universidade estadual de campinas instituto de filosofia e...

201
Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas FELIPE PIRES VILAS BÔAS PORTUGUESES, MORADORES E SOBAS EM GOLUNGO ALTO, ANGOLA: NEGOCIAÇÃO E CONFLITO EM NARRATIVAS DE MILITARES, (C-1840-C-1860). CAMPINAS 2018

Upload: nguyencong

Post on 28-Jan-2019

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

FELIPE PIRES VILAS BÔAS

PORTUGUESES, MORADORES E SOBAS EM GOLUNGO ALTO, ANGOLA:

NEGOCIAÇÃO E CONFLITO EM NARRATIVAS DE MILITARES, (C-1840-C-1860).

CAMPINAS

2018

Page 2: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

FELIPE PIRES VILAS BÔAS

PORTUGUESES, MORADORES E SOBAS EM GOLUNGO ALTO, ANGOLA:

NEGOCIAÇÃO E CONFLITO EM NARRATIVAS DE MILITARES, (C-1840-C-1860).

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Estadual de Campinas (IFCH–UNICAMP) como

parte dos requisistos exigidos para a obtenção do

título de Mestre em História, na área de História

Social.

Orientadora: Profª Drª Lucilene Reginaldo.

Este exemplar corresponde à versão final da

dissertação de Mestrado defendida por Felipe Pires

Vilas Bôas sob a tutela da Profª Drª Lucilene

Reginaldo.

CAMPINAS

2018

Page 3: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Page 4: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação/Tese de Mestrado/Doutorado

composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 09 de

março de 2018, considerou o candidato Felipe Pires Vilas Bôas aprovado.

Profª Drª Lucilene Reginaldo.

Profª Drª Maria Cristina Cortez Wissenbach.

Profª Drª Elaine Ribeiro da Silva os Santos.

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo

de vida acadêmica do aluno.

Page 5: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Dedicado ao meu pai,

Orlando Vilas Bôas (in memoriam).

Page 6: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

AGRADECIMENTOS

Em fevereiro de 2011 eu me dedicava ao serviço de carga e descarga de mercadorias

em uma empresa de eletrônicos na cidade de Curitiba quando dei início a uma graduação

noturna em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Naquela altura não sabia o

que realmente desejava: continuar carregando caminhões e containers ou me dedicar de forma

exclusiva ao curso superior. Ao final do primeiro semestre da graduação – penoso e cansativo

– percebi que talvez a profissão de historiador me fornecesse mais do que um diploma

superior, mas uma percepção de conjunturas contemporâneas que me permitiriam crescer

enquanto sujeito político. Foi neste momento, durante a greve das universidades federais em

2011 que pedi demissão e resolvi me dedicar exclusivamente à atividade acadêmica.

Obviamente a decisão foi acertada, porém na altura da escolha as dificuldades

financeiras gritavam. Foi neste momento que recebi uma mão amiga de um professor.

Retornando para casa após uma cansativa aula sobre as haciendas da América espanhola

encontrei com o professor da disciplina de América, o historiador Carlos Alberto Medeiros

Lima, também regressando a sua casa no mesmo ônibus que eu tomara. Em uma breve

conversa, Carlos Lima me ofereceu uma oportunidade única: a possibilidade de realizar uma

iniciação científica (I.C.) com ele durante um ano. Não pensei duas vezes e logo aceitei a

oferta. Na época a carreira acadêmica não me atraia, o que me levou a aceitar a bolsa de I.C.

foi os singelos R$ 300,00 que ela oferecia. A remuneração da bolsa financiada pela Fundação

Araucária era ínfima perto do que eu recebia quando estava trabalhando, mas era um fôlego

que não podia deixar escapar.

Na semana seguinte me reuni com Carlos Lima para acertar os caminhos da pesquisa

que daria início. Ficou decidido que o trabalho seria sobre a escravidão em Porto Rico.

Todavia, ficou latente que a pesquisa não caminhava em boa direção e em uma decisão

conjunta decidiu-se mudar a temática. De forma cordial, Carlos Lima perguntou que assuntos

me interessavam e eu rapidamente respondi: História da África. A partir deste momento eu fiz

a escolha que incutiria em mim o gosto pela pesquisa e guiaria meus estudos até o presente

momento.

Meu interesse por África surgiu em 2011 quando tive a disciplina de História da

África com a historiadora Joseli Maria Nunes Mendonça. A professora não era especialista no

Page 7: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

tema e tampouco escrevia sobre o assunto, mas fez um enorme esforço não apenas para tentar

compartilhar seu conhecimento, mas para educar metodologicamente seus alunos.

Rapidamente fiquei encantado não apenas com a disciplina ministrada, mais também com a

ministrante. Foi por intermédio de Carlos Lima e Joseli Mendonça que dei início às atividades

de pesquisa com a temática africana que culminaram nesta dissertação. Sou extremamente

grato a Joseli Mendonça por despertar meu interesse pelo tema e ainda mais grato a Carlos

Lima, que me ensinou tudo que precisava durante a graduação para fazer uma pesquisa

histórica. Aliás, a parceria com Carlos Lima foi muito além das duas iniciações em que tive o

prazer de ser orientado por este profissional, se estendeu até a monografia, que por

consequência abriu caminho as problemáticas que deram origem ao projeto de mestrado que

me permitiu adentrar na pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Universidade Estadual de Campinas (IFCH–UNICAMP).

Ainda durante a graduação, fui agraciado com uma bolsa de intercâmbio para estudar

durante seis meses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Lá tive o prazer

de conhecer a historiadora Amélia Maria Polónia da Silva, que gentilmente me apresentou ao

historiador José Curto durante um evento realizado nas dependências da FLUP. Foi graças a

uma longa conversa com José Curto que optei por fazer meu mestrado no IFCH–UNICAMP.

Desta forma, não poderia deixar de agradecer a estes dois historiadores portugueses que

indicaram o caminho para dar sequência a meus estudos.

Já como aluno da UNICAMP não poderia deixar de prestar as mais sinceras e infindas

homenagens a historiadora Lucilene Reginaldo. Conheci a pesquisadora durante o processo

para adentrar no programa de mestrado quando na altura das entrevistas me vi em uma

situação delicada: de um lado estava a historiadora Silvia Hunold Lara me aferindo sobre as

fragilidades de meu projeto, do outro estava eu, acuado e visivelmente perdido nas respostas.

Neste momento, enquanto Silvia Lara me inquiria e o historiador Robert Wayne Andrew

Slenes aguardava a minha resposta, Lucilene Reginaldo interviu de forma fortuita, abrindo

margem para que eu me recompusesse e conseguisse responder aos questionamentos, dúvidas

e interesses da banca avaliadora. Grata foi minha surpresa quando no dia do resultado final do

processo seletivo descobri que Lucilene Reginaldo seria minha orientadora.

Sou irremediavelmente grato a Lucilene Reginaldo por indiretamente ajudar-me no

processo seletivo de mestrado, mas também desde o início dos trabalhos de investigação ter

demonstrado interesse em minha pesquisa e ter acompanhado de perto a reestruturação de

Page 8: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

meu projeto que aqui se concretiza. Sou grato a Lucilene pelas reuniões de orientação sempre

produtivas, pela paciência e generosidade ao me socorrer sempre que necessário com as

burocracias envolvendo o mestrado e seu financiamento. Cabe menção a banca de

qualificação composta por Maria Cristina Cortez Wissenbach (USP) e Raquel Gryszczenko

Alves Gomes (UNICAMP) que intervenho de forma bastante positiva no texto preliminar

apresentado para aguirção em meados de 2017. Destaque especial para as observações de

Maria Cristina que chamou a atenção para lacunas de sujeitos e a necessidade de se fazer um

levantamento das autoridadea africanas e de voltar a atenção para a visão dos pequenos

agentes militares.

Não posso deixar de agradecer também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

de São Paulo (FAPESP), que desde meados de 2015 apoia financeiramente o projeto de

pesquisa protocolado sob o processo nº 2015/12280-3 – FAPESP. Graças ao suporte

financeiro desta instituição de pesquisa pude me estabelecer de forma mais confortável na

cidade de Campinas, financiar a compra de bibliografia, participar de grupos de trabalho e

eventos acadêmicos do sul ao nordeste do país. Não restam dúvidas que o financiamento

prestado pela instituição de fomento foi vital para o desenvolvimento da pesquisa e o seu

ganho de qualidade em relação ao projeto originalmente apresentado na UNICAMP. Espero

que esta obra investigativa possa estar de acordo com a qualidade acadêmica e institucional

que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo cultiva desde a década de

1960.

Não poderia esquecer-me de dois grupos em duas cidades distintas que de forma

indireta colaboraram em demasiado para a realização desta pesquisa: os velhos amigos de

Curitiba e os novos amigos de Campinas. Por diversas vezes estive em Curitiba durante a

pesquisa para visitar meus familiares. Nestas visitas, sempre que possível, encontrei-me com

amigos para reviver bons momentos e construir novas ações. Dentre estes não poderia deixar

de nominar dois em especial: Anne Caroline da Rocha de Moraes e Luan Fernando Leal

Ferreira. São com estes dois amigos que posso compartilhar qualquer experiência enquanto

bebemos uma cerveja de péssimo paladar em um ambiente duvidoso, mas aconchegante.

Agradeço a ambos pela simples companhia, pois nada mais posso exigir além da amizade

crítica. Sou também grato a Vitor Fróes Berbel, amigo de Campinas com o qual tive o prazer

de dividir moradia durante um ano. A companhia de Vitor em Campinas quando eu era um

recém-chegado foi importante para que eu me adaptasse melhor a uma nova realidade. Sou

Page 9: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

grato a Vitor pela companhia nas refeições no abafado, mas indispensável restaurante

universitário da UNICAMP, pela cervejinha aos finais de semana e pelas risadas

compartilhadas.

Agradeço também a duas pessoas basilares que me incentivaram a continuar na

caminhada acadêmica: meu pai, Orlando Vilas Bôas e minha mãe, Dilcelene Pires Vilas Bôas.

Diferente da família de muitos amigos, meus pais jamais questionaram minha escolha pela

história e tampouco desmereceram a profissão de historiador. Recebi apoio de ambos em

diferentes momentos e por diferentes razões sempre que este apoio esteve ao alcance deles.

Desta forma, sou imensamente grato a ambos pelo zelo, atenção e, sobretudo, respeito às

escolhas profissionais que tomei ao longo dos últimos sete anos.

Por fim, sou grato as casualidades que o destino me propiciou em 2017, quando por

questões acadêmicas me vi adentrar em um ônibus apertado rumo a cidade de Maringá, que

serviu de palco para um reencontro a muito esperado. Faltam-me palavras e habilidade para

frisar o quão impactante o reencontro com Francielle de Souza foi: talvez pelos anos de

afastamento, talvez por poder expressar algo que há anos ansiava, mas jamais pude

empreender. Só sei que encontrei alguém singular, alguém com quem posso me despir de ritos

e padrões sociais sem temer represálias e olhares cerrados. Sinto-me feliz e preenchido como

a muito não sentia. Pergunto ao meu íntimo. – Decerto já senti um dia? Não sei, mas acredito

na minha insólita compreensão da vida que nunca senti o que vivo agora. Só posso agradecer

a Pequena por estar comigo, por fazer parte da minha vida e me deixar fazer parte da dela.

Uma companhia sincera, inteligente, bonita e, que acima de tudo, se dispôs a caminhar junto

comigo na experiência que ambos estamos construindo, com erros e acertos, medos e alívios.

Portanto, este trabalho não é fruto de um mérito individual, mas o resultado de um

esforço coletivo direto e indireto. As falhas e iniquidades aqui contidas são de minha única

responsabilidade, pois aqueles que circundaram a mim durante o processo de escrita não

cometeram outra coisa a não ser embebedar-me de vontade e conteúdo. Sendo assim, espero

que aqueles que deitarem os olhos sobre este esforço dissertativo possam analisa-lo de forma

crítica, concordando ou discordando. Que as palavras escolhidas que seguem nesta pesquisa

não fiquem esquecidas.

Page 10: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

RESUMO

Compreender como se constituíram as relações coloniais estabelecidas entre portugueses,

moradores e Sobas no distrito de Golungo Alto, Angola, a partir de narrativas colonias é o

objetivo central deste trabalho, que discute a importância de tais relações para a interiorização

portuguesa no entremeio do século XIX e configuração de novos arranjos políticos africanos.

A investigação teve como fonte privilegiada textos de pequenos agentes coloniais de carreira

militar que circularam pelo interior de Angola entre as décadas de 1840 e 1860. O período

abarcado pela pesquisa foi de fortes discursos de mudanças políticas e econômicas da atuação

portuguesa em Angola, inseridos em um debate mais amplo acerca das possibilidades de

ocupação efetiva deste território africano. Dito de outra forma, a paulatina bancarrota do

tráfico legal de escravizados exigia uma ação portuguesa de maior inserção no território

africano, o que levou ao incentivo da atividade agrícola e extrativa para fins comerciais de

exportação, abrindo caminho para novas possibilidades comerciais aos moradores e novos

processos de interação entre portugueses e comunidades africanas tradicionalmente mediadas

pelos Sobas. O material empírico aqui analisado atesta esta tendência e permite verificar a

inconstância das ações coloniais portuguesas ao longo do século XIX e a participação de

mestiços e africanos, seja em reação as novas exigências externas trazidas pela administração

colonial ou ainda em suas próprias iniciativas visando o melhor prover na empresa comercial.

A maioria das narrativas criticamente analisadas diz respeito a visitas, vistorias e campanhas

militares realizadas nos sertões de Angola por funcionários coloniais pertencentes ao corpo

militar. Conquanto, mesmo em uma documentação assinalada pelos interesses coloniais foi

possível perceber a agência africana, especialmente no que diz respeito à ação comercial, que

permitiu a moradores e Sobas da região do Golungo Alto o protagonismo em diversos

momentos, desde o monopólio sobre a mão de obra africana, passando pela resistência ao

serviço de carreto até as tentativas de controle da circulação de mercadorias.

Palavras-chave: Projetos coloniais; Sobas; Moradores; Comércio lícito; agentes coloniais.

Page 11: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

ABSTRACT

Understanding how occured the colonial relations established between Portugueses,

moradores and Sobas in the district of Golungo Alto, Angola, observed from colonial

narratives of military origen is the central objective of this scientific research. In this

perspective, it is sought the capacity of such relations to collaborate in the construction of

colonial structures and to reformulate African power between the 1840s and 1860s. The

investigation had as privileged source texts of small colonial agents of military career that

circulated in the interior of Angola. The period in which this work is focused was known for

strong discourses of change political and economic of the activity Portuguese in Angola,

inserted in a broader debate about the possibilities of effective occupation of this African

territory. In other words, the gradual decadence of trafficking of legal enslaved required a

Portuguese action of greater integration in the African territory, which led to the

encouragement of agricultural and extractive to purposes activity for commercial export,

paving the way for new possibilities of interaction between the Portuguese and communities

African traditional mediated by Sobas. The empirical material analyzed testifies to this

tendency and allows to verify the inconstancy of the Portuguese colonial actions throughout

the nineteenth century and the African participation, either in reaction to the new demands

brought by the colonial administration or in its own initiatives aimed at obtaining better gains.

The most of the narratives critically analyzed relate to visits, surveys and military campaigns

in the backlands of Luanda by colonial officials belonging to the military corps. Therefore,

the interests of narration and the perception of the colonial dynamics in such documentation

are marked by the sieve of the Portuguese interests. However, even in a document loaded by

colonial interests, it was possible to perceive the African agency, especially with regard to

commercial action, which allowed Sobas de Mbaka and surrounding regions to play a leading

role at various times, from the monopoly on African labor until the attempts to control the

movement of goods.

Keywords: Colonial projects; Sobas; Moradores; Licit trade; Colonial agents.

Page 12: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Nota explicativa

A ortografia das palavras nos diversos idiomas da região de Angola não segue uma clara

regra ortográfica. Observa-se que nas fontes utilizados e na própria bibliografia não existe

um padrão de escrita, desta forma, encontram-se as mais diversas formas de uma mesma

palavra como: Kassanje e Cassange, Ambaca e Mbaka, Jinga, Ginga e Nzinga. O padrão

utilizado nesta pesquisa aproxima-se de uma grafia mais próxima da fonética, afastando

uma ortografia mais ligada ao universo lusófono. Desta forma, a palavra Cuanza, por

exemplo, está grafada como Kwanza e Ambaca como Mbaka. Contudo, no

desconhecimento de alguns termos optou-se pela grafia coeva dos autores da

documentação.

Page 13: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

LISTA DE MAPAS, GRÁFICOS E TABELAS

Mapa...................................................................................................................................... 28.

Gráfico I................................................................................................................................ 30.

Gráfico II............................................................................................................................... 31.

Gráfico III.............................................................................................................................. 31.

Tabela I........................................................................................................................ 121-126.

Page 14: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................... 15.

CAPÍTULO 1 – A incerta construção do Império Africano........................................... 47.

1.1. Conflitos políticos em Portugal do século XIX.................................................... 48.

1.2. Angola e o liberalismo português......................................................................... 55.

1.3. Escravizados, libertos e carregadores frente às reformas liberais........................ 76.

1.4. Recuperação comercial e ocupação territorial...................................................... 83.

CAPÍTULO 2 – Necessidade e embaraço nos sertões de Luanda................................... 90.

2.1. Mestiços e intermediários no século XIX............................................................ 91.

2.2. Amarras da dependência: implicações político-sociais do serviço de carreto... 105.

CAPÍTULO 3 – Sobas e portugueses............................................................................... 114.

3.1. Autonomia negociada entre Sobas e os pequenos agentes militares.................. 115.

3.2. Expansão indefinida: as campanhas de Kassanje e a postura portuguesa.......... 147.

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 159.

GLOSSÁRIO..................................................................................................................... 165.

FONTES E BIBLIOGRAFIA........................................................................................... 173.

Fontes....................................................................................................................... 174.

Bibliografia.............................................................................................................. 180.

Page 15: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

15

INTRODUÇÃO.

Page 16: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

16

Esta pesquisa teve seu berço quando tive a oportunidade de acompanhar um seminário

sobre tráfico de escravizados nos Oitocentos e tendências investigativas no ano de 2014, na

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em Portugal. Naquela altura realizava um

intercâmbio proporcionado pelo programa de relações internacionais da Universidade Federal

do Paraná. As pesquisas apresentadas no seminário frisaram as diversas mudanças na

realidade portuguesa ao longo do oscilante século XIX. Esta característica se estenderia às

possessões ultramarinas, dentre elas, Angola. Paralelo ao intercâmbio, eu iniciara, ainda em

Portugal, a escrita da minha monografia de conclusão do curso de História em nível de

graduação. A pesquisa dizia respeito às estratégias comerciais e políticas portuguesas frente o

fim do tráfico de escravizados em Angola, visto a partir do periódico Annaes do Conselho

Ultramarino (parte não official).

Já no Brasil e com o curso de graduação concluído, resolvi expor minhas inquietações

sobre questionamentos não respondidos na monografia em forma de projeto e apresentar ao

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. O meu

incômodo principal com relação a minha pesquisa de graduação dizia respeito à ação das

autoridades africanas, especialmente as chefias locais e seu papel nas dinâmicas coloniais.

Fiz algum esforço de abordar tal problemática, porém minha limitação bibliográfica e timidez

analítica do material empírico acabaram por gorar as tentativas e transformaram a monografia

em um exercício bibliográfico com menções empíricas. Aprovado na Universidade Estadual

de Campinas e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o

projeto inicial foi aperfeiçoado de forma mais objetiva e funcional, dentro da realidade de um

programa de mestrado com tempo pré-determinado para sua conclusão. Desta forma, deu-se

início à pesquisa que aqui se encontra exposta, que tem por objetivo investigar as dinâmicas

sociopolíticas no distrito do Golungo Alto, Angola, envolvendo africanos, moradores e

pequenos agentes coloniais de carreira militar entre as décadas de 1840 e 1860, buscando

compreender os espaços de ação, táticas e estratégias utilizadas por estes grupos.1 Para isso

lançou-se a mesa uma serie de narrativas de viagem escritas por pequenos agentes militares

que circulavam pela região do Golungo Alto.

A inquietação acerca da relação entre chefes africanos (s. Soba, pl. Sobas) e

portugueses – estendida posteriormente aos moradores – teve sua gênese na leitura do 1 ISAACMAN, Allen; ISAACMAN, Barbara. Resistence and collaboration in southern and central Africa, c.

1850-1920. In: The international journal of african historical studies. Vol. 10, nº 1, p. 31-62, 1977.; CERTEAU,

M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2007.; SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal.

In: Revista Brasileira de Ciência Política, nº 5., p. 217-243, janeiro –julho, Brasília, 2011.

Page 17: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

17

material empírico e bibliográfico em conjunto. A bibliografia sobre Angolaende, em maior ou

menor grau, tende a construir narrativas amplas, seja em nível temporal ou de estrutura

textual.2 Ao mesmo tempo, no que diz respeito à produção brasileira, pode-se observar uma

concentração de produções respectivas ao século XVII, XVIII e início do XIX, muito devido

ao fato de que boa parte dos estudiosos que se debruçaram nos estudos de África – incluindo

Angola – partiram de análises sobre escravidão e tráfico de escravizados.3 Conquanto, alguns

autores, majoritariamente portugueses, voltaram a investigação para Angola durante o

entremeio do século XIX e perceberam a especificidade apresentada neste momento, tanto no

que diz respeito às dinâmicas internas da região como as ocorrências em Portugal. Autoras

como Jill Dias e Isabel Castro Henriques tratam exatamente deste momento e, de diferentes

formas, buscam demonstrar que o século XIX em Angola não é um interregno de pura

decadência e estagnação com o fim do tráfico de escravizados legal, mas sim um período de

virada nas relações entre os africanos de Angola e portugueses, abrindo caminho para

negociações e conflitos com objetivos diferentes dos que já haviam sido colocados até aquele

momento.4

Mesmo havendo uma produção historiográfica de qualidade, não é exagero indicar a

marginalidade que o entremeio do século XIX ocupou por muito tempo na produção

acadêmica sobre Angola. As produções orientadas pela disputa ideológica da Guerra Fria

formaram um pensamento no qual as tentativas de colonização em Angola no século XIX

2 Cf. DIAS, Jill. História da colonização - África (séc. XVII-XX). In: Ler História, n.21, p. 128-145, 1991.

3 A produção brasileira do século XX pode ser entendida em quatro momentos: o interesse etnográfico de

Raimundo Nina Rodrigues sobre a população negra da cidade de Salvador a partir dos anos 1900; o caráter

identitário harmônico da miscegenação brasileira presente entre os anos 1930 e 1950 de Gilberto Freyre; o

combate a democracia racial do lusotropicalismo de Freyre nos anos 1960 e 1970; interesse pelo social no

comércio escravista e na instituição da escravidão nos anos 1980 e 1990. Sendo que neste último, pode-se

observar pela primeira vez um interesse, ainda tímido, pela realidade africana em África, que até aquele

momento se encontrava restrita a presença e interesses de africanos na formação do Brasil e suas estruturas

sócio-políticas. Cf. RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 6. ed., São Paulo: Ed. Nacional; Ed.

Universidade de Brasília, 1982.; FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. Lisboa: Edição Livros do Brasil

Lisboa, 1972.; ______. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia

patriarcal. 48º ed., São Paulo: Global, 2003.; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no

Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1962.; COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Brasiliense, 1966.; REIS, J. J.

Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. 2 ed., São Paulo: Companhia das Letras,

2003.; SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. 2

ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011. Pode-se ainda apontar a formação de uma quinta fase, no qual as

produções que abordam África a partir dos anos 2000 tem consolidado a tendência da historia social no que diz

respeito a pensar a África de forma independente sem a necessidade da presença de interesses extra-africanos,

sendo os temas mais recorrentes os que dizem respeito ao colonialismo, formação dos estados africanos e a

participação dos africanos como sujeitos de sua própria história. 4 HENRIQUES, Isabel Castro. Percursos da modernidade em Angola: dinâmicas comerciais e transformações

sociais no século XIX. Lisboa: IICT-ICP, 1997.; DIAS, Jill. Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de

Luanda: o impacto da colonização sobre os Mbundu (c.1845-1920). Penélope, Lisboa, nº 14, p. 43-91, 1994.

Page 18: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

18

foram fracassadas pela perspectiva liberal e sequer ganharam corpo original no ponto de vista

das análises marxistas, pois para muitos, a colonização começara no século XV.5 O

desinteresse por este momento em específico não foi fruto de uma dificuldade empírica ou de

cabedal metodológico, mas resultado de perspectivas históricas estruturadas em explicações

mais amplas em busca de preencher significados políticos e transformações economicas.

Contudo, mesmo este intervalo sendo pouco prestigiado historiograficamente, quando se

observa a produção sobre Angola como um todo, houve importantes avanços sobre o

conhecimento deste contexto a partir dos anos 1970.

As primeiras análises de maior densidade sobre esta matéria remontam a inquietações

historiográficas sobre reações da política portuguesa com a desagregação do Império

Português no Atlântico Sul. Tais perspectivas ressoaram imediatamente sobre o espaço que a

África de presença portuguesa ocuparia e os meios pelos quais os portugueses se valeriam

disto.6 Seguindo esta orientação, destaca-se principalmente o embate entre os historiadores

portugueses José Capela e Valentim Alexandre. Buscando entender os dilemas políticos de

Portugal no século XIX – principalmente a questão da abolição do tráfico de escravizados em

uma perspectiva estrutural –, Capela e Alexandre pautaram-se nas proposições analíticas de

Eric Williams7 para compreender o cenário abolicionista português, seja em seu debate

interno ou ainda em suas prerrogativas de negociação internacional com a Inglaterra.8

Na perspectiva de José Capela, a sociedade portuguesa adentra o século XIX

desprovida de dinâmica industrial e dependente de atividades mercantis ultramarinas

sustentadas pelo sistema escravagista. Esta característica seria decisiva na mentalidade das

classes dominantes, que [...] não dispunham da maleabilidade necessária à transformação

5 Cf. BOA VIDA, Américo. Angola: cinco séculos de exploração portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1967.; RIBEIRO, Orlando. A colonização de Angola e seu fracasso. Lisboa: INCM, 1981. 6 Cf. HAMMOND, R. J. Portugal and Africa, 1815-1910: a study in uneconomic imperialism. Stanford: s/e,

1966.; CLARENCE-SMITH, Gervase. The third Portuguese empire: 1825-1975: a study in economic

imperialism. Manchester: Manchester University Press, 1985. 7 Segundo Williams, o sistema capitalista que se consolidava no século XIX não poderia conviver em sociedades

de regime escravista voltadas a dinâmicas mercantis, pois além de não abrir espaço para capitais, não havia

possibilidade de alienação cognitiva da sociedade pelo capital enquanto a escravidão e seus braços estivessem

corrompendo as relações políticas e tornando as dinâmicas sociais morosas em uma linha evolutiva. Em suma,

capitalismo e escravidão eram incompatíveis e, o fervilhar de abolicionismos no século XIX seria um sintoma da

luta entre regimes econômicos distintos. Desta forma a “política prática” dos colonizados seria marcada pela

violência brutal e opressora que a escravidão delegou a sociedade como um todo, criando uma cultura violenta e

autopunitiva. Cf. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 8 MARQUES, João. Os sons do silêncio: o Portugal de Oitocentos e a abolição do tráfico de escravos. Lisboa:

ICS, 1999, p. 15.

Page 19: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

19

radical da estrutura socioeconômica que as sustentava.9 Baseado nisto, Capela indica que o

comportamento mercantil de rotas comerciais – que caracterizou a expansão portuguesa

depois de sublevados os sentimentos da tardia reconquista10

– foi fundamental para que

Coroa, nobreza e comerciantes se aprofundassem em demasiado na atividade traficante e

escravista. Desta maneira o debate e a circulação de ideais abolicionistas em Portugal seria

tímido e pouco significativo no que compete a sua influência nas decisões administrativas.

O principal indício que levou José Capela a anotar a fraqueza da retórica abolicionista

portuguesa foi a incapacidade de vários projetos de companhias de exploração de sair do

papel. Na visão de Capela os motivos dessa incapacidade eram claros: a falta de capitais

dificultava uma mudança na estrutura socioeconômica, assim como a incredulidade das

classes dominantes que coadunaram o contra o discurso abolicionista.11

Sendo assim, as medidas tomadas durante a primeira metade do século XIX pelos

administradores liberais não tinham como origem os interesses da sociedade portuguesa ou da

própria Coroa, mas eram frutos de uma relação de dependência econômica e política

internacional,12

tendo Portugal agido [...] tão somente às ordens da Inglaterra.13

Dentre estas

medidas, as mais significativas panorama seriam o decreto de abolição do tráfico de

escravizados de 1836, promulgado por Sá da Bandeira, e o acordo entre Inglaterra e Portugal

de 1842, que visava combater pela via naval os navios traficantes que saíssem dos portos

africanos.14

Neste sentido os portugueses foram colocados por Capela no posto de legisladores

dos interesses ingleses.15

Na contramão de Capela, e buscando romper com a ideia em voga que de o

liberalismo português oitocentista foi negligente com as questões coloniais até a década de

1870, Valentim Alexandre argumentou que o interesse pelo abolicionismo estava mais

presente do que Capela apontava, e que esta matéria estava intimamente relacionada com as

prerrogativas portuguesas pela ocupação dos territórios africanos.16

De certa forma,

Alexandre reconhecia a pressão inglesa, mas flertava com a possibilidade de que o decreto de

9 CAPELA, José. As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico de escravatura, 1810-1842. Porto:

Afrontamento, 1987, p. 27. 10

THOMAZ, Luíz Filipe. De Ceuta ao Timor. Lisboa: Difel, 1994. 11

CAPELA, José. As burguesias portuguesas, p. 174. 12

CAPELA, José. Escravatura: a empresa de saque: o abolicionismo. Porto: Afrontamento, 1974. 13

CAPELA, José. As burguesias portuguesas, Op. Cit., p. 174. 14

Idem. 15

Ibidem, p. 175-176. 16

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 17.

Page 20: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

20

abolição de 1836 e as iniciativas portuguesas tivessem uma origem para além das relações

diplomáticas, estando vinculadas a interesses das [...] classes dominantes portuguesas, já que,

como veremos, a abolição do tráfico de escravos era um passo essencial para converter o

domínio quase nominal sobre as nossas colónias africanas num domínio efectivo.17

A tese de Alexandre leva a um entendimento imediato de que havia um projeto liberal

que intencionava evitar a saída de mão de obra do território africano para seu uso interno, que

nesta altura só poderia estar voltado a extração mineral, vegetal e a cultura agrícola. A relação

diplomática com a vizinha Inglaterra seria apenas um elemento a mais para a consolidação

dos interesses liberais de um projeto de Portugal. Nesta linha de raciocínio haveria dois

momentos da ocupação da África pelos portugueses. Primeiramente, o interesse da construção

de um modelo de sociedade que superasse o atraso industrial português por intermédio das

possessões ultramarinas em África. A experiência adquirida no Brasil seria primordial e daria

a base para as tentativas de ocupação de África, não só como estrutura para a prática, mas

como elemento de justificativa histórica portuguesa com relação a sua capacidade como

Nação colonizadora. Neste ponto, Valentim Alexandre insere o elemento ideológico sobre as

campanhas militares portuguesas que aconteceram esporadicamente durante meados do século

XIX e que ganharam mais fôlego a partir dos anos 1880. Já em uma segunda fase, as colônias

entrariam em uma dinâmica baseada na criação de um nicho de mercado voltado ao Império

português com o fornecimento de matérias primas para a indústria metropolitana.18

A esta

altura, Alexandre dialoga com a tese de Clarence-Smith, indicando que as intenções coloniais

de Portugal começaram a ganhar forma na década de 1860 e tinha por objetivo criar um

ambiente ultramarino capaz de fornecer matérias primas e ao mesmo tempo consumir

manufaturas da incipiente, mas crescente indústria portuguesa.19

Diferentemente de Capela, que viu o fracasso das iniciativas portuguesas em África

como sinal do desinteresse das classes dominantes pelos territórios africanos, Alexandre

apontou que a existência dos projetos e o próprio caráter inovador de alguns indicava o

contrário. Mesmo que muitos falhassem, não se poderia dizer que o desejo de construir um

novo momento para a história portuguesa estivesse presente.20

Desta forma, Alexandre aponta

17

ALEXANDRE, Valentim. Origens do colonialismo português moderno, (1822-1891). Lisboa: Sá da Costa,

1979, p. 17. 18

Cf. ALEXANDRE , Valentim. Os sentidos do Império: questão acional e questão colonial na crise do antigo

regime português. Porto: Afrontamento, 1992. 19

CLARENCE-SMITH, The third Portuguese empire, passim. 20

Independentemente disto, nos anos 1990, Valentim Alexandre indicava que seu posicionamento anterior com

relação à força do abolicionismo português e o interesse das classes dominantes por África poderia estar em

Page 21: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

21

a falta de recursos e material humano como os verdadeiros motivos dos sucessivos fracassos

de uma política de ocupação coesa nas possessões africanas.21

Esta afirmação de Valentim

Alexandre não é novidade, pois a maioria dos autores que se dedicaram aos estudos

envolvendo portugueses em África indicaram a debilidade financeira e de mão de obra como

fonte da paralisia colonial em África no século XIX. Durante muito tempo este indicativo de

carência foi considerada a principal razão para o atraso do projeto colonial, sendo que apenas

nas últimas décadas – com maior ênfase a partir dos anos 1990 – que os estudiosos passaram

a verificar que a prática colonial foi igual ou mais decisiva do que a falta de recursos.

As análises de José Capela e Valentim Alexandre tiveram grande impacto não só sobre

as pesquisas em relação ao abolicionismo, mas principalmente sobre o olhar que Portugal

tinha com relação aos seus territórios em África. Porém, é visível à luz da historiografia atual

que ambos os posicionamentos não respondem por si só as razões do abolicionismo português

e tampouco sustentam percepções plenamente seguras no que diz respeito aos interesses

portugueses no ultramar.22

Os dois historiadores estavam profundamente focados no âmbito

da retórica política e da possível concretização da mesma via projetos de companhias

comerciais ou campanhas militares sobre territórios africanos. Desta forma, pouca atenção foi

dada para as realidades ultramarinas e as ações dos agentes portugueses nos territórios

coloniais, quanto às realidades africanas, nem sequer são levadas em conta, ficando os estudos

desses projetos ciscuncritos sempre aos altos círculos políticos e econômicos.23

demasiado. De certa forma, Alexandre não abre mão de seu posicionamento com relação aos interesses liberais

por África e sobre as razões que levaram administradores liberais a tomar atitudes voltadas ao controle de mão

de obra, como o decreto de 1836. Todavia, passa a reconhecer que o interesse português sobre a matéria do

abolicionismo, tampouco sobre a ocupação das possessões africanas, era diminuto e periférico no debate político

de então. A saída encontrada pelo autor para manter sustentável a sua posição foi a de que o interesse por África

e pelo abolicionismo do tráfico estava presente em um circulo de políticos liberais que tinha uma visão mais

ampla da fronteira existente entre o campo político e econômico. Sendo assim, mesmo que tais matérias não

perfilassem a mentalidade portuguesa e nem a de quem vivia a prática colonial, haveria indivíduos capazes de

pensar além da situação de momento. Cf. ALEXANDRE, Valentim. Portugal em África (1825-1974): uma

perspectiva global. In: Penélope, Lisboa – nº 11, mai, 1993, p. 53-66. 21

ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império, (1808-1975). Porto:

Afrontamento, 2000, p. 121-140. 22

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 15-18. 23

Capela foi preciso ao apontar o desinteresse por boa parte da administração portuguesa pelos assuntos

coloniais africanos, porém delegou demasiado peso a influência inglesa e ignorou o caráter cultural da relação

que Portugal mantinha com o imaginário político das navegações e conquistas. Por outro lado, Alexandre

percebeu que o interesse abolicionista português, vinculado à política colonial, tinha uma dimensão maior do que

apenas um conflito de interesses econômicos e políticos baseados na fragilidade portuguesa frente à Inglaterra,

no entanto, equivocou-se duplamente ao delegar imensa atenção ao imaginário político da construção de Novos

Brasis em África e ao indicar que havia indivíduos com mentalidades brilhantes capazes de pensar em um

projeto colonial de longo prazo, como Sá da Bandeira.

Page 22: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

22

A partir dos anos 1980, é possível perceber uma mudança nas análises sobre a

presença portuguesa na África e, principalmente, sobre os africanos, que cada vez mais se

desvencilham da absoluta submissão aos interesses portugueses. No caso de Angola, cabe

menção aos esforços de Beatrix Heintze, Jill Dias e Isabel Castro Henriques. Com o passar

das décadas de 1980/1990, ficou mais evidente que as dinâmicas sociais, principalmente as

evidenciadas em África, receberam mais esmero da historiografia. Chama a atenção, por

exemplo, os trabalhos de Jill Dias, que durante os anos 1990 construiu uma narrativa sobre

Angola baseada na história social, argumentando sobre uma multiplicidade de interesses e

conjunturas existentes na relação entre portugueses e africanos, sendo as chefias, neste último

grupo, um ponto crucial na perspectiva desta autora.24

Os Sobas em Angola passam cada vez

mais a figurar como sujeitos participantes das dinâmicas coloniais oitocentistas e não mais

homogeneizados com etiquetas como as de submissos as brutalidades coloniais ou

irrelevantes na edificação das estruturas colonizadoras.25

Ao mesmo tempo em que a bibliografia frisa que o século XIX corresponde a uma

conjuntura de permanências e mudanças marcantes, com as chefias africanas ascendendo a

sujeitos históricos ativos, a documentação coeva geralmente expõe tais chefias como

inferiores na perspectiva do crivo português. Contudo, em alguns momentos é possível

perceber uma dubiedade entre o que os portugueses pensavam/registravam sobre as chefias

africanas e as atitudes e práticas da administração colonial. Em linhas gerais, ao mesmo

tempo em que os africanos eram entendidos como inferiores na pespectiva dos interesses

portugueses, faz-se perceptível a necessidade da presença e participação destes nos projetos

de construção colonial.26

A compreensão da bibliografia em confronto com o material

analisado permitiu levantar algumas questões, dentre elas duas que nortearam o trabalho: que

tipo de dinâmica ocorria entre as chefias africanas e a administração colonial e como os

moradores27

se colocavam dentro deste embate?

24

Mesmo quando se debruçava sobre questões políticas e estruturantes, a faceta social sempre ocupava lugar de

privilégio na problematização. Cf. O Kabuku Kambilu (c.1850-1900): uma identidade política ambígua. In:

Actas do seminário: encontro de povos e culturas em Angola. Luanda, 3 a 6 de abril de 1995. Luanda: AHNA;

MCA, 1997. 25

BOA VIDA, Américo. Angola.; FERREIRA, Eugénio. Feiras e presídios: esboço de interpretação

materialista da colonização de Angola. Lisboa: Edições 70, 1979. 26

HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos: caravanas de carregadores na África Centro-Ocidental (entre 1850

e 1890). Lisboa: Editorial Caminho, 2004.; DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do

comércio atlântico. In: BASTOS, Cristina; ALMEIDA, Miguel Vale de; FELDMAN-BIANCO, Bela (org.)

Trânsitos Coloniais. Diálogos críticos luso-brasileiros. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. 27

Como se verá mais a frente, os moradores eram um grupo bastante distinto formado por africanos, mestiços e

colonos brancos, todos livres e possuidores de alguma propriedade, seja ela móvel ou imóvel. Participavam da

Page 23: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

23

A bibliografia frisa que durante os séculos XVII, XVIII e XIX, os Sobas locais

estavam vinculados a um sistema de submissão a chefes maiores, exemplo: parte dos Sobas

do hoje conhecido como grupo Mbundu estava subordinada aos Kinguri (Jaga) de Kassanje.

Além deste vínculo com chefes de maior poderio, boa parte das autoridades centrais das

comunidades necessitava de um corpus político ao seu redor, legitimando seu poder e

garantindo sua jurisprudência; os chamados Makota (s. Kota).28

No entanto, durante

praticamente todo o século XVII e XVIII, a orientação foi de que o avassalamento dos chefes

e as alianças estabelecidas não interferissem na estrutura política local e não contestassem a

legitimidade das autoridades africanas.29

Em grande medida, a atitude portuguesa visava à

manutenção de um ambiente propício às permutas e um vínculo ativo para a obtenção de mão

de obra. De certa forma, a política colonial esteve sempre entre excluir o africano da esfera

política e ao mesmo tempo inseri-lo por incapacidade de movimentação geográfica e de ela

própria recrutar mão de obra, se valendo de sua inserção e apropriação do poder político

local.30

A aproximação com as comunidades era primordial para manter as estruturas de

trabalho e também o de transportes, que em Angola, fazia-se essencialmente pelo sistema de

carregadores, sendo estes recrutados nas comunidades avassaladas por intermédio de

contratação ou arregimento forçado.31

A origem feudal da vassalagem e seu cerimonial de

undamento não impedia a sua utilização entre portugueses e comunidades africanas. O

contrato de vassalagem consistia em um reconhecimento de poder, de governo que ambas as

partes de dignavam a realizar. Realizada e dois atos – escrita e verbal – a vassalgem

estabelicia uma aliança política e não necessariamente a dominição por parte da administração

portuguesa.32

A própria cerimônia não tinha um caráter europeu, mas estava mergulhada em

vida política de Angola, eram vitais no andamento do comércio e tinham cargos burocráticos na hierarquia

militar das milícias que atuavam nos sertões. Em certa medida os moradores e constituiam a camada de

intermedários entre a administração colonial e os sobados africanos. Cf. DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel;

MARQUES, A. H. de Oliveira (dirs.), coordenação do volume X: ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill. Nova

história da expansão portuguesa (Volume X): O império africano, (1825-1890). Lisboa: Editorial Estampa,

1998. 28

Cf. MILLER, Joseph C. Poder Político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: AHN,

1995. 29

CARVALHO, Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães mores, século XVII e XVIII. 285

f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013, p. 70. 30

MARQUES, Rui. O império e a câmara dos deputados: as marcas de um discurso (1852-1890). 723 f. Tese

(Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2013, p. 319. 31

HEINTZE, Pioneiros africanos, passim. 32

Cf. HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII: Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda:

Kilombelombe, 2007. P. 389-390.; SANTOS, Catarina Madeira; MARQUES, Guida. Entre deux droits: les

Lumières en Angola (1750-v. 1800). In: Histoire, Sciences Sociales, 60º Année, Nº. 4, EHESS jul-ago, p. de

2005, p 817-848, 2005.

Page 24: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

24

simbolismos e características africanas.33

Neste sentido, pressume-se aqui que os Sobas

podiam encarrar a vassalagem em determinados momentos como um instrumento de

negociação que implicava em certas obrigações.

Todavia, em meados do século XIX, com o crescimento da presença portuguesa, o

incremento do tráfico ilegal de escravizados e os incentivos para o comércio de bens como

marfim, cera e alimentos, houve um enfraquecimento dos grandes chefes regionais,

permitindo que autoridades africanas de linhagens menos expressivas acabassem por

conseguir maior autonomia no que compete às relações com os grandes chefes e com os

organismos políticos locais, no entanto, estreitaram sua relação com a política lusa, criando

novos laços de dependência. Não eram incomuns os casos de chefes eleitos serem substituídos

forçosamente por tropas portuguesas visando uma relação favorável aos lusos ou ainda

observações de relatos de época com relação ao estado da colônia e da decadente presença

portuguesa, indicando uma necessidade de investimento e maior presença territorial como se

verá mais adiante no capítulo 3.34

Esse novo momento é geralmente visto como um marco na mudança interesses dos

portugueses sobre as possessões em África,35

contudo, cabe o questionamento da posição

sociopolítica que os Sobas desempenharam ao longo do século XIX e nas relações de domínio

colonial estabelecidas entre portugueses e comunidades locais. Cabe também questionar como

os sobas foram afetados pelo novo cenário que se construía, seja reagindo ou ainda em

posturas que visavam obter benefícios – acumulação de prestígio político e social – da nova

conjuntura política.

Pelo já exposto acima, fica subentendido o enquadramento deste trabalho quanto a

percepções historiográficas, no entanto, cabe frisar de forma mais clara tal orientação. A

análise das relações coloniais presente nesta pesquisa parte do principio de que os sujeitos

históricos não são unicamente frutos de estruturas políticas e econômicas, mas possuem

interesses próprios e tomam decisões que, em alguns casos, não diziam respeito à orientações

ideológicas coletivas, mas a percepções particulares e imediatistas. Neste sentido, os sujeitos

33

SANTOS, Catarina Madeira. Escrever o poder: os autos de vassalagem e a vulgarização da escrita entre as

elites africanas Ndembu. In: Revista de Hitória, nº 155, 2º sem, p. 81-95, 2006, p. 87. 34

Vide capítulo 3. 35

Essa mudança de postura baseada em percepções político-econômicas de origem liberal foi chamada por

Isbael Castro Henriques de “modernidade”. Cf. HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola.

Page 25: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

25

não eram forçadamente moldados pelas estruturas, mas a construíam e interagiam com ela.36

O posicionamento de Jill Dias37

sobre moradores e chefias – no qual a autora enxerga uma

diversidade de interesses, estratégias e mecanismos de ação – é entendido neste trabalho como

central para a leitura das fontes e, em grande medida, orientou os questionamentos, tanto a

nível historiográfico como empírico.

Como já frisado anteriormente, a análise no qual este trabalho enfoca diz respeito a as

formas de construção das relações sociopolíticas no entremeio do século XIX no distrito do

Golungo Alto. Esta problemática é colocada aqui de forma simples, mas implica em uma

complexa rede de interações, alianças e conflitos que marcaram o século XIX em Angola. O

recorte temporal e geográfico selecionado para a análise é bastante indicativo de um momento

histórico em que novos interesses – tanto africanos como portugueses – são postos na mesa ao

mesmo tempo em que comportamentos e percepções tradicionais permanecem. O século XIX

em Angola é um momento de clivagem, no que diz respeito aos interesses portugueses sobre a

região, e também dos africanos, no que se refere a prerrogativas políticas e comerciais. A

fragmentação do Atlântico sul português, as medidas proibitivas ao tráfico de escravizados, a

recomposição dos interesses africanos e o cenário político conturbado em Portugal marcaram

o século XIX em Angola exigindo uma postura mais agressiva por parte dos portugueses a

partir dos anos 1840, visando buscar curativos econômicos a partir da transformação de

Angola em uma colônia economicamente diversa e produtiva. Esse momento de rupturas e

permanências pode ser mais bem verificado quando observamos a região do Golungo Alto.

Na década de 1860, Angola era entendida administrativamente – na perspectiva

portuguesa – como um território dividido em cinco distritos: Luanda, Benguela, Ambriz,

Moçamedes e Golungo Alto. Além de alguns territórios pontuais no interior manifestado pela

presença de comerciantes. Contudo é preciso ter cuidado com tal informação. Tais territórios

de domínio português diziam respeito a terras ocupadas por comunidades africanas, mestiças

e assentamentos brancos que conviviam em um ambiente nem sempre estável.38

Outro ponto

diz respeito ao controle relativo, ou mesmo nulo, por parte dos portugueses em seus próprios

distritos. A categoria distrito – legalmente superior a presídio no que diz respeito à presença

portuguesa – era, portanto, muito mais jurídica do que prática. A divisão territorial de Angola

também apresentava uma dinâmica de alargamentos e encolhimentos constantes. Os 36

Cf. THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.;

_____. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, II, III., 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 37

Cf. DIAS, Jill. Angola. 38

Ibidem, p. 319-556.

Page 26: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

26

territórios não eram estáveis e juridicamente alteravam entre presídios, conselhos e distritos

com muita rapidez. Veja-se, por exemplo, a região de Mbaka.

Localizado na zona do médio Lukala, afluente ao norte do rio Kwanza, Mbaka,39

ou na

grafia portuguesa Ambaca, foi durante os séculos XVII, XVIII e início do XIX, ponto de

convergência de enormes quantidades de escravizados e produtos vindos do interior com

destino ao porto de Luanda.40

Fundada em 1617 pelos portugueses, o presídio de Mbaka nasce

com o objetivo de garantir um posto militar no interior face os intensos conflitos provocados

pela invasão portuguesa nas terras de Ngola a Kiluanje.41

Contudo, a região já era ocupada

muito antes da presença portuguesa.42

O médio Lukala fazia parte do desenvolvimento histórico dos domínios da titularidade

Ngola. Segundo Joseph Miller,43

o título político Hango era bastante difundido entre as

comunidades do Libolo ao longo do século XVI, sendo que a região de Mbaka fazia fronteira

entre os titulares Hango do Libolo e os titulares Ngola do Ndongo. Com o processo de

expansão da titularidade Ngola, a região passou a ser parte integrante dos domínios do

Ndongo ainda no século XVI.44

Portanto, a instalação de um presídio nas terras do Ngola foi,

naquele momento, um ato militar bastante ousado por parte dos portugueses e acarretou em

um acirramento do conflito com o Ndongo.45

Superado o momento mais difícil e violento da invasão e conquista portuguesa, o

presídio de Mbaka ganhou contornos comerciais ao longo do século XVII, especialmente no

que dizia respeito ao comércio de escravizados. A região é notadamente reconhecida na

historiografia como o ponto interiorano de maior estabilidade da presença portuguesa, o que

39

Com relação à grafia das palavras em kimbundu, buscou-se a anotação mais próxima da fonética ou a

reprodução de registros documentais. Cf. PARREIRA, Adriano. Dicionário glossográfico e toponímico da

documentação sobre Angola, séculos XV e XVII. Lisboa: Editorial Estampa, 1990. 40

Cf. HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos.; DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto

do comércio atlântico, 2007, passim. 41

MILLER, Poder Político e parentesco, Op. Cit., p. 196-197. 42

Ibidem, p. 92. 43

É preciso frisar que a obra de Miller conta com um fator metodológico que diminui a qualidade de sua análise.

A grande questão envolvendo o tratamento de dados realizado Miller diz respeito a uma série de generalidades

em busca de uma coerência argumentativa acerca do desenvolvimento de padrões políticos e sociais entre os

Mbundu. Para uma análise política sobre o Ndongo crítica a de Miller Cf. COELHO, Virgilio. Em busca de

Kábàsà: uma tentativa de explicação da estrutura político-administrativa do “reino de Ndongo”. In: Actas do

Seminário Encontro de povos e culturas em Angola. Luanda/Lisboa, CNCDP, 1997, p. 443-77. 44

MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 95-96. 45

SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira; Fundação da Biblioteca Nacional, 2002, p. 425-426.

Page 27: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

27

fez deste lugar paragem obrigatória de reabastecimento das caravanas comerciais,46

especialmente as advindas do vale do Kwango com origem em Kassanje.47

Desta forma, não é

de se estranhar que Mbaka tenha sido palco de interações sociais que dotaram a região de uma

cultura mestiça que exerceria impacto político, social e militar. O cenário comercial pulsante

levou a emergência de uma língua mista entre o kimbundu praticado pelas comunidades

tradicionais de Mbaka e determinados termos e expressões portuguesas, criando uma forma de

comunicação que facilitava o comércio e os contatos entre africanos e portugueses. A

documentação portuguesa rapidamente passou a categorizar tais falantes como ambaquistas.48

No desenrolar do século XVIII e XIX o termo não se limitava aos comerciantes de Mbaka,

mas se estendia aos indivíduos e grupos de comerciantes, na sua maioria de mestiços, que

movimentavam o interior de Angola com créditos e mercadorias destinadas aos portos de

Luanda e Benguela.49

O presídio fundado no século XVI ascendeu a distrito em 1839 e posteriormente

conselho da província em 1850, apresentava uma vasta gama social nos Oitocentos e buscava

alternativas frente à bancarrota do tráfico de escravizados. Composta por uma comunidade

africana historicamente aliada aos portugueses – numa relação marcada por conflitos

importantes –, uma camada de intermediários comerciantes que atuavam para portugueses,

chefias africanas e, em grande maioria aos seus próprios interesses, Mbaka pode vir a ser um

bom termômetro das mudanças ocorridas na política portuguesa e na reação dos Sobas

mediante o novo cenário que se colocava no século XIX.

O cotidiano da administração colonial portuguesa oscilava entre tentar controlar e

depender dos africanos, principalmente quando dizia respeito a controle territorial e

populacional. Muito desta instabilidade advinha da própria natureza das relações coloniais;

profundamente militarizada, portanto, os pontos de influência portuguesa oscilavam de acordo

com a estabilidade das relações interioranas. Um exemplo disto é o surgimento do distrito do

Golungo Alto. A região do Golungo Alto, enquanto distrito incorporava uma série de

presídios e regiões administrativas doravante independentes: Mbaka, Duque de Bragança,

Npungo a Ndongo, Cambembe, Massangano, Cazengo, Kassanje, Talla Mugongo, Malanje e

46

HEINTZE, Pioneiros africanos, passim. 47

MILLER, Joseph C. Way of death: Merchant capitalism and the Angola slave trade. Madison: The Universiry

of Wisconsin Press, 1988. 48

MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 39. 49

Cf. HEINTZE, Pioneiros africanos.

Page 28: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

28

Dembos. Em outras palavras, o distrito de Golungo Alto passa a partir dos anos 1860 a reunir

boa parte do que a documentação denomina como sertão de Luanda.50

Mapa de orientação diacrônico da Provincia de Angola. Extraido em: DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel;

MARQUES, A. H. de Oliveira (dirs.), coordenação do volume X: ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill.

Nova história da expansão portuguesa (Volume X): O império africano, (1825-1890). Lisboa: Editorial

Estampa, 1998, p. 320. Em vermelho uma representação estimada do distrito do Golungo Alto nos anos

1860.51

50

Como se pode observar, Golungo Alto era formado por um conjunto de importantes presídios e conselhos

entre o distrito de Luanda a Oeste, o rio Kwango a leste, os Dembos ao norte e Npungo a Ndongo ao sul. Assim

como Mbaka, tais regiões sofreram metamorfoses administrativas. Até meados do século XIX, a região era

dividida em presídios como Npungo a Ndongo, conselhos como Cazengo e distritos como Mbaka. Em certa

medida, as mudanças na divisão administrativa estavam de acordo com os objetivos portugueses no entremeio do

século XIX de uma penetração mais efetiva no sertão de Luanda com o objetivo de dominar nãoapenas via

influência político-comercial, mas criar um regime de presença portuguesa efetiva. 51

Para futura localização geográfica voltar a consultar este mapa.

Page 29: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

29

Pensando o distrito do Golungo Alto em termos empíricos, as narrativas coloniais

parecem ser uma alternativa documental valiosa para se compreender como se davam as

relações entre portugueses e chefias africanas no século XIX, especialmente no que remete as

possibilidades de verificar a agência africana52

na documentação portuguesa de crivo

dominador. Contudo, existe um fator limitador de contato com as fontes: o acesso aos

arquivos africanos ainda se coloca como uma barreira, não apenas pelas adversidades

envolvendo nichos de financiamento, mas também por circunstâncias estruturais e políticas de

alguns arquivos. Portanto, boa parte dos estudos de graduação e mestrado em história sobre

Angola, especialmente aqueles envolvendo questões relativas à presença portuguesa veem

lançando mão de acervos digitais e de intercâmbios documentais entre pesquisadores que

conseguem adentrar nos arquivos.53

Desta forma, as publicações oitocentistas relativas a

Angola digitalizadas ao longo dos anos se apresentam como alternativas viáveis para

pesquisas cuja limitação de recursos não permite viagens à África e Europa. Dentre estes

materiais se destacam as narrativas de viagem, que mais do que a possibilidade de uma

análise histórica sobre determinado tema, sugere uma reflexão profunda sobre sua própria

natureza, parâmetros construtivos, seus autores, suas trajetórias, seus usos e resignificação. A

narrativa de viagem possibilita um vislumbre do cotidiano, do social, do cultural que,

normalmente, não pode ser verificado em materiais de outra natureza. Conquanto, o trabalho

com as narrativas de viagem implica em um método claro e ordenado, acompanhado de uma

profunda critica sobre sua natureza e limitações.54

A documentação selecionada para a realização deste trabalho teve origem na

realização de pesquisas em bancos de dados digitais, bibliotecas físicas e contou com

colaboração de pesquisadores.55

Do material recolhido ao longo da pesquisa encontram-se

52

Por agência se entende a multiplicidade das ações dos grupos e sujeitos vistos como subalternos perante os

pequenos agentes militares que circulavam por Golungo Alto. Sobre o conceito de agência Cf. GIDDENS,

Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1984.; SZTOMPKA, P. A sociologia da

mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Para uma critica recente sobre o uso demasiado de

tal conceito Cf. JOHNSON, Walter. On agency. In: Journal of Social History, 37-1, p. 113-124, 2003. 53

Destaca-se especialmente o projeto de acervo digital de consulta in loco Angola-Brasil PADAB-1.

Coordenado pela historiadora Mariza Soares de Carvalho da Universidade Federal Fluminense, que com

financiamento via governo federal do Brasil digitalizou alguns codex do Arquivo Nacional Histórico de Angola

e os disponibilizou junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro sob a nomenclatura de Coleção PADAB.

Os materiais disponíveis dizem respeito ao recorte temporal que vai do século XVI ao XX, porém, a ênfase

maior do PADAB diz respeito aos séculos XVII e XVIII. 54

PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999. 55

Boa parte do material recolhido para esta pesquisa teve sua origem em bancos de dados digitais como a

hemeroteca de Lisboa e a plataforma livresca do Google, porém, foram realizadas pesquisas em 2014 no espólio

de livros e periódicos de José Capela que se encontra sob a guarda da Biblioteca da Faculdade de Letras da

Universidade do Porto e na Biblioteca Municipal do mesmo município. Outro fator chave para a construção do

Page 30: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

30

narrativas de viagens, memórias sobre Angola, relatórios coloniais, estudos e levantamentos

estatísticos. A maioria do material analisado foi publicado, seja de maneira personalizada no

formato livro ou ainda em folhetins que compunham periódicos como o Annaes do Conselho

Ultramarino e os Annaes Marítimos e Coloniaes. O material foi separado em dois grupos: um

contendo narrativas de viagem e memórias e outro composto por dados estatísticos e estudos

de ordem financeiro, botânica e político-social. O primeiro grupo referido concentra boa parte

da análise empírica, sendo que o segundo grupo ajuda a compreender mais o contexto político

português e colabora para esclarecimentos que demandam das narrativas e memórias além da

própria bibliografia sobre Angola.

Gráfico I – Memórias e relatos de viagem.

acervo foi a colaboração de pesquisadores, especialmente o Professor Doutor José Curto, da Universidade de

York, Canadá, que gentilmente cedeu parte de seu espólio empírico digitalizado para a utilização do autor desta

dissertação.

0

2

4

6

8

10

12

1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69

Memórias e relatos de viagem.

Memórias e relatos de viagem.

Page 31: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

31

Gráfico II – Relatórios e estudos.

Gráfico III – Material empírico total.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69

Relatórios e estudos.

Relatórios e estudos.

0

2

4

6

8

10

12

14

1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69

Material empírico total.

Material empírico total.

Page 32: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

32

Por razões envolvendo o tempo restrito de trabalho no mestrado e a necessidade de

enfatizar uma região específica – o distrito do Golungo Alto –, o volume empírico total foi

substancialmente reduzido. Os critérios escolhidos para a seleção, para além da óbvia questão

temporal e geográfica, envolveram o posicionamento ideológico dos escritos e a singularidade

de seus autores. Este trabalho se debruça sobre narrativas que são marcadas pela discursiva

pró-ocupação das possessões portuguesas em África e escritas por agentes coloniais que em

sua maioria se encontravam na carreira militar, sendo alguns portugueses, outros nascidos em

Angola e alguns de origem mestiça. Dentro do material elencado, a opção pela região do

Golungo Alto veio atender duas situações: a primeira é de ordem prática, na medida em que o

volume documental sobre esta região é bastante mais elevado dentro do material reunido em

relação a demais regiões. O segundo ponto diz respeito ao contexto político-comercial do

entremeio do século XIX e o papel que esta região desempenhou. O entremeio do século XIX

marca um momento de novas demandas internas e externas nesta região, que movimentava

boa parte do comércio de escravizados em Angola e devido a questões externas voltou-se a

novas formas de comércio e produção de gêneros e produtos. Portanto, um olhar atento sobre

Golungo Alto pode revelar um processo de mudanças comerciais e suas consequências

políticas a partir de 1840, indicando interesses portugueses, mestiços e africanos.

A problemática básica que se busca na análise das mesmas é perceber a relação entre

as estratégias de ação utilizadas por portugueses, mestiços e africanos, com o processo de

interiorização da administração colonial. Tal inquietação permite avaliar, dentre outras

hipóteses a autonomia política africana frente às ofensivas portuguesas e a participação de

moradores, mestiços e intermediários comerciais, que calcados em interesses particulares

acabavam por injetar um grau de complexidade ainda maior sobre a já instável relação entre

os militares administradores de Angola e as vastas comunidades africanas.

Os textos produzidos sobre Angola por militares apresentam uma orientação

majoritariamente liberal e permitem compreender a natureza e os aspectos da relação entre

estes pequenos agentes, moradores e os Sobas do Golungo, além de admitir escrutar sobre as

tentativas de consolidação de uma política colonial vista a partir da ação dos sujeitos que

constituíam a colônia. Ressaltando este último aspecto, fica claro que este trabalho busca

colaborar não apenas para os registros do embate entre os mundos europeu e africano ou para

processos de violência e resistência, mas também visa contribuir na construção de saberes

sobre as iniciativas coloniais em África pelo prisma da ação dos sujeitos que dela integravam,

Page 33: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

33

construíam e reorganização. Para isso, faz-se preciso uma leitura atenta das fontes em comum

acordo critico com a historiografia.

As memórias e relatos de viagem utilizados na pesquisa carecem de maior explanação,

pois, quando sua estruturação é confrontada pela bibliografia tende-se a entender tais textos

como ofícios coloniais e não a narrativa de viagem tradicional.56

Todos os textos utilizados

neste trabalho dizem respeito a experiências práticas de agentes coloniais em viagens nos

sertões de Luanda, sendo que em sua maioria, trata-se de viagens oficiais com vista aos

interesses da administração colonial. Isto pode ser verificado na viagem realizada pelo militar

português Francisco de Salles Ferreira que, em 1853, tecia comentários sobre o poder político

dos Sobas e a relação com os interesses portugueses no texto intitulado Sobre o sertão de

Cassange. O objetivo de Ferreira era uma campanha militar contra o Jaga D. Pascoal

Machado, que naquela altura se rebelara perante a presença portuguesa. O Major Ferreira não

era o explorador de Grand Tour57

ou o herói que viajava em busca de descobertas e exotismo

como Mungo Park,58

mas o oficial que cumpria ordens; dentre elas, informar a condição da

situação portuguesa em Angola e do relacionamento com as chefias africanas locais. Outro

tipo de narrativa que pode ser verificado na pesquisa é o da memória, que não é encarada

como uma narrativa de viagem, mas como o exercício mnêmico. Um caso elucidativo disto e

que diz respeito ao mesmo episodio envolvendo Salles Fereira, foi a publicação do livro

Memória da Expedição à Cassange, publicado em 1854 e escrita pelo Capitão Antonio

Rodrigues Neves, que vivenciou os conflitos em Kassanje em 1850 e publicou sua versão

mnemônica em 1854, buscando contrapor-se aos escritos anteriores sobre o episódio. Como

pode ser observado, nenhum dos textos se enquadraria no que comumente a primeira vista se

reconhece por relatos de viagem, todavia, as linhas que se seguem buscam evidenciar que

tanto as pequenas viagens para fins militares e burocráticos como a escrita de memórias

podem ser trabalhadas metodologicamente de igual forma as épicas viagens de exploração,

reconhecimento e peregrinação, dada as devidas proporções e singularidades.

Voltando os olhares para a produção de narrativas sobre Angola no século XIX é

possível verificar a consolidação da exclusão do Outro. Com uma interiorização cada vez

56

Cf. LEED, Eric J. The mind of the traveler: from Gilgamesh to global tourism. New York: Basic Books,

1991.; GASQUET, Axel. “Bajo el cielo protector”: Hacia una sociologia de la literatura de viajes. In: LUCENA,

Manuel Giraldo.; PIMENTEL, Juan. Diez estudios sobre literatura de viajes. Madrid: Editorial CISC, 2006. 57

Cf. SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e por amor à cultura.

In: Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, p. 289-310, 2002. 58

Cf. VIANA, Larissa. Os trópicos na rota do Império britânico: a visão de Mungo Park sobre a África em fins

do século XVIII. In: História, ciência e Saúde, Manguinhos, vol. 18, nº 1, p. 33-50, 2011.

Page 34: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

34

maior dos portugueses gerado pela emergência do comércio lícito, as narrativas apresentam

características bastante específicas, como: violência discursiva, jugo de valores e costumes,

negação da capacidade histórica dos africanos, interesse maior pela historicidade dos

portugueses em Angola do que a tradição oral africana e, por fim, uma construção narrativa

que além de inferiorizar, aponta para necessidades de aliança ou ainda tutela portuguesa –

indicando uma domesticação política e social pela escrita.59

Quando se refere de forma

fortuita e positiva acerca dos locais é para atender a interesses específicos de acordo com a

própria fragilidade portuguesa.60

O século XIX em Portugal traz outra característica com relação às narrativas, desta vez

no âmbito de circulação e suporte material. É nos Oitocentos que surge uma série de

publicações e compêndios narrativos sobre as experiências portuguesas em África. Pode-se

afirmar que uma maior divulgação remete aos interesses portugueses de melhor conhecer o

território durante o processo de interiorização.61

Neste contexto, publicações como o Annaes

do Conselho Ultramarino e Annaes Marítimos e Coloniaes passam a divulgar não somente

expedições de exploração de seu tempo, mas de contextos anteriores, propagando um discurso

pró-ocupação das terras em África, indo de acordo com grupos políticos alinhados aos

interesses liberais.62

O interesse e a produção portuguesa sobre os territórios extras europeus aparenta

inicialmente não ser diferente dos demais Estados-nação em construto, porém, algumas

características importantes delinearam a discursiva portuguesa dotando-a de uma

especificidade não compartilhada pelas demais nações. Podem-se destacar três características

da experiência portuguesa em África que se encaixam na percepção de especificidade: a

constante necessidade da burocracia portuguesa de buscar justificativas históricas para a

ocupação de territórios frente a nações europeias e as comunidades africanas, fazendo alusões

constantes ao passado explorador e globalizante; a perda política do Brasil que na visão de

muitos autores praticamente circunscreveu Portugal à alternativa africana, pois mesmo

59

Cabe salientar fortuitas exceções como os escritos de Henrique Dias de Carvalho e seu interesse pela história e

cultura da Lunda. Cf. SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva. Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da

expedição de Henrique de Carvalho à Lunda (1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013. 60

HENRIQUES, Isabel Castro. Presenças angolanas nos documentos escritos portugueses. In: Actas do II

seminário internacional sobre a história de Angola. Construindo o passado angolano: as fontes e a sua

interpretação. Luanda: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, 1997, p. 35-

42. 61

SANTOS, Maria Emília Madeira. Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África. 2º ed. Lisboa:

IICT, 1988. 62

MARQUES, Os sons do silêncio, passim.

Page 35: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

35

dificultosa, esta possibilidade era a mais viável no que competia as possessões ultramarinas;

por fim, as expedições científicas e as publicações pró-ocupação na segunda metade do século

XIX, impulsionadas, em boa medida, pela experiência de alguns membros da sociedade média

portuguesa que se lançaram frente a empreitada colonial africana nas primeira tentativas de

ocupação por colônias brancas especialmente em Angola.63

Dentre as publicações Oitocentistas destacam-se, especialmente o Annaes do Conselho

Ultramarino e o Annaes Marítimos e Coloniais. Ambos os periódicos foram durante as

décadas de 1840 e 1850 os principais difusores da presença portuguesa em África e nos

demais pontos do globo,64

sempre defendendo políticas de modernização econômica da

retórica liberal portuguesa frente os territórios coloniais. É curioso reparar que dos autores

analisados nesta pesquisa alguns tinham vínculos diretos com tais publicações, como é o caso

do Francisco de Salles Ferreira, militar de destaque na campanha militar contra Kassanje nos

anos 1850 e sócio da Associação Comercial de Lisboa, instituição responsável pela orientação

e publicação dos Annaes Marítimos e Coloniaes. Outro exemplo de sócio da mesma

instituição foi o governador de Angola durante os anos de repressão do tráfico de

escravizados, Pedro Alexandrino da Cunha.65

O florescer de publicações também veio a preencher uma lacuna deixada pelos

portugueses nas primeiras décadas do século XIX no que dizia respeito ao conhecimento

recolhido na região central do continente Africano, pois na virada do século XVIII para o

XIX, nações europeias, especialmente Inglaterra, deram início uma jornada de exploração,

observação e recolha, especialmente na zona mediterrânea, adentro no deserto do Saara e suas

franjas.66

A região central permaneceu pouco conhecida na perspectiva extracontinental.

Couberam as publicações portuguesas do século XIX dar conta de um panorama natural e

humano bastante diverso. Tais periódicos não apenas publicavam assuntos e noticias de seu

tempo, mas material recolhido ao longo dos séculos de contato entre africanos e portugueses.

Veja-se, por exemplo, o caso do Annaes do Conselho Ultramarino.

Vinculado à instituição de mesmo nome, o folhetim em sua versão não oficial trazia

uma série de textos e dados sobre as possessões ultramarinas portuguesas ao longo do globo

63

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola. 64

Idem. 65

Cf. Relação dos nomes dos sócios da Associação Marítima e Colonial de Lisboa. In: Annaes Marítimos e

Coloniaes. Tomo II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842, p. 46. 66

SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 238-239.

Page 36: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

36

assim como informações de outras coloniais, visando criar um discurso de espelhamento ou

de aversão a modelos, interesses e perspectivas. Publicado entre 1854 e 1867, o periódico

demonstrou especial interesse pela região de Angola, principalmente em suas primeiras

edições. Existem cerca de 80 textos e dados estatísticos dedicados exclusivamente a realidade

e situação portuguesa em Angola, além do conteúdo misto, no qual Angola é tratada em

conjunto com as demais zonas de presença portuguesa. A natureza dos textos e seus

respectivos autores são de uma enorme diversidade. Ao mesmo tempo em que o grosso do seu

conteúdo tenha sido escrito por militares em serviço em Luanda ou postos interioranos, o

Annaes do Conselho Ultramarino abriu espaço para estudos estatísticos ou ainda botânicos,

como é o caso do rico levantamento botânico acerca de Angola realizado pelo do austríaco

Frederico Welwisch.67

Todavia, não somente textos contemporâneos eram publicados, mas

sim qualquer documentação que cumprisse a dupla missão de: informar o leitor sobre a

presença portuguesa em África junto com seus respectivos interesses e sustentar uma retórica

política liberal que encontrou na figura de Sá da Bandeira68

e demais membros do Conselho

Ultramarino.

A atuação de Sá da Bandeira junto ao periódico não oficial do Conselho Ultramarino

se deu entre as décadas de 1850 e 1860, pois além do especial interesse que tinha sobre

questões geográficas e históricas, assumiu o papel de editor da publicação, sendo inclusive o

responsável por desenhar alguns mapas publicados que tinham por finalidade expor dados e

complementar textos selecionados. O processo de seleção dos textos não é claro, pois esta

pesquisa desconhece qualquer comentário ou apontamento sobre o assunto, contudo sabe-se

que Sá da Bandeira era quem escolhia os materiais a serem publicados – sendo alguns

inclusive recebidos por ele diretamente dos autores com o pedido de publicação. Outra forma

de encarar o critério de seleção é avaliando a própria estrutura e interesse do periódico. No

tocante a presença portuguesa no continente africano, o Annaes do Conselho Ultramarino

tinha por objetivo informar, mas também construir um discurso pró-ocupação das possessões

ultramarinas em África. Desta forma a documentação publicada, os dados levantados e até

67

Sendo este contratado pela coroa portuguesa para tal pesquisa. Cf. Ibidem, p. 240. 68

Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, mais conhecido por Marquês Sá da Bandeira, foi um militar e político

português influente no cenário continental e ultramarino no século XIX. Um dos lideres do setembrismo –

movimento mais a “esquerda” dos chamados liberais portugueses do século XIX - e voz ativa entre os liberais

portugueses, foi durante os anos 1830 e 1870 cinco vezes presidente do conselho de ministro e levando a debate

e a vida prática colonial uma série de reformas fiscais, trabalhistas e de organização política que afeteram

diretamente a forma como Portugal interagiu com seus territórios ultramarinos. Cf. ALVES, Jorge Fernandes. Sá

da Bandeira: perfil de um herói romântico. Porto: Museu militar do Porto, 1992.; MONTEIRO, Maria do

Rosário; PIMENTEL, Maria do Rosário; LOURENÇO, Vitor Marçal (eds). Marquês de Sá da Bandeira e o seu

Tempo. Lisboa: Academia Militar, 1992.

Page 37: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

37

mesmo os informes sobre tecnologias e a situação de outras possessões convergiam para a

construção da retórica liberal.69

De forma ampla, os textos de viajantes publicados em Portugal sobre a região de

Angola apresentam uma característica básica; o enfrentamento – direto ou indireto – entre

visões de mundos ora incompatíveis ora semelhantes. Esta relação estava sempre filtrada pelo

escritor/explorador entre seus interesses e dilemas. O viajante era responsável por olhar e

descrever aquilo que achava interessante ou digno de memória.70

A escrita da viagem não é

apenas um registro crivado pela conjuntura de sua produção, mas também por quem escreve,

sendo assim, a redundância, os conflitos narrativos, as contradições e os julgamentos fora de

lugar são características constantes dos registros de viagem.71

A percepção do

escritor/explorador europeu e o discurso colonial frequentemente convergem no crivado olhar

eurocêntrico quando se prestam a observar o Outro. O eurocentrismo aqui é entendido como

um paradigma e não apenas como um comportamento social datado, na medida em que

caracteriza uma estrutura de dominação por meio de classificações hierárquicas.72

Contudo,

nem sempre as narrativas foram escritas por europeus, mas por sujeitos coloniais que em

grande medida estavam vinculados as burocracias europeias – no que diz respeito ao caso

africano. Este indicativo torna mais complexa a leitura e entendimento do lugar do

eurocentrismo nas narrativas de viagem, pois não é mais viável apontar que o eurocentrismo

aplicado por europeus é o mesmo dos agentes coloniais, sejam eles mestiços ou até mesmo

africanos.

As narrativas utilizadas neste trabalho, mesmo que compartilhem características

comuns ao gênero, possuem nuances que as tornam singulares. Os textos que esta pesquisa se

debruça quase que em sua totalidade são comumente referidos como ofícios ou relatórios

administrativos, pois tratam de agentes coloniais que realizam pequenas viagens no território

pretensamente dominado. Os textos utilizados nesta dissertação são mais plurais que as 69

Este periódico foi devidamente tratado pelo autor em outro momento. Cf. VILAS BÔAS, Felipe. Em busca de

um Novo Brasil em Angola? Encontros e desencontros entre portugueses e autoridades africanas nos Annaes do

Conselho Ultramarino (parte não official), 1854-1867. 92 f. Monografia (Graduação em História) – Setor de

Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.; VILAS BÔAS, Felipe. A condição da

Zona Atlântica na Hinterland de Luanda, (c.1840-c.1860). In: Revisto Vernáculo, v. 30, p. 183-213, 2014.

MARQUES, Rui. O império e a câmara dos deputados: as marcas de um discurso (1852-1890). 723 f. Tese

(Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2013, p. 319. 70

BOURGUET, Marie-Noeile. O explorador. In: VOVELLE, M. O homem do iluminismo. Lisboa: Presença,

1997, p. 209-247. 71

PRATT, Os olhos do Império. Op. Cit., p, 24-25. 72

Cf. DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993.; QUIJANO, Anibal.

Colonialidad del poder, eurocentrismo y America Latina. In: LANDER, Edgardo (coord.). La colonialidad del

saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2000, p. 201-246.

Page 38: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

38

narrativas de viagem entendidas na sua forma canônica, portanto, o mais adequado seria não

rotular tais textos como relatos de viagem, mesmo que o método de leitura e critica analítica

tenham embasamento na bibliografia e experiência empírica do trabalho com as viagens e os

viajantes. Estas pequenas narrativas coloniais são de grande valia na medida em que

demonstram que a fome do binômio conhecer/dominar não estava restrito apenas nas grandes

expedições e viagens que marcaram a história, mas na prática colonial em toda sua flutuação

de humores.

De maneira ampla, os militares autores destas narrativas coloniais estruturaram seus

textos de forma bastante semelhante. Descrevendo um roteiro de viagem, os autores traçam

seus objetivos e expõe o cotidiano de suas jornadas, fazendo paradas constantes em vilarejos

de moradores – no qual ficavam hospedados ou na residência de um morador mais notável ou

no sítio de um colega português da carreira militar. Também poderiam fazer pouso nas

comunidades africanas avassaladas do interior, nas quais o encontro sempre de forma direta

rendia uma análise dos autores sobre a figura política africana.

Dentro das comunidades africanas ou nas casas dos moradores as observações

realizadas seguem um padrão: avaliam as características do anfitrião e da situação produtiva

local, sendo esta avaliação seguida por comentários sobre como melhorar a produção agrícola

e comercial na região. Quando os autores se dedicavam a falar sobre os africanos, havia duas

estratégias básicas: a primeira tratava dos africanos avassalados como parte da colônia e

inserindo-os na narrativa ao mesmo tempo em que se discursava sobre outras matérias, já a

segunda, tendia a criar subitens ou tópicos específicos para falar sobre os africanos, em geral

sobre as comunidades não avassaladas ou ainda sobre os povos, mesmo que avassalados,

sobre os quais os portugueses tinham pouco controle.

Tal característica pode ser mais bem verificada na viagem do Alferes Alferes Manoel

Alves de Castro Francina. Educado no Brasil, o Alferes visivelmente detém uma linha

narrativa coadunar com a retórica portuguesa e com suas obrigações enquanto agente colonial,

todavia, ao observar outros escritos de Francina faz-se possível compreender uma ligação

mais íntima deste com a realidade africana dos sertões de Luanda. O fato de o Alferes estar

vinculado as práticas africanas não faz dele um representante da agência africana e tampouco

coloca sua narrativa afastadas de parâmetros coloniais, porém indica uma característica

bastante comum aos escritos militares, a carga da mestiçagem cultural difundida em larga

escala em Angola. Em 1864, Francina escreveu em parceria com o médico brasileiro

Page 39: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

39

Saturnino de Sousa e Oliveira, então físico-mor de Angola, uma importante obra intitulada

Elementos gramaticaes da língua N’bumda, demonstrando ter conhecimento sobre estruturas

linguísticas e tradições africanas. Curioso é que Saturnino de Sousa e Oliveira, antes de

dedicar-se a medicina em Angola, fora editor do periódico carioca O philantropo entre 1851 e

1852. O periódico ficou marcado pelo posicionamento de combate ao regime de escravidão ao

mesmo tempo em que se alinhava a posições antropológicas que indicam a mestiçagem como

algo a ser evitado.73

Na década de 1840, mais precisamente em 1846, o Alferes Francina

dissertatou sobre sua jornada ao distrito de Mbaka. A narrativa do Alferes segue um padrão

estrutural e narrativo comum à maioria do material empírico selecionado. Com um discurso

colonial pró-ocupação e fortalecimento da presença portuguesa, Francina, natural de Angola e

conhecedor de línguas africanas locais, tinha por missão viajar da cidade de Luanda até a

região de Mbaka para realizar uma vistoria das condições daquele sertão para manter a

administração litorânea informada. Podem-se apontar quarto grandes assuntos abordados pelo

autor: 1. características do meio natural; 2. estado da presença e infraestrutura portuguesa; 3.

usos e costumes africanos; 4. relação entre os interesses coloniais e as chefias africanas. O

interesse pelo meio natural se justificava principalmente pela necessidade de conhecer formas

alternativas de tornar Angola em veio produtivo, especialmente no âmbito agrícola e mineral,

sendo geralmente este assunto o primeiro a ser abordado pelas narrativas coloniais, que por

meio de conexões narrativas permitia ao autor dar início ao tema da presença e infraestrutura

portuguesa. Quanto ao segundo tema, geralmente descrições sobre as condições acerca das

estradas e das edificações de fiscalização comercial, além da preocupação com prédios

religiosos, o interesse da argumentativa era justificar que com estradas decadentes e

edificações militares em ruínas seria difícil tomar proveito do comércio de bens como marfim,

cera e café. A menção a decadência das construções religiosas abre gancho para o terceiro

tema, o dos usos e costumes africanos, no qual as igrejas em ruínas atestavam a imoralidade

africana. Quando se referia aos africanos, Francina parece seguir a linha da maioria dos

autores, que relatam percepções estereotipadas e normalmente repetidas, ou seja,

provavelmente o Alferes não vivenciou a maioria dos costumes, mas por meio da oralidade e

leitura de outras narrativas constrói sua versão das tradições. O tema dos usos e costumes

permite ao autor dar início a narrativa da relação entre agentes coloniais e chefias africanas.

73

Cf. DIAS, 1998, p. 518.; OLIVEIRA, Saturnino de Sousa; FRANCINA, Manoel Alves de Castro. Elementos

gramaticaes da língua N’bumda. Loanda: Imprensa do Governo, 1864. KODAMA, Kaori. Os debates pelo fim

do tráfico no periódico O Philantropo (1849-1852) e a formação do povo: doenças, raça e escravidão. In: Revista

Brasileira de História, vol. 28, nº 56, p. 407-430, 2008.

Page 40: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

40

Neste momento é possível perceber claramente a distinção feita entre aquelas chefias aliada

dos portugueses e as chefias autônomas, sendo estas últimas sempre muito criticadas por

razões morais/religiosas e políticas/comerciais. O curioso é que os costumes descritos das

chefias africanas – sejam elas cristianizadas ou não –, apresentam características semelhantes,

sendo o fator central para criticá-las o caráter de relação comercial e política estabelecida com

os portugueses. Neste ponto, o discurso moralista aparece como argumento útil para justificar

a submissão política de comunidades africanas, mas vazio no que diz respeito os interesses

religiosos.

Outra característica bastante singular presente nestes textos e que chama a atenção é

que o viajante não apenas opina sobre o que vê, mas interfere. Afinal, esta é a missão da

maioria dos militares que se lançaram ao interior de Angola em meados do século XIX;

reportar a administração colonial o que viram e influenciar naquilo que julgam carecer de

mudança ou reforço, sempre em comum acordo com as decisões de Luanda e Lisboa. Esta

característica pode ser mais bem compreendida quando os autores fazem pouso na casa de

uma autoridade africana ou interagem diretamente com ela.

O encontro entre o militar e o chefe africano é sempre formal. Cumprim-se ritos

políticos de trocas de cumprimentos e presentes. A hospedagem nas comunidades tinha uma

funcionalidade além do repouso para recuperação energética, mas também servia como

experiência empírica da situação entre portugueses e comunidades africanas no que dizia

respeito ao fornecimento de mão de obra e a situação produtiva e comercial das comunidades.

Neste sentido, era comum que o militar transmitisse à autoridade africana o desejo da

administração colonial por meio de um discurso que frisava que tal interesse seria em

benefício da situação local, ou seja, uma maior produtividade no campo de alimentos

exportáveis seria benéfica aos africanos na medida em que permitira uma maior circulação

comercial. Da mesma forma, conselhos e orientações de ordem religiosas se fazem presentes

nas narrativas, com o intuito de convencer os membros da comunidade a se lançarem ao

trabalho e a organização social cristã, com o subterfúgio de que tal forma de organização

permitiria uma maior tranquilidade para o poder político, influenciando diretamente as

sucessões linhageiras e a formação de elites políticas.

Tais singularidades também estão envoltas de características comuns a demais

narrativas de viagem como o julgamento de valores, oposição de diferenças, fascinação pelas

semelhanças. Todavia, não apenas o conteúdo das narrativas é fonte de questionamento, mas

Page 41: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

41

sua estruturação, autores, missão e circulação. Para Isabel Castro Henriques, a produção

portuguesa sobre Angola no século XIX contém a especificidade de buscar a todo o momento

diminuir a participação africana. Esta característica não era nova, mas ganha contornos

próprios no século XIX e peso narrativo na medida em que as atitudes comerciais praticadas

então adentravam por rotas e caminhos nunca antes explorados.74

Em outros termos, o

comércio legítimo em oposição a ilegalidade da escravidão promoveu um acirramento da

presença direta e indireta portuguesa sobre novas áreas e comunidades africanas,75

sendo

inclusive possível perceber intenções militarizadas por parte da administração colonial no

entremeio do século XIX.76

Um exemplo disto foi a análise realizada por Isabel Castro

Henriques quando esta desmontou os diários de viagem do comerciante brasileiro Joaquim

Rodrigues Graça. O método empregado por Henriques é comum às analisas das narrativas de

viagem: a historiadora investiga a vida do escritor, a estrutura de seus diários, as versões

publicadas destes escritos e contrapõe tal retórica com outros textos, chegando a conclusão

que os diários de Graça não eram somente de viagem, mas traziam trechos narrativos que

comumente são categorizados como memória. Ao mesmo tempo a autora se debruça sobre as

interessantes observações que Graça fez sobre as sociedades africanas e os relacionamentos

com a administração colonial.77

Para Maria Emília Madeira Santos, existiam três vias de incursão portuguesa rumo ao

interior africano na virada do século XVIII para o XIX e ao longo deste último: a via

comercial, movida principalmente por africanos e mestiços; a via científica, com expedições

mineralógicas e botânicas organizadas por Lisboa; a via de exploração/militarizada,78

que

marcaria o final do século XIX a abriria o caminho para novas realidades coloniais, atenuando

as marcas discursivas frisadas por Isabel Castro Henriques.

A documentação sobre a qual esta dissertação se debruça diz respeito a via de

exploração militar indicada por Madeira Santos. Os sujeitos que escreveram as narrativas

analisadas eram, em sua maioria, profissionais da carreira militar com experiência na

realidade colonial, alguns portugueses e outros nascidos em Angola, sendo que alguns ainda

ocuparam cargos burocráticos como diretores administrativos e chefes de distrito. Além disto,

74

Ibidem, p. 40-42. 75

SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 149-171. 76

PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola, Vol 1: resistências e revoltas, 1845-1941. 3º ed.

Lisboa: Editorial Estampa, 2013. 77

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 33-53. 78

SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 239-246.

Page 42: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

42

não se pode ignorar o que a bibliografia frisa constantemente para a realidade angolana: o

envolvimento de militares e agentes administrativos nos tratos comerciais.

Por razões que vão além da capacidade acadêmica, não foi possível investigar nos

arquivos a vida de tais escritores, portanto, o pouco que se sabe sobre estes se resume a dados

obtidos em pesquisas bibliográficas ou no cruzamento documental. Este aspecto não deve ser

visto como uma fragilidade metodológica deste trabalho, pois uma forma de atenuar tal

situação foi a de pensar a produção destes homens em conjunto, já que, para além das

prerrogativas individuais, todos compartilhavam um discurso colonial comum: a retórica pró-

ocupação portuguesa.

A prerrogativa comum compartilhada pelos autores e manifestada em suas palavras

diz respeito a um discurso pró-África, no sentido de enxergar a colonização de Angola, pós-

perda do Brasil e ilegalidade do tráfico, como uma alternativa para as constantes crises

econômicas vividas em Portugal no século XIX e como meio de legitimação política de uma

identidade liberal. Neste sentido não apenas os autores e seus textos, mas periódicos

específicos voltaram-se à defesa da colonização das terras ultramarinas africanas, como foi o

caso do Annaes do Conselho Ultramarino (parte não official).

Quando pensado em conjunto, pode-se apontar, sem grande medo de errar, três

características compartilhadas por todos os textos analisados: discurso pró colonização de

Angola; observação participativa, ou seja, os autores não foram meros escribas da situação

colonial, sendo constante suas interferências, ações e contatos diretos travados com africanos

e moradores; retórica narrativa de submissão do africano, no sentido de confirmar o já exposto

por Isabel Castro Henriques. O conflito entre negar o protagonismo africano e depender deste

para a manutenção colonial é um dilema frequentemente verificado na documentação.

As palavras pintadas pelos militares em Angola no século XIX, mesmo dotadas de

autossignificação, só detêm um significado amplo e devidamente historicizado quando

entendidas em seu contexto discursivo, com vocabulário próprio e linguagem característica.

O discurso constantemente dialoga com a memória individual e coletiva de cada autor e leitor,

sendo em muitos casos o uso de termos e expressões vinculadas ao processo interpretativo

daquele que escreveu, cabendo àquele que lê compreender as nuances discursivas.79

As

79

Cf. RICŒUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.; KOSELLECK, Reinhart.

Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10,

Page 43: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

43

palavras estão constantemente dispersas ganham sentido na medida em que são

arregimentadas por regras de formação, permitindo a identificação dos elementos narrativos.80

Compreender um texto não indica maior ou menor grau deste, pois da mesma forma que

existem níveis discursivos como já apontaram Foucalt, Said e Pratt,81

existem níveis de leitura

que variam de acordo com o conhecimento relativo ao contexto de sua produção. Em outras

palavras, faz-se preciso a separação entre a compreensão do texto, sua estrutura e seus

múltiplos significados.82

Pensar a bibliografia em conjunto com o material empírico é fulcral para se

compreender a agência africana manifestada nos Sobas e dos moradores por meio do discurso

dos militares crivados pela lógica colonial. Em nenhum momento na documentação as chefias

africanas e os moradores tem voz ativa. Na estrutura narrativa construída pelos militares

escritores, os Sobas e mestiços são personagens de um cenário maior que é o colonial. Suas

intenções são sempre expostas pelo observador português ativo que tem interesses íntimos

com a movimentação política africana. Conquanto, existe uma forma de se aproximar destes

ao lançar mão da análise documental em conjunto com a bibliografia focando as escolhas e

não escolhas das chefias africanas, ou seja, mesmo mudas na discursiva colonial, as ações

destes indivíduos permitem inferir sobre suas intenções, táticas e estratégias, sejam elas de

cunho coletivo em sua comunidade ou atendendo a interesses particulares.

As ações africanas podem ser verificadas principalmente quando os autores abordam

assuntos envolvendo comércio e arregimento de mão de obra. Mesmo que o discurso

português seja enfático ao afirmar a superioridade colonial nas negociações a nível jurídico, o

que a documentação deixa transparecer é que a utilização de rotas comerciais, o fornecimento

de mão de obra e o controle sobre terras produtivas serviam como uma poderosíssima

ferramenta de negociação política por parte dos Sobas e também dos moradores dos sertões de

Luanda.83

É por meio das dificuldades impostas pelas chefias aos portugueses que se encontra

1992, p. 134-146.; ______. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:

Editora PUC-RJ, 2006. 80

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 5º ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999. 81

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2010.; PRATT, Os olhos do Império,

1999, passim.; SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invensão do ocidente. São Paulo: Companhia das

letras, 2007.; ______. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 2011. 82

HENRIQUES, Presenças angolanas nos documentos escritos portugueses, 1997, passim. SKINNER, Quentin.

Some problems in the analysis of political thought and action. Political Theory, vol. 2, Symposium on Quentin

Skinner, 1974, p. 277-303.; ______. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das

Letras, 1996. 83

Este processo de negociação e conflito, acorco e desacordo permeia a história social e permite observar de

forma mais íntima os processos e práticas cotidianas. Observando a bibliografia fica inegável o diálogo indireto

Page 44: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

44

o caminho para compreender as intenções e posicionamentos dos mesmos frente ao avanço da

administração colonial ocorrida entre 1840 e 1860. É neste ponto que a bibliografia sobre o

contexto ganha destaque, pois orienta no sentido de não confundir o posicionamento africano

e dos moradores manifesto pelo crivo português com as intenções coloniais de seus autores,

pois na medida em que se compreende melhor a conjuntura, as hipóteses construídas sobre as

ações africanas – ou ainda a não ação – ganha densidade, limitando o que poderia ser ou

possuir caráter verossímil. Sem dúvida a participação dos africanos nas permutas comerciais e

no enfrentamento político são pontos chave para se adentrar nas possibilidades analíticas da

agência africana. Desta forma, a contextualização e a abordagem sobre a conjuntura histórica

do século XIX em Angola tem peso decisivo na leitura e inquérito do material empírico.

Este trabalho emergiu de uma simbiose crítica entre documentação e bibliografia,

conquanto possui elementos que o tornam singular. A análise sobre os agentes militares

portugueses e suas relações com moradores e Sobas no Golungo Alto no século XIX é um dos

poucos trabalhos – senão o único nas universidades brasileiras – a abordar as relações sociais

na província de Angola a partir de um espólio documental de pequenos agentes coloniais

viajantes. Além disto, este trabalho trás a tona algumas preposições e hipóteses circulantes nas

esferas de discussão e produção historiográfica sobre Angola que têm sido centrais para se

compreender o contexto oitocentista. Dentre eles a questão da circulação de bens em Angola

em concomitância com a redução do tráfico legal e aumento da produção agrícola interna; as

mudanças no comportamento dos Sobas e a respectiva reestruturação do poder político

africano que tornava a relação entre Sobas e administração colonial mais íntima em relação às

demais autoridades africanas, oscilando entre mutualidade e afastamento, que ora permitiam o

surgimento de novos sobados de menor expressão ora a centralização política cada vez maior

em torno de determinada linhagem; a necessidade da presença de intermediários políticos-

comerciais entre portugueses e Sobas e os consequentes embaraços que emergiam.

desta dissertação com a visão de João José Reis e Eduardo Silva sobre os processos de resistência escrava no

Brasil. Cf. REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito; a resistência negra no Brasil escravista.

São Paulo: Companhia das Letras, 1989. No caso de Angola, tal relação pode ser melhor vista no século XVIII e

XIX nos estudos da presença de militares e viajantes nos sertões. Cf. CARVALHO, Os homens do rei em

Angola, passim.; CRUZ, Ariane Carvalho da. Militares e militarização no Reino de Angola: patentes, guerra,

comércio e vassalagem (segunda metade do século XVIII). 177 f. Dissertação (Mestrado em História) –

Univeridade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.; SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos.

Sociabilidades em trânsito: os carregadores do comércio de longa distância na Lunda (1880-1920). 335 f. Tese

(Doutorado em História) – Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2016.

Page 45: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

45

Passada a abordagem metodológica e preliminar, a dissertação busca no capítulo I

intitulado, A incerta construção do Império Africano, esmiuçar o contexto português

oitocentista, tanto em Portugal quanto em Angola, visando a partir das inflexões

empreendidas, compreender a relação entre as discussões metropolitana sobre a ocupação de

Angola e a sua materialização na prática colonial. O texto conta com dois momentos distintos.

O primeiro diz respeito às mudanças em Angola relacionadas com interesses portugueses

externos discutidos em Lisboa – sempre traçando paralelo com a conjuntura política

portuguesa. Esta abordagem inicial concentra-se essencialmente nas primeiras décadas do

século XIX, momento de desagregação do Atlântico sul português, discussões políticas acerca

da abolição do tráfico de escravizados e, porteriormente, dos regimes de trabalho e da

tentativa de criar companhias comerciais coloniais em África. Em um segundo momento a

escrita se debruça sobre situações práticas como a tentativa de criação de uma companhia

comercial em 1848, na bacia do rio Kwanza, por agentes privados influentes em Angola. Um

olhar sobre a criação de companhias – mesmo que goradas – permite compreender a

complexidade e inconstância estabelecida entre os interesses portugueses e a sua realidade de

ação. Este segundo momento do texto concentra-se essencialmente no cenário africano de

ação portuguesa e pode-se dizer que está voltado a um período entre os anos 1840 e 1860,

quando acalmada a situação política e econômica de Portugal, as possessões africanas passam

a ocupar um maior interesse no cenário político português e propostas de desenvolvimento

colonial começavam a surgir com maior fôlego. O texto do capítulo I permite avaliar o limite

existente entre o desejo colonial manifestado em Portugal e a prática colonial nos sertões de

Luanda, que quando não inviabilizavam os anseios comerciais de um liberalismo marcado por

práticas mercantis tuteladas pela Coroa portuguesa, ditavam o ritmo ou até mesmo as opções

nas quais os interesses portugueses podiam se estender.

No capítulo II intitulado Necessidade e embaraço nos sertões de Luanda, o objetivo

consiste em perceber a configuração do espaço do distrito do Golungo Alto. Por configuração

do espaço entende-se não apenas a organização da presença portuguesa e das chefias

africanas, mas especialmente as reações tomadas por mestiços e africanos frente às

reconfigurações coloniais lentamente instauradas ao longo do século XIX em Angola e as

iniciativas destes frente à administração colonial. Este capítulo dará especial atenção ao grupo

denominado pela documentação como moradores, que lidavam diariamente tanto com

interesses portugueses quanto africanos, visando garantir melhores proveitos. Como se

observará mais adiante, os moradores faziam parte de uma categoria classificativa muito

Page 46: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

46

heterogênea tanto em sua formação quanto nos interesses representados, ao mesmo tempo em

que eram visto como empecilho para os portugueses atuando como atravessadores comerciais,

eram vitais para estabelecer elos econômicos com as chefias africanas dos sertões frente à

incapacidade portuguesa de criar laços políticos duradouros com as comunidades africanas.

Em termos estruturais este capítulo está dividido em dois momentos. Inicialmente a escrita

está voltada a compreender o grupo dos moradores, seus interesses e estratégias e, em um

segundo momento inserir tais agentes em um cenário de interação com o poder português

manifestado pela administração colonial e pelo poder político africano, visando compreender

em que medida as ações e escolhas dos moradores permitem compreender as atitudes e

estratégias das chefias africanas frente às investidas portuguesas no entremeio do século XIX.

Neste sentido um olhar mais atento sobre a categoria ambaquista ganha mais atenção dentro

do grupo dos moradores.

No capítulo seguinte, o de número III, intitulado Sobas e portugueses a análise se

concentra exclusivamente sobre as chefias africanas. O capítulo está estruturado em duas

partes. Em um primeiro momento o texto analisa a participação dos Sobas do Golungo Alto e

a relação estabelecida com a administração colonial, buscando compreender a agência

africana frente um cenário de modificações constantes. As análises se dão essencialmente nas

permutas comerciais e interação política, pois se acredita que nestes momentos as escolhas

africanas revelam mais sobre o cenário colonial do que as prerrogativas portuguesas. Em certa

medida, são nestas ocasiões que os Sobas deixaram seus testemunhos, mesmo que pela escrita

deturpada da narrativa colonial. Suas escolhas e estratégias permitem verificar a participação

africana e vislumbrar um panorama mais complexo do que o baseado nas narrativas

portuguesas. Já no segundo momento se aborda os conflitos militares entre portugueses e

Kassanje durante os anos 1850 e 1860. Este episódio de conflito colonial entre portugueses e

uma grande potência regional em Angola visa clarificar a complexa relação existente entre os

interesses portugueses e das autoridades africanas no contexto do comércio lícito, permitindo

um aprofundamento na análise empenhada sobre a construção da conjuntura coeva.

Page 47: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

47

CAPÍTULO 1

A INCERTA CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO AFRICANO.

Page 48: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

48

1.1. Conflitos políticos em Portugal no século XIX.

Durante muito tempo a historiografia que diz respeito à expansão portuguesa iniciada

no século XV frisou frequentemente três grandes momentos cronológicos e geográficos da

presença portuguesa em territórios além-Europa. Uma primeira conjuntura daria conta da

expansão ao norte de África até as rotas comerciais que ligaram o Índico ao Atlântico, entre

os séculos XV e XVI. Em um segundo momento, a América portuguesa ocuparia lugar de

destaque, junto com suas relações sociais e econômicas com o continente africano entre os

séculos XVI e XIX. Por fim, a independência do Brasil abriria caminho para que o continente

africano galgasse posição de destaque entre as possessões ultramarinas até a respectiva

independência das colônias africanas na segunda metade do século XX.84

Não é preciso grande diligência para perceber a fragilidade de tal quadro, que foca a

narrativa histórica na estrutura político-econômica, não abrindo possibilidades para dinâmicas

mais complexas como, por exemplo, a reestruturação da presença portuguesa no Índico em

finais do século XVII.85

Além disto, a percepção tripartida da existência do Império Português

ofusca as percepções acerca das relações intracoloniais e as diversas redes de contato que

emergiram do século XV ao XX. Tal concepção reforça a ideia de abandono ou inexistência

dos processos históricos não focados pela lupa político-econômica que, frequentemente está

ideologicamente orientada. Um exemplo disto é o terceiro momento, quando os olhos da

historiografia oficial portuguesa se voltaram ao continente africano para a construção daquilo

que Clarence-Smith chamou de terceiro Império Português, que tinha interesses econômicos

visando a entrada de Portugal no patamar de nação industrializada.86

Desta forma, as colônias

em África estavam submetidas a uma relação exploratória que na retórica racista e

posteriormente harmônica do Salazarismo estavam a ser paulatinamente salvas pelas mãos do

Estado-Novo português.87

84

THOMAZ, Ecos do Atlântico sul, Op. Cit., p. 30-80. Sobre está temática Cf. GODINHO, Vitorino Magalhães.

História econômica e social da expansão portuguesa. Lisboa: Terra, 1947. ; BETTENCOURT, Francisco;

CURTO, Diogo Ramada, (dir.). A Expansão Marítima Portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010. 85

SUBRAHMANYAM, Sanjay. The Portuguese empire in Asia, 1500-1700: a political and economic history. 2º

ed. Chichester: Wiley-Blackwell, 2012. 86

CLARENCE-SMITH, Gervase. The third Portuguese empire. 87

Cf. NETO, Maria Conceição. Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século

XX. In: Lusotopie – Lusotropicalisme.Idéologies coloniales et identités nationales dans les mondes lusophones.

Paris, p. 327-359, 1997.

Page 49: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

49

Atualmente tal enquadramento encontra-se ideologicamente esvaziado do ponto de

vista acadêmico, no entanto, tais momentos ainda permanecem no imaginário português e

daqueles que se interessam pela temática. A relação entre memória e história oficial não é

algo novo e pode ser detectada na documentação sobre Angola no século XIX, na qual as

lembranças de um passado navegante ecoam na construção discursiva de políticos e

administradores portugueses quando abordam as possibilidades ou não de ocupação do

território africano.

O discurso sobre África estava intimamente entrelaçado ao panorama coevo de

Portugal. O século XIX – especialmente sua primeira metade – foi marcado por conflitos e

instabilidade política e econômica. Faz-se preciso pensar em conjunto tal contexto para que se

vislumbre um fragmento da repercussão deste momento na política ultramarina. Neste

sentido, a independência do Brasil, os conflitos da guerra civil em Portugal e as tentativas de

consolidação do bloco liberal na política portuguesa são fulcrais para uma análise da relação

entre o contexto político-econômico e os debates que dizem respeito à remodelação dos

interesses e da estrutura colonial em Angola.

As raízes das tensões em Portugal no século XIX são comumente justificadas pela

invasão francesa e consequente transferência da corte para o Rio de Janeiro, na primeira

década do século XIX. Porém, pode-se apontar que a paulatina queda do poder monárquico e

o aumento da chamada nobreza titulada no século XVIII fora preponderante para os

acontecimentos conflituosos entre liberais e absolutistas na primeira metade do século XIX.88

O retorno forçado das cortes a Lisboa e a promulgação da constituição de 1826 foram cruciais

para que grupos temerosos com o liberalismo e partidários da tradicional aliança estado-igreja

reagissem contra a carta constitucional. Dentre estes indivíduos estava o irmão de D. Pedro

IV, D. Miguel I, que não reconhecia a legitimidade do irmão mais velho de ocupar o trono em

Portugal, uma vez que já era cabeça da monarquia no Brasil.

A promulgação da carta constitucional de 1826 por D. Pedro IV e a abdicação deste

em favor de sua filha, a infanta Maria II – que na altura ainda residia no Brasil – acarretou em

uma reação imediata de D. Miguel I e seus apoiadores do Partido Tradicionalista, que com o

apoio decisivo da nobreza titulada foi aclamado monarca de Portugal em detrimento de D.

88

LOUSADA, Maria Alexandre. D. Pedro ou D. Miguel? As opções políticas da nobreza titulada portuguesa. In

Penelope, Lisboa, nº 4, nov, p. 81-113, 1989.

Page 50: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

50

Maria II.89

Este episódio é visto historiograficamente como o início da guerra civil portuguesa

que duraria até o retorno de D. Maria II – apoiada pelo Partido Constitucionalista e forças

inglesas – ao trono português, em 1834, e o consequente exílio de D. Miguel I. Todavia os

conflitos entre miguelistas e liberais continuariam durante a primeira metade do século XIX e

causariam enorme instabilidade política e econômica no Reino. Durante os anos 1830 e 1840

os cargos administrativos foram alvos constantes de negociações entre facções políticas

distintas a ponto de gerar uma instabilidade que impedia a consolidação econômica de

Portugal, assim como tornava o assunto ultramarino menos importante aos olhos dos

deputados portugueses.

A situação econômica era diretamente afetada pelo cenário político desalentador.

Durante a primeira metade do século XIX as medidas econômicas tomadas pelos

administradores tinham por objetivo reconfigurar a estrutura financeira de Portugal, que não

tinha mais a prerrogativa brasileira e tampouco obteria proveitos em curto prazo dos

territórios em África. A independência do Brasil foi um duro golpe às finanças portuguesas. O

Brasil era na altura a principal praça comercial a negociar com o Reino. Estimativas apontam

que no início do século XIX cerca de 40% da produção portuguesa era importada pelo

principal porto em atividade no Brasil, no Rio de Janeiro. Inclusive, Portugal era também o

principal destino das mercadorias brasileiras, sendo 90% dos produtos registrados com origem

no porto do Rio de Janeiro tinham como destino Portugal.90

Isso não significa que a colônia

americana era dependente ou gerasse déficit, pelo contrário, a economia brasileira

demonstrava robustez e variação suficientes para se autossustentar e permitir superávit.91

A independência brasileira não trouxe adversidades apenas no campo econômico, pois

as implicações políticas foram tão importantes quanto. Para além da questão monárquica

portuguesa já exposta, a autonomia política brasileira tardou a ser reconhecida por Portugal,

que somente em 1825, por intermédio de negociações com a Inglaterra, veio a legitimar a

independência do seu território americano. Dentre as exigências portuguesas para o

reconhecimento político do Brasil, negociadas com o estado brasileiro via Inglaterra, estavam

o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas referente a dívidas portuguesas com o Império

Britânico, a abdicação de interesses coloniais brasileiros em África – resposta direta ao

89

Idem. 90

FLORENTINO, Manolo.; FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária

e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de Janeiro (c.1790-c.1840). Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2001, p. 99-102. 91

FLORENTINO; FRAGOSO. O arcaísmo como projeto, 2001, passim.

Page 51: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

51

levante de traficantes em Benguela no mesmo período – e, principalmente, a regulamentação

do comércio luso-brasileiro.92

Desta forma, dava-se finalmente reconhecida a independência

brasileira por Portugal.

A recepção do acordo de reconhecimento não fora dos melhores em Portugal. O ponto

que mais incomodou os portugueses foram as regulamentações comerciais, que acusavam de

favorecer os britânicos em detrimento de portugueses. No tratado, Portugal não garantia o

direito de comércio exclusivo do vinho e ainda viu-se forçado a arcar com uma taxa de 15%

para a entrada de produtos no Brasil, valor igual ao Britânico, mas sem a preferência

comercial destes. Da mesma forma, os produtos brasileiros passariam a pagar 15% ao

entrarem nos portos portugueses, todavia a produção brasileira ainda era exclusiva e detinha

um maior poder de negociação.93

Fica claro que o acordo intermediado pelos britânicos não

trouxe grandes benefícios aos cofres do Reino de Portugal e, com o cenário político cada vez

mais conturbado, as perspectivas de melhora econômica estavam frustradas.

As circunstâncias políticas e econômicas em Portugal apresentariam uma melhoria

mais clara durante a década de 1840, quando o político liberal Antonio Bernardo da Costa

Cabral colocou em prática de forma mais efetiva a agenda de medidas previstas na

constituição de 1826. Dentre as principais atitudes do novo governo estavam reformas

administrativas e a aposta na parceria público-privada visando a modernização da agricultura

e da vida urbana. As medidas do cabralismo surtiram efeito e trouxeram algum fôlego, mas

nada que resolvesse as questões mais amplas da sociedade portuguesa ou subjugasse a enorme

dívida gerada pela administração de Costa Cabral.94

Independente das consequências

econômicas e políticas, o cabralismo trouxe relativa estabilidade política que permitiu com

que o parlamento em Lisboa começasse de forma mais ativa a discutir questões envolvendo a

política ultramarina. Percebe-se também um fomento maior no interesse de comerciantes e

investidores a partir dos anos 1840 no que competem os territórios em África. Um exemplo

pode ser visto na tentativa de criação de uma Companhia Comercial em Angola em 1848. O

projeto idealizado em parceria por Silvano Francisco Luiz Pereira, Arcenio Pompilio Pompeo

de Carpo, A. V. R. Schut e E. G. Possolo tinha por objetivo a construção de um caminho de

92

ALEXANDRE, Valentim. A desagregação do império: Portugal e o reconhecimento do estado brasileiro,

(1824-1826) In: ______. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império, (1808-1975). Porto: Afrontamento,

2000, p. 48-53. 93

Ibidem, p. 53-64. 94

QUARESMA, Vitor Sérgio. A regeneração: economia e sociedade. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 15-20.

Para uma visão bastante ampla e rica da política portuguesa no século XIX Cf. SERRÃO, Joel. Da regeneração

a república. Lisboa: Horizonte, 1990.

Page 52: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

52

ferro ligando Luanda ao interior, facilitando o escoamento de produtos e a construção de uma

serraria responsável pela extração de madeira na bacia do rio Kwanza. A proposta da chamada

Companhia Africana Ocidental Portuguesa terminou gorada, como a maioria dos projetos de

então, no entanto, fornece um importante indício sobre o acirramento dos interesses

portugueses sobre as possessões ultramarinas. Tal interesse já existia anteriormente, como

pode se ver na tentativa de comerciantes luso-afro-brasileiros de criarem uma companhia

comercial africana em 1835,95

todavia, conforme o século XIX se desenrola – especialmente a

partir dos anos 1840 – mais evidenciadas ficam as tentativas de tornar o espaço africano em

solo fértil ao comércio lícito.96

Findada a governança de Costa Cabral, o período que se

seguiu verificou-se não só uma melhora e modernização tímida de Portugal, mas abriu

caminho para medidas mais enérgicas de Lisboa referentes aos territórios d’além-mar. Nas

décadas de 1850 e 1860, comumente referidas como um momento de regeneração de fato97

, a

política portuguesa no que compete Angola torna-se mais efetiva a ponto de serem

organizadas campanhas militares de maior destaque. O principal objetivo era avolumar o

comércio de mercadorias advindas do interior do continente e baixar os custos,98

assim como

a retomada dos investimentos na agricultura, tanto em Angola como em Portugal.99

Do ponto

de vista retórico, o debate parlamentar sobre a ocupação dos territórios em África galgava

degraus dentro das medidas modernizadoras da regeneração. Angola era vista como possessão

mais estável e mais frutífera no continente e se tornou tema da maioria dos debates travados

no parlamento na segunda metade do século XIX.100

De maneira mais ampla, as possessões

africanas passaram a ser vistas como um [...] espaço de realização colonial moderna pela

transformação econômica, pelo emprego dos meios da tecnologia, garantes da apropriação

da Natureza.101

95

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 402. 96

Por comércio lícito ou comércio legitimo, se entende a prática comercial generalizada excetuando a mão de

obra escravizada ou outra conduta econômica ilegal pela perspectiva portuguesa. Todavia, cabe frisar que ao

mesmo tempo em que o comércio de escravizados era entendido como ilegal aos portugueses era vista como

fonte válida e atividade econômica pela perspectiva africana, portanto, a perspectiva de licitude das negociações

e sua validação partem de uma visão jurídica europeia. 97

Segundo Joel Serrão é a partir da década de 1850 que a política e a economia portuguesa entram em um

processo de regeneração política, econômica e social. Cf. SERRÃO, Joel. A regeneração enfim assumida, 1851.

In:______. Da regeneração a república. Lisboa: Horizonte, 1990, p. 147-155. 98

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., p. 85-105. 99

FREUDENTHAL, Aida. Arimos e fazendas: a transição agrária em Angola. Luanda: Chá de Caxinde, 2005,

p. 55-64. 100

Cf. MARQUES, O império e a câmara dos deputados, Op. Cit., p. 465. 101

Ibidem, p. 467.

Page 53: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

53

Enquanto Angola tornava-se cada vez mais atrativa – porém ainda longe da pauta

colonial ser uma unanimidade – a regeneração trouxe uma série de medidas fiscais e de

infraestrutura que impactaram significativamente na modernização dos processos agrícolas e

intensificaram a pequena indústria portuguesa, que passou a deter uma taxa de crescimento

superior a tradicional atividade agrícola do país a ponto de, a partir dos anos 1890, o nicho

industrial se tornasse amplamente relevante no panorama econômico português.102

Todavia,

mesmo Portugal conhecendo crescimento econômico na segunda metade do século XIX, tal

elevação foi bastante inferior aos demais países europeus no mesmo período,103

pois a falta de

braços humanos e matérias primas em Portugal, além da débil estrutura colonial nas

possessões ultramarinas em África, dificultou a consolidação de um nicho industrial mais

pujante a nível europeu, o que influiu negativamente neste campo.

É bem verdade que boa parte dos projetos, interesses e debates sobre a construção e

consolidação de uma política colonial acabaram frustrados104

e muitas das medidas colocadas

em práticas enfrentaram grande resistência na prática colonial, todavia fornecem indícios

importantes sobre uma nova percepção acerca das prerrogativas africanas e, mesmo que

tardiamente, algumas decisões acabaram por exercer importante impacto sobre o cotidiano

colonial. Dentre estas medidas estavam o incentivo ao comércio legítimo aliado às

determinações de proibição do tráfico e reestruturação do serviço de carreto.105

Ambas as

medidas permitiram a criação de alternativas econômicas para além do tráfico de

escravizados, porém, também suscitaram resistência e desagrado de administradores

coloniais, sertanejos e chefias africanas uma vez que o tráfico ilegal ainda estava em atividade

e atuava em considerável escala até a década de 1850. Outra disposição importante que aos

poucos consolidou uma política econômica em Angola foi o reforço político e militar das

povoações do interior, especialmente as que detinham parcela significativa de brancos,

visando criar contingentes suficientes para fomentar o crescimento da atividade agrícola em

grande escalada voltada a exportação.106

Um exemplo disto é o desenvolvimento de

monoculturas que paulatinamente passam a apresentar resultados interessantes, como o

crescimento na produção de café no Cazengo, que em 1846 registraria uma colheita de 345

102

LAINS, Pedro. A economia portuguesa no século XIX: crescimento económico e comércio externo (1851-

1913). Lisboa: INCM, 1995, p. 52. 103

REIS, Jaime. O atraso económico português em perspectiva histórica: estudos sobre economia portuguesa

na segunda metade do século XIX (1850-1930). Lisboa: INCM, 1993, p. 9. 104

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 357-439. 105

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 131-132. 106

Idem

Page 54: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

54

arrobas e, pouco tempo depois, entre 1858 e 1859, um crescimento brusco da produção que

chegou a 15.032 arrobas. Tal crescimento se explica porque durante os anos 1830 e 1840,

parte significativa da produção cafeeira se dava com a extração de café silvestre que era

estimado em 70.000 cafeeiros. A partir dos anos 1850 o plantio de cafeeiros aumentou e

proporcionou um largo aumento da produção, sendo que na década de 1850 estimava-se a

existência de 500.000 cafeeiros no Cazengo.107

Outra produção, esta mais voltada ao mercado

interno, mas que apresentava robustez produtiva era a de arroz, de qualidade igual ao do grão

produzido no Brasil, era amplamente cultivado na região de Mbaka, que em 1851 registraria

uma produção de aproximadamente 700 arrobas.108

A mudança da postura portuguesa está diretamente relacionada com o novo cenário

político e econômico que se colocava, todavia, existem outros fatores importantes que dizem

respeito às estratégias africanas e dos moradores e o modo como estes se colocaram perante as

novas configurações no que concerne à relação com a administração colonial. Não cabe neste

momento adiantar o assunto dos moradores e chefias africanas, que será visto mais adiante

nesta dissertação, conquanto, o debate sobre a criação de companhias capitalistas de

monopólio comercial e as políticas abolicionistas é central não apenas para se compreender as

vias escolhidas pela administração portuguesa em Angola, mas também buscar elementos que

permitam a percepção de como tais políticas foram enfrentadas pelas chefias africanas e os

moradores de Angola.

107

FERREIRA, R. Abolicionismo versus colonialismo: rupturas e continuidades em Angola (século XIX). In:

GUEDES, Roberto (org.). África: brasileiros e portugueses – séculos XVI-XIX. Rio de Janeiro: Mauá, 2013, p.

95-112. 108

Almanak stastistico da província d’Angola e suas dependências para o anno de 1852. Loanda: Imprensa do

governo, 1851, p. 11.

Page 55: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

55

1.2. Angola e o liberalismo português.

Quando se observa a política ultramarina portuguesa aplicada a Angola para o período

analisado fica claro que o combate ao tráfico de escravizados e os incentivos a criação de uma

cultura colonial agrícola são as diretrizes principais das iniciativas em busca de uma colônia

economicamente viável e cooperante com a modernização do estado português. Neste sentido,

a primeira metade do século XIX ficou marcada pelas medidas pouco sólidas de combate ao

tráfico de escravizados. Enquanto em Portugal o tráfico tornava-se juridicamente ilegal e

moralmente reprovável – abrindo espaço para discussões relativas à organização do trabalho

colonial – em Angola o comércio da mão de obra escravizada estava a todo vapor. A tarefa de

combater o tráfico não era fácil e gerava dubiedade na administração colonial. Por um lado,

estava claro que era preciso romper com séculos de comércio escravocrata, todavia, era nítida

a consciência de que findado o tráfico de escravizados as dinâmicas comerciais em Angola

sofreriam profundos abalos, portanto, foi comum que funcionários coloniais fizessem vista

grossa ao comércio negreiro nos núcleos de Luanda e Benguela ou ainda pouca ou nenhuma

atenção dessem às regiões de embarque ilegal como ao litoral norte de Luanda.

A dimensão do tráfico em Angola era tamanha que em 1848, Joaquim A. de Carvalho

e Menezes, importante figura da política colonial em Angola, chamava a atenção para a

importância deste comércio entre os moradores de Luanda, segundo ele [...] os habitantes em

geral parecem condenados a viver envolvidos no tráfico, na intriga a mais nojenta, e muitas

vezes cruenta em seus resultados [...].109

Os resultados apontados por Menezes não fazem

referência à violência e pressão política que o tráfico impunha sobre as sociedades africanas,

mas sim à situação de estagnação das atividades agrícolas e industriais, que frente ao pujante

e lucrativo comércio de gentes ficavam em segundo plano. Neste sentido, a abolição do

tráfico traria desenvolvimento plural à economia de Angola e permitiria aos africanos uma

possibilidade de incorporação na sociedade portuguesa em construção.

109

MENEZES, Joaquim Antonio de Carvalho e. Demonstração geographica e politica do territorio portuguez

da Guiné Inferior que abrange o Reino de Angola, Benguella, e suas dependencias. Rio de Janeiro: Typographia

clássica de F. A. Almeida, 1848, p. 26.

Page 56: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

56

Assim cremos que de uma vez cessado o desumano tráfico de escravos, cujos

braços empregados com métodos em nossos estabelecimentos e na lavoura,

veremos aumentar progressivamente à indústria e com ela a riqueza nacional,

conduzindo ao mesmo tempo os negros a civilização europeia até o grau que

nos convier[...].110

Fica nítido que Menezes, assim como tantos outros que se dedicaram a escrever sobre

Angola no século XIX, era partidário dos benefícios que a consolidação da colônia poderia

trazer a Portugal.111

Além de dinamizar a economia, abolir o tráfico seria um caminho de

diminuir o poder das autoridades africanas envolvidas neste comércio e coordenar a mão de

obra para as monoculturas agrícolas, que além de trazer ganhos comerciais, instruiria os

africanos a domesticação colonial por intermédio do trabalho cotidiano. O grau de

convivência proposto por Menezes tem como objetivo criar um contingente de trabalhadores

que se dedicassem as atividades agrícolas e extrativas que paulatinamente substituiriam o

tráfico Atlântico, pois no atual estado, os africanos não poderiam lançar mão à cultura do

solo, dado que, segundo Menezes, existia uma [...] natural preguiça de uma grande parte

deles.112

Mais uma vez o autor não se afasta de uma concepção amplamente difundida em seu

tempo: a suposta ociosidade africana. No Golungo Alto, no presídio de Duque de Bragança,113

José Vicente Duarte reclamava em 1848 da dificuldade de colocar africanos a produzir nas

lavouras, sendo que as mulheres trabalhavam apenas visando a subsistência, enquanto que aos

homens não havia [...] meio algum de os obrigar a trabalhar no campo e a deixar a vida

ociosa de gentio: o mais que fazem é de vez em quando fazerem seu pequeno negócio de cera

no interior.114

A distinção entre africanos e africanas é fato recorrente na documentação. Em

1847, o militar Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento apontavam a melhora na produção

agrícola em Massangano, todavia indicava que caso os homens trabalhassem de igual forma

como as mulheres a situação produtiva estaria ainda mais avançada.

110

Ibidem, p, 162. 111

Cf. GAMA, Antonio de Saldanha da. Memória sobre as colónias de Portugal, situadas na costa Occidental

D’África. Paris: Typographia de Casimir, 1839.; VALDEZ, Francisco Travassos. África Occidental: notícias e

considerações – Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864.; VASCONCELLOS, António Augusto Teixeira de.

Carta acerca do tráfico de escravos na Província de Angola. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1853. 112

MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez, Op. Cit., p. 163. 113

Assim como Mossamedes, o presídio de Duque de Bragança, criado a nordeste de Mbaka no século XIX

visava espraia o cultivo do solo e da influência portuguesa. 114

DUARTE, Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província, Op. Cit., Loc. Cit.

Page 57: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

57

A agricultura tem-se aumentado e desenvolvido, porém não tanto quanto se

poderia conseguir se os homens não fossem tão indolentes ao trabalho braçal,

pois que a maior parte da agricultura é feita pelas mulheres, e por isso não se

obtém o resultado que poderia haver com forças físicas e reais.115

A existência do tráfico e a recusa africana de se subjugar a um regime de trabalho

sistemático aos moldes europeus foram frequentemente apontadas como razões para a má

aplicação ou sentido disfuncional das iniciativas portuguesas. Porém existia outro fator que

usualmente era colocado em pauta: a corrupção. Em seu discurso de combate ao tráfico para o

bem desenvolver das possessões portuguesas em África, Menezes aponta constantes falhas no

combate e repressão a atividade traficante. Para além da tradicional menção a falta de recursos

financeiros e meios militares de combater as embarcações suspeitas na costa angolana,

Menezes não poupa adjetivos e asperezas para indicar que o desmando do combate ao

contrabando era do então governador da província, Pedro Alexandrino da Cunha, que tinha

liberdade de ação garantida pelo também mal visto aos olhos de Menezes, o político Joaquim

José Falcão, na altura, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios

da Marinha e Ultramar. Curiosamente é durante o governo de Cunha (1845-1848) que se

inicia um cerco a atividade traficante, no qual em parceria com a marinha inglesa, ocasionou

grandes apresamentos de navios envolvidos direta ou indiretamente com o comércio de

gentes.116

Joaquim A. de Carvalho e Menezes não apenas indica a ingerência do governador

Pedro Alexandrino da Cunha como também o acusa de abuso de poder e insinua a sua

participação no comércio escravagista.117

Investigando a carreira de Menezes como

funcionário colonial, foi possível verificar que talvez a querela com Cunha tivesse proporções

maiores do que divergências administrativas. Menezes não era um simples funcionário

colonial, iniciou sua carreira na década de 1820 como Escrivão da Junta da Fazenda e

Inspetor da Contadoria e Tesouraria de Angola e também foi deputado a representar a

província em Lisboa.118

Em 1844, durante o governo do já idoso Lourenço Germack Possollo,

Menezes foi acusado de peculato em moeda forte e adulteração dos registros da tesouraria de

115

SARMENTO, Alexandre Thomaz de Moraes. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta

província: distrito de Massangano. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a

Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 150-151. 116

FERREIRA, R. Brasil e Angola no tráfico ilegal de escravos, 1830-1860. In: Angola e Brasil nas rotas do

Atlântico sul. PANTOJA, Selma e SARAIVA, J. F. S. (orgs). Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, p. 150-151. 117

MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez, Op. Cit., p. 60-68. 118

Gazeta de Lisboa, nº 144, segunda-feira, 14 de maio de 1825. Lisboa: Imprensa Régia, 1825, p. 458.

Page 58: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

58

Angola pelo negociante local Arsenio Pompilio Pombeu de Carpo, sendo este processo de

conhecimento do ministro Joaquim José Falcão, que informou os acontecimentos ao

governador Cunha já em 1845, quando este assume o cargo.119

O processo seguiu sobre sigilo

enquanto Pedro Alexandrino da Cunha colocava em prática uma série de medidas de rigor

fiscal em Angola.

Obviamente os pontos de preocupação que Menezes expôs sobre o combate ao tráfico

e as possibilidades de exploração agrícola são coerentes e estão de acordo com outros

administradores e viajantes que por Angola passaram ao longo dos Oitocentos. Não obstante,

o conflito com Pedro Alexandrino da Cunha e Joaquim José Falcão expõe uma característica

comum da administração colonial, que por diversas vezes era deixada de lado para a

realização de ambições individuais e disputas de poder.

Confrontar séculos de comércio baseados no tráfico de escravizados foi um grande

desafio à administração colonial, especialmente com o aumento no volume deste comércio

frente ao temor de sua extinção no século XIX. Estima-se que durante o século XVIII cerca de

2.4 milhões de cativos foram retirados da costa ocidental da África, sendo o Brasil o principal

destino. Números que colocam esta região como a mais ativa neste comércio. No mesmo

período, a segunda região que mais esteve envolvida foi o Golfo do Benin, no qual o

comércio de cativos forçou a diáspora de cerca de 1.3 milhões de pessoas.120

O século XVIII foi marcado por um conflito entre comerciantes portugueses e

brasileiros pelo controle do comércio de seres humanos em Angola. Boa parte desta peleja

estava assente sobre a concorrência em torno dos produtos comerciáveis, no qual os

comerciantes brasileiros tomavam vantagem, por outro lado, portugueses tinham maior

influência sobre a administração colonial.121

A partir do século XIX, com os temores do fim

da prática comercial do tráfico e um aumento na necessidade de mão de obra no Brasil e

119

Faz-se possível acompanhar brevemente esta contenda nos documentos publicados nos tomos III e IV do

compendio Angolana. Cf. Cópia da portaria confidencial A do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José

Falcão) à Fazenda de Angola, indeferindo a pretensão dos seus membros para serem revelados de entrar nos

respectivos cofres com a importância que indevidamente abonaram em moeda forte ao ex-escrivão da mesma

junta Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes – 2 de janeiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:

documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 79-80. Originalmente extraído: AHU sala

12, cód. 678, fl. 34.; Cópia da “Exposição dos factos que servem de corpo de delicto ao Ex-Gov.º Geral da

Provincia de Angola, o Chefe de divisão Lourenço Germack Possollo” – 15 de janeiro de 1846. In: SANTOS,

Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 148-163.

Originalmente extraído: AHU sala 12, maço 825. 120

Dados obtidos na plataforma The Transatlantic Slave Trade Database, em junho de 2016. Disponível em:

http://www.slavevoyages.org/ 121

MILLER, Way of Death, 1988, passim.

Page 59: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

59

colônias caribenhas, os números conhecidos do tráfico mostram um salto sem precedentes.

Em apenas 60 anos (1801-1860) foram mais de 2 milhões de cativos embarcados na costa

ocidental de África e, em sua maioria advinda de Angola – isto apenas considerando os dados

conhecidos do tráfico legal.122

Quando observado apenas a relação Congo-Angola-Brasil,

cerca de 70% dos escravizados tinha os portos brasileiros como destino, sendo que no mesmo

período, regiões afastadas de Luanda e Benguela passam a ganhar mais representatividade no

volume do comércio em detrimentos dos núcleos tradicionais. Cabinda123

é um bom exemplo,

pois no mesmo período a região foi origem de 35,5% dos navios negreiros que aportaram no

Rio de Janeiro.124

Demonstrando um processo já em andamento de saída do fluxo comercial

de escravizados nos núcleos vigiados de Luanda e Benguela, que acabaram por preservar

ainda mais a característica de entreposto de cativos.

Havia outro fator tão importante quanto o cenário econômico e que dificultava ainda

mais a transformação das relações comerciais em Angola: tratava-se do relacionamento com

as sociedades africanas. Foi por meio das relações comerciais que portugueses travaram

embates com as chefias africanas, seus interesses coletivos, particulares e estratégias políticas.

A ameaça do fim do comércio de cativos levou a conflitos entre a administração colonial e

chefias africanas. Pouco antes da proibição do tráfico, em um clima de incertezas e anseios,

chefias dos sertões de Benguela ameaçaram invadir o núcleo português caso o trato comercial

de cativos fosse interrompido.125

Mesmo sob um clima conturbado a ilegalidade do tráfico de

escravizados foi decretada, porém, apenas na letra da lei, pois na prática a atividade ganhou

novos contornos e continuou a saciar a interesses de traficantes, chefes africanos e da própria

administração colonial que em larga escala fora conivente com a prática até os anos 1840.126

Fora de Benguela e Luanda, agora o tráfico se direcionava a lugares afastados da

legislação portuguesa, como Cabinda, Ambriz127

e Benguela Velha.128

Por um lado, a

122

Entre 1701 e 1860 foram cerca de 4.5 milhões de cativos que saíram da costa centro ocidental de África, o

que corresponde a aproximadamente 78% do tráfico legal do total aproximado de 5.7 milhões de escravos

embarcados desde o século XVI. Dados obtidos na plataforma The Transatlantic Slave Trade Database, em

junho de 2016. Disponível em: http://www.slavevoyages.org/ 123

Região ao extremo norte de Luanda com forte presença de falantes bakongo. 124

FERREIRA, R. Dos Sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860.

289 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996, p. 6-7. 125

Idem 126

Ibidem, p. 9. 127

Importante região de contrabando ao norte de Luanda. Com relação a circulação de bens lícitos em Ambriz

Cf. WISSENBACH, M. C. C.. As feitorias de urzela e o tráfico de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos

Santos e os negócios na África centro-ocidental na década de 1840. In: Afro-Asia, v. 43, p. 10-52, 2011.; ______.

Page 60: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

60

atividade traficante ficava mais enxuta com o não pagamento de impostos portugueses, por

outro, as chefias africanas passaram a taxar os embarques de escravizados que eram

realizados em suas terras. A relação entre traficantes e chefias era conflituosa, pois além das

negociações visando vantagens de ambos os lados, ocorriam fraudes por parte dos traficantes

que enfureciam as comunidades locais, além do conflito interno entre sociedades africanas na

disputa por angariar mais cativos em detrimento de seus rivais políticos.129

Neste contexto

emergem novas chefias africanas, que anteriormente pouca ou nenhuma participação tinham

nas permutas do tráfico.130

Estes novos núcleos de poder se coloriam em oposição aos antigos

chefes africanos que tradicionalmente estavam envolvidos no tráfico, o que abalaria as

estruturas políticas africanas do interior de Angola e paulatinamente levaria potentados

importantes como Kassanje131

a perder importância comercial no trato com os portugueses e

política no que compete as comunidades africanas circunvizinhas.

Portanto, duas grandes razões levaram a administração colonial a cerrar os olhos ao

tráfico ilegal. A primeira dizia respeito à falta de alternativas econômicas para lidar com as

sociedades africanas e com o próprio sustento econômico da colônia, que após o

desmembramento do Atlântico Sul português sofria com crises de créditos e constantes

deficit.132

Outro importante indicativo foi que o tráfico ilegal de escravizados se mostrou

primordial para o financiamento do comércio lícito no século XIX. Em seu estudo sobre a

conformação do tráfico ilegal em Angola e suas implicações, Roquinaldo Ferreira demonstra

de maneira sólida padrões de aplicação ligados à atividade traficante. Investimentos no Brasil

e em Angola era uma forma comum de tornar os lucros do tráfico ilegal juridicamente

plausível perante a legislação tributária. Na província, a aplicação de recursos no sistema de

créditos para a obtenção de produtos e, principalmente nas iniciativas agrícolas foram as

estratégias mais difundidas.133

Desta forma, a discursiva portuguesa que afirmava que o

Dinâmicas históricas de um porto centro-africano: Ambriz e o baixo Congo nos finais do tráfico de escravos

(1840-1870). In: Revista de História, nº 172, p. 163-195, 2015. 128

Localidade das primeiras fundações da cidade de Benguela antes que a mesma fosse transferida para um

ponto litorâneo de melhor qualidade. Cf. CÂNDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery trade and

identity in Benguela, 1780-1850. 322 f. Tese (Doutorado em História) – York University, Toronto, 2006.;

______. An African Slaving Port and the Atlantic World. Benguela and its Hinterland. New York: Cambridge

University Press, 2013. 129

FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, Op. Cit., p. 10-11. 130

Ibidem, p. 28. 131

Importantíssimo potentado do interior de Angola que movimentou o tráfico de escravizados desde os

primeiros contatos com os portugueses no final do século XVI. Cf. MILLER, Way of death. 132

FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, 1996, passim. 133

No capítulo II (negócios de traficantes: um padrão de investimentos) da dissertação de mestrado de

Roquinaldo Ferreira, o autor exibe uma interessante análise sobre as aplicações e movimentações financeiras

realizadas por traficantes em Angola.

Page 61: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

61

comércio legítimo substituiria o tráfico não se sustentou, ambos conviveram de forma

mutualística sob relutante aprovação das autoridades portuguesas.134

Fundadas as bases para a cultura agrícola, a administração portuguesa pressionada por

acordos internacionais e pelo benefício de concentrar os interesses metropolitanos na

monocultura, passa a combater de forma mais intensa a atividade traficante a partir dos anos

1840. Conforme o tráfico era exaurido no continente africano, a escravidão passou a crescer

sem precedentes.135

Em Angola não foi diferente, as formas de exploração do trabalho

cresceram largamente, principalmente com as atividades envolvendo a produção agrícola e

principalmente o transporte de mercadorias.

Entre 1840 e 1860 ocorreram diversas iniciativas de produção agrícola em larga

escala, sendo a produção cafeeira no Golungo Alto, Cazengo e Encoje136

as que mais

encorajaram a administração portuguesa.137

Em 1832, o português João Guilherme Pereira

Barbosa chegava a Angola após embarcar no Brasil, seu objetivo era dar início a uma lavoura

de café. Nesta altura, a administração colonial concedia terras àqueles que de alguma forma

prometiam torná-las produtivas, resguardando assim influência portuguesa em pontos mais

afastados do litoral. Com Barbosa não foi diferente, após a sua chegada foi agraciado com

terras no distrito do Cazengo. Devido a sua falta de experiência como agricultor e dos

recursos limitados, Barbosa e mais cinco escravos adquiridos por ele na feira do Dondo

enfrentaram dificuldades para a preparação das terras e plantio de mudas. Independente das

adversidades, já na década de 1840, Barbosa registrava bom índice produtivo – tendo em

1845, promovido a colheita de 70 arrobas de café – o que despertou a atenção do então

governador Pedro Alexandrino da Cunha, que o nomeará chefe do distrito.138

O então chefe

faleceu pouco depois, em 1847, como um importante cafeicultor pioneiro.139

O cultivo do café

levou Barbosa e outros produtores locais que obtiveram sucesso em seus cultivos como D.

134

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 129-131. 135

LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002, p. 217. 136

Presídio próximo do território dos Dembos. 137

FREUDENTHAL, Arimos e fazendas, Op. Cit., p. 131. 138

SANTOS, José de Almeida. Perspectiva da agricultura de Angola em meados do século XIX: Pedro

Alexandrino da Cunha e o pioneiro do Cazengo. Comunicação apresentada em sessão ordinária de 26 de janeiro

de 1990 e publicada In: Anais da Academia portuguesa de história. 2º série, vol. 36, 1998, p. 135-154. Entre

adjetivos e floreios desnecessários, este tendencioso estudo reforça a inexistência africana e de forma bastante

incomoda enaltece os feitos de um mítico herói português. 139

Para uma visão mais ampla sobre a produção cafeeira, cabe verificar o interessante texto do historiador

britânico David Birmingham. Cf. BIRMINGHAM, David. Os barões de café de Cazengo. In: BIRMINGHAM,

David. Portugal e África. Lisboa: Vega Editora, 2003, p. 128-145.

Page 62: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

62

Ana Joaquina dos Santos Silva (também conhecida por Amdenbo-iá-lala)140

– que obtivera

bons retornos com seus canaviais141

– a darem início ao cultivo de outras plantas a pedido do

governo metropolitano.142

A experiência de Barbosa não é exceção, mas também está longe

de ser regra. A maioria das iniciativas agrícolas em Angola no mesmo período se vira

frustrada, seja por falta de incentivo da administração portuguesa, por intempéries climáticas

ou ainda a principal razão: a dificuldade de se arregimentar mão de obra devido à violência

envolvida no processo de recrutamento.143

O próprio João Guilherme Pereira Barbosa reclamava constantemente a dificuldade de

convencer os africanos a trabalharem no solo. Pouco antes de falecer em 1847,144

Barbosa

expunha de forma grosseira que os africanos eram [...] inúteis a sociedade145

quando ele

chegara ao Cazengo nos anos 1830, todavia, após a construção das lavouras de café os

mesmos aprenderam a importância do labor e [...] já cultivam em maior escala.146

Barbosa

usa de um mecanismo retórico comum a muitos no período: o de evocar o trabalho na

agricultura como semente moral aos africanos. Seguindo o relatório, Barbosa toca em um

ponto crucial para se compreender o papel das chefias nas iniciativas agrícolas portuguesas.

Na visão do chefe distrital, [...] o pior de todos os males é o governo dos Sobas,147

déspotas

140

Cf. WHEELER, Douglas L. Angolan Woan of Means: D. Ana Joaquina dos Santos Silva, Mid-Nineteenth

century luso-african merchant-capitalism of Luanda. In: Stana Bárbara Portuguese Studies Review, nº 3, p. 284-

297, 1996. 141

Ibidem, p. 135. 142

Portaria nº 1489 do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão) ao Governador- Geral de Angola

comunicando-lhe que nesta data se ordenou ao Governador-Geral da Índia que, pelos navios que ali tocarem, lhe

remeta plantas e sementes de bambu e outras que lhe forem designadas, e indicando-lhe como e por quem

deverão ser repartidas as sobretidas plantas e sementes – 9 de março de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.).

Angolana: documentação sobre Angola – Tomo IV 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 307-308. Originalmente

extraído: AHU sala 12, cód. 678, fls. 160-161. 143

FRANCINA, Manoel Alves de Castro. De Loanda ao distrito de Ambaca na província de Angola, 1846. In:

Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa

Nacional, 1867, p. 3-15. Este mesmo documento foi analisado por outros historiadores, destaca-se o capítulo I da

dissertação de mestrado publicada de Elaine Ribeiro da Silva Santos. Cf. SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos.

Controle da mão-de-obra africana e administração colonial: faces convergentes da política portuguesa

oitocentista. In: Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da expedição de Henrique de Carvalho à Lunda

(1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013, p. 49-93. Para uma visão mais alargada das relações de trabalho Cf.

HEINTZE, Pioneiros africanos, 2004. 144

A nota explicativa 211 expõe que em 1847, Antonio Julio de Almeida Lima foi nomeado novo chefe do

Cazengo após o falecimento de Barbosa no mesmo ano. Cf. Ofício do secretário de Angola ao chefe do Cazengo,

J. G. Pereira Barbosa, sobre a construção de um caminho carreteiro desde a residência do seu distrito até Oeiras,

na margem do Lucala – 11 de fevereiro de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre

Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 243-244. Originalmente extraído: AHU sala 12, cód. 678, fl.

156. 145

BARBOSA, João Guilherme Pereira. Descripção d’este districto feita pelo Sr. João Guilherme Pereira

Barbosa, e pedida pelo Sr. João de Roboredo. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854

a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa nacional, 1867, p. 471. 146

Idem. 147

Idem.

Page 63: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

63

individualistas agregavam [...] a si quase todo o fruto do trabalho dos seus subordinados.148

Fica implícito ao longo do texto que Barbosa critica as chefias africanas por elas criarem

problemas no arregimento e disposição de mão de obra escrava para as iniciativas

portuguesas. Esta visão se tornaria cada vez mais comum a partir dos anos 1840, e levaria a

inúmeros conflitos entre chefias africanas e a administração portuguesa, crente que o regime

político africano era um entrave ao desenvolvimento agrícola e extrativo, portanto, barreira à

ocupação e interiorização portuguesa. A atividade agrícola tinha uma importante inflexão

política no que diz respeito à interiorização portuguesa no território angolano. Em 1848,

Vicente José Duarte assinalava que o aumento da cultivação do solo, mesmo que tímida,

fomentou o incremento do consumo local e permitiu aos portugueses um aumento de

jurisdição149

sobre terras antes não legisladas.

O aumento da atividade agrícola na década de 1850 e 1860, mesmo tímido em volume

e retorno financeiro, proporcionou um grande aumento no consumo interno150

e permitiu aos

portugueses expandir paulatinamente sua influência sobre territórios ainda não legislados.151

Além do interesse próprio por transformar Angola em uma colônia produtiva visando a

exportação agrícola e mineral, o temor de que forças estrangeiras ocupassem os territórios

historicamente defendidos pelos portugueses levou a cabo uma série de políticas militares que

objetivavam salvaguardar tais possessões.152

São nestas décadas que reformas econômicas e

políticas são colocadas em prática com maior fôlego, como as campanhas militares que

enfraqueceram pela primeira vez o poder interno de Kassanje.153

Claro que este avanço não

foi suficiente para a consolidação de uma política colonial plena, mas foi importante para

planificar estratégias que futuramente seriam primordiais para a construção das bases da

ocupação, o que se seguiu século XX adentro. Segundo Jill Dias, o liberalismo português em

Angola tentou abrir possibilidades comerciais mais vantajosas a iniciativa de privados, como

a extinção do monopólio da cera nos anos 1830.154

Contudo, o aumento na mão de obra

escravizada e a busca sem fim por carregadores levaram ao aumento da violência empregada

pela administração portuguesa, que não foi capaz de romper com a dependência em relação às

sociedades africanas no que diz respeito aos tratos agrícola e comercial, pois eram estas

148

Idem. 149

DUARTE, Noticias de alguns districtos, Op. Cit., Loc. Cit. 150

FERREIRA, Abolicionismo versus colonialismo, Op. Cit., p. 112. 151

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., Loc. Cit. 152

MARQUES, O Império e a câmara dos deputados, Op. Cit., p. 160. 153

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., Loc. Cit. 154

DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 50.

Page 64: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

64

populações que realizavam o grosso do cultivo, que transportavam as mercadorias e,

principalmente, eram estas as populações que estavam sob o julgo das chefias africanas que

tanto incomodava João Guilherme Pereira Barbosa.

Dominar pela força foi precisamente o objectivo da política seguida por

alguns governadores gerais de Angola, mais notavelmente Rodrigues Coelho,

entre as décadas de 1850 e 1860. Mas as tentativas de implantar o domínio

militar português na costa e interior de Angola esbarrava contra as realidades

da colônia.155

O cada vez maior número de colonos no interior156

não colaborou para acalmar as

tensões e tampouco surtiu grande efeito no imaginário português sobre as possibilidades

quiméricas157

que poderiam ser obtidas em África. As dúvidas frente à dificuldade em se

construir uma colônia produtiva, pode ser visto em muitos dos documentos aqui analisados.

Essa situação gerava um sentido retórico duplo sobre a província que por um lado era

entendida como um importante local para a criação de uma cultura colonial e, ao mesmo

tempo, exibia um tom de fracasso e temor frente às dificuldades das mais diversas ordens. Em

1840, Antonio Maria Couceiro – sócio e secretário da Associação Marítima e Colonial de

Lisboa chamava a atenção para este aspecto com um pendor pessimista em relação às

condições materiais da empreitada africana. Para o autor, a salvaguarda e a dedicação para

com África eram essenciais, pois [...] perdemos o Brasil e já achamos de menos muitos

pontos importantes e, os que nos restam, em tal estado, que pouco diferem daquele em que os

descobridores portugueses os encontraram [...].158

Em outra perspectiva, por mais que

houvessem iniciativas de modernização de Angola,159

muitas das decisões políticas e

econômicas tomadas em Lisboa dentro da lógica liberal de extirpar atitudes econômicas do

155

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 410. 156

FREUDENTHAL, Arimos e fazendas, Op. Cit., p. 132. Um exemplo disto são as criações das iniciativas

colônias de Duque de Bragança e Mossamedes, que tinha por objetivo promover a imigração branca rumo a

Angola e difundir a prática agrícola. 157

Termo empregado por João Pedro Marques para se referir a camada política portuguesa esperançosa nos

frutos econômicos que uma política colonial sobre as possessões africanas poderiam gerar. Cf. MARQUES, Os

sons do silêncio, 1999, passim. 158

COUCEIRO, Antonio Maria. Breves considerações sobre a pregação do evangelho na África. In: Annaes

Marítimos e Coloniaes. Tomo I, novembro de 1840. Lisboa: Imprensa nacional, 1840, p. 31. 159

A modernização partiria das relações de trabalho com a abolição do tráfico e a inserção de Angola em um

processo de capitalização de matérias primas em um sistema global em construção. Cf. HENRIQUES, Percursos

da modernidade em Angola, 1997.

Page 65: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

65

antigo regime, acabaram, na prática, por manter uma estrutura comercial mercantil.160

Em

certa medida, o próprio liberalismo português colocava-se em questão quando observada sua

postura em relação aos territórios ultramarinos. Um exemplo disto é o decreto de 1837 que

instituía o monopólio do comércio da Urzela com a metrópole, o que incomodou a

comerciantes e negociadores coloniais.161

É, portanto, evidente a existência de um projeto colonial português em Angola. De

fato, ficou nítido que havia intenções claras e estratégias coloniais definidas. A abolição do

tráfico de escravizados abriria caminho para pluralidade econômica de Angola que segundo as

diretrizes de Lisboa, deveria ter a extração e produção agrícola como prioridades. O cultivo

destes novos produtos, entendidos como lícitos frente à ilegalidade da atividade traficante,

seriam responsáveis por dinamizar a economia, disciplinar as sociedades africanas, diminuir o

poder das chefias locais e permitir cada vez mais a interiorização portuguesa rumo a espaços

que eram restritos. Esse movimento não foi forte o suficiente no século XIX para criar uma

cultura colonial em Angola, muito devido à falta de recursos, coesão política e,

principalmente, o poder africano.

Enquanto em Angola ainda de forma tímida se buscava aplicar medidas práticas com

repercussões políticas e sociais, em Portugal, a discursiva portuguesa reforçava a política

abolicionista como ponto chave para a aplicabilidade das intenções coloniais e tornava esta

temática em uma bandeira liberal. Em 1863, o então Ministro e Secretário d’Estado dos

Negócios da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal – destacado político e escritor

português do século XIX – apresentou junto ao Parlamento em Lisboa o relatório dos assuntos

do ultramar referentes ao ano de 1862. A retórica oficial do ministro vai de encontro com o

ideário de ocupação das possessões ultramarinas visando benesses metropolitanas. Como era

de se esperar, Angola ocupava parte significativa do relatório, que não se trata apenas de um

informe colonial, mas uma orientação ideológica.

Usando recursos de uma escrita romântica, Mendes Leal cria um discurso orientado

por motivações liberais e crivado pela oposição ao africano. O ministro enxerga em Angola o

ponto de partida para uma ocupação colonial bem sucedida, todavia, esta perspectiva só

160

TORRES, Adelino. O império português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991. 161

DIAS, Jill. A sociedade colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850). In: PEREIRA, Mirian

H.; FERREIRA, Maria de F. Sá e Melo.; SERRA, João B. O liberalismo na península ibérica na primeira

metade do século XIX: comunicações ao Colóquio organizado pelo Centro de Estudos de História

Contemporânea Portuguesa, 1981. Lisboa: Sá da Costa, 1982, p. 279.

Page 66: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

66

tornar-se-ia realidade se houvesse condições morais e materiais para tal feito. Neste sentido os

investimentos que permitissem a exploração agrícola em larga escala e a recuperação das

edificações portuguesas era vista como a condição material que ocuparia as mãos dos

africanos, enquanto o reforço militar português e a conduta católica preencheriam o vazio

moral.

Abre caminho o ferro da espada, por meio da barbárie, como rasga o solo o

ferro da charrua – para fecundar; mas do mesmo modo que o sulco ficará

inútil sem a semente, a conquista material só pela conquista moral se

completa. Hoje, como nos primeiros tempos da ocupação, há de a Cruz

acompanhar a espada para que a luz se difunda, uma sociedade se defina,

duradouros interesses se arraiguem. Se for necessário empunhar as armas,

para repelir as bravezas e acabar com as depredações, não menos preciso é

generalizar a uns as justas noções do dever a fim de evitar provocações

perigosas, propagar aos outros o culto e o amor do lar a fim de reunir um

povo onde vagueiam hordas selváticas.162

A posição de Mendes Leal compactua com sua atuação como parlamentar liberal que

iniciou sua carreira política junto ao cabralismo, e na década de 1860 estava vinculado ao

Partido Histórico ocupando importante lugar junto ao grupo considerado mais a esquerda da

agremiação política.163

Do ponto de vista do Ministro não adiantava relembrar as conquistas

do passado – fazendo referência aos conflitos contra Ngola – pois em Angola não existia [...]

unicamente recordações gloriosas: havia elementos de imensa prosperidade e fortuna, que só

pedem o esforço de solicito e perseverante granjeio.164

Não obstante, o passado parece central

na análise de Mendes Leal, que de maneira objetiva lança mão da história como instrumento

de aprendizagem, no qual o conhecimento das colônias seria vital não apenas para garantir o

direito de uso fruto perante outras nações europeias, mas aprender e organizar novas formas

de administração colonial frente os ensinamentos práticos do passado visando um devir de

grandeza.

162

LEAL, José da Silva Mendes. Relatório dos negócios do ultramar, apresentado á camara dos senhores

deputados na sessão de 12 de janeiro de 1863, por Sº Ex º o Ministro e Secretário d’Estado dos negócios da

marinha e ultramar. In: Annaes do Conselho Ultramarino (parte não official) – Tomo IV (Janeiro de 1863 a

Dezembro de 1863), Lisboa: Imprensa Nacional, 1868, p. 2. 163

José da Silva Mendes Leal esteve presente não só na vida política portuguesa como também na cultural,

sendo um expoente dramaturgo do universo lusófono. Cf. RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Os dramas

históricos de Mendes Leal nos palcos do Rio de Janeiro: notas sobre as encenações e a recepção crítica. In:

Convergência Lusíada, Rio de Janeiro, nº 32, julho – dezembro, p. 40-50, 2014. 164

LEAL, Relatório dos negócios do ultramar, Op. Cit., p. 1.

Page 67: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

67

Ainda em seu relatório, o Ministro atualiza os senhores deputados sobre a situação dos

conflitos militares com os africanos, porém, o africano jamais aparece objetivamente na

retórica de Mendes Leal. Quando se refere aos naturais de Angola, o político apresenta uma

imagem imprecisa de um grupo homogêneo que ao olhar metropolitano compunha a força de

trabalho. Contudo, o Ministro comete um “deslize discursivo” ao, mais adiante, indicar em

sua retórica agressiva e superior, que a ocupação de Angola deveria ser plural devido a grande

variabilidade ambiental e humana existente na região, ou seja, nas entrelinhas Mendes Leal

indica que de certa forma, a força bruta portuguesa ainda não tinha fôlego para aplicar-se

singularmente, sendo dependente de estratégias locais. Fica claro que o discurso do ministro

aponta para um novo empreendimento colonizador, mas por razões práticas e limites do

poderio colonial, reconhece a lógica de adaptação e influência dos africanos sobre estruturas

políticas existentes. .165

Portanto, o discurso é forte e enfático, mas a aplicabilidade é fraca,

oscilando na maré de interesses de moradores e africanos.

O relatório do ministro não está isolado, muitos foram os memorialistas, políticos,

comerciantes e militares que teceram comentários semelhantes sobre Angola e as possessões

africanas como um todo ao longo do século XIX. Por mais distintos que sejam e por mais

diversas as formas de explanação e composição retórica, algumas características se repetem

como: a supressão ao tráfico de escravizados, o fomento e a variabilidade comercial, a

questão das forças militares e espirituais e, finalmente, o lugar do africano. Este intenso

debate abolicionista que figurou na agenda política portuguesa oitocentista trouxe maior

atenção sobre as possessões africanas. Conquanto, cabe frisar que isso não significava que a

África ocupava a pauta central da Coroa e tampouco os simpáticos de seus frutos eram

maioria ou tinham força política substancial.

A retórica abolicionista garantiria ao bloco liberal não apenas uma roupagem

moralizante perante a comunidade internacional – especialmente a Inglaterra –, mas também

permitiria a abertura paulatina para novas formas econômicas de arrecadação tributária via

alfândega de Luanda e Benguela com o desenvolvimento das atividades agrícolas e extrativas.

Outro ponto crucial para a centralidade portuguesa no que diz respeito à questão abolicionista

faz referência às tentativas de subjugação política dos africanos via novas regimes de trabalho

que garantiriam a expansão das novas fontes de recursos, permitindo a ocupação do solo e

fortalecendo os vínculos históricos de Portugal com as possessões africanas garantindo uma

165

Ibidem, p. 14.

Page 68: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

68

redução de conflitos por terra, seja com chefias e moradores ou ainda com nações europeias

estrangeiras a partir da segunda metade do século XIX.

Ensejando rapidamente a bibliografia, nota-se que a partir dos anos 1990, perspectivas

historiográficas passaram a aviltar a possibilidade de que as relações com as chefias africanas

e os moradores poderiam gerar barreiras tão fortes quanto à debilidade de recursos para a

dificuldade portuguesa de ocupar as possessões africanas.166

O indicativo da carência pode ser

averiguado nos textos produzidos sobre Angola no século XIX, que apontavam este fator

como a razão principal do frequentemente referido fracasso da política portuguesa em Angola

e na África como um todo ao longo do século XIX. No ano de 1855, o primeiro Tenente da

Armada de Angola, João Francisco Régio Lima, destacava que na infanta Mossamedes eram

visíveis inúmeras dificuldades para manter o estado das edificações e de manufaturar bens

básicos, muito devido à carência de mão de obra qualificada à construção e a falta de

materiais construtivos adequados ao clima seco da região.167

Uma década antes, em 1844, o

explorador, militar e ex-governador do Estado da Índia, José Joaquim Lopes de Lima já

assinalava a fragilidade portuguesa na região de Npungo a Ndongo, informando que havia

[...] naquele presídio uma falta absoluta de ofícios mecânicos. Não há quem serre uma tábua,

quem faça uma panela, etc, de maneira que se acham desprezados e em abandono o melhor

local de todas as nossas possessões africanas.168

Ainda nos anos 1840, J. B. de Sampaio, Alferes Ajudante d’Ordens do Governador

Pedro Alexandrino da Cunha, frisava o estado decrépito da presença portuguesa em

Muxima169

e Massangano.170

Segundo o Alferes, a carência de mão de obra, recursos

financeiros e organização administrativa estavam por trás da situação decadente em que

alguns importantes pontos do interior de Luanda se encontravam.171

A lamentação comum

166

MARQUES, Os sons do silêncio, 1999, passim. 167

LIMA, João Francisco Régio. Angola: extrato da relação de uma viagem a roça dos cavaleiros em

Mossamedes, 1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858).

Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 168

LIMA, Joaquim Lopes de. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província: Presídio de

Pungo Andongo, vulgarmente chamado de Pedras Negras. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II

(Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 138. Excerto originalmente

publicado em LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas: Africa

Occidental e oriental, na Ásia occidental, na China, e na Oceania escriptos de ordem do governo de sua

magestade fidelíssima a senhora D. Maria II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844. 169

Na margem sul do Kwanza, o presídio de Muxima localizava entre as terras de Kisama e Libolo, entre as

regiões de Massangano e Calumbo. 170

Presídio português entre o Muxima e Dondo. Teve importante papel como reduto de resistência portuguesa

durante a ocupação de Luanda por holandeses no século XVII. 171

SAMPAIO, J. B. Jornada de Loanda para Muxima, 1846. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II

(Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

Page 69: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

69

acerca da mão de obra e dos recursos ia desde os canaviais do explorador português

Bernadino Freire de Figueredo Abreu e Castro, em Mossamedes, que demonstrava

insatisfação em 1854, devido à falta de recursos para a modernização de sua lavoura,172

até as

reclamações repetitivas e lamuriosas do Alferes Sebastião de Almeida Saldanha da

Fonseca,173

que em 1847 apontava o abandono das construções no Dondo174

.

A questão abolicionista em Portugal ainda carece de maiores estudos, mas pode-se

aferir que parece residir mais na tolerância do que na contestação.175

Segundo João Pedro

Marques, os debates internos e externos a Portugal sobre o abolicionismo do final do século

XVIII e início do século XIX não tiveram força para movimentar os administradores e muito

menos a sociedade portuguesa a ponto de tornar esta temática relevante antes da primeira

metade do século XIX.176

É nítido que a política inglesa de combate ao tráfico de

escravizados teve peso decisivo nas decisões políticas tomadas em Portugal, porém, não se

pode negar o caráter político interno que levou a administração portuguesa a aprovar o

decreto abolicionista de 1836. O decreto não teve força prática na realidade colonial e o

tráfico continuou a fluir durante os anos 1830 e 1840. Todavia, as autoridades portuguesas se

esforçavam em justificar e defender a competência da lei portuguesa,177

porém, na prática a

administração colonial pouco se esforçava para aplicar a letra da lei, pois tinham

conhecimento da importância do tráfico de escravizados para a manutenção do comércio

externo das possessões ultramarinas e sustento das atividades internas como a agricultura

local e as atividades de monocultura que começaram a se desenvolver a partir dos anos 1830.

A atividade traficante – seja ela legal ou ilegal – dinamizava não apenas o comércio de

escravizados e a relação com potentados africanos do interior, mas era em certa medida vista

como uma origem de capitais para se buscar alternativas comerciais.178

Acalmar a situação

diplomática com a promulgação de leis que certamente não teriam aplicabilidade foi uma

172

CASTRO, Bernardino Freire de Figueredo Abreu e. Angola, 1856. In: Annaes do Conselho Ultramarino –

Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 173

FONSECA, Sebastião de Almeida Saldanha da. Relação de uma jornada de Loanda ao presídio de Pungo

Andongo, província de Angola, 1847. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a

Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 174

Entre Massangano e Cambembe, o presídio do Dondo possuía uma das feiras mais movimentadas dos sertões

de Luanda no século XIX. 175

Especial atenção deve ser dada não apenas as realidades coloniais que impactaram na conformação do

abolicionismo português, mas também na presença da população de origem africana em Portugal. Cf.

PIMENTEL, Maria do Rosário. Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na Época Moderna. Lisboa:

Colibri:, 1995.; ______. Chão de Sombras - Estudos sobre Escravatura. Lisboa: Colibri, 2010. 176

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 88. 177

Cf. BANDEIRA, Sá da. O tráfico da escravatura e o Bill de Lord Palmerstton. Lisboa: Typographia José

Baptista Morando, 1840. 178

FERREIRA, Dos Sertões ao Atlântico, 1996, passim.

Page 70: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

70

maneira de prolongar o status quo comercial e político sem grandes prejuízos em um

panorama colonial de resistência ao fim do tráfico de escravizados.

Desta forma, a questão colonial portuguesa em Angola parece estar intimamente

relacionada com o debate abolicionista. Este apontamento não é fato cógnito. Diversos são os

autores que não relacionam o abolicionismo e as ações coloniais europeias na segunda metade

do século XIX. Segundo David Eltis – que observa um panorama africano Atlântico, os dados

comerciais com relação a exportação de bens lícitos foi inexpressivo se comparada ao tráfico

de escravizados, o que distanciaria a relação entre abolição e ocupação de África, tanto nas

primeiras empreitadas em meados do século XIX como já em sua fase colonialista.179

Em uma

linha semelhante a Eltis, mas focando a retórica política, Seymor Drescher indica que a

abolição, no caso britânico, estava mais relacionada a questões morais e políticas do que a

interesses econômicos sobre a exploração do continente africano.180

Obviamente o período desta obra não abarca o chamado colonialismo apontado pelos

dois autores, que entendem este momento a partir da virada do século XIX para XX, quando

as nações europeias finalmente começam a obter em grande escala poder político e capital

legislativo sobre sociedades africanas e suas respectivas terras. Não é interesse deste trabalho

entrar no cerne do debate sobre o colonialismo e de sua instabilidade como categoria histórica

demasiadamente usada frente às questões políticas e sociais no contexto decolonial.181

Não

obstante, cabe frisar que para o recorte temporal seccionado nesta obra, c.1840-c.1860, não se

pode apontar uma subjugação das sociedades africanas, pelo contrário, como se verá mais

adiante, foi entre negociações e conflitos que o cotidiano da colônia foi aos poucos sendo

consolidado. Neste sentido, como já se pode observar, os termos ocupação, presença e

colonial estão mais de acordo não só com a episteme coeva, mas também afastam a

concepção errônea da noção vulgarizada de cinco séculos de colonização portuguesa sobre o

território angolano.182

179

FERREIRA, Abolicionismo versus colonialismo, Op. Cit., p. 95-96. Apud ELTIS, David. Economic Growth

and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. Nova York: New York University Press, 1987, p. 229-230. 180

DRESCHER, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. São Paulo: Unesp, 2011. 181

HENRIQUES, Isabel Castro. Colonização e História: linhas estruturantes, variáveis conjunturais. In:

SANSONE, Livio.; FURTADO, Cláudio Alves (orgs). Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala

oficial portuguesa. Salvador: EDUFAB, 2014, p. 54-57.; MIGNOLO, Walter. El pensiamento decolonial:

desprendimiento y apertura. Un manifesto. In: CASTRO-GOMÉZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. El giro

decolonial: reflexiones para uma diversidadepistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo Del

hombre – Universidaded Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad

Javeriana, Instituto Pensr, 2007. 182

Cf. BOA VIDA, Angola: cinco séculos de exploração portuguesa, passim.

Page 71: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

71

Portanto, o caso português exposto não necessariamente permite verificar – ao menos

de forma profunda – a relação entre abolicionismo e colonialismo, porém, revela que o

interesse português pelo continente africano estava intimamente ligado à questão

abolicionista, no qual a preservação de mão de obra e criação de novas relações de trabalho

eram essenciais para o desenvolvimento de uma política agrícola e extrativa. Desta forma, os

debates sobre abolicionismo e a questão africana, mesmo que não hegemônicos dentro da vida

política portuguesa do século XIX, foram determinantes para a aplicação das primeiras

medidas práticas visando transformar Angola em parte economicamente viável do Império

Português. Por mais reinterpretadas, descumpridas e desarranjadas, as iniciativas promoveram

avanços importantes183

– porém pouco significativos a ponto de consolidar uma política

colonial coesa – e promoveram profundas mudanças nas estruturais comerciais e políticas no

que concerne o relacionamento entre a administração da província de Angola e as diversas

comunidades africanas da região. 184

O entremeio do século XIX não é apenas retórico no plano político, pois como já foi

visto, ocorreram medidas práticas que intencionavam um maior dinamismo da presença

portuguesa. Uma importante medida neste sentido e que permitiu uma interação mais ávida

com as sociedades africanas foi o Ato Adicional de 5 de julho de 1852. Com o objetivo de

modernizar a carta constitucional de 1826 – que já havia sido revisada por Costa Cabral na

década de 1840 – o Ato Adicional trouxe consigo no art. 15º medidas voltadas a organização

administrativa das províncias ultramarinas.185

São elas:

183

PAQUETTE, Gabriel. After Brazil: portuguese debate on empire, c.1820-1850. Journal of colonialism and

colonial History, dez 2011, v 11, nº 2, p. 1-18, 2010. 184

DIAS, Novas identidades africanas em Angola, 2007, passim. 185

MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. In: Sankofa, revista de História da

África e de estudos da diáspora africana. São Paulo, nº5, julho, p. 42-66, 2010. Para uma visão mais ampla

sobre a legislação ultramarina na perspectiva da mesma autora. Cf. ______. Uma justiça especial para os

indígenas: aplicação da justiça em Moçambique, (1894-1930). 446 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade

de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012.

Page 72: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

72

§ 1º - Não estando reunidas as Cortes, o Governo, ouvidas e consultadas as

estações competentes, poderá decretar em Conselho as providências

legislativas que forem julgadas urgentes.

§ 2° - Igualmente poderá o Governador Geral de uma Província Ultramarina

tomar, ouvido o seu Conselho de Governo, as providências indispensáveis

para acudir a alguma necessidade tão urgente que não possa esperar pela

decisão das Cortes, ou do Governo.

§ 3.° - Em ambos os casos o Governo submeterá às Cortes, logo que se

reunirem, as providências tomadas.

§ 4.° - Fica deste modo determinada a disposição do artigo cento e trinta e

dois da Carta Constitucional, relativamente às Províncias Ultramarinas.186

Até 1852 o Ultramar português como um todo era entendido como integrante ao reino,

estando subjugado legalmente sem deter autonomia deliberativa sobre questões locais. O Ato

Adicional de 5 de julho de 1852 deu início a uma maior liberdade administrativa para as

possessões ultramarinas que agora, mesmo submetidas ao poder metropolitano, detinham

mais espaço para tomadas de decisões locais que exigiam rapidez. Essa decisão foi vista com

bons olhos pela administração ultramarina, pois o cotidiano colonial exigia a experiência

daqueles acostumados a sua forma – algo que os legisladores em Lisboa desconheciam – e,

principalmente, rapidez para solucionar questões importantes que envolviam não só o

comércio, mas a própria relação política estabelecida com as comunidades africanas.

Foi somente na virada do século XIX para o XX que as políticas coloniais em Angola

se consolidaram e abriram caminho para uma ocupação que no âmbito político estava

amplamente aceita entre os diversos grupos de poder português. Com uma política traçada e

com objetivos guiados por uma pretença dominação ideológica dos africanos, os portugueses

utilizaram-se da experiência adquirida e da estrutura construída ao longo do século XIX para

assentar uma gradual alienação de terras, mirando paulatinamente a autonomia política das

chefias africanas. Esse fenômeno não foi instantâneo e teve seu gérmen nas iniciativas

instáveis ocorridas no período analisado por este trabalho.

186

Art. 15 do Acto Adicional a Constituição Portuguesa de 1852. Disponível na plataforma online da

Assembleia da República de Portugal. Consultar: https://www.parlamento.pt/

Page 73: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

73

Durante o século XIX, as sociedades mbundu no hinterland de Luanda foram

transformadas, a vários níveis, pelas novas exigências comerciais

ultramarinas e pela expansão colonial, o que levou à dissolução das formas

“tradicionais” de autoridade e à perda de autonomia. Este processo

desenvolveu-se em duas fases distintas, correspondentes às tendências do

mercado externo e às oscilações na política colonial portuguesa. De meados

de 1840 até cerca de meados de 1870, qualquer intervenção eficaz dos

Portugueses no interior de Angola foi sendo minada pelo fraco poder militar

e pela falta de capital: a colonização aumentou ligeiramente mas restringiu-se

praticamente à costa, planos para desenvolver a agricultura e o comércio

europeus, baseados no aproveitamento não remunerado da mão-de-obra

africana, ficaram, na sua grande maioria, por realizar.187

Frequentemente a historiografia frisou um fracasso nas ações liberais oitocentistas na

política colonial em Angola, porém, ao mesmo tempo a historiografia reconhece pontuais

avanços. A questão talvez não seja o sucesso ou não do projeto ou dos projetos coloniais –

pensamento que a prática colonial exigiu uma reconfiguração de posturas infindas – mas sim

refletir sobre a conjuntura que impossibilitou a execução de medidas coloniais de forma mais

sólida e coesa, desta forma evitando a visão de projeto colonial que diz muito mais sobre o

século XX do que as possibilidades e limites do século XIX.

Pensando nisto, Jill Dias indica que esta questão pode ser mais bem compreendida

quando observado o comportamento das sociedades africanas, pois, foram elas que em grande

medida regularam o avanço e o retrocesso português no século XIX. Foram as sociedades

africanas que atenderam as demandas internacionais por cera e marfim. Portanto, o

desenvolvimento da agricultura, do comércio extrativo e da reorganização das forças de

trabalho [...] deveu-se menos aos esforços feitos pelos governos liberais portugueses, ou

mesmo por qualquer capitalista local, do que as novas iniciativas levadas a cabo pelos

habitantes africanos do interior de Angola [...].188

O argumento de Dias parece bastante

coerente e assertivo. O enfrentamento português de estruturas econômicas fortemente

consolidadas ao longo de séculos pelo comércio com o Brasil só seria possível perante

mudanças internas que perfaziam moradores, sertanejos, portugueses e sociedades africanas

mediante o comércio internacional.189

As diversas alterações econômicas no século XIX exigiram respostas das chefias

africanas que viram suas estruturas políticas serem progressivamente influenciadas pelas

187

DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 43. 188

DIAS, A sociedade colonial de Angola e o liberalismo, Op. Cit., p. 280. 189

ALEXANDRE, Velho Brasil, novas Áfricas, Op. Cit., p. 121-140.

Page 74: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

74

novas dinâmicas. Ao mesmo tempo, os conflitos entre diferentes sociedades africanas e os

interesses de chefias em consolidar o seu poder político junto aos chefes circunvizinhos

também agiram para que a realidade africana do período fosse marcada por rupturas e

continuidades. Um claro exemplo disto pode ser visto com os grupos africanos falantes do

kimbundu190

ao longo do século XIX.

[...]estes anos destacam-se pelo crescimento da actividade comercial dos

Mbundu em resposta ao aumento da procura internacional de uma variedade

de produtos, para além dos escravos. Tal favoreceu inicialmente grande parte

das autoridades políticas Mbundu, cujo domínio sobre recursos de terra,

pessoas e rotas comerciais, lhes permitiu explorar novas oportunidades

através da colecta de tributos ou porcentagens. Mais significante ainda, esta

situação minou-lhes a posição, ao alargar as oportunidades dos parentes mais

novos de acumular riqueza e assim atingir independência política. Estes

desenvolvimentos coincidiram com uma fase de expansão colonial mais

vigorosa a partir de meados dos anos 70, o que intensificou dentro e fora das

diferentes sociedades e dos grupos raciais que habitam os territórios

Mbundu.191

O espraiamento agrícola e em sua esteira o militar nos anos 1850 e 1860, mesmo

diminuto e espacialmente limitado, resultou em graves consequências às estruturas de poder

africanas. A alienação das terras não apenas serviu para planificar o caminho colonial, mas

desestruturou linhagens e reconfigurou posturas políticas. Entre conflitos e negociações a

ocupação de Angola modernizava-se economicamente a passos lentos, abrindo-se

vagarosamente a um cenário econômico global, porém conservando posturas que remetiam a

uma tradição do antigo regime. Por mais que durante o século XIX houvesse estratégias e

intenções definidas – o que por si só configuraria um projeto colonial – a inexistência de uma

prática ativa, constante e coesa fez do projeto – que em sua origem já era plural e difuso – em

uma política que se fazia no contato cotidiano entre metrópole, colônia e sociedades africanas.

Neste sentido, a Província de Angola foi alvo de uma colonização flutuante, que estava

dependente de interesses de administradores simpatizantes das posturas assumidas pelas

autoridades africanas. A inconstância das políticas fez dos objetivos quiméricos em Angola

uma maré de idas e vindas que, mesmo voláteis, abriram caminho para novas formas de

relação colonial entre africanos e portugueses e criou um mercado interno mais pujante e

190

Também grafado como quimbundu. É um idioma originado do troco Níger-congo e amplamente difundido

nos sertões de Luanda em suas mais diferentes vertentes. Pode também aparecer em substituição ao termo étnico

construído Mbundu, no qual são falantes das variantes kimbundu. 191

DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., Loc. Cit.

Page 75: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

75

dinâmico em Angola. Nesta perspectiva, um olhar sobre o regime de trabalho e sua relação

com a realidade colonial faz-se necessário.

Page 76: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

76

1.3. Escravizados, libertos e carregadores frente às reformas liberais.

Uma das acepções mais evidentes das investidas liberais sobre o espaço angolano diz

respeito às discussões e mudanças acerca da organização do trabalho e os impactos gerados

por tais alterações. A discussão rondava, principalmente, maneiras de garantir a perpetuidade

do trabalho escravo frente ao movimento abolicionista que se colocava a partir dos anos 1850

de forma mais vívida.192

Desde a chegada dos portugueses, os primeiros contatos com as

sociedades africanas já demonstrava a dificuldade lusa de fazer comércio frente ao

desconhecimento geográfico e incapacidade de arregimentar trabalhadores. Ao longo dos

séculos XVII e XVIII consolidou-se em Angola o serviço prestado pelos carregadores, que

em grande medida, conduziam bens rumo ao interior para a realização de permutas que

sustentavam as rotas comerciais e o escoamento de escravizados via Atlântico. Ao mesmo

tempo, o trabalho nos arimos do Bengo e em outras atividades menos prestigiadas

transformava Angola em uma região não apenas exportadora de mão de obra escravizada, mas

também consumidora de tal regime – logicamente em escalas completamente desiguais, já que

a prioridade era a saída e não a manutenção de trabalhadores escravizados.

Entre as décadas de 1840 e 1860, a fuga de braços já não era tão pujante pela via legal

portuguesa através portos de Luanda e Benguela, fazendo com que as atenções

administrativas visassem a construção de um espaço colonial economicamente viável e que

fornecesse rendimentos a metrópole.193

Como exposto nos itens precedentes, a intenção básica

girava na substituição paulatina do comércio de escravizados para a produção de bens

agrícolas, minerais e extrativos, chamados comumente de comércio legítimo ou lícito – em

oposição clara ao comércio escravista. Contudo, a coexistência entre práticas comerciais

velhas e novas, para além de sua clara simbiose já exposta, levava a um dilema

administrativo: como garantir mão de obra aos interesses liberais ao mesmo tempo em que a

atividade traficante custeava as iniciativas entendidas como lícitas e as autoridades africanas

controlavam o acesso aos braços laborais?

192

ALEXANDRE, Valentim. Origens do colonialismo português moderno, (1822-1891). Lisboa: Sá da Costa,

1979.; ______. Os sentidos do Império: questão acional e questão colonial na crise do antigo regime português.

Porto: Afrontamento, 1993. NASCIMENTO, Augusto. Escravatura, trabalho forçado nos sécs. XIX e XX:

sujeição e ética laboral. In: Africana Studia, Porto, FLUP, nº 7, p. 183-217, 2004. 193

Cf. BANDEIRA, O tráfico da escravatura, 1840.

Page 77: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

77

Em certa medida, as iniciativas que movimentaram o mundo do trabalho no século

XIX em Angola estiveram sempre entre um fim ideal e um fim possível,194

lidando com

interesses e dependências, o quê ajuda a compreender a inconstância das discussões e ações

coloniais no que diz respeito a estatutos de liberdade e, principalmente, na regulação do

serviço de carreto. Do ponto de vista legislativo, a discussão em Lisboa flutuaria entre

combater a escravidão e criar novos mecanismos de fazer com que ex-escravizados ou livres

fossem compulsoriamente colocados ao trabalho nos campos, minas e obras públicas.

O primeiro movimento sólido neste sentido foi a apresentação, em 1836, do decreto

liberal de Sá da Bandeira que visava o fim da exportação de escravos, seja por mar ou por

terra, em todos os Domínios Portugueses [...].195

Todavia, o decreto ia além e previa a

liberdade de ventre e a matrícula dos escravizados. O projeto enfrentou grande oposição,

principalmente da bancada colonial. Ainda no mesmo ano o decreto seria promulgado,

contudo, com mudanças que reduziam as penas aos senhores, ignorava a liberdade de ventre,

simplificara o registro de escravizados e permitia a circulação de sujeitos em situação de

escravidão entre os territórios de domínio português.196

O decreto, por mais tímido em relação

a sua versão original, resultou em um pequeno avanço para os interesses daqueles que

pretendiam apostar na produtividade dos territórios em África. A liberdade de ventre só

passaria a vigorar em 1856, após dois anos de discussão sobre a lei proposta pelo deputado

Jeremias Mascarenhas, que de forma evidente dialogava com as presunções excluídas do

decreto de 1836. Em 1869, quando a escravidão é proibida de fato, os escravizados tornaram-

se de imediato libertos até 1875, criando regimes contratuais,197

quando em 1878 entra em

vigor o código de trabalho indígena, que tornaria o trabalho forçado como a única alternativa

legal de atividade econômica por parte dos africanos.198

Em resumo, as medidas legislativas

ao longo do século XIX caminharam no sentido de construir espaços coloniais ultramarinos

em África capazes produzirem mão de obra com destino a atividades agrícolas e mineiras,

caminhando para a supressão do tráfico, repreensão do trabalho escravo e institucionalizam do

194

Como há muito tempo referiu Adelino Torres: entre o real e o imaginário. Cf. TORRES, O império

português, 1991. 195

Decreto de 10 de dezembro de 1836. Disponível em: http://www.arqnet.pt/ e consultado em 20/07/2017. 196

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 203. 197

SEIXAS, Margarida. O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização portuguesa oitocentista: uma

análise histórico-jurídica. In: Revista Portuguesa de História, Coimbra, nº XLVI, p. 217-236, 2015, p. 230.

NASCIMENTO, Escravatura, trabalho forçado nos sécs. XIX e XX, 2004. 198

BOA VIDA, Angola, Op. Cit., p. 46.

Page 78: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

78

trabalho forçado, fomentando assim maior incentivo a presença portuguesa e uma maior

pressão sobre as sociedades africanas.199

Marcada pelo gradualismo, as reformas no regime de trabalho no ultramar passaram a

ser analisadas em separado a partir dos anos 1850, o que garantiria uma visão mais precisa

sobre as complexas dinâmicas regionais de cada possessão de presença português. Desta

forma, percebeu-se a complexidade jurídica dos estatutos sociais frente a realidade colonial.

Um deles dizia respeito a percepção portuguesa do que era um sobado, seus habitantes e sua

pretensa liberdade.200

Os atos de vassalagem entre Sobas e portugueses eram entendidos por

estes últimos como um tratado internacional, na medida em que a população africana

residente nos sobados era, em última instancia, estrangeira.201

Contudo, a legislação

portuguesa afirmava que estrangeiros que residissem em território português podiam ascender

ao status de cidadão, algo que escravizados ou africanos livres nos sobados jamais poderiam

apelar.202

A dubiedade jurídica fora muitas vezes justificada pelo caráter sazonal da

escravidão e da minoridade africana, que visava educar as sociedades de Angola até que as

mesmas pudessem se sustentar, contudo, o prazo não tinha limite, como se espera de uma

política de domínio.203

Dado o primeiro passo para garantir à diminuição da fuga de braços africanos aptos a

compulsão ao trabalho em África, cabia ainda repensar a organização e a dinâmica do

trabalho interno. A função de carregador ganhou destaque nas discussões e nas iniciativas de

reforma. O serviço de carreto era primordial para o sustento dos interesses portugueses, frente

à falência das tentativas de inserção de animais domésticos para o transporte de mercadorias.

No século XIX, tal forma de exploração braçal ganharia ainda mais força com as novas

perspectivas econômicas, contudo, o sentido litoral-sertão seria invertido, visando,

obviamente, o escoamento de uma produção interiorana que até o início do século XX

199

ZAMPARONI, Valdemir. De escravo a cozinheiro: colonialismo e racismo em Moçambique. Salvador:

Edufba, 2007.; ESPÍNDOLA-SOUZA, Maysa. A liberdade da lei: o trabalho do indígena africano na legislação

do império português. In: Caderno de resumos 7º encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional, 13 a 16

de março de 2015. Curitiba: UFPR-CCHLA, 2015. Disponível em:

http://www.escravidaoeliberdade.com.br/congresso/index.php/E-X/7/paper/viewFile/203/87. Para um visão mais

completa. Cf. ______. A liberdade do contrato: o trabalho africano nalegislação do Império português, 1850-

1910. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. 200

SILVA, Cristina Nogueira da. Constitucionalismo e Império: a cidadania no Ultramar português. 563 f. Tese

(Doutorado em História) – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2005, p. 252. Versão

disponível no repositório da UNL no formato pré-publicação. 201

Ibidem, p. 352. 202

Ibidem, p. 237. 203

Ibidem, p. 263-265.

Page 79: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

79

encontrar-se-ia incipiente, porém, com alto grau de giro interno, fortalecendo a presença

portuguesa e reafirmando laços comerciais.

Em 1839, na esteira dos interesses liberais, o governo de Lisboa, por meio novamente

de Sá da Bandeira, decretou a proibição do serviço de carreto em Angola. A medida afetou o

nervo central do escoamento não só da produção de bens no inteiror – ainda incipiente –, mas

também agia contra a circulação de mercadorias pelas rotas angolanas. A medida, nunca

cumprida foi abolida logo em 1840, contudo retomada em 1856,204

sem que a realidade

colonial a permitisse ter sido efetivada. Esse ponto é chave para se entender a distância entre

as discussões políticas e a vida cotidiano no espaço de Angola. A modernização liberal de

Angola não era uma escolha colonial, mas uma visão metropolitana que encontrava

resistência de agentes coloniais, africanos e moradores.205

O serviço de carreto sempre foi alvo de polêmicas. A brutalidade do recrutamento

transformava a sua organização e estrutura em uma atividade repudiada por africanos e até

mesmo por portugueses mais moralistas, porém não menos interessados na exploração

africana. A falta de capacidade portuguesa em conseguir braços para tal atividade era

delegada aos Sobas que prestavam sujeitos aos devidos representantes portugueses no interior,

sejam eles capitães-mores ou ainda chefes de distrito a partir dos anos 1840. A relação entre

estes e as sociedades africanas era tensa e gerava conflitos e magoas que se perpetuavam por

muito tempo, sendo tal querela muitas vezes intermediada pelas autoridades de Luanda.206

Na

visão de Alfredo Margarido, a preocupação com a relação entre militares e chefes africanas

dizia menos a um sentido ético e mais ao temor de que a discórdia gerasse conflitos que

prejudicassem a empresa comercial.207

As tentativas de mudança sobre o serviço de carreto não foram isoladas. Medidas

como a obrigação dos chefes africanos de assumirem a recolha do dízimo208

e a criação de

impostos coagiam as sociedades africanas e tornava o trabalho forçado uma obrigação.209

A

204

Ibidem, p. 339. 205

No último terço do século XIX, cerca de 4% (200.000) da população que fora registrada em Angola ocupara a

função de carregador. Ibidem, p. 340, nota 1197. 206

Cf. COUTO, Carlos. Os capitães-mores em Angola no século XVIII (subsídios para o estudo da sua

actuação). Luanda: IICA, 1972. 207

MARGARIDO, Alfredo. Les porteurs: forme de domination et agents de changement em Angola (XVII-

XIXe. Siècles). In: Revue Française d´Histoire d´Outre-mer. Paris, tomo LXV, p. 377-400, 1978, p. 378-379. 208

Projeto de regimento para os districtos e presídios de Angola. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:

documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 3-69. Originalmente extraído: SGL, res.,

part. D, maço 5, doc. 32. 209

SILVA, Constitucionalismo e Império, Op. Cit., p. 344-46.

Page 80: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

80

relação entre trabalho e taxas coloniais imputou na necessidade de que africanos

incorporassem elementos do mundo produtivo extra-africano, jogando-os ao trabalho e

abrindo caminho para uma civilidade calcada na moral laboral, incrementando o progresso

material da colônia e minando lentamente o poder político africano.

Outro estatuto colonial muito importante e central para se compreender os interesses

portugueses em Angola no século XIX foi o do liberto. Os libertos se consolidaram ao longo

do século XIX como sujeitos compelidos ao trabalho forçado que sustentava, ao lado dos

escravizados, as tentativas de promoção da empresa agrícola e extrativa. A apreensão cada

vez maior de embarcações negreiras pelas patrulhas portuguesas e britânicas a partir de

1840,210

abriu caminho para que os resgatados fossem conduzidos ao interior para as

primeiras plantações ou ainda empregados em obras públicas consideradas necessárias a

permanência e avanço português. Isto quando os mesmo não eram transportados a São Tomé

e príncipe para labutar nas lavouras monoprodutoras de cacau e café.211

Na letra da lei, a condição de liberto não se confundia com escravizado, pois o

primeiro detinha acesso a instrumentos legais que lhe garantiam cidadania, porém sem o

mesmo usufruir de direitos políticos. O liberto ainda sofria a tutela regulada por aprendizado,

no qual quando o mesmo fosse considerado capaz de autonomia seria liberado do serviço

forçado, todavia, a percepção de autonomia passava pela emancipação do ser político – algo

que era frequentemente cerceado. Desta forma, observam-se libertos que são forçados ao

trabalho público e as roças dos distritos interioranos por longos anos, seja de forma

remunerada ou em troca de favores.212

O regulamente de expedição de libertos de Angola para São Tomé e Príncipe –

principal destino dos braços forçados ao labor de Angola – exibe um quadro de subserviência.

A lei permitia que os senhores de escravos dessem a liberdade a seus escravizados e lhes

conferisse o estatuto de liberto – além do batismo obrigatório – para fins de que a viagem até

São Tomé e Príncipe fosse devidamente legalizada perante o decreto de 1836.213

Segundo o

210

FERREIRA, Angola no tráfico ilegal de escravos, Op. Cit., Loc. Cit. 211

Regulamento sobre os libertos que, pelo artigo 8 dodecreto d’esta data, podem ser transportado da Província

deAngola para a ilha do Príncipe, e a que se refere o mesmoartigo. In: Boletim do Conselho Ultramarino,

Legislação Novíssima. Vol. II (1852-1856), Lisboa, Imprensa Nacional, 1869, pp. 308-314. 212

TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 213

Regulamento sobre libertos, que pelo artigo 8º do decreto d’esta data podem ser transportadas da Província de

Angola para a ilha do Príncipe e a que se refere o mesmo artigo. In: MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e.

Relatorio do governador geral da província de Angola no anno de 1861. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p.

414-415.

Page 81: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

81

regimento, o liberto era obrigado a servir entre 7 e 13 anos – variando de acordo com a idade

de cada sujeito –, sendo que jamais poderia se ausentar do serviço, correndo o risco de ser

deixado [...] debaixo do cuidado da delegação da junta de superintendência dos libertos e do

curador, que deverão velar por que lhe não faltem os meios de se empregar, de modo que

seja útil a si e ao estado.214

A liberdade de fato do liberto não era perceptível nem mesmo em

seu corpo, que era marcado com uma insígnia característica logo após o seu devido

registro.215

Foram escravos e libertos os responsáveis pela capacidade produtiva e pela dinâmica

comercial. No século XIX, os africanos [...] dominam – embora não determinem – a vida

econômica colonial, ao nível de produção, dos transportes e do comércio.216

Um exemplo

bastante claro desta dinâmica pode ser observado no comércio de cera,217

praticado

majoritariamente por africanos e o de marfim que se configurava quase como um monopólio

Tshokwe.218

Além disto, as tentativas de ocupação do espaço angolano pelos portugueses via

iniciativas agrícolas que este trabalho se debruça, foi, em boa medida, levado a cabo pela

força de africanos, como os libertos que trabalhavam na produção de café no Cazengo.219

Em 1855, no Golungo Alto, para além da presença de libertos, a população

escravizada conduzia os interesses portugueses entre resistência e negociação. Dos 1.854

escravizados matriculados naquele distrito,220

cerca de 4% fugiram ao trabalho e buscaram

auxilio.221

Números bastante inferiores quando observado os números do mesmo ano de

regiões de menor presença portuguesa como Ambriz, no qual mais da metade da população

214

Ibidem, p. 420. 215

Ibidem, p. 416. 216

TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 54. 217

DUARTE, José Vicente. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província: presídio

Duque de Bragança 11 de janeiro de 1848. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a

Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 123. 218

Referidos na documentação portuguesa por Quiocos. Cf. DIAS, Jill. Caçadores, artesões, comerciantes,

guerreiros: os Cokwe em perspectiva histórica. In: Antropologia dos Tshokwe e povos aparentados. Porto:

FLUP, p. 17-47, 2003.; HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, p.599-636 .; ______. O pássaro

do mel: estudos de história africana. Lisboa: Colibri, 2003, p. 101-120. 219

FRANCINA, Manoel Alves de Castro Francina. Viagem a Cazengo pelo Quanza, e regresso por terra, 1847.

In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa

Nacional, 1867. 220

Matrícula advinda do decreto legislativo de 1854 que ordenava o registro dos escravizados em até 30 dias sob

a pena de que os não registrados ganhariam o estatuto de liberto. Cf. Decreto de 11 de dezembro de 1854,

ordenando o registro de escravos e libertos. In: MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e. Relatorio do

governador geral da província de Angola no anno de 1861. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 424-435 221

Cf. FERREIRA, R. Esravidão e revoltas de escravos em Angola (1830-1860). In: Revista Afro-Ásia, Rio de

Janeiro, 1998-99.; CURTO, José. Resistência à escravidão na África: o caso dos esravos fugitivos recapturados

em Angola, 1846-1876. In: Revista Afro-Ásia, Rio de Janeiro, 2005.

Page 82: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

82

escravizada fugiu.222

Uma explicação rápida, mas não satisfatório para a discrepância regional

pode ser entendida na dificuldade de locomoção no Ambriz em relação ao Golungo Alto, o

que tornava a vigília e detenção de escravizados mais trabalhosa em tal região, pois a chance

de captura – e consequente punição – era reduzida. Neste mesmo sentido, o Ambriz – região

de baixa presença portuguesa, de profícuo tráfico ilegal e de terras ainda cobertas de

vegetação, a condição de escravizado era certamente mais dura e passível de embarque. Em

contrapartida no Golungo Alto, com terras já aradas e uma maior fiscalização portuguesa a

situação de fuga era certamente mais dificultosa. Conquanto, outro fator pode ter influenciado

a configuração dos números: a participação de Sobas junto aos processos de ocupação do

espaço por portugueses. Uma fuga no Golungo Alto necessitaria ou de um abrigo improvisado

ou na recepção em um sobado não avassalado, que por razões de contato histórico, havia em

maior grau no Ambriz do que no Golungo Alto. As pressões do tráfico de escravizados e

posteriormente do comércio legitimo levou a uma maior proximidade – não menos

conflituosa – entre portugueses e autoridades africanas, ligações que se estendiam desde os

conflitos com o Ndongo, o século XVII, como podem ser bem observadas no que diz respeito

ao poder político do Soba Bango Aquitamba na região do Golungo Alto.223

A rota escolhida tanto pelas discussões parlamentares em Portugal, quanto pela

administração colonial – mesmo que dispares e conflitantes – levou ao solapamento do

trabalho dos escravizados e a ascensão de contratos em regime de trabalho forçado. Na prática

não houve melhora da situação dos africanos e os mesmo continuaram a esquematizar táticas

de resistência que se estenderiam até meados do século XX. As tensões em torno do

monopólio africano sobre a mão de obra e a ânsia portuguesa por braços continuou a

desestabilizar as sociedades africanas e contribuiu para gorar projetos coloniais como o que se

verá a seguir.

222

Para informações mais adensadas sobre o registro de escravos do Golungo Alto em 1855 Cf. PARREIRA,

Adriano. Quatro livros de registros de esravos – Angola (1855): Ambriz , Golungo Alto, Libongo, Tala

Mugongo. In: Africana Studia. Porto: FLUP, nº 15, p. 135-150, 2010. 223

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit. Loc. Cit.

Page 83: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

83

1.4. Recuperação comercial e ocupação territorial.

Como se observou até agora, a simbiose entre comércio e política atuaram em

conjunto no que diz respeito à construção das estratégias portuguesas, seja de espoliação de

terras ou, mais comumente, em alianças políticas com chefias africanas. Conquanto, cabe

deixar mais claras as linhas gerais que orientaram as estratégias portuguesas. Uma perspectiva

interessante a ser explorada para compreender as escolhas portuguesas pode ser verificada nas

propostas de companhias comerciais elaboradas ao longo do século XIX para Angola. As

propostas de companhias comerciais não ligadas a Coroa permitem verificar os interesses de

particulares no que concerne a exploração dos recursos de Angola, além da percepção que

estes detinham sobre a ocupação das possessões ultramarinas, matérias políticas, sociais e

econômicas.

A maioria dos projetos comerciais teorizados ao longo do século XIX não foram

colocados em prática,224

todavia deixaram seus registros que permitem um vislumbre de suas

intenções e estruturação. Um exemplo de projeto proposto jamais executado foi o da

Companhia Africana Occidental, apresentada a Coroa e ao público em 1848 por um consórcio

de investidores bastante variado: Silvano F. L. Pereira, negociante português baseado em

Londres, André van Randvyk Schut, cônsul português em Hamburgo, Eduardo Germack

Possollo, filho do ex-governador de Angola, Lourenço Germack Possollo e o comerciante

português baseado em Luanda Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo.

A proposta está dividida em três partes que conjuntamente constroem um discurso

ligado a interesses liberais de colonização. A primeira parte diz respeito às dificuldades

econômicas de Angola ao longo do século XIX, buscando gerar argumentos para justificar as

duas partes subsequentes da proposta, que abordam o investimento necessário para a

construção de uma linha férrea e uma proposta de atividade comercial variada junto ao sertão

de Luanda.

A primeira parte do projeto foi escrita por um polêmico comerciante português em

Angola da década de 1840, Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo. O texto é bastante objetivo e

tem por fim expor a necessidade de criação de uma companhia comercial que diversifique a

comercialização de bens que não fossem os escravizados. O foco principal seriam os produtos

224

MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 399-401.

Page 84: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

84

agrícolas, extrativos e uma requalificação no sistema de transportes. Neste sentido, o primeiro

movimento do autor é retomar o passado traficante. Não obstante, diferentemente de outros

autores que repudiavam o tráfico de escravizados, Pompeu de Carpo parece sustentar que o

fim do tráfico de escravizados trouxe uma [...] maior devastação [...], pois quando o

comércio de gentes era legalizado, havia uma maior atenção com os embarcados, incluindo a

alimentação, no qual [...] os donos de navios que nela se empregavam a bem de seus próprios

interesses tinham que por a bordo boas e suficientes provisões e água [...];225

algo que no

contexto da ilegalidade não ocorria. Em linhas gerais, Pompeu de Carpo é enfático ao indicar

que a ilegalidade do tráfico levou a uma brutalidade ainda maior do que quando a atividade

era regulamentada. Portanto, desde que fiscalizada e referendada por regras básicas que

visavam garantir o mínimo necessário aos africanos embarcados para evitar perdas e

consequentemente quedas de arrecadação alfandegárias, a atividade traficante era tolerável.226

A observação de Pompeu de Carpo é assertiva, porém, não indica uma percepção

contrária ao tráfico e sequer produz argumentos que possam trazer fim ao tráfico ilegal. Pelo

contrário, Pompeu de Carpo parece simpatizar com a atividade traficante e, em suas palavras

iniciais no projeto, aponta indiretamente que o caos econômico em Angola era fruto das

restrições à atividade traficante. O autor poderia ter usado uma tática discursiva comum na

época para justificar a ilegalidade do tráfico: usando o projeto de companhia como curativo

paliativo para se combater o tráfico de escravizados ilegal, na medida em que as

movimentações financeiras geradas pela companhia ofereceriam condições para ajudar na

diminuição da atividade traficante, pois atrairia investidores e pessoas que poderiam deixar de

apostar no tráfico e voltar olhos a agricultura e extração.

225

CARPO, Arsénio Pompílio Pompeu de.; PERREIRA, Silvano F. L.; POSSOLLO, Eduardo Germack.;

SCHUT, André van Randvyk. Projecto de uma companhia para o melhoramento do commercio, agricultura e

industria na Província de Angola; que se deve estabelecer na cidade de S. Paulo d’Assumpção de Loanda .

Lisboa: Typographia da Revolução de Stembro, 1848, p. 3. 226

A questão alfandegária era central na discursiva seja a favor da ocupação de Angola ou ainda no discurso anti

colonial. Após o declínio paulatino do comércio de escravizados, os rendimentos circulantes em Angola

começaram a cair largamente, afinal, a circulação de escravizados não movimentava amplos setores comerciais

como alimentício, de construção naval, além de que os navios traficantes forneciam produtos e bens vindos da

América, Ásia e Europa que adentravam em Angola via alfândegas de Luanda e Benguela. O imposto recolhido

nas alfândegas era vital para a arrecação pública e consequentemente a melhoria das estruturas coloniais. Cf.

CALDEIRA, Carlos José. Apontamentos d’ uma viagem de Lisboa a China e da China a Lisboa. Lisboa:

Typographia G. M. Martins, 1852, p. 209-210.; MENEZES, Relatorio do governador geral da província de

Angola no anno de 1861, 1867.; FIGUEIREDO, Luiz Antonio de. Indice do Boletim Official da Provincia

d’Angola: compreendendo os annos que decorrem desde 13 de setembro de 1845 em que foi publicado o 1º nº

até 1862 inclusive. Loanda: Imprensa do Governo, 1864.; CARVALHO, Antonio Pedro de. Pauta das

alfândegas da província de Angola. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868.

Page 85: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

85

Quando investigada a vida de Pompeu de Carpo, entende-se o porquê da sutil, mas

enfática defesa da atividade traficante. Funchalense de passado obscuro, Arsénio Santos, que

após passagem pelo Brasil na década de 1810 passou a adotar o pomposo nome Arsénio

Pompílio Pompeu de Carpo, foi durante o século XIX ligado ao vintismo. Acusado de falar

publicamente contra o governo de D. João VI e blasfemar contra a igreja e seus santos,

Pompeu de Carpo fora degredado para Angola em 1824. Nesta província o degredado foi

rapidamente incorporado às linhas militares – como era típico aos condenados. Em Luanda,

tentou sustento paralelo com uma taberna e, já nesta época corriam boatos que estava

envolvido no comércio de gentes. Cumprida sua pena, envolveu-se novamente em conflitos

que, juntamente com interesses comerciais o levaram ao Recife. Do Recife para o Rio de

Janeiro e posteriormente para os Estados Unidos. A experiência de Pompeu de Carpo no

Brasil aperfeiçou suas habilidades comerciais, especialmente no que compete o tráfico de

escravizados. Regressa a Angola em 1837, associasse diretamente a traficantes graúdos e

amplia seus negócios. Não apenas financiava, mas também organizava, realocava fundos e

geria uma rede de rendimentos com origem no tráfico. A ascensão de Pompeu de Carpo e sua

pressão aos governadores de Angola criaram condições para uma carreira política na

província com qualificações que lhe permitiam galgar posições no senado português. A maré

favorável de Pompeu de Carpo começa a mudar quando em 1845, Pedro Alexandrino da

Cunha assume o cargo de governador. Com uma política mais eficiente de combate ao tráfico,

o novo governador passa a cercar Pompeu de Carpo, que nesta altura já sustentava o hábito da

Ordem de Cristo. A prisão do traficante não tardaria e no mesmo ano fora detido sob

acusações graves envolvendo o tráfico de escravizados e chantagem política. O poder político

de Pompeu de Carpo e a falta de provas acabaram por inocentá-lo. Livre passou a ameaçar o

conselho de ministros e exigir a posição de governador de Angola.227

O negociante regressa a

Angola em 1848, contudo, seus negócios estavam arruinados e seus contatos desfeitos, senão

presos. Falido, tentara a vida com projetos econômicos como a Companhia Africana

Ocidental Portuguesa e com trabalhos junto ao governo de Luanda. Na década de 1850

227

Sobre os desentendimentos e acusações recaídas sobre Pompeu de Carpo durante o governo de Pedro

Alexandrino da Cunha Cf. Cópia da portaria reservadissima do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim Jozé

Falcão) ao Delegado do Procurador Régio da Comarca de Luanda mandando proceder contra Arsénio Pompílio

Pompeu de Carpo, presidente da câmara municipal desta cidade por ter sonegado a carta de prego pelo qual se

providencia no caso de sucessão do Governador-Geral de Angola – 18 de janeiro de 1845. In: SANTOS,

Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 145-150.

Originalmente extraído: AHU sala 12, cód. 678, fl. 41 v.-42.; Ofício reservado do Ministério da Marinha e

Ultramar ao ministro dos negócios estrangeiros sobre a prisão de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, “um dos

maiores contrabandistas de negros d’África Ocidental” – 6 de novembro de 1845. In: In: SANTOS, Eduardo

(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 689-691.

Originalmente extraído: ANTT, Documentação do MNE, cx “papéis relativos a escravatura”.

Page 86: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

86

assumiu a governança de Mbaka, onde em 1854 conheceu o missionário Livingston. No fim

de sua vida, já idoso, dedicara-se a abrir caminho para as caravanas de comércio lícito com

um interior cada vez mais distante.228

Verificado um fragmento da conturbada vida do comerciante, é factível compreender

sua defesa do comércio de escravizados. Impedido de envolver-se no tráfico, o comerciante

passa a investir em meios alternativos de fazer fortuna, mesmo que isso o coloca-se em um

jogo moral que o próprio ignorava. Seguindo o texto do projeto, Pompeu de Carpo aponta que

a criação da companhia de comércio teria efeitos benéficos na economia portuguesa, daria

ofício mecânicos para a ociosa situação dos africanos e, principalmente, combateria o tráfico

de escravizados. Esta argumentação era bastante comum entre os liberais portugueses. A

criação de alternativas econômicas baseadas na agricultura e extração era entendida como a

melhor maneira para criar receitas via recolhimento de imposto na alfândega de Luanda e

Benguela, além é claro de diminuir a atratividade dos rendimentos traficantes.

As intenções eram claras, mas os mecanismos necessários não dependiam apenas de

portugueses. A ocupação portuguesa foi refém da atividade comercial dos moradores e

dependente durante todo o século XIX de uma série de frágeis acordos políticos com chefias

africanas para poderem circular em territórios não legislados e, principalmente,

arregimentarem mão de obra. Neste sentido a segunda parte do projeto da companhia de

comércio pode ser entendida como vital não apenas para satisfazer os interesses do consórcio

de investidores, mas também da administração colonial.

O interesse da Coroa por iniciativas comerciais era fator frequente, todavia, isso não

significava que os projetos fossem executados ou saíssem do papel. Complexidades políticas

e de entendimento entre taxas e concessões frequentemente goravam os projetos. A iniciativa

de curativos econômicos não partia apenas do consórcio de investidores, mas também da

própria Coroa. Em 1844, o ministro Joaquim José Falcão manifestava seu interesse por criar

em Angola uma companhia monopolista de pólvora, pretendendo dar isenções fiscais aquele

que se dispuser a ariscar-se na empreitada. Na visão do ministro, o incentivo de laços

228

Para uma visão mais complexa e completa das influências políticas e comerciais que Arsénio Pompílio

Pompeu de Carpo exercia cabe uma leitura atenta do seguinte artigo. Cf. MARQUES, João Pedro. Arsénio

Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX. In: Análise Social, vol. XXXVI (160), 2001,

609-638.

Page 87: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

87

comerciais fortaleceria a variabilidade econômica de Angola, abrindo caminho para [...]

substituir interesses sólidos e gerais do comércio da escravatura.229

O interesse da administração por medidas que movimentassem o comércio era claro,

porém, a falta de recursos forçava alguns investidores a pedirem muitas concessões a Coroa, o

que atravancava a execução dos projetos. Isto pode ser mais bem observado na terceira parte

do projeto de Pompeu de Carpo. Referente aos artigos proponentes da companhia fica claro

que os seus idealizadores não dispõem de recursos para cria-la. Contudo, realizam um

exercício discursivo no sentido de justificar meios alternativos de execução da companhia. No

artigo 17 os idealizadores são claros ao indicar que [...] os fundos em ações da companhia

não podem ser retirados senão dois anos depois de concluído o caminho de ferro e a

serraria.230

Além disto, nos artigos 13, 14, 18 e 22 os idealizadores exigem que o governo

provincial lhes conceda terras, monopólio sobre a utilização de máquinas a vapor na região,

monopólio sobre a extração de ferro em Oeiras e Massangano, e que descobertas minas pela

companhia, tais pertenceriam a esta sem a necessidade de taxações.231

O preço cobrado pelos investidores junto a administração da província era bastante

elevado. De certa forma, a proposta retira da mão da administração colonial o dever militar,

comercial e moral de ocupar as terras de Angola e delega a ocupação da colônia a terceiros

por intermédio de pressões comerciais que a companhia exerceria no sertão do Kwanza. Em

troca, os idealizadores oferecem apenas a participação da administração colonial como

membro acionário presidenciável se devidamente eleito.232

De fato, a proposta da companhia

não agradou a administração colonial e tampouco a Coroa em Lisboa. O projeto não recebeu a

aprovação e jamais foi executado. Seus idealizadores aparentemente acreditavam que

poderiam barganhar com o governo provincial no sentido de que sabia que este tinha interesse

em movimentar comercialmente os sertões, mas lhe faltavam recursos e meios. Contudo,

acabaram pesando em demasia a pena ao realizar exigências e requerer monopólios que tanto

a Coroa em Lisboa, como seu braço colonial em Angola não estavam dispostos a capitular.

É também curioso ressaltar que o projeto, ao que tudo indica, parece ser uma tentativa

de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo retomar ideias e padrões de investimentos

229

Memórias e documentos originaes: advertência, In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo IV, novembro de

1844-45. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 187-188. 230

CARPO.; PERREIRA.; POSSOLLO.; SCHUT., Op. Cit., p. 18. 231

Ibidem, p. 17-19. 232

Idem.

Page 88: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

88

patrocinados por ele e que a Coroa já havia recusado. Um exemplo disto é a proposta, inclusa

no projeto da Companhia Africana Ocidental Portuguesa, de criar uma rede de exploração e

comercialização monopolista em torno das minas ferríferas de Oeiras. Poucos anos antes, em

1845, o negociante já proporá explorar tais minas e recebeu uma resposta negativa por parte

da comissão de avaliação da Associação Marítima e Colonial de Lisboa, que alegou não

observar [...] vantagem alguma a favor do Estado, antes pelo contrário [...] se exigem não só

sacrifícios enormes, mas favores tais que são verdadeiros prejuízos.233

A rápida visão do projeto da Companhia Africana Ocidental Portuguesa permite

apontar de imediato à dificuldade que tanto Coroa como investidores particulares dispunham

de capital para lançar mão de projetos que direta ou indiretamente apontavam para a ocupação

do espaço de Angola. A mesma tensão pode se verificar na falta de concordância entre os

distintos interesses da Coroa e investidores. A Coroa visava garantir não apenas ganhos

econômicos, mas instrumentos que lhe permitissem reduzir sua dependência das chefias

africanas e moradores. Do outro lado, particulares focavam suas atenções em missões

comerciais e projeções de acumulação, enquanto os interesses de colonização ficavam

restritos apenas no campo da defesa política dos projetos. No caso do projeto aqui exposto,

Pompeu de Carpo não se importava se o tráfico de escravizados dificultava a ocupação

territorial – como apontava a Coroa, pois ele próprio estava familiarizado com os lucros de tal

comércio –, mas tinha conhecimento que se argumentasse de forma convincente que seu

projeto colaborava no combate a fuga de braços de Angola, receberia mais atenção por parte

da administração colonial e da Coroa em Lisboa. Grau de atenção ainda maior deve ter

conseguido ao propor a criação de uma linha férrea – atitude inédita para a Província de

Angola de então. A administração portuguesa pode ter potencialmente visto na criação de

uma linha férrea um instrumento mecânico que combateria um dos principais problemas da

presença portuguesa: a dependência destes da mão de obra fornecida pelas chefias africanas.

Não obstante, para Pompeu de Carpo, a linha a vapor seria uma forma de acelerar o processo

comercial, ganhar rapidez de escoamento e transportar cargas mais volumosas do que com o

tradicional serviço de carreto. Em comum, administradores e Pompeu de Carpo

provavelmente compreenderam que não seria mais necessário satisfazer os interesses das

chefias africanas com a linha férrea, o que levaria ao enfraquecimento do poder político destes

233

Cf. Parecer da Associação Marítima e Colonial sobre a proposta de exploração das minas de ferro em Oeiras

por Arsénio P. P. de Carpo. – 21 de abril de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre

Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 316-317. Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 599.

Page 89: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

89

representantes, facilitando a entrada portuguesa, seja pela via legislativa ou territorial com a

espoliação de novas áreas produtivas ao longo do curso do rio Kwanza.

Cabe agora concentrar os esforços para compreender os projetos comerciais e o papel

assumido pelos moradores e chefias africanas tanto no que diz respeito as suas respostas

perante as novas exigências impostas pela administração portuguesa, como a conformação das

estruturas comerciais e de poder entre as chefias, suas elites políticas e as comunidades

circunvizinhas. Para isso, um olhar atento sobre as minúcias comerciais e das dinâmicas de

trabalho serão preponderantes, uma vez que é por intermédio desta discursiva portuguesa –

crivada pelo olhar daquele que deseja dominar – que moradores e chefias africanas exibiram

suas estratégias e ações sem necessariamente registrarem por escrito suas intenções e feitos.

Assim sendo, o capítulo que se segue examinará a comumente referida categoria dos

moradores, etiqueta simplista perante a diversidade social e política inerente aos

intermediários em Angola.

Page 90: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

90

CAPÍTULO 2

NECESSIDADE E EMBARAÇO NOS SERTÕES DE LUANDA.

Page 91: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

91

2.1. Moradores, Mestiços e intermediários no século XIX.

A necessidade e o embaraço sempre perfazeram as relações político-comerciais em

Angola, seja pela dependência portuguesa para atuar e se movimentar nos sertões, a

necessidade dos intermediários em negociar com os representantes atlânticos e das elites

afrianas que cada vez mais eram envoltas e se envolviam no acumulo e circulação de bens

significantes no campo político e cultural. Desde os primeiros contatos com os Kongo no

século XV, os governantes portugueses perceberam que eram reféns de intermediários

capazes de fazer fluir a comunicação e o comércio com os africanos. Ao se observar o Kongo,

já ficava latente a necessidade portuguesa de atravessadores comerciais que rumassem ao

interior na busca por indivíduos escravizados visando o comércio Atlântico. O tráfico de

escravizados não apenas alterou as estruturas políticas africanas e guiou as estratégias

portuguesas, mas também permitiu a emergência de novas identidades. No caso do Kongo, os

pumbeiros são parte deste processo de metamorfose social. Os pumbeiros eram agentes

comerciais africanos praticamente autônomos – porém sem capital – que tinham

conhecimento das línguas e dos costumes locais, dando maior velocidade e eficiência nas

permutas comercais em relação à abordagem portuguesa. Além disto, estes negociantes

rumavam a localidades interioranas inacessíveis aos não africanos, seja por questões salutares,

de desconhecimento geográfico e, principalmente, por impedimento africano. Foi por

intermédio destes indivíduos e pela concorrência em torno do comércio de escravizados que

as permutas com os portugueses alcançaram longas distâncias rumo ao interior do continente

africano colocando em questão a centralização política de Mbaza-Kongo frente os interesses

da elite bakongo de ingressar no sistema de créditos comerciais de escravizados.234

Em Angola, a estratégia comercial fora inicialmente semelhante à adotada no Kongo,

inclusive, o termo pumbeiro foi largamente popular em Angola durante os séculos XVII e

XVIII. Portugueses utilizaram assiduamente de parceiros africanos para satisfazer interesses

comerciais externos ao continente, todavia, diferentemente do Kongo, no qual os portugueses

estabeleceram um laço político mais ou menos estável – pelo menos até o século XVII - em

Angola ocorreu um duro processo de conflito com os africanos, essencialmente contra o

potentado do Ndongo sob o comando do titular político Ngola. Esta relação permitiu uma

234

Cf. THORNTON, John K. The Kingdom of Kongo: Civil War and Transition, 1641-1718. Madison:

University of Wisconsin Press, 1983.; ______. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-

1800. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

Page 92: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

92

rápida aliança com comunidades africanas seminômades e belicosas que atraídas pelo

comércio português combateram ao lado destes e levaram a fragmentação do Ndongo ainda

no século XVII, estabelecendo um reino de conquista português centralizado na fortaleza

litorânea de São Miguel em Luanda.235

Na altura do século XVIII, o comércio de escravizados já se encontrava plenamente

estruturado, existindo fortificações portuguesas instaladas nos sertões de Luanda e Benguela

e, principalmente, um clima mais amistoso – mas não menos tenso entre administração

portuguesa e comunidades africanas.236

No que diz respeito à administração colonial, os

portugueses pouco se preocupavam com medidas exploratórias ou de povoação, pois os

interesses comerciais advindos do Brasil dominavam o cenário comercial de Angola e

limitavam a região em uma fornecedora de mão de obra. Todavia, alguns produtos locais

tinham respiro na alfândega de Luanda como o marfim e a cera destinados a Portugal ou ainda

a produção de gêneros alimentícios africanos e principalmente americanos que rapidamente se

disseminaram pelos arimos do Bengo e por comunidades africanas avassaladas.237

Em 1758 o comércio no sertão de Angola foi liberado a todo e qualquer comerciante

ou pretenso negociante que estivesse tutelado sob a Coroa portuguesa.238

Essa medida veio a

condizer com o que na prática já ocorria. Antes desta data apenas africanos intermediários,

também designados como pumbeiros (aintermediário sem capital), aviados, e funantes,

(intermediários com pequeno capital próprio) – tinham a prerrogativa de embrenhar nas terras

interioranas com capital litorâneo para negociar junto às autoridades africanas, todavia, esse

direito estava longe de ser cumprido e o mais comum nos sertões de Luanda era se encontrar

mestiços e sertanejos a comerciar. É difícil delimitar e definir quem eram os mestiços e os

sertanejos, ou até mesmos as demais etiquetas como pumbeiros. A ressignificação de tais

categorias históricas fora profícua ao longo dos séculos XVI e XIX, permitindo uma

pluralidade na composição de tais denominações, o que em última instância poderia significar

a pouca utilidade de tais categorias. Conquanto, podem-se realizar aproximações como no

caso dos sertanejos que em sua maioria eram portugueses oriundos de núcleos médios pouco

235

Cf. MILLER, Poder político e parentesco, 1995.; LOVEJOY, A escravidão na África, 2002.;

BIRMINGHAM, David. A África central até 1870: Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul. Sacavém: ENDIPU,

1992, p. 38. 236

Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Passim. 237

Cf. VENÂNCIO, José Carlos. A economia de Luanda e hinterland no século XVIII: um estudo de sociologia

histórica. Lisboa: Editorial Estampa, 1996. 238

FERREIRA, Feiras e presídios, Op, Cit., p. 32. Neste mesmo período houve um aumento da circulação de

armas de fogo nos sertões de Angola. Cf. MILLER, Joseph C. Angola central e sul por volta de 1840. In:

Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, nº 32, dez, p. 7-54, 1997, p. 33.

Page 93: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

93

prestigiados em Portugal e que se lançavam em África na busca por fortuna e prestígio

social.239

A partir deste ponto o comércio estava geralmente estruturado da seguinte forma. O

capital de investimento estava localizado no litoral de Angola ou em grandes portos

receptores como Rio de Janeiro e Lisboa. Os portugueses ou luso-brasileiros dificilmente

seguiam carreira rumo adentro do continente africano, por isso, remodelavam seu capital em

produtos válidos a permuta com africanos como gerebita, tabaco, panos e adornos.240

Estes

compêndios de produtos referidos como banzos ou fazendas241

eram delegados não apenas

aos pumbeiros, mas a indivíduos designados por aviados, funantes e tangomaos, que, ao fim e

ao cabo, eram em grande medida mestiços ou africanos.242

Tais indivíduos rumavam ao

interior visando negociar as mercadorias em troca de cativos, o que despendia tempo e

tornava o tráfico de escravizados algo lento e arriscado do ponto de vista comercial. Os

principais locais de negociação eram as chamadas feiras – que no Kongo eram referidas como

Pumbo, dando uma possível origem ao termo pumbeiro. 243

Existiam basicamente dois tipos de feiras, as que ocorriam junto aos presídios

portugueses ou sítios de legislação de Luanda e as feiras para além de território conhecido da

administração colonial ou em terras de controle africano. A existência de feiras comerciais

fora do controle português gerava atritos entre os comerciantes do interior e a administração

de Luanda. Ao longo do século XVIII e XIX os preços praticados nas feiras eram decididos

em Luanda, o que tornavam a capacidade de negociação reduzida nas feiras sobcontrole

português. Desta forma, as chefias africanas tomavam vantagem comercial ao optarem por

negociar em praças sem o controle português como em Kassanje, no qual era possível

239

Um bom exemplo de experiência sertaneja foi a de Silva Porto, que se instalou em Angola no século XIX e lá

fez família, comércio e estabeleceu uma complexa rede de interação política. Cf. CEITA, Constança do

Nascimento da Rosa Ferreira. Silva Porto na África Central – Viye/Angola: História Social e transculturação de

um sertanejo (1839-1890). 325 f. Tese (Doutorado em Estudos Portugueses) – Faculdade de Ciências Sociais e

Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2014. Versão disponível no repositório da UNL no formato

original. 240

Cf. CURTO, José C. Álcool e Escravos: O comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e

Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da África

Central Ocidental. Lisboa: Vulgata, 2002. 241

Cf. Angola central e sul por volta de 1840, 1997. 242

Cf. ZERON, Carlos Alberto. Pombeiros e Tangomaos, intermediários do tráfico de escravos na África –

século XVI. In: II Colóquio Internacional sobre mediadores culturais. Lagos: Centro de Estudos Gil Eanes, p.

15-38, 1999. 243

VENÂNCIO, A economia de Luanda e hinterland, Op. Cit., p. 150-155.

Page 94: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

94

estabelecer novos preços que agradassem os comerciantes e trouxessem maior ganho aos

africanos sem taxações portuguesas.244

A relação de dependência portuguesa com africanos para a execução das tarefas

comerciais tornava o tráfico de escravizados uma atividade que despendia, tempo, capital e

acarretava em uma dinamização de contatos sociais e biológicos, proporcionando a

emergência de novos grupos que transitavam entre a realidade das comunidades africanas e a

portuguesa em África.245

Obviamente a presença de intermédios nos tratos comerciais na

África era necessária, mas vista como um entrave por parte de comerciantes e capitalistas

portugueses que entendiam que a atividade destes encarecia o processo de compra e venda de

cativos. Esta relação de necessidade e embaraço se estenderia século XIX adentro e ganharia

novos contornos com a emergência do comércio lítico em detrimento da bancarrota legal do

tráfico de escravizados.

A emergência de novas identidades pode ser verifica nas narrativas coloniais do século

XIX. Em 1846, o Alferes, filho do país246

– provavelmente mestiço – Manoel Alves de Castro

Francina partiu de Luanda com destino ao distrito de Mbaka. Durante seu percurso que seguiu

rumo ao sertão o militar registrou textualmente a condição natural e a presença portuguesa. A

narrativa de Francina se aproxima em estruturação da maioria das produções textuais feita por

militares da época. O Alferes registra os acontecimentos diários durante a jornada e ao final

dedica-se a alguns temas que considera necessitarem de maior explanação como o

arregimento de mão de obra, os usos e costumes locais e a situação dos regimentos militares.

No que se refere ao recrutamento de mão de obra, Francina indicou que havia empecilhos que

dificultavam o procedimento. Neste ponto, o autor é enfático ao afirmar que a principal

barreira para o bom desenvolvimento do recrutamento era, para além das violências com os

africanos, a existência de grupos de africanos que se entendiam como não sujeitos a obrigação

de prestar serviço de carregador. Seriam estes os camundeles, que literalmente significa

pessoa branca.

244

Ibidem, p. 156-160. 245

DIAS, Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico, 2007. 246

Segundo a bibliografia, a categoria filho do país indica afro-portugueses, portanto mestiços, que devido

principalmente ao seu envolvimento com o comércio como intermediários ascenderam socialmente e passaram a

ocupar cargos burocráticos ou se tornaram detentores de capital, ou seja, dentro a imensa categoria social

chamada de mestiço, existia frações que se autorreconheciam por outros preceitos que não os biológicos. No

último quartel do século XIX este grupo irá gerar grandes problemas a administração colonial devido a sua

grande familiaridade tanto com as estruturas africanas do interior quanto com as estruturas portuguesas,

acumulando, desta forma, poder político significativo. Cf. DIAS, Angola, 1998.

Page 95: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

95

Os camundeles não apenas negavam participação no labor de carreto como também

apresentavam frequentemente a intenção de se incorporarem junto à carreira militar, por se

entenderem como não africanos no que diz respeito a sua posição social, desta forma evitando

também o serviço braçal na agricultura ou extração. Era frequente que os camudeles

utilizassem sapatos fechados, o que lhes conferiam uma posição distinta dos africanos

descalços. Este grupo era um incômodo não apenas para as autoridades portuguesas, mas

também colocava os chefes africanos em situação delicada. Os camundeles [...] não se

sujeitam ao carreto, nem mesmo as leis dos Sobas [...],247

o que tornava a legitimidade

política da chefia africana questionável junto a administração colonial e, ao mesmo tempo,

refém em alguns casos da atividade comercial exercida pelos camundeles.

Segundo Jill Dias, os camundeles aparecem frequentemente categorizados na

documentação acerca de Angola como moradores. Os moradores eram um grupo bastante

heterogêneo formado por africanos, mestiços e até mesmo brancos que fixavam residência nos

sertões. Em sua maioria, os moradores residiam em terras de maior influência portuguesa

próxima aos presídios e uma característica bastante comum a estes indivíduos – no que diz

respeito a africanos e mestiços - era a utilização de roupas e sapatos europeus e a assimilação

de hábitos portugueses como escrita e língua portuguesa. Essa característica fornecia a

possibilidade de que estes se identificassem como socialmente brancos.248

Como se percebe,

os camundeles de Francina estavam inseridos nessa categoria social que ainda carece de

maiores investigações por parte da historiografia. Uma característica transversal aos

moradores era a sua capacidade de possuir propriedades, geralmente pequenos sítios agrícolas

ou bens de consumo. Além disto, os moradores eram extremamente ativos na atividade

comercial e política da província e ocupavam papel central nas negociações com os africanos

e na manutenção da presença portuguesa indereta nos sertões angolanos.249

Os moradores

também demonstravam capacidade de auto-organização. Em Luanda, no último quartel do

século XIX moradores ou descendentes deste tiveram papel decisivo na construção de uma

imprensa africana e na construção dos alicerces da literatura angolana.250

247

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 11. 248

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 359. 249

Projecto de Regimento para os Districtos e Presídios de Angola – sem data, 184?. In: SANTOS, Eduardo

(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 15-29. Originalmente

extraído: AHU sala 12, cx. 822. 250

Cf. HOHLFELDT, Antonio; CARVALHO, Caroline Corse de. A impensa angolana no âmbito da história da

imprensa colonial de expressão portuguesa. In: Intercom. São Paulo, v. 35, nº2, p. 85-100, jul/dez, 2012.;

Page 96: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

96

Os moradores são figuras frequentes na documentação de viagem, pois suas habitações

são constantemente utilizadas pelos viajantes como pouso. Além disto, é por intermédio

destes moradores que os viajantes ficavam sabendo das questões locais como conflitos com

africanos, situação da presença portuguesa e ainda, para o século XIX, a situação da

agricultura e do comércio legítimo, como se pode observar quando Francina comentava sobre

a região da Aldeia Nova no Golungo Alto – povoação de moradores.

Independente da heterogeneidade da categoria morador – que parece congregar

diferentes indivíduos – fica visível a liberdade de ação produtiva e comercial destes em

relação à administração colonial e aos chefes africanos. Os moradores não respondiam as leis

africanas e tampouco as exigências coloniais. Agiam comerciando e produzindo nos sertões

de forma a tentar obter vantagens econômicas e políticas com a administração colonial e os

chefes tradicionais. Em certa medida pode-se dizer que os moradores atuavam de acordo com

seus interesses particulares, fazendo com que ora estivessem alinhados a portugueses ora a

africanos.251

Em 1840, o presidente do Conselho de Ministro, José Lúcio Travassos Valdez,

Conde de Bonfim, ao explicitar sobre os esforços portugueses para o bem desenvolver

agrícola em Angola, apontava a iniquidade dos africanos ao lançar mãos ao comércio, sendo

os moradores [...] tão indolentes como eles [...] (os africanos). Na perspectiva do Conde, os

moradores não se dedicavam a causa colonial, estando mais preocupados com as necessidades

imediatas de seus negócios particulares.252

Os moradores – quando em conluio com a administração colonial – detinham papel

fulcral na manutenção das diretrizes coloniais no século XIX. Eram os principais responsáveis

pelo desenvolvimento do comércio lícito no que diz respeito à negociação com as

comunidades africanas e formavam as companhias militares móveis, que auxiliavam a

portugueses e chefes africanos para a execução das ordens de Luanda via chefe colonial

distrital. Os moradores são resultado do desenvolvimento do comércio de escravizados, fato é

que as regiões no qual havia a maior concentração deste foram primordiais para o

desenvolvimento deste comércio. O baixo Kwanza, as intermediações do Dande e do Bengo,

assim como a região do Lukala possuíam grande incidência de moradores com terras

JACOB, Sheila Ribeiro. A imprensa livree o despertar da vida literária angolana no século XIX. In: Revista de

Pós-Graduação em letras UNESP-Assis. Vol. 8, p. 97-107, jul/dez, 2010. 251

DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 51. 252

VALDEZ, José Lúcio Travassos. Relatório do Ministro do Ultramar, apresentado às Camaras da Sessão

extradorinária de 1840. In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1840, p. 164.

Page 97: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

97

independentes de portugueses e africanos.253

A região do Lukala é frequentemente referida

como a localidade com maior influência de moradores. Historicamente vinculada ao tráfico de

escravizados, esta região viu florescer uma camada de moradores ativos e com grande

envolvimento no comércio e na própria política colonial nas regiões do Golungo Alto e de

Mbaka. No caso de Mbaka, os moradores, em sua maioria mestiça, despertavam um misto de

admiração e repulsa naqueles que deitaram letras sobre os famigerados ambaquistas.

A etiqueta ambaquista começa a aparecer logo no século XVII, quando o comércio de

escravizados floresce na região de Mbaka e a transforma em um ponto de convergência não

apenas comercial, mas cultural entre múltiplas populações africanas e não africanas. O

cenário comercial e político dinâmico da região propiciou a construção coletiva e plural de

uma forma linguística única, composta basicamente da mescla entre português e kimbundu –

com ênfase maior sobre a veia africana.254

Com o passar do tempo, a terminologia abrangeu não apenas pessoas envolvidas no

tráfico, mas demais ofícios como alfaiates, agricultores, negociantes independentes. A partir

do século XVIII, mas principalmente no século XIX, o termo se generalizou para qualquer

indivíduo mestiço ou africano que circulava pelo interior a negociar ou realizar ofícios.

Portanto, no contexto de Francina, os ambaquistas não necessariamente eram nascidos na

região, mas implicitamente eram negociantes e trabalhadores especializados no que diz

respeito a ofícios e manufaturas.

Sobre os ambaquistas o Alferes Francina é enfático em ressaltar as qualidades

positivas destes indivíduos. Os principais moradores residiam em habitações de [...] pau a

pique [...] rodeadas de parede de adobe, cobertas de palha e esbranquiçadas com uma

espécie de pedra calcarea [...] que em termo de material não lembravam as moradias

europeias, mas em organização da construção pareciam com casas camponesas da Europa.

Dentre estes indivíduos, Francina reforça o caráter de mestiçagem cultural, afirmando que:

O povo de Ambaca é talvez o mais civilizado dos nossos presídios, pois é

raro o preto ambaquista que não saiba ler e escrever, ainda que mal, ou pelo

menos assinar o seu nome. Geralmente são portuguezões, e amantes dos

termos empolados e pouco comuns nas suas extensas escritas.

253

DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit. Loc. Cit. 254

MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit., p. 39.

Page 98: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

98

Ainda na década de 1840, Joaquim Lopes de Lima também acenou para a qualidade de

vida dos moradores de Mbaka. Pensando principalmente na camada branca da população,

Lopes de Lima afirmou que [...] os brancos vivem quase tão bem como no Brasil [...],255

no

qual verificava a existência de [...] roças dirigidas por brancos, sob cujas as ordens

trabalham os escravos [...].256

A situação dos moradores de Mbaka não era muito divergente

em Golunto Alto, a própria povoação de Aldeia Nova no qual o Alferes Francina tomou por

pouso apresentava tais características. Todavia, é preciso estar atento a existência de

hierarquias descritivas na documentação acerca dos moradores. Quando fala sobre a

civilidade em Mbaka, Francina se refere a uma camada não tão larga da população, em sua

grande maioria, de origem mestiça. Tal observação é feita quando o autor dedica-se a apontar

características gerais sobre o distrito, especialmente os núcleos de ação portuguesa. Já quando

escreve sobre os africanos moradores de Mbaka, Francina tende a analisa-los de forma igual

aos africanos residentes nas terras dos Sobas. Um indicativo disto é que os costumes africanos

estão descritos em um tópico especifico do relato de viagem: dos usos e costumes dos

ambaquences. Para além desta organização textual bastante comum e que pode ser observada

em inúmeros relatos de viagem sobre Angola ao longo do século XVIII e XIX, cabe salientar

a singularidade das populações africanas e mestiças que são frequentemente escrutadas pela

História Social. É ainda importante ressaltar que mesmo Francina esforçando-se para

estruturar a narrativa de forma com que africanos e não africanos fossem apresentados de

forma hierárquica, o autor acaba durante o texto enfraquecendo a sua estruturação quando em

diversas passagens aponta o caráter mestiço das populações interioranas, dando a entender

que a hierarquia não necessariamente apresentava os nãos africanos acima dos africanos.

Alguns ambaquistas com enorme habilidade comercial e política acabaram por ocupar

posições de destaque ao longo do século XIX, como é o caso de Lufuma, como era conhecido

Lourenço Bezerra Correia Pinto, nascido no Golungo Alto, mas que se afirmava ambaquista.

Segundo Beatrix Heintze257

Lufuma fez fortuna atuando como comerciante independente na

feira de Kassanje. Suas atuações iam desde o tráfico de escravizados até produtos

considerados lícitos. Além de atuar de forma independente, Lufuma também prestava serviço

255

LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaio sobre a statistica das possessões portuguezas na África Occidental e

Oriental; na China; e na Oceania: escripto de ordem do governo de sua magestade fidelíssima a senhora D.

Maria II. Livro III, parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 44. 256

Idem. 257

HEINTZE, Pioneiros africanos, Op. Cit., p. 81-90.

Page 99: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

99

a casas de comércio litorâneas financiadas com capital estrangeiro, como é o caso da casa

comercial portuguesa Carneiro & Machado. Além de prestar serviço a esta casa, foi ainda nos

anos 1840 que abriu a sua própria casa de comércio na cidade de Luanda, no qual

proporcionou uma enorme expansão dos seus negócios e sua influência política. Foi

representando a casa Carneiro & Machado – e também os seus próprios interesses – que ainda

na década de 1840 o negociante foi convidado pela autoridade máxima dos Lunda – Mwant

Yav – a estabelecer comércio. Lufuma chegou a Lunda antes mesmo de viajantes conhecidos

por tal feito como o brasileiro Joaquim Rodrigues da Graça (1846-1848) e o húngaro Laszlo

Magyar (1849-1857).258

O negociante não apenas fez negócios com mercadorias, mas também

estabeleceu vínculos políticos estreitos com os Lunda. Durante dois anos residiu em

Mussumba, tempo suficiente para que a relação comercial com Mwant Yav se tornasse em

amizade a ponto de que anos depois, em 1859, obteve a autorização Lunda para criar uma

feitoria dentro do território africano, convite este rapidamente aceito, tendo Lufuma se

mudado com a família inteira, agregados e funcionários para o território sob o domínio de

Mwant Yav. Com idade avançada, Lufuma já não viajava como antes e passou a se dedicar ao

cultivo agrícola e ao patrocínio de caravanas comerciais. A presença de Lourenço Pinto

promoveu mudanças significativas na postura Lunda em relação ao comércio com os

portugueses e, principalmente incentivou Mwant Yav a dar inicio ao cultivo de tabaco com

fins de revenda na alfândega de Luanda.259

Desta forma, direta e indiretamente o negociante

proporcionou uma crescente na influência portuguesa não apenas nos sertões de Luanda, mas

além das fronteiras de legislação portuguesa.

O caso de Lufuma, não é a regra geral, mas também não se trata de uma exceção fora

da curva. Muitos foram os negociantes mestiços que com menor ou maior grau de sucesso

circularam pelos sertões e acumularam espólios financeiros e respaldo político. Lufuma não

partira do nada, era fruto de uma família que a muito comercializa nos sertões, portanto, não é

de se estranhar que seus descendentes tenham continuado com vigor as práticas comerciais

em Angola.260

A categoria ambaquista não era uma prerrogativa de nascimento, como o caso de

Lufuma exibe, mas de atuação frente os negócios. Portanto, não era incomum observar

258

Cf. GRAÇA, Joaquim Rodrigues. Expedição ao Muatiânvua – diário. In: Boletim da Sociedade Geografia de

Lisboa. 9ª série, nº 8-9, 1890, p. 399-402.; MAGYAR, Lazlo. Viagens no Interior da África Austral nos anos de

1849 a 1857, n.d. 259

Idem. 260

Ibidem, p. 91-115.

Page 100: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

100

moradores que nenhum vínculo tinha com as linhagens de Mbaka serem denominadas de

ambaquistas. Isso ocorreria pela dinâmica atividade da região com as permutas comerciais.

Um exemplo disto é Germano José de Maria, ex-escravizado que ficou notório pelo seu

envolvimento com viajantes alemães e, principalmente, pela sua atividade comercial

particular e como representante comercial de casas de negócios de Luanda. Entre as suas

principais atividades estavam às permutas de mercadorias ligadas a atividade ambaquista.

José de Maria como a maioria dos moradores africanos não aceitava ser tratado de outra

forma a não ser por branco. Em um episódio conflituoso na década de 1860, José de Maria

viu-se acuado pelo Soba Andala Quisua a mostrar-se inferior a autoridade do Soba. O

negociante foi obrigado ficar descalço e reverenciar o Soba.261

Esta atitude não apenas mostra

a complicada e complexa relação social em Angola, mas também demonstra que mesmo o

negociante sendo africano, o chefe africano o reconhecia como branco, portanto, colocar José

de Maria em posição inferior não significava apenas atingir a sua imagem, mas a dos não

africanos como um todo e, por conseguinte, a da administração colonial.

Como se observa, os ambaquistas eram peça chave no desenvolvimento do comércio e

foram pioneiros na exploração de territórios e culturas. Antes mesmo de Joaquim Rodrigues

da Graça travar contado com os Lunda nos anos 1840 e publicar a sua duvidosa narrativa de

viagem,262

ambaquistas como Lourenço Bezerra Correia Pinto já o haviam feito, mas nem por

isso receberam o devido reconhecimento. Os camundeles tão criticados por Francina, podiam

ser um empecilho no que competia a manutenção do recrutamento de mão de obra, conquanto

eram imprescindíveis na realização comercial e na relação de intermédio com as comunidades

africanas.

Ao observar a camada social dos moradores, pode-se ainda encontrar outras ocupações

de destaque para o cenário angolano. É de conhecimento da bibliografia que boa parte dos

moradores que não estavam envolvidos diretamente com o comércio de longa distância, mas

261

Ibidem, p. 117-123. 262

Joaquim Rodrigues da Graça foi um comerciante e explorador brasileiro conhecido por ter estabelecido

contato com os Lunda na década de 1840. Naquela altura o negociante estava em viagem de negócios de D. Ana

Joaquina dos Santos Silva, a qual representava comercialmente. Cf. ALMEIDA, M. C. P. F. Comércio, bens de

prestigio e insígnias de poder: as agências centro-ocidentais nos relatos de Henrique de Carvalho em sua

viagem à Lunda (1884-1888). 231 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo,

2015, p. 58. A viagem de José Rodrigues da graça foi posteriormente publicada no Boletim da Sociedade

Geográfica de Lisboa e foi ao longo dos anos objeto de incisivas análises historiográficas. Cf. GRAÇA,

Expedição ao Muatiânvua – diário. Op. Cit., p. 399-402.; HENRIQUES, Presenças angolanas nos documentos

escritos portugueses, 1997.; SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos. Expedição portuguesa ao Muatiânvua como

fonte para a história social dos grupos de carregadores africanos do comércio de longa distancia na África

Centro-Ocidental. In: Revista de História, nº 169, p. 349-380, jun/dez de 2013.

Page 101: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

101

se dedicava a agricultura, permutas locais e, principalmente a ofícios artesanais como a

alfaiataria. Nos anos 1820 chegava a mais de dois mil o número de moradores envolvidos

com ofícios manuais e pequenas manufaturas somente na região limítrofe a cidade de

Luanda.263

Golungo Alto, Mbaka e Npungo a Ndongo detinham camadas substanciais destes

indivíduos. Alguns destes ainda se dedicavam a uma atividade paralela que custava muito as

autoridades africanas e a administração colonial tolerar; a atividade de meirinho.

Os meirinhos eram na percepção do militar Francisco de Salles Ferreira,264

um entrave

para os interesses portugueses. Os meirinhos nada mais eram do que africanos nomeados

pelos escrivães distritais para o recolhimento de impostos e verificação da situação das

caravanas comerciais, sendo, em certa medida, oficiais de justiça.265

Segundo o autor os

meirinhos se achavam no direito cobrar taxas dos africanos por conta própria. Essa cobrança

era geralmente realizada com o sequestro de [...] cabras, carneiros, galinhas e tudo mais que

pudessem apanhar nas casas por onde passam [...].266

Pela perspectiva de Salles Ferreira

melhor seria a extinção deste grupo em prol do incremento e melhor trato dos empacaceiros,

que se dedicassem aos serviços dos meirinhos.

Outro canal de solução para a atividade dos meirinhos seria levar a moralidade cristã

aos africanos. Ao se referir aos hábitos dos habitantes distritais – utilizando a estratégia dos

usos e costumes – Salles Ferreira aponta que o [...] estabelecimento das missões dos

Barbadinhos, confiando a estes homens os cuidados de paroquiar as freguesias do interior

[...] 267

seria a melhor estratégia para incutir nos africanos o cristianismo em sua fé e

costumes, abrindo caminho para o bom desenvolvimento da agricultura. Em certa medida, o

autor acredita que o crescimento dos hábitos europeus entre os africanos – não apenas os

meirinhos – seria o caminho para o desenvolvimento da região, acarretando em um

crescimento na população dos moradores que, mesmo conflituosos para com a administração

e trazendo problemas aos chefes africanos, mostravam-se laboriosos e predispostos ao

comércio e cultivo de culturas exportáveis.

263

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 359-360. 264

Francisco de Salles Ferreira foi um militar prestigiado em Angola no entremeio do século XIX. Responsável

pela campanha portuguesa contra Kassanje, foi ainda administrador do presídio de Npungo a Ndongo e um

escritor-colaborador dos ideais liberais no que diz respeito a política ultramarina. 265

BARROCA, Mário Jorge, (coord). Carlos Alberto Ferreira de Almeida: in memoriam. Porto: Faculdade de

Letras da Universidade do Porto, vol. II, 1999, p. 234-235.; ARANHA, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos. A

Administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Arquivo Nacional, 1985. 266

FERREIRA, Francisco de Salles. Memoria sobre o presídio de Pungo-Andongo. In: Annaes Marítimos e

Coloniaes. Tomo VI. Lisboa: Imprensa Nacional, 1846, p. 114. 267

Ibidem, p. 112.

Page 102: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

102

Da mesma forma que Salles Ferreira visa solapar a atividade dos meirinhos, o Alferes

Francina também indica que seria necessário combater esse grupo. Na percepção do autor,

uma das melhores medidas tomadas em Mbaka em sua visita foi o fim da nomeação dos

meirinhos e outros grupos como alcaides268

e porteiros.269

Na visão do Alferes, estes grupos

não passavam de [...] um bando de carregadores que, imbuídos com a ideia de brancura, se

empenhavam a tributar como soldados [...] tornando-se depois sanguessugas nas diligencias

diárias [...].270

É nítido o julgamento depreciativo que Francina faz dos carregadores. A

avaliação do autor pode estar ligada a duas questões mais amplas. A primeira diz respeito ao

fato de que os carregadores eram africanos que de maneira forçada eram recrutados ao serviço

de transporte, portanto, não era incomum que esses carregadores dificultassem o processo de

transporte, gerando julgamentos sobre indolência e morosidade. Todavia, outra possibilidade,

tão válida quanto, poderia estar influindo sobre o julgamento do Alferes. O processo de

recrutamento de mão de obra era difícil, oneroso e sem controle por parte dos portugueses. As

caravanas comerciais só se concretizavam se as chefias africanas fornecem mão de obra para

as operações, o que dependia é claro, do relacionamento político destes com os comerciantes,

seus subordinados e dos interesses que tal transação poderia despertar. Em certa medida

Francina expõe uma frustração pela dependência portuguesa junto às comunidades africanas

para fazer o comércio fluir.

A menção dos militares, Salles Ferreira e Francina, sobre os meirinhos deixa duas

situações à mostra. A primeira diz respeito à falta de controle organizacional da burocracia

colonial nos sertões de Luanda, o qual interesses particulares de determinados

administradores e funcionários coloniais ganhavam mais relevo frente os anseios de Luanda e

da Coroa em Lisboa.271

A segunda fez inflexão à necessidade da administração colonial da

presença dos chamados moradores, exibindo como o sistema de créditos baseado em produtos

não africanos criado durante o tráfico de escravizados promoveu uma metamorfose social

profunda na região de Mbaka. A ideia de brancura não estava diretamente relacionada à cor

da pele, mas sim aos padrões comportamentais e da posição político-social assumida frente o

aparato colonial, o poder africano e as práticas comerciais.

268

A definição de Alcaide não fica clara na escrita do Major Francisco Salles Ferreira, contudo, pode-se aviltar a

visão de Alcaide como sinônimo de Capitão-mor na escrita do pequeno agente militar. 269

Por porteiro o pequeno agente indica ser um funcionários do sistema de justiça punitiva ou de resguardo em

cárcere. 270

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 10. 271

Este característica não se limita apenas aos sertões, como já fora constado no capítulo 1.

Page 103: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

103

As transformações ocorridas nos padrões comerciais em Angola, a partir dos anos

1830, atingiriam diretamente os moradores, especificamente os que residiam nos núcleos

espalhados pelo sertão de Luanda, que até este momento estavam intimamente vinculados

com as redes escravagistas portuguesas e de contrabando estrangeiro no litoral.272

Essa

atividade era facilitada pela habilidade destes moradores em se relacionar com as autoridades

africanas, especialmente os ambaquistas, que mantinham íntimos contatos com os grandes

potentados do médio Kwango: Matamba e Kassanje.273

Foram os moradores, ao lado de

chefias africanas, que maior resistência impuseram ao fim do trafico de escravizados, pois o

fim de tal atividade significaria além de danos econômicos, perda de prestígio político e

capacidade de negociação junto a administração colonial.274

Com o fim do comércio legal de escravizados, os moradores passaram a dar maior

ênfase no comércio legítimo no que dizia respeito as relações com portugueses e, nas franjas

do litoral de Luanda, no qual continuava pulsando a atividade traficante de contrabando.275

O

envolvimento dos moradores no comércio legítimo não era novo, eles já eram os responsáveis

pelas negociações de cera e marfim vindos d’além Kwango, conquanto, a partir da década de

1840 este comércio começou a apresentar grande crescimento junto com a Urzela.276

A emergência do comércio legítimo trouxe um novo panorama comercial e político

para todos os residentes em Angola: portugueses, mestiços e africanos. A administração

colonial viu nas atividades agrícolas e extrativas a oportunidade de uma ocupação territorial

mais ostensiva, abrindo caminho para uma política de colonização com migração branca,

cultivos agrícolas exportáveis e subjugação das autoridades africanas locais. Os mestiços

rapidamente se adaptaram a nova situação e ingressam em redes de comércio cada vez mais

distantes das zonas de influência portuguesa, todavia, passaram paulatinamente a serem vistos

como um empecilho para a consolidação dos interesses coloniais de Portugal e das pretensões

dos próprios chefes africanos que nesta altura tentavam aumentar seu poder político via

272

MILLER, Way Of Death, 1988. 273

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 362. 274

Ibidem, p. 370. 275

Até este ponto observaram-se os moradores envolvidos no trato comercial e agrícola, especialmente os

mestiços, contudo, havia moradores brancos e ainda a presença de mestiços nas linhas militares ou ainda em

cargos de destaque na administração colonial, uma visão mais alargada sobre estes indivíduos seria interessante,

porém com a documentação que esta pesquisa se debruça não há possibilidade de realizar tais análises de forma

direto. Não obstante, podemos perceber tais sujeitos de forma pontual durante as narrativas coloniais,

especialmente os brancos moradores do interior, como é o caso dos chefes distritais ou militares que sedem

pouso as comitivas coloniais. No caso destes últimos, os viajantes são categóricos a apontar a sua lealdade aos

interesses coloniais, mesmo que por vezes se deixem levar por ganhos particulares. 276

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 379-383.

Page 104: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

104

comércio legítimo, controle de territórios férteis e o monopólio da mão de obra em seu

recrutamento e fornecimento.

Page 105: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

105

2.2. Amarras da dependência: implicações político-sociais do serviço de carreto.

Em qualquer sistema de produção e consumo a natureza e organização dos transportes

impacta de diferentes maneiras e em diversos níveis a produção e o seu respectivo consumo

de bens e produtos. O caso do sistema de transporte estabelecido entre portugueses e africanos

em Angola evidencia esta percepção de forma bastante clara, porém, de maneira singular. As

implicações do transporte do interior angolano rumo ao litoral não apenas definiram

estratégias e reconfiguraram interesses, mas impactaram na conformação do poder africano

tradicional, nas táticas de ocupação portuguesa e permitiu a emergência de novos grupos

sociais, como os moradores vistos anteriormente.

A bibliografia trabalhou exaustivamente sobre esta matéria, não apenas devido a sua

complexidade e importância para a compreensão da realidade coeva, mas pela sua atualidade

no que diz respeito a visões sociológicas e aplicações políticas.277

No entanto, foi

recentemente que a historiografia voltou olhos aos indivíduos trabalhadores braçais que

faziam o sistema de transporte funcionar em Angola. Pode-se sem grande receio apontar três

elementos fundamentais pertinentes o transporte de itens comerciáveis em Angola: a

necessidade portuguesa da ajuda africana no recrutamento de mão de obra, a percepção

africana da dependência portuguesa e a violência da construção e do funcionamento do

serviço de transportes.278

O serviço de carreto era marcado pela brutalidade na arregimentação de carregadores.

Esse procedimento fazia com que boa parte dos recrutados resistissem ao serviço, gerando

problemas para as chefias africanas junto à administração portuguesa. Contudo, não era

incomum verificar que as chefias usavam a dificuldade de apresentar carregadores como

pretexto para consolidarem sua posição política e obterem vantagem desta situação. Em

1852, o sertanejo Silva Porto partiu em jornada pelo interior angolano visando estabelecer

novos contatos comerciais quando se deparou com uma situação não tão incomum: foi

ameaçado de ter os bens e membros de sua comitiva recolhidos quando adentrou na região de

277

Um exemplo da importância de se pensar de forma historicizada as relações de trabalho pode ser verificada na

iniciativa do CECULT-UNICAMP, com o apoio da FAPESP, em buscar compreender a espoliação da força de

trabalho em longa duração. Para mais informações consultar o projeto Entre a escravidão e o fardo da

liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica, disponível em

http://www.cecult.ifch.unicamp.br/projetos/esfarli/resumo-projeto 278

Cf. SANTOS, Barganhando sobrevivências, 2013.; HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola,

1997.; HEINTZ, Pioneiros africanos, 2004.

Page 106: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

106

Tarala pela chefia africana local. Temeroso da situação, Silva Porto partiu ao encontro da

chefia que lhe garantiu passagem segura, afirmando [...] que era menos verdade ele ter dado

tal ordem, mas sim que lhe constava serem os macotas que a tinham dado.279

Os makota logo

se apresaram em sua defesa alegando que [...] não tinham dado ordem alguma para o

sequestro da comitiva, mas sim o Soba [...].280

O sertanejo rapidamente entendeu que a

situação havia sido planejada. Era impossível resolver a peleja sem culpar um dos lados, desta

forma, a chefia africana ofereceu uma terceira via de negociação, afirmando que deveria

fornecer 3:000$000 de pagamento para resgatar dois membros de sua comitiva capturados,

desta forma, poderia seguir viagem sem grandes percalços. Silva Porto efetua o pagamento e

resgata os membros de sua comitiva. Segundo o próprio, não foi a elevada recompensa que o

repugnava, mas sim a atitude da chefia africana.

A situação vivida por Silva Porto, apesar da descrição breve e pouco detalhada, revela

uma situação bastante complexa. De um lado evidencia a dificuldade portuguesa em transitar

pelo interior africano – independente da natureza da jornada. Chama a atenção ainda que a

dificuldade acometesse justamente Silva Porto, comerciante com larga experiência em

Angola, que lá estabeleceu negócios, família, amigos e inimigos. Por outro lado, fica claro

que as chefias africanas tinham conhecimento do poder de influência que poderiam exercer

sobre portugueses e a administração colonial, seja por via diplomática ou por coerção física.

Neste caso, fica mais claro ainda a importância que o serviço de carreto e a necessidade dos

carregadores para portugueses e chefias africanas, afinal, os dois membros da comitiva de

Silva Porto sequestrados eram carregadores. Tal afirmação não é dada de forma clara na

narrativa, mais pode ser detectada quando o comerciante efetua o pagamento a chefia e logo

em seguida resgata os [...] dois negros em questão [...]281

e ainda em negociação com a chefia

africana, Silva porto recebeu [...] outros para servirem de guia [...]282

sendo que o

comerciante prontamente aceitou a oferta da chefia, não apenas para evitar conflitos, mas para

garantir uma comitiva mais orientada e volumosa.

Para se compreender o grau da dependência portuguesa sobre o arregimento de mão de

obra, faz-se necessário observar as mudanças que o próprio serviço de carreto sofreu com o

279

PORTO, Antonio Francisco Ferreira da Silva. Uma viagem de Angola à contra costa, 1854-1856. In: Annaes

do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867,

p. 273. 280

Idem. 281

Idem. 282

Idem.

Page 107: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

107

passar do tempo e com as diversas mudanças político-econômicas da região, especialmente

depois de decretada a ilegalidade do tráfico de escravizados. Durante os séculos XVII até

início do século XIX o serviço de carreto apresentava uma característica mais localizada e

envolvia principalmente bens de consumo interno em Angola, especialmente aqueles

destinados a abastecer as grandes caravanas que traziam escravizados para o os portos de

Luanda e Benguela. As chefias africanas avassaladas tinham por obrigação contratual

fornecer carregadores para o transporte de mercadorias quando solicitado pela administração

portuguesa. Contudo, nem sempre os carregadores eram empregados no transporte, sendo por

vezes reunidos para a tropa militar ou ainda para prestar serviços públicos como manutenção

e edificação de estradas.283

Nos séculos XVII e XVIII o recrutamento de mão de obra para o serviço de carreto era

violento e brutal, o que levou a inúmeros conflitos entre africanos e portugueses. Conquanto,

a partir dos anos 1840, com a lenta, mas significativa queda do comércio de escravizados, a

demanda por braços carregadores apenas cresceu, o que levou a um aumento do conflito e,

por conseguinte, uma maior debilidade portuguesa perante o poder das chefias africanas. Esse

aumento pela busca de carregadores atingiu diretamente Mbaka, que no entremeio do século

XIX era a principal região no qual os comerciantes de Luanda e seus sertões buscavam braços

para dar vazão a produção agrícola, extração de cera, mel, marfim, minérios e óleos

vegetais.284

Negociantes que circulavam pelo interior tinham o direito garantido pela

administração colonial de que as chefias africanas avassaladas forneceriam mão de obra

adequada para a realização do comércio. Caso o chefe se recusasse a fornecer braços, a

administração investia na tentativa de retirar este do poder em conluio com os makota, na

medida em que o sucessor do chefe caído seria escolhido pela administração portuguesa. No

entanto, nem sempre portugueses conseguiam fazer pressão. Um exemplo disto é a negativa

que as chefias da região do Lombe tinham em fornecer carregadores, contudo, mesmo sendo

passíveis de punição, faltava poder político moral para administração portuguesa executar os

dispositivos cabíveis. Quando as chefias acatavam o pedido português, acabavam por

submeter à região a instabilidade momentânea, pois o recrutamento de mão de obra era, a bem

verdade, um sequestro de pessoas por meio de agressões físicas e amarrações. Após os chefes

terem apresentado os carregadores as comitivas comerciais ou militares, tais comitivas ainda

283

COUTO, Os capitães mores em Angola, Op. Cit., p. 236. 284

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 395.

Page 108: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

108

enfrentavam o fato de que boa parte dos arregimentados se recusava a lançar braços no

carreto. Havia alguns que declaravam serem socialmente protegidos do serviço de carreto ou

ainda aqueles que tinham conhecidos influentes e se livravam da difícil labuta.285

O século XIX em Angola foi marcado por mudanças e permanências. A organização

do serviço de carreto não ficaria cristalizada neste contexto. Tentativas de reforma foram

colocadas em prática com a introdução de animais de carga, requalificação de estradas e

readequação do serviço de carreto, conduto, o uso de carregadores era mais prático e barato a

curto e médio prazo aos comerciantes portugueses. Desta forma, ideias e tentativas práticas de

formas alternativas de transporte caíam tão rápido quando surgiam. Medidas mais duras foram

tomadas em 1856 com a proibição do serviço de carreto, que levou a uma crise de

legitimidade portuguesa junto a comerciantes que se entenderam prejudicados e, chefias

africanas, que viram um dos seus melhores instrumentos de barganha esvair. A proibição

durou pouco e logo o serviço voltou a ocorrer – se é que realmente parou. Conquanto, fica

claro que nem sempre os interesses de chefes africanos e portugueses eram divergentes.

Como já foi dito, Mbaka era a localidade do interior mais procurada para se buscar

carregadores no entremeio do século XIX, pois, de longe era uma das regiões com a maior

concentração de chefias africanas avassaladas, além de estar bem posicionada nas rotas

comerciais interioranas. Sobre o recrutamento de carregadores, sua natureza e implicações

políticas, o Alferes Francina – já conhecido desta dissertação – deixou breve, mas interessante

comentário sobre o processo e suas implicações sociais.

Na altura da região fronteiriça entre Golungo Alto e Mbaka, o Alferes fez pouso na

vila de moradores de Aldeia Nova. Além de ser recebido pelo chefe português local, Francina

trava contato diretamente com uma importante autoridade local, o Soba Bango. Francina

indica que Bango era um chefe africano [...] singular entre os mais Sobas em todo o seu

tratamento, dignidade e forma de governo [...]286

possuindo um enorme controle sob sua

comunidade nada pequena de aproximadamente 780 fogos – número considerável para região.

Francina ainda destaca a postura da esposa de Bango que trajava elegantemente vestes

europeias e colocava-se ao lado do cônjuge. Os elogios e observações positivas a Bango não

estavam ligados apenas a uma questão de identificação de costumes em comum, mas dizia,

sobretudo, respeito à importância de Bango para o bem desenvolver do comércio lícito.

285

Um exemplo são os próprios camundeles abordados no item 2.1. 286

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 14.

Page 109: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

109

Francina indica que Bango exercia uma enorme [...] força física e moral sobre seus

subordinados [...]287

que em respeito a sua autoridade incontestável tornavam o recrutamento

de carregadores mais rápido e menos dificultoso a este chefe, não sendo preciso [...] mandar

encarregados para os tirar por meio de amarrações, porque não admite em suas terras

cammundeles e este distrito tem apenas uma família nobre que a dos Bravos [...].288

De certa forma, na visão de Francina, Bango era um exemplo de autoridade africana

no qual a administração portuguesa devia incentivar e estreitar laços. Quando ainda estava em

Mbaka e falava sobre as autoridades locais, o Alferes apontava para a existência de poucos

chefes que realmente ostentavam controle político efetivo sobre suas comunidades, sendo que

os demais eram [...] sobetas de meia dúzia de fogos [...].289

Na visão de Francina, melhor

seria se as chefias de maior expressão incorporassem os demais chefes menores com o intuito

de fortalecer as comunidades locais. Neste sentido, comunidades com um poder mais

centralizado tornariam o arregimento de mão de obra mais ágil, assim como ocorria com na

comunidade liderada por Bango.

As observações de Francina apontam para uma concomitância de interesses entre

africanos e portugueses motivados por distintas razões. De um lado os chefes africanos que

buscavam consolidar sua hegemonia política dentro de suas comunidades e frente a

administração colonial por intermédio do controle do fornecimento de mão de obra e, por

outro lado, a administração colonial que incentivando esta movimentação das autoridades

africanas buscava um controle maior sobre as comunidades locais e consequente sobre seus

territórios, alienando o poder político e criando laços de dependência que poderiam ser

rompidos por parte dos portugueses quando estes se estabilizassem em uma determinada

região e ficassem menos dependentes da relação com as chefias.

Outro dado interessante levantado pelo Alferes Francina diz respeito à certa

concentração de chefias na região de Mbaka. Inicialmente, esta informação leva ao

entendimento de que um considerável número de chefias era resultado de uma região

comercialmente ativa, que gerava a circulação de bens e pessoas. Todavia, outra possibilidade

pode ser aventada. Quando se observa o desenvolvimento do comércio legítimo, a emergência

do tráfico ilegal e as ações das chefias pode-se levantar a possibilidade de uma fragmentação

das comunidades africanas, dando origem a novos núcleos. Em outras palavras, as novas

287

Idem. 288

Idem. 289

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., Loc. Cit.

Page 110: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

110

dinâmicas comerciais afetaram diretamente a organização linhageira, dando origem a novos

núcleos de poder, sendo, por conseguinte, comunidades menores com um número pouco

expressivo de linhagens participantes e frequentemente com uma relação de submissão a

outros sobados. Este assunto será mais bem tratado no próximo capítulo, mas cabe aqui

ressaltar que esta postura é central para se compreender as ações e estratégias das chefias

africanas em Angola.

A necessidade portuguesa por controlar a mão de obra era óbvia. Se a administração

estivesse dependente das chefias para o fornecimento de carregadores, impossível seria

subjugar tais autoridades visando ocupar e legislar sobre suas terras. O desejo de combater o

monopólio das chefias sobre a mão de obra abriu uma discussão em Lisboa sobre formas

alternativas de dinâmicas de trabalho. As orientações portuguesas sobre Angola a partir dos

anos 1830 diziam respeito à transformação daquela região em uma colônia agrícola

colonizada por populações brancas, contudo, a interação com as maciças comunidades locais

teriam papel importante, na medida em que faltava, aos portugueses, força para sobrepujar o

poder africano.

Para combater o monopólio das chefias, não bastava vencer na balança do poder

político, era necessário transformar o serviço de carreto em algo atrativo e menos odioso por

aqueles que eram compulsoriamente compelidos à atividade de carregador. O caminho para

isso seria a regulamentação jurídica e reforma constante desta estrutura de trabalho. Não

obstante, a prática era muito espessa para ser rompida. Era árdua a tarefa de solapar séculos

de violência, pois [...] os vícios eram muito profundos [...]. 290

Segundo Carlos Couto, o

século XVIII e o crescimento do tráfico de escravizados foram responsáveis por desenvolver

uma ojeriza ainda maior dos angolanos pelo serviço de carreto. Neste período, o serviço se

tornou mais brutal que o habitual, as recompensas eram irrisórias comparadas ao esforço e, na

visão do autor, essa situação teria dificultado aos portugueses criar laços mais profundos e

eficazes com as comunidades do interior, que preferiam a tutela das chefias ao da

administração portuguesa.291

A realidade setecentista reconstruída por Couto parece plausível e, tomando em conta

as devidas proporções e variáveis, pode-se pensar o oitocentos em moldes semelhantes. A

bancarrota do tráfico legal e posteriormente ilegal aumentou a demanda por mão de obra

290

CARREIRA, Antonio. Angola: da escravatura ao trabalho livre. Lisboa: Arcádia, 1977, p. 97 291

COUTO, Os capitães mores em Angola, Op. Cit., p. 241-256.

Page 111: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

111

interna em Angola, pois agora era necessário tanto a portugueses quanto a chefias, criar meios

alternativos de renda – especialmente agricultura e extração. Esse cenário levou a um

aumento da violência ao mesmo tempo em que medidas legais buscavam criar formas

alternativas de trabalho, como a categoria dos libertos.292

Na teoria, os libertos configuravam

uma camada jurídica que havia superado a escravidão, seja via interesse da administração

colonial e de privados ou por meio da compra da liberdade. Essa situação não era específica

de Angola, mas praticamente em diversos pontos do Império Ultramarino português e demais

locais da América e África. Conquanto, em Angola, esta categoria aparece no século XIX

como uma alternativa de incorporação de africanos na constituição da cidadania nas

possessões ultramarinas.293

Os escravizados eram entendidos como estrangeiros, portanto, não

pertencentes ao seio nacional em sua ramificação colonial, da mesma forma, os africanos

espalhados nas comunidades dos sertões também eram entendidos como estrangeiros, mesmo

suas produções, interesses e a própria demografia fossem constantemente inseridas como

parte integrante da colônia.294

Neste cenário, os libertos foram entendidos como parte da

cidadania portuguesa – o que agradava os interesses do nascente liberalismo português –,

contudo, tiveram seus direitos políticos privados. Os libertos foram constantemente analisados

pela administração colonial pelo viés do direito natural, portanto livres, mas incapazes de se

colocarem como sujeitos políticos.295

Em outro sentido, incapazes de simpatizar e

promoverem o desenvolvimento do progresso.

Ter acesso aos direitos civis não significava na prática que os libertos fossem livres de

fato. Podiam não mais ser subjugados a escravidão, mas constantemente se encontravam

obrigados a prestar serviços públicos ou ainda forçados ao trabalho braçal nas roças por

justificativa do bem desenvolver da colônia.296

Em 1869 as cortes em Lisboa aprovam a

abolição da escravatura297

e alguns anos depois em 1875-78 é promulgado o fim dos trabalhos

292

Cf. LOVEJOY, A escravidão na África, 2002.; RODNEY, Walter. Como a Europa subdesenvolveu a África.

Lisboa: Seara Nova, 1975.; AJAYI, Ade J. F. Conclusão: a África às vésperas da conquista europeia. In: AJAYI,

Ade J. F. História Geral da África, VI: África do século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI, Ade J. F.

Brasília: UNESCO, 2010. Ainda sobre as vantagens que a escravidão e o trabalho forçado poderiam propiciar a

administração colonial Cf. MARGARIDO, Alfredo. Les porteurs forme de domination et agents de changement

em Angola (XVII-XIX), 1978. 293

SILVA, Cristina Nogueira da. Constitucionalismo e Império: a cidadania no Ultramar português. 563 f. Tese

(Doutorado em História) – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2005, p. 354-255.

Versão disponível no repositório da UNL no formato pré-publicação. 294

Ibidem, p. 325-228. 295

Ibidem, p. 369-370. 296

TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 297

MARQUES, João Pedro. Portugal e o abolicionismo. In: ALEXANDRE, Valentim (org). O império africano

(séculos XIX e XX). Lisboa: Colibri; IHC-UNL, p. 31-54.

Page 112: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

112

servis – o estatuto do liberto.298

Na prática isto não significou liberdade, pelo contrário, a

situação sobre a obrigatoriedade do trabalho tornou-se cada vez mais dura. Pelo novo

regimento os africanos estavam sujeitos a tutela do estado que tinha o direito de vender a sua

força de trabalho, de preferência aos seus antigos patrões. Além disso, passa a se considerar a

não colaboração com o desenvolvimento colonial como ato de vadiagem punível com o

trabalho forçado,299

ou seja, se um pequeno proprietário agrícola africano não destinasse parte

de sua produção à administração colonial, poderia ser enquadrado como vadio e punido com

um contrato de trabalho. De certa forma, liberto, livre ou contratado, por mais que

juridicamente possuíssem concepções distintas, na prática nada de libertador ofereciam as

populações africanas. Forçar os africanos ao trabalho foi justamente o caminho trilhado pela

administração colonial no século XIX – mesmo que com divergências.300

Outra forma de retirar da mão das chefias a influência no regime de carreto e

transformar a seleção mais branda foram por intermédio de medidas legislativas punitivas a

autoridades africanas exerciam demasiada pressão sobre as comunidades africanas, tornando a

relação mais branda e por meio de formas de trabalho alternativa ao carreto, mas que na

prática se comportavam para formas difusas de emprego de força laboral forçada no regime

de prestação de serviços e na construção de obras públicas como estradas, corte de madeira,

labuta agrícola ou a edificação de pontes e prédios administrativos e religiosos.301

Por um lado

se tentou uma aproximação junto aos Sobas e uma punição indireta sobre os trabalhadores,

reduzindo a pressão do não fornecimento de mão de obra sob as autoridades africanas. Em

nível administrativo, as mudanças retiraram poder dos chefes distritais e de presídios,

delegando a decisão sobre punição e emprego de mão de obra nas mãos do governador e sua

comissão.

A relação de atrito entre o poder litorâneo e o interiorano não era novidade. Não é

difícil verificar na documentação a insatisfação que alguns membros da burocracia de

formação jurídica relatavam quando se lançavam ao interior. O principal ponto de conflito

residia no exercício de uma espécie de duplo poder por parte dos militares em atividade nos

sertões: basicamente estes julgavam no âmbito político e jurídico a revelia do poder colonial

298

TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 299

Idem. 300

A divergência era Sá da Bandeira que pretendia uma organização do trabalho focada na venda da força de

trabalho e não no portador da energia produtiva. Isso levou a política fracassada de suprimir o serviço de

carregadores em 1856. Cf. BANDEIRA, O tráfico da escravatura, 1840. Para uma visão crítica e objetiva Cf.

MARQUES, Portugal e o abolicionismo, 2000. 301

FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 960, 963, Op. Cit, p. 60.

Page 113: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

113

de Luanda.302

A falta de controle de Luanda sobre os chefes portugueses distritais impactava

diretamente no âmbito da mão de obra, pois não era incomum que militares do interior

extrapolassem os limites regimentares e forçassem o fornecimento ilegal de trabalhadores ou

ainda no embolso da remuneração destes indivíduos quando remunerados.303

Pode-se observar a necessidade portuguesa da busca pelo controle da mão de obra,

assim como a importância que esta prerrogativa tinha perante as chefias africanas. O controle

do recrutamento assim como da força de trabalho davam vantagens a ambos, o que por vezes,

faziam com que interesses distintos se colocassem em ajuda mútua, como pode ser verificado

no caso do Soba Bango descrito por Francina. Em longo prazo a mutualidade entre Bango e a

administração colonial se demonstraria maléfica a este chefe, porém no plano imediato,

fornecer carregadores de forma rápida e ordeira abria caminho para possibilidades comerciais

e colaboração militar portuguesa, garantindo assim um status social e político diferenciado a

Bango em relação às comunidades circunvizinhas a ele.

Cabe agora buscar compreender a importância do controle sobre a mão de obra

africana em um panorama histórico do lugar das chefias. O capítulo que se segue é uma

tentativa de evidenciar a historicidade das chefias africanas em Angola, mostrando as

dinâmicas e intempéries enfrentadas ao longo da presença portuguesa e como isso constituiu

um aparato político específico no século XIX. Em outras palavras, as chefias do século XIX

não são as mesmas do tempo predecessor. A concepção de poder foi alterada, as estratégias

remoduladas e as prerrogativas de negociação reinventadas. Uma análise mais minuciosa

sobre as chefias e suas ações evidencia não apenas a percepção de um comportamento reativo

perante um novo cenário econômico, mas uma autonomia de decisão pela parte africana que é

útil também para se compreender a presença portuguesa por um viés alternativo.

302

Cf. BETTERCOURT, Carlos Pacheco de. Relatorio da correição judicial aos julgados da comarca de

Loanda. Loanda: Imprensa do Governo, 1868. 303

FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 975, Op. Cit, p. 61.

Page 114: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

114

CAPÍTULO 3

SOBAS E PORTUGUESES.

Page 115: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

115

3.1. Autonomia negociada entre Sobas e os pequenos agentes militares.

A relação entre a administração portuguesa e as autoridades africanas durante os

Oitocentos deu-se basicamente em uma rede de interesses que flutuavam de acordo com as

permutas comerciais e acertos políticos que, em sua maioria, eram instáveis e ambíguos entre

as partes. Tal diplomacia pode ser entendida como um movimento de tensão constantemente

negociada. O caso do Soba Bango Aquitamba – exposto anteriormente304

- mostra, por um

lado, a dependência portuguesa para a consolidação de interesses coloniais e a tática de boa

vizinhança de Bango, que desta forma garantia controle sobre sobetas de menor expressão.

Contudo, o mesmo evento evidencia a necessidade das comunidades do distrito do Golungo

Alto, principalmente dos estatutos políticos mais elevados, de manter relação comercial,

política e militar com a administração portuguesa. Esta premissa corrobora no entendimento

dos interesses de algumas chefias mais próximas a administração colonial em buscar solapar

de forma não militarizada – mas nem sempre – suas elites políticas e conselhos

gerontocráticos.

Para se compreender de forma mais instruída o comportamento das autoridades

africanas para além do regime de carreto no século XIX, compete compreender o estatuto

político de Soba não apenas como um conceito político africano ainda vigente, mas também

como uma categoria histórica complexa, sujeita a semântica temporal, a alterações sociais e,

principalmente, a reconfigurações pós-contato com não africanos.

Em sua análise sobre a história oral dos Mbangala, Joseph Miller aponta que o

significado da palavra Soba girava em torno da nomeação portuguesa, no sentido de que a

semântica do termo estaria vinculada a uma interação histórica com portugueses.305

Ao recuar

no século XVII na obra de Antonio de Oliveira de Cadornega pode-se observar que o estatuto

Soba não necessariamente indica o chefe principal de uma comunidade, mas uma autoridade

local subjugada politicamente a outros estatutos políticos como Ngola.306

De braço do poder

do Ngola no século XVII o estatuto do Soba foi ganhando mais autonomia política conforme

os conflitos entre portugueses e o Ndongo fragilizavam o equilíbrio do poder local. Já no

século XVIII o Soba gozava de autonomia no que diz respeito à legitimidade de seu estatuto

304

FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca. 305

MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 230-231. 306

CADORNEGA, Antonio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas. Tomo I. Lisboa: INCM, 1972,

passim.

Page 116: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

116

político frente a antigos titulares. Todavia, a autonomia do Soba estava intimamente ligada

aos titulares kota, personagens bem conhecidos da documentação sobre Angola que agiam

como uma elite política orbitando ao redor do Soba,307

geralmente era composta homens

considerados lembas.308

Neste sentido, por mais problemática que a análise de Miller seja com

relação ao tratamento de dados,309

sua indicativa de que o sentido do termo Soba torna-se

historicamente contido na relação entre portugueses e falantes do kinbundu demonstra-se

coerente. Já na altura do século XIX, o Soba não apenas estava plenamente consolidado como

dava sinais de que a relação política com os makota havia se alterado. As novas dinâmicas

comerciais envolvendo africanos310

e uma possível reestruturação da organização linhageira

apontam que os Sobas pressionavam suas elites locais na tentativa de que as sucessões

beneficiassem sua a estrutura linhageira.311

Ao longo do século XVII e XVIII a região do Golungo Alto e as populações que ali

circunscreviam viveram de maneira bastante intensa os tratos relativos ao comércio de

escravizados. Um exemplo é Mbaka, um dos pontos interioranos mais importantes nas

dinâmicas escravistas promovidas pelos sertanejos com capital litorâneo de Luanda oriundos

de Portugal e Brasil. O que colaborava maciçamente para o forte desenvolvimento deste

comércio na região era o posicionamento estratégico, pois durante todo o século XVIII foi o

ponto de influência portuguesa mais oriental em direção à movimentada feira de Kassanje e,

ao mesmo tempo, não se encontrava tão distante do núcleo de Luanda. A rota vinda de

Kassanje, passando ao longo do distrito do Golungo Alto com destino a Luanda era uma das

carreiras comerciais mais movimentadas sob influência portuguesa.312

Pensando no tráfico como uma atividade comercial transformadora e reestruturante

das sociedades africanas a partir do século XVII, Jan Vansina fez breve, mas importante

307

Cf. MILLER, Poder Político e parentesco, passim.; CARVALHO, Os homens do rei em Angola, Op. Cit, p.

46-59. 308

Segundo Joseph Miller o Lemba é um tio mais velho da linhagem matrilinear, que junto com outros Lemba

formam um grupo gerontocrático de aconselhamento, apoio e regulador das atividades políticas e sociais do

Soba, sendo este grupo detentor do estatuto Kota, no plural makota. Cf. MILLER, Poder Político e parentesco 5,

p. 64-67. 309

A grande questão envolvendo o tratamento de dados realizado Miller diz respeito a uma série de

generalidades em busca de uma coerência argumentativa acerca do desenvolvimento de padrões políticos e

sociais entre os Mbundu. Para um análise sobre o Ndongo mais atual e critica a de Miller Cf. COELHO, Virgilio.

Em busca de Kábàsà, Op. Cit., p. 443-77. 310

Cf. HENRIQUES, Isabel Castro. Sal, comércio e poder em Angola. In: O pássaro do mel: estudos de história

africana. Lisboa: Colibri, 2003, p, 83-99. 311

VANSINA, Jan. Ambaca society and the slave trade, c. 1760-1845. In: The Journal Of African History, mar,

p. 1-27, 2005.; MILLER, 1988, p. 71-104. 312

MILLER, Way of death, Op Cit., p. 207-244.

Page 117: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

117

análise, sobre o impacto que a atividade exerceu sobre as comunidades africanas da região de

Mbaka ao longo do século XVIII e primeira metade do século XIX. As estruturas já a muito

estudadas das comunidades matrilineares de Angola sentiram a pressão do tráfico de

escravizados de forma maciça na organização demográfica e no equilíbrio do poder político

linhageiro. No que compete às autoridades africanas, o impacto da atividade traficante pode

ser mais sensivelmente observado no fortalecimento político obtido por intermédio não

apenas do uso de insígnias culturais não africanas originadas das permutas comerciais, mas

também nas alianças formais estabelecidas com a administração portuguesa.313

É bem verdade

que a esmagadora maioria de tais alianças estava assentada em um terreno bastante instável e,

por mais sólido que um tratado pudesse parecer era facilmente rompido e reestruturado de

acordo com os interesses africanos.

A possibilidade de acumular prestígio e poder político por meio do comércio de

escravizados fortaleceu a figura do líder linhageiro perante comunidades circunvizinhas e a

sua própria, mas ao mesmo tempo permitiu a emergência de que novas linhagens menores se

fortalecessem em um cenário que deu origem ao que Vansina chamou de novas elites que

passaram a ameaçar comunidades mais antigas.314

Esse processo parece ter ganhado ainda

mais força quando as comunidades de maior peso político como Kassanje encontraram

dificuldades em se reestruturar perante a falência do comércio legal de escravizados, abrindo

ainda mais o caminho para que pequenos grupos, em sua maioria sem relação formal com a

administração colonial, se envolvessem no tráfico ilegal nas regiões costeira de pouca ação

portuguesa.315

O contato comercial e, consequentemente político, também levou ao

envolvimento burocrático entre chefes africanos e a administração colonial. Durante o século

XIX, por exemplo, foi muito comum que os chefes atuassem em determinadas situações como

agentes da administração colonial, seja na responsabilidade de arregimentar mão de obra para

o serviço de carreto ou ainda na recolha de impostos como o dízimo.316

Esta dinâmica

fortalecia a relação com a administração colonial e distinguia as chefias, todavia fragilizava a

autoridade africana perante a política portuguesa local; os capitães-mores.317

Jan Vansina coloca em dúvida se a formação destas novas elites e o envolvimento com

a burocracia colonial dos chefes na região de Mbaka estava vinculado ao tráfico de

313

Ibidem, p. 71-104.; VANSINA, Ambaca society and the slave trade. 314

Ibidem, p. 16-21. 315

FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, Op. Cit., p. 9-12. 316

VANSINA, Ambaca society and the slave trade, Op. Cit., 23. 317

Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola, passim.

Page 118: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

118

escravizados ou a uma pressão alimentada pelo interesse da administração colonial.318

Os

indícios recolhidos pelo autor não permitem uma exploração mais avançada sobre a matéria,

porém é preciso frisar que o real controle e influência portuguesa sobre as comunidades de

Mbaka no século XVIII e boa parte do XIX era bastante tímida e que o envolvimento africano

no tráfico de escravizados nem sempre era prerrogativa portuguesa. O próprio Vansina indica

que o crescimento observado na região de Mbaka ao longo do século XVIII e inicio do XIX

estaria fortemente conectado com um interesse das chefias africanas reafirmarem poder

político por intermédio do comércio com portugueses e comunidades circunvizinhas.319

Esse

processo não apenas aponta para um protagonismo africano nos interesses comerciais, como

leva Vansina a conjecturar uma chefia africana cada vez mais individualizada dentro das

linhagens. Tradicionalmente as comunidades do grupo linguístico kimbundu residentes na

região de Mbaka estavam organizadas de forma matrilinear e gerontocrática, com uma

organização de trabalho bem definida: mulheres dedicando-se a agricultura e os homens

voltados à caça, guerra e ofícios artesanais como a manipulação do ferro.320

Essa forma de

organização social é segundo a bibliografia antropológica bastante difundida na região de

migração e ocupação dos falantes de línguas com origem no tronco Niger-Congo.321

Essa

estrutura obviamente não era imutável e em Mbaka ocorreram profundas transformações que

impactaram diretamente a conformação das linhagens matrilineares.

A mudança mais substancial talvez tenha sido o fato de que ao longo do século XVIII

a figura do homem mais velho irmão da mãe tenha crescido e acumulado prestigio dentro das

comunidades devido ao contato com o comércio de gentes, pois até então era comum que o

filho de uma irmã mais velha acumulasse poder e destoasse dentro de uma comunidade. Essa

grande mudança ao longo do século XVIII parece ter ganhado linhas mais consolidadas

durante o século XIX, sendo segundo Vansina o seu principal efeito a possibilidade de uma

herança patrimonial herdada de forma matrilinear. Nesta altura a herança não era somente dos

estatutos políticos e objetos rituais, mas havia espólios comerciais, bens europeus e, claro,

indivíduos escravizados. Neste sentido o homem mais velho de uma linhagem materna da

comunidade passa a controlar a força produtiva – independente da reivindicação parental –,

318

VANSINA,. Ambaca society and the slave trade, Op. Cit., p. 21. 319

Ibidem, p. 25. 320

Para uma interessante análise sobre a relação entre a manipulação do ferro, estruturação social e poder

político Cf. SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros na África central no século XIX. São

Paulo: Alameda, 2011. 321

Cf. MEILLASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros e capitais. Porto: Afrontamento, 1976.; ______.

Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.; TURNER, Victor.

The forest of symbols: aspects os Ndenbu ritual. London: Cornell University Press, 1967.

Page 119: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

119

centralizando de forma mais enfática as atividades de responsabilidade da chefia ou, como é

frequentemente referido na documentação, o Soba.322

O estatuto político Soba é antigo e, como fora visto, resignificado com o passar do

tempo. O espraiamento direto e indireto do comércio português sobre as mais plurais

comunidades africanas gerou uma vulgarização do termo Soba a qualquer autoridade central

africana. No empreendimento colonial branco de Mossamedes, os portugueses tiveram

dificuldades na década de 1830 ao lidar com autoridades políticas novas, etiquetadas como

Sobas, com costumes distintos e, principalmente que demonstravam desinteresse no

comércio. A situação ficava ainda mais complicada quando tais autoridades recebiam e davam

abrigo a sujeitos fugitivos do comércio traficante. A falta de interesse portuguesa em conhecer

as comunidades africanas para além do básico do trato comercial e boa vizinhança política fez

com que estatutos políticos como Handa, na região sul da Província Angola fossem

rapidamente categorizados como Soba. 323

O mesmo se aplica os Sobas da região do Golungo

Alto, como Bango Aquitamba, que desde o século XVI estava envolvido com o tráfico de

escravizados e fornecimentos de provisões aos portugueses.324

Obviamente o Bango

Aquitamba do século XVI não era o mesmo sujeito que o Alferes Francina encontrou no

século XIX, tratam-se mais de um estatuto político do que um nome próprio. No contexto

oitocentista, o dicionarista, poeta e jornalista angolano Joaquim Dias Cordeiro da Matta

grafou em seu dicionário kimbundu/português que o verbete Soba era sinônimo de regulo ou

potentado, ou ainda uma expressão de tratamento social envolvendo o jogral linguístico dos

enigmas.325

A definição como potentado feita por Matta é bastante conivente com o seu

tempo, pois nesta altura o Soba era visto como autoridade máxima das comunidades nos

sertões de Luanda e a categoria acabou sendo generalizada para qualquer chefe africano em

Angola, inclusive aqueles que possuíam títulos políticos e estatutos sociais diferentes. Abaixo

segue uma lista com Sobas encontrados no commpito geral dos textos que compõem está

322

VANSINA, Ambaca society and the slave trade , Op. Cit., p. 16-20. 323

MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez da Guiné Inferior, Op. Cit., p. 115.

O texto de Menezes faz referência ao Handa como Soba, sendo Handa utilizado como nome próprio. Jill Dias de

forma coerente identificou Handa como estatuto político e também referenciou o termo graficamente como

Hamba. Cf. DIAS, Angola, Op. Cit., p. 346-347. 324

Cf. nota 54 da página 47. In: ALFAGALI, Cryslaine Gross Marão. Ferreiros e fundidores da Ilamba. Uma

história social da fabricação de ferro e da real fábrica de Nova Oeiras. (Angola, segunda metade do séc XVIII).

407 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. 325

MATTA, Joaquim Dias Cordeira da. Ensaio de diccionário kimbundu-português. Lisboa: Typographia e

Stereotypia Moderna, 1893, p. 142. Para uma interessante análise sobre Joaquim da Matta Cf. CORRADO,

Jacopo. Joaquim Dias Cordeiro da Matta: A Poet, Pedagogue, and Promoter of Indigenous Languagesin Late

Nineteenth-Century Angola. In: Research in African Literatures, Vol. 40, Nº 2, 2009, p. 140-158.

Page 120: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

120

pesquisa.326

Nem todos foram analisados e os dados referentes a cada um variam muito. Em

alguns casos existe uma intensa escrita dos pequenos agentes – principalmente quando se trata

de um encontro direto –, por outro lado ocorre a nulidade de informações, sendo os Sobas

simplesmente citados, seja porque o viajante apenas cruzou por suas terras sem encontra-lo ou

porque na perspectiva do registro colonial não havia interesse. Existem também Sobas que

tiveram suas informações construídas a partir do cruzamento de dados documentais, estando

alguns dos dados fragmentados em diferentes textos.

326

Os dados foram recolhidos diretamente na documentação analisada que pode consultada de formacompleto na

bibliografia, subitem fontes ao final desta dissertação.

Page 121: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

121

SOBA RELACIONAMENTO INFORMAÇÕES LOCALIZAÇÃO

Ngola Quiato vassalo 712 fogos - D. Agostinho Domingos Massangano

Itombe vassalo 659 fogos - D. João Paulo de Araújo Massangano

Bamba a Tunga vassalo 467/399 fogos - D. Pedro João Jeromyno Massangano

Gengue vassalo 487 fogos - D. Christovão Matheus Massangano

Ngolome vassalo 281 fogos - D. João Dias Botelho Massangano

Zumba a Quizunde vassalo 190 fogos - D. Manoel Joannes Pegado Massangano

Zambi a Queta/Zambiaguela n/e 182 fogos - D. Lourenço Paulo Theodosio Massangano

Cabuto vassalo 181 fogos - João Domingos Massangano

Canhague vassalo 101 fogos - D. Diogo Miguel Zembo Massangano

Quissala vassalo 108 fogos - D. Matheus Agostinho Massangano

Ngola Andala vassalo 87 fogos - D. Amaro Mathias dos Santos Massangano

Quilonguella vassalo 76/41 fogos - D. João André Fernandes da Cruz Massangano

Quiguango/Quiguangua vassalo 64 fogos - D. Antonio Damião Massangano

Sonna Cangombe vassalo 352 fogos - 235 cabeças de gado - D. Manuel Matheus Pedro Cambambe

Quilonga Quianzunga vassalo 324 fogos - D. Maria Gregório Cambambe

Cabuco Cambilo vassalo 2.976 fogos - 921 cabeças de gado - Dembo - D. Francisco André Fernandes Torres Cambambe

Mutta Localla n/e n/e Cambambe

Dumbo Apepo vassalo 1.107 fogos - 676 cabeças de gado - D. Magdalena Sebastião João Gago Cambambe

Nhangue Apepo vassalo 174 fogos - 125 cabeças de gado - D. Gaspar Lourenço Cambambe

Quilonga Quiabungo vassalo 846 fogos - D. André João Fernandes Cambambe

Casse Candala vassalo 194 fogos - 59 cabeças de gado Cambambe

Ndambi Assamba vassalo 194 fogos - 201 cabeças de gado - D. Domingos João Cambambe

Muhanga Atutu vassalo 219 fogos - 200 cabeças de gado - D. Manoel Chamorro da Silva Cambambe

Cambembe Calunga vassalo 524 fogos - 20 cabeças de gado - D. Pascoal Fernandes da Cunha Cambambe

Quitungo Quiabungo vassalo 383 fogos - D. Gregório Gaspar Cambambe

Ngolandala vassalo 231 fogos - 347 cabeças de gado - D. Manuel Quizunguila Cambambe

Quissuba Quiaqueta vassalo 275 fogos - 17 cabeças de gado - D. Anna Fernandes Torres Cambambe

Page 122: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

122

Muquila Aquilungo vassalo 374 fogos - 168 cabeças de gado - D. João Bartholomeu Cambambe

Ngola Calunga vassalo 736 fogos - 14 cabeças de gado - D. Maria Pedro André Cambambe

Quiluangi Quiassonde vassalo 303 fogos - 597 cabeças de gado - D. Manoel João Miguel Cambambe

Quibongo Quialungi vassalo 174 fogos - 72 cabeças de gado - D. Joaquim João Cambambe

Ndombo Andala vassalo 164 fogos - 147 cabeças de gado - D. Pedro Antonio Ferreira Cambambe

Ndalla Tutu vassalo 114 fogos - 72 cabeças de gado - D. João Francisco Antonio Cambambe

Ndalla Cane vassalo 114 fogos - 138 cabeças de gado - D. Manoel Francisco Cambambe

Nhangue Aquiluangi vassalo 97 fogos - 87 cabeças de gado Cambambe

Caluete Candua vassalo 86 fogos - 85 cabeças de gado Cambambe

Ndandi Angola vassalo 78 gofos - 14 cabeças de gado - D. Manoel Francisco Cambambe

Cafuxi Cabango vassalo 71 fogos - 71 cabeças de gado Cambambe

Bungue vassalo 30 fogos Cambambe

Caboco Caambundo vassalo 27 fogos - 55 cabeças de gado - D. Antonio Francisco Cambambe

Caboco Candala Quitanda vassalo 26 fogos - 22 cabeças de gado - D. Domingos José Manuel Cambambe

Nzumba Apangi vassalo D. Quilulu Cambambe

Ngola Pumba vassalo plantações, carregadores, criação Cazengo

Hango vassalo n/e Cazengo

Ndalla Tando vassalo 1.780 fogos Cazengo

Guangua vassalo 104 fogos Cazengo

Caboco Cahebo vassalo 501 fogos Cazengo

Hoco Acassambi vassalo 454 fogos Cazengo

Caculo Cameuinza vassalo 2.121 fogos Cazengo

Muinza a Ngoma vassalo 490 fogos Cazengo

Cavungi Comona vassalo 409 fogos Cazengo

Ndanda Cavungi vassalo 4.901 fogos Cazengo

Hango a Ngolome vassalo 369 fogos Cazengo

Ngola Mona vassalo 239 fogos Cazengo

Ngola Cafuxi vassalo 88 fogos Cazengo

Hango Aquihito vassalo 127 fogos Cazengo

Quito Quiacabaça vassalo 161 fogos Cazengo

Hundo a Ngombe vassalo 97 fogos Cazengo

Ngola Mona II vassalo 67 fogos Cazengo

Page 123: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

123

Queinangi quia Cavungi vassalo 74 fogos Cazengo

Queta vassalo n/e Golungo Alto

Bango Aquitamba vassalo 780 fogos - plantações, carregadores, criação Golungo Alto

Ngola Bumba vassalo 44 fogos Mbaka/Cazengo

Ngonga a Muisa vassalo n/e Mbaka

Ndalla Ceia vassalo n/e Mbaka

Caculo Cacabaça vassalo n/e Mbaka

Pari a Mulenga vassalo plantações Mbaka

Cassoha Cagingi vassalo n/e Mbaka

Quibangano Andala Canhaga vassalo n/e Mbaka

Ngola Luigi vassalo plantações Mbaka

Quitucolo vassalo n/e Mbaka

Buabua vassalo n/e Mbaka

Cauzenze Ngola Alucalla vassalo n/e Mbaka

Quilanga vassalo n/e Mbaka

Ndalla Alucalla vassalo n/e Mbaka

Quibinda vassalo n/e Mbaka

Satte vassalo n/e Mbaka

Quitala quia Casseno vassalo n/e Duque de Bragança

Camdumba vassalo n/e Duque de Bragança

Samba Cango vassalo n/e Duque de Bragança

Ngolome Aquitamba não avassalado n/e Duque de Bragança

Ndalla Bumba vassalo n/e Duque de Bragança

Ndalla Canhanga vassalo n/e Duque de Bragança

Luamba Lomgolome vassalo n/e Duque de Bragança

Quiluange Quiacangala n/e n/e Duque de Bragança

Bangoa Lucalla vassalo n/e Duque de Bragança

Cabange Caquitamboa não avassalado n/e Duque de Bragança

Muenza Quanza vassalo n/e Duque de Bragança

Gongo Saki vassalo n/e Duque de Bragança

Page 124: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

124

Muenza Angonga vassalo n/e Duque de Bragança

Ngolombe Aquitamboa vassalo n/e Duque de Bragança

Ngola Cambango vassalo n/e Duque de Bragança

Lucalla Andala Mona vassalo n/e Duque de Bragança

Namba Quiala vassalo n/e Duque de Bragança

Sange Alomba vassalo n/e Duque de Bragança

Namba Quiala vassalo n/e Duque de Bragança

Calandula Caquibambo vassalo n/e Duque de Bragança

Ndalla Tumba vassalo n/e Duque de Bragança

Quiluange Cassamba não avassalado n/e Duque de Bragança

Ndambi Angola vassalo n/e Duque de Bragança

Quifucuecussa n/e n/e Duque de Bragança

Calandula Cagombe vassalo n/e Duque de Bragança

Mocombo Assamba vassalo n/e Duque de Bragança

Mutamba não avassalado n/e Duque de Bragança

Tango Angonga não avassalado n/e Duque de Bragança

Calandula Caquibango n/e n/e Duque de Bragança

Bomba não avassalado n/e Duque de Bragança

Ndambi Zumbo Azalezale não avassalado n/e Duque de Bragança

Nhangue Amacamba vassalo n/e Npungo a Ndongo

Nhalha Quioza vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ngola Zanza vassalo n/e Npungo a Ndongo

Canzinzo vassalo n/e Npungo a Ndongo

Candumbo Caango vassalo n/e Npungo a Ndongo

Dombo vassalo n/e Npungo a Ndongo

Lucala Iaquilindo vassalo n/e Npungo a Ndongo

Palanca vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quissa Quina vassalo n/e Npungo a Ndongo

Nbala Quirimba vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quiringe vassalo n/e Npungo a Ndongo

Muto Quito vassalo n/e Npungo a Ndongo

Gombe Andua vassalo n/e Npungo a Ndongo

Page 125: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

125

Cabanga vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quiaxango vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quissaquina vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quiaeba vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ifunda vassalo n/e Npungo a Ndongo

Caçula vassalo n/e Npungo a Ndongo

Gombe Afuxe vassalo n/e Npungo a Ndongo

Macange vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ndambi Aquitumbo vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ganga Catua vassalo n/e Npungo a Ndongo

Quitamba vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ita Lunga vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ndalla Nambua vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ndambi Aquituto vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ngola Bambi vassalo n/e Npungo a Ndongo

Unga vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ari Andalla vassalo n/e Npungo a Ndongo

Boro vassalo n/e Npungo a Ndongo

Namboa Atondo vassalo n/e Npungo a Ndongo

Zuanga vassalo n/e Npungo a Ndongo

Ngola Quixute vassalo n/e Npungo a Ndongo

Mutta n/e n/e Npungo a Ndongo

Ponde vassalo submisso a Marimba Angombe Malanje

Calulo vassalo n/e Malanje

Chacabeto vassalo n/e Malanje

Marimba Angombe vassalo n/e Malanje

Cunga Palanca vassalo submisso a Quindange Malanje

Quindange vassalo sobrinho de Cunga Palanca Malanje

Mugire vassalo submisso a Quindange Malanje

Guri vassalo Marfim Malanje

Quibuagana Coquinai vassalo sobado em dispersão pós guerra Malanje

Calongo vassalo Cera Malanje

Page 126: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

126

Binga Auzamba não avassalado cera e marfim Malanje/Songo

Camexe vassalo cera, marfim, carregadores, plantações Malanje/Songo

Capelle vassalo sobrinho de Camexe Malanje/Songo

Canathia vassalo plantações - filho de Camexe Malanje/Songo

Cungue vassalo n/e Talla Mugongo

Bungo Hiatembo vassalo n/e Talla Mugongo

Mutemba vassalo n/e Talla Mugongo

A grafia dos Sobas foi feita de acordo com a utilizada pelos autores da documentação.

Tabela I – Levantamento dos Sobas da região do Golungo Alto citados na documentação.

Page 127: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

O levantamento dos Sobas do distrito do Golungo Alto permite verificar – mesmo com

lacunas – o interesse português por informações que indicassem o potencial produtivo de cada

sobado controlado por um Soba avassalado. Dentre tais informações, se sobressaem o número

de fogos, criação de animais domésticos, natureza e estado produtivo das lavouras e a

condição das estradas.327

Quanto mais interessante uma propriedade se demonstrava aos

interesses portugueses – entenda-se interesse por capacidade agrícola e de fornecimento de

mão de obra –, maior é o detalhamento das comunidades. Todavia, existe outra característica

que parece ser decisiva no interesse português: o desconhecimento. Com exceção de

Massangano, Cazengo e Cambembe, cujas informações foram recolhidas pelos autores em

registros de época, os pequenos agentes demonstram pouco interesse em registrar dados mais

precisos sobre Mbaka, Golungo Alto (ainda presídio na primeira metade do século XIX) e

Npungo Ndongo, sendo estas regiões tão importantes quanto no comércio interiorano. Por

outro lado, chama a atenção o particular interesse dos autores por regiões como Malanje e

Duque de Bragança, que no contexto dos Oitocentos eram pouco exploradas e de presença

portuguesa mais recente. Os registros sobre Duque de Bragança, por exemplo, apresentam

uma quantidade significativa de Sobas não avassalados citados na documentação, sendo tais

citações incomuns por parte dos agentes militares sobre outras regiões. Dos 31 Sobas

registrados aparecem 7 não avassalados e 3 sem especificações. A presença de não

avassalados pode indicar um interesse dos agentes em reportar à administração colonial a

necessidade de se realizar acordos e estabelecer vínculos regionais, na medida em que Duque

de Bragança era próxima a rotas comerciais que passavam por Mbaka e era margeado por

Matamba sob controle dos Ginga. Em certo sentido, dava-se ênfase a ausência da presença

portuguesa em sua manifestação indireta via relação política com os Sobas locais. Não

obstante, a quantidade de Sobas não avassalados reflete uma região de difícil transição, no

qual era preciso invadir terras consideradas hostis para chegar ao ponto interiorano ou ainda

para dali se mover aos demais presídios próximos.

Dentre os Sobas listados, chama à atenção a figura de alguns, dentre os outros, que

demonstram claramente uma predileção portuguesa devido a sua capacidade de governança, a

quantidade de fogos328

e as possibilidades agrícolas manifestas em suas terras: Dembo

327

Este último item não consta na tabela devido à dificuldade de se perceber quem controlava determinado

trecho das rotas citado pelos pequenos agentes militares. 328

A documentação não permite saber a quantidade de filhos, contudo informa uma contagem aproximada de

fogos que cada sobado possui. Obviamente não é possível chegar a uma aproximação do número de filhos sem

saber a sua média por fogos. Conquanto, não é improvável pensar que quanto maior o número de fogos maior a

Page 128: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Kabuku Kambilu, Dumbo Apepo, Ndala Tando, Bango Aquitamba, Ndanda Cavungi e

Caculo Cameuinza. Infelizmente a documentação trás poucas informações sobre tais Sobas,

sendo exceção Bango Aquitamba que aparece como a mais importante chefia nas

proximidades do presídio do Golungo Alto. Ao mesmo tempo, esta pesquisa acredita que o

Soba Ngola Pumba, do Cazengo329

– cuja documentação não aponta a quantidade de fogos –,

tenha uma quantidade de filhos e fogos significativos. Isto ocorre pelo curioso interesse

apresentado pelo agente Manoel Alves de Castro Francina em incentivar que o seu sobado se

dedicasse mais a agricultura. Tal informação poderia apontar para um contingente de braços

desperdiçados pela perspectiva do pequeno agente militar.

Outro ponto importante que a lista de Sobas permite verificar de forma mais clara diz

respeito à centralização política dos mesmos e o fenômeno da fragmentação das linhagens. Ao

se observar os dados da região de Malanje, faz-se possível reconstruir um padrão de ocupação

de espaço no qual as linhagens possuem um passado em comum. O Soba Camexe de Malanje

demonstra ser uma grande autoridade local, agindo como Soba avassalado de importância

estratégica aos interesses portugueses e bastante valorizado pelos agentes coloniais,330

na

medida em que apresenta lavouras significativas. Em torno de sua sobado encontravam-se

dois sobados tão importantes quanto, que segundo o autor Joaquim Rodrigues Graça eram

politicamente submetidos à Camexe: sendo seus Sobas Capelle e Canathia, sobrinho e filho de

Camexe respectivamente. A princípio a questão pode ser encarada como uma relação de

submissão linhageira, porém, mesmo que submissos, Canathia, mas principalmente Capelle,

demonstra extremada autonomia em relação a seu tio, sendo que a narrativa em seu contexto

amplo leva a reflexão de que o sobrinho controlava linhagens não submissas a Camexe. Esta

situação pode insinuar que em algum momento, os titulares Camexe e Capelle afastaram-se e

este último ganhou mais autonomia, mesmo que ainda esteja sobre o julgo maior de Soba

Camexe. Situação parecida ocorre com o Soba Quindange de Malanje e seu tio Cunga

Palanca. Porém, desta vez, o sobrinho é quem controla politicamente o tio mais velho. Não é

possível saber como essa situação se configurou historicamente com a documentação

analisada, mas não seria absurdo aviltar a possibilidade de que em algum momento ocorrerá

população de determinada comunidade na medida em que os pequenos agentes costumam informar quando as

moradias estão ou não abandonadas. 329

FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, p. 459. 330

GRAÇA, Joaquim Rodrigues. Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, ou aonde for

mais conveniente pelo interior do continente de que as tribus são senhores. In: Annaes do Conselho Ultramarino

– Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 104-105.

Page 129: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

uma cisão linhageira por razões comerciais, na medida em que os mesmos estavam

localizados próximos a região de Npungu a Ndongo.

Ao mesmo tempo em que a documentação analisada neste trabalho e os sujeitos que a

compõe se inclinam para o fenômeno da centralização política apontada por Vansina, se

percebe outra faceta: o rearranjo político via interações políticos-comerciais do cotidiano.

Vansina exibe um cenário de reestruturação linhageira culminando na centralização de títulos

políticos ao mesmo tempo em que ocorreu uma fragmentação de poderes inicialmente

decorrida da atividade traficante e posteriormente pela circulação de bens. Por outro lado, os

pequenos agentes militares deste trabalho deixam transparecer em seus encontros com

autoridades locais, não só a necessidade destes para a manutenção da estrutura colonial, mas o

seu imprescindível protagonismo nas esferas de produção, transportes e fileiras militares. Essa

debilidade lusa frente às estruturas africanas permite aferir sobre os interesses africanos por

meio de suas estratégias e escolhas. Nesta linha reflexiva, o caso de Bango Aquitamba não é

incomum, fazendo-se possível verificar na região do Golungo Alto outros Sobas que

apresentam características semelhantes, porém, manifestada de forma distinta.

Os relatos e memórias deixados pelos pequenos agentes militares que circulavam pelo

Golungo Alto são precisos no que diz respeito aos interesses portugueses e ao julgamento

sobre o poder político e estrutura social africana. As viagens destes sujeitos construíram,

dentro do possível, uma linguagem voltada a avalizar e propagar percepções liberais pró-

ocupação da província de Angola via o incentivo a agricultura, extração e avaliação das

autoridades tradicionais que oscilavam dentro da discursiva entre depreciadas e ovacionadas.

Tal orientação era generalizada, porém, os textos foram construídos de forma distinta,

variando principalmente no que diz respeito à situação política do Soba e se o encontro foi

direto ou indireto. Quando direto – como no caso de Bango Aquitamba e de outros chefes – o

militar faz referência direta ao Soba, argumentando geralmente sobre bem feitorias que seu

sobado viveria se [...] elle e seus filhos se voltassem á agricultura, especialmente do tabaco,

algodão, arroz e café [...]331

sendo que desta forma [...] elle mesmo desconheceria o estado

actual332

e veria a sua comunidade florescer e ganhar destaque. A frase anterior foi grafada

pelo Alferes Francina sobre outro Soba e sua governança, Ngola Pumba, desta vez, no

Cazengo, na jurisdição do Golungo Alto, quando o pequeno agente seguia rumo aos cafeeiros

de João Guilherme Pereira Barbosa.

331

FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, Loc. Cit. 332

Idem

Page 130: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

A frase de Francina expõe mais do que apenas um desejo liberal de reconfigurar as

forças produtivas e estruturas econômicas provinciais, revela um padrão de contato político

entre Sobas e pequenos agentes. Tal arquétipo parte sempre do mesmo princípio: o pequeno

agente chega às terras de determinado Soba e descreve a condição da estrada e, quando existe,

da plantação, após isso ele se dirige ao sobado para travar contato direto com as autoridades

locais, conquanto, apenas o Soba é citado e raramente os seus makota aparecem. Durante o

contato ocorre uma troca de presentes ou apenas um dos lados se propõe a tributar. No caso

de Ngola Pumba, assim como em outros como o Soba Camexe,333

de Malanje, ambos

avassalados, os únicos a tributarem são as autoridades africanas. O Soba Pumba ofereceu a

Francina e sua comitiva [...] um cabrito e uma pouca de farinha [...] 334

lamentando o mesmo

Soba não dispor de mais. A tributação de mão única deixa claro a vassalagem e o interesse

português em se mostrar superior à autoridade africana, todavia, o conselho do Alferes

Francina sobre o sobado de Ngola Pumba flerta com a incapacidade da administração colonial

em por conta própria gerar um processo de ocupação e expansão colonial.

Essa característica foi transversal à administração colonial ao longo do século XIX e

pode ser mais bem avaliada quando observado o espaço interiorano em relação a Luanda. Na

fronteira do Songo com a Malanje, o anteriormente referido Soba Camexe garantia o bem

andar dos tratos comerciais por vontade própria e não devido a uma pressão externa. Camexe

era singular na região, Soba de grande poder militar indo desde armas tradicionais até

guarnição de origem não africana como uma [...] casa de pólvora, frasqueiras embaladas,335

fazendo o uso de armas de fogos como bacamartes. Soba Camexe era na percepção do

explorador brasileiro, Joaquim Rodrigues Graça, uma chefia famosa pela indolência e

agressividade como qual se reportava aos brancos, porém, com um maior contato com os

portugueses e os moradores e sua entrada à [...] idade decrepta já não consente, que seus

povos roubem, como o tem feito; ao contrário, tem prestado auxilio [...] 336

a comerciantes e

os viajantes que por algum motivo precisam cruzar suas possessões. A mudança de

comportamento de Camexe fica evidente quando o mesmo corre em socorro a [...] vida e

fazendas de um aviado de D. Anna Joaquina dos Santos Silva, de que o explorante foi

testemunha, acompanhando a força para salvar o infeliz e as fazendas.337

Rodrigues Graça

333

GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, p. 104. 334

FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, p. 459. 335

GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, Op. Cit., p. 104. 336

Idem. 337

Idem

Page 131: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

não apenas comenta com relevância a mudança de comportamento de Camexe, como enaltece

o poder linhageiro deste perante sua comunidade e sobados circunvizinhos. Para além de suas

terras vastíssimas, somando mais de 150 leguas,338

Soba Camexe detinha um imenso poder de

influência sobre seus vizinhos e Sobetas avassaldos, estando entre eles Capelle e Camathia,

respectivamente sobrinho e filho de Camexe.339

O controle rígido adotado por Camexe tanto nos quesitos militares quanto na situação

política africana fez com que uma aliança com tal potentado se tornasse imprescindível aos

portugueses. Todavia, cabe a pergunta do por que Camexe aproximou-se da administração

colonial. A documentação não deixa claros os motivos, alegando apenas que para além da

avançada idade, Camexe teria alterado [...] o seu proceder depois que lhe foram publicadas

as instruções [...].340

A princípio pode-se inferir que Camexe era avassalado, porém

insubordinado e que ao longo do século XIX foi paulatinamente engolido pelos interesses

comerciais com os portugueses e, desta forma, incorporará instruções sobre o seu

comportamento como vassalo, conquanto, outra hipótese pode ser tão factível quanto: o fato

de que Camexe, sabedor da dependência portuguesa sobre mão de obra e terras férteis, sendo

o Soba, potentado singular e possuidor de ambos e de idade avançada, entendeu que uma

aproximação com os lusos faria com que obtivesse vantagens não apenas comerciais, mas

políticas, seja em relação aos Sobas e Sobetas circunvizinhos quanto a própria administração

colonial que ansiava poder circular sobre suas terras e usufruir do comércio de cera e marfim

vindos da Lunda e de cultivos locais emprendidos por Camexe e seus subordinados, como

Camathia, importante produtor de mel e Capelle com cereais americanos.

De volta ao supracitado Ngola Pumba, o conselho de Francina não só vai de encontro

com os interesses coloniais portugueses como permite ao Soba a integração em redes

comerciais locais, pois no distrito do Golungo Alto, produtos como café e algodão estavam

em lenta, mas importante expansão com o moroso incentivo português, o arroz era produzido

há muito tempo em Mbaka e permitia uma maior qualidade de vida às populações do interior,

visto que sua comercialização era local, por fim o tabaco tinha uma grande importância, pois

consistia em uma valorosa moeda de troca para as permutas entre as próprias comunidades

338

O autor acredita que Joaquim Rodrigues Graça entende por légua a medida de 6660 metros anterior a légua

métrica portuguesa ajustada em 5000 metros por decreto de 2 de maio de 1855. Cf. CRUZ, João José de Souza.

Do pé real à légua da póvoa. In: Revista Militar, n.º 2491/2192, p. 103 –1055, Ago/Set de 2009. 339

GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, Op. Cit., p. 103-105. 340

Ibidem, p. 104.

Page 132: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

africanas.341

Esse não foi o único encontro com Sobas que Francina alega ter tido, nas outras

oportunidade não privou-se novamente em defender que tais chefes se dedicassem a produção

cafeeira, pois na visão do autor, bons resultados poderiam ser obtidos desta cultura.

Ao chegar à propriedade de João Guilherme Pereira Barbosa, o Alferes não poupa

palavras para descrever a opulência e os benefícios futuros que tal empreendimento traria a

Barbosa, a administração colonial e aos africanos. O esforço de Barbosa era digno de atenção

e louvor,342

especialmente suas iniciativas com [...] café, cujas lavras duas vezes

percorremos, atravessando-as na sua maior extensão: elas são importantes, acham-se muito

carregadas e prometem dobrada colheita.343

O esforço de Barbosa na verdade era bastante

vago, pois como visto no capítulo I, este recebeu concessão de terras e incentivos financeiros

e materiais por parte de administradores coloniais. No que dizia respeito à força de trabalho,

eram africanos que desempenhavam não apenas a recolha, mas também o cultivo. A

propriedade de Barbosa não era a primeira, mas sem dúvida a mais destacada a utilizar mão

de obra forçada para fins agrícolas ou extrativos na década de 1840. A própria razão da

viagem de Francina ao Cazengo era a de escoltar trabalhadores libertos rumo às plantações do

Cazengo.

A prática agrícola em Angola não era novidade alguma. Não é preciso mensurar a

agricultura africana voltada não só ao sustento próprio, mas também para fins de permutas

com demais regiões em redes comerciais que conectavam, com certa inconstância, diferentes

partes do continente africano. Gêneros como o sorgo e o sal tinham enorme valor nas

permutas intra-africanas.344

Também é fato conhecido que os portugueses e os moradores,

desde muito cedo cultivavam roças que tinha o objetivo cabal de abastecer os pontos de

presença portuguesa e os núcleos mestiços espalhados pelo interior. Além de produtos

alimentares africanos, tais roças ou arimos produziam uma grande quantidade de cereais

americanos como milho, mandioca e feijão. O consumo destes grãos e seus derivados como a

farinha tiveram impactos inclusive nas comunidades africanas que perceberam as vantagens

que tais culturas poderiam propiciar ao ganho energético. 345

Contudo, a produção de culturas

agrícolas voltadas ao mercado externo – em especial o porto de Lisboa – só ganha

importância e maior volume – mesmo que ainda tímido – a partir dos anos 1830, sendo o café

341

Ibidem, p. 455-456. 342

Ibidem, p. 460. 343

Idem 344

HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 83-99. 345

VENÂNCIO, A economia de Luanda, Op. Cit., p. 131-156.

Page 133: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

e o algodão entendidos como possíveis alternativas econômicas para a bancarrota do tráfico e

a desagregação do Atlântico sul português.

O cultivo de café e algodão em Angola não é uma peculiaridade do século XIX. Em

1797, o militar Joaquim José da Silva, informava sobre o estado da região de Mbaka ao

governador Miguel Antonio de Melo, sendo que dentre tais informes constava a tentativa do

cultivo de algodoeiros e cafeeiros.346

Em que pese, cabe salientar a natureza autóctone do café

na região de Angola, que crescia de forma silvestre especialmente na região do Encoge,

Cazengo e Golungo.347

Portanto, o grão já era colhido e processado pelos africanos muito

antes do interesse português, sendo que o cultivo africano estava calcado na extração dos

grãos para abastecer um mercado interno de consumo de café. Acontece que a partir da

década de 1830, devido a conjuntura política e econômica coeva, inicia-se um processo não só

da recolha de café silvestre, mas a plantação deste produto visando o comércio externo a

longo prazo.348

Como se viu anteriormente no capítulo I, João Guilherme Pereira Barbosa é

frequentemente apontado como o herói mítico que permitiu aos portugueses dar início ao

cultivo de cafeeiros que a partir do último quartel do século XIX começaria a dar respostas

econômicas significativas e aumentar a alienação de terras férteis em prol da administração

colonial. No entanto, comunidades africanas também participavam do comércio de gêneros

agrícola como o café. Porém a visão portuguesa sobre a relação que os africanos tinham com

as técnicas agrícolas e o interesse pelo trabalho laboral não era animadora para a

administração colonial e tampouco valorizava os africanos.

Em 1844, Joaquim José Lopes de Lima observou que consolidado um mercado de

alimentos internos e disciplinada a mão de obra africana caberia à administração colonial [...]

criar valiosos produtos para exportação,349

sendo o café um importante [...] ramo de

exportação para este Reino.350

Não obstante, o mesmo lamentava o descaso em que se

encontravam algumas lavouras e a pouca inclinação de Luanda em estimular a produção.351

A

nota correspondente a falta de iniciativa e estímulo é comum a muitos que escreveram sobre a

346

SILVA, Joaquim José da. Noticias do prezidio de Ambaca do reino de Angola em 1797. Manuscrito PADAB-

IHGB (32,04). 347

DIAS, Angola, 1998.; BIRMINGHAM, Portugal e África, 2003. 348

O plantio de mudas era ainda incipiente, o caso de João Guilherme Pereira Barbosa era uma exceção na

tentativa de replicar um modelo brasileiro de produção cafeeira. 349

LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas: Africa Occidental e

oriental, na Ásia occidental, na China, e na Oceania escriptos de ordem do governo de sua magestade

fidelíssima a senhora D. Maria II. Parte III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 47. 350

LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 12. 351

Idem.

Page 134: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

agricultura em Angola no século XIX. Em 1864, o então governador de Angola, Sebastião

Lopes de Calheiros e Menezes, reportando-se ao poder metropolitano, apontava a fragilidade

da agricultura de exportação em Angola e, indicava a carência de mão de obra, a dificuldade

de induzir os africanos ao trabalho agrícola e os elevados custos com transporte como razões

primárias das dificuldades em alavancar a produção de bens lícitos.352

Tanto Lopes de Lima como Menezes – mesmo com vinte anos de distância entre seus

escritos – parecem concordar que os portugueses eram incapazes de transformar Angola em

uma colônia agrícola apenas com seu próprio granjeio, sendo necessária a participação

forçada de africanos. Todavia, esta participação tinha limites. Para Lopes de Lima os

africanos não tinham conhecimento e habilidade necessária para cultivos agrícolas como o do

café, no qual [...] os pretos não colhem na estação própria e por isso pelo menos uma quarta

parte dos grãos do que se vende em Luanda são podres.353

Na visão de Lopes de Lima a mão

de obra africana era mais bem aplicada a [...] semear e colher toscamente o milho, os legumes

e as raízes farináceas. Extrair ainda toscamente os óleos da palmeira e da ginguba e as

gomas [...].354

Para o cultivo de produtos como o algodão e o café, o português indica que a

mão de obra dos negros boçais355

era importante para o suporte braçal, todavia o preparo das

lavouras carecia da [...] direção de pessoas entendidas.356

Duas décadas depois, Sebastião

Lopes de Calheiros e Menezes segue uma linha de raciocínio semelhante a de Lopes de Lima

ao indicar que a [...] agricultura dos brancos em Angola, em gêneros coloniais, pode-se dizer

impossível sem o trabalho forçado357

sendo de vital importância garantir meios de educar e

aportuguesar a raça preta[...].358

A agricultura colonial ganharia força com a subjugação dos

africanos e impulso com a [...] inteligência e esforço dos europeus que venham a se

estabelecer nesta província.359

Tanto nos apontamento do Governador Menezes quanto de

Lopes de Lima fica nítido uma relação de dependência entre a necessidade dos braços

africanos para a labuta agrícola e a ideia de autonomia portuguesa no que diz respeito os

meios de cultivo e colheita.

352

MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e. Relatório do Governador Geral da Província de Angola.

Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 353

LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas. Op. Cit., p. 12-13. 354

Ibidem, p. 47 355

Idem. 356

Idem. 357

MENEZES, Relatório do Governador Geral da Província de Angola, p. 67. 358

Ibidem, p. 68. 359

Idem.

Page 135: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

A colheita do café nativo e o seu respectivo cultivo começa a fluir de maneira mais

ordenada a partir da década de 1840, especialmente na região do Cazengo, Golungo Alto e

Mbaka. Entre 1848 e 1851, a alfândega de Luanda registrou uma média de 6800 arrobas de

café,360

número considerado inexpressivo se comparado aos grandes centros produtores como

o Brasil,361

mas de grande significado para a administração colonial em Luanda, pois tornava

o café o gênero agrícola mais exportado pelo porto de Luanda. É visível que a produção de

café naquela altura não atingiria desenvoltura para a consolidação de projetos coloniais

agrícolas, mas se tornaria centro de discussão sobre as suas potencialidades e dificuldades

produtivas.

Sem dúvida a plantação cafeeira de João Guilherme Pereira Barbosa é protagonista no

modelo de plantio para exportação, não apenas pela robustez de sua produção frente o

panorama colonial, mas também pelo esforço envolvido para que a sua propriedade bem

lograsse na produção cafeeira. A vinda de técnicos do Brasil, o incentivo pontual oferecido

pelo governo de Alexandrino da Cunha e o emprego de mão de obra forçada levaram a

propriedade de Barbosa a ser a principal área agrícola pertencente a um não africano ou

mestiço em Angola na década de 1840. Estima-se que sua propriedade contasse em finais dos

anos 1830 com aproximadamente 60.000 pés de café – sendo muito provável que a maioria

fosse autóctone.362

No entanto, o exemplo de Barbosa não parece ter sido amplamente

compartilhado por demais produtores portugueses. Durante todo o século XIX, a produção

cafeeira de africanos e dos moradores sempre se demonstrou superior a portuguesa. Já no

século XX, quando o café oscilava entre quedas e crescimentos produtivos, foi registrada

apenas na região do Golungo Alto uma colheita de aproximadamente 310 arrobas, sendo deste

total cerca de 210 arrobas oriundas dos braços de moradores e africanos.363

Pelo prisma dos pequenos agentes, fica claro que os portugueses desejam ao mesmo

tempo monopolizar a mão de obra perante os Sobas locais e, principalmente, ditar as regras

respectivas a técnica de plantio, extração, manufatura e escoamento. Contudo, ainda era

necessário forças africanos a se lançar a agricultura nos modelos externos,364

pois no caso da

360

Almanak stastistico da província d’Angola, 1851, p. 28. 361

Cf. MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do Brasil no longo século

XIX. Texto originalmente apresentado à Conferência Internacional New Perspectives on the Life and Work of

Eric Williams, realizada em 24 e 25 de setembro de 2011 no St. Catherine’s College, Oxford University,

Inglaterra. 362

Faltam dados sobre a espécie e a origem dos cafeeiros. 363

CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 129-135. 364

FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 127-140, Op. Cit, p. 9-10.

Page 136: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

produção cafeeira, os esforços da administração em controlar o saber técnico foi solapado

pela experiência agrícola africana.365

No que condiz aos Sobas, o seu poder político fica

evidenciado pelo controle do regime produtivo, pela utilização de técnicas pelos trabalhadores

africanos e pelo transporte das mercadorias.

Pode-se constatar uma concomitância de interesses entre africanos e portugueses

motivados por distintas razões. De um lado os chefes africanos que buscavam consolidar sua

hegemonia política dentro de suas comunidades e frente a administração colonial por

intermédio do controle do fornecimento de mão de obra e, por outro lado, a administração

colonial que incentivando esta movimentação das autoridades africanas buscava um controle

maior sobre as comunidades locais e consequente sobre seus territórios, alienando o poder

político e criando laços de dependência que poderiam ser rompidos por parte dos portugueses

quando estes se estabilizassem em uma determinada região e ficassem menos dependentes da

relação com os Sobas.366

A enorme quantidade de Sobas em Mbaka de pouca expressão367

pode corroborar com a anteriormente apontada indicativa de Jan Vansina, com relação a uma

maior fragmentação dos sobados em busca de fortalecimento individual dando origem a

novos núcleos de poder, consequente comunidades menores com um número pouco

expressivo de linhagens participantes e frequentemente com uma relação de submissão a

outros sobados.

Um exemplo bastante conhecido desta dinâmica ocorreu na região do Cazengo e foi

devidamente trabalhado por Jill Dias.368

A relação entre o respeitável Kabuku Kambilu –

chamado também de forma genérica como Soba – e a administração colonial parece ser

bastante antiga, remontando as invasões portuguesas ao Ndongo no século XVII. Aliás, boa

parte das linhagens a frente dos sobados nos sertões de Luanda estavam direta ou

indiretamente vinculados aos portugueses desde os primeiros contatos.369

As relações entre

Kabuku Kambilu e a administração portuguesa pareciam assentadas, sobretudo, em duas

premissas básicas. De um lado por meio das permutas comerciais a administração portuguesa

colaborava no acumulo de prestigio político e reafirmação social por parte de Kambilu, por

outro lado, o chefe africano proporcionava boas condições para o comércio em suas terras

365

Ibidem, nota 739-762, Op. Cit, p. 50-51. 366

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 637. 367

Referencia a bango direto. 368

Cf. DIAS, O Kabuku Kambilu, 1997. 369

Ibidem, p. 20.

Page 137: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

fornecendo mão de obra, segurança nas carreiras e auxiliando os portugueses em razias e

guerras contra africanos que não reconheciam a presença colonial.370

Conquanto, a partir dos anos 1860 a figura de Kambilu sofreu profundo golpe em sua

capacidade política e influência no trato com os portugueses. O ponto central para se

compreender a paulatina decadência de Kabuku Kambilu reside nas novas dinâmicas

comerciais estabelecidas pós-findado o tráfico de escravizados legal. Novas mercadorias –

essencialmente agrícolas e extrativas como café, marfim, cera e urzela acarretaram mudanças

demográficas singelas, mas significativas. Foi no século XIX que uma interiorização branca

de colonos em Angola foi ganhando impulso, sendo a região da feira do Dondo – próximo das

terras de Kambilu – se tornaria um centro importante não apenas do comércio lícito, mas da

concentração de colonos brancos que de maneira lenta, mas impactante, passaram a ocupar as

terras férteis que tradicionalmente estavam vinculadas as comunidades africanas.

Os primeiros conflitos entre Kabuku Kambilu e os agricultores brancos, ainda nos

anos 1860, concentravam sobre a ocupação de terras férteis e, principalmente, nas taxas

exigidas por Kambilu acerca do transporte e circulação de mercadorias e pessoas em seus

domínios. As terras de Kambilu estavam estrategicamente posicionadas entre as zonas

produtivas de Cazengo e Mbaka e a feira do Dondo, no qual os produtos poderiam ser

comercializados regionalmente ou ainda destinados a alfândega de Luanda.371

Na altura dos

anos 1860 e 1870 a administração portuguesa tendeu a interceder por Kabuku Kambilu, pois

detinha um laço de dependência com esta autoridade no que diz respeito a debilidade colonial

de arregimentar mão de obra, além disto, Kambilu exercia enorme poder de ação sobre outros

Sobas da região, que em muitos casos, só mantinham contato com a administração portuguesa

graças ao intermédio de Kabuku Kambilu. Obviamente, Kambilu tinha consciência dos laços

de dependência estabelecidos com os portugueses e constantemente fazia uso dos mesmos

visando tomar vantagem. Este movimento levou Kambilu em inúmeros momentos a ameaçar

a seguridade das propriedades dos colonos brancos, o que começou a incomodar a

administração colonial, que dependente dos Sobas locais sob a tutela de Kabuku Kambilu,

nada fez.372

Todavia, conforme a expansão de colonos brancos crescia e a administração

portuguesa ganhava mais capacidade de estruturar-se no interior, o poder local de Kambilu

370

Ibidem, p. 32-34. 371

Ibidem, p. 36-37. 372

Ibidem, p. 40-42.

Page 138: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

foi-se esvaindo. A construção de uma ponte sobre o rio Lukala e o estabelecimento de rotas

comerciais alternativas foram aos poucos minando a capacidade de negociação entre a Luanda

e Kambilu, que de figura incomoda, mas necessária, passaria a ser pouco interessante aos

portugueses na virada do século XIX para o XX. Como se pode observar, a influência

centralizadora de Kabuku garantia que Sobas menores fossem favoráveis aos interesses

portugueses, sendo neste sentido, a observação feita anteriormente pelo Alferes Francina

sobre o Soba Bango parece coerente com os interesses da administração colonial de garantir

um interior mais estável ao comércio e conivente com os interesses africanos de arregimentar

mais poder político sobre linhagens e territórios.

Ainda no universo das práticas agrícolas e suas repercussões políticas, da mesma

forma que o café, o algodão foi encarado com alternativa econômica ao comércio de

escravizados pela administração colonial. A partir dos anos 1840 a cultura do algodão passa a

ser incentivada em Angola, especialmente nos sertões de Luanda e na região de

Mossamedes.373

Da mesma forma que o café, o algodão também era autóctone na região de

Angola374

e já era consumido pelos africanos muito antes dos portugueses demonstrarem

interesse pelo seu cultivo comercial. No século XVII os portugueses demonstraram os

primeiros interesses pela exploração da planta, todavia, sem sucesso. O pouco que se produzia

estava sobre controle africano, especialmente em Mbaka, que no século XVIII, segundo o

luso-brasileiro Elias Alexandre da Silva Corrêa,375

[...] abunda neste gênero, que fiado ocupa

a classe de moeda corrente.376

Ainda segundo Corrêa, a colheita e, principalmente a

373

Cf. CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 151. Com relação à Mossamedes, em 1845 um grupo de investidores

angolanos conhecidos formulará um projeto para a ocupação colonial da Huíla, no qual o cultivo de algodão era

cabal no processo de desenvolvimento da empresa colonial. Cf. CARPO, Arsenio Pompeu Pompilio de.;

COSTA, Francisco Joaquim Farto da.; MIRANDA, Francisco Teixeira de.; MOREIRA, João Francisco Garcia.

Proposta de organização de um estabelecimento colonial na Huíla – 25 de março de 1845. In: SANTOS, Eduardo

(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 258-263.

Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 602. 374

Cf. Carta do tenente-coronel graduado José Maria da Silva Teles ao Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim

José Falcão) acusando a recepção da Portaria de 6 de fevereiro anterior, remetendo mais 2 amostras de tabaco e 1

de algodão e fazendo considerações sobre a sua exoneração do cargo de Cirurgião-mor de Angola – 24 de agosto

de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA,

1976, p. 555-557. Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 605. 375

Sobre o autor Cf. PEREIRA, M. R. M. Rede de mercês e carreira: o “desterro d’Angola de um militar luso-

brasileiro (1882-1789).” In: História: questões e debates, nº 45, p. 97-127, 2006. 376

CORRÊA, Elias Alexandre da Silva. História de Angola. Lisboa: Agência Geral das colônias, 2. vol., 1937,

p. 156.

Page 139: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

manufatura desta fibra dava-se pelas mulheres africanas que eram menos ociosas377

em

relação aos homens e dedicavam-se a [...] fiar sua felpa sem se dar a pena de ambição.378

Houve incentivos para que portugueses e moradores se dedicassem a produção de

café, desde concessões de terras e trabalhadores até a compra de maquinário com erário

público para que o algodão produzido fosse processado em Angola e posteriormente vendido

a Lisboa, visando ampliar os ganhos.379

Todavia as iniciativas parecem não ter despertado

interesse a ponto de fazer a produção deslanchar, além de que a maioria dos que se dedicaram

ao cultivo eram moradores, como D. Anna Joaquina que tinha capital para a empresa

algodoeira e redes comerciais para sua negociação. Assim sendo, a produção algodoeira no

século XIX esteve sob controle de moradores e africanos que ditavam o volume produtivo380

e, de certa forma, tinham papel determinante na taxação comercial.

Saindo da região do Golungo Alto e rumando ao extremo sul, diversas foram as

tentativas de portuguesas de produzir algodão em Mossamedes, sendo que nesta região,

mesmo de forma inconstante, faz-se possível apontar um melhor incremento produtivo em

relação aos sertões de Luanda.381

Mesmo com esforços acerca do cultivo, em 1855, mesmo

com a colheita da fibra, Mossamedes não registraria o algodão como fonte de renda em sua

alfândega, demonstrando que a produção ainda era incipiente.382

Em 1863, o Ministro e

Secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal – figura já

conhecida deste trabalho – afirma junto ao parlamento em Lisboa que, a partir de 1861, a

concessão de terras pela administração colonial passaria a privilegiar aqueles produtores que 377

CORRÊA, História de Angola, p. 155. 378

Idem. 379

Cf. Ofício do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José falcão) ao Ministério dos Negócios Estrangeiros

(José Joaquim Gomes de Castro) pedindo que expeça suas ordens para que o Cônsul de Portugal em Nova Iorque

adquira duas máquinas de descaroçar e limpar algodão para a Província de Angola, se o seu preço não exceder

30 libras, ou apenas uma, no caso contrário – 4 de julho de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:

documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 414. Originalmente extraído: ANTT,

documentação do MNE, Correspondência do Ministério da marinha, cx 8.; Ofício do Ministério da Marinha e

Ultramar ao Conselho de Administração da Marinha mandando-lhe arrecadar, na fábrica de Cordoaria, as duas

máquinas de descaroçar algodão vindas de Nova Iorque no barco Zaida – 8 de novembro de 1845. In: SANTOS,

Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 696.

Originalmente extraído: AMC, parte oficial, 5ª série, 1845, nº 10, p. 205. 380

DINIZ, António Caetano da Costa. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província:

Districto de Pungo Andongo, 1860. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a

Dezembro de 1861). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 137. 381

Destaca-se especialmente a produção de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, então diretor da

colônia de Mossamedes. Cf. LIMA, João Francisco Régio. Angola: extrato da relação de uma viagem a roça dos

cavalleiros, em Mossamendes, 1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a

Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. .147-149. 382

Cálculo aproximado do rendimento agrícola do districto de Mossamedes no presente anno de 1855. In:

Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa

Nacional, 1867, p. 459.

Page 140: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

lançassem braços sobre a cultura algodoeira.383

As medias em torno do algodão, assim como

as relativas a cultura cafeeira não surtiram os efeitos pretendidos no século XIX. A partir do

século XX o interesse pela produção cresceria ainda mais, a ponto de em 1942 a

administração colonial criar inúmeras barreiras a mestiços e africanos no que diz respeito ao

comércio de algodão, o que na prática levou a uma obrigatoriedade produtiva da fibra

algodoeira por parte destes.384

Regiões como a baixa de Kassanje se tornariam polos de

produção de algodão e de conflitos envolvendo portugueses e angolanos, pelejas essas que se

imbricariam com a luta independentista dos anos 1960.385

Como se pode notar, a utilização do algodão não foi uma inovação portuguesa incutida

na prática laboral africana, pelo contrário, sua extração e manufatura estiveram ao longo do

século XIX e primeira metade do século XX sob controle africano. A documentação que esta

obra dispõe não revela a perspectiva das chefias frente tal cultura, todavia faz-se possível

aferir sobre dois pontos. É evidente a dependência da administração colonial em relação à

produção africana e dos moradores, que apenas consistia no grosso produtivo, mas em certa

medida, regulava o acesso a plantas, mão de obra e a manufatura da fibra. Obviamente as

produções dos sobados estavam vinculadas a interesses dos Sobas, pois além destes

controlarem o acesso terra – sem que isso os tornasse proprietários – o algodão oferecia a

possibilidade de capital de negociação com a administração colonial da mesma forma que o

café. A documentação não menciona, mas é muito provável que em Mbaka uma parte

significativa da produção de algodão fosse oriunda de sobados avassalados e moradores,

sendo que existe a possibilidade de que em menor escala, proprietários brancos na região de

Mbaka, Golungo Alto e Cambembe estivessem envolvidos com a produção da fibra a partir de

meados do século XIX.

Diversos outros gêneros agrícolas foram experimentados nos sertões de Luanda como

tabaco e cana de açúcar. E, como aconteceu com o café e algodão, as iniciativas promovidas

pela administração colonial foram bastante minguadas e a produção de moradores e africanos

dominava o cenário agrícola. Frequentemente, os autores oitocentistas tendiam a apresentar

argumentos sobre a necessidade de que os africanos lançassem mão sobre a atividade agrícola

de forma mais enfática para fins comerciais em Luanda, tais afirmações, quando avaliadas

criticamente, para além do interesse português dão a entender que as comunidades africanas 383

LEAL, Relatório dos negócios do ultramar, Op. Cit., p. 4. 384

CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 153. 385

Cf. FREUDENTHAL, Aida. A baixa de Cassanje: algodão e revolta. In: Revista Internacional de Estudos

Africanos, nº 18-22, p. 245-283, 1995-1999.

Page 141: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

reagiram ao novo cenário comercial dos bens legítimos com dificuldade, todavia, não leva em

consideração que a prática agrícola já estava presente na realidade de muitos sobados na

região de Mbaka, o que tornaria a percepção de uma mera reação dos Sobas a um novo

contexto pouco convincente. Mais do que reagir, os africanos tomaram a própria frente

produtiva perante a debilidade portuguesa de então. Todavia, a iniciativa dos Sobas não

estaria limitada a aumentar sua participação no comércio com a administração colonial, se

desdobraria nas rotas comerciais e, principalmente na organização da mão de obra.

Internamente, os interesses africanos colaboravam na condução do ritmo dos

interesses coloniais portugueses, enquanto a nível internacional não só Angola, mas o

continente africano de forma mais geral era paulatinamente inserido em uma rede cada vez

mais dinâmica de interesses comerciais globais. Os gêneros como café, marfim, cera e óleos

vegetais passaram a figurar de forma mais constante neste panorama econômico a partir da

segunda metade do século XIX. Porém, por mais forte que fosse o interesse europeu em torno

da exploração do continente africano, esta produtividade estava atrelada a redes de

comunicação e permutas para além da influência europeia,386

ou no caso de Angola,

portuguesa. Foi a ação de africanos e mestiços que permitiu a Europa consolidar de forma

mais ampla uma teia comercial global e, porque não, dar sequência a revolução industrial

europeia em suas diferentes formas.

As redes de permuta em Angola, não restam dúvidas, estavam sob influência maior de

africanos e mestiços do que da administração colonial. Como visto anteriormente, os limites

da ação portuguesa caminhavam juntos dos intermediários comerciais que rumavam a leste

para realizar o comércio que portugueses não conseguiam. Por mais que o comércio legítimo

no século XIX não tenha tido o mesmo vigor econômico que o tráfico de escravizados teve no

passado, ele exigia uma complexidade maior nas interações comerciais, seja devido a sua

natureza distinta, ou ainda pela dependência maior que portugueses se encontravam para a

obtenção de produtos legítimos.

Não era apenas a administração colonial que aprenderá a vislumbrar e obter vantagens

com o comércio legítimo. Os Sobas e autoridades africanas distantes como o Mwant Yva na

Lunda rapidamente perceberam que a atividade comercial baseada na permuta de produtos

podia fornecer uma oportunidade de fortalecimento de seu poder político, seja dentro de sua

386

VELLUT, Jean-Luc. A bacia do Congo-Angola. In: AJAYI, Ade J. F. História Geral da África, VI: África do

século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI, Ade J. F. Brasília: UNESCO, 2010, p. 355.

Page 142: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

comunidade ou ainda em relação à administração portuguesa.387

Nesta perspectiva o controle

das rotas comerciais presentes em suas terras e a prerrogativa produtiva dava vantagem as

autoridades africanas no trato comercial. A partir do século XIX percebe-se uma

movimentação de Sobas nos sertões de Luanda a organizarem caravanas comerciais388

– em

sua maioria de escravizados, mas também de bens legítimos – sob seu controle, além é claro

da influência que exerciam sobre a rotas tributadas por eles, o que fortaleceu ainda mais o

controle africano das rotas comerciais que, em sua maioria, remontavam as redes traficantes e,

indo mais além, a rotas de permuta intra-africanas.389

Além dos cultivos agrícolas e das inúmeras tentativas de culturas exportáveis, outros

produtos de origem africana movimentavam os portos de Angola, algumas inclusive mesmo

antes do foco português sobre o comércio lícito. Tratam-se das exportações de marfim, urzela

e goma copal, sendo em menor escala a cera. No diz respeito à cera, fica claro a dificuldade

africana em sua produção com alto grau de pureza, sendo em sua maioria de qualidade mais

escura e em pequena quantidade quando comparada a outras extrações como o volumoso

marfim.390

Segundo o ex-governador de Angola, António Saldanha da Gama, a produção de

cera na região de Npungo a Ndongo podia-se considerar a de melhor qualidade nos sertões de

Luanda no início do século XIX. A emergência do comércio lícito fez prover um aumento na

produção da cera sob controle africano, pois como indicou Isabel Castro Henriques, os

africanos não perderam a [...] hegemonia, pois os europeus não podem, em nenhuma

circunstância, ter acesso ao mato para proceder eles próprios à localização e à extração da

cera.391

Todavia, assim como na produção de café, os africanos resistiam em assimilar

técnicas de extração e manipulação da cera trazida pelos portugueses – mais rentáveis – mas

fora do espectro e das lógicas culturais africanas.392

Não se trata de uma falha cognitiva

africana ou de uma natural preguiça em querer conhecer o novo e seus benéficos, mas sim de

um vinculo profundo com costumes e tradições que vão muito além de uma mera técnica de

manipulação de cera e envolviam uma lógica de organização social e política que garantia

empatia e seguridade as mais diversas comunidades africanas. Neste setido a tradição é vista

387

VELLUT, A bacia Congo-Angola, Op. Cit., p. 368. 388

FERREIRA, R. Fazendas em troca de escravos: circuitos de créditos nos sertões de Angola, 1830-1860. In:

Estudos Afro-asiáticos, nº 32, p. 75-96, 1997, p. 90. 389

VELLUT, A bacia Congo-Angola, passim. 390

Cf. VELLUT, Jean-Luc. Diversification de l’économie de cueillette: miel et cire dans les sociétés de la forêt

claire d’Afrique centrale (1750-1950). In: African economic history, nº 7, p. 93-112, 1979. 391

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 301-302. 392

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 302, Apud, MELLO, Miguel de. Angola

no começo do século. In: Boletim Sociedade Geográfica de Lisboa, 5º ed., nº 9, p. 819-821, 1885.

Page 143: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

como inimiga do colonial, do moderno. A crescente da produção de cera se pode sentir nos

sertões de Luanda como em Mbaka, Golungo Alto e Npungo a Ndongo,393

chegando em 1844

a aproximadamente 45.000 arrobas em Angola como um todo,394

porém, um exemplo mais

visível da escalada deste gênero exportável pode-se ser vista entre os Quiocos – como eram

denominados os Cokwe pelos portugueses. Foi por meio do comércio de cera com a

administração colonial que os Cokwe adquiriram armas de fogo e passaram a atenuar a sua já

existente caça de elefantes para fins comerciais das presas de marfim.395

A comercialização de marfim era vital para a manutenção das intenções portuguesas

de acréscimo comercial e desenvolvimento do comércio. O item era de longe o mais

importante produto comercial exportado pela colônia de Angola no século XVIII e primeira

metade do XIX, atrás apenas dos escravizados. Porém, com a ilegalidade do tráfico e a

liberalização de seu comércio sem monopólio da Coroa levou a uma corrida do marfim em

Angola a partir de 1834. Embora pequena se comparada à exportação de marfim via

Moçambique,396

não se pode negar os ganhos comerciais em relação ao início do século XIX.

Segundo o levantamento de Lopes de Lima, no período de 1820 a 1825 – quando o comércio

de gentes ainda era legalmente pujante – foram movimentados cerca de 16:113$640 réis a

partir dos portos de Luanda e Benguela, anos depois, já em 1844, foram arrecadados pelas

respectivas alfândegas portuárias aproximadamente 76:000$000 réis.397

Este acréscimo

financeiro deve ser visto em grande medida pela participação dos Cokwe no comércio de

marfim. Para Isabel Castro Henriques, os Cokwe foram os mais importantes comerciantes de

marfim do século XIX em Angola, seja via feira de Kassanje, no qual boa parte do marfim era

intermediado e revendido398

ou ainda por negociações paralelas comandadas pelos próprios

caçadores. O marfim se tornaria a base comercial e de arrecadação de bens estrangeiros por

parte dos Cokwe que, submissos ao poder centralizador do Mwant Yva da Luanda, pagavam

tributo a este para a comercialização do marfim com não africanos.399

393

Cf. Ofício nº 134 do Governador Geral de Angola (Lourenço Germack Possolo) ao Ministro da Marinha e

Ultramar (Joaquim José Falcão), sobre o estado da Província – 28 de fevereiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo

(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 227-229.

Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 602. 394

LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 76. 395

DIAS, Caçadores, artesões comerciantes, guerreiros, Op. Cit., p. 31-34. 396

DIAS, Angola, Op. Cit., p. 382. 397

LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 52-76. 398

Cf. FERREIRA, Francisco de Salles. Sobre o sertão de Cassange, 1853. In: Annaes do Conselho Ultramarino

– Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 28. 399

HENRIQUES Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 334-343.

Page 144: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

A extração/produção cada vez maior de gêneros como marfim e cera – ou ainda a

Urzela, usada para tingimentos400

– promoveram uma maior escalada das rotas de longa

distância, exibindo a característica anteriormente aponta de que o comércio legítimo expandiu

de forma ainda mais feroz os braços da administração colonial de forma direta e,

principalmente indireta.401

Esta situação fez com que entre as décadas de 1840 e 1870

ocorressem não apenas o crescimento da população escrava em Angola e o tráfico de

escravizados interno, mas levasse contínuos conflitos entre a administração colonial,

moradores e africanos, dando origem a núcleos de resistência, investidas agressivas por parte

dos Sobas e tentativas de ocupação militarizada de Angola por portugueses.402

O comércio de longa distância não foi trazido pelos portugueses para a região do eixo

Kongo-Angola. Antigas rotas de comércio intra-africanos já existiam e conectavam distantes

regiões como o litoral angolano aos Lunda, ou ainda mais distante, ao Kazembe. No século

XIX, tais rotas, já reestruturadas pelo comércio de escravizados e em constante transformação

junto aos interesses africanos e coloniais sobre o comércio legitimo, continuaram a conectar

comunidades africanas por centenas de quilômetros.403

Uma das mercadorias mais

comercializadas entre africanos era o sal. Nas regiões mais ao interior do continente, o

comércio e a circulação do sal era majoritariamente de origem vegetal, obtido por meio do

processo de secagem de plantas ricas em sódio e passiveis de processamento. Na região da

Lunda, por exemplo, o comércio deste item era bastante organizado, chegando a existir

taxações e tabela de preços especifica para a sua circulação e comercialização entre

africanos.404

A predominância do sal vegetal não tirava o espaço do sal marinho mesmo sendo

este em menor quantidade. Regiões como o litoral de Benguela e o norte de Luanda eram

desde muito tempo produtoras deste item. A proximidade destas salinas com as ocupações

portuguesas pós-invasão no século XVI fez com que tais jazidas estivessem abastecendo tanto

a demanda africana quando portuguesa.405

Havia ainda a região da Kissama, ao extremo sul

fora da legislação de Luanda, no qual a extração do sal mineral era antiga e movimentava

redes comerciais por várias partes da região da bacia do rio Kwanza até as terras altas do

400

Para uma visão sobre o comércio de Urzela em Angola na primeira metade do século XIX a partir da

perspectiva de viagem Cf. WISSENBACH, As feitorias de urzela e o tráfico de escravos. Op. Cit., p. 10-52. 401

DIAS, Angola, Op.. Cit., p. 385. 402

Cf. DIAS, Caçadores, artesões comerciantes, guerreiros, Op. Cit., Loc. Cit.; FREUDENTHAL, Aida. A

recusa da escravidão: quilombos de Angola no século XIX. In: Cadernos Museu da Escravatura, Instituto

Nacional do Patrimônio Cultural, Luanda: MEC, 1999. 403

HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 86-87.. Para uma visão das caravanas organizadas por chefias

africanas Cf. MAGYAR, Viagens no Interior da África Austral, n.d. 404

HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 263-275. 405

HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 93-94.

Page 145: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Nano na região de Bihé.406

O sal era vital não só para a região, como para o poder dos chefes

residentes da Kissama, que resistiram a influência e domínio português até meados do século

XX.407

O sal, para além das óbvias funções alimentícias e de conservações, era utilizado com

fins terapêuticos para o trato digestivo, mas também podia ser utilizado para regulação da

pressão sanguínea frente a mudanças de temperatura, como acontecia em outras regiões da

África, especialmente na região das atuais Nigéria, Mali e Costa do Marfim. O sal era

altamente apreciado pelas populações africanas, portanto não é de se estranhar que as chefias

tenham desde cedo buscado monopolizar a sua extração e comercialização. O sal permitia não

apenas o incremento salutar e nutritivo na comunidade, mas abria caminho para o

estabelecimento de rotas comerciais, intercâmbios políticos e ainda permitia a compra de

gêneros como moedas de troca. Um exemplo do poder político que o sal poderia trazer as

diversas autoridades africanas pode ser observado em Kassanje, que além de estrategicamente

colocar-se em uma zona de profundo comércio intra-africano e também com os europeus,

sejam de escravos ou de bens legítimos, possuía enorme pressão política sobre as sociedades

da Kissama – a centenas de quilômetros de distância – no qual uma antiga relação de

parentesco certamente favoreceu o poder de Kassanje sobre as comunidades falantes do

kimbundu e suas variações.408

Não só de sal vivia o comércio africano. Produtos como mel, cera, tecidos e carnes

eram comercializados, porém de forma mais restrita devido a natureza de produtos como a

carne. O comércio africano a nível mais local, aliado as grandes rotas como as do sal permitiu

a criação de padrões de permutas ao longo dos séculos. Tal comportamento comercial

continuou mesmo quando as comunidades africanas submetiam-se ao avassalamento junto a

administração colonial. Na realidade, as interações regionais envolvendo os africanos também

abrangiam moradores e portugueses que ao longo do processo de invasão e ocupação das

terras dos antigos Ngola criaram a sua própria dinâmica comercial que interligava as diversas

povoações e abriam caminho para o desenvolvimento comercial regional que ia desde a

produção de produtos alimentares básicos até o fornecimento de ferro, sem necessariamente

que o poder colonial centrado em Luanda intermediasse. Esta dinâmica regional, por assim

dizer, envolvia a todos os presentes no interior ao longo do século XIX e movimentava a vida 406

Cf. FERREIRA, Aurora da Foncesa. A Kisama em Angola do século XVI ao início do século XX : autonomia,

ocupação e resistência. Vol., I e II. Luanda: Kilombelombe, 2012. 407

Ibidem, p. 94-95. 408

Ibidem, p. 97.

Page 146: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

comercial e política local. Portanto, o capítulo que se segue buscará observar, na medida do

possível, a existência de uma dinâmica regional com inflexões políticas nos sertões de

Luanda, seja na região do Golungo Alto ou nas circunvizinhas em constante diálogo. Outro

ponto que será abordado nas linhas que seguem faz referência a relação entre Sobas e

portugueses, buscando compreender o jogral política e as posturas assumidas pelos sujeitos

históricos na construção da prática colonial.

A necessidade da presença africana a frente do processo de construção das estruturas

coloniais era tão grande de que no incidente das campanhas militares em Kassanje, nas

décadas de 1850 e 1860 tecem um panorama não apenas sobre a debilidade portuguesa

observada pelos seus próprios agentes, mas permite levantar suspeitas sobre qual o peso que o

controle português sobre a feira de Kassanje repercutiu junto aos sobados circunvizinhos e

Sobas que lhe prestavam obediência aos Jagas. Faz-se possível pensar que determinados

Sobas viviam entre dois mundos políticos e comerciais que tinham suas exigências e

interesses: de um lado Kassanje, monopolizando os produtos da África central e controlando

os preços na sua feira influenciava os sobados pelo leste, tampouco a oeste cabia a

administração portuguesa pressionada as comunidades pela via comercia e dos contratos de

alianças. As turbulências em Kassanje podem vir a clarear um pouco mais as interações

políticas entre a administração colonial manifesta nos pequenos agentes e o poder africano

controlado pelos Sobas.

Page 147: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

3.2. Expansão indefinida: as campanhas de Kassanje e a postura portuguesa.

A década de 1850 foi incomumente agitada na depressão de Kassanje, nas

proximidades do alto Kwango.409

Ocorria pela primeira vez um grande enfrentamento entre

portugueses e Mbangalas de Kassanje que desestabilizou a região, prejudicando o comércio e

perturbando a organização do poder político local que, dentro do possível, se manteve

minimamente estável desde a sedentarizarão dos Jagas no século XVII – estimulados pelo

tráfico de escravizados fomentado por interesses extra-africanos.410

Portugueses, moradores e

africanos se envolveram neste episódio que deixaria claro a mudança dos interesses

portugueses em África e a dependência que os mesmo tinham perante as autoridades

africanas, que de forma consciente, aproveitaram-se da debilidade da administração de

Luanda para suas barganhas e tratados a nível político e comercial.

A necessidade da presença africana a frente do processo de construção das estruturas

coloniais era tão grande que no incidente das campanhas militares contra Kassanje, na década

de 1850, se observa um panorama não apenas sobre a debilidade portuguesa diagnosticada

pelos seus próprios agentes, mas permite levantar suspeitas sobre qual o peso que o controle

português sobre a feira de Kassanje repercutiu junto aos sobados circunvizinhos e Sobas que

prestavam obediência aos Mbangalas. É possível pensar que determinados Sobas viviam entre

dois mundos políticos e comerciais que tinham suas exigências e interesses: de um lado

Kassanje, monopolizando os produtos da África central e controlando os preços na sua feira

influenciava os sobados pelo leste, tampouco a oeste cabia a administração portuguesa

pressionar as comunidades pela via comercial e dos contratos de aliança.

As expedições militares portuguesas que beligeraram nas terras dos Jagas podem vir a

ser um importante ponto de reflexão sobre a relação entre os pequenos agentes militares e as

autoridades africanas – seja no distrito do Golungo Alto ou nas regiões circunvizinhas pelos

quais as guarnições belicosas passaram. Destaca-se, principalmente, a segunda expedição que

de forma fortuita foi registrada anos depois pelo pequeno agente português Antonio

Rodrigues Neves em uma memória bastante detalhada e composta ao final por notas do seu

409

PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola, Op. Cit., p. 108-123. 410

Cf. MILLER, Poder Político e parentesco.; ______. The Imbangala and the chronology of Early Central

African History. In: The Journal of African History, vol., 13, nº 4, p. 549-574, 1972.

Page 148: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

diário militar.411

A ocupação militar por Neves antes dos conflitos não é clara, pouca

informação sobre este agente colonial foi encontrada, sabendo-se apenas que o mesmo era

Capitão Móvel de Ambriz, sendo esta informação fornecida pelo próprio na abertura de sua

obra, conquanto, confirmada por outro viajante europeu. Tal informação foi registrada pelo

explorador e missionário britânico David Livingstone, que durante a década de 1850 circulou

por Kassanje após passar por Angola. Naquela região, o britânico alegou não apenas conhecer

Antonio Rodrigues Neves, mas ter sido hóspede deste e que o mesmo o informou sobre os

Mbangalas, sua cultura, concepções políticas, flora e fauna locais.412

Nas palavras de

Livingstone: O Capitão Antonio Rodrigues Neves gentilmente me convidou a tomar sua casa

como minha residência. Na manhã seguinte, este generoso homem me vestiu com roupas

decentes e durante toda a minha estadia me tratou como um irmão.413

Livingstone confirma a

patente de Capitão, mas indica que Neves seria morador de Kassanje.414

Assim como observado até o momento no comportamento dos pequenos agentes,

Livingstone também indica a fragilidade da autonomia portuguesa na região no que condizia a

feitura do comércio e a execução de tratados. Ao descrever a região de Kassanje indica que

existiam [...] cerca de 40 comerciantes portugueses [...] todos os quais são oficiais de milícia

e, muitos deles se tornaram ricos ao adotar a estratégia de contratar pumbeiros ou

comerciantes nativos, que carregavam fazendas, para negociar nas partes mais remotas

[...].415

As regiões remotas se referem aos domínios de Mwant Yva, na Lunda, do qual vinha

boa parte dos produtos negociados na feira de Kassanje.416

A percepção de dependência de

ação ao mesmo tempo em que a fronteira da presença portuguesa crescia fica ainda mais clara

quando o explorador britânico aponta a feitura de leis em Luanda que proibiam aos

portugueses adentrar nas terras além Kassanje, alegando que os brancos tendiam a entrar em

411

NEVES, Antonio Rodrigues. Memória da expedição a Cassange, comandada pelo Major Graduado

Francisco Salles Ferreira em 1850, Africa Occidental. Lisboa: Imprensa Silviana, 1854. 412

LIVINGSTONE, David. Missionary travels and researches in South Africa, incluind a sketch of sisteen years

residence in the interior of Africa and a journey from the cape of good hope to Loanda on the West coast; thence

across the continent, down the river Zambesi, to the eastern ocean. London: John Murray, Albemarle Street,

1857, p. 369-370. 413

Ibidem, p. 369. 414

O registro de Livingstone data provavelmente de 1855, quando o mesmo observou um pequeno povoado de

ambaquistas residentes em Kassanje. Ou seja, o missionário encontra Neves após este ter participado da segunda

expedição e, provavelmente, ter sido remanejado para o novo posto em Kassanje. Sobre a presença de

ambaquista em Kassanje Cf. HEINTZE, Beatrix. A lusofonia no interior da África Central na era pré-colonial:

um contributo para a sua história e compreensão na actualidade. In: Cadernos de Estudos Africanos, 7/8, p. 179-

207, 2005. 415

LIVINGSTONE, Missionary travels and researches in South Africa, Op. Cit., p. 369. 416

MILLER, Way of Death, 1988, Op. Cit., p. 173-206.; DIAS, Caçadores, artesões, comerciantes, guerreiros,

passim., ______. Novas identidades africanas em Angola, passim.

Page 149: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

atrito com as populações locais e, para evitar punições, optavam por abster-se de penetrar na

África Central.417

Obviamente tal afirmação parte apenas da perspectiva portuguesa e não leva

em conta os interesses dos Mbangalas de Kassanje. A prerrogativa da não travessia não era

uma escolha portuguesa, mas sim uma imposição dos Jagas que ansiavam preservar suas rotas

comerciais e fonte de status político.

A concepção de que a fronteira só poderia ser sobreposta se os Jagas permitissem fica

mais visível na leitura das expedições portuguesas à depressão de Kassanje. Segundo Rene

Pelissier, a primeira expedição que levariam a cabo os portugueses foi, acima de tudo, uma

demonstração de força, seja pela peleja ou por capacidade portuguesa de arregimentar

africanos para guerra preta. Inicialmente os conflitos nada tinham a ver com o então Jaga de

Kassanje, D. Pascoal Machado, Jaga Mbumba a Kinguri. O objetivo dos portugueses era

punir e submeter os Sobas Andalla Quissua e Marimba-Ngombe, que pela perspectiva da

administração colonial criavam entraves ao bem desenvolver do comércio. O primeiro ataque

correu mal e Andalla Quissua fugiu, buscando abrigo em Kassanje, que prestou-lhe auxílio. O

Jaga, além de fornecer abrigo, também ameaçou os feirantes de Kassanje – atitude esta que

selou o início de um conflito que se arrastaria por anos. Em 1850, as tropas portugueses –

servidas de brancos, mestiços, moradores e africanos –, lideradas pelo Major Francisco Salles

Ferreira, então chefe de Npungo a Ndongo, invadiram Kassanje em busca de Andalla Quissua

e de explicações para as atitudes do Jaga Mbumba junto à feira local. Mbumba e alguns de

seus aliados, providos das insígnias da fundação de Kassanje, refugiaram-se no interior,

contudo, boa parte dos seus o abandonaram, receosos que o comércio com Luanda caísse em

declínio. Na incapacidade portuguesa de gerir Kassanje, Salles Ferreira nomeou um novo

Jaga, Calunga Caquissanga, também chamado de D. Pedro Acácio Ferreira – sendo este

submisso aos interesses lusos e desprovido dos signos de poder no qual o tornaria pouco

valoroso aos olhos de seus irmãos.418

A intervenção portuguesa na ordem política africana não era novidade,419

porém, a

partir de meados do século XIX fica visível a recorrência e violência que tais interferências

exerciam. Em sua marcha de Npungo a Ndongo à Kassanje, Salles Ferreira promoveu grandes

intervenções, sobre tudo, no Bondo, no qual submetera a região e depôs [...] o Soba Andulla

417

LIVINGSTONE, Missionary travels and researches in South Africa, Op. Cit., p. 369. 418

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 108-110. 419

Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Passim.

Page 150: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Quissua, e fiz colocar no estado o leal e prudente Quissua Camoaxe, que hoje bem governa

aquele importante sertão.420

Uma amálgama de práticas antigas ornadas de novos interesses: pode-se assim

compreender a orientação portuguesa sobre os sertões de Luanda e d’além. Trata-se de um

ponto fulcral de transformação da região em um espaço colonial no qual a administração

portuguesa buscava protagonismo sem ainda poder caminhar por conta própria, sendo

constantemente auxiliada pelas comunidades africanas locais, caracterizando a governança

portuguesa por seu perfil indireto e comercial. A atitude do Major rompe de forma concisa

com as lógicas dos acordos e alianças, delegando ao novo Soba avassalado a responsabilidade

de comandar a sua comunidade em conluio com Luanda, fazendo assim que os habitantes do

sobado fossem súditos de Portugal via o poder de um Soba que poderia ser removido e

substituído conforme a necessidade.

Contudo, tais intervenções ainda se mostravam incipientes. No caso de Salles Ferreira

a nomeação de um novo Jaga em nada resolveu, pois o mesmo era aparentado de Mbumba e

foi conivente com a fuga e resistência do mesmo. Ainda no ano de 1850, o exilado Mbumba

buscaria minar o pouco poder dos portugueses por meio de ataques aos feirantes e aviados que

se lançavam a feira de Kassanje. Além de promover a instabilidade no campo comercial, o

Jaga exilado promoveu uma mudança política ao assassinar o diretor da feira de Kassanje421

e

o Jaga escolhido por Luanda, recuperando seu posto junto com suas insígnias de poder.422

Mbumba não era uma autoridade africana desligada dos acontecimentos portugueses ou

europeus, pelo contrário, compreendia as sutilezas políticas e as manobrava em seu favor.

Fora educado quando criança em uma família afro-portuguesa, tendo conhecimentos

comerciais, políticos e o peso de ter sido eleito Jaga e passado pelo cerimonial de forma

incólume.423

420

FERREIRA, Sobre o sertão de Cassanje, Op. Cit., p 26. 421

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 111. 422

A documentação recolhida sobre o caso não deixa claro o peso que as insígnias de poder ancestral exerceram

no processo de legitimação de Mbumba, no entanto, levando em conta a bibliografia que aponta para a

importância de tais signos, é possível afirmar que mesmo exilado Mbumba podia ser visto como o Jaga por

direito, pois além de possuir as insígnias, havia passado pelo sambamento – ritual religioso/político pelo qual o

escolhido Jaga precisa passar. O novo Jaga escolhido por Salles Ferreira não havia sido ritualizado pelo fato de

que as autoridades portuguesas abominavam o sambamento e a sua pretensa barbaridade. O próprio Capitão

Neves aponta mais adiante na narrativa o caráter decisivo das insígnias na configuração do poder político,

contudo, sua narrativa esta repleta de julgamentos sobre idolatria e falsos símbolos político-religiosos. Para o

aparte de Neves Cf. NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 65. 423

O passado de Mbumba a Kinguri é nebuloso perante os documentos utilizados e o orçamento de pesquisa.

Não obstante, o mesmo já fora objeto de citação de outros historiadores. Cf. MILLER, Way of Death, Op. Cit., p.

248.

Page 151: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

A retomada de Mbumba levou o Major Salles Ferreira novamente a encabeçar uma

segunda campanha objetivando [...] castigar esse bárbaro ex Jaga Cassange, Pascoal

Machado, que acabava de manchar a bandeira portugueza assassinando traiçoeiramente

dois europeus e o Jaga a pouco eleito, além de outras pessoas.424

A marcha parte novamente

de Npungo a Ndongo e sua trajetória é narrado pelo Capitão Neves, que assim como outros

pequenos agentes de seu tempo enfatiza a precariedade das estradas enquanto avança de sítio

em sítio dos moradores locais, observando o seu estado produtivo. Conquanto, diferente dos

agentes de fiscalização, o Capitão Neves não tece muitos comentários sobre as possibilidades

da região, limitando-se a descrever e, eventualmente opinar algo que, em sua maioria, decorre

de suas percepções próprias e não de uma orientação da administração colonial.425

A narrativa de Neves é vagarosa, pois não se trata apenas da distância entre Npungo

Ndongo e Kassanje, mas a marcha do Major Salles Ferreira fazia constantes paradas para

arregimentar tropas para a guerra preta, deixando claro que o contingente português não era

suficiente, além do desconhecimento geográfico e da necessidade de mão de obra. Com

relação a este último, o Capitão deixa nítida a dificuldade das estradas e de transitar os

suprimentos e munições, que em sua maioria foram conduzidos por africanos que, além disso,

fizeram [...] uma ponte sobre o Lombe, rio pouco notável, que apesar de trabalhosa a noite

se achava pronta. A busca por materiais ferrosos, madeira e afins para a construção de uma

ponte improvisada não movimentava apenas as tropas, mas toda a região próxima. A zona de

construção se encheu de [...] soldados, moradores e carregadores que trabalhavam com a

melhor vontade.426

Obviamente a “melhor vontade” se referia a cumprir ordens e não a

desejos pessoais, pois quando era impossível abrir caminho, os carregadores tinham que achar

outra forma de conduzir não apenas suprimentos, mas os próprios alto oficiais, nem que fosse

necessário [...] atravessar a água nas costas dos pretos, pois na altura dela não admitia

tipoia.427

Além da marcha ser composta por sujeitos de variadas origens,428

ela promovia uma

dinâmica comercial, na medida em que as paragens se tornavam postos de trocas de produtos

424

NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 14. 425

Ibidem, p. 15. 426

Ibidem, p. 17. 427

Ibidem, p. 18. 428

As tropas de Salles Ferreira partiram em pequeno número de Npungo a Ndongo, sendo compostas por

membros de companhia móvel: 300 brancos (faz referência a homens e não a sua origem geográfica), 400

moradores de Mbaka, 30 moradores de Npungo a Ndongo e 35 moradores de Duque de Bragança. No inicio da

jornada o contingente africano era pequeno, tendo apenas o Dembo Caboco fornecido 200 impacaceiros. Neves

Page 152: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

ou até mesmo de pessoas, como ocorria quando a campanha militar atravessava as terras de

um determinado Soba avassalado.429

Em sua jornada rumo a Kassanje, o Comandante Geral

Salles Ferreira se reúne com o Soba Quibinda em sua Mbanza, no qual discutiram questões

relativas ao comércio – uma nítida pressão administrativa da lógica colonial – e sobre a

campanha rumo a Kassanje. O Capitão Neves indica que as tropas foram [...] bem recebidas

pelo Soba [...]430

sendo o Soba Quibinda um poderoso potentado que [...] além de muitos

Sobas contíguos, por quem é obedecido, os quais figura Muiéba, bastante poderoso, é

igualmente obedecido pelo Gundo-Jaquibinda.431

A atenção que Neves delega aos Sobas

ditos poderosos é visivelmente maior do que aos Sobetas. Após negociações com Soba

Quibinda, o mesmo aceita participar da marcha fornecendo pessoal e armas para combater

Jaga Mbumba.432

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Capitão Neves confere ênfase ao descrever a

figura política do Soba Marimba-Ngombe. Para Neves, o Soba era [...] bastante poderoso,

por isso que lhe são subordinados bastantes Sobetas vizinhos. Ofereceu para a força duas

cabeças de gado e algum fubá e prometeu seguir-nos com seus filhos armados.433

A ênfase

nos Sobas de maior poderio apoia a hipótese levantada no capítulo 2 – no que diz respeito à

influência política que o Soba Bango Aquitamba exercia nas proximidades do antigo presídio

do Golungo Alto434

– sobre o interesse da administração colonial de governar as comunidades

africanas de forma indireta ao exercer um controle regulado sobre uma determinada chefia

local. Por controle regulado entende-se uma fronteira de influência política muito instável e

bastante tensa, que dependia de acordos políticos, interesses comerciais e da situação do poder

político africano, ou seja, da relação que determinado Soba tinha com seus makota e o sobado

como um todo.

Uma das facetas deste controle regulado pode ser visto na atuação portuguesa no

Bondo, quando o Major Salles Ferreira, utilizando-se da força militar, destituiu o Soba

Andulla Quissua e por meio de interesses comerciais nomeou Quissua Camoaxe como o novo

Soba na regiã. Neste evento, pode-se aferir sobre um controle manifesto pelos portugueses na

tentativa de controlar as comunidades africanas para fins de manutenção das redes comerciais

não especifica quem é o Soba que ostenta o título de Dembo, contudo não seria erro aponta que o sujeito em

questão fosse Kabuku Kambilu do Cambembe. 429

Ibidem, p. 30-31. 430

NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 18. 431

Ibidem, p. 18-19. 432

Idem. 433

Ibidem, p. 24. 434

Vide sub-item 2.2 do capítulo 2, p. 103-112.

Page 153: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

e parceiros militares. Conquanto, nem sempre o peso português era dominante, pelo contrário,

como visto no caso de Bango Aquitamba e agora com Marimba-Ngombe.

O Soba Marimba-Ngombe não dependia necessariamente de um contato formal com

os portugueses de Luanda para garantir sua posição política e muito menos para obter

produtos e possibilidades de permuta comercial,435

todavia, a administração colonial em

Luanda precisava de Marimba-Ngombe, seja para garantir a segurança das rotas comerciais

que por suas terras transitavam ou pela necessidade de um aliado militar a altura para uma

necessidade futura, que na década de 1850 significava um aliado contra Kassanje.436

Kassanje não era apenas um centro comercial e de poder político respeitado, mas

servia, em muitos casos, como zona de refúgio para escravos fugidos, libertos e comerciantes

independentes. Os que conseguiam salvar-se das mãos comerciais e dos caprichos políticos,

prontamente entravam no jogo do qual haviam se resguardado. Neste sentido, não era

incomum a presença de Quimbares – etiqueta heterogênea que podia ser referir a grupos de

africanos, libertos, ex-escravos, mestiços, agregados, dependentes e até mesmo moradores que

dedicavam-se ao serviço militar e aos tratos comerciais.437

Muitos dos habitantes de Kassanje,

receosos com o conflito e as perdas que o mesmo trazia consigo – e rebeldes da autoridade de

Mbumba – optaram por aliar-se a campanha de Salles Ferreira, contudo, para evitar mortes

enganosa, os lideres dos Mbangalas rebeldes mandaram [...] pedir a banda ao Sr Comandante

Geral, para ela estarem isentos de algum vexame injusto dos portugueses.438

Obviamente a injustiça seria a morte por engano, já que os novos aliados da marcha

portuguesa trajavam as mesmas veste e entoavam os mesmo gritos de guerra que o inimigo,

contudo, flerta com outra possibilidade: o da violência no qual as tropas coloniais traziam as

comunidades locais, as dinâmicas familiares e as estruturas políticas. Conforme as tropas de

435

A bibliografia frisa as rotas ilegais e o comércio clandestino. Muito investigado entre traficantes e membros

da administração colonial, mas pouco analisado quando sobre as chefias africanas. 436

Sobas de menor expressão – mas não menos poderosos – da região de Npungo a Ndongo, Malanje e Songo

também se uniram a marcha como Camexe, Satte, Ngio, Mutemba e Cunga Palanca. 437

Segundo a bibliografia os Quimbares eram necessariamente guerreiros nos séculos XVII e XVIII, porém, a

narrativa de Neves deixa transparecer uma faceta comercial dos mesmos. Sobre os quimbares Cf. SOARES,

Francisco Manuel Antunes. Crioulizações internas: processos de transculturação nos Bantu angolanos. In:

Almanack. Guarulhos, n.08, p.84-103, 2º semestre de 2014.; TAVARES, Ana Paula; SANTOS, Catarina

Madeira. Africae Monumenta: a apropriação da escrita pelos Africanos: volume I – Arquivo Caculo Cacahenda.

Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 2002. 438

O Capitão Neves afirma que a hábito de “pedir a banda” foi implementado pelo Major Salles Ferreira ainda

na primeira expedição, contudo, não explica do que se trata tal ato. Levando em conta os diversos significados da

palavra banda e o contexto da década de 1850, acredita-se que “pedir a banda” significaria que as tropas

portuguesas forneceriam uma banda de tecido de tom avermelhado para que os Mbangalas pudessem amarrar ao

corpo e não serem confundidos com os aliados de Mbumba a Kinguri. NEVES, Memória da expedição a

Cassange, Op. Cit., p. 28.

Page 154: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Salles Ferreira avançavam rumo a leste, pequenas comunidades se deslocavam em um êxodo

que objetiva a fuga do recrutamento militar ou o do compartilhamento de alimentos e bens de

forma forçada.439

O próprio Capitão Antonio Rodrigues Neves, em um momento de manifesta

opinião, indica a capacidade do Major Salles Ferreira em [...] levar esta gente, pois ao mesmo

tempo em que diligencia em sujeita-los, lhes ganha animo e afeição.440

Os abusos não partiam apenas dos militares de carreira, mas também de moradores

que aproveitavam as marchas militares para se juntar a obter ganhos em pequenos saques,

sequestros, chantagens e novos contatos. Um destes foi Agostinho dos Santos e Costas, [...]

que vinha do Bondo, fazendo toda a qualidade de vexame, a respeito do que o Senhor

Comandante deu logo as necessárias providencias, nomeando o Alferes Braz para substituir

o mencionado Agostinho.441

A decisão de Salles Ferreira não dizia respeito a questões

humanitárias, mas a estratégias militares, políticas e seus respectivos respingos comerciais. A

humilhação de populações poderia levar a falta de apoio de Sobas locais ou a perturbação dos

humores comerciais. No caso de Agostinho, nada ocorreu, pois o Capitão Neves informou não

serem válidas tais informações, sendo que o Alferes Braz não chegou a substituir o morador.

Essa falsa premissa de violência por parte do morador não é explorada por Neves, porém não

seria surpreendente se os acusadores de Agostinho fossem partidários de Mbumba, pois os

acusantes eram oriundos do Bondo, um reduto aliado ao Jaga e que sofrera fortes perdas com

a primeira expedição, desde a deposição de Sobas até a instabilidade de rotas comerciais

como visto anteriormente. Páginas adiante Neves afirma que o morador Agostinho chegou ao

acampamento de Salles Ferreira, já na abandonada feira de Kassanje, com 11 prisioneiros do

Bondo que seriam possivelmente aliados do Jaga Mbumba a Kinguri.442

O funcionamento das rotas e postos comerciais era primordial tanto a africanos como a

portugueses. A própria campanha punitiva ao Jaga revoltoso exibiu dois mundos em constante

diálogo e conflito: o do comércio legal e o do clandestino. Mbumba tomou a decisão de

enfrentar a presença portuguesa porque viu ameaçados seus ganhos junto às rotas que partiam

do Kwango em direção ao Ambriz. Naquela altura, enquanto os comerciantes autorizados

negociavam na feira de Kassanje, clandestinos também se lançavam ao comércio com

conhecimento do Jaga que, de forma paralela, obtia ganhos assim como os demais chefes

439

Ibidem, 19. 440

Ibidem, 21. 441

Ibidem, 43. 442

Ibidem, 47.

Page 155: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

linhageiros da região.443

A questão comercial era tão decisiva que além de causar peleja,

também a evitava, como nas animosidades entre Mbangalas leais ao Jaga e o potentado

Gunga-Acambamba. Este último [...] pouco ou nada obedecia ao ex-Jaga hoje rebelde e o

teria já guerreado, do que chegou a ameaça-lo, se não fosse o medo de que a feira podia vir

a sofrer.444

Com Mbumba governando em exílio de forma precária e a feira completamente

abandonada, não é de se estranhar o apoio de Gunga-Acambamba as forças comandadas por

Salles Ferreira, afinal, segundo Neves a feira para além de ser bastante extensa se encontrava

[...] abandonada no principio da estação chuvosa, o capim cresceu de tal forma que escondia

metade das casas [...] aqui um porta arrombada, ali todas abertas, servindo as casas de asilo

aos bichos, sendo devastação por todos os lados.445

Fica claro que o apoio de Acambamba a

administração colonial da-se unicamente para fazer frente ao Jaga e não por este ter simpatia

ou apreço pelos portugueses, fato é que uma das possibilidades que levaram o chefe a se

arriscar contra o Jaga Mbumba, além da estagnação da feira, poderia ser o interesse deste em

transformar seu potentado em uma zona comercial tal qual a feira de Kassanje ou ainda

controlar a tradicional feira Mbangala, todavia a documentação que se dispõe não permite

verificar tal hipótese.

A marcha de Salles Ferreira evidencia ainda outras situações que permitem melhor

compreender os contatos diretos entre Sobas e os pequenos agentes militares que circulavam

por Golungo Alto e zonas circunvizinhas. Dentre elas, algo que já fora inferido anteriormente,

porém não desenvolvido: a dependência lusa para a locomoção nas zonas interioranas.

Nenhum dos membros não africanos da marcha de Salles Ferreira parece saber chegar a feira

de Kassanje e muito menos se locomover para além de Npungo a Ndongo. O próprio Salles

Ferreira explana sobre o morador Domingos André, que de forma fortuita informou o

Comandante da marcha que [...] o guia nos tinha enganado o caminho [...] e que nem o

Alferes Braz soubesse bem o caminho, o que me obrigou a servir-me de um prisioneiro para

guia.446

Não há especificação de quem seria o guia, conquanto faz-se nítido que se tratava de

um africano, assim como o novo guia tirado do cárcere, que além de africano era, naquele

momento inimigo de guerra. Séculos de comércio entre portugueses e Mbangalas e mesmo

443

MILLER, Way of Death, Op. Cit., p. 207-244.; PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit.,

109. 444

NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 44. 445

Ibidem, p. 35. 446

Ibidem, p. 80.

Page 156: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

assim a presença portuguesa na região era praticamente insípida, necessitando os mesmos dos

mais diversos tipos de intermediários como moradores e africanos. O mesmo pode-se se dizer

da delegação de tarefas que na falta de mãos portuguesas de carreira militar recorria a

moradores e até mesmo a Sobas, sendo estes muitas vezes atuando como funcionários

coloniais autônomos. No caso da campanha de Kassanje além do apoio bélico, os Sobas e

moradores atuavam como mensageiros de oficio e ainda como chefes de pelotão.447

Contudo, os Sobas também agiam frequentemente como sujeitos burocráticos a nível

fiscal ou pelo menos era essa a intenção portuguesa em um projeto de regulamento para os

distritos e presídios do interior redigido na década de 1840, porém tudo indica que nunca fora

aprovado por diploma legal.448 Em seu artigo § 20 do projeto, sobre os dízimos, alistamentos e

cobranças, o texto informa que:

[...]O Governador Subalterno dará no fim do alistamento a cada Soba, Patrão,

Dono de Sitio, uma nota explicativa e por ele assinada, da importância do

Dizimo Alistado nas terras da as dependências; dando-lhe espaço desde o fim

do Alistamento, até o mês de Março do ano seguinte, para apresentarem na

Residência do Governador Subalterno a mesma importância; e o Governador

lhe passará recibo do que não levará emolumento algum, assinado por ele,

Almoxarife, e Escrivão.449

Em suma, de certa forma o projeto previa que competia aos Sobas a cobrança de

tributos dentro de seu território e o devido repasse as autoridades portuguesas. Por uma lado

havia uma concepção de autonomia política dos Sobas avassalados, no qual os portugueses

deveriam resguardar-se de determinadas atitudes para evitar animosidades, por outra

perspectiva exibe um Soba que além de autônomo atuava em certas ocasiões como

funcionário, já que por vezes tais premissas não necessariamente apareciam nos contratos de

vassalgem. Tais atos contratuais voltavam-se mais a questões comerciais e seus

desdobramentos políticos, mas não fazia menção a deveres desta natureza, salvo exceção a

reivindicação de livre comércio em suas terras e respeito a autoridade portuguesa.450

447

Ibidem, p. 83. 448

Projecto de Regimento para os Districtos e Presídios de Angola. Op. Cit., p. 3-69. 449

Ibidem, p. 11. 450

Toma-se, por exemplo, um ato da segunda metade do século XVIII. Cabe salientar a pouca diferença que os

mesmo apresentavam no século XIX, salve a questão traficante e do comércio lícito. Cf. Acto de obediencia,

sujeição e vasssalagem que ao muito alto e poderoso Rei Fidelissimo D. José I, Nosso Senhor, e seus reaes

successores faz nas mãos do illustrissimo e excellentíssimo Senhor D. Francisco Innocencio de Sousa Coutinho,

Governador e Capitão General d’estes reinos e suas conquistas, o potentado do Holo Marimba Goge porseus

embaizadores D. Thomás Planga-a-Temo, Holo-ria-Quibalacace e Quienda. In: Annaes do Conselho

Page 157: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Após muita perceguição a Mbumba, a campanha de Salles Ferreira obteve importante

vitória, foram recuperados as insígnias do estado e de valorização ancestral. De posse destas

os portugueses não mais perseguiram Mbumba – que ficara foragido – e voltaram-se para a

reestruturação do poder em Kassanje colocando no comando o novo Jaga Cambolo Cangonga

que reestabelceu as estruturas políticas permitindo aos portugueses e negociantes interioranos

reerguer a feira de Kassanje, que a partir de 1851 teria como diretor o próprio memorialista da

segunda Campanha, o Capitão Antonio Rodrigues Neves.451

Os conflitos em Kassanje – que ainda se estenderiam por anos452

– podem ser vistos

por prismas diferentes. Pela perspectiva dos Sobas em Npungo a Ndongo, Malanje e,

posteriormente em Talla Mugongo, os conflitos trouxeram consideráveis temores comerciais,

reforçaram a presença portuguesa e permitiram aos Sobas não só estabelecer novos laços

comerciais – na medida em que a feira de Kassaje se tornara instável – como utilizar deste

contexto para garantir benefícios políticos perante Luanda na tentativa de consolidação

linhageira. Enquanto os Sobas vizinhos viviam um misto de benesses e descaminhos com tais

eventos, os Mbangalas em Kassanje marcavam seu nome mais uma vez como intransponíveis

aos portugueses e deixavam claro que eles eram necessários para o contato com os Lunda,

todavia, não previram que intermediários como os ambaquistas aproveitariam o conflito e

adentrariam na Lunda criando vínculos comerciais nos quais os portugueses tirariam

vantagem indireta.453

Já na ótica portuguesa uma dura lição foi tirada: a da dependência

extrema. Contudo, por um breve momento nos anos 1850, portugueses puderam por conta

própria cruzar o Kwango e rumar aos domínios de Mwant Yva.

As campanhas de Kassanje ao longo dos anos 1850 e 1860 mostram não apenas os

efeitos militares e comerciais de um conflito complexo, mas permitem verificar as relações

político-sociais entre os pequenos agentes militares, moradores, comerciantes e africanos,

cada qual com seu interesse e necessidade. Além do caminho para a Lunda, os portugueses

davam um tímido passo rumo a expansão territorial sobre as terras da região do Kwango,

criando em 1851 o distrito de Talla Mugongo, que na prática era mais africano do que

Ultramarino (Parte não Official) – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa

Nacional, 1867, p. 523-524. 451

PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 112. 452

Os conflitos com Mbumba a Kinguri se estenderiam ao longo dos anos 1850 e 1860 com desfechos ora

favoráveis aos portugueses, ora a Mbumba, sendo este último em 1865 visto como aliado e mantedor da paz, na

medida em que os portugueses se deram conta da impossibilidade de travar um confronto com os Mbangala de

forma aberta. Cf. Ibidem, p. 114-123. 453

Sobre a presença ambaquista Cf. Ibidem, 123.; HEINTZE, A lusofonia no interior da África Central na era

pré-colonial, 2005.

Page 158: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

português, porém, seria a primeira ofensiva legislativa da administração colonial sobre

territórios tão distantes e marcavam na prática colonial toda a retórica da regeneração

econômica liberal da política portuguesa do entremeio do século XIX.

Page 159: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 160: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

160

O objetivo central desta pesquisa foi, por meio das narrativas militares de pequenos

agentes, verificar as possibilidades de ação política e comercial de portugueses, moradores e

Sobas no distrito do Golungo Alto durante as décadas de 1840 e 1860. O recorte temporal e

geográfico foi balizado por duas situações básicas. A primeira diz respeito ao corpus

documental utilizado, que em grande medida se concentra nos dois quartéis centrais do século

XIX. O segundo quesito diz respeito à retórica liberal Oitocentista e a sua prática colonial em

Angola. Em Portugal, após os conflitos civis, a questões dos Novos Brasis começa de forma

tímida, mas crescente, a galgar espaço na tribuna entre os deputados, sendo que no circulo dos

mais entusiastas debatia-se a ideia de que a ocupação territorial das possessões ultramarinas e

sua respectiva transformação em espaço produtivo salvaria Portugal das feridas econômicas

herdadas do século XVIII e aprofundadas ao longo da primeira metade do XIX. Enquanto

muito se debatia em Portugal – sem praticamente ter-se consciência da realidade colonial –,

em Angola os pequenos agentes militares observavam e influenciavam moradores e Sobas na

tentativa de aos poucos, transformar a Província de Angola de um nicho traficante a um

centro de produção agrária e de exportação de bens comerciáveis e passiveis de taxação fiscal.

Neste contexto dúbio de permanência e emergência de novos anseios comerciais, a

situação colonial passa a mudar. Tal mudança não se deu apenas pela pressão ou interesse

português, mas também pela ação de moradores e Sobas, que pressionados por novas

demandas e carentes em manter seus patrimônios e poder político, utilizaram-se cada qual de

seus capitais sociais para se recolocarem no jogral político do comércio lícito frente à

bancarrota do tráfico de escravizados.

Perceber esta nova conjuntura e os sujeitos heterogêneos que o construíram e foram

por ele influenciados demandou um olhar sobre a documentação crivado tanto no discurso

colonial como na busca pelas lacunas dos que não escreveram. O cuidado com o discurso

colonial deu-se, principalmente, pelo fato de que os pequenos agentes militares eram

portugueses ou nascidos em Angola, sendo que mesmo quando se tratavam de mestiços –

como o caso do Alferes Manoel Alves de Castro Francina – o discurso sempre se colocava em

conluio com os interesses e diretrizes da administração colonial. Buscar os moradores e os

Sobas nos meandros dos julgamentos e interesses dos pequenos agentes exigiu um diálogo

constante com a bibliografia, na expectativa de buscar preencher a fala destes. Para ambos,

um dos métodos utilizados para alcançar a agência destes foi focar nas escolhas e atitudes

comerciais que os mesmos tomavam e eram descritas pelos pequenos agentes. Obviamente a

Page 161: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

161

narrativa dos agentes era muitas vezes critica e impiedosa, por este fato foi necessário isolar a

discursiva colonial e dialogar com a bibliografia para evitar cair em armadilhas narrativas

como a descrição documental ou ainda exortar a fala colonial para agência de moradores e

Sobas. Ainda sobre os Sobas, outro método empregado foi o de pensar as atitudes políticas

destes sujeitos quando os mesmo se defrontavam com os pequenos agentes, objetivando por

este meio compreender e avaliar o espaço de tomada de decisões e aferir sobre os anseios

particulares manifestos por estes indivíduos.

O objetivo central e as escolhas de análise empregada levaram a perguntas e hipóteses

que movimentaram a narrativa construída, sejam elas respondidas ou não. A primeira

indagação que se colocou na pesquisa diz respeito a possível relação entre abolicionismo e

colonização. Ficou claro ao longo da pesquisa, principalmente quando observado a política

portuguesa no Reino, que o abolicionismo não foi a razão central das primeiras iniciativas

coloniais em Angola. Não obstante, foi responsável por formatar boa parte das medidas

político-econômicas, principalmente entre os anos 1840 e 1860, agindo desde o incentivo a

produção agrícola de café até as tentativas malogradas de reformulação do regime de trabalho.

As iniciativas de ocupação espacial e cultural em Angola não alcançaram o resultado

esperado. Porém, trouxeram uma maior circulação de mercadorias na província e promoveu

um realinhamento paulatino das relações estabelecidas entre administração colonial e os

Sobas da região do Golungo Alto. Portanto, abolicionismo e colonização – mesmo que

precariamente – não só conviveram em mutualidade como se beneficiaram. De um lado o

abolicionismo liberal estimulava e promovia uma lenta mudança nos padrões de comércio e

suas beiradas políticas, por outro lado as ações coloniais forneciam substancia retórica para as

reformas no regime de trabalho e na taxação fiscal nas alfândegas de Luanda e Benguela.

A mudança promovida pelas demandas portuguesas levou os africanos e moradores a

realinharem suas estratégias, seja a nível comercial ou político – como se observou ao logo da

pesquisa, comércio e política são indissociáveis no século XIX. Neste sentido, por mais que o

determinante econômico fosse português – ou ainda extra-africano –, cabia aos africanos e

moradores dominar, executar e manter as prerrogativas externas. Nesse sentido as chefias

africanas assumiram papel central, o que levou a pesquisa a contemplar a problemática do

lugar sociopolítico destes sujeitos, suas estratégias e interesses. A análise documental e o

aporte bibliográfico levaram a percepção de que os Sobas agiam tanto em reação as demandas

portuguesas como em seu próprio benefício. Atender as demandas comerciais da

Page 162: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

162

administração em Luanda cumprir o rito político dos acordos de vassalagem estabelecidos e

permitia a este a participação no comércio de curta, média e longa duração, acumulando bens

e por consequência prestigio político. A princípio o prestígio político parecia estar vinculado a

um processo de oposição ou aproximação da autoridade de Luanda, contudo, avultou-se a

hipótese de que poderia estar havendo entre as décadas de 1840 e 1860 um movimento de

centralização política dos Sobas em detrimento das suas respectivas elites políticas e da

influência portuguesa. Em outras palavras, uma disputa de poder entre diversas linhagens que

viam na negociação com os portugueses uma oportunidade de reforço militar e prestigio

social via bens manufaturados. Infelizmente esta hipótese não pode ser esclarecida de forma

rígida, pois o corpus documental não contempla inventários e levantamentos de espólio,

material este que poderia vir a confirmar a hipótese. No entanto, o diálogo com a bibliografia

demonstrou sua importância, essencialmente a visão de Jan Vansina sobre a constituição de

heranças linhageiras via comércio atlântico e a consolidação de linhagens ostentando o título

de Soba na região da Mbaka.

Os meandros da discussão envolvendo a ação dos Sobas do Golungo Alto mostrou que

tais sujeitos possuíam um alto grau de autonomia política e liberdade comercial perante a

administração colonial. Incluindo até que tais africanos ocupassem cargos burocráticos e

militares quando havia a falta de braços portugueses. Ao mesmo tempo em que as autoridades

africanas gozavam do seu poder político, ficou evidente a debilidade e falta de autonomia

portuguesa nos sertões de Luanda. Desconhecimento geográfico, incapacidade de realizar por

conta própria permutas nas feiras interioranas e força bélica praticamente nula, sendo

dependente da participação de moradores e impacaceiros. Esta fragilidade é fato corrente na

documentação e parece ser o ponto central para que as medidas coloniais do século XIX

sejam consideradas fracassadas por boa parte da bibliografia. Todavia, no recorte desta

pesquisa se evidencia a tentativa portuguesa de romper com as amarras e dominar por

completo as carreiras comerciais. Neste sentido as campanhas contra o Jaga Mbumba a

Kinguri são esclarecedoras. Mesmo que por pouco tempo e de forma insípida, os portugueses

abalaram o poder político dos sobadas e de Kassanje na fronteira leste pela primeira vez desde

que os primeiros escravizados saíram do porto de Luanda no século XVI. Os conflitos com os

Mbangala mostraram por um lado a dependência portuguesa em diversos níveis e por outro a

vontade de dominar e buscar autonomia.

Page 163: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

163

Mesmo com as diversas manobras e tentativas, os portuguesas não conseguiram

transpor um grande desafio – talvez o maior naquele contexto –, o de possuir autonomia para

recrutar mão de obra. O serviço de carreto era peça central para a realização dos interesses

portugueses e moeda de troca política imprescindível aos Sobas. Incapazes de possuir

trabalhadores, portugueses apostaram suas fichas nos Sobas avassalados que forneciam

sujeitos para o transporte de mercadorias, lavouras e obras públicas. Esta pesquisa levantou a

hipótese alguns pequenos agentes acreditavam na centralização política dos Sobas a revelia do

que os mesmo vinham possivelmente executando. A centraliação pela perspectiva dos

militares de campo se daria como algo positivo, na medida em que um Soba devidamente

forte e respeitado em sua região enfrentaria menos percalços para arregimentar carregadores:

facilitando o comércio e a penetração da influência portguesa. Obviamente, com o passar do

tempo essa concepção se demonstraria catastrófica tanto ao poder político africano quanto ao

seu domínio sobre territórios férteis. Porém, em meados do século XIX, garantia benefícios e

oportunidade para distinguir sua respectiva linhagem. Infelizmente não foi possível verificar

se a visão dos pequenos agentes estava compactuando com a administração colonial, contudo,

se ousa afirmar que sim, na medida em que as decisões tomadas e a retórica do período

apontam para a possibilidade de confirmação desta hipótese. Ou seja, enquanto os Sobas

buscavam autonomia política frente suas elites sem recorrer formalmente a administração de

Luanda, os pequenos agentes, que pareciam não perceber tal fenômeno coevo, acreditavam

que Sobas mais centralizados, capazes de submeter outras linhagens eram o melhor caminho

para garantir mão de obra perante a incapacidade portuguesa de consegui-las por conta.

Quando não dependente dos Sobas e suas comunidades – que desejavam dominar

indiretamente –, a administração colonial recorria aos moradores. As mudanças econômicas

do século XIX atingiram os moradores, que logo acharam outras formas de comerciar.

Quando a feira de Kassanje se viu em frangalhos e os africanos optaram por comerciar na

clandestinidade, foram os ambaquistas que transpuseram o Kwango e serviram mais uma vez

de intermediário aos portugueses e as casas comerciais em Luanda, Lisboa, Porto e Rio de

Janeiro. Tais sujeitos também parecerem ter não só um considerável grau de autonomia, mas

uma permeabilidade política de ora trabalhar em favor das comunidades africanas, ora em

acordo com os interesses coloniais, conquanto, sem nunca perder de vista os interesses

particulares.

Page 164: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

164

Os resultados desta pesquisa não corroboram a visão do fracasso colonial português

em Angola no século XIX e tampouco aponta para Sobas que, mesmo defendendo interesses

africanos, abriram caminho para a colonização acirrada a partir dos anos 1930. O que esta

pesquisa vislumbrou junto às narrativas dos pequenos agentes foi um contexto bastante

tumultuado, de avanços e recuos dos portugueses, de acirramento político intra-africano e de

uma forte agência por parte daqueles que compunham uma parcela considerável do cotidiano

colonial: pequenos agentes mlitares, Sobas e moradores. Na visão dos pequenos agentes, o

caminho liberal de colonização de Angola estava distante, porém, tangível. Neste sentido

pode-se dizer que entre idas e vindas a Província de Angola experimentou uma espécie de

colonização flutuante no entremeio do século XIX, que avançava e retrocedia de acordo com

a vontade e interesse dos Sobas, da ação comercial dos moradores e das pequenas campanhas

e vistorias da administração colonial. Essa colonização flutuante, que também se mostraria na

expansão e retração dos territórios de presença portuguesa se estenderia até as primeiras

décadas do século XX, quando finalmente as chefias tradicionais enfrentaram o peso do

colonialismo, que, mesmo implacável, sofreu fortes pressões e resistências de Luanda até a

baixa de Kassanje.

Page 165: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

165

GLOSSÁRIO

Page 166: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

166

Alcaide:

na península ibérica durante o medievo o termo era aplicado sobre um

sujeito politicamente responsável por uma aldeia ou vila fortificada.

Contudo, no contexto angolano oitocentista, o termo era empregado por

alguns militares como sinônimo de Capitão-mor.

Arimo:

derivado do kimbundo (kurina) – carpinar, arar. Tratava-se de uma

propriedade agrícola de policultura de origem privada de pequeno e

médio porte. Bastante comum na região do rio Bengo foi

paulatinamente substitutido pelo termo fazenda ao final do século XIX

com o desenvolvimento das grandes propiedade monoculturas.

Durantes os século XVII, XVIII e XIX os arimos do Bengo foram

fundamentais para o sustento alimentar de Luanda.

Aviado:

comerciante africano responsável por girar capital litorâneo nos sertões

de Angola. Figura comum no século XIX, os aviados detinham maior

liberdade de ação que os pumbeiros, na medida em que além de

representar detendores de capitiais realizavam seu pequeno comércio.

Em certa medida, os aviados substituíram no século XIX os pumbeiros

do século XVIII.

Banda:

unidade de medida informal e não convencionada podendo ser aplicada

sobre tecidos.

Banzo:

grafado em português como fazenda. Termo kimbundu para designar

uma medida não convencional de fins comerciais. Tratava-se de um

compendio de produtos a serem trocados nas feiras comerciais dos

sertões de Luanda.

Camundele:

Page 167: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

167

termo kimbundu que significa literalmente – pessoa branca. Os

camundele são referidos na documentação como pretos calçados e, de

certa forma, podem ser entendidos dentro do grupo de moradores. Os

camundeles não se sujeitavam ao serviço de carreto e a lavoura, na

medida em que não se entendiam como africanos de sobados.

Dedicavam-se a pequenas atividades comerciais e a ofícios militares em

companhias de ofício.

Capitão-mor:

Cargo militar e burocrático português. Em Angola, o cargo de capitão-

mor foi exercido por militares no interior de Angola nas diversas

divisões territoriais criadas pelos portugueses. Eram responsáveis pela

segurança, justiça primária, arregimento de mão de obra, obras

públicas, fiscalização e funções adminitrativas gerais. A partir dos anos

1840 o Capitão-mor foi substituído pelo cargo de chefe de distrito. O

novo cargo continuou a ser exercido por militares em sua maioria,

conquanto, civis passaram paulatinamente a chefiar distritos.

Cubata:

habitações africanas de pequeno porte. Além de servir de moradia,

também eram utilizadas como pouso ou resisdência temporária de

viajantes.

Dembo:

além de indicar as sociedades bélicas Ndembo, também significava um

termo de imponência e honra militar cedido pelos portugueses a chefias

africanas avassaladas. Ex. Dembo Soba Kabuku Kambilu. Talvez a

origem do título militar tenha origem com os Ndembo e a dificuldade

portuguesa de submetê-los ao regime colonial.

Filhos:

súditos dos Sobas.

Filhos do Paíz:

Page 168: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

168

termo utiizado para designar brancos e mestiços nascidos em Angola e

que acabavam se aproximando de funções diretas e indiretas da

administração colonial.

Fogo:

termo português para unidade residencial.

Funante:

sinônimo de aviado no século XIX.

Ginga:

referência portuguesa para as linhagens da região de Matamba, sendo

estes identificados como descendentes de Nzinga Mbandi e entendidos

como rebeldes perante a administração colonial.

Guerra Preta:

conflito militar liderado por portugueses e composto por tropas mistas

no qual a presença africana era preponderante.

Jaga:

o mesmo que Mbangala. Refere-se também ao título político do líder de

Kassanje, o Jaga.

Kinguri:

título político Mbangala de origem Lunda. O mesmo que Jaga.

Kota:

p. makota. Termo kimbundu para designar os lembas responsáveis por

aconselhar e compor a elite política junto aos Sobas.

Lemba:

p. malemba. Membro masculino mais velho de uma linhagem, o tio

matrilinear.

Page 169: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

169

Libata:

moradias africanas. Ver Sanzala.

Luanda:

também grafado como Império Lunda. A Lunda era comandada pela

autoridade central Mwant Yav e caracteriza pela grande capacidade

militar e pelo comércio de larga escala. A Lunda foi responsável por

fornecer boa parte de cera, marfim, gomas e escravizados

comercializados pelos Jagas que atuavam como intermediários.

Matamba:

estado africano, provalemente vinculado linhageiramente ao Ndongo.

Matamba exerceu forte resistência aos interesses portugueses. Dentre

seus membros de comando linhageiro se encontrava, no século XVII,

Nzinga Mbandi – Ngola Mbandi – ou ainda, Rainha Ginga.

Mbangala:

denominação coletiva para sociedades africanas inicialmente nômades e

posteriormente sedentarizadas na região de Kassanje. Referidos no

século XIX como Jagas ou Kassanjes.

Mbanza:

ressidência ou aglomerado das mesmas habitatas pelos lideres

linhageiros centrais (Sobas) e seus subordinados. Também entendido na

documentação como capital.

Meirinho:

Page 170: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

170

africanos nomeados pelos escrivães distritais para o recolhimento de

impostos e verificação da situação das caravanas comerciais, sendo, em

certa medida, oficiais de justiça.

Mestiço:

referente a indivíduos com origem em grupo étnicos distintos.

Indivíduo influenciado culturalmente por hábitos e convenções sociais

– mestiçagem cultural.

Mussumba:

povoação de grande porte da Lunda. Capital da Lunda. Centro

linhegeiro sob comando a governança de Mwant Yav.

Mwant Yav:

autoridade máxima dos Lunda.

Mwandi:

morador africano.

Ngola:

p. jingola. Objeto de ferro sem forma definida com valor simbólico e

ritual. O guardião de determinado objetivo político acabou por

acumular prestígio e com o passar do tempo atingiu papel central dentro

das comunidades falantes kimbundu ocupando a chefia das demais

linhagens. O Ngola era o título político do líder linhageiro do Ndongo,

sendo referido pelos portugueses no século XVI e XVII como Rei do

Nodongo.

Ngundu:

p. jingundu. Linhagem matrilinear. Quando no plural entende-se

também como sinônimo de sobado.

Porteiro:

Page 171: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

171

membro da burocracia do sistema judicial de punição, sendo

responsável pela guarda de sujeitos submetidos ao cárcere.

Pumbeiro:

originalmente aplicado no Kongo. O termo provalmente teve origem na

palavra mpumbo (feira). Tratava-se de um comerciante africano do

interior que era responsável por girar capital junto às comunidades

africanas. Os pumbeiros representavam os interesses econômicos dos

comerciantes portugueses e, diferente dos aviados, não era comum se

envolverem de forma independente no comércio.

Quimabares:

Também grafado como kimbares ou manbar. Entende-se por um

africano ladino. Africano livre atuante no comércio e em atividade

militares. Categoria pertencente ao grupo de moradores.

Sambamento:

ritual religioso/político pelo qual o escolhido Jaga precisa passar para

ter sua posição política validade perante a comunidade e a esfera

religiosa. Descrições apontam que o ritual possuía danças, ornamentos

de ferro, reclusão do novo líder e, em algumas versões, sacrifício

humano.

Sanzala:

moradias habitadas por parentes do líder territorial ou ainda de um

pequeno patrono detendor de terras ou bens, também chamado de

Mwandi ou morador.

Sertanejo:

comerciante de escravo autônomo sendo em sua maioria brancos,

porém podendo se encontrar mestiços e africanos. A região do Bihê, em

Angola, foi local importante de encontro e comércio deste grupo.

Soba:

Page 172: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

172

p. sobas. Título político de chefes linhageiros submetidos ao Ngola em

tempos anteriores ao século XVII. No século XIX, os Sobas eram os

chefes linhageiros dos jingundu e responsáveis pela negociação junto a

administração colonial em Angola. Os sobas eram auxiliados pelos

makota. Chefe tradicional.

Sobeta:

Soba de pequena expressão, seja por que suas terras tinham poucos

interesses na visão portuguesa ou porque possuíam poucos filhos.

Sobado:

comunidade liderada por um Soba. Jingundu.

Sorgo:

cereal comestível de provável origem africana. Também referido em

Angola como massambala.

Tratado de vassalagem:

acordo contratual de obrigações e ganhos que Sobas acordavam junto a

administração colonial. Tratava-se mais de um aspecto formal do que

prático, na medida em que nem sempre suas clausulas eram cumpridas

e, quando ocorria de se cumprir, dizia respeito mais a necessidades

práticas cotidianas do que obrigações legais.

Page 173: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

173

FONTES E BIBLIOGRAFIAS

Page 174: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

174

Fontes

Acto de obediencia, sujeição e vasssalagem que ao muito alto e poderoso Rei Fidelissimo D.

José I, Nosso Senhor, e seus reaes successores faz nas mãos do illustrissimo e excellentíssimo

Senhor D. Francisco Innocencio de Sousa Coutinho, Governador e Capitão General d’estes

reinos e suas conquistas, o potentado do Holo Marimba Goge porseus embaizadores D.

Thomás Planga-a-Temo, Holo-ria-Quibalacace e Quienda. In: Annaes do Conselho

Ultramarino (Parte não Official) – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa,

Imprensa Nacional, 1867.

Almanak stastistico da província d’Angola e suas dependências para o anno de 1852.

Loanda: Imprensa do governo, 1851.

Art. 15 do Acto Adicional a Constituição Portuguesa de 1852. Disponível na plataforma

online da Assembleia da República de Portugal. Consultar: https://www.parlamento.pt/

BARBOSA, João Guilherme Pereira. descripção d’este districto feita pelo Sr. João Guilherme

Pereira Barbosa, e pedida pelo Sr. João de Roboredo. In: Annaes do Conselho Ultramarino –

Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa nacional, 1867.

BETTERCOURT, Carlos Pacheco de. Relatorio da correição judicial aos julgados da

comarca de Loanda. Loanda: Imprensa do Governo, 1868.

Cálculo aproximado do rendimento agrícola do districto de Mossamedes no presente anno de

1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de

1858). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867.

CALDEIRA, Carlos José. Apontamentos d’ uma viagem de Lisboa a China e da China a

Lisboa. Lisboa: Typographia G. M. Martins, 1852.

CARPO, Arsenio Pompeu Pompilio de.; COSTA, Francisco Joaquim Farto da.; MIRANDA,

Francisco Teixeira de.; MOREIRA, João Francisco Garcia. Proposta de organização de um

estabelecimento colonial na Huíla – 25 de março de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.).

Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 258-263.

Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 602.

Page 175: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

175

CARPO, Arsénio Pompílio Pompeu de.; PERREIRA, Silvano F. L.; POSSOLLO, Eduardo

Germack.; SCHUT, André van Randvyk. Projecto de uma companhia para o melhoramento

do commercio, agricultura e industria na Província de Angola; que se deve estabelecer na

cidade de S. Paulo d’Assumpção de Loanda. Lisboa: Typographia da Revolução de Stembro,

1848.

Carta do tenente-coronel graduado José Maria da Silva Teles ao Ministro da Marinha e

Ultramar (Joaquim José Falcão) acusando a recepção da Portaria de 6 de fevereiro anterior,

remetendo mais 2 amostras de tabaco e 1 de algodão e fazendo considerações sobre a sua

exoneração do cargo de Cirurgião-mor de Angola – 24 de agosto de 1845. In: SANTOS,

Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA,

1976, p. 555-557. Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 605.

CARVALHO, Antonio Pedro de. Pauta das alfândegas da província de Angola. Lisboa:

Imprensa Nacional, 1868.

CASTRO, Bernardino Freire de Figueredo Abreu e. Angola, 1856. In: Annaes do Conselho

Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional,

1867.

Cópia da portaria confidencial A do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão) à

Fazenda de Angola, indeferindo a pretensão dos seus membros para serem revelados de entrar

nos respectivos cofres com a importância que indevidamente abonaram em moeda forte ao ex-

escrivão da mesma junta Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes – 2 de janeiro de 1845. In:

SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda:

IICA, 1976, p. 79-80. Originalmente extraído: AHU sala 12, cód. 678, fl. 34.

Cópia da “Exposição dos factos que servem de corpo de delicto ao Ex-Gov.º Geral da

Provincia de Angola, o Chefe de divisão Lourenço Germack Possollo” – 15 de janeiro de

1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo IV, 1846.

Luanda: IICT, 1995, p. 148-163. Originalmente extraído: AHU sala 12, maço 825.

Cópia da portaria reservadissima do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim Jozé Falcão)

ao Delegado do Procurador Régio da Comarca de Luanda mandando proceder contra Arsénio

Pompílio Pompeu de Carpo, presidente da câmara municipal desta cidade por ter sonegado a

carta de prego pelo qual se providencia no caso de sucessão do Governador-Geral de Angola

– 18 de janeiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre

Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 145-150. Originalmente extraído: AHU sala

12, cód. 678, fl. 41 v.-42.

Page 176: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

176

COUCEIRO, Antonio Maria. Breves considerações sobre a pregação do evangelho na África.

In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo I, novembro de 1840. Lisboa: Imprensa nacional,

1840.

DINIZ, António Caetano da Costa. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta

província: Districto de Pungo Andongo, 1860. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo

II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867.

DUARTE, José Vicente. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta

província: presídio Duque de Bragança 11 de janeiro de 1848. In: Annaes do Conselho

Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional,

1867.

FIGUEIREDO, Luiz Antonio de. Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola:

compreendendo os annos que decorrem desde 13 de setembro de 1845 em que foi publicado o

1º nº até 1862 inclusive. Loanda: Imprensa do Governo, 1864.

FRANCINA, Manoel Alves de Castro. De Loanda ao distrito de Ambaca na província de

Angola, 1846. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro

de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

FRANCINA, Manoel Alves de Castro Francina. Viagem a Cazengo pelo Quanza, e regresso

por terra, 1847. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a

Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

FERREIRA, Francisco de Salles. Memoria sobre o presídio de Pungo-Andongo. In: Annaes

Marítimos e Coloniaes. Tomo VI. Lisboa: Imprensa Nacional, 1846.

FERREIRA, Francisco de Salles. Sobre o sertão de Cassange, 1853. In: Annaes do Conselho

Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional,

1867.

FONSECA, Sebastião de Almeida Saldanha da. Relação de uma jornada de Loanda ao

presídio de Pungo Andongo, província de Angola, 1847. In: Annaes do Conselho Ultramarino

– Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

Page 177: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

177

GAMA, Antonio de Saldanha da. Memória sobre as colónias de Portugal, situadas na costa

Occidental D’África. Paris: Typographia de Casimir, 1839.

GRAÇA, Joaquim Rodrigues. Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena,

ou aonde for mais conveniente pelo interior do continente de que as tribus são senhores. In:

Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa:

Imprensa Nacional, 1867.

GRAÇA, Joaquim Rodrigues. “Expedição ao Muatiânvua – diário”. In: Boletim da Sociedade

Geografia de Lisboa, 9ª série, nº 8-9, 1890, p. 399-402.

LEAL, José da Silva Mendes. Relatório dos negócios do ultramar, apresentado á camara dos

senhores deputados na sessão de 12 de janeiro de 1863, por Sº Ex º o Ministro e Secretário

d’Estado dos negócios da marinha e ultramar. In: Annaes do Conselho Ultramarino (parte

não official) – Tomo IV (Janeiro de 1863 a Dezembro de 1863), Lisboa: Imprensa Nacional,

1868.

LIMA, João Francisco Régio. Angola: extrato da relação de uma viagem a roça dos cavaleiros

em Mossamedes, 1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a

Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

LIMA, Joaquim Lopes de. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta

província: Presídio de Pungo Andongo, vulgarmente chamado de Pedras Negras. In: Annaes

do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa:

Imprensa Nacional, 1867.

LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaio sobre a statistica das possessões portuguezas na África

Occidental e Oriental; na China; e na Oceania: escripto de ordem do governo de sua

magestade fidelíssima a senhora D. Maria II. Livro III, parte I. Lisboa: Imprensa Nacional,

1844.

LIVINGSTONE, David. Missionary travels and researches in South Africa, incluind a sketch

of sisteen years residence in the interior of Africa and a journey from the cape of good hope

to Loanda on the West coast; thence across the continent, down the river Zambesi, to the

eastern ocean. London: John Murray, Albemarle Street, 1857, p. 369-370.

MAGYAR, Lazlo. Viagens no Interior da África Austral nos anos de 1849 a 1857, n.d.

Page 178: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

178

MATTA, Joaquim Dias Cordeira da. Ensaio de diccionário kimbundu-português. Lisboa:

Typographia e Stereotypia Moderna, 1893.

MENEZES, Joaquim Antonio de Carvalho e. Demonstração geographica e politica do

territorio portuguez da Guiné Inferior que abrange o Reino de Angola, Benguella, e suas

dependencias. Rio de Janeiro: Typographia clássica de F. A. Almeida, 1848.

MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e. Relatorio do governador geral da província de

Angola no anno de 1861. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

Memórias e documentos originaes: advertência, In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo IV,

novembro de 1844-45. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 187-188.

NEVES, Antonio Rodrigues. Memória da expedição a Cassange, comandada pelo Major

Graduado Francisco Salles Ferreira em 1850, Africa Occidental. Lisboa: Imprensa Silviana,

1854.

Ofício do Ministério da Marinha e Ultramar ao Conselho de Administração da Marinha

mandando-lhe arrecadar, na fábrica de Cordoaria, as duas máquinas de descaroçar algodão

vindas de Nova Iorque no barco Zaida – 8 de novembro de 1845. In: SANTOS, Eduardo

(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 696.

Originalmente extraído: AMC, parte oficial, 5ª série, 1845, nº 10.

Ofício do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José falcão) ao Ministério dos Negócios

Estrangeiros (José Joaquim Gomes de Castro) pedindo que expeça suas ordens para que o

Cônsul de Portugal em Nova Iorque adquira duas máquinas de descaroçar e limpar algodão

para a Província de Angola, se o seu preço não exceder 30 libras, ou apenas uma, no caso

contrário – 4 de julho de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre

Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 414. Originalmente extraído: ANTT,

documentação do MNE, Correspondência do Ministério da marinha, cx 8.

Ofício nº 134 do Governador Geral de Angola (Lourenço Germack Possolo) ao Ministro da

Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão), sobre o estado da Província – 28 de fevereiro de

1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III,

1845. Luanda: IICA, 1976, p. 227-229. Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 602.

Page 179: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

179

Ofício do secretário de Angola ao chefe do Cazengo, J. G. Pereira Barbosa, sobre a

construção de um caminho carreteiro desde a residência do seu distrito até Oeiras, na margem

do Lucala – 11 de fevereiro de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação

sobre Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 243-244. Originalmente extraído:

AHU sala 12, cód. 678, fl. 156.

Ofício reservado do Ministério da Marinha e Ultramar ao ministro dos negócios estrangeiros

sobre a prisão de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, “um dos maiores contrabandistas de

negros d’África Ocidental” – 6 de novembro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.).

Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 689-691.

Originalmente extraído: ANTT, Documentação do MNE, cx “papéis relativos a escravatura”.

Parecer da Associação Marítima e Colonial sobre a proposta de exploração das minas de ferro

em Oeiras por Arsénio P. P. de Carpo. – 21 de abril de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.).

Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 316-317.

Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 599.

Portaria nº 1489 do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão) ao Governador-

Geral de Angola comunicando-lhe que nesta data se ordenou ao Governador-Geral da Índia

que, pelos navios que ali tocarem, lhe remeta plantas e sementes de bambu e outras que lhe

forem designadas, e indicando-lhe como e por quem deverão ser repartidas as sobretidas

plantas e sementes – 9 de março de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:

documentação sobre Angola – Tomo IV 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 307-308. Originalmente

extraído: AHU sala 12, cód. 678, fls. 160-161.

PORTO, Antonio Francisco Ferreira da Silva. Uma viagem de Angola à contra costa, 1854-

1856. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de

1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

Projecto de Regimento para os Districtos e Presídios de Angola – sem data, 184?. In:

SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda:

IICA, 1976, p. 3-69. Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 822.

Relação dos nomes dos sócios da Associação Marítima e Colonial de Lisboa. In: Annaes

Marítimos e Coloniaes. Tomo II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842, p. 46.

Regulamento sobre os libertos que, pelo artigo 8 do decreto d’esta data, podem ser

transportado da Província deAngola para a ilha do Príncipe, e a que se refere o mesmoartigo.

In: Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Novíssima. Vol. II (1852-1856), Lisboa,

Imprensa Nacional, 1869, pp. 308-314.

Page 180: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

180

SARMENTO, Alexandre Thomaz de Moraes. Noticias de Alguns dos Districtos de que se

compõem esta província: distrito de Massangano. In: Annaes do Conselho Ultramarino –

Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.

SAMPAIO, J. B. Jornada de Loanda para Muxima, 1846. In: Annaes do Conselho

Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional,

1867.

SILVA, Joaquim José da. Notícias do prezidio de Ambaca no Reino de Angola em1797.

Manuscrio PADAB-IHGB (32,04).

VALDEZ, José Lúcio Travassos. Relatório do Ministro do Ultramar, apresentado às Camaras

da Sessão extradorinária de 1840. In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo I. Lisboa:

Imprensa Nacional, 1840.

______. África Occidental: notícias e considerações – Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional,

1864.

VASCONCELLOS, António Augusto Teixeira de. Carta acerca do tráfico de escravos na

Província de Angola. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1853.

Bibliografia

AJAYI, Ade J. F. Conclusão: a África às vésperas da conquista europeia. In: AJAYI, Ade J.

F. História Geral da África, VI: África do século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI,

Ade J. F. Brasília: UNESCO, 2010.

ALEXANDRE, Valentim. Origens do colonialismo português moderno, (1822-1891). Lisboa:

Sá da Costa, 1979.

______. Os sentidos do Império: questão acional e questão colonial na crise do antigo

regime português. Porto: Afrontamento, 1993.

Page 181: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

181

______. Portugal em África (1825-1974): uma perspectiva global. In: Penélope, Lisboa – nº

11, p. 53, mai, 1993.

______. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império, (1808-1975). Porto:

Afrontamento, 2000.

______. (org). O império africano (séculos XIX e XX). Lisboa: Colibri; IHC-UNL, 2000.

ALFAGALI, Cryslaine Gross Marão. Ferreiros e fundidores da Ilamba. Uma história social

da fabricação de ferro e da real fábrica de Nova Oeiras. (Angola, segunda metade do séc

XVIII). 407 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas,

Campinas, 2017.

Almanak stastistico da província d’Angola e suas dependências para o anno de 1852.

Loanda: Imprensa do governo, 1851.

ALMEIDA, Marcos Abreu Leitão de, Ladinos e boçais : o regime de línguas do contrabando

de africanos, (1831-c.1850). 200 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade

Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

ALMEIDA, M. C. P. F. Comércio, bens de prestigio e insígnias de poder: as agências

centro-ocidentais nos relatos de Henrique de Carvalho em sua viagem à Lunda (1884-1888).

231 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

ALVES, Jorge Fernandes. Sá da Bandeira: perfil de um herói romântico. Porto: Museu

militar do Porto, 1992.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginárias: reflexões sobre a origem e a difusão do

nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2015.

ARANHA, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos. A Administração no Brasil Colonial. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira/Arquivo Nacional, 1985.

BANDEIRA, Sá da. O tráfico da escravatura e o Bill de Lord Palmerstton. Lisboa:

Typographia José Baptista Morando, 1840.

Page 182: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

182

BARROCA, Mário Jorge, (coord). Carlos Alberto Ferreira de Almeida: in memoriam. Porto:

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vol. II, 1999.

BARRY, Boubacar. Escrevendo História na África depois da independência: o caso da Escola

de Dakar. In: Senegambia. Desafio da História Regional. Rio de Janeiro: SEPHIS/Centro de

Estudos Afro-Asiáticos, 2000, p. 35-64.

BASTOS, Cristina. Das viagens científicas aos manuais de colonos: a Sociedade Geográfica

de Lisboa e o conhecimento da África. In: CEAUP (org.). O colonialismo português: novos

rumos da historiografia dos PALOP. Ribeirão – Vila Nova de Famaliacão: Edições Húmus,

2013, p. 321-346.

BERLIN, Ira. From creole to african: Atlantic creoles and the origins of african: amareican

society in mainland North America. In: The William and Mary quarterly, Vol. III, nº 2, 1996.

______. Many thousands gone: the first two centuries of slavery in North America.

Cambridge: Belknap Press, 1998.

BETTENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada, (dir.). A Expansão Marítima

Portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010.

BIRMINGHAM, David. A África central até 1870: Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul.

Sacavém: ENDIPU, 1992.

______. Portugal e África. Lisboa: Vega Editora, 2003.

BOA VIDA, Américo. Angola: cinco séculos de exploração portuguesa. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1967.

BOTELHO, José Justino Teixeira. Subsídios para a história de Angola no 1º quartel do século

19º. In: Separata das “Memórias”, Classe de Letras – Tomo VI. Lisboa: Academia das

Ciências de Lisboa, p. 3-13, 1951.

BOURGUET, Marie-Noeile. O explorador. In: VOVELLE, M. O homem do iluminismo.

Lisboa: Presença, 1997, p. 209-247.

Page 183: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

183

CADORNEGA, Antonio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas. Tomo I.

Lisboa: INCM, 1972.

CÂNDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery trade and identity in Benguela,

1780-1850. 322 f. Tese (Doutorado em História) – York University, Toronto, 2006.

______. An African Slaving Port and the Atlantic World. Benguela and its Hinterland. New

York: Cambridge University Press, 2013.

CAPELA, José. Escravatura: a empresa de saque: o abolicionismo. Porto: Afrontamento,

1974.

______. As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico de escravatura, 1810-1842. Porto:

Afrontamento, 1987.

CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na

sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.

CARREIRA, Antonio. Angola: da escravatura ao trabalho livre. Lisboa: Arcádia, 1977.

CARVALHO, Flávia Maria de. Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães

mores, século XVII e XVIII. 285 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal

Fluminense, Niterói, 2013.

CASTELO, Cláudia. Passagens para África. O Povoamento de Angola e Moçambique com

Naturais da Metrópole. Porto: Edições Afrontamento, 2007.

CEITA, Constança do Nascimento da Rosa Ferreira. Silva Porto na África Central –

Viye/Angola: História Social e transculturação de um sertanejo (1839-1890). 325 f. Tese

(Doutorado em Estudos Portugueses) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da

Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2014.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2007.

Page 184: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

184

CLARENCE-SMITH, Gervase. The third Portuguese empire: 1825-1975: a study in

economic imperialism. Manchester: Manchester University Press, 1985.

COELHO, Virgilio. Em busca de Kábàsà: uma tentativa de explicação da estrutura político-

administrativa do “reino de Ndongo”. In: Actas do Seminário Encontro de povos e culturas

em Angola. Luanda/Lisboa, CNCDP, p. 443-77, 1997.

COOPER, Frederick. Colonialism in question: theory, knowledge, history. Los Angeles:

University of California Press, 2005.

CORRADO, Jacopo. Joaquim Dias Cordeiro da Matta: A Poet, Pedagogue, and Promoter of

Indigenous Languagesin Late Nineteenth-Century Angola. In: Research in African

Literatures, Vol. 40, Nº 2, p. 140-158, 2009.

CORREA, Elias Alexandre da Silva. História de Angola. Lisboa: Agência Geral das

Colónias, 1937.

COUTO, Carlos. Os capitães-mores em Angola no século XVIII (subsídios para o estudo da

sua actuação). Luanda: IICA, 1972.

COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Brasiliense, 1966.

CRUZ, Ana L. B. R. As viagens são os viajantes: dimensões identitárias dos viajantes

naturalistas brasileiros do século XVIII. In: História: questões & debates, nº 36, p. 61-98,

2002.

CRUZ, Ariane Carvalho da. Militares e militarização no Reino de Angola: patentes, guerra,

comércio e vassalagem (segunda metade do século XVIII). 177 f. Dissertação (Mestrado em

História) – Univeridade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

CRUZ, João José de Souza. Do pé real à légua da póvoa. In: Revista Militar, n.º 2491/2192, p.

103 –1055, Ago/Set de 2009.

Page 185: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

185

CURTO, José C. A restituição de 10.000 súditos Ndongo 'roubados' na Angola de meados do

século XVII: uma análise preliminar. In: HENRIQUES, Isabel Castro (org.). Escravatura e

transformações culturais. África - Brasil - Caraíbas. Actas do Colóquio Internacional

Universidade de Évora, 28, 29 e 30 de novembro de 2001. Lisboa: Editora Vulgata, 2002.

______. Álcool e escravos. O comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e

Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas

sociedades da África Central Ocidental. Lisboa: Editora Vulgata, 2002.

______. Resistência à escravidão na África: o caso dos escravos fugitivos recapturados em

Angola, 1846-1876. In: Revista Afro-Ásia, Rio de Janeiro, 2005.

______.; GERVAIS, Raymond R. A dinâmica demográfica de Luanda no contexto do tráfico

de escravos do Atlântico sul, 1781-1844. Topoi, Rio de Janeiro, mar, p. 85-138, 2002.

DIAS, Jill. Black Chiefs, White traders and colonial policy near the Kwanza: Kabuku

Kambilo and the portuguese, 1873-1896. In: The Journal of African History, Vol. 17, nº 2, p.

245-265, 1976.

______. A sociedade colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850). In:

PEREIRA, Mirian H.; FERREIRA, Maria de F. Sá e Melo.; SERRA, João B. O liberalismo

na península ibérica na primeira metade do século XIX: comunicações ao Colóquio

organizado pelo Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa, 1981. Lisboa: Sá

da Costa, 1982.

______. História da colonização - África (séc. XVII-XX). In: Ler História, n.21, p. 128-145,

1991.

______. Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda: o impacto da

colonização sobre os Mbundu (c.1845-1920). Penélope, Lisboa, nº 14, p. 43-91, 1994.

______. O Kabuku Kambilu (c.1850-1900): uma identidade política ambígua. In: Actas do

seminário: encontro de povos e culturas em Angola. Luanda, 3 a 6 de abril de 1995. Luanda:

AHNA; MCA, 1997.

______. Angola. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira (dirs.), coordenação do

volume X: ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill. Nova história da expansão portuguesa

(Volume X): O império africano, (1825-1890). Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

Page 186: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

186

______. Relações portuguesas com as sociedades africanas em Angola no século XIX. In:

ALEXANDRE, Valentim (org). O império africano (séculos XIX e XX). Lisboa: Edições

Colibri; IHC-UNL, 2000, p. 69-93.

______. Caçadores, artesões, comerciantes, guerreiros: os Cokwe em perspectiva histórica. In:

Antropologia dos Tshokwe e povos aparentados. Porto: FLUP, p. 17-47, 2003.

______. Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico. In:

BASTOS, Cristina; ALMEIDA, Miguel Vale de; FELDMAN-BIANCO, Bela (org.) Trânsitos

Coloniais. Diálogos críticos luso-brasileiros. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

DRESCHER, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. São

Paulo: Unesp, 2011.

DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993.

ELTIS, David. Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. Nova

York: New York University Press, 1987.

ESPÍNDOLA-SOUZA, Maysa. A liberdade da lei: o trabalho do indígena africano na

legislação do império português. In: Caderno de resumos 7º encontro escravidão e liberdade

no Brasil meridional, 13 a 16 de março de 2015. Curitiba: UFPR-CCHLA, 2015.

______. A liberdade do contrato: o trabalho africano nalegislação do Império português,

1850-1910. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências

Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

FEIRMAN, Steven. African histories and the dissolution of world history. In: BATES, R. H.;

MUDIMBE, V. Y.; O’BARR, J. (orgs.). Africa and the disciplines: the contributions os

research in Africa to the Social Sciences and Humanities. Chicago: University of Chigado

Press, 1993, p. 167-212.

FERREIRA, Aurora da Foncesa. A Kisama em Angola do século XVI ao início do século XX :

autonomia, ocupação e resistência. Vol., I e II. Luanda: Kilombelombe, 2012.

Page 187: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

187

FERREIRA, Eugénio. Feiras e presídios: esboço de interpretação materialista da

colonização de Angola. Lisboa: Edições 70, 1979.

FERREIRA, R. Dos Sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em

Angola, 1830-1860. 289 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.

______. “Ilhas crioulas”: o significado plural da mestiçagem cultural na África altântica. In:

Revista de História, nº 155, p.17-41, 1996.

______. Fazendas em troca de escravos: circuitos de créditos nos sertões de Angola, 1830-

1860. In: Estudos Afro-asiáticos, nº 32, p. 75-96, 1997.

______. Escravidão e revoltas de escravos em Angola (1830-1860). In: Revista Afro-Ásia, Rio

de Janeiro, p, 143-194, 1998-99.

______. Brasil e Angola no tráfico ilegal de escravos, 1830-1860. In: PANTOJA, Selma.;

SARAIVA, José Flávio Sombra. (orgs.). Angola e Brasil nas rotas do Atlântico sul. Rio de

Janeiro, Bertrand Brasil, 1999.

______. Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of

the Slave Trade. New York: Cambridge Press, 2012.

______. Abolicionismo versus colonialismo: rupturas e continuidades em Angola (século

XIX). In: GUEDES, Roberto (org.). África: brasileiros e portugueses – séculos XVI-XIX. Rio

de Janeiro: Mauá, 2013, p. 95-112.

FLORENTINO, Manolo.; FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico,

sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de Janeiro

(c.1790-c.1840). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 5º ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

______. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Page 188: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

188

FRANCINA, Manoel Alves de Castro. Elementos gramaticaes da língua N’bumda. Loanda:

Imprensa do Governo, 1864.

FREUDENTHAL, Aida. Os Quilombos de Angola no século XIX : a recusa da escravidão

In: Estudos Afro-Asiáticos, Salvador, nº 32, p. 109-134, 1997.

______. A baixa de Cassanje: algodão e revolta. In: Revista Internacional de Estudos

Africanos, nº 18-22, p. 245-283, 1995-1999.

______. Arimos e fazendas: a transição agrária em Angola. Luanda: Chá de Caxinde, 2005.

FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. Lisboa: Edição Livros do Brasil Lisboa, 1972.

______. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia

patriarcal. 48º ed., São Paulo: Global, 2003.

GASQUET, Axel. “Bajo el cielo protector”: Hacia una sociologia de la literatura de viajes. In:

LUCENA, Manuel Giraldo.; PIMENTEL, Juan. Diez estudios sobre literatura de viajes.

Madrid: Editorial CISC, 2006.

Gazeta de Lisboa, nº 144, segunda-feira, 14 de maio de 1825. Lisboa: Imprensa Régia, 1825,

p. 458.

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

GINZBURG, Carlo. Os olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo:

Companhia das letras, 2001.

______. O inquisidor como antropólogo: uma analogia e as suas implicações. In: A micro-

história e outros ensaios. Lisboa: Editorial Difel; Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil,

1989.

Page 189: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

189

GUEDES, Roberto. Branco africano: notas de pesquisa sobre escravidão, tráfico de cativos e

qualidade de cor no Reino de Angola (Ambaca e Novo Redondo, finais do século XVIII). In:

GUEDES, Roberto (org.). Dinâmica imperial no antigo regime português: escravidão,

governo, fronteiras poderes, legados – séc. XVII-XIX. Rio de Janeiro: Mauad, 2011.

GUIMARÃES, M. L. L. S. Nação e Civilização Nos Trópicos: O Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro e o Projeto de Uma História Nacional. In: Revista Estudos Históricos,

Rio de Janeiro, n.1, p. 5-27, 1988.

GODINHO, Vitorino Magalhães. História econômica e social da expansão portuguesa.

Lisboa: Terra, 1947.

HAMA, Boubou.; KI-ZERBO, J. Lugar da história na sociedade africana. In: História Geral

da África, I: metodologia e pré-história da África. Editado por KI-ZERBO, J. Brasília:

UNESCO, 2010.

HAMMOND, R. J. Portugal and Africa, 1815-1910: a study in uneconomic imperialism.

Stanford: s/e, 1966.

HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos: caravanas de carregadores na África Centro-

Ocidental (entre 1850 e 1890). Lisboa: Editorial Caminho, 2004.

______. A lusofonia no interior da África Central na era pré-colonial: um contributo para a

sua história e compreensão na actualidade. In: Cadernos de Estudos Africanos, 7/8, p. 179-

207, 2005.

______. Angola nos séculos XVI e XVII: Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda:

Kilombelombe, 2007.

HENGE, Gláucia da Silva; BEHENCK, Rosângela Leffa. O discurso da análise do discurso:

quando língua e história se encontram. In: Anais do CELSUL. Porto Alegre, 29 a 31 de

outubro de 2008.

HENRIQUES, Isabel Castro. Percursos da modernidade em Angola: dinâmicas comerciais e

transformações sociais no século XIX. Lisboa: IICT-ICP, 1997.

Page 190: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

190

______. Presenças angolanas nos documentos escritos portugueses. In: Actas do II seminário

internacional sobre a história de Angola. Construindo o passado angolano: as fontes e a sua

interpretação. Luanda: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos

portugueses, 1997.

______. O pássaro do mel: estudos de história africana. Lisboa: Edições Colibri, 2003.

______. Colonização e História: linhas estruturantes, variáveis conjunturais. In: SANSONE,

Livio.; FURTADO, Cláudio Alves (orgs). Dicionário crítico das ciências sociais dos países

de fala oficial portuguesa. Salvador: EDUFAB, 2014.

HEYWOOD, Linda.; THORNTON, John. Central africans, Atlantic creoles and the

foundation of the Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

HEYWOOD, Linda (org.). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

HOHLFELDT, Antonio; CARVALHO, Caroline Corse de. A impensa angolana no âmbito da

história da imprensa colonial de expressão portuguesa. In: Intercom. São Paulo, v. 35, nº2, p.

85-100, jul/dez, 2012.

ISAACMAN, Allen; ISAACMAN, Barbara. Resistence and collaboration in southern and

central Africa, c. 1850-1920. In: The international journal of african historical studies, Vol.

10, nº 1, p. 31-62, 1977.

JACOB, Sheila Ribeiro. A imprensa livree o despertar da vida literária angolana no século

XIX. In: Revista de Pós-Graduação em letras UNESP-Assis, Vol. 8, p. 97-107, jul/dez, 2010.

JOHNSON, Walter. On agency. In: Journal of Social History, 37-1, p. 113-124, 2003.

KODAMA, Kaori. Os debates pelo fim do tráfico no periódico O Philantropo (1849-1852) e

a formação do povo: doenças, raça e escravidão. In: Revista Brasileira de História, vol. 28, nº

56, p. 407-430, 2008.

KOSELLECK, Reinhart. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. In:

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10, p. 134-146, 1992.

Page 191: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

191

______. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:

Editora PUC-RJ, 2006.

LAINS, Pedro. A economia portuguesa no século XIX: crescimento económico e comércio

externo (1851-1913). Lisboa: INCM, 1995.

LARA, S. H. Os documentos textuais e as fontes do conhecimento histórico. In: Anos 90, v.

15, nº 28, p. 17-39, dez. 2008.

LATOUR, Bruno. Ces réseaux que la raison ignore: laboratoires, bibliothèques, collections.

In: BARATIN, Marc..; JACOB, Christien (eds.). Le pouvoir dês bibliothèques. Paris: Albin

Michel, 1996.

______. Give me a laboratory and I Will raise a wolrd. In: KNORR-CETINA, Karin D.;

MULKAY, M. Science observed. London: Sage, 1983, p. 141-170.

LEED, Eric J. The mind of the traveler: from Gilgamesh to global tourism. New York: Basic

Books, 1991.

LOUSADA, Maria Alexandre. D. Pedro ou D. Miguel? As opções políticas da nobreza

titulada portuguesa. In Penélope, Lisboa, nº 4, nov, p. 81-113, 1989.

LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

NASCIMENTO, Augusto. Escravatura, trabalho forçado e contrato em S. Tomé e Príncipe

nos séculos XIX-XX: sujeição e ética laboral. In: Africana Studia, FLUP, nº 7, P.183-217,

2004.

MAMDANI, Mahmood. Citizen and Subject: Contemporary África and the Legacy of Late

Colonialism. Princeton: Princeton University, 1996.

Page 192: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

192

MARGARIDO, Alfredo. Les porteurs forme de domination et agents de changement em

Angola (XVII-XIX). In: Revue française d’Histoire d’Outremer, Paris, t. 65, nº 3., p. 377-

400, 1978.

MARQUES, João. Os sons do silêncio: o Portugal de oitocentos e a abolição do tráfico de

escravos. Lisboa: ICS, 1999.

______. Portugal e o abolicionismo. In: ALEXANDRE, Valentim (org). O império africano

(séculos XIX e XX). Lisboa: Colibri; IHC-UNL, 2000.

______. Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX. In:

Análise Social, vol. XXXVI (160), 2001, p. 609-638.

MARQUES, Rui. O império e a câmara dos deputados: as marcas de um discurso (1852-

1890). 723 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto,

Porto, 2013.

MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do Brasil no

longo século XIX. Texto originalmente apresentado à Conferência Internacional New

Perspectives on the Life and Work of Eric Williams, realizada em 24 e 25 de setembro de

2011 no St. Catherine’s College, Oxford University, Inglaterra.

MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. In: Sankofa, revista

de História da África e de estudos da diáspora africana. São Paulo, nº5, julho, p. 42-66, 2010.

______. Uma justiça especial para os indígenas: aplicação da justiça em Moçambique,

(1894-1930). 446 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade de

Lisboa, Lisboa, 2012.

MEILLASSOUX, Claude. Mulheres,celeiros e capitais. Porto: Edições Afrontamento, 1976.

______. Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1995.

Page 193: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

193

MIGNOLO, Walter. El pensiamento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifesto.

In: CASTRO-GOMÉZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. El giro decolonial: reflexiones

para uma diversidadepistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo Del hombre –

Universidaded Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia

Universidad Javeriana, Instituto Pensr, 2007.

MILLER, Joseph C. The Imbangala and the chronology of Early Central African History. In:

The Journal of African History, vol., 13, nº 4, p. 549-574, 1972.

______. The paradoxes of impoverishment in the Atlantic zone, In: BIRMINGHAM, David;

MARTIN, Phylli (eds.), History of Central Africa. London and New York 1983, II, p. 118-

159.

______. Way of death: Merchant capitalism and the Angola slave trade. Madison: The

Universiry of Wisconsin Press, 1988.

______. Poder Político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: AHN,

1995.

______. Angola central e sul por volta de 1840. In: Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, nº

32, dez, p. 7-54, 1997.

______. A economia política do tráfico angolano d escravos no século XVIII. In: PANTOJA,

Selma.; SARAIVA, José Flávio Sombra. (orgs.). Angola e Brasil nas rotas do Atlântico sul.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 11-67.

______. A economia política do tráfico angolano de escravos no século XVIII. In: Angola e

Brasil nas rotas do Atlântico sul. PANTOJA, Selma.; SARAIVA, J. F. S. (orgs). Rio de

Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, p. 11-68.

______. África Central durante era do comércio de escravizados, de 1490 a 1850. In:

HEYWOOD, Linda. (org.). Diáspora negra no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2008, p.

29-80.

MONTEIRO, Maria do Rosário; PIMENTEL, Maria do Rosário; LOURENÇO, Vitor Marçal

(eds). Marquês de Sá da Bandeira e o seu Tempo. Lisboa: Academia Militar, 1992.

Page 194: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

194

MOURÂO, Fernando Augusto Albuquerque. A evolução de Luanda: aspectos

sociodemográficos em relação a independência do Brasil e o fim do tráfico. In: PANTOJA,

Selma.; SARAIVA, José Flávio Sombra. (orgs.). Angola e Brasil nas rotas do Atlântico sul.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 195-224.

NETO, Maria Conceição. Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola

no século XX. In: Lusotopie – Lusotropicalisme.Idéologies coloniales et identités nationales

dans les mondes lusophones. Paris, p. 327-359, 1997.

OLIVEIRA, Mário Antônio de. Alguns aspectos da administração de Angola em época de

reforma (1834-1851). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1981.

ORTIZ, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar. Caracas: Biblioteca

Ayacucho, 1978.

PARK, Mungo. Travels in the interior districts of Africa performed under direction and

patronage of the African Association in the years 1795, 1796 and 1797. London: W. Bulmer,

1799.

PAQUETTE, Gabriel. After Brazil: portuguese debate on empire, c.1820-1850. In: Journal of

colonialism and colonial History. dez 2011, v 11, nº 2, p. 1-18, 2010.

PANTOJA, Selma.; SARAIVA, José Flávio Sombra. Angola e Brasil nas rotas do Atlântico

sul. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

PARREIRA, Adriano. Dicionário glossográfico e toponímico da documentação sobre

Angola. (séculos XV-XVII). Lisboa: Editorial Estampa, 1990.

______. Quatro livros de registros de ecsravos – Angola (1855): Ambriz , Golungo Alto,

Libongo, Tala Mugongo. In: Africana Studia. Porto: FLUP, nº 15, p. 135-150, 2010.

PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola, Vol 1: resistências e revoltas, 1845-

1941. 3º ed. Lisboa: Editorial Estampa, 2013.

Page 195: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

195

______. História das campanhas de Angola, Vol 2: resistências e revoltas, 1845-1941. 3º ed.

Lisboa: Editorial Estampa, 2013.

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Brasileiros a serviço do Império; a África vista por

naturais do Brasil, no século XVIII. In: Revista portuguesa de história, v. 33, p.153-190,

1999.

______. Rede de mercês e carreira: o “desterro d’Angola de um militar luso-brasileiro (1882-

1789).” In: História: questões e debates, nº 45, p. 97-127, 2006.

PIÇANÇO, D. C. L. Discurso, Lingüística e História: diálogos entre a lingüística e a teoria

da história através da análise do discurso. 220 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade

Federal do Paraná, Curitiba, 2006.

PIMENTEL, Juan. Testigos del mundo: ciencia, literatura y viajes em la ilustración. Madrid:

Marcial Pons, 2003.

PIMENTEL, Maria do Rosário. Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na Época

Moderna. Lisboa: Colibri:, 1995.

______. Chão de Sombras - Estudos sobre Escravatura. Lisboa: Colibri, 2010.

PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru:

EDUSC, 1999.

QUARESMA, Vitor Sérgio. A regeneração: economia e sociedade. Lisboa: Dom Quixote,

1988.

QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y America Latina. In: LANDER,

Edgardo (coord.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos

Aires: CLACSO, 2000, p. 201-246.

REIS, Jaime. O atraso económico português em perspectiva histórica: estudos sobre

economia portuguesa na segunda metade do século XIX (1850-1930). Lisboa: INCM, 1993.

Page 196: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

196

REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito; a resistência negra no Brasil

escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

REIS, J. J. Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. 2 ed., São

Paulo: Companhia das Letras, 2003.

RIBEIRO, Orlando. A colonização de Angola e seu fracasso. Lisboa: INCM, 1981.

RICŒUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.

RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 6. ed., São Paulo: Ed. Nacional; Ed.

Universidade de Brasília, 1982.

RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Os dramas históricos de Mendes Leal nos palcos do Rio

de Janeiro: notas sobre as encenações e a recepção crítica. In: Convergência Lusíada, Rio de

Janeiro, nº 32, julho – dezembro, p. 40-50, 2014.

RODNEY, Walter. Como a Europa subdesenvolveu a África. Lisboa: Seara Nova, 1975.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo:

Companhia das letras, 2007.

______. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e por

amor à cultura. In: Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, p. 289-310, 2002.

SANTOS, Catarina Madeira; MARQUES, Guida. Entre deux droits: les Lumières en Angola

(1750-v. 1800). In: Histoire, Sciences Sociales, 60º Année, Nº. 4, EHESS jul-ago, p. de 2005,

p 817-848, 2005.

______. Escrever o poder: os autos de vassalagem e a vulgarização da escrita entre as elites

africanas Ndembu. In: Revista de Hitória, nº 155, 2º sem, p. 81-95, 2006.

Page 197: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

197

SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva. Fissuras no discurso abolicionista português: o serviço de

carregadores e a colonização da África centro-ocidental. Anais do XXVI ANPUH. São Paulo,

jul. de 2011, p. 1-15.

______. Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da expedição de Henrique de

Carvalho à Lunda (1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013.

______. Expedição portuguesa ao Muatiânvua como fonte para a história social dos grupos de

carregadores africanos do comércio de longa distancia na África Centro-Ocidental. In: Revista

de História, nº 169, p. 349-380, jun/dez de 2013.

______. Controle da mão-de-obra africana e administração colonial: faces convergentes da

política portuguesa oitocentista. In: Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da

expedição de Henrique de Carvalho à Lunda (1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013.

SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos. Sociabilidades em trânsito: os carregadores do

comércio de longa distância na Lunda (1880-1920). 335 f. Tese (Doutorado em História) –

Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2016.

SANTOS, José de Almeida. Perspectiva da agricultura de Angola em meados do século XIX:

Pedro Alexandrino da Cunha e o pioneiro do Cazengo. Comunicação apresentada em sessão

ordinária de 26 de janeiro de 1990 e publicada In: Anais da Academia portuguesa de história.

2º série, vol. 36, p. 135-154, 1998.

SANTOS, Maria Emília Madeira. Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África.

2º ed. Lisboa: IICT, 1988.

SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal. In: Revista Brasileira de Ciência

Política, nº 5., p. 217-243, janeiro –julho, Brasília, 2011.

SEIXAS, Margarida. O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização portuguesa

oitocentista: uma análise histórico-jurídica. In: Revista Portuguesa de História, Coimbra, nº

XLVI, p. 217-236, 2015.

SERRÃO, Joel. Da regeneração a república. Lisboa: Horizonte, 1990.

Page 198: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

198

SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o Libambo: a África e a escravidão, 1500 a 1700.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

SILVA, Cristina Nogueira da. Constitucionalismo e Império: a cidadania no Ultramar

português. 563 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Direito da Universidade Nova

de Lisboa, Lisboa, 2005.

______. “Modelos coloniais” no século XIX (França, Espanha, Portugal). In: E-legal History

Review, Espanha, nº 7, p. 1-34, 2009.

SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros na África central no século XIX.

São Paulo: Alameda, 2011.

SKINNER, Quentin. Some problems in the analysis of political thought and action. In:

Political Theory, vol. 2, Symposium on Quentin Skinner, p. 277-303, 1974.

______. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras,

1996.

SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperaças e recordações na formação da família

escrava, Brasil sudeste, século XIX. 2ª ed., Campinas: Editora da UNICAMP, 2011.

______. A Importância da África para as Ciências Humanas. In: História Social

(UNICAMP), v. 19, p. 19-32, 2010.

SOARES, Francisco Manuel Antunes. Alguma bibliografia política em Angola no século

XIX. Revista Angolana de Sociologia, Dezembro de 2009, n.º 4, p. 119-137, 2009.

______. Crioulizações internas: processos de transculturação nos Bantu angolanos. In:

Almanack. Guarulhos, n.08, p.84-103, 2º semestre de 2014.

SUBRAHMANYAM, Sanjay. The Portuguese empire in Asia, 1500-1700: a political and

economic history. 2ª ed. Chichester: Wiley-Blackwell, 2012.

Page 199: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

199

SWEET, James H. Recreating Africa: culture, kinship and religion in the african-portuguese

wolrd, 1441-1770. St. Chapel Hill: UNC Press, 2003.

SZTOMPKA, P. A sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1998.

TAVARES, Ana Paula; SANTOS, Catarina Madeira. Africae Monumenta: a apropriação da

escrita pelos Africanos: volume I – Arquivo Caculo Cacahenda. Lisboa: Instituto de

Investigação Científica Tropical, 2002.

THOMAZ, Luíz Filipe. De Ceuta ao Timor. Lisboa: Difel, 1994.

THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul: representações sobre o terceiro império

português. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/FAPESP, 2002.

THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro:

Zahar, 1981.

______. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, II, III., 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1997.

THORNTON, John K. The Kingdom of Kongo: Civil War and Transition, 1641-1718.

Madison: University of Wisconsin Press, 1983.

______. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de Janeiro:

Campus, 2003.

TORRES, Adelino. O império português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991.

______. A economia do império (séculos XIX-XX). In: ALEXANDRE, Valentim (org). In: O

império africano (séculos XIX e XX). Lisboa: Edições Colibri; IHC-UNL, 2000, p. 55-67.

Page 200: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

200

TURNER, Victor. The forest of symbols: aspects os Ndenbu ritual. London: Cornell

University Press, 1967.

VANSINA, Jan. Ambaca society and the slave trade, c.1760-1845. In: Journal of African

History, 46, p. 1-27, 2005.

VENÂNCIO, José Carlos. A economia de Luanda e hinterland no século XVIII: um estudo de

sociologia histórica. Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

VELLUT, Jean-Luc. Diversification de l’économie de cueillette: miel et cire dans les sociétés

de la forêt claire d’Afrique centrale (1750-1950). In: African economic history, nº 7, p. 93-

112, 1979.

______. A bacia do Congo-Angola. In: AJAYI, Ade J. F. In: História Geral da África, VI:

África do século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI, Ade J. F. Brasília: UNESCO,

2010.

VIANA, Larissa. Os trópicos na rota do Império britânico: a visão de Mungo Park sobre a

África em fins do século XVIII. In: História, ciência e Saúde, Manguinhos, vol. 18, nº 1, p.

33-50, 2011.

VILAS BÔAS, Felipe. Em busca de um Novo Brasil em Angola? Encontros e desencontros

entre portugueses e autoridades africanas nos Annaes do Conselho Ultramarino (parte não

official), 1854-1867. 92 f. Monografia (Graduação em História) – Setor de Ciências Humanas

da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.

______. A condição da Zona Atlântica na Hinterland de Luanda, (c.1840-c.1860). In: Revista

Vernáculo, v. 30, p. 183-213, 2014.

WHEELER, Douglas L. Angolan Woan of Means: D. Ana Joaquina dos Santos Silva, Mid-

Nineteenth century luso-african merchant-capitalism of Luanda. In: Santa Bárbara

Portuguese Studies Review, nº 3, p. 284-297, 1996.

WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

Page 201: Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e ...taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331688/1/Boas_FelipePiresVilas... · Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

201

WISSENBACH, M. C. C.. As feitorias de urzela e o tráfico de escravos: Georg Tams, José

Ribeiro dos Santos e os negócios na África centro-ocidental na década de 1840. In: Afro-Asia,

v. 43, p. 10-52, 2011.

______. Dinâmicas históricas de um porto centro-africano: Ambriz e o baixo Congo nos

finais do tráfico de escravos (1840-1870). In: Revista de História, nº 172, p. 163-195, 2015.

ZAMPARONI, Valdemir. De escravo a cozinheiro: colonialismo e racismo em Moçambique.

Salvador: Edufba, 2007.

ZERON, Carlos Alberto. Pombeiros e Tangomaos, intermediários do tráfico de escravos na

África – século XVI. In: II Colóquio Internacional sobre mediadores culturais. Lagos: Centro

de Estudos Gil Eanes, p. 15-38, 1999.