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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ ADELINE AMBROZIM DO FUNDO DO MAR À CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE: A PEQUENA SEREIA E AS NOÇÕES DE BELEZA E FEMINILIDADE. Maringá 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

ADELINE AMBROZIM

DO FUNDO DO MAR À CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE: A PEQUENA SEREIA E AS NOÇÕES DE BELEZA E FEMINILIDADE.

Maringá 2011

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ADELINE AMBROZIM

DO FUNDO DO MAR À CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE: A PEQUENA SEREIA E AS NOÇÕES DE BELEZA E FEMINILIDADE.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado sob a forma de artigo, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá.

Orientadora: Ivana Guilherme Simili.

Maringá

2011

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ADELINE AMBROZIM

DO FUNDO DO MAR À CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE: A PEQUENA SEREIA E AS NOÇÕES DE BELEZA E FEMINILIDADE.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado sob a forma de artigo, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá.

Aprovada em. 24 de Novembro de 2011

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Professora Doutora Ivana Guilherme Simili

Universidade Estadual de Maringá

____________________________________

Professora Doutora Elma Júlia Gonçalves de Carvalho

Universidade Estadual de Maringá

____________________________________

Professora Doutora Isabela Candeloro Campoi

Universidade Estadual de Maringá

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus e à minha família que acreditaram em mim; aos meus amigos por

sempre estarem ao meu lado; aos meus professores que durante o curso nos passaram o

conhecimento; em especial, a professora e orientadora Ivana Simili, por apresentar o tema do qual,

mais tarde, escolhi para conclusão do curso; agradeço-a pelas orientações, paciência e pelo

carinho. Agradeço, também, em especial, à amiga Beth, excelente profissional, exemplo de mãe e

amiga, que esteve ao meu lado, dando conselhos e forças para que eu superasse o medo de falar em

público. Ela é uma pessoa que tenho como exemplo para ser uma profissional no futuro, pois além

da vontade de ensinar, ama o que faz.

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SUMÁRIO

1 Introdução .................................................................................................. 7

2 As identidades de gênero: algumas considerações ..................................... 11

3 Das histórias infantis aos contos de fadas .................................................. 14

4 Disney: um pouco da história ..................................................................... 20

5 A Pequena Sereia e as modelagens de gênero ........................................... 23

6 Considerações finais ................................................................................. 28

7 Referências ................................................................................................ 29

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DO FUNDO DO MAR À CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE: A PEQUENA SEREIA E AS NOÇÕES DE BELEZA E FEMINILIDADE.

Adeline Ambrozim

RESUMO: Este trabalho aborda a contribuição dos filmes de animação na formação das identidades de gênero das meninas. Analisaremos o filme infantil A Pequena Sereia, produzido pelos estúdios Disney, com o objetivo de apontar as noções de beleza e feminilidade veiculadas por meio da trilha musical, diálogos e aparências da personagem Ariel. Desse modo, por intermédio de tal análise, mostraremos o papel desempenhado pelas pedagogias culturais na educação infantil, particularmente, da cinematografia, na construção de representações acerca dos valores e dos comportamentos que são esperados como adequados a uma menina, ou seja, as contribuições dos artefatos fílmicos na formação das identidades de gênero.

PALAVRAS-CHAVE: Cinematografia. Identidades de Gênero. Feminilidades.

INTRODUÇÃO

Em uma das disciplinas ministradas no primeiro ano do curso de graduação em

Pedagogia, a acadêmica deparou-se com o assunto sobre a influência dos desenhos da

Disney na construção das identidades de gênero. Com isso, surgiu o grande interesse por

este assunto. Desde então, houve a observação dos filmes infantis com um olhar mais

crítico. Ao buscar as origens históricas do desenho animado foi adquirida a certeza de que

os Estúdios Disney foram, se não os pioneiros, os maiores investidores nesse tipo de arte.

Muito antes dos desenhos animados serem determinados como restritos às crianças, foram

muito utilizados como arma de propaganda ideológica, como se descobriu na dissertação

de mestrado de Alexandre Maccari Ferreira (2008), em que o autor desvenda o elo

existente entre Walt Disney e o governo americano.

Nessa dissertação, o autor explica que durante a Segunda Guerra Mundial os

personagens da Disney atuaram ideologicamente na aproximação dos Estados Unidos com

seus vizinhos sul-americanos. A Disney teria produzido, em 1943, o filme Der Führer's

Face (A Face do Führer). Nele, o personagem Pato Donald vivia na Nazilândia, e parece

ser o único morador da cidade. Todos os dias, ao acordar, tinha de tomar um pobre café da

manhã, ler o maior best-seller da Nazilândia "Meir Kampf" e depois devia trabalhar na

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produção de munições para as armas alemãs. Entre a produção de uma munição e de outra,

fazia a saudação nazista à imagem de Hitler, a ponto de ficar louco. Mas, no fim, Donald

acorda, descobre que tudo não passou de um pesadelo e se sente feliz por ser um cidadão

dos EUA.

Entre os filmes produzidos na época com o mesmo enfoque, podemos mencionar

dois outros. Segundo Ferreira (2008), Walt Disney teria vindo à América do Sul para criar

personagens que tivessem uma imagem de amizade com os EUA. Disney teve êxito em seu

objetivo ao criar dois filmes. O primeiro, Saludos Amigos (Alô Amigos), de 1942, filme

que apresenta Donald como turista e mostra aspectos da América latina, interpretados por

Disney e seu grupo, assim como apresenta um novo personagem, o papagaio brasileiro Zé

Carioca, que se torna amigo do Pato Donald. O segundo filme, The Three Caballeros

(Você já foi à Bahia?), de 1944, mostra Donald, Zé Carioca e o galinho mexicano

Panchito, outro personagem nascido dessa viagem, como amigos, o que representa a boa

relação entre os EUA, Brasil e México.

A partir disso, não houve dúvidas sobre o tema a ser desenvolvido neste trabalho: o

papel político da cinematografia, ou seja, o cinema como fonte de estudo para temas e

questões da história, particularmente, para a história da educação. Esse foi o eixo central

deste estudo, pois surgiu o interesse pelas questões de gênero, mais precisamente, do papel

da educação na formação das identidades de gênero, com foco na criação de representações

nos segmentos infantis, como as noções acerca da beleza e feminilidade. Assim, verificou-

se, entre os filmes da Disney, um que tivesse como personagem principal uma figura

feminina.

Dentre as várias personagens da Disney, passíveis de tal análise, foi escolhida Ariel,

do filme ¹A Pequena Sereia, pela combinação de fatores que permeiam o filme.

Primeiramente, podemos destacar a época em que o mesmo foi produzido: conforme

informações dos extras do DVD que utilizamos1, sua produção deu início em 1985 e o

lançamento ocorreu em 1989, época em que a mulher começava a se destacar no mercado

de trabalho, deixando de ser apenas dona de casa. Um segundo fator que contribuiu para a

¹O filme A Pequena Sereia foi lançado nos cinemas no final de 1989. Teve seu primeiro lançamento, em

VHS, no ano de 1990. Em 1998, o filme foi relançado nos cinemas tendo, em seguida, uma nova versão relançada em VHS (1999) e uma Edição Limitada em DVD, no ano 2000. Em 2006, chegou ao mercado uma versão dupla, em DVD, para os Estados Unidos, e uma versão simples para o Brasil com alguns extras dos quais fazemos referência.

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escolha desse filme foi o fato de Ariel ser órfã, assim como outras personagens da Disney.

Aliás, este é um aspecto marcante das princesas da Disney e podemos citar, como

exemplo, a personagem Cinderela, que não tinha mãe, mas tinha uma fada madrinha para

ajudá-la, a qual simboliza a figura e o papel de mãe. Entretanto, consideramos que em

Ariel tal aspecto pode ser verificado como um diferencial. No caso dessa personagem a

figura materna é representada por Úrsula, a bruxa malvada da história que ambiciona tomar

posse do reino de seu pai.

O terceiro fator se deu pela percepção de que cada personagem criada pela Disney,

quaisquer que tenham sido suas origens e fontes (contos de fadas ou produções com outros

suportes literários), exerceram papel importante na imaginação das crianças. Observamos

que os desenhos não prismam apenas pelo fator de entretenimento, mas carregam consigo

toda uma gama de valores de cunho político-ideológico. Assim, as produções da Disney

cumpriram e continuam a cumprir um papel importante na formação das crianças do

mundo inteiro durante várias gerações. Por isso, as personagens possibilitam múltiplas

análises.

Neste estudo, consideramos que as princesas Disney fabricam e veiculam noções

de beleza, comportamentos, atitudes, valores morais e concepções estéticas de beleza, que

contribuem e/ou participam das formações das identidades das crianças, particularmente,

das meninas. Assim, as imagens criadas para as princesas em cada um dos filmes da

cinematografia Disney figuram um padrão, que educa o sujeito a um tipo de olhar sobre os

corpos, construindo modos de fazer julgamentos estéticos e morais sobre o mundo, sobre

os outros e sobre si mesmo.

Ademais, o fato de que os desenhos animados estão presentes diariamente na

vida das crianças e que estes vêm influenciando-as de forma direta e indireta, sob a forma

de fantasias, sonhos e desejos que acabam por acompanhar as meninas em suas trajetórias

como mulheres (visto que o sonho do príncipe encantado e do casamento feliz e eterno

ainda são elementos do imaginário feminino), torna a temática proposta muito importante,

uma vez que ao se tomar consciência da ideologia apresentada nos desenhos, e ao assisti-

los, possamos ter um olhar mais crítico para os valores que são incutidos nas crianças.

Neste trabalho, buscamos aprofundar um estudo sobre o desenho A Pequena Sereia,

o que poderá se verificar, também, que a partir das análises feitas, no mesmo âmbito, será

possível observar qualquer outro desenho das produções Disney, pois o papel feminino,

entendido como uma série de expectativas sociais que recaem sobre a menina/mulher é

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exposto em todas as princesas de forma que as personagens são representadas como aquela

que lava, passa, cozinha, limpa a casa e que sempre busca um príncipe encantado. Além do

mais, as protagonistas dos desenhos da Disney são muito sensuais. Magras, seios fartos,

cintura fina e cabelos sedosos. Passam ideia de que meninas devem dar atenção à imagem,

à aparência, à moda.

Na análise, nosso olhar concentrou-se na identificação das noções de beleza e

feminilidade veiculadas por meio das músicas, dos diálogos e das aparências de Ariel.

Desse modo, por intermédio do filme, mostramos o papel desempenhado pelas pedagogias

culturais na educação infantil, em específico, da cinematografia, na construção de

representações acerca dos valores e dos comportamentos esperados como adequados a uma

menina.

Finalmente, é importante explicar o conceito de pedagogias culturais em sua

relação/articulação com a educação. Conforme Simili (2011), a educação, acompanhando

as mudanças históricas, sociais e culturais, passou por transformações. Os estudos

relacionados a essa área do conhecimento, realizados, atualmente, sob a perspectiva

cultural – ou dos estudos culturais nos mais diferentes recortes temáticos, teóricos,

metodológicos e historiográficos – demonstram que não é somente a escola que educa, mas

que somos educados pelas mais diferentes instâncias sociais e culturais, e por meio de

diversos artefatos e práticas pedagógicas (ANDRADE, 2003, p. 109-110; LOURO, 2008).

Ainda de acordo com Simili (2011), consoante essas interpretações, a família, a

Igreja, a arquitetura e a decoração das casas, os brinquedos e as brincadeiras infantis, as

roupas com as quais vestimos as meninas e nos vestimos, as mídias (a televisão, a internet,

as revistas, os jornais), a literatura, o cinema, as artes em geral (escultura, pintura), os

espaços de convivência e lazer (as academias de ginástica, os shoppings, os bares, as

boates, as lanchonetes, as ruas e seus edifícios) são pedagogias culturais que atuam na

construção dos sujeitos.

Essa concepção teórica e metodológica permite afirmar que os artefatos de

comunicação e expressão, caso dos filmes infantis, como pedagogias culturais,

desempenham papéis fundamentais na educação dos sujeitos históricos ao incutir noções e

representações sobre os modos de ser, de viver, de consumir, de amar, de desejar, de se

vestir, de se comportar nas ambiências e fazeres. (SIMILI, 2011).

Assim posto, neste estudo, A Pequena Sereia foi concebido como pedagogia

cultural, que veicula, por meio da história da personagem Ariel, noções de beleza e

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feminilidade que participam na formação das identidades de gênero das meninas que o

assistem, incutindo maneiras de pensar, sonhar, amar e de incorporação da imagem de

“garota ideal”, em termos de beleza e do comportamento feminino, esperado, de forma

geral, pela sociedade.

AS IDENTIDADES DE GÊNERO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As noções de papéis de gênero e a construção da identidade são socialmente

construídas e aprendidas desde o nascimento, com base em relações sociais e culturais que

se estabelecem a partir dos primeiros meses de vida. Mas é na educação infantil que a

criança começa a perceber a diferença entre o feminino e o masculino. A família e o

professor assumem um papel importante neste processo, pois eles servirão de referência a

esta construção (KNUPPE, 2004).

Ainda de acordo com Knuppe (2004), na educação infantil esta construção de

papéis e de identidade ocorre visivelmente por meio das atividades lúdicas e pelas

contingências que envolvem a situação do brinquedo, como a estimulação por parte das

professoras em relação à forma de brincar de meninos e meninas, e de restrições em

relação ao ambiente do brinquedo. É comum vermos cenas onde os adultos impõem

restrições aos brinquedos dizendo que, por exemplo, a boneca é destinada às meninas

brincarem e a bola é destinada aos meninos. Se a bola for cor de rosa, só as meninas podem

usá-la.

Acredita-se que na medida em que a criança desenvolve o conceito de gênero, ela

também aprende o que acompanha ou deve acompanhar cada gênero em específico. Por

isso, nessa fase, a criança costuma atribuir uma série de valores de certo e errado para os

comportamentos de papel sexual, como por exemplo: menino brinca com carrinho e

menina com bonecas. Portanto, a construção de gênero e de sexualidade deve ser vista

como produção e produto social.

Assim,

Para compreender os processos que participam na construção do gênero, é de realçar que ser “rapaz” ou “rapariga”, “homem” ou “mulher” é agir de acordo com o que as pessoas em sociedade acreditam ser masculino e feminino; pouco ou nada tem a ver com a natureza biológica e com a fisiologia de cada corpo. No entanto, é sobre esse corpo, com um sexo definido biologicamente, que são fixados os atributos do gênero; atributos

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construídos socialmente, variando no tempo e culturas, mas, simultaneamente, de tal forma articulados, que são muitas vezes percebidos como parte da natureza de cada um, devido a uma naturalização das formas de ser homem e de ser mulher (MIRANDA, 2008, p. 3, grifo da autora).

A autora é clara: gênero tem a ver com a construção de ideias e representações

acerca do masculino e do feminino, com a atribuição de significados para o que é ser

homem e mulher. Por isso, as estudiosas de gênero, entre as quais citamos Miranda (2008),

gênero é uma construção social, que se processa nas práticas e representações sociais.

Na escola, esses assuntos e questões de gênero e de sexualidade, normalmente, não

são discutidos. As famílias são resistentes e muitos professores não são preparados, nem

foram formados para abordar tais questões. Por isso, algumas das questões envolvidas nos

assuntos de gênero e de sexualidade, permanecem como tabus nos campos familiar e

educacional.

Esse aspecto foi abordado por Wolff (2006) ao observar que, na escola, os

professores, mesmo sem perceberem, reforçam comportamentos estereotipados

sexualmente. Ele cita como exemplo: uma professora solicita a presença da auxiliar junto

aos meninos durante a rodinha, porque eles estão sempre agitados e as meninas são mais

calmas, educadas, dóceis. Dessa forma, a professora e a auxiliar estão reforçando atitudes e

comportamentos concebidos socialmente e culturalmente como “naturais” aos meninos e

às meninas, em razão de leituras e interpretações sexistas. Nesse modelo interpretativo, os

meninos seriam naturalmente agitados, irrequietos, bagunceiros e arteiros, enquanto as

meninas são gentis, quietinhas e boazinhas.

Essas interpretações acabam por produzir as diferenças e as desigualdades de

gênero. Nesse sentido, conforme Kude (2004) os estereótipos relacionados ao gênero são

muito discriminatórios, pois já está impregnado na sociedade que meninos são mais

agressivos e agitados, enquanto as meninas são mais frágeis e sentimentais, e tais

comportamentos são representados dentro da escola.

Alguns professores tomam para si a tarefa de orientar o comportamento sexual das

crianças, especialmente o dos meninos, garantindo que sigam o padrão dito como

“correto”, não utilizando maquiagens, nem roupas e comportamentos femininos. Existe

uma visão estereotipada sobre os papéis socialmente aceitos e recomendados para meninos

e meninas, levando os professores a designarem tarefas específicas e a assumirem condutas

distintas na relação com meninos e meninas.

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Portanto, o professor e a professora da educação infantil devem estar muito bem

preparados para trabalhar esses conceitos em sala de aula com crianças tão pequenas, pois

embora, conforme destacado por Costa (1999), os núcleos de suas identidades de gênero

sejam constituídas e/ou organizadas até os três anos de idade, a construção da identidade

de gênero deve ser compreendida como um processo que se desenvolve ou acompanha a

vida toda dos sujeitos, tratando-se, portanto, de processo interminável.

Além da família e da escola, as mídias, o cinema, a literatura, as revistas entre

outras instâncias e esferas sociais e culturais, também participam da modelagem das

identidades de gênero das crianças, ou seja, ensinam para meninos e para as meninas quais

modos de ser, de viver, de pensar são adequados a uns e outros.

A afirmação torna-se clara quando observarmos que na mídia televisiva, as

propagandas de produtos direcionados para os segmentos infantis procuram vender

produtos e modos de ser e de consumir, determinados ao masculino e ao feminino. Em

outras palavras, podemos perceber que, na mídia, os produtos apresentados são revestidos

de noções de gênero, criando nas crianças noções do que é ser homem e mulher.

Em suma: nos vários produtos que são expostos na mídia todos os dias, podemos

perceber certo padrão em que são definidos os papéis dos homens e das mulheres na

sociedade, considerando a normatividade da heterossexualidade nessa exposição (SABAT,

2008). Se atentarmos para os produtos infantis, vemos uma vasta diversidade de

personagens que ultrapassam a inocência de mero entretenimento.

Foi baseado nessas observações que nos propusemos em analisar o papel

desempenhado por desenhos infantis, como os desenhos da Disney, para construção da

identidade nas crianças, em especial, as noções de feminilidade que permeiam o universo

dos personagens infantis; os quais, de certa forma, reproduzem modelos e valores

estabelecidos pela sociedade.

Muitos desenhos infantis, considerados inocentes pelos pais, trazem discursos que

mesmo passando despercebidos incutem valores e normas de conduta que alcançam

diretamente o imaginário das crianças, pois ditam regras e expõem a criança a modelos de

identidade, pré-determinados, o que interfere no seu desenvolvimento. Torna-se, assim,

necessária uma intervenção dos profissionais de educação, através de análise dos discursos

explícitos ou não utilizados nas histórias que reproduzem tais “valores” de gênero.

DAS HISTÓRIAS INFANTIS AOS CONTOS DE FADAS

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A história da Pequena Sereia inicia dentro do contexto das origens das fábulas e

outros contos de fadas voltados para uma construção de conceitos éticos e morais na vida

da criança.

Conforme Domingues (2005), a literatura infantil, inicialmente, era transmitida pela

oralidade em serões, provocando fantasias na mente de seus ouvintes, que liberavam

emoções e sentimentos influenciados pelo mundo mágico criado nas histórias que

resgatavam lendas, mitos e contos.

Com o progresso industrial, a literatura infantil se fixou no mercado, como obra

específica para crianças, somente durante o século XVIII, embora nos séculos anteriores já

houvesse registros de histórias que viriam a agrupar-se à literatura infantil.

Durante o século XVIII, o processo de industrialização na Europa solidificou a classe burguesa, que passou a adquirir novos padrões sociais e culturais. A Revolução Industrial, política e econômica leva essa nova sociedade a incentivar a formação de instituições, família e escola, que ajudassem a atingir seus objetivos. [...] a estabilidade familiar, na qual os membros assumem seus devidos papéis, cabendo ao pai o sustento familiar e à mãe organizar a vida doméstica, beneficia a criança, que passa a ter um novo papel na sociedade, chama todas as atenções para si. Já a escola é convocada a participar e colaborar na vida social da criança e volta seus interesses para ela. Além de prepará-la para enfrentar o mundo exterior, coloca ordem social, tira a criança do trabalho forçado [...] (DOMINGUES, 2005, p. 139)

Nesse momento, (século XVIII), as mudanças sociais, políticas e culturais afetaram

as crianças. A estabilidade econômica e a nova ordem social creditam à criança um lugar

especial. É a literatura destinada a este público que irá receber a função de formação e

informação e de transmitir a ideologia produzida por essa sociedade. Em conformidade

com Domingues (2005), a literatura infantil está mais unida a um caráter pedagógico do

que literário, visando a endossar valores da classe burguesa e manifestando o modo como o

adulto quer que a criança veja o mundo.

Na busca de conhecimento acerca da origem da literatura infantil, descobre-se que

esta se originou da literatura popular que se perpetuou através dos tempos. As histórias

baseadas no folclore impressionavam e prendiam a atenção dos ouvintes. Crianças e

adultos dividiam o mesmo espaço, sem distinção de faixa etária e, juntos, ficavam

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fascinados com a fantasia que tais histórias apresentavam, com seus personagens e

situações criadas pelo contador.

Essa literatura popular, que povoou a Idade Média, foi resgatada por Charles

Perrault, e mais tarde pelos irmãos Grimm, que editaram os contos de fadas, definindo,

para tal segmento, a preferência das crianças às histórias fantásticas e de aventuras. Com o

Romantismo, essas histórias foram trazidas e adaptadas dando origem a uma coletânea de

contos e fabulas que se consolidaram. Outros escritores surgiram com novas propostas,

entre eles, Hans Christian Andersen, autor original do conto A Pequena Sereia. Os autores

procuraram retratar, a partir de então, histórias que se identificavam com a vida cotidiana

das crianças, e que antes não eram englobadas pela literatura infantil (PIFFER, 2010).

Conforme Elaine Piffer (2010), os contos de fadas pertencem ao mundo dos

arquétipos2, são míticos, simbólicos, respondem ao universo da criança, e, sendo assim,

torna-se possível perceber que não nos dão outro poder, senão o de assumir o real através

da cultura do imaginário.

Na literatura infantil, ainda de acordo com Piffer (2010), encontramos um gênero

narrativo com enredo simples, rápido e preciso. Suas características iniciais como “Era

uma vez...”, “Num reino encantado...” ou “Num lugar não muito distante...” denotam um

início, um meio e um fim e faz com que a criança perceba a existência de um tempo que

não é o seu; mas, um tempo imaginário.

Os contos de fadas propiciariam, ainda, através da oralidade, o primeiro contato que

a criança tem com um texto. Por isso, deve-se permitir que ela ouça muitas histórias, pois

além de ser um passo inicial no processo de aprendizagem, também contribui para o

interesse da criança na leitura (PIFFER, 2010).

Domingues (2005), afirma que a literatura infantil, depois de ser concebida como

obra de caráter pedagógico e formadora da moralidade, passou a ser alvo de discussões

ganhando nova valoração: a de ser unicamente um meio de entretenimento, prazer e

2 É um conceito da psicologia que se refere aos símbolos presentes em nosso inconsciente coletivo, que são comuns a toda a humanidade. A teoria do inconsciente coletivo – criada pelo psiquiatra e psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875- 1961) – afirma que todo ser humano nasce com um conhecimento que é resultado de experiências já vividas pela espécie. Jung formulou essa teoria após constatar que alguns de seus pacientes tinham alucinações com mitos que desconheciam. Dessas constatações, Jung desenvolveu e definiu a ideia dos arquétipos, que são os elementos principais na formação das mitologias de um povo e compõem os temas e personagens mitológicos recorrentes em lendas das mais diversas culturas e épocas. A crença na existência de um ser superior e onipotente, por exemplo, é compartilhada pela maioria das pessoas.

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distração às crianças, por apresentar uma estética especial por meio de livros coloridos,

com figuras, personagens mágicos ou não, aventuras e fantasias que reportavam a criança

para além da realidade concreta.

No entanto, a partir de estudos e pesquisas realizados pela psicologia no início do

século XX, chegou-se a novos valores atribuídos à literatura destinada às crianças: atraí-las

através das histórias e lhes proporcionar condições de reflexão e experiências, seja no

plano real ou no imaginário, para que possam enfrentar os problemas e buscar soluções que

as ajudem a se integrar ao mundo que as rodeia, a partir de sua realização interior.

O psicólogo Bruno Bettelheim (1980) afirma que a criança precisa descobrir sua

identidade para compreender o mundo exterior e, para isso, os contos de fadas assumem

um papel importante ao dirigirem-se a ela. Essas narrativas, através dos símbolos e

encantamentos estão ligadas, eternamente, aos questionamentos enfrentados pelo homem

ao longo do seu amadurecimento emocional; e agem na mente, trabalhando os conflitos

correspondentes a cada fase da vida. Diz Bettelheim:

O amadurecimento da mente humana acontece aos pouco. Em pequenos passos, a criança vai tomando conhecimento do mundo ao seu redor, sua beleza e os problemas que precisará enfrentar. Um conhecimento maior e uma compreensão existencial só serão possíveis quando ela se tornar adulta, pois terá adquirido, então, um maior grau de inteligência e entenderá melhor a sua existência. (BETTELHEIM, 1980, p. 142)

Piffer (2010) escreveu que é através da interação do conto de fadas e seu conteúdo

que a criança tem a oportunidade de brincar com os mistérios da vida, sem se preocupar

com a aprovação ou reprovação do adulto. Segundo a autora, a criança adquire segurança

para buscar relações entre o seu “eu” e as personagens dos contos, projetando-se nestas

para conseguir criar estruturas mentais e assim resolver problemas do cotidiano,

desvencilhar-se deles ou, pelo menos, conseguir conviver com eles.

Na ótica da autora, o conto promoveria o desenvolvimento da criança, motivando-a

a ser generosa e solidária, fazendo-a compreender que nem sempre as pessoas são boas e

que nem sempre as situações são agradáveis. Por consequência, desperta seu senso crítico,

fazendo-a refletir entre o pensar e o agir, entre o certo e o errado.

Assim, a essência dos contos de fadas é:

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[...] abstrair conceitos formadores de caráter, uma vez que estabelece relação entre “bem e mal”, “certo e errado”. Seus valores são inúmeros: respeito, bondade, justiça, amizade, amor, franqueza, humildade, diferença, etc., a formação moral da criança ocorre quando esta faz uso da reflexão sobre os contos, distinguindo as atitudes das personagens e construindo as suas próprias, alicerçando sua formação moral (PIFFER,2010, p. 2).

Para a autora, a literatura infantil tem o poder de incutir algumas virtudes, como a

solidariedade, amizade, entre outras. Domingues (2005), ao abordar como se processa a

relação da criança com o conhecimento proporcionado pela literatura, comenta que a

criança não apresenta um desenvolvimento intelectual igual ao dos adultos. Seu

desenvolvimento ocorre lentamente, por etapas; por isso, é necessário dedicar uma atenção

especial ao criar um texto para a criança. Em sua ótica, o autor de obras para o público

infantil deve se preocupar em desenvolver uma narrativa linear, com um tempo

cronológico, sem flashbacks ou cortes na narrativa. Uma linguagem simplificada facilitará

o entendimento da criança, colocando-a “dentro” da história, assim como a presença de um

espaço indeterminado, que irá transportá-la para um mundo fictício repleto de

encantamentos e surpresas.

Os personagens têm um papel importante para a criança. É através delas que o pequeno leitor se envolve com a história: ele sofre, chora, solta risos e a felicidade emerge com a personagem. Essa identificação ocorre quando a criança possui claramente a idéia do caráter da personagem e dos conflitos pelos quais ela passa: se a personagem é boa ou má, bela ou feia, se está feliz ou não, por exemplo. Esses sentimentos agem na mente infantil e provocam um desenvolvimento emocional ao revelarem imagens e ações que prendem a sua atenção. (DOMINGUES, 2005, p. 143)

O autor é claro: a criança no contato com a leitura de obras literárias se envolve

com o enredo da história e se emociona, sensibiliza-se com o que lê e vê - as imagens.

Conforme Pavoni (1989), foi com Vladimir Propp, estruturalista russo e um dos expoentes

da narratologia, que se deu um dos primeiros estudos científicos relevantes dos contos, em

1920. A autora, a partir dos estudos nos quais se propunha a analisar, estruturalmente, cem

narrativas dos contos populares da época chegou à conclusão de que todas as histórias

tinham a mesma sequência de ações ou funções narrativas, e, apesar da diversidade de

temas e versões, todas poderiam ter uma origem comum.

Segundo Coelho (1987), Propp formulou uma estrutura básica para os contos de

fadas, envolvendo início, ruptura, confronto e superação de obstáculos e perigos, assim

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como restauração e desfecho. O início se caracteriza pelo aparecimento do herói ou da

heroína e do problema que vai desestabilizar a paz inicial; a ruptura, quando o herói vai

para o desconhecido, deixando a proteção e se desligando da vida concreta; o confronto e a

superação de obstáculos e perigos, quando o herói busca soluções fantasiosas; a

restauração, quando se inicia o processo da descoberta do novo, das potencialidades e das

polaridades; e o desfecho, quando o retorno à realidade, com a união dos opostos, inicia o

processo de crescimento e desenvolvimento.

Coelho (1987) também afirma que a fantasia básica dos contos de fadas expressa os

obstáculos ou provas que precisam ser vencidos, como um verdadeiro ritual iniciático, para

que o herói alcance sua autorrealização. Tal fantasia parte de um problema vinculado à

realidade, e seu desenvolvimento é uma busca de soluções com a introdução de elementos

mágicos. A restauração da ordem acontece no desfecho da narrativa, quando há uma volta

ao real. Propp, ao analisar a semelhança entre a estrutura das narrativas e a sequência das

ações nos rituais, concluiu que os mais velhos faziam o papel de iniciadores e, assim,

contavam aos jovens que eram os iniciantes e o que lhes estava acontecendo, só que se

referiam ao fundador da raça e dos costumes, o primeiro ancestral. Essa narração que

mostrava o sentido das práticas nos rituais a que os jovens estavam se submetendo, era

parte integrante do ritual e devia ser mantida em segredo: um segredo entre o iniciador e o

iniciado, que funcionava como um amuleto verbal e dava poderes mágicos aos envolvidos.

Essas narrações acabaram se transformando em mitos, mantidos e transmitidos como

preciosos tesouros nas sociedades tribais (MENDES, 2000).

Através do mito, segundo Mendes (2000), pode-se entender a realidade social de

um povo, sua economia, seu sistema político, seus costumes e suas crenças. Por meio dos

mitos é que eram explicadas a vida individual e a social, a passada, a presente e a futura

nas comunidades primitivas. Isso só foi possível, de acordo com Pavoni (1989), quando

Propp, ao estudar as raízes históricas dos contos maravilhosos, descobriu que algumas

práticas comunitárias dos povos primitivos (ritos de iniciação sexual e representações da

vida e da morte) explicam a existência de dois tipos de contos, abrangendo a maior parte

das histórias chamadas hoje de contos maravilhosos ou de fadas.

Não se pode precisar, exatamente, o início da distinção entre o mito e o conto

folclórico, de acordo com Bettelheim (1980), apenas pode-se afirmar que ambos provém

de uma sociedade pré-literata. Os países nórdicos usam a palavra saga para ambos: mito e

conto folclórico; os alemães usam sage para os mitos e marchen para os contos. Ingleses e

19

franceses enfatizam o papel das fadas nas histórias e na maioria das vezes elas não

aparecem. Mitos e fadas atingem a sua forma final apenas quando estão redigidos, após

passarem por um processo de mudança pelo contador, condicionando-os ou melhorando-

os, de acordo com os interesses dos ouvintes, das preocupações do momento ou da época.

A separação entre a narração ritualística e o tratamento apenas artístico dado aos

contos, de acordo com Mendes (2000), foi o início da transformação do mito em contos

populares. Bettelheim (1980) afirma que esses contos se desenvolveram a partir dos mitos

ou foram a eles incorporados, passando a experiência acumulada, de uma sociedade

sedenta, para transmiti-la a novas gerações.

Estes contos fornecem percepções profundas que sustentaram a humanidade através das longas vicissitudes de sua existência, uma herança que não é transmitida sob qualquer outra forma tão simples e diretamente, ou de modo tão acessível, às crianças. Um mito, como uma estória de fadas, pode expressar um conflito interno de forma simbólica e sugerir como pode ser resolvido, mas esta não é necessariamente a preocupação central do mito. Ele apresenta seu tema de forma majestosa; transmite uma força espiritual; e, o divino está presente e é vivenciado na forma de heróis sobre-humanos que fazem solicitações constantes aos simples mortais. Por mais que nós, os mortais, possamos empenhar-nos em ser como estes heróis, permaneceremos sempre e obviamente inferiores a eles (BETTELHEIM, 1980, p.34).

Os personagens e os acontecimentos presentes nos contos de fadas, segundo

Bettelheim (1980), demonstram conflitos internos, indicando sua resolução e novos passos

em busca de uma humanidade mais elevada. Mendes (2000) observa que a separação entre

o sagrado e o profano se deu pela pressão de acontecimentos sociais inesperados

(migrações, invasões e suas consequências inevitáveis) ou pelo percurso natural e histórico

de um povo. Os mitos passam a ser narrados para quaisquer pessoas, em ambientes

comuns, perdendo seu significado primeiro, resumindo-se em histórias de entretenimento.

Feitas essas considerações sobre as obras literárias, partimos do princípio de que A

Pequena Sereia permite entender e conhecer como a literatura foi transformada em

cinematografia. Assim como compreender os modos pelos quais os Estúdios Disney,

durante o século XX, ao focalizarem as histórias até então exploradas apenas por editoras,

proporcionaram o entretenimento e o consumo dessas espécies de bens culturais,

aumentando a penetração no imaginário infantil e a criação de representações sobre

aspectos relacionados à construção de noções de feminino e de feminilidade.

20

DISNEY: UM POUCO DA HISTÓRIA

Os Estúdios Disney são, atualmente, a maior referência no que diz respeito à

produção de personagens para o mercado infantil, o qual seduz também aos adultos. De

todos os estúdios,

[...], a Disney Company é a que tem conseguido as maiores cifras de bilheterias nos últimos anos, não apenas em função da qualidade de seus filmes, como também em função do nome Disney, transformado em marca relacionada à infância, à fantasia, à emoção. A maioria dos filmes produzidos pelos estúdios Disney não traz em destaque os nomes dos diretores, roteiristas ou produtores; eles aparecem apenas nos créditos finais da fita, um quase anonimato em nome da marca maior: Walt Disney (SABAT, 2003, p. 23).

Ainda, conforme Sabat (2003):

[...] o nome Disney está ligado a uma tradição que praticamente confunde os clássicos contos de fadas como A Bela Adormecida, Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela e a Fera, com as histórias em quadrinhos e filmes produzidos pela corporação. As personagens produzidas pelos estúdios Disney transformaram-se em ícones, de modo que é comum pensarmos na Branca de Neve com a mesma aparência construída por Walt Disney e estilizada por seus desenhistas. É como se, no século XIX, os irmãos Jakob e Wilhelm Grimm tivessem descrito a princesinha da mesma maneira como a identificamos hoje, em função das imagens produzidas pela Disney (SABAT, 2003, p. 25).

Para se transformar no que é hoje, a Disney construiu uma história de quase um

século que se confunde com a história do seu criador: Walt Disney, o qual foi transformado

em “lenda” por ter criado, com a ajuda de sua equipe, todo um universo de referências no

imaginário infantil de sucessivas gerações. As suas histórias, facilmente compreensíveis, e

talvez aí esteja o segredo do sucesso e da propaganda político-ideológica inclusa em suas

obras, refletem os valores médios da tradição americana.

Henry Giroux (1995) escreveu que toda a sociedade costuma produzir uma imagem

ideal de si mesma. É a partir dessa imagem que ela busca se enxergar e que gostaria de ser

lembrada no futuro. Nos grandes centros urbanos a sociedade procura ser notada por meio

21

de obras que denotam progresso, riqueza e modernidade. E, as empresas de entretenimento,

ao produzirem determinado produto, acabam sintetizando, no mesmo, muitos valores

ideológicos arraigados nessa sociedade.

Segundo o autor, um exame da cultura infantil vem mostrar que as identidades

individuais e coletivas das crianças e dos jovens são amplamente moldadas, política e

pedagogicamente, na cultura visual dos videogames, televisão, cinema e não apenas nas

escolas. De certa forma, a concepção de Giroux é afinada com o conceito de pedagogias

culturais, conforme inicialmente explorada neste texto.

Tornou-se claro, após uma observação mais profunda, que a ideia anterior de que os

filmes animados eram considerados estimulantes para a imaginação e a fantasia, e que, em

geral, eram “bons” para as crianças, é submetida pela relevância de os mesmos

ultrapassarem as fronteiras do divertimento e passarem a exercer um importante papel de

“máquina de ensinar”. Esses filmes inspiram autoridade cultural e legitimidade para

ensinarem seguimentos como: escolas públicas, instituições religiosas e a família.

A legitimidade imperativa desses filmes vem, em parte, de sua forma singular de

representação, mas também é assegurada pela mídia. Esse aparato está equipado com uma

impressionante tecnologia, com magníficos efeitos de som e imagem e, assim, suas

simpáticas e amáveis histórias são apresentadas numa atraente embalagem de

entretenimento.

Ao contrário da realidade sem graça e, frequentemente, dura da escolarização, os

filmes infantis fornecem um espaço visual, em que a aventura e o prazer se encontram num

mundo fantasioso de possibilidades e numa esfera comercial de consumismo. Os

personagens se tornam um veículo para estimular a crença de que felicidade é sinônimo de

viver num bairro rico com uma família de classe média, branca e intacta. A noção de que

os pais solteiros e famílias “desfeitas” são a fonte de todos os males sociais, tem se tornado

a matéria prima dos filmes da Disney.

Conforme Sabat (2003, p.23),

[...] a Disney, a partir de suas histórias, num misto de fantasia e diversão, ensina as crianças quem elas devem ser e como é a sociedade em que vivem. O resultado disso é um mundo de emoção, prazer e aventura acompanhado de consumismo e comercialização exacerbados, não apenas de produtos, mas “também de sentimentos, valores e modos de conduta”. (SABAT, 2003, p.23),

22

Isso tudo está representado pela gama de produtos baseados em apenas um trabalho

da Disney. Um filme, além de consumir anos de trabalho de seus criadores, produtores e

artistas, traz consigo um número considerável de produtos que bombardeiam o mercado na

época de seu lançamento. O caso mais recente é o filme Kung Fu Panda 2 que, a partir de

sua estreia, lançou milhares de bonecos distribuídos pela rede de fast food McDonald’s,

além de bonecos de pelúcia distribuídos entre os consumidores de uma marca de

refrigerantes.

Conforme Cardoso (2010), a vida de Walt Disney foi marcada por uma grande

obsessão: criar um mundo paralelo em que a fantasia escondesse a realidade. Realidade

que ele odiava, pois era resultado de uma infância infeliz, povoada pelo fantasma da

suspeita de ser um filho adotivo. O seu mundo paralelo/idealizado tinha como virtude a

beleza e a felicidade absolutas. Assim, planejava reconstruir sua infância triste de uma

maneira perfeita. A forma que encontrou, para esconder o real, foi trocar o passado por

formas míticas.

Dessa forma, esse mundo que a Disney nos apresenta reproduz um lugar ideal e

desejado onde “diferentes épocas e culturas são de tais modos sincronizados que provocam

o apagamento do tempo e dos espaços históricos e legitimam um mundo idealizado e

ingênuo” (SABAT, 2003, p.27).

Todos os elementos presente em um filme, como: a música, os diálogos, os sons,

ajudam a constituir posições pré-determinadas dos personagens sobre etnia, classe, gênero,

sexualidade. De acordo com Giroux (1995), os personagens femininos nos filmes da

Disney não fogem a esse padrão, construídos de acordo com papéis de gênero estritamente

definidos: as mulheres são, em última instância, subordinadas aos personagens masculinos,

definindo o sentido de poder e desejo quase que exclusivamente em narrativas masculinas

dominantes. A beleza, a perfeição e a promessa de felicidade absoluta só são alcançadas

dentro do modelo cultural da sociedade capitalista de consumo, visão compartilhada pelo

universo fílmico da Disney.

Desde o começo de sua história, a Disney produziu vários filmes de longa duração,

muitos dos quais baseados nos contos de fadas, lendas e até em histórias reais. Todos eles

obedecem a uma lógica narrativa clássica que contém conflitos, romances e final feliz.

Conforme Sabat (2003), as personagens principais são submetidas a um conjunto de

acontecimentos que ao final do filme já são pessoas transformadas devido aos tantos

23

percalços sofridos. É o caso de Ariel, a personagem do filme de animação A Pequena

Sereia, do qual trataremos a seguir.

A PEQUENA SEREIA E AS MODELAGENS DE GÊNERO

Conforme observado, a História A Pequena Sereia teve sua origem pelas mãos de

Hans Christian Andersen, ainda no século XIX. Segundo Maria Luiza Kraemer (2008), o

autor nasceu em Odense, em 2 de abril de 1805, e faleceu em Copenhague, em 4 de agosto

de 1875. Foi um poeta e escritor dinamarquês de histórias infantis. O pai era sapateiro, o

que levou Andersen a ter dificuldades para se educar, mas os seus ensaios poéticos e o

conto Criança Moribunda garantiram-lhe um lugar no Instituto de Copenhague. Escreveu

peças de teatro, canções patrióticas, contos, histórias, e, principalmente, contos de fadas,

pelos quais é mundialmente conhecido.

Andersen reinventou o conto de fadas para os novos tempos em que a sociedade

aprendeu a valorizar a infância, respeitando as diferenças de cada indivíduo. Colocou

conflitos emocionais modernos, incluindo o sofrimento subjetivo das personagens e

contribuindo para a consagração do gênero narrativo dos contos de fadas.

No conto A Pequena Sereia, de Andersen, uma pequena sereia, apaixonada por um

homem mortal, recorre a uma bruxa para que possa assumir uma forma humana e assim se

aproximar de seu amado. Nesse processo, acaba abrindo mão de sua imortalidade e

perdendo a capacidade de falar. Para que o encantamento se tornasse permanente, a

pequena sereia deveria conquistar o amor de seu escolhido; caso contrário, haveria de se

transformar em espuma do mar, algo mais terrível que a própria morte, uma vez que

sereias não têm alma; por isso, não têm como morrer.

A sereiazinha acaba falhando em seu propósito. Comovida com sua situação, suas

irmãs fazem um trato com a bruxa do mar. Em troca de suas belas cabeleiras, a bruxa lhes

dá uma faca, com a qual a pequena sereia deveria matar seu amado. Desta forma, estaria

livre de seu triste fim. Contudo, ela, em nome do amor, abdica da própria existência e, ao

fim, desaparece nas águas em forma de espuma do mar.

Ao contrário de Andersen, os Estudos Disney recriaram a história de Ariel sob um

novo prisma, dentro dos padrões de desenhos em que as personagens estão, em geral,

subordinadas aos homens. Por mais forte que possam parecer, tais personagens estão

24

sempre esperando que um “príncipe” venha resgatá-las. No caso de Ariel, ela foi

conquistar o seu príncipe.

A Pequena Sereia (Disney, 1989), apresenta a personagem Ariel, que apesar de ser

de um mundo no fundo do mar vive num castelo e é uma princesa (como o seu amado).

Motivada pelo desejo de conhecer o mundo dos humanos, trava constante luta com o pai,

Tritão. A figura do pai faz lembrar a imagem de Deus, na Criação do Mundo, de

Michelangelo (BRAGA, 2004): figura de poder e masculinidade. Ariel, por sinal, tem seis

irmãs. Motivada pelo desejo de ir atrás do seu amado, faz um pacto maléfico com a bruxa

Úrsula, uma lula gorda e feia. No acordo, ganharia pernas em troca de sua voz. Caso

conseguisse um beijo de amor do príncipe, em três dias, se tornaria humana para sempre.

Depois de uma corrida contra o tempo, a sereiazinha consegue realizar todos os seus

desejos numa grande festa final, reunindo o reino marinho de Tritão ao reino terrestre de

seu príncipe.

Numa análise mais aprofundada, vários fatores chamam atenção quanto à ideologia

expressada no desenho infantil em questão. Num primeiro momento, percebemos a figura

da personagem principal, que age dentro de um esperado comportamento de adolescente da

atualidade: desobediente, inquieta e impulsiva. Sua aparência traduz o estereótipo que a

Disney imprime em todas as suas produções: a mulher perfeita em aparência, branca,

europeizada, ou seja, o arquétipo de beleza padrão da maioria de suas princesas. Desse

modo, o filme veicula um ideal de beleza e de feminilidade que passa a ser comungado

pelas meninas e se reflete na formação de sua identidade de gênero. A mulher alta, loira,

magra e, principalmente, heterossexual é o modelo de feminino e de feminilidade

veiculado no filme. Esse modelo terá múltiplas repercussões na vida das meninas, porque,

como mulheres, além de desejarem ser como a princesa, também procurarão um príncipe

para se casar, ou seja, o modelo do casamento e de felicidade conjugal terá múltiplas

ressonâncias em suas trajetórias.

O eixo bem-mal (bom-ruim) também fica perceptível nas cores contrastantes da

personagem Úrsula, em que o roxo e o preto predominam. Esse eixo polarizante do bem-

mal induz as crianças a tomarem consciência do certo ou errado dentro da perspectiva do

que a Disney representou na sua produção, sobre o que é certo e o que é errado. É uma

linguagem não verbal, mas que desperta valores assim como os contos de fadas que, por

meio de suas histórias, propagam uma lição de moral. Nesse sentido, o filme A Pequena

25

Sereia tem relação com a impulsividade dos adolescentes, que é capaz de atitudes que

possam colocá-los em risco.

A bruxa disse que Ariel sentiria dores, mesmo assim esta quis seguir em frente; a

bruxa disse que ela perderia a voz, mesmo assim continuou a seguir, pelo amor de seu

príncipe, sem se preocupar com sua família, tampouco com as advertências de seu pai

sobre os perigos da superfície e do mundo dos homens.

É importante destacar que os filmes infantis induzem o expectador a tomar o lugar

do protagonista, e quando este se enxerga no filme acaba se identificando com o

personagem, tomando para si os valores incutidos no filme.

É evidente, no filme em questão, a maneira pela qual os diálogos e as canções

contribuem para a construção de noções que participam da formação das identidades de

gênero, no âmbito dos segmentos infantil e feminino. Inicialmente, podemos tomar como

exemplo a posição de Ariel frente ao seu pai Tritão: Ariel está subordinada ao seu pai, não

só pelo fato de ser pai, mas também pela posição deste de rei; isso é uma referência ao

padrão social em que vivemos de modelo patriarcal, cuja marca principal é a dominação

masculina nos relacionamentos entre homens e mulheres.

Outro ponto importante está relacionado à música. Durante a apresentação do filme,

conforme vai se desenvolvendo a história, a música é utilizada para mostrar os anseios de

Ariel, e o descontentamento com seu mundo. Também é utilizada para, por meio da

personagem Úrsula, propagar o estereótipo de mulher.

Na canção Corações Infelizes, em que é estabelecido o acordo entre a bruxa do mar

e Ariel ocorre o seguinte diálogo:

[Ariel] Mas sem minha voz. Como posso? [Úrsula] Terá sua aparência, seu belo rosto e não subestime a importância da linguagem do corpo. O homem abomina tagarelas Garota caladinha ele adora Se a mulher ficar falando, O dia inteiro e fofocando O homem se zanga, diz adeus e vai embora. Não! Não vá querer jogar conversa fora Que os homens fazem tudo pra evitar Sabe quem é mais querida? É a garota retraída E só as bem quietinhas vão casar.

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A música em questão destaca a ideia de que a mulher deve ser “caladinha”,

“retraída” e “bem quietinha” se quiser se casar. Essas condições colocam como única

alternativa, para a mulher, o casamento, ou seja, num aspecto geral, mulher foi feita para se

casar e ser submissa ao marido, cumprindo seu papel destinado desde seu nascimento: ser

dona de casa (SABAT, 2003).

É reconhecido o papel desempenhado pela música na fixação de conteúdos. Nesse

aspecto, a musicalidade das palavras veicula um modelo de feminilidade, que ao ser

assimilado pelas meninas transformam os atributos de “quietude” em algo desejável e

“natural”, ao feminino, para conquistar um homem. Desse modo, para quem está

assistindo ao filme, traça-se para a mulher um destino, o casamento, o qual passa a ser

concebido como algo natural ao feminino e um elemento de feminilidade, porque por meio

dele, a mulher reafirma os princípios da heterossexualidade.

Logicamente, não podemos deixar de mencionar que a criança não é mera receptora

do que assiste, recebendo e aceitando passivamente o que chega até seus olhos e ouvidos.

O que estamos pressupondo é que por meio do filme as meninas entram em contato com

representações culturais acerca do feminino, e nestas, o casamento heterossexual aparece

como um dos caminhos principais para a felicidade daquelas, como mulheres. A

consequência dessas representações é a de que as mulheres sem homem e casamento não

encontrarão a felicidade. Fugir ou recusar o modelo instituído de casamento heterossexual

possibilita o surgimento de suspeitas acerca de sua sexualidade, as quais são povoadas de

preconceitos e recriminações.

Conforme Araújo (2008, p.7), todo o desenho de A Pequena Sereia implica uma

clara influência da ideologia patriarcal:

Ariel, durante a sua infância, deveria se submeter às determinações paternas, inclusive a figura da mãe nem mesmo aparece no desenho. Ao completar dezesseis anos, Ariel é apresentada à sociedade marinha, por meio de uma festa organizada por Sebastião, o maestro do coral marinho. Esse evento, a nosso ver, constitui um sinal que rememora um “baile de debutante”, momento em que a moça é considerada pronta para o casamento.

Ainda, quanto à canção “Corações Infelizes”, é importante notar que, quando Ariel

questiona a bruxa sobre perder sua voz, esta diz: “Terá sua aparência, seu belo rosto e não

subestime a importância da linguagem do corpo”. Aqui vemos outro conceito masculino

27

sobre a mulher: o corpo fala por ela e se transforma em objeto de sensualidade e

sexualidade.

As consequências dessas representações no universo das meninas podem ser

dimensionadas, na medida em que a valorização do corpo é acompanhada pela

desvalorização do poder do verbo, de dizer o que pensa e o que sente. Em última instância,

ser bela e sexuada significa adequar-se ao modelo a ser seguido pelas meninas, para servir

e agradar aos homens.

Em síntese, o corpo feminino passa a ser garantia de contentamento. Outros fatores

que poderiam ser importantes numa relação ficam relegados a um possível segundo lugar.

Primeiro, vem a mulher enquanto aparência e corpo; isso é facilmente notado pela postura

de Úrsula que, como uma mulher experiente, busca persuadir Ariel a fazer uma boa

escolha, ou seja, abandonar o pai e as irmãs e ir ao encontro de seu amor, com uma

condição: o príncipe deveria lhe dar um beijo de amor dentro de três dias, ou ela sofreria as

consequências de sua escolha. A atitude de Ariel contribuiria com os planos da bruxa, o de

conquistar o reino do mar.

Aqui, vemos um artifício da Disney usado em outros filmes: o beijo de amor. A

Branca de Neve só despertaria da morte com o beijo de amor do príncipe. A Bela

Adormecida só acordaria de seu sono se fosse beijada por um príncipe. Esse beijo de amor

desperta e influencia as meninas, incutindo imagens e ideias de amor romântico, o que

reforça a história.

Outro ponto importante a se comentar é com relação à personagem Úrsula, também

mulher, representada com todas as cores de malvada, em que o preto e o roxo se

sobressaem caracterizando um aspecto de matrona. Úrsula é uma bruxa que busca

benefícios pessoais em detrimento do sofrimento dos outros. Para ela, os fins justificam os

meios. Tanto Úrsula quanto Ariel são personagens femininas e as diferenças entre as suas

idades sugerem a juventude e a velhice, com suas aparências e comportamentos. Enquanto

na juventude existe a busca pelo amor verdadeiro, a velhice e a experiência traçam, na

bruxa, o interesse material e a esperteza.

Tais personagens representam a bipolaridade do bem (a princesa) e do mau (a

bruxa) dentro do universo da Disney, na perspectiva de seus criadores, acerca de um

universo ideológico em que a mulher é responsável pelos acontecimentos que acarretam

uma desestruturação do mundo organizado pelos homens, uma vez que elas agem por

impulso, ao passo que a racionalidade e o controle cabem ao homem. Importa destacar

28

também que essas representações acabam por reiterar imagens positivas para a juventude e

negativas para a velhice, as quais, certamente, influenciam os olhares das meninas para as

etapas da vida. Ser jovem e bela passa a ser um modelo existencial, o qual gera a busca

desenfreada pela beleza e sua permanência. A velhice passa a assustar e a ser evitada de

todos os modos.

As tensões presentes no desenho dizem respeito à desobediência de Ariel aliada à

sede de vingança de Úrsula. Se Ariel fosse obediente ao pai, muitos problemas seriam

evitados. Essa é a grande lição deixada pelo desenho aos seus expectadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que podemos observar, ao analisarmos o desenho A Pequena Sereia, é como esse

filme pode ajudar e interferir na construção do indivíduo. Podemos constatar que o

discurso do desenho é feito a partir de uma visão masculina que pode influenciar na

formação, principalmente das meninas. Ele transmite noções que transformam a mulher

para o homem, pela via da transmissão de ideias sobre a beleza e comportamentos ideais

para o casamento. Desse modo, o modelo de feminilidade é a mulher jovem, bonita e com

atitudes concebidas, socialmente e culturalmente, como ideais para o encontro de um

príncipe, ou seja, o homem “perfeito”, e para a realização de um casamento feliz.

Nesse modelo, o sucesso feminino dependeria mais da aparência física do que o

verbo. Ser quietinha, calada, dominada e dotada, fisicamente, de atributos de beleza e de

jovialidade conforma um ideal de beleza e feminilidade que, consumido pelas meninas, faz

com que incorporem essas noções e comunguem desses valores, reproduzindo-os em suas

vidas nas conquistas amorosas.

Não podemos categorizar que isso é feito de modo consciente e para os fins ao qual

nossa análise chegou, pois uma produção como esta é feita dentro de um contexto cultural

que pesou e marcou a construção de cada personagem. Nosso papel, enquanto educadores,

é de observar as construções ideológicas embutidas em um produto, sabermos tirar

proveito dos benefícios morais que este pode trazer, e com isso, trabalhar a consciência de

quem os usufrui para uma melhor síntese de aprendizagem.

Muito mais do que entretenimento, os desenhos da Disney são uma poderosa arma

de divulgação de ideias e discursos construídos e engendrados dentro de um período

histórico, representando o que a sociedade desse período tem como valores máximos.

29

Saber utilizar esses produtos é ter consciência de nossa posição de sujeitos que

fazem escolhas e que sabem direcionar a ideologia apresentada nos mesmos, para uma

formação mais digna do ser humano. Eis o desafio que deve ser enfrentado por pais e

educadores, por ocasião das veiculações dos filmes para as crianças.

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