militar, das escolas técnicas...

era muito bacana. Eu senti falta, esses professores novinhos então... eu tenho quase cinquenta anos,

eles tem 25...para mim foi surpresa, é importante um professor conhecer a história da sua própria

formação no país...”

“e o programa foi simplesmente encerrado? Não mandaram um comunicado? Como foi?”

P5“Foi assim, fomos para a última reunião, na UFC, e a pessoa que era o cabeça que estava à frente

avisou... tivemos só seis encontros... por que essas coisas que são boas, que são maravilhosas não

continuam? Aquilo dava um amparo para os professores... por que a educação não é levada a sério

nesse país? Odeio aquelas reportagens que mostram o professor como um pobre coitado...ah acorda

de madruga, anda trocentos quilômetros, atravessa um rio...mostra o professor como um

coitadinho... o professore não é um coitadinho! Tem de ser tratado como um profissional, com

respeito! Eu acho que a mídia coloca muito o professor para baixo, é responsável pela

desvalorização da imagem do professor...acabam com a autoestima do professor”

“você acha que os outros professores têm essa percepção de ataque à imagem de vocês?”

P5“Acho que sim! Eles parecem ser conscientes disso... agora com as redes sociais... há pouco

tempo teve um aluno que se rebelou quebrou tudo... e na sala dos professores se comentou muito

sobre a repercussão da publicação”

“como vocês fazem para não se deixar atingir por esse tipo de notícia?”

P5“Aqui a gente conversa muito, é uma catarse, você fala muito e escuta muito e essa troca de

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desabafos vai ajudando a nos fortalecer... apoiamo-nos uns nos outros é o que nos fortalece para

esse tipo de situação não acontecer e se acontecer estarmos preparados... unidos... por ai não tem

isso, não tem união”

“você está dizendo que em algumas escolas a relação entre os professores é como uma “foto para

inglês ver” ?”

P5“Sim, com certeza!”

“Só para nós começarmos a concluir: se você fosse apontar dois pontos fortes da escola quais

seriam? Quais os pontos fortes da Jenny?”

P5“as pessoas maravilhosas com quem trabalho, no topo! Os relacionamentos são o grande ponto,

há brigas, mas nada demais, outro ponto é a organização, a escola está bem organizada

administrativamente...quando escuto professores mais novos dizendo 'ah isso devia ser assim ou

assado' 'isso tá desorganizado' 'blá, blá, blá' eu pergunto: você já trabalhou em algum outro lugar?

Aí respondem que não, aí eu digo que eu já trabalhei em lugar barra pesada, filho de traficante,

menino bêbado em sala de aula, menino armado...então dizer que aqui, não há regras, que não é

organizado é ilusão... quando comecei a dar aula aqui, logo no início tinha menino, que punha o

caderno debaixo do braço e ia embora... hoje isso não acontece mais aqui, ninguém entra e sai na

hora que quer, tem um fazer coletivo interessante... numa semana de prova você recebe o material

todo em dia, direitinho, bem impresso, com cabeçalho ensacado... é muito organizado; gosto muito

das pessoas e da organização”

“e os pontos fracos? O que você acha que ainda podia ser melhorado?”

P5“o que não tá legal primeiro é a parte administrativa e pedagógica que não estão se batendo”

“Você está dizendo que há uma falha de comunicação entre a equipe pedagógica e a administrativa,

elas não estão alinhadas em termos de prática?”

P5“Exatamente, uma pede uma coisa e outra não atende e eu falo, eu digo para eles que tá errado,

sou sincera, talvez seja até ousada, falo demais tem um rapaz que trabalha demais... outro ponto

negativo apesar de toda a interação ainda temos companheiros que ainda não acreditam na escola

pública como algo bom; mas você vê professores em escolas particulares que não acreditam na

educação também... então falta essa harmonia entre o pedagógico e o administrativo... o resultado e

é que algumas pessoas ficam insatisfeitas começam a colocar atestados...'

“tem pessoas que botam muitos atestados aqui?”

P5“Tem! E choca.”

“Tem alguma coisa que eu não tenha perguntado ou que você não tenha falado e que você considere

importante que seja registrado? Que possa ajudar nessa pesquisa?”

P5“olhe é assim: trabalhar com educação não é fácil, tive de abrir mão da minha vida familiar para

me dedicar a isso; não se tem qualidade de vida se você não tem um financeiro adequado para lhe

dar suporte; há muito estresse, adoecimentos, doenças que são da profissão que existem mesmo, se

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houvesse um profissional da área da saúde na escola, sei lá um psicólogo, um terapeuta, alguém da

saúde mental para trabalhar com os professores – já que não temos condição de pagar um

profissional lá fora – seria muito interessante porque você lidar com trinta, trinta e cinco

adolescentes em cada sala, requer o auxílio de alguém da área de saúde mental, para eles também,

acho que falta isso nas escolas...alguém para dar suporte, para professores e alunos. Seria uma

melhoria para todos. Cuidar dos cuidadores para eles cuidarem bem. Para melhorar a sociedade... às

vezes um professor está no limite e é provocado demais e acaba dizendo uma palavra ou outra que

pode marcar para sempre um aluno... antes eu vinha para cá e jogava com os alunos, eu e mais duas

professoras e jogávamos vôlei depois da aula com eles... atividade física é algo que também está

faltando aqui na escola; os professores de Educação Física estão dando aula teórica... determinação

da Seduc...mas falta. Temos uma professora aqui, que depois do expediente, sem ganhar para isso,

vem e treina os meninos do futsal, eles ganharam um campeonato promovido pelo jornal O Povo,

foram notícia... quer dizer ela gosta do que faz...se dedica...a escola precisa de atividades voltadas

para o corpo, físicas e de relaxamento. As fábricas agora tem né? Intervalos no expediente para

fazer ginástica laboral? Nós precisaríamos também disso! É sério moça, precisamos demais. Às

vezes escutamos xingamentos de alunos e não podemos revidar por uma questão de postura

profissional e engolimos calados... não é fácil não...”

“queria lhe agradecer pelo seu tempo, por partilhar seus pensamentos, seu cotidiano”

P5“eu também, por sua pesquisa, por seu interesse, espero que renda frutos e que traga mudanças

para nós; quem sabe ?”

Entrevista individual 18.11.2015

Estamos começando nossa entrevista são 10h00min da manhã, acabamos de assinar o termo de

consentimento livre e esclarecido, estamos na sala dos professores.

“Eu gostaria de começar pedindo que você me contasse um pouco da sua história, como

profissional, como professora...”

P6“Certo é... na verdade, como muitos profissionais da área de educação, essa não foi à profissão

que escolhi inicialmente, ela me escolheu, mas hoje não me vejo fazendo outra coisa não por falta

de opção mas de interesse mesmo... então deixa eu ver, eu sempre gostei muito de gente e por isso

quando era adolescente, quando tava na antiga oitava série eu assistia o programa da Angélica que

tinha uma psicóloga que sempre falava sobre adolescente, levava alguns casos, e eu pensava “cara é

isso que eu quero fazer” trabalhar com jovens, entender a mentalidade deles... então quando fui

fazer vestibular fui focada nisso, em fazer Psicologia, primeiro tentei Serviço Social na Lesse

(porque lá não tinha Psicologia) e não passei, tentei na UFC e não passei aí fiquei meio frustrada, e

pensei poxa o que eu vou fazer então? Uma certeza eu tinha era a de que tinha de fazer algo na área

de humanas, nunca fui boa com Matemática, na área de exatas, meu mundo era ligado à área de

História e de Linguagens (era no que eu era boa) eu lia por prazer, estudava gramática por prazer

(por incrível que pareça); cheguei a fazer um teste vocacional e comprovei o que já sabia: minha

área era a de humanas; mas não tinha vislumbrado a possiblidade de ensinar como profissão, no

entanto, eu já ensinava: comecei com quinze anos dando aula particular para uma menininha que

era vizinha e, por incrível que pareça, nunca procurei alunos; eu gostava muito de ensinar e ficava

triste quando ela tinha dificuldade e me esforçava para que ela se superasse, mas, apesar disso ainda

não enxergava o ensino como profissão.

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Acho que a sociedade tem um peso grande nisso, você fala em ser professor os pais não querem,

dizem deixa disso, a carga era forte não, não escolha isso, você vai sofrer; hoje acho que até diminui

o preconceito o professor já ganhou mais importância, mas na minha época era demais. E acho que

eu não queria enxergar que era essa minha aptidão. Pois bem, continuei dando aulas e foram

aparecendo cada vez mais alunos particulares, estudantes do ensino médio, para eu dar aula de

reforço, mas eu sempre via isso como um quebra-galho, o foco ainda era passar em Psicologia, aí eu

precisei fazer terapia e achei que era uma oportunidade, também, para ver como era o trabalho em

si, como o trabalho funcionava e aí me vi perdida porque quando vi o trabalho real do psicólogo vi

que não era isso que eu queria: já era difícil lidar com meus próprios problemas como eu ia lidar

com a carga de escutar os problemas alheios todo dia o dia inteiro? Não era só aquilo de dar

palestra para adolescentes, depois da terapia vi que não era isso que eu queria... aí fiquei perdida o

que eu ia fazer? Foi quando eu fui fazer vestibular para o Instituto técnico (eu sabia que queria algo

na área de humanas) e fui fazer turismo, e adorei, defini que iria trabalhar com eventos, dentro da

gama de possibilidades que pareciam viáveis, fiquei super animada pensando em fazer o curso

superior na área, não passei, aí pensei vou fazer Letras na UFC porque vai me auxiliar, na questão

das línguas, no turismo; tava super animada, é um curso fascinante você aprende um mundo de

coisas mas aí quando terminei o curso me decepcionei muito porque vi que o curso era maravilhoso

mas que a área de trabalho, o mercado era muito injusto, tipo procurei n vezes emprego na área e

não conseguia e eu via pessoas que não eram da área, ganhando até bem, e que não tinham meu

preparo: administradores, geólogos, psicólogos até advogados todos trabalhando com turismo... isso

me deixou muito decepcionada e a área de eventos era ainda mais injusta; e percebi que teria de

abrir mão de finais de semana, feriados e que para completar o salário oferecido era muito pouco

(era em torno de um salário, na época) só que aí vi além de tudo (por conta dessa coisa de trabalhar

o tempo inteiro) a área de turismo ia se chocar com meu maior sonho, maior que qualquer sonho

profissional, que era o sonho de ser mãe; eu nem sabia quando ia ser mãe mas já vi que não ia dar

certo. Aí pensei e agora, outra frustração: Psicologia não deu certo, Jornalismo não deu certo e

agora o turismo que eu tinha investido tempo, dinheiro, dedicação, fiquei muito frustrada; sempre

fui do tipo de pessoa que não gostava de nada mais ou menos, sempre tentava o máximo, nove para

mim era nota baixa eu sempre almejava tirar a melhor nota... aí fui fazer o curso de Letras já sem

grandes expectativas porque, já tinha me decepcionado muito, mas ainda pensava que dava para

investir no turismo, o primeiro semestre foi um fracasso eu acostumada com o formato do ensino

médio de tudo muito estruturado, arrumado, e mesmo no Cefet como era um curso técnico tinha

uma organização parecida com o ensino médio; eu me deparei com a rotina da universidade que o

professor não tava nem aí, você quem tinha de correr atrás... o professor era o “bichão” sempre tive

essa impressão na universidade, o aluno era o sem luz, o que não sabia de nada...e não era fácil acho

que fazem de propósito eles põem as piores disciplinas, as mais obscuras no início do curso,

“introdução à Linguística” “Teoria da Literatura” coisas das quais nunca tinha ouvido falar, muita

teoria mesmo, era muita abstração e eu não conseguia acompanhar e eu pensava “Meu Deus o que

estou fazendo aqui?” “devo ser muito burra ou quadrada” eu não consegui realmente atingir aquela

abstração toda e tive uma crise de ansiedade muito forte e parei no segundo semestre; eu tinha essas

crises e não sabia que isso tinha um nome, elas iam me deixando deprimida... só fui saber e

entender melhor essas crises em 2012 em terapia; mas enfim, eu tive uma crise dessas e tenho

certeza de que tava associada a essa coisa de profissão; as pessoas diziam: cara não desiste, você

está numa faculdade pública, em uma federal e eu só pensava que não tinha aptidão para aquilo e aí

foi um baque, passei meses assim. Aí no semestre seguinte, de tanto as pessoas falarem, resolvi

voltar e fazer o segundo semestre, foi difícil mas consegui terminei, aí veio o terceiro e foi dando

uma melhorada. Aí o que me fez não desistir: foram as amizades que fiz lá. Era um grupo muito

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unido e isso me manteve e era pessoal que o pensamento era parecido com o meu: todo mundo era

esforçado, todo mundo queria o dez, sabe? Eu digo até que era desleixada no início, mas fui me

estimulando, dando continuidade lá pelo quarto, quinto semestres fomos vendo outras disciplinas

que foram estimulando, tava me empolgando aí veio mais um baque: a perda da minha mãe... eu

tava para casar, ia receber apartamento e aí ela faleceu; minha vida pessoal toda organizada a

profissional se organizando e aí precisei me reestruturar emocionalmente no pessoal de novo.”

“Você tinha que idade?”

P6“24 anos sou filha única, e minha mãe me tratava como um bebê, só faltava botar comida na

minha boca”

P6“aí fui indo, empurrando com a barriga o curso, até que deparei com as disciplinas que eram

relacionadas com a prática mesmo de trabalho, estágio, didática, e isso foi me empolgando de tal

forma, eu tive a possibilidade de ver que o ensino da linguagem não precisava ser aquela chatice

que tinha sido na minha época que podia ser empolgante, interessante e foi começando a acender

aquela chama em mim. Aí parei de ensinar particular e fui trabalhar com crianças em uma escola

pequena e me empolguei ao ponto de me questionar se não devia ir fazer Pedagogia, eu ficava

emocionada de ver aqueles pequenininhos apresentando trabalho... aí fui trabalhar em outra escola

com ensino médio, gostei da experiência, comecei a dar aula no cursinho da UFC preparatório para

o vestibular e também foi legal ver o brilho nos olhos e ver que eu era capaz de ensinar; de repente

eu era “o cara” mas eu não ficava distante! E as coisas foram se somando, sempre que eu procurava

algo nessa área era tudo muito fácil, as portas iam se abrindo: a diretora da escolinha me perguntou

se eu podia começar no mesmo dia; na escola de ensino médio foi rápido, o teste de seleção para

ensinar no cursinho achei moleza então... quando entrei no Estado nas práticas eu já tinha me

encontrado, hoje sei que sou professora e que é isso o que sei fazer bem; fico triste, às vezes por ver

que algumas pessoas não querem aprender mas isso já é outra coisa...”

“Você está há quanto tempo aqui?”

P6“três anos, foi outra coisa que achei fácil, o concurso minha amiga me chamou fulana vai ter

concurso vamos fazer? Ela dizia qual era a documentação, a data, consegui a isenção, fiz a prova

muito tranquila, parece que tinha uma força me empurrando; e desde que entrei tenho melhorado e

as condições tem melhorado. Tem poucas coisas que empolgam tanto quanto entrar em uma sala de

aula e ver os alunos participando, debatendo, empolgados; infelizmente nem tudo o que a gente

gosta e quer fazer às vezes é possível... em 2012 fiz um projeto, tava com uma carga horária menor,

e passei um semestre trabalhando gramática e no segundo eles escreveram um livro, com crônicas

escritas por eles, teve uma manhã de autógrafos, cada um ganhou uma cópia... então foi um bafafá

aí hoje eles me encontram e perguntam: professora e aí quando vai ter outro livro? Vamos escrever

um em Espanhol agora (porque hoje ensino espanhol) e não dá... uma aula por semana não dá para

fazer esse tipo de atividade. Então quando você faz algo diferenciado é impossível não marcar. Mas

no semestre seguinte já não foi possível entrei em licença maternidade e quando voltei expandi

minha carga horária então esse tipo de projeto não dá para fazer”

“como é sua rotina de trabalho hoje? Me descreve um dia típico de trabalho seu”

P6“Tá, eu... na terça-feira... é muito diferenciado, na terça-feira eu passo a manhã toda aqui no

planejamento e corrigindo prova, lançando nota, diário, a parte mais burocrática, nem acho chato,

só o planejamento, que você tem que fazer acho chato, tem uma coisa de copiar coisa de livro, acho

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chato, perda de tempo. E a tarde tem aula, uma atrás da outra, vou para uma sala, saio, já entro na

outra e dar a mesma aula, tem dia que termino um caco só dessa coisa de ficar indo de um canto

para outro da escola. A quarta-feira é o pior dia porque são dez aulas seguidas: cinco de manhã e

cinco à tarde e são séries diferentes, Português e Espanhol aí preencher diário, corrigir prova...

tenho 13 turmas de Espanhol, multiplique aí 13 turmas com cada uma mais ou menos 35 alunos a

quantidade de trabalho fora da sala de aula que tenho... aí a quinta-feira só ensino pela manhã, à

tarde tenho “livre” entre aspas mesmo porque o professor nunca tem dia livre, na segunda não

venho para escola mas trabalho do mesmo jeito, elaborando testes, trabalho, corrigindo

atividades...”

“e as demais atividades rotineiras? Quando terminam as tarefas do trabalho o que você faz?'

P6“deixa então eu te falar minha rotina inteira, segunda eu tô em casa, mas para me organizar e não

ficar atordoada de coisas, e dar atenção a meu filho, eu coloquei a seguinte estratégia: eu não

trabalho no final de semana e nem na sexta-feira à noite; Fiz isso depois de constatar, na época em

que fazia especialização e tinha de me ocupar no final de semana que eu chegava na segunda-feira e

não rendia, passava a semana exausta lógico porque não tinha dia de descanso – e agora que tenho

criança... segunda eu acordo mais cedo, enquanto ela ainda tá dormindo, eu já adianto alguma coisa

da escola, aí lá para as nove horas ele acorda, eu faço a merenda dele, ponho no cercadinho e fico

do lado dele, corrigindo prova, fazendo trabalho, mas de olho nele, interagindo aí meio dia eu paro,

vou dar o banho dele, dar o almoço... faço questão de fazer as coisas dele, se eu puder; aí depois ele

dorme e vou trabalhar de novo, lá para as quatro ele acorda e ponho ele pertinho de mim e continuo

com as atividades, quando dá seis horas eu paro, seja o que for que esteja fazendo eu paro, e vou ter

a noite livre com ele, e agora por questão de saúde comecei a fazer zumba, como exercício e

também como lazer, eu levo ele junto! Ele fica no carrinho e eu treino e depois pego ele voltamos

para casa.”

“você está fazendo exercício com qual frequência?”

P6“segunda, quarta e sexta”

P6“Aí, deixa eu continuar, na terça-feira a noite não faço nada da escola, cuido dele e de mim, a

casa fica meio entregue às baratas, porque não dá para fazer tudo, na quarta é parecido, só que vou

para a zumba como já disse, na quinta de manhã trabalho aqui, aí à tarde trabalho em casa como na

segunda, e quando paro um pouco vou fazer algo como colocar uma roupa na máquina, passar uma

vassoura... na sexta é dia de aula direto e a noite acabou e final de semana também... é algo que pus

como prioridade, tanto que passei na seleção para especialização de Psicopedagogia, mas quando

passei estava de resguardo, meu filha tava com vinte dias de nascido e me doía o coração ter de

deixar ele para assistir aula, ele ainda mamava de duas em duas horas, aí vi que quando iniciassem

as aulas ia ficar impossível e optei em não continuar, porque não ia puder fazer o meu melhor, que

já disse, é uma coisa importante para mim... aí desisti do curso, como ia trabalhar o dia todo e a

noite estudar? E meu filho? Eu sempre o punha em primeiro lugar, quando passei no concurso

pensei que ia puder ficar só com 100 horas de carga horária, ia ficar com um expediente para cuidar

dele mas aí as condições não permitiram e precisei ampliar minha carga horária. Sempre negocio no

inicio do ano para meu horário ficar o mais concentrado possível para eu ter tempo de trabalho em

casa porque ai posso ficar com ele também...'

“Quando você pensa em saúde, saúde mental o que te vem à cabeça? O que você entende?”

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P6“acho que tenho até autoridade para falar disso, como já disse tenho um histórico com problema

de ansiedade desde os dez anos de idade, e a ansiedade tem muito haver com objetivos, com não

estar perdido, saber o que se quer; é importantíssimo você ter um objetivo pelo qual lutar, saber o

que se quer para sua vida, quais são suas prioridades...eu sempre quis ser mãe então tinha de ter um

trabalho que me permitisse ser mãe, sempre quis trabalhar com gente, fazer algo que me desse

prazer andei muito para chegar até aqui; Saúde mental é você estar de bem consigo mesmo, estresse

de trabalho é inevitável, independente da profissão que você escolher, sempre vai ter estresse e hoje

então sempre há acúmulo de atividades, então o importante é a maneira como você lida com as

situações e se vale a pena... tipo eu tô estressado, é muita coisa, mas é um trabalho que eu gosto que

me faz bem, você vai lá e faz; outra coisa é você estar cansado com um trabalho que você odeia,

experiência que eu também tive: teve um período em que trabalhei com telemarketing e eu ia

trabalhar chorando e voltava chorando e não era tão estressante, o horário era à noite, tinha poucas

ligações para atender, mas eu odiava e me pegava chorando, eu voltava a pé e me pegava várias

vezes chorando o caminho de volta todo então de que adianta? Eu trabalhava seis horas, não tinha

trabalho para levar para casa mas estava muito infeliz então do que adianta? Hoje eu vou para casa

com uma pilha de provas, cansada, mas vou tranquila, porque é o quero fazer... acho que não é só a

carga do trabalho em si que estressa... lógico que não dá para carregar o mundo nas costas, tem de

saber seus limites... Tenho uma amiga que vende MaryKay, super empolgada, aí ela vem ah, fulana,

vamos lá, vamos fazer, dá para ganhar um bom dinheiro – toda empolgada – ela é professora como

eu, tem filho como eu e faz, mas para mim não dá; eu digo, que bom, para você funciona, que dá

certo mas para mim não dá... você tem seu limite, eu tenho o meu... ou então alguém pergunta por

que não vou atrás de ensinar numa escola particular porque aí posso por meu filho com bolsa e tal,

mas mesmo que sejam duas ou três horas a mais para mim não dá, eu já ensinei em escola privada e

não gosto, não dá.”

“Quais são as principais diferenças que você vê entre a escola particular e a pública?”

P6“São muitas...se na escola pública, às vezes me sinto inútil, na escola particular esse sentimento é

sempre...vou te dar um exemplo: a maior parte dos alunos da escola onde ensinei (de ensino médio)

é de classe média alta ou muito alta e eu me sentia muito pequenininha, menor, não que me

humilhassem, mas era natural, às vezes um chegava e dizia oi tia, você vai dar aula hoje de tal

coisa, ah, eu já morei lá (na Espanha, a aula era de Espanhol) a senhora já foi lá? Poxa, eu nunca saí

do Brasil e isso ia me diminuindo; eu achava que eu não importava muito, eu era só mais uma,

porque eles tinham professores particulares, pedagogos, psicólogos, sabe? Não me sentia muito

importante, e aquilo me doía, não me sentia importante. E na escola pública sinto que importo mais,

um aluno chega e agradece ou comenta um livro que indiquei, ou comenta, ah que legal aquele livro

que escrevemos... poxa, pode ser a coisa mais legal que ele já tenha feito... e... semana passada me

deparei com uma situação em que um aluno desmaiou em sala de aula de fome, ainda se encontra

essa situação... aí os professores se juntaram e estamos dando uma cesta básica para ele e ele já veio

morto de feliz agradecer, sabe? Então são momentos prazerosos em que você se faz útil...se vê

importante; vem um aluno e pergunta professora eu te adicionei no facebook a senhora não me

aceitou por quê? Sabe? Parece que sou importante para aquela pessoa... essas pequenas coisas, aí

falo, ai foi meu amor? Vou adicionar... quando eu ainda fazia faculdade, eu encontrei com uma ex-

aluna que havia se tornado colega de curso e ela veio na maior alegria: professora que coisa boa e

tal... Professora...ora, ele ia fazer a mesma cadeira que eu... Professora eu passei... e isso é muito

bom.

Eu não sinto esse feedback na escola particular, eles tem um aparato muito maior então não faço

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tanta diferença.”

“quais são seus pensamentos sobre a educação continuada?”

P6“Você diz de nós, os professores?”

“sim”

P6“sobre a necessidade da formação?'

“Por exemplo, vocês tem algo nesse sentido aqui? Existe alguma prática de educação continuada

aqui?”

P6“olha, sinceramente, não. A gente que tem de buscar por conta própria... eu conclui minha pós

quase toda, parei por causa de uma crise de ansiedade e depois engravidei... mas do estado, uma

iniciativa do Estado nesse sentido, não existe; ano passado veio um pessoal da UFC e deu um curso

para os professores do ensino médio, eu como não estava dando aula no ensino médio nessa época,

não participei... os professores que participavam até recebiam uma bolsa que depois foi cancelada.

Então assim, foi uma entidade não uma iniciativa da própria Secretaria de Educação, por exemplo.

Então acho que não existe, no entanto, penso ser extremamente importante e necessário porque nós

professores, às vezes ficamos muito perdidos, algumas vezes queremos ajudar um aluno e

simplesmente baixamos a cabeça por não saber como...não vejo isso como uma falha minha, mas

falha realmente de formação, inclusive complementar, por exemplo (e esse é só um, tenho vários

outros) eu tenho uma aluna que não faz nada em sala de aula, nada, nada, nada, não conversa, não

lê... na maior parte do tempo está de cabeça baixa. E não acredito que uma pessoa esteja fazendo

isso simplesmente por falta de força de vontade, imagino que deva haver uma situação muito maior

e eu não sei como ajudar; e não posso dar uma de Madre Tereza de Calcutá, porque não posso dar

conta de tudo; mas essa menina pode ter problemas aprendizagem, alguma dificuldade cognitiva e

eu não sei identificar, não sei ajudar; sinto-me mal por isso; se tivéssemos um trabalho de alguém

especialista que dissesse ah qualquer coisa é só encaminhar para gente talvez essa deficiência não

aparecesse tanto; há muitos entraves no serviço público, os professores antigos, em sua maioria, vão

se desmotivando dando só aquela aulinha metódica por ali... você cansa de dar murro em ponta de

faca. Eu já não me vejo tão motivada quanto no início”

“Como você avalia sua qualidade de vida hoje? Em uma escala de zero a dez como estaria sua

qualidade de vida?”

P6“ah Meu Deus...eu tenho de fazer uma avaliação comparativa; comparando com antes quando

vivia sob as asas de meus pais, minha qualidade de vida deu uma reviravolta de 180 graus, ficou

100% melhor mas se for comparar com o que tenho por ideal acho que daria um sete”

“Ok, e o que faltaria para que sua qualidade de vida fosse o dez?”

P6“pensando só em mim? No meu lado pessoal, profissional?”

“pensando em tudo, para sua qualidade de vida ser excelente o que faltaria?”

P6“falta algumas coisas, né? Eu não tinha pensado... primeiro no profissional acho que falta ainda

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muito reconhecimento da profissão, não estou falando só da questão financeira, mas dos estigmas

“ah a professorinha, bichinha, coitadinha...” às vezes tenho a impressão de que a sociedade pensa

que todo professor é professor por falta de opção, comigo, por exemplo, eu me achei na profissão,

me sinto satisfeita com ela, então não sou coitadinha, não é uma questão de se acomodar; acho que

falta esse reconhecimento que as pessoas me olhassem com um olhar de admiração; na escola

pública você chega com um carrinho um pouco melhor e os alunos dizem olha aí a professora

rica...falta essa valorização, esse respeito, estudei muito para estar aqui, se houvesse isso já muita

coisa se modificava; em termos pessoais se houvesse mais estabilidade do meu esposo (ele é dono

de uma marcenaria; eu dependo muito dele e ele de mim) não há como falar em qualidade de vida

sem falar em dinheiro; quando a empresa dele estiver mais estável vai ficar melhor; é isso,

conquistei muita coisa, inclusive a casa própria...uma melhora no emprego e um maior

reconhecimento; e quero ter pelo menos mais um filho (queria ter quatro mas às coisas são

difíceis).”

“você teve algum episódio de adoecimento de três anos para cá? (você disse que a última crise de

ansiedade tinha sido há três anos)”

P6“mais ou menos, a última crise grande foi no final do ano de 2012 então houve paliativos, férias,

recesso então acho que não se tornou uma coisa maior por isso; e também comecei o tratamento,

então...”

“Você faz uso de alguma medicação controlada?”

P6“Não, tive de parar na época da gravidez e não voltei mais, eu tinha muito medo de ter uma crise

grávida porque não ia poder tomar nada, às vezes acordava toda me tremendo e pedia ajuda a Deus

porque não ia poder tomar nada, o médico até passou um remédio natural mas eu não tomava nada;

hoje o Gabriel toma tanto meu tempo que não tenho tempo para crise de ansiedade, ele virou o

próprio remédio”

“tem alguma coisa que você considere importante e que eu não tenha perguntado ou você não tenha

falado e que você acha importante ficar registrado?”

P6“uma coisa que me preocupa muito é a saúde da minha garganta, acho que todo professor se

preocupa com isso em grau maior ou menor; quando criança tinha muita crise de amigdalite depois

de começar a dar aula nem tanto, mas vira e mexe eu fico muito rouca e ouço muito relato de

pessoas que ficaram com calo nas cordas vocais, ou que desenvolveram até câncer e isso me

preocupa mesmo; porque o cansaço físico não incomoda tanto mas quando falta a voz...passo o final

de semana fazendo gargarejo, tomando mel; então acho que isso deveria ser prioridade nas escolas,

por exemplo, a acústica nas salas é péssima e isso vira uma preocupação diária do professor...Falo

um pouco mais e já fico rouca, até uma época iniciei um tratamento melhorei um pouco aí parei.

Pelo menos aqui temos uma média de 30 a 35 alunos por sala mas já trabalhei em locais com 60

alunos numa sala...e os alunos são muito dispersos então acabo levantando a voz, vários professores

já compraram microfone...”

“Só para nós encerrarmos: aqui na escola J tem uma coisa que é muito boa, então complete essa

frase para mim – que bom que...”

P6“aqui, acho que nós professores temos mais liberdade para fazer o que é certo por outro lado por

vezes faltam recursos. Mas temos grande liberdade de mudar, trabalhar os conteúdos como quiser;

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outro ponto positivo é que não tem tanto problema de droga, nem violência, são casos bem isolados;

os alunos podem até não ter muito interesse nos estudos, mas são muito solícitos, cuidadosos

(quando eu estava grávida levavam meus materiais, me ajudavam de toda forma que podiam)”

“e qual e‟ o ponto fraco?”

P6“ a falta de material, essa crise tá complicado; e uma maior organização, vinculação entre

coordenação e técnicos; falta uma solidariedade maior; faltam mais trabalhos vivenciais “

Entrevista Individual

Terça-feira 09 de Março de 2016.

Esqueci o termo de consentimento livre e esclarecido e me comprometi de entregá-lo na próxima

semana para o entrevistado, no entanto os objetivos e o conteúdo do termo foram explicados para o

entrevistado.

Qual é a sua idade?

P7 Tenho 24.

Há quanto tempo você está aqui na escola?

P7 Aqui vai fazer oito meses.

Você ensinava em algum lugar antes?

P7 Não, é meu primeiro trabalho.

E qual é a sua situação? Você entrou por concurso, você é temporário? Como está?

P7 Eu sou temporário, entrei para substituir uma professora que estava de licença e acabei ficando.

E você tem data certa para sair?

P7 Sim, meu contrato é de carência definitiva, saio no final do ano.

Você dá aulas em quantas turmas aqui?

P7 Aqui no J em quatro, uma pela manhã e três à tarde. Duas de primeiro ano e duas de segundo.

Você pode descrever um dia típico de trabalho seu?

P7 Minha carga horária é de 12, sendo que pela tarde eu tenho três aulas pela manhã, na quinta feira

duas, e na sexta uma. À tarde tenho cinco aulas na terça e quatro aulas na quarta, quinta-feira tenho

planejamento. Hoje, no caso estou usando parte do meu horário de planejamento. A maior carga

horária é a do período da tarde e é bem puxado...

Como é que você faz? Você acorda de manhã é ai? Vai preparar aula? Como é que é um dia de

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trabalho seu?

P7 Não, uso o horário do planejamento para preparar as aulas, consigo me programar para o que

vou fazer na semana. Faço isso nas quintas à tarde.

Você só está dando aula aqui?

P7 Não dou também na escola xxxxxxxxxxxxx lá dou aula nas outras manhãs incluindo

planejamento.

É a mesma disciplina?

P7 Não. Lá é xxxxxx. Minha formação é na área da xxxxxxxxx. Mas também tenho habilitação para

xxxxxxxx. Minha rotina é mais puxada por causa do outro colégio tem dias que ministro nove aulas.

Os planejamentos, faço os de lá pela manhã e os daqui na quinta à tarde. Tem dias que... que se

torna bem puxado.

Imagino...

P7 Acordo às seis da manhã, nos dias mais puxados começo as aulas às sete fico em sala até às

11h30min, almoço e venho para cá 12h50minh; ai vou até às seis horas.

Você é casado, é solteiro?

P7 Sou solteiro.

Mora com seus pais ou mora sozinho?

P7 Moro só.

Como você faz para organizar as coisas da sua casa? Da sua vida? As compras, a limpeza da casa...

a rotina da casa?

P7 Bom, é complicado porque além das aulas eu ainda vou para faculdade à noite. Minha

organização faço no final de semana. Qualquer coisa que diga respeito à vida pessoal, eu só tenho

tempo no sábado ou no domingo.

Você está fazendo uma segunda formação ou está concluindo a sua primeira formação?

P7 Estou concluindo à primeira ainda.

Onde?

P7 Na UECE. Como estou de férias, esse período é um pouco mais tranquilo. Mas quando não,

estou de manhã, à tarde e à noite em sala de aula...

Fiquei cansada só de ouvir (rsrs) o telefone tocou e atendi informando que estava no meio de uma

entrevista.

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Retomo: Me conta um pouquinho da tua história? Da docência? Como aconteceu essa escolha...

P7 Na verdade, não foi algo que eu tinha em mente para mim. O curso de xxxxxx eu queria e queria

que fosse pela UECE aí lá só é a licenciatura mas ainda assim minha vontade não era a de ir para

sala de aula, pensava em ir para a área xxxxxxxx era o que eu queria, porém, tanto por questão de

oportunidade quanto de necessidade para estar concluindo o curso eu vim para sala de aula e foi

algo que gostei bastante, porque além de me aprofundar na matéria teve o contato com os alunos foi

algo que me despertou o interesse, foi o contato que me manteve motivado para continuar na

docência.

Você tem interesse em permanecer? É algo que você se visualiza fazendo o resto da sua vida?

P7 Sim, não sei se ensinando em ensino médio, mas de permanecer na docência, sim, tenho

vontade. Minha expectativa é ir para a parte da faculdade.

Você pode destacar quais são as coisas que você gosta na docência?

P7 Gosto quando consigo passar um conteúdo planejado e os alunos conseguiram assimilar e

durante a aula demonstraram interesse, isso para mim é muito prazeroso.

Isso funciona como motivador?

P7 Sim, como um motivador. Mas é uma faca de dois gumes porque quando você não consegue

também é desencorajador.

E a parte ruim?

P7 A parte ruim é que se você não vê a turma respondendo, isso te leva muito para baixo, mesmo

que seja só em uma sala, você fica com um peso na consciência porque foi um trabalho, que você se

propôs a fazer e não foi bem aceito...

Se você fosse colocar em uma balança hoje as turmas que você ministra em termos de satisfação ela

ia ser mais positiva ou mais negativa?

P7 De maneira geral acho, que é mais satisfatória que insatisfatória, mesmo que hajam pessoas, que

não aprendam, de maneira geral é mais satisfatório, o retorno dos que aprendem ainda é mais

gratificante. Não dá para pensar só em números porque senão você pode se abater. Para mim me

concentro nos que me dão atenção. Faço dessa forma. Lógico, que isso não significa deixar os

outros de lado, sempre tento novos métodos, técnicas para tentar recuperar aqueles que não querem,

mas a gente sabe, que é um trabalho difícil, mas não dá para se deixar abater por isso; porque senão

falta motivação para tentar esse novo. E o professor não pode ser só para a matéria.

Você dá aulas também em outra escola a xxxxxxx se você fosse comparar essa escola com a J

focando nos pontos fortes, quais seriam os pontos fortes de uma e de outra?

P7 Na escola xxxxxxxx ministro a disciplina na qual estou me graduando, então isso já conta

bastante . A vantagem do J é a estrutura ser melhor em relação à quantidade de alunos por sala.

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A estrutura física?

P7 Sim. Ela conta bastante. Apesar da disciplina não ser da minha área, mas é uma das minhas

habilitações, a estrutura ajuda, aqui temos salas grandes, mas com um número limitado de alunos,

na escola xxxxx apesar de as salas serem grandes também o número de alunos é muito maior o que

causa certa dificuldade. E aqui no J percebo que os alunos têm um pouco mais de interesse. Seriam

alguns pontos fortes daqui.

Se você fosse fazer uma avaliação do seu relacionamento com os seus colegas professores daqui,

como você classificaria? Faz oito meses que você está aqui, como é a relação com o corpo docente,

com os diretores?

P7 Assim, quando cheguei, aqui já tinha uma pessoa que era conhecida então me senti acolhido, e

com os demais não tive dificuldade, estabeleci relações profissionais com facilidade, não tive

nenhum atrito com professores nem da mesma área e nem de áreas diferentes. É uma relação

equilibrada, nem sempre são as mil maravilhas, mas dou graças a Deus por ser tranquilo.

Se você tivesse a opção de ficar em definitivo na escola você ficaria?

P7 Ficaria. É um colégio que eu tinha ouvido falar, tive colegas que trabalharam aqui e que falavam

muito bem e quando eu cheguei eu fui bem recebido, então tenho o J como um dos colégios, que se

eu tivesse a opção de ficar, eu ficaria, o bom relacionamento facilita.

Voltando um pouco para suas percepções, o que você entende por qualidade de vida, por saúde

mental, qual é a concepção que você tem?

P7 Para você poder dizer que tem uma boa qualidade de vida, você tem de ter uma vida equilibrada.

Tanto a questão do profissional, quanto a questão do equilíbrio, dos relacionamentos, não é só uma

questão material, ter só as melhores coisas, não garante bem-estar, porque até isso se torna

entediante, você tem de ser equilibrado em seu trabalho, em seu convívio social...

Se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida em uma escala de zero a dez que nota você

daria?

P7 Eu daria um 6,5 minha vida não está ainda como eu gostaria que estivesse, por ser muito novo

ainda, não consigo fazer distinção de algumas coisas na minha vida e isso acaba sendo um pouco

negativo para mim. Mas, para alguém da minha idade, quando me comparo com outras pessoas da

mesma idade acho que estou bem, física, psicológica e materialmente.

E o que faltaria para que sua vida tivesse uma nota 10?

P7 Estabilidade financeira, que por ser temporário eu não tenho e algumas coisas na minha vida

pessoal, que ainda atrapalham um pouco eu chegar à qualidade de vida ideal. Questões familiares.

Você pode completar algumas frases para mim?

P7 Ser professor é... Extraordinário

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P7 Se eu não fosse professor eu seria... Vendedor (rsrsr) vem de família (meus pais tem um

comércio) acho que seria empreendedor.

Você tem irmãos?

P7 Sim, somos em quatro lá em casa. Sou o caçula. É intercalado mulher e homem, são dois casais.

O que você acha que mantém os professores aqui da escola saudáveis? Quais são as condições

objetivas e abstratas que favorecem a saúde mental dos professores aqui?

P7 Acho que o próprio corpo docente favorece, porque se os próprios docentes não se ajudassem já

seria uma coisa muito pesada e o próprio ambiente, a relação dos professores entre si é boa, ajuda,

tem um colega nosso o ... que é conhecido faz todo mundo rir, deixa o ambiente leve.

Sim, assisti uma aula dele, ele é muito engraçado

P7 Se você tirasse o …....... daqui, já cairia um pouco a qualidade de vida dos demais porque ele é

leve, extremamente extrovertido e traz certa alegria para a turma. O ambiente em si é muito

favorável. A estrutura que temos, nosso corpo docente acho que em muitos colégios não tem porque

são professores que buscam se ajudar, tem uma outra peça, que é exceção, mas no geral os

professores se ajudam muito e isso ajuda muito na qualidade. Você não precisa se preocupar com

aquela coisa de alguém querendo te derrubar. Existe um sentimento de união. Se você chegar

cabisbaixo todo mundo vai te perguntar o que você tem, vai querer ajudar...

Antes de encerrarmos há algo que não tenha perguntado, que você considere importante eu saber?

Caso contrário encerramos...

Agradeci e encerramos...

Entrevista Individual

terça-feira 22 de março de 2016

Após lermos o termo de consentimento livre e esclarecido demos inicio à entrevista:

E – Gostaria de começar pelo começo, é assim: preciso saber um pouco da sua história, como

professor, como você chegou ao magistério? Você escolheu ser professor? Foi escolhido pela

profissão?

P 8– Certo, eu fiz a Universidade Federal, o curso de Letras, e sempre gostei, sempre me

identifiquei com a profissão; aí logo depois eu fiz a pós-graduação e nesse período surgiu a

oportunidade do concurso público, eu fiz, passei e fui chamada e isso, já faz bastante tempo: vou

fazer 21 anos, aqui no Estado.

E – e essa foi sua primeira escola (J)?

P8 – Não, não, eu passei por outras escolas, mas essa aqui foi onde me fixei mais, eu gosto bastante

daqui.

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E – Aqui nessa escola você está há quanto tempo?

P 8– há sete anos.

E – e nas outras escolas onde você ensinava, as aulas também eram para o ensino médio?

P 8- a maior parte sim, só bem no início foi ensino fundamental, mas gosto do ensino médio, tenho

uma boa relação com os alunos.

E – Tu percebes alguma diferença marcante comparando a J com as outras escolas nas quais você

ensinou?

P 8– Não, não existe tanta diferença, o que existe é... a...o que eu acho é que há diferença de

comportamento em determinadas turmas quando comparando as desta escola com as de outras

escolas: nossos alunos são melhores, são mais fáceis de você conversar, de você conscientizar, por

não ser uma escola de bairro, por haver alunos de diversos locais acho que fica mais fácil, fica uma

escola bem-vista em termos sociais.

E – Por haver uma dispersão maior as turmas são mais fáceis?

P 8– Também, tem uma questão cultural, eles são muito carinhosos, respeitosos eles ainda não

ultrapassaram aquele nível onde alguns começam a bater boca com professor, xingar, extrapolar os

limites. Não, eles são ...dá para controlar.

E – Se você fosse descrever para mim seu cotidiano de trabalho, como ele seria? Como é um dia

típico de trabalho seu, começando de manhã? Na verdade nem só do trabalho, a rotina mesmo,

como é um dia típico seu?

P 8– Eu acordo de manhã, as 05h30min, faço meus afazeres, né? Cuido dos meus filhos, meu

esposo também ajuda demais, ele vem me deixar aqui no colégio antes das sete horas, passo a

manhã, o período da manhã e alguns dias à tarde também, como hoje, na terça-feira estou no

planejamento à tarde, há dias em que chego bem cedo da tarde em casa.

E – Qual é a idade dos seus meninos?

P 8– Tenho um menino de dez anos e uma moça de quinze de anos. Tenho 16 anos de casada vai

fazer agora no final do mês.

E - e aí? Quando você chega em casa? Você vai cuidar das coisas de casa? Dos filhos? Como é?

P 8– Chego, vou cuidar um pouco de mim, aí já deixo tudo preparado para noite, para a refeição

deles

eles chegam da escola umas seis e meia, aí já tá tudo pronto: eu janto com eles e com meu esposo;

aí descanso um pouco, vou estudar, assisto um pouco de televisão...

E – Você vai deitar (dormir) a que horas mais ou menos?

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P 8– umas dez horas mais ou menos.

E – quais são suas percepções, ou melhor, o que você entende por qualidade de vida?

P 8– Qualidade de vida é você estar bem consigo mesmo, você ter saúde, você se alimentar bem, ter

o seu lazer, para que seu organismo não sofra as consequências futuramente, isso é ter qualidade de

vida.

E – e para você ter qualidade de vida o que você precisa fazer então?

P 8– Exercícios físicos, uma boa alimentação, um tempo maior para descansar porque quer queira

ou não, sala de aula tem momentos, que você fica muito cansado de falar, são muitas ideias, muitas

conversas, muitas atividades para serem corrigidas, muitos trabalhos para serem corrigidos, diários

para serem preenchidos então o professor tem de ter um momento para parar, para cuidar de si

mesmo.

E – Se você fosse dar uma nota de zero a dez para sua qualidade de vida, que nota você daria?

P 8– oito.

E – e o que estaria faltando para alcançar os dez pontos?

P 8 - Ter um tempo maior para mim. Para cuidar de mim, porque eu não tenho! Eu preciso me

exercitar, descansar mais, mas eu tenho o terceiro expediente! Eu cuido da casa! Então isso também

atrapalha um pouco.

E – então faltaria um pouco mais de tempo para você mesma, para fazer uma atividade física...

P 8– É muito estressante, eu almoço muito rápido porque tenho de voltar para sala de aula, encarar

mais um turno de trabalho...quando eu chego em casa, cansada, ainda tenho de fazer o jantar para

mim, para as crianças... quer dizer com isso tudo, eu esqueço um pouco de mim...

E – é claro...você relaciona qualidade de vida com saúde mental?

P 8– Sim! Com certeza, se você não está bem com seu corpo, sua mente também adoece! Se o corpo

pesa a cabeça sofre as consequências: você não raciocina bem, fica estressado, fica grosseiro, tem

dificuldade de respirar... é uma consequência...

E- Quais são as coisas, fulana, que você gosta de fazer ou que você faz, que te ajudam a te manter

no seu eixo, porque existe uma repetição, um rojão diário, que faz parte da sobrevivência então

diante dessa série de obrigatoriedades, que se tem, nós desenvolvemos meios para nos mantermos

em nosso eixo então quais são as coisas que você percebe, que você faz para se manter bem? Bem-

humorada, se sentindo bem...

P 8– Eu gosto muito de ouvir música, de cantar e gosto muito de filmes! Esqueço do mundo quando

estou vendo um bom filme, principalmente se mexer com o lado psicológico, trabalhar as emoções,

os sentimentos do dia a dia, eu gosto disso.

E – Você escuta música diariamente?

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P 8– Sim! Eu gosto muito. Quando estou na cozinha, quando vou me deitar... ponho o celular do

lado da cama e ponho músicas gostosas, que trabalham o relaxamento, gosto muito fico mais

tranquila.

E – Você tem alguma religião?

P 8– Sim, eu sou católica.

E – Mas você é praticante? Tem o hábito de ir à missa?

P 8– Sou, eu sou praticante, vou à missa, levo meus filhos...meu marido é evangélico.

E – Se você fosse classificar o seu relacionamento com os outros professores com uma nota de zero

a dez, sendo dez o melhor, que uma relação pode ser, e zero o pior que uma relação pode ser, que

nota você daria?

P 8– Eu gosto muito dos meus colegas, me dou muito bem com eles, são bons, carinhosos, eu

transmito aquilo que estiver sentindo mesmo para eles. Mas, as pessoas não são perfeitas então eu

daria um nove, porque tem as imperfeições, mas elas fazem parte. Mas gosto de estar com eles, rio,

converso bastante.

E – eu percebo, que existe uma cultura de bom humor aqui, as pessoas fazer piadas...

P 8– É! A gente esquece os problemas.

E – quais são os pontos fortes que você vê aqui, no J? O que tem de bom aqui que não tem em

outras escolas? Se puder me diga três qualidades em que a escola se destaca...

P 8- O companheirismo, bom humor e a acessibilidade das pessoas

E – Como você imagina sua vida, daqui a cinco anos? Se você pudesse escolher qualquer coisa,

como você gostaria de estar, daqui a cinco anos?

P 8– bom, se as regras da aposentadoria não mudarem daqui a uns três anos eu vou estar aposentada

e eu quero me dar o prazer de vivenciar outras coisas, viver outros momentos, cuidar de mim,

acompanhar melhor a trajetória dos meus filhos, que já vão tomar outros rumos...

E – então você pensa em se dedicar mais a sua família?

P 8– é e de fazer outras coisas, sei lá, um trabalho voluntário, de aproveitar mais as possibilidades

de arte e cultura., de desenhar...

E – Você desenha?

P 8– Sim! E eu gosto! Desenhar, pintar, bordar, tocar violão. Sei fazer tudo isso, só que eu parei, né?

Desde que entrei na faculdade parei.

E – então você gostaria de resgatar esses outros dons?

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P 8– Sim, eu gosto...

E - e o trabalho voluntário, que tipo de trabalho seria?

P 8– ah, sei lá, algo na igreja e que ajudasse alguém...

E – Algo com evangelização?

P 8– Sim!

E – nós falamos antes das qualidades, das coisas boas que a J tem, se você fosse elencar as três

coisas, que não são boas, que coisas seriam essas? Ou se você pudesse elencar três coisas, que você

poderia mudar, que coisas você mudaria?

P 8– Alguma coisa na organização, alguma coisa que, que precisa ser dito mais...Nas reuniões

colegiadas...

E – uma formalização da comunicação?

P 8– talvez, não sei. Que as pessoas se envolvessem mais nos projetos, dessem sugestões, não sei

talvez se tivessem mais tempo para maturar as coisas, para sentar e apurar os acontecidos

E – tornar as comunicações mais claras? O que é dito de modo enviesado ser dito de forma clara?

P8 – sim, mas sem machucar. Sei que não é fácil, você lidar com o ser humano, somos uma

caixinha de surpresas, mas a humanidade é assim... aprendemos uns com os outros, como posso

dizer? é... somos capazes de cair em nossos próprios erros, mas isso também é bom porque

aprendemos a desviar, a evitar aquilo que nos causou dor...de não se vitimar, assumir o que passou e

seguir em frente...ficam cicatrizes, mas você não precisa abri-las novamente.

E – fulana, quais são seus pensamentos sobre educação continuada, o que você entende por

formação continuada?

P 8– Bom é como o próprio nome diz: é um processo de aprendizagem, de desenvolvimento

pessoal, pedagógico, psicológico, é não parar no tempo, prosseguir...

E – e existe alguma prática, aqui na escola, voltada para essa questão, para ajudar a dar

continuidade nesse desenvolvimento?

P 8– houve um projeto do qual participamos sobre essa prática voltada para formação humana, para

nos tornarmos mais sensíveis, aprendermos a nos enxergar no próximo, a lidar melhor com

preconceitos, com as diferenças...

E – e esse curso/encontros aconteciam aqui na escola?

P 8– Foram, foram aqui mesmo.

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E – e quando aconteceu?

P 8– Ano passado... eu acho...

E – E durou quanto tempo?

P 8– Seis ou sete meses. A cada encontro pedagógico eram colocados novos conteúdos, tínhamos

uma apostila...

E – e afora este, houvera outros antes ou algo do gênero esse ano?

P 8– não.

E – e você acha, que o formato, que essa formação tinha, era adequada, atendia às necessidades de

vocês?

P 8– era um bom material, que encaixava, com as necessidades dos professores e dos alunos.

E – nós já estamos perto de acabar, e eu queria, que você completasse algumas frases:

P8 Ser professor é... gostar de, gostar do outro. Gostar do próximo.

P8A sala de aula para mim... é minha casa

P8 Se eu não fosse professor, eu seria... talvez um psicólogo

E – ok, tem alguma coisa, que eu não tenha perguntado e que você julgue ser importante ser

registrado para minha pesquisa?

P 8– há a necessidade de lembrar, que o aluno às vezes, vem a escola para esquecer os problemas de

casa, e que todos precisam de uma segunda chance e que mau exemplo fora da escola eles já tem

muito...

E – você está falando da importância do professor ser um modelo para o aluno?

P 8– Sim é muito importante, somos um espelho o que fazemos fica registrado.

E – bem, estamos terminando quero agradecer e me colocar a sua disposição para qualquer dúvida,

tudo bem?

P 8– imagine, eu é quem agradeço. Você é bem-vinda.

Terça- feira 22 agosto de 2016, 14h30min da tarde, após a leitura e assinatura do termo de

compromisso iniciamos a entrevista, é a primeira entrevista após o final da greve de três

meses...

“Bem, passadas as formalidades, eu gostaria que você me contasse um pouco da sua trajetória

profissional, como você se tornou professora?”

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P9“Eu não sou daqui de Fortaleza, sou do interior, de Barreiras, aqui mesmo no Ceará. E... na

minha época, assim... a gente só tinha duas opções com relação ao ensino médio, ou a gente fazia o

pedagógico, que é o que a maioria das meninas faziam ou você ia fazer científico junto com a

maioria dos meninos, mas não tinha um mercado certo de trabalho e naquela época a gente não

aspirava a fazer uma faculdade, tudo era muito difícil, então eu fui... eu, eu não escolhi ser

professora, acho que a situação mesmo da falta de opção é que me empurrou, né? Para esse

mercado de trabalho mas eu abracei com boa vontade, eu me identifiquei, desenvolvia meu trabalho

com boa vontade aí eu trabalhei lá até 95. Em 95 eu vim para cá tentei vestibular na UECE passei

para Letras e vim fazer faculdade aqui, vim morar com meu irmão e dois anos depois eu casei e por

aqui, eu continuei, trabalhei em algumas escolas particulares e agora nesse último concurso para o

Estado eu, eu passei para rede, sou efetiva mas ainda estou em estado probatório. Mas, o que eu

gosto mesmo é de trabalhar na Escola Pública, eu não me identifiquei, com a escola particular.”

“Você passou quanto tempo na rede particular?”

P9“É... quando as minhas filhas eram muito pequenas eu saí de sala de aula, fiquei um pouco

ausente né? Então, talvez, juntando tudo uns quatro ou cinco anos, no máximo.”

“E ai depois você fez concurso para a rede pública? Logo depois?”

P9“É, antes eu trabalhei como professor temporário, assim que não tem aquele vínculo ...”

P9“Não tem estabilidade!”

“Isso.”

“E você passou quanto tempo como temporária?”

P9“De 2003 até 2013 que foi quando eu passei no concurso para efetivo.”

“Então você passou 10 anos como temporária antes de passar em um concurso para professor

efetivo...e já era ensino médio ou era ensino fundamental?”

P9“É, não... dependia da escola, eu passei três anos em uma escola profissionalizante lá não tem

ensino fundamental era só médio mas dependendo da carência, né? às vezes eu trabalho no

fundamental também.”

“Entendi. Bom, você passou pelas experiências de trabalhar no ensino médio, fundamental e

também profissionalizante, qual dessas experiências para ti foi mais interessante? O que você

gostou mais de fazer?”

P9“É...eu saí da profissionalizante por escolha, eu poderia ter ficado lotada lá”

“Você tinha essa opção quando passou no concurso?”

P9“Tinha. Inclusive algumas colegas acharam, que eu não estava fazendo, tomando a melhor

decisão porque, como a minha colocação no concurso não foi logo das primeiras eu ia ser lotada,

como realmente fui, lá na periferia, né? Mas eu não queria mais ficar em escola profissionalizante

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porque eu não me identifico muito em ficar em ambiente de muita pressão e a escola profissional

tem isso...”

“A pressão da escola profissionalizante é maior que na escola tradicional?”

P9“Muito maior é semelhante ao ritmo de trabalho da escola particular e eu, como tenho tendência

à depressão então... aquilo não tava me fazendo bem, eu já tinha chegado ao meu limite”

“Entendi”

P9“Eu só estava lá porque, como professor temporário, lá você tem estabilidade, você tem suas

200h garantidas né? Não precisa ficar...”

“Pulando de galho em galho?”

P9“Isso. E além disso, o contrato é de, no mínimo, dois anos, depois renova, então para quem é

professor temporário, é muito bom. Mas como eu tinha passado para efetivo eu tinha a opção de ir

para escola regular, eu preferi. Preferi arriscar, passei seis meses em uma escola lá no Conjunto

Esperança, foi a pior experiência da minha vida (ri) mas depois eu consegui puxar para cá as minhas

horas.”

“Tu passou quanto tempo nessa escola do Conjunto Esperança?”

P9“Eu passei de julho de 2014 até dezembro quando acabou o ano letivo aí em 2015 eu já vim para

cá, graças a Deus consegui concentrar minhas 200horas aqui”

“E a diferença é muito grande da J para essas outras escolas?”

P9“A... do conjunto esperança?”

“sim”

P9“Muito grande, não em relação à organização da escola, gestão, não é isso. É a clientela de

alunos e eu não recebi nenhum tipo de curso preparatório para lidar com aquela realidade, são

alunos que usam drogas, de faixa etária completamente diferente da que eu estava acostumada a

lidar... São alunos que estão ali por quaisquer outros motivos menos para estudar e foi... foi muito

difícil! Eu quase não consigo chegar até o final do ano”

“E aqui na J? Sua qualidade de vida no trabalho melhorou depois que você veio para cá?”

P9“Sim, sim certeza! Eu moro aqui pertinho, quando meu marido não pode vir me deixar eu venho

a pé ou pego carona com os colegas... É outra realidade ...”

“Quais são os pontos fortes aqui da escola, se você fosse destacar três pontos positivos quais

seriam?”

P9“É...essa questão dos alunos, nossos alunos... bom, temos sim problemas de indisciplina, a gente

sabe que tem alunos que mexem com droga e tudo, mas não é tão evidente quanto em outras escolas

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sabe? Eles... Você consegue dar aula, o bom daqui é isso porque você consegue colocar em prática

seu planejamento, em outras escolas eu simplesmente não conseguia; porque tem professores,

assim... eu nunca me encaixei em nenhum dos tipos, tem professor que chega à sala e só a presença

dele faz com que os alunos fiquem em silêncio, todo mundo enfileirado, eu nunca consegui,

esqueceram de me ensinar isso na faculdade...e tem outros também que são, como eu posso dizer?

Eles não ligam muito, não se importam, pode acontecer o que for na sala, que eles não se

estressam... eu estou no meio termo, nem consigo ser rígida, no estilo militar e nem consigo,

também, ser oba oba, sabe? Podem fazer o que bem quiser que eu não tô nem ai...Eu tento lidar na

base do diálogo, só que dependendo da turma se for uma turma muito indisciplinada essa

metodologia não resolve; então as nossa turmas aqui, para mim, tem dado certo; eles não são tão

indisciplinados então dá para eu lidar direito”

“São alunos que têm um determinado grau de respeito, ou de atenção ?”

P9“É, eles têm...e como eles, alguns, são muito carentes e tudo, eu me identifico muito com essa

parte e tudo, eu gosto muito de conversar com eles , de ajudá-los no que for possível, nas minhas

aulas de xxxxxxxxx eu sempre desenvolvo projetos voltados para a situação deles, já trabalhei, com

questões de xxxxx, agora a gente tá trabalhando com xxxxxxxx e... e eles se envolvem! Eles gostam

porque muitos se identificam, gera polêmica, há aqueles, que defendem o contrário, mas a gente

também respeita a opinião deles”

“E do ponto de vista das desvantagens? Quais são as coisas, que você acha, que poderiam melhorar,

que não são tão legais?”

P9“É eu não sei até que ponto, assim, eu posso falar, porque se isso chegar ao conhecimento dos

gestores isso pode ser prejudicial para mim, às vezes eu vejo coisas que, na minha opinião, são

erradas, principalmente de comportamentos de colegas, de atitudes, de maneira de... e...eu vejo que

eles não são chamados á atenção porque, como eu vim de um ritmo de escola profissionalizante, e

lá todo mundo tinha de se encaixar naquele mesmo ritmo, quem não se encaixava imediatamente

era chamado para conversar com o diretor e tal, né? Então aqui, eu vejo um pouco essa

flexibilidade, né? E eu sinto, que isso prejudica os alunos e... a nós também porque, de certa forma,

desestimula, puxa vida, eu procuro chegar na hora, não falto, desenvolvo meu trabalho direitinho e

meu colega não se esforça para fazer isso e não acontece nada? Então... entendeu? Às vezes isso

pode desestimular um pouco e essa cultura de que ah é escola pública, então vamos dar uma aula de

qualquer jeito e eu penso que não seja dessa forma, eu acho que o aluno seja da escola pública ou

privada tem o mesmo direito e deve ter o mesmo atendimento, o mesmo respeito, a mesma

qualidade de aula”

“Então, deixa ver se estou entendendo: você está querendo dizer, que o fato de a escola ser mais

tolerante, mais flexível, às vezes leva alguns professores a não se comprometer com o

desenvolvimento das suas tarefas da maneira, como deveria ser?”

P9“isso, inclusive isso é motivo de gerar fofoca entre os colegas, de vez em quando tem umas

discussões na sala dos professores mas tirando isso assim eu não vejo grandes problemas não... a

estrutura física é muito boa, os gestores são bons, tudo o que eu peço eles me atendem, eu tenho

uma certa dificuldade nessa parte tecnológica então hoje mesmo o xxxxx baixou um filme para

mim, eu trouxe o pen drive ele pegou... então eles nos ajudam no que é possível, não são

intransigentes, não são de travar nossos planos... há escolas em que a gente é muito reprimido, você

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só pode fazer até ali, aqui não, eles nos dão total liberdade, você... inclusive nem existe uma

exigência de que todos os professores de xxxxxxx sigam um mesmo plano, então isso para mim é

muito bom, eu não gosto de me sentir presa”

“É como se essa flexibilidade tivesse dois lados, há essa série de vantagens e algumas poucas

desvantagens, né?”

P9“É!”

“entendi”

“Você pode me descrever um dia típico de trabalho seu, aliás, não só de trabalho, um dia típico seu

?”

P9“Certo, é... durante a semana eu me divido entre a escola e a casa porque, no momento, eu não

estou estudando, então quando eu chego em casa, por exemplo, na segunda eu tenho a tarde livre,

então eu aproveito para fazer alguma coisa minha, se eu precisar ir a um médico, se precisar fazer

algum pagamento, eu faço na segunda à tarde ou na quinta pela manhã que tenho livre; à noite eu

acompanho minha filha pequena nas tarefas escolares e... ai nas quartas-feiras á noite eu participo

de um grupo de oração, geralmente final de semana nós viajamos para o interior, porque nossas

raízes estão lá e meus pais e meus sogros estão lá e são idosos, então a gente vai muito para lá para

dar atenção a eles, nossa vida social é muito restrita assim, a gente praticamente não sai para shows,

para festas assim...só quando tem um aniversário, um casamento, alguma coisa bem familiar”

“Vocês tem quanto tempo de casados?”

P9“19, fizemos em julho”

“E vocês são de alguma igreja? Porque você disse que faz parte de um grupo de oração...”

P9“Nós somos católicos, e eu sou praticante, ele apoia, nas segundas tem o terço dos homens, ele

vai...nós procuramos realmente seguir; eu trago para cá também... não ao ponto de influenciar os

meninos porque eu não direciono não toco nem nome de catolicismo porque muitos são evangélicos

né? Então para não gerar brigas... Mas eu trago os valores cristãos para serem trabalhados de

alguma maneira e eles absorvem bem”

“Você passa quanto tempo em sala de aula?”

P9“27 aulas, 13 de planejamento”

“e como é todo dia de manhã ou à tarde, o dia todo? Como funciona?”

P9“As quartas e sextas são os piores dias para mim, são muito puxados: são seis aulas de manhã e a

tarde mais quatro, então nesses dias eu chego em casa um caco, morta de cansaço, é muito puxado

eu disse até para o XXXX que no próximo ano quero ver se distribuo melhor essas aulas porque

esqueço até de beber água e já tive problema por isso.”

“e me diz uma coisa você pode me dizer o que você entende por qualidade de vida?”

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P9“não sei se isso é um conceito subjetivo né? Acho que ele tá mais para objetivo, deve ter um

conceito específico para isso mas a gente procura ter uma qualidade de vida, a questão da

alimentação, a questão de não cometer nenhum excesso com relação a nada, eu acho que nós – eu e

minha família – nós temos uma boa qualidade de vida.”

“Se você fosse dar uma nota objetiva a sua qualidade de vida de zero a dez que nota você daria?”

P9“Eu acho que eu daria um 7,5 porque ainda estou lutando com minha preguiça para fazer

caminhadas regularmente, então falta superar isso aí o sedentarismo”

“Então você acha que se conseguisse inserir na sua rotina o exercício você estaria com a qualidade

de vida nove ou dez?”

P9“Com certeza”

“E saúde mental? O que você entende por saúde mental?”

P9“Olha, eu já senti na pele o que é não ter saúde mental, né? Antes que eu me convertesse

novamente ao catolicismo, porque eu nasci católica, mas durante muito tempo eu ia só para as

missas dominicais quando muito, e eu tive depressão pós-parto nas minhas duas filhas, problemas

no casamento, coisas que eu não sabia lidar direito, tinha algumas sequelas de traumas de infância,

meus pais nunca foram muito unidos... aí junte tudo ao estresse de professor porque o dia a dia de

sala de aula é estressante então houve momentos em que realmente não soube lidar, com tudo isso e

eu era uma pessoa muito complicada, de difícil relacionamento, que explodia com facilidade sabe?

Então eu agradeço muito a Deus o fato de hoje eu ser uma pessoa mais equilibrada; eu não precisei

ir a psiquiatra nem a psicólogo, não precisei tomar ante depressivo, não precisei fazer nenhum uso

da medicina e hoje eu me acho uma pessoa saudável.”

“e você atribui sua melhoria a seu engajamento na igreja e a espiritualidade?”

P9“Sim, com certeza, ela é a base, coloco ela como o principal ela vem até antes da minha família,”

“Mas você acha que a causa principal da depressão foi o pós-parto?”

P9“Sim essa questão hormonal é complicada eu tenho hipotireoidismo...”

“Você fazia algum tipo de associação entre esse quadro de depressão e o trabalho em si?”

P9“não, inclusive na segunda depressão pós-parto a sala de aula para mim era uma válvula de

escape, eu não aguentava mais ficar em casa e na época eu era professora temporária e surgiu uma

vaga para substituir um professor durante quarenta e cinco dias, eu fui na hora, para mim eu estar ali

dando aula me fazia esquecer de todos os problemas, quando chegava em casa voltava tudo mas a

sala de aula sempre foi bom, só aqueles seis meses no Conjunto Esperança foram ruins era uma

clientela que realmente eu não sabia lidar eu tentei de tudo, até comprar os meninos: tinha dia que

eu chegava lá com um monte de pipoca, pirulito, levava para assistir filmes, fiz de tudo para que

eles não me torturassem tanto mas afora essa experiência eu não tenho muita coisa para falar da sala

de aula não...Assim eu me sinto frustrada quando sinto que não consigo atingir um aluno mas é

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impossível em uma sala com 40 alunos você conseguir atingir todos; eu fico muito feliz quando

vejo aqueles que realmente estudam por prazer, que tem um foco, que tem um objetivo, nesses eu

invisto eu paro a aula quando a oportunidade aparece: ih professora lá vem sermão... essa semana

mesmo disseram ah estávamos com saudade das suas brigas... mas é uma briga do bem sabe? Eu

digo olha o mesmo discurso que eu tenho com vocês, eu tenho com minha adolescente lá em casa,

eu me preocupo com vocês e tal e dá mesma maneira quando um evolui de um bimestre para o

outro eu vou lá faço uma festa, chamo para frente, premio com chocolate porque é importante senão

eles passam despercebidos e acabam não dando continuidade naquela evolução. Meu trabalho como

diretora de turma na escola profissionalizante me ensinou muito a valorizar o progresso deles.”

“Com relação à formação continuada, o que você entende por formação continuada, que papel você

acha que ela tem na sua pessoa, no seu trabalho?”

P9“É. eu, eu sinto falta, assim... eu fiz minha especialização mas eu não terminei, não defendi a

monografia né? Ficou só como aperfeiçoamento e eu confesso que eu sinto falta de estudar, de ficar

me renovando...”

“Então você acha, que formação continuada, é algo que o professor deve buscar por conta própria.”

P9“Poderia ser também incentivado pela escola, promovido pelo governo, quando eu trabalhava no

interior vinha para cá todo mês para um curso, recebia uma bolsa para alimentação, eles chamavam

de reciclagem, mas nós repensávamos nossas práticas, metodologias... eu chegava toda empolgada

querendo colocar aquilo em prática e de alguns anos para cá isso acabou; eu sinto falta se nós não

procurarmos de forma independente não tem, nossos professores são bem esforçados, alguns estão

fazendo mestrado, outros especialização, mas algo coletivo não há; a escola deixa um pouco a

desejar nesse sentido. Inclusive, nos dias de planejamento, fica cada um no seu lugar, era um

momento em que a gente podia se reunir, trocar ideias... eu sinto falta dessa parte também”

“Você faz alguma associação entre formação continuada e saúde mental?”

P9“Acho que a partir do momento em que você se sente realizado, se sente bem, sua autoestima

está em um bom nível, você está estudando, evoluindo acho que isso melhora sim! Contribui de

forma positiva.”

“Você pode completar algumas frases para mim?”

“Claro”

P9“ Ser professor é... um desafio diário”

P9“Se eu não fosse professor eu seria...seria professora de novo”

P9“No meu tempo livre eu gosto de... estar com minha família”

terminamos, me despedi, agradeci etc.

23.08.2016 – Entrevista individual

Após a leitura do termo de compromisso livre e esclarecido demos inicio à entrevista.

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Eu gostaria que você me contasse um pouco da sua história e da sua história com a docência.

P10 Deixa eu tentar resumir aqui...falar sobre a história pessoal é um pouco difícil assim....

Na verdade me interessa mais saber, como a docência entrou na sua história...

P10 É um pouco assim... curioso, minha graduação foi em Licenciatura e Música, então é assim:

Licenciatura é para ser um curso que prepara você para a docência mas, não só no meu caso mas no

de vários colegas meus, que iam para essa Licenciatura, não porque desejavam ensinar, mas porque

queriam estudar Música e só existia o curso de Música do tipo Licenciatura, porque existe também

Bacharelado, mas é específico de um instrumento então, às vezes você não se encaixa em um perfil

e assim, lembro que quando era criança e brincava de boneca, umas das brincadeiras era brincar de

professora acho que, como muitas crianças... meus pais tinham um desses quadros pequenininhos

que eles compraram não sei para que e acabou ficando para mim e eu brincava e na época em que

estava estudando para o vestibular, antes de fazer Música, eu quis fazer várias outras coisas mas eu

venho de uma família assim: meu pai é músico – ele trabalha até aqui – e apesar de desde criança

gostar dessa parte de artes quando chegou no momento do vestibular eu queria fazer outra coisa

assim eu... acho que foi influência também da escola onde estudei, que era o Farias Brito – Ari de

Sá, que eles faziam quase uma lavagem cerebral para gente ir para o ITA, IME esses vestibulares

assim, que são propaganda deles; e eu caí um pouco nessa história e comecei a estudar mais a parte

de exatas e cheguei a começar um Bacharelado em Física na UFC parei depois, fazia um semestre,

depois voltava, repetia... cheguei a fazer um semestre completo e outro mais ou menos e aí parei e

resolvi fazer Música né? Então, eu fui para Música, não porque eu pensava em ser professora mas

porque eu queria estudar Música (a parte mais artística) sim... e antes quando ainda estava na parte

do vestibular quando eu estava tentando eu dava algumas aulas particulares no prédio, para alguns

vizinhos, tipo um reforço; mas era mais um meio de conseguir algum dinheiro, não era porque eu

gostasse de dar aula, mas era bem agradável...

Era algo, que você fazia sem dificuldades e lhe trazia retorno financeiro na época...

P10 É, foi assim uma ideia que eu tive, eu via, que muitos colegas faziam, muitos não, alguns.

Resolvi botar um anúncio lá no prédio e ai apareceu alguns e eu fui dando... eu também cobrava

muito barato... Eu queria era fazer alguma coisa.

Isso na época da faculdade já?

P10 Não, ainda estava no ensino médio, já tinha terminado, mas após o término eu passei uns dois

anos tentando vestibular, fazendo cursinho, essas coisas...

Entendi, nesse interregno as aulas eram uma maneira de estudar e ganhar dinheiro...

P10 Sim quando eu ensinava também tinha de estudar...E que eu me lembre essa foi à primeira vez

“que dei aula” ai na faculdade tinha essa questão de que as pessoas estavam mais lá porque queriam

ser músicos, trabalhar com música mas não necessariamente ser professor era como se ser professor

fosse a última possibilidade “se nada der certo vou ser professor” e eu vejo que muitos colegas que

fazem também teatro, que é Licenciatura, têm esse mesmo pensamento assim: Eles tem o sonho de

serem artistas, mas se a questão financeira pesar eu vou ser professor, dificilmente conheço alguém

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que tenha entrado em um desses cursos (Música, Dança, Teatro) e que queria ser professor mesmo e

lembro também quando... Não, ainda na graduação é bem comum no curso de Música, dizem assim

que é um dos poucos cursos que você não está formado e já trabalha porque tem gente que já é

músico da noite ou que já dá aula particular de música e quando estava próximo ao final do curso,

que eu fiz o estágio em uma escola de música e entrei também em outra escola, apareceu uma

oportunidade, assim aulas particulares de música em escolas livres, né? Comecei a dar algumas

aulas, a maioria era individual, tinha só uma que era um grupo de mulheres que elas faziam tipo um

grupo vocal mas era mais assim...Essa experiência e eu achava legal, gostava dessas aulas mas

assim: eu acho que nessa época eu não pensava ainda em longo prazo com o que eu iria trabalhar,

quando terminei a graduação tinha vontade de fazer um mestrado mas lembro de que eu sabia

perfeitamente que aqui em Fortaleza não tinha mestrado em música, tinha só mestrado em

Educação que tinha uma linha que podia ser encaixada à Música e lembro que eu pensava assim:

não quero fazer mestrado em educação de jeito nenhum...eu quero... vai ser minha última opção e

acabou assim que acabei a graduação em 2012, e ano passado comecei o mestrado em Educação

(Ri) Claro que fiz porque era a opção mais perto de mim que eu tinha... de tentar... mas hoje não

imagino que... e na verdade o que motivou também a fazer o mestrado foi que o que me motivou,

porque eu já tinha tentado outros mestrados e não tinha passado e eu fazia os projetos de pesquisa

mas não tinha um tema assim que me interessasse eram sós assuntos que gostava de estudar não era

algo assim que tivesse uma boa justificativa, uma relevância para ser uma pesquisa de mestrado... ai

quando comecei a dar aulas aqui (eu comecei o mestrado um ano depois que comecei a dar aulas

aqui) foi meu primeiro trabalho, assim, de sala de aula mesmo porque até meu estágio de docência

que era para ter sido em sala de aula, não aconteceu porque tava em greve na época e a professora

liberou e a gente fez numa escola de música que era aula individual (era outra sensação) então esse

fato de ter trabalhado um ano, já me deu assim certo material para pensar em um problema de

pesquisa e dar mais sentido ao mestrado, que queria fazer e hoje assim tôno meio do curso, tô

gostando muito de estudar essa parte da Educação, porque coisas de música eu praticamente não

estudo, mas isso poderia ser uma coisa ruim mas (fomos interrompidas por uma ligação).

Retomamos... então você se graduou em 2012 ?

P10 Sim, em 2012 aí em 2013 – eu ainda estava trabalhando naquelas escolas de música - aí eu fiz o

concurso que teve para o Estado no final de 2013 aí comecei a trabalhar no meio de 2014 aí em

2015 eu tentei o mestrado e estou agora no meio do curso, inclusive quando entrei no Estado eu

escolhi só 100 horas porque eu sabia que não ia poder pedir afastamento e eu ia querer fazer o

mestrado então essa carga dava para equilibrar as coisas...

Você tem como mais à frente migrar do regime de 100 horas para o de 200 horas?

P10 Ouvi falar, que tem uma espécie de edital, que você pode se inscrever, mas não tô procurando

porque falta ainda um ano para terminar o curso...de repente eu faço é outro concurso ao invés de

aumentar aqui... não sei. Ai essa questão da educação né...não imaginei que fosse me identificar

tanto com essa parte teórica, de estudar e foi a prática que me levou a me interessar pela teoria, que

na época da faculdade não me interessava – Didática, Metodologia de Ensino... coisas que na época

estudava, mas não me chamavam à atenção. Hoje já leio um livro da área de educação. Eu tive

muita sorte de ter vindo para uma escola, que já conhecia, porque meu pai trabalhava aqui, eu vinha

aqui quando era criança...E no meu estágio de observação eu fiz aqui também, aqui é uma escola

muito boa em relação... assim a gente escuta falar de muitos problemas da escola pública, de ter

violência, de ter drogas, de... Claro que tem né? Mas é num nível mínimo se comparado às outras

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escolas. Acho até que a xxxxx deve ter te falado porque ela passou em outras escolas coisas muito

ruins que aqui, para ela é o paraíso; sempre que acontece algo desagradável, penso nisso: que é uma

coisa muito pequena se comparar com as outras escolas, com que outros professores passam

diariamente. Então, aqui na escola acho que todo mundo tem de agradecer, não que não se queira

resolver os problemas que se tem... mas somos de certa forma privilegiados de estar em uma escola,

que nos dá condições melhores em relação a outras escolas. Em relação à docência imagino

realmente continuar nessa profissão mesmo fazendo o mestrado e tendo interesse em ensinar na

faculdade não sei se quero sair do Estado... apesar de ouvir muitos colegas que falam em fazer

concursos melhores para trabalhos, que sejam menos desgastantes, porque é desgastante e na

faculdade deve ser melhor... Eu concordo em parte porque é a escola quem está precisando de

profissionais mais qualificados, não que não haja professores bem qualificados (ou experientes) mas

muitos mesmo estão só esperando uma oportunidade para sair ao invés de devolver a escola o que

aprenderam sabe? É claro que o lado financeiro pesa, estou em uma fase de transição, quero casar,

sair da casa dos meus pais, mas se eu puder continuar aqui mesmo tendo um trabalho em outra

instituição eu gostaria de continuar aqui na Educação Básica... Acho que é mais ou menos isso.

“A docência não foi planejada, ela meio que foi acontecendo na sua vida e agora parece que está

consolidada, você fala de planos futuros e a educação sempre está presente...”

P10 Sim... eu gosto de dar aula tanto na escola de música quanto aqui, imagino que seja muito bom

na universidade – uma outra realidade – e... não tenho vergonha assim de dizer que sou professora e

pelo que imagino profissionalmente é isso... quando estava na graduação não enxergava que meu

futuro era isso mas hoje acredito que seja esse mesmo o caminho.

Qual era o instrumento no qual você se especializou?

P10 Na licenciatura a gente não tem assim um específico a gente tem cinco semestres de um

instrumento que a gente escolhe, são aulas individuais, mas varia muito do nível do aluno, do que

ele quer, por exemplo, eu escolhi o piano e nem por isso saí uma pianista, para isso teria de fazer

bacharelado o que aprendemos é uma base assim para ministrarmos aula. Consigo assim

acompanhar um coral... mas não sou pianista de concerto,; mas é claro que muitas pessoas

continuam estudando por fora, têm aulas particulares e no momento estou estudando bateria, mais

por hobby mesmo porque depois que comecei a dar aulas aqui, e assistir também as aulas do

mestrado acaba que não sobra muito tempo para dedicar a essa parte instrumental, de tocar, de

estudar um instrumento. E eu estou cada vez mais distante disso porque mesmo dando aula de

Artes, acaba sendo uma coisa muito mais teórica que prática e eu não tô tocando ali... não tô

cantando... tem essa lacuna na minha vida, que estou tentando preencher de alguma forma... por isso

talvez fosse interessante dar aula numa universidade talvez eu tivesse mais tempo... se bem que não

talvez na universidade eu fosse ensinar uma disciplina bem teórica... aqui na escola tenho muita

vontade de montar um coral, um grupo extracurricular até tenho alunos que ficam pedindo mas é

porque realmente nesse momento eu estou fazendo muitas coisas...

E primeiras coisas primeiro...

P10 Sim, explico para eles que esse ano tá muito ruim... mas que depois que quero sim. Penso que

pode ser uma oportunidade de estar de novo mais próxima da música, da minha profissão mesmo...

O que você gosta aqui na escola, você já disse que ela é muito boa, tem uma estrutura melhor que as

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outras... se você fosse destacar três pontos fortes dela quais seriam?

P10 Tem a questão estrutural que ajuda, aqui tem uma sala de música, tem instrumentos tem uma

estrutura boa, abarca muitas turmas, posso concentrar minha carga horária toda aqui... o pessoal da

coordenação, são pessoas prestativas, compreensivas, você se sente mais em casa. Apesar de ter

umas briguinhas também, mas acho que é normal, nada que torne a convivência muito ruim, que

impeça de vir trabalhar...e tem o principal, que são os alunos... tem muito aluno interessado...turmas

inteiras que são muito boas... e até os alunos, que são bagunceiros, as indisciplinas deles não são

assim... graves ao ponto de vir armado para escola, xingar ou agredir, nem ameaçar... pelo menos eu

nunca passei por nenhuma dessas situações. O pior que pode acontecer é eles não quererem nada

mas isso acontece com alguns alunos em toda escola... então de maneira geral o nível dos alunos é

bom e os que estão desinteressados, bagunceiros eu digo que é uma coisa normal e pequena perto de

outros problemas, que eu sei que existem em outras escolas...

Tu podes fazer o oposto? Quais são as coisas que não são legais? Se você pudesse mudar três

aspectos da escola quais seriam?

P10 Talvez uma questão de organização, por exemplo um evento recente: a questão da greve, na

semana anterior que estava o rumor que ia ter greve, lembro, que um dos coordenadores foi de sala

em sala dizendo: pessoal venham segunda que vai ter aula (porque muita gente estava achando que

não iria ter). Então mesmo se não fosse ter aula era para vir porque iria ter reunião para explicar

como iria ser e ai quando cheguei à segunda-feira o diretor estava praticamente “expulsando” os

alunos da escola, e eles queriam ficar pelo menos para ficar jogando, mas ele replicou, que não

haveria ninguém para ficar olhando... Então assim coisas que dizem e quando chega na hora é de

outro jeito. Prova...

Então a comunicação é falha? Algumas coisas mudam no meio do caminho e não chegam para

vocês?

P10 Sim, às vezes quando tem prova dizem assim: pode liberar os alunos tal hora aí os alunos ficam

perguntando e a gente diz: não, só pode sair tal hora; ai acontece de dar a tal hora, a gente liberar os

alunos e eles mandam eles voltarem (não, não é tal hora é só depois...) Essas coisas de dia a dia que

é realmente uma questão de comunicação; dizem uma coisa aí depois não é... fica essa confusão...

então de negativo, eu lembrei disso...

O que você entende por saúde mental?

P10 Assim, eu vi uma palestra que dizia que a medicina dizia, que ter saúde era não ter doenças,

mas que saúde era muito mais que isso... então ao mesmo tempo em que penso que saúde mental é

não ter nenhum tipo de doença seja ela psicológica ou até mesmo biológica que afete a parte mental

acho que ter saúde mental é saber lidar com coisas, que não são doenças mas que acontecem todos

os dias, podem fazer mal mas você tem de lidar com elas para não adoecer é não só não estar doente

mas saber lidar com as situações difíceis para não adoecer...foi o que consegui pensar...

E qualidade de vida? O que é?

P10 Qualidade de vida? É você conseguir viver minimamente, conseguir atender minimamente

todos os aspectos da sua vida... digamos assim, se você só ficar trabalhando, não conseguir

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descansar, não conseguir estar com as pessoas, que você gosta, ter algum tipo de lazer você não tem

qualidade de vida...as coisas não estão equilibradas, ou quando você só estuda muito ou quando

você só faz nada... assim para você ter qualidade de vida, você tem de saber dosar o tempo de cada

coisa: tempo de descansar, tempo de trabalhar, de estudar (se você estudar) e o tempo de ócio e de

fazer o que gosta.

Você faz alguma relação entre qualidade de vida e saúde mental?

P10 Sim, se você não tiver uma boa qualidade de vida provavelmente não terá uma boa saúde

mental...você provavelmente está sobrecarregado e uma hora ou outra isso vai acarretar um

problema físico ou mental... eu sou uma pessoa assim: quando estou muito sobrecarregada eu sei

logo que se não cuidar logo fico doente. Acho que às vezes o corpo adoece para lhe fazer parar

como se fosse assim o corpo diz “pera aí deixa eu por uma febre para ver se essa menina para” e

muitas coisas psicológicas afetam a parte de física...

Se você fosse dar uma nota de zero a dez para sua qualidade de vida que nota você daria?

P10 Entre sete e oito, porque mesmo que muitas vezes me sinta sobrecarregada por causa do

mestrado e do trabalho eu também tenho tentado me policiar para não abrir mão de dormir, para

tentar ver as pessoas que eu gosto e ter um tempinho para mim, claro que não é o tempo que eu

gostaria, mas tenho de ter... então como estou me esforçando para cuidar disso antes que eu adoeça

Então não está tão ruim, mas se eu me deixasse levar pela coisa talvez eu estivesse pior... tô

tentando aprender a viver com isso porque já aconteceu de eu adoecer em outra época...

Você considera seu cotidiano estressante?

P10 Não, só quando acontece algum imprevisto... o que me deixa estressada é ter de correr de um

lado para o outro, estar atrasada e não dar tempo de comer direito, mas isso só ocorre quando há

algo fora da rotina porque tento ao máximo deixar a rotina de uma maneira que em meus

deslocamentos eu possa ir em paz...porque isso é algo que me maltrata muito, por exemplo, já

aconteceu de ter aula no Pici meio dia e de uma hora ter de estar no colégio e ainda teria de comer...

é muito angustiante para mim saber que não vai dar tempo...mas sabendo que vai dar tempo é uma

rotina só cansativa, mas não muito estressante...

E hoje sua rotina é cansativa, mas não é estressante?

P10 Às vezes é estressante, quando tem algum imprevisto, mas de forma geral é mais cansativa.

Você pode me descrever um dia típico seu (quando está mais ocupada)?

P10 Eu trabalho só à tarde, fico em casa de manhã, estou começando algumas disciplinas novas à

noite no mestrado. Para mim é muito importante ter esse momento da manhã em casa porque não é

somente o tempo que tenho para estudar, fazer as coisas, mas também tem um tempo para mim de

manhã...à tarde venho trabalhar e no caso de hoje, daqui vou para universidade para assistir aula

mas mesmo quando não tenho aula, se vou para casa, assim, eu não rendo muito à noite...tomo um

banho, janto, meu namorado passa, mas evito estudar a noite porque eu me empolgo e aí dá meia

noite e tô elétrica, ainda, e no outro dia vou acordar cansada... e como tenho as manhãs prefiro

tentar deixar as noites mais tranquilas.

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Você faz exercício? Ele faz parte da sua rotina?

P10 Na época que entrei aqui, eu fazia caminhadas, tentava até correr um pouquinho, mas parei

porque estava me sentindo mal.. achei que estava com problema de coração... e depois não consegui

mais voltar ao hábito; semestre passado uma colega do mestrado estava fazendo uma pesquisa sobre

yoga e estava dando aulas para nós gratuitamente na própria faculdade e eu estava indo duas vezes

por semana e às vezes fazia de manhã também... e me ajudou demais a lidar com a pressão... esse

semestre acho, que não vou conseguir encaixar...mas tô querendo voltar a fazer uma coisa, que

gosto, que é dançar. Não tenho mais tempo de fazer aula, em uma academia e tal como eu gostaria,

mas o que tento fazer é um pouco antes de tomar banho para vir para o trabalho eu ponho uma

música e fico dançando até suar um pouquinho e vou tomar banho. À noite chego cansada e é mais

difícil. Não é uma coisa certinha duas vezes por semana, mas tento fazer algumas vezes...

Em relação à formação continuada, o que você entende por formação continuada?

P10 Tava tentando lembrar de algo que o professor falou... imagino que formação foi o que você fez

para conseguir uma qualificação para estar em um emprego, continuada são os cursos, as coisas que

você faz para garantir seu exercício profissional. E para ser professor você tem de estar sempre

estudando acho que é isso mesmo trabalhando você ter um continuo de estudos poder fazer um

curso de vez em quando...

A escola promove algum tipo de formação?

P10 Eu nunca participei, nem lembro de ter ouvido falar o que sei é que há uma instituição do

Estado que fornece cursos e que você pode se inscrever mas isso não é divulgado na escola... acaba

sendo uma coisa do professor ficar sabendo e se der vai... mas não sei... aqui nunca ouvi falar

disso...

E você acha que o fato de estar estudando ou de permanecer estudando tem algum efeito sobre a

saúde mental?

P10 Bom, como não passei por esses cursos assim... talvez agora no mestrado algumas coisas, que

estudei, eu possa... assim tem varias coisas, que não consegui aplicar na prática... mas estudar deixa

você com um pouco mais de segurança... a pior coisa quando você vai dar uma aula é perceber que

os alunos estão assim: tô nem aí... então essa coisa de estar estudando te dá assim... pelo menos

mais segurança...

Você já deu uma série de pistas de coisas que você faz para ficar bem (yoga, tentar fazer exercícios,

sair com os amigos, encontrar o namorado, tirar um horário para pensar/estudar) você pode me

dizer o que mais você faz para ficar bem?

P10 Pode ser coisas na hora da sala de aula? Eu lembro que no primeiro ano que comecei a dar aula

aqui, no meio de 2014 eu vi que eu tinha alguns comportamentos que assim, me atrapalhavam, e eu

tinha de mudar porque ficar daquele jeito não ia me levar a lugar nenhum... acontecia assim: de ter

uma aula que foi muito ruim ou que teve uma briga entre os alunos... lembro de uma aula que fui

fazer, era uma aula de revisão, aí para revisar o assunto eu fiz uma competição de perguntas e

respostas, montei as equipes... mas eles levam muito a sério essa coisa da competitividade e acabou

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que eu considerei certa uma pergunta e as meninas não concordaram e elas ficaram gritando e tinha

uma menina que ficou mais exaltada, nervosa... e eu não soube lidar com a situação, elas não

conseguiam entender meu lado, estavam nervosas e eu também, algumas desistiram de participar

disseram: “ah não quero participar mais não” e ficaram lá no canto... Ai eu lembro que nesse dia, e

outras vezes também, eu saí muito triste, abalada, era como se elas tivessem descontado toda uma

raiva em cima de mim a partir de uma atividade, que era para ser boa; então aconteceu de chegar a

casa para baixo e se me perguntassem o que foi, era porque tinha sido ruim o dia... E se eu pensar

não é porque era uma turma ruim, turmas ruins sempre tem, mas esse ano assim tem uma turma que

é mais trabalhosa... tem uma aluna que me ama e me odeia, se me encontra nos corredores manda

beijo, cumprimenta, na sala ela fala alto não presta atenção...fica fazendo hora comigo... testando.

Mas hoje em dia aprendi a não ligar para essas coisas, sei que se eu ficar com raiva dela, ela corre e

vem pedir desculpa... então hoje se a aula não foi boa não fico mais arrasada...

Tá, e nessa época, quando você saia arrasada, o que você fazia para melhorar?

P10 Eu comecei a perceber que para eles, para os alunos, essas briguinhas são normais, no outro dia

eles estavam todos bem, falando comigo normal, pensei que ia ter algum mal-estar mas estava tudo

normal...

Ah então é como se você tivesse aprendido a relativizar? Quando você tem um dia ruim você pensa

“ah, é só um dia ruim” é isso?

P10 Sim, provavelmente aquilo que aconteceu, os alunos vão esquecer, nunca é nada assim, de

grave...é perceber também, que não adianta querer forçar um aluno a prestar atenção, há coisas que

estão além da minha capacidade então tenho de me concentrar naqueles que querem e não ficar me

culpando especialmente nessas turmas mais difíceis... e outra coisa nesse primeiro ano eu tentava

muito me controlar, não me zangar... eu repetia muito, será que preciso gritar? Vocês só funcionam

no grito? Tenho de chamar o coordenador para vocês prestarem atenção? Vocês só querem fazer as

coisas se forem ameaçados? Lembro que uma vez cheguei ao extremo de pegar uma pasta e tacar na

mesa para pararem com o barulho e foi papel para todo lado, eles ficaram assustados, eu fiquei

assustada, e fiquei triste pensei não quero passar por isso... e então aprendi... raramente grito, sei

que não vai resolver que eles vão se assustar ali num momento e depois vão fazer tudo de novo

então tento me preservar... se eles estão todos conversando fico calada e espero eles perceberem até

eles pararem; é muito difícil, hoje, eu colocar um aluno para fora... eu tento me poupar, sei que não

vai resolver brigar, gritar, então tento me preservar, não me desgastar... no máximo chamo alguém

para conversar lá fora... há alguns professores, hoje a gente usa muito aqueles microfones portáteis

para dar aula, e eles usam do artifício da microfonia para chamar atenção, que não concordo mas

alguns fazem...eu tento me preservar ao máximo para não ser...

Devorada pelo barulho?

P10 é...não ser obrigada a fazer essas coisas que não são. Até porque eles vão ficar cada vez mais

condicionados a só fazer as coisas na pressão... tento não ficar com raiva de nada... e percebo que,

alguns alunos muitas vezes não estão interessados no que está ali na sala de aula, eu mesma lembro

da época de escola e tem várias coisas que fui obrigada a estudar que nunca me serviram de nada, só

mesmo para o vestibular... então essa coisa da formação continuada é importante você sempre estar

buscando outras coisas para tentar despertar esse interesse neles porque senão vai ser sempre essa

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briga na sala, você querendo obrigar: olhe para mim... e eles querendo fazer outra coisa, essa tensão

o tempo todo... ele sabem que tem de estudar, por que... tem de estudar... mas eles não veem sentido

naquilo...

Antes de a gente terminar eu queria fazer só uma espécie de “ping pong” você tá? Perguntas curtas

para respostas curtas, eu vou dizer algumas frases e queria que você completasse para mim pode

ser?

Pode.

P10 Ser professor é... saber lidar com pessoas e tentar orientá-las de alguma forma, compartilhar

experiências e também trazer algo novo...

P10 Se eu não fosse professor, eu seria... não sei alguma coisa relacionada à arte, não sei bem o

que... mas já trabalhei com artesanato, com música com teatro...

P10 Daqui a cinco anos eu gostaria de estar... ter terminado o mestrado, talvez esteja fazendo

doutorado, vou estar aqui... ou talvez tenha feito outro concurso, mas acho que vou estar dando aula

de alguma maneira...

ok... há alguma coisa que eu não tenha perguntado ou que você não tenha dito que você considere

importante deixar registrado?

P10 Uma coisa que noto muito na sala dos professores é que, às vezes ela vira um lugar negativo,

de fazer piadinha com os alunos, de falar mal... eles reclamam de que os alunos falam mal deles

mas eles também, de certa forma, fazem isso... e nosso objetivo maior é o aluno, o aprendizado do

aluno, então não acho legal essa coisa de alimentar essa coisa ruim... ao invés de procurar meios,

soluções...mas, se bem que fico muito calada nessas horas, não digo nada, meio que não sei lidar

com essas críticas mais negativas que fazem...não sei se isso é algo possível de ser mudado mas...

Agradeço e encerro o trabalho...

Segunda-feira 05 de Setembro de 2016 – horário da tarde

Após a leitura e assinatura do termo de compromisso livre e esclarecido demos inicio à entrevista,

Você pode me contar como você chegou à docência? Como você se tornou professor?

P11 Bem, é... eu não era da área de educação, pelo contrário, minha área profissional era outra área

eu trabalhava em supermercado na parte de automação, fazia pedido, despachava mercadoria, se

dava algum problema, em São Paulo eu é quem tinha de resolver e aquilo ali tomava muito tempo

de mim, eu gastava muita energia porque tinha muita responsabilidade em cima de mim e... eu

ainda passei sete anos, era no grupo Pão de Açúcar, e eu via que lá eu não ia ter perspectiva de

futuro nem pessoal e nem profissional então eu decidi estudar, e eu uso meu próprio exemplo para

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meus alunos, minha história de vida, eu me inscrevi no cursinho da UFC né? E passei um ano lá, eu

saia de casa 05h30min em e chegava em casa 10h30min p.m., passei esse ano estudando ia para as

aulas de segunda a domingo e só entrei no cursinho por seleção, era muito cansativo para mim, mas

passei, né? Não comecei direto na UECE, passei primeiro para Biologia na UFC e frequentei ainda

dois semestres, mas estava comendo muito tempo meu, tomando muito tempo meu por conta das

cadeiras que eram manhã e tarde, eu escolheria estudar ou trabalhar e eu não tinha como e ai

quando foi no inicio do segundo semestre, no meio do segundo semestre eu tranquei e foi na época

em que tinha passado na UECE em Geografia, como na Geografia tem curso só de licenciatura

tinha uma concorrência menor, tentei ainda transferir Biologia para lá mas não deu certo, era muito

burocrático... aí fiz Geografia, me inscrevi, passei, passei de primeira e frequentei, passei a me

identificar, a gostar do curso, tinha aula de campo, e aí no segundo semestre senti a necessidade de

entrar no mercado de trabalho só que na mesma época eu passei no concurso do IBGE, aquele de

dois anos, e cheguei na minha empresa e disse que não dava mais e eles não queriam me colocar

para fora e eu não queria pedir as contas porque eram sete anos, né? Eu ganhava um valor até

considerável, era um salário legal, só que aí... eu não me identificava, já estava saturado, não tinha

tempo o trabalho era sábado, domingo, feriado... ligavam para você a qualquer hora: me dá esse

código aí, me dá essa senha... Daí eu cheguei e falei para meu chefe: oh, eu passei no concurso do

IBGE e eu vou trabalhar, se vocês quiserem me colocar para fora eu só não vou abandonar os 30

dias porque não vou perder meus direitos, mas eu venho, bato meu cartão passo o dia trabalhando

aqui... E ai... é engraçado porque eu tava, teve uma época em que eu tava na escola, eu peguei um

livro, levei para casa, estudei a matéria e quando eu entrei na sala a primeira vez, eu fiquei nervoso,

sem saber o que falar porque primeiramente era criança, segundo porque era uma matéria que eu

não tava... mas enfim eu dava quatro aulas por semana e ai eu passei um ano e quando foi no ano

seguinte surgiu à oportunidade e nesse mesmo período saiu minha demissão, aí eu liguei para

escola, fui lá assinar os papéis e fiquei livre... Aí eu peguei o dinheiro que recebi, paguei todas as

minhas contas e guardei o resto para ir me mantendo enquanto conseguia mais escolas no ano

seguinte e aí no seguinte surgiu à escola na minha área. Aí pronto, teve um período que eu estava

trabalhando em quatro escolas, eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite. Isso no segundo ano de

faculdade...

E a que horas você fazia a faculdade?

P11 À noite, as disciplinas eram “pingadas” e mesmo à noite eu dava aula duas vezes por semana e

aí eu dei aula para todo tipo de aluno: de sexto, de sétimo, segundo, terceiro, supletivo, concurso,

em 2012 surgiu a oportunidade de ensinar no cursinho da UECE, como bolsista, e aí foi muito

pesado porque era aula, aula, aula mesmo, você tem uma carga muito grande de conteúdo e foi

realmente uma grande escola porque foi onde tive a oportunidade mesmo de expor aquilo que

estava estudando, coisa que não tinha tido a oportunidade nas aulas normais do ensino básico. Eu

dava aula para 100, 120 pessoas nesse curso, que eu dei aula, que era para polícia, para guarda

municipal e bombeiros tinha sala de 180 alunos, tinha até engenheiro aí foi aí que fui criando gosto

pela coisa e depois fui chamado até para dar aula em colégio grande, Cristus, mas eu nunca quis ir

porque eu tenho outros objetivos, eu quero ir para vida acadêmica mesmo; mas foi isso depois desse

momento é que tomei gosto porque, poxa, se você está num curso de licenciatura vou dar aula em

licenciatura, vou lecionar, aí a partir daí, fui lecionando, lecionando, criando gosto pela sala de aula,

nunca pensei em desistir do que faço, gosto do que faço tem muitas dificuldades, tem hora que

pensamos assim: que nosso trabalho está obsoleto o retorno da educação é assim muito extenso mas

também eu tento me manter tranquilo porque eu estou fazendo minha parte, eu entro em sala de aula

inteiro, eu oriento os alunos, eu me identifico, eu tenho amizade com eles, não trago problema de

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sala de aula para minha vida porque eu sei que isso vai me prejudicar eu chego à sala dos

professores e... “ah, não sei o que (imitando outro professor)” não, eu posso comentar um fato mas

não deixo que aquilo ali... lógico que eu tô muito novo, comecei em 2012 e estamos só em 2016,

mas eu tenho uma carga de sala de aula grande: ensino básico, cursinho, supletivo, concurso.

Você tem uma experiência vasta apesar de ter pouco tempo de atuação...

P11 Isso... qual é meu objetivo de mudança do ensino básico para o ensino superior: porque eu sei

que no ensino básico a gente não tem perspectiva de crescimento, eu não vejo, principalmente, no

Brasil atual, eu sei que o ensino superior também vai chegar nesse patamar se continuar com as

políticas públicas no mesmo patamar, você, que é da área, sabe muito bem do que eu estou falando,

mas... não só na questão salarial, porque essa questão perpassa todas as áreas não só a da educação,

mas todas as áreas tanto do setor público quanto do privado tem problema de salário e não dá para

analisar isso só pelo que se ganha financeiramente, mas sim do nível de vida que a gente se

impõem... então eu quero ir e quero me realizar profissionalmente e eu penso assim: falar da

Geografia e lembrar-se do ... Eu quero isso, quero publicar, já tenho artigo publicado e eu penso

dessa forma...

Ser um professor de referência?

P11 Sim, ser um professor de referência, não um ícone mas... ser alguém de referência: há quem

escreve sobre isso? Fulano...(meu sobrenome) eu quero isso. Mas lógico também não quero, não

vou abandonar o ensino básico agora, eu gosto do ensino básico,

Aqui na escola você está como temporário ou como concursado?

P11 Como temporário, na época do concurso, que teve, eu estava num turbilhão de coisas para fazer

então não tinha tempo para estudar e tava em mudança de fase profissional e não tinha como eu

fazer esse concurso, mas o próximo, se ocorrer, eu vou fazer tanto que eu ingressei no mestrado

agora justamente para ver se as coisas facilitam, já terminei uma pós-graduação, tenho pós-

graduação em xxxxxxxxxx também pela UECE, terminei no começo desse ano e aí entrei no

mestrado então eu to batalhando para isso, não tô parado...

Você está aqui no J há quanto tempo?

P11 Desde o início de 2014, eu entrei aqui por acaso, vai fazer três anos já... eu estou na vaga do

professor xxxxxxxx que é o diretor o pessoal até diz que tenho pano para as mangas porque estou na

vaga dele...mas... eu não me confio muito não porque não sou nem concursado e o pessoal gosta

muito de mim aqui, ave maria e eu gosto, eu me identifico também com os professores eu acho que

o ambiente educacional não é feito só de alunos e professores, ele é feito de uma série de fatores,

né? E o que eu vejo é uma... uma, até um abismo em algumas escolas entre coordenação e corpo

docente, tem uma escola que trabalho a xxxxxx que é assim, os professores são todos fechados, a

coordenação também é muito distante, e às vezes isso dificulta o trabalho do professor, né? Porque

a coordenação é uma ponte entre você, o aluno e as decisões políticas da escola então se você não

estiver de acordo com essas políticas, ou se elas não chegarem a você, ou se o corpo docente e a

gestão não entrarem em consenso não dá para haver um trabalho positivo de ambas as partes e ai...

eu vejo muito isso, sem falar que numa escola particular a principal política é a financeira, é uma

empresa, funciona como empresa, eu já levei várias propostas para lá, cheguei a entregar na mesa

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do diretor, disse olhe não quero nada, um centavo, só minhas horas que já são pagas aqui... ele

olhou, olhou e disse: não rapaz isso aqui...sabe? Aí a gente...às vezes isso me desestimula; nesse

aspecto sim porque nesse aspecto não há um investimento em educação necessário porque não vejo

o crescimento nessa área só pelo aspecto financeiro, com o aumento de salário agora teve aí a greve

dos professores e você vê que há outras questões

Você está falando de enriquecimento funcional?

P11 Isso, de ter um crescimento interno também. Essas questões de salário são outros quinhentos

Como é a relação do corpo docente aqui com a coordenação? É boa, é razoável? Podia ser melhor,

como você classifica?

P11 Existe uma pequena minoria, pequena mesmo, que discorda de algumas decisões. Eu

particularmente me sinto muito privilegiado, porque me sinto muito confortável pelas decisões

tomadas pelo corpo, pela gestão, eu vejo dessa forma: se eu estou fazendo um bom trabalho e um

trabalho correto porque eu vou ficar indo contra uma decisão da coordenação que é para um

melhoramento ou para sanar alguns problemas internos (por exemplo) o pessoal fala: ah é porque a

coordenação gosta de ti, não sei o que... mas eu trabalho direito, chego na hora, o sino toca vou para

sala, né? Trabalho direito, não é porque eu tô aqui que há... eu vou tomar meu café primeiro... vejo

muito isso aqui, as decisões que eles tomam só incomodam essa minoria que é assim, um pessoal

que já tem muito tempo, que é concursado aí também tem isso de ter de ser coerente com aquilo que

a gente faz; se tá errado, tem de reclamar. Só incomodam a uma minoria; a coordenação aqui,

chama a gente e conversa, no começo do ano quando fazemos nosso calendário, tem uma votação,

quem é contra levanta o braço. é muito democrático aqui... aqui não tem nenhuma imposição como

as de uma escola particular, apesar de ter três coordenadores e de ser uma escola de referência; o

professor xxxxxxx tem um trabalho de referência, não é um trabalho qualquer, há um

comprometimento muito grande e ele cobra isso, faz questão de mostrar as reportagens, porque o J

já foi tema de várias reportagens e... quem não gosta de ter um trabalho reconhecido? Não só o

nome de fazer as pessoas de fora acreditar no trabalho desenvolvido, na gestão pública... O J faz

esse trabalho e isso é porque os professores e a coordenação falam a mesma língua...

Quais são os pontos fortes daqui? Se você pudesse elencar três pontos fortes, positivos daqui, quais

seriam?

P11 Ah, com certeza a coordenação seria um ponto forte porque ela é muito eficiente; é... o grupo

dos professores, que são qualificados, que tem comprometimento e... o diretor, acho que ele tem

comprometimento e acho que um líder faz diferença em qualquer área, e ele tem esse

comprometimento muito grande, ele briga, briga para trazer recurso para escola, para a gente ter

livro, para ter salas, para ter sala de vídeo, para ter um auditório, não é toda escola pública que tem

isso...temos laboratório de Ciências... quadras...

E as coisas que poderiam melhorar quais são?

P11 Seria uma organização com relação a, por exemplo, os horários dos professores, que não é uma

grande coisa mas incomoda, há professores aqui com 200h e estão dois dias disponíveis na

escola...aí eu fico sem entender... poxa, 200h para mim são os dias todos na escola, é dedicação

exclusiva; aí na hora da formação do horário o professor X dá dois dias... os demais dias ele está

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aonde? Se ele tem dedicação exclusiva ele não pode dividir o tempo dele entre aqui e a escola

particular. E há professor que faz isso, é um ponto negativo; isso atrapalha porque, por exemplo,

uma aula minha que é de xxxxxxx que tem de ser geminada, ela se quebra...você dá três aulas

consecutivas...

Há um mal estar entre os professores que cumprem a carga horária de forma correta, é isso que você

está dizendo?

P11 é... e outra questão é a do planejamento, o professor tem de cumprir um 1/3 do seu horário com

planejamento, existem exceções, por exemplo, no meu caso eu pedi a xxxxx para ficar isento por

conta do mestrado, mas tem professores que não fazem nada, vem assinam o ponto e vão embora aí

isso é complicado porque gerou até um mal-estar, na semana passada teve uma discussão feia entre

os professores e só não entraram em briga corporal porque era um homem e uma mulher porque se

fossem do mesmo sexo teriam entrado em vias de fato... teve que chamar o professor xxxxxx

(diretor) para resolver isso aí, eu não tava presente mas vieram me dizer (por algum motivo, eu não

sei...) e teve esse problema porque a situação foi exposta; esse tipo de problema tinha de ser exposto

na reunião do começo do ano... outra questão é dos sábados letivos, que quando tem, os professores

faltam e não trazem justificativa e quando levam falta reclamam do grupo gestor e tal... então essas

três questões se resumem em uma a questão do comprometimento, ou não, do professor... lógico

que todo mundo falha, tem problema... eu mesmo me separei há pouco tempo... hoje entrei em sala

calado dei só bom dia, fui pro quadro e desabafei em matéria... e os alunos: vish o professor tá com

problema (eles sabem logo) aí pergutam: que o senhor tem professor? Eu: nada, são questões

pessoais, vamos aqui copiar a matéria para depois eu explicar... acho que ninguém em de lidar com

meus problemas (eles são meus); às vezes chegam e perguntam: fulano tu não tem problema? E eu

“por quê?”“ porque tu vive rindo e fazendo o pessoal rir” e eu disse” rapaz eu tenho tanto problema

que você nem imagina, mas eu não deixo isso afetar meu cotidiano” Lógico que vai ter os dias em

que vou chegar calado – afinal ninguém é de ferro, a gente sente – mas não vou descontar em

ninguém, nem nos alunos, nem no corpo docente...

E como você faz? Você tem uma carga horária relativamente grande em sala de aula, você está

fazendo mestrado, está passando por um processo pessoal complicado como você faz para lidar com

sua dose de sofrimento?

P11 Eu sempre digo para as pessoas mais próximas de mim que eu tenho três personalidades: a do

meu trabalho, que eu chego e brinco com todo mundo; tem a de quando chego à casa que é como se

eu realmente tivesse chegado à minha realidade de fato e tem o que sou de verdade então eu não

deixo misturar as três em uma porque são três tipos de problema...

Você tenta separar os papéis?

P11 Isso para pelo menos tentar enxergar uma maneira de solucionar ou criar uma via de escape...

mas eu enfrento as coisas... minha mulher, minha ex-mulher, sempre reclamava, que eu chegava e

nunca falava nada para ela do meu trabalho e tudo né? Às vezes um fato ou outro eu comentava,

mas só quando o fato era muito expressivo... mas por que eu não vou comentar? É porque ela não

faz parte dessa minha vida sabe? Ela não entende praticamente nada, é uma dona de casa, para que

eu vou falar com ela? Agora lógico que é bom escutar o outro e tal mas...

Você sentia que não tinha muito que acrescentar fazendo comentários...

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P11 É, lógico, que quando eu tava muito pesado assim eu falava para ela, eu chegava e dizia

aconteceu isso ou aquilo, eu suspendi o aluno por isso ou por aquilo... mas senão quer que eu diga o

que? Cheguei fiz a chamada... é complicado... a separação tá me afetando muito, já tem um tempo

que não estudo, que sento e reorganizo minhas ideias assim, sabe?

Você tem tido dificuldades de se concentrar?

P11 Tenho, tenho tido sim. Não tô conseguindo chegar, sentar e sistematizar o que tenho para

fazer...não tô deixando de frequentar o mestrado...

Está com quanto tempo a separação?

P11 Que eu saí de casa está com um ano já... relata as questões pessoais...

E esses personagens que você criou são o que lhe ajudam a permanecer funcionando?

P11 É conseguem, foi uma maneira que criei para tentar sanar isso ai e é o que tenho para conseguir

alcançar meus objetivos... minha filha, quero muito dar uma vida melhor para ela...tô tendo

oportunidade também para ela (esposa) pago a faculdade dela e tudo, para ela estudar... ter um

crescimento de vida também... e tô aqui na minha caminhada...

Você teve algum adoecimento nesse último ano?

P11 Tive quando (situação pessoal) fui para o hospital... meu coração tava muito acelerado sabe?

Mas o médico disse que eu não tinha nada, fiz os exames e tudo...mas foi só isso, foi tipo pico de

pressão, essas coisas sabe? Eu até achava que ia ficar doente... e eu até dizia: e se eu ficar doente?

Do que vou viver? De uma aposentadoria? Mas enfim, tento não me deixar afetar...

Parece que você tem uma imagem clara do que você quer no seu futuro...

P11 Sim, e tenho de ter porque – não é que eu seja velho – mas já tenho 32 anos, minha mãe diz que

eu estou na metade da vida, eu sei mas... eu disse para ela se tudo der certo vou terminar meu

doutorado com 38 anos... mas meu orientador é pós-doutor e tem 29 anos... enfim, penso em fazer o

doutorado passar pelo menos um ano fora, morar na Europa, um doutorado sanduiche por lá... quero

dar oportunidades para minha filha, as oportunidades que tive foram todas criadas por mim e quero

ajudá-la... (fala de questões pessoais)

O que você entende por qualidade de vida?

P11 Qualidade de vida é você se sentir bem naquilo que você está fazendo, onde você está... lógico

que a saúde é importante: duas questões a mental e a corporal, se você estiver bem com isso aí...

souber separar não vai ter problema lógico, que não estou dizendo que meus personagens me

isentam de tudo mas...

Se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida hoje que nota você daria (de zero a dez)?

P11 Questão de saúde eu tô bem... seria um dez... a questão mental eu acho que eu daria um cinco

porque é muito pesado, tá muito pesado para mim mas são mais por questões externas mesmo

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questão de trabalho está tudo ok; tô muito pensativo ultimamente...

Para subir um pouquinho sair desse cinco o que seria necessário?

P11 Resolver meu casamento, e ano que vem conseguir focar na minha dissertação...se minha bolsa

sair vou poder sair de uma escola e será um peso a menos...

Você pode me falar um pouco sobre suas ideias a respeito da formação continuada?

P11 Existe a formação continuada e existe aquele processo que o professor se mobiliza e vai buscar

fora um título como forma de melhoramento financeiro, mas acho que não seria essa a ideia, né? O

ideal é que se pense num crescimento profissional, que contribuição vou poder dar para a

sociedade? Poxa tô estudando para fazer minha parte também para chegar numa sala de aula e

chegar diferente então penso a formação continuada deveria perpassar por isso e não somente por

uma questão financeira, tenho colegas que só querem isso, o título para melhorar o salário...

E você vê alguma relação entre formação continuada e saúde mental?

P11 Sim, com certeza, acho que nesse processo você adquire meios para lidar com algumas

situações dentro e fora de sala, nessa perspectiva você vai crescer, vai conseguir observar os

problemas mais de fora, aprender a buscar soluções mais viáveis vai ver que algumas situações são

mais e outras são menos irrelevantes porque você adquiriu conhecimento e práticas para aquilo...

Pergunto se há algo mais a acrescentar, que eu não tenha perguntado e que ele ache que possa ser

útil... agradeço e encerro...

Quinta-feira 01 de setembro – horário da manhã

Após a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido demos início à entrevista.

Eu gostaria de que você me contasse um pouco de sua trajetória, como você chegou aqui na escola?

P12 Bom, eu comecei na área da educação quando ainda estava no ensino médio, sabe? Eu era uma

aluna que tinha facilidade em Matemática e na própria escola em que estudava teve um problema

com um professor e o diretor perguntou se eu poderia suprir aquela carência durante alguns dias, eu

dava aula para minha própria turma, engraçado isso, e aí eu comecei a gostar do magistério e a

primeira oportunidade que tive, eu fiz o concurso, no município de Russas, aí obtive aprovação, fui

lotada, eu passei um ano em sala de aula, gostaram do meu trabalho e acharam que eu poderia

partilhar minhas ideias com outros professores aí fui trabalhar na Secretaria de Educação junto com

o Secretário (de Russas) na área pedagógica, né? aí... eu me casei, meu esposo é daqui de Fortaleza

e eu vim morar aqui em Fortaleza, eu tinha 26 anos...

E você tinha começado com que idade no magistério?

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P12 Com 18 anos.

Então quando você veio para cá já fazia praticamente oitos anos que você trabalhava na área da

educação...

P12 aí então entre as várias coisas que eu participei, de conselho da criança e do adolescente (na

época conseguimos pela primeira vez o selo da UNICEF),foi muito gratificante, depois dessa

premiação entreguei o cargo e vim para Fortaleza. Passei nove meses sem atuar em sala de aula aí

apareceu o concurso do Estado, aí eu fiz o concurso do Estado e enquanto esperava o resultado

participei e passei em duas seleções, para o colégio Christus e para o colégio evolutivo, aí eu fiquei

no Evolutivo porque era mais próximo e eu não sabia ainda me deslocar bem na cidade e quando

saiu o resultado do concurso fiquei feliz porque na época em que estava estudando eu rasgava a

apostila para poder segurar com uma mão só, porque com a outra estava amamentando; aí ingressei

no Estado, no início fui lotada em seis escolas aí muita coisa mudou: precisei aprender a me

deslocar em Fortaleza, as escolas não eram próximas, tive de aprender a dirigir porque eu não

queria depender do meu esposo para tudo e de ônibus acabava chegando atrasada enfim... aí um

belo dia estava conversando com uma colega e ela conhecia a diretora daqui e ela disse: ah xxxxxx

vou perguntar se há carência na sua área e eu disse: ah, se tiver eu topo. Eu iria sair de um local

onde a violência já tinha dominado, isso era 2003 mais ou menos e a escola ficava no Bom Jardim,

a escola em si era boa, não tinha uma pichação o problema era eu conseguir chegar lá e sair de lá

em segurança; aí apareceu uma turma só para eu ensinar aqui, mas eu disse que viria... aí a diretora

gostou do meu trabalho, teve um deslocamento de um professor para outra escola, e esse foi o

momento que entrei na escola em principio já fiquei com 200h/a e fui convidada a atuar na área

pedagógica foi quando assumi, sou coordenadora de área, tenho 100 h em sala e 100h da

coordenação e aí tô até hoje...

Hoje você está lotada só aqui?

P12 Sim, só aqui.

Você passou por seis escolas e mais a J? O que pode dizer das experiências? Elas são muito

diferentes entre si?

P12 Essas todas tinham um perfil parecido, sabe? Eram escolas mais periféricas e que tinham

muitos problemas com alunos envolvidos com drogas; mas no tempo que passei nunca fui

desrespeitada ou ameaçada mas, como ser humano, eu tinha medo...e eu muito nova eu tinha aquilo

de acreditar que eu podia mudar as coisas mas depois que entra a família em jogo eu pensei que

tinha de buscar uma escola mais tranquila porque quer você queira quer não o seu dia no trabalho

vai refletir na família, se você é muito consumida você vai chegar em casa diferente; então ficar em

uma escola só trouxe uma série de vantagens, passei a morar mais próximo né?

E hoje em dia como é a sua rotina, se você pudesse descrever para mim ou uma semana típica...

P12 Agora eu estou em sala de aula, as 200h porque houve uma mudança com relação ao

coordenador de área aí na segunda-feira venho dar aula minhas turmas são do ensino médio, os

terceiros anos, são todos meus e algumas turmas do primeiro ano também e ai a rotina é, eu venho

para escola...

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Quantas aulas você ministra por dia?

P12 Tem dois dias que tenho 12 aulas aí nesses dias não almoço em casa, porque não ia dar tempo,

iria só para dar o ar da graça porque não daria tempo de almoçar né? Então fico na escola, trago

minha alimentação de casa, dois dias na semana isso, aí fico à tarde na escola, 18h busco minha

filha na escola e providencio o jantar, após o jantar tem orientação de tarefa aí depois você cai na

cama e é só...

E nos outros dias que não tem esse monte de aulas?

P12 Na verdade assim, na segunda-feira, eu não dou aula de manhã, eu fico em casa, eu ajeito as

coisas em casa, eu estudo, eu oriento a minha filha, porque a noite é só para fazer a tarefa mesmo...

a gente almoça e aí eu deixo ela na escola e eu venho trabalhar, o expediente acaba 17h50min e aí a

noite é orientação de tarefa, conversar com o esposo, assistir um jornal... no outro dia, na terça-feira

é o dia todo aqui, aí meu esposo é quem pega minha filha na escola nesse dia enquanto eu vou me

deslocando para casa. Na quarta eu não venho, aí na quinta-feira é o planejamento, na sexta tem

horário de planejamento em um turno só e no outro fico em casa...

Você leva tarefas do trabalho para casa?

P12 Quando não dá tempo, ou quando a concentração aqui não é legal, eu levo...

E com qual frequência isso acontece?

12 Rapaz, de 10 acontece sete... quando é algo que requer uma concentração maior (porque a escola

não tem um espaço onde eu possa ficar sozinha)...

O silêncio é insuficiente?

P12 Sim, e às vezes são outras coisas, a internet às vezes não tá legal e eu quero pegar alguma

imagem para colocar na minha prova ou num TD ou algo a mais que precise... nem sempre dá para

fazer isso aqui... então essas tarefas faço quando estou em casa na segunda de manhã, na quarta ou

na sexta à tarde...e isso só tenho 200h/a tem colegas que tem 300h/a é pior...

Vocês podem, tem a liberdade de mudar a carga horária? Aumentar ou diminuir?

P12 Bom, 300h só por concurso público, você tem concurso para 200... você não pode aumentar

sem concurso porque as matrículas são diferentes para cada carga horária. Muitos escolhem 300 por

uma questão sanitária, eu trabalho duzentas porque meu esposo trabalha, ele não é da área de

educação, e aí a gente quando vai juntar as contabilidades dá para manter o barquinho navegando;

mas para eu sobreviver com meu salário de 200h sozinha ia ser bem complicado para começar acho

que minha filha não estudaria na escola que ela estuda, eu não teria o meu carro talvez, talvez até

ela estudasse onde estuda mas o padrão de vida seria outro...

Falando de padrão de vida, você pode me dizer o que você entende por qualidade de vida?

P12 Qualidade de vida é você usar o tempo fazendo coisas que você gosta e é assim sabe? Ter

tempo para família eu aqui mesmo na escola abrir mão de muita coisa para eu ter mais tempo em

casa sabe?Eu assumi aqui em 2013 um projeto que eu desenvolvi e pus a mão na massa e eu não

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tinha mais tempo para família, mas eu fiz a coisa acontecer sabe? Os níveis dos alunos dos terceiros

anos ficaram bem elevados eram turmas totalmente desestimuladas e melhoraram, claro que não foi

100% mas eles eram aqueles alunos que não viam uma luz no fim do túnel e aí de repente viam

maneiras, montavam grupos para estudar com os colegas e passaram a ser alunos, que se inscreviam

em tudo o que era oferecido até os simulados, que fazíamos, quando colocávamos os resultados

você via a empolgação deles em conferir aquele gabarito e foi legal! Foi muito gratificante mas ai...

eu não consegui ficar e... muitos passaram no vestibular, foi o primeiro ano em que o colégio J

conseguiu aumentar seu índice de aprovação em relação ao terceiro ano...

A qualidade de vida deles melhorou mas a sua...

P12 A minha eu deixei bem de lado, sabe? Eu fiquei desgastada fisicamente mesmo, emagreci, mas

é que eu ficava aqui mais de 300 h... dedicada mesmo...(chora)

Você sente falta de poder fazer isso por eles?

P12 A sensação de eles voltarem para a escola é muito boa, eles vêm e dizem oh professora, tô em

tal semestre da faculdade ou entrei mas ainda não é o curso que eu queria...mas mesmo assim, já é

uma grande conquista ter entrado numa faculdade pública, porque ele está buscando outra tá

entendendo? Um menino, que não tinha nenhuma perspectiva de vida...eles passaram a gostar da

escola de um jeito, eles não tinham nem onde estudar em casa... vinham para cá... (se emociona)

Alguns nem sabiam que podiam vir... conclui que a família é muito importante na vida de um ser

humano...

E justamente por isso você resolveu cuidar mais da sua...

P12 Sim... quando terminou o ano percebi que estava deixando um pouco de lado e decidi ficar só

com minhas aulas mesmo; sofri certa pressão sobre o núcleo gestor da direção da escola; mas desde

o início eu tinha destacado a necessidade de outros professores se engajarem no projeto e ai foi isso

o que aconteceu, eu sofri depois porque tudo aquilo que construí ao longo de um ano foi morrendo

sabe? Aqueles objetivos, aquelas propostas do projeto foram se perdendo ai... eu fui chamada de

novo para poder...continuar o projeto mas aí eu não quis mais abrir mão da minha família, eu tinha

começado a ter problemas com meu esposo, e ele estava certo, eu ficava aqui até tarde da noite...

saia seis e meia e tinha dia que só voltava nove horas, tem dias que, tem eventos que, tem um

evento que a gente chama de jgnight em que se fica aqui 12h com eventos, aulas... eles já vem de

uma jornada toda... é uma noite inteira, então eu chegar depois de uma jornada inteira e dizer que ia

ficar essa noite toda aqui... aí meu esposo disse que não adiantava nada eu ficar cuidando dos filhos

dos outros e a tua família? E ai eu comecei a perceber que a gente trabalha para estar bem também

com a família, né?

E hoje, se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida de zero a dez, que nota você daria?

P12 Minha vida está se resumindo a trabalhar e estar em casa, fazer programas caseiros mesmo

(porque o esposo está se preparando para concurso) então não tenho viajado, as viagens que fazia eu

ainda não estava na educação... então na minha qualidade de vida hoje... Sete

E faltaria exatamente essa parte do lazer?

P12 É essa coisa maior até porque na minha família a gente gosta de fazer tudo junto. Eu não gosto

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de ir para um shopping só, tem que ser nós três, entendeu? Aí eu tenho de ver o lado dele, então eu

faço de conta que eu não estou querendo ir para não tirar ele da rotina de estudos... porque eu sei

que a gente vai...assim, é um objetivo dele, né? A minha vida hoje, financeira, está boa mas eu

sonho com mais tá entendendo? Então por isso é essa nota sete.

E saúde mental? O que você entende por saúde mental?

P12 Saúde mental é você estar bem com os problemas que precisam ser resolvidos... é que... hoje

você ter 100% de saúde mental é tão complicado, né? Nesse mundo que a gente vive... Assim: eu já

fui assaltada 3x...uma foi junto com a minha família, sabe? Vi o cara lá com a arma apontada para

minha filha... então assim: eu saio hoje, eu tenho medo... mas não deixo de sair... sem querer a gente

passou isso para minha filha, ela também tem medo de determinadas horas, de determinados locais,

até pela experiência, né? Mas eu procuro conviver da melhor forma possível...

Como é que você faz para conviver com essas coisas?

P12 Eu, eu, primeiro eu seleciono os lugares para ir, nem todo lugar eu vou com minha filha, se eu

vejo que o local representa algum risco, eu não levo minha filha, e a gente toma... por exemplo, se

eu chego num restaurante eu não fico mais nas primeiras mesas a gente procura ficar mais dentro do

restaurante e assim, são medos que não adianta dizer que você não tenha, mas eu também não vou

poder deixar de viver, encontrar amigos... só que tem de ter muito cuidado, quando a gente sai a

gente tem medo, aí assim não sei dar para dizer que se tem 100% de saúde mental não... não tem,

tem esses medos por conta da cidade onde a gente vive...

Para ti o trabalho está mais associado à perspectiva de sofrimento ou de saúde?

P12 Hoje? O trabalho não, para você ter ideia hoje eu me sinto bem quando estou aqui, não é que

minha casa... avé Maria, eu amo minha família e amo minha casa, mas me sinto muito bem estando

aqui...

O trabalho é muito importante na minha vida... se você me perguntar: você sonha com a

aposentadoria? Eu sonho, porque eu sei que eu não vou ter a energia que eu tenho hoje; eu já não

tenho a energia que tinha há dez anos... então sonho com a aposentadoria sim... agora que o trabalho

me faz bem, faz... para você ter ideia passamos agora 107 dias em greve, eu amo o que eu faço, mas

eu entrei na greve porque também eu preciso de melhores condições de trabalho e eu trabalho numa

escola muito boa mas eu tenho muitos colegas e, eu também passei por escolas que a infraestrutura

não era essa, então não vou cruzar os braços diante de uma realidade que é da maioria então eu

entrei em greve sim, até porque precisamos de melhores salários aí o que acontece? Quando passou

o primeiro mês eu já estava torcendo que tudo se resolvesse para eu voltar porque já estava sentido

falta da escola...

O que você mais gosta aqui?

P12 Gosto de estar com meus alunos, de quando acaba a aula um vem e diz ah professora entendi o

assunto ou gostei da aula... isso me gratifica e tem aluno que chega e diz mesmo, sabe? Aí tem dias

que você não tá legal e não dá uma aula legal também, eles percebem isso, ontem mesmo, eu achei

tão legal, eu tava quase sem voz e abri a chamada, não tava de muita conversa, né? Sem voz, e eu

abri o diário para fazer a chamada e comecei: número 1, e a voz saindo bem pouco, quando eu

cheguei no número três, eu não estava mais chamando quem tava era um aluno, bem forte: número

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4...e eu comecei a rir, então são essas coisas, você pode pensar: mas são coisas tão pequenas... mas

são essas coisas que eu acho legal; grande parte dos alunos são de uma classe social baixa, um dia

eu tava completando ano e aí uma turma de terceiro ano desenhou um bolo numa folha de papel e

quando entrei em sala começaram a bater palma com esse bolo... então são essas pequenas coisas,

talvez se tivesse tido um bolão mesmo de verdade eu não teria me emocionado tanto quanto o bolo

desenhado no papel então são essas coisas, e muitas outras, que me fazem bem aqui...

A relação dos professores é boa?

P12 Muito boa, com exceção de um ou outro, percebo que voltamos dessa greve, assim mexeu

muito com as estruturas, eu particularmente fiquei muito triste mas é isso, nós temos essas coisinhas

assim pontuais mas eu venho de escolas onde os problemas não são pontuais são gerais...

Em sua opinião você acha que o sofrimento psíquico dos professores está mais ligado às condições

socioeconômicas desfavoráveis ou à organização do trabalho em si?

P12 Acho que está mais voltado ao trabalho em si; de uma coisa eu tenho certeza se você está na

educação atuando, e não se identifica, você vai ser um eterno infeliz; não só na educação... mas na

educação você vai estar todo dia com alunos diferentes, turmas diferentes... todo dia é uma caixinha

de surpresas aí você começa a saber das histórias dos alunos, o aluno vê em você uma figura em que

pode confiar e começa a lhe trazer muitos problemas da casa dele sabe? Se você não tiver um filtro,

uma boa estrutura em casa você vai ser assim, meio infeliz, sabe? Porque vou te dizer: tem muita

coisa negativa na escola...

Quais são as coisas negativas?

P12 Trabalhamos com alunos com diferentes tipos de família, temos alunos que se chegarem com

um palito de fósforo em casa os pais questionam e outros que se chegarem sem o palito de fósforo

ele apanha, tá entendendo? Temos alunos que são envolvidos com esse mundo da violência e que

fico me questionando: poxa eu passei a mão na cabeça desse menino, literalmente, sabe? Às vezes

enquanto estão fazendo uma atividade eu vou lá passo a mão na cabeça e isso me chocou muito uma

vez que, um aluno desses que eu passei a mão, hoje tá preso por conta de um assassinato... eu passei

noites com assim com aquela coisa ruim, um tipo de sofrimento, então se você se deixar envolver

fica complicado; fui algumas vezes no médico ele dizia que era estresse passava algum

medicamento então fui vendo que era eu mesma quem tinha de lidar com as coisas, sem remédio.

Hoje tenho 41 anos de idade e nunca tomei nenhuma medicação para acalmar, para nada... antes eu

sofria mais, hoje acho que isso aqui é bom para minha saúde, porque eu comecei a filtrar as coisas,

ou você filtra ou você fica doente...

E como é que você faz para filtrar?

P12 Mulher, nem eu sei. Uma colega me perguntou: como é que tu consegue? Porque é uma coisa

que não dá muito para separar, mas faço o seguinte eu tento no máximo, quando eu pego meu carro

aqui no estacionamento eu já me desligo dos problemas de alguns alunos... aí já penso na minha

filha e de vez em quando vem aqueles pensamentos, né? Mas coloco minha família, procuro pensar

em outras coisas... começo a me burlar, praticamente, mas antes eu não conseguia fazer isso...

Você consegue substituir certos pensamentos mais obsessivos por outros mais propositados...

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P12 É se é problema com aluno procuro lá fora pensar em soluções para coisas da minha filha.

Então tem certo ritual? Assim: você entra no carro, fecha a porta e é como se fechasse a porta para

escola...

P12 Sim se for problema com aluno ou alguma coisa faraônica como se diz eu procuro fazer isso

porque senão se ficar naquela coisa não consigo me concentrar em nada em casa … e não quero

levar problema da escola para casa. Até porque se for relatar as coisas para meu esposo... nem relato

mais porque eu sentia da parte dele um “não aguento mais...escutar esses problemas, que não são

nossos”

Era meu, não era nosso, nem dele nem da minha filha... então relato algo pontual, antigamente

contava tudo...hoje para viver bem não faço mais isso.

Então você filtra também o que vai conversar em casa? O que vai partilhar, o que não vai partilhar?

P12 Sim, mas agora aqui eu vivo tudo, me envolvo esqueço até que minha filha está ali, hoje ela

está na escola e vai almoçar só com as colegas, fiquei preocupada lá, quando passei da portaria aqui

pronto, esqueci, tento ao máximo não trazer meus problemas de lá e nem levar os daqui para casa.

Mas antes não conseguia fazer isso os de casa não trazia, mas daqui eu levava... até eu me polir,

agora tô vivendo melhor; minha casa nunca teve nada de discórdia, eu tenho 15 anos de casados e

nós nunca tivemos uma discussão mais séria assim, a gente discorda de uma coisa ou outra mas de

alterar a voz um com o outro, não. Eu acho isso legal e a gente vive muito bem assim, sabe? Então

apesar das dificuldades evito falar, apesar de ter alunos que não aprendem...

O fato de haver alunos que não aprendem gera desconforto?

P12 Sim, poxa você leva um tempo enorme para planejar aquilo ali, um bimestre inteiro de desgaste

de voz, físico, aí quando você vê o resultado não é bem o que você esperava e nós somos humanos;

você pensa, aquela turma ali vai... você gera expectativa aí quando é o contrário a decepção é

maior... uma aluna uma vez chegou, meio intrigada, e disse poxa professora, você gosta quando a

gente tira nota boa? E eu pensei: poxa, qual é a visão que essa menina tem de um professor? Eu

sempre pensei que me viam como uma ajuda, um apoio, então quando ela me perguntou isso fiquei

me questionando: será que isso é uma coisa isolada? Isso foi uma das coisas que me fez investir

mais naquele projeto de 2013 e assim: a educação ela... a sala de aula não é uma formulazinha que

você está ali e pronto vou aplicar essa fórmula, não é assim... é uma caixinha de surpresas e muda

muito de uma turma para outra; se estou no primeiro ano A e saio logo em seguida para o primeiro

ano B não consigo atuar da mesma forma... e alguns alunos questionam, como eu ensino em todos

os terceiros anos, tem aluno que pergunta: “professora você passou essa questão para a turma da

minha prima”? “por que a senhora já está nesse assunto e lá a senhora ainda está lá atrás? É porque

eles são burros?” eles perguntam desse jeito... aí digo, não é bem assim, você tem de ter toda uma

maneira de falar, de explicar...

Se você não fosse professora o que você seria?

P12 Eu já fui aprovada em um concurso para o Tribunal Regional do Trabalho e eu tive uma boa

colocação, de cem questões eu errei quatro, foi meu esposo quem conferiu meu gabarito, ele disse:

“pronto, amanhã você vai na SEDUC pedir exoneração” “aí eu disse para ele que se eu assumisse ia

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pedir só a redução de carga horária, que eu ficaria nos dois” e ele disse “minha filha você quer ficar

dando aula? Não acredito, não” (Ri) aí eu fiquei assim, eu sabia, que se eu fosse chamada ele ia

passar o resto da vida jogando na cara se eu não assumisse, que eu poderia estar ganhando bem

mais, não sei o que, trabalhando menos horas” e eu digo assim: Deus foi tão bom que muitas

pessoas acertaram 100% da prova e minha colocação não ficou dentro das vagas, aí passou dois

anos e pensei ainda vão chamar, mas completou quatro então, acabou” mas eu sou muito cobrada

por ele para estudar para concurso porque eu vinha num ritmo de estudar para concurso, mas eu sei

que não iria desempenhar bem a função e ia ser só por dinheiro; e é claro que não vou dizer que não

preciso de dinheiro para viver, mas hoje já tenho transporte, ele tem transporte, vivemos num local

bom porque também há uma soma de salários, porque se fosse só o meu, como já falei não dava.

Então, talvez, pelo dinheiro e pela pressão da minha família (não só dele, porque meus irmãos, mãe

e tudo...) talvez eu tivesse ido proTribunal do Trabalho mas Deus sabe o que faz. Eu poderia estar

ganhando muito bem, muito bem, muito bem mas não estaria aqui, a educação emociona né? Acho

que não me emocionaria falando de nenhuma outra profissão. Poderia? Poderia porque não exerci

nenhuma outra profissão, mas não sei... na minha formação, eu fazia Engenharia de Alimentos,

passei tudo... precisei trabalhar, tive de fazer uma opção ou fazia a faculdade de alimentos, ou fazia

a Llicenciatura plena em xxxxxxx eu tive de escolher porque precisava trabalhar aí escolhi a

xxxxxxxx uns dizem: ah, que escolha! Mas eu não vou discutir, eu penso de maneira diferente, com

a educação me sinto bem... agora... poderia ganhar melhor? Poderia!

Você acha que não é justo o que vocês recebem pelo investimento que fazem, é isso?

P12 Sim, não é justo. Vejo colegas aqui, passando por situações muito complicadas... Deus é muito

bom comigo porque eu exerço a profissão que eu gosto e ainda tenho a oportunidade de ajudar as

pessoas; se eu dependesse financeira só da profissão que eu gosto talvez não daria para eu ajudar

minha família, talvez, não sei a gente só sabe quando passa aquele momento, né? Mais talvez não

desse ou eu tivesse de abdicar de muitas coisas sabe? Para ajudá-los... mas sei que com outros

colegas não é bem assim... eles passam por situações muito difíceis porque o salário não dá;

Com relação à formação continuada, quais são suas ideias? O que você pensa sobre formação

continuada?

P12 Eu acho que formação continuada é primordial, eu até tenho algo sobre isso, eu fiz aqui na

escola, a importância da educação continuada para os professores, porque assim, eu entrei no

Estado no concurso de 2003 e assumi em 2004 desde então se eu não procurasse estudar eu não

teria nada, nenhum curso pago pelo Estado, você acredita? Nem um curso simples assim de oito

horas, não tem curso aqui, cada um caminha com suas próprias pernas e sei que tem colegas que

não tem esse tempo para estudar nem para refletir sobre sua prática porque tem que trabalhar uma

jornada de trabalho desgastante (são 300h), então assim, uma pessoa que tem 300h no Estado ainda

sim dá nos cursinhos no final de semana, tá entendendo? Então que tempo tem para estudar? Sei lá

talvez se pudesse fracionar os horários de planejamento e ter um x de horas para estudo e outro para

se dedicar á docência...

E tu acha que a formação continuada contribui para saúde mental?

P12 Eu acredito que sim porque você começa a ver as coisas de outra maneira, às vezes você está

em sala de aula trabalhando coisas que já são obsoletas e para ela aquilo é uma verdade porque foi

passado isso para ela mas a época em foi a faculdade era um período e agora já estamos em outro

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então eu acho que a formação continuada é importante para professor estar atualizado, fazer uma

reflexão sobre sua prática pedagógica; porque assim você entra em sala de aula, depois de uma

semana você tem de refletir, principalmente após o resultado dos alunos, pensar: poxa eu tô errando

em quê? O problema sou eu? Sabe ter humildade, poxa talvez eu não tenha passado essa matéria da

maneira como era para ter passado, somos seres humanos... eu defendo demais mas entendo os

casos dos meus colegas que já têm uma carga extensiva demais e ainda terem de estudar? Eu

mesma se estou mais cansada digo: não aguento mais fazer essa leitura aqui... até porque senão eu

leio, leio, leio e depois o que ficou? Até que ponto isso vai ajudar e até que ponto vai atrapalhar?

Mas que acho positivo fazer essas reflexões, aprimorar os conhecimentos... eu acho.

Tema algo que você queira acrescentar? Algo que eu não tenha perguntado e você ache importante

eu saber?

P12 Às vezes você idealiza muito uma coisa e é outra, é... às vezes a gente, as dificuldades do dia,

poxa não vou planejar mais dessa maneira porque emperra... às vezes a educação que o aluno traz

de casa te deixa triste, sabe? Assim, eu me sinto, nunca me senti enfrentada por aluno, mas sei que

tem alunos que enfrentam professor e é chato, e é chato, as pessoas têm o seu limite também... você

só pode ir até ali porque está na escola, se fosse na rua, você abria o verbo também, mas na escola

não dá, o educador é você e estar se policiando exige um jogo de cintura muito grande... quando

comecei a ensinar com vinte anos o comportamento dos alunos era um, hoje é diferente eles veem a

gente de outra maneira, então tem que saber até o que falar, se você toca em assunto de drogas você

já fica constrangido porque eles denunciam logo os colegas, que usam drogas, que estão em sala de

aula e aí você fica com medo também: até onde posso entrar aqui nessa história? Que aluna tal é

filha de traficante tal... e essas coisinhas deixam você muito cansada no final do dia sabe? Esse pisar

na casca dos ovos, você tem de saber onde pisa, como abordar um assunto... e não podemos deixar

de abordar – me sinto na obrigação no meu papel de educadora... é complicado, ser professor hoje

não é fácil, você ser professor hoje não é fácil, eu gosto do que faço e não é fácil sem gostar você

vai sofrer...

Agradeço, encerramos etc...

Final das entradas.