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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
DANIELLE FERNANDES VASCONCELOS ALVES
SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA
CONSTITUIÇÃO DOCENTE
FORTALEZA-CEARÁ
2017
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DANIELLE FERNANDES VASCONCELOS ALVES
SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA
CONSTITUIÇÃO DOCENTE
Tese de doutorado apresentada como pré-requisito
para obtenção do título de doutora em Educação no
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Ceará. Linha de pesquisa:
Formação e desenvolvimento profissional em
Educação. Núcleo de Aprendizagem e Subjetividade
no Percurso de formação e prática docente.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Ignez Belém Lima
Nunes
FORTALEZA-CEARÁ
2017
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Alves, Danielle Fernandes Vasconcelos .
Saúde Mental e Subjetividade: Estratégias Defensivas na
Constituição Docente [recurso eletrônico] / Danielle Fernandes
Vasconcelos Alves. - 2017. 1 CD-ROM: 4 ¾ pol. CD-ROM contendo o
arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico com 205 folhas,
acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).
Tese (doutorado) - Universidade Estadual do Ceará,
Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Fortaleza, 2017. Área de concentração: Formação e Desenvolvimento
Profissional em Educação. Orientação: Prof.ª Ph.D. Ana Ignez Belém
Lima Nunes.
1. Estratégias Defensivas. 2. Formação de Professores. 3.
Subjetividade. 4. Psicologia Histórico-Cultural. 5. Educação. I.
Título.
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A todos os bons professores que já tive e que
plantaram em mim o amor e a crença na sala de aula
como lugar de aprendizado e transformação para
vida. Às mulheres da minha vida: minha mãe,
professora, luminosa e amiga; minha filha que me
ensina todo dia e minha melhor amiga Elinadja,
professora, escritora e memória externa.
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AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida, oportunidades, vocação e família.
A meu pai, que torceu pela conclusão desse doutorado, como alguém em uma partida final de seu
time favorito de futebol.
À minha orientadora Ana Ignez pelo incentivo e carinho.
Às 11 mulheres, companheiras de caminhada, foram quatro anos, muito trabalho, perdas e ganhos,
mortes, nascimentos, cansaço, risadas e a sensação boa de poder contar umas com as outras, avante!
Aos amigos do Indie VIPs, que trouxeram alegria e leveza para meu cotidiano.
Às minhas chefinhas Jamile Braide, Niedja Pinheiro e Virna Nascimento cuja generosidade e
compreensão me ajudaram a chegar até aqui.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, que me
permitiu dedicação exclusiva ao curso em meu primeiro ano.
Ao meu marido, porto seguro e observador.
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“Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
um poema invoca uma centena de atos heroicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu
resultado. (...)”
(Jacob Levy Moreno)
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RESUMO
O trabalho é resultado de uma pesquisa qualitativa, exploratória, do tipo estudo de caso, feita em
uma escola pública de ensino médio na cidade de Fortaleza. O público-alvo do estudo foram
professores de ensino médio e o objetivo geral foi investigar as estratégias defensivas utilizadas por
esses docentes para manutenção de sua saúde mental. Os objetivos específicos foram: 1) Conhecer
as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade de vida. 2) Identificar as
estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento
psíquico. 3) Conhecer as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma
relação entre ela e seu bem-estar. Além disso, existia uma hipótese de que a formação continuada
poderia ser uma ferramenta para promoção da saúde mental do professor. No que diz respeito ao
primeiro objetivo, as ideias dos professores sobre saúde mental estão relacionadas à sensação de
bem-estar e à capacidade de administrar o estresse ou a saúde mental aparece como uma extensão
da saúde física, sendo consequência dela ou estando relacionado a ela. Já no que diz respeito à
qualidade de vida, para eles, Qualidade de Vida, é um conceito relacionado, principalmente, ao
tempo livre (principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados com o corpo
(alimentação, descanso, exercício). As estratégias coletivas encontradas foram: O humor, o bom
ambiente e as boas relações interpessoais, a sensação de liberdade na escola e a personalização de
espaços coletivos (armários). As estratégias individuais foram: ignorar ruídos, confrontar alguns
alunos, reconhecimento e laços afetivos com alguns alunos, identificação com as vitórias dos
alunos, cultivar a espiritualidade, cuidados com o corpo, ouvir músicas ou ver filmes e criar
pequenos rituais cotidianos para se desligar dos problemas de sala e da escola. A formação
continuada está relacionada a dar prosseguimento aos estudos, seja de modo informal (cursos de
curta duração, leituras) seja através de cursos formais de pós-graduação (especialização, mestrado,
doutorado); a maior parte dos docentes parece ter a compreensão de que essa seria uma
responsabilidade principalmente individual, ou seja, caberia aos próprios professores buscar
atualização; a formação continuada não apareceu como responsabilidade, ou papel, também, do
Estado e da Escola. Além disso, a formação continuada, também, apareceu como um possível
espaço de promoção para à qualidade de vida/saúde mental.
Palavras-chave: Estratégias Defensivas. Psicologia Histórico-Cultural. Saúde Mental. Qualidade
de Vida. Formação Continuada.
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ABSTRACT
This work is the result of a qualitative research with an exploratory approach and can be classified
as a study of a case that took place at a public high school located at Fortaleza city in Brazil. We
target the group of high school teacher to research their psychological defensive strategies to keep a
good mental health. The specific objectives were 1) to gain insight into the teachers´s own ideas
about what mental health means and what quality of life means. 2) To seek to identify the
psychological defensive strategies used by the high school teachers to handle stress and
psychological suffering. 3) To gain insight into teachers‟ own ideas about ongoing formation and if
they think that ongoing formation can affect positively their feeling of well-being. Besides those
specific objectives there was an assumption that ongoing formation could be used as a tool to
promote high school teachers‟ mental health. The answer to the first objective was that the teachers‟
ideas about mental health are related to a feeling of well-being and the ability to master stress on
daily basis or the mental health is related to health of the body as a consequence of it or as an
extension of the body health. The concept of quality of life is related to having time to spend with
their families and friends and also to take care of their bodies (correct feeding habits; enough rest
and exercising). The collective psychological defensive strategies identified were humor; good
interpersonal relationship; the feeling of freedom inside of the school; to personalize a few
collective objects. The individual psychological defensive strategies identified were to ignore the
noise inside classroom; To confront some of the students; to bound with students who
acknowledged them as good teachers; to feel related to the victories of their students; to work on
their spirituality; to take care of their bodies; listening to music or watching movies to relax; to
create daily small rituals to copy with school problems. The ongoing formation process concept is
related to keep studying after graduation in informal way (small duration courses, reading books
etc.) or in a formal way through post-graduation courses. Most of the interviewed teachers seems to
understand that ongoing formation is a personal responsibility of the teachers alone. Besides that
ongoing formation was also described as a possible scenario to help promoting mental health and
quality of life.
Key-words: Psychological defensive strategies. Historical-Cultural Psychology. Mental Health.
Quality of Life. Ongoing formation.
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APRESENTAÇÃO - FRAGMENTOS AUTOBIOGRÁFICOS: DE ONDE VENHO PARA
ONDE QUERO IR...
Chamo-me Danielle Fernandes Vasconcelos Alves, nasci em 1975, na cidade de
Fortaleza, Estado do Ceará. Sou a caçula de oito irmãos e, também, filha única. Meus pais se
conheceram no trabalho (eram funcionários públicos) após ambos terem sido casados e terem tido
filhos anteriormente. Meu pai é filho de pai militar (General) e mãe dona de casa; minha mãe é filha
de comerciantes, sua mãe trabalhava e se sustentava em um período em que poucas mulheres o
faziam. Minha avó materna, que se alfabetizou sozinha, valorizava profundamente a educação e fez
questão de que as filhas estudassem em escolas particulares; talvez isso tenha sido um reflexo da
constituição de 1937 que, modificando a anterior de 1934, em seu artigo 125 afirmava ser da família
a responsabilidade pela educação dos filhos cabendo ao estado somente “(...) suprir as deficiências e
lacunas da educação particular” o que, como destacam Freitas e Bicas (2009) punha o Estado como
uma entidade que vigiava para que a nação se responsabilizasse pelas ações educativas de certo
modo se eximindo de um papel principal. Apesar disso, meu pai estudou no Liceu do Ceará (há uma
foto dele com o casaco da farda aberto, tocando tambor junto a um grupo de outros alunos – com
outros instrumentos – comemorando o último dia de aula de latim). Ambos estiveram sob a égide,
também, das leis orgânicas dos anos 40, seu curso ginasial teve quatro anos seriados acompanhados
de três anos de colegial científico (FREITAS E BICCAS, 2009) o que lhes permitiu o ingresso
posterior na faculdade que quisessem, apesar de ambos terem ingressado na faculdade, tarde,
beirando os 30 anos; fizeram administração de empresas na UFC (porque era o curso que lhes seria
mais útil no trabalho por questões de ascensão profissional) na época em que cursavam faculdade
vigorava a lei 5.540 de 1968, que logrou modificar estruturalmente o ensino superior no Brasil e
que foi inspirada no modelo norte-americano, adotando o sistema de créditos e introduzindo a
matrícula por matérias (FREITAS E BICCAS, 2009); minha mãe fez concurso para a universidade
(UECE) e iniciou uma nova carreira, paralela, como professora universitária após completar 40
anos; depois de se aposentar do órgão em que trabalhava inicialmente, começou a ministrar aulas,
também, na UNIFOR.
Cresci em uma casa grande e bonita, com belo jardim e quintal, bichos e um vai-e-vem
constante de pessoas, minha melhor amiga, que também é minha sobrinha, passava longos períodos
conosco e algumas vezes usávamos roupas idênticas (o que eu adorava e ela odiava). Havia muitos
livros e li bastante enquanto estava crescendo.
Tive a sorte de estudar ao longo de toda vida enquanto dados apontam que nos anos 80,
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no Nordeste do Brasil (onde sempre vivi) o número médio de anos de estudo era de 2,2 anos, sendo
que no final da década de 80 o país possuía 33% de sua população analfabeta, somente 14% da
população havia completado o primeiro grau, 7% o ensino médio e apenas 5% o ensino superior; no
final dos anos 90, quando concluí o ensino médio, somente 13% da população o fazia e apenas 8%
concluía o nível superior (FREITAS e BICCAS, 2009), além disso, de acordo com os mesmos
autores, o mundo e o país passaram por grandes mudanças durante o período em que estive na
escola e na faculdade, quando comecei a estudar ainda estávamos em plena ditadura e éramos
regidos pela Lei 5.692/71; quando estava terminando a terceira série o país voltou a ser uma
democracia, em 1988 foi promulgada uma nova constituição (eu estava na quinta série), em 1990
foi aprovado o Estatuto da criança e do adolescente (ECA), através da Lei 8.069 de 13 de julho; em
1996, no meu primeiro ano de faculdade, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional e em 1997 a Internet começou a ganhar força.
Minha primeira escola, onde permaneci até a quarta série (final do ensino fundamental)
chamava-se Colégio Santa Maria Goretti, era uma escola católica, tradicional e tenho lembranças
fabulosas desse período. A escola era pequena, ficava perto do trabalho de meus pais e as freiras me
adoravam; a área da educação infantil ficava no térreo separada das demais áreas por um por portão
gradeado e tínhamos acesso a um jardim interno muito bonito; a única professora de que me
lembro, desse período, chamava-se Catarina (chamávamos todas as professoras de “tia”, então ela
era “tia Catarina”), era belíssima, tinha os cabelos lisos, de um preto profundo, que estavam quase
sempre presos, rabo de cavalo, era morena e sorria bastante. As lembranças de aprendizado, ou,
melhor, de atividades didáticas, não vêm de forma clara à memória; as memórias afetivas que tenho
são das atividades artísticas e culturais (festas, viagens, peças teatrais, feiras de Ciências), das
sandálias de couro, da farda xadrez em tom de azul com meu nome bordado, de estar sempre com o
penteado “Maria Chiquinha”, da minha lancheira em forma de trem - que sempre continha Nescau
na garrafinha acompanhada de sanduiche, bolo ou biscoito; das freiras nos ensinando a não temer o
diabo, de brincar muito com a Nadja e de comer pipocas (inclusive catadas do chão, para desespero
de minha mãe).
O ensino fundamental, nessa escola, tinha início de forma simbólica com uma mudança
de farda, que permanecia a mesma até o final do segundo grau do ensino médio, passei a usar
sapatos mocassins com meias brancas, saia preta com “suspensórios”, blusa braca de tecido com
botões e um broche com o brasão da escola do lado esquerdo, na altura do peito, no suspensório. A
farda da educação física era um collant (que hoje chamamos de body) de cor preta com o brasão da
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escola impresso, uma saia branca e tênis branco. Outra mudança significativa foi à introdução de
uma cerimônia diária em que nos reuníamos no pátio, antes das aulas terem início, em grupos
separados de acordo com as séries para o hasteamento da bandeira, enquanto cantávamos o hino
nacional (era início da década de 1980 e, ainda, estávamos em plena ditadura militar) ter o direito
de hastear a bandeira era uma grande honra; um outro ritual diário eram as orações antes do início
da aula, já em sala, todos de pé; havia também um desfile anual – parada de Sete de setembro –
onde caminhávamos com os símbolos pátrios pelas ruas no entorno da escola.
Desse período, a professora que mais me marcou foi a da alfabetização, chamava-se
Zuraide e lembro-me de suas aulas e do prazer que sentia por estar aprendendo a ler com a ajuda do
“tio Juquinha” que era um personagem em nosso livro didático; posteriormente a Zuraide foi minha
professora particular durante alguns anos... Fui a oradora da minha turma de alfabetização (foi a
primeira vez que falei em público e lembro que me senti importante!). Lembro também da
professora de Educação Física que se chamava Dila que tinha incríveis olhos azuis e era corajosa
como um garoto, da professora da segunda série que havia perdido um bebê e por isso estava
sempre triste e de uma professora da quarta série (Regina), que por algum motivo misterioso,
parecia não gostar de mim e foi rude em algumas ocasiões, o que durou pouco, pois a diretora da
escola e a coordenadora (irmã Bernadete) gostavam muito de mim e eram amigas de minha mãe;
eu, também, tinha um excelente desempenho acadêmico então ela arranjou outro alvo.
A segunda etapa do ensino fundamental trouxe outra mudança, dessa vez de escola,
após visitar algumas escolas escolhi ficar no Colégio Santa Cecília, outra escola confessional; lá
não cantávamos o hino nacional e nem hasteávamos a bandeira (Era o ano de 1988 já fazia três anos
que o país mudara de regime político e os militares não mais estavam no poder). A prática da oração
antes do início da primeira aula foi mantido, passei a ter vários professores, inclusive do sexo
masculino (uma grande novidade já que até então todas as minhas professoras haviam sido
mulheres, na tradição descrita por Vincentini e Lugli (2009) onde a grande maioria das professoras
desse período eram mulheres formadas pela escola normal que passou a se chamar Habilitação para
o Magistério a partir de 1971). Os professores que marcaram esse período foram o Alexandre e o
Paulo Wagner respectivamente das disciplinas de Religião e de Matemática. O primeiro era muito
mais um filósofo que propriamente um religioso (havia sido seminarista) e as discussões sobre
moral, certo e errado, religião e ética deixaram marcas fortes em mim; o segundo foi o primeiro
professor que me fez gostar de Matemática e aprendê-la de forma prazerosa (passei um período
longo tendo aulas particulares com ele também). No mais as lembranças dos primeiros
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apaixonamentos, da farda vermelho com branco (calça e blusa) e que eu considerava horrorosa, uma
reprovação na sétima série (a sala inteira reprovou) e algumas grandes amizades que permanecem
até hoje.
No início do ensino médio resolvi mudar, novamente, de escola cujo motivo principal
era buscar a companhia da minha melhor amiga (e sobrinha) fizemos o teste de seleção para a
Escola Técnica Federal, não passamos e acabamos iniciando o primeiro ano no Colégio Capital, foi
a primeira vez que estudei em uma instituição laica, não havia orações, crucifixos, educação
religiosa e muito menos hinos e bandeiras; o uniforme era uma blusa branca com o símbolo da
escola, e qualquer calça, jeans e tênis nas cores de nossa preferência. Nesse período fazia inglês no
IBEU, que ficava a cinco quarteirões da escola, eu ia pé e no final do dia meu pai me pegava lá. O
clima de liberdade me chocou de início, não havia medo nenhum da coordenação e alguns alunos
eram desrespeitosos com eles. Tive alguns professores extraordinários cujas aulas me recordo até
hoje: Morano e Kerbage (Biologia), Myrson Lima (Português), Marcos Threiger (História Geral),
Carlos Augusto (Literatura), Paulo Humberto (História do Brasil). As lembranças desse período são
a sensação de liberdade, fazer parte do quadro de honra de redação, fazer trilhas nas serras e festas
na escola. As aulas são um capítulo à parte, esses profissionais eram apaixonados pelo que faziam e
tudo acontecia com leveza: Morano e Kerbage eram amigos e suas aulas eram intercaladas eles
“insultavam” um com o outro e deixavam recados no quadro, nós ríamos muito e aprendíamos no
meio de tudo (eles também forneciam fórmulas mnemônicas para aprendermos determinados
conteúdos, por exemplo, quais são as vitaminas lipossolúveis? O que é lipo r- gordura, certo e se
você está andando e pisa em gordura? Você vai levar uma? Queda! Muito bem, pois as vitaminas
lipossolúveis são k e d a). Marcos Threiger punha os meninos para lutarem de “espada” (réguas)
quando ia explicar sobre as cruzadas; Myrson nos fazia aprender Português enquanto ficávamos de
maxilar dolorido de tanto rir; Carlos Augusto ensinava Psicanálise enquanto analisávamos textos de
Clarisse Lispector. Só fazia exercício quem queria, mas, para quem queria, havia professores de
natação (e piscina olímpica coberta), vôlei e basquete. Por algum motivo que não recordo nesse
período li toda a obra de Gabriel Garcia Marques.
Sempre soube que cursaria a faculdade de Psicologia, nunca quis fazer outra (ok, por
um breve momento pensei em ser psiquiatra, mas só pela possibilidade de poder prescrever
remédios), prestei exame vestibular em 1994 e fui aprovada na UNIFOR, minha mãe era professora
na Instituição e eu tinha 50% de desconto por isso. As aulas eram tradicionais, havia pouco uso de
metodologias ativas, não gostávamos dos professores que “inventavam” seminários infinitos,
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fazíamos provas abertas, estudávamos bastante. O curso era eminentemente voltado para o mercado
e nos preparava para o trabalho: em empresas, escolas ou consultório, havia pouco foco na
produção acadêmica e na pesquisa, não havia bolsas de iniciação científica ou grupos de pesquisa
formalizados, poucos professores eram mestres (não havia doutores) a maior parte era especialista.
O curso atendia ao que se propunha: todos ingressavam sem problemas no mercado, ainda durante o
curso, como estagiários e geralmente permaneciam nos locais de estágio como profissionais depois
de graduados.
A docência entrou na minha vida ainda na faculdade, para ganhar um dinheiro extra eu
ministrava aulas de Inglês em um curso particular e considerava incrível como conseguia me
divertir enquanto ensinava.
Nas empresas onde trabalhei, sempre acabava coordenando e ministrando treinamentos
e um ano após me formar comecei a ministrar aulas na UVA em cursos de pós-graduação (eu era
apenas graduada) isso foi em 2002, não tinha vínculo, me contratavam, eu ministrava uma
disciplina e me pagavam por ela.
Em 2004 iniciei minha especialização em Socionomia pela UECE/FEPS tinha dois
objetivos: qualificar-me para continuar lecionando (as exigências já estavam aumentando) e voltar a
atender no consultório porque estava cansando de trabalhar em empresas. Antes de concluir o curso
comecei a tentar o mestrado em Psicologia (só então comecei a perceber como minha formação
inicial na faculdade havia sido falha na área de pesquisa) no final de 2005 passei no processo
seletivo para o mestrado da UFC, e em dois concursos (IJF e CAGECE) optei pelo segundo porque
era mais bem remunerado e comecei a trabalhar na área de treinamento da empresa. As aulas do
mestrado começariam em março de 2006 e pensei que não haveria problemas em cursá-las já que
era concursada e seriam poucas vezes por semana, esse julgamento resultou errôneo e tive que optar
em permanecer no trabalho ou fazer o mestrado (nesse período a situação estava difícil e minha
filha era pequena) abri mão do mestrado e passei um período profundamente triste.
Em 2008 voltei a lecionar, dessa vez no IEPRO, em algumas especializações (o que
faço até hoje) e em 2009 passei no processo seletivo para ser professora no curso de Psicologia da
FATECI onde permanecí até 2013. Nesse mesmo ano (2009) ingressei no mestrado de Psicologia da
UNIFOR e quando o conclui em 2011 fiz um processo seletivo para professor substituto do curso de
Psicologia na UECE, consegui uma licença não remunerada no trabalho e passei o ano de 2012
inteiro ensinando na UECE (durante o dia) e FATECI (à noite) e me sentindo muito, mas muito
feliz.No final de 2012 fiz o processo seletivo para o Doutorado em Educação e em 2013 (em março)
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iniciaram as aulas, em abril consegui uma bolsa da FUNCAP, pedi demissão das Universidades e
passei a me dedicar, exclusivamente, às atividades doutorais. Em novembro de 2013 reabri o
consultório para complementar a renda familiar; em dezembro do mesmo ano dois eventos me
obrigaram a fazer uma mudança de direção (a CAGECE exigiu o meu retorno e minha filha havia
passado na faculdade para Arquitetura na UNIFOR, cuja mensalidade ultrapassava o valor da bolsa)
em janeiro de 2014 retornei à minha atividade na Companhia (felizmente já tinha uma quantidade
de créditos superior ao exigido no doutorado). Consegui manter o consultório em funcionamento até
fevereiro de 2015 e comecei a ministrar aulas no curso de especialização em Psicodrama da FA7
(um final de semana por mês, atividade que mantenho até hoje), qualifiquei o projeto de doutorado
em abril de 2015 e iniciei a pesquisa de campo em maio de 2015 (ia para o campo apenas uma vez
por semana, já que precisava faltar ao trabalho para isto) Em novembro a escola entrou em recesso e
só retomou as atividades em fevereiro de 2016; nesse mesmo mês consegui uma redução de carga
horária e passei a trabalhar somente seis horas diárias, a intenção era fazer entrevistas três vezes por
semana, e duas vezes por semana assistir a duas disciplinas obrigatórias no doutorado que estavam
previstas em edital. Esse projeto funcionou bem até meados de maio, quando a escola entrou em
greve e não tive mais como fazer as entrevistas às quais só retomei em julho de 2016. Atualmente
estou ensinando na Faculdade Mauricio de Nassau, no curso de Psicologia e na Especialização em
Psicodrama da FA7; trabalhando na Cagece, na área de qualidade de vida e estou terminando o
doutorado, tenho de defender a tese até março de 2017. Termino esperançosa, de que o sonho de um
dia viver somente da vida acadêmica (através de um concurso) pareça menos longe.
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Sumário
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
1.2 SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE .................................... 17
1.3 A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL .................................. 20
2. SAÚDE, ESCOLA E PROFESSORES ............................................................................. 25
2.1 A SUBJETIVIDADE COMO CONCEITO MÚLTIPLO E COMPLEXO ........................... 32
2.1.1 Psicologia Histórico-Cultural e Sofrimento Psíquico ...................................................... 35
2.2 SAÚDE MENTAL E TRABALHO DOCENTE: O PANORAMA DE PESQUISAS ......... 37
3. SAÚDE E ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS ...................................................................... 49
4. FORMAÇÃO CONTINUADA E SAÚDE DOCENTE ................................................... 56
5. METODOLOGIA: CAMINHOS E CENÁRIOS NA PRODUÇÃO DA PESQUISA .. 59
5.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................... 64
5.3 TRAJETÓRIA PERCORRIDA ............................................................................................ 64
5.3.1 Contextualizando o Campo de Pesquisa ........................................................................... 65
5.3.2 Etapas do Trabalho ............................................................................................................ 66
5.3.2.1 A observação como ferramenta para coleta de dados .......................................................... 67
5.3.2.2. A entrevista como ferramenta para coleta de dados ............................................................. 69
6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS ACHADOS ................................................... 76
7. CONCLUSÕES ................................................................................................................. 111
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 118
APÊNDICES......................................................................................................................135
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO..............136
APÊNDICE B – DIÁRIO DE CAMPO..............................................................................138
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1. INTRODUÇÃO: PROBLEMATIZANDO O OBJETO DE ESTUDO E SITUANDO SUA
RELEVÂNCIA NOS CENÁRIOS ACADÊMICO E SOCIAL
O presente trabalho tem como objeto de estudo a saúde dos professores. O interesse
pelo tema surgiu a partir de minha vivência como docente universitária (professora substituta)
quando me deparei com uma infinidade de desafios que me trouxeram crescimento, alegria e,
também, uma boa dose de sofrimento.
Afinal o que me motivava? Salário baixo, exigência de grande qualificação, classes
numerosas, várias disciplinas diferentes a serem ministradas (o que implicava grande tempo de
trabalho também em casa) e a sensação de não estar sendo suficientemente boa (já que não sobrava
tempo para publicar artigos e apresentar trabalhos em congresso, por exemplo) nenhum desses
fatores conseguia pôr fim a meu entusiasmo.
Quando ingressei no doutorado em 2013 os questionamentos cresceram: pensar sobre
minha própria prática levava a outras questões: ser professor foi sempre assim? Como os outros
docentes fazem para não sofrer em sua atividade? Será que a situação dos docentes que ensinam no
ensino fundamental e médio, no âmbito público, também é assim? A curiosidade também foi
alimentada a partir das discussões e eventos promovidos pelo Laboratório de Estudos da
Subjetividade e Saúde Mental da UECE (LADES), grupo coordenado pela professora doutora Ana
Ignez Belém Lima Nunes, do qual faço parte, e que atualmente conduz uma pesquisa ampla que
visa investigar a saúde mental dos professores do município de Fortaleza.
Movida por esses questionamentos, escolhi pesquisar os mecanismos defensivos
utilizados pelos professores de ensino médio da rede pública em Fortaleza, para manter a sua saúde
mental. Por conseguinte, isso me levou a questionar, inicialmente, o próprio conceito de saúde.
Mas afinal, o que é saúde? Optei pelo conceito saúde e o de saúde mental da maneira
como são compreendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), quais sejam, de que saúde é
o completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença.
Saúde mental é o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer
face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a
comunidade em que se insere (OMS, 2007). Essas definições deixam clara a importância da
subjetividade e da alteridade para vivências de bem-estar e/ou prazer associados ao trabalho, assim
como para seus complementares opostos (o adoecimento e o sofrimento.).
Por esse motivo, torna-se necessária a clarificação do significado de tais conceitos
(subjetividade e alteridade) no contexto do presente trabalho. O conceito de subjetividade aqui
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utilizado é o da Psicologia histórico-cultural que afirma serem as relações sociais de produção as
responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade, e que a sua formação está
atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos
e externos. A forma do indivíduo se perceber está relacionada ao modo como os homens
estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições histórico-
sociais. (AITA e FACCI, 2011). Isso significa que é o modo de vida da pessoa o que vai determinar
sua consciência e não o contrário. É nesse contexto também que a alteridade será compreendida,
pois o homem só pode aprender e apreender o mundo através dos outros (mediação); qualquer
aprendizado inclui relações entre pessoas ainda que de forma indireta.
Além disso, como assinala Clot (2007) o trabalho, como atividade simbólica e genérica,
é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor que cada um atribui a
si mesmo. Sua função é vital, pois é atividade de conservação e transmissão cultural e, ao mesmo
tempo, atividade de invenção e renovação (de si mesmo e da cultura).
Se as condições materiais da vida são o que produzem nossa consciência, nossa saúde e
saúde mental vão estar obrigatoriamente relacionadas, também às nossas condições materiais do
existir. E para todas as pessoas, de uma forma ou de outra, as condições materiais de existir estão
atreladas ao trabalho. Portanto, de acordo com as definições da OMS a saúde depende em grande
medida da saúde mental posto que se alguém não conseguir “trabalhar de forma produtiva e
frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere” dificilmente vai conseguir usufruir de um
“completo estado de bem-estar físico, mental e social”.
Diante disso, é possível afirmar que um contexto de trabalho docente precarizado tem
obrigatoriamente de apresentar consequências para saúde de quem ensina e de quem aprende. É
importante, portanto, compreender e contextualizar esse processo; o que será feito incialmente nessa
introdução, ampliando a problematização do tema e destacando sua significação.
1.2 SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE
Para abordar o trabalho docente, faz-se necessário situar, inicialmente, alguns pontos
acerca do mundo do trabalho como um todo, no universo do capitalismo. Afinal, o docente também
se insere nos desafios impostos aos trabalhadores das mais diversas categorias profissionais na
contemporaneidade. Inclusive, para a Psicologia Histórico-Cultural nenhuma problemática que
envolva o humano pode ser tratada adequadamente sem ser considerado o contexto no qual se
insere; se desenvolve com suas contradições e leis próprias.
18
O mercado de trabalho tem se transformado muito nas últimas décadas; a precarização e
a flexibilização das relações de trabalho fazem parte desta mudança. No trabalho docente, isso se
manifesta em contratos flexíveis com maior intensificação da carga de trabalho e exigência de
polivalência. (MARIA CHALFIN, MAGRO e BUDDE, 2011). No âmbito internacional, Tedesco
(2012) traz uma série de fatores que contribuem para esse quadro: O novo capitalismo é baseado no
uso intensivo de tecnologias da informação, globalização e desmantelamento dos serviços sociais.
Há um aumento na concentração de renda, aumento da pobreza, desemprego e exclusão social o que
se reflete, ainda, em fragmentação cultural e erosão nos níveis de confiança na democracia. Moraes
Cruz ET AL (2010) destacam que “as condições decorrentes deste cenário, e as múltiplas exigências
feitas ao papel do professor, cada vez mais tem sido associadas aos problemas de saúde física e
mental apresentados por estes trabalhadores.” (p.148).
Neste novo mundo do trabalho, as possibilidades para a criação tornam-se cada vez
mais bloqueadas para a maioria dos trabalhadores, à medida que estes são obrigados a adequar-se ao
modelo normativo que a organização do trabalho lhes impõe e seus desejos são colonizados. Isso é
relevante posto que a criatividade é um fator importante para saúde mental, de acordo com a
perspectiva Histórico-cultural.
Mancebo, Goulart e Dias (2010) apontam para um contexto atual de implementação de
contratos de trabalho “ágeis” e econômicos, como “temporários”, “precários”, “substitutos” e outras
denominações já em vigor, inclusive nas grandes universidades públicas. Isto aprofunda um
mercado de trabalho diversificado e fragmentado, composto por poucos trabalhadores centrais,
estáveis, qualificados e com melhores remunerações e um número cada vez maior de docentes
periféricos, temporários, em mutação e facilmente substituíveis;
De acordo com Oliveira (2004) esse cenário de precarização, na área docente, está
relacionado às reformas educacionais que - apesar de serem orientadas pela busca da promoção de
justiça social buscando uma maior equidade social, ou seja, buscando ampliar o atendimento
educacional, estendendo-o aos que não têm acesso e aos que não puderam manter-se na escola;
focando na universalização do ensino fundamental, ampliação do acesso ao ensino médio e, mais
recentemente, o atendimento prioritário à educação infantil em creches e pré-escolas mantidas pelo
poder público(ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009) - tem resultado em intensificação do trabalho
docente, ampliação do seu raio de ação e, consequentemente, em maiores desgastes e insatisfação
por parte desses trabalhadores.
A LDB 9.394/96, afirma que no plano legal o trabalho docente não se restringe à sala de
19
aula, ele contempla ainda as relações com a comunidade, a gestão da escola, o planejamento do
projeto pedagógico, a participação nos conselhos, entre outras funções. Assim, podemos considerar
que houve uma dilatação, no plano legal, da compreensão do que seja o pleno exercício das
atividades docentes. (ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009).
Segundo Lüdke e Boing (2007, p. 1.188), “as críticas externas ao sistema educacional
cobram dos professores cada vez mais trabalho, como se a educação, sozinha, tivesse que resolver
todos os problemas sociais”.
A esse respeito Gatti, Barreto e André (2011) comentam que em uma medida cada vez
maior, os professores trabalham em uma situação na qual a distância entre a idealização da
profissão e a realidade laboral tende a aumentar, exatamente pela complexidade e multiplicidade de
tarefas que são chamados a desempenhar. Sua prática passa a depender não apenas de
conhecimentos e/ou competências cognitivas no ato de ensinar, mas também de valores e atitudes
favoráveis a uma postura profissional aberta que seria capaz de criar e ensaiar alternativas para os
desafios que lhes são apresentados.
Loureiro (2001) esclarece que a formação dos professores tem sido vista também como
a panaceia para os males da educação, o que não condiz com a sua complexidade na relação com a
própria educação e a sociedade.
Nesse ponto, podemos abordar outra faceta da precarização que impacta os docentes,
qual seja, a questão da inadequação da formação docente para fazer frente a essa complexidade e
multiplicidade de tarefas.
Basso (1998) afirma que, em um panorama de precarização, no qual as escolas tendem a
funcionar à imagem das indústrias, o controle das atividades docentes em sala de aula, felizmente,
ainda se mantém sob o domínio do professor. No entanto, o controle pode efetivar-se muito mais
pela formação aligeirada do professor do que por outras vias. As ocorrências no espaço da sala de
aula dependerão, fundamentalmente, do professor, de suas condições subjetivas, de sua formação.
Para o trabalho do professor, tomando por analogia a lógica da produção, o
conhecimento seria sua matéria-prima, da qual não pode prescindir sem prejuízo do produto ou
resultado final. Alves (2009, p.40) destaca que “apartar o professor desse saber, matéria-prima de
seu trabalho, é contrariar a própria lógica orientadora do processo educativo” e reforça o argumento
salientando que a supressão desse elemento leva a precarização do trabalho pedagógico.
Além disso, formar alguém é algo muito maior que apenas treiná-lo em aptidões
didáticas e atualizações de conteúdos. Existe uma dimensão ética, uma dimensão crítica, uma
20
necessidade de estar comprometido de modo pessoal e social com os alunos que exigem condições
apropriadas para florescerem; o tempo para maturar determinadas experiências é uma dessas
condições.
Freire (1996) destaca, que o preparo científico do professor deve coincidir com sua
retidão ética e que infelizmente estamos submetidos “(...) ao comando da malvadez da ética do
mercado” (p.17) é essa ética do mercado que quer fabricar professores como se fabrica qualquer
outro produto. No entanto, justamente por isso, é necessário lembrar que podemos ser
condicionados, mas não determinados; o futuro pode ser problemático, mas não é inexorável.
Para aprofundarmos mais no entendimento dessa questão do trabalho docente, vale a
pena discorrer um pouco acerca de como se configurou a história da profissão docente no Brasil.
Esse percurso nos revela como o cenário de precarização foi sendo constituído e as tramas
desenhadas para que hoje tenhamos muito dos desafios que se apresentam no país.
1.3 A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
De acordo com Saviani (2009) a questão do preparo de professores no Brasil emergiu de
forma explícita depois da independência quando se cogitou a organização da instrução popular.
Partindo desse momento, ele distinguiu seis períodos na história da formação de professores no
país:
1. Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Nesse período, que se
iniciou com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras Letras, obrigavam-se os professores a
instruírem-se no método do ensino mútuo, às próprias expensas; estendeu-se até 1890, quando
prevaleceu o modelo das Escolas Normais.
2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932), cujo marco
inicial foi à reforma paulista da Escola Normal, tendo como anexo à escola-modelo.
3. Organização dos Institutos de Educação (1932-1939), cujos marcos foram as
reformas de Anísio Teixeira no Distrito Federal, em 1932, e a de Fernando de Azevedo em São
Paulo, em 1933.
4. Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e
consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-1971).
5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-
1996).
21
6. Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores e o novo
perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006).
Com a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, surgiu a preocupação explícita com a
formação dos professores. É na lei das Escolas de Primeiras Letras, promulgada em 15 de outubro
de1827, que essa preocupação apareceu pela primeira vez. Ao determinar que o ensino, nessas
escolas, deveria ser desenvolvido pelo método mútuo, a referida lei estipula no artigo 4º que os
professores deverão ser treinados nesse método, às próprias custas, nas capitais das respectivas
províncias. Além disso, Gondra e Schueler (2008) assinalam que, a partir dessa data, os candidatos
ao cargo de professor passaram a ser avaliados publicamente por uma banca e somente brasileiros
(natos ou naturalizados) poderiam fazê-lo. Há, portanto, uma exigência de preparo didático, ainda
que não se façam referência às questões pedagógicas (SAVIANI, 2009) e nem fossem dadas as
condições para a maior parte dos professores buscarem tal preparo por conta própria.
Gondra e Shueler (2008) destacam ainda a existência de lugares sociais diversificados
entre os profissionais do ensino (consequência da fragmentação dos cursos e das diferenças nos
objetivos dos níveis de instrução primária, secundária e superior). No topo da hierarquia estava uma
minoria de docentes que gozava de maior nível de remuneração e prestígio social (os que
ensinavam em instituições destinadas à elite intelectual e política, ou seja, nas faculdades do
império e nas instituições oficiais de ensino secundário, sobretudo o Imperial Colégio Pedro II e os
Liceus e Ateneus provinciais). Entretanto, mesmo entre estes havia a diferença entre os
proprietários das cadeiras (efetivos) e os substitutos ou repetidores que estavam de forma
temporária nesses locais e percebiam salários menores. Por conseguinte, tinham uma situação,
instável e ficavam à espera de exames e concursos ou da efetivação de nomeação para cargo
público. Na base da pirâmide estavam os professores primários públicos cujos salários dependiam
de diversos fatores: localização da escola, efetividade ou substituição no cargo, número de
matrículas, valor dos aluguéis das casas escolares (que eram descontados de seus vencimentos);
afora estes ainda havia uma multiplicidade de profissionais que vivia de ensinar em aulas isoladas e
em cursos preparatórios.
Após a promulgação do Ato Adicional de 1834, que colocou a instrução primária sob a
responsabilidade das províncias; estas tenderam à adoção dos modelos de Escolas Normais
europeias para a formação dos professores.
As primeiras escolas normais voltadas à formação dos docentes surgiram a partir de
1835 no Rio de Janeiro. Apesar disso, o número de alunos formados era muito pequeno. Apenas em
22
1860 as leis começaram a prever vantagens para quem passava por essas instituições e de acordo
com Gondra e Shueler (2008) passaram por um processo gradativo de transformação em
funcionários públicos.
De acordo com Saviani (2009) esse modelo se estabeleceu e se expandiu durante os
primeiros anos da recém-estabelecida República (1890-1932); uma nova fase (1932-1939) foi
aberta com a criação dos institutos de educação, que tinham o diferencial de preocupar-se não
somente com o ensino, mas também com a pesquisa. Nesse âmbito, as duas principais iniciativas
foram o Instituto de Educação do Distrito Federal, idealizado e implantado por Anísio Teixeira em
1932 e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo, implantado em 1933
por Fernando de Azevedo. Ambos sob a inspiração do ideário da Escola Nova.
Com a reforma instituída pelo decreto n. 3.810, de 19 de março de 1932, Anísio Teixeira se
propôs a erradicar aquilo que ele considerava o “vício de constituição” das Escolas
Normais, que, “pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura
profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos” (Vidal, 2001, p. 79-80). Para
esse fim, transformou a Escola Normal em Escola de Professores. (SAVIANI, 2009, p.
145).
Almejava-se que os institutos de educação fossem pensados e organizados de forma a
incorporar as exigências da pedagogia, que buscava se firmar como uma forma de conhecimento
científico. Dois desses institutos foram elevados ao nível universitário; o paulista em 1934
incorporado pela recém-criada Universidade de São Paulo e o carioca em 1935 incorporado à
Universidade do Distrito Federal criada no mesmo ano. Saviani (2009) destaca que:
Foi sobre essa base que se organizaram os cursos de formação de professores para as
escolas secundárias, generalizados para todo o país a partir do decreto-lei n. l.190, de quatro
de abril de 1939, que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil. Sendo esta instituição considerada referência para as demais
escolas de nível superior, o paradigma resultante do decreto-lei n. 1.190 se estendeu para
todo o país, compondo o modelo que ficou conhecido como “esquema 3+1” adotado na
organização dos cursos de Licenciatura e de Pedagogia. Os primeiros formavam os
professores para ministrar as várias disciplinas que compunham os currículos das escolas
secundárias; os segundos formavam os professores para exercer a docência nas Escolas
Normais. Em ambos os casos vigorava o mesmo esquema: três anos para o estudo das
disciplinas específicas, vale dizer, os conteúdos cognitivos ou “os cursos de matérias”, na
expressão de Anísio Teixeira, e um ano para a formação didática. (p.146)
Ao ser generalizado, no entanto, esse modelo de formação em nível superior perdeu sua
referência de origem, cuja base era as escolas experimentais às quais competia fornecer campo de
pesquisa para dar caráter científico às formações.
Durante o governo militar as escolas normais foram extintas e os professores
23
polivalentes passaram a ser formados no Magistério, com nível de 2º grau. Para lecionar para os
outros anos, era necessário cursar uma licenciatura em programas de curta ou longa duração.
Até 1996 a exigência de nível superior para o ensino nas escolas se resumia àqueles
profissionais que ensinavam no ensino médio, não havendo referências aos docentes de ensino
fundamental (Vieira, 2012). Só a partir de 1996 com LDB 9394/96 é que a formação em nível
superior passou a ser requisito na Educação Básica através de seu artigo 62 (VIEIRA, 2012).
No que diz respeito à pós-graduação na formação desses mesmos profissionais, Vieira
(2012) afirma que não há, ainda, leis de fato, e sim um “estado de coisas”, algo que incomoda,
prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a se constituir como item na
agenda governamental.
Saviani (2009) assinala que as sucessivas mudanças introduzidas no processo de
formação docente revelam um quadro de descontinuidade, ainda que não haja rupturas; o que se
revela é a precariedade das políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram o
estabelecimento de um padrão minimamente consistente de preparação dos docentes para fazer face
aos problemas enfrentados pela educação escolar no Brasil.
As Diretrizes Curriculares para Formação de Professores para Educação Básica são
ostensivas, portanto, para garantir uma qualificação mínima de seus docentes. Mas, uma
qualificação mínima não é suficiente para dar conta da multiplicidade de desafios que a
complexidade cotidiana do ensino demanda, principalmente, se levarmos em consideração o fato de
que muitas escolas estão situadas em locais considerados perigosos em virtude da situação de
vulnerabilidade social de seus alunos e familiares, o que acarreta viver em situações de violência de
múltiplos aspectos. De acordo com Pigatto (2010), cenas de agressividade entre alunos, tráfico de
drogas, furtos, indisciplina, depredações e desrespeito com os profissionais que atuam na escola são
comuns.
A premência da necessidade de formação dos professores é confirmada, ainda, quando
verificamos a meta 15 do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, que estipula a criação de
uma política nacional de formação docente, visando garantir a todos o curso superior específico na
área em que lecionam. Entram nesse ponto também as melhorias no currículo das graduações, a
oferta de bolsas de estudo aos professores, a valorização do estágio e o aprimoramento da formação
de outros profissionais, como as merendeiras. Em linha com essa meta está a 16, na qual o país se
compromete a oferecer cursos de pós-graduação a 50% dos docentes da Educação Básica.
(BRASIL, 2014). Cabe salientar que em 2016 esse plano ainda não havia sido implantado. Em
24
janeiro de 2017, no governo Temer, notícias foram divulgadas sobre cortes nas bolsas de estudo a
professores. Há também a perspectiva de desmantelamento dos programas da Universidade Aberta
do Brasil e do programa de bolsas de iniciação à docência.1
Independente disso, em sua maioria, as formações tendem a não incluir a dimensão
subjetiva dos professores. Gatti (2003) apud Scoz (2011) afirma que de modo geral, existe a crença
de que o oferecimento de informações, conteúdos ou se trabalhando apenas a racionalidade dos
profissionais, estes produzirão, a partir do domínio de novos conhecimentos, mudanças nas posturas
e formas de agir. Essa poderia ser uma das razões pelas quais muitos programas que almejam
mudanças cognitivas, de práticas e de posturas docentes fracassem; desperdiçando tempo e dinheiro
público.
Freire (1996, p 22-24) já advertia sobre a formação que:
(...) o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se
como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua
construção. Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por
aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o
sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que
recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e que são para mim
transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora,
terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro objeto
de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá
ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se reforma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (...) não há docência sem
deiscência (...) Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente
que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar (...) foi assim
que perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos
de ensinar. (...)”
Como se essas questões já não fossem suficientes para gerar preocupação, em 22 de
setembro de 2016 o presidente, à época, em exercício, Michel Temer, instituiu a Medida Provisória
de número 746 que autoriza que além de trabalhadores em educação, portadores de diploma de
curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim, também, profissionais com notório saber,
reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, possam ministrar conteúdos de áreas afins à sua
formação; como os sistemas de ensino farão para reconhecer esses profissionais, quais critérios
serão adotados, não são esclarecidos pela tal medida.
Temos, portanto, o panorama no qual se insere o desafio da promoção da saúde mental
1 Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/governo-temer-quer-cortar-bolsas-de-estudos-de-professores ,
https://falandoverdades.com.br/2017/01/10/governo-temerpsdb-cortara-bolsa-de-estudos-de-professores/ ,
http://painel.blogfolha.uol.com.br/2017/01/09/mec-contratara-auditoria-externa-para-avaliar-programas-criados-em-
gestao-petista/
25
do professor: globalização, precarização na forma de atividades em excesso, formação aligeirada,
salários baixos, violência e sobreposição de papéis.
Diante deste quadro, a proposta desta tese é relevante e justificável. Nesse sentido,
definimos como objetivo geral: investigar as estratégias defensivas utilizadas por docentes do
ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental.
Os objetivos específicos foram: 1) Identificar as concepções dos professores sobre
saúde mental e qualidade de vida. 2) Mapear as estratégias defensivas das quais os professores
lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento psíquico. 3) Verificar o que os professores
pensam sobre a formação continuada e se fazem alguma relação entre ela e seu bem-estar. Além
disso, defendemos a tese de que a formação continuada poderia ser uma ferramenta para promoção
da saúde mental do professor.
Para responder aos objetivos supracitados, organizamos o trabalho em diferentes
capítulos que se seguem à introdução.
No capítulo 2 são apresentados dados e modelos de pesquisa sobre saúde mental,
escolas e professores para ajudar na compreensão do enquadre do presente trabalho. Também
traremos um levantamento das produções nacionais sobre a problemática relativa à saúde mental
dos professores, num período de dez anos, 2005 a 2015, no Portal de Periódicos da CAPES.
No capítulo 3 discutimos o que são estratégias defensivas a partir de um levantamento
similar ao anterior, feito no Banco de teses da CAPES utilizando os seguintes descritores: 1.
Estratégias defensivas docentes; 2. Estratégias de defesa docentes. Definimos também um recorte
de 10 anos (2004-2014). Os resultados foram catalogados destacando sua teoria de base e a
metodologia utilizada no trabalho. Em seguida, é apresentada a compreensão das estratégias
defensivas sob a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural.
No capítulo 4 é retomada a questão da formação continuada e sua importância para a
saúde dos docentes. Afinal, desde os primeiros passos no desenho da tese, esse foi um tema que
consideramos relevante como espaço no qual os professores podem encontrar apoio para o
enfrentamento das problemáticas da profissão.
No capítulo 5 discutimos a metodologia utilizada na pesquisa detalhando aspecto do
lócus no qual desenvolvemos o trabalho, dos instrumentos utilizados e dos procedimentos de
análises das informações obtidas.
No capítulo 6 apesentamos e analisamos as categorias da pesquisa, que se traduzem nas
vozes dos professores. Para nós, o ponto culminante de nossa tese.
26
Por fim, apresentamos as conclusões do trabalho, expondo os achados de forma
sistemática, destacando o modo como os nossos objetivos foram atingidos e, por fim, levantando
novas questões que podem suscitar outras investigações.
2. SAÚDE, ESCOLA E PROFESSORES
O interesse pelo estudo da relação entre saúde mental e trabalho cresceu porque
aumentou a prevalência dos transtornos mentais e de distúrbios do comportamento nos
trabalhadores de diversos países. No Brasil, de acordo com dados do INSS (2001), os distúrbios
psíquicos ocupam o terceiro lugar na causa de concessão de benefício previdenciário com
afastamento superior a 15 dias e de auxilio doença por invalidez. (GASPARINI, BARRETO e
ASSUNÇÃO, 2006; JACQUES, 2003).
O estudo realizado por Gasparini, Barreto e Assunção (2006) na rede municipal de Belo
Horizonte sobre a prevalência de transtornos mentais comuns em professores, mostrou que 50,3% dos
751 professores pesquisados apresentavam risco de transtornos mentais.
Em outro estudo dos mesmos autores (GASPARINI, BARRETO e ASSUNÇÃO, 2005) foi
constatado que, nos dados pesquisados em Belo Horizonte da Gerência de Saúde do Servidor e Perícia
Médica (GSPM), em um universo de 16.556 profissionais da educação no período de maio de 2001
a abril de 2002, 92% dos profissionais se afastaram do trabalho por motivo de doença e 82% desses
profissionais eram professores. Nesse estudo os transtornos psíquicos ocuparam o primeiro lugar
entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos (15%).
Em São Paulo, Vedonato e Monteiro (2008) realizaram pesquisa com 258 professores de
escolas estaduais e verificaram que a maioria destes profissionais apresentavam estilos de vida
precários, com a presença de muitos problemas de saúde, como transtornos musculoesqueléticos,
respiratórios e mentais. Na mesma pesquisa, foi constatado que 96,5% dos sujeitos consideravam o
trabalho na escola estressante e sugeriram que este fato pudesse estar relacionado com o
aparecimento de transtornos mentais em 20,9% dos entrevistados. Aliás, 74,1% destes que
consideravam o trabalho estressante faziam uso de medicamentos antidepressivos.
No maior estudo realizado até hoje no Brasil sobre burnout2 em educadores,
desenvolvido por Codo (2002), em uma amostra nacional de cerca de 39.000 professores. Os
2 Maslach (1997) define burnout como uma síndrome psicológica que envolve uma relação prolongada com os
estressores interpessoais crônicos, há uma sensação de exaustão avassaladora, ceticismo, desligamento do trabalho,
sensação de ineficácia e falta de realização. O burnout quando comparado ao stress é mais duradouro e não apenas
circunscrito a uma situação específica.
27
resultados revelaram que 31,9% dos profissionais apresentavam baixo envolvimento emocional em
relação a sua tarefa; 25,1% apresentavam exaustão emocional e 10,7%, despersonalização. A
incidência de pelo menos um dos três sintomas do burnout foi de 48,4% da categoria.
Esse panorama não parece estar restrito ao Brasil. Desde os anos oitenta pesquisas sobre
a saúde docente, relacionadas às condições de trabalho, têm sido conduzidas em vários países. Cruz
ET AL (2010) destacam algumas delas na Suécia, França, Alemanha e Reino Unido. Elas informam
ainda que o estresse e a síndrome de burnout eram apontados como os principais problemas entre
professores naquela época, com implicações sobre o absenteísmo por doença e abandono da
profissão. Farber (1984) realizou uma pesquisa com 365 professores de escolas públicas do
subúrbio de New York, EUA; e encontrou uma frequência de 20 e 25% entre os docentes que se
apresentavam vulneráveis ao burnout, sendo que 10 a 15% deles já apresentavam os sintomas que
caracterizam essa síndrome; e, nesta década, o estresse e o burnout, provocaram um custo calculado
em mais de U$ 150 bilhões anualmente para as organizações Americanas (Trigo, Teng, & Halak,
2007).
Assunção e Oliveira (2009, p.365) citam outros estudos como o estudo realizado em
Hong Kong (Chan, 2003) que também mostrou a profissão de ensinar como altamente estressante.
Aproximadamente um terço dos professores pesquisados apresentaram sinais de estresse e burnout
entre os principais problemas de saúde; o de Dimitrov (1991) avaliou 69,5% dos professores de uma
região da Bulgária. Os resultados evidenciaram elevada taxa de morbidade (número de casos por
mil trabalhadores) por distúrbios mentais (DM) e por doenças do sistema nervoso (DSN),
associados ao nível de ensino no qual o entrevistado estava inserido.
Gomes (2006) em uma investigação sobre o estresse, burnout, saúde física e satisfação
profissional com 127 professores de uma escola secundária do Distrito do Porto, em Portugal,
descobriu que mais de 30% dos professores apresentavam estresse ocupacional e uma porcentagem
considerável desses profissionais apresentava sintomas de burnout. 14% evidenciavam problemas
de exaustão emocional, 17,95% apresentavam sintomas de despersonalização e 6% apresentavam
baixos índices de realização pessoal. A combinação simultânea dos três fatores indica uma
porcentagem média de 13% de professores que parecem se encontrar em situação de burnout.
Os estudos a respeito do adoecimento docente não se reduzem, contudo, à questão
epidemiológica dos afastamentos (que em si já é relevante e preocupante). De acordo com Jacques
(2003) um fator significativo para a abertura do campo da saúde do trabalhador à psicologia foi a
introdução de alterações significativas, a partir de 1986, propostas pela VIIIª Conferência Nacional
28
de Saúde e Iª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, consolidadas na Constituição
Brasileira de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde de 1990. Tais alterações romperam com o modelo
teórico centrado no conhecimento médico e puseram o foco nos saberes compartilhados por
categorias profissionais diversas, para proporem ações integradas e interdisciplinares.
A mesma autora propõe quatro amplas abordagens que se articulam por
percursos diversos com a psicologia e com a psicologia social em particular: as teorias
sobre estresse, a psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou
diagnóstica e os estudos e pesquisa em subjetividade e trabalho. Estudos empíricos sobre
natureza e conteúdo das tarefas, estrutura temporal e densidade do trabalho e controle do
processo enquanto associados ao desgaste mental se incluem entre um ou outro dos
conjuntos conforme a ênfase de opção (por exemplo, se privilegiam as experiências e
vivências dos trabalhadores frente à estrutura temporal do trabalho, incluem-se no último
conjunto proposto). (JACQUES, 2003).
As teorias sobre estresse privilegiam os métodos quantitativos e os pressupostos
teóricos da Psicologia cognitivo-comportamental, cabendo ao trabalho o papel de desencadeamento
do adoecimento com grau maior ou menor de relevância (JACQUES, 2003).
A psicodinâmica do trabalho tem no autor Dejours seu fundador. Seu livro A Loucura do
Trabalho (publicado no Brasil pela primeira vez em 1987) foi muito bem recebido e amplamente
difundido no meio acadêmico, sendo um dos referenciais teóricos de apoio para diversos trabalhos e
pesquisas no Brasil. A ênfase de sua proposta consiste no privilégio concedido ao estudo da
normalidade sobre a patologia o que, inclusive, ensejou a substituição do termo psicopatologia do
trabalho por psicodinâmica do trabalho para minimizar a importância dos aspectos
psicopatológicos. (JACQUES, 2003).
Explicitando a relação entre aparelho psíquico e o trabalho, Dejours (1992) afirma que
o bem-estar psíquico provém de um livre funcionamento em relação ao conteúdo da tarefa. Assim,
se o trabalho é favorável a esse livre funcionamento, existe o equilíbrio; se a ele se opõe, será fator
de sofrimento e doença.
A organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o
aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao
choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e
uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa
quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa
Dejours (1992: 133).
Dejours (2009) também afirma o paradoxo do trabalho “Fonte de equilíbrio para uns, é
causa de fadiga para outros”. De acordo com o autor isso se deve ao funcionamento de um
referencial que ele chamou de “carga psíquica do trabalho”. Ele ressalta que essa carga tem pouco a
29
ver com a noção de carga da ergonomia já que não é possível quantificar uma vivência que é antes
de qualquer coisa qualitativa. Afinal, o prazer, a satisfação, a frustração e a agressividade não se
deixam dominar por números.
No entanto, diante da impossibilidade de quantificação, ele propôs um modelo que
denominou de “abordagem econômica do funcionamento psíquico” que é uma combinação de um
modelo da clinica médica e dos princípios da economia psíquica propostos por Freud.
Partindo da clínica médica ele afirma que submetidos às excitações provenientes do
exterior ou do interior, o trabalhador dispõe de muitas vias de descarga de sua energia. A excitação,
quando se acumula é a origem de uma vivência de tensão: tensão psíquica. Essas vias de descarga
da tensão seriam em número de três: vias psíquicas, motoras e viscerais.
Se as vias mentais ou motoras não forem utilizadas como saída, a energia pulsional3 não
pode ser descarregada senão pela via do sistema nervoso autônomo e pelo desordenamento das
funções somáticas. É a via visceral, atuando no processo de somatização4.
Partindo desses pressupostos, Dejours, chegou a alguns fatos: o organismo do
trabalhador não pode funcionar como máquina, posto que é permanentemente objeto de excitações
endógenas e exógenas; Além disso, o trabalhador possui uma historia pessoal que se concretiza por
certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades
psicológicas – ele não chegaria como máquina nova em nenhum trabalho – cada indivíduo possui,
portanto, características únicas e pessoais; ainda em razão de sua história, as vias de descarga
preferenciais das tensões não são as mesmas para todos.
Essas considerações remeteriam a uma questão básica: a tarefa que afeta um
trabalhador oferece uma canalização apropriada à sua energia psíquica? Em se tratando de carga
psíquica, o perigo principal seria o de um subemprego de aptidões psíquicas, fantasmáticas ou
psicomotoras, que ocasionaria uma retenção de energia pulsional, o que constitui precisamente a
carga psíquica do trabalho. Ou seja, a grande questão estaria na organização do trabalho: o trabalho
se tornaria perigoso para o aparelho psíquico quando ele se contrapusesse à sua livre atividade.
A psicodinâmica do trabalho preconiza o emprego de métodos qualitativos, de
abrangência coletiva, pautada no modelo clínico de diagnóstico e intervenção. Apesar disso, no
Brasil, é comum em estudos e pesquisas com base em seus pressupostos à substituição da entrevista
3 Freud (1996) define pulsão como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o
representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo - dentro do organismo - e alcançam a mente, como uma
medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.
4 Somatização é um processo onde existe um ou mais sintomas físicos que não podem ser diagnosticados via exames
porque sua origem está relacionada às emoções e são por elas mantidos.
30
coletiva pela entrevista individual. Tal substituição se deve a dificuldades de reunir coletivamente
os trabalhadores, mas, inegavelmente, limita as abrangências da proposta, pois a interação grupal
permite reconstruir a lógica das pressões do trabalho e as defesas (principalmente coletivas) contra
os efeitos psicológicos dessas pressões. (JACQUES, 2003).
Apesar da genialidade e coesão de seu pensamento, devido a sua associação com a
psicanálise, Dejours parece não dar uma maior importância aos fatores históricos em seu trabalho.
Doray (1989) afirma que a visão ontológica presente na obra dejouriana remete à essência humana
uma abstração a-histórica. Para Lima (2002), o trabalho permanece em sua obra como uma
categoria marginal, subordinada à subjetividade que continua sendo, por excelência, o objeto da
psicodinâmica do trabalho.
Já epidemiologia tem suas pesquisas sobre o trabalho remetendo-se ao Sec. XVIII a
partir da obra de Ramazzini, que foi a primeira a sistematizar os efeitos do trabalho nos processos
de adoecimento dos trabalhadores. No entanto, só a partir da segunda guerra mundial a concepção
multicausal se apresentou como marco explicativo predominante em substituição ao paradigma
monocausal. (JACQUES, 2003).
Le Guillant (2006), que foi um dos fundadores da Psiquiatria Social na França,
conseguiu perceber, por meio de investigações, que, nas diferentes formas de organização do
trabalho de sua época, existiam fatores que poderiam ser relacionados com a incidência de alguns
distúrbios mentais em certas categorias profissionais. Ele também identificou a relação entre as
doenças mentais e as condições de vida, pois, quando observados em diferentes épocas da história,
alguns distúrbios eram mais frequentes do que outros em determinadas populações. Sua proposta
era de uma psicopatologia social, que ultrapassasse o puro sociologismo que atribuía somente aos
fatores sociais, as causas de distúrbios como alcoolismo, criminalidade, alterações de caráter,
delinquência juvenil, suicídio, atos de violência contra terceiros, etc. Ele detectou que algumas
atividades profissionais constituíam fatores patogênicos indiscutíveis que somente as predisposições
do sujeito não eram capazes de explicar.
De acordo com Clot (2010) a primeira inovação de Le Guillant foi justamente a ideia,
segundo a qual, há uma síndrome subjetiva da fadiga nervosa, que mostra que os sujeitos estão
sobrecarregados, profundamente feridos pelas condições de trabalho:
Le Guillant foi o primeiro, eu penso, a inventar, mesmo se ele não a conceituou, a ideia de
sistema de defesa profissional. Foi ele que escreveu um dia, essa frase emprestada de
Simone Weil, a filósofa, “os trabalhadores são muitas vezes obrigados a não pensar para
não sofrer”, agir sem pensar para não sofrer (...) às vezes é necessário fechar os olhos,
esquecer, não refletir ao que se passa conosco para poder suportar essa situação (...) a
anestesia psíquica como meio de suportar sua condição. (CLOT, 2010, p. 218).
31
De acordo com Sampaio e Messias (2002) a epidemiologia é uma ciência social, prática
e aplicada que estuda a distribuição, determinação e modos de expressão de qualquer elemento do
processo saúde/doença para fins de planejamento, prevenção ou produção de conhecimento levando
em consideração os elementos socioeconômicos e culturais que possam implicar em
heterogeneidade.
No Brasil, de acordo com Jacques (2003) os trabalhos de Codo e colaboradores são
bastante conhecidos e tem suas bases na lógica epidemiológica; um de seus objetivos é identificar
os quadros psicopatológicos associados a determinadas categorias profissionais. No que diz respeito
aos Educadores o quadro identificado foi o de burnout.
A mesma autora afirma que a visão ontológica que emana das pesquisas de Codo e
colaboradores vem da psicologia histórico cultural e de concepções marxistas. No que diz respeito à
metodologia:
Codo e colaboradores propõem a utilização de instrumentos de medida das condições de
trabalho e saúde mental dos trabalhadores (incluindo 13 escalas de trabalho, sete escalas
clínicas – depressão, histeria, paranoia, mania, esquizofrenia, desvio psicopático e obsessão
– e uma escala de alcoolismo), um protocolo de observação do trabalho e análise de tarefas
e entrevistas qualitativas de aprofundamento. Tal proposta preconiza a utilização de
abordagens qualitativas e quantitativas. (JACQUES, 2003, p.12)
A autora diz ainda que a abordagem sofre críticas dos quantitativistas por usar casos
clínicos e dos qualitativistas por usar estatística. Para nós, na realidade, é uma abordagem
interessante por associar métodos diversos, rompendo uma perspectiva dicotômica em pesquisa.
Os estudos e pesquisas em subjetividade e trabalho buscam analisar o sujeito
trabalhador a partir de suas experiências e vivências no mundo do trabalho. Nesses estudos, o
trabalho é o eixo norteador para além do seu caráter técnico e econômico cuja significação perpassa
a estrutura socioeconômica, a cultura, os valores e a subjetividade do trabalhador. A concepção
marxista sustenta a concepção sobre a determinação histórica dos processos de saúde-doença e suas
vinculações às condições sociais de vida e de trabalho das pessoas. Outra característica comum a
esses estudos é a ênfase concedida a categorias como: vivências, cotidiano, modos de ser e não,
necessariamente, a diagnósticos psicopatológicos; ou ainda, a valorização de aspectos qualitativos e
das experiências em si dos trabalhadores que acompanham os processos de adoecimento associados
ao trabalho. Como metodologia privilegiam abordagens qualitativas através de técnicas como
observação, entrevistas individuais e coletivas, análises documentais e pesquisas etnográficas.
(JACQUES, 2003). Essa perspectiva coaduna com a visão da Psicologia Histórico-Cultural de
32
Vigotski quando afirmava que mais importante do que a doença que a pessoa tem, é a pessoa que
tem a doença.
O trabalho de Clot também se insere nessa última categoria, pois a clinica da atividade
almeja:
Fazer trabalhar os trabalhadores para cuidarem do trabalho (...) cuidar do trabalho, em
francês, tem um duplo sentido: transformar o trabalho, mas também, em francês, fazer um
bom trabalho, é a qualidade do trabalho bem feito que é uma fonte de saúde. E, poderíamos
dizer, para que a organização do trabalho apreenda no vivo que os trabalhadores são seres
humanos responsáveis por aquilo que fazem, o que não é fácil de ser colocado em evidência
e é essa a ideia, fazer com que a organização leve em conta que os trabalhadores são seres
humanos responsáveis por aquilo que fazem. Para que eles apreendam isso em toda sua
importância é necessário fabricar métodos que mostrem isso, fabricar métodos que mostrem
que os trabalhadores são capazes de transformar a situação de trabalho. (...) (CLOT, 2010,
p.222)
O mesmo autor continua sua explicação sobre sua metodologia afirmando que primeiro
os pesquisadores agem, junto com os trabalhadores, e que, se não agirem mal, terão a chance de
apreender alguma coisa, mas apreender ao final. Não se busca, junto aos trabalhadores, confirmar a
ciência. Nessa ação há um problema técnico que é o da observação; A observação psicológica na
clínica da atividade não é a mesma observação que a observação ergonômica. Inspirado pelas ideias
de Wallon ele acredita que a observação de outrem parece obrigar o sujeito a se observar. Então
quando se faz observação em situação de trabalho, o resultado que se obtém é duplo: o primeiro
produz conhecimento sobre a atividade; o segundo produz uma atividade no observado e produz
nele um diálogo interior. Então, para a clínica da atividade a grande pergunta metodológica é acerca
do que fazer da atividade do observado de observação de si mesmo. O que fazer com isso? Sua
resposta é dar um destino dialógico ao diálogo interior que se abre durante a observação. É isso que
os permite religar, a concepção de observação, que foi apresentada, à concepção da ação.
Em um livro anterior, Clot (2007) afirma que o objeto da análise das atividades no
trabalho deve ser o desenvolvimento, com suas histórias e empecilhos, isso porque o
desenvolvimento que é possível aos homens e mulheres em situação de trabalho pode ser sede de
vários conflitos que, por vezes, deixam as pessoas diante de dilemas intransponíveis, fontes de
sofrimento desconhecido ou negado; o autor afirma, ainda, que esses conflitos se deslocam nas
metamorfoses sociais do trabalho, mas não desaparecem. Ora, a formação continuada é grande fonte
de desenvolvimento profissional, além da experiência, para um professor o que a colocaria na
perspectiva de Clot, em minha opinião, como foco de atenção de estudo.
Um dos principais dilemas está relacionado à contenção dos impulsos e gestos
espontâneos durante a execução das atividades e tarefas cotidianas. A esse respeito, o autor destaca
33
que “a atividade é a apropriação das ações passadas e presentes de sua história pelo sujeito, fonte de
uma espontaneidade indestrutível. Mesmo brutalmente proibida, nem por isso ela é abolida (…)”
(CLOT, 2007, p.14); por isso mesmo a contenção da atividade espontânea leva ao esgotamento e à
fadiga. O autor fala em “(...) possibilidades que se sentem, mas que não podem ser vividas, daquilo
que não se pode fazer no âmbito daquilo que se faz.” (p.15)
É interessante observar que essa contenção de gestos não está restrita à esteira da linha
de montagem na fábrica, mas também, à restrição do pensamento em tarefas mentais, por exemplo,
envolvendo puramente classificação, preenchimento de formulários, repetição de conteúdos, etc.
Paradoxalmente, e em certa medida como consequência dessa contenção, por vezes, os
próprios sujeitos trabalhadores aumentam sua carga mental para tentar preservar ou recuperar o
tecido de relações sociais que podem ser privadas em certas situações de trabalho. Assim, “os
trabalhadores fazem mais do que o necessário, aprimoram, enganam ou desafiam com o aparente
objetivo de afirmar uma identidade que a tecnologia ou a situação de trabalho ameaçam” (DE
KEYSER, 1983 APUD CLOT, 2007, P. 68).
O presente trabalho, partindo dessa concepção de Clot e de Vigotski, tem aproximações
com estudos e pesquisas em subjetividade, com destaque para a compreensão dos sentidos
produzidos pelos professores sobre seu trabalho. Portanto, entendemos necessária a explicitação do
que compreendemos por subjetividade.
2.1 A SUBJETIVIDADE COMO CONCEITO MÚLTIPLO E COMPLEXO
Como dito acima, o presente trabalho tem aproximações com os trabalhos e pesquisa
em subjetividade com destaque para a compreensão dos sentidos produzidos pelos professores sobre
seu trabalho. É importante que fique claro, portanto, a compreensão do que é subjetividade no
contexto desse trabalho e do que se está falando quando se fala em sentido e em significado.
O conceito de subjetividade aqui utilizado é o da Psicologia histórico-cultural que
afirma serem as relações sociais de produção as responsáveis pela promoção do desenvolvimento da
subjetividade, e que a sua formação está atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade,
portanto, é constituída por fatores internos e externos e a forma de o indivíduo se perceber está
relacionada com o modo como os homens estabelecem as relações sociais em um contexto
específico, decorrente de condições histórico-sociais. (AITA e FACCI, 2011).
34
Na Psicologia Histórico-Cultural Significado e Sentido são conceitos importantes; para
sua compreensão é necessário compreender a diferença entre atividade e ação. De acordo com
Leontiev (1978) a atividade humana é constituída por um conjunto de ações, e a necessidade
objetiva ou o motivo pelo qual o indivíduo age não coincide com o fim ou o resultado imediato de
cada uma das ações constitutivas da atividade. É somente através de suas relações com o todo da
atividade, isto é, com as demais ações que a compõem, que o resultado imediato de uma ação se
relaciona com o motivo da atividade.
Asbahr (2005) afirma que os componentes estruturais da atividade são, portanto,
necessidade, objeto e motivo. Além desses, a atividade não pode existir senão através de ações,
constituindo-se pelo conjunto de ações subordinadas a objetivos parciais advindos do objetivo geral.
Assim como a atividade relaciona-se com o motivo, as ações relacionam-se com os objetivos.
Para pesquisar uma atividade é necessário fazer a análise de sua estrutura e das relações
entre seus componentes. É preciso investigar o motivo da atividade.
Existem atividades externas e internas, as internas dizem respeito à reconstrução da
atividade prática sensorial externa, a transformação da realidade externa em interna recebe o nome
de internalização. Em termos de estrutura ambas se igualam (necessidade, objeto e motivo). A
consciência nasce dessa transformação do externo para o interno. De acordo com Asbahr (2005,
p.108) “Leontiev define a consciência como conhecimento partilhado, como uma realização social.
A consciência individual só pode existir a partir de uma consciência social que tem na língua seu
substrato real”.
A relação entre consciência e atividade é dialética, de acordo com Asbahr (2005) a
consciência é o produto subjetivo das atividades dos homens com os outros homens e com os seus
objetos; a atividade constitui, portanto, a substância da consciência.
A consequência disso é que para investigar a consciência de alguém relativa a algum
contexto, faz-se necessário investigar as particularidades das atividades daquele contexto, segundo
Leontiev (1978, p.100) “consiste, portanto, em encontrar a estrutura da atividade humana
engendrada por condições históricas concretas, depois, a partir desta estrutura, pôr em evidência as
particularidades psicológicas da estrutura da consciência dos homens”. Nessas particularidades, é
fundamental compreender os significados e sentidos produzidos pelos indivíduos coletiva e
individualmente.
Nesse ponto, podemos retomar a questão da diferença entre significado e sentido: a
passagem do mundo social para o mundo interno, psíquico, não acontece de forma direta, pois o
35
mundo psíquico não é, simplesmente, uma cópia fiel do mundo social. Entre a consciência social e a
consciência individual estão a linguagem e a atividade coletiva laboral. É através da linguagem que
os homens podem compartilhar representações, conceitos, técnicas, e os transmitem às próximas
gerações. O significado se insere nessas representações compartilhadas, é aquilo que é
compreendido por todos da mesma forma. De acordo com Vigotski (1987) o sentido é um agregado
de todos os fatores psicológicos que surgem em nossa consciência, como resultado da palavra. O
sentido seria uma formação dinâmica, fluída e complexa com inúmeras zonas que variam em sua
estabilidade. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire no contexto
da fala. É a mais estável, unificada e precisa dessas zonas.
No entanto, de acordo com Asbahr (2005, p.111) “O homem apropria-se das
significações sociais expressas pela linguagem e confere-lhes um sentido próprio, um sentido
pessoal vinculado diretamente à sua vida concreta, às suas necessidades, motivos e sentimentos”. O
sentido, de acordo com González Rey (2003), exprime as diferentes formas da realidade, em
complexas unidades simbólico-emocionais, nas quais a história do sujeito e seus contextos sociais
produtores de sentido fazem parte como constituidores.
Em outras palavras, como afirma Scoz (2011) o sujeito não é a priori, nem é puro
reflexo do social, mas representa um momento de contradição e confrontação com este social e ao
mesmo tempo com sua própria constituição subjetiva; dessa confrontação nascem novos sentidos
vão modificando o sujeito e suas práticas. Clot (2007) destaca que o sentido do trabalho não está no
trabalho já que os comportamentos em uma dada instância da vida são regulados pela significação
que o sujeito lhe atribui em outros domínios da vida.
Então temos uma representação geral dos objetos, conceitos e técnicas (significado) e
uma representação particular ligada à história de vida ou contexto específico de uma ou mais
pessoas (sentido). “A relação entre a significação social, o sentido pessoal e o conteúdo sensível,
emocional, é o principal componente da estrutura interna da consciência”. (ASBAHR, 2005, p.111).
De acordo com Duarte (1993) a finalidade (o significado) do trabalho docente
consistiria em garantir aos alunos acesso ao que não é reiterativo na vida social. Dito de outra
forma, ao professor caberia uma ação de mediação entre a formação do aluno na vida cotidiana
onde ele se apropria, de forma espontânea, da linguagem, dos objetos, dos usos e dos costumes; e a
formação do aluno nas esferas não cotidianas da vida social, dando possibilidade de acesso a
objetivações como ciência, arte, moral etc.
36
Obviamente esse papel, de mediador, não é uma empresa fácil. Ele implica na aquisição
de uma série de habilidades técnicas e comportamentais, no impacto emocional constante (já que se
está na presença de várias pessoas, diariamente.) além de grande investimento de tempo.
Em assim sendo, é preciso descobrir o que motiva e o que incita o docente a realizar tal
tarefa; em outras palavras, é preciso descobrir qual é o sentido destas atividades para os professores
(BASSO, 1998) porque isso pode levá-los a um estado de sofrimento ou ajudá-los no
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento protetoras de seu psiquismo.
2.1.1 Psicologia Histórico-Cultural e Sofrimento Psíquico
Para entender o conceito de sofrimento psíquico na perspectiva histórico-cultural é
preciso compreender o que significa, nessa perspectiva, a alienação.
De acordo com Leontiev (1978) nas sociedades primitivas, onde ainda não havia divisão
social do trabalho e nem relações de exploração do homem; havia uma coincidência entre o sentido
e o significado das ações. Na sociedade capitalista, caracterizada pela divisão social do trabalho e
divisão em classes, no entanto, há a ruptura da integração entre o significado e o sentido das ações.
O sentido pessoal de uma ação não corresponde mais necessariamente ao seu significado. Lukács
(1972), ao tratar dos traços ontológicos gerais da alienação, afirma que a história da humanidade, a
partir de certo nível da divisão do trabalho, é também a história da alienação. Tal consideração é
indispensável para compreendermos concretamente o desenvolvimento da capacidade criativa em
nossa sociedade, que ainda se mantém dividida fundamentalmente em duas classes antagônicas
(trabalhadores e capitalistas). Se, no comunismo primitivo, a atividade vital produzia a satisfação
das necessidades de sobrevivência; com a divisão social do trabalho e a sociedade de classes no
interior do processo produtivo, o homem realiza uma atividade alheia, estranhada, que não lhe
oferece satisfação em si (quando está com fome o sujeito fabrica sapatos, por exemplo), troca sua
força de trabalho com outra pessoa, realiza uma atividade que não o satisfaz diretamente.
Sob as relações sociais de dominação, o significado e o sentido das ações podem
separar-se, tornando-as alienadas. No trabalho alienado, "a vida mesma aparece só como meio de
vida" (Marx 1984, p. 156 - grifos no original). Ou seja, há uma ruptura entre o significado e o
sentido das ações.
Basso (1998) afirma que, se o sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o
realiza for apenas o de garantir sua sobrevivência, ou seja, trabalhar só pelo salário, sem ter
37
consciência de sua participação na produção das objetivações na perspectiva da genericidade,
haverá a cisão com o significado fixado socialmente.
Esse esvaziamento de sentido pode ser responsável, ou um componente fundamental, no
desenvolvimento de sofrimento no trabalho. Marx (1984, p. 153) afirma que o trabalhador que “(...)
não se afirma, mas se nega em seu trabalho, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve
energia mental e física livre, mortifica a sua physis e arruína a sua mente". Marx (1984) também
destaca que o trabalho na forma social do capital é transformado em mais uma mercadoria; Ora, se é
mercadoria, tem preço e valor que é, infelizmente, intuído através daquele; portanto, o valor pago
pelo trabalho de alguém o insere, também, em uma cadeia de auto percepção de mais ou menos
valor ante outros trabalhos; o que pode ter impacto em sua autoestima. Além disso, Marx também
sublinha quatro características que marcam o estranhamento do trabalhador no seu cotidiano: “o
estranhamento em relação ao produto do seu trabalho; o estranhamento no interior da sua própria
atividade; o estranhamento no que diz respeito ao outro homem e o estranhamento com relação a si
mesmo” (Marx, 2004, p. 38).
Para Basso (1998) o trabalho docente estaria alienado porque hoje os professores, de
maneira geral, ganham mal e tem uma jornada de trabalho extensa; o que não deixa tempo
disponível para a preparação de aula, a correção de trabalhos e a atualização. Também há poucas
oportunidades de discussão coletiva para solucionar problemas do cotidiano escolar. Diante disso, o
autor questiona: como o professor pode desenvolver um trabalho que tenha interesse para ele
próprio e para o aluno?
Ora, se como afirma González Rey (2003) o sujeito aparece nos momentos de sentido
em que pensa, o não pensar o remeteria a um não existir. Se os sujeitos não se tornam críticos para
exercitar e confrontar seus pensamentos, eles não podem gerar novos sentidos, não podem
modificar a si mesmos e nem aos espaços sociais onde atuam. Scoz (2011) acrescenta que também
na escola, quando o professor não é reconhecido como alguém que pensa, ele tende a repetir
modelos padronizados e preestabelecidos, tornando os projetos pedagógicos conservadores,
enquanto limita a sua própria capacidade de produzir conhecimento e o que é pior: esse professor
dificilmente reconhecerá seus alunos como sujeitos pensantes.
Um trabalho que se resume a repetir conteúdos imutáveis embota o professor. A
reprodução mecânica da atividade docente não permite a ampliação das possibilidades de crescer
como professor e ser humano (BASSO, 1998). O trabalho alienado docente pode levar ao
sofrimento psíquico e ao adoecimento. No entanto, deve haver pessoas que não sofrem ou sofrem
38
menos e que conseguem serem felizes em seu trabalho cotidiano, para isso elas deverão lançar mão
de estratégias defensivas para sua psique. Falaremos mais a respeito das estratégias defensivas no
capítulo 3. Agora, ainda seguimos relacionando saúde mental e trabalho docente.
2.2 SAÚDE MENTAL E TRABALHO DOCENTE: O PANORAMA DE PESQUISAS
Com o intuito de aprofundar, ainda mais, a problemática relativa à saúde mental dos
professores, foi feito um levantamento das produções nacionais, enquadradas nesse descritor, num
período de dez anos, no Portal de Periódicos da CAPES. Os resultados encontrados foram os
seguintes: 205 achados entre livros, artigos, teses e dissertações. Desses, 19 achados foram
relevantes para essa tese. Os demais estiveram relacionados à saúde vocal dos professores, saúde
mental em geral, problemas de aprendizado de alunos ou a aspectos de formação. Esses trabalhos
foram tabulados por título, ano de publicação, Região Geográfica de Publicação, tipo de estudo, tipo
de instituição pesquisada (pública ou privada) e principal referencial teórico. Essa tabulação está
abaixo.
Foram identificados 2 (dois) trabalhos em 2005; 2 (dois) trabalhos em 2006; dois (dois)
trabalhos em 2008; 3 (três) trabalhos em 2009; 1 (um) trabalho em 2010; 3 (três) trabalhos em 2011;
1 (um) trabalho em 2012; 4 (quatro) trabalhos em 2013 e 1 (um) trabalho em 2014. Desses trabalhos
11 (onze) são artigos; 6 (seis) trabalhos são dissertações de mestrado e 2 (dois) trabalhos são teses
de doutorado.
Relativamente ao tipo de instituição pesquisada: 1 (uma) privada; 14 (quatorze)
publicas; 4 (quatro) Públicas e Privadas (método misto).
Quanto à natureza do estudo: 2 (dois) quali-quanti; 9 (nove) qualitativos e 8 (oito)
quantitativos.
Concentração por região: A maior parte dos estudos está concentrada nas regiões Sul e
Sudeste. Sete estão na região Sul; dois no Centro-oeste; três no Nordeste; um no Nordeste/Sudeste;
seis no Sudeste (apesar de um dos trabalhos classificados nessa região tratar de docentes da Paraíba,
optou-se por deixá-lo nessa região em virtude da ligação dos pesquisadores com Universidades do
Rio de Janeiro e sua publicação em um periódico da mesma região). Nenhum trabalho foi
identificado na região Norte.
Pela escassez de trabalhos e também porque o foco da presente pesquisa são os
professores da cidade de Fortaleza (Região Nordeste) vamos iniciar a descrição dos trabalhos
39
produzidos por essa Região, após a tabulação:
Quadro 1 - Trabalhos sobre saúde mental e docência
(continua)
Título Região Tipo Base
Epistemológica
Tipo
Escola
Ano
A dor e a delícia de ser
(estar) professora:
trabalho docente e saúde
mental
Nordeste
(Paraíba)
Qualitativa Canguilhem
(1995) e está
presente nos
estudos de
Dejours (1992),
Oddone ET AL
(1986), Guérin ET
AL (1991) e
Schwartz (2000).
Pública 2006
Trabalho docente e
saúde: o caso dos
professores da segunda
fase do ensino
fundamental
Sudeste
(Rio de
Janeiro)
Qualitativa Psicodinâmica do
Trabalho
Pública 2006
O exercício da docência
e a preservação da saúde
mental do professor: um
estudo a partir de suas
condições de trabalho e
existência (dissertação)
Sudeste
(Minas
Gerais)
Quali/Quanti Louis Le Guillant/
Clot
Pública 2011
Condições de trabalho
docente e saúde na
Bahia: estudos
epidemiológicos
Nordeste
(Bahia)
Quantitativa Epidemiologia Pública/p
rivada
2009
Produtivíssimo e
precariedade subjetiva na
universidade pública: O
desgaste mental dos
docentes
Sul Qualitativa Mista Pública 2014
"Se eu tirar o trabalho,
sobra um cantinho que a
gente foi deixando ali”:
clínica de psicodinâmica
do trabalho na atividade
de docentes no ensino
superior privado
(Dissertação).
Sul (Rio
Grande do
Sul)
Qualitativa Psicodinâmica do
Trabalho
Privada 2013
40
O professor, as
condições de trabalho e
os efeitos sobre sua
saúde.
Sudeste
(Minas
Gerais)
Quantitativa Análise
Documental
Pública 2005
Desgaste mental do
professor da rede pública
de ensino: trabalho sem
sentido sob a política de
regularização de fluxo
escolar (Tese)
Sudeste
(São
Paulo)
Qualitativo Selligman-Silva
(Teoria do
Desgaste Mental)
Pública 2009
Avaliação da qualidade
de vida de professores do
ensino fundamental:
influência das variáveis
sociodemográficas
(dissertação)
Centro-
Oeste
(Goiânia,
Goiás).
Quantitativo Teorias sobre
qualidade de vida
Pública 2011
Gênero e qualidade de
vida percebida--estudo
com professores da área
de saúde
Sul
(Espirito
Santo)
Qualitativa Análise de
conteúdo de
Bardin e
Psicodinâmica do
trabalho
Publica/p
rivada
2012
Gestão e trabalho
pedagógico:
Um estudo sobre o
sentido do trabalho para
gestores e docentes de
escolas municipais de
ensino fundamental na
cidade de Campinas
(Tese)
Sudeste
(Campina
s)
Quali/Quanti Teorias sobre
Subjetividade e
sentido do
trabalho (autores
variados)
Pública 2008
Condições de vida do
trabalhador docente:
Associação entre estilo
de vida e qualidade de
vida no trabalho de
professores de educação
física.
Região
Sul
Quantitativa Teorias sobre
qualidade de vida
Pública
estadual
2010
Representações sociais
de professores sobrea a
organização do trabalho
na escola e a promoção
de ambientes
educacionais saudáveis
(dissertação)
Nordeste
(Fortaleza
)
Qualitativa Representações
sociais e teorias
do enfrentamento
Pública 2005
41
O docente universitário
em Enfermagem e a
Síndrome de Burnout:
uma questão de
educação para a saúde
(dissertação)
Sul
(Ribeirão
Preto)
Qualitativa Teorias sobre
estresse e saúde
mental (autores
variados)
Pública 2008
Condições de saúde,
estilo de vida e
características de
trabalho de professores
de uma cidade do sul do
Brasil.
Sul
(Bagé)
Quantitativa Análise estatística Pública 2013
A promoção da saúde a
partir das situações de
trabalho: considerações
referenciadas em uma
experiência com
trabalhadores de escolas
públicas
Nordeste
e Sudeste
(Paraíba e
Rio de
Janeiro)
Qualitativa ergo logia
(Schwartz,
Durrive, 2007;
Schwartz, 2000a)
Dejours; Clot
E outros
Pública 2009
Síndrome de Burnout em
professores: prevalência
e fatores associados.
Sul (Porto
Alegre)
Quantitativa Teorias sobre
estresse e burnout
Pública/p
rivada
2011
Prevalência da síndrome
de Burnout em uma
amostra de professores
universitários brasileiros.
Sudeste
(Piracicab
a)
Quantitativa Análise estatística Pública/p
rivada
2013
O perfil do adoecimento
docente na Universidade
de Brasília de 2006 A
2011
(dissertação)
Centro-
oeste
(Brasília)
Quantitativa Epidemiologia
Descritiva
Pública 2013
Fonte: Elaboração própria.
É interessante constatar que pesquisas realizadas em regiões geográficas bastante
distintas em seus diversos aspectos, fazendo uso de metodologias distintas e com fundamentação
teórica também distinta partilharam de vários achados coincidentes.
Trabalhos da Região Nordeste:
No trabalho “Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos
epidemiológicos” (ARAUJO e CARVALHO, 2009). As condições de saúde e trabalho de
professores foram analisadas a partir de resultados de oito estudos epidemiológicos desenvolvidos
42
no estado da Bahia. Os estudos, realizados em docentes baianos, de 1996 a 2007, determinaram as
prevalências dos três principais grupos de queixas de saúde (problemas vocais, problemas
osteomusculares e saúde mental) e as associaram a características da organização do trabalho
docente. O estudo foi transversal e utilizou um questionário autoaplicável como principal
ferramenta de coleta além do Job Content Questionnaire (JCQ) Para avaliação dos aspectos
psicossociais do trabalho e o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) para avaliar a saúde mental.
As prevalências de Transtornos Mentais Comuns foram elevadas em todas as
populações estudadas, as mulheres surgiram como a população mais atingida. Os aspectos do
trabalho associados ao adoecimento foram os seguintes: trabalho repetitivo, insatisfação no
desempenho das atividades, desgaste nas relações professor-aluno, ambiente intranquilo, falta de
autonomia no planejamento das atividades, ritmo acelerado de trabalho, desempenho das atividades
sem materiais e equipamentos adequados e salas inadequadas.
Na população feminina, somados a esses fatores, estão às demandas do segundo turno
de trabalho (medida por atividades domésticas como lavar, passar, cozinhar e limpar, ponderada
pelo número dos moradores do domicílio). Essa demanda foi alta para apenas 3% dos homens e
33% para as mulheres, revelando que a responsabilidade pelas tarefas domésticas é atribuição ainda
restrita à população feminina.
No estudo realizado na cidade de Fortaleza intitulado “representações sociais de
professores sobre a organização do trabalho na escola e a promoção de ambientes educacionais
saudáveis” (MOURA ET AL, 2005) foi feita uma investigação a fim de identificar os impactos
provocados pela organização do trabalho escolar na saúde mental do professor. Nesse estudo, a
organização do trabalho se referiu à divisão do trabalho, ao conteúdo da tarefa, ao sistema
hierárquico, à burocratização da tarefa e as questões de responsabilidade exigidas pelo trabalho. Foi
utilizado o referencial teórico das Representações Sociais e da Teoria do Enfrentamento para a
leitura situacional. No percurso metodológico foram utilizados o questionário Maslach, a
observação participante e as entrevistas semiestruturadas.
Os resultados demonstram que os participantes estabeleceram relação entre o significado
atribuído à organização do trabalho e as estratégias de enfrentamento utilizadas. A escola significou
principalmente um local que é bom, mas, também, problemático. Neste aspecto, os professores
ressaltaram a presença da interação, amizade e companheirismo, problemas relacionados às
condições estruturais e organizacionais da escola.
43
Como conclusão os autores destacaram que as práticas sociais de promoção da saúde no
trabalho docente devem observar o incentivo e o fomento de uma rede social intensa e extensa que
tenha um papel importante na prevenção de estresse e de outros problemas. Devem, também, ser
reforçados os suportes afetivos sociais que proporcionem, ao indivíduo, condições de desenvolver
estratégias de enfrentamento em vez de adaptações automáticas.
O terceiro estudo intitulado “A dor e a delícia de ser (estar) professora: trabalho docente
e saúde mental” (NEVES, e SELIGMANN-SILVA, 2006) versou sobre vivências de sofrimento
psíquico e prazer das professoras da primeira fase do ensino fundamental do município de João
Pessoa-PB e fez uso, principalmente, da teoria de Dejours para fundamentar suas análises. No
estudo foi constatado que as trabalhadoras desenvolveram defesas coletivas e individuais nas quais
se destacaram como recursos mais utilizados o “faltar para não faltar ao trabalho” (para não
adoecer), as saídas constantes de sala de aula, as relações de desconfiança entre colegas de trabalho
e demais profissionais, o individualismo e o desengajamento afetivo e cognitivo. Contudo, as
estratégias defensivas não foram o foco do trabalho.
Trabalhos da Região Sul:
No Trabalho de Oliveira, ET AL (2012) “Gênero e qualidade de vida percebida-estudo
com professores da área de saúde” Foram analisadas as condições de trabalho de professoras do
ensino superior da área da saúde em Vitória, no Estado do Espírito Santo, e suas implicações sobre
a saúde e qualidade de vida. A pesquisa teve abordagem qualitativa e a coleta de dados foi realizada
através de entrevistas; para a análise foi empregada à análise de conteúdo de Bardin, possibilitando
a abordagem de três categorias: lazer, descanso e saúde; sentimentos de perda da interação social e
familiar; e qualidade de vida percebida. Os resultados apresentam relatos relacionados à ausência de
lazer com consequentes distúrbios do sono favorecendo doenças psíquicas; excesso de trabalho;
alterações significativas na forma de organização do mesmo, comprometimento da interação social
e familiar, com influência sobre a saúde e a qualidade de vida. O trabalho executado pelas
professoras da área da saúde parece contribuir, portanto, para o desenvolvimento do processo de
adoecimento, com influência sobre a sua vida familiar, amorosa, social, ambiental e profissional,
com perda da qualidade de vida.
O trabalho “Condições de vida do trabalhador docente: Associação entre estilo de vida e
qualidade de vida no trabalho de professores de Educação Física.” (BOTH, ET AL 2010) teve por
44
objetivo identificar o nível de correlação entre qualidade de vida no trabalho (QVT) e estilo de vida
(EV) dos professores de Educação Física. A amostra de 1645 professores foi selecionada por meio
de três estágios. O primeiro estratificou a região Sul do Brasil conforme as unidades da federação, o
segundo dividiu cada estado em mesorregiões e o terceiro considerou os Núcleos Regionais de
Ensino como conglomerados. Na coleta de dados foram utilizados questionários que avaliaram a
QVT e o EV. Os resultados evidenciaram que os professores estão insatisfeitos com os salários, as
condições de trabalho, a integração social e o tempo dedicado ao lazer, bem como possuem
comportamentos negativos na alimentação, controle do estresse e atividade física.
O artigo “Produtivismo e precariedade subjetiva na universidade pública: O desgaste
mental dos docentes” (BERNARDO, 2014) busca discutir as características desse modelo, partindo
do pressuposto que ele conduza a uma situação de precariedade subjetiva para os docentes. É
apresentado o resultado de uma pesquisa qualitativa com professores de uma universidade pública,
realizada por meio de entrevistas reflexivas. Os resultados apontam que há uma precariedade
subjetiva vivenciada que leva a um desgaste mental, o qual, por sua vez, pode ter como
consequência o sofrimento psíquico e o adoecimento. Apesar de se mostrarem conscientes do
processo que vivenciam, alguns docentes buscam adotar táticas individuais cotidianas de
“sobrevivência”, enquanto as estratégias coletivas com vistas à transformação são pouco
enfatizadas.
“Condições de saúde, estilo de vida e características de trabalho de professores de uma
cidade do sul do Brasil” (SANTOS e MARQUES, 2013). O objetivo deste trabalho foi investigar a
condição de saúde, o estilo de vida e as características de trabalho dos professores municipais de
Bagé (RS). Realizou-se um estudo transversal com 414 professores através de questionários
padronizados autoaplicáveis. O tratamento dos dados foi feito através de análise descritiva e
bivariada dos dados. O grupo de docentes caracterizou-se como feminino (96,1%) e de meia idade
(média = 40,1 ± 9,4 anos). O tempo de docência foi de 12,4 ± 9,5 anos, apresentaram alta
escolaridade (59,0% pós-graduado), carga de trabalho elevada (média = 31,7 ± 10,5 h/ sem) e
38,0% apresentou absenteísmo. A percepção de saúde foi boa para 38,5%. Foram fisicamente ativos
(65,2%), com excesso de peso (32,3% sobrepeso e 14,4% obesos), baixo consumo de frutas e
verduras (79,6%), nível médio de estresse de 14,9 ± 6,6 pontos e 20,3% relataram hipertensão
arterial. A percepção de saúde esteve associada com o tempo de docência, absenteísmo, atividade
física, número de refeições, nível de estresse e hipertensão arterial. A prevalência de professores que
avaliaram sua saúde negativamente foi baixa.
45
No artigo “Síndrome de Burnout em professores: prevalência e fatores associados.”
(CARLOTTO, 2011) a autora teve como objetivo do estudo identificar a prevalência da Síndrome
de Burnout em 882 professores de escolas da região metropolitana de Porto Alegre-RS. Foram
utilizados como instrumentos de pesquisa: um questionário elaborado especificamente para
levantamento de variáveis demográficas, laborais e o MBI- Maslach Burnout Inventory (HSS-ED).
Os resultados obtidos evidenciam 5,6% de professores com alto nível de exaustão emocional, 0,7%
em despersonalização e 28,9% com baixa realização profissional. Mulheres, sem companheiro fixo,
sem filhos, com idade mais elevada, que possuíam maior carga horária, que atendiam maior número
de alunos e trabalhavam em escolas públicas apresentaram maior risco de desenvolvimento de
Burnout.
“O docente universitário em Enfermagem e a Síndrome de Burnout: uma questão de
educação para a saúde” (MULATO, 2008). Neste estudo qualitativo as autoras tiveram por objetivos
levantar com docentes de Enfermagem o significado que atribuem à sua profissão; os momentos de
satisfação e insatisfação profissional; as atividades ocupacionais, de lazer e promoção de saúde e
averiguar o conhecimento sobre a Síndrome de Burnout, seus sinais e sintomas. Foram pesquisados
13 docentes, a maioria mulher, casada e católica, com mais de 40 anos e com filhos, com formações
variadas, e que atuavam na educação para a saúde. Elas referiram que a profissão significa
amorosidade, troca e diálogo, com papel mediador, humanizador e transformador, e a perceberam
como importante, porém exigente, desgastante e estressora.
O trabalho parece proporcionar satisfação como honrarias, ascensão profissional,
orientação de alunos, mas também insatisfação com o excesso de reuniões, responsabilidades e
estresse. As docentes desenvolviam atividades ocupacionais de ensino, como aulas na graduação e
pós-graduação; na pesquisa; na extensão, com a realização de palestras, cursos e estágios; na gestão,
por meio de comissões e conselhos; e nas atividades de lazer, ainda que incipientes, realizando
leituras, viagens, filmes, e alguns passeios. Como promoção de saúde, as docentes utilizavam o
lazer, apoio social, organização do tempo, terapias convencionais e alternativas, atividade física e
alimentação equilibrada. As docentes conheciam a Síndrome de Burnout, mas não reconheciam
parte dos sinais e sintomas que ela apresenta.
O trabalho de Perez (2012) “Se eu tirar o trabalho sobra um cantinho que a gente foi
deixando ali: clínica de psicodinâmica do trabalho na atividade de docentes no ensino superior
privado” foi o último dessa região e se propôs a investigar temáticas referentes à saúde mental e o
trabalho de docentes universitários, especificamente relacionadas às vivências de prazer e
46
sofrimento no trabalho de professores universitários em Instituições de Ensino Superior (IES)
privadas. A Fundamentação teórica e metodológica foi a da Clínica da Psicodinâmica do Trabalho.
O método foi qualitativo, com a realização de entrevistas individuais semiestruturadas com dezoito
professores universitários de IES privadas. Os resultados evidenciaram uma extensiva jornada de
atividades que, com frequência, invade a vida fora do trabalho, revelando a sobrecarga de atividades
que lhes é solicitada cotidianamente, o que, como consequência, compromete a saúde física e
psíquica dos professores. Para evitar o sofrimento e adoecimento psíquico os docentes entrevistados
fazem uso de estratégias que promovam a saúde, dentre elas foram evidenciadas as estratégias
defensivas que favorecem a manutenção da organização do trabalho, sendo estas consideradas
alienadoras, e as estratégias que estimulam a continuidade do trabalho docente. Dessa forma, foi
possível identificar as maiores solicitações de mudança neste contexto, sendo elas: conquista de um
espaço para discutir as questões do trabalho; a obrigatoriedade da distribuição na jornada de
trabalho compatível com o tempo de preparação de aulas e atividades acadêmicas; menor carga
horária direcionada ao trabalho em sala de aula, para permitir o desenvolvimento de atividades
ligadas à extensão e, especialmente, à pesquisa e à qualificação.
Trabalhos da Região Centro-Oeste:
No trabalho “O PERFIL DO ADOECIMENTO DOCENTE NA UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA DE 2006 A 2011” (SOUSA, 2013) O objetivo principal foi, tendo como base a
epidemiologia descritiva, investigar a composição do perfil epidemiológico das morbidades dos
docentes, em específico os professores ativos da Universidade de Brasília, entre janeiro de 2006 a
dezembro de 2011, a partir dos dados de morbidade coletados junto a prontuários disponibilizados
pelos órgãos de saúde da universidade. Os dados foram coletados na forma de CIDs e o perfil geral
dos professores foi elaborado com dados fornecidos pela própria instituição. A população de
referência foi composta por 2.507 docentes efetivos do quadro funcional da UnB sendo que destes,
2.218 estavam ativos em dezembro de 2011, dos quais 202 professores viveram episódios de
afastamentos por doença. Observou-se maior prevalência de afastamentos em docentes entre 41 e
60 anos, do sexo feminino, solteiros. Foram computados no período estudado 15.108 dias de
afastamentos. A pesquisa de campo revelou diversas morbidades como justificativa para o
afastamento, no entanto, chama a atenção àquelas motivadas por Transtornos Mentais e
Comportamentais e as motivadas por Doenças do Sistema Musculoesquelético e Tecido Conjuntivo.
47
“Avaliação da qualidade de vida de professores do ensino fundamental: influência das
variáveis sóciodemográficas” (SILVA, 2011). No trabalho, o objetivo foi analisar a qualidade de
vida dos professores de ensino fundamental da cidade de Goiânia, Goiás e correlacionar os fatores
sócio demográficos com os domínios do questionário de qualidade de vida Medical Outcomes
Study 36-Item Short Form Health Survey (SF-36). Foi feito um estudo transversal, no qual foram
avaliados 190 professores de ensino fundamental de 15 escolas municipais de Goiânia, no período
de abril a julho de 2010. Os resultados apontaram que Dor e Vitalidade foram os domínios mais
afetados. Os fatores idade, tempo de serviço, carga horária de trabalho e gênero contribuíram para a
piora dos domínios Capacidade Funcional, Dor, Estado Geral de Saúde, Vitalidade, Aspectos
Sociais, Limitações por Aspectos Emocionais e Saúde Mental da qualidade de vida consideram-se
necessárias políticas públicas que visem a agir tanto de forma educativa, quanto de forma
preventiva e curativa. A integração da saúde do trabalhador com a saúde da mulher deve ser
pensada já que a maioria dos docentes de ensino fundamental é do sexo feminino e o gênero
feminino mostrou-se fator importante para a diminuição de alguns domínios na qualidade de vida.
Trabalhos da Região Sudeste:
No trabalho “O exercício da docência e a preservação da saúde mental do professor: um
estudo a partir de suas condições de trabalho e existência” a autora Mota (2011) teve o propósito
inicial de investigar possíveis relações entre as condições do trabalho docente e o adoecimento
mental dos professores. Seu ponto de partida foi um levantamento de cunho epidemiológico
realizado em prontuários de pacientes do Hospital Espírita André Luiz. Os resultados desse
levantamento apontavam para uma possível relação entre o trabalho docente e o adoecimento
mental. Em um segundo momento, foi realizado um estudo de caso em uma escola municipal de
Belo Horizonte, visando não apenas conhecer uma experiência bem-sucedida, como aprofundar no
conhecimento a respeito das causas do alto índice de adoecimento verificado nessa categoria
profissional. Na segunda etapa, foram utilizados observações clínicas do trabalho e o método
biográfico proposto por Louis Le Guillant (2006). Os resultados apontam que a preservação da
saúde do professor depende da associação entre suas características individuais e uma determinada
forma de organização do trabalho que lhe permita criar formas inovadoras de realizar o seu trabalho
a partir dos meios disponíveis e estabelecer trocas de experiências com seus pares.
48
“O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde” (GASPARINI;
BARRETO e ASSUNCAO, 2005) Este artigo apresenta o perfil dos afastamentos do trabalho por
motivos de saúde de uma população de profissionais da educação. Buscando elementos na literatura
disponível, aventa a hipótese de que as condições de trabalho nas escolas podem gerar sobre esforço
dos docentes na realização de suas tarefas.
Foram analisados os dados apresentados no Relatório preparado pela Gerência de Saúde
do Servidor e Perícia Médica (GSPM) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais,
relativos aos afastamentos do trabalho de funcionários da Secretaria Municipal de Educação, de
abril de 2001 a maio de 2003. Os afastamentos foram indicados pelos atestados médicos fornecidos
pela própria instituição. Os dados obtidos, embora não permitiram discriminar o número de
professores envolvidos, mas possibilitaram o conhecimento do número de afastamentos entre os
professores, sendo que os transtornos psíquicos ficaram em primeiro lugar entre os diagnósticos que
provocaram os afastamentos.
O artigo de Costa ET AL (2013). “Prevalência da Síndrome de Burnout em uma
amostra de professores universitários brasileiros” investigou a prevalência da Síndrome de Burnout
em 169 professores universitários da cidade de Piracicaba-SP, por meio do Questionário de
Avaliação para a Síndrome de Burnout (CESQT versão brasileira). O valor de consistência interna
alfa de Cronbach foi satisfatório para todas as dimensões do questionário. Os resultados mostraram
que 11,2% dos professores apresentaram Perfil 1 e 3% Perfil 2 da Síndrome de Burnout. A autora
destaca que prevalência encontrada é motivo de preocupação e merece atenção, não só pelos danos
que a Síndrome de Burnout provoca na saúde física, mental e social do profissional, mas também
pela influência na qualidade de ensino praticado nas escolas.
O trabalho de Mariano e Muniz (2006). “Trabalho docente e saúde: o caso dos
professores da segunda fase do ensino fundamental” teve como objetivo analisar a relação entre a
saúde mental e trabalho das professoras da segunda fase da rede pública do município de João
Pessoa – PB. Utilizou as contribuições teóricas da psicodinâmica do trabalho, propondo-se analisar
a dinâmica dos processos psíquicos pela confrontação do sujeito com a realidade do trabalho,
objetivando um espaço de discussão que privilegiasse a intersubjetividade dos sujeitos na
construção do sentido acerca do trabalho. A análise evidenciou que as docentes vivenciam
diferentes formas de sofrimento psíquico ao confrontar-se com as situações desfavoráveis de sua
atividade. Por outro lado, as professoras desenvolvem estratégias de enfrentamento que amenizam o
sofrimento e favorecem transformar a angústia em força propulsora de mudança, pois a presença do
49
trabalho coletivo, o desenvolvimento de regras de ensino e o reconhecimento por parte dos alunos,
se constituem como possibilidade de construção de saúde e de prazer no trabalho destas professoras.
A tese de Paparelli (2009) “Desgaste mental do professor da rede pública de ensino:
trabalho sem sentido sob a política de regularização de fluxo escolar.” Parte da perspectiva da Saúde
do Trabalhador e procura identificar a participação da escola na produção do desgaste mental,
considerando o lugar ideológico de justificação das desigualdades sociais ocupado por essa
instituição na sociedade de classes, as questões de exclusão escolar, tais como se configuram no
interior das políticas educacionais atuais (programas de regularização de fluxo escolar) e a natureza
do trabalho docente, cuja lógica é avessa à organização do trabalho produtor de mercadorias. Desse
modo, busca responder as seguintes perguntas: quais são os principais determinantes do desgaste
mental de professores de ensino fundamental nas escolas públicas hoje? Como eles aparecem na
vivência dos professores? Que formas de enfrentamento e de resistência estão sendo engendradas
pelos trabalhadores?
Para responder as perguntas acima referidas, foram feitas entrevistas com professoras de
uma escola da rede municipal de ensino, paulistana, que viviam diferentes situações de trabalho:
readaptada, afastada por problemas mentais e, atuante, em sala de aula. Desde a invasão da escola
por uma lógica neoliberal produtivista, materializada pelos programas de regularização de fluxo
escolar, implantados a partir dos anos 1990, o trabalho docente vem passando por reestruturações
que vão em direção de sua intensificação, da ampliação dos tipos de tarefas, da sua desqualificação
e da precarização das relações de emprego, consolidando-se a desvalorização do trabalho educativo.
A pesquisa constatou que, em uma escola norteada pela seriação, os ciclos de aprendizagem pioram
as condições de trabalho no magistério, na medida em que o impedimento à ação de reprovar os
alunos implica em perda do controle docente, em aumento da indisciplina e do desinteresse do
alunado por uma escola cujo objetivo tornou-se basicamente credencialista. Sob essas condições, os
alunos que até os anos 1980 viviam a exclusão da escola, agora nela permanecem, mas sem
aprender, vivendo a exclusão na escola. As inúmeras tentativas docentes de reverter esse quadro
acabam, frequentemente, transformando-se em estratégias para minimizar o desgaste no trabalho,
sendo concretizadas em ações que representam uma espécie de renúncia ao papel de educador. Essa
desistência de educar significa, ao mesmo tempo, uma renúncia ao sentido do trabalho docente, que,
desse modo, passa a gerar intenso desgaste mental.
A tese de Diniz (2008) “Gestão E Trabalho Pedagógico: Um Estudo Sobre O Sentido
Do Trabalho Para Gestores E Docentes De Escolas Municipais De Ensino Fundamental Na Cidade
50
De Campinas” analisa as percepções de professores, orientadores pedagógicos, vice-diretores e
diretores, em escolas públicas de ensino fundamental, sobre aspectos relacionados à organização,
condições e relações vivenciadas no ambiente de trabalho, articulados aos seus sentimentos de
prazer, sofrimentos e desafios no processo de realização do trabalho. O principal objetivo deste
estudo é, a partir das percepções particulares investigadas, compreender o sentido do trabalho para
os trabalhadores e o que o mesmo pode significar para escolas públicas de ensino fundamental.
O estudo envolveu 258 profissionais de 12 escolas públicas municipais de ensino
fundamental da cidade de Campinas, sendo que desses, 58 profissionais de 05 das escolas
colaboradoras participaram das entrevistas. Através das entrevistas reflexivas, os resultados
demonstraram que as dimensões relações, condições e organização do trabalho, tanto no âmbito da
gestão, como no âmbito da docência, estão relacionadas entre si pelo sentido de
precarização/desprofissionalização do trabalho, havendo uma tendência à vivência de sofrimento,
com nocividades para a saúde mental dos trabalhadores: a ansiedade produtiva acompanhada de
sinais de exaustão, a tolerância ao sofrimento e em alguns casos, a saída individual da desistência,
sobretudo, a desmobilização do trabalho. Configuraram estratégias de resistência/sobrevivência no
ambiente de trabalho: a mobilização pessoal por meio de outros, as defesas coletivas no âmbito da
docência, a gestão diretiva, a gestão compartilhada, a remoção, a estratégia defensiva do silêncio.
Estudo pareado Nordeste/Sudeste:
O artigo “A promoção da saúde a partir das situações de trabalho: considerações
referenciadas em uma experiência com trabalhadores de escolas publicas” (SILVA, ET AL, 2009)
apresenta e discute o que os autores denominaram como Promoção da Saúde a partir das Situações
de Trabalho (PSST). Para isto, fez-se uso de uma experiência desenvolvida no estado do Rio de
Janeiro e no município de João Pessoa/PB: o Programa de Formação em Saúde, Gênero e Trabalho
nas Escolas Públicas. Tal experimentação teve, como ponto de partida e chegada, as situações
concretas de trabalho, e envolveu, numa perspectiva ergológica, o diálogo sinérgico entre os polos
da experiência e dos conceitos, mediado pelo polo ético-epistêmico, pela constituição de
Comunidades Ampliadas de Pesquisa (CAP). Sua realização propiciou a produção de vários eventos
promotores de saúde, englobando modificações concretas na organização e no ambiente de trabalho,
mudanças nas formas de luta pela saúde e, mesmo, transformações no modo de olhar o trabalho e a
vida.
51
Feito esse passeio pelo panorama dos principais trabalhos que se relacionam com nosso
tema, vamos a seguir adentrar de modo mais intenso na discussão sobre saúde e estratégias
defensivas. Sublinhar novamente que foram bem poucos os trabalhos que abordam o tema, ainda
mais relacionados à docência.
3. SAÚDE E ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS
A escolha de uma estratégia defensiva vai estar articulada à maneira como o sujeito
funciona e esse funcionamento está vinculado à percepção que o sujeito tem de si; essa percepção é
da esfera do constructo da identidade, categoria também importante para o presente trabalho.
A respeito da construção da identidade Scoz (2011) salienta que a tentativa de tradução
dos componentes da subjetividade e da identidade implica em ter presentes alguns processos
dinâmicos, tais como: a confluência de uma série de sentidos que estão articulados com a história
do sujeito e as condições concretas dentro das quais o sujeito atua em um dado momento. Partindo
dessa confrontação, o resultado é que surgem situações em que se apresentam a necessidade do
sujeito reconhecer a si mesmo, de delimitar seu espaço onde entrará em congruência consigo na
situação que está enfrentando. A subjetividade surgirá dessa situação. (GONZÁLEZ REY, 2003).
Para que se possa pensar em intervenções voltadas para promoção/manutenção da
saúde mental docente faz-se necessária à compreensão das estratégias defensivas utilizadas pelo
professor para manter-se em funcionamento.
Mais que isso, é necessário perguntar a respeito do que são Estratégias defensivas, em
quais teorias esse termo aparece bem como que tipo de trabalho tem sido produzido a esse respeito
em nosso país.
Com o intuito de esclarecer um pouco essa temática efetuei um levantamento no Banco
de teses da CAPES utilizando os seguintes descritores: 1. Estratégias defensivas docentes; 2.
Estratégias de defesa docentes. Foi definido um recorte de 10 anos (2004-2014), buscando trabalhos
recentes produzidos objetivando um caráter atual de produção.
Os resultados foram catalogados destacando sua teoria de base e a metodologia
utilizada no trabalho. A compreensão do que são estratégias defensivas em cada um deles é
detalhada abaixo dos quadros.
Na maior parte dos trabalhos, foi adotada a perspectiva da Psicodinâmica do trabalho,
apesar de nem sempre serem abordadas estratégias de defesa coletivas.
52
Foram encontrados quatro registros – 3 dissertações e uma tese – no Banco de teses da
capes a partir do descritor: Estratégias defensivas docentes.
Quadro 2 - Estratégias defensivas docentes
Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem
Metodológica
PEREZ, KARINE
VANESSA.
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO
GRANDE DO SUL
SE EU TIRAR O
TRABALHO, SOBRA
UM CANTINHO QUE
A GENTE FOI
DEIXANDO ALI:
CLÍNICA DA
PSICODINÂMICA
DO TRABALHO NA
ATIVIDADE DE
DOCENTES NO
ENSINO SUPERIOR
PRIVADO „.
Psicodinâmica do
trabalho.
Qualitativa
VIEIRA, MARILENE DE
LOURDES.
UNIVERSIDADE DE
UBERABA
MAL-ESTAR
DOCENTE E
SOFRIMENTO
PSÍQUICO: OCASO
DE PROFESSORES
DE UMA ESCOLA
DA REDE
MUNICIPAL DE
UBERABA, MG.
Eclética: psicodinâmica
do trabalho; Psicologia
histórica cultural;
Epistemologia
histórica,
Epidemiologia?
Formação docente.
Quali-quantitativa
CUPERTINO, VALERIA.
FACULDADE
NOVOS
HORIZONTES
PRAZER E
SOFRIMENTO NA
PRÁTICA DOCENTE
NO ENSINO
SUPERIOR: ESTUDO
DE CASO EM UMA
IFES MINEIRA
Psicodinâmica do
trabalho
Quali-quantitativa
COSTA, VERBENA
LÚCIA DE MEDEIROS
A DIVERGÊNCIA NA
ACADEMIA: FACEWORK
-ESTRATÉGIAS
DISCURSIVAS PARA
DEFESA E
PRESERVAÇÃO DAS
IMAGENS SOCIAIS'
Teoria de Polidez de
Brown e Levinson,
bem como, em alguns
pressupostos teóricos
metodológicos da
Análise da
Conversação.
Qualitativa
Fonte: Eboração própria.
No primeiro trabalho, intitulado “Se eu tirar o trabalho sobra um cantinho que a gente
53
foi deixando ali: Clínica da psicodinâmica do trabalho na atividade de docentes no ensino superior
privado”, a autora faz uso da teoria de Dejours para embasar a análise das 18 entrevistas
semiestruturadas, conduzidas por ela, com professores de IES privadas em Porto Alegre, a fim de
pesquisar suas vivências de prazer e sofrimento no trabalho.
De acordo com a autora, para evitar o sofrimento e adoecimento psíquico os docentes
entrevistados fazem uso de estratégias que promovem sua saúde, dentre elas foram evidenciadas as
estratégias defensivas que favorecem a manutenção da organização do trabalho e as estratégias que
estimulam a continuidade do trabalho docente. É importante destacar que as estratégias
investigadas pela autora foram de cunho individual e não do coletivo dos docentes investigados.
Ela ressalta que, para Dejours, a principal função das estratégias defensivas é a de mascarar o
sofrimento para poder dar continuidade ao trabalho; para a autora, além disso, as estratégias
permitem a preservação da saúde mental mesmo que em alguns contextos tenha um caráter
alienante, já que podem evitar a mobilização dos sujeitos enquanto categoria. Nesse sentido, duas
das defesas apontadas foram a da passividade, da não implicação e do isolamento; as outras defesas
citadas foram: a dissociação afetiva, a autoresponsabilização, a intelectualização (relacionada ao
isolamento), o desejo de não falar sobre o trabalho, repensar a escolha da docência, o adoecimento,
a busca excessiva por qualificação, a negação, a ambivalência e a desistência.
Outras estratégias foram citadas no texto como sendo “puramente” positivas, quais seja
o relacionamento com os colegas, o relacionamento com os alunos, a criação de espaços
alternativos para discussão, a conscientização, a reorganização da rotina, Estar alerta aos sinais
emitidos pelo corpo antes do adoecimento, o estabelecimento de limites, a autonomia e possuir
perspectivas de futuro.
O trabalho subsequente de autoria de Vieira (2011) apresenta estratégias defensivas
utilizadas por professores do ensino fundamental de uma escola pública para manutenção de sua
saúde. A autora usa o nome de estratégias de autorregulação – apesar de cambiar essa denominação
com a de estratégia de defesa ao longo do texto - para discutir o assunto. A teoria de base por trás da
análise desenvolvida parece ser a de Dejours (em outros capítulos são citados autores como Codo e
Tardif); a autora dividiu os mecanismos em 10 categorias temáticas e os descreveu. Dos seus
achados o que chamou atenção foi o fato de que as chamadas “atividades de autorregulação” (outro
sinônimo usado pela autora) estarem direcionadas a vida pessoal das professoras (comportamentos
manifestados fora da escola) tais como: atividades esportivas e de lazer, cuidados pessoais, suporte
afetivo, espiritualidade, busca por medicalização e ajuda médica. Ela diz ainda que essas estratégias
54
são classificadas como de defesa por não modificarem o ambiente, pois se assim o fizessem seriam
nomeadas de estratégias de enfrentamento.
O trabalho de Cupertino (2012) tem por referencial teórico a Psicodinâmica do
Trabalho e fez uso de metodologia quali-quantitativa. Seus achados apontam para uma situação na
qual prazer e sofrimento convivem de forma não excludente. A principal fonte de sofrimento, de
acordo com o autor, é a organização do trabalho (pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho,
número de pessoas insuficiente para realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga
de trabalho, falta de reconhecimento e necessidade constante de capacitação) para lidar com isso as
estratégias defensivas acionadas seriam a negação, a racionalização e adaptação forçada. O autor
destaca que o uso de estratégias individuais e a ausência de um coletivo de trabalho coeso e com
confiança mútua, contribui para manutenção da situação de exploração patogênica do trabalho.
O último trabalho não versa sobre estratégias defensivas de cunho psicológico, mas sim
sobre estratégias linguísticas utilizadas pelos acadêmicos para mitigar divergências, atingirem seus
interesses acadêmicos e preservarem sua imagem social.
Utilizando o descritor: Estratégias de defesa docentes no banco de teses da CAPES
foram encontrados 13 registros encontrados, sendo duas teses e 11 dissertações. Uma já aparecera
no descritor anterior, três dizem respeito ao tema:
Quadro 3 - Estratégias de defesa docentes
(continua)
Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem
Metodológica
MORAES, RAFAELA
MAYER DE.
CENTRO
UNIVERSITÁRIO
FRANCISCANO DO
PARANÁ
ESTRATÉGIAS
DEFENSIVAS E
TRABALHO
DOCENTE: O
TRABALHO DO
PROFESSOR NO
CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO
Psicodinâmica do
trabalho, na economia
política do poder e na
psicossociologia.
Qualitativa/ Análise de
conteúdo
ROSAS, MARIA LETICIA
MESSIAS.
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO
AMAZONAS
ANÁLISE
PSICODINÂMICA
DO TRABALHO DE
PROFESSORES DE
UMA ESCOLA
RURAL NO
MUNICÍPIO DE
Psicodinâmica do
trabalho
Qualitativa
55
IRANDUBA/AM
SOLDATELLI,
ROSANGELA
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA
CATARINA
O PROCESSO DE
ADOECIMENTOS
DOS PROFESSORES
DO ENSINO
FUNDAMENTAL DE
FLORIANÓPOLIS E
SUAS
POSSIBILIDADES
DE RESISTÊNCIA A
ESSE PROCESSO
Materialismo histórico-
dialético?
Qualitativa
Fonte: Elaboração própria.
O primeiro trabalho não está disponível em sua versão completa, apenas seu resumo. O
foco de atenção do trabalho está na compreensão das estratégias defensivas docentes de forma
coletiva (como elas são vivenciadas pelo grupo) para isso a questão da materialidade é abordada. O
trabalho afora a teoria de Dejours faz uso da economia política do poder e da psicossociologia.
Foram realizadas entrevistas com os professores e foi feita a análise de conteúdo das mesmas. Os
resultados apontam para uma organização do trabalho que não proporciona espaços para reflexão
sobre o trabalho; o grupo social é apontado como elemento de suporte afetivo, sendo a principal
forma de defesa coletiva.
O trabalho de Rosas (2012) fez uso da Psicodinâmica do trabalho em sua metodologia e
análise. As estratégias identificadas foram de enfretamento (os professores propositalmente
transgrediam o trabalho prescrito) e de defesa (racionalização, resignação e presenteismo) além de
quadros de adoecimento.
Soldatelli (2011) fez uso de pesquisa empírica – questionário respondido por 165
professores - no intuito de articular as abordagens quantitativa e qualitativa de investigação. Ela cita
que seus achados estão de acordo com os de Seligmman-Silva (1994) e que as principais defesas
encontradas foram as seguintes: evitar pensar em determinadas situações no tempo fora do trabalho;
procurar explicações racionais para essas determinadas circunstâncias; resignação; repressão de
sentimentos ou manifestações de raiva, irritação ou revolta em seus ambientes de trabalho;
Isolamento; adoecimento; para evitar o adoecimento alguns dos entrevistados afirmaram fazer
exercícios, cuidar da alimentação e utilizar terapias alternativas.
Como pode ser percebido, existe quase uma hegemonia da perspectiva Dejouriana nos
trabalhos, seja com um enfoque mais “puro” destacando as estratégias de defesa coletiva, seja
fazendo uso de sua teoria, mas focando em estratégias defensivas de cunho individual.
56
Feitas essas considerações, vamos tentar explicitar o que seriam Estratégias Defensivas
na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural. Para tanto, inicialmente, iremos apresentá-las como
produto da função superior criatividade, para em seguida destacar seu papel na produção de sentido.
Os estudos de Vigotski acerca da capacidade criativa contrariam as concepções inatistas
ou meramente descritivas predominantes no senso comum. Para Vigotski (1997):
(...) a conduta humana se distingue pela mesma peculiaridade qualitativa – comparada com
a conduta do animal – que diferencia o caráter da adaptação e do desenvolvimento histórico
do homem comparado com a adaptação e desenvolvimento dos animais, já que o processo
de desenvolvimento psíquico do homem é uma parte do processo geral do desenvolvimento
histórico da humanidade (p. 62).
Reconhecida a necessidade da história e do movimento para se compreender a
criatividade, na psicologia, Vigotski e Luria (1996) estudaram a história do comportamento dos
símios, do homem primitivo e da criança, concluindo que, para estudar a psicologia do homem
cultural adulto, faz-se necessário entendê-la como fruto de três trajetórias: 1) da evolução biológica
desde os animais até o ser humano; 2) da evolução histórico-cultural do homem primitivo ao
homem moderno; e, 3) do desenvolvimento individual (ontogênese), do recém-nascido até o homem
adulto moderno.
De forma sintética pode-se dizer que os autores resumiram o processo de
desenvolvimento dialético do psiquismo humano desde a transformação do símio ao homem
cultural moderno; fazem isso partindo de uma compreensão concreta do mundo e dos homens, das
particularidades do psiquismo humano como sendo uma síntese de múltiplas determinações que
compõem as relações humanas de produção e reprodução da vida.
Então, o homem apresenta potenciais para se tornar, inclusive, humano. Entretanto, a
manifestação de sua humanidade está subordinada à apropriação dos bens culturais historicamente
criados e acumulados, criações materiais e simbólicas cuja interiorização é indispensável para que
haja o desenvolvimento do complexo psiquismo humano. Quando a natureza é transformada em
matéria-prima para a produção da sobrevivência, inaugura-se o descolamento do homem com
relação à natureza (hominização). Um instrumento não é apenas um corpo físico, como para os
animais, mas um meio de ação elaborado socialmente já que as operações de trabalho estão
“cristalizadas nele”. O desenvolvimento do psiquismo se consolida quando as objetivações humanas
são apropriadas pelos seres humanos de geração em geração, num processo denominado educação.
O pensamento e o saber de uma geração, portanto, são formados a partir da apropriação dos
resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes.
57
Tudo o que existe, o que foi produzido e institucionalizado pelo homem e que não
existia antes que ele o inventasse é criatividade cristalizada; a criatividade é uma função mental
cujo papel é o de encontrar soluções para as necessidades humanas (que, a exceção das fisiológicas,
muda constantemente). Ela pode ser utilizada, entre outras coisas, como dispositivo de tomada de
decisão quando não há caminho claro a ser escolhido, para inventar mediadores para memória e ou
para criar sentido (ou se distrair) em situações de impossível.
Como exemplo da primeira situação podemos citar o uso de dispositivos, tais como tirar
cara ou coroa quando estamos diante de um impasse cuja decisão compromete uma de duas
escolhas igualmente importantes; como mediador de memória posso citar mudar um relógio de
braço para recordar um compromisso em determinado horário ou amarrar uma fita em um dedo com
o mesmo propósito. Vigotski (1997) chamava a esse tipo de manifestação criativa de vontade
cultural que é o emprego de estímulos na qualidade de instrumento da memória, algo que só o
homem é capaz de fazer.
Acredito que as estratégias defensivas seriam uma forma de manifestação criativa, um
tipo de vontade cultural assim como a memória cultural só que sua função seria a de proteger a
psique da dor trazida por determinada realidade situacional (por exemplo, trabalhar
compulsivamente para não pensar em um problema pessoal). O grau de adequação de cada defesa
vai depender do contexto e das potencialidades subjetivas de cada um.
Vygotski (2003) considera que o "homem está pleno a cada minuto de possibilidades
não realizadas". Essas possibilidades, não realizadas, vão constituir um plano em que o sujeito pode
agir mais ou menos livremente; em que o sujeito pode, inclusive, resistir quando se tenta amputar
seu poder de agir.
Trabalhar impõe que a todo instante estejamos frente a impasses. Se as pessoas não
dispõem de recursos internos para lidar com tais impasses, ou de formas para desenvolver esses
recursos, estarão em situação de atividade impedida ou contrariada.
O trabalho só pode produzir saúde quando há atividade, sendo que a situação de
atividade impedida é uma situação de sofrimento e desgaste. As Estratégias Defensivas, também
poderiam ser entendidas, como aquelas relativas ao desenvolvimento de ferramentas internas que
permitam o desenvolvimento de recursos para realizar as atividades de forma diferente ou permitam
a criação de novas atividades mais livres ou realizadoras.
Elas podem ter um caráter coletivo ou individual. Na clínica da atividade (que tem
58
inspiração na Psicologia Histórico-Cultural), existe uma necessidade de reconhecimento de seu
trabalho por parte do trabalhador; esse reconhecimento que produz saúde se dá no reconhecimento
do trabalhador, por si mesmo, produzido a partir da avaliação de que realiza um bom trabalho, do
qual pode se orgulhar. Os critérios desse “bom trabalho” são gerados continuamente na dinâmica do
ofício, na permanente construção e reconstrução do gênero de atividade profissional.
Existe, portanto, um caráter identitário e de reflexão no que tange a estar inserido em
uma categoria profissional e pensar e repensar suas práticas, suas atividades; o que implica,
também, numa tentativa individual de resistência, numa busca por não se deixar alienar pela
velocidade e repetição das atividades cotidianas.
Dito de outra maneira, as Estratégias Defensivas no âmbito da Psicologia Histórico-
Cultural estão relacionadas à produção de novos sentidos pelas pessoas diante das situações onde a
cisão entre significado e sentido provoca sofrimento.
4. FORMAÇÃO CONTINUADA E SAÚDE DOCENTE
Como dito no inicio do trabalho, a formação tem papel fundamental para a saúde dos
docentes e, em tempos de precarização, pode ser considerada um de seus principais focos de
manifestação (formações aligeiradas e insuficientes, por exemplo).
Uma revisão bibliográfica, seguindo os moldes anteriores, foi feita a respeito do assunto
no intuito de verificar a produção de trabalhos acadêmicos, no banco de teses da capes, relativos à
temática da formação continuada docente e sua relação com a saúde.
Utilizando o descritor formação continuada e saúde docente foram encontrados 38
registros, 26 trabalhos de mestrado acadêmico, 9 trabalhos de doutorado e 3 de mestrado
profissional. Destes trabalhos apenas seis apresentaram relações com a temática.
Quadro 4 - Formação continuada e saúde docente
(continua)
Autor / Instituição Título Teoria de embasamento Abordagem
Metodológica
ALVES, ANDRÉ LUCIANO.
UNIVERSIDADE
FEEVALE
A FORMAÇÃO
CONTINUADA
COMO VIÉS DE BEM
/ MAL-ESTAR
DOCENTE
Inspiração histórico–
cultural
Quali-quanti
59
RAMIREZ, VERA LUCIA.
PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE
CATÓLICA DO RIO
GRANDE DO SUL
A CONSTITUIÇÃO
DO
PROFISSIONALISMO
DOCENTE E SUAS
INTERFACES COM O
EXERCÍCIO DA
DOCÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR.
Nóvoa, Pimenta,
Pimenta e Anastasiou,
Tardif e Perrenoud
(constituição do
profissionalismo
docente, a formação
inicial e continuada).
Estudo de caso quali-
quantitativo
PINHEIRO,
LEANDRO BRUM.
PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE
CATÓLICA DO RIO
GRANDE DO SUL
O BEM-ESTAR NA
ESCOLA
SALESIANA:
EVIDÊNCIAS DA
REALIDADE
Psicologia positiva -
(SELIGMAN, 2000;
FERNÁNDEZ-
ABASCAL, 2008;
LYUBOMIRSKY
, 2008;
SNYDERS & LOPEZ, 2009).
JESUS, 2002
Quanti-qualitativo e o
estudo de caso como
abordagem metodológica
PADILHA, ADRIANA
CUNHA
UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SÃO
CARLOS
O TRABALHO DE
PROFESSORES DE
EDUCAÇÃO
ESPECIAL :
ANÁLISE SOBRE A
PROFISSÃO
DOCENTE NO
ESTADO DE SÃO
PAULO
Marx, Saviani, Tardif,
Imbernón,
Shiroma, Frigotto, entre outros)
Qualitativa,
procedimento
metodológico a Análise
Coletiva do Trabalho
(ACT) .
CUNHA, FLÁVIA
BASTOS DA.
UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA
TORNAR-SE
PROFESSOR NO
COTIDIANO: UM
DESENHO
METODOLÓGICO -
EPISTEMOLÓGICO
DE PROCESSOS DE
SUBJETIVAÇÃO
CONSTRUÍDOS NO
CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO
FILOSÓFICA
Sacristan, Freire e a Psicologia
histórica cultural. Qualitativa, unindo à
Epistemologia
Qualitativa (Rey, 2003,
2005) ao Método da Cartografia (Deleuze
e Guatarri, 1992; Passos, Barros e
Escóssia, 2010).
ANTUNES, DENISE
DALPIAZ
PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE
CATÓLICA DO RIO
GRANDE DO SUL
Dout....
OFICINAS
PEDAGÓGICAS DE
TRABALHO
COOPERATIVO:
UMA PROPOSTA DE
MOTIVAÇÃO
DOCENTE
Inspiração histórico-cultural. Abordagem quanti-quali,
elegeu dentro do
paradigma naturalista, o
Estudo de Caso como
método de pesquisa,
dentro de um único
ambiente escolar. Para a
coleta de dados foi
utilizado o questionário
60
Indicadores
Motivacionais da Prática
Docente na Educação
Superior (adaptado para
a Educação Básica), no
que diz respeito ao
estudo diagnóstico-
exploratório quantitativo.
No que concerne à coleta
e posterior análise
qualitativa, optou-se pelo
Diário das Oficinas
Pedagógicas de Trabalho
Cooperativo; registros
fotográficos e registros
em gravado
Fonte: Elaboração própria.
Os resultados do trabalho de Alves (2011) apontaram a Educação Continuada como um
fator de pouca influência no bem-estar dos professores. De acordo com a pesquisa, a concepção de
educação continuada destes professores está relacionada a cursos e reciclagens de conhecimentos
externos, eles não veem a escola como lócus de formação continuada para si. Os fatores apontados
como contribuição para o bem-estar docente foram: o empenho profissional, as metas profissionais,
sucesso profissional, motivação intrínseca, a expectativa de eficácia e controle. A conclusão do
autor foi a de que é necessário repensar a forma como os momentos de formação continuada
acontecem nas escolas para que a mesma, se não puder ser fonte de bem-estar, não se torne fonte de
mal-estar.
O texto de Ramirez (2011) apesar de não ter como foco a saúde dos docentes, e sim, a
constituição de seu profissionalismo, traz, contudo, informações interessantes sobre a visão dos
professores universitários de Porto Alegre sobre as contribuições da formação continuada. Seus
achados apontam que: a) é reduzido o número de investigações direcionadas à formação dos
docentes que atuam em cursos de bacharelado b) é consenso entre os professores que nos cursos de
bacharelado, prepondera formação técnico-científica e os professores com essa formação inicial
carecem de conhecimentos didático-pedagógicos; c) os pesquisadores são unânimes em ressaltar a
formação continuada como fundamental em seu processo formativo docente.
A pesquisa de Pinheiro (2011) abordou a realidade de duas escolas salesianas em Santa
Catarina apontadas, pelo autor, como modelos de possibilidade para o bem-estar docente. A
formação docente foi apontada como um fator importante nesse quadro. Nessa pesquisa, os fatores
61
de bem-estar foram agrupados em duas categorias, os que dependem do próprio professor e os que
dependem da instituição, a formação continuada apareceu nas duas categorias. Os demais fatores
foram os seguintes; de cunho pessoal: vocação, empenho na execução das tarefas, à identificação
com proposta da escola. De cunho institucional: o acompanhamento e as estruturas de apoio, os
recursos disponíveis, o ambiente psicossocial e físico da escola e a valorização do profissional.
Padilha (2012) identificou os cursos aligeirados de formação continuada como um dos
fatores contribuintes para o estresse e o adoecimento docentes dos professores de Educação
Especial do Estado de São Paulo.
O trabalho de Cunha (2013) foi um estudo de caso em uma escola pública de ensino
fundamental do Distrito Federal. A metodologia do trabalho fez uso da pesquisa-intervenção e seu
objetivo foi propor um referencial teórico-metodológico para a formação continuada de professores
no ambiente escolar, apoiado na prática filosófica. Apesar de não estar claramente explicitada, a
ideia por detrás dessa proposição parece ser a de que esse trabalho auxiliaria no processo de
(re)construção da subjetividade do professor como sujeito social, agindo nas zonas de
desenvolvimento proximal, o que obviamente tem implicações para sua saúde.
No trabalho de Antunes (2012) também foi feito um estudo de caso com intervenção,
sua tese era a de que se poderia fazer Oficinas Pedagógicas de Trabalho Cooperativo como proposta
motivacional na Educação Continuada; a pesquisa foi feita em uma escola estadual na cidade de
Porto Alegre. Os resultados confirmaram essa hipótese.
Esses estudos parecem indicar, portanto, duas perspectivas: 1) A maneira como a
Formação Continuada tem acontecido normalmente não traz contribuições para o bem-estar e saúde
dos docentes. 2) Quando utilizada como um espaço, também, de intervenção a Formação
Continuada apresenta potencial gerador de motivação e bem-estar, o que obviamente tem impacto
para promoção da saúde mental.
Apresentados os estudos que nos ajudaram a problematizar nosso objeto de estudo e
ampliar nossa visão sobre os contextos nos quais deve ser situado; na próxima parte do trabalho
vamos explicar o processo metodológico seguido na investigação que dá suporte a essa tese.
62
5. METODOLOGIA: CAMINHOS E CENÁRIOS NA PRODUÇÃO DA PESQUISA
O universo acadêmico é multifacetado, tem suas regras de funcionamento e temáticas
próprias que evoluem junto com a história da humanidade. A questão dos paradigmas de pesquisa
tem fundamental importância nesse contexto, não apenas com a função de nortear e localizar
melhor uma temática de pesquisa, mas com a função última de amenizar as inseguranças e nortear o
pensamento do pesquisador.
De acordo com Guba e Licoln (1994) paradigmas são sistemas de crenças baseados em
pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos que definem a identidade do
pesquisador. Ruto-Korir e Lubbe (2010) concordam com essa definição e acrescentam uma quarta:
a axiológica que insere a questão moral e ética à equação identitária.
Essas quatro dimensões formariam um enquadre que nortearia a interpretação do mundo
por parte do pesquisador. A escolha do paradigma orientador, contudo, está longe de ser simples, as
consequências da escolha trazem implicações para a pesquisa, para o pesquisador e para o objeto
pesquisado, que no caso das ciências humanas significam pessoas.
De acordo com Guba e Licoln (1994) existem quatro paradigmas principais, hoje, que
competem pela preferência das pessoas no momento de efetuar uma escolha para pesquisa:
Positivismo, Pós-positivismo, Teoria Crítica e Construtivismo.
Independente da escolha do método ser quantitativo ou qualitativo qualquer dos
paradigmas de pesquisa pode ser usado como escolha norteadora. Questões de método são
secundárias as de paradigmas.
A escolha de um paradigma, por parte do estudante, conta com vários fatores
intervenientes dentre eles estão: a escolha do paradigma do supervisor (orientador), os critérios
adotados pelas agências financiadoras das pesquisas e a área do conhecimento onde se irá produzir
a pesquisa (RUTO-KORIR e LUBBE, 2010).
O que tem se tornado comum é a adoção de práticas de fronteira envolvendo diversas
abordagens, talvez por isso, Ruto-Korir e Lubbe (2010) afirmam que nenhuma pesquisa está a salvo
do escrutínio da crítica.
Essa “permeabilidade” fronteiriça, se por um lado pode trazer possibilidades maiores de
originalidade e criatividade nos trabalhos, por outro pode transformar um trabalho em uma enorme
colcha de retalhos com paradigmas irreconciliáveis em seu interior o que pode vir a comprometer a
qualidade do trabalho final e vincular a identidade do pesquisador a uma espécie de esquizofrenia
acadêmica.
63
Um erro comum, segundo Yu (2010) é acreditar que a pesquisa quantitativa está,
obrigatoriamente, vinculada ao positivismo lógico o que pode levar alguns pesquisadores a evitar
essa abordagem; de acordo com o autor, a pesquisa quantitativa não é necessariamente objetiva, ela
pode ser probabilística; o que representa um grau de crença em última instância.
A utilização de métodos mistos, no entanto, pode ser válida. Kincheloe (2007)
relativamente aos estudos culturais, afirma que em alguma medida toda investigação científica é
precária até certo ponto, pois não há ciência “pura”, “limpa” ou neutra. As dimensões: emocional e
objetiva são profundamente valorizadas nessa perspectiva, discurso e contexto são dimensões
centrais do ato interpretativo não podendo ser removido da dimensão das relações de poder e luta
para criar sentidos particulares e vozes específicas legítimas.
Essa fala poderia ser facilmente enquadrada em dois paradigmas descritos por Guba e
Licoln (1994), quais sejam, a Teoria Crítica e o Construtivismo, que do ponto de vista ontológico
apresentam, respectivamente, as seguintes concepções: Realismo histórico – Realidade virtual, que
toma forma pelo social, político, cultural, econômico, ético e de gênero, valores cristalizados
através do tempo; e Relativismo – a realidade como constructo local e específico.
O que isso significa? Que mesmo que se trabalhe numa perspectiva mista, ou de
bricolagem, a questão dos paradigmas atravessa o pesquisador de forma definitiva sendo
indispensável, portanto, para a construção de uma identidade clara de pesquisa/pesquisador, o
conhecimento e aprofundamento dos principais paradigmas de pesquisa em suas quatro dimensões
(Ontológica, Epistemológica, Metodológica e Axiológica) para que possam ser gerados discursos e
práticas coerentes durante o percurso acadêmico e em seu resultado (Tese).
Figura 1 - Identidade do pesquisador a partir de dimensões relacionadas aos paradigmas
Fonte: elaboração própria.
64
Esse trabalho, em particular, se aproxima do paradigma da teoria crítica, mas também
do construtivismo, isso porque meu objeto de pesquisa envolve duas concepções ao mesmo tempo:
uma que toma forma pelo social, político, cultural, econômico, ético e de gênero, valores
cristalizados através do tempo (que dizem respeito às políticas educacionais, as mudanças advindas
da globalização, o fato de pedagogia ser uma profissão, ainda, essencialmente feminina, o fato de
historicamente, no Brasil, a profissão já ter nascido sob o signo da precarização) e a outra que toma
a realidade como constructo local e específico, o que implica que mesmo em meio as mesmas
condições materiais serão produzidas vivências pessoais distintas de cunho subjetivo e que poderão
levar a adoecimento ou saúde.
Freitas (2002) afirma que os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva histórico-
cultural, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o
particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e,
por seu intermédio, compreender também o contexto. Nessa perspectiva, não se investiga em razão
de resultados, as questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da
operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua
complexidade e em seu acontecer histórico. Isto é, não se cria artificialmente uma situação para ser
pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de
desenvolvimento.
O presente trabalho de pesquisa foi de natureza qualitativa do tipo estudo de caso. Foi
escolhida uma escola específica para realização da pesquisa. Essa escolha levou em consideração o
bom desempenho da escola, aqui nomeada por JG, nas provas avaliativas do Governo e as boas
condições físicas e materiais disponíveis para os professores; o que atrelaria, em hipótese, a
possibilidade de sofrimento psíquico simplesmente à organização do trabalho e/ou as relações
sociais (entre pares, superiores e alunos) bem como as estratégias defensivas estariam reduzidas,
também a esse universo o que facilitaria o trabalho de coleta e análise de dados (que foi feito pela
pesquisadora sozinha).
Os métodos qualitativos geralmente são descritos como modelos diferenciados de
abordagem empírica, especificamente, voltados para os chamados “fenômenos humanos”, ou seja,
como métodos que fogem da tradicional conexão com aspectos empíricos, tais como: medição e
controle (HOLANDA, 2006).
Os métodos qualitativos são métodos das ciências humanas que pesquisam, explicitam,
analisam, fenômenos (visíveis ou ocultos). Esses fenômenos, por essência, não são
passíveis de serem medidos (uma crença, uma representação, um estilo pessoal de relação
com o outro, uma estratégia face um problema, um procedimento de decisão...), eles
65
possuem as características específicas dos “fatos humanos”. O estudo desses fatos humanos
se realiza com as técnicas de pesquisa e análise que, escapando a toda codificação e
programação sistemáticas, repousam essencialmente sobre a presença humana e a
capacidade de empatia, de uma parte, e sobre a inteligência indutiva e generalizante, de
outra parte. (p. 363)
No entanto, é preciso cuidado, pois como destacam Gerhardt e Silveira (2009) o
pesquisador precisa estar atento para alguns limites e riscos desse tipo de pesquisa, tais como:
excessiva confiança no investigador como instrumento de coleta de dados; risco de que a reflexão
exaustiva acerca das notas de campo possa representar uma tentativa de dar conta da totalidade do
objeto estudado, além de controlar a influência do observador sobre o objeto de estudo; falta de
detalhes sobre os processos através dos quais as conclusões foram alcançadas; falta de observância
de aspectos diferentes sob enfoques diferentes; certeza do próprio pesquisador com relação a seus
dados; sensação de dominar profundamente seu objeto de estudo; envolvimento do pesquisador na
situação pesquisada, ou com os sujeitos pesquisados.
De acordo com Spink (2003) o termo “pesquisa de campo” é normalmente empregado
para descrever um tipo de pesquisa feito nos lugares da vida cotidiana e fora do laboratório ou da
sala de entrevista. Nesta ótica, o pesquisador ou pesquisadora vai ao campo para coletar dados que
serão depois analisados utilizando uma variedade de métodos tanto para a coleta quanto para a
análise.
Ventura (2007) destaca que o estudo de caso é apropriado para pesquisadores
individuais, pois dá a oportunidade para que um aspecto de um problema seja estudado em
profundidade dentro de um período de tempo limitado. Neste tipo de pesquisa deverá haver sempre
a preocupação de se perceber o que o caso sugere a respeito do todo e não o estudo apenas daquele
caso. A autora destaca ainda que o estudo de caso teve origem na pesquisa médica e psicológica e se
tornou uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e Sociais.
(VENTURA, 2007).
O que pode tornar exemplar um estudo de caso é ser significativo, completo, considerar
perspectivas alternativas, apresentar evidências suficientes e ser elaborado de uma maneira atraente.
Gil (1995) afirma que em um estudo de caso não cabe um roteiro rígido para a sua
delimitação. No entanto, é possível definir quatro fases que mostram o seu delineamento: a)
delimitação da unidade-caso; b) coleta de dados; c) seleção, análise e interpretação dos dados; d)
elaboração do relatório.
A delimitação do estudo de caso (primeira fase) vai exigir que o pesquisador tenha
bastante clareza a respeito de quais dados serão suficientes para se chegar à compreensão almejada
66
do objeto. Segundo Ventura (2007) Como nem sempre os casos são selecionados com base em
critérios estatísticos, algumas recomendações devem ser seguidas: buscar casos típicos (em função
da informação prévia aparentam ser o tipo ideal da categoria); selecionar casos extremos (para
fornecer uma ideia dos limites dentro dos quais as variáveis podem oscilar); encontrar casos
atípicos (por oposição, se pode conhecer as pautas dos casos típicos e as possíveis causas dos
desvios).
A segunda fase é a coleta de dados que geralmente é feita com vários procedimentos
quantitativos e qualitativos; a terceira fase é conjunta, representada pela seleção, análise e
interpretação dos dados. A seleção dos dados deve considerar os objetivos da investigação, seus
limites e um sistema de referências para avaliar quais dados serão úteis ou não. Somente aqueles
selecionados deverão ser analisados; A quarta fase é representada pela elaboração dos relatórios
parciais e finais. O relatório deve ser conciso, embora, em algumas situações seja solicitado o
registro detalhado. (VENTURA, 2007).
Do ponto de vista qualitativo houve ênfase para a compreensão dos sentidos produzidos
pelos professores sobre seu cotidiano de trabalho e sua saúde. Embora já tenhamos explicitado os
objetivos na introdução, vale a pena lembrá-los.
5.2 OBJETIVOS DA PESQUISA
O objetivo geral deste trabalho foi investigar as estratégias defensivas utilizadas por
docentes do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde.
Os objetivos específicos foram:
1) Identificar as concepções dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade
vida.
2) Mapear as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com o
estresse e o sofrimento psíquico.
3) Verificar as visões dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma
relação entre ela e seu bem-estar.
5.3 TRAJETÓRIA PERCORRIDA
67
A pesquisa foi realizada a partir do segundo semestre do ano de 2015 e concluída em
2016 (houve algumas interrupções por questões internas da escola, do cenário político – greve de
três meses – e de agendas pessoais dos professores e da pesquisadora) e teve como lócus a escola
JG. Essa escolha levou em consideração, como dito anteriormente, o bom desempenho da escola nas
provas avaliativas do Governo e as boas condições físicas e materiais disponíveis para os
professores o que permitiria, em hipótese, analisar seu bem-estar/mal-estar, saúde/adoecimento mais
relacionado à organização do trabalho e/ou as relações sociais (entre pares, superiores e alunos),
sem desconsiderar obviamente o contexto econômico e político que perpassa os professores. As
estratégias defensivas estariam reduzidas, também a esse micro universo o que facilitaria o trabalho
de coleta e análise de dados.
A presente pesquisa se inseriu em um projeto maior desenvolvido no âmbito do
Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Subjetividade (LADES) da Universidade
Estadual do Ceará (UECE) e apoiada pela CNPq para investigar a saúde mental dos professores da
rede pública de Fortaleza.
Os sujeitos foram os professores de ensino médio regular da escola, que estavam há
pelo menos dois anos no ensino público e há um ano na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida.
Os professores podiam ser efetivos ou terceirizados, já que os efeitos da precarização do trabalho
também pode ser fator de adoecimento. O tempo de trabalho foi delimitado pressupondo um tempo
para a internalização do cotidiano de trabalho e o estabelecimento das estratégias defensivas
individuais e assimilação daquelas coletivas.
Foram respeitadas as condições éticas de sigilo relativas à identidade dos participantes e
todos assinaram e ficaram com uma cópia de um termo de consentimento livre e esclarecido
(apêndice 1).
A pesquisa fez uso de observação em sala de aula e na sala dos professores (seis visitas
com esse propósito, no turno matutino ou vespertino, com anotações feitas a cada cinco minutos em
um diário de papel que depois foram copiadas para o formato digital), entrevistas coletivas e
individuais (duas coletivas e oito individuais) que foram gravadas e depois transcritas para o diário
de campo (cópia em anexo) e o levantamento dos atestados dos professores no ano de 2015; o do
ano de 2014 não estava disponível.
As observações e entrevistas foram analisadas a partir do referencial teórico escolhido e
organizadas em categorias, nos moldes da análise de conteúdo, levando em consideração os
objetivos gerais e específicos do trabalho da seguinte maneira:
68
Foram definidas quatro categorias (fatores para qualidade de vida, principais fontes de
stress, estratégias defensivas, formação continuada e bem-estar) sendo que as três primeiras
categorias se subdividiram em duas subcategorias e a última em três subcategorias. Uma
representação gráfica desse esquema será apresentada quando das análises.
As falas dos professores que ilustram cada categoria são apresentadas em códigos que
nomeiam cada professor, para deixar mais claras as diferenças e aproximações entre eles.
5.3.1 Contextualizando o Campo de Pesquisa: Um pouco da história da escola pesquisada
Na perspectiva do método dialético de Vygotsky, os fenômenos devem ser estudados em
seu processo de mudança, portanto, em sua historicidade. Assim, recuando no passado, procurei
acompanhar como foi constituído o campo de pesquisa escolhido.
O colégio JG tem 69 anos de existência e está situado na cidade de Fortaleza tendo sido
fundado em 1947.
A escola inicialmente não era pública; em 28 de fevereiro de 1972 (Diário Oficial do
Estado – DOE/CE, Abril/19972, 3969) foi celebrado um convênio entre a xxxxxxxxxxxxxxxxxx e a
Secretaria da Educação – SEDUC/CE, o Colégio passou a funcionar com ensino Fundamental e
Médio e se tornou uma escola pública mantida pelo Estado.
O Colégio foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação em 1975. Atualmente, o
referido convênio de cessão se mantém e foi publicado no DOE/CE em 11/12/2013, com vigência
no período de 04/11/2013 à 03/11/2018. O Colégio está sob a jurisdição da SEFOR, com sede no
município de Fortaleza/CE.
Atualmente, existem 960 alunos e um corpo docente constituído por 29 professores de
ensino fundamental e 46 professores de ensino médio (foco desta pesquisa).
A escola se esforça por proporcionar ao aluno oportunidades para o ingresso no ensino
superior e desenvolve algumas ações nesse sentido que já foram matéria jornalística em meios
impressos e televisão.
Em 2014, 84 alunos foram aprovados no Exame (154 prestaram o exame). O colégio é
referência na rede estadual de ensino, pois em 2015, 102 alunos foram aprovados no Exame (158
prestaram o exame) em universidades públicas.
69
Sua infraestrutura, é de 6.610,35 m² (3.730,05 m² de área construída), inclui Biblioteca,
Cozinha, 2 (dois) Laboratórios de Informáticas, Auditório, Sala de Vídeo, Estúdio de Música,
Despensa, 2 (dois) Laboratório de Ciências, Laboratório de Redação, Quadra de Esportes, Salão de
Jogos, Sala de Professores, Secretaria além de estacionamento, 3 (três) pátios, Diretoria, 18 salas de
aulas, sanitários (inclusive acessível a deficientes físicos) e equipamentos multimídias. O Colégio,
também, fornece alimentação aos alunos em seu refeitório.
Seu corpo docente do ensino médio conta com 34 professores pós-graduados
especialistas, 09 mestres, 01 doutor e a maior parte tem em média 10 anos de casa.
5.3.2 Etapas do Trabalho
A pesquisa constou das seguintes etapas:
1. Escrita inicial dos capítulos teóricos (até o final de abril de 2015)
2. Qualificação do projeto (maio de 2015)
3. Contato com a escola e reunião com os responsáveis e com os professores para
apresentação da pesquisa (junho e julho de 2015).
4. Observações sistemáticas na sala dos professores e em sala de aula.
5. Entrevistas e assinatura dos termos de consentimento Livres e Esclarecidos pelos
sujeitos.
6. Transcrição dos dados e análise preliminar organizando as falas em categorias.
7. Análise das informações finais: Categorização e análise.
8. Devolutiva do trabalho para os profissionais.
9. Revisão do trabalho final de tese (Até março 2017)
10. Defesa da tese.
5.3.2.1 A observação como ferramenta para coleta de dados
Freitas (2002) afirma que trabalhar com a pesquisa qualitativa numa abordagem
histórico-cultural consiste numa preocupação de compreender os eventos investigados,
descrevendo-os e procurando por suas possíveis relações, integrando o individual com o social. Para
Luria (1983), seria necessário encontrar uma observação que, aproveitando-se das qualidades da
ciência romântica, evitasse seus perigos. Assim, a observação não deveria limitar-se à pura
descrição de fatos singulares, pois o seu verdadeiro objetivo seria o de compreender como uma
coisa ou acontecimento se relaciona com outras coisas e acontecimentos. Tratar-se-ia, pois, de
70
focalizar um acontecimento nas suas mais essenciais e prováveis relações. Quanto mais relevante é
a relação que se consegue colher em uma descrição, tanto mais se torna possível a aproximação da
essência do objeto, mediante uma compreensão das suas qualidades e das regras que governam as
suas leis. Quanto mais se preservam em uma análise as riquezas das suas qualidades, tanto mais é
possível a aproximação das leis internas que determinam sua existência. De fato, só ao obter os
traços mais importantes e depois aqueles mais secundários, identificando suas possíveis
consequências, é que começam a emergir claras as relações que os ligam entre si. O objetivo da
observação se enriqueceria, assim, de uma rede de relações relevantes.
Freitas (2002) destaca ainda que a observação seria, nesse sentido, um encontro de
muitas vozes: ao observar um evento, existem diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos.
São discursos que refletem e refratam a realidade da qual fazem parte e constituem uma verdadeira
tessitura da vida social. O enfoque histórico - cultural é o que principalmente ajuda o pesquisador a
ter essa dimensão da relação do singular com a totalidade, do individual com o social.
A observação é bastante utilizada como ferramenta para coleta de dados em pesquisas
qualitativas. Zanelli (2002) destaca que a observação atenta dos detalhes coloca o pesquisador
dentro do cenário de forma que ele possa compreender a complexidade dos ambientes psicossociais,
ao mesmo tempo em que lhe permite uma interlocução mais competente e mais adequada a uma
análise de comportamentos espontâneos e à percepção de atitudes não verbais, podendo ser simples
ou exigindo a utilização de instrumentos apropriados.
Outra função importante da observação, de acordo com Shah (2006), é a oportunidade
do pesquisador se familiarizar com o ambiente e conhecer os participantes em potencial e seus
estilos de comunicação e interação uns com os outros, pois as perguntas de posteriores entrevistas
devem ser feitas levando esses fatores em consideração.
Lüdke e André (1986, p. 25) descrevem que “para que se torne um instrumento válido e
fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática.
Isso implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do
observador”.
Patton (1990) faz uma excelente descrição da observação como procedimento para
coleta de dados. Destacando que nossa percepção é seletiva e depende de nossos interesses,
conhecimentos prévios e que pode ser aprimorada; ele destaca que o trabalho de observação implica
em disciplina, concentração e perseverança. É necessário que se faça uma imersão no contexto,
ainda que a observação seja não participante (como foi o caso da desenvolvida neste trabalho), que
71
haja abertura para o inesperado, confiança nos demais, tempo, foco (saber o que procurar). O autor
também fornece uma série de procedimentos e técnicas de observação aos quais procurei seguir:
Chegar antes ao local da observação (pelo menos uma hora)
Encontrar um local onde seja possível observar o todo.
Fazer desenho esboçando o ambiente e a disposição de móveis e materiais.
Indicar a chegada dos participantes e como eles se distribuíram no ambiente.
Estabelecer um código para cada participante (ex:p1, p2,p3...)
Marcar o horário de início da observação.
Anotar a duração de cada observação.
Anotar de forma literal o que for dito.
Fazer anotações a cada 5 minutos, ou menos se acontecer algo relevante.
Se por acaso o observador se desconcentrar, anotar isso e o horário em que ocorreu (pode ajudar a
esclarecer incongruências).
Ficar atento aos comportamentos e interações não verbais entre os participantes.
Ser descritivo nas anotações.
Não usar adjetivos para descrever situações.
Descrever primeiro para só depois interpretar.
Atentar para regularidades e eventos únicos.
Sobre o Diário de Campo, Patton (1990) orienta que ele seja passado a limpo o quanto
antes e que ele permaneça fiel ao que os partícipes disseram. Se possível, que as anotações sejam
confrontadas com outros artefatos (textos, fotos, filmes, arquivos etc.); o diário deve ser o mais
detalhado e descritivo possível para que quem o leia seja capaz de visualizar e compreender o que
se passou com a maior exatidão possível.
Quanto à análise dos achados é recomendado que ela aconteça de modo simultâneo à
coleta, estando embasada por uma teoria e sendo confrontada com outros pontos de vista e
resultados obtidos por meio de outros instrumentos.
5.3.2.2. A entrevista como ferramenta para coleta de dados
72
A entrevista tem sido amplamente utilizada como ferramenta metodológica em
pesquisas qualitativas, isso não é por acaso; a entrevista conecta a memória, história de vida e
temáticas específicas.
Cedro (2011) destaca que a entrevista é um dos procedimentos metodológicos utilizados
pelo modelo qualitativo na produção de dados na pesquisa social. No entanto, a necessidade de
obter respostas de indivíduos ou grupos, através de entrevistas, não é uma peculiaridade exclusiva
da metodologia qualitativa. Os métodos estatísticos se utilizam de questionários, técnicas de
amostragem, survey, dentre outros procedimentos. Porém, a pesquisa qualitativa – quando faz uso
das técnicas de entrevista – necessita expandir o universo das questões fechadas, provenientes do
método quantitativo, na busca por respostas de maior profundidade. Pode-se destacar como
exemplos de metodologia qualitativa vinculados às fontes orais: o grupo focal, a observação
participante, a etnografia, as histórias de vida, as entrevistas temáticas etc.
A entrevista é um processo de interação social no qual o entrevistador tem por objetivo
a obtenção de informações por parte do entrevistado. No entanto, não é uma conversa solta, possui
um direcionamento visando apreender dados que possam ser interpretados mediante o problema
formulado a partir do objeto da pesquisa. É uma forma de interação social que valoriza o uso da
palavra, símbolo e signo privilegiados das relações humanas, por meio da qual os atores sociais
constroem e procuram dar sentido à realidade que os cerca (FLICK, 2002; CEDRO, 2011).
Freitas (2002) diz que a entrevista, na pesquisa qualitativa de histórico-cultural é
marcada pela dimensão do social. Ela não se reduz a uma troca de perguntas e respostas
previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica.
Os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes
espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da
situação concreta nas quais se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, ou seja,
depende de com quem se fala e de como se fala. Na entrevista é o sujeito que se expressa, mas seu
discurso carrega elementos de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia,
classe, momento histórico e social.
Existem quatro tipos de entrevistas empregadas na pesquisa social: entrevista
estruturada associada ao survey; a entrevista semiestruturada; a entrevista não estruturada ou
focalizada e a entrevista em formato de grupo e a de grupo focal. (MAY, 2004).
Fraser e Gondim (2004) destacam algumas vantagens da entrevista como técnica de
pesquisa, quais sejam,
(…) a de favorecer a relação intersubjetiva do entrevistador com o entrevistado, e, por meio
das trocas verbais e não verbais que se estabelecem neste contexto de interação, permitir
uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões dos atores sociais a
respeito de situações e vivências pessoais. Outra vantagem é a flexibilização na condução
do processo de pesquisa e na avaliação de seus resultados, visto que o entrevistado tem um
papel ativo na construção da interpretação do pesquisador. Esta seria uma modalidade de
73
triangulação (confiabilidade), pois, ao invés de o pesquisador sustentar suas conclusões
apenas na interpretação que faz do que o entrevistado diz, ele concede a este último a
oportunidade de legitimá-la. Este é um dos aspectos que caracteriza o produto da entrevista
qualitativa como um texto negociado. (p.140)
O presente trabalho fez uso de entrevistas semiestruturadas e entrevistas em grupo,
procurando manter a perspectiva histórico-cultural ao longo de sua execução.
Boni e Quaresma (2005) descrevem as entrevistas semiestruturadas e dizem que
combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o
tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele
o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar
atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa
fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o
contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele.
Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações,
obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam
alcançados.
As entrevistas grupais permitem ampliar a compreensão transversal de um tema, ou seja,
mapear os argumentos e contra-argumentos em relação a um tópico específico, que emergem do
contexto do processo de interação grupal em um determinado tempo e lugar (jogo de influências
mútuas no interior do grupo), enquanto as entrevistas individuais permitem ampliar a compreensão
de um tópico específico de modo aprofundado para uma mesma pessoa, em seu processo de
interação com o entrevistador.
A preparação das entrevistas é uma das etapas mais importantes da pesquisa e requer
tempo e alguns cuidados, entre eles destacam-se: o planejamento da entrevista, que deve ter em
vista o objetivo a ser alcançado; a escolha do entrevistado, que deve ser alguém que tenha
familiaridade com o tema pesquisado; a oportunidade da entrevista, ou seja, a disponibilidade do
entrevistado em fornecer a entrevista que deverá ser marcada com antecedência para que o
pesquisador se assegure de que será recebido; as condições favoráveis que possam garantir ao
entrevistado o segredo de suas confidências e de sua identidade e, por fim, a preparação específica
que consiste em organizar o roteiro ou formulário com as questões importantes (LAKATOS, 1996).
A questão do número de entrevistas a serem realizadas também é relevante; o critério
mais importante a ser considerado neste processo de escolha não é numérico, já que a finalidade não
74
é apenas quantificar opiniões e sim explorar e compreender os diferentes pontos de vista que se
encontram demarcados em um contexto.
Em um ambiente social específico, o espectro de opiniões é limitado, pois a partir de um
determinado número de entrevistas percebe-se o esgotamento das respostas quando elas tendem a se
repetir e novas entrevistas não oferecem ganho qualitativo adicional para a compreensão do
fenômeno estudado. Isto significa que já se tornou possível identificar a estrutura de sentido, ou
seja, as representações compartilhadas socialmente sobre determinado tema de interesse comum.
(FRASER e GONDIM, 2004; GASKELL, 2002) o último autor afirma, porém, que o número de
entrevistas para cada pesquisador deve oscilar de 15 a 25 entrevistas individuais e de seis a oito no
caso de entrevistas grupais, a depender do nível de aprofundamento da análise almejada e de outras
decisões metodológicas do pesquisador.
As principais vantagens deste tipo de ferramenta são as seguintes: sempre produz uma
boa amostra, diferente dos questionários aos quais muitas pessoas não respondem; algumas pessoas
que tem dificuldade de responder questões por escrito não poderão expressar-se mais livremente,
inclusive pessoas sem educação ou analfabetas podem ser entrevistadas; elas têm uma elasticidade
de tempo maior o que, em hipótese, pode levar a um maior aprofundamento das temáticas de
interesse; permitem uma maior aproximação afetiva o que pode ser bom no momento de trabalhar
com assuntos mais delicados e/ou íntimos e permite uma maior espontaneidade de respostas; é
possível fazer uso de “disparadores”, tais como: fotografias, cartões, frases para facilitar o processo
de trabalho.
Em nossa tese realizamos 10 entrevistas com duração variável entre 40 minutos e 1hora
e trinta minutos. 08 foram individuais e duas coletivas. As entrevistas foram realizadas na própria
escola, em dias e horários combinados com os participantes, de modo que pudessem estar tranquilos
e disponíveis para a pesquisa. Vale sublinhar que todos foram bastante receptivos e permitiram a
gravação de seus discursos, após assinarem termo de consentimento livre e esclarecido. No
documento (apêndice 1), esclarecemos os objetivos da pesquisa, garantimos o sigilo dos nomes e
nos comprometemos com a divulgação das informações apenas para fins acadêmicos.
As análises das informações obtidas foram feitas qualitativamente, utilizando-se do
recurso de categorias temáticas. Essas categorias foram de natureza mista, pois surgiram do material
teórico e das vozes docentes. Para essa categorização, fizemos uma leitura inicial de todas as
entrevistas transcritas, para nos familiarizarmos com as informações, tendo por base o que o
material teórico nos havia subsidiado. Depois separamos as falas dos professores de acordo com
75
cada um dos objetivos específicos. Em seguida, dentro de cada objetivo fomos definindo as
categorias e posteriormente, suas subcategorias, conforme ilustração abaixo:
Os dados do trabalho foram agrupados em quatro categorias de acordo com os objetivos
propostos no trabalho, sendo que cada categoria se subdividiu em duas ou três subcategorias da
seguinte maneira:
Figura 2 - Categorias de acordo com os objetivos
Fonte: Elaboração própria.
Com esse quadro em mãos, partimos para as análises e a redação final. Sempre tivemos
o cuidado de não nos afastarmos do foco do trabalho que é, em última instância, a saúde dos
76
professores do ensino médio, o meio encontrado para tanto foi a investigação dos sentidos
produzidos por eles sobre saúde mental, qualidade de vida, formação continuada e cotidiano
visando a identificação das estratégias defensivas utilizadas por eles para manutenção de sua saúde
emocional.
Para finalizar o percurso metodológico, gostaria de identificar alguns fatos que me
chamaram atenção quando da análise dos afastamentos dos professores do ensino médio no ano de
2015, na escola pesquisada, o primeiro é que houve pouquíssimos afastamentos (apenas 12
professores apresentaram atestados para afastamento por motivo de saúde). No entanto, a duração (o
número de dias de afastamento) dos atestados variou de 15 a 120 dias. Isto indica motivos sérios de
comprometimento da saúde. Contudo, esses atestados não continham a identificação de sua
patologia, estavam sem o número do Código Internacional de Doenças (CID). Somente dois
atestados, com curta duração, três dias, indicavam seus CID (um por motivo de episódio de fuga
dissociativa e outro por infecção viral não especificada); os atestados de 120 dias foram por motivo
de parto.
As idades das pessoas variaram de 34 a 67 anos, cinco das 12 idades estavam omitidas,
o que me levou a não fazer nenhuma inferência nesse caso, em particular, (por exemplo, associar
uma maior idade a uma duração maior de afastamento), de qualquer maneira, como dito
anteriormente chama atenção o número baixo de afastamentos da escola quando comparado aos de
outras pesquisas como a de Gasparini, Barreto e Assunção (2005) que destaca um afastamento de
84% dos professores das escolas públicas de Belo Horizonte em um intervalo de um ano (entre abril
de 2001 a abril de 2002). Uma informação fornecida por um funcionário da secretaria, de que os
professores perdem os vales alimentação quando estão afastados, pode fornecer uma pista sobre o
número baixo de afastamentos, os professores prefeririam repor as aulas perdidas a apresentar
atestados para se ausentar.
Tabela 1 - Dados sobre afastamento dos professores da Escola J em 2015
77
Fonte: Elaboração própria
Feitas essas observações vamos para apresentação e análise dos dados do trabalho.
6. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS ACHADOS: AS VOZES DOS PROFESSORES
Antes de apresentar as vozes dos professores, é preciso destacar que parte do trabalho
de categorização das falas incluiu o estudo da conceituação pelos professores de algumas noções,
tais como: saúde mental, qualidade de vida, formação continuada. Isso é importante porque as
estratégias defensivas estão relacionadas à produção de sentidos novos. Mas também a produção de
conceitos está relacionada a isto porque inclui uma dupla função mental de cunho cognitivo e
afetivo relativa, portanto a significados e sentidos.
Uma palavra sem significado é um som vazio, o significado é um critério da palavra,
seu componente indispensável, do ponto de vista da Psicologia, o significado de cada palavra é uma
generalização ou um conceito, ou seja, são atos de pensamento, fenômenos do pensamento
(OLIVEIRA, 1993).
No entanto, sobre o significado da palavra, se encontra uma conexão entre os aspectos
cognitivos e afetivos porque Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: O
significado propriamente dito e o sentido; enquanto o significado refere-se ao sistema de relações
objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo em um núcleo
estável de compreensão, partilhado por todas as pessoas, o sentido refere-se a um significado
diferente, pessoal, de cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso
da palavra e às vivências afetivas do indivíduo. (OLIVEIRA, 1993)
A palavra computador, por exemplo, tem o significado objetivo de máquina destinada
ao processamento de dados, capaz de obedecer a instruções que visam produzir certas
sexo dias de afastamento CID carga horária mês idade
Feminino 60 não informado 40h Janeiro 53
Feminino 15 não informado 40h Janeiro 67
Feminino 3 F44.1 40h Abril não informado
Feminino 45 não informado 40h Maio 54
Feminino 45 não informado 40h Maio 46
Feminino 3 B.34.9 40h Maio não informado
Feminino 15 não informado 12h Outubro não informado
Feminino 60 não informado 9h Outubro 34
Masculino 60 não informado 20h Outubro 56
Feminino 30 não informado 40h Outubro 67
Feminino 120 parto 15h Novembro não informado
Feminino 120 parto 20h Novembro não informado
78
transformações nesses dados para alcançar um fim determinado; seu sentido, no entanto, irá variar
de acordo com quem a utiliza e em qual contexto; para um executivo pode significar trabalho e
forma de comunicação; para um adolescente pode significar uma fonte de lazer; para um idoso pode
representar um obstáculo etc. O sentido da palavra liga seu significado aos motivos afetivos
particulares de cada pessoa.
Oliveira (1993) destaca que isso ocorre porque a experiência individual é sempre mais
complexa do que a generalização contida nos signos.
Para compreender uma palavra, a construção de seu conceito por alguém, é necessário
compreender as motivações por trás dos pensamentos correlatos a ela. O sentido sempre agrega os
aspectos cognitivos e afetivos.
Não se tratou, portanto, nesse trabalho de se averiguar se as concepções dos professores
estavam mais corretas ou equivocadas quando comparadas às definições científicas desses conceitos
(Saúde mental, qualidade de vida e formação continuada) mas sim de se tentar compreender o que
eles representam para eles e as consequências disso para a maneira como percebem seu trabalho,
cotidiano e profissionalidade pois isto tem consequências para suas emoções e saúde e, em hipótese,
para a escolha de determinadas estratégias defensivas em detrimento de outras.
CATEGORIA 1 – QUALIDADE DE VIDA E DOCÊNCIA
Para apresentar essa categoria achamos interessante explicitá-la em um quadro que a situa
com suas duas subcategorias e os respectivos itens nos quais cada uma delas se subdividiu. Para
pensar a questão do trabalho docente no que tange às estratégias defensivas, nos interessou perceber
o que pensam sobre saúde mental e qualidade de vida, do ponto de vista conceitual. Mas também de
modo mais prático, os fatores que podem contribuir para qualidade de vida, que posteriormente
serão cruzados com os fatores estressores.
Quadro 5 - Qualidade de vida e docência
(continua)
CATEGORIA: QUALIDADE DE VIDA E DOCÊNCIA
SUBCATEGORIAS:
CONCEITO DE SAÚDE
MENTAL E DE QUALIDADE
DE VIDA
FATORES PARA QUALIDADE DE
VIDA
Sentido sobre saúde mental Melhor salário e mais estabilidade
79
Sentido sobre qualidade de vida Profissionais de saúde na escola
Melhor acústica nas salas
Melhor comunicação institucional
Fonte: elaboração própria
Conceitos sobre saúde mental e qualidade de vida
No início do trabalho, fizemos uso da definição de saúde mental da OMS (2007), qual
seja, a de saúde mental como o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades,
pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a
comunidade em que se insere para discutir a importância da subjetividade e da alteridade para
vivências de bem-estar e/ou prazer associados ao trabalho, assim como para seus complementares
opostos (o adoecimento e o sofrimento.); destacamos que o conceito de subjetividade aqui utilizado
é o da Psicologia histórico-cultural que afirma serem as relações sociais de produção as
responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade, e que a sua formação está
atrelada à historicidade dos fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos
e externos e a forma de o indivíduo se perceber está relacionada com o modo como os homens
estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições histórico-
sociais. (AITA e FACCI, 2011).
Como não poderia ser diferente, os sentidos (conceitos) de saúde mental produzidos
pelos professores vem impregnados de historicidade, vivemos em um momento histórico onde o
acesso à informação é fácil e rápido e, de certo modo, inevitável; além disso os profissionais foco
dessa pesquisa são pessoas com boa formação, percebemos falas de grande aproximação com o
conceito da OMS, como constatamos a seguir:
“P6 Saúde mental é você estar de bem consigo mesmo, estresse de trabalho é
inevitável, independente da profissão que você escolher, sempre vai ter estresse e
hoje então, sempre há acúmulo de atividades, então o importante é a maneira como
você lida com as situações e se vale a pena... tipo eu to estressado, é muita coisa,
mas é um trabalho que eu gosto que me faz bem, você vai lá e faz; (...)”
“P12 Saúde mental é você estar bem com os problemas que precisam ser
resolvidos... é que... hoje você ter 100% de saúde mental é tão complicado, né?
Nesse mundo que a gente vive...”
Para outros, a saúde mental apareceu como uma extensão da saúde física, sendo
consequência dela:
“(...)P8 se você não está bem com seu corpo, sua mente também adoece! Se o corpo
pesa a cabeça sofre as consequências: você não raciocina bem, fica estressado, fica
grosseiro, tem dificuldade de respirar... é uma consequência...”
80
Ou estando relacionada a ela:
“(...)P10 eu vi uma palestra que dizia que a medicina dizia que ter saúde era não ter
doenças mas que saúde era muito mais que isso... então ao mesmo tempo em que
penso que saúde mental é não ter nenhum tipo de doença seja ela psicológica ou até
mesmo biológica que afete a parte mental acho que ter saúde mental é saber lidar
com coisas que não são doenças mas que acontecem todos os dias, podem fazer mal
mas você tem de lidar com elas para não adoecer é não só não estar doente mas
saber lidar com as situações difíceis para não adoecer...foi o que consegui
pensar...(...) Acho que às vezes o corpo adoece para lhe fazer parar como se fosse
assim o corpo diz “pera aí deixa eu por uma febre para ver se essa menina para; e
muitas coisas psicológicas afetam a parte de física...”
Essas construções são importantes porque o grau de percepção que temos dos eventos,
ou a interpretação que fazemos deles (os sentidos que produzimos), tem importância nas estratégias
defensivas cotidianas que empregamos, sejam conscientes ou não. Nesse sentido, foi importante
obter dos professores seus sentidos acerca da qualidade de vida.
No levantamento bibliográfico, apresentado anteriormente, feito a partir dos descritores
saúde mental x trabalho docente, no Portal de periódicos, num período de dez anos (2006-2016)
entre os 19 trabalhos relevantes catalogados havia três que tratavam da qualidade de vida dos
professores e suas condições de trabalho, o que serve para ilustrar como esses dois conceitos estão
imbricados, historicamente atrelados.
Apesar do tema estar imbricado ao anterior, há necessidade de esclarecer os
significados teóricos e técnicos de Qualidade de Vida principalmente da QVT (Qualidade de Vida
no Trabalho) essa expressão tem sido utilizada de modo abrangente englobando temas, tais como:
condições de trabalho, gerenciamento de estresse, satisfação, motivação e estilos de liderança.
Tonelli e Azevedo (2014) fazem um histórico interessante sobre o tema destacando alguns marcos
importantes, ao longo do século XX:
De acordo com as autoras os objetivos do movimento sindical, após a depressão de
1930 foram um elemento relevante na discussão sobre QVT, as dificuldades do período teriam
alimentado reflexões sobre segurança e salubridade no trabalho, salários e formas de lidar com os
funcionários. Os trabalhos do Tavistock Institute conduzidos pelo pesquisador EricTrist e seus
colaboradores na Inglaterra nos anos 50, também contribuíram para essas discussões. Essas
pesquisas tinham forte embasamento na Psicologia e privilegiaram os aspectos humanos no
funcionamento das organizações; eles estudaram a importância dos fatores sociais no
funcionamento das organizações, investigando as relações positivas entre ânimo e produtividade,
com destaque para o papel das relações humanas como catalizadoras dessa relação.
81
A partir da década de 1960, aconteceu um novo impulso nos movimentos de QVT. O
autor Richard Walton foi um dos primeiros pesquisadores a sistematizar critérios e conceitos de
QVT; seu modelo é um marco nessa área. Segundo esse autor, para haver QVT a humanização das
organizações era necessária para enriquecer o trabalho e envolvê-lo com um grau de
responsabilidade e de autonomia. Para tanto, deveriam ser observados os seguintes critérios:
remuneração justa e adequada, oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades, trabalho e vida
privada, oportunidade de crescimento e segurança, segurança e salubridade no trabalho, integração
social na organização, leis e normas sociais e significado social da atividade.
Nos anos 70, houve uma diminuição na atenção destinada às discussões sobre QVT,
devido às dificuldades econômicas do período (crise do petróleo, aumento dos juros internacionais e
inflação); nos anos 80 com o aumento da competitividade internacional o interesse pela QVT
ressurgiu, principalmente nos Estados Unidos. Nesse período, a ergonomia ofereceu contribuições
importantes e fatores físicos, cognitivos, ambientais e psicossociais passaram a fazer parte dessa
perspectiva.
Atualmente, a abordagem da ergonomia ampliou seu escopo de análise e normalmente
privilegia questões relacionadas ao escopo dos cargos e das tarefas, Como o trabalhador está
inserido em um contexto social mais amplo isso tem sido levado em consideração nas análises
ergonômicas atuais, bem como os impactos dos sentidos do trabalho na vida e bem-estar do
trabalhador. A QVT tem sido percebida como um processo direcionado para a busca do
desenvolvimento humano e organizacional.
Há dois movimentos principais na gestão de qualidade de vida no trabalho; o primeiro
tem foco no indivíduo, estresse e condições do ambiente organizacional; o segundo tem foco na
organização e aborda qualidade total relativa a aspectos comportamentais e satisfação individual
como metas da organização.
Os professores pesquisados não relacionaram a qualidade de vida, a priori, ao trabalho
(isso foi feito quando interrogados sobre que fatores poderiam melhorar sua qualidade de vida);
para eles Qualidade de Vida é um conceito relacionado, principalmente, ao tempo livre
(principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados com o corpo (alimentação,
descanso, exercício).
“P5 Olhe, qualidade de vida, para mim é estar bem mesmo assim, de bom astral,
você está para cima, é lógico que tem momentos em que não dá para estar 100%,
mas a qualidade de vida além da saúde mental requer que você esteja bem
fisicamente, se você não cuidar do corpo não sei se a palavra certa na psicologia é
somatizar, mas você vai acumulando muita coisa e aí adoece mesmo; tem que ter
82
atividade física “mente sana in corpore sano” as duas coisas tem de estar alinhadas,
né? Tem que ter lazer – acho primordial sair, rir se divertir com os amigos – tem de
ter uma ligação religiosa, acho fundamental ter um encontro com os seres sagrados,
principalmente porque a gente tá num ritmo de vida muito corrido, muito
aperreado, às vezes não se tem tempo nem para Família; o professor então (…)
qualidade de vida para mim tem de aliar isso tudo... cinema, show... encontro com
amigos, jantar, conversar, principalmente uma boa conversa, para mim são
importantes (...)”
“P7 Para você poder dizer que tem uma boa qualidade de vida, você tem de ter uma
vida equilibrada. Tanto a questão do profissional, quanto a questão do equilíbrio,
dos relacionamentos, não é só uma questão material, ter só as melhores coisas não
garante bem-estar, porque até isso se torna entediante, você tem de ser equilibrado
em seu trabalho, em seu convívio social...”
“P8 Qualidade de vida é você estar bem consigo mesmo, você ter saúde, você se
alimentar bem, ter o seu lazer, para que seu organismo não sofra as consequências
futuramente, isso é ter qualidade de vida.”
“P9 não sei se isso é um conceito subjetivo né? Acho que ele tá mais para objetivo,
deve ter um conceito específico para isso, mas a gente procura ter uma qualidade
de vida, a questão da alimentação, a questão de não cometer nenhum excesso com
relação a nada, eu acho que nós – eu e minha família – nós temos uma boa
qualidade de vida.”
“P10 Qualidade de vida? É você conseguir viver minimamente, conseguir atender
minimamente todos os aspectos da sua vida... digamos assim, se você só ficar
trabalhando, não conseguir descansar, não conseguir estar com as pessoas que você
gosta, ter algum tipo de lazer você não tem qualidade de vida...as coisas não estão
equilibradas ou quando você só estuda muito ou quando você só faz nada... assim
para você ter qualidade de vida, você tem de saber dosar o tempo de cada coisa:
tempo de descansar, tempo de trabalhar, de estudar (se você estudar) e o tempo de
ócio e de fazer o que gosta.”
“P11 Qualidade de vida é você se sentir bem naquilo que você está fazendo, onde
você está... lógico que a saúde é importante: duas questões a mental e a corporal, se
você estiver bem com isso aí... souber separar não vai ter problema...”
“P12 Qualidade de vida é você usar o tempo fazendo coisas que você gosta e é
assim sabe? Ter tempo para família; eu, aqui mesmo na escola, abri mão de muita
coisa para eu ter mais tempo em casa sabe?(...)”
Como dito anteriormente, para os professores pesquisados o conceito de qualidade de
vida está relacionado, principalmente, ao tempo livre (principalmente para o lazer e interação
familiar) e aos cuidados com o corpo (alimentação, descanso, exercício); é curioso, contudo não
surpreendente, perceber que os fatores alegados para uma melhor qualidade de vida são em sua
maioria relativos às questões concretas e associadas ao trabalho: melhores salários, estabilidade,
profissionais de saúde atuando dentro da escola, melhor acústica nas salas de aula e uma melhor
83
comunicação institucional.
Fatores para a qualidade de vida
É fato que nossas possibilidade de tempo e lazer estão vinculadas à nossa materialidade,
ao quanto ganhamos, bem como nossas possibilidade de descanso, exercício e alimentação; essas
últimas também estão atreladas ao quanto precisamos trabalhar (em termo de tempo) o que implica
em mais ou menos tempo para todas essas atividades. Como foi apresentado anteriormente, já no
modelo Walton, nos anos de 1960, para haver QVT devem ser observados os seguintes critérios:
remuneração justa e adequada, oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades, trabalho e vida
privada, oportunidade de crescimento e segurança, segurança e salubridade no trabalho, integração
social na organização, leis e normas sociais e significado social da atividade. Ainda hoje o foco nas
condições de trabalho (materiais e subjetivas) tem de ser levada em consideração para qualquer
avaliação em QVT.
Os achados são similares ao encontrados em uma categoria profissional específica de
professores, os de Educação Física, em outra região do país (Sul). No trabalho “Condições de vida
do trabalhador docente: associação entre estilo de vida e qualidade de vida no trabalho de
professores de educação física.” (BOTH, ET AL 2010) os resultados evidenciaram que os
professores estão insatisfeitos com os salários, as condições de trabalho, a integração social e o
tempo dedicado ao lazer, bem como possuem comportamentos negativos na alimentação, controle
do estresse e atividade física.
A necessidade de estabilidade advinda da situação de precariedade, característica do
trabalho temporário, também é assinalada como fator que afeta a qualidade de vida. Nesse sentido,
vale destacar outros fatores que os professores assinalaram em relação à qualidade de vida:
Melhor salário e mais estabilidade
É fato que a questão salarial sempre afetou os professores. Como descrito no texto
introdutório, desde seu início, em nosso País, a profissão de professor vem acompanhada do signo
de salários pouco justos. Atualmente, o piso profissional do professor é de R$ 2.298,80; não é à toa
que o salário surge como ponto a ser melhorado para obtenção de uma melhor qualidade de vida,
para ganhar melhor muitos professores se veem obrigados a aumentar sua carga de trabalho, o que
diminui seu tempo para as demais atividades.
“P5 um melhor salário, porque assim: tenho uma condição de vida melhor porque
tive suporte de pai, mãe onde nunca faltou nada, sempre tivemos muita coisa boa,
84
eu viajo muito, mas não viajo por conta do meu salário de professor, se fosse viver
só com o salário de professora com certeza não teria a mesma qualidade de vida.
Porque meu salário de professora não tem nem perigo de dar para viver como vivo.
Não sei como meus colegas vivem e ainda tem filhos, porque o dinheiro mal dá
para um...”
“P6 não há como falar em qualidade de vida sem falar em dinheiro”
“(...)P12 dá para manter o barquinho navegando; mas para eu sobreviver com meu
salário de 200h sozinha ia ser bem complicado para começar acho que minha filha
não estudaria na escola que ela estuda, eu não teria o meu carro talvez, talvez até ela
estudasse onde estuda mas o padrão de vida seria outro...”
Assim como no caso dos salários, a falta de estabilidade de grande parte do professorado
também é fato histórico. Sendo a necessidade de segurança algo básico para as pessoas, o desejo
por estabilidade é algo natural e desejável para uma melhor qualidade de vida.
“P7 Estabilidade financeira, que por ser temporário eu não tenho...”
“P9 antes eu trabalhei como professor temporário, assim que não tem aquele vínculo ...”
Profissionais de saúde dentro da escola
A demanda por psicólogos para orientação e atendimento de alunos e profissionais da
educação dentro das escolas já se tornou projeto de lei, 557 de 2013, que atualmente se encontra na
Comissão de Educação, Cultura e Esporte aguardando designação de relator. As falas dos
professores reverberam essa necessidade, já identificada anteriormente, e que hoje é motivo de luta
no campo político profissional para que as escolas, e os professores, possam se beneficiar de
cuidados imediatos em seu cotidiano de trabalho no âmbito da promoção de saúde mental e
qualidade de vida.
“(...)P5 há muito estresse, adoecimentos, doenças que são da profissão que existem
mesmo, se houvesse um profissional da área da saúde na escola, sei lá um
psicólogo, um terapeuta, alguém da saúde mental para trabalhar com os professores
– já que não temos condição de pagar um profissional lá fora – seria muito
interessante porque você lidar com trinta, trinta e cinco adolescentes em cada sala,
requer o auxílio de alguém da área de saúde mental, para eles também, acho que
falta isso nas escolas...alguém para dar suporte, para professores e alunos. Seria
uma melhoria para todos. Cuidar dos cuidadores para eles cuidarem bem. Para
melhorar a sociedade...às vezes um professor está no limite e é provocado demais e
acaba dizendo uma palavra ou outra que pode marcar para sempre um aluno...”
Como ser percebido pela fala acima, a necessidade de profissionais de saúde mental
85
dentro da escola tem caráter de urgência e sua ação seria principalmente preventiva.
Melhor acústica nas salas
Um dos problemas de saúde crônicos que têm sido relatados pelos professores é o
problema da voz. Muitos profissionais acabam afastados por questões dessa natureza, sendo que
não identificamos também projetos que pudessem auxiliar os professores nesse sentido.
Profissionais de fonoaudiologia só estão presentes na vida docente, quando ele já desenvolveu
algum problema vocal e via iniciativa pessoal.
“P6 uma coisa que me preocupa muito é a saúde da minha garganta, acho que todo
professor se preocupa com isso em grau maior ou menor; quando criança, tinha
muita crise de amigdalite depois de começar a dar aula nem tanto, mas vira e mexe
eu fico muito rouca e ouço muito relato de pessoas que ficaram com calo nas cordas
vocais ou que desenvolveram até câncer e isso me preocupa mesmo; porque o
cansaço físico não incomoda tanto mas quando falta a voz...passo o final de semana
fazendo gargarejo, tomando mel; então acho que isso deveria ser prioridade nas
escolas, por exemplo a acústica nas salas é péssima e isso vira uma preocupação
diária do professor...Falo um pouco mais e já fico rouca, até uma época iniciei um
tratamento melhorei um pouco aí parei. Pelo menos aqui temos uma média de 30 a
35 alunos por sala mas já trabalhei em locais com 60 alunos numa sala...e os alunos
são muito dispersos então acabo levantando a voz, vários professores já compraram
microfone...”
Como observamos na fala da professora, é comum entre os docentes conhecerem os
relatos dos companheiros afetados nessa área. Vemos também que isso está diretamente ligado às
difíceis condições de trabalho, com salas numerosas, ventilação e acústica, inadequadas.
Melhor comunicação institucional
Merece destaque também a voz dos professores, aqui representada pela professora
(P10), sobre a importância da comunicação entre a gestão e os demais membros da escola. A falta
de informações, coerentes e num tempo adequado, torna o cotidiano do professor muito confuso,
pois ele já tem seu tempo bastante reduzido para a vida pessoal, ademais as tarefas se acumulam e
precisam de organização prévia.
“P10 Talvez uma questão de organização, por exemplo um evento recente: a
questão da greve, na semana anterior que estava o rumor que ia ter greve, lembro
que um dos coordenadores foi de sala em sala dizendo: pessoal venham segunda
que vai ter aula (porque muita gente estava achando que não iria ter). Então
mesmo se não fosse ter aula era para vir porque iria ter reunião para explicar como
iria ser e ai quando cheguei na segunda-feira o diretor estava praticamente
“expulsando” os alunos da escola, e eles queriam ficar pelo menos para ficar
jogando mas ele replicou que não haveria ninguém para ficar olhando... Então
86
assim coisas que dizem e quando chega na hora é de outro jeito. (…) às vezes
quando tem prova dizem assim: pode liberar os alunos tal hora aí os alunos ficam
perguntando e a gente diz: não, só pode sair tal hora; ai acontece de dar a tal hora,
a gente liberar os alunos e eles mandam eles voltarem (não, não é tal hora é só
depois...) Essas coisas do dia a dia que é realmente uma questão de comunicação;
dizem uma coisa aí depois não é... fica essa confusão...”
Como pudemos perceber os sentidos dos professores obtidos a partir de como
compreendem saúde e qualidade de vida, nos mostram que eles estão atentos ao que pode promover
saúde no seu cotidiano. Também, vemos que seu sentido sobre saúde mental, que é particular, como
destaca Vigotski, coaduna com o significado social sobre o tema. Contudo, esse sentido se choca
com a realidade, na qual os professores não conseguem ver como obter essa saúde mental e essa
qualidade de vida diante do cenário no qual estão inseridos. Para a Psicologia Histórico-Cultural,
embora por si só o movimento de identificar essas contradições já seja um avanço no
desenvolvimento do sujeito, o não conseguir efetivar esse sentido na sua dinâmica de vida, pode
gerar uma desagregação, uma paralisia ou uma falta de dinamicidade das funções superiores como
criatividade, linguagem, pensamento, memória, motivação, raciocínio lógico etc. Esse, inclusive,
seria um tema relevante para a formação continuada. Ao expressar–se e conceituar suas
experiências sobre a realidade, o sujeito organiza o pensamento, integra afeto e cognição e pode
produzir novas zonas de desenvolvimento para si. Como visto na parte 2, Vigotski destaca o papel
da linguagem no psiquismo humano. Nesse sentido, defendemos que os professores possam
continuamente produzir novos sentidos sobre seu trabalho. Para tanto, é necessário também que
identifique as principais fontes de estresse em seu dia a dia.
CATEGORIA 2. PRINCIPAIS FONTES DE STRESS
Para dar conta dessa categoria, precisamos, inicialmente, nos perguntar: afinal o que é
estresse? A palavra tem origem na engenharia e diz respeito a uma força física que, exercida contra
alguém, provoca uma tensão. De uma maneira geral, as pessoas são capazes de lidar com pressões e
se recuperam quando acabam tais pressões; entretanto, há situações em que as pessoas não
conseguem lidar com a tensão, especialmente quando ela é forte demais. Quando isso ocorre
estamos falando de estresse e, embora, existem definições variadas de acordo com a multiplicidade
de disciplinas que o estudam, Biologia, Psicologia, Ergonomia, Medicina Ocupacional etc. a
definição mais comum sempre envolve uma situação externa nociva que atua na pessoa e provoca
reações negativas (TONELLI e AZEVEDO, 2014)
87
Comumente, se associam os fatores estressores a quatro categorias: conteúdo do
trabalho, condições de trabalho, condições de emprego e relações sociais no trabalho. No presente
trabalho, agrupamos as principais fontes de estresse em duas subcategorias: Condições objetivas de
trabalho e Sentidos subjetivos sobre a docência. Na primeira subcategoria, foram reunidos os
fatores que são associados às condições de trabalho, de emprego e relações sociais no trabalho; Nos
sentidos subjetivos estão agrupados os fatores mais relacionados ao conteúdo do trabalho e também
outros que não estão inclusos em qualquer dessas categorias.
Para melhor compreensão, apresentamos um quadro dessa categoria e suas duas
subcategorias, com os respectivos itens abordados em cada uma delas:
Quadro 6 - Fontes de Estresse
CATEGORIA: FONTES DE ESTRESSE
SUBCATEGORIAS
CONDIÇÕES
OBJETIVAS DE
TRABALHO
SENTIDOS SUBJETIVOS SOBRE A
DOCÊNCIA
Carga horária extensa Sentir-se desvalorizado
Excesso de alunos em sala Falta de interesse dos alunos
Turmas muito
heterogêneas
Falta de limites dos alunos
Falta de integração entre
profs.
O professor como alguém em
desvantagem
Excesso de papéis/falta
suporte
Falta de materiais
Dificuldade de conciliar
vida pessoal e profissional
Fonte: autoria própria.
Subcategoria: Condições objetivas de trabalho:
Nessa subcategoria, os itens estão separados de acordo com a fala dos professores que
remetem às questões específicas do universo do trabalho, especialmente na escola.
Carga horária extensa (muitas turmas em uma ou mais escolas)
Podemos constatar pelas falas, destacadas nesse item, que os professores pesquisados
vivem uma rotina intensa de atividades. Isto contraria completamente o conceito que eles mesmos
têm acerca da qualidade de vida. O tempo livre para atividades físicas, lazer, família é bastante
88
restrito. Além do mais, a própria formação em serviço fica comprometida. Os principais estudos
sobre formação continuada desde os anos 1980 (NUNES, 2005), especialmente no campo do
desenvolvimento profissional, vêm reafirmando a importância de o professor dispor de tempo para
refletir e investigar sua prática, ressignificar conceitos e produzir-se como sujeito de forma mais
criativa e autônoma.
“P5 tem gente que trabalha os três expedientes e ainda dão aula particular no final
de semana. É desumano o que fazem com nossa profissão. O salário é injusto! (...)”
“P6 E a tarde tem aula, uma atrás da outra, vou para uma sala, saio, já entro na
outra e dar a mesma aula, tem dia que termino um caco só dessa coisa de ficar indo
de um canto para outro da escola. A quarta-feira é o pior dia porque são dez aulas
seguidas: cinco de manhã e cinco à tarde e são séries diferentes, xxxxxxx e
xxxxxxxx aí preencher diário, corrigir prova... tenho 13 turmas de xxxxxxx,
multiplique aí 13 turmas com cada uma mais ou menos 35 alunos a quantidade de
trabalho fora da sala de aula que tenho...”
“P7 eu tenho três aulas pela manhã, na quinta feira duas, e na sexta uma. À tarde
tenho cinco aulas na terça e quatro aulas na quarta, quinta-feira tenho
planejamento. Hoje no caso estou usando parte do meu horário de planejamento. A
maior carga horária é a do período da tarde e é bem puxado (…) ou também na
escola xxxxxxxxxxxxx lá dou aula nas outras manhãs incluindo planejamento. (…)
Minha rotina é mais puxada por causa do outro colégio tem dias que ministro nove
aulas. Os planejamentos faço os de lá pela manhã e os daqui na quinta à tarde. Tem
dias que... que se torna bem puxado.”
“(...)P12 nem sempre dá para fazer isso aqui... então essas tarefas faço quando
estou em casa na segunda de manhã, na quarta ou na sexta à tarde...e isso só tenho
200h/a tem colegas que tem 300h/a é pior (…) Muitos escolhem 300 por uma
questão sanitária, eu trabalho duzentas porque meu esposo trabalha, ele não é da
área de educação, e aí a gente quando vai juntar as contabilidades dá para manter o
barquinho navegando (...)”
Nessa rotina, conforme vimos ao mencionar os estudos de Clot (2007), o sujeito acaba
não se apropriando da sua atividade, e as ações ficam mecanizadas; por conseguinte, podem
promover stress e sensação de não valorização e de não significação do trabalho em sua vida.
Podemos observar em seus discursos que o excesso de trabalho acaba sendo gerado pela
necessidade de um salário digno para sobreviver.
Excesso de alunos em sala de aula
O excesso de alunos em sala de aula que já foi reportado pelas professoras ao
mencionarem o problema da voz, também apareceu na identificação dos fatores estressantes.
89
“P.3-E tem outras coisas... a aula é curta, são muitos alunos em cada classe, a própria rotina
atrapalha, e aí se cai no discurso da culpa do professor novamente”
“P9 é impossível em uma sala com 40 alunos você conseguir atingir todos (...)”
Interessante observar na fala da professora P3 que ela se refere também à insatisfação
com a “culpabilização” do professor, pelos problemas em sala de aula. Mas, ao mesmo tempo,
constata que o número grande de alunos e a aula com tempo curto, acabam por interferir na
possibilidade de ela realizar da melhor forma seu trabalho docente. Muitas vezes, o estresse está
associado à sensação do professor de não conseguir realizar bem o seu trabalho e ser cobrado por
isso. Isso gera contradição, crise, que se não for trabalhada e refletida criticamente; ao invés de se
tornar promotora de desenvolvimento, como preconiza Vigotski, pode se tornar produtora de
sofrimento psíquico.
Turmas muito heterogêneas
Ainda relativo à organização de sala de aula, com referência aos alunos, outro tema
bem mencionado pelos professores é a dificuldade em lidar com alunos com níveis distintos de
conhecimentos, status social e econômico.
De fato, nas escolas públicas essa tem sido queixa constante. As escolas têm trabalhado
o processo de aprendizagem em uma perspectiva que iguala os alunos ou que desconsidera suas
potencialidades. Vigotski (1998) chama atenção para a importância do professor como mediador de
sujeitos que estão em diferentes zonas. Contudo, é preciso que haja formação para esse professor
atuar de forma qualificada, bem como as condições de trabalho devem ser propícias para isso.
“P.3 - (…) aqui no Jenny é complicado tem alunos que chegam de corola, com
iphone última geração e tem alunos que vem pensando na merenda porque não tem
o que comer em casa, então é muito desafiador lidar com essas realidades, as áreas
são muitos diferentes, tem alunos aqui de vários bairros...”
“P.1 - sim, isso atrapalha muito, até para você fazer o projeto político pedagógico
da escola é complicado, em 2010 quando fomos fazer foi muito difícil: como dar
conta dessa diversidade? São pessoas diferentes, com necessidades tão diferentes?
E agora vamos refazer e nos deparar de novo com isso, né?”
“P12 Trabalhamos com alunos com diferentes tipos de família, temos alunos que se
chegarem com um palito de fósforo em casa os pais questionam e outros que se
chegarem sem o palito de fósforo ele apanha, tá entendendo?”
90
Essa heterogeneidade que poderia ser um aspecto interessante para troca de experiências
entre os alunos e para que uns pudessem ajudar aos outros em seus percursos de aprender, acaba
sendo um fator de dificuldades no exercício docente. A convivência plural de diferentes realidades
na própria cidade de Fortaleza, não precisaria ser vista como negativa. Afinal, a escola pública
deveria ser para todos.
Contudo, as salas numerosas não permitem que o professor possa acompanhar mais de
perto o desenvolvimento dos alunos, olhando não apenas para o que ele já sabe ou não sabe, mas
também para o que está em vias de melhorar, e só precisa de ajuda. Inclusive, essa heterogeneidade
na escola, muitas vezes é maior que a desejável. Há referências de alunos que mal conseguem ler ou
escrever no ensino médio. Muitas vezes precisam ser alfabetizados paralelamente. O custo para o
professor é muito alto, e para o aluno também.
Falta de integração entre professores das diversas áreas (do ponto de vista profissional)
Os fatores estressores no trabalho não aparecem apenas com referência aos alunos. Os
professores também mencionam as dificuldades na interação com seus pares. Nunes (2004) mostrou
em seu trabalho que uma das principais formas de aprendizagem da profissão docente e dos
conhecimentos que ela demanda, é entre os próprios pares.
“P.1 - (…) a gente sente falta de uma reunião (de planejamento) com o grupo todo.
Nunca tem uma reunião com o grupo todo? P.1 - Tem a semana pedagógica, mas é
muito pouco... P.2 - é, não dá para fazer um trabalho interdisciplinar bem feito!
Essa coisa de separar as áreas e ficar cada um por si...”
“vocês tinham comentado que agora o planejamento foi segmentado por áreas do
conhecimento, no momento de fazer o projeto político-pedagógico vocês (de todas
as áreas) constroem juntos ou é segmentado também? P.2 - em 2010 foi, mas dessa
vez, esse ano cada área submeteu suas propostas e agora eu tava pensando nisso
que deveríamos falar a esse respeito, temos que buscar outras formas de despertar o
interesse deles”.
Podemos perceber aqui que o professor se sente sozinho no enfrentamento dos desafios
que a profissão impõe. Sabemos que uma rede de apoio afetivo e de conhecimentos, é fundamental
para a saúde mental não só no âmbito da docência, mas no contexto do trabalho, em geral. As falas
abaixo continuam seguindo nessa direção. Contudo, elas evidenciam a necessidade de maior
atuação do núcleo gestor nessa função de integração da escola e de coerência nas informações
veiculadas.
91
“Você está dizendo que há uma falha de comunicação entre a equipe pedagógica e
a administrativa, elas não estão alinhadas em termos de prática? P5 Exatamente,
uma pede uma coisa e outra não atende e eu falo, eu digo para eles que tá errado,
sou sincera, talvez seja até ousada, falo demais tem um rapaz que trabalha demais...
outro ponto negativo apesar de toda a interação ainda temos companheiros que
ainda não acreditam na escola pública como algo bom; mas você vê professores em
escolas particulares que não acreditam na educação também... então falta essa
harmonia entre o pedagógico e o administrativo... o resultado é que algumas
pessoas ficam insatisfeitas e começam a colocar atestados...”
“(...)P6 falta (...) uma maior organização, vinculação entre coordenação e técnicos; falta uma
solidariedade maior; faltam mais trabalhos vivenciais”
As vozes dos professores denunciam uma lacuna na escola que parece influenciar
fortemente o trabalho docente. Inclusive, ao ponto de professores não se sentirem ouvidos ou não
terem espaço para trabalhar suas questões na docência. Com isto, muitos deles buscam no
afastamento por doença a alternativa para lidar com o problema. Nossa compreensão, então, é a de
que o núcleo gestor também cumpra um papel importante para promoção de um ambiente escolar
produtor de saúde mental.
Excesso de papéis e falta de suporte para seu desempenho
Assim como a subcategoria anterior, essa vai destacar a importância da rede de apoio
para o docente. Essa falta de apoio acaba colocando no professor a responsabilidade na resolução de
problemáticas, dos mais diversos campos, muitas vezes, fora de sua competência. Como vimos nos
estudos sobre política educacional (VIERA, 2010) a LDB 9394/96 ampliou muito a definição sobre
o exercício da docência, deixando os professores confusos sobre seu papel e sobrecarregados.
“P.3 - você tá entendendo o que quero dizer esperam que a gente seja tudo,
psicólogo, professor, pedagogo e não dá, qual o suporte que nos dão? Por exemplo,
como lidar com um aluno com dislexia? No curso de letras não te ensinam isso;
precisaria ter alguém para orientar; e outros problemas tdah... tem coisas que você
até intui mas não temos como diagnosticar, já imaginou como ia ser bom? você
desconfia e encaminha para o profissional, na escola, que faz os testes diagnosticos
e dá as diretrizes de como proceder? Seria maravilhoso, facilitaria nosso trabalho,
seria bom para o aluno...P.2 - antigamente tinha o SOE – Serviço de Orientação
Escolar – aqui mas dessa equipe só sobrou a xxxxx que faz um trabalho as quartas-
feiras, muito bom com as crianças; P.3 – sim, mas alguém que saiba tratar de
problemas de aprendizagem, que faça diagnóstico mesmo, não tem... se tivesse
para nós seria maravilhoso...”
“P.3 -. o que desestimula, às vezes, é esse discurso de que o professor tem que dar
conta de tudo, quer me ver ficar maluca? Aponte o dedo na minha cara e diga “a
culpa é sua” porque assim, eu defendo minha profissão com unhas e dentes (...)
92
Nesse caso, a diretora da escola foi afastada e o aluno e a família ficaram
recebendo apoio psicológico, quer dizer: o professor descarta; isso é errado. Porque
a professora não recebeu apoio também?”
Esse discurso ao qual a professora P3 se refere esteve muito presente a partir das
reformas educacionais implementadas na América Latina, e, portanto no Brasil, a partir dos anos
1990. Alguns autores chegam a falar de um desencontro entre os professores e as reformas, pois os
docentes se sentiram responsabilizados em demasia pelo sucesso ou fracasso do aluno. Com isso, o
contexto escolar que já é cheio de desafios, tornou-se mais tenso, estressante e pouco atrativo. Não
é por acaso, que vemos no país cada vez mais com dificuldade em fazer com que os jovens se
interessem pela profissão docente. Inclusive, os professores dessa pesquisa, em sua maioria, não
escolheram, inicialmente, trabalhar no magistério, mas foram levados a ele pelas mais diversas
circunstâncias. Sobre isso, discutiremos na categoria formação continuada.
Falta de materiais pedagógicos e de equipamentos
Quando nos referimos às condições objetivas de trabalho, não podemos nos esquecer da
relevância dos professores e alunos terem acesso aos equipamentos e aos materiais pedagógicos, de
modo a enriquecer e, algumas vezes, viabilizar o ensino e a aprendizagem.
“P.2 - Nossos problemas não são da escola, são do contexto, falta material, às vezes
livro, texto (você tem de fazer uma predição, às vezes você quer uma música
impressa para introduzir uma matéria) e não tem, não tem verba. P.3 - Sim, com
essa crise uma das primeiras áreas a ter corte nos gastos foi educação, antes xerox,
essas coisa era mais livre agora tá apertado, estamos sentindo na pele” “P.1 -
Talvez até por isso algumas pessoas hesitam em ensinar na rede pública”
“(...)P6 a falta de material, essa crise tá complicado (...)”
Interessante observar nessas falas que, mesmo em uma escola considerada modelo em
aprovação no vestibular e com boa infraestrutura, ainda faltam materiais básicos. Também, os
professores conseguem refletir sobre essa situação, estabelecendo uma relação entre a situação
econômica do país, considerado em crise e a desvalorização da educação. Mais um elemento de
cenário negativo para o seu trabalho.
Dificuldade para conciliar vida profissional e pessoal
Esse item está bem relacionado aos itens anteriores como excesso de trabalho e falta de
apoio. O que aparece de forma reiterada na fala dos docentes é o fato de terem de levar trabalho pra
93
casa, principalmente no fim de semana. Isto diminui o tempo livre para estar no lazer e/ou com a
família (fator considerado fundamental para uma melhor qualidade de vida).
“(...) P5 o professor então, a gente leva trabalho para casa, muita prova, aula para
preparar e olhe que já melhorou muito com esses momentos de planejamento na
escola, mas você acaba levando para casa (...)”
“(...) P6 o professor nunca tem dia livre, na segunda não venho para escola mas
trabalho do mesmo jeito, elaborando testes, trabalho, corrigindo atividades...”
“Você leva tarefas do trabalho para casa? P12 Quando não dá tempo, ou quando a
concentração aqui não é legal, eu levo...E com qual frequência isso acontece? P12
Rapaz, de dez acontece sete... quando é algo que requer uma concentração maior
(porque a escola não tem um espaço onde eu possa ficar sozinha)...
Percebemos aqui também uma menção a falta de um espaço físico, com silêncio
adequado, na escola para que o professor possa trabalhar fora da sala de aula. Tornou-se comum
estender as tarefas da escola à sua casa, como se isso fizesse parte das exigências da profissão; o
que contribui também para o desgaste físico, mental e a precarização da vida do professor. Nas falas
que se seguem, poderemos constatar como os professores sentem a profissão como algo difícil e que
acaba comprometendo a relação com a família e a própria saúde, pela não possibilidade de cuidar-se
melhor.
“(...)P5 olhe é assim: trabalhar com educação não é fácil, tive de abrir mão da minha vida familiar
para me dedicar a isso (...)”
“(...) P6 agora que tenho criança... segunda eu acordo mais cedo, enquanto ela
ainda tá dormindo, eu já adianto alguma coisa da escola, aí lá para as nove horas
ele acorda, eu faço a merenda dele, ponho no cercadinho e fico do lado dele,
corrigindo prova, fazendo trabalho mas de olho nele, interagindo aí meio dia eu
paro, vou dar o banho dele, dar o almoço... faço questão de fazer as coisas dele se
eu puder; aí depois ele dorme e vou trabalhar de novo, lá para as quatro ele acorda
e ponho ele pertinho de mim e continuo com as atividades (…) quando passei no
concurso pensei que ia puder ficar só com 100 horas de carga horária, ia ficar com
um expediente para cuidar dele mas aí as condições não permitiram e precisei
ampliar minha carga horária. Sempre negocio no inicio do ano para meu horário
ficar o mais concentrado possível para eu ter tempo de trabalho em casa porque ai
posso ficar com ele também...”
“P8 Ter um tempo maior para mim. Para cuidar de mim, porque eu não tenho! Eu
preciso me exercitar, descansar mais, mas eu tenho o terceiro expediente! Eu cuido
da casa! Então isso também atrapalha um pouco. (…) É muito estressante, eu
almoço muito rápido porque tenho de voltar para sala de aula, encarar mais um
turno de trabalho...quando eu chego em casa, cansada, ainda tenho de fazer o jantar
para mim, para as crianças... quer dizer com isso tudo, eu esqueço um pouco de
mim...”
“(...)P12 quer você queira quer não o seu dia a dia no trabalho vai refletir na
família, se você é muito consumida você vai chegar em casa diferente (…) aí meu
94
esposo disse que não adiantava nada eu ficar cuidando dos filhos dos outros e a tua
família? E ai eu comecei a perceber que a gente trabalha para estar bem também
com a família, né?”
Quando a professora P12 traz a ideia de sentir-se consumida no exercício do trabalho e
os outros professores falam em cansaço e falta de vida familiar, algo aí merece ser olhado com mais
atenção. Como os estudos sobre Burnout (CODO, 2002) mostraram que os trabalhadores vão
chegando à exaustão, até o nível em que já não conseguem mais lidar com a profissão. Então,
aparecem os diversos sintomas, que vão desde doenças físicas como a gastrite até os problemas de
depressão e ansiedade.
Subcategoria: Sentidos sobre a profissão
Nessa subcategoria, vamos discutir quais os sentidos que os professores construíram
acerca do trabalho docente e que são fontes de estresse para eles. Lembramos que os sentidos são
construções simbólicas individuais constituídas a partir da apreensão do sujeito acerca do
significado de suas vivências na realidade, ou seja, na cultura na qual está inserido. Em outras
palavras, como afirma Scoz (2011) o sujeito não é a priori, nem é puro reflexo do social, mas
representa um momento de contradição e confrontação com este social e ao mesmo tempo com sua
própria constituição subjetiva; dessa confrontação nascem novos sentidos que vão modificando o
sujeito e suas práticas. Clot (2007) destaca que o sentido do trabalho não está no trabalho já que os
comportamentos em uma dada instância da vida são regulados pela significação que o sujeito lhe
atribui em outros domínios da vida.
Então temos uma representação geral dos objetos, conceitos e técnicas (significado) e
uma representação particular ligada à história de vida ou contexto específico de uma ou mais
pessoas (sentido). “A relação entre a significação social, o sentido pessoal e o conteúdo sensível,
emocional, é o principal componente da estrutura interna da consciência”. (ASBAHR, 2005, p.111).
Sentir-se desvalorizado
Como vimos na introdução dessa tese, pelo breve histórico da profissão professor no
Brasil, o significado social da docência tem sido bastante contraditório. Por um lado, foi vista como
profissão importante, sacerdócio e vocação. Por outro, essa própria ideia acerca da profissão foi
acompanhada de uma desvalorização permanente seja nos processos formativos, nas condições
materiais de trabalho e, consequentemente, na própria visão da sociedade brasileira sobre a carreira
95
do magistério.
Os discursos, das professoras participantes da pesquisa, denotam essa percepção acerca
de seu trabalho como docente, inclusive, a falta de respeito não só no âmbito dos governos em
relação aos salários, mas também da própria família dos alunos ao não valorizarem o professor.
“P.3 - (…) quando falo da desvalorização do professor, não tô falando nem da
questão financeira, salarial mas sim dessa visão destorcida, onde um educador se
acha melhor que outro, fica apontando o dedo um para o outro, quando na verdade
as áreas são complementares, aqui tem disso também; essa fala de “ah! um
educador não pode fazer isso ou aquilo; ou ah, você é um educador, devia fazer
isso ou aquilo” você já viu aquela charge? A que mostra os pais nos anos 60
brigando com o aluno pelas notas baixas e depois mostra os pais brigando com o
professor por causa das notas baixas do filho? Aquilo resume tudo: tudo é em cima
do professor.”
“P6 falta essa valorização, esse respeito, estudei muito para estar aqui, se houvesse isso já muita
coisa se modificava (...)”
“(...)P12 uns dizem: ah, que escolha! Mas eu não vou discutir, eu penso de maneira diferente, com a
educação me sinto bem... agora... poderia ganhar melhor? Poderia!”
Consideramos relevante frisar que, nessas falas, os professores demonstram ter
consciência de que não é apenas a questão salarial que define o valor da profissão. Embora seja um
tema importante, não é o único. Isso contraria o discurso do senso comum de que os professores só
consideram como melhoria profissional a questão salarial. Vemos que é preciso muito mais para que
os professores possam produzir novos sentidos mais positivos acerca do lugar que a profissão do
educador ocupa no universo do trabalho e das demais profissões. Esse movimento dos sentidos
pode ser um elemento importante na capacidade de enfrentar os desafios cotidianos de forma mais
saudável e como sujeitos protagonistas de sua atividade laboral.
Falta de interesse dos alunos
Em um contexto com uma série de variáveis pouco positivas influenciando a visão de si
como profissionais, a falta de interesse dos alunos é algo brutal, já que em termos de significado o
aprendizado final dos discentes seria a meta. As falas dos professores denotam sentimentos de
mágoa e frustração:
“P.3 - Eu brinco com os alunos dizendo que nossa profissão é a única onde os
clientes não querem receber pelo serviço que pagam, porque se você vai a um
médico você vai seguir as orientações dele, vai fazer os exames, vai tomar os
remédios; você vai a um advogado, você vai seguir as orientações, vai providenciar
96
os documentos fazer ele lhe orientar; já um professor por vezes tem um
conhecimento para ofertar e os alunos não se apropriam (...)”
“(...) P5 Uma professora uma vez entrou na sala dos professores rindo e disse que
tinha encontrado com uma aluna que tinha entrado no segundo grau e ela tinha
perguntado como estava sendo e a menina respondeu que o problema era que os
professores queriam que eles aprendessem...”
“(...) P7 se você não vê a turma respondendo isso te leva muito para baixo, mesmo
que seja só em uma sala, você fica com um peso na consciência porque foi um
trabalho que você se propôs a fazer e não foi bem aceito...”
Como se pode perceber, as falas dos professores denotam sentimentos de mágoa e
frustração, o que pode provocar sentimento de desvalorização de si e falta de motivação para o
trabalho.
Falta de limites dos alunos
A falta de limites está relacionada à questão anterior sendo talvez sua causadora; a
questão dos limites é temática comum hoje. As novas exigências sociais estabelecem como ideais a
serem perseguidos a independência, a competitividade, a espontaneidade e a iniciativa, o que
implica em práticas educativas menos autoritárias e mais democráticas, conforme salientam Oliveira
e Caldana (2004). A consequência segundo Paggi e Guareschi (2004) é a queda da autoridade
parental e a prevalência de relações mais permissivas. A questão dos limites surge, então, como uma
problemática recorrente nas práticas educativas atuais.
“P2. Sim, há a necessidade de trabalhar os deveres do aluno também, não só do professor.”
“P3. Isso os alunos só tem direitos.”
“P.2 os alunos precisam ser trabalhados em suas obrigações, as mais básicas, de
respeito ao outro. Digo muito isso, quando entro em sala de aula, sempre lembro da
importância do saber ouvir, quem só quer falar, falar, falar vai aprender pouco. Até
para ler você precisa escutar, tem de haver concentração”
“P5 Às vezes escutamos xingamentos de alunos e não podemos revidar por uma
questão de postura profissional e engolimos calados... não é fácil não...”
“(...)P9 aqueles seis meses no conjunto esperança foram ruins, era uma clientela
que realmente eu não sabia lidar eu tentei de tudo, até comprar os meninos: tinha
dia que eu chegava lá com um monte de pipoca, pirulito, levava para assistir filmes,
fiz de tudo para que eles não me torturassem tanto (...)”
“(...)P10 eu repetia muito, será que preciso gritar? Vocês só funcionam no grito?
Tenho de chamar o coordenador para vocês prestarem atenção? Vocês só querem
fazer as coisas se forem ameaçados? Lembro que uma vez cheguei ao extremo de
97
pegar uma pasta e tacar na mesa para pararem com o barulho e foi papel para todo
lado, eles ficaram assustados, eu fiquei assustada, e fiquei triste pensei não quero
passar por isso... e então aprendi... raramente grito, sei que não vai resolver, que
eles vão se assustar ali num momento e depois vão fazer tudo de novo, então tento
me preservar...”
Como se pode perceber a sensação de ser desrespeitado é algo forte e os professores
precisam desenvolver estratégias para lidar com isso.(retomaremos essa questão um pouco mais a
frente).
A imagem do professor como alguém em desvantagem
Como dito no início do trabalho, citando Clot (2007), o trabalho, enquanto atividade
simbólica e genérica, é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor
que cada um atribui a si mesmo. Sua função é vital pois é atividade de conservação e transmissão
cultural e, ao mesmo tempo, atividade de invenção e renovação (de si mesmo e da cultura). A
imagem do professor como alguém em desvantagem simbolicamente pode ser prejudicial para sua
autoestima por isso as falas dos professores são tão veementes em negar essa condição:
“(...)P5 Odeio aquelas reportagens que mostram o professor como um pobre
coitado...ah acorda de madruga, anda trocentos quilômetros, atravessa um
rio...mostra o professor como um coitadinho... o professor não é um coitadinho!
Tem de ser tratado como um profissional, com respeito! eu acho que a mídia
coloca muito o professor para baixo, é responsável pela desvalorização da imagem
do professor...acabam com a autoestima do professor”
“(...)P6 acho que falta ainda muito reconhecimento da profissão, não estou falando
só da questão financeira, mas dos estigmas “ah a professorinha, bichinha,
coitadinha...” às vezes tenho a impressão que a sociedade pensa que todo professor
é professor por falta de opção, comigo, por exemplo, eu me achei na profissão, me
sinto satisfeita com ela, então não sou coitadinha, não é uma questão de se
acomodar; acho que falta esse reconhecimento, que as pessoas me olhassem com
um olhar de admiração (...)”
Esses achados consubstanciados nessa categoria “Principais fontes de estresse” e nas
suas duas subcategorias “condições objetivas de trabalho” e “sentidos subjetivos sobre a profissão”
são similares aos do trabalho de Cupertino (2012). Nesse trabalho, ele aponta para uma situação em
que prazer e sofrimento, convivem de forma não excludente. A principal fonte de sofrimento é a
organização do trabalho (pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho, número de pessoas
insuficiente para realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga de trabalho, falta
de reconhecimento e necessidade constante de capacitação).
98
Ainda sobre o estresse docente cabe citar, mais uma vez, alguns trabalhos como o
desenvolvido em São Paulo por Vedonato e Monteiro (2008) que realizaram pesquisa com 258
professores de escolas estaduais e verificaram que 96,5% dos sujeitos consideravam o trabalho na
escola estressante e sugeriram que este fato pudesse estar relacionado ao o aparecimento de
transtornos mentais.
No maior estudo realizado até hoje no Brasil sobre Burnout, em educadores,
desenvolvido por Côdo (2002), em uma amostra nacional cerca de 39.000 professores, os resultados
revelaram que 31,9% dos profissionais apresentavam baixo envolvimento emocional em relação a
sua tarefa; 25,1% apresentavam exaustão emocional e 10,7%, despersonalização. A incidência de
pelo menos um dos três sintomas do Burnout foi de 48,4% da categoria.
Esse panorama não parece estar restrito ao Brasil. Desde os anos oitenta, pesquisas
sobre a saúde docente, relacionadas às condições de trabalho, têm sido conduzidas em vários países.
Cruz ET AL (2010) destaca alguns: Suécia, França, Alemanha e Reino Unido. Os autores
informaram ainda que o estresse e a Síndrome de Burnout eram apontados como os principais
problemas entre professores naquela época, com implicações sobre o absenteísmo por doença e
abandono da profissão. Farber (1984) realizou uma pesquisa com 365 professores de escolas
públicas do subúrbio de New York, EUA; e encontrou uma frequência de 20 e 25% entre os
docentes que se apresentavam vulneráveis ao Burnout, sendo que 10 a 15% deles já apresentavam
os sintomas que caracterizam essa síndrome; e, nesta década, o estresse e o Burnout, provocaram
um custo calculado em mais de U$ 150 bilhões anualmente para as organizações Americanas
(Trigo, Teng, & Halak, 2007).
Assunção e Oliveira (2009, p.365) citam outros estudos como o realizado em Hong
Kong (Chan, 2003) que também mostrou que a profissão de ensinar é altamente estressante.
Aproximadamente um terço dos professores pesquisados apresentaram sinais de estresse e Burnout
entre os principais problemas de saúde; o de Dimitrov (1991) avaliou 69,5% dos professores de uma
região da Bulgária. Os resultados evidenciaram elevada taxa de morbidade (número de casos por
mil trabalhadores) por distúrbios mentais (DM) e por doenças do sistema nervoso (DSN),
associados ao nível de ensino no qual o entrevistado estava inserido.
Gomes (2006) em uma investigação sobre o estresse, Burnout, saúde física e satisfação
profissional com 127 professores de uma escola secundária do Distrito do Porto, em Portugal,
descobriu que mais de 30% dos professores apresentavam estresse ocupacional e uma porcentagem
considerável desses profissionais apresentava sintomas de Burnout. 14% evidenciavam problemas
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de exaustão emocional, 17,95% apresentavam sintomas de despersonalização e 6% apresentavam
baixos índices de realização pessoal. A combinação simultânea dos três fatores indica uma
porcentagem média de 13% de professores que parecem se encontrar em situação de Burnout.
Esses dados estatísticos servem como ilustração para destacar a importância de se
identificar os fatores estressores no cotidiano de trabalho dos professores para que possam ser
desenvolvidas ações a fim de amenizar ou resolver às questões buscando a minimização dos danos
sofridos pelas pessoas que trabalham como professores. Os dados também demonstram que,
infelizmente, a imagem do professor como alguém em desvantagem não é propriamente incorreta.
CATEGORIA 3. ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS
As estratégias defensivas são parte importante do foco principal desse trabalho, que é a
saúde mental dos docentes. Apesar de compreendê-las como parte de um contexto maior (que inclui
as questões de QVT, adoecimento, sofrimento psíquico e de formação) gostaria de abordá-la com
destaque.
As estratégias defensivas podem ser de cunho coletivo ou individual; conscientes ou
não; servir como forma de resistência política (ações de uma categoria) e ter caráter transformador
ou ter efeito alienante. Contudo, um denominador comum é que seu propósito último é a proteção
do psiquismo contra a dor e o adoecimento (físico ou mental). Em termos de Psicologia Histórico-
Cultural, ela é manifestação de criatividade na produção de novos sentidos.
As estratégias defensivas encontradas nessa pesquisa refletem um caráter adaptativo,
consciente, que promovem sua saúde e favorecem a manutenção da organização do trabalho; apenas
uma delas parece ter uma característica de ação transformadora que é propiciada pelo coletivo dos
profissionais, mas que é mediada pela postura da direção da escola, qual seja a liberdade que os
docentes sentem dentro da escola.
Os achados encontram similaridades aos de outros trabalhos descritos anteriormente
como os de Perez (2012) que identificou como estratégias positivas o relacionamento com os
colegas, o relacionamento com os alunos, a criação de espaços alternativos para discussão, a
conscientização, a reorganização da rotina, estar alerta aos sinais emitidos pelo corpo antes do
adoecimento, o estabelecimento de limites, a autonomia e possuir perspectivas de futuro; o de
Vieira (2011) atividades esportivas e de lazer, cuidados pessoais, suporte afetivo, espiritualidade,
busca por medicalização e ajuda médica.; Moraes (2012) que aponta o grupo social como elemento
de suporte afetivo e o de Soldatelli (2011) constatou que para evitar o adoecimento alguns dos seus
100
entrevistados afirmaram fazer exercícios, cuidar da alimentação e utilizar terapias alternativas.
Quadro 7 - Estratégias Defensivas
Estratégias Defensivas
Subcategorias
Coletivas Individuais
Humor Ignorar ruídos
Bom ambiente e boas relações humanas Confrontar alunos
Sensação de liberdade na escola Reconhecimento por parte de alguns alunos e
identificação com suas vitórias
Personalização de espaços coletivos Cultivar a espiritualidade
Cuidados com o corpo
Ouvir músicas e/ou ver filmes
Criar pequenos rituais cotidianos
Fonte: Elaboração própria
Estratégias defensivas coletivas:
O humor
O fazer piada das mais variadas situações, foi uma das estratégias observadas. As piadas
parecem fazer parte da dinâmica desse grupo. Quase tudo pode servir como mote para o humor,
como foi possível observar em diversas situações em que estivemos na escola. Abaixo, para ilustrar,
algumas das anotações retiradas do diário de campo logo no início do trabalho em 2015.
07.10.2015 - 12h30min – cheguei à sala dos professores que estava apinhada de professores, a TV
estava desligada, alguns professores almoçavam na mesa. O ambiente estava descontraído e os
professores riam muito. Alguém mostra vídeos e alguns professores comentam.
Um professor que entrou na sala comenta (olhando para mim): - Eita chegou a professora que irá
estudar nossas mentes! Um outro replica: - professora, desconsidere esses momentos... todos riem.
21.10.2015 - 12h45min – após ouvir as sugestões da professora volto minha atenção novamente
para os demais. Alguns se queixam de que a escola está com forte cheiro de fumaça (parece que
houve uma “queimada” no terreno vizinho à escola). Outros professores brincam fingindo tirar
“selfies” e o ambiente começa a se encher de risos com algumas pessoas fazendo piadas
situacionais.
101
12h50min – as piadas continuaram, dessa vez a respeito da relação de alguns professores com
algumas turmas. Um professor brinca comigo: “anota aí professora, a professora x surtando em alto
grau de estresse” ao que a professora x replicou” e você? Acha que é saudável ficando aí em pé e
implicando com todo mundo?'” o professor respondeu “tô me aquecendo para aula” os professores
riram e confesso que eu também...
13h05min – uma professora chama os demais: vamos pessoal, trabalhar! Alguns a seguem. Uma
professora comenta que nunca viu povo tão alegre “quanto mais liso mais alegre, sei não...”
Também nas falas dos professores, eles fazem questão de reforçar esse clima de humor
na escola como uma forma de amenizar o ambiente pesado de trabalho e de certo modo, integrar
mais os colegas entre si. Como apresentamos antes, o tema da integração entre eles é considerado
algo relevante para os professores pesquisados.
“P.1 - (...) Lembra logo que você veio se apresentar e trouxe um bolo? O clima de
brincadeira, descontração, não é porque você estava aqui, é daquele jeito mesmo.
Se você vier um dia no planejamento da quarta-feira aí é que é animado mesmo!
Você vai ver a alegria à bagunça! É muita gente, é misturado, às vezes você sai da
aula só para beber uma água e dá vontade de ficar! Tem mais homens, e tem alguns
engraçadíssimos, parece que sempre estão em intervalo! É uma terapia isso aqui”
“P7 Acho que o próprio corpo docente favorece, porque se os próprios docentes
não se ajudassem já seria uma coisa muito pesada e o próprio ambiente, a relação
dos professores entre si é boa, ajuda, tem um colega nosso o ... que é conhecido faz
todo mundo rir, deixa o ambiente leve.”
A estratégia de tentar fazer piada com as situações diversas pode ser eficaz como
auxiliar na manutenção da saúde, já que o ato de rir induz corpo a produzir endorfina o que ajuda a
relaxar, dormir melhor e controlar a pressão sanguínea (BERK, 1988); Além disso segundo um
estudo de Fry (1992) rir cem vezes durante o dia teria os mesmos efeitos cardiovasculares que fazer
exercícios de remo durante 10 minutos.
O humor pode aumentar a tolerância à dor (WEISENBERG, 1995) e ser um mecanismo
de luta usado para diminuição de medo, ansiedade, estresse psicológico além de melhorar
habilidade de lutar contra doenças (KUIPER,2004; WOOTEN,2005).
Não é à toa que os professores dessa escola conseguem se manter relativamente
saudáveis mesmo diante de tantas situações pouco favoráveis.
O bom ambiente e as boas relações interpessoais
As boas relações interpessoais são um fator de extrema importância para a manutenção
de uma boa saúde mental, podemos escolher e selecionar nossas amizades e as pessoas com quem
102
iremos conviver fora do trabalho, no entanto, no ambiente de trabalho de modo geral não temos essa
autonomia e temos de conviver com pessoas das mais variadas formas de funcionamento o que
pode ser um fator de sofrimento e obstáculo para um bom desempenho profissional; não é à toa que
os bons relacionamentos nessa escola são citados como fator de proteção profissional.
“P.1 - Aqui o forte é a relação com os colegas, para quem já trabalhou em outras
escolas, fica clara a diferença, eu já trabalhei em outras escolas e eu ia e voltava
não fazia diferença, aqui rapidamente você conversa faz amizade, no colégio da
polícia eu entrava muda e saia calada, aqui podemos falar à vontade o que me
desgosta não tenho nenhum problema em falar; (…) Ah, eu brinco é muito! Eu
gosto muito da energia daqui, flui, não tem falsidade! Sim, eu sinto uma energia
muito boa aqui, noto muito respeito”
“P.3 - tem um professor que todo final de ano faz questão de organizar uma festa,
um churrasco na casa dele, por conta dele e chamar todo mundo, é muito bom! Ele
tem toda uma preocupação com a gente”
“P5 Aqui a gente conversa muito, é uma catarse, você fala muito e escuta muito e
essa troca de desabafos vai ajudando você, nos fortalecer... nos apoiamos uns nos
outros é o que nos fortalece para esse tipo de situação não acontecer e se acontecer
estarmos preparados... unidos... por ai não tem isso, não tem união”
“P7 A estrutura que temos, nosso corpo docente acho que em muitos colégios não
tem porque são professores que buscam se ajudar, tem uma outra peça que é
exceção, mas no geral os professores se ajudam muito e isso ajuda muito na
qualidade. Você não precisa se preocupar com aquela coisa de alguém querendo te
derrubar. Existe um sentimento de união. Se você chegar cabisbaixo todo mundo
vai te perguntar o que você tem, vai querer ajudar...”
“P8 Eu gosto muito dos meus colegas, me dou muito bem com eles, são bons,
carinhosos, eu transmito aquilo que estiver sentindo mesmo para eles (...) gosto de
estar com eles, rio, converso bastante.”
Segundo Moscovici (1994), nas empresas, a interação humana ocorre em dois níveis
concomitantes e interdependentes. O nível da tarefa é o que podemos observar, que é a execução
das atividades individuais e em grupos. Já o socioemocional refere-se às sensações, aos sentimentos
que são gerados pela convivência.
Caso esses sentimentos sejam positivos, o nível da tarefa é facilitado, gerando uma
produtividade satisfatória. Se, ao contrário, o clima emocional não é satisfatório, a tarefa passa a
sofrer os efeitos, tornando o cotidiano penoso. Pelas falas, fica claro que o papel das relações
interpessoais contribui como estratégia defensiva para promoção/manutenção da saúde dos docentes
nessa escola.
A sensação de liberdade na escola
103
Ao mesmo tempo em que os professores relatam estresse pela má qualidade da
comunicação institucional na escola, eles ressaltam que o núcleo gestor os deixa bastante livres para
se expressarem. Acreditamos que é uma estratégia defensiva interessante porque oferece ao
professor a possibilidade de se sentir mais partícipe de seu trabalho, com maior autonomia e certo
grau de controle sobre sua atuação. Isso pode favorecer a produção de novos sentidos sobre a
docência e aliviar as situações de estresse e sofrimento. Ter uma sensação de liberdade de expressão
permite o uso da linguagem de modo mais rico e, por sua vez, a dinamização das funções
superiores, em geral. O professor pode sentir o ambiente mais propício para criar na sua prática isso
é fundamental, já que, de acordo com Clot (207) a contenção da atividade espontânea leva ao
esgotamento e à fadiga.
“Vocês têm liberdade para se expressar? P.1 - Sim, eu não tenho medo, falo
mesmo; P.3. Isso, nem sempre somos atendidos mas podemos falar à vontade. P1.
Se eu quiser falar, falo mesmo, claro que tem a coisa de ser funcionário público, de
ter mais estabilidade, mas não é só isso.”
“P5 Nós temos liberdade, é por isso que flui. Eu considero dos locais que trabalhei
aqui sendo o melhor, eu me sinto muito, mais muito bem mesmo aqui. E o que é
mais importante não há descriminação com professores temporários. Rapidamente
se entrosam...”
“P6 aqui acho que nós professores temos mais liberdade para fazer o que é certo
por outro lado por vezes faltam recursos. Mas temos grande liberdade de mudar,
trabalhar os conteúdos como quiser;”
“(...)P9 há escolas em que a gente é muito reprimido, você só pode fazer até ali,
aqui não, eles nos dão total liberdade, você... inclusive nem existe uma exigência
de que todos os professores de xxxxxxx sigam um mesmo plano então isso para
mim é muito bom, eu não gosto de me sentir presa”
“P11 a coordenação aqui, chama a gente e conversa, no começo do ano quando
fazemos nosso calendário, tem uma votação, quem é contra levanta o braço... é
muito democrático aqui... aqui não tem nenhuma imposição, como as de uma
escola particular, apesar de ter três coordenadores e de ser uma escola de
referência; o professor xxxxxxx tem um trabalho de referência, não é um trabalho
qualquer, há um comprometimento muito grande e ele cobra isso, faz questão de
mostrar as reportagens, porque o J, já foi tema de várias reportagens e... quem não
gosta de ter um trabalho reconhecido? Não só o nome de fazer as pessoas de fora
acreditar no trabalho desenvolvido, na gestão pública... O J faz esse trabalho e isso
é porque os professores e a coordenação falam a mesma língua...”
A sensação de ser livre, de poder fazer escolhas, é uma das condições mais humanas do
ponto de vista existencial. Poder manifestar as próprias ideias e emoções em forma de palavras
104
diante de outras pessoas, com as quais nos sentimos seguros, sem receio, pode ter um efeito
extremamente terapêutico, já que isso implica em uma suposição de aceitação por parte do grupo; e
se o grupo aceita seus partícipes, tais quais são, esses indivíduos também podem passar a se aceitar
melhor; a auto aceitação é importante para a auto estima e reforço identitário.
O clima de liberdade desenvolvido pelo corpo docente, portanto, também parece uma
excelente estratégia defensiva para manutenção do bem-estar psíquico.
Personalização dos espaços coletivos
Essa estratégia foi percebida por nós ao observarmos os espaços da instituição escolar.
Vimos que tornar alguns espaços coletivos mais personalizados pode dar ao professor uma sensação
de maior vinculação do trabalho com sua vida e assim, melhorar o clima de trabalho.
Ao observar os armários percebemos que cada um tem o nome do seu proprietário e,
além disso, uma gravura que parece identificá-lo. Em sua maioria, as gravuras são Santos católicos
(Nossa Senhora, São Francisco de Assis, Cristo), mas há também fotos de cães, gatos, flores e
brasão de futebol.
Estratégias defensivas individuais em sala de aula (e fora dela):
Ignorar ruídos
Essa primeira defesa identificada remete a teoria de Bandura que acreditava haver uma
capacidade no ser humano para aprender, que é auto ativada como resposta para seu meio. Para ele
existiriam determinadas formas de aprendizagem que acontecem a partir da observação do
comportamento dos outros indivíduos. A ideia central é a de que o comportamento de um indivíduo
se modifica em função da exposição ao comportamento de outro, os sujeitos podem espelhar
comportamentos socialmente aceitos ou não. Também Vigotski se refere ao tema, quanto fala da
zona de desenvolvimento proximal e dos processos interativos e da imitação (NUNES e SILVEIRA,
2008).
Imaginamos que, hipoteticamente, os professores ao ignorarem os ruídos podem
fornecer exemplo para os demais alunos que gostariam de prestar atenção na aula ou para tentar não
reforçar os comportamentos de conversa. Outro aspecto é que para lidarem cotidianamente com
tantos ruídos, desatenções, comportamentos inadequados, os professores precisam desenvolver uma
atenção seletiva mais apurada. Assim, conseguem maior concentração e menos envolvimento
emocional com aquilo que os aborrece e sobre o qual não conseguem um controle total; como por
105
exemplo, a conversa paralela dos alunos.
Vamos exemplificar com alguns trechos do diário de campo:
“Duas alunas chegaram, entram sem pedir licença e cumprimentam algumas colegas que estão
sentadas nas carteiras no final da sala: -oi usuária! A colega responde: - diz usuária.
Mais um aluno chegou e perguntou se podia entrar, depois de autorizado sentou-se.
Um grupo de quatro estudantes juntaram as carteiras no fundo da sala e conversavam fazendo
bastante barulho.
Senti-me ligeiramente irritada, imagino como o professor deve se sentir...mas ele permanece em sua
mesa fazendo anotações. (será que é assim que ele consegue lidar com essa situação? Ignorando-a?)
13h30min – me sinto muito cansada, com tanto barulho como será que ele se sente? ...13h35min – a
situação volta ao caos anterior . O professor se cala e permanece em pé esperando que se faça
silencio. Quando o ruído diminui o professor diz: - olha se eu sentar, o conteúdo estará dado e vai
ser cobrado.
13h40min – o professor está de pé, comentando o conteúdo e conseguiu atenção de parte da turma...
alguns alunos fazem perguntas, mas o professor está tão determinado a conseguir concluir o que
preparou, que mal os escuta (não é à toa!).
Os alunos continuam a falar alto (na aula subsequente), a professora fica em pé, encostada no
quadro em silencio.
A esse respeito também a fala de um professor deixa clara a estratégia de ignorar
para não ter de lidar com a constatação de que os alunos não estão envolvidos na aula, o ambiente é
inadequado e que eles não têm a quem pedir ajuda para resolver suas questões sobre a docência.
“P.4 - (…) tem alunos que você pode chegar pelada em sala de aula, plantar
bananeira que ele vai olhar para sua cara e baixar a cabeça, não vai se interessar,
vai baixar a cabeça e dormir. Tem meninos, cada um, e são muitos tem alunos que
foram devorados pela situação, eles tão aqui por que os pais obrigam, porque tem
bolsa família mas eles estão totalmente desacreditados da educação, ele não dão a
mínima. As vezes eles tem algum problema cognitivo, a gente ignora por que não
tem nenhum aparato para isso... oh isso é outra coisa: falam do despreparado do
professor, cara eu sou licenciada , vi uma cadeira ou outra de psicologia na
faculdade só por cima, não é função da gente lidar com esses problemas, eles
teriam de ser contornados por um psicólogo, um psicopedagogo e a gente não
tem... não tem uma escola nesse Estado que tenha um trabalho sério, um
profissional bem capacitado atuando só com isso”
A estratégia também serve para fugir da sobrecarga de papéis a qual o professor é
solicitado a desempenhar.
106
Confrontar alguns alunos
Em alguns momentos o professor lança mão da estratégia de não ignorar e resolve
confrontar alunos, quando a situação de desrespeito se torna insustentável. Sobre isso, observamos
uma situação específica quando um professor foi até um aluno, que continuava de costas na aula. O
professor exigiu que ele saísse e sentasse na carteira da frente. Fez-se silencio; foi a primeira vez
desde que iniciou a aula, que pude ouvir a voz do professor de forma clara.
Em outra situação observei, que quando as conversas reiniciaram, o professor
precisou dar vários “psius” para contê-las. Ele chamou a atenção de uma aluna e ela respondeu
argumentando que todos estavam conversando; o professor, então, perguntou se ela era todo mundo.
Com essa estratégia o professor retoma certo controle da profissão e assume um
lugar de autoridade, muitas vezes, desconsiderado pelos alunos; levando à sensação de
desvalorização da docência. Ao dominar a situação na sala, ele assume o papel de mediador que
organiza e viabiliza o processo de aprendizagem para todos.
Reconhecimento por parte dos alunos e identificação com suas vitórias
Nossa subjetividade, de acordo com a Psicologia Histórico-Cultural, é constituída
através das relações sociais de produção e sua formação está atrelada à historicidade dos
fenômenos. A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos e externos e a forma de o
indivíduo se perceber está relacionada ao modo como os homens estabelecem as relações sociais
em um contexto específico, decorrente de condições histórico-sociais. (AITA e FACCI, 2011). A
alteridade, portanto, é de suma importância: O homem só pode aprender e apreender o mundo
através dos outros (mediação) qualquer aprendizado inclui relações entre pessoas, ainda que de
forma indireta. Ora, a maneira do professor se perceber está atrelada, em parte, ao resultado último
de seu trabalho, a educação, a constatação de que seus esforços foram recompensados (que seus
alunos aprenderam, obtiveram sucesso) serve como combustível para construção de uma
autoimagem positiva e é motivador por agregar sentido a seu trabalho. Além disso, como dito
anteriormente, as boas relações interpessoais também podem funcionar como um fator de proteção
emocional e isso também vale para as relações professor-aluno.
“P.1 - o professor fica contente com pouco: um sorriso de reconhecimento de um aluno salva um
dia...”
“P.1 - (...) os bons alunos recompensam! Essa história que ela disse ai: eu também
recebi uma mensagem há pouco tempo de uma ex-aluna, que já tá formada, hoje é
107
diretora de um hotel, e eu disse a ela: é por alunos como você que vale a pena
continuar ensinando... você ver a pessoa crescendo...mantém você com vontade de
ensinar, outros podem crescer; hoje to dando aula numa turma onde os alunos
brigam para ler: eu, eu, eu... isso é muito bom;”
“(…) P.3 - eu também, mas assim: eu gosto quando eu sinto que a aula está
rendendo, porque o papel do professor não é só o de transferir conteúdo o mais
importante é conseguir fazer o aluno se interessar por aquele conteúdo, eu acredito
muito nisso, então quando em momento eu vejo os olhos de um e outro brilhando
aí sinto que cumpri meu papel”
“P.3 - Ano passado, eu estava grávida, quando chegava, já tinha três ou quatro
alunos de plantão esperando para me ajudar a levar minhas coisas, sabe? Esse lado
solidário do aluno é bom. tem coisas que chamam a atenção, por exemplo, aquele
aluno que pede ajuda, ou que a cara dele, já diz que quer ajuda é estimulante (...)”
“P6 Tem poucas coisas que empolgam tanto quanto entrar em uma sala de aula e
ver os alunos participando, debatendo, empolgados; infelizmente nem tudo o que a
gente gosta e quer fazer às vezes é possível...”
“(...)P6 vem um aluno e pergunta professora eu te adicionei no facebook a senhora
não me aceitou por quê? Sabe? Parece que sou importante para aquela pessoa...
essas pequenas coisas, aí falo, ai foi meu amor? Vou adicionar... quando eu ainda
fazia faculdade, eu encontrei com uma ex-aluna que havia se tornado colega de
curso e ela veio na maior alegria: professora que coisa boa e tal... Professora...ora,
ele ia fazer a mesma cadeira que eu... Professora eu passei... e isso é muito bom.”
“(...)P8 eles são muito carinhosos, respeitosos eles ainda não ultrapassaram aquele
nível onde alguns começam a bater boca com professor, xingar, extrapolar os
limites. Não, eles são ...dá para controlar.”
“P12 Gosto de estar com meus alunos, de quando acaba a aula em um vem e diz ah
professora entendi o assunto ou gostei da aula... isso me gratifica e tem aluno que
chega e diz mesmo, sabe? Aí tem dias que você não tá legal e não dá uma aula
legal também, eles percebem isso, ontem mesmo, eu achei tão legal, eu tava quase
sem voz e abri a chamada, não tava de muita conversa, né? Sem voz, e eu abri o
diário para fazer a chamada e comecei: número 1, e a voz saindo bem pouco,
quando eu cheguei no número três, eu não estava mais chamando quem tava era
um aluno, bem forte: número 4...e eu comecei a rir, então são essas coisas, você
pode pensar: mas são coisas tão pequenas... mas são essas coisas que eu acho legal
(...)”
“P.3 - Essa semana eu tava em casa e recebi uma mensagem de um ex-aluno, (foi
meu aluno há dois anos) ai do nada ele mandou uma mensagem pelo facebook: ah,
professora olha aqui (e mandou uma foto) a pilha de livros de literatura que
comprei para ler, deviam ser uns 10 livros, do nada comecei a sentir essa vontade
de ler, fui num sebo e tô aqui devorando os livros, tô adorando; ai eu pensei: poxa
vida, ele nem é mais meu aluno e sei que o incentivei (...) também acontece de
estar na aula é ver como eles melhoram o raciocínio lógico, eu ensino gramática e
nem sempre é fácil eles darem conta das estruturas gramaticais, então ver que eles
estão dando conta é estimulante, ou mesmo que digam é difícil, para achar difícil
você tem de estar lendo se interessando”
108
“P.3 - (...) eu tive um aluno assim, que de nota três foi para nove no outro semestre,
puxa, como me senti bem, cumpri meu papel.”
“P7 Gosto quando consigo passar um conteúdo planejado e os alunos conseguiram
assimilar e durante a aula demonstraram interesse, isso para mim é muito
prazeroso.”
“P9 eu fico muito feliz quando vejo aqueles que realmente estudam por prazer, que
tem um foco, que tem um objetivo, nesses eu invisto (...)”
“P10 o principal, que são os alunos... tem muito aluno interessado...turmas inteiras
que são muito boas...”
“P12 A sensação deles voltarem para a escola é muito boa, eles vêm e dizem oh
professora, tô em tal semestre da faculdade ou entrei mas ainda não é o curso que
eu queria...mas mesmo assim, já é uma grande conquista ter entrado numa
faculdade pública, porque ele está buscando outra tá entendendo? Um menino que
não tinha nenhuma perspectiva de vida...”
Essa estratégia defensiva também parece útil por trazer significado para o desempenho
do papel de professor e seu cotidiano de trabalho, a vitória do aluno percebida como vitória pessoal
também do docente, pode atuar como um constituinte positivo para uma boa autoimagem e agregar
sentido para suas atividades, mesmo àquelas enfadonhas como preencher diários, elaborar e corrigir
provas e trabalhos etc.
Espiritualidade como estratégia defensiva
A espiritualidade foi ignorada do ponto de vista histórico pelos psicólogos, Larson e
Larson a denominam de o fator esquecido na saúde física e mental. Esse panorama tem se alterado
em função do que Saad ET AL (2001) chamaram de espiritualidade baseada em evidências, já
existem diversos artigos científicos mostrando uma associação entre religião/espiritualidade e saúde
inclusive do ponto de vista estatístico causal (LEVIN, 1994).
O fato de termos identificado a espiritualidade como uma estratégia de defesa não é
surpreendente, portanto.
“(...)P5 tem de ter uma ligação religiosa, acho fundamental ter um encontro com os
seres sagrados, principalmente porque a gente tá num ritmo de vida muito corrido,
muito aperreado, às vezes não se tem tempo nem para família (...)”
“P5 eu vou caminhar e também tenho uma prática espiritual, sou budista, faço minhas práticas”
“P9 Olha, eu já senti na pele o que é não ter saúde mental né? Antes que eu me
convertesse novamente ao catolicismo, porque eu nasci católica, mas durante muito
tempo eu ia só para as missas dominicais quando muito, e eu tive depressão pós-
parto nas minhas duas filhas, problemas no casamento, coisas que eu não sabia
109
lidar direito, tinha algumas sequelas de traumas de infância, meus pais nunca foram
muito unidos... aí junte tudo ao estresse de professor porque o dia a dia de sala de
aula é estressante então houve momentos em que realmente não soube lidar com
tudo isso e eu era uma pessoa muito complicada, de difícil relacionamento, que
explodia com facilidade sabe? Então eu agradeço muito a Deus o fato de hoje eu
ser uma pessoa mais equilibrada; eu não precisei ir a psiquiatra nem a psicólogo,
não precisei tomar antidepressivo, não precisei fazer nenhum uso da medicina e
hoje eu me acho uma pessoa saudável”
Como se pode depreender pelas falas, o exercício da espiritualidade também pode
contribuir de forma positiva para saúde mental; é interessante observar, que não se está falando
sobre religião propriamente dita e sim de um sentimento de religiosidade, de crença, de fé; ainda
que as práticas e dogmas sejam distintos a sensação de estar conectado a algo maior capaz de trazer
ordenação e proteção à vida pode diminuir os níveis de ansiedade e angustia e contribuir para a
homeostase emocional do indivíduo.
Cuidados com o corpo como estratégia defensiva
Os cuidados com o corpo são uma forma reconhecida de alívio para o stress, além da
produção de endorfina – que funciona como um ansiolítico natural – algumas atividades também
podem acionar outros potenciais como a memória (dança), coordenação motora, estratégia,
concentração etc. Além disso, os demais cuidados com o corpo também podem ser um fator protetor
da autoestima pelo caráter simbólico do “cuidar de si”.
“P5 faço caminhadas (...)”
“(...)P6 agora por questão de saúde comecei a fazer zumba, como exercício e também como lazer
(...)”
“(...) P6 passo o final de semana fazendo gargarejo, tomando mel (...)”
“(...)P10 semestre passado uma colega do mestrado estava fazendo uma pesquisa
sobre yoga e estava dando aulas para nós gratuitamente na própria faculdade e eu
estava indo duas vezes por semana e às vezes fazia de manhã também... e me
ajudou demais a lidar com a pressão... esse semestre acho que não vou conseguir
encaixar...mas tô querendo voltar a fazer uma coisa que gosto que é dançar. Não
tenho mais tempo de fazer aula, em uma academia e tal como eu gostaria mas o que
tento fazer é um pouco antes de tomar banho para vir para o trabalho eu ponho uma
música e fico dançando até suar um pouquinho e vou tomar banho.”
As atividades de cuidado descritas são variadas, como dito anteriormente o ato
simbólico de “cuidar de si” pode funcionar como fator positivo para a autoestima; atividades físicas
como zumba, caminhadas e yoga, além de exercício físico, podem ser fontes de ativação de outros
potenciais que ajudam no bom funcionamento emocional (sentir-se bem, encontrar respostas para
110
algumas indagações após aquietar a mente etc). Os cuidados com o corpo, portanto, também podem
ser uma boa estratégia defensiva.
Ouvir música ou ver filmes
Essa é uma estratégia fundamental não só para os professores, mas para o ser humano,
em geral. Para a Psicologia de Vigotski (PSICOLOGIA DA ARTE) a arte é uma das formas mais
ricas de expressão do psiquismo. Para ele, nenhuma linguagem consegue expressar e transformar de
forma tão contundente as nossas emoções como os processos artísticos. Não é atoa, que os
professores diante de um cotidiano, já descrito como exigente e de multitarefas, buscam na música
ou no cinema um modo de lidar com a realidade. Mas, ao fazê-lo não estão apenas fugindo da
dimensão cansativa da profissão, podem através da arte resignificar-se e produzir-se.
“P8 Eu gosto muito de ouvir música, de cantar e gosto muito de filmes! Esqueço
do mundo quando estou vendo um bom filme, principalmente se mexer com o lado
psicológico, trabalhar as emoções, os sentimentos do dia a dia, eu gosto disso. (…)
Quando estou na cozinha, quando vou me deitar... ponho o celular do lado da cama
e ponho músicas gostosas que trabalham o relaxamento, gosto muito, fico mais
tranquila.
Seria recomendável que as formações continuadas utilizassem-se mais dos recursos da
arte e pudessem ampliar o universo cultural dos professores e permitir que eles se expressassem e se
traduzissem nas mais diversas linguagens.
Criar pequenos rituais para se desligar
Foi muito interessante poder constatar, que os professores criam pequenos rituais para
esquecer o cotidiano de trabalho. Aliás, os rituais sempre fizeram parte do desenvolvimento humano
ao longo das diferentes épocas. Os rituais estão inseridos no campo dos signos, colaborando para
que o sujeito possa produzir novos modos de reflexão e de ação sobre a realidade. Com isso ele
pode iniciar e encerrar determinados processos que o afetam.
“(...) P12 quando eu pego meu carro aqui no estacionamento eu já me desligo dos
problemas de alguns alunos... aí já penso na minha filha e de vez em quando vem
aqueles pensamentos, né? Mas coloco minha família, procuro pensar em outras
coisas... começo a me burlar, praticamente, mas antes eu não conseguia fazer
isso...
Você consegue substituir certos pensamentos mais obsessivos por outros mais
propositados...
P12 É se é problema com aluno procuro lá fora pensar em soluções para coisas da
minha filha.
111
Então tem um certo ritual? Assim: você entra no carro, fecha a porta e é como se
fechasse a porta para escola...
P12 Sim, se for problema com aluno, ou alguma coisa faraônica, como se diz, eu
procuro fazer isso porque senão se ficar naquela coisa não consigo me concentrar
em nada em casa … e não quero levar problema da escola para casa. (...)”
Essa última fala nos remeteu a uma citação feita por Clot (2010):
Le Guillant foi o primeiro, eu penso, a inventar, mesmo se ele não a conceituou , a ideia de
sistema de defesa profissional. Foi ele que escreveu um dia, essa frase emprestada de
Simone Weil, a filósofa, “os trabalhadores são muitas vezes obrigados a não pensar para
não sofrer” , agir sem pensar para não sofrer (...) às vezes é necessário fechar os olhos,
esquecer, não refletir ao que se passa conosco para poder suportar essa situação (...) a
anestesia psíquica como meio de suportar sua condição. (CLOT, 2010, p. 218).
A criação de pequenos rituais servem para ajudar, algumas vezes, a não pensar, não
refletir sobre determinada situação para suportá-la (principalmente quando é sábido que a situação
será passageira) e assim não sofrer; os pequenos rituais podem ajudar a suportar uma situação
durante algum tempo com menos prejuízos para a saúde mental.
Até aqui, viemos apresentando categorias mais relacionadas diretamente ao fazer
docente, na seção subsequente abordaremos uma questão relativa a produção do modo de ser
docente, da construção de seu papel profissional, qual seja, a da formação continuada e sua relação
com o bem-estar, ou não, dos docentes.
CATEGORIA 4. FORMAÇÃO CONTINUADA E BEM- ESTAR
No intuito de investigar se a formação continuada teria algum papel na promoção do
bem-estar e/ou saúde mental dos docentes incialmente, buscamos compreender o conceito que
tinham dela para em seguida verificar se a escola promovera, ou promove ações nesse sentido; Se
os docentes identificam alguma situação, como falha de formação e se fazem alguma relação entre a
formação continuada e sua saúde mental.
Um fato interessante é o de que a maior parte dos professores entrevistados não
escolheu a profissão docente a priori, a formação inicial de alguns, inclusive, não teve como foco à
educação nesse sentido a continuidade de formação se faz ainda mais premente.
112
Quadro 8 - Formação Continuada e Bem-Estar
Formação Continuada e Bem Estar
Subcategorias
Conceito Saúde Mental x Formação Escolha x Atividade
Formação na Escola
Deficiências da Formação
Fonte: Elaboração própria
Conceito de Formação Continuada:
No que diz respeito à conceituação, a formação continuada parece ser compreendida
pelos docentes, principalmente, como um processo que é conduzido pelo próprio profissional, que
busca continuamente cursos e materiais para se manter atualizado e garantir sua empregabilidade e
progresso na carreira (ascensão profissional).
Além disso como destaca Basso (1998) as ocorrências no espaço da sala de aula
dependerão, fundamentalmente, do professor, de suas condições subjetivas, de sua formação. É
natural que o professor busque sanar suas dificuldades. É uma pena, contudo, constatar que no
século XXI eles ainda estejam, no sentido de sua formação, em condições similares àquelas dos
professores do século XIX de quem se esperava que se instruíssem no método do ensino mútuo, às
próprias expensas.
“(...)P5 é dar prosseguimento nos estudos, ver o que tem de novo no campo da
educação, ver das novas teorias o que pode ser adequado para sua sala de aula...”
“P8 é um processo de aprendizagem, de desenvolvimento pessoal, pedagógico,
psicológico, é não parar no tempo, prosseguir...”
“P9 É... eu, eu sinto falta, assim... eu fiz minha especialização, mas eu não
terminei, não defendi a monografia né? Ficou só como aperfeiçoamento e eu
confesso, que eu sinto falta de estudar, de ficar me renovando...Então você acha
que formação continuada é algo que o professor deve buscar por conta própria?
Poderia ser também incentivado pela escola, promovido pelo governo (...)”
“P10 Tava tentando lembrar de algo que o professor falou... imagino que, formação
foi o que você fez para conseguir uma qualificação para estar em um emprego,
continuada são os cursos as coisas que você faz para garantir seu exercício
profissional. E para ser professor você tem de estar sempre estudando acho que é
isso mesmo trabalhando você ter um continuo de estudos poder fazer um curso de
vez em quando...”
“P11 Existe a formação continuada e existe aquele processo que o professor se
113
mobiliza e vai buscar fora um título como forma de melhoramento financeiro mas
acho que não seria essa a ideia, né? O ideal é que se pense num crescimento
profissional, que contribuição vou poder dar para a sociedade? Poxa, tô estudando
para fazer minha parte também para chegar numa sala de aula e chegar diferente
então penso a formação continuada deveria perpassar por isso e não somente por
uma questão financeira, tenho colegas que só querem isso, o título para melhorar o
salário...”
“P12 Eu acho, que formação continuada é primordial, eu até tenho algo sobre isso,
eu fiz aqui na escola, a importância da educação continuada para os professores...”
Esse conceito é compreensível, ao vermos, que os professores relatam não haver uma
política clara de formação e nem ações voltadas para esse fim, na escola.
Formação continuada e atividade na escola (se houve ou há alguma prática nesse sentido):
A maior parte dos professores afirmou que a escola não promove ações voltadas para
educação continuada, alguns (dois) citaram uma ação, que não teve continuidade, que foi feita em
pareceria com o estado; parece haver um estado de coisas, algo que incomoda, mas não é claro
nesse sentido (quem deveria ofertar as formações? Por que não há ações nesse sentido?)
“(...)P5 tinhas umas histórias de que vinham pegavam dois ou três professores,
levavam para um hotel e isso se configurava como educação continuada esses
professores teriam de voltar para escola e repassar o que foi aprendido, como
multiplicadores, mas isso não acontece; mas faz muito tempo que isso não acontece
também... veio do governo federal um programa chamado pacto e éramos eu e um
professor de matemática que participávamos era muito bom só sobre o histórico da
educação no país... mas não teve continuidade (...) “e o programa foi simplesmente
encerrado? Não mandaram um comunicado? Como foi? Foi assim fomos para a
última reunião, na UFC, e a pessoa que era o cabeça que estava à frente avisou...
tivemos só seis encontros... por que essas coisas que são boas, que são
maravilhosas não continuam? Aquilo dava um amparo para os professores... por
que a educação não é levada a sério nesse país?”
“P6 olha, sinceramente, não. A gente que tem de buscar por conta própria... eu
conclui minha pós quase toda, parei por causa de uma crise de ansiedade e depois
engravidei... mas do estado, uma iniciativa do estado nesse sentido, não existe; ano
passado veio um pessoal da UFC e deu um curso para os professores do ensino
médio, eu como não estava dando aula no ensino médio nessa época, não
participei... os professores que participavam até recebiam uma bolsa que depois foi
cancelada. Então assim, foi uma entidade não uma iniciativa da própria secretaria
de educação, por exemplo. Então acho que não existe, no entanto, penso ser
extremamente importante e necessário porque nós professores às vezes ficamos
muito perdidos, algumas vezes queremos ajudar um aluno e simplesmente
baixamos a cabeça por não saber como...não vejo isso como uma falha minha mas
falha realmente de formação (...)”
“P8 houve um projeto do qual participamos sobre essa prática voltada para
114
formação humana, para nos tornarmos mais sensíveis, aprendermos a nos enxergar
no próximo, a lidar melhor com preconceitos, com as diferenças...(...) Seis ou sete
meses. A cada encontro pedagógico eram colocados novos conteúdos, tínhamos
uma apostila...”
“(...)P9 eu sinto falta se nós não procurarmos de forma independente não tem,
nossos professores são bens esforçados, alguns estão fazendo mestrado, outros
especialização, mas algo coletivo não há; a escola deixa um pouco a desejar nesse
sentido. Inclusive, nos dias de planejamento, fica cada um no seu lugar, era um
momento em que a gente podia se reunir, trocar ideias... eu sinto falta dessa parte
também”
“P10 Eu nunca participei, nem lembro de ter ouvido falar, o que sei é que há uma
instituição do estado que fornece cursos e que você pode se inscrever, mas isso não
é divulgado na escola... acaba sendo uma coisa do professor ficar sabendo e se der
vai... mas não sei... aqui nunca ouvi falar disso...”
“(...)P12 eu entrei no estado no concurso de 2003 e assumi em 2004 desde então se
eu não procurasse estudar eu não teria nada, nenhum curso pago pelo estado, você
acredita? Nem um curso simples assim de oito horas, não tem curso aqui, cada um
caminha com suas próprias pernas e sei que tem colegas que não têm esse tempo
para estudar nem para refletir sobre sua prática porque tem trabalhar uma jornada
de trabalho desgastante (são 300h)”
Fica claro pelas falas que o quadro anterior, do conceito de formação continuada, é
consequência em grande medida do fato de não haver ações voltadas para a formação continuada na
escola e mais, de não se saber realmente de quem seria o papel de ofertar tais formações. Talvez as
universidades, via projetos de extensão, pudessem ajudar em alguma medida as escolas através de
parcerias; no entanto, o fato de o Estado exigir e demandar do professor uma série de
conhecimentos e habilidades não contempladas em suas formações, já aligeiradas, além de não lhes
dar condições materiais (salariais) para se manterem em somente uma escola, parece apontar para
uma responsabilidade maior para com essa categoria (e consequentemente com a população) o que
implicaria em arcar, senão com todo custo, com parte dos custos que deveriam ser destinados à
formação continuada dos professores.
As deficiências da formação:
Relativamente às deficiências de formação, os docentes destacaram situações com as
quais não souberam lidar porque eles não foram preparados para isto, o que gera insatisfação e
ansiedade. Em tempos de precarização, as formações aligeiradas e insuficientes, são mais uma
manifestação desse contexto.
Isso me parece sério, já que a formação pode ter um papel importante na manutenção da
saúde mental dos professores.
115
“P.4 - É complicado, nossa formação não é suficiente para dar conta de
determinados desafios, esse meninos estão tendo a mente forjada pela mídia, que é
muito forte, como concorrer com isso? Cada dia eles parecem mais
desinteressados... Que metodologias usar? Se você usa um recurso, um data show,
um som, já é uma inovação, mas ainda assim é difícil prender a atenção;(...) oh, isso
é outra coisa: falam do despreparado do professor, cara eu sou licenciada , vi uma
cadeira ou outra de psicologia na faculdade só por cima, não é função da gente lidar
com esses problemas, eles teriam de ser contornados por um psicólogo, um
psicopedagogo e a gente não tem...”
“(...) P6 eu me deparei com a rotina da universidade que o professor não tava nem
aí, você quem tinha de correr atrás... o professor era o “bichão” sempre tive essa
impressão na universidade, o aluno era o sem luz, o que não sabia de nada...e não
era fácil, acho que fazem de propósito eles põem as piores disciplinas, as mais
obscuras no início do curso, “introdução à linguística” “teoria da literatura” coisas
das quais nunca tinha ouvido falar, muita teoria mesmo, era muita abstração e eu
não conseguia acompanhar e eu pensava “Meu Deus o que estou fazendo aqui?(...)”
“(referindo-se a uma experiência anterior em outra escola) P9 É a clientela de
alunos e eu não recebi nenhum tipo de curso preparatório para lidar com aquela
realidade, são alunos que usam drogas, de faixa etária completamente diferente da
que eu estava acostumada a lidar... São alunos que estão ali por quaisquer outros
motivos menos para estudar e foi... foi muito difícil! Eu quase não consigo chegar
até o final do ano”.
Como pode ser percebido as demandas associadas à formação, também, se referem a
aquisição de um repertório comportamental/emocional para lidar com situações também dessa
natureza.
Ora, os professores e a escola, estão inseridos em um contexto
político/econômico/cultural que pouco favorece, para não dizer que dificultam sua atuação pelo fato
de lhes trazer para sala de aula uma multiplicidade de subjetividades forjadas por vazios de limites,
de parâmetros, de esperança e de perspectivas.
Uma formação continuada que não contemple o fortalecimento dos papéis, identidade e
habilidades dos professores para forjar laços afetivos e alianças interpessoais será pouco útil nesse
contexto.
Urge, portanto, não apenas tornar a formação continuada parte do cotidiano dos
docentes, mas formatá-la de modo adequado a prepará-los para os desafios humanos do seu fazer
profissional.
Papel da formação continuada para saúde mental (se ela pode contribuir para sua promoção)
A fala da professora P12 ilustra a importância, que pode ter para a saúde de um
professor à formação continuada e isso levando em consideração, que a professora só pensou no
116
impacto cognitivo que o acesso a conteúdos atualizados pode trazer; o que não é de causar
estranhamento, já que a maior parte das formações não incluem a dimensão subjetiva dos
professores, Gatti (2003) apud Scoz (2011) afirma, que de modo geral existe a crença de que o
oferecimento de informações, conteúdos, ou se trabalhando apenas a racionalidade dos
profissionais, estes produzirão, a partir do domínio de novos conhecimentos, mudanças nas posturas
e formas de agir.
“P12 Eu acredito que sim, porque você começa a ver as coisas de uma outra
maneira, às vezes você está em sala de aula trabalhando coisas, que já são
obsoletas e para ela aquilo é uma verdade porque foi passado isso para ela mas a
época em foi a faculdade era um período e agora, já estamos em outro então eu
acho, que a formação continuada é importante para professor estar atualizado, fazer
uma reflexão sobre sua prática pedagógica; porque assim você entra em sala de
aula, depois de uma semana você tem de refletir, principalmente após o resultado
dos alunos, pensar: poxa, eu tô errando em que? O problema sou eu? Sabe ter
humildade, poxa talvez eu não tenha passado essa matéria da maneira como era
para ter passado, somos seres humanos... eu defendo demais, mas entendo os casos
dos meus colegas, que já tem uma carga extensiva demais e ainda terem de
estudar? Eu mesma se estou mais cansada digo: não aguento mais fazer essa leitura
aqui... até porque senão eu leio, leio, leio e depois o que ficou? Até que ponto isso
vai ajudar e até que ponto vai atrapalhar? Mas que acho positivo fazer essas
reflexões, aprimorar os conhecimentos... eu acho.”
Como destacado na seção anterior, não é suficiente, que sejam trabalhados nas
formações questões puramente cognitivas relativas a técnicas didáticas ou atualizações conteudístas;
a formação também precisaria ser um momento de reflexão sobre si, seu papel profissional, de
fortalecimento identitário, de partilha para que, mais fortalecidos, os docentes possam ter direito,
também, a uma melhor qualidade de vida.
Sobre a escolha profissional (a maior parte não escolheu ser professor inicialmente, se
tornaram professores por circunstâncias outras da vida) respostas à pergunta “Você sempre
quis ser professor”:
A importância da formação continuada ganha relevo quando da constatação de que a
formação inicial de muitos professores não os preparou para os desafios que precisam enfrentar
enquanto docentes. O fato de esses profissionais não terem escolhido atuar incialmente em sala de
aula implica em não terem dado atenção para questões relacionadas à didática, mediação de
conflitos, psicologia da educação dentre outras, o que pode resultar na necessidade manifestada
anteriormente de ter profissionais de saúde na escola para orientá-los e propiciar cuidados com a
saúde mental, afinal pode ser extremamente estressante ter de trabalhar com situações para as quais
não se está preparado.
117
É importante destacar, porém, que apesar de não ter sido uma escolha inicial a docência
foi abraçada por estes profissionais posteriormente com muita dedicação e amor.
“P11 Bem, é... eu não era da área de educação, pelo contrário, minha área
profissional era outra (…) Eu ganhava um valor até considerável, era um salário
legal, só que aí... eu não me identificava, já estava saturado, não tinha tempo o
trabalho era sábado, domingo, feriado... ligavam para você a qualquer hora: me dá
esse código aí, me dá essa senha... (…) Aí eu peguei o dinheiro que recebi, paguei
todas as minhas contas e guardei o resto para ir me mantendo enquanto conseguia
mais escolas no ano seguinte e aí no seguinte surgiu à escola na minha área. Aí
pronto, teve um período que eu estava trabalhando em quatro escolas, eu trabalhava
de manhã, de tarde e de noite. Isso no segundo ano de faculdade...”
“P9 E... na minha época, assim... a gente só tinha duas opções com relação ao
ensino médio, ou a gente fazia o pedagógico que é o que a maioria das meninas
fazia ou você ia fazer científico junto com a maioria dos meninos, mas não tinha
um mercado certo de trabalho e naquela época a gente não aspirava fazer uma
faculdade tudo era muito difícil então eu fui... eu, eu não escolhi ser professora,
acho que a situação mesmo da falta de opção é que me empurrou né? Para esse
mercado de trabalho mas eu abracei com boa vontade, eu me identifiquei (...)”
“P.5 - Não, no meu caso eu aprendi a gostar do que faço.”
“(...)P10 licenciatura é para ser um curso que prepara você para a docência mas,
não só no meu caso mas no de vários colegas meus, que iam para essa licenciatura
não porque desejavam ensinar mas porque queriam estudar música e só existia o
curso de música do tipo licenciatura, porque existe também bacharelado, mas é
específico de um instrumento então às vezes, você não se encaixa em um perfil
(…) fui para música não porque eu pensava em ser professora mas porque eu
queria estudar música (a parte mais artística) (…) era como se ser professor fosse à
última possibilidade “se nada der certo vou ser professor” e eu vejo que muitos
colegas que fazem também teatro, que é licenciatura, tem esse mesmo pensamento,
assim: eles têm o sonho de serem artistas, mas se a questão financeira pesar eu vou
ser professor, dificilmente conheço alguém que tenha entrado em um desses cursos
(música, dança, teatro) e que queria ser professor mesmo (...)”
“P.1 - Eu acabei sendo professora por acaso, minha primeira formação é em
administração de empresas, trabalhei dando aula de iniciação empresarial, e achei
bom aquela coisa de dar aula, dar aula, e eu gostava muito de línguas estrangeiras e
meu irmão sugeriu que eu desse aula e dei, aí fui fazer o curso de Letras – que foi
completamente diferente do administração que conclui na marra – eu gostava de ir,
não perdia nada, era a metida conhecia todos os professores! Foi assim...”
“P.3 - deixa só eu interromper, engraçado eu revisitando algumas coisas do
passado, eu vejo que essa profissão sempre me chamou “hello, você vai dar aula”
mas eu meio que não ouvia, não queria aceitar, olha só: quando eu era criança a
brincadeira que eu gostava mais era de brincar de escolinha, botava todas as
bonequinhas de alunas tinha uma lousa pedia para comprar giz, dava aula para elas
ou para meus amigos...fazia isso quase todo dia...se fosse para eu ser aluna eu não
ia, só se fosse professora.(...) fui dar aulas para adolescentes e to aqui,
assumidíssima, professora, dando aula; acho que, às vezes, a sociedade mascara
118
esse desejo por não ser uma profissão tão bem-vista”
“P6 Certo é... na verdade, como muitos profissionais da área de educação, essa não
foi à profissão que escolhi inicialmente, ela me escolheu, mas hoje não me vejo
fazendo outra coisa, não por falta de opção mas de interesse mesmo...”
“P7 Na verdade, não foi algo que eu tinha em mente para mim. O curso de xxxxxx
eu queria e queria que fosse pela UECE aí lá só é a licenciatura, mas ainda assim
minha vontade não era a de ir para sala de aula, pensava em ir para a área
xxxxxxxx era o que eu queria, porém, tanto por questão de oportunidade quanto de
necessidade para estar concluindo o curso, eu vim para sala de aula e foi algo que
gostei bastante, porque além de me aprofundar na matéria teve o contato com os
alunos foi algo que me despertou o interesse, foi o contato que me manteve
motivado para continuar na docência.”
O que essas falas significam? “Se descobrir”, professor, enquanto desempenha esse
papel ou constatar que possui aptidão para esse papel quando era sua última escolha (como na fala
da p10 “se nada der certo vou ser professor”) pode apontar para algumas hipóteses dentre elas, no
caso da vocação para esse trabalho, o de que ele não é abraçado de imediato talvez pela perspectiva
de baixo salário ou pouco reconhecimento social, no entanto, no que diz respeito à formação, se ela
já é falha e aligeirada para quem se prepara inicialmente para ser professor o que dizer de quem não
se preparou para isso? Diante dessa possibilidade, a importância e a necessidade da Formação
Continuada se torna, ainda mais, evidente.
7. CONCLUSÕES
O presente trabalho objetivou investigar as estratégias defensivas utilizadas por
docentes do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental,
para tanto percorremos um caminho que revisitou a constituição da profissão docente no Brasil
desde a chegada Família Real no século XIX até os dias atuais onde a multiplicidade de tarefas e a
falta de uma legislação mais ostensiva, no que diz respeito à formação docente inicial e continuada,
tornam o desempenho da profissão de professor um desafio algumas vezes excessivo; vimos
também que apesar de ter nascido sob o signo da precarização a profissão docente, hoje, passa por
processo de precarização também em outro nível, além dos contratos temporários e remuneração
insuficiente, qual seja, o do aligeiramento das formações que torna o desempenho das múltiplas
funções definidas pela LDB 9.394/96 injusto e quase impossível (A LDB 9.394/96 afirma que no
plano legal o trabalho docente não se restringe à sala de aula, contemplando ainda as relações com a
comunidade, a gestão da escola, o planejamento do projeto pedagógico, a participação nos
conselhos, entre outras funções (ASSUNÇÃO e OLIVEIRA, 2009) ).
119
Em seguida, buscamos definir de que lugar falávamos, quando nos referíamos às
estratégias defensivas, para tanto antes de fazer uma revisão bibliográfica estruturada no Banco de
Teses da CAPES, definimos nossa visão de subjetividade e alteridade embasada da Psicologia
Histórico-Cultural de Vigotski, sendo que, após a revisão também esclarecemos o que se poderia
compreender por sofrimento psíquico e estratégias defensivas dentro dessa abordagem. Também
apresentamos as principais formas de pesquisa no que diz respeito ao adoecimento docente: as
teorias sobre estresse, a psicodinâmica do trabalho, as abordagens de base epistemológica e/ou
diagnóstica e os estudos e pesquisa em subjetividade e trabalho, (JACQUES, 2003), sendo que este
trabalho se insere na última categoria (subjetividade e trabalho) tendo em vista, que buscamos
analisar o sujeito trabalhador a partir de suas experiências e vivências no mundo do trabalho. Nesses
estudos o trabalho é o eixo norteador para além do seu caráter técnico e econômico cuja
significação perpassa a estrutura sócioeconômica, a cultura, os valores e a subjetividade do
trabalhador. Ser professor hoje é completamente diferente do que era ser professor há vinte anos,
por exemplo. Como metodologia privilegiamos a abordagem qualitativa através de técnicas como
observação, entrevistas individuais e coletivas.
Elegemos a abordagem do Estudo de Caso porque como destaca Ventura (2007) o
estudo de caso é apropriado para pesquisadores individuais, pois dá a oportunidade para que um
aspecto de um problema seja estudado em profundidade dentro de um período de tempo limitado.
Neste tipo de pesquisa deverá haver sempre a preocupação de se perceber o que o caso sugere a
respeito do todo e não o estudo apenas daquele caso.
As observações e entrevistas foram analisadas a partir do referencial teórico escolhido e
organizadas em categorias, nos moldes da análise de conteúdo, levando em consideração os
objetivos gerais e específicos do trabalho da seguinte maneira:
Foram definidas quatro categorias (Fatores para qualidade de vida, principais fontes de
stress, estratégias defensivas, formação continuada e bem-estar) sendo que as três primeiras
categorias se subdividiram em duas subcategorias e a última em três subcategorias. Uma
representação gráfica desse esquema foi apresentada quando das análises.
As falas dos professores, que ilustram cada categoria, foram apresentadas em códigos
que nomeiam cada professor, para deixar mais claras as diferenças e aproximações entre eles.
Feito esse breve resgate do percurso do trabalho até aqui, podemos retomar os objetivos
específicos elencados na pesquisa e seus achados:
1) identificar as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade vida.
120
2) Mapear as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar
com o estresse e o sofrimento psíquico.
3) Verificar quais são as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem
alguma relação entre ela e seu bem-estar.
No que diz respeito ao primeiro objetivo, as ideias dos professores sobre saúde mental
estão relacionadas à sensação de bem-estar e à capacidade de administrar o estresse. A saúde mental
aparece como uma extensão da saúde física, sendo consequência dela ou estando relacionado a ela.
Já no que diz respeito à qualidade de vida, os professores pesquisados não a
relacionaram, a priori, ao trabalho (isso foi feito quando interrogados sobre que fatores poderiam
melhorar sua qualidade de vida); para eles Qualidade de Vida é um conceito relacionado,
principalmente, ao tempo livre (principalmente para o lazer e interação familiar) e aos cuidados
com o corpo (alimentação, descanso, exercício).
Podemos ver, portanto, que os sentidos de saúde mental e de qualidade de vida estão
imbricados para os professores, já que para alguns a saúde mental estaria relacionada à saúde física,
como sua consequência ou extensão e que os cuidados com o corpo aparecem como fundamentais à
qualidade de vida, ora, não há saúde física sem alimentação, descanso e atividade física adequada
além disso, sem tempo livre (lazer e interação social) é pouco provável que haja sensação de bem-
estar geral e capacidade de administração de stress (fatores associados, por eles, à saúde mental).
Os fatores apresentados como necessários para uma melhor qualidade de vida foram em
sua maioria relativos às condições associadas ao trabalho: melhores salários, estabilidade,
profissional de saúde atuando dentro da escola, melhor acústica nas salas de aula e uma melhor
comunicação institucional.
Isso mostra como o trabalho e suas condições materiais estão atreladas à saúde mental
do professor. No levantamento bibliográfico, apresentado neste trabalho, feito a partir dos
descritores saúde mental x trabalho docente, no Portal de periódicos, num período de dez anos
(2006-2016) entre os 19 trabalhos relevantes catalogados havia três que tratavam da qualidade de
vida dos professores e suas condições de trabalho, o que serve para ilustrar, como esses dois
conceitos estão imbricados, historicamente atrelados. Não é surpresa, portanto, que às condições do
trabalho sejam associadas a uma melhor qualidade de vida nas falas dos sujeitos dessa pesquisa.
Além disso, a Psicologia Histórico-Cultural afirma serem as relações sociais de produção as
responsáveis pela promoção do desenvolvimento da subjetividade e é o tipo de vida que alguém
121
leva o que vai determinar sua consciência e não o contrário, o trabalho, enquanto atividade
simbólica e genérica, é a atividade mais humana que existe e é fundamental na construção do valor
que cada um atribui a si mesmo.(CLOT, 2007) para atribuir um melhor valor a si e à sua qualidade
de vida é natural que os professores queiram melhores condições de trabalho.
Na tentativa de satisfazer o segundo objetivo (Mapear as estratégias defensivas de que
os professores lançam mão para lidar com o estresse e o sofrimento psíquico.), examinamos quais
são as fontes objetivas e subjetivas de estresse/sofrimento psíquico para o docente para, em seguida,
examinar as estratégias defensivas coletivas e individuais empregadas por eles para tentar fazer
frente àquelas.
Foram apontados como estressores relativos às condições objetivas de trabalho: carga
horária extensa (muitas turmas ou porque precisam ensinar em mais de uma escola para ganhar
melhor), excesso de alunos em sala de aula, turmas muito heterogêneas (em termos de poder
aquisitivo), falta de integração entre professores das diversas áreas (do ponto de vista de problemas
de comunicação), falta de materiais, excesso de papéis e falta de suporte para seu desempenho,
dificuldade para conciliar vida profissional e pessoal, ter de levar trabalho para casa. Como
estressores relativos às fontes subjetivas foram os seguintes sentidos subjetivos encontrados: Sentir-
se desvalorizado, falta de interesse dos alunos, falta de limites dos alunos, a imagem do professor
como alguém em desvantagem.
Esses achados encontram eco no de Cupertino (2012) que identificou como fontes de
sofrimento a pressão por prazos, ritmo excessivo de trabalho, número de pessoas insuficiente para
realizar determinadas tarefas, disputas profissionais, sobrecarga de trabalho, falta de
reconhecimento e necessidade constante de capacitação.
As estratégias defensivas encontradas (segundo objetivo do trabalho) foram agrupadas
em duas categorias, uma relativa às estratégias defensivas coletivas e outra às individuais. No que
diz respeito às estratégias coletivas foram os seguintes os achados: o humor, o bom ambiente e as
boas relações interpessoais, a sensação de liberdade na escola e a personalização de espaços
coletivos (armários). As estratégias individuais foram: ignorar ruídos, confrontar alguns alunos,
reconhecimento e laços afetivos com alguns alunos, identificação com as vitórias dos alunos,
cultivar a espiritualidade, cuidados com o corpo, ouvir músicas ou ver filmes e criar pequenos
rituais cotidianos para se desligar dos problemas de sala e da escola.
Esses achados são similares aos de outras pesquisas como as de Perez (2012), que
identificou como estratégias positivas o relacionamento com os colegas, o relacionamento com os
122
alunos, a criação de espaços alternativos para discussão, a conscientização, a reorganização da
rotina, estar alerta aos sinais emitidos pelo corpo antes do adoecimento, o estabelecimento de
limites, a autonomia e possuir perspectivas de futuro; o de Vieira (2011) atividades esportivas e de
lazer, cuidados pessoais, suporte afetivo, espiritualidade, busca por medicalização e ajuda médica.;
Moraes (2012) que aponta o grupo social como elemento de suporte afetivo e o de Soldatelli (2011)
que identificou evitar pensar em determinadas situações no tempo fora do trabalho; procurar
explicações racionais para essas determinadas circunstâncias; resignação; repressão de sentimentos
ou manifestações de raiva, irritação ou revolta em seus ambientes de trabalho e para evitar o
adoecimento alguns dos seus entrevistados afirmaram fazer exercícios, cuidar da alimentação e
utilizar terapias alternativas.
Vygotski (2003), considera que o "homem está pleno a cada minuto de possibilidades
não realizadas". Essas possibilidades não realizadas vão constituir um plano em que o sujeito pode
agir mais ou menos livremente; em que o sujeito pode, inclusive, resistir quando se tenta amputar
seu poder de agir.
As Estratégias Defensivas no âmbito da Psicologia Histórico-Cultural estão relacionadas
à produção de novos sentidos pelas pessoas diante das situações onde a cisão entre significado e
sentido provoca sofrimento. Elas são, também, uma forma de manifestação criativa, um tipo de
vontade cultural cuja função é a de proteger a psique da dor trazida por determinada realidade
situacional, sendo que o grau de adequação de cada defesa vai depender do contexto e das
potencialidades subjetivas de cada um, no caso das defesas identificadas, a maior parte denota um
caráter adaptativo o que contribui, paradoxalmente, para a manutenção do contexto adoecedor.
Trabalhar impõe que a todo instante estejamos frente a impasses. Se as pessoas não
dispõem de recursos internos para lidar com tais impasses, ou de formas para desenvolver esses
recursos, estarão em situação de atividade impedida ou contrariada.
O trabalho só pode produzir saúde quando há atividade, sendo que a situação de
atividade impedida é uma situação de sofrimento e desgaste. As Estratégias Defensivas, também
podem ser entendidas, como aquelas relativas ao desenvolvimento de ferramentas internas que
permitam o desenvolvimento de recursos para realizar as atividades de forma diferente ou permitam
a criação de novas atividades mais livres ou realizadoras. No caso dos professores de nossa
pesquisa, por exemplo, a sensação de liberdade, o poder falar, se colocar livremente, dialogar e
discutir com a coordenação pode mobilizar o desenvolvimento de recursos para agir de modo
123
diferente ou mais satisfatório.
O último objetivo diz respeito às ideias dos professores sobre formação continuada e se
eles fazem alguma associação entre ela e sua saúde mental/qualidade de vida (bem-estar). A
formação tem papel fundamental para a saúde dos docentes e, em tempos de precarização, pode ser
considerado um de seus principais focos de manifestação através de formações aligeiradas e
insuficientes.
Para a maior parte dos entrevistados, a formação continuada está relacionada a dar
prosseguimento aos estudos, seja de modo informal (cursos de curta duração, leituras) seja através
de cursos formais de pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado); a maior parte parece ter
a compreensão de que essa seria uma responsabilidade principalmente individual, ou seja, caberia
aos próprios professores buscar atualização; a formação continuada não apareceria como
responsabilidade, ou papel, também, do Estado e da Escola. Isso me parece preocupante, já que a
maior parte dos professores alegaram ter tido uma formação inicial insuficiente para dar conta de
algumas situações e vários professores alegaram não ter se preparado inicialmente para o
magistério (não escolheram ser professores a priori, se tornaram professores), se levarmos em
consideração, que um dos fatores de estresse dos professores, é a falta de tempo em virtude de uma
carga horária extensiva, como esperar que eles ainda tenham de responder por conta própria à
demanda de formação continuada?
Outro espaço de relevância dado à formação continuada foi o de que a formação,
também, pode ser um espaço de promoção para à qualidade de vida/saúde mental, o que reforça a
necessidade de ações nesse sentido, também, pelo Estado e Escola. Esse achado é reforçado pela
pesquisa de Pinheiro (2011) que aponta a formação continuada como fator importante para o bem-
estar docente e o de Antunes (2012) que aponta a possibilidade da formação continuada, como
motivador profissional; contradiz, no entanto, o achado da pesquisa de Alves (2011) que apontou a
Educação Continuada como um fator de pouca influência no bem-estar dos professores.
Chegamos, ainda que temporariamente, portanto, ao final dessa caminhada. Considero
como satisfeitos os objetivos desse trabalho, a ideia de que a formação pode ser usada, também,
como ferramenta para promoção de saúde mental é partilhada pelos professores.
Sugerimos que outras pesquisas possam ser feitas e que a discussão gere frutos na forma
de ações que possam realmente melhorar a qualidade de vida dos professores.
124
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138
APÊNDICES
139
APÊNDICE A – Termo de Consentimento, Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
VOCÊ ESTÁ SENDO CONVIDADO COMO VOLUNTÁRIO A PARTICIPAR DA
PESQUISA: SAÚDE MENTAL E SUBJETIVIDADE: ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS NA
CONSTITUIÇÃO DOCENTE
OS MOTIVOS QUE NOS LEVAM A ESTUDAR O PROBLEMA : A possibilidade de
identificar estratégias defensivas individuais e coletivas que podem ajudar os professores a manter
sua saúde.
A PESQUISA SE JUSTIFICA porque as condições materiais da vida são o que produzem nossa
consciência, nossa saúde e saúde mental vão estar obrigatoriamente relacionadas, também, às
nossas condições materiais de existir. E para todas as pessoas, de uma forma ou de outra, as
condições materiais de existir estão atreladas ao trabalho. Portanto de acordo com as definições da
OMS a saúde depende em grande medida da saúde mental já que se alguém não conseguir
“trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere”
dificilmente vai conseguir usufruir um “completo estado de bem-estar físico, mental e social”.
Diante disso é possível afirmar que o contexto de trabalho docente tem obrigatoriamente de
apresentar consequências para saúde de quem ensina e de quem aprende. É importante, portanto,
compreender e estudar como os professores podem permanecer saudáveis.
O OBJETIVO DESSE PROJETO É investigar as estratégias defensivas utilizadas por docentes
do ensino médio de escolas públicas, em Fortaleza, para manutenção de sua saúde mental.
Os objetivos específicos são:
1) Conhecer as ideias dos professores sobre o que é saúde mental e qualidade vida.
2) Identificar as estratégias defensivas de que os professores lançam mão para lidar com
o estresse e o sofrimento psíquico.
3) Conhecer as ideias dos professores sobre a formação continuada e se fazem alguma
relação entre ela e seu bem-estar.
O PROCEDIMENTO DE COLETA DE MATERIAL, SERÁ DA SEGUINTE FORMA: Serão
efetuadas observações no local de trabalho, entrevistas coletivas e individuais e/ou aplicação de
questionário.
140
DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: EXISTE UM DESCONFORTO E RISCO
MÍNIMO PARA VOCÊ SE SUBMETER À COLETA DO MATERIAL PARA A PESQUISA, que é a possibilidade de sentir-se desconfortável ao examinar sua trajetória profissional e/ou
cotidiano.
GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE
SIGILO: Você será esclarecido sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Você é livre para
recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento.
A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar qualquer penalidade ou
perda de benefícios. A pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo.
Os resultados da pesquisa serão divulgados para o corpo docente e seu nome ou qualquer material
que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão. Você não será identificada em
nenhuma publicação que possa resultar deste estudo.
CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR EVENTUAIS
DANOS: A participação no estudo não acarretará custos para você e não será disponível nenhuma
compensação financeira adicional.
Eu, _____________________________________________________ fui informada dos objetivos
da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer
momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar do trabalho
se assim o desejar.
Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento
livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
Nome Assinatura do Participante Data
Nome Assinatura do Pesquisador Data
141
APÊNDICE B – Diário de Campo
Diário de Campo.
Dia 21 de setembro de 2015, escola J.
Após contato telefônico na sexta-feira, na segunda-feira, de posse da carta de encaminhamento da
coordenação do PPGE da UECE, dirigi-me à escola Jeny Gomes para conversar com a direção e
tentar obter a autorização dela para iniciar meu trabalho de pesquisa em campo.
O diretor se chama Marcos Antônio Bezerra Costa e foi bastante solícito e atencioso em escutar a
respeito da proposta de trabalho e me autorizou a realizar o trabalho e me indicou que o melhor
horário para conversar com os professores e pegar autorização deles para o trabalho seria às
09h30min para os que trabalham no turno da manhã e às 15h30min para os que trabalham no turno
da tarde.
Antes dos nos despedirmos o Professor Marcos sugeriu que eu conversasse com um professor
chamado Helder que é bastante ativo e bem-quisto pelos demais para escutar sua opinião. Dirigimo-
nos para sua sala de aula e ele saiu para que pudéssemos conversar um pouco, o referido professor
está fazendo doutorado e pareceu ter uma empatia com minha condição. Após os esclarecimentos
ele afirmou acreditar que os demais professores não se oporiam e até iriam gostar do trabalho.
Despedi-me comprometendo voltar no dia seguinte para conversar com os professores.
Dia 22 de setembro de 2015.
Conforme o acordado cheguei à escola um pouco antes das 09h30minh. O diretor me recebeu em
sua sala e conversou um pouco sobre assuntos aleatórios relativos ao cotidiano da escola. No
horário agendado me conduziu até a sala dos professores e me apresentou, em seguida leu o ofício
encaminhado pela coordenação do PPGE e passou a palavra para que eu pudesse me apresentar e
explicar o trabalho de modo mais aprofundado.
Alguns professores explicitaram de forma verbal o desejo de participar prontamente, enquanto
outros simplesmente me lançaram olhares longos.
O fato de ter levado um bolo ajudou a quebrar um pouco o gelo.
Despedi-me e me comprometi de ligar no dia 23 para pegar o resultado (se eles me autorizarão ou
142
não a fazer o trabalho) e também de voltar à tarde nesse mesmo dia para conversar com os
professores do horário vespertino.
Dia 23 de setembro de 2015
Conforme o acordado me dirigi à tarde para a escola novamente e conversei com os professores no
horário da tarde, alguns também ensinam pela manhã, então já haviam escutado anteriormente à
proposta da pesquisa o que facilitou um pouco a conversa. O Diretor não pode estar nesse segundo
momento, mas a coordenadora pedagógica me acompanhou e apresentou. Os professores fizeram
muitas brincadeiras ao saber que a pesquisa era sobre saúde mental e aceitaram o trabalho sem
maiores dificuldades.
Dia 29 de setembro de 2015
Enviei o cronograma das visitas – que iniciarão em outubro – para o diretor e a coordenadora da
escola.
Dia 05 de outubro de 2015
Devo efetuar minha primeira visita de observação no período da tarde. Tentei ligar várias vezes para
falar com a Coordenadora pois não sei com certeza a que horas inicia o expediente dos professores
no horário da tarde e gostaria de observar como se dá a chegada deles, se eles ficam na sala dos
professores antes do inicio das aulas, no intervalo, também gostaria de que ela me indicasse um
professor a quem eu pudesse acompanhar em sala de aula... são 10h28min vou tentar contato
novamente daqui a dez minutos...
Dia 05 de outubro de 2015
Cheguei à escola às 12h00min porque queria observar a chegada dos professores, após ser recebida
pelo porteiro dirigi-me a sala dos professores, havia 3 professores no local. A TV estava ligada e
exibia o jornal do meio dia.
Inicialmente me chamou atenção o silêncio da sala. Uma professora estava sentada à mesa e mexia
em seu celular; os outros dois também estavam sentados só que no sofá e, também, estavam atentos
para com o celular. Um dos professores puxou assunto perguntando se eu estava iniciando a
pesquisa, qual era meu referencial etc respondi de forma breve e fiz algumas anotações no diário (as
anotações são feitas a cada cinco minutos) nesse momento eles ficaram silenciosos novamente, a
professora que estava sentada à mesa foi sentar-se junto a eles no sofá e passaram a se ocupar
novamente de seus aparelhos celulares. Os ruídos de notificação de mensagens do aplicativo what´s
up eram frequentes.
12h25min – o mesmo professor que puxara assunto antes comenta a respeito de um autor que se
embasa na Psicologia Sócio-Histórica e que ele gosta bastante. Outro professor entra na sala e
permanece em pé.
O professor anterior continua a conversa e me dá dicas de escolas de ensino médio em áreas mais
vulneráveis onde poderia conduzir a segunda parte da minha pesquisa. Ele balança bastante as
143
pernas. Pergunto a ele sobre a rotina de chegada ao horário da tarde dos professores, ele informa
que geralmente os professores vãos até a sala dos professores (seus armários de pertences ficam
neste local) e depois passam na secretaria para pegar suas cadernetas e seguem para suas aulas (o
primeiro horário é as 13h00min).
Dois professores conversam sobre as notícias que estão sendo anunciadas no telejornal.
12h35min – um professor entra e outros dois colegas perguntam sobre atividades relativas ao dia do
professor; estão decidindo qual frase e qual imagem irá aparecer em uma blusa que irão usar em um
ato de protesto na assembleia.
12h40min – nenhum novo evento, continuaram a falar sobre as camisas e o movimento. Pouco
depois o professor que chegara por último sai.
Tive uma sensação de desconforto porque eram poucas as pessoas na sala e eu tinha de ter o
cuidado de não olhar para elas o tempo inteiro.
Um representante de coordenação entra e questiona sobre os horários da tarde de cada professor
presente (seria necessário que alguém substituísse uma pessoa no primeiro horário).
Enquanto isso um professor cantarola baixinho enquanto duas outras professoras conversam sobre
amenidades.
12h45min – os professores conversam sobre um rumor referente ao décimo terceiro salário (que
talvez eles não o recebam). Um professor comenta sobre eventos no período do Governo de
Gonzaga Mota e isso serve de mote para muitas piadas referentes à idade.
A direção da conversa muda e eles passam um a um a lamentar a falta de prioridade do governo
para com eles (da dificuldade para conseguir coisas que deveriam estar asseguradas como direito;
como adicional de salário por titulação e ascensão profissional).
12h50min – Alguns professores comentam um jogo de futebol que está sendo anunciado. Pergunto
se posso acompanhar os professores em suas salas de aula e eles concordam.
Um professor cantarola, assovia e mexe as pernas. Uma professora se prepara para levantar e diz em
voz alta “bora, vamos agitar!” outros professores continuam a discutir sobre a blusa talvez ao invés
de uma coruja pudessem colocar outro animal, quem sabe um leão? (esse comentário dispara mais
algumas piadas, dessa vez, de cunho futebolístico).
As piadas parecem fazer parte da dinâmica desse grupo, quase tudo pode servir como mote para
uma piada. (humor como estratégia defensiva?)
12h55min – mais alguns professores adentram o recinto, alguém comenta sobre um evento anterior
em que alguém perdeu uma carteira, imediatamente alguém brinca dizendo que é consequência da
profissão (Alzheimer). Por um período curto a sala fica silenciosa e só comentários esporádicos
sobre mensagens no what´s up são feitos.
Vários professores entram pegam seus materiais e saem em direção às salas de aula.
144
13h00min – Soa o sinal, alguns suspiros de ah...oooh.... e todos levantam.
Decido iniciar a observação em sala de aula com o professor que buscou conversar algumas vezes
comigo, sua disciplina é Educação Física.
13h05min – já em sala de aula (A sala não é grande, mas é arejada, bem iluminada, as carteiras são
bem distribuídas e de boa qualidade) os alunos começaram a chegar fazendo bastante barulho.
Sentei-me ao fundo para poder observar a sala e o professor.
Os alunos fazem perguntas sobre suas notas e recebem dele a informação de que serão entregues no
final da aula. Há muitas carteiras ainda desocupadas. O professor começa a fazer algumas anotações
no quadro e pede por três vezes que os alunos façam silêncio. O professor me apresenta de forma
breve.
O professor inicia a aula, os alunos continuam a falar uns com os outros. Ele propôs uma atividade
onde anotaria algumas questões no quadro que serviriam de “gatilho” para discussão em sala; os
alunos deveriam anotar e responder as perguntas (individualmente, em duplas ou trias).
Enquanto o professora anotava as questões os alunos continuaram a conversar em voz alta e rápido.
Quando terminou de anotar suas perguntas, o professor reforçou que cada pergunta poderia ser
respondida em duas ou três linhas e que algumas pessoas seriam chamadas a responder para que ele
pudesse comentar os assuntos.
Dito isso, o professor foi para sua mesa, sentou, bebeu água e passou a fazer anotações.
13h15min – o professor levantou e foi até a carteira de um aluno para lhe fornecer alguns
esclarecimentos que estavam sendo solicitados e voltou para sua mesa, o aluno o seguiu para
terminar de esclarecer algumas dúvidas ainda remanescentes. Após o aluno voltar para seu lugar, o
professor fala com a classe informando que em 15 minutos irá chamar algumas pessoas para
responder as perguntas.
Duas alunas chegaram, entram sem pedir licença e cumprimentam algumas colegas que estão
sentadas nas carteiras no final da sala: -oi usuária! A colega responde: - diz usuária.
Mais um aluno chegou e perguntou se podia entrar, após autorizado sentou-se.
Um grupo de 4 estudantes juntaram as carteiras no fundo da sala e conversavam fazendo bastante
barulho.
Senti-me ligeiramente irritada, imagino como o professor deve se sentir...ele permanece em sua
mesa fazendo anotações. (será que é assim que ele consegue lidar com essa situação? Ignorando-a?)
13h20min - os alunos começaram a formar duplas e trios para realizar a atividade.
Mais alguns alunos chegam atrasados. O professor levanta e começa a checar quem já está com o
caderno aberto, quem já iniciou a atividade e reforça que tentem conversar menos (pede silêncio
mais uma vez); vai até a sua mesa, bebe água e conversa com alguns alunos que estão próximos de
si.
145
Pede atenção aos alunos (por favor, silêncio, novamente) e dá alguns esclarecimentos sobre as
perguntas que eles tem de responder: elas não podem ser respondidas com sim ou não; reforça a
objetividade da atividade e vai até alguns alunos.
Após caminhar pela sala, permanece em pé por alguns momentos, encosta-se na janela e ressalta: -
vamos lá? Só mais 5 minutos, ok? Em seguida se dirige até o grupo que juntou as carteiras no fundo
da sala e que conversa animadamente e dois alunos que ainda não haviam aberto os cadernos o
fazem.
A sala está muito barulhenta, em meio ao burburinho de conversas alguns alunos chamam: -
professor, professor, e minha nota? O professor repete que a nota será dada no final da aula.
As perguntas são sobre dança e duas alunas começam a conversar: - ah, eu fiz ballet - eu também...
O professor reforça que vai começar a chamar pessoas para responder ás perguntas.
13h30min – Eu me sinto muito cansada, com tanto barulho como será que ele se sente? O
professor avisa que irá apagar o quadro e irá escrever outras coisas pede que os alunos retornem ao
alinhamento inicial. O professor pergunta quem pode responder a primeira pergunta, 3 ou 4 alunos
começam a falar ao mesmo tempo. O professor avisa que não levou seu MICROFONE (a sala é tão
pequena!) e que por isso não pode falar mais alto, pede silencio pela milésima vez. Enquanto ele
fala os alunos de trás continuam a falar alto.
O professor anota as respostas da primeira pergunta no quadro e tenta comentá-las, precisa
aumentar muito seu tom de voz. Dirige-se aos alunos de trás e pergunta à resposta da segunda
questão, os alunos respondem de forma precária e o professor pede que permaneçam virados para o
quadro (olhando para frente, já que eles estavam de costas); após respirar profundamente o
professor pede atenção mais uma vez e os outros alunos “brigam” com os que não param de falar,
há uma ligeira melhoria.
13h35min – a situação volta ao caos anterior . O professor se cala e permanece em pé esperando
que se faça silêncio. Quando o ruído diminui o professor diz: - olha se eu sentar, o conteúdo estará
dado e vai ser cobrado.
Depois vai até um aluno que continua de costas e exige que ele saia e sente-se na carteira da frente.
Faz-se silêncio, é a primeira vez desde que iniciou a aula que posso ouvir a voz do professor, de
forma clara.
O professor então continua a aula, alguns alunos tentam conversar novamente e os outros alunos
pedem que eles façam silêncio.
13h40min – o professor está de pé, comentando o conteúdo e conseguiu atenção de parte da turma...
alguns alunos fazem perguntas mas o professor está tão determinado a conseguir concluir o que
preparou que mal os escuta (não é atoa!).
13h45min – os alunos estão participando um pouco mais o problema é que agora falam todos ao
mesmo tempo e muito alto. O professor pede silêncio para comentar a última pergunta. Na próxima
146
aula haverá aula prática (ele informa).
Os alunos ficam ruidosos novamente e ele pede silencio.
13h50min – o professor avisa que irá fazer a chamada, senta-se, avisa que fará em voz baixa. Senta-
se uma aluna fica em pé ao seu lado. Depois disso os alunos recomeçaram a conversar e não ouvi
mais a voz dele. O sinal soa. O professor pergunta se eles vão querer saber as notas, pede silêncio,
mostra as notas para cada um sem que os outros vejam.
Gostaria muito de saber como ele está se sentido...estou cansadíssima...
13h55min – a outra professora entrou na sala (Sinto curiosidade em saber como será o
comportamento dos alunos nessa aula)
A professora fecha a porta, me cumprimenta e peço a ela autorização para permanecer na classe e
autoriza.
Dá boa tarde a todos. Alguns alunos estão em pé, o grupo de trás está ainda mais animado e
conversa alto.
A professora demanda que as carteiras sejam postas no alinhamento correto e os alunos acatam. A
professora separa um material. Os alunos continuam a falar alto, a professora fica em pé, encostada
no quadro em silêncio.
14h00min – os alunos estão em silêncio, ela começou a dar alguns avisos sobre as notas, eles
parecem atentos, ela continua com mais alguns avisos.
Ela afixa as notas no quadro e os alunos vão olhar, enquanto isso ela monta o PC, data show, caixa
de som.
14h05min – Alguns alunos estão em pé, outros em frente ao quadro (por causa das notas) o que me
impede de ver a professora. Ela pede que eles voltem a seus lugares e liga o data show, em pouco
tempo surgem imagens de pincéis com rostos no quadro; os alunos prestam um pouco mais de
atenção mas ainda assim há ruído (porque todos querem falar ao mesmo tempo) a professora
solicita que falem um de cada vez; ela escuta um aluno e usa o exemplo dele para falar sobre o
cigarro, o alunos escutam com atenção.
14h10min – a professora continua sua fala e os alunos tentam prestar atenção.
14h15min – o mesmo
14h20min – Ela começou a falar sobre Pop Art.
14h25min – percebo que a professora tem um controle maior da sala talvez por usar mais recursos
audiovisuais; ela faz pausas, escuta comentários e ainda que sejam pura bobagem procura valoriza-
los e usá-lo como mote para aula.
14h30min – Encerra a aula. Um aluno pergunta: -Acabou? Ela confirma, a sala fica barulhenta
novamente. Ela faz silêncio, sorri e recapitula a aula que dera sábado (poucos alunos foram) sobre
147
música e propaganda.
14h35min – a professora pede silêncio pois a sala está muito barulhenta, no entanto, todos os alunos
estão falando sobre o assunto da aula; ela põe um jingle e os alunos fazem silêncio
momentaneamente para escutá-lo.
14h40min – acaba oficialmente a aula. Quinta-feira ela avisa que darão continuidade nesse assunto.
Começa a guardar os equipamentos, uma aluna vai ajudá-la.
14h45min – Sai da sala de aula.
Segui a professora até a outra sala onde ela iria dar aula, queria ver como era a dinâmica dela com a
outra turma. A sala é maior que a anterior mas é igualmente bem iluminada e fresca, o quadro é bem
maior.
14h50min – a professora inicia a aula de forma similar ao que fez anteriormente; os alunos são bem
mais silenciosos; consigo ouvir com clareza o que ela diz.
14h55min – os alunos começam a montar os equipamentos para ela.
Percebo que ela levou menos de dez minutos para sair de uma sala e entrar na outra; sinto-me mais
relaxada. Como será que ela se sente?
Encerro minha observação por hoje; percebo-me cansada não tomando notas de modo adequado e
resolvo que é hora de ir embora (15h10min).
07.10.2015
11h30min – estou pensando se devo ir no mesmo horário, ou se seria melhor ir no intervalo
(15h30min) e ficar até o final da tarde, quero observar outros professores em aula...
12h30min – cheguei à sala dos professores que estava apinhada de professores, a TV estava
desligada, alguns professores almoçavam na mesa. O ambiente estava descontraído e os professores
riam muito.
Alguém mostra vídeos e alguns professores comentam sobre outro.
Um professor que entrou na sala comenta (olhando para mim): - Eita chegou a professora que irá
estudar nossas mentes! Outro replica: - professora, desconsidere esses momentos... todos riem
O HUMOR PARECE SER UMA FERRAMENTA IMPORTANTE NO COTIDIANO DELES.
Alguém comenta que só irá dar aula no nono, ano naquele dia “uma beleza”.
12h40min – Alguns professores comentam sobre processos seletivos para mestrado em aberto.
Agora há um total de 12 professores na sala.
12h45min – Recebi uma ligação. Os professores comentam sobre a possibilidade de “casar”
148
algumas aulas com atividades de seminário. Voltam a fazer piadas.
Um professor toca “bateria” com canetas na mesa. A conversa sobre o trabalho é retomada. Outros
professores entram, pegam seus materiais nos armários e saem.
12h50min - há dois grupos que conversam de forma independente. Peço para observar um professor
em sala e ele replica: - hoje? Respondo que sim. Ele concorda e brinca que a aula vai ter de ser
séria (...uma pessoa me analisando... vou pegar o data show).
Começo a observar os armários: cada armário tem o nome do seu proprietário e além disso uma
gravura que parece identificá-lo (só 4 professores não tem gravuras nos armários). Em sua maioria
as gravuras são Santos católicos (Nossa Senhora, São Francisco de Assis, Cristo) mas há também
fotos de cães, gatos, flores e brasão de futebol.
O professor que vou observar volta para sala e brinca: - ninguém quer me emprestar à escova de
dente? (todos riem) vou levar essa questão para reunião pedagógica.
13h00min – Soa o sinal, o professor brinca e anuncia em voz alta seu número de telefone, conta do
facebook e instagram (qualquer coisa ele está aí, é carente...) as pessoas riem novamente e
perguntam se tenho certeza de querer ir com ele para sala.
O professor põe perfume e se prepara para sair.
13h05min – estávamos a caminho da sala de aula, sigo-o, ele vai cumprimentando os alunos no
caminho até a sala, alguns pelo nome.
Após entrarmos em sala ele começa a montar os equipamentos; metade da sala ainda não havia
chegado, mas logo em seguida começaram a chegar e conversavam entre si.
13h10min – o professor pergunta para que servirá um quilo de alimentos que está em sua mesa (é
uma doação para algum lugar) o aluno pega o alimento que será doado para entregar no local
apropriado.
O professor identifica-se no quadro, bem como o capítulo e página em que estão.
Convida-me para vir até a frente e me apresentar para os alunos e assim o faço.
13h15min – o professor fala a respeito de como irá funcionar a logística de um trabalho que será
para nota; os alunos escutam com atenção; há alguns protestos quando o professor os lembra de que
há um grande volume de notas baixas.
13h20min – Inicia a aula que versa sobre a água (o consumo de água no planeta) os alunos escutam
(me lembro da outra sala e me pego surpresa). De vez em quando o professor faz uma brincadeira
para chamar a atenção dos alunos.
Há muito ruído vindo de fora (do corredor e das outras salas) por isso o professor precisa levantar a
voz.
149
13h25min – alguém chama o professor para fora da sala e lhe entrega algo. Ele volta, retoma a aula,
faz observações engraçadas e os alunos riem.
Alguns alunos conversam entre si e o professor levanta um pouco a voz para se fazer ouvir.
13h30min – interrompe sua fala para recepcionar uma aluna atrasada. Oferece um ponto para quem
responder uma pergunta; e um aluno a responde. Alguns alunos recomeçam a conversar e trocam
bilhetes, o professor pergunta do que se trata vai até eles e eles mostram o bilhete para o professor e
lê devolve-o e diz “ok”.
13h35min – as conversas reiniciam e ele precisa dar vários “psius” para contê-las. Ele chama a
atenção de uma aluna e ela responde argumentando que todos estão conversando, o professor
pergunta se ela é todo mundo.
A conversa diminuiu, ele faz perguntas e os alunos respondem. Pouco depois recomeçam algumas
conversas.
13h40min – o professora bate algumas vezes no quadro para chamar a atenção dos alunos e
continua a aula (fala sobre a indústria da seca).
13h45min - pede silencio e dá alguns “psius”. Continua a aula (me pego fazendo “xxxiu” para os
alunos). O professor destaca que o assunto que está sendo trabalhado será cobrado no seminário.
Os alunos recomeçam a conversar e a sala fica barulhenta.
13h50min – o professor deixa que os alunos desliguem os equipamentos e conversa em particular
com um aluno. Encerra a aula.
Pergunto como ele se sente – dever cumprido e expectativa? (já que tenho outra aula). Comenta que
acredita que minha presença inibiu um pouco os alunos e diz, que em relação a outras turmas,
àquela é boa; comenta sobre algumas turmas. despedimo-nos, agradeci.
Hoje vou sair da escola mais cedo às 14h00min, porque tenho um compromisso de trabalho...
próxima semana será feriado para eles na segunda e na terça. Então vou ter alterar que meu
cronograma de trabalho (eu iria lá na terça e quinta que vem). Vou ver o que será mais adequado.
15.10.2015
Não pude fazer a observação que programara pois terça-feira foi feriado na escola (antecipação do
dia dos professores) e hoje, por questões pessoais, não cheguei ao meio dia e por isso não pude
observar os professores na sala dos professores e tampouco a primeira aula.
Cheguei às 13h30min e me dirigi à coordenação pedagógica, solicitei informações relativas aos
horários em que acontecem as aulas de matemática e português (fiquei curiosa sobre o
relacionamento professor/classe, já que são disciplinas mais tradicionais, será que o comportamento
dos alunos é melhor?)
O professor coordenador me levou até a sala da professora de português. Cheguei após meia hora
do inicio da aula e me surpreendi com o silêncio. Os alunos faziam redações.
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13h40min – a professora levantou e deu instruções a respeito de como proceder à atividade
(espaços, número de parágrafos, atenção ao uso dos pronomes pessoais, etc.). Os alunos fizeram
perguntas que me pareceram pertinentes e deram continuidade ao trabalho. O silêncio é quase
material (me questiono SERÁ SEMPRE ASSIM?).
A professora depois dos comunicados sentou-se e passou a corrigir algumas atividades. Meus
pensamentos vaguearam um pouco e lembrei-me da imagem dos professores quando cheguei, todos
os professores com quem encontrei estavam usando blusas “uniformizadas” que depois eu soube
estarem associadas à atividade que teria lugar no dia subsequente a este: o JG NIGHT um evento
para os alunos que irão fazer o ENEM (os alunos vão na sexta à noite e “dormem” na escola) fui
convidada para este evento será válido participar?
13h50min – um aluno levantou e levou sua redação até a professora para tirar algumas dúvidas e
outros dois alunos fizeram o mesmo. Os demais alunos permaneceram silenciosos.
13h55min – a professora, ladeada por dois alunos, solicitou que alguém emprestasse uma
calculadora para que ela calculasse as notas dos alunos.
Em virtude de algumas conversa a professora reforçou o fato de que a redação é uma atividade que
exige concentração e é um momento de construção individual.
A sala ao lado é muito barulhenta. Uma aluna faz uma pergunta que provoca comentários agressivos
em tom de brincadeira por parte de outros alunos mas logo em seguida a sala cai novamente no
silêncio do inicio.
14h00minh – a professora respondeu às perguntas de uma aluna e permaneceu sentada à sua mesa,
ela fazia uso da calculadora o que me levou a crer que permanecia ocupada calculando às notas da
turma.
Um aluno tirou uma dúvida e a professora usou o mote para falar a cerca da estrutura das provas da
UECE, UFC e ENEM.
Mais alunos se aproximaram da mesa onde a professora permaneceu calculando as notas e
respondendo às dúvidas.
Um aluno queixou-se que fora machucado por outro; a professora indagou sobre o que acontecera e
em pouco tempo a situação foi encerrada.
14h05min - Um membro da coordenação entrou na sala e conversou com a professora. A professora
solicitou que os alunos que estavam a sua volta retornassem a seus lugares pois ela precisaria ir até
outra sala. No entanto, os alunos permaneceram onde estavam e ela pediu outra calculadora pois a
que estava usando havia descarregado.
A professora em seguida levantou-se e informou a toda classe que precisaria ir até outra sala para
“dar algumas coordenadas”, já que outro professor faltara. Ressaltou que voltaria com brevidade.
Solicitou que os alunos permanecessem quietos e saiu.
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14h10min - a professora veio até a minha mesa e reforçou que iria precisar sair durante alguns
minutos mas que voltaria em seguida. Saiu, voltou para pegar um estojo e saiu novamente.
Alguns alunos começaram a conversar entre si e outro se sentou no lugar da professora.
14h15min – os alunos continuam a conversar entre si, alguns indagam sobre as redações uns dos
outros.
14h20min – a coordenadora entrou em sala e chamou a atenção de alguns alunos, após sua saída a
sala ficou inquieta e as falas aumentaram bastante de intensidade (mais pessoas conversando e mais
alto).
O diretor entrou em sala de aula e deu boa tarde; chamou um aluno que o seguiu e os alunos ficaram
silenciosos.
14h25min – alguns alunos voltaram a conversar outros retomaram ao trabalho da redação, um ficou
em pé e foi até a porta. Tenho vontade de fazer algumas perguntas à professora...
14h30min – a professora ainda não retornou. Alguns alunos sentaram-se próximos a outros e
passaram a conversar. Alguém assoviava uma canção.
14h35min – a professora retornou para a sala de aula e sentou-se. Riu muito de um comentário, em
voz baixa, que um aluno fez. Retomou o trabalho de correção. Os alunos mantiveram o padrão
anterior de algumas conversas, alguns estavam de pé.
14h40min – a professora continuou a corrigir os trabalhos enquanto o número de alunos em pé
cresceu bastante.
A professora pediu para dar os vistos nos cadernos dos alunos e informou que continuaria a
correção na próxima aula. Ela começou a dar os vistos.
14h45min – começou a arrumar suas coisas para sair, em seguida despediu-se e saiu.
21.10.2015
Fui para escola decidida a não entrar em sala hoje, irei me concentrar nas relações dos professores
uns com os outros e sondá-los sobre a possibilidade de entrevistá-los.
12: 25 – quando entrei na sala dos professores os mesmos conversavam sobre a possibilidade de ter
de aumentar o número de alunos em sala de aula e/ou o tempo de aula. Dois professores discutiam
de forma acalorada enquanto no fundo da sala um professor brincava tentando apaziguar os ânimos
“Olha o stress, isso é o cansaço gente, já estamos no final do ano”.
12h30min – a pauta do aumento de alunos/carga horária permaneceu, percebo que os professores
que estão discutindo, estão sentados à mesa enquanto os que estão “de fora” no sofá ou cadeiras
encostadas na parede não emitiram opiniões e faziam outras coisas.
152
12h35min - a dupla que estava discutindo de forma mais aguerrida sai ainda conversando; um deles
volta em seguida. Uma professora (a que estava na aula de redação na última observação) pergunta
se irei para alguma sala hoje. Digo que não, que estou mais interessada no momento nas relações
entre os próprios professores mas que irei fazer mais algumas observações em sala no período da
manhã. Uma professora me sugere que eu participe das reuniões de planejamento que acontecem da
seguinte forma: terças de manhã (professores de língua); quartas de manhã (professores das áreas
exatas) e quintas de manhã (professores das humanas). Gostei muito da ideia, me parece uma
oportunidade para observar mais de perto outra faceta do trabalho deles e também uma
oportunidade para efetuar algumas entrevistas coletivas.
12h45min – após ouvir as sugestões da professora volto minha atenção novamente para os demais.
Alguns se queixam de que a escola está com forte cheiro de fumaça (parece que houve uma
“queimada” no terro vizinho à escola). Outros professores brincam fingindo tirar “selfies” e o
ambiente começa a se encher de risos com algumas pessoas fazendo piadas situacionais (O
HUMOR PARECE SER REALMENTE UMA CARACTERÍSTICA FORTE NESSE GRUPO).
12h50min – as piadas continuaram, dessa vez a respeito da relação de alguns professores com
algumas turmas. Um professor brinca comigo: “anota aí professora, a professora x surtando em alto
grau de estresse” ao que a professora x replicou” e você? Acha que é saudável ficando aí em pé e
implicando com todo mundo?'” o professor respondeu “tô me aquecendo para aula” os professores
riram e confesso que eu também...
12h55min – Entraram mais alguns professores. O professor brincalhão abriu a geladeira e começou
a fazer piada novamente, sobraram alguns picolés do evento do final de semana. Uma professora
começou a maquiar-se para ir para sala.
13h00min – alguns professores comentam sobre o filme “De volta para o futuro” o sinal soou.
Alguns professores tiraram fotos. Os professores começam a sair para ir para suas aulas, um
professor volta e comenta que o cheiro de queimado diminui bastante e outro replica em tom de
brincadeira “droga vou ter de ir para sala então”.
13h05min – uma professora chama os demais: vamos pessoal, trabalhar! Alguns a seguem. Uma
professora comenta que nunca viu povo tão alegre “quanto mais liso mais alegre, sei não...”
comenta então com outra sobre a perspectiva de receberem o 13º salário parcelado no ano que vem.
13h10min – a sala está praticamente vazia, somente eu e mais dois professores permanecemos nela;
resolvi perguntar-lhes a cerca dos adesivos nos armários, eles me disseram que a maior parte dos
adesivos foram escolhidos e pregados por uma única pessoa (não souberam dizer quem) e que a
maior parte dos armários masculinos não os tem... me sugeriram conversar com o professor y que
provavelmente sabe melhor da história... agradeci e encerrei as atividades.
Penso que devo falar com minha orientadora sobre a possibilidade de utilizar os espaços de
planejamento para fazer as entrevistas coletivas e me informar se o nosso laboratório possui
gravadores...
Dia 10.11.15
Hoje fui à escola de manhã com a intenção de aproveitar o momento do planejamento para
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conversar (entrevista coletiva aberta) com alguns professores. Fiz uso de gravador, após a devida
autorização por parte dos professores.
Transcrição - “então só para fazer uma apresentação: estou aqui na escola Jenny Gomes, no horário
do planejamento, eu pedi autorização para gravar enquanto converso um pouco com as professoras
e estávamos falando de final de ano, de voz que acaba, enfim, vou deixar o gravador aqui (na mesa)
que ele até tem uma potência boa e a gente vai conversando.”
“P1. ah, mas tem professor que nem precisa o professor x da disciplina … tem uma voz que é
melhor que a minha e a da p2, né p2?”
“P2. Sim, e olhe que falo alto! Já fiz até fono um tempo”
“Acho que é hábito de professor mesmo, não é? Algumas vezes você está em lugar pequeno e ainda
assim fala alto” “p.2 Sim, isso mesmo.”
“p3. Vira vício mesmo, como ele falou, às vezes você tem um grupo pequeno de pessoas e ai: ops,
acaba falando mais alto”
“Sim é verdade... vocês são professores há quanto tempo aqui? P3. Eu há três anos; p2. Eu há 15
anos, aliás 16 anos; p1. Tu diz aqui na escola, né?; p2. Sim, aqui na escola, eu já tenho 27 anos de
sala de aula. Mas aqui na escola são 16? p2. Sim, 16. p1. Eu entrei aqui em 2006.”
“Vocês sempre ensinaram ensino médio? P2. No Estado quando comecei era ensino fundamental
mas aqui no Jenny sempre foi ensino médio! No inicio tínhamos 20% a mais para planejamento,
depois tiraram, agora o planejamento é durante o expediente, antes era aos sábados”
Ruído, alguém entrou na sala e as conversa ficaram abafadas por alguns minutos.
“p1. (…) a gente sente falta de uma reunião (de planejamento) com o grupo todo. Nunca tem uma
reunião com o grupo todo? P1. Tem a semana pedagógica, mas é muito pouco... p.2 é, não dá para
fazer um trabalho interdisciplinar bem feito! Essa coisa de separar as áreas e ficar cada um por si...”
“O que é que vocês mais gostam no trabalho de vocês? p.1 o que eu mais gosto é da sala de aula,
me sinto realizada com meus alunos; p.3 eu também, mas assim: eu gosto quando eu sinto que a
aula está rendendo, porque o papel do professor não é só o de transferir conteúdo o mais importante
é conseguir fazer o aluno se interessar por aquele conteúdo, eu acredito muito nisso, então quando
em momento eu vejo os olhos de um e outro brilhando aí sinto que cumpri meu papel” “p3. Essa
semana eu tava em casa e recebi uma mensagem de um ex-aluno, (foi meu aluno há dois anos) ai do
nada ele mandou uma mensagem pelo facebook: ah, professora olha aqui (e mandou uma foto) a
pilha de livros de literatura que comprei para ler, deviam ser uns 10 livros, do nada comecei a sentir
essa vontade de ler, fui num sebo e tô aqui devorando os livros, tô adorando; ai eu pensei: poxa
vida, ele nem é mais meu aluno e sei que o incentivei”
Ruído, alguém entrou novamente e as falas mais uma vez ficaram abafadas.
“...também acontece de estar na aula e ver como eles melhoram o raciocínio lógico, eu ensino
gramática e nem sempre é fácil eles darem conta das estruturas gramaticais então ver que eles estão
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dando conta é estimulante, ou mesmo que digam é difícil, para achar difícil você tem de estar lendo
se interessando”
“p.3. o que desestimula, às vezes, é esse discurso de que o professor tem que dar conta de tudo, quer
me ver ficar maluca? Aponte o dedo na minha cara e diga “a culpa é sua” porque assim, eu defendo
minha profissão com unha e dentes então... dia desses eu peguei uma briga pelo facebook com uma
pessoa que postou um vídeo; (no vídeo uma criança tinha um ataque de má criação, quebrava tudo e
tal e os professores filmaram) e essa pessoa disse que isso era um reflexo da educação falida no país
porque ela só vira “quatro babacas sem fazer nada na cena”; ok não deveriam ter feito o vídeo e
muito menos postado, mas daí, você xingar publicamente de “babaca” um professor, eu disse:
queria ver você nessa situação, o garoto estava fora de si, num nível de agressividade muito grande
e tenho certeza de que os professores tentaram pacificar, contornar a situação da melhor maneira,
mas não conseguiriam sentar e conversar com o garoto (como a pessoa havia sugerido) no mínimo
iam levar um tapa na cara; aí foi uma conversa longa, perguntei se ela era realmente educadora, já
que na primeira oportunidade ela está desqualificando os colegas de profissão... se fala muito do
aluno, das pressões, mas o professor também sofre pressões, muitas, e você é humano está
suscetível de perder o controle de vez em quando, hoje as coisas se inverteram, o aluno sempre é o
coitadinho e você fica numa posição difícil; esse aluno que quebrou tudo, precisa ser punido, lógico
que não é bater, mas ele precisa ser punido, como vai aprender? Nesse caso, a diretora da escola foi
afastada e o aluno e a família ficaram recebendo apoio psicológico, quer dizer: o professor descarta;
isso é errado. Porque a professora não recebeu apoio também?”
“p4. É complicada nossa formação não é suficiente para dar conta de determinados desafios, esse
meninos estão tendo a mente forjada pela mídia, que é muito forte, como concorrer com isso? Cada
dia eles parecem mais desinteressados... Que metodologias usar? Se você usa um recurso, um data
show, um som já uma inovação mas ainda assim é difícil prender a atenção; p1 o que eles querem é
aula de campo e não temos como fazer isso porque não tem transporte para todos e não vou
selecionar alguns em detrimento de outros, prefiro não levar, não concordo; p4. Eu também prefiro
não levar.”
“então o maior desafio é manter a atenção deles? p.4 também, e o lidar com isso, porque tem alunos
que você pode chegar pelada em sala de aula, plantar bananeira que ele vai olhar para sua cara e
baixar a cabeça, não vai se interessar, vai baixar a cabeça e dormir. Tem meninos, cada um, e são
muitos tem alunos que foram devorados pela situação, eles tão aqui porque os pais obrigam, porque
tem bolsa família mas eles estão totalmente desacreditados da educação, eles não dão a mínima. As
vezes eles tem algum problema cognitivo, a gente ignora porque não tem nenhum aparato para
isso... oh isso é outra coisa: falam do despreparo do professor, cara, eu sou licenciada , vi uma
cadeira ou outra de psicologia na faculdade só por cima, não é função de a gente lidar com esses
problemas, eles teriam de ser contornados por um psicólogo, um psicopedagogo e a gente não tem...
não tem uma escola nesse Estado que tenha um trabalho sério, um profissional bem capacitado
atuando só com isso p2. E precisa viu? p.3 você tá entendendo o que quero dizer esperam que a
gente seja tudo, psicólogo, professor, pedagogo e não dá, qual o suporte que nos dão? Por exemplo,
como lidar com um aluno com dislexia? No curso de letras não te ensinam isso; precisaria ter
alguém para orientar; e outros problemas tdah... tem coisas que você até intui mas não temos como
diagnosticar, já imaginou como ia ser bom você desconfia e encaminha para o profissional, na
escola, que faz os testes diagnostica e dá as diretrizes de como proceder? Seria maravilhoso,
facilitaria nosso trabalho, seria bom para o aluno... p.2 antigamente tinha o SOE – Serviço de
Orientação Escolar – aqui, mas dessa equipe só sobrou a xxxxx que faz um trabalho as quartas-
155
feiras, muito bom com as crianças; p.3 – sim, mas alguém que saiba tratar de problemas de
aprendizagem, que faça diagnóstico mesmo, não tem... se tivesse para nós seria maravilhoso...”
“P3. E tem outras coisas... a aula é curta, são muitos alunos em cada classe, a própria rotina
atrapalha, e aí se cai no discurso da culpa do professor novamente”
“E diante disso, como vocês fazem para permanecerem motivadas? Darem conta disso tudo?
P2 esse trabalho é diário, de procurar renovar, competir com as mídias... p.3 – sei lá tem a coisa da
sala de aula mesmo que é bom... p1. Professor tá doente e vem dar aula... o professor fica contente
com pouco: um sorriso de reconhecimento de um aluno salva um dia...p3. Ano passado, eu estava
grávida, quando chegava já tinha 3 ou 4 alunos de plantão esperando para me ajudar a levar minhas
coisas, sabe? Esse lado solidário do aluno é bom. P1. Sim os bons alunos recompensam! Essa
história que ela disse ai: eu também recebi uma mensagem há pouco tempo de uma ex-aluna, que já
tá formada, hoje é diretora de um hotel, e eu disse a ela: é por alunos como você que vale a pena
continuar ensinando... você ver a pessoa crescendo...mantém você com vontade de ensinar, outros
podem crescer; hoje to dando aula numa turma onde os alunos brigam para ler: eu, eu, eu... isso é
muito bom; é a primeira vez, aqui, que isso acontece, quando eu dava aula no colégio da polícia,
sempre tinha uma turma assim, mas aqui são os primeiros...p2. Sim essa turma é a do ano passado
que eu peguei, eles são interessados mesmo! P3. Sim, mas tem coisas que chamam a atenção, por
exemplo, aquele aluno que pede ajuda, ou que a cara dele já diz que quer ajuda é estimulante; eu
tive uma aluna que só tirava nove e dez, a menina era “crânio” mas era cheia de problemas tinha
uma mãe complicada, eu tinha muita vontade de ajudar ela, mas ela nunca deu brecha, então não era
estimulante para mim, outra coisa é um aluno ruim que só tira nota baixa como eu já tive e que lhe
olha pedindo ajuda, eu tive um aluno assim que de nota 3 foi para nove no outro semestre, puxa
como me senti bem, cumpri meu papel. Eu brinco com os alunos dizendo que nossa profissão é a
única onde os clientes não querem receber pelo serviço que pagam, porque se você vai a um médico
você vai seguir as orientações dele, vai fazer os exames, vai tomar os remédios; você vai a um
advogado, você vai seguir as orientações, vai providenciar os documentos fazer ele lhe orientar; já
um professor por vezes tem um conhecimento para ofertar e os alunos não se apropriam então
quando outro se interessa isso já é estimulante”
“Então o que te mantem motivada são os heróis da resistência? Esses poucos alunos que validam
seu trabalho? P3. Isso, aqueles que dão brecha, que dizem pode me ajudar; porque, às vezes eles
não se deixam ajudar e aqui no Jenny é complicado tem alunos que chegam de corolla, com iphone
última geração e tem alunos que vem pensando na merenda porque não tem o que comer em casa,
então é muito desafiador lidar com essas realidades, as áreas são muitos diferentes, tem alunos aqui
de vários bairros...p.1 sim, isso atrapalha muito, até para você fazer o projeto político-pedagógico
da escola é complicado, em 2010 quando fomos fazer foi muito difícil: como dar conta dessa
diversidade? São pessoas diferentes, com necessidades tão diferentes? E agora vamos refazer e nos
deparar de novo com isso, né?”
“vocês tinham comentado que agora o planejamento foi segmentado por áreas do conhecimento, no
momento de fazer o projeto político-pedagógico vocês (de todas as áreas) constroem juntos ou é
segmentado também? P2 em 2010 foi, mas dessa vez, esse ano cada área submeteu suas propostas e
agora eu tava pensando nisso que deveríamos falar com a xxxxxx a esse respeito, temos que buscar
outras formas de despertar o interesse deles”
“p.3 você tá focando muito no que estimula a gente mas é interessante, também, falar do que
156
desestimula, quando falo da desvalorização do professor, não tô falando nem da questão financeira,
salarial, mas sim dessa visão destorcida, onde um educador se acha melhor que outro, fica
apontando o dedo um para o outro, quando na verdade as áreas são complementares, aqui tem disso
também; essa fala de “ah!, um educador não pode fazer isso ou aquilo; ou ah, você é um educador
devia fazer isso ou aquilo” você já viu aquela charge? A que mostra os pais nos anos 60 brigando
com o aluno pelas notas baixas e depois mostra os pais brigando com o professor por causa das
notas baixas do filho? Aquilo resume tudo: tudo é em cima do professor. P2. Sim, há a necessidade
de trabalhar os deveres do aluno também, não só do professor. P3. Isso os alunos só têm direitos.
p.2 os alunos precisam ser trabalhados em suas obrigações, as mais básicas, de respeito ao outro.
Digo muito isso, quando entro em sala de aula, sempre me lembro da importância do saber ouvir,
quem só quer falar, falar, falar vai aprender pouco. Até para ler você precisa escutar, tem de haver
concentração”
“deixa eu perguntar uma coisa: vocês sempre quiseram ser professoras?: p1. Não. p.2 Sim, desde
que me lembro brincava de ser professora, com oito ou nove anos, eu pegava um caco de tijolo (eu
morava no interior) e a parede era minha lousa e eu brincava de dar aula; eu tinha uma tia que era
professora e eu queria ser como ela, aquilo era fascinante para mim e até hoje continuo assim, tanto
faz ser escola ou faculdade (porque já dei aula em faculdade) as pessoas comentam xxxxx você é
fascinada ainda por ensinar... e é sou mesmo, já desenvolvi projetos muito bons voltados para a
aquisição da leitura e da escrita; nos últimos anos (por conta de algumas cirurgias) não me dediquei
tanto, mas ainda me empolgo, sonho, fazemos trabalhos interdisciplinares... agora mesmo no Enem
caíram várias questões que trabalhamos de forma interdisciplinar. Enquanto na disciplina de
História estão trabalhando a guerra de canudos, no Português trabalhamos a obra de Euclides da
Cunha, por exemplo; eles amavam! Agora para fazer um trabalho desses você tem de estar bem,
fisicamente, emocionalmente, eu não estou tão bem; p3. Pois é como é que você ajuda alguém se
não estiver bem? Primeiro tem de cuidar de si para poder ajudar o outro”
“Então o trabalho interdisciplinar também motiva vocês? Porque parece motivar os alunos e isso
motiva vocês? p.2 sim, ajuda, eles percebem bem esse tipo de trabalho. p.3 deixa só eu interromper,
engraçado eu revisitando algumas coisas do passado, eu vejo que essa profissão sempre me chamou
“hello, você vai dar aula” mas eu meio que não ouvia, não queria aceitar, olha só: quando eu era
criança a brincadeira que eu gostava mais era de brincar de escolinha, botava todas as bonequinhas
de alunas tinha uma lousa pedia para comprar giz, dava aula para elas ou para meus amigos...fazia
isso quase todo dia...se fosse para eu ser aluna eu não ia, só se fosse professora...rsrsr na
adolescência quando começou aquela coisa de ah, que área eu vou escolher eu sabia que era
humanas, mas não queria ser professora, queria ajudar fazer algo com jovens...ah, já sei: Psicologia,
é a área ideal para mim...mas ai quando eu tinha uns 15 anos, tive minha primeira aluna de reforço
(Ela quem me procurou) minha fama começou a correr, porque na escola ajudava todo mundo, na
recuperação eu ia para ajudar os que estavam na recuperação... ai começaram a surgir alunos para
eu dar aula de reforço, porque a fama foi se espalhando, mas eu sempre em negação, não queria ser
professora de jeito nenhum, e só aparecendo alunos, mais e mais. Eu resolvi fazer turismo porque
eu queria trabalhar de guia, falando em público, dando informação, quer dizer recaia na coisa da
aula, só eu não queria ver; acho que pela própria sociedade que desestimula “ah, vai ser professor
não; é ruim, ganha pouco” ai quando eu tava terminando o curso de turismo resolvi fazer Letras e
focar no ensino de Espanhol para investir na carreira do turismo; só que aí dentro do curso nas
disciplinas de estágio, acendeu aquela luzinha dentro de mim: é isso o que eu quero, não vou mais
brigar, vou dar aula; aí fui me apaixonando, tendo mais alunos, comecei a ensinar em uma escolinha
e ai já fiquei em dúvida se devia continuar em Letras ou fazer Pedagogia; fui dar aulas para
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adolescentes e tô aqui, assumidíssima, professora, dando aula; acho que às vezes a sociedade
mascara esse desejo por não ser uma profissão tão bem vista”
“E você (com p.4) sempre quis ser professora? P4. Não, no meu caso eu aprendi a gostar do que
faço.”
A gravação fica quase inaudível por algum tempo.
“...p1. Eu gosto muito de ensino médio, quando entrei no Estado eu dava aula em uma turma de
alfabetização com gente de toda idade, de todos os níveis...quase peguei o beco, rsrsr, mas com o
tempo fui construindo outras coisas ensinando em outras turmas e hoje gosto do foco no ensino
médio. O que você mais gosta aqui no Jenny Gomes e o que é mais desafiador? Aqui o forte é a
relação com os colegas, para quem já trabalhou em outras escolas, fica clara a diferença, eu já
trabalhei em outras escolas e eu ia e voltava, não fazia diferença, aqui rapidamente você conversa,
faz amizade, no colégio da polícia eu entrava muda e saia calada, aqui podemos falar à vontade o
que me desgosta não tenho nenhum problema em falar; Vocês tem liberdade para se expressar? Sim,
eu não tenho medo, falo mesmo;p.3. Isso, nem sempre somos atendidos mas podemos falar a
vontade. P1. Se eu quiser falar, falo mesmo, claro que tem a coisa de ser funcionário público, de ter
mais estabilidade, mas não é só isso. Lembra logo que você veio se apresentar e trouxe um bolo? O
clima de brincadeira, descontração, não é porque você estava aqui, é daquele jeito mesmo. Se você
vier um dia no planejamento da quarta-feira aí é que é animado mesmo! Você vai ver a alegria a
bagunça! É muita gente, é misturado, às vezes você sai da aula só para beber uma água e dá vontade
de ficar! Tem mais homens, e tem alguns engraçadíssimos, parece que sempre estão em intervalo! É
uma terapia isso aqui p2. É mesmo! P3. É o pessoal das exatas é mais divertido, nós dos códigos
somos um pouco mais sérios. P1. Não. P3. Ah, a gente é muito sério, preocupado, eles são mais
“Zem” ou é mal de mulher...”
Todas falam ao mesmo tempo animadamente
“p2. É então vai ver que é o pessoal de códigos que é mais sério” p1. Ah, eu brinco é muito! Eu
gosto muito da energia daqui, flui, não tem falsidade! Sim, eu sinto uma energia muito boa aqui,
noto muito respeito”
“Falam de um professor xxxxx que é bem-quisto quisto por todos e muito engraçado”
P3. tem um professor que todo final de ano faz questão de organizar uma festa, um churrasco na
casa dele, por conta dele e chamar todo mundo, é muito bom! Ele tem toda uma preocupação com a
gente, p1. Sim, ele é um grande anfitrião gosta muito de receber!
“e o que não é bom na escola? Nossos problemas não são da escola, são do contexto, p.2 falta
material, às vezes livro, texto (você tem de fazer uma predição, às vezes você quer uma música
impressa para introduzir uma matéria) e não tem, não tem verba. P3. Sim, com essa crise uma das
primeiras áreas a ter corte nos gastos foi educação, antes xerox, essa coisa era mais livre, agora tá
apertado, estamos sentindo na pele” “p1. Talvez até por isso algumas pessoas hesitem em ensinar na
rede pública” Ruído, todos falam ao mesmo tempo.
“p1. Eu acabei sendo professora por acaso, minha primeira formação é em administração de
empresas, trabalhei dando aula de iniciação empresarial, e achei bom aquela coisa de dar aula, dar
aula, e eu gostava muito de línguas estrangeiras e meu irmão sugeriu que eu desse aula e dei, aí fui
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fazer o curso Letras – que foi completamente diferente do administração que conclui na marra – eu
gostava de ir, não perdia nada, era a metida conhecia todos os professores! Foi assim...”
Encerrei o trabalho agradecendo.
Quero ir num dia de quarta-feira, para checar a dinâmica desse grupo e fazer algumas entrevistas
individuais com as professoras da terça-feira.
17.11.2015
Entrevista individual, cheguei perto das oito e perguntei às professoras se haveria disponibilidade de
alguma delas ser entrevistada naquela manhã, duas professoras se disponibilizaram e agendei com a
segunda professora para a quinta-feira dia 19 de novembro.
Fomos para uma sala reservada e após a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido demos início à entrevista:
“Estamos começando a entrevista são 09h45min obrigada por participar, por me acolher”
P5“bom dia agradeço sua ajuda aqui na escola, acho que todo trabalho é benéfico, a gente tenta
fazer e acolher as pessoas que vêm para ajudar, da melhor maneira possível”
“vamos começar do começo, eu gostaria que você me dissesse quais são suas ideias, o que você
entende, por qualidade de vida, saúde mental?”
P5“Olhe, qualidade de vida, para mim é estar bem mesmo assim, de bom astral, você estar para
cima, é lógico que tem momentos em que não dá para estar 100%, mas a qualidade de vida além da
saúde mental requer que você esteja bem fisicamente, se você não cuidar do corpo não sei se a
palavra certa na Psicologia é somatizar, mas você vai acumulando muita coisa e aí adoece mesmo;
tem que ter atividade física “mente sana in corpore sano” as duas coisas tem de estar alinhadas, né?
Tem que ter lazer – acho primordial sair, rir se divertir com os amigos – tem de ter uma ligação
religiosa, acho fundamental ter um encontro com os seres sagrados, principalmente, porque a gente
tá num ritmo de vida muito corrido, muito aperreado, às vezes não se tem tempo nem para a família;
o professor então, a gente leva trabalho para casa, muita prova, aula para preparar e olhe que já
melhorou muito com esses momentos de planejamento na escola, mas você acaba levando para
casa; qualidade de vida para mim tem de aliar isso tudo... cinema, show... encontro com amigos,
jantar conversar, principalmente uma boa conversa para mim são importantes, eu trabalhei num
munícipio há oito km daqui, ia e voltava todo dia e eu sentia muita falta de conversas de boa
qualidade... profissionais que pudessem interagir comigo...que tivessem um bom nível, fiz
Administração e Letras antes da Pedagogia então fazia falta alguém para dividir alguns gostos, um
bom filme, uma boa música; eu ficava muito triste quando estava algumas vezes na sala dos
professores e tinha que ouvir conversas ridículas sobre big brother... então quando vim trabalhar
aqui me senti bem melhor! É outro nível, houve uma melhoria e isso para mim também é qualidade
de vida. É fundamental na área da docência as pessoas terem conversas mais interessantes,
principalmente, para quem atua na área de Linguagens e Códigos, é inadmissível não se ter um bom
nível. E aqui eu circulo em várias áreas, tenho o hábito de circular, de abraçar interagir muito, gosto
de gente, brinco muito com os meninos da Matemática; mas é coisa de amigo, liberdade que não é
159
libertinagem”
“qual é o papel da escola, do trabalho em si na qualidade de vida? Você acha que influencia?”
P5“Dessa escola?”
“Dessa escola e também de uma maneira geral”
P5“Eu acho que o povo que vem é que faz a escola, se meus colegas não fossem como são o clima
seria outro, a energia não ia fluir. Quando vim para Fortaleza, trabalhava aqui e na escola xxx com
toda a estrutura, com boas instalações, disciplina … mas eu não me sentia bem lá, não tinha essa
energia boa que tem aqui; aí alguns colegas falam ah porque tem de ter mais disciplina, tem de ter
mais regras, tem de ter...e eu fico me lembrando, muitos que reclamam é porque não tem uma
experiência anterior para fazer um comparativo, compreende? Quando você vivencia várias outras
histórias, vários outros lugares percebe, que aqui a qualidade de vida está nas pessoas... pode ter
essa questão de uma boa estrutura, tudo perfeito em termos pedagógicos, administrativos, ser bem
encaminhado, mas e a interação? O fator humano? O coleguismo o companheirismo? Essa coisa de
se comemorar aniversário e todo mundo ir? Se vai porque se quer... não é o núcleo gestor quem
organiza... é tão engraçado antes havia o hábito de o núcleo gestor comemorar os aniversários e isso
era imposto, tinha de dar dinheiro para comprar presentes para o núcleo gestor e isso não era
espontâneo, hoje a gestão até tentou, mas tem muita gente nova, entrou muita gente nova com trinta
anos para baixo e começaram a questionar: eu dar dinheiro? Eu não! Porque os gestores são
funcionários iguais a gente e pararam...mas se teve liberdade para falar. Nós temos liberdade, é por
isso que flui. Eu considero dos locais que trabalhei, aqui sendo o melhor, eu me sinto muito, mas
muito bem mesmo, aqui. E o que é mais importante não há descriminação com professores
temporários. Rapidamente se entrosam...”
“Existe uma cultura de liberdade na escola?”
P5“É...de você se sentir bem, você chega e sente bem”
“Você pode me descrever um dia típico de trabalho seu?”
P5“um dia típico? Deixa ver... vou pegar um dia mais puxado... teria de ser um dia que tivesse
trabalho de manhã e de tarde, sou professora pca – professora coordenadora de área – então a gente
tem 100h na sala de aula e 100h para as demais atividades, somos apoio junto ao núcleo gestor;
então assim: eu me sinto realizada na sala de aula! Essa história de ser pca eu não gosto muito...
tenho uma colega, que chegou agora e me chama de chefinha... eu digo logo sou sua colega de
trabalho, eu dou aula adoro seja do que for, Literatura, Gramática o que for até às 11 e meia; e esse
ano tive de dar aula de Artes para umas coisinhas de 12 anos com quem interajo pouco e Artes não é
muito a minha praia, eu fiquei meio... o que vou fazer? Mas foi uma experiência excelente, era dia
de quarta e sexta e os meninos puseram um apelido em mim: professora relax; porque a aula era
relax mesmo; eu já ia tipo aceitando esse codinome que me deram... o que não acontece no ensino
médio na minha disciplina mesmo; eles perguntaram: professora no ensino médio a senhora é relax
também ou é pesadex? Eu sou mais rigorosa! Quero que o aluno aprenda! Uma professora uma vez
entrou na sala dos professores rindo e disse que tinha encontrado com uma aluna que tinha entrado
no segundo grau e ela tinha perguntado como estava sendo e a menina respondeu que o problema
era que os professores queriam que eles aprendessem... eu quero que eles aprendam! Gosto de
160
repetir, perguntar, não no sentido de cobrar mas quero formar cidadãos, quero que eles aprendam...
já fui muito para fila de editora para ter abatimento de livros de 20 ou 30% para poder comprá-los e
hoje vocês tem esses mesmo livros de graça, então bora ler, entender isso aqui! Puxo para que meu
trabalho faça efeito na vida deles e fico muito feliz quando vem um aqui e diz eu passei para
Engenharia eu passei para...não importa passou para alguma coisa! Às vezes indico que alguém faça
um curso técnico de cabeleireiro, de aux. de enfermagem (quando vejo que não querem estudar
muito) dá para ganhar dinheiro... ter habilidade...aqui nessa escola a maior parte dos alunos são
muito carentes, tem os que são bem sem condições financeiras, mas a maior parte tem um padrão
razoável mas não tem orientação profissional em casa e eu gosto de fazer isso não sei se é ranço da
administração de empresas... mas o trabalho a rotina mesmo... vou dizer uma coisa que talvez
assuste você, essa coisa do rigor em gostar de trabalhar : eu trabalhei oito anos em Horizonte e só
tive três faltas: porque o ônibus em que estava indo virou... entendeu, fiquei com braço enfaixado e
tal! Trabalho aqui desde 2006 e nunca faltei! Gosto de trabalhar. Nunca adoeci. Não é para me
gabar, mas tenho isso como um mérito! Às vezes tenho um problema de garganta, tive algumas
crises, mas venho para sala, passo atividades e à tarde – como sou pca e é bem mais quente –
trabalho de casa. Mas aula, deixar de dar aula? Nunca faltei! Gosto desse compromisso, fazer o que
é certo! Só porque sou funcionária pública vou me escorar? Não! Gosto de cumprir com minhas
responsabilidades...levo minha vida muito a sério, apesar de brincar muito... passei num concurso,
levo a sério; se existe essa fala lá fora de que funcionário público não trabalha, já escutei alguns
colegas novinhos dizerem 'eu quero é passar num concurso para não fazer nada' não é por ai...não é
querendo malhar o colega, mas isso não é ético, para vida dele; gosto de estar com meus colegas, da
sala de aula, de ver como estão conversando para usar os termos certos; quando não sei pergunto o
que é isso? Não tenho vergonha de admitir quando não sei algo... nem sempre fui assim... no inicio
achava que o aluno estava ali só para receber e hoje vejo que não é assim. Essa diferença foi
importante, tenho de entender o mundo que o adolescente vive porque senão não me comunico e
com essa vontade que tenho de estar em sala de aula não vou dar conta; às vezes até advertiam os
alunos de que eu era difícil e aí os alunos me contavam e diziam mas você é limpeza! Eu me
dedico! Minha rotina de trabalho é de dedicação, sem corpo mole, o dia de trabalho para mim é uma
entrega, vejo pessoas dizendo, ah eu queria que fosse sábado, ah eu tenho de ir? E esses desejos eu
nunca tive; eu venho trabalhar satisfeita”
“quando você chega em casa o que vai fazer?'
P5“de noite?”
“a hora que for”
P5“eu vou caminhar e também tenho uma prática espiritual, sou budista, faço minhas práticas”
“você não faz nenhuma tarefa doméstica? Você tem alguém que lhe ajuda? Como é?”
P5“Assim: moro com duas sobrinhas, é muito leve, aprendi a conviver com adolescentes. Assisto
pouco televisão, não lembro quando assisti uma novela, vejo o jornal...”
“ok e quem faz as tarefas? Quem lava os pratos? Quem cozinha? Quem lava a roupa?”
P5“Nós três! O apartamento é pequeno, a gente sai, elas fazem faculdade, temos uma faxineira... é
muito leve. Não acumula. É uma troca, não dá para chegar em casa e ainda ir fazer coisas para elas.
Não comemos em casa. Temos horários desencontrados.”
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“se você fosse dar uma nota a sua qualidade de vida variando de zero a dez qual seria sua nota?”
P5“eu diria que oito, sendo bem rigorosa, mas gosto muito do meu viver, sou alegre, satisfeita”
“para chegar aos dez o que faltaria?”
P5“um melhor salário, porque assim: tenho uma condição de vida melhor porque tive suporte de
pai, mãe onde nunca faltou nada, sempre tivemos muita coisa boa, eu viajo muito, mas não viajo
por conta do meu salário de professor, se fosse viver só com o salário de professora com certeza não
teria a mesma qualidade de vida. Porque meu salário de professora não tem nem perigo de dar para
viver como vivo. Não sei como meus colegas vivem e ainda tem filhos, porque o dinheiro mal dá
para um...”
“e ainda assim, sendo um, o dinheiro não é suficiente”
P5“não.”
“tem muitos professores que tem atividades extras para complementar a renda?”
P5“tem, tem gente que trabalha os três expedientes e ainda dão aula particular no final de semana. É
desumano o que fazem com nossa profissão. O salário é injusto! Tenho certa leveza mas não é por
conta do salário... talvez se não tivesse a condição financeira que me foi oportunizada pela minha
família, se tivesse de viver mesmo só do meu salário, desse dinheiro se eu seria tão leve”
“Vocês tem alguma prática voltada para formação continuada aqui na escola?”
P5“olhe, tem uns cursos de pjf mas não considero isso formação continuada, desde 2006 que estou
aqui e nunca participei de nada que pudesse considerar como formação...como uma vantagem para
minha formação profissional; uma coisa interessante é a semana pedagógica, só participei uma vez,
não foi aqui, olha que interessante o nome “cuidando de quem cuida” foi à única vez que foi algo
voltado para o professor: tivemos massagens, dinâmicas... e foi muito bom! Fantástico e acho que a
gente precisa disso, para aliviar a carga”
“você acha então que as formações deveriam incluir essas práticas mais lúdicas?”
P5“Com certeza, porque se você pegar um professor que trabalha os três expedientes é fácil sentir
como ele precisa de um apoio emocional. Porque não da tempo de ele se relacionar nem com a
família. Seria fantástico ter momentos assim...se num momento de planejamento – quando temos de
manhã e de tarde – se tivéssemos um momento de relaxamento seria fantástico. Não acho que isso
seja pedir demais... um momento de relaxamento uma vez por semana? Seria muito proveitoso”
“e qual é seu conceito de formação continuada? Quando falo nisso o que você pensa?”
P5“ sei que fugi um pouco...é dar prosseguimento nos estudos, ver o que tem de novo no campo da
educação, ver das novas teorias o que pode ser adequado para sua sala de aula... tinha umas
histórias de que vinham pegavam dois ou três professores, levavam para um hotel e isso se
configurava como educação continuada esses professores teriam de voltar para a escola e repassar o
162
que foi aprendido, como multiplicadores, mas isso não acontece; mas faz muito tempo que isso não
acontece também... veio do governo federal um programa chamado pacto e éramos eu e um
professor de Matemática que participávamos era muito bom só sobre o histórico da educação no
país... mas não teve continuidade, esse ano parou, talvez seja retomado em março de 2016; nós
recebíamos até uma bolsa, um dinheiro, para participar... tem de ter! Estimula... não tem como
fechar os olhos e pensar que um professor não quer receber melhor...as apostilas eram
maravilhosas...recebemos um cartão com validade até 2020... não durou nem dois anos o
programa... poxa a bolsa era uma ajuda, fez falta. Isso dá uma quebra... você passa a não acreditar
tanto...”
P5“nós éramos bons multiplicadores sentávamos toda semana com os outros professores do ensino
médio e repassávamos o que estávamos aprendendo; a gente estudava!”
P5“todos os professores recebiam essa bolsa a nossa era um pouco melhor, mas todos recebiam”
P5“tinha o pessoal da Seduc e da UFC que estavam à frente, mas os recursos eram do governo
federal, o programa não era da Seduc, entendeu? Era para o pais inteiro”
“Você acha que esse programa teve um impacto positivo para a saúde dos professores?”
P5“Acho que sim, para os que estavam participando, sem dúvida os que estavam participando
direitinho, estudando, participando dos debates, das apresentações se beneficiavam porque a gente
tava conhecendo a realidade da formação dos professores no País... desde o começo, desde o tempo
em que só estudava quem tinha dinheiro... era muito amplo, o período militar, das escolas técnicas...
era muito bacana. Eu senti falta, esses professores novinhos então... eu tenho quase cinquenta anos,
eles tem 25...para mim foi surpresa, é importante um professor conhecer a história da sua própria
formação no país...”
“e o programa foi simplesmente encerrado? Não mandaram um comunicado? Como foi?”
P5“Foi assim, fomos para a última reunião, na UFC, e a pessoa que era o cabeça que estava à frente
avisou... tivemos só seis encontros... por que essas coisas que são boas, que são maravilhosas não
continuam? Aquilo dava um amparo para os professores... por que a educação não é levada a sério
nesse país? Odeio aquelas reportagens que mostram o professor como um pobre coitado...ah acorda
de madruga, anda trocentos quilômetros, atravessa um rio...mostra o professor como um
coitadinho... o professore não é um coitadinho! Tem de ser tratado como um profissional, com
respeito! Eu acho que a mídia coloca muito o professor para baixo, é responsável pela
desvalorização da imagem do professor...acabam com a autoestima do professor”
“você acha que os outros professores têm essa percepção de ataque à imagem de vocês?”
P5“Acho que sim! Eles parecem ser conscientes disso... agora com as redes sociais... há pouco
tempo teve um aluno que se rebelou quebrou tudo... e na sala dos professores se comentou muito
sobre a repercussão da publicação”
“como vocês fazem para não se deixar atingir por esse tipo de notícia?”
P5“Aqui a gente conversa muito, é uma catarse, você fala muito e escuta muito e essa troca de
163
desabafos vai ajudando a nos fortalecer... apoiamo-nos uns nos outros é o que nos fortalece para
esse tipo de situação não acontecer e se acontecer estarmos preparados... unidos... por ai não tem
isso, não tem união”
“você está dizendo que em algumas escolas a relação entre os professores é como uma “foto para
inglês ver” ?”
P5“Sim, com certeza!”
“Só para nós começarmos a concluir: se você fosse apontar dois pontos fortes da escola quais
seriam? Quais os pontos fortes da Jenny?”
P5“as pessoas maravilhosas com quem trabalho, no topo! Os relacionamentos são o grande ponto,
há brigas, mas nada demais, outro ponto é a organização, a escola está bem organizada
administrativamente...quando escuto professores mais novos dizendo 'ah isso devia ser assim ou
assado' 'isso tá desorganizado' 'blá, blá, blá' eu pergunto: você já trabalhou em algum outro lugar?
Aí respondem que não, aí eu digo que eu já trabalhei em lugar barra pesada, filho de traficante,
menino bêbado em sala de aula, menino armado...então dizer que aqui, não há regras, que não é
organizado é ilusão... quando comecei a dar aula aqui, logo no início tinha menino, que punha o
caderno debaixo do braço e ia embora... hoje isso não acontece mais aqui, ninguém entra e sai na
hora que quer, tem um fazer coletivo interessante... numa semana de prova você recebe o material
todo em dia, direitinho, bem impresso, com cabeçalho ensacado... é muito organizado; gosto muito
das pessoas e da organização”
“e os pontos fracos? O que você acha que ainda podia ser melhorado?”
P5“o que não tá legal primeiro é a parte administrativa e pedagógica que não estão se batendo”
“Você está dizendo que há uma falha de comunicação entre a equipe pedagógica e a administrativa,
elas não estão alinhadas em termos de prática?”
P5“Exatamente, uma pede uma coisa e outra não atende e eu falo, eu digo para eles que tá errado,
sou sincera, talvez seja até ousada, falo demais tem um rapaz que trabalha demais... outro ponto
negativo apesar de toda a interação ainda temos companheiros que ainda não acreditam na escola
pública como algo bom; mas você vê professores em escolas particulares que não acreditam na
educação também... então falta essa harmonia entre o pedagógico e o administrativo... o resultado e
é que algumas pessoas ficam insatisfeitas começam a colocar atestados...'
“tem pessoas que botam muitos atestados aqui?”
P5“Tem! E choca.”
“Tem alguma coisa que eu não tenha perguntado ou que você não tenha falado e que você considere
importante que seja registrado? Que possa ajudar nessa pesquisa?”
P5“olhe é assim: trabalhar com educação não é fácil, tive de abrir mão da minha vida familiar para
me dedicar a isso; não se tem qualidade de vida se você não tem um financeiro adequado para lhe
dar suporte; há muito estresse, adoecimentos, doenças que são da profissão que existem mesmo, se
164
houvesse um profissional da área da saúde na escola, sei lá um psicólogo, um terapeuta, alguém da
saúde mental para trabalhar com os professores – já que não temos condição de pagar um
profissional lá fora – seria muito interessante porque você lidar com trinta, trinta e cinco
adolescentes em cada sala, requer o auxílio de alguém da área de saúde mental, para eles também,
acho que falta isso nas escolas...alguém para dar suporte, para professores e alunos. Seria uma
melhoria para todos. Cuidar dos cuidadores para eles cuidarem bem. Para melhorar a sociedade... às
vezes um professor está no limite e é provocado demais e acaba dizendo uma palavra ou outra que
pode marcar para sempre um aluno... antes eu vinha para cá e jogava com os alunos, eu e mais duas
professoras e jogávamos vôlei depois da aula com eles... atividade física é algo que também está
faltando aqui na escola; os professores de Educação Física estão dando aula teórica... determinação
da Seduc...mas falta. Temos uma professora aqui, que depois do expediente, sem ganhar para isso,
vem e treina os meninos do futsal, eles ganharam um campeonato promovido pelo jornal O Povo,
foram notícia... quer dizer ela gosta do que faz...se dedica...a escola precisa de atividades voltadas
para o corpo, físicas e de relaxamento. As fábricas agora tem né? Intervalos no expediente para
fazer ginástica laboral? Nós precisaríamos também disso! É sério moça, precisamos demais. Às
vezes escutamos xingamentos de alunos e não podemos revidar por uma questão de postura
profissional e engolimos calados... não é fácil não...”
“queria lhe agradecer pelo seu tempo, por partilhar seus pensamentos, seu cotidiano”
P5“eu também, por sua pesquisa, por seu interesse, espero que renda frutos e que traga mudanças
para nós; quem sabe ?”
Entrevista individual 18.11.2015
Estamos começando nossa entrevista são 10h00min da manhã, acabamos de assinar o termo de
consentimento livre e esclarecido, estamos na sala dos professores.
“Eu gostaria de começar pedindo que você me contasse um pouco da sua história, como
profissional, como professora...”
P6“Certo é... na verdade, como muitos profissionais da área de educação, essa não foi à profissão
que escolhi inicialmente, ela me escolheu, mas hoje não me vejo fazendo outra coisa não por falta
de opção mas de interesse mesmo... então deixa eu ver, eu sempre gostei muito de gente e por isso
quando era adolescente, quando tava na antiga oitava série eu assistia o programa da Angélica que
tinha uma psicóloga que sempre falava sobre adolescente, levava alguns casos, e eu pensava “cara é
isso que eu quero fazer” trabalhar com jovens, entender a mentalidade deles... então quando fui
fazer vestibular fui focada nisso, em fazer Psicologia, primeiro tentei Serviço Social na Lesse
(porque lá não tinha Psicologia) e não passei, tentei na UFC e não passei aí fiquei meio frustrada, e
pensei poxa o que eu vou fazer então? Uma certeza eu tinha era a de que tinha de fazer algo na área
de humanas, nunca fui boa com Matemática, na área de exatas, meu mundo era ligado à área de
História e de Linguagens (era no que eu era boa) eu lia por prazer, estudava gramática por prazer
(por incrível que pareça); cheguei a fazer um teste vocacional e comprovei o que já sabia: minha
área era a de humanas; mas não tinha vislumbrado a possiblidade de ensinar como profissão, no
entanto, eu já ensinava: comecei com quinze anos dando aula particular para uma menininha que
era vizinha e, por incrível que pareça, nunca procurei alunos; eu gostava muito de ensinar e ficava
triste quando ela tinha dificuldade e me esforçava para que ela se superasse, mas, apesar disso ainda
não enxergava o ensino como profissão.
165
Acho que a sociedade tem um peso grande nisso, você fala em ser professor os pais não querem,
dizem deixa disso, a carga era forte não, não escolha isso, você vai sofrer; hoje acho que até diminui
o preconceito o professor já ganhou mais importância, mas na minha época era demais. E acho que
eu não queria enxergar que era essa minha aptidão. Pois bem, continuei dando aulas e foram
aparecendo cada vez mais alunos particulares, estudantes do ensino médio, para eu dar aula de
reforço, mas eu sempre via isso como um quebra-galho, o foco ainda era passar em Psicologia, aí eu
precisei fazer terapia e achei que era uma oportunidade, também, para ver como era o trabalho em
si, como o trabalho funcionava e aí me vi perdida porque quando vi o trabalho real do psicólogo vi
que não era isso que eu queria: já era difícil lidar com meus próprios problemas como eu ia lidar
com a carga de escutar os problemas alheios todo dia o dia inteiro? Não era só aquilo de dar
palestra para adolescentes, depois da terapia vi que não era isso que eu queria... aí fiquei perdida o
que eu ia fazer? Foi quando eu fui fazer vestibular para o Instituto técnico (eu sabia que queria algo
na área de humanas) e fui fazer turismo, e adorei, defini que iria trabalhar com eventos, dentro da
gama de possibilidades que pareciam viáveis, fiquei super animada pensando em fazer o curso
superior na área, não passei, aí pensei vou fazer Letras na UFC porque vai me auxiliar, na questão
das línguas, no turismo; tava super animada, é um curso fascinante você aprende um mundo de
coisas mas aí quando terminei o curso me decepcionei muito porque vi que o curso era maravilhoso
mas que a área de trabalho, o mercado era muito injusto, tipo procurei n vezes emprego na área e
não conseguia e eu via pessoas que não eram da área, ganhando até bem, e que não tinham meu
preparo: administradores, geólogos, psicólogos até advogados todos trabalhando com turismo... isso
me deixou muito decepcionada e a área de eventos era ainda mais injusta; e percebi que teria de
abrir mão de finais de semana, feriados e que para completar o salário oferecido era muito pouco
(era em torno de um salário, na época) só que aí vi além de tudo (por conta dessa coisa de trabalhar
o tempo inteiro) a área de turismo ia se chocar com meu maior sonho, maior que qualquer sonho
profissional, que era o sonho de ser mãe; eu nem sabia quando ia ser mãe mas já vi que não ia dar
certo. Aí pensei e agora, outra frustração: Psicologia não deu certo, Jornalismo não deu certo e
agora o turismo que eu tinha investido tempo, dinheiro, dedicação, fiquei muito frustrada; sempre
fui do tipo de pessoa que não gostava de nada mais ou menos, sempre tentava o máximo, nove para
mim era nota baixa eu sempre almejava tirar a melhor nota... aí fui fazer o curso de Letras já sem
grandes expectativas porque, já tinha me decepcionado muito, mas ainda pensava que dava para
investir no turismo, o primeiro semestre foi um fracasso eu acostumada com o formato do ensino
médio de tudo muito estruturado, arrumado, e mesmo no Cefet como era um curso técnico tinha
uma organização parecida com o ensino médio; eu me deparei com a rotina da universidade que o
professor não tava nem aí, você quem tinha de correr atrás... o professor era o “bichão” sempre tive
essa impressão na universidade, o aluno era o sem luz, o que não sabia de nada...e não era fácil acho
que fazem de propósito eles põem as piores disciplinas, as mais obscuras no início do curso,
“introdução à Linguística” “Teoria da Literatura” coisas das quais nunca tinha ouvido falar, muita
teoria mesmo, era muita abstração e eu não conseguia acompanhar e eu pensava “Meu Deus o que
estou fazendo aqui?” “devo ser muito burra ou quadrada” eu não consegui realmente atingir aquela
abstração toda e tive uma crise de ansiedade muito forte e parei no segundo semestre; eu tinha essas
crises e não sabia que isso tinha um nome, elas iam me deixando deprimida... só fui saber e
entender melhor essas crises em 2012 em terapia; mas enfim, eu tive uma crise dessas e tenho
certeza de que tava associada a essa coisa de profissão; as pessoas diziam: cara não desiste, você
está numa faculdade pública, em uma federal e eu só pensava que não tinha aptidão para aquilo e aí
foi um baque, passei meses assim. Aí no semestre seguinte, de tanto as pessoas falarem, resolvi
voltar e fazer o segundo semestre, foi difícil mas consegui terminei, aí veio o terceiro e foi dando
uma melhorada. Aí o que me fez não desistir: foram as amizades que fiz lá. Era um grupo muito
166
unido e isso me manteve e era pessoal que o pensamento era parecido com o meu: todo mundo era
esforçado, todo mundo queria o dez, sabe? Eu digo até que era desleixada no início, mas fui me
estimulando, dando continuidade lá pelo quarto, quinto semestres fomos vendo outras disciplinas
que foram estimulando, tava me empolgando aí veio mais um baque: a perda da minha mãe... eu
tava para casar, ia receber apartamento e aí ela faleceu; minha vida pessoal toda organizada a
profissional se organizando e aí precisei me reestruturar emocionalmente no pessoal de novo.”
“Você tinha que idade?”
P6“24 anos sou filha única, e minha mãe me tratava como um bebê, só faltava botar comida na
minha boca”
P6“aí fui indo, empurrando com a barriga o curso, até que deparei com as disciplinas que eram
relacionadas com a prática mesmo de trabalho, estágio, didática, e isso foi me empolgando de tal
forma, eu tive a possibilidade de ver que o ensino da linguagem não precisava ser aquela chatice
que tinha sido na minha época que podia ser empolgante, interessante e foi começando a acender
aquela chama em mim. Aí parei de ensinar particular e fui trabalhar com crianças em uma escola
pequena e me empolguei ao ponto de me questionar se não devia ir fazer Pedagogia, eu ficava
emocionada de ver aqueles pequenininhos apresentando trabalho... aí fui trabalhar em outra escola
com ensino médio, gostei da experiência, comecei a dar aula no cursinho da UFC preparatório para
o vestibular e também foi legal ver o brilho nos olhos e ver que eu era capaz de ensinar; de repente
eu era “o cara” mas eu não ficava distante! E as coisas foram se somando, sempre que eu procurava
algo nessa área era tudo muito fácil, as portas iam se abrindo: a diretora da escolinha me perguntou
se eu podia começar no mesmo dia; na escola de ensino médio foi rápido, o teste de seleção para
ensinar no cursinho achei moleza então... quando entrei no Estado nas práticas eu já tinha me
encontrado, hoje sei que sou professora e que é isso o que sei fazer bem; fico triste, às vezes por ver
que algumas pessoas não querem aprender mas isso já é outra coisa...”
“Você está há quanto tempo aqui?”
P6“três anos, foi outra coisa que achei fácil, o concurso minha amiga me chamou fulana vai ter
concurso vamos fazer? Ela dizia qual era a documentação, a data, consegui a isenção, fiz a prova
muito tranquila, parece que tinha uma força me empurrando; e desde que entrei tenho melhorado e
as condições tem melhorado. Tem poucas coisas que empolgam tanto quanto entrar em uma sala de
aula e ver os alunos participando, debatendo, empolgados; infelizmente nem tudo o que a gente
gosta e quer fazer às vezes é possível... em 2012 fiz um projeto, tava com uma carga horária menor,
e passei um semestre trabalhando gramática e no segundo eles escreveram um livro, com crônicas
escritas por eles, teve uma manhã de autógrafos, cada um ganhou uma cópia... então foi um bafafá
aí hoje eles me encontram e perguntam: professora e aí quando vai ter outro livro? Vamos escrever
um em Espanhol agora (porque hoje ensino espanhol) e não dá... uma aula por semana não dá para
fazer esse tipo de atividade. Então quando você faz algo diferenciado é impossível não marcar. Mas
no semestre seguinte já não foi possível entrei em licença maternidade e quando voltei expandi
minha carga horária então esse tipo de projeto não dá para fazer”
“como é sua rotina de trabalho hoje? Me descreve um dia típico de trabalho seu”
P6“Tá, eu... na terça-feira... é muito diferenciado, na terça-feira eu passo a manhã toda aqui no
planejamento e corrigindo prova, lançando nota, diário, a parte mais burocrática, nem acho chato,
só o planejamento, que você tem que fazer acho chato, tem uma coisa de copiar coisa de livro, acho
167
chato, perda de tempo. E a tarde tem aula, uma atrás da outra, vou para uma sala, saio, já entro na
outra e dar a mesma aula, tem dia que termino um caco só dessa coisa de ficar indo de um canto
para outro da escola. A quarta-feira é o pior dia porque são dez aulas seguidas: cinco de manhã e
cinco à tarde e são séries diferentes, Português e Espanhol aí preencher diário, corrigir prova...
tenho 13 turmas de Espanhol, multiplique aí 13 turmas com cada uma mais ou menos 35 alunos a
quantidade de trabalho fora da sala de aula que tenho... aí a quinta-feira só ensino pela manhã, à
tarde tenho “livre” entre aspas mesmo porque o professor nunca tem dia livre, na segunda não
venho para escola mas trabalho do mesmo jeito, elaborando testes, trabalho, corrigindo
atividades...”
“e as demais atividades rotineiras? Quando terminam as tarefas do trabalho o que você faz?'
P6“deixa então eu te falar minha rotina inteira, segunda eu tô em casa, mas para me organizar e não
ficar atordoada de coisas, e dar atenção a meu filho, eu coloquei a seguinte estratégia: eu não
trabalho no final de semana e nem na sexta-feira à noite; Fiz isso depois de constatar, na época em
que fazia especialização e tinha de me ocupar no final de semana que eu chegava na segunda-feira e
não rendia, passava a semana exausta lógico porque não tinha dia de descanso – e agora que tenho
criança... segunda eu acordo mais cedo, enquanto ela ainda tá dormindo, eu já adianto alguma coisa
da escola, aí lá para as nove horas ele acorda, eu faço a merenda dele, ponho no cercadinho e fico
do lado dele, corrigindo prova, fazendo trabalho, mas de olho nele, interagindo aí meio dia eu paro,
vou dar o banho dele, dar o almoço... faço questão de fazer as coisas dele, se eu puder; aí depois ele
dorme e vou trabalhar de novo, lá para as quatro ele acorda e ponho ele pertinho de mim e continuo
com as atividades, quando dá seis horas eu paro, seja o que for que esteja fazendo eu paro, e vou ter
a noite livre com ele, e agora por questão de saúde comecei a fazer zumba, como exercício e
também como lazer, eu levo ele junto! Ele fica no carrinho e eu treino e depois pego ele voltamos
para casa.”
“você está fazendo exercício com qual frequência?”
P6“segunda, quarta e sexta”
P6“Aí, deixa eu continuar, na terça-feira a noite não faço nada da escola, cuido dele e de mim, a
casa fica meio entregue às baratas, porque não dá para fazer tudo, na quarta é parecido, só que vou
para a zumba como já disse, na quinta de manhã trabalho aqui, aí à tarde trabalho em casa como na
segunda, e quando paro um pouco vou fazer algo como colocar uma roupa na máquina, passar uma
vassoura... na sexta é dia de aula direto e a noite acabou e final de semana também... é algo que pus
como prioridade, tanto que passei na seleção para especialização de Psicopedagogia, mas quando
passei estava de resguardo, meu filha tava com vinte dias de nascido e me doía o coração ter de
deixar ele para assistir aula, ele ainda mamava de duas em duas horas, aí vi que quando iniciassem
as aulas ia ficar impossível e optei em não continuar, porque não ia puder fazer o meu melhor, que
já disse, é uma coisa importante para mim... aí desisti do curso, como ia trabalhar o dia todo e a
noite estudar? E meu filho? Eu sempre o punha em primeiro lugar, quando passei no concurso
pensei que ia puder ficar só com 100 horas de carga horária, ia ficar com um expediente para cuidar
dele mas aí as condições não permitiram e precisei ampliar minha carga horária. Sempre negocio no
inicio do ano para meu horário ficar o mais concentrado possível para eu ter tempo de trabalho em
casa porque ai posso ficar com ele também...'
“Quando você pensa em saúde, saúde mental o que te vem à cabeça? O que você entende?”
168
P6“acho que tenho até autoridade para falar disso, como já disse tenho um histórico com problema
de ansiedade desde os dez anos de idade, e a ansiedade tem muito haver com objetivos, com não
estar perdido, saber o que se quer; é importantíssimo você ter um objetivo pelo qual lutar, saber o
que se quer para sua vida, quais são suas prioridades...eu sempre quis ser mãe então tinha de ter um
trabalho que me permitisse ser mãe, sempre quis trabalhar com gente, fazer algo que me desse
prazer andei muito para chegar até aqui; Saúde mental é você estar de bem consigo mesmo, estresse
de trabalho é inevitável, independente da profissão que você escolher, sempre vai ter estresse e hoje
então sempre há acúmulo de atividades, então o importante é a maneira como você lida com as
situações e se vale a pena... tipo eu tô estressado, é muita coisa, mas é um trabalho que eu gosto que
me faz bem, você vai lá e faz; outra coisa é você estar cansado com um trabalho que você odeia,
experiência que eu também tive: teve um período em que trabalhei com telemarketing e eu ia
trabalhar chorando e voltava chorando e não era tão estressante, o horário era à noite, tinha poucas
ligações para atender, mas eu odiava e me pegava chorando, eu voltava a pé e me pegava várias
vezes chorando o caminho de volta todo então de que adianta? Eu trabalhava seis horas, não tinha
trabalho para levar para casa mas estava muito infeliz então do que adianta? Hoje eu vou para casa
com uma pilha de provas, cansada, mas vou tranquila, porque é o quero fazer... acho que não é só a
carga do trabalho em si que estressa... lógico que não dá para carregar o mundo nas costas, tem de
saber seus limites... Tenho uma amiga que vende MaryKay, super empolgada, aí ela vem ah, fulana,
vamos lá, vamos fazer, dá para ganhar um bom dinheiro – toda empolgada – ela é professora como
eu, tem filho como eu e faz, mas para mim não dá; eu digo, que bom, para você funciona, que dá
certo mas para mim não dá... você tem seu limite, eu tenho o meu... ou então alguém pergunta por
que não vou atrás de ensinar numa escola particular porque aí posso por meu filho com bolsa e tal,
mas mesmo que sejam duas ou três horas a mais para mim não dá, eu já ensinei em escola privada e
não gosto, não dá.”
“Quais são as principais diferenças que você vê entre a escola particular e a pública?”
P6“São muitas...se na escola pública, às vezes me sinto inútil, na escola particular esse sentimento é
sempre...vou te dar um exemplo: a maior parte dos alunos da escola onde ensinei (de ensino médio)
é de classe média alta ou muito alta e eu me sentia muito pequenininha, menor, não que me
humilhassem, mas era natural, às vezes um chegava e dizia oi tia, você vai dar aula hoje de tal
coisa, ah, eu já morei lá (na Espanha, a aula era de Espanhol) a senhora já foi lá? Poxa, eu nunca saí
do Brasil e isso ia me diminuindo; eu achava que eu não importava muito, eu era só mais uma,
porque eles tinham professores particulares, pedagogos, psicólogos, sabe? Não me sentia muito
importante, e aquilo me doía, não me sentia importante. E na escola pública sinto que importo mais,
um aluno chega e agradece ou comenta um livro que indiquei, ou comenta, ah que legal aquele livro
que escrevemos... poxa, pode ser a coisa mais legal que ele já tenha feito... e... semana passada me
deparei com uma situação em que um aluno desmaiou em sala de aula de fome, ainda se encontra
essa situação... aí os professores se juntaram e estamos dando uma cesta básica para ele e ele já veio
morto de feliz agradecer, sabe? Então são momentos prazerosos em que você se faz útil...se vê
importante; vem um aluno e pergunta professora eu te adicionei no facebook a senhora não me
aceitou por quê? Sabe? Parece que sou importante para aquela pessoa... essas pequenas coisas, aí
falo, ai foi meu amor? Vou adicionar... quando eu ainda fazia faculdade, eu encontrei com uma ex-
aluna que havia se tornado colega de curso e ela veio na maior alegria: professora que coisa boa e
tal... Professora...ora, ele ia fazer a mesma cadeira que eu... Professora eu passei... e isso é muito
bom.
Eu não sinto esse feedback na escola particular, eles tem um aparato muito maior então não faço
169
tanta diferença.”
“quais são seus pensamentos sobre a educação continuada?”
P6“Você diz de nós, os professores?”
“sim”
P6“sobre a necessidade da formação?'
“Por exemplo, vocês tem algo nesse sentido aqui? Existe alguma prática de educação continuada
aqui?”
P6“olha, sinceramente, não. A gente que tem de buscar por conta própria... eu conclui minha pós
quase toda, parei por causa de uma crise de ansiedade e depois engravidei... mas do estado, uma
iniciativa do Estado nesse sentido, não existe; ano passado veio um pessoal da UFC e deu um curso
para os professores do ensino médio, eu como não estava dando aula no ensino médio nessa época,
não participei... os professores que participavam até recebiam uma bolsa que depois foi cancelada.
Então assim, foi uma entidade não uma iniciativa da própria Secretaria de Educação, por exemplo.
Então acho que não existe, no entanto, penso ser extremamente importante e necessário porque nós
professores, às vezes ficamos muito perdidos, algumas vezes queremos ajudar um aluno e
simplesmente baixamos a cabeça por não saber como...não vejo isso como uma falha minha, mas
falha realmente de formação, inclusive complementar, por exemplo (e esse é só um, tenho vários
outros) eu tenho uma aluna que não faz nada em sala de aula, nada, nada, nada, não conversa, não
lê... na maior parte do tempo está de cabeça baixa. E não acredito que uma pessoa esteja fazendo
isso simplesmente por falta de força de vontade, imagino que deva haver uma situação muito maior
e eu não sei como ajudar; e não posso dar uma de Madre Tereza de Calcutá, porque não posso dar
conta de tudo; mas essa menina pode ter problemas aprendizagem, alguma dificuldade cognitiva e
eu não sei identificar, não sei ajudar; sinto-me mal por isso; se tivéssemos um trabalho de alguém
especialista que dissesse ah qualquer coisa é só encaminhar para gente talvez essa deficiência não
aparecesse tanto; há muitos entraves no serviço público, os professores antigos, em sua maioria, vão
se desmotivando dando só aquela aulinha metódica por ali... você cansa de dar murro em ponta de
faca. Eu já não me vejo tão motivada quanto no início”
“Como você avalia sua qualidade de vida hoje? Em uma escala de zero a dez como estaria sua
qualidade de vida?”
P6“ah Meu Deus...eu tenho de fazer uma avaliação comparativa; comparando com antes quando
vivia sob as asas de meus pais, minha qualidade de vida deu uma reviravolta de 180 graus, ficou
100% melhor mas se for comparar com o que tenho por ideal acho que daria um sete”
“Ok, e o que faltaria para que sua qualidade de vida fosse o dez?”
P6“pensando só em mim? No meu lado pessoal, profissional?”
“pensando em tudo, para sua qualidade de vida ser excelente o que faltaria?”
P6“falta algumas coisas, né? Eu não tinha pensado... primeiro no profissional acho que falta ainda
170
muito reconhecimento da profissão, não estou falando só da questão financeira, mas dos estigmas
“ah a professorinha, bichinha, coitadinha...” às vezes tenho a impressão de que a sociedade pensa
que todo professor é professor por falta de opção, comigo, por exemplo, eu me achei na profissão,
me sinto satisfeita com ela, então não sou coitadinha, não é uma questão de se acomodar; acho que
falta esse reconhecimento que as pessoas me olhassem com um olhar de admiração; na escola
pública você chega com um carrinho um pouco melhor e os alunos dizem olha aí a professora
rica...falta essa valorização, esse respeito, estudei muito para estar aqui, se houvesse isso já muita
coisa se modificava; em termos pessoais se houvesse mais estabilidade do meu esposo (ele é dono
de uma marcenaria; eu dependo muito dele e ele de mim) não há como falar em qualidade de vida
sem falar em dinheiro; quando a empresa dele estiver mais estável vai ficar melhor; é isso,
conquistei muita coisa, inclusive a casa própria...uma melhora no emprego e um maior
reconhecimento; e quero ter pelo menos mais um filho (queria ter quatro mas às coisas são
difíceis).”
“você teve algum episódio de adoecimento de três anos para cá? (você disse que a última crise de
ansiedade tinha sido há três anos)”
P6“mais ou menos, a última crise grande foi no final do ano de 2012 então houve paliativos, férias,
recesso então acho que não se tornou uma coisa maior por isso; e também comecei o tratamento,
então...”
“Você faz uso de alguma medicação controlada?”
P6“Não, tive de parar na época da gravidez e não voltei mais, eu tinha muito medo de ter uma crise
grávida porque não ia poder tomar nada, às vezes acordava toda me tremendo e pedia ajuda a Deus
porque não ia poder tomar nada, o médico até passou um remédio natural mas eu não tomava nada;
hoje o Gabriel toma tanto meu tempo que não tenho tempo para crise de ansiedade, ele virou o
próprio remédio”
“tem alguma coisa que você considere importante e que eu não tenha perguntado ou você não tenha
falado e que você acha importante ficar registrado?”
P6“uma coisa que me preocupa muito é a saúde da minha garganta, acho que todo professor se
preocupa com isso em grau maior ou menor; quando criança tinha muita crise de amigdalite depois
de começar a dar aula nem tanto, mas vira e mexe eu fico muito rouca e ouço muito relato de
pessoas que ficaram com calo nas cordas vocais, ou que desenvolveram até câncer e isso me
preocupa mesmo; porque o cansaço físico não incomoda tanto mas quando falta a voz...passo o final
de semana fazendo gargarejo, tomando mel; então acho que isso deveria ser prioridade nas escolas,
por exemplo, a acústica nas salas é péssima e isso vira uma preocupação diária do professor...Falo
um pouco mais e já fico rouca, até uma época iniciei um tratamento melhorei um pouco aí parei.
Pelo menos aqui temos uma média de 30 a 35 alunos por sala mas já trabalhei em locais com 60
alunos numa sala...e os alunos são muito dispersos então acabo levantando a voz, vários professores
já compraram microfone...”
“Só para nós encerrarmos: aqui na escola J tem uma coisa que é muito boa, então complete essa
frase para mim – que bom que...”
P6“aqui, acho que nós professores temos mais liberdade para fazer o que é certo por outro lado por
vezes faltam recursos. Mas temos grande liberdade de mudar, trabalhar os conteúdos como quiser;
171
outro ponto positivo é que não tem tanto problema de droga, nem violência, são casos bem isolados;
os alunos podem até não ter muito interesse nos estudos, mas são muito solícitos, cuidadosos
(quando eu estava grávida levavam meus materiais, me ajudavam de toda forma que podiam)”
“e qual e‟ o ponto fraco?”
P6“ a falta de material, essa crise tá complicado; e uma maior organização, vinculação entre
coordenação e técnicos; falta uma solidariedade maior; faltam mais trabalhos vivenciais “
Entrevista Individual
Terça-feira 09 de Março de 2016.
Esqueci o termo de consentimento livre e esclarecido e me comprometi de entregá-lo na próxima
semana para o entrevistado, no entanto os objetivos e o conteúdo do termo foram explicados para o
entrevistado.
Qual é a sua idade?
P7 Tenho 24.
Há quanto tempo você está aqui na escola?
P7 Aqui vai fazer oito meses.
Você ensinava em algum lugar antes?
P7 Não, é meu primeiro trabalho.
E qual é a sua situação? Você entrou por concurso, você é temporário? Como está?
P7 Eu sou temporário, entrei para substituir uma professora que estava de licença e acabei ficando.
E você tem data certa para sair?
P7 Sim, meu contrato é de carência definitiva, saio no final do ano.
Você dá aulas em quantas turmas aqui?
P7 Aqui no J em quatro, uma pela manhã e três à tarde. Duas de primeiro ano e duas de segundo.
Você pode descrever um dia típico de trabalho seu?
P7 Minha carga horária é de 12, sendo que pela tarde eu tenho três aulas pela manhã, na quinta feira
duas, e na sexta uma. À tarde tenho cinco aulas na terça e quatro aulas na quarta, quinta-feira tenho
planejamento. Hoje, no caso estou usando parte do meu horário de planejamento. A maior carga
horária é a do período da tarde e é bem puxado...
Como é que você faz? Você acorda de manhã é ai? Vai preparar aula? Como é que é um dia de
172
trabalho seu?
P7 Não, uso o horário do planejamento para preparar as aulas, consigo me programar para o que
vou fazer na semana. Faço isso nas quintas à tarde.
Você só está dando aula aqui?
P7 Não dou também na escola xxxxxxxxxxxxx lá dou aula nas outras manhãs incluindo
planejamento.
É a mesma disciplina?
P7 Não. Lá é xxxxxx. Minha formação é na área da xxxxxxxxx. Mas também tenho habilitação para
xxxxxxxx. Minha rotina é mais puxada por causa do outro colégio tem dias que ministro nove aulas.
Os planejamentos, faço os de lá pela manhã e os daqui na quinta à tarde. Tem dias que... que se
torna bem puxado.
Imagino...
P7 Acordo às seis da manhã, nos dias mais puxados começo as aulas às sete fico em sala até às
11h30min, almoço e venho para cá 12h50minh; ai vou até às seis horas.
Você é casado, é solteiro?
P7 Sou solteiro.
Mora com seus pais ou mora sozinho?
P7 Moro só.
Como você faz para organizar as coisas da sua casa? Da sua vida? As compras, a limpeza da casa...
a rotina da casa?
P7 Bom, é complicado porque além das aulas eu ainda vou para faculdade à noite. Minha
organização faço no final de semana. Qualquer coisa que diga respeito à vida pessoal, eu só tenho
tempo no sábado ou no domingo.
Você está fazendo uma segunda formação ou está concluindo a sua primeira formação?
P7 Estou concluindo à primeira ainda.
Onde?
P7 Na UECE. Como estou de férias, esse período é um pouco mais tranquilo. Mas quando não,
estou de manhã, à tarde e à noite em sala de aula...
Fiquei cansada só de ouvir (rsrs) o telefone tocou e atendi informando que estava no meio de uma
entrevista.
173
Retomo: Me conta um pouquinho da tua história? Da docência? Como aconteceu essa escolha...
P7 Na verdade, não foi algo que eu tinha em mente para mim. O curso de xxxxxx eu queria e queria
que fosse pela UECE aí lá só é a licenciatura mas ainda assim minha vontade não era a de ir para
sala de aula, pensava em ir para a área xxxxxxxx era o que eu queria, porém, tanto por questão de
oportunidade quanto de necessidade para estar concluindo o curso eu vim para sala de aula e foi
algo que gostei bastante, porque além de me aprofundar na matéria teve o contato com os alunos foi
algo que me despertou o interesse, foi o contato que me manteve motivado para continuar na
docência.
Você tem interesse em permanecer? É algo que você se visualiza fazendo o resto da sua vida?
P7 Sim, não sei se ensinando em ensino médio, mas de permanecer na docência, sim, tenho
vontade. Minha expectativa é ir para a parte da faculdade.
Você pode destacar quais são as coisas que você gosta na docência?
P7 Gosto quando consigo passar um conteúdo planejado e os alunos conseguiram assimilar e
durante a aula demonstraram interesse, isso para mim é muito prazeroso.
Isso funciona como motivador?
P7 Sim, como um motivador. Mas é uma faca de dois gumes porque quando você não consegue
também é desencorajador.
E a parte ruim?
P7 A parte ruim é que se você não vê a turma respondendo, isso te leva muito para baixo, mesmo
que seja só em uma sala, você fica com um peso na consciência porque foi um trabalho, que você se
propôs a fazer e não foi bem aceito...
Se você fosse colocar em uma balança hoje as turmas que você ministra em termos de satisfação ela
ia ser mais positiva ou mais negativa?
P7 De maneira geral acho, que é mais satisfatória que insatisfatória, mesmo que hajam pessoas, que
não aprendam, de maneira geral é mais satisfatório, o retorno dos que aprendem ainda é mais
gratificante. Não dá para pensar só em números porque senão você pode se abater. Para mim me
concentro nos que me dão atenção. Faço dessa forma. Lógico, que isso não significa deixar os
outros de lado, sempre tento novos métodos, técnicas para tentar recuperar aqueles que não querem,
mas a gente sabe, que é um trabalho difícil, mas não dá para se deixar abater por isso; porque senão
falta motivação para tentar esse novo. E o professor não pode ser só para a matéria.
Você dá aulas também em outra escola a xxxxxxx se você fosse comparar essa escola com a J
focando nos pontos fortes, quais seriam os pontos fortes de uma e de outra?
P7 Na escola xxxxxxxx ministro a disciplina na qual estou me graduando, então isso já conta
bastante . A vantagem do J é a estrutura ser melhor em relação à quantidade de alunos por sala.
174
A estrutura física?
P7 Sim. Ela conta bastante. Apesar da disciplina não ser da minha área, mas é uma das minhas
habilitações, a estrutura ajuda, aqui temos salas grandes, mas com um número limitado de alunos,
na escola xxxxx apesar de as salas serem grandes também o número de alunos é muito maior o que
causa certa dificuldade. E aqui no J percebo que os alunos têm um pouco mais de interesse. Seriam
alguns pontos fortes daqui.
Se você fosse fazer uma avaliação do seu relacionamento com os seus colegas professores daqui,
como você classificaria? Faz oito meses que você está aqui, como é a relação com o corpo docente,
com os diretores?
P7 Assim, quando cheguei, aqui já tinha uma pessoa que era conhecida então me senti acolhido, e
com os demais não tive dificuldade, estabeleci relações profissionais com facilidade, não tive
nenhum atrito com professores nem da mesma área e nem de áreas diferentes. É uma relação
equilibrada, nem sempre são as mil maravilhas, mas dou graças a Deus por ser tranquilo.
Se você tivesse a opção de ficar em definitivo na escola você ficaria?
P7 Ficaria. É um colégio que eu tinha ouvido falar, tive colegas que trabalharam aqui e que falavam
muito bem e quando eu cheguei eu fui bem recebido, então tenho o J como um dos colégios, que se
eu tivesse a opção de ficar, eu ficaria, o bom relacionamento facilita.
Voltando um pouco para suas percepções, o que você entende por qualidade de vida, por saúde
mental, qual é a concepção que você tem?
P7 Para você poder dizer que tem uma boa qualidade de vida, você tem de ter uma vida equilibrada.
Tanto a questão do profissional, quanto a questão do equilíbrio, dos relacionamentos, não é só uma
questão material, ter só as melhores coisas, não garante bem-estar, porque até isso se torna
entediante, você tem de ser equilibrado em seu trabalho, em seu convívio social...
Se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida em uma escala de zero a dez que nota você
daria?
P7 Eu daria um 6,5 minha vida não está ainda como eu gostaria que estivesse, por ser muito novo
ainda, não consigo fazer distinção de algumas coisas na minha vida e isso acaba sendo um pouco
negativo para mim. Mas, para alguém da minha idade, quando me comparo com outras pessoas da
mesma idade acho que estou bem, física, psicológica e materialmente.
E o que faltaria para que sua vida tivesse uma nota 10?
P7 Estabilidade financeira, que por ser temporário eu não tenho e algumas coisas na minha vida
pessoal, que ainda atrapalham um pouco eu chegar à qualidade de vida ideal. Questões familiares.
Você pode completar algumas frases para mim?
P7 Ser professor é... Extraordinário
175
P7 Se eu não fosse professor eu seria... Vendedor (rsrsr) vem de família (meus pais tem um
comércio) acho que seria empreendedor.
Você tem irmãos?
P7 Sim, somos em quatro lá em casa. Sou o caçula. É intercalado mulher e homem, são dois casais.
O que você acha que mantém os professores aqui da escola saudáveis? Quais são as condições
objetivas e abstratas que favorecem a saúde mental dos professores aqui?
P7 Acho que o próprio corpo docente favorece, porque se os próprios docentes não se ajudassem já
seria uma coisa muito pesada e o próprio ambiente, a relação dos professores entre si é boa, ajuda,
tem um colega nosso o ... que é conhecido faz todo mundo rir, deixa o ambiente leve.
Sim, assisti uma aula dele, ele é muito engraçado
P7 Se você tirasse o …....... daqui, já cairia um pouco a qualidade de vida dos demais porque ele é
leve, extremamente extrovertido e traz certa alegria para a turma. O ambiente em si é muito
favorável. A estrutura que temos, nosso corpo docente acho que em muitos colégios não tem porque
são professores que buscam se ajudar, tem uma outra peça, que é exceção, mas no geral os
professores se ajudam muito e isso ajuda muito na qualidade. Você não precisa se preocupar com
aquela coisa de alguém querendo te derrubar. Existe um sentimento de união. Se você chegar
cabisbaixo todo mundo vai te perguntar o que você tem, vai querer ajudar...
Antes de encerrarmos há algo que não tenha perguntado, que você considere importante eu saber?
Caso contrário encerramos...
Agradeci e encerramos...
Entrevista Individual
terça-feira 22 de março de 2016
Após lermos o termo de consentimento livre e esclarecido demos inicio à entrevista:
E – Gostaria de começar pelo começo, é assim: preciso saber um pouco da sua história, como
professor, como você chegou ao magistério? Você escolheu ser professor? Foi escolhido pela
profissão?
P 8– Certo, eu fiz a Universidade Federal, o curso de Letras, e sempre gostei, sempre me
identifiquei com a profissão; aí logo depois eu fiz a pós-graduação e nesse período surgiu a
oportunidade do concurso público, eu fiz, passei e fui chamada e isso, já faz bastante tempo: vou
fazer 21 anos, aqui no Estado.
E – e essa foi sua primeira escola (J)?
P8 – Não, não, eu passei por outras escolas, mas essa aqui foi onde me fixei mais, eu gosto bastante
daqui.
176
E – Aqui nessa escola você está há quanto tempo?
P 8– há sete anos.
E – e nas outras escolas onde você ensinava, as aulas também eram para o ensino médio?
P 8- a maior parte sim, só bem no início foi ensino fundamental, mas gosto do ensino médio, tenho
uma boa relação com os alunos.
E – Tu percebes alguma diferença marcante comparando a J com as outras escolas nas quais você
ensinou?
P 8– Não, não existe tanta diferença, o que existe é... a...o que eu acho é que há diferença de
comportamento em determinadas turmas quando comparando as desta escola com as de outras
escolas: nossos alunos são melhores, são mais fáceis de você conversar, de você conscientizar, por
não ser uma escola de bairro, por haver alunos de diversos locais acho que fica mais fácil, fica uma
escola bem-vista em termos sociais.
E – Por haver uma dispersão maior as turmas são mais fáceis?
P 8– Também, tem uma questão cultural, eles são muito carinhosos, respeitosos eles ainda não
ultrapassaram aquele nível onde alguns começam a bater boca com professor, xingar, extrapolar os
limites. Não, eles são ...dá para controlar.
E – Se você fosse descrever para mim seu cotidiano de trabalho, como ele seria? Como é um dia
típico de trabalho seu, começando de manhã? Na verdade nem só do trabalho, a rotina mesmo,
como é um dia típico seu?
P 8– Eu acordo de manhã, as 05h30min, faço meus afazeres, né? Cuido dos meus filhos, meu
esposo também ajuda demais, ele vem me deixar aqui no colégio antes das sete horas, passo a
manhã, o período da manhã e alguns dias à tarde também, como hoje, na terça-feira estou no
planejamento à tarde, há dias em que chego bem cedo da tarde em casa.
E – Qual é a idade dos seus meninos?
P 8– Tenho um menino de dez anos e uma moça de quinze de anos. Tenho 16 anos de casada vai
fazer agora no final do mês.
E - e aí? Quando você chega em casa? Você vai cuidar das coisas de casa? Dos filhos? Como é?
P 8– Chego, vou cuidar um pouco de mim, aí já deixo tudo preparado para noite, para a refeição
deles
eles chegam da escola umas seis e meia, aí já tá tudo pronto: eu janto com eles e com meu esposo;
aí descanso um pouco, vou estudar, assisto um pouco de televisão...
E – Você vai deitar (dormir) a que horas mais ou menos?
177
P 8– umas dez horas mais ou menos.
E – quais são suas percepções, ou melhor, o que você entende por qualidade de vida?
P 8– Qualidade de vida é você estar bem consigo mesmo, você ter saúde, você se alimentar bem, ter
o seu lazer, para que seu organismo não sofra as consequências futuramente, isso é ter qualidade de
vida.
E – e para você ter qualidade de vida o que você precisa fazer então?
P 8– Exercícios físicos, uma boa alimentação, um tempo maior para descansar porque quer queira
ou não, sala de aula tem momentos, que você fica muito cansado de falar, são muitas ideias, muitas
conversas, muitas atividades para serem corrigidas, muitos trabalhos para serem corrigidos, diários
para serem preenchidos então o professor tem de ter um momento para parar, para cuidar de si
mesmo.
E – Se você fosse dar uma nota de zero a dez para sua qualidade de vida, que nota você daria?
P 8– oito.
E – e o que estaria faltando para alcançar os dez pontos?
P 8 - Ter um tempo maior para mim. Para cuidar de mim, porque eu não tenho! Eu preciso me
exercitar, descansar mais, mas eu tenho o terceiro expediente! Eu cuido da casa! Então isso também
atrapalha um pouco.
E – então faltaria um pouco mais de tempo para você mesma, para fazer uma atividade física...
P 8– É muito estressante, eu almoço muito rápido porque tenho de voltar para sala de aula, encarar
mais um turno de trabalho...quando eu chego em casa, cansada, ainda tenho de fazer o jantar para
mim, para as crianças... quer dizer com isso tudo, eu esqueço um pouco de mim...
E – é claro...você relaciona qualidade de vida com saúde mental?
P 8– Sim! Com certeza, se você não está bem com seu corpo, sua mente também adoece! Se o corpo
pesa a cabeça sofre as consequências: você não raciocina bem, fica estressado, fica grosseiro, tem
dificuldade de respirar... é uma consequência...
E- Quais são as coisas, fulana, que você gosta de fazer ou que você faz, que te ajudam a te manter
no seu eixo, porque existe uma repetição, um rojão diário, que faz parte da sobrevivência então
diante dessa série de obrigatoriedades, que se tem, nós desenvolvemos meios para nos mantermos
em nosso eixo então quais são as coisas que você percebe, que você faz para se manter bem? Bem-
humorada, se sentindo bem...
P 8– Eu gosto muito de ouvir música, de cantar e gosto muito de filmes! Esqueço do mundo quando
estou vendo um bom filme, principalmente se mexer com o lado psicológico, trabalhar as emoções,
os sentimentos do dia a dia, eu gosto disso.
E – Você escuta música diariamente?
178
P 8– Sim! Eu gosto muito. Quando estou na cozinha, quando vou me deitar... ponho o celular do
lado da cama e ponho músicas gostosas, que trabalham o relaxamento, gosto muito fico mais
tranquila.
E – Você tem alguma religião?
P 8– Sim, eu sou católica.
E – Mas você é praticante? Tem o hábito de ir à missa?
P 8– Sou, eu sou praticante, vou à missa, levo meus filhos...meu marido é evangélico.
E – Se você fosse classificar o seu relacionamento com os outros professores com uma nota de zero
a dez, sendo dez o melhor, que uma relação pode ser, e zero o pior que uma relação pode ser, que
nota você daria?
P 8– Eu gosto muito dos meus colegas, me dou muito bem com eles, são bons, carinhosos, eu
transmito aquilo que estiver sentindo mesmo para eles. Mas, as pessoas não são perfeitas então eu
daria um nove, porque tem as imperfeições, mas elas fazem parte. Mas gosto de estar com eles, rio,
converso bastante.
E – eu percebo, que existe uma cultura de bom humor aqui, as pessoas fazer piadas...
P 8– É! A gente esquece os problemas.
E – quais são os pontos fortes que você vê aqui, no J? O que tem de bom aqui que não tem em
outras escolas? Se puder me diga três qualidades em que a escola se destaca...
P 8- O companheirismo, bom humor e a acessibilidade das pessoas
E – Como você imagina sua vida, daqui a cinco anos? Se você pudesse escolher qualquer coisa,
como você gostaria de estar, daqui a cinco anos?
P 8– bom, se as regras da aposentadoria não mudarem daqui a uns três anos eu vou estar aposentada
e eu quero me dar o prazer de vivenciar outras coisas, viver outros momentos, cuidar de mim,
acompanhar melhor a trajetória dos meus filhos, que já vão tomar outros rumos...
E – então você pensa em se dedicar mais a sua família?
P 8– é e de fazer outras coisas, sei lá, um trabalho voluntário, de aproveitar mais as possibilidades
de arte e cultura., de desenhar...
E – Você desenha?
P 8– Sim! E eu gosto! Desenhar, pintar, bordar, tocar violão. Sei fazer tudo isso, só que eu parei, né?
Desde que entrei na faculdade parei.
E – então você gostaria de resgatar esses outros dons?
179
P 8– Sim, eu gosto...
E - e o trabalho voluntário, que tipo de trabalho seria?
P 8– ah, sei lá, algo na igreja e que ajudasse alguém...
E – Algo com evangelização?
P 8– Sim!
E – nós falamos antes das qualidades, das coisas boas que a J tem, se você fosse elencar as três
coisas, que não são boas, que coisas seriam essas? Ou se você pudesse elencar três coisas, que você
poderia mudar, que coisas você mudaria?
P 8– Alguma coisa na organização, alguma coisa que, que precisa ser dito mais...Nas reuniões
colegiadas...
E – uma formalização da comunicação?
P 8– talvez, não sei. Que as pessoas se envolvessem mais nos projetos, dessem sugestões, não sei
talvez se tivessem mais tempo para maturar as coisas, para sentar e apurar os acontecidos
E – tornar as comunicações mais claras? O que é dito de modo enviesado ser dito de forma clara?
P8 – sim, mas sem machucar. Sei que não é fácil, você lidar com o ser humano, somos uma
caixinha de surpresas, mas a humanidade é assim... aprendemos uns com os outros, como posso
dizer? é... somos capazes de cair em nossos próprios erros, mas isso também é bom porque
aprendemos a desviar, a evitar aquilo que nos causou dor...de não se vitimar, assumir o que passou e
seguir em frente...ficam cicatrizes, mas você não precisa abri-las novamente.
E – fulana, quais são seus pensamentos sobre educação continuada, o que você entende por
formação continuada?
P 8– Bom é como o próprio nome diz: é um processo de aprendizagem, de desenvolvimento
pessoal, pedagógico, psicológico, é não parar no tempo, prosseguir...
E – e existe alguma prática, aqui na escola, voltada para essa questão, para ajudar a dar
continuidade nesse desenvolvimento?
P 8– houve um projeto do qual participamos sobre essa prática voltada para formação humana, para
nos tornarmos mais sensíveis, aprendermos a nos enxergar no próximo, a lidar melhor com
preconceitos, com as diferenças...
E – e esse curso/encontros aconteciam aqui na escola?
P 8– Foram, foram aqui mesmo.
180
E – e quando aconteceu?
P 8– Ano passado... eu acho...
E – E durou quanto tempo?
P 8– Seis ou sete meses. A cada encontro pedagógico eram colocados novos conteúdos, tínhamos
uma apostila...
E – e afora este, houvera outros antes ou algo do gênero esse ano?
P 8– não.
E – e você acha, que o formato, que essa formação tinha, era adequada, atendia às necessidades de
vocês?
P 8– era um bom material, que encaixava, com as necessidades dos professores e dos alunos.
E – nós já estamos perto de acabar, e eu queria, que você completasse algumas frases:
P8 Ser professor é... gostar de, gostar do outro. Gostar do próximo.
P8A sala de aula para mim... é minha casa
P8 Se eu não fosse professor, eu seria... talvez um psicólogo
E – ok, tem alguma coisa, que eu não tenha perguntado e que você julgue ser importante ser
registrado para minha pesquisa?
P 8– há a necessidade de lembrar, que o aluno às vezes, vem a escola para esquecer os problemas de
casa, e que todos precisam de uma segunda chance e que mau exemplo fora da escola eles já tem
muito...
E – você está falando da importância do professor ser um modelo para o aluno?
P 8– Sim é muito importante, somos um espelho o que fazemos fica registrado.
E – bem, estamos terminando quero agradecer e me colocar a sua disposição para qualquer dúvida,
tudo bem?
P 8– imagine, eu é quem agradeço. Você é bem-vinda.
Terça- feira 22 agosto de 2016, 14h30min da tarde, após a leitura e assinatura do termo de
compromisso iniciamos a entrevista, é a primeira entrevista após o final da greve de três
meses...
“Bem, passadas as formalidades, eu gostaria que você me contasse um pouco da sua trajetória
profissional, como você se tornou professora?”
181
P9“Eu não sou daqui de Fortaleza, sou do interior, de Barreiras, aqui mesmo no Ceará. E... na
minha época, assim... a gente só tinha duas opções com relação ao ensino médio, ou a gente fazia o
pedagógico, que é o que a maioria das meninas faziam ou você ia fazer científico junto com a
maioria dos meninos, mas não tinha um mercado certo de trabalho e naquela época a gente não
aspirava a fazer uma faculdade, tudo era muito difícil, então eu fui... eu, eu não escolhi ser
professora, acho que a situação mesmo da falta de opção é que me empurrou, né? Para esse
mercado de trabalho mas eu abracei com boa vontade, eu me identifiquei, desenvolvia meu trabalho
com boa vontade aí eu trabalhei lá até 95. Em 95 eu vim para cá tentei vestibular na UECE passei
para Letras e vim fazer faculdade aqui, vim morar com meu irmão e dois anos depois eu casei e por
aqui, eu continuei, trabalhei em algumas escolas particulares e agora nesse último concurso para o
Estado eu, eu passei para rede, sou efetiva mas ainda estou em estado probatório. Mas, o que eu
gosto mesmo é de trabalhar na Escola Pública, eu não me identifiquei, com a escola particular.”
“Você passou quanto tempo na rede particular?”
P9“É... quando as minhas filhas eram muito pequenas eu saí de sala de aula, fiquei um pouco
ausente né? Então, talvez, juntando tudo uns quatro ou cinco anos, no máximo.”
“E ai depois você fez concurso para a rede pública? Logo depois?”
P9“É, antes eu trabalhei como professor temporário, assim que não tem aquele vínculo ...”
P9“Não tem estabilidade!”
“Isso.”
“E você passou quanto tempo como temporária?”
P9“De 2003 até 2013 que foi quando eu passei no concurso para efetivo.”
“Então você passou 10 anos como temporária antes de passar em um concurso para professor
efetivo...e já era ensino médio ou era ensino fundamental?”
P9“É, não... dependia da escola, eu passei três anos em uma escola profissionalizante lá não tem
ensino fundamental era só médio mas dependendo da carência, né? às vezes eu trabalho no
fundamental também.”
“Entendi. Bom, você passou pelas experiências de trabalhar no ensino médio, fundamental e
também profissionalizante, qual dessas experiências para ti foi mais interessante? O que você
gostou mais de fazer?”
P9“É...eu saí da profissionalizante por escolha, eu poderia ter ficado lotada lá”
“Você tinha essa opção quando passou no concurso?”
P9“Tinha. Inclusive algumas colegas acharam, que eu não estava fazendo, tomando a melhor
decisão porque, como a minha colocação no concurso não foi logo das primeiras eu ia ser lotada,
como realmente fui, lá na periferia, né? Mas eu não queria mais ficar em escola profissionalizante
182
porque eu não me identifico muito em ficar em ambiente de muita pressão e a escola profissional
tem isso...”
“A pressão da escola profissionalizante é maior que na escola tradicional?”
P9“Muito maior é semelhante ao ritmo de trabalho da escola particular e eu, como tenho tendência
à depressão então... aquilo não tava me fazendo bem, eu já tinha chegado ao meu limite”
“Entendi”
P9“Eu só estava lá porque, como professor temporário, lá você tem estabilidade, você tem suas
200h garantidas né? Não precisa ficar...”
“Pulando de galho em galho?”
P9“Isso. E além disso, o contrato é de, no mínimo, dois anos, depois renova, então para quem é
professor temporário, é muito bom. Mas como eu tinha passado para efetivo eu tinha a opção de ir
para escola regular, eu preferi. Preferi arriscar, passei seis meses em uma escola lá no Conjunto
Esperança, foi a pior experiência da minha vida (ri) mas depois eu consegui puxar para cá as minhas
horas.”
“Tu passou quanto tempo nessa escola do Conjunto Esperança?”
P9“Eu passei de julho de 2014 até dezembro quando acabou o ano letivo aí em 2015 eu já vim para
cá, graças a Deus consegui concentrar minhas 200horas aqui”
“E a diferença é muito grande da J para essas outras escolas?”
P9“A... do conjunto esperança?”
“sim”
P9“Muito grande, não em relação à organização da escola, gestão, não é isso. É a clientela de
alunos e eu não recebi nenhum tipo de curso preparatório para lidar com aquela realidade, são
alunos que usam drogas, de faixa etária completamente diferente da que eu estava acostumada a
lidar... São alunos que estão ali por quaisquer outros motivos menos para estudar e foi... foi muito
difícil! Eu quase não consigo chegar até o final do ano”
“E aqui na J? Sua qualidade de vida no trabalho melhorou depois que você veio para cá?”
P9“Sim, sim certeza! Eu moro aqui pertinho, quando meu marido não pode vir me deixar eu venho
a pé ou pego carona com os colegas... É outra realidade ...”
“Quais são os pontos fortes aqui da escola, se você fosse destacar três pontos positivos quais
seriam?”
P9“É...essa questão dos alunos, nossos alunos... bom, temos sim problemas de indisciplina, a gente
sabe que tem alunos que mexem com droga e tudo, mas não é tão evidente quanto em outras escolas
183
sabe? Eles... Você consegue dar aula, o bom daqui é isso porque você consegue colocar em prática
seu planejamento, em outras escolas eu simplesmente não conseguia; porque tem professores,
assim... eu nunca me encaixei em nenhum dos tipos, tem professor que chega à sala e só a presença
dele faz com que os alunos fiquem em silêncio, todo mundo enfileirado, eu nunca consegui,
esqueceram de me ensinar isso na faculdade...e tem outros também que são, como eu posso dizer?
Eles não ligam muito, não se importam, pode acontecer o que for na sala, que eles não se
estressam... eu estou no meio termo, nem consigo ser rígida, no estilo militar e nem consigo,
também, ser oba oba, sabe? Podem fazer o que bem quiser que eu não tô nem ai...Eu tento lidar na
base do diálogo, só que dependendo da turma se for uma turma muito indisciplinada essa
metodologia não resolve; então as nossa turmas aqui, para mim, tem dado certo; eles não são tão
indisciplinados então dá para eu lidar direito”
“São alunos que têm um determinado grau de respeito, ou de atenção ?”
P9“É, eles têm...e como eles, alguns, são muito carentes e tudo, eu me identifico muito com essa
parte e tudo, eu gosto muito de conversar com eles , de ajudá-los no que for possível, nas minhas
aulas de xxxxxxxxx eu sempre desenvolvo projetos voltados para a situação deles, já trabalhei, com
questões de xxxxx, agora a gente tá trabalhando com xxxxxxxx e... e eles se envolvem! Eles gostam
porque muitos se identificam, gera polêmica, há aqueles, que defendem o contrário, mas a gente
também respeita a opinião deles”
“E do ponto de vista das desvantagens? Quais são as coisas, que você acha, que poderiam melhorar,
que não são tão legais?”
P9“É eu não sei até que ponto, assim, eu posso falar, porque se isso chegar ao conhecimento dos
gestores isso pode ser prejudicial para mim, às vezes eu vejo coisas que, na minha opinião, são
erradas, principalmente de comportamentos de colegas, de atitudes, de maneira de... e...eu vejo que
eles não são chamados á atenção porque, como eu vim de um ritmo de escola profissionalizante, e
lá todo mundo tinha de se encaixar naquele mesmo ritmo, quem não se encaixava imediatamente
era chamado para conversar com o diretor e tal, né? Então aqui, eu vejo um pouco essa
flexibilidade, né? E eu sinto, que isso prejudica os alunos e... a nós também porque, de certa forma,
desestimula, puxa vida, eu procuro chegar na hora, não falto, desenvolvo meu trabalho direitinho e
meu colega não se esforça para fazer isso e não acontece nada? Então... entendeu? Às vezes isso
pode desestimular um pouco e essa cultura de que ah é escola pública, então vamos dar uma aula de
qualquer jeito e eu penso que não seja dessa forma, eu acho que o aluno seja da escola pública ou
privada tem o mesmo direito e deve ter o mesmo atendimento, o mesmo respeito, a mesma
qualidade de aula”
“Então, deixa ver se estou entendendo: você está querendo dizer, que o fato de a escola ser mais
tolerante, mais flexível, às vezes leva alguns professores a não se comprometer com o
desenvolvimento das suas tarefas da maneira, como deveria ser?”
P9“isso, inclusive isso é motivo de gerar fofoca entre os colegas, de vez em quando tem umas
discussões na sala dos professores mas tirando isso assim eu não vejo grandes problemas não... a
estrutura física é muito boa, os gestores são bons, tudo o que eu peço eles me atendem, eu tenho
uma certa dificuldade nessa parte tecnológica então hoje mesmo o xxxxx baixou um filme para
mim, eu trouxe o pen drive ele pegou... então eles nos ajudam no que é possível, não são
intransigentes, não são de travar nossos planos... há escolas em que a gente é muito reprimido, você
184
só pode fazer até ali, aqui não, eles nos dão total liberdade, você... inclusive nem existe uma
exigência de que todos os professores de xxxxxxx sigam um mesmo plano, então isso para mim é
muito bom, eu não gosto de me sentir presa”
“É como se essa flexibilidade tivesse dois lados, há essa série de vantagens e algumas poucas
desvantagens, né?”
P9“É!”
“entendi”
“Você pode me descrever um dia típico de trabalho seu, aliás, não só de trabalho, um dia típico seu
?”
P9“Certo, é... durante a semana eu me divido entre a escola e a casa porque, no momento, eu não
estou estudando, então quando eu chego em casa, por exemplo, na segunda eu tenho a tarde livre,
então eu aproveito para fazer alguma coisa minha, se eu precisar ir a um médico, se precisar fazer
algum pagamento, eu faço na segunda à tarde ou na quinta pela manhã que tenho livre; à noite eu
acompanho minha filha pequena nas tarefas escolares e... ai nas quartas-feiras á noite eu participo
de um grupo de oração, geralmente final de semana nós viajamos para o interior, porque nossas
raízes estão lá e meus pais e meus sogros estão lá e são idosos, então a gente vai muito para lá para
dar atenção a eles, nossa vida social é muito restrita assim, a gente praticamente não sai para shows,
para festas assim...só quando tem um aniversário, um casamento, alguma coisa bem familiar”
“Vocês tem quanto tempo de casados?”
P9“19, fizemos em julho”
“E vocês são de alguma igreja? Porque você disse que faz parte de um grupo de oração...”
P9“Nós somos católicos, e eu sou praticante, ele apoia, nas segundas tem o terço dos homens, ele
vai...nós procuramos realmente seguir; eu trago para cá também... não ao ponto de influenciar os
meninos porque eu não direciono não toco nem nome de catolicismo porque muitos são evangélicos
né? Então para não gerar brigas... Mas eu trago os valores cristãos para serem trabalhados de
alguma maneira e eles absorvem bem”
“Você passa quanto tempo em sala de aula?”
P9“27 aulas, 13 de planejamento”
“e como é todo dia de manhã ou à tarde, o dia todo? Como funciona?”
P9“As quartas e sextas são os piores dias para mim, são muito puxados: são seis aulas de manhã e a
tarde mais quatro, então nesses dias eu chego em casa um caco, morta de cansaço, é muito puxado
eu disse até para o XXXX que no próximo ano quero ver se distribuo melhor essas aulas porque
esqueço até de beber água e já tive problema por isso.”
“e me diz uma coisa você pode me dizer o que você entende por qualidade de vida?”
185
P9“não sei se isso é um conceito subjetivo né? Acho que ele tá mais para objetivo, deve ter um
conceito específico para isso mas a gente procura ter uma qualidade de vida, a questão da
alimentação, a questão de não cometer nenhum excesso com relação a nada, eu acho que nós – eu e
minha família – nós temos uma boa qualidade de vida.”
“Se você fosse dar uma nota objetiva a sua qualidade de vida de zero a dez que nota você daria?”
P9“Eu acho que eu daria um 7,5 porque ainda estou lutando com minha preguiça para fazer
caminhadas regularmente, então falta superar isso aí o sedentarismo”
“Então você acha que se conseguisse inserir na sua rotina o exercício você estaria com a qualidade
de vida nove ou dez?”
P9“Com certeza”
“E saúde mental? O que você entende por saúde mental?”
P9“Olha, eu já senti na pele o que é não ter saúde mental, né? Antes que eu me convertesse
novamente ao catolicismo, porque eu nasci católica, mas durante muito tempo eu ia só para as
missas dominicais quando muito, e eu tive depressão pós-parto nas minhas duas filhas, problemas
no casamento, coisas que eu não sabia lidar direito, tinha algumas sequelas de traumas de infância,
meus pais nunca foram muito unidos... aí junte tudo ao estresse de professor porque o dia a dia de
sala de aula é estressante então houve momentos em que realmente não soube lidar, com tudo isso e
eu era uma pessoa muito complicada, de difícil relacionamento, que explodia com facilidade sabe?
Então eu agradeço muito a Deus o fato de hoje eu ser uma pessoa mais equilibrada; eu não precisei
ir a psiquiatra nem a psicólogo, não precisei tomar ante depressivo, não precisei fazer nenhum uso
da medicina e hoje eu me acho uma pessoa saudável.”
“e você atribui sua melhoria a seu engajamento na igreja e a espiritualidade?”
P9“Sim, com certeza, ela é a base, coloco ela como o principal ela vem até antes da minha família,”
“Mas você acha que a causa principal da depressão foi o pós-parto?”
P9“Sim essa questão hormonal é complicada eu tenho hipotireoidismo...”
“Você fazia algum tipo de associação entre esse quadro de depressão e o trabalho em si?”
P9“não, inclusive na segunda depressão pós-parto a sala de aula para mim era uma válvula de
escape, eu não aguentava mais ficar em casa e na época eu era professora temporária e surgiu uma
vaga para substituir um professor durante quarenta e cinco dias, eu fui na hora, para mim eu estar ali
dando aula me fazia esquecer de todos os problemas, quando chegava em casa voltava tudo mas a
sala de aula sempre foi bom, só aqueles seis meses no Conjunto Esperança foram ruins era uma
clientela que realmente eu não sabia lidar eu tentei de tudo, até comprar os meninos: tinha dia que
eu chegava lá com um monte de pipoca, pirulito, levava para assistir filmes, fiz de tudo para que
eles não me torturassem tanto mas afora essa experiência eu não tenho muita coisa para falar da sala
de aula não...Assim eu me sinto frustrada quando sinto que não consigo atingir um aluno mas é
186
impossível em uma sala com 40 alunos você conseguir atingir todos; eu fico muito feliz quando
vejo aqueles que realmente estudam por prazer, que tem um foco, que tem um objetivo, nesses eu
invisto eu paro a aula quando a oportunidade aparece: ih professora lá vem sermão... essa semana
mesmo disseram ah estávamos com saudade das suas brigas... mas é uma briga do bem sabe? Eu
digo olha o mesmo discurso que eu tenho com vocês, eu tenho com minha adolescente lá em casa,
eu me preocupo com vocês e tal e dá mesma maneira quando um evolui de um bimestre para o
outro eu vou lá faço uma festa, chamo para frente, premio com chocolate porque é importante senão
eles passam despercebidos e acabam não dando continuidade naquela evolução. Meu trabalho como
diretora de turma na escola profissionalizante me ensinou muito a valorizar o progresso deles.”
“Com relação à formação continuada, o que você entende por formação continuada, que papel você
acha que ela tem na sua pessoa, no seu trabalho?”
P9“É. eu, eu sinto falta, assim... eu fiz minha especialização mas eu não terminei, não defendi a
monografia né? Ficou só como aperfeiçoamento e eu confesso que eu sinto falta de estudar, de ficar
me renovando...”
“Então você acha, que formação continuada, é algo que o professor deve buscar por conta própria.”
P9“Poderia ser também incentivado pela escola, promovido pelo governo, quando eu trabalhava no
interior vinha para cá todo mês para um curso, recebia uma bolsa para alimentação, eles chamavam
de reciclagem, mas nós repensávamos nossas práticas, metodologias... eu chegava toda empolgada
querendo colocar aquilo em prática e de alguns anos para cá isso acabou; eu sinto falta se nós não
procurarmos de forma independente não tem, nossos professores são bem esforçados, alguns estão
fazendo mestrado, outros especialização, mas algo coletivo não há; a escola deixa um pouco a
desejar nesse sentido. Inclusive, nos dias de planejamento, fica cada um no seu lugar, era um
momento em que a gente podia se reunir, trocar ideias... eu sinto falta dessa parte também”
“Você faz alguma associação entre formação continuada e saúde mental?”
P9“Acho que a partir do momento em que você se sente realizado, se sente bem, sua autoestima
está em um bom nível, você está estudando, evoluindo acho que isso melhora sim! Contribui de
forma positiva.”
“Você pode completar algumas frases para mim?”
“Claro”
P9“ Ser professor é... um desafio diário”
P9“Se eu não fosse professor eu seria...seria professora de novo”
P9“No meu tempo livre eu gosto de... estar com minha família”
terminamos, me despedi, agradeci etc.
23.08.2016 – Entrevista individual
Após a leitura do termo de compromisso livre e esclarecido demos inicio à entrevista.
187
Eu gostaria que você me contasse um pouco da sua história e da sua história com a docência.
P10 Deixa eu tentar resumir aqui...falar sobre a história pessoal é um pouco difícil assim....
Na verdade me interessa mais saber, como a docência entrou na sua história...
P10 É um pouco assim... curioso, minha graduação foi em Licenciatura e Música, então é assim:
Licenciatura é para ser um curso que prepara você para a docência mas, não só no meu caso mas no
de vários colegas meus, que iam para essa Licenciatura, não porque desejavam ensinar, mas porque
queriam estudar Música e só existia o curso de Música do tipo Licenciatura, porque existe também
Bacharelado, mas é específico de um instrumento então, às vezes você não se encaixa em um perfil
e assim, lembro que quando era criança e brincava de boneca, umas das brincadeiras era brincar de
professora acho que, como muitas crianças... meus pais tinham um desses quadros pequenininhos
que eles compraram não sei para que e acabou ficando para mim e eu brincava e na época em que
estava estudando para o vestibular, antes de fazer Música, eu quis fazer várias outras coisas mas eu
venho de uma família assim: meu pai é músico – ele trabalha até aqui – e apesar de desde criança
gostar dessa parte de artes quando chegou no momento do vestibular eu queria fazer outra coisa
assim eu... acho que foi influência também da escola onde estudei, que era o Farias Brito – Ari de
Sá, que eles faziam quase uma lavagem cerebral para gente ir para o ITA, IME esses vestibulares
assim, que são propaganda deles; e eu caí um pouco nessa história e comecei a estudar mais a parte
de exatas e cheguei a começar um Bacharelado em Física na UFC parei depois, fazia um semestre,
depois voltava, repetia... cheguei a fazer um semestre completo e outro mais ou menos e aí parei e
resolvi fazer Música né? Então, eu fui para Música, não porque eu pensava em ser professora mas
porque eu queria estudar Música (a parte mais artística) sim... e antes quando ainda estava na parte
do vestibular quando eu estava tentando eu dava algumas aulas particulares no prédio, para alguns
vizinhos, tipo um reforço; mas era mais um meio de conseguir algum dinheiro, não era porque eu
gostasse de dar aula, mas era bem agradável...
Era algo, que você fazia sem dificuldades e lhe trazia retorno financeiro na época...
P10 É, foi assim uma ideia que eu tive, eu via, que muitos colegas faziam, muitos não, alguns.
Resolvi botar um anúncio lá no prédio e ai apareceu alguns e eu fui dando... eu também cobrava
muito barato... Eu queria era fazer alguma coisa.
Isso na época da faculdade já?
P10 Não, ainda estava no ensino médio, já tinha terminado, mas após o término eu passei uns dois
anos tentando vestibular, fazendo cursinho, essas coisas...
Entendi, nesse interregno as aulas eram uma maneira de estudar e ganhar dinheiro...
P10 Sim quando eu ensinava também tinha de estudar...E que eu me lembre essa foi à primeira vez
“que dei aula” ai na faculdade tinha essa questão de que as pessoas estavam mais lá porque queriam
ser músicos, trabalhar com música mas não necessariamente ser professor era como se ser professor
fosse a última possibilidade “se nada der certo vou ser professor” e eu vejo que muitos colegas que
fazem também teatro, que é Licenciatura, têm esse mesmo pensamento assim: Eles tem o sonho de
serem artistas, mas se a questão financeira pesar eu vou ser professor, dificilmente conheço alguém
188
que tenha entrado em um desses cursos (Música, Dança, Teatro) e que queria ser professor mesmo e
lembro também quando... Não, ainda na graduação é bem comum no curso de Música, dizem assim
que é um dos poucos cursos que você não está formado e já trabalha porque tem gente que já é
músico da noite ou que já dá aula particular de música e quando estava próximo ao final do curso,
que eu fiz o estágio em uma escola de música e entrei também em outra escola, apareceu uma
oportunidade, assim aulas particulares de música em escolas livres, né? Comecei a dar algumas
aulas, a maioria era individual, tinha só uma que era um grupo de mulheres que elas faziam tipo um
grupo vocal mas era mais assim...Essa experiência e eu achava legal, gostava dessas aulas mas
assim: eu acho que nessa época eu não pensava ainda em longo prazo com o que eu iria trabalhar,
quando terminei a graduação tinha vontade de fazer um mestrado mas lembro de que eu sabia
perfeitamente que aqui em Fortaleza não tinha mestrado em música, tinha só mestrado em
Educação que tinha uma linha que podia ser encaixada à Música e lembro que eu pensava assim:
não quero fazer mestrado em educação de jeito nenhum...eu quero... vai ser minha última opção e
acabou assim que acabei a graduação em 2012, e ano passado comecei o mestrado em Educação
(Ri) Claro que fiz porque era a opção mais perto de mim que eu tinha... de tentar... mas hoje não
imagino que... e na verdade o que motivou também a fazer o mestrado foi que o que me motivou,
porque eu já tinha tentado outros mestrados e não tinha passado e eu fazia os projetos de pesquisa
mas não tinha um tema assim que me interessasse eram sós assuntos que gostava de estudar não era
algo assim que tivesse uma boa justificativa, uma relevância para ser uma pesquisa de mestrado... ai
quando comecei a dar aulas aqui (eu comecei o mestrado um ano depois que comecei a dar aulas
aqui) foi meu primeiro trabalho, assim, de sala de aula mesmo porque até meu estágio de docência
que era para ter sido em sala de aula, não aconteceu porque tava em greve na época e a professora
liberou e a gente fez numa escola de música que era aula individual (era outra sensação) então esse
fato de ter trabalhado um ano, já me deu assim certo material para pensar em um problema de
pesquisa e dar mais sentido ao mestrado, que queria fazer e hoje assim tôno meio do curso, tô
gostando muito de estudar essa parte da Educação, porque coisas de música eu praticamente não
estudo, mas isso poderia ser uma coisa ruim mas (fomos interrompidas por uma ligação).
Retomamos... então você se graduou em 2012 ?
P10 Sim, em 2012 aí em 2013 – eu ainda estava trabalhando naquelas escolas de música - aí eu fiz o
concurso que teve para o Estado no final de 2013 aí comecei a trabalhar no meio de 2014 aí em
2015 eu tentei o mestrado e estou agora no meio do curso, inclusive quando entrei no Estado eu
escolhi só 100 horas porque eu sabia que não ia poder pedir afastamento e eu ia querer fazer o
mestrado então essa carga dava para equilibrar as coisas...
Você tem como mais à frente migrar do regime de 100 horas para o de 200 horas?
P10 Ouvi falar, que tem uma espécie de edital, que você pode se inscrever, mas não tô procurando
porque falta ainda um ano para terminar o curso...de repente eu faço é outro concurso ao invés de
aumentar aqui... não sei. Ai essa questão da educação né...não imaginei que fosse me identificar
tanto com essa parte teórica, de estudar e foi a prática que me levou a me interessar pela teoria, que
na época da faculdade não me interessava – Didática, Metodologia de Ensino... coisas que na época
estudava, mas não me chamavam à atenção. Hoje já leio um livro da área de educação. Eu tive
muita sorte de ter vindo para uma escola, que já conhecia, porque meu pai trabalhava aqui, eu vinha
aqui quando era criança...E no meu estágio de observação eu fiz aqui também, aqui é uma escola
muito boa em relação... assim a gente escuta falar de muitos problemas da escola pública, de ter
violência, de ter drogas, de... Claro que tem né? Mas é num nível mínimo se comparado às outras
189
escolas. Acho até que a xxxxx deve ter te falado porque ela passou em outras escolas coisas muito
ruins que aqui, para ela é o paraíso; sempre que acontece algo desagradável, penso nisso: que é uma
coisa muito pequena se comparar com as outras escolas, com que outros professores passam
diariamente. Então, aqui na escola acho que todo mundo tem de agradecer, não que não se queira
resolver os problemas que se tem... mas somos de certa forma privilegiados de estar em uma escola,
que nos dá condições melhores em relação a outras escolas. Em relação à docência imagino
realmente continuar nessa profissão mesmo fazendo o mestrado e tendo interesse em ensinar na
faculdade não sei se quero sair do Estado... apesar de ouvir muitos colegas que falam em fazer
concursos melhores para trabalhos, que sejam menos desgastantes, porque é desgastante e na
faculdade deve ser melhor... Eu concordo em parte porque é a escola quem está precisando de
profissionais mais qualificados, não que não haja professores bem qualificados (ou experientes) mas
muitos mesmo estão só esperando uma oportunidade para sair ao invés de devolver a escola o que
aprenderam sabe? É claro que o lado financeiro pesa, estou em uma fase de transição, quero casar,
sair da casa dos meus pais, mas se eu puder continuar aqui mesmo tendo um trabalho em outra
instituição eu gostaria de continuar aqui na Educação Básica... Acho que é mais ou menos isso.
“A docência não foi planejada, ela meio que foi acontecendo na sua vida e agora parece que está
consolidada, você fala de planos futuros e a educação sempre está presente...”
P10 Sim... eu gosto de dar aula tanto na escola de música quanto aqui, imagino que seja muito bom
na universidade – uma outra realidade – e... não tenho vergonha assim de dizer que sou professora e
pelo que imagino profissionalmente é isso... quando estava na graduação não enxergava que meu
futuro era isso mas hoje acredito que seja esse mesmo o caminho.
Qual era o instrumento no qual você se especializou?
P10 Na licenciatura a gente não tem assim um específico a gente tem cinco semestres de um
instrumento que a gente escolhe, são aulas individuais, mas varia muito do nível do aluno, do que
ele quer, por exemplo, eu escolhi o piano e nem por isso saí uma pianista, para isso teria de fazer
bacharelado o que aprendemos é uma base assim para ministrarmos aula. Consigo assim
acompanhar um coral... mas não sou pianista de concerto,; mas é claro que muitas pessoas
continuam estudando por fora, têm aulas particulares e no momento estou estudando bateria, mais
por hobby mesmo porque depois que comecei a dar aulas aqui, e assistir também as aulas do
mestrado acaba que não sobra muito tempo para dedicar a essa parte instrumental, de tocar, de
estudar um instrumento. E eu estou cada vez mais distante disso porque mesmo dando aula de
Artes, acaba sendo uma coisa muito mais teórica que prática e eu não tô tocando ali... não tô
cantando... tem essa lacuna na minha vida, que estou tentando preencher de alguma forma... por isso
talvez fosse interessante dar aula numa universidade talvez eu tivesse mais tempo... se bem que não
talvez na universidade eu fosse ensinar uma disciplina bem teórica... aqui na escola tenho muita
vontade de montar um coral, um grupo extracurricular até tenho alunos que ficam pedindo mas é
porque realmente nesse momento eu estou fazendo muitas coisas...
E primeiras coisas primeiro...
P10 Sim, explico para eles que esse ano tá muito ruim... mas que depois que quero sim. Penso que
pode ser uma oportunidade de estar de novo mais próxima da música, da minha profissão mesmo...
O que você gosta aqui na escola, você já disse que ela é muito boa, tem uma estrutura melhor que as
190
outras... se você fosse destacar três pontos fortes dela quais seriam?
P10 Tem a questão estrutural que ajuda, aqui tem uma sala de música, tem instrumentos tem uma
estrutura boa, abarca muitas turmas, posso concentrar minha carga horária toda aqui... o pessoal da
coordenação, são pessoas prestativas, compreensivas, você se sente mais em casa. Apesar de ter
umas briguinhas também, mas acho que é normal, nada que torne a convivência muito ruim, que
impeça de vir trabalhar...e tem o principal, que são os alunos... tem muito aluno interessado...turmas
inteiras que são muito boas... e até os alunos, que são bagunceiros, as indisciplinas deles não são
assim... graves ao ponto de vir armado para escola, xingar ou agredir, nem ameaçar... pelo menos eu
nunca passei por nenhuma dessas situações. O pior que pode acontecer é eles não quererem nada
mas isso acontece com alguns alunos em toda escola... então de maneira geral o nível dos alunos é
bom e os que estão desinteressados, bagunceiros eu digo que é uma coisa normal e pequena perto de
outros problemas, que eu sei que existem em outras escolas...
Tu podes fazer o oposto? Quais são as coisas que não são legais? Se você pudesse mudar três
aspectos da escola quais seriam?
P10 Talvez uma questão de organização, por exemplo um evento recente: a questão da greve, na
semana anterior que estava o rumor que ia ter greve, lembro, que um dos coordenadores foi de sala
em sala dizendo: pessoal venham segunda que vai ter aula (porque muita gente estava achando que
não iria ter). Então mesmo se não fosse ter aula era para vir porque iria ter reunião para explicar
como iria ser e ai quando cheguei à segunda-feira o diretor estava praticamente “expulsando” os
alunos da escola, e eles queriam ficar pelo menos para ficar jogando, mas ele replicou, que não
haveria ninguém para ficar olhando... Então assim coisas que dizem e quando chega na hora é de
outro jeito. Prova...
Então a comunicação é falha? Algumas coisas mudam no meio do caminho e não chegam para
vocês?
P10 Sim, às vezes quando tem prova dizem assim: pode liberar os alunos tal hora aí os alunos ficam
perguntando e a gente diz: não, só pode sair tal hora; ai acontece de dar a tal hora, a gente liberar os
alunos e eles mandam eles voltarem (não, não é tal hora é só depois...) Essas coisas de dia a dia que
é realmente uma questão de comunicação; dizem uma coisa aí depois não é... fica essa confusão...
então de negativo, eu lembrei disso...
O que você entende por saúde mental?
P10 Assim, eu vi uma palestra que dizia que a medicina dizia, que ter saúde era não ter doenças,
mas que saúde era muito mais que isso... então ao mesmo tempo em que penso que saúde mental é
não ter nenhum tipo de doença seja ela psicológica ou até mesmo biológica que afete a parte mental
acho que ter saúde mental é saber lidar com coisas, que não são doenças mas que acontecem todos
os dias, podem fazer mal mas você tem de lidar com elas para não adoecer é não só não estar doente
mas saber lidar com as situações difíceis para não adoecer...foi o que consegui pensar...
E qualidade de vida? O que é?
P10 Qualidade de vida? É você conseguir viver minimamente, conseguir atender minimamente
todos os aspectos da sua vida... digamos assim, se você só ficar trabalhando, não conseguir
191
descansar, não conseguir estar com as pessoas, que você gosta, ter algum tipo de lazer você não tem
qualidade de vida...as coisas não estão equilibradas, ou quando você só estuda muito ou quando
você só faz nada... assim para você ter qualidade de vida, você tem de saber dosar o tempo de cada
coisa: tempo de descansar, tempo de trabalhar, de estudar (se você estudar) e o tempo de ócio e de
fazer o que gosta.
Você faz alguma relação entre qualidade de vida e saúde mental?
P10 Sim, se você não tiver uma boa qualidade de vida provavelmente não terá uma boa saúde
mental...você provavelmente está sobrecarregado e uma hora ou outra isso vai acarretar um
problema físico ou mental... eu sou uma pessoa assim: quando estou muito sobrecarregada eu sei
logo que se não cuidar logo fico doente. Acho que às vezes o corpo adoece para lhe fazer parar
como se fosse assim o corpo diz “pera aí deixa eu por uma febre para ver se essa menina para” e
muitas coisas psicológicas afetam a parte de física...
Se você fosse dar uma nota de zero a dez para sua qualidade de vida que nota você daria?
P10 Entre sete e oito, porque mesmo que muitas vezes me sinta sobrecarregada por causa do
mestrado e do trabalho eu também tenho tentado me policiar para não abrir mão de dormir, para
tentar ver as pessoas que eu gosto e ter um tempinho para mim, claro que não é o tempo que eu
gostaria, mas tenho de ter... então como estou me esforçando para cuidar disso antes que eu adoeça
Então não está tão ruim, mas se eu me deixasse levar pela coisa talvez eu estivesse pior... tô
tentando aprender a viver com isso porque já aconteceu de eu adoecer em outra época...
Você considera seu cotidiano estressante?
P10 Não, só quando acontece algum imprevisto... o que me deixa estressada é ter de correr de um
lado para o outro, estar atrasada e não dar tempo de comer direito, mas isso só ocorre quando há
algo fora da rotina porque tento ao máximo deixar a rotina de uma maneira que em meus
deslocamentos eu possa ir em paz...porque isso é algo que me maltrata muito, por exemplo, já
aconteceu de ter aula no Pici meio dia e de uma hora ter de estar no colégio e ainda teria de comer...
é muito angustiante para mim saber que não vai dar tempo...mas sabendo que vai dar tempo é uma
rotina só cansativa, mas não muito estressante...
E hoje sua rotina é cansativa, mas não é estressante?
P10 Às vezes é estressante, quando tem algum imprevisto, mas de forma geral é mais cansativa.
Você pode me descrever um dia típico seu (quando está mais ocupada)?
P10 Eu trabalho só à tarde, fico em casa de manhã, estou começando algumas disciplinas novas à
noite no mestrado. Para mim é muito importante ter esse momento da manhã em casa porque não é
somente o tempo que tenho para estudar, fazer as coisas, mas também tem um tempo para mim de
manhã...à tarde venho trabalhar e no caso de hoje, daqui vou para universidade para assistir aula
mas mesmo quando não tenho aula, se vou para casa, assim, eu não rendo muito à noite...tomo um
banho, janto, meu namorado passa, mas evito estudar a noite porque eu me empolgo e aí dá meia
noite e tô elétrica, ainda, e no outro dia vou acordar cansada... e como tenho as manhãs prefiro
tentar deixar as noites mais tranquilas.
192
Você faz exercício? Ele faz parte da sua rotina?
P10 Na época que entrei aqui, eu fazia caminhadas, tentava até correr um pouquinho, mas parei
porque estava me sentindo mal.. achei que estava com problema de coração... e depois não consegui
mais voltar ao hábito; semestre passado uma colega do mestrado estava fazendo uma pesquisa sobre
yoga e estava dando aulas para nós gratuitamente na própria faculdade e eu estava indo duas vezes
por semana e às vezes fazia de manhã também... e me ajudou demais a lidar com a pressão... esse
semestre acho, que não vou conseguir encaixar...mas tô querendo voltar a fazer uma coisa, que
gosto, que é dançar. Não tenho mais tempo de fazer aula, em uma academia e tal como eu gostaria,
mas o que tento fazer é um pouco antes de tomar banho para vir para o trabalho eu ponho uma
música e fico dançando até suar um pouquinho e vou tomar banho. À noite chego cansada e é mais
difícil. Não é uma coisa certinha duas vezes por semana, mas tento fazer algumas vezes...
Em relação à formação continuada, o que você entende por formação continuada?
P10 Tava tentando lembrar de algo que o professor falou... imagino que formação foi o que você fez
para conseguir uma qualificação para estar em um emprego, continuada são os cursos, as coisas que
você faz para garantir seu exercício profissional. E para ser professor você tem de estar sempre
estudando acho que é isso mesmo trabalhando você ter um continuo de estudos poder fazer um
curso de vez em quando...
A escola promove algum tipo de formação?
P10 Eu nunca participei, nem lembro de ter ouvido falar o que sei é que há uma instituição do
Estado que fornece cursos e que você pode se inscrever mas isso não é divulgado na escola... acaba
sendo uma coisa do professor ficar sabendo e se der vai... mas não sei... aqui nunca ouvi falar
disso...
E você acha que o fato de estar estudando ou de permanecer estudando tem algum efeito sobre a
saúde mental?
P10 Bom, como não passei por esses cursos assim... talvez agora no mestrado algumas coisas, que
estudei, eu possa... assim tem varias coisas, que não consegui aplicar na prática... mas estudar deixa
você com um pouco mais de segurança... a pior coisa quando você vai dar uma aula é perceber que
os alunos estão assim: tô nem aí... então essa coisa de estar estudando te dá assim... pelo menos
mais segurança...
Você já deu uma série de pistas de coisas que você faz para ficar bem (yoga, tentar fazer exercícios,
sair com os amigos, encontrar o namorado, tirar um horário para pensar/estudar) você pode me
dizer o que mais você faz para ficar bem?
P10 Pode ser coisas na hora da sala de aula? Eu lembro que no primeiro ano que comecei a dar aula
aqui, no meio de 2014 eu vi que eu tinha alguns comportamentos que assim, me atrapalhavam, e eu
tinha de mudar porque ficar daquele jeito não ia me levar a lugar nenhum... acontecia assim: de ter
uma aula que foi muito ruim ou que teve uma briga entre os alunos... lembro de uma aula que fui
fazer, era uma aula de revisão, aí para revisar o assunto eu fiz uma competição de perguntas e
respostas, montei as equipes... mas eles levam muito a sério essa coisa da competitividade e acabou
193
que eu considerei certa uma pergunta e as meninas não concordaram e elas ficaram gritando e tinha
uma menina que ficou mais exaltada, nervosa... e eu não soube lidar com a situação, elas não
conseguiam entender meu lado, estavam nervosas e eu também, algumas desistiram de participar
disseram: “ah não quero participar mais não” e ficaram lá no canto... Ai eu lembro que nesse dia, e
outras vezes também, eu saí muito triste, abalada, era como se elas tivessem descontado toda uma
raiva em cima de mim a partir de uma atividade, que era para ser boa; então aconteceu de chegar a
casa para baixo e se me perguntassem o que foi, era porque tinha sido ruim o dia... E se eu pensar
não é porque era uma turma ruim, turmas ruins sempre tem, mas esse ano assim tem uma turma que
é mais trabalhosa... tem uma aluna que me ama e me odeia, se me encontra nos corredores manda
beijo, cumprimenta, na sala ela fala alto não presta atenção...fica fazendo hora comigo... testando.
Mas hoje em dia aprendi a não ligar para essas coisas, sei que se eu ficar com raiva dela, ela corre e
vem pedir desculpa... então hoje se a aula não foi boa não fico mais arrasada...
Tá, e nessa época, quando você saia arrasada, o que você fazia para melhorar?
P10 Eu comecei a perceber que para eles, para os alunos, essas briguinhas são normais, no outro dia
eles estavam todos bem, falando comigo normal, pensei que ia ter algum mal-estar mas estava tudo
normal...
Ah então é como se você tivesse aprendido a relativizar? Quando você tem um dia ruim você pensa
“ah, é só um dia ruim” é isso?
P10 Sim, provavelmente aquilo que aconteceu, os alunos vão esquecer, nunca é nada assim, de
grave...é perceber também, que não adianta querer forçar um aluno a prestar atenção, há coisas que
estão além da minha capacidade então tenho de me concentrar naqueles que querem e não ficar me
culpando especialmente nessas turmas mais difíceis... e outra coisa nesse primeiro ano eu tentava
muito me controlar, não me zangar... eu repetia muito, será que preciso gritar? Vocês só funcionam
no grito? Tenho de chamar o coordenador para vocês prestarem atenção? Vocês só querem fazer as
coisas se forem ameaçados? Lembro que uma vez cheguei ao extremo de pegar uma pasta e tacar na
mesa para pararem com o barulho e foi papel para todo lado, eles ficaram assustados, eu fiquei
assustada, e fiquei triste pensei não quero passar por isso... e então aprendi... raramente grito, sei
que não vai resolver que eles vão se assustar ali num momento e depois vão fazer tudo de novo
então tento me preservar... se eles estão todos conversando fico calada e espero eles perceberem até
eles pararem; é muito difícil, hoje, eu colocar um aluno para fora... eu tento me poupar, sei que não
vai resolver brigar, gritar, então tento me preservar, não me desgastar... no máximo chamo alguém
para conversar lá fora... há alguns professores, hoje a gente usa muito aqueles microfones portáteis
para dar aula, e eles usam do artifício da microfonia para chamar atenção, que não concordo mas
alguns fazem...eu tento me preservar ao máximo para não ser...
Devorada pelo barulho?
P10 é...não ser obrigada a fazer essas coisas que não são. Até porque eles vão ficar cada vez mais
condicionados a só fazer as coisas na pressão... tento não ficar com raiva de nada... e percebo que,
alguns alunos muitas vezes não estão interessados no que está ali na sala de aula, eu mesma lembro
da época de escola e tem várias coisas que fui obrigada a estudar que nunca me serviram de nada, só
mesmo para o vestibular... então essa coisa da formação continuada é importante você sempre estar
buscando outras coisas para tentar despertar esse interesse neles porque senão vai ser sempre essa
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briga na sala, você querendo obrigar: olhe para mim... e eles querendo fazer outra coisa, essa tensão
o tempo todo... ele sabem que tem de estudar, por que... tem de estudar... mas eles não veem sentido
naquilo...
Antes de a gente terminar eu queria fazer só uma espécie de “ping pong” você tá? Perguntas curtas
para respostas curtas, eu vou dizer algumas frases e queria que você completasse para mim pode
ser?
Pode.
P10 Ser professor é... saber lidar com pessoas e tentar orientá-las de alguma forma, compartilhar
experiências e também trazer algo novo...
P10 Se eu não fosse professor, eu seria... não sei alguma coisa relacionada à arte, não sei bem o
que... mas já trabalhei com artesanato, com música com teatro...
P10 Daqui a cinco anos eu gostaria de estar... ter terminado o mestrado, talvez esteja fazendo
doutorado, vou estar aqui... ou talvez tenha feito outro concurso, mas acho que vou estar dando aula
de alguma maneira...
ok... há alguma coisa que eu não tenha perguntado ou que você não tenha dito que você considere
importante deixar registrado?
P10 Uma coisa que noto muito na sala dos professores é que, às vezes ela vira um lugar negativo,
de fazer piadinha com os alunos, de falar mal... eles reclamam de que os alunos falam mal deles
mas eles também, de certa forma, fazem isso... e nosso objetivo maior é o aluno, o aprendizado do
aluno, então não acho legal essa coisa de alimentar essa coisa ruim... ao invés de procurar meios,
soluções...mas, se bem que fico muito calada nessas horas, não digo nada, meio que não sei lidar
com essas críticas mais negativas que fazem...não sei se isso é algo possível de ser mudado mas...
Agradeço e encerro o trabalho...
Segunda-feira 05 de Setembro de 2016 – horário da tarde
Após a leitura e assinatura do termo de compromisso livre e esclarecido demos inicio à entrevista,
Você pode me contar como você chegou à docência? Como você se tornou professor?
P11 Bem, é... eu não era da área de educação, pelo contrário, minha área profissional era outra área
eu trabalhava em supermercado na parte de automação, fazia pedido, despachava mercadoria, se
dava algum problema, em São Paulo eu é quem tinha de resolver e aquilo ali tomava muito tempo
de mim, eu gastava muita energia porque tinha muita responsabilidade em cima de mim e... eu
ainda passei sete anos, era no grupo Pão de Açúcar, e eu via que lá eu não ia ter perspectiva de
futuro nem pessoal e nem profissional então eu decidi estudar, e eu uso meu próprio exemplo para
195
meus alunos, minha história de vida, eu me inscrevi no cursinho da UFC né? E passei um ano lá, eu
saia de casa 05h30min em e chegava em casa 10h30min p.m., passei esse ano estudando ia para as
aulas de segunda a domingo e só entrei no cursinho por seleção, era muito cansativo para mim, mas
passei, né? Não comecei direto na UECE, passei primeiro para Biologia na UFC e frequentei ainda
dois semestres, mas estava comendo muito tempo meu, tomando muito tempo meu por conta das
cadeiras que eram manhã e tarde, eu escolheria estudar ou trabalhar e eu não tinha como e ai
quando foi no inicio do segundo semestre, no meio do segundo semestre eu tranquei e foi na época
em que tinha passado na UECE em Geografia, como na Geografia tem curso só de licenciatura
tinha uma concorrência menor, tentei ainda transferir Biologia para lá mas não deu certo, era muito
burocrático... aí fiz Geografia, me inscrevi, passei, passei de primeira e frequentei, passei a me
identificar, a gostar do curso, tinha aula de campo, e aí no segundo semestre senti a necessidade de
entrar no mercado de trabalho só que na mesma época eu passei no concurso do IBGE, aquele de
dois anos, e cheguei na minha empresa e disse que não dava mais e eles não queriam me colocar
para fora e eu não queria pedir as contas porque eram sete anos, né? Eu ganhava um valor até
considerável, era um salário legal, só que aí... eu não me identificava, já estava saturado, não tinha
tempo o trabalho era sábado, domingo, feriado... ligavam para você a qualquer hora: me dá esse
código aí, me dá essa senha... Daí eu cheguei e falei para meu chefe: oh, eu passei no concurso do
IBGE e eu vou trabalhar, se vocês quiserem me colocar para fora eu só não vou abandonar os 30
dias porque não vou perder meus direitos, mas eu venho, bato meu cartão passo o dia trabalhando
aqui... E ai... é engraçado porque eu tava, teve uma época em que eu tava na escola, eu peguei um
livro, levei para casa, estudei a matéria e quando eu entrei na sala a primeira vez, eu fiquei nervoso,
sem saber o que falar porque primeiramente era criança, segundo porque era uma matéria que eu
não tava... mas enfim eu dava quatro aulas por semana e ai eu passei um ano e quando foi no ano
seguinte surgiu à oportunidade e nesse mesmo período saiu minha demissão, aí eu liguei para
escola, fui lá assinar os papéis e fiquei livre... Aí eu peguei o dinheiro que recebi, paguei todas as
minhas contas e guardei o resto para ir me mantendo enquanto conseguia mais escolas no ano
seguinte e aí no seguinte surgiu à escola na minha área. Aí pronto, teve um período que eu estava
trabalhando em quatro escolas, eu trabalhava de manhã, de tarde e de noite. Isso no segundo ano de
faculdade...
E a que horas você fazia a faculdade?
P11 À noite, as disciplinas eram “pingadas” e mesmo à noite eu dava aula duas vezes por semana e
aí eu dei aula para todo tipo de aluno: de sexto, de sétimo, segundo, terceiro, supletivo, concurso,
em 2012 surgiu a oportunidade de ensinar no cursinho da UECE, como bolsista, e aí foi muito
pesado porque era aula, aula, aula mesmo, você tem uma carga muito grande de conteúdo e foi
realmente uma grande escola porque foi onde tive a oportunidade mesmo de expor aquilo que
estava estudando, coisa que não tinha tido a oportunidade nas aulas normais do ensino básico. Eu
dava aula para 100, 120 pessoas nesse curso, que eu dei aula, que era para polícia, para guarda
municipal e bombeiros tinha sala de 180 alunos, tinha até engenheiro aí foi aí que fui criando gosto
pela coisa e depois fui chamado até para dar aula em colégio grande, Cristus, mas eu nunca quis ir
porque eu tenho outros objetivos, eu quero ir para vida acadêmica mesmo; mas foi isso depois desse
momento é que tomei gosto porque, poxa, se você está num curso de licenciatura vou dar aula em
licenciatura, vou lecionar, aí a partir daí, fui lecionando, lecionando, criando gosto pela sala de aula,
nunca pensei em desistir do que faço, gosto do que faço tem muitas dificuldades, tem hora que
pensamos assim: que nosso trabalho está obsoleto o retorno da educação é assim muito extenso mas
também eu tento me manter tranquilo porque eu estou fazendo minha parte, eu entro em sala de aula
inteiro, eu oriento os alunos, eu me identifico, eu tenho amizade com eles, não trago problema de
196
sala de aula para minha vida porque eu sei que isso vai me prejudicar eu chego à sala dos
professores e... “ah, não sei o que (imitando outro professor)” não, eu posso comentar um fato mas
não deixo que aquilo ali... lógico que eu tô muito novo, comecei em 2012 e estamos só em 2016,
mas eu tenho uma carga de sala de aula grande: ensino básico, cursinho, supletivo, concurso.
Você tem uma experiência vasta apesar de ter pouco tempo de atuação...
P11 Isso... qual é meu objetivo de mudança do ensino básico para o ensino superior: porque eu sei
que no ensino básico a gente não tem perspectiva de crescimento, eu não vejo, principalmente, no
Brasil atual, eu sei que o ensino superior também vai chegar nesse patamar se continuar com as
políticas públicas no mesmo patamar, você, que é da área, sabe muito bem do que eu estou falando,
mas... não só na questão salarial, porque essa questão perpassa todas as áreas não só a da educação,
mas todas as áreas tanto do setor público quanto do privado tem problema de salário e não dá para
analisar isso só pelo que se ganha financeiramente, mas sim do nível de vida que a gente se
impõem... então eu quero ir e quero me realizar profissionalmente e eu penso assim: falar da
Geografia e lembrar-se do ... Eu quero isso, quero publicar, já tenho artigo publicado e eu penso
dessa forma...
Ser um professor de referência?
P11 Sim, ser um professor de referência, não um ícone mas... ser alguém de referência: há quem
escreve sobre isso? Fulano...(meu sobrenome) eu quero isso. Mas lógico também não quero, não
vou abandonar o ensino básico agora, eu gosto do ensino básico,
Aqui na escola você está como temporário ou como concursado?
P11 Como temporário, na época do concurso, que teve, eu estava num turbilhão de coisas para fazer
então não tinha tempo para estudar e tava em mudança de fase profissional e não tinha como eu
fazer esse concurso, mas o próximo, se ocorrer, eu vou fazer tanto que eu ingressei no mestrado
agora justamente para ver se as coisas facilitam, já terminei uma pós-graduação, tenho pós-
graduação em xxxxxxxxxx também pela UECE, terminei no começo desse ano e aí entrei no
mestrado então eu to batalhando para isso, não tô parado...
Você está aqui no J há quanto tempo?
P11 Desde o início de 2014, eu entrei aqui por acaso, vai fazer três anos já... eu estou na vaga do
professor xxxxxxxx que é o diretor o pessoal até diz que tenho pano para as mangas porque estou na
vaga dele...mas... eu não me confio muito não porque não sou nem concursado e o pessoal gosta
muito de mim aqui, ave maria e eu gosto, eu me identifico também com os professores eu acho que
o ambiente educacional não é feito só de alunos e professores, ele é feito de uma série de fatores,
né? E o que eu vejo é uma... uma, até um abismo em algumas escolas entre coordenação e corpo
docente, tem uma escola que trabalho a xxxxxx que é assim, os professores são todos fechados, a
coordenação também é muito distante, e às vezes isso dificulta o trabalho do professor, né? Porque
a coordenação é uma ponte entre você, o aluno e as decisões políticas da escola então se você não
estiver de acordo com essas políticas, ou se elas não chegarem a você, ou se o corpo docente e a
gestão não entrarem em consenso não dá para haver um trabalho positivo de ambas as partes e ai...
eu vejo muito isso, sem falar que numa escola particular a principal política é a financeira, é uma
empresa, funciona como empresa, eu já levei várias propostas para lá, cheguei a entregar na mesa
197
do diretor, disse olhe não quero nada, um centavo, só minhas horas que já são pagas aqui... ele
olhou, olhou e disse: não rapaz isso aqui...sabe? Aí a gente...às vezes isso me desestimula; nesse
aspecto sim porque nesse aspecto não há um investimento em educação necessário porque não vejo
o crescimento nessa área só pelo aspecto financeiro, com o aumento de salário agora teve aí a greve
dos professores e você vê que há outras questões
Você está falando de enriquecimento funcional?
P11 Isso, de ter um crescimento interno também. Essas questões de salário são outros quinhentos
Como é a relação do corpo docente aqui com a coordenação? É boa, é razoável? Podia ser melhor,
como você classifica?
P11 Existe uma pequena minoria, pequena mesmo, que discorda de algumas decisões. Eu
particularmente me sinto muito privilegiado, porque me sinto muito confortável pelas decisões
tomadas pelo corpo, pela gestão, eu vejo dessa forma: se eu estou fazendo um bom trabalho e um
trabalho correto porque eu vou ficar indo contra uma decisão da coordenação que é para um
melhoramento ou para sanar alguns problemas internos (por exemplo) o pessoal fala: ah é porque a
coordenação gosta de ti, não sei o que... mas eu trabalho direito, chego na hora, o sino toca vou para
sala, né? Trabalho direito, não é porque eu tô aqui que há... eu vou tomar meu café primeiro... vejo
muito isso aqui, as decisões que eles tomam só incomodam essa minoria que é assim, um pessoal
que já tem muito tempo, que é concursado aí também tem isso de ter de ser coerente com aquilo que
a gente faz; se tá errado, tem de reclamar. Só incomodam a uma minoria; a coordenação aqui,
chama a gente e conversa, no começo do ano quando fazemos nosso calendário, tem uma votação,
quem é contra levanta o braço. é muito democrático aqui... aqui não tem nenhuma imposição como
as de uma escola particular, apesar de ter três coordenadores e de ser uma escola de referência; o
professor xxxxxxx tem um trabalho de referência, não é um trabalho qualquer, há um
comprometimento muito grande e ele cobra isso, faz questão de mostrar as reportagens, porque o J
já foi tema de várias reportagens e... quem não gosta de ter um trabalho reconhecido? Não só o
nome de fazer as pessoas de fora acreditar no trabalho desenvolvido, na gestão pública... O J faz
esse trabalho e isso é porque os professores e a coordenação falam a mesma língua...
Quais são os pontos fortes daqui? Se você pudesse elencar três pontos fortes, positivos daqui, quais
seriam?
P11 Ah, com certeza a coordenação seria um ponto forte porque ela é muito eficiente; é... o grupo
dos professores, que são qualificados, que tem comprometimento e... o diretor, acho que ele tem
comprometimento e acho que um líder faz diferença em qualquer área, e ele tem esse
comprometimento muito grande, ele briga, briga para trazer recurso para escola, para a gente ter
livro, para ter salas, para ter sala de vídeo, para ter um auditório, não é toda escola pública que tem
isso...temos laboratório de Ciências... quadras...
E as coisas que poderiam melhorar quais são?
P11 Seria uma organização com relação a, por exemplo, os horários dos professores, que não é uma
grande coisa mas incomoda, há professores aqui com 200h e estão dois dias disponíveis na
escola...aí eu fico sem entender... poxa, 200h para mim são os dias todos na escola, é dedicação
exclusiva; aí na hora da formação do horário o professor X dá dois dias... os demais dias ele está
198
aonde? Se ele tem dedicação exclusiva ele não pode dividir o tempo dele entre aqui e a escola
particular. E há professor que faz isso, é um ponto negativo; isso atrapalha porque, por exemplo,
uma aula minha que é de xxxxxxx que tem de ser geminada, ela se quebra...você dá três aulas
consecutivas...
Há um mal estar entre os professores que cumprem a carga horária de forma correta, é isso que você
está dizendo?
P11 é... e outra questão é a do planejamento, o professor tem de cumprir um 1/3 do seu horário com
planejamento, existem exceções, por exemplo, no meu caso eu pedi a xxxxx para ficar isento por
conta do mestrado, mas tem professores que não fazem nada, vem assinam o ponto e vão embora aí
isso é complicado porque gerou até um mal-estar, na semana passada teve uma discussão feia entre
os professores e só não entraram em briga corporal porque era um homem e uma mulher porque se
fossem do mesmo sexo teriam entrado em vias de fato... teve que chamar o professor xxxxxx
(diretor) para resolver isso aí, eu não tava presente mas vieram me dizer (por algum motivo, eu não
sei...) e teve esse problema porque a situação foi exposta; esse tipo de problema tinha de ser exposto
na reunião do começo do ano... outra questão é dos sábados letivos, que quando tem, os professores
faltam e não trazem justificativa e quando levam falta reclamam do grupo gestor e tal... então essas
três questões se resumem em uma a questão do comprometimento, ou não, do professor... lógico
que todo mundo falha, tem problema... eu mesmo me separei há pouco tempo... hoje entrei em sala
calado dei só bom dia, fui pro quadro e desabafei em matéria... e os alunos: vish o professor tá com
problema (eles sabem logo) aí pergutam: que o senhor tem professor? Eu: nada, são questões
pessoais, vamos aqui copiar a matéria para depois eu explicar... acho que ninguém em de lidar com
meus problemas (eles são meus); às vezes chegam e perguntam: fulano tu não tem problema? E eu
“por quê?”“ porque tu vive rindo e fazendo o pessoal rir” e eu disse” rapaz eu tenho tanto problema
que você nem imagina, mas eu não deixo isso afetar meu cotidiano” Lógico que vai ter os dias em
que vou chegar calado – afinal ninguém é de ferro, a gente sente – mas não vou descontar em
ninguém, nem nos alunos, nem no corpo docente...
E como você faz? Você tem uma carga horária relativamente grande em sala de aula, você está
fazendo mestrado, está passando por um processo pessoal complicado como você faz para lidar com
sua dose de sofrimento?
P11 Eu sempre digo para as pessoas mais próximas de mim que eu tenho três personalidades: a do
meu trabalho, que eu chego e brinco com todo mundo; tem a de quando chego à casa que é como se
eu realmente tivesse chegado à minha realidade de fato e tem o que sou de verdade então eu não
deixo misturar as três em uma porque são três tipos de problema...
Você tenta separar os papéis?
P11 Isso para pelo menos tentar enxergar uma maneira de solucionar ou criar uma via de escape...
mas eu enfrento as coisas... minha mulher, minha ex-mulher, sempre reclamava, que eu chegava e
nunca falava nada para ela do meu trabalho e tudo né? Às vezes um fato ou outro eu comentava,
mas só quando o fato era muito expressivo... mas por que eu não vou comentar? É porque ela não
faz parte dessa minha vida sabe? Ela não entende praticamente nada, é uma dona de casa, para que
eu vou falar com ela? Agora lógico que é bom escutar o outro e tal mas...
Você sentia que não tinha muito que acrescentar fazendo comentários...
199
P11 É, lógico, que quando eu tava muito pesado assim eu falava para ela, eu chegava e dizia
aconteceu isso ou aquilo, eu suspendi o aluno por isso ou por aquilo... mas senão quer que eu diga o
que? Cheguei fiz a chamada... é complicado... a separação tá me afetando muito, já tem um tempo
que não estudo, que sento e reorganizo minhas ideias assim, sabe?
Você tem tido dificuldades de se concentrar?
P11 Tenho, tenho tido sim. Não tô conseguindo chegar, sentar e sistematizar o que tenho para
fazer...não tô deixando de frequentar o mestrado...
Está com quanto tempo a separação?
P11 Que eu saí de casa está com um ano já... relata as questões pessoais...
E esses personagens que você criou são o que lhe ajudam a permanecer funcionando?
P11 É conseguem, foi uma maneira que criei para tentar sanar isso ai e é o que tenho para conseguir
alcançar meus objetivos... minha filha, quero muito dar uma vida melhor para ela...tô tendo
oportunidade também para ela (esposa) pago a faculdade dela e tudo, para ela estudar... ter um
crescimento de vida também... e tô aqui na minha caminhada...
Você teve algum adoecimento nesse último ano?
P11 Tive quando (situação pessoal) fui para o hospital... meu coração tava muito acelerado sabe?
Mas o médico disse que eu não tinha nada, fiz os exames e tudo...mas foi só isso, foi tipo pico de
pressão, essas coisas sabe? Eu até achava que ia ficar doente... e eu até dizia: e se eu ficar doente?
Do que vou viver? De uma aposentadoria? Mas enfim, tento não me deixar afetar...
Parece que você tem uma imagem clara do que você quer no seu futuro...
P11 Sim, e tenho de ter porque – não é que eu seja velho – mas já tenho 32 anos, minha mãe diz que
eu estou na metade da vida, eu sei mas... eu disse para ela se tudo der certo vou terminar meu
doutorado com 38 anos... mas meu orientador é pós-doutor e tem 29 anos... enfim, penso em fazer o
doutorado passar pelo menos um ano fora, morar na Europa, um doutorado sanduiche por lá... quero
dar oportunidades para minha filha, as oportunidades que tive foram todas criadas por mim e quero
ajudá-la... (fala de questões pessoais)
O que você entende por qualidade de vida?
P11 Qualidade de vida é você se sentir bem naquilo que você está fazendo, onde você está... lógico
que a saúde é importante: duas questões a mental e a corporal, se você estiver bem com isso aí...
souber separar não vai ter problema lógico, que não estou dizendo que meus personagens me
isentam de tudo mas...
Se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida hoje que nota você daria (de zero a dez)?
P11 Questão de saúde eu tô bem... seria um dez... a questão mental eu acho que eu daria um cinco
porque é muito pesado, tá muito pesado para mim mas são mais por questões externas mesmo
200
questão de trabalho está tudo ok; tô muito pensativo ultimamente...
Para subir um pouquinho sair desse cinco o que seria necessário?
P11 Resolver meu casamento, e ano que vem conseguir focar na minha dissertação...se minha bolsa
sair vou poder sair de uma escola e será um peso a menos...
Você pode me falar um pouco sobre suas ideias a respeito da formação continuada?
P11 Existe a formação continuada e existe aquele processo que o professor se mobiliza e vai buscar
fora um título como forma de melhoramento financeiro, mas acho que não seria essa a ideia, né? O
ideal é que se pense num crescimento profissional, que contribuição vou poder dar para a
sociedade? Poxa tô estudando para fazer minha parte também para chegar numa sala de aula e
chegar diferente então penso a formação continuada deveria perpassar por isso e não somente por
uma questão financeira, tenho colegas que só querem isso, o título para melhorar o salário...
E você vê alguma relação entre formação continuada e saúde mental?
P11 Sim, com certeza, acho que nesse processo você adquire meios para lidar com algumas
situações dentro e fora de sala, nessa perspectiva você vai crescer, vai conseguir observar os
problemas mais de fora, aprender a buscar soluções mais viáveis vai ver que algumas situações são
mais e outras são menos irrelevantes porque você adquiriu conhecimento e práticas para aquilo...
Pergunto se há algo mais a acrescentar, que eu não tenha perguntado e que ele ache que possa ser
útil... agradeço e encerro...
Quinta-feira 01 de setembro – horário da manhã
Após a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido demos início à entrevista.
Eu gostaria de que você me contasse um pouco de sua trajetória, como você chegou aqui na escola?
P12 Bom, eu comecei na área da educação quando ainda estava no ensino médio, sabe? Eu era uma
aluna que tinha facilidade em Matemática e na própria escola em que estudava teve um problema
com um professor e o diretor perguntou se eu poderia suprir aquela carência durante alguns dias, eu
dava aula para minha própria turma, engraçado isso, e aí eu comecei a gostar do magistério e a
primeira oportunidade que tive, eu fiz o concurso, no município de Russas, aí obtive aprovação, fui
lotada, eu passei um ano em sala de aula, gostaram do meu trabalho e acharam que eu poderia
partilhar minhas ideias com outros professores aí fui trabalhar na Secretaria de Educação junto com
o Secretário (de Russas) na área pedagógica, né? aí... eu me casei, meu esposo é daqui de Fortaleza
e eu vim morar aqui em Fortaleza, eu tinha 26 anos...
E você tinha começado com que idade no magistério?
201
P12 Com 18 anos.
Então quando você veio para cá já fazia praticamente oitos anos que você trabalhava na área da
educação...
P12 aí então entre as várias coisas que eu participei, de conselho da criança e do adolescente (na
época conseguimos pela primeira vez o selo da UNICEF),foi muito gratificante, depois dessa
premiação entreguei o cargo e vim para Fortaleza. Passei nove meses sem atuar em sala de aula aí
apareceu o concurso do Estado, aí eu fiz o concurso do Estado e enquanto esperava o resultado
participei e passei em duas seleções, para o colégio Christus e para o colégio evolutivo, aí eu fiquei
no Evolutivo porque era mais próximo e eu não sabia ainda me deslocar bem na cidade e quando
saiu o resultado do concurso fiquei feliz porque na época em que estava estudando eu rasgava a
apostila para poder segurar com uma mão só, porque com a outra estava amamentando; aí ingressei
no Estado, no início fui lotada em seis escolas aí muita coisa mudou: precisei aprender a me
deslocar em Fortaleza, as escolas não eram próximas, tive de aprender a dirigir porque eu não
queria depender do meu esposo para tudo e de ônibus acabava chegando atrasada enfim... aí um
belo dia estava conversando com uma colega e ela conhecia a diretora daqui e ela disse: ah xxxxxx
vou perguntar se há carência na sua área e eu disse: ah, se tiver eu topo. Eu iria sair de um local
onde a violência já tinha dominado, isso era 2003 mais ou menos e a escola ficava no Bom Jardim,
a escola em si era boa, não tinha uma pichação o problema era eu conseguir chegar lá e sair de lá
em segurança; aí apareceu uma turma só para eu ensinar aqui, mas eu disse que viria... aí a diretora
gostou do meu trabalho, teve um deslocamento de um professor para outra escola, e esse foi o
momento que entrei na escola em principio já fiquei com 200h/a e fui convidada a atuar na área
pedagógica foi quando assumi, sou coordenadora de área, tenho 100 h em sala e 100h da
coordenação e aí tô até hoje...
Hoje você está lotada só aqui?
P12 Sim, só aqui.
Você passou por seis escolas e mais a J? O que pode dizer das experiências? Elas são muito
diferentes entre si?
P12 Essas todas tinham um perfil parecido, sabe? Eram escolas mais periféricas e que tinham
muitos problemas com alunos envolvidos com drogas; mas no tempo que passei nunca fui
desrespeitada ou ameaçada mas, como ser humano, eu tinha medo...e eu muito nova eu tinha aquilo
de acreditar que eu podia mudar as coisas mas depois que entra a família em jogo eu pensei que
tinha de buscar uma escola mais tranquila porque quer você queira quer não o seu dia no trabalho
vai refletir na família, se você é muito consumida você vai chegar em casa diferente; então ficar em
uma escola só trouxe uma série de vantagens, passei a morar mais próximo né?
E hoje em dia como é a sua rotina, se você pudesse descrever para mim ou uma semana típica...
P12 Agora eu estou em sala de aula, as 200h porque houve uma mudança com relação ao
coordenador de área aí na segunda-feira venho dar aula minhas turmas são do ensino médio, os
terceiros anos, são todos meus e algumas turmas do primeiro ano também e ai a rotina é, eu venho
para escola...
202
Quantas aulas você ministra por dia?
P12 Tem dois dias que tenho 12 aulas aí nesses dias não almoço em casa, porque não ia dar tempo,
iria só para dar o ar da graça porque não daria tempo de almoçar né? Então fico na escola, trago
minha alimentação de casa, dois dias na semana isso, aí fico à tarde na escola, 18h busco minha
filha na escola e providencio o jantar, após o jantar tem orientação de tarefa aí depois você cai na
cama e é só...
E nos outros dias que não tem esse monte de aulas?
P12 Na verdade assim, na segunda-feira, eu não dou aula de manhã, eu fico em casa, eu ajeito as
coisas em casa, eu estudo, eu oriento a minha filha, porque a noite é só para fazer a tarefa mesmo...
a gente almoça e aí eu deixo ela na escola e eu venho trabalhar, o expediente acaba 17h50min e aí a
noite é orientação de tarefa, conversar com o esposo, assistir um jornal... no outro dia, na terça-feira
é o dia todo aqui, aí meu esposo é quem pega minha filha na escola nesse dia enquanto eu vou me
deslocando para casa. Na quarta eu não venho, aí na quinta-feira é o planejamento, na sexta tem
horário de planejamento em um turno só e no outro fico em casa...
Você leva tarefas do trabalho para casa?
P12 Quando não dá tempo, ou quando a concentração aqui não é legal, eu levo...
E com qual frequência isso acontece?
12 Rapaz, de 10 acontece sete... quando é algo que requer uma concentração maior (porque a escola
não tem um espaço onde eu possa ficar sozinha)...
O silêncio é insuficiente?
P12 Sim, e às vezes são outras coisas, a internet às vezes não tá legal e eu quero pegar alguma
imagem para colocar na minha prova ou num TD ou algo a mais que precise... nem sempre dá para
fazer isso aqui... então essas tarefas faço quando estou em casa na segunda de manhã, na quarta ou
na sexta à tarde...e isso só tenho 200h/a tem colegas que tem 300h/a é pior...
Vocês podem, tem a liberdade de mudar a carga horária? Aumentar ou diminuir?
P12 Bom, 300h só por concurso público, você tem concurso para 200... você não pode aumentar
sem concurso porque as matrículas são diferentes para cada carga horária. Muitos escolhem 300 por
uma questão sanitária, eu trabalho duzentas porque meu esposo trabalha, ele não é da área de
educação, e aí a gente quando vai juntar as contabilidades dá para manter o barquinho navegando;
mas para eu sobreviver com meu salário de 200h sozinha ia ser bem complicado para começar acho
que minha filha não estudaria na escola que ela estuda, eu não teria o meu carro talvez, talvez até
ela estudasse onde estuda mas o padrão de vida seria outro...
Falando de padrão de vida, você pode me dizer o que você entende por qualidade de vida?
P12 Qualidade de vida é você usar o tempo fazendo coisas que você gosta e é assim sabe? Ter
tempo para família eu aqui mesmo na escola abrir mão de muita coisa para eu ter mais tempo em
casa sabe?Eu assumi aqui em 2013 um projeto que eu desenvolvi e pus a mão na massa e eu não
203
tinha mais tempo para família, mas eu fiz a coisa acontecer sabe? Os níveis dos alunos dos terceiros
anos ficaram bem elevados eram turmas totalmente desestimuladas e melhoraram, claro que não foi
100% mas eles eram aqueles alunos que não viam uma luz no fim do túnel e aí de repente viam
maneiras, montavam grupos para estudar com os colegas e passaram a ser alunos, que se inscreviam
em tudo o que era oferecido até os simulados, que fazíamos, quando colocávamos os resultados
você via a empolgação deles em conferir aquele gabarito e foi legal! Foi muito gratificante mas ai...
eu não consegui ficar e... muitos passaram no vestibular, foi o primeiro ano em que o colégio J
conseguiu aumentar seu índice de aprovação em relação ao terceiro ano...
A qualidade de vida deles melhorou mas a sua...
P12 A minha eu deixei bem de lado, sabe? Eu fiquei desgastada fisicamente mesmo, emagreci, mas
é que eu ficava aqui mais de 300 h... dedicada mesmo...(chora)
Você sente falta de poder fazer isso por eles?
P12 A sensação de eles voltarem para a escola é muito boa, eles vêm e dizem oh professora, tô em
tal semestre da faculdade ou entrei mas ainda não é o curso que eu queria...mas mesmo assim, já é
uma grande conquista ter entrado numa faculdade pública, porque ele está buscando outra tá
entendendo? Um menino, que não tinha nenhuma perspectiva de vida...eles passaram a gostar da
escola de um jeito, eles não tinham nem onde estudar em casa... vinham para cá... (se emociona)
Alguns nem sabiam que podiam vir... conclui que a família é muito importante na vida de um ser
humano...
E justamente por isso você resolveu cuidar mais da sua...
P12 Sim... quando terminou o ano percebi que estava deixando um pouco de lado e decidi ficar só
com minhas aulas mesmo; sofri certa pressão sobre o núcleo gestor da direção da escola; mas desde
o início eu tinha destacado a necessidade de outros professores se engajarem no projeto e ai foi isso
o que aconteceu, eu sofri depois porque tudo aquilo que construí ao longo de um ano foi morrendo
sabe? Aqueles objetivos, aquelas propostas do projeto foram se perdendo ai... eu fui chamada de
novo para poder...continuar o projeto mas aí eu não quis mais abrir mão da minha família, eu tinha
começado a ter problemas com meu esposo, e ele estava certo, eu ficava aqui até tarde da noite...
saia seis e meia e tinha dia que só voltava nove horas, tem dias que, tem eventos que, tem um
evento que a gente chama de jgnight em que se fica aqui 12h com eventos, aulas... eles já vem de
uma jornada toda... é uma noite inteira, então eu chegar depois de uma jornada inteira e dizer que ia
ficar essa noite toda aqui... aí meu esposo disse que não adiantava nada eu ficar cuidando dos filhos
dos outros e a tua família? E ai eu comecei a perceber que a gente trabalha para estar bem também
com a família, né?
E hoje, se você fosse dar uma nota para sua qualidade de vida de zero a dez, que nota você daria?
P12 Minha vida está se resumindo a trabalhar e estar em casa, fazer programas caseiros mesmo
(porque o esposo está se preparando para concurso) então não tenho viajado, as viagens que fazia eu
ainda não estava na educação... então na minha qualidade de vida hoje... Sete
E faltaria exatamente essa parte do lazer?
P12 É essa coisa maior até porque na minha família a gente gosta de fazer tudo junto. Eu não gosto
204
de ir para um shopping só, tem que ser nós três, entendeu? Aí eu tenho de ver o lado dele, então eu
faço de conta que eu não estou querendo ir para não tirar ele da rotina de estudos... porque eu sei
que a gente vai...assim, é um objetivo dele, né? A minha vida hoje, financeira, está boa mas eu
sonho com mais tá entendendo? Então por isso é essa nota sete.
E saúde mental? O que você entende por saúde mental?
P12 Saúde mental é você estar bem com os problemas que precisam ser resolvidos... é que... hoje
você ter 100% de saúde mental é tão complicado, né? Nesse mundo que a gente vive... Assim: eu já
fui assaltada 3x...uma foi junto com a minha família, sabe? Vi o cara lá com a arma apontada para
minha filha... então assim: eu saio hoje, eu tenho medo... mas não deixo de sair... sem querer a gente
passou isso para minha filha, ela também tem medo de determinadas horas, de determinados locais,
até pela experiência, né? Mas eu procuro conviver da melhor forma possível...
Como é que você faz para conviver com essas coisas?
P12 Eu, eu, primeiro eu seleciono os lugares para ir, nem todo lugar eu vou com minha filha, se eu
vejo que o local representa algum risco, eu não levo minha filha, e a gente toma... por exemplo, se
eu chego num restaurante eu não fico mais nas primeiras mesas a gente procura ficar mais dentro do
restaurante e assim, são medos que não adianta dizer que você não tenha, mas eu também não vou
poder deixar de viver, encontrar amigos... só que tem de ter muito cuidado, quando a gente sai a
gente tem medo, aí assim não sei dar para dizer que se tem 100% de saúde mental não... não tem,
tem esses medos por conta da cidade onde a gente vive...
Para ti o trabalho está mais associado à perspectiva de sofrimento ou de saúde?
P12 Hoje? O trabalho não, para você ter ideia hoje eu me sinto bem quando estou aqui, não é que
minha casa... avé Maria, eu amo minha família e amo minha casa, mas me sinto muito bem estando
aqui...
O trabalho é muito importante na minha vida... se você me perguntar: você sonha com a
aposentadoria? Eu sonho, porque eu sei que eu não vou ter a energia que eu tenho hoje; eu já não
tenho a energia que tinha há dez anos... então sonho com a aposentadoria sim... agora que o trabalho
me faz bem, faz... para você ter ideia passamos agora 107 dias em greve, eu amo o que eu faço, mas
eu entrei na greve porque também eu preciso de melhores condições de trabalho e eu trabalho numa
escola muito boa mas eu tenho muitos colegas e, eu também passei por escolas que a infraestrutura
não era essa, então não vou cruzar os braços diante de uma realidade que é da maioria então eu
entrei em greve sim, até porque precisamos de melhores salários aí o que acontece? Quando passou
o primeiro mês eu já estava torcendo que tudo se resolvesse para eu voltar porque já estava sentido
falta da escola...
O que você mais gosta aqui?
P12 Gosto de estar com meus alunos, de quando acaba a aula um vem e diz ah professora entendi o
assunto ou gostei da aula... isso me gratifica e tem aluno que chega e diz mesmo, sabe? Aí tem dias
que você não tá legal e não dá uma aula legal também, eles percebem isso, ontem mesmo, eu achei
tão legal, eu tava quase sem voz e abri a chamada, não tava de muita conversa, né? Sem voz, e eu
abri o diário para fazer a chamada e comecei: número 1, e a voz saindo bem pouco, quando eu
cheguei no número três, eu não estava mais chamando quem tava era um aluno, bem forte: número
205
4...e eu comecei a rir, então são essas coisas, você pode pensar: mas são coisas tão pequenas... mas
são essas coisas que eu acho legal; grande parte dos alunos são de uma classe social baixa, um dia
eu tava completando ano e aí uma turma de terceiro ano desenhou um bolo numa folha de papel e
quando entrei em sala começaram a bater palma com esse bolo... então são essas pequenas coisas,
talvez se tivesse tido um bolão mesmo de verdade eu não teria me emocionado tanto quanto o bolo
desenhado no papel então são essas coisas, e muitas outras, que me fazem bem aqui...
A relação dos professores é boa?
P12 Muito boa, com exceção de um ou outro, percebo que voltamos dessa greve, assim mexeu
muito com as estruturas, eu particularmente fiquei muito triste mas é isso, nós temos essas coisinhas
assim pontuais mas eu venho de escolas onde os problemas não são pontuais são gerais...
Em sua opinião você acha que o sofrimento psíquico dos professores está mais ligado às condições
socioeconômicas desfavoráveis ou à organização do trabalho em si?
P12 Acho que está mais voltado ao trabalho em si; de uma coisa eu tenho certeza se você está na
educação atuando, e não se identifica, você vai ser um eterno infeliz; não só na educação... mas na
educação você vai estar todo dia com alunos diferentes, turmas diferentes... todo dia é uma caixinha
de surpresas aí você começa a saber das histórias dos alunos, o aluno vê em você uma figura em que
pode confiar e começa a lhe trazer muitos problemas da casa dele sabe? Se você não tiver um filtro,
uma boa estrutura em casa você vai ser assim, meio infeliz, sabe? Porque vou te dizer: tem muita
coisa negativa na escola...
Quais são as coisas negativas?
P12 Trabalhamos com alunos com diferentes tipos de família, temos alunos que se chegarem com
um palito de fósforo em casa os pais questionam e outros que se chegarem sem o palito de fósforo
ele apanha, tá entendendo? Temos alunos que são envolvidos com esse mundo da violência e que
fico me questionando: poxa eu passei a mão na cabeça desse menino, literalmente, sabe? Às vezes
enquanto estão fazendo uma atividade eu vou lá passo a mão na cabeça e isso me chocou muito uma
vez que, um aluno desses que eu passei a mão, hoje tá preso por conta de um assassinato... eu passei
noites com assim com aquela coisa ruim, um tipo de sofrimento, então se você se deixar envolver
fica complicado; fui algumas vezes no médico ele dizia que era estresse passava algum
medicamento então fui vendo que era eu mesma quem tinha de lidar com as coisas, sem remédio.
Hoje tenho 41 anos de idade e nunca tomei nenhuma medicação para acalmar, para nada... antes eu
sofria mais, hoje acho que isso aqui é bom para minha saúde, porque eu comecei a filtrar as coisas,
ou você filtra ou você fica doente...
E como é que você faz para filtrar?
P12 Mulher, nem eu sei. Uma colega me perguntou: como é que tu consegue? Porque é uma coisa
que não dá muito para separar, mas faço o seguinte eu tento no máximo, quando eu pego meu carro
aqui no estacionamento eu já me desligo dos problemas de alguns alunos... aí já penso na minha
filha e de vez em quando vem aqueles pensamentos, né? Mas coloco minha família, procuro pensar
em outras coisas... começo a me burlar, praticamente, mas antes eu não conseguia fazer isso...
Você consegue substituir certos pensamentos mais obsessivos por outros mais propositados...
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P12 É se é problema com aluno procuro lá fora pensar em soluções para coisas da minha filha.
Então tem certo ritual? Assim: você entra no carro, fecha a porta e é como se fechasse a porta para
escola...
P12 Sim se for problema com aluno ou alguma coisa faraônica como se diz eu procuro fazer isso
porque senão se ficar naquela coisa não consigo me concentrar em nada em casa … e não quero
levar problema da escola para casa. Até porque se for relatar as coisas para meu esposo... nem relato
mais porque eu sentia da parte dele um “não aguento mais...escutar esses problemas, que não são
nossos”
Era meu, não era nosso, nem dele nem da minha filha... então relato algo pontual, antigamente
contava tudo...hoje para viver bem não faço mais isso.
Então você filtra também o que vai conversar em casa? O que vai partilhar, o que não vai partilhar?
P12 Sim, mas agora aqui eu vivo tudo, me envolvo esqueço até que minha filha está ali, hoje ela
está na escola e vai almoçar só com as colegas, fiquei preocupada lá, quando passei da portaria aqui
pronto, esqueci, tento ao máximo não trazer meus problemas de lá e nem levar os daqui para casa.
Mas antes não conseguia fazer isso os de casa não trazia, mas daqui eu levava... até eu me polir,
agora tô vivendo melhor; minha casa nunca teve nada de discórdia, eu tenho 15 anos de casados e
nós nunca tivemos uma discussão mais séria assim, a gente discorda de uma coisa ou outra mas de
alterar a voz um com o outro, não. Eu acho isso legal e a gente vive muito bem assim, sabe? Então
apesar das dificuldades evito falar, apesar de ter alunos que não aprendem...
O fato de haver alunos que não aprendem gera desconforto?
P12 Sim, poxa você leva um tempo enorme para planejar aquilo ali, um bimestre inteiro de desgaste
de voz, físico, aí quando você vê o resultado não é bem o que você esperava e nós somos humanos;
você pensa, aquela turma ali vai... você gera expectativa aí quando é o contrário a decepção é
maior... uma aluna uma vez chegou, meio intrigada, e disse poxa professora, você gosta quando a
gente tira nota boa? E eu pensei: poxa, qual é a visão que essa menina tem de um professor? Eu
sempre pensei que me viam como uma ajuda, um apoio, então quando ela me perguntou isso fiquei
me questionando: será que isso é uma coisa isolada? Isso foi uma das coisas que me fez investir
mais naquele projeto de 2013 e assim: a educação ela... a sala de aula não é uma formulazinha que
você está ali e pronto vou aplicar essa fórmula, não é assim... é uma caixinha de surpresas e muda
muito de uma turma para outra; se estou no primeiro ano A e saio logo em seguida para o primeiro
ano B não consigo atuar da mesma forma... e alguns alunos questionam, como eu ensino em todos
os terceiros anos, tem aluno que pergunta: “professora você passou essa questão para a turma da
minha prima”? “por que a senhora já está nesse assunto e lá a senhora ainda está lá atrás? É porque
eles são burros?” eles perguntam desse jeito... aí digo, não é bem assim, você tem de ter toda uma
maneira de falar, de explicar...
Se você não fosse professora o que você seria?
P12 Eu já fui aprovada em um concurso para o Tribunal Regional do Trabalho e eu tive uma boa
colocação, de cem questões eu errei quatro, foi meu esposo quem conferiu meu gabarito, ele disse:
“pronto, amanhã você vai na SEDUC pedir exoneração” “aí eu disse para ele que se eu assumisse ia
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pedir só a redução de carga horária, que eu ficaria nos dois” e ele disse “minha filha você quer ficar
dando aula? Não acredito, não” (Ri) aí eu fiquei assim, eu sabia, que se eu fosse chamada ele ia
passar o resto da vida jogando na cara se eu não assumisse, que eu poderia estar ganhando bem
mais, não sei o que, trabalhando menos horas” e eu digo assim: Deus foi tão bom que muitas
pessoas acertaram 100% da prova e minha colocação não ficou dentro das vagas, aí passou dois
anos e pensei ainda vão chamar, mas completou quatro então, acabou” mas eu sou muito cobrada
por ele para estudar para concurso porque eu vinha num ritmo de estudar para concurso, mas eu sei
que não iria desempenhar bem a função e ia ser só por dinheiro; e é claro que não vou dizer que não
preciso de dinheiro para viver, mas hoje já tenho transporte, ele tem transporte, vivemos num local
bom porque também há uma soma de salários, porque se fosse só o meu, como já falei não dava.
Então, talvez, pelo dinheiro e pela pressão da minha família (não só dele, porque meus irmãos, mãe
e tudo...) talvez eu tivesse ido proTribunal do Trabalho mas Deus sabe o que faz. Eu poderia estar
ganhando muito bem, muito bem, muito bem mas não estaria aqui, a educação emociona né? Acho
que não me emocionaria falando de nenhuma outra profissão. Poderia? Poderia porque não exerci
nenhuma outra profissão, mas não sei... na minha formação, eu fazia Engenharia de Alimentos,
passei tudo... precisei trabalhar, tive de fazer uma opção ou fazia a faculdade de alimentos, ou fazia
a Llicenciatura plena em xxxxxxx eu tive de escolher porque precisava trabalhar aí escolhi a
xxxxxxxx uns dizem: ah, que escolha! Mas eu não vou discutir, eu penso de maneira diferente, com
a educação me sinto bem... agora... poderia ganhar melhor? Poderia!
Você acha que não é justo o que vocês recebem pelo investimento que fazem, é isso?
P12 Sim, não é justo. Vejo colegas aqui, passando por situações muito complicadas... Deus é muito
bom comigo porque eu exerço a profissão que eu gosto e ainda tenho a oportunidade de ajudar as
pessoas; se eu dependesse financeira só da profissão que eu gosto talvez não daria para eu ajudar
minha família, talvez, não sei a gente só sabe quando passa aquele momento, né? Mais talvez não
desse ou eu tivesse de abdicar de muitas coisas sabe? Para ajudá-los... mas sei que com outros
colegas não é bem assim... eles passam por situações muito difíceis porque o salário não dá;
Com relação à formação continuada, quais são suas ideias? O que você pensa sobre formação
continuada?
P12 Eu acho que formação continuada é primordial, eu até tenho algo sobre isso, eu fiz aqui na
escola, a importância da educação continuada para os professores, porque assim, eu entrei no
Estado no concurso de 2003 e assumi em 2004 desde então se eu não procurasse estudar eu não
teria nada, nenhum curso pago pelo Estado, você acredita? Nem um curso simples assim de oito
horas, não tem curso aqui, cada um caminha com suas próprias pernas e sei que tem colegas que
não tem esse tempo para estudar nem para refletir sobre sua prática porque tem que trabalhar uma
jornada de trabalho desgastante (são 300h), então assim, uma pessoa que tem 300h no Estado ainda
sim dá nos cursinhos no final de semana, tá entendendo? Então que tempo tem para estudar? Sei lá
talvez se pudesse fracionar os horários de planejamento e ter um x de horas para estudo e outro para
se dedicar á docência...
E tu acha que a formação continuada contribui para saúde mental?
P12 Eu acredito que sim porque você começa a ver as coisas de outra maneira, às vezes você está
em sala de aula trabalhando coisas que já são obsoletas e para ela aquilo é uma verdade porque foi
passado isso para ela mas a época em foi a faculdade era um período e agora já estamos em outro
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então eu acho que a formação continuada é importante para professor estar atualizado, fazer uma
reflexão sobre sua prática pedagógica; porque assim você entra em sala de aula, depois de uma
semana você tem de refletir, principalmente após o resultado dos alunos, pensar: poxa eu tô errando
em quê? O problema sou eu? Sabe ter humildade, poxa talvez eu não tenha passado essa matéria da
maneira como era para ter passado, somos seres humanos... eu defendo demais mas entendo os
casos dos meus colegas que já têm uma carga extensiva demais e ainda terem de estudar? Eu
mesma se estou mais cansada digo: não aguento mais fazer essa leitura aqui... até porque senão eu
leio, leio, leio e depois o que ficou? Até que ponto isso vai ajudar e até que ponto vai atrapalhar?
Mas que acho positivo fazer essas reflexões, aprimorar os conhecimentos... eu acho.
Tema algo que você queira acrescentar? Algo que eu não tenha perguntado e você ache importante
eu saber?
P12 Às vezes você idealiza muito uma coisa e é outra, é... às vezes a gente, as dificuldades do dia,
poxa não vou planejar mais dessa maneira porque emperra... às vezes a educação que o aluno traz
de casa te deixa triste, sabe? Assim, eu me sinto, nunca me senti enfrentada por aluno, mas sei que
tem alunos que enfrentam professor e é chato, e é chato, as pessoas têm o seu limite também... você
só pode ir até ali porque está na escola, se fosse na rua, você abria o verbo também, mas na escola
não dá, o educador é você e estar se policiando exige um jogo de cintura muito grande... quando
comecei a ensinar com vinte anos o comportamento dos alunos era um, hoje é diferente eles veem a
gente de outra maneira, então tem que saber até o que falar, se você toca em assunto de drogas você
já fica constrangido porque eles denunciam logo os colegas, que usam drogas, que estão em sala de
aula e aí você fica com medo também: até onde posso entrar aqui nessa história? Que aluna tal é
filha de traficante tal... e essas coisinhas deixam você muito cansada no final do dia sabe? Esse pisar
na casca dos ovos, você tem de saber onde pisa, como abordar um assunto... e não podemos deixar
de abordar – me sinto na obrigação no meu papel de educadora... é complicado, ser professor hoje
não é fácil, você ser professor hoje não é fácil, eu gosto do que faço e não é fácil sem gostar você
vai sofrer...
Agradeço, encerramos etc...
Final das entradas.