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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
FELIPE PIRES VILAS BÔAS
PORTUGUESES, MORADORES E SOBAS EM GOLUNGO ALTO, ANGOLA:
NEGOCIAÇÃO E CONFLITO EM NARRATIVAS DE MILITARES, (C-1840-C-1860).
CAMPINAS
2018
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
FELIPE PIRES VILAS BÔAS
PORTUGUESES, MORADORES E SOBAS EM GOLUNGO ALTO, ANGOLA:
NEGOCIAÇÃO E CONFLITO EM NARRATIVAS DE MILITARES, (C-1840-C-1860).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas (IFCH–UNICAMP) como
parte dos requisistos exigidos para a obtenção do
título de Mestre em História, na área de História
Social.
Orientadora: Profª Drª Lucilene Reginaldo.
Este exemplar corresponde à versão final da
dissertação de Mestrado defendida por Felipe Pires
Vilas Bôas sob a tutela da Profª Drª Lucilene
Reginaldo.
CAMPINAS
2018
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação/Tese de Mestrado/Doutorado
composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 09 de
março de 2018, considerou o candidato Felipe Pires Vilas Bôas aprovado.
Profª Drª Lucilene Reginaldo.
Profª Drª Maria Cristina Cortez Wissenbach.
Profª Drª Elaine Ribeiro da Silva os Santos.
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo
de vida acadêmica do aluno.
Dedicado ao meu pai,
Orlando Vilas Bôas (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
Em fevereiro de 2011 eu me dedicava ao serviço de carga e descarga de mercadorias
em uma empresa de eletrônicos na cidade de Curitiba quando dei início a uma graduação
noturna em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Naquela altura não sabia o
que realmente desejava: continuar carregando caminhões e containers ou me dedicar de forma
exclusiva ao curso superior. Ao final do primeiro semestre da graduação – penoso e cansativo
– percebi que talvez a profissão de historiador me fornecesse mais do que um diploma
superior, mas uma percepção de conjunturas contemporâneas que me permitiriam crescer
enquanto sujeito político. Foi neste momento, durante a greve das universidades federais em
2011 que pedi demissão e resolvi me dedicar exclusivamente à atividade acadêmica.
Obviamente a decisão foi acertada, porém na altura da escolha as dificuldades
financeiras gritavam. Foi neste momento que recebi uma mão amiga de um professor.
Retornando para casa após uma cansativa aula sobre as haciendas da América espanhola
encontrei com o professor da disciplina de América, o historiador Carlos Alberto Medeiros
Lima, também regressando a sua casa no mesmo ônibus que eu tomara. Em uma breve
conversa, Carlos Lima me ofereceu uma oportunidade única: a possibilidade de realizar uma
iniciação científica (I.C.) com ele durante um ano. Não pensei duas vezes e logo aceitei a
oferta. Na época a carreira acadêmica não me atraia, o que me levou a aceitar a bolsa de I.C.
foi os singelos R$ 300,00 que ela oferecia. A remuneração da bolsa financiada pela Fundação
Araucária era ínfima perto do que eu recebia quando estava trabalhando, mas era um fôlego
que não podia deixar escapar.
Na semana seguinte me reuni com Carlos Lima para acertar os caminhos da pesquisa
que daria início. Ficou decidido que o trabalho seria sobre a escravidão em Porto Rico.
Todavia, ficou latente que a pesquisa não caminhava em boa direção e em uma decisão
conjunta decidiu-se mudar a temática. De forma cordial, Carlos Lima perguntou que assuntos
me interessavam e eu rapidamente respondi: História da África. A partir deste momento eu fiz
a escolha que incutiria em mim o gosto pela pesquisa e guiaria meus estudos até o presente
momento.
Meu interesse por África surgiu em 2011 quando tive a disciplina de História da
África com a historiadora Joseli Maria Nunes Mendonça. A professora não era especialista no
tema e tampouco escrevia sobre o assunto, mas fez um enorme esforço não apenas para tentar
compartilhar seu conhecimento, mas para educar metodologicamente seus alunos.
Rapidamente fiquei encantado não apenas com a disciplina ministrada, mais também com a
ministrante. Foi por intermédio de Carlos Lima e Joseli Mendonça que dei início às atividades
de pesquisa com a temática africana que culminaram nesta dissertação. Sou extremamente
grato a Joseli Mendonça por despertar meu interesse pelo tema e ainda mais grato a Carlos
Lima, que me ensinou tudo que precisava durante a graduação para fazer uma pesquisa
histórica. Aliás, a parceria com Carlos Lima foi muito além das duas iniciações em que tive o
prazer de ser orientado por este profissional, se estendeu até a monografia, que por
consequência abriu caminho as problemáticas que deram origem ao projeto de mestrado que
me permitiu adentrar na pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas (IFCH–UNICAMP).
Ainda durante a graduação, fui agraciado com uma bolsa de intercâmbio para estudar
durante seis meses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Lá tive o prazer
de conhecer a historiadora Amélia Maria Polónia da Silva, que gentilmente me apresentou ao
historiador José Curto durante um evento realizado nas dependências da FLUP. Foi graças a
uma longa conversa com José Curto que optei por fazer meu mestrado no IFCH–UNICAMP.
Desta forma, não poderia deixar de agradecer a estes dois historiadores portugueses que
indicaram o caminho para dar sequência a meus estudos.
Já como aluno da UNICAMP não poderia deixar de prestar as mais sinceras e infindas
homenagens a historiadora Lucilene Reginaldo. Conheci a pesquisadora durante o processo
para adentrar no programa de mestrado quando na altura das entrevistas me vi em uma
situação delicada: de um lado estava a historiadora Silvia Hunold Lara me aferindo sobre as
fragilidades de meu projeto, do outro estava eu, acuado e visivelmente perdido nas respostas.
Neste momento, enquanto Silvia Lara me inquiria e o historiador Robert Wayne Andrew
Slenes aguardava a minha resposta, Lucilene Reginaldo interviu de forma fortuita, abrindo
margem para que eu me recompusesse e conseguisse responder aos questionamentos, dúvidas
e interesses da banca avaliadora. Grata foi minha surpresa quando no dia do resultado final do
processo seletivo descobri que Lucilene Reginaldo seria minha orientadora.
Sou irremediavelmente grato a Lucilene Reginaldo por indiretamente ajudar-me no
processo seletivo de mestrado, mas também desde o início dos trabalhos de investigação ter
demonstrado interesse em minha pesquisa e ter acompanhado de perto a reestruturação de
meu projeto que aqui se concretiza. Sou grato a Lucilene pelas reuniões de orientação sempre
produtivas, pela paciência e generosidade ao me socorrer sempre que necessário com as
burocracias envolvendo o mestrado e seu financiamento. Cabe menção a banca de
qualificação composta por Maria Cristina Cortez Wissenbach (USP) e Raquel Gryszczenko
Alves Gomes (UNICAMP) que intervenho de forma bastante positiva no texto preliminar
apresentado para aguirção em meados de 2017. Destaque especial para as observações de
Maria Cristina que chamou a atenção para lacunas de sujeitos e a necessidade de se fazer um
levantamento das autoridadea africanas e de voltar a atenção para a visão dos pequenos
agentes militares.
Não posso deixar de agradecer também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP), que desde meados de 2015 apoia financeiramente o projeto de
pesquisa protocolado sob o processo nº 2015/12280-3 – FAPESP. Graças ao suporte
financeiro desta instituição de pesquisa pude me estabelecer de forma mais confortável na
cidade de Campinas, financiar a compra de bibliografia, participar de grupos de trabalho e
eventos acadêmicos do sul ao nordeste do país. Não restam dúvidas que o financiamento
prestado pela instituição de fomento foi vital para o desenvolvimento da pesquisa e o seu
ganho de qualidade em relação ao projeto originalmente apresentado na UNICAMP. Espero
que esta obra investigativa possa estar de acordo com a qualidade acadêmica e institucional
que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo cultiva desde a década de
1960.
Não poderia esquecer-me de dois grupos em duas cidades distintas que de forma
indireta colaboraram em demasiado para a realização desta pesquisa: os velhos amigos de
Curitiba e os novos amigos de Campinas. Por diversas vezes estive em Curitiba durante a
pesquisa para visitar meus familiares. Nestas visitas, sempre que possível, encontrei-me com
amigos para reviver bons momentos e construir novas ações. Dentre estes não poderia deixar
de nominar dois em especial: Anne Caroline da Rocha de Moraes e Luan Fernando Leal
Ferreira. São com estes dois amigos que posso compartilhar qualquer experiência enquanto
bebemos uma cerveja de péssimo paladar em um ambiente duvidoso, mas aconchegante.
Agradeço a ambos pela simples companhia, pois nada mais posso exigir além da amizade
crítica. Sou também grato a Vitor Fróes Berbel, amigo de Campinas com o qual tive o prazer
de dividir moradia durante um ano. A companhia de Vitor em Campinas quando eu era um
recém-chegado foi importante para que eu me adaptasse melhor a uma nova realidade. Sou
grato a Vitor pela companhia nas refeições no abafado, mas indispensável restaurante
universitário da UNICAMP, pela cervejinha aos finais de semana e pelas risadas
compartilhadas.
Agradeço também a duas pessoas basilares que me incentivaram a continuar na
caminhada acadêmica: meu pai, Orlando Vilas Bôas e minha mãe, Dilcelene Pires Vilas Bôas.
Diferente da família de muitos amigos, meus pais jamais questionaram minha escolha pela
história e tampouco desmereceram a profissão de historiador. Recebi apoio de ambos em
diferentes momentos e por diferentes razões sempre que este apoio esteve ao alcance deles.
Desta forma, sou imensamente grato a ambos pelo zelo, atenção e, sobretudo, respeito às
escolhas profissionais que tomei ao longo dos últimos sete anos.
Por fim, sou grato as casualidades que o destino me propiciou em 2017, quando por
questões acadêmicas me vi adentrar em um ônibus apertado rumo a cidade de Maringá, que
serviu de palco para um reencontro a muito esperado. Faltam-me palavras e habilidade para
frisar o quão impactante o reencontro com Francielle de Souza foi: talvez pelos anos de
afastamento, talvez por poder expressar algo que há anos ansiava, mas jamais pude
empreender. Só sei que encontrei alguém singular, alguém com quem posso me despir de ritos
e padrões sociais sem temer represálias e olhares cerrados. Sinto-me feliz e preenchido como
a muito não sentia. Pergunto ao meu íntimo. – Decerto já senti um dia? Não sei, mas acredito
na minha insólita compreensão da vida que nunca senti o que vivo agora. Só posso agradecer
a Pequena por estar comigo, por fazer parte da minha vida e me deixar fazer parte da dela.
Uma companhia sincera, inteligente, bonita e, que acima de tudo, se dispôs a caminhar junto
comigo na experiência que ambos estamos construindo, com erros e acertos, medos e alívios.
Portanto, este trabalho não é fruto de um mérito individual, mas o resultado de um
esforço coletivo direto e indireto. As falhas e iniquidades aqui contidas são de minha única
responsabilidade, pois aqueles que circundaram a mim durante o processo de escrita não
cometeram outra coisa a não ser embebedar-me de vontade e conteúdo. Sendo assim, espero
que aqueles que deitarem os olhos sobre este esforço dissertativo possam analisa-lo de forma
crítica, concordando ou discordando. Que as palavras escolhidas que seguem nesta pesquisa
não fiquem esquecidas.
RESUMO
Compreender como se constituíram as relações coloniais estabelecidas entre portugueses,
moradores e Sobas no distrito de Golungo Alto, Angola, a partir de narrativas colonias é o
objetivo central deste trabalho, que discute a importância de tais relações para a interiorização
portuguesa no entremeio do século XIX e configuração de novos arranjos políticos africanos.
A investigação teve como fonte privilegiada textos de pequenos agentes coloniais de carreira
militar que circularam pelo interior de Angola entre as décadas de 1840 e 1860. O período
abarcado pela pesquisa foi de fortes discursos de mudanças políticas e econômicas da atuação
portuguesa em Angola, inseridos em um debate mais amplo acerca das possibilidades de
ocupação efetiva deste território africano. Dito de outra forma, a paulatina bancarrota do
tráfico legal de escravizados exigia uma ação portuguesa de maior inserção no território
africano, o que levou ao incentivo da atividade agrícola e extrativa para fins comerciais de
exportação, abrindo caminho para novas possibilidades comerciais aos moradores e novos
processos de interação entre portugueses e comunidades africanas tradicionalmente mediadas
pelos Sobas. O material empírico aqui analisado atesta esta tendência e permite verificar a
inconstância das ações coloniais portuguesas ao longo do século XIX e a participação de
mestiços e africanos, seja em reação as novas exigências externas trazidas pela administração
colonial ou ainda em suas próprias iniciativas visando o melhor prover na empresa comercial.
A maioria das narrativas criticamente analisadas diz respeito a visitas, vistorias e campanhas
militares realizadas nos sertões de Angola por funcionários coloniais pertencentes ao corpo
militar. Conquanto, mesmo em uma documentação assinalada pelos interesses coloniais foi
possível perceber a agência africana, especialmente no que diz respeito à ação comercial, que
permitiu a moradores e Sobas da região do Golungo Alto o protagonismo em diversos
momentos, desde o monopólio sobre a mão de obra africana, passando pela resistência ao
serviço de carreto até as tentativas de controle da circulação de mercadorias.
Palavras-chave: Projetos coloniais; Sobas; Moradores; Comércio lícito; agentes coloniais.
ABSTRACT
Understanding how occured the colonial relations established between Portugueses,
moradores and Sobas in the district of Golungo Alto, Angola, observed from colonial
narratives of military origen is the central objective of this scientific research. In this
perspective, it is sought the capacity of such relations to collaborate in the construction of
colonial structures and to reformulate African power between the 1840s and 1860s. The
investigation had as privileged source texts of small colonial agents of military career that
circulated in the interior of Angola. The period in which this work is focused was known for
strong discourses of change political and economic of the activity Portuguese in Angola,
inserted in a broader debate about the possibilities of effective occupation of this African
territory. In other words, the gradual decadence of trafficking of legal enslaved required a
Portuguese action of greater integration in the African territory, which led to the
encouragement of agricultural and extractive to purposes activity for commercial export,
paving the way for new possibilities of interaction between the Portuguese and communities
African traditional mediated by Sobas. The empirical material analyzed testifies to this
tendency and allows to verify the inconstancy of the Portuguese colonial actions throughout
the nineteenth century and the African participation, either in reaction to the new demands
brought by the colonial administration or in its own initiatives aimed at obtaining better gains.
The most of the narratives critically analyzed relate to visits, surveys and military campaigns
in the backlands of Luanda by colonial officials belonging to the military corps. Therefore,
the interests of narration and the perception of the colonial dynamics in such documentation
are marked by the sieve of the Portuguese interests. However, even in a document loaded by
colonial interests, it was possible to perceive the African agency, especially with regard to
commercial action, which allowed Sobas de Mbaka and surrounding regions to play a leading
role at various times, from the monopoly on African labor until the attempts to control the
movement of goods.
Keywords: Colonial projects; Sobas; Moradores; Licit trade; Colonial agents.
Nota explicativa
A ortografia das palavras nos diversos idiomas da região de Angola não segue uma clara
regra ortográfica. Observa-se que nas fontes utilizados e na própria bibliografia não existe
um padrão de escrita, desta forma, encontram-se as mais diversas formas de uma mesma
palavra como: Kassanje e Cassange, Ambaca e Mbaka, Jinga, Ginga e Nzinga. O padrão
utilizado nesta pesquisa aproxima-se de uma grafia mais próxima da fonética, afastando
uma ortografia mais ligada ao universo lusófono. Desta forma, a palavra Cuanza, por
exemplo, está grafada como Kwanza e Ambaca como Mbaka. Contudo, no
desconhecimento de alguns termos optou-se pela grafia coeva dos autores da
documentação.
LISTA DE MAPAS, GRÁFICOS E TABELAS
Mapa...................................................................................................................................... 28.
Gráfico I................................................................................................................................ 30.
Gráfico II............................................................................................................................... 31.
Gráfico III.............................................................................................................................. 31.
Tabela I........................................................................................................................ 121-126.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 15.
CAPÍTULO 1 – A incerta construção do Império Africano........................................... 47.
1.1. Conflitos políticos em Portugal do século XIX.................................................... 48.
1.2. Angola e o liberalismo português......................................................................... 55.
1.3. Escravizados, libertos e carregadores frente às reformas liberais........................ 76.
1.4. Recuperação comercial e ocupação territorial...................................................... 83.
CAPÍTULO 2 – Necessidade e embaraço nos sertões de Luanda................................... 90.
2.1. Mestiços e intermediários no século XIX............................................................ 91.
2.2. Amarras da dependência: implicações político-sociais do serviço de carreto... 105.
CAPÍTULO 3 – Sobas e portugueses............................................................................... 114.
3.1. Autonomia negociada entre Sobas e os pequenos agentes militares.................. 115.
3.2. Expansão indefinida: as campanhas de Kassanje e a postura portuguesa.......... 147.
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 159.
GLOSSÁRIO..................................................................................................................... 165.
FONTES E BIBLIOGRAFIA........................................................................................... 173.
Fontes....................................................................................................................... 174.
Bibliografia.............................................................................................................. 180.
15
INTRODUÇÃO.
16
Esta pesquisa teve seu berço quando tive a oportunidade de acompanhar um seminário
sobre tráfico de escravizados nos Oitocentos e tendências investigativas no ano de 2014, na
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em Portugal. Naquela altura realizava um
intercâmbio proporcionado pelo programa de relações internacionais da Universidade Federal
do Paraná. As pesquisas apresentadas no seminário frisaram as diversas mudanças na
realidade portuguesa ao longo do oscilante século XIX. Esta característica se estenderia às
possessões ultramarinas, dentre elas, Angola. Paralelo ao intercâmbio, eu iniciara, ainda em
Portugal, a escrita da minha monografia de conclusão do curso de História em nível de
graduação. A pesquisa dizia respeito às estratégias comerciais e políticas portuguesas frente o
fim do tráfico de escravizados em Angola, visto a partir do periódico Annaes do Conselho
Ultramarino (parte não official).
Já no Brasil e com o curso de graduação concluído, resolvi expor minhas inquietações
sobre questionamentos não respondidos na monografia em forma de projeto e apresentar ao
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. O meu
incômodo principal com relação a minha pesquisa de graduação dizia respeito à ação das
autoridades africanas, especialmente as chefias locais e seu papel nas dinâmicas coloniais.
Fiz algum esforço de abordar tal problemática, porém minha limitação bibliográfica e timidez
analítica do material empírico acabaram por gorar as tentativas e transformaram a monografia
em um exercício bibliográfico com menções empíricas. Aprovado na Universidade Estadual
de Campinas e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o
projeto inicial foi aperfeiçoado de forma mais objetiva e funcional, dentro da realidade de um
programa de mestrado com tempo pré-determinado para sua conclusão. Desta forma, deu-se
início à pesquisa que aqui se encontra exposta, que tem por objetivo investigar as dinâmicas
sociopolíticas no distrito do Golungo Alto, Angola, envolvendo africanos, moradores e
pequenos agentes coloniais de carreira militar entre as décadas de 1840 e 1860, buscando
compreender os espaços de ação, táticas e estratégias utilizadas por estes grupos.1 Para isso
lançou-se a mesa uma serie de narrativas de viagem escritas por pequenos agentes militares
que circulavam pela região do Golungo Alto.
A inquietação acerca da relação entre chefes africanos (s. Soba, pl. Sobas) e
portugueses – estendida posteriormente aos moradores – teve sua gênese na leitura do 1 ISAACMAN, Allen; ISAACMAN, Barbara. Resistence and collaboration in southern and central Africa, c.
1850-1920. In: The international journal of african historical studies. Vol. 10, nº 1, p. 31-62, 1977.; CERTEAU,
M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2007.; SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal.
In: Revista Brasileira de Ciência Política, nº 5., p. 217-243, janeiro –julho, Brasília, 2011.
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material empírico e bibliográfico em conjunto. A bibliografia sobre Angolaende, em maior ou
menor grau, tende a construir narrativas amplas, seja em nível temporal ou de estrutura
textual.2 Ao mesmo tempo, no que diz respeito à produção brasileira, pode-se observar uma
concentração de produções respectivas ao século XVII, XVIII e início do XIX, muito devido
ao fato de que boa parte dos estudiosos que se debruçaram nos estudos de África – incluindo
Angola – partiram de análises sobre escravidão e tráfico de escravizados.3 Conquanto, alguns
autores, majoritariamente portugueses, voltaram a investigação para Angola durante o
entremeio do século XIX e perceberam a especificidade apresentada neste momento, tanto no
que diz respeito às dinâmicas internas da região como as ocorrências em Portugal. Autoras
como Jill Dias e Isabel Castro Henriques tratam exatamente deste momento e, de diferentes
formas, buscam demonstrar que o século XIX em Angola não é um interregno de pura
decadência e estagnação com o fim do tráfico de escravizados legal, mas sim um período de
virada nas relações entre os africanos de Angola e portugueses, abrindo caminho para
negociações e conflitos com objetivos diferentes dos que já haviam sido colocados até aquele
momento.4
Mesmo havendo uma produção historiográfica de qualidade, não é exagero indicar a
marginalidade que o entremeio do século XIX ocupou por muito tempo na produção
acadêmica sobre Angola. As produções orientadas pela disputa ideológica da Guerra Fria
formaram um pensamento no qual as tentativas de colonização em Angola no século XIX
2 Cf. DIAS, Jill. História da colonização - África (séc. XVII-XX). In: Ler História, n.21, p. 128-145, 1991.
3 A produção brasileira do século XX pode ser entendida em quatro momentos: o interesse etnográfico de
Raimundo Nina Rodrigues sobre a população negra da cidade de Salvador a partir dos anos 1900; o caráter
identitário harmônico da miscegenação brasileira presente entre os anos 1930 e 1950 de Gilberto Freyre; o
combate a democracia racial do lusotropicalismo de Freyre nos anos 1960 e 1970; interesse pelo social no
comércio escravista e na instituição da escravidão nos anos 1980 e 1990. Sendo que neste último, pode-se
observar pela primeira vez um interesse, ainda tímido, pela realidade africana em África, que até aquele
momento se encontrava restrita a presença e interesses de africanos na formação do Brasil e suas estruturas
sócio-políticas. Cf. RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 6. ed., São Paulo: Ed. Nacional; Ed.
Universidade de Brasília, 1982.; FREYRE, Gilberto. Novo mundo nos trópicos. Lisboa: Edição Livros do Brasil
Lisboa, 1972.; ______. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 48º ed., São Paulo: Global, 2003.; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no
Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1962.; COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Brasiliense, 1966.; REIS, J. J.
Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. 2 ed., São Paulo: Companhia das Letras,
2003.; SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. 2
ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2011. Pode-se ainda apontar a formação de uma quinta fase, no qual as
produções que abordam África a partir dos anos 2000 tem consolidado a tendência da historia social no que diz
respeito a pensar a África de forma independente sem a necessidade da presença de interesses extra-africanos,
sendo os temas mais recorrentes os que dizem respeito ao colonialismo, formação dos estados africanos e a
participação dos africanos como sujeitos de sua própria história. 4 HENRIQUES, Isabel Castro. Percursos da modernidade em Angola: dinâmicas comerciais e transformações
sociais no século XIX. Lisboa: IICT-ICP, 1997.; DIAS, Jill. Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de
Luanda: o impacto da colonização sobre os Mbundu (c.1845-1920). Penélope, Lisboa, nº 14, p. 43-91, 1994.
18
foram fracassadas pela perspectiva liberal e sequer ganharam corpo original no ponto de vista
das análises marxistas, pois para muitos, a colonização começara no século XV.5 O
desinteresse por este momento em específico não foi fruto de uma dificuldade empírica ou de
cabedal metodológico, mas resultado de perspectivas históricas estruturadas em explicações
mais amplas em busca de preencher significados políticos e transformações economicas.
Contudo, mesmo este intervalo sendo pouco prestigiado historiograficamente, quando se
observa a produção sobre Angola como um todo, houve importantes avanços sobre o
conhecimento deste contexto a partir dos anos 1970.
As primeiras análises de maior densidade sobre esta matéria remontam a inquietações
historiográficas sobre reações da política portuguesa com a desagregação do Império
Português no Atlântico Sul. Tais perspectivas ressoaram imediatamente sobre o espaço que a
África de presença portuguesa ocuparia e os meios pelos quais os portugueses se valeriam
disto.6 Seguindo esta orientação, destaca-se principalmente o embate entre os historiadores
portugueses José Capela e Valentim Alexandre. Buscando entender os dilemas políticos de
Portugal no século XIX – principalmente a questão da abolição do tráfico de escravizados em
uma perspectiva estrutural –, Capela e Alexandre pautaram-se nas proposições analíticas de
Eric Williams7 para compreender o cenário abolicionista português, seja em seu debate
interno ou ainda em suas prerrogativas de negociação internacional com a Inglaterra.8
Na perspectiva de José Capela, a sociedade portuguesa adentra o século XIX
desprovida de dinâmica industrial e dependente de atividades mercantis ultramarinas
sustentadas pelo sistema escravagista. Esta característica seria decisiva na mentalidade das
classes dominantes, que [...] não dispunham da maleabilidade necessária à transformação
5 Cf. BOA VIDA, Américo. Angola: cinco séculos de exploração portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.; RIBEIRO, Orlando. A colonização de Angola e seu fracasso. Lisboa: INCM, 1981. 6 Cf. HAMMOND, R. J. Portugal and Africa, 1815-1910: a study in uneconomic imperialism. Stanford: s/e,
1966.; CLARENCE-SMITH, Gervase. The third Portuguese empire: 1825-1975: a study in economic
imperialism. Manchester: Manchester University Press, 1985. 7 Segundo Williams, o sistema capitalista que se consolidava no século XIX não poderia conviver em sociedades
de regime escravista voltadas a dinâmicas mercantis, pois além de não abrir espaço para capitais, não havia
possibilidade de alienação cognitiva da sociedade pelo capital enquanto a escravidão e seus braços estivessem
corrompendo as relações políticas e tornando as dinâmicas sociais morosas em uma linha evolutiva. Em suma,
capitalismo e escravidão eram incompatíveis e, o fervilhar de abolicionismos no século XIX seria um sintoma da
luta entre regimes econômicos distintos. Desta forma a “política prática” dos colonizados seria marcada pela
violência brutal e opressora que a escravidão delegou a sociedade como um todo, criando uma cultura violenta e
autopunitiva. Cf. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 8 MARQUES, João. Os sons do silêncio: o Portugal de Oitocentos e a abolição do tráfico de escravos. Lisboa:
ICS, 1999, p. 15.
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radical da estrutura socioeconômica que as sustentava.9 Baseado nisto, Capela indica que o
comportamento mercantil de rotas comerciais – que caracterizou a expansão portuguesa
depois de sublevados os sentimentos da tardia reconquista10
– foi fundamental para que
Coroa, nobreza e comerciantes se aprofundassem em demasiado na atividade traficante e
escravista. Desta maneira o debate e a circulação de ideais abolicionistas em Portugal seria
tímido e pouco significativo no que compete a sua influência nas decisões administrativas.
O principal indício que levou José Capela a anotar a fraqueza da retórica abolicionista
portuguesa foi a incapacidade de vários projetos de companhias de exploração de sair do
papel. Na visão de Capela os motivos dessa incapacidade eram claros: a falta de capitais
dificultava uma mudança na estrutura socioeconômica, assim como a incredulidade das
classes dominantes que coadunaram o contra o discurso abolicionista.11
Sendo assim, as medidas tomadas durante a primeira metade do século XIX pelos
administradores liberais não tinham como origem os interesses da sociedade portuguesa ou da
própria Coroa, mas eram frutos de uma relação de dependência econômica e política
internacional,12
tendo Portugal agido [...] tão somente às ordens da Inglaterra.13
Dentre estas
medidas, as mais significativas panorama seriam o decreto de abolição do tráfico de
escravizados de 1836, promulgado por Sá da Bandeira, e o acordo entre Inglaterra e Portugal
de 1842, que visava combater pela via naval os navios traficantes que saíssem dos portos
africanos.14
Neste sentido os portugueses foram colocados por Capela no posto de legisladores
dos interesses ingleses.15
Na contramão de Capela, e buscando romper com a ideia em voga que de o
liberalismo português oitocentista foi negligente com as questões coloniais até a década de
1870, Valentim Alexandre argumentou que o interesse pelo abolicionismo estava mais
presente do que Capela apontava, e que esta matéria estava intimamente relacionada com as
prerrogativas portuguesas pela ocupação dos territórios africanos.16
De certa forma,
Alexandre reconhecia a pressão inglesa, mas flertava com a possibilidade de que o decreto de
9 CAPELA, José. As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico de escravatura, 1810-1842. Porto:
Afrontamento, 1987, p. 27. 10
THOMAZ, Luíz Filipe. De Ceuta ao Timor. Lisboa: Difel, 1994. 11
CAPELA, José. As burguesias portuguesas, p. 174. 12
CAPELA, José. Escravatura: a empresa de saque: o abolicionismo. Porto: Afrontamento, 1974. 13
CAPELA, José. As burguesias portuguesas, Op. Cit., p. 174. 14
Idem. 15
Ibidem, p. 175-176. 16
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 17.
20
abolição de 1836 e as iniciativas portuguesas tivessem uma origem para além das relações
diplomáticas, estando vinculadas a interesses das [...] classes dominantes portuguesas, já que,
como veremos, a abolição do tráfico de escravos era um passo essencial para converter o
domínio quase nominal sobre as nossas colónias africanas num domínio efectivo.17
A tese de Alexandre leva a um entendimento imediato de que havia um projeto liberal
que intencionava evitar a saída de mão de obra do território africano para seu uso interno, que
nesta altura só poderia estar voltado a extração mineral, vegetal e a cultura agrícola. A relação
diplomática com a vizinha Inglaterra seria apenas um elemento a mais para a consolidação
dos interesses liberais de um projeto de Portugal. Nesta linha de raciocínio haveria dois
momentos da ocupação da África pelos portugueses. Primeiramente, o interesse da construção
de um modelo de sociedade que superasse o atraso industrial português por intermédio das
possessões ultramarinas em África. A experiência adquirida no Brasil seria primordial e daria
a base para as tentativas de ocupação de África, não só como estrutura para a prática, mas
como elemento de justificativa histórica portuguesa com relação a sua capacidade como
Nação colonizadora. Neste ponto, Valentim Alexandre insere o elemento ideológico sobre as
campanhas militares portuguesas que aconteceram esporadicamente durante meados do século
XIX e que ganharam mais fôlego a partir dos anos 1880. Já em uma segunda fase, as colônias
entrariam em uma dinâmica baseada na criação de um nicho de mercado voltado ao Império
português com o fornecimento de matérias primas para a indústria metropolitana.18
A esta
altura, Alexandre dialoga com a tese de Clarence-Smith, indicando que as intenções coloniais
de Portugal começaram a ganhar forma na década de 1860 e tinha por objetivo criar um
ambiente ultramarino capaz de fornecer matérias primas e ao mesmo tempo consumir
manufaturas da incipiente, mas crescente indústria portuguesa.19
Diferentemente de Capela, que viu o fracasso das iniciativas portuguesas em África
como sinal do desinteresse das classes dominantes pelos territórios africanos, Alexandre
apontou que a existência dos projetos e o próprio caráter inovador de alguns indicava o
contrário. Mesmo que muitos falhassem, não se poderia dizer que o desejo de construir um
novo momento para a história portuguesa estivesse presente.20
Desta forma, Alexandre aponta
17
ALEXANDRE, Valentim. Origens do colonialismo português moderno, (1822-1891). Lisboa: Sá da Costa,
1979, p. 17. 18
Cf. ALEXANDRE , Valentim. Os sentidos do Império: questão acional e questão colonial na crise do antigo
regime português. Porto: Afrontamento, 1992. 19
CLARENCE-SMITH, The third Portuguese empire, passim. 20
Independentemente disto, nos anos 1990, Valentim Alexandre indicava que seu posicionamento anterior com
relação à força do abolicionismo português e o interesse das classes dominantes por África poderia estar em
21
a falta de recursos e material humano como os verdadeiros motivos dos sucessivos fracassos
de uma política de ocupação coesa nas possessões africanas.21
Esta afirmação de Valentim
Alexandre não é novidade, pois a maioria dos autores que se dedicaram aos estudos
envolvendo portugueses em África indicaram a debilidade financeira e de mão de obra como
fonte da paralisia colonial em África no século XIX. Durante muito tempo este indicativo de
carência foi considerada a principal razão para o atraso do projeto colonial, sendo que apenas
nas últimas décadas – com maior ênfase a partir dos anos 1990 – que os estudiosos passaram
a verificar que a prática colonial foi igual ou mais decisiva do que a falta de recursos.
As análises de José Capela e Valentim Alexandre tiveram grande impacto não só sobre
as pesquisas em relação ao abolicionismo, mas principalmente sobre o olhar que Portugal
tinha com relação aos seus territórios em África. Porém, é visível à luz da historiografia atual
que ambos os posicionamentos não respondem por si só as razões do abolicionismo português
e tampouco sustentam percepções plenamente seguras no que diz respeito aos interesses
portugueses no ultramar.22
Os dois historiadores estavam profundamente focados no âmbito
da retórica política e da possível concretização da mesma via projetos de companhias
comerciais ou campanhas militares sobre territórios africanos. Desta forma, pouca atenção foi
dada para as realidades ultramarinas e as ações dos agentes portugueses nos territórios
coloniais, quanto às realidades africanas, nem sequer são levadas em conta, ficando os estudos
desses projetos ciscuncritos sempre aos altos círculos políticos e econômicos.23
demasiado. De certa forma, Alexandre não abre mão de seu posicionamento com relação aos interesses liberais
por África e sobre as razões que levaram administradores liberais a tomar atitudes voltadas ao controle de mão
de obra, como o decreto de 1836. Todavia, passa a reconhecer que o interesse português sobre a matéria do
abolicionismo, tampouco sobre a ocupação das possessões africanas, era diminuto e periférico no debate político
de então. A saída encontrada pelo autor para manter sustentável a sua posição foi a de que o interesse por África
e pelo abolicionismo do tráfico estava presente em um circulo de políticos liberais que tinha uma visão mais
ampla da fronteira existente entre o campo político e econômico. Sendo assim, mesmo que tais matérias não
perfilassem a mentalidade portuguesa e nem a de quem vivia a prática colonial, haveria indivíduos capazes de
pensar além da situação de momento. Cf. ALEXANDRE, Valentim. Portugal em África (1825-1974): uma
perspectiva global. In: Penélope, Lisboa – nº 11, mai, 1993, p. 53-66. 21
ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império, (1808-1975). Porto:
Afrontamento, 2000, p. 121-140. 22
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 15-18. 23
Capela foi preciso ao apontar o desinteresse por boa parte da administração portuguesa pelos assuntos
coloniais africanos, porém delegou demasiado peso a influência inglesa e ignorou o caráter cultural da relação
que Portugal mantinha com o imaginário político das navegações e conquistas. Por outro lado, Alexandre
percebeu que o interesse abolicionista português, vinculado à política colonial, tinha uma dimensão maior do que
apenas um conflito de interesses econômicos e políticos baseados na fragilidade portuguesa frente à Inglaterra,
no entanto, equivocou-se duplamente ao delegar imensa atenção ao imaginário político da construção de Novos
Brasis em África e ao indicar que havia indivíduos com mentalidades brilhantes capazes de pensar em um
projeto colonial de longo prazo, como Sá da Bandeira.
22
A partir dos anos 1980, é possível perceber uma mudança nas análises sobre a
presença portuguesa na África e, principalmente, sobre os africanos, que cada vez mais se
desvencilham da absoluta submissão aos interesses portugueses. No caso de Angola, cabe
menção aos esforços de Beatrix Heintze, Jill Dias e Isabel Castro Henriques. Com o passar
das décadas de 1980/1990, ficou mais evidente que as dinâmicas sociais, principalmente as
evidenciadas em África, receberam mais esmero da historiografia. Chama a atenção, por
exemplo, os trabalhos de Jill Dias, que durante os anos 1990 construiu uma narrativa sobre
Angola baseada na história social, argumentando sobre uma multiplicidade de interesses e
conjunturas existentes na relação entre portugueses e africanos, sendo as chefias, neste último
grupo, um ponto crucial na perspectiva desta autora.24
Os Sobas em Angola passam cada vez
mais a figurar como sujeitos participantes das dinâmicas coloniais oitocentistas e não mais
homogeneizados com etiquetas como as de submissos as brutalidades coloniais ou
irrelevantes na edificação das estruturas colonizadoras.25
Ao mesmo tempo em que a bibliografia frisa que o século XIX corresponde a uma
conjuntura de permanências e mudanças marcantes, com as chefias africanas ascendendo a
sujeitos históricos ativos, a documentação coeva geralmente expõe tais chefias como
inferiores na perspectiva do crivo português. Contudo, em alguns momentos é possível
perceber uma dubiedade entre o que os portugueses pensavam/registravam sobre as chefias
africanas e as atitudes e práticas da administração colonial. Em linhas gerais, ao mesmo
tempo em que os africanos eram entendidos como inferiores na pespectiva dos interesses
portugueses, faz-se perceptível a necessidade da presença e participação destes nos projetos
de construção colonial.26
A compreensão da bibliografia em confronto com o material
analisado permitiu levantar algumas questões, dentre elas duas que nortearam o trabalho: que
tipo de dinâmica ocorria entre as chefias africanas e a administração colonial e como os
moradores27
se colocavam dentro deste embate?
24
Mesmo quando se debruçava sobre questões políticas e estruturantes, a faceta social sempre ocupava lugar de
privilégio na problematização. Cf. O Kabuku Kambilu (c.1850-1900): uma identidade política ambígua. In:
Actas do seminário: encontro de povos e culturas em Angola. Luanda, 3 a 6 de abril de 1995. Luanda: AHNA;
MCA, 1997. 25
BOA VIDA, Américo. Angola.; FERREIRA, Eugénio. Feiras e presídios: esboço de interpretação
materialista da colonização de Angola. Lisboa: Edições 70, 1979. 26
HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos: caravanas de carregadores na África Centro-Ocidental (entre 1850
e 1890). Lisboa: Editorial Caminho, 2004.; DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto do
comércio atlântico. In: BASTOS, Cristina; ALMEIDA, Miguel Vale de; FELDMAN-BIANCO, Bela (org.)
Trânsitos Coloniais. Diálogos críticos luso-brasileiros. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. 27
Como se verá mais a frente, os moradores eram um grupo bastante distinto formado por africanos, mestiços e
colonos brancos, todos livres e possuidores de alguma propriedade, seja ela móvel ou imóvel. Participavam da
23
A bibliografia frisa que durante os séculos XVII, XVIII e XIX, os Sobas locais
estavam vinculados a um sistema de submissão a chefes maiores, exemplo: parte dos Sobas
do hoje conhecido como grupo Mbundu estava subordinada aos Kinguri (Jaga) de Kassanje.
Além deste vínculo com chefes de maior poderio, boa parte das autoridades centrais das
comunidades necessitava de um corpus político ao seu redor, legitimando seu poder e
garantindo sua jurisprudência; os chamados Makota (s. Kota).28
No entanto, durante
praticamente todo o século XVII e XVIII, a orientação foi de que o avassalamento dos chefes
e as alianças estabelecidas não interferissem na estrutura política local e não contestassem a
legitimidade das autoridades africanas.29
Em grande medida, a atitude portuguesa visava à
manutenção de um ambiente propício às permutas e um vínculo ativo para a obtenção de mão
de obra. De certa forma, a política colonial esteve sempre entre excluir o africano da esfera
política e ao mesmo tempo inseri-lo por incapacidade de movimentação geográfica e de ela
própria recrutar mão de obra, se valendo de sua inserção e apropriação do poder político
local.30
A aproximação com as comunidades era primordial para manter as estruturas de
trabalho e também o de transportes, que em Angola, fazia-se essencialmente pelo sistema de
carregadores, sendo estes recrutados nas comunidades avassaladas por intermédio de
contratação ou arregimento forçado.31
A origem feudal da vassalagem e seu cerimonial de
undamento não impedia a sua utilização entre portugueses e comunidades africanas. O
contrato de vassalagem consistia em um reconhecimento de poder, de governo que ambas as
partes de dignavam a realizar. Realizada e dois atos – escrita e verbal – a vassalgem
estabelicia uma aliança política e não necessariamente a dominição por parte da administração
portuguesa.32
A própria cerimônia não tinha um caráter europeu, mas estava mergulhada em
vida política de Angola, eram vitais no andamento do comércio e tinham cargos burocráticos na hierarquia
militar das milícias que atuavam nos sertões. Em certa medida os moradores e constituiam a camada de
intermedários entre a administração colonial e os sobados africanos. Cf. DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel;
MARQUES, A. H. de Oliveira (dirs.), coordenação do volume X: ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill. Nova
história da expansão portuguesa (Volume X): O império africano, (1825-1890). Lisboa: Editorial Estampa,
1998. 28
Cf. MILLER, Joseph C. Poder Político e parentesco: os antigos estados Mbundu em Angola. Luanda: AHN,
1995. 29
CARVALHO, Os homens do rei em Angola: sobas, governadores e capitães mores, século XVII e XVIII. 285
f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013, p. 70. 30
MARQUES, Rui. O império e a câmara dos deputados: as marcas de um discurso (1852-1890). 723 f. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2013, p. 319. 31
HEINTZE, Pioneiros africanos, passim. 32
Cf. HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII: Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda:
Kilombelombe, 2007. P. 389-390.; SANTOS, Catarina Madeira; MARQUES, Guida. Entre deux droits: les
Lumières en Angola (1750-v. 1800). In: Histoire, Sciences Sociales, 60º Année, Nº. 4, EHESS jul-ago, p. de
2005, p 817-848, 2005.
24
simbolismos e características africanas.33
Neste sentido, pressume-se aqui que os Sobas
podiam encarrar a vassalagem em determinados momentos como um instrumento de
negociação que implicava em certas obrigações.
Todavia, em meados do século XIX, com o crescimento da presença portuguesa, o
incremento do tráfico ilegal de escravizados e os incentivos para o comércio de bens como
marfim, cera e alimentos, houve um enfraquecimento dos grandes chefes regionais,
permitindo que autoridades africanas de linhagens menos expressivas acabassem por
conseguir maior autonomia no que compete às relações com os grandes chefes e com os
organismos políticos locais, no entanto, estreitaram sua relação com a política lusa, criando
novos laços de dependência. Não eram incomuns os casos de chefes eleitos serem substituídos
forçosamente por tropas portuguesas visando uma relação favorável aos lusos ou ainda
observações de relatos de época com relação ao estado da colônia e da decadente presença
portuguesa, indicando uma necessidade de investimento e maior presença territorial como se
verá mais adiante no capítulo 3.34
Esse novo momento é geralmente visto como um marco na mudança interesses dos
portugueses sobre as possessões em África,35
contudo, cabe o questionamento da posição
sociopolítica que os Sobas desempenharam ao longo do século XIX e nas relações de domínio
colonial estabelecidas entre portugueses e comunidades locais. Cabe também questionar como
os sobas foram afetados pelo novo cenário que se construía, seja reagindo ou ainda em
posturas que visavam obter benefícios – acumulação de prestígio político e social – da nova
conjuntura política.
Pelo já exposto acima, fica subentendido o enquadramento deste trabalho quanto a
percepções historiográficas, no entanto, cabe frisar de forma mais clara tal orientação. A
análise das relações coloniais presente nesta pesquisa parte do principio de que os sujeitos
históricos não são unicamente frutos de estruturas políticas e econômicas, mas possuem
interesses próprios e tomam decisões que, em alguns casos, não diziam respeito à orientações
ideológicas coletivas, mas a percepções particulares e imediatistas. Neste sentido, os sujeitos
33
SANTOS, Catarina Madeira. Escrever o poder: os autos de vassalagem e a vulgarização da escrita entre as
elites africanas Ndembu. In: Revista de Hitória, nº 155, 2º sem, p. 81-95, 2006, p. 87. 34
Vide capítulo 3. 35
Essa mudança de postura baseada em percepções político-econômicas de origem liberal foi chamada por
Isbael Castro Henriques de “modernidade”. Cf. HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola.
25
não eram forçadamente moldados pelas estruturas, mas a construíam e interagiam com ela.36
O posicionamento de Jill Dias37
sobre moradores e chefias – no qual a autora enxerga uma
diversidade de interesses, estratégias e mecanismos de ação – é entendido neste trabalho como
central para a leitura das fontes e, em grande medida, orientou os questionamentos, tanto a
nível historiográfico como empírico.
Como já frisado anteriormente, a análise no qual este trabalho enfoca diz respeito a as
formas de construção das relações sociopolíticas no entremeio do século XIX no distrito do
Golungo Alto. Esta problemática é colocada aqui de forma simples, mas implica em uma
complexa rede de interações, alianças e conflitos que marcaram o século XIX em Angola. O
recorte temporal e geográfico selecionado para a análise é bastante indicativo de um momento
histórico em que novos interesses – tanto africanos como portugueses – são postos na mesa ao
mesmo tempo em que comportamentos e percepções tradicionais permanecem. O século XIX
em Angola é um momento de clivagem, no que diz respeito aos interesses portugueses sobre a
região, e também dos africanos, no que se refere a prerrogativas políticas e comerciais. A
fragmentação do Atlântico sul português, as medidas proibitivas ao tráfico de escravizados, a
recomposição dos interesses africanos e o cenário político conturbado em Portugal marcaram
o século XIX em Angola exigindo uma postura mais agressiva por parte dos portugueses a
partir dos anos 1840, visando buscar curativos econômicos a partir da transformação de
Angola em uma colônia economicamente diversa e produtiva. Esse momento de rupturas e
permanências pode ser mais bem verificado quando observamos a região do Golungo Alto.
Na década de 1860, Angola era entendida administrativamente – na perspectiva
portuguesa – como um território dividido em cinco distritos: Luanda, Benguela, Ambriz,
Moçamedes e Golungo Alto. Além de alguns territórios pontuais no interior manifestado pela
presença de comerciantes. Contudo é preciso ter cuidado com tal informação. Tais territórios
de domínio português diziam respeito a terras ocupadas por comunidades africanas, mestiças
e assentamentos brancos que conviviam em um ambiente nem sempre estável.38
Outro ponto
diz respeito ao controle relativo, ou mesmo nulo, por parte dos portugueses em seus próprios
distritos. A categoria distrito – legalmente superior a presídio no que diz respeito à presença
portuguesa – era, portanto, muito mais jurídica do que prática. A divisão territorial de Angola
também apresentava uma dinâmica de alargamentos e encolhimentos constantes. Os 36
Cf. THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.;
_____. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, II, III., 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 37
Cf. DIAS, Jill. Angola. 38
Ibidem, p. 319-556.
26
territórios não eram estáveis e juridicamente alteravam entre presídios, conselhos e distritos
com muita rapidez. Veja-se, por exemplo, a região de Mbaka.
Localizado na zona do médio Lukala, afluente ao norte do rio Kwanza, Mbaka,39
ou na
grafia portuguesa Ambaca, foi durante os séculos XVII, XVIII e início do XIX, ponto de
convergência de enormes quantidades de escravizados e produtos vindos do interior com
destino ao porto de Luanda.40
Fundada em 1617 pelos portugueses, o presídio de Mbaka nasce
com o objetivo de garantir um posto militar no interior face os intensos conflitos provocados
pela invasão portuguesa nas terras de Ngola a Kiluanje.41
Contudo, a região já era ocupada
muito antes da presença portuguesa.42
O médio Lukala fazia parte do desenvolvimento histórico dos domínios da titularidade
Ngola. Segundo Joseph Miller,43
o título político Hango era bastante difundido entre as
comunidades do Libolo ao longo do século XVI, sendo que a região de Mbaka fazia fronteira
entre os titulares Hango do Libolo e os titulares Ngola do Ndongo. Com o processo de
expansão da titularidade Ngola, a região passou a ser parte integrante dos domínios do
Ndongo ainda no século XVI.44
Portanto, a instalação de um presídio nas terras do Ngola foi,
naquele momento, um ato militar bastante ousado por parte dos portugueses e acarretou em
um acirramento do conflito com o Ndongo.45
Superado o momento mais difícil e violento da invasão e conquista portuguesa, o
presídio de Mbaka ganhou contornos comerciais ao longo do século XVII, especialmente no
que dizia respeito ao comércio de escravizados. A região é notadamente reconhecida na
historiografia como o ponto interiorano de maior estabilidade da presença portuguesa, o que
39
Com relação à grafia das palavras em kimbundu, buscou-se a anotação mais próxima da fonética ou a
reprodução de registros documentais. Cf. PARREIRA, Adriano. Dicionário glossográfico e toponímico da
documentação sobre Angola, séculos XV e XVII. Lisboa: Editorial Estampa, 1990. 40
Cf. HEINTZE, Beatrix. Pioneiros africanos.; DIAS, Jill. Novas identidades africanas em Angola no contexto
do comércio atlântico, 2007, passim. 41
MILLER, Poder Político e parentesco, Op. Cit., p. 196-197. 42
Ibidem, p. 92. 43
É preciso frisar que a obra de Miller conta com um fator metodológico que diminui a qualidade de sua análise.
A grande questão envolvendo o tratamento de dados realizado Miller diz respeito a uma série de generalidades
em busca de uma coerência argumentativa acerca do desenvolvimento de padrões políticos e sociais entre os
Mbundu. Para uma análise política sobre o Ndongo crítica a de Miller Cf. COELHO, Virgilio. Em busca de
Kábàsà: uma tentativa de explicação da estrutura político-administrativa do “reino de Ndongo”. In: Actas do
Seminário Encontro de povos e culturas em Angola. Luanda/Lisboa, CNCDP, 1997, p. 443-77. 44
MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 95-96. 45
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira; Fundação da Biblioteca Nacional, 2002, p. 425-426.
27
fez deste lugar paragem obrigatória de reabastecimento das caravanas comerciais,46
especialmente as advindas do vale do Kwango com origem em Kassanje.47
Desta forma, não é
de se estranhar que Mbaka tenha sido palco de interações sociais que dotaram a região de uma
cultura mestiça que exerceria impacto político, social e militar. O cenário comercial pulsante
levou a emergência de uma língua mista entre o kimbundu praticado pelas comunidades
tradicionais de Mbaka e determinados termos e expressões portuguesas, criando uma forma de
comunicação que facilitava o comércio e os contatos entre africanos e portugueses. A
documentação portuguesa rapidamente passou a categorizar tais falantes como ambaquistas.48
No desenrolar do século XVIII e XIX o termo não se limitava aos comerciantes de Mbaka,
mas se estendia aos indivíduos e grupos de comerciantes, na sua maioria de mestiços, que
movimentavam o interior de Angola com créditos e mercadorias destinadas aos portos de
Luanda e Benguela.49
O presídio fundado no século XVI ascendeu a distrito em 1839 e posteriormente
conselho da província em 1850, apresentava uma vasta gama social nos Oitocentos e buscava
alternativas frente à bancarrota do tráfico de escravizados. Composta por uma comunidade
africana historicamente aliada aos portugueses – numa relação marcada por conflitos
importantes –, uma camada de intermediários comerciantes que atuavam para portugueses,
chefias africanas e, em grande maioria aos seus próprios interesses, Mbaka pode vir a ser um
bom termômetro das mudanças ocorridas na política portuguesa e na reação dos Sobas
mediante o novo cenário que se colocava no século XIX.
O cotidiano da administração colonial portuguesa oscilava entre tentar controlar e
depender dos africanos, principalmente quando dizia respeito a controle territorial e
populacional. Muito desta instabilidade advinha da própria natureza das relações coloniais;
profundamente militarizada, portanto, os pontos de influência portuguesa oscilavam de acordo
com a estabilidade das relações interioranas. Um exemplo disto é o surgimento do distrito do
Golungo Alto. A região do Golungo Alto, enquanto distrito incorporava uma série de
presídios e regiões administrativas doravante independentes: Mbaka, Duque de Bragança,
Npungo a Ndongo, Cambembe, Massangano, Cazengo, Kassanje, Talla Mugongo, Malanje e
46
HEINTZE, Pioneiros africanos, passim. 47
MILLER, Joseph C. Way of death: Merchant capitalism and the Angola slave trade. Madison: The Universiry
of Wisconsin Press, 1988. 48
MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 39. 49
Cf. HEINTZE, Pioneiros africanos.
28
Dembos. Em outras palavras, o distrito de Golungo Alto passa a partir dos anos 1860 a reunir
boa parte do que a documentação denomina como sertão de Luanda.50
Mapa de orientação diacrônico da Provincia de Angola. Extraido em: DIAS, Jill. Angola. In: SERRÃO, Joel;
MARQUES, A. H. de Oliveira (dirs.), coordenação do volume X: ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill.
Nova história da expansão portuguesa (Volume X): O império africano, (1825-1890). Lisboa: Editorial
Estampa, 1998, p. 320. Em vermelho uma representação estimada do distrito do Golungo Alto nos anos
1860.51
50
Como se pode observar, Golungo Alto era formado por um conjunto de importantes presídios e conselhos
entre o distrito de Luanda a Oeste, o rio Kwango a leste, os Dembos ao norte e Npungo a Ndongo ao sul. Assim
como Mbaka, tais regiões sofreram metamorfoses administrativas. Até meados do século XIX, a região era
dividida em presídios como Npungo a Ndongo, conselhos como Cazengo e distritos como Mbaka. Em certa
medida, as mudanças na divisão administrativa estavam de acordo com os objetivos portugueses no entremeio do
século XIX de uma penetração mais efetiva no sertão de Luanda com o objetivo de dominar nãoapenas via
influência político-comercial, mas criar um regime de presença portuguesa efetiva. 51
Para futura localização geográfica voltar a consultar este mapa.
29
Pensando o distrito do Golungo Alto em termos empíricos, as narrativas coloniais
parecem ser uma alternativa documental valiosa para se compreender como se davam as
relações entre portugueses e chefias africanas no século XIX, especialmente no que remete as
possibilidades de verificar a agência africana52
na documentação portuguesa de crivo
dominador. Contudo, existe um fator limitador de contato com as fontes: o acesso aos
arquivos africanos ainda se coloca como uma barreira, não apenas pelas adversidades
envolvendo nichos de financiamento, mas também por circunstâncias estruturais e políticas de
alguns arquivos. Portanto, boa parte dos estudos de graduação e mestrado em história sobre
Angola, especialmente aqueles envolvendo questões relativas à presença portuguesa veem
lançando mão de acervos digitais e de intercâmbios documentais entre pesquisadores que
conseguem adentrar nos arquivos.53
Desta forma, as publicações oitocentistas relativas a
Angola digitalizadas ao longo dos anos se apresentam como alternativas viáveis para
pesquisas cuja limitação de recursos não permite viagens à África e Europa. Dentre estes
materiais se destacam as narrativas de viagem, que mais do que a possibilidade de uma
análise histórica sobre determinado tema, sugere uma reflexão profunda sobre sua própria
natureza, parâmetros construtivos, seus autores, suas trajetórias, seus usos e resignificação. A
narrativa de viagem possibilita um vislumbre do cotidiano, do social, do cultural que,
normalmente, não pode ser verificado em materiais de outra natureza. Conquanto, o trabalho
com as narrativas de viagem implica em um método claro e ordenado, acompanhado de uma
profunda critica sobre sua natureza e limitações.54
A documentação selecionada para a realização deste trabalho teve origem na
realização de pesquisas em bancos de dados digitais, bibliotecas físicas e contou com
colaboração de pesquisadores.55
Do material recolhido ao longo da pesquisa encontram-se
52
Por agência se entende a multiplicidade das ações dos grupos e sujeitos vistos como subalternos perante os
pequenos agentes militares que circulavam por Golungo Alto. Sobre o conceito de agência Cf. GIDDENS,
Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1984.; SZTOMPKA, P. A sociologia da
mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Para uma critica recente sobre o uso demasiado de
tal conceito Cf. JOHNSON, Walter. On agency. In: Journal of Social History, 37-1, p. 113-124, 2003. 53
Destaca-se especialmente o projeto de acervo digital de consulta in loco Angola-Brasil PADAB-1.
Coordenado pela historiadora Mariza Soares de Carvalho da Universidade Federal Fluminense, que com
financiamento via governo federal do Brasil digitalizou alguns codex do Arquivo Nacional Histórico de Angola
e os disponibilizou junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro sob a nomenclatura de Coleção PADAB.
Os materiais disponíveis dizem respeito ao recorte temporal que vai do século XVI ao XX, porém, a ênfase
maior do PADAB diz respeito aos séculos XVII e XVIII. 54
PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999. 55
Boa parte do material recolhido para esta pesquisa teve sua origem em bancos de dados digitais como a
hemeroteca de Lisboa e a plataforma livresca do Google, porém, foram realizadas pesquisas em 2014 no espólio
de livros e periódicos de José Capela que se encontra sob a guarda da Biblioteca da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto e na Biblioteca Municipal do mesmo município. Outro fator chave para a construção do
30
narrativas de viagens, memórias sobre Angola, relatórios coloniais, estudos e levantamentos
estatísticos. A maioria do material analisado foi publicado, seja de maneira personalizada no
formato livro ou ainda em folhetins que compunham periódicos como o Annaes do Conselho
Ultramarino e os Annaes Marítimos e Coloniaes. O material foi separado em dois grupos: um
contendo narrativas de viagem e memórias e outro composto por dados estatísticos e estudos
de ordem financeiro, botânica e político-social. O primeiro grupo referido concentra boa parte
da análise empírica, sendo que o segundo grupo ajuda a compreender mais o contexto político
português e colabora para esclarecimentos que demandam das narrativas e memórias além da
própria bibliografia sobre Angola.
Gráfico I – Memórias e relatos de viagem.
acervo foi a colaboração de pesquisadores, especialmente o Professor Doutor José Curto, da Universidade de
York, Canadá, que gentilmente cedeu parte de seu espólio empírico digitalizado para a utilização do autor desta
dissertação.
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1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69
Memórias e relatos de viagem.
Memórias e relatos de viagem.
31
Gráfico II – Relatórios e estudos.
Gráfico III – Material empírico total.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69
Relatórios e estudos.
Relatórios e estudos.
0
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10
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1835-39 1840-44 1845-49 1850-54 1855-59 1860-4 1865-69
Material empírico total.
Material empírico total.
32
Por razões envolvendo o tempo restrito de trabalho no mestrado e a necessidade de
enfatizar uma região específica – o distrito do Golungo Alto –, o volume empírico total foi
substancialmente reduzido. Os critérios escolhidos para a seleção, para além da óbvia questão
temporal e geográfica, envolveram o posicionamento ideológico dos escritos e a singularidade
de seus autores. Este trabalho se debruça sobre narrativas que são marcadas pela discursiva
pró-ocupação das possessões portuguesas em África e escritas por agentes coloniais que em
sua maioria se encontravam na carreira militar, sendo alguns portugueses, outros nascidos em
Angola e alguns de origem mestiça. Dentro do material elencado, a opção pela região do
Golungo Alto veio atender duas situações: a primeira é de ordem prática, na medida em que o
volume documental sobre esta região é bastante mais elevado dentro do material reunido em
relação a demais regiões. O segundo ponto diz respeito ao contexto político-comercial do
entremeio do século XIX e o papel que esta região desempenhou. O entremeio do século XIX
marca um momento de novas demandas internas e externas nesta região, que movimentava
boa parte do comércio de escravizados em Angola e devido a questões externas voltou-se a
novas formas de comércio e produção de gêneros e produtos. Portanto, um olhar atento sobre
Golungo Alto pode revelar um processo de mudanças comerciais e suas consequências
políticas a partir de 1840, indicando interesses portugueses, mestiços e africanos.
A problemática básica que se busca na análise das mesmas é perceber a relação entre
as estratégias de ação utilizadas por portugueses, mestiços e africanos, com o processo de
interiorização da administração colonial. Tal inquietação permite avaliar, dentre outras
hipóteses a autonomia política africana frente às ofensivas portuguesas e a participação de
moradores, mestiços e intermediários comerciais, que calcados em interesses particulares
acabavam por injetar um grau de complexidade ainda maior sobre a já instável relação entre
os militares administradores de Angola e as vastas comunidades africanas.
Os textos produzidos sobre Angola por militares apresentam uma orientação
majoritariamente liberal e permitem compreender a natureza e os aspectos da relação entre
estes pequenos agentes, moradores e os Sobas do Golungo, além de admitir escrutar sobre as
tentativas de consolidação de uma política colonial vista a partir da ação dos sujeitos que
constituíam a colônia. Ressaltando este último aspecto, fica claro que este trabalho busca
colaborar não apenas para os registros do embate entre os mundos europeu e africano ou para
processos de violência e resistência, mas também visa contribuir na construção de saberes
sobre as iniciativas coloniais em África pelo prisma da ação dos sujeitos que dela integravam,
33
construíam e reorganização. Para isso, faz-se preciso uma leitura atenta das fontes em comum
acordo critico com a historiografia.
As memórias e relatos de viagem utilizados na pesquisa carecem de maior explanação,
pois, quando sua estruturação é confrontada pela bibliografia tende-se a entender tais textos
como ofícios coloniais e não a narrativa de viagem tradicional.56
Todos os textos utilizados
neste trabalho dizem respeito a experiências práticas de agentes coloniais em viagens nos
sertões de Luanda, sendo que em sua maioria, trata-se de viagens oficiais com vista aos
interesses da administração colonial. Isto pode ser verificado na viagem realizada pelo militar
português Francisco de Salles Ferreira que, em 1853, tecia comentários sobre o poder político
dos Sobas e a relação com os interesses portugueses no texto intitulado Sobre o sertão de
Cassange. O objetivo de Ferreira era uma campanha militar contra o Jaga D. Pascoal
Machado, que naquela altura se rebelara perante a presença portuguesa. O Major Ferreira não
era o explorador de Grand Tour57
ou o herói que viajava em busca de descobertas e exotismo
como Mungo Park,58
mas o oficial que cumpria ordens; dentre elas, informar a condição da
situação portuguesa em Angola e do relacionamento com as chefias africanas locais. Outro
tipo de narrativa que pode ser verificado na pesquisa é o da memória, que não é encarada
como uma narrativa de viagem, mas como o exercício mnêmico. Um caso elucidativo disto e
que diz respeito ao mesmo episodio envolvendo Salles Fereira, foi a publicação do livro
Memória da Expedição à Cassange, publicado em 1854 e escrita pelo Capitão Antonio
Rodrigues Neves, que vivenciou os conflitos em Kassanje em 1850 e publicou sua versão
mnemônica em 1854, buscando contrapor-se aos escritos anteriores sobre o episódio. Como
pode ser observado, nenhum dos textos se enquadraria no que comumente a primeira vista se
reconhece por relatos de viagem, todavia, as linhas que se seguem buscam evidenciar que
tanto as pequenas viagens para fins militares e burocráticos como a escrita de memórias
podem ser trabalhadas metodologicamente de igual forma as épicas viagens de exploração,
reconhecimento e peregrinação, dada as devidas proporções e singularidades.
Voltando os olhares para a produção de narrativas sobre Angola no século XIX é
possível verificar a consolidação da exclusão do Outro. Com uma interiorização cada vez
56
Cf. LEED, Eric J. The mind of the traveler: from Gilgamesh to global tourism. New York: Basic Books,
1991.; GASQUET, Axel. “Bajo el cielo protector”: Hacia una sociologia de la literatura de viajes. In: LUCENA,
Manuel Giraldo.; PIMENTEL, Juan. Diez estudios sobre literatura de viajes. Madrid: Editorial CISC, 2006. 57
Cf. SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à historia do viajar por prazer e por amor à cultura.
In: Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 44, p. 289-310, 2002. 58
Cf. VIANA, Larissa. Os trópicos na rota do Império britânico: a visão de Mungo Park sobre a África em fins
do século XVIII. In: História, ciência e Saúde, Manguinhos, vol. 18, nº 1, p. 33-50, 2011.
34
maior dos portugueses gerado pela emergência do comércio lícito, as narrativas apresentam
características bastante específicas, como: violência discursiva, jugo de valores e costumes,
negação da capacidade histórica dos africanos, interesse maior pela historicidade dos
portugueses em Angola do que a tradição oral africana e, por fim, uma construção narrativa
que além de inferiorizar, aponta para necessidades de aliança ou ainda tutela portuguesa –
indicando uma domesticação política e social pela escrita.59
Quando se refere de forma
fortuita e positiva acerca dos locais é para atender a interesses específicos de acordo com a
própria fragilidade portuguesa.60
O século XIX em Portugal traz outra característica com relação às narrativas, desta vez
no âmbito de circulação e suporte material. É nos Oitocentos que surge uma série de
publicações e compêndios narrativos sobre as experiências portuguesas em África. Pode-se
afirmar que uma maior divulgação remete aos interesses portugueses de melhor conhecer o
território durante o processo de interiorização.61
Neste contexto, publicações como o Annaes
do Conselho Ultramarino e Annaes Marítimos e Coloniaes passam a divulgar não somente
expedições de exploração de seu tempo, mas de contextos anteriores, propagando um discurso
pró-ocupação das terras em África, indo de acordo com grupos políticos alinhados aos
interesses liberais.62
O interesse e a produção portuguesa sobre os territórios extras europeus aparenta
inicialmente não ser diferente dos demais Estados-nação em construto, porém, algumas
características importantes delinearam a discursiva portuguesa dotando-a de uma
especificidade não compartilhada pelas demais nações. Podem-se destacar três características
da experiência portuguesa em África que se encaixam na percepção de especificidade: a
constante necessidade da burocracia portuguesa de buscar justificativas históricas para a
ocupação de territórios frente a nações europeias e as comunidades africanas, fazendo alusões
constantes ao passado explorador e globalizante; a perda política do Brasil que na visão de
muitos autores praticamente circunscreveu Portugal à alternativa africana, pois mesmo
59
Cabe salientar fortuitas exceções como os escritos de Henrique Dias de Carvalho e seu interesse pela história e
cultura da Lunda. Cf. SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva. Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da
expedição de Henrique de Carvalho à Lunda (1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013. 60
HENRIQUES, Isabel Castro. Presenças angolanas nos documentos escritos portugueses. In: Actas do II
seminário internacional sobre a história de Angola. Construindo o passado angolano: as fontes e a sua
interpretação. Luanda: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, 1997, p. 35-
42. 61
SANTOS, Maria Emília Madeira. Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África. 2º ed. Lisboa:
IICT, 1988. 62
MARQUES, Os sons do silêncio, passim.
35
dificultosa, esta possibilidade era a mais viável no que competia as possessões ultramarinas;
por fim, as expedições científicas e as publicações pró-ocupação na segunda metade do século
XIX, impulsionadas, em boa medida, pela experiência de alguns membros da sociedade média
portuguesa que se lançaram frente a empreitada colonial africana nas primeira tentativas de
ocupação por colônias brancas especialmente em Angola.63
Dentre as publicações Oitocentistas destacam-se, especialmente o Annaes do Conselho
Ultramarino e o Annaes Marítimos e Coloniais. Ambos os periódicos foram durante as
décadas de 1840 e 1850 os principais difusores da presença portuguesa em África e nos
demais pontos do globo,64
sempre defendendo políticas de modernização econômica da
retórica liberal portuguesa frente os territórios coloniais. É curioso reparar que dos autores
analisados nesta pesquisa alguns tinham vínculos diretos com tais publicações, como é o caso
do Francisco de Salles Ferreira, militar de destaque na campanha militar contra Kassanje nos
anos 1850 e sócio da Associação Comercial de Lisboa, instituição responsável pela orientação
e publicação dos Annaes Marítimos e Coloniaes. Outro exemplo de sócio da mesma
instituição foi o governador de Angola durante os anos de repressão do tráfico de
escravizados, Pedro Alexandrino da Cunha.65
O florescer de publicações também veio a preencher uma lacuna deixada pelos
portugueses nas primeiras décadas do século XIX no que dizia respeito ao conhecimento
recolhido na região central do continente Africano, pois na virada do século XVIII para o
XIX, nações europeias, especialmente Inglaterra, deram início uma jornada de exploração,
observação e recolha, especialmente na zona mediterrânea, adentro no deserto do Saara e suas
franjas.66
A região central permaneceu pouco conhecida na perspectiva extracontinental.
Couberam as publicações portuguesas do século XIX dar conta de um panorama natural e
humano bastante diverso. Tais periódicos não apenas publicavam assuntos e noticias de seu
tempo, mas material recolhido ao longo dos séculos de contato entre africanos e portugueses.
Veja-se, por exemplo, o caso do Annaes do Conselho Ultramarino.
Vinculado à instituição de mesmo nome, o folhetim em sua versão não oficial trazia
uma série de textos e dados sobre as possessões ultramarinas portuguesas ao longo do globo
63
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola. 64
Idem. 65
Cf. Relação dos nomes dos sócios da Associação Marítima e Colonial de Lisboa. In: Annaes Marítimos e
Coloniaes. Tomo II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842, p. 46. 66
SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 238-239.
36
assim como informações de outras coloniais, visando criar um discurso de espelhamento ou
de aversão a modelos, interesses e perspectivas. Publicado entre 1854 e 1867, o periódico
demonstrou especial interesse pela região de Angola, principalmente em suas primeiras
edições. Existem cerca de 80 textos e dados estatísticos dedicados exclusivamente a realidade
e situação portuguesa em Angola, além do conteúdo misto, no qual Angola é tratada em
conjunto com as demais zonas de presença portuguesa. A natureza dos textos e seus
respectivos autores são de uma enorme diversidade. Ao mesmo tempo em que o grosso do seu
conteúdo tenha sido escrito por militares em serviço em Luanda ou postos interioranos, o
Annaes do Conselho Ultramarino abriu espaço para estudos estatísticos ou ainda botânicos,
como é o caso do rico levantamento botânico acerca de Angola realizado pelo do austríaco
Frederico Welwisch.67
Todavia, não somente textos contemporâneos eram publicados, mas
sim qualquer documentação que cumprisse a dupla missão de: informar o leitor sobre a
presença portuguesa em África junto com seus respectivos interesses e sustentar uma retórica
política liberal que encontrou na figura de Sá da Bandeira68
e demais membros do Conselho
Ultramarino.
A atuação de Sá da Bandeira junto ao periódico não oficial do Conselho Ultramarino
se deu entre as décadas de 1850 e 1860, pois além do especial interesse que tinha sobre
questões geográficas e históricas, assumiu o papel de editor da publicação, sendo inclusive o
responsável por desenhar alguns mapas publicados que tinham por finalidade expor dados e
complementar textos selecionados. O processo de seleção dos textos não é claro, pois esta
pesquisa desconhece qualquer comentário ou apontamento sobre o assunto, contudo sabe-se
que Sá da Bandeira era quem escolhia os materiais a serem publicados – sendo alguns
inclusive recebidos por ele diretamente dos autores com o pedido de publicação. Outra forma
de encarar o critério de seleção é avaliando a própria estrutura e interesse do periódico. No
tocante a presença portuguesa no continente africano, o Annaes do Conselho Ultramarino
tinha por objetivo informar, mas também construir um discurso pró-ocupação das possessões
ultramarinas em África. Desta forma a documentação publicada, os dados levantados e até
67
Sendo este contratado pela coroa portuguesa para tal pesquisa. Cf. Ibidem, p. 240. 68
Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, mais conhecido por Marquês Sá da Bandeira, foi um militar e político
português influente no cenário continental e ultramarino no século XIX. Um dos lideres do setembrismo –
movimento mais a “esquerda” dos chamados liberais portugueses do século XIX - e voz ativa entre os liberais
portugueses, foi durante os anos 1830 e 1870 cinco vezes presidente do conselho de ministro e levando a debate
e a vida prática colonial uma série de reformas fiscais, trabalhistas e de organização política que afeteram
diretamente a forma como Portugal interagiu com seus territórios ultramarinos. Cf. ALVES, Jorge Fernandes. Sá
da Bandeira: perfil de um herói romântico. Porto: Museu militar do Porto, 1992.; MONTEIRO, Maria do
Rosário; PIMENTEL, Maria do Rosário; LOURENÇO, Vitor Marçal (eds). Marquês de Sá da Bandeira e o seu
Tempo. Lisboa: Academia Militar, 1992.
37
mesmo os informes sobre tecnologias e a situação de outras possessões convergiam para a
construção da retórica liberal.69
De forma ampla, os textos de viajantes publicados em Portugal sobre a região de
Angola apresentam uma característica básica; o enfrentamento – direto ou indireto – entre
visões de mundos ora incompatíveis ora semelhantes. Esta relação estava sempre filtrada pelo
escritor/explorador entre seus interesses e dilemas. O viajante era responsável por olhar e
descrever aquilo que achava interessante ou digno de memória.70
A escrita da viagem não é
apenas um registro crivado pela conjuntura de sua produção, mas também por quem escreve,
sendo assim, a redundância, os conflitos narrativos, as contradições e os julgamentos fora de
lugar são características constantes dos registros de viagem.71
A percepção do
escritor/explorador europeu e o discurso colonial frequentemente convergem no crivado olhar
eurocêntrico quando se prestam a observar o Outro. O eurocentrismo aqui é entendido como
um paradigma e não apenas como um comportamento social datado, na medida em que
caracteriza uma estrutura de dominação por meio de classificações hierárquicas.72
Contudo,
nem sempre as narrativas foram escritas por europeus, mas por sujeitos coloniais que em
grande medida estavam vinculados as burocracias europeias – no que diz respeito ao caso
africano. Este indicativo torna mais complexa a leitura e entendimento do lugar do
eurocentrismo nas narrativas de viagem, pois não é mais viável apontar que o eurocentrismo
aplicado por europeus é o mesmo dos agentes coloniais, sejam eles mestiços ou até mesmo
africanos.
As narrativas utilizadas neste trabalho, mesmo que compartilhem características
comuns ao gênero, possuem nuances que as tornam singulares. Os textos que esta pesquisa se
debruça quase que em sua totalidade são comumente referidos como ofícios ou relatórios
administrativos, pois tratam de agentes coloniais que realizam pequenas viagens no território
pretensamente dominado. Os textos utilizados nesta dissertação são mais plurais que as 69
Este periódico foi devidamente tratado pelo autor em outro momento. Cf. VILAS BÔAS, Felipe. Em busca de
um Novo Brasil em Angola? Encontros e desencontros entre portugueses e autoridades africanas nos Annaes do
Conselho Ultramarino (parte não official), 1854-1867. 92 f. Monografia (Graduação em História) – Setor de
Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.; VILAS BÔAS, Felipe. A condição da
Zona Atlântica na Hinterland de Luanda, (c.1840-c.1860). In: Revisto Vernáculo, v. 30, p. 183-213, 2014.
MARQUES, Rui. O império e a câmara dos deputados: as marcas de um discurso (1852-1890). 723 f. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2013, p. 319. 70
BOURGUET, Marie-Noeile. O explorador. In: VOVELLE, M. O homem do iluminismo. Lisboa: Presença,
1997, p. 209-247. 71
PRATT, Os olhos do Império. Op. Cit., p, 24-25. 72
Cf. DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro. Petrópolis: Vozes, 1993.; QUIJANO, Anibal.
Colonialidad del poder, eurocentrismo y America Latina. In: LANDER, Edgardo (coord.). La colonialidad del
saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2000, p. 201-246.
38
narrativas de viagem entendidas na sua forma canônica, portanto, o mais adequado seria não
rotular tais textos como relatos de viagem, mesmo que o método de leitura e critica analítica
tenham embasamento na bibliografia e experiência empírica do trabalho com as viagens e os
viajantes. Estas pequenas narrativas coloniais são de grande valia na medida em que
demonstram que a fome do binômio conhecer/dominar não estava restrito apenas nas grandes
expedições e viagens que marcaram a história, mas na prática colonial em toda sua flutuação
de humores.
De maneira ampla, os militares autores destas narrativas coloniais estruturaram seus
textos de forma bastante semelhante. Descrevendo um roteiro de viagem, os autores traçam
seus objetivos e expõe o cotidiano de suas jornadas, fazendo paradas constantes em vilarejos
de moradores – no qual ficavam hospedados ou na residência de um morador mais notável ou
no sítio de um colega português da carreira militar. Também poderiam fazer pouso nas
comunidades africanas avassaladas do interior, nas quais o encontro sempre de forma direta
rendia uma análise dos autores sobre a figura política africana.
Dentro das comunidades africanas ou nas casas dos moradores as observações
realizadas seguem um padrão: avaliam as características do anfitrião e da situação produtiva
local, sendo esta avaliação seguida por comentários sobre como melhorar a produção agrícola
e comercial na região. Quando os autores se dedicavam a falar sobre os africanos, havia duas
estratégias básicas: a primeira tratava dos africanos avassalados como parte da colônia e
inserindo-os na narrativa ao mesmo tempo em que se discursava sobre outras matérias, já a
segunda, tendia a criar subitens ou tópicos específicos para falar sobre os africanos, em geral
sobre as comunidades não avassaladas ou ainda sobre os povos, mesmo que avassalados,
sobre os quais os portugueses tinham pouco controle.
Tal característica pode ser mais bem verificada na viagem do Alferes Alferes Manoel
Alves de Castro Francina. Educado no Brasil, o Alferes visivelmente detém uma linha
narrativa coadunar com a retórica portuguesa e com suas obrigações enquanto agente colonial,
todavia, ao observar outros escritos de Francina faz-se possível compreender uma ligação
mais íntima deste com a realidade africana dos sertões de Luanda. O fato de o Alferes estar
vinculado as práticas africanas não faz dele um representante da agência africana e tampouco
coloca sua narrativa afastadas de parâmetros coloniais, porém indica uma característica
bastante comum aos escritos militares, a carga da mestiçagem cultural difundida em larga
escala em Angola. Em 1864, Francina escreveu em parceria com o médico brasileiro
39
Saturnino de Sousa e Oliveira, então físico-mor de Angola, uma importante obra intitulada
Elementos gramaticaes da língua N’bumda, demonstrando ter conhecimento sobre estruturas
linguísticas e tradições africanas. Curioso é que Saturnino de Sousa e Oliveira, antes de
dedicar-se a medicina em Angola, fora editor do periódico carioca O philantropo entre 1851 e
1852. O periódico ficou marcado pelo posicionamento de combate ao regime de escravidão ao
mesmo tempo em que se alinhava a posições antropológicas que indicam a mestiçagem como
algo a ser evitado.73
Na década de 1840, mais precisamente em 1846, o Alferes Francina
dissertatou sobre sua jornada ao distrito de Mbaka. A narrativa do Alferes segue um padrão
estrutural e narrativo comum à maioria do material empírico selecionado. Com um discurso
colonial pró-ocupação e fortalecimento da presença portuguesa, Francina, natural de Angola e
conhecedor de línguas africanas locais, tinha por missão viajar da cidade de Luanda até a
região de Mbaka para realizar uma vistoria das condições daquele sertão para manter a
administração litorânea informada. Podem-se apontar quarto grandes assuntos abordados pelo
autor: 1. características do meio natural; 2. estado da presença e infraestrutura portuguesa; 3.
usos e costumes africanos; 4. relação entre os interesses coloniais e as chefias africanas. O
interesse pelo meio natural se justificava principalmente pela necessidade de conhecer formas
alternativas de tornar Angola em veio produtivo, especialmente no âmbito agrícola e mineral,
sendo geralmente este assunto o primeiro a ser abordado pelas narrativas coloniais, que por
meio de conexões narrativas permitia ao autor dar início ao tema da presença e infraestrutura
portuguesa. Quanto ao segundo tema, geralmente descrições sobre as condições acerca das
estradas e das edificações de fiscalização comercial, além da preocupação com prédios
religiosos, o interesse da argumentativa era justificar que com estradas decadentes e
edificações militares em ruínas seria difícil tomar proveito do comércio de bens como marfim,
cera e café. A menção a decadência das construções religiosas abre gancho para o terceiro
tema, o dos usos e costumes africanos, no qual as igrejas em ruínas atestavam a imoralidade
africana. Quando se referia aos africanos, Francina parece seguir a linha da maioria dos
autores, que relatam percepções estereotipadas e normalmente repetidas, ou seja,
provavelmente o Alferes não vivenciou a maioria dos costumes, mas por meio da oralidade e
leitura de outras narrativas constrói sua versão das tradições. O tema dos usos e costumes
permite ao autor dar início a narrativa da relação entre agentes coloniais e chefias africanas.
73
Cf. DIAS, 1998, p. 518.; OLIVEIRA, Saturnino de Sousa; FRANCINA, Manoel Alves de Castro. Elementos
gramaticaes da língua N’bumda. Loanda: Imprensa do Governo, 1864. KODAMA, Kaori. Os debates pelo fim
do tráfico no periódico O Philantropo (1849-1852) e a formação do povo: doenças, raça e escravidão. In: Revista
Brasileira de História, vol. 28, nº 56, p. 407-430, 2008.
40
Neste momento é possível perceber claramente a distinção feita entre aquelas chefias aliada
dos portugueses e as chefias autônomas, sendo estas últimas sempre muito criticadas por
razões morais/religiosas e políticas/comerciais. O curioso é que os costumes descritos das
chefias africanas – sejam elas cristianizadas ou não –, apresentam características semelhantes,
sendo o fator central para criticá-las o caráter de relação comercial e política estabelecida com
os portugueses. Neste ponto, o discurso moralista aparece como argumento útil para justificar
a submissão política de comunidades africanas, mas vazio no que diz respeito os interesses
religiosos.
Outra característica bastante singular presente nestes textos e que chama a atenção é
que o viajante não apenas opina sobre o que vê, mas interfere. Afinal, esta é a missão da
maioria dos militares que se lançaram ao interior de Angola em meados do século XIX;
reportar a administração colonial o que viram e influenciar naquilo que julgam carecer de
mudança ou reforço, sempre em comum acordo com as decisões de Luanda e Lisboa. Esta
característica pode ser mais bem compreendida quando os autores fazem pouso na casa de
uma autoridade africana ou interagem diretamente com ela.
O encontro entre o militar e o chefe africano é sempre formal. Cumprim-se ritos
políticos de trocas de cumprimentos e presentes. A hospedagem nas comunidades tinha uma
funcionalidade além do repouso para recuperação energética, mas também servia como
experiência empírica da situação entre portugueses e comunidades africanas no que dizia
respeito ao fornecimento de mão de obra e a situação produtiva e comercial das comunidades.
Neste sentido, era comum que o militar transmitisse à autoridade africana o desejo da
administração colonial por meio de um discurso que frisava que tal interesse seria em
benefício da situação local, ou seja, uma maior produtividade no campo de alimentos
exportáveis seria benéfica aos africanos na medida em que permitira uma maior circulação
comercial. Da mesma forma, conselhos e orientações de ordem religiosas se fazem presentes
nas narrativas, com o intuito de convencer os membros da comunidade a se lançarem ao
trabalho e a organização social cristã, com o subterfúgio de que tal forma de organização
permitiria uma maior tranquilidade para o poder político, influenciando diretamente as
sucessões linhageiras e a formação de elites políticas.
Tais singularidades também estão envoltas de características comuns a demais
narrativas de viagem como o julgamento de valores, oposição de diferenças, fascinação pelas
semelhanças. Todavia, não apenas o conteúdo das narrativas é fonte de questionamento, mas
41
sua estruturação, autores, missão e circulação. Para Isabel Castro Henriques, a produção
portuguesa sobre Angola no século XIX contém a especificidade de buscar a todo o momento
diminuir a participação africana. Esta característica não era nova, mas ganha contornos
próprios no século XIX e peso narrativo na medida em que as atitudes comerciais praticadas
então adentravam por rotas e caminhos nunca antes explorados.74
Em outros termos, o
comércio legítimo em oposição a ilegalidade da escravidão promoveu um acirramento da
presença direta e indireta portuguesa sobre novas áreas e comunidades africanas,75
sendo
inclusive possível perceber intenções militarizadas por parte da administração colonial no
entremeio do século XIX.76
Um exemplo disto foi a análise realizada por Isabel Castro
Henriques quando esta desmontou os diários de viagem do comerciante brasileiro Joaquim
Rodrigues Graça. O método empregado por Henriques é comum às analisas das narrativas de
viagem: a historiadora investiga a vida do escritor, a estrutura de seus diários, as versões
publicadas destes escritos e contrapõe tal retórica com outros textos, chegando a conclusão
que os diários de Graça não eram somente de viagem, mas traziam trechos narrativos que
comumente são categorizados como memória. Ao mesmo tempo a autora se debruça sobre as
interessantes observações que Graça fez sobre as sociedades africanas e os relacionamentos
com a administração colonial.77
Para Maria Emília Madeira Santos, existiam três vias de incursão portuguesa rumo ao
interior africano na virada do século XVIII para o XIX e ao longo deste último: a via
comercial, movida principalmente por africanos e mestiços; a via científica, com expedições
mineralógicas e botânicas organizadas por Lisboa; a via de exploração/militarizada,78
que
marcaria o final do século XIX a abriria o caminho para novas realidades coloniais, atenuando
as marcas discursivas frisadas por Isabel Castro Henriques.
A documentação sobre a qual esta dissertação se debruça diz respeito a via de
exploração militar indicada por Madeira Santos. Os sujeitos que escreveram as narrativas
analisadas eram, em sua maioria, profissionais da carreira militar com experiência na
realidade colonial, alguns portugueses e outros nascidos em Angola, sendo que alguns ainda
ocuparam cargos burocráticos como diretores administrativos e chefes de distrito. Além disto,
74
Ibidem, p. 40-42. 75
SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 149-171. 76
PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola, Vol 1: resistências e revoltas, 1845-1941. 3º ed.
Lisboa: Editorial Estampa, 2013. 77
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 33-53. 78
SANTOS, Viagens de exploração terrestre dos portugueses em África, Op. Cit., p. 239-246.
42
não se pode ignorar o que a bibliografia frisa constantemente para a realidade angolana: o
envolvimento de militares e agentes administrativos nos tratos comerciais.
Por razões que vão além da capacidade acadêmica, não foi possível investigar nos
arquivos a vida de tais escritores, portanto, o pouco que se sabe sobre estes se resume a dados
obtidos em pesquisas bibliográficas ou no cruzamento documental. Este aspecto não deve ser
visto como uma fragilidade metodológica deste trabalho, pois uma forma de atenuar tal
situação foi a de pensar a produção destes homens em conjunto, já que, para além das
prerrogativas individuais, todos compartilhavam um discurso colonial comum: a retórica pró-
ocupação portuguesa.
A prerrogativa comum compartilhada pelos autores e manifestada em suas palavras
diz respeito a um discurso pró-África, no sentido de enxergar a colonização de Angola, pós-
perda do Brasil e ilegalidade do tráfico, como uma alternativa para as constantes crises
econômicas vividas em Portugal no século XIX e como meio de legitimação política de uma
identidade liberal. Neste sentido não apenas os autores e seus textos, mas periódicos
específicos voltaram-se à defesa da colonização das terras ultramarinas africanas, como foi o
caso do Annaes do Conselho Ultramarino (parte não official).
Quando pensado em conjunto, pode-se apontar, sem grande medo de errar, três
características compartilhadas por todos os textos analisados: discurso pró colonização de
Angola; observação participativa, ou seja, os autores não foram meros escribas da situação
colonial, sendo constante suas interferências, ações e contatos diretos travados com africanos
e moradores; retórica narrativa de submissão do africano, no sentido de confirmar o já exposto
por Isabel Castro Henriques. O conflito entre negar o protagonismo africano e depender deste
para a manutenção colonial é um dilema frequentemente verificado na documentação.
As palavras pintadas pelos militares em Angola no século XIX, mesmo dotadas de
autossignificação, só detêm um significado amplo e devidamente historicizado quando
entendidas em seu contexto discursivo, com vocabulário próprio e linguagem característica.
O discurso constantemente dialoga com a memória individual e coletiva de cada autor e leitor,
sendo em muitos casos o uso de termos e expressões vinculadas ao processo interpretativo
daquele que escreveu, cabendo àquele que lê compreender as nuances discursivas.79
As
79
Cf. RICŒUR, P. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.; KOSELLECK, Reinhart.
Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10,
43
palavras estão constantemente dispersas ganham sentido na medida em que são
arregimentadas por regras de formação, permitindo a identificação dos elementos narrativos.80
Compreender um texto não indica maior ou menor grau deste, pois da mesma forma que
existem níveis discursivos como já apontaram Foucalt, Said e Pratt,81
existem níveis de leitura
que variam de acordo com o conhecimento relativo ao contexto de sua produção. Em outras
palavras, faz-se preciso a separação entre a compreensão do texto, sua estrutura e seus
múltiplos significados.82
Pensar a bibliografia em conjunto com o material empírico é fulcral para se
compreender a agência africana manifestada nos Sobas e dos moradores por meio do discurso
dos militares crivados pela lógica colonial. Em nenhum momento na documentação as chefias
africanas e os moradores tem voz ativa. Na estrutura narrativa construída pelos militares
escritores, os Sobas e mestiços são personagens de um cenário maior que é o colonial. Suas
intenções são sempre expostas pelo observador português ativo que tem interesses íntimos
com a movimentação política africana. Conquanto, existe uma forma de se aproximar destes
ao lançar mão da análise documental em conjunto com a bibliografia focando as escolhas e
não escolhas das chefias africanas, ou seja, mesmo mudas na discursiva colonial, as ações
destes indivíduos permitem inferir sobre suas intenções, táticas e estratégias, sejam elas de
cunho coletivo em sua comunidade ou atendendo a interesses particulares.
As ações africanas podem ser verificadas principalmente quando os autores abordam
assuntos envolvendo comércio e arregimento de mão de obra. Mesmo que o discurso
português seja enfático ao afirmar a superioridade colonial nas negociações a nível jurídico, o
que a documentação deixa transparecer é que a utilização de rotas comerciais, o fornecimento
de mão de obra e o controle sobre terras produtivas serviam como uma poderosíssima
ferramenta de negociação política por parte dos Sobas e também dos moradores dos sertões de
Luanda.83
É por meio das dificuldades impostas pelas chefias aos portugueses que se encontra
1992, p. 134-146.; ______. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Editora PUC-RJ, 2006. 80
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 5º ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999. 81
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2010.; PRATT, Os olhos do Império,
1999, passim.; SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invensão do ocidente. São Paulo: Companhia das
letras, 2007.; ______. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 2011. 82
HENRIQUES, Presenças angolanas nos documentos escritos portugueses, 1997, passim. SKINNER, Quentin.
Some problems in the analysis of political thought and action. Political Theory, vol. 2, Symposium on Quentin
Skinner, 1974, p. 277-303.; ______. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996. 83
Este processo de negociação e conflito, acorco e desacordo permeia a história social e permite observar de
forma mais íntima os processos e práticas cotidianas. Observando a bibliografia fica inegável o diálogo indireto
44
o caminho para compreender as intenções e posicionamentos dos mesmos frente ao avanço da
administração colonial ocorrida entre 1840 e 1860. É neste ponto que a bibliografia sobre o
contexto ganha destaque, pois orienta no sentido de não confundir o posicionamento africano
e dos moradores manifesto pelo crivo português com as intenções coloniais de seus autores,
pois na medida em que se compreende melhor a conjuntura, as hipóteses construídas sobre as
ações africanas – ou ainda a não ação – ganha densidade, limitando o que poderia ser ou
possuir caráter verossímil. Sem dúvida a participação dos africanos nas permutas comerciais e
no enfrentamento político são pontos chave para se adentrar nas possibilidades analíticas da
agência africana. Desta forma, a contextualização e a abordagem sobre a conjuntura histórica
do século XIX em Angola tem peso decisivo na leitura e inquérito do material empírico.
Este trabalho emergiu de uma simbiose crítica entre documentação e bibliografia,
conquanto possui elementos que o tornam singular. A análise sobre os agentes militares
portugueses e suas relações com moradores e Sobas no Golungo Alto no século XIX é um dos
poucos trabalhos – senão o único nas universidades brasileiras – a abordar as relações sociais
na província de Angola a partir de um espólio documental de pequenos agentes coloniais
viajantes. Além disto, este trabalho trás a tona algumas preposições e hipóteses circulantes nas
esferas de discussão e produção historiográfica sobre Angola que têm sido centrais para se
compreender o contexto oitocentista. Dentre eles a questão da circulação de bens em Angola
em concomitância com a redução do tráfico legal e aumento da produção agrícola interna; as
mudanças no comportamento dos Sobas e a respectiva reestruturação do poder político
africano que tornava a relação entre Sobas e administração colonial mais íntima em relação às
demais autoridades africanas, oscilando entre mutualidade e afastamento, que ora permitiam o
surgimento de novos sobados de menor expressão ora a centralização política cada vez maior
em torno de determinada linhagem; a necessidade da presença de intermediários políticos-
comerciais entre portugueses e Sobas e os consequentes embaraços que emergiam.
desta dissertação com a visão de João José Reis e Eduardo Silva sobre os processos de resistência escrava no
Brasil. Cf. REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociações e Conflito; a resistência negra no Brasil escravista.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. No caso de Angola, tal relação pode ser melhor vista no século XVIII e
XIX nos estudos da presença de militares e viajantes nos sertões. Cf. CARVALHO, Os homens do rei em
Angola, passim.; CRUZ, Ariane Carvalho da. Militares e militarização no Reino de Angola: patentes, guerra,
comércio e vassalagem (segunda metade do século XVIII). 177 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Univeridade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.; SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos.
Sociabilidades em trânsito: os carregadores do comércio de longa distância na Lunda (1880-1920). 335 f. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo, 2016.
45
Passada a abordagem metodológica e preliminar, a dissertação busca no capítulo I
intitulado, A incerta construção do Império Africano, esmiuçar o contexto português
oitocentista, tanto em Portugal quanto em Angola, visando a partir das inflexões
empreendidas, compreender a relação entre as discussões metropolitana sobre a ocupação de
Angola e a sua materialização na prática colonial. O texto conta com dois momentos distintos.
O primeiro diz respeito às mudanças em Angola relacionadas com interesses portugueses
externos discutidos em Lisboa – sempre traçando paralelo com a conjuntura política
portuguesa. Esta abordagem inicial concentra-se essencialmente nas primeiras décadas do
século XIX, momento de desagregação do Atlântico sul português, discussões políticas acerca
da abolição do tráfico de escravizados e, porteriormente, dos regimes de trabalho e da
tentativa de criar companhias comerciais coloniais em África. Em um segundo momento a
escrita se debruça sobre situações práticas como a tentativa de criação de uma companhia
comercial em 1848, na bacia do rio Kwanza, por agentes privados influentes em Angola. Um
olhar sobre a criação de companhias – mesmo que goradas – permite compreender a
complexidade e inconstância estabelecida entre os interesses portugueses e a sua realidade de
ação. Este segundo momento do texto concentra-se essencialmente no cenário africano de
ação portuguesa e pode-se dizer que está voltado a um período entre os anos 1840 e 1860,
quando acalmada a situação política e econômica de Portugal, as possessões africanas passam
a ocupar um maior interesse no cenário político português e propostas de desenvolvimento
colonial começavam a surgir com maior fôlego. O texto do capítulo I permite avaliar o limite
existente entre o desejo colonial manifestado em Portugal e a prática colonial nos sertões de
Luanda, que quando não inviabilizavam os anseios comerciais de um liberalismo marcado por
práticas mercantis tuteladas pela Coroa portuguesa, ditavam o ritmo ou até mesmo as opções
nas quais os interesses portugueses podiam se estender.
No capítulo II intitulado Necessidade e embaraço nos sertões de Luanda, o objetivo
consiste em perceber a configuração do espaço do distrito do Golungo Alto. Por configuração
do espaço entende-se não apenas a organização da presença portuguesa e das chefias
africanas, mas especialmente as reações tomadas por mestiços e africanos frente às
reconfigurações coloniais lentamente instauradas ao longo do século XIX em Angola e as
iniciativas destes frente à administração colonial. Este capítulo dará especial atenção ao grupo
denominado pela documentação como moradores, que lidavam diariamente tanto com
interesses portugueses quanto africanos, visando garantir melhores proveitos. Como se
observará mais adiante, os moradores faziam parte de uma categoria classificativa muito
46
heterogênea tanto em sua formação quanto nos interesses representados, ao mesmo tempo em
que eram visto como empecilho para os portugueses atuando como atravessadores comerciais,
eram vitais para estabelecer elos econômicos com as chefias africanas dos sertões frente à
incapacidade portuguesa de criar laços políticos duradouros com as comunidades africanas.
Em termos estruturais este capítulo está dividido em dois momentos. Inicialmente a escrita
está voltada a compreender o grupo dos moradores, seus interesses e estratégias e, em um
segundo momento inserir tais agentes em um cenário de interação com o poder português
manifestado pela administração colonial e pelo poder político africano, visando compreender
em que medida as ações e escolhas dos moradores permitem compreender as atitudes e
estratégias das chefias africanas frente às investidas portuguesas no entremeio do século XIX.
Neste sentido um olhar mais atento sobre a categoria ambaquista ganha mais atenção dentro
do grupo dos moradores.
No capítulo seguinte, o de número III, intitulado Sobas e portugueses a análise se
concentra exclusivamente sobre as chefias africanas. O capítulo está estruturado em duas
partes. Em um primeiro momento o texto analisa a participação dos Sobas do Golungo Alto e
a relação estabelecida com a administração colonial, buscando compreender a agência
africana frente um cenário de modificações constantes. As análises se dão essencialmente nas
permutas comerciais e interação política, pois se acredita que nestes momentos as escolhas
africanas revelam mais sobre o cenário colonial do que as prerrogativas portuguesas. Em certa
medida, são nestas ocasiões que os Sobas deixaram seus testemunhos, mesmo que pela escrita
deturpada da narrativa colonial. Suas escolhas e estratégias permitem verificar a participação
africana e vislumbrar um panorama mais complexo do que o baseado nas narrativas
portuguesas. Já no segundo momento se aborda os conflitos militares entre portugueses e
Kassanje durante os anos 1850 e 1860. Este episódio de conflito colonial entre portugueses e
uma grande potência regional em Angola visa clarificar a complexa relação existente entre os
interesses portugueses e das autoridades africanas no contexto do comércio lícito, permitindo
um aprofundamento na análise empenhada sobre a construção da conjuntura coeva.
47
CAPÍTULO 1
A INCERTA CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO AFRICANO.
48
1.1. Conflitos políticos em Portugal no século XIX.
Durante muito tempo a historiografia que diz respeito à expansão portuguesa iniciada
no século XV frisou frequentemente três grandes momentos cronológicos e geográficos da
presença portuguesa em territórios além-Europa. Uma primeira conjuntura daria conta da
expansão ao norte de África até as rotas comerciais que ligaram o Índico ao Atlântico, entre
os séculos XV e XVI. Em um segundo momento, a América portuguesa ocuparia lugar de
destaque, junto com suas relações sociais e econômicas com o continente africano entre os
séculos XVI e XIX. Por fim, a independência do Brasil abriria caminho para que o continente
africano galgasse posição de destaque entre as possessões ultramarinas até a respectiva
independência das colônias africanas na segunda metade do século XX.84
Não é preciso grande diligência para perceber a fragilidade de tal quadro, que foca a
narrativa histórica na estrutura político-econômica, não abrindo possibilidades para dinâmicas
mais complexas como, por exemplo, a reestruturação da presença portuguesa no Índico em
finais do século XVII.85
Além disto, a percepção tripartida da existência do Império Português
ofusca as percepções acerca das relações intracoloniais e as diversas redes de contato que
emergiram do século XV ao XX. Tal concepção reforça a ideia de abandono ou inexistência
dos processos históricos não focados pela lupa político-econômica que, frequentemente está
ideologicamente orientada. Um exemplo disto é o terceiro momento, quando os olhos da
historiografia oficial portuguesa se voltaram ao continente africano para a construção daquilo
que Clarence-Smith chamou de terceiro Império Português, que tinha interesses econômicos
visando a entrada de Portugal no patamar de nação industrializada.86
Desta forma, as colônias
em África estavam submetidas a uma relação exploratória que na retórica racista e
posteriormente harmônica do Salazarismo estavam a ser paulatinamente salvas pelas mãos do
Estado-Novo português.87
84
THOMAZ, Ecos do Atlântico sul, Op. Cit., p. 30-80. Sobre está temática Cf. GODINHO, Vitorino Magalhães.
História econômica e social da expansão portuguesa. Lisboa: Terra, 1947. ; BETTENCOURT, Francisco;
CURTO, Diogo Ramada, (dir.). A Expansão Marítima Portuguesa, 1400-1800. Lisboa: Edições 70, 2010. 85
SUBRAHMANYAM, Sanjay. The Portuguese empire in Asia, 1500-1700: a political and economic history. 2º
ed. Chichester: Wiley-Blackwell, 2012. 86
CLARENCE-SMITH, Gervase. The third Portuguese empire. 87
Cf. NETO, Maria Conceição. Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século
XX. In: Lusotopie – Lusotropicalisme.Idéologies coloniales et identités nationales dans les mondes lusophones.
Paris, p. 327-359, 1997.
49
Atualmente tal enquadramento encontra-se ideologicamente esvaziado do ponto de
vista acadêmico, no entanto, tais momentos ainda permanecem no imaginário português e
daqueles que se interessam pela temática. A relação entre memória e história oficial não é
algo novo e pode ser detectada na documentação sobre Angola no século XIX, na qual as
lembranças de um passado navegante ecoam na construção discursiva de políticos e
administradores portugueses quando abordam as possibilidades ou não de ocupação do
território africano.
O discurso sobre África estava intimamente entrelaçado ao panorama coevo de
Portugal. O século XIX – especialmente sua primeira metade – foi marcado por conflitos e
instabilidade política e econômica. Faz-se preciso pensar em conjunto tal contexto para que se
vislumbre um fragmento da repercussão deste momento na política ultramarina. Neste
sentido, a independência do Brasil, os conflitos da guerra civil em Portugal e as tentativas de
consolidação do bloco liberal na política portuguesa são fulcrais para uma análise da relação
entre o contexto político-econômico e os debates que dizem respeito à remodelação dos
interesses e da estrutura colonial em Angola.
As raízes das tensões em Portugal no século XIX são comumente justificadas pela
invasão francesa e consequente transferência da corte para o Rio de Janeiro, na primeira
década do século XIX. Porém, pode-se apontar que a paulatina queda do poder monárquico e
o aumento da chamada nobreza titulada no século XVIII fora preponderante para os
acontecimentos conflituosos entre liberais e absolutistas na primeira metade do século XIX.88
O retorno forçado das cortes a Lisboa e a promulgação da constituição de 1826 foram cruciais
para que grupos temerosos com o liberalismo e partidários da tradicional aliança estado-igreja
reagissem contra a carta constitucional. Dentre estes indivíduos estava o irmão de D. Pedro
IV, D. Miguel I, que não reconhecia a legitimidade do irmão mais velho de ocupar o trono em
Portugal, uma vez que já era cabeça da monarquia no Brasil.
A promulgação da carta constitucional de 1826 por D. Pedro IV e a abdicação deste
em favor de sua filha, a infanta Maria II – que na altura ainda residia no Brasil – acarretou em
uma reação imediata de D. Miguel I e seus apoiadores do Partido Tradicionalista, que com o
apoio decisivo da nobreza titulada foi aclamado monarca de Portugal em detrimento de D.
88
LOUSADA, Maria Alexandre. D. Pedro ou D. Miguel? As opções políticas da nobreza titulada portuguesa. In
Penelope, Lisboa, nº 4, nov, p. 81-113, 1989.
50
Maria II.89
Este episódio é visto historiograficamente como o início da guerra civil portuguesa
que duraria até o retorno de D. Maria II – apoiada pelo Partido Constitucionalista e forças
inglesas – ao trono português, em 1834, e o consequente exílio de D. Miguel I. Todavia os
conflitos entre miguelistas e liberais continuariam durante a primeira metade do século XIX e
causariam enorme instabilidade política e econômica no Reino. Durante os anos 1830 e 1840
os cargos administrativos foram alvos constantes de negociações entre facções políticas
distintas a ponto de gerar uma instabilidade que impedia a consolidação econômica de
Portugal, assim como tornava o assunto ultramarino menos importante aos olhos dos
deputados portugueses.
A situação econômica era diretamente afetada pelo cenário político desalentador.
Durante a primeira metade do século XIX as medidas econômicas tomadas pelos
administradores tinham por objetivo reconfigurar a estrutura financeira de Portugal, que não
tinha mais a prerrogativa brasileira e tampouco obteria proveitos em curto prazo dos
territórios em África. A independência do Brasil foi um duro golpe às finanças portuguesas. O
Brasil era na altura a principal praça comercial a negociar com o Reino. Estimativas apontam
que no início do século XIX cerca de 40% da produção portuguesa era importada pelo
principal porto em atividade no Brasil, no Rio de Janeiro. Inclusive, Portugal era também o
principal destino das mercadorias brasileiras, sendo 90% dos produtos registrados com origem
no porto do Rio de Janeiro tinham como destino Portugal.90
Isso não significa que a colônia
americana era dependente ou gerasse déficit, pelo contrário, a economia brasileira
demonstrava robustez e variação suficientes para se autossustentar e permitir superávit.91
A independência brasileira não trouxe adversidades apenas no campo econômico, pois
as implicações políticas foram tão importantes quanto. Para além da questão monárquica
portuguesa já exposta, a autonomia política brasileira tardou a ser reconhecida por Portugal,
que somente em 1825, por intermédio de negociações com a Inglaterra, veio a legitimar a
independência do seu território americano. Dentre as exigências portuguesas para o
reconhecimento político do Brasil, negociadas com o estado brasileiro via Inglaterra, estavam
o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas referente a dívidas portuguesas com o Império
Britânico, a abdicação de interesses coloniais brasileiros em África – resposta direta ao
89
Idem. 90
FLORENTINO, Manolo.; FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária
e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de Janeiro (c.1790-c.1840). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001, p. 99-102. 91
FLORENTINO; FRAGOSO. O arcaísmo como projeto, 2001, passim.
51
levante de traficantes em Benguela no mesmo período – e, principalmente, a regulamentação
do comércio luso-brasileiro.92
Desta forma, dava-se finalmente reconhecida a independência
brasileira por Portugal.
A recepção do acordo de reconhecimento não fora dos melhores em Portugal. O ponto
que mais incomodou os portugueses foram as regulamentações comerciais, que acusavam de
favorecer os britânicos em detrimento de portugueses. No tratado, Portugal não garantia o
direito de comércio exclusivo do vinho e ainda viu-se forçado a arcar com uma taxa de 15%
para a entrada de produtos no Brasil, valor igual ao Britânico, mas sem a preferência
comercial destes. Da mesma forma, os produtos brasileiros passariam a pagar 15% ao
entrarem nos portos portugueses, todavia a produção brasileira ainda era exclusiva e detinha
um maior poder de negociação.93
Fica claro que o acordo intermediado pelos britânicos não
trouxe grandes benefícios aos cofres do Reino de Portugal e, com o cenário político cada vez
mais conturbado, as perspectivas de melhora econômica estavam frustradas.
As circunstâncias políticas e econômicas em Portugal apresentariam uma melhoria
mais clara durante a década de 1840, quando o político liberal Antonio Bernardo da Costa
Cabral colocou em prática de forma mais efetiva a agenda de medidas previstas na
constituição de 1826. Dentre as principais atitudes do novo governo estavam reformas
administrativas e a aposta na parceria público-privada visando a modernização da agricultura
e da vida urbana. As medidas do cabralismo surtiram efeito e trouxeram algum fôlego, mas
nada que resolvesse as questões mais amplas da sociedade portuguesa ou subjugasse a enorme
dívida gerada pela administração de Costa Cabral.94
Independente das consequências
econômicas e políticas, o cabralismo trouxe relativa estabilidade política que permitiu com
que o parlamento em Lisboa começasse de forma mais ativa a discutir questões envolvendo a
política ultramarina. Percebe-se também um fomento maior no interesse de comerciantes e
investidores a partir dos anos 1840 no que competem os territórios em África. Um exemplo
pode ser visto na tentativa de criação de uma Companhia Comercial em Angola em 1848. O
projeto idealizado em parceria por Silvano Francisco Luiz Pereira, Arcenio Pompilio Pompeo
de Carpo, A. V. R. Schut e E. G. Possolo tinha por objetivo a construção de um caminho de
92
ALEXANDRE, Valentim. A desagregação do império: Portugal e o reconhecimento do estado brasileiro,
(1824-1826) In: ______. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império, (1808-1975). Porto: Afrontamento,
2000, p. 48-53. 93
Ibidem, p. 53-64. 94
QUARESMA, Vitor Sérgio. A regeneração: economia e sociedade. Lisboa: Dom Quixote, 1988, p. 15-20.
Para uma visão bastante ampla e rica da política portuguesa no século XIX Cf. SERRÃO, Joel. Da regeneração
a república. Lisboa: Horizonte, 1990.
52
ferro ligando Luanda ao interior, facilitando o escoamento de produtos e a construção de uma
serraria responsável pela extração de madeira na bacia do rio Kwanza. A proposta da chamada
Companhia Africana Ocidental Portuguesa terminou gorada, como a maioria dos projetos de
então, no entanto, fornece um importante indício sobre o acirramento dos interesses
portugueses sobre as possessões ultramarinas. Tal interesse já existia anteriormente, como
pode se ver na tentativa de comerciantes luso-afro-brasileiros de criarem uma companhia
comercial africana em 1835,95
todavia, conforme o século XIX se desenrola – especialmente a
partir dos anos 1840 – mais evidenciadas ficam as tentativas de tornar o espaço africano em
solo fértil ao comércio lícito.96
Findada a governança de Costa Cabral, o período que se
seguiu verificou-se não só uma melhora e modernização tímida de Portugal, mas abriu
caminho para medidas mais enérgicas de Lisboa referentes aos territórios d’além-mar. Nas
décadas de 1850 e 1860, comumente referidas como um momento de regeneração de fato97
, a
política portuguesa no que compete Angola torna-se mais efetiva a ponto de serem
organizadas campanhas militares de maior destaque. O principal objetivo era avolumar o
comércio de mercadorias advindas do interior do continente e baixar os custos,98
assim como
a retomada dos investimentos na agricultura, tanto em Angola como em Portugal.99
Do ponto
de vista retórico, o debate parlamentar sobre a ocupação dos territórios em África galgava
degraus dentro das medidas modernizadoras da regeneração. Angola era vista como possessão
mais estável e mais frutífera no continente e se tornou tema da maioria dos debates travados
no parlamento na segunda metade do século XIX.100
De maneira mais ampla, as possessões
africanas passaram a ser vistas como um [...] espaço de realização colonial moderna pela
transformação econômica, pelo emprego dos meios da tecnologia, garantes da apropriação
da Natureza.101
95
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 402. 96
Por comércio lícito ou comércio legitimo, se entende a prática comercial generalizada excetuando a mão de
obra escravizada ou outra conduta econômica ilegal pela perspectiva portuguesa. Todavia, cabe frisar que ao
mesmo tempo em que o comércio de escravizados era entendido como ilegal aos portugueses era vista como
fonte válida e atividade econômica pela perspectiva africana, portanto, a perspectiva de licitude das negociações
e sua validação partem de uma visão jurídica europeia. 97
Segundo Joel Serrão é a partir da década de 1850 que a política e a economia portuguesa entram em um
processo de regeneração política, econômica e social. Cf. SERRÃO, Joel. A regeneração enfim assumida, 1851.
In:______. Da regeneração a república. Lisboa: Horizonte, 1990, p. 147-155. 98
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., p. 85-105. 99
FREUDENTHAL, Aida. Arimos e fazendas: a transição agrária em Angola. Luanda: Chá de Caxinde, 2005,
p. 55-64. 100
Cf. MARQUES, O império e a câmara dos deputados, Op. Cit., p. 465. 101
Ibidem, p. 467.
53
Enquanto Angola tornava-se cada vez mais atrativa – porém ainda longe da pauta
colonial ser uma unanimidade – a regeneração trouxe uma série de medidas fiscais e de
infraestrutura que impactaram significativamente na modernização dos processos agrícolas e
intensificaram a pequena indústria portuguesa, que passou a deter uma taxa de crescimento
superior a tradicional atividade agrícola do país a ponto de, a partir dos anos 1890, o nicho
industrial se tornasse amplamente relevante no panorama econômico português.102
Todavia,
mesmo Portugal conhecendo crescimento econômico na segunda metade do século XIX, tal
elevação foi bastante inferior aos demais países europeus no mesmo período,103
pois a falta de
braços humanos e matérias primas em Portugal, além da débil estrutura colonial nas
possessões ultramarinas em África, dificultou a consolidação de um nicho industrial mais
pujante a nível europeu, o que influiu negativamente neste campo.
É bem verdade que boa parte dos projetos, interesses e debates sobre a construção e
consolidação de uma política colonial acabaram frustrados104
e muitas das medidas colocadas
em práticas enfrentaram grande resistência na prática colonial, todavia fornecem indícios
importantes sobre uma nova percepção acerca das prerrogativas africanas e, mesmo que
tardiamente, algumas decisões acabaram por exercer importante impacto sobre o cotidiano
colonial. Dentre estas medidas estavam o incentivo ao comércio legítimo aliado às
determinações de proibição do tráfico e reestruturação do serviço de carreto.105
Ambas as
medidas permitiram a criação de alternativas econômicas para além do tráfico de
escravizados, porém, também suscitaram resistência e desagrado de administradores
coloniais, sertanejos e chefias africanas uma vez que o tráfico ilegal ainda estava em atividade
e atuava em considerável escala até a década de 1850. Outra disposição importante que aos
poucos consolidou uma política econômica em Angola foi o reforço político e militar das
povoações do interior, especialmente as que detinham parcela significativa de brancos,
visando criar contingentes suficientes para fomentar o crescimento da atividade agrícola em
grande escalada voltada a exportação.106
Um exemplo disto é o desenvolvimento de
monoculturas que paulatinamente passam a apresentar resultados interessantes, como o
crescimento na produção de café no Cazengo, que em 1846 registraria uma colheita de 345
102
LAINS, Pedro. A economia portuguesa no século XIX: crescimento económico e comércio externo (1851-
1913). Lisboa: INCM, 1995, p. 52. 103
REIS, Jaime. O atraso económico português em perspectiva histórica: estudos sobre economia portuguesa
na segunda metade do século XIX (1850-1930). Lisboa: INCM, 1993, p. 9. 104
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 357-439. 105
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 131-132. 106
Idem
54
arrobas e, pouco tempo depois, entre 1858 e 1859, um crescimento brusco da produção que
chegou a 15.032 arrobas. Tal crescimento se explica porque durante os anos 1830 e 1840,
parte significativa da produção cafeeira se dava com a extração de café silvestre que era
estimado em 70.000 cafeeiros. A partir dos anos 1850 o plantio de cafeeiros aumentou e
proporcionou um largo aumento da produção, sendo que na década de 1850 estimava-se a
existência de 500.000 cafeeiros no Cazengo.107
Outra produção, esta mais voltada ao mercado
interno, mas que apresentava robustez produtiva era a de arroz, de qualidade igual ao do grão
produzido no Brasil, era amplamente cultivado na região de Mbaka, que em 1851 registraria
uma produção de aproximadamente 700 arrobas.108
A mudança da postura portuguesa está diretamente relacionada com o novo cenário
político e econômico que se colocava, todavia, existem outros fatores importantes que dizem
respeito às estratégias africanas e dos moradores e o modo como estes se colocaram perante as
novas configurações no que concerne à relação com a administração colonial. Não cabe neste
momento adiantar o assunto dos moradores e chefias africanas, que será visto mais adiante
nesta dissertação, conquanto, o debate sobre a criação de companhias capitalistas de
monopólio comercial e as políticas abolicionistas é central não apenas para se compreender as
vias escolhidas pela administração portuguesa em Angola, mas também buscar elementos que
permitam a percepção de como tais políticas foram enfrentadas pelas chefias africanas e os
moradores de Angola.
107
FERREIRA, R. Abolicionismo versus colonialismo: rupturas e continuidades em Angola (século XIX). In:
GUEDES, Roberto (org.). África: brasileiros e portugueses – séculos XVI-XIX. Rio de Janeiro: Mauá, 2013, p.
95-112. 108
Almanak stastistico da província d’Angola e suas dependências para o anno de 1852. Loanda: Imprensa do
governo, 1851, p. 11.
55
1.2. Angola e o liberalismo português.
Quando se observa a política ultramarina portuguesa aplicada a Angola para o período
analisado fica claro que o combate ao tráfico de escravizados e os incentivos a criação de uma
cultura colonial agrícola são as diretrizes principais das iniciativas em busca de uma colônia
economicamente viável e cooperante com a modernização do estado português. Neste sentido,
a primeira metade do século XIX ficou marcada pelas medidas pouco sólidas de combate ao
tráfico de escravizados. Enquanto em Portugal o tráfico tornava-se juridicamente ilegal e
moralmente reprovável – abrindo espaço para discussões relativas à organização do trabalho
colonial – em Angola o comércio da mão de obra escravizada estava a todo vapor. A tarefa de
combater o tráfico não era fácil e gerava dubiedade na administração colonial. Por um lado,
estava claro que era preciso romper com séculos de comércio escravocrata, todavia, era nítida
a consciência de que findado o tráfico de escravizados as dinâmicas comerciais em Angola
sofreriam profundos abalos, portanto, foi comum que funcionários coloniais fizessem vista
grossa ao comércio negreiro nos núcleos de Luanda e Benguela ou ainda pouca ou nenhuma
atenção dessem às regiões de embarque ilegal como ao litoral norte de Luanda.
A dimensão do tráfico em Angola era tamanha que em 1848, Joaquim A. de Carvalho
e Menezes, importante figura da política colonial em Angola, chamava a atenção para a
importância deste comércio entre os moradores de Luanda, segundo ele [...] os habitantes em
geral parecem condenados a viver envolvidos no tráfico, na intriga a mais nojenta, e muitas
vezes cruenta em seus resultados [...].109
Os resultados apontados por Menezes não fazem
referência à violência e pressão política que o tráfico impunha sobre as sociedades africanas,
mas sim à situação de estagnação das atividades agrícolas e industriais, que frente ao pujante
e lucrativo comércio de gentes ficavam em segundo plano. Neste sentido, a abolição do
tráfico traria desenvolvimento plural à economia de Angola e permitiria aos africanos uma
possibilidade de incorporação na sociedade portuguesa em construção.
109
MENEZES, Joaquim Antonio de Carvalho e. Demonstração geographica e politica do territorio portuguez
da Guiné Inferior que abrange o Reino de Angola, Benguella, e suas dependencias. Rio de Janeiro: Typographia
clássica de F. A. Almeida, 1848, p. 26.
56
Assim cremos que de uma vez cessado o desumano tráfico de escravos, cujos
braços empregados com métodos em nossos estabelecimentos e na lavoura,
veremos aumentar progressivamente à indústria e com ela a riqueza nacional,
conduzindo ao mesmo tempo os negros a civilização europeia até o grau que
nos convier[...].110
Fica nítido que Menezes, assim como tantos outros que se dedicaram a escrever sobre
Angola no século XIX, era partidário dos benefícios que a consolidação da colônia poderia
trazer a Portugal.111
Além de dinamizar a economia, abolir o tráfico seria um caminho de
diminuir o poder das autoridades africanas envolvidas neste comércio e coordenar a mão de
obra para as monoculturas agrícolas, que além de trazer ganhos comerciais, instruiria os
africanos a domesticação colonial por intermédio do trabalho cotidiano. O grau de
convivência proposto por Menezes tem como objetivo criar um contingente de trabalhadores
que se dedicassem as atividades agrícolas e extrativas que paulatinamente substituiriam o
tráfico Atlântico, pois no atual estado, os africanos não poderiam lançar mão à cultura do
solo, dado que, segundo Menezes, existia uma [...] natural preguiça de uma grande parte
deles.112
Mais uma vez o autor não se afasta de uma concepção amplamente difundida em seu
tempo: a suposta ociosidade africana. No Golungo Alto, no presídio de Duque de Bragança,113
José Vicente Duarte reclamava em 1848 da dificuldade de colocar africanos a produzir nas
lavouras, sendo que as mulheres trabalhavam apenas visando a subsistência, enquanto que aos
homens não havia [...] meio algum de os obrigar a trabalhar no campo e a deixar a vida
ociosa de gentio: o mais que fazem é de vez em quando fazerem seu pequeno negócio de cera
no interior.114
A distinção entre africanos e africanas é fato recorrente na documentação. Em
1847, o militar Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento apontavam a melhora na produção
agrícola em Massangano, todavia indicava que caso os homens trabalhassem de igual forma
como as mulheres a situação produtiva estaria ainda mais avançada.
110
Ibidem, p, 162. 111
Cf. GAMA, Antonio de Saldanha da. Memória sobre as colónias de Portugal, situadas na costa Occidental
D’África. Paris: Typographia de Casimir, 1839.; VALDEZ, Francisco Travassos. África Occidental: notícias e
considerações – Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864.; VASCONCELLOS, António Augusto Teixeira de.
Carta acerca do tráfico de escravos na Província de Angola. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1853. 112
MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez, Op. Cit., p. 163. 113
Assim como Mossamedes, o presídio de Duque de Bragança, criado a nordeste de Mbaka no século XIX
visava espraia o cultivo do solo e da influência portuguesa. 114
DUARTE, Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província, Op. Cit., Loc. Cit.
57
A agricultura tem-se aumentado e desenvolvido, porém não tanto quanto se
poderia conseguir se os homens não fossem tão indolentes ao trabalho braçal,
pois que a maior parte da agricultura é feita pelas mulheres, e por isso não se
obtém o resultado que poderia haver com forças físicas e reais.115
A existência do tráfico e a recusa africana de se subjugar a um regime de trabalho
sistemático aos moldes europeus foram frequentemente apontadas como razões para a má
aplicação ou sentido disfuncional das iniciativas portuguesas. Porém existia outro fator que
usualmente era colocado em pauta: a corrupção. Em seu discurso de combate ao tráfico para o
bem desenvolver das possessões portuguesas em África, Menezes aponta constantes falhas no
combate e repressão a atividade traficante. Para além da tradicional menção a falta de recursos
financeiros e meios militares de combater as embarcações suspeitas na costa angolana,
Menezes não poupa adjetivos e asperezas para indicar que o desmando do combate ao
contrabando era do então governador da província, Pedro Alexandrino da Cunha, que tinha
liberdade de ação garantida pelo também mal visto aos olhos de Menezes, o político Joaquim
José Falcão, na altura, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
da Marinha e Ultramar. Curiosamente é durante o governo de Cunha (1845-1848) que se
inicia um cerco a atividade traficante, no qual em parceria com a marinha inglesa, ocasionou
grandes apresamentos de navios envolvidos direta ou indiretamente com o comércio de
gentes.116
Joaquim A. de Carvalho e Menezes não apenas indica a ingerência do governador
Pedro Alexandrino da Cunha como também o acusa de abuso de poder e insinua a sua
participação no comércio escravagista.117
Investigando a carreira de Menezes como
funcionário colonial, foi possível verificar que talvez a querela com Cunha tivesse proporções
maiores do que divergências administrativas. Menezes não era um simples funcionário
colonial, iniciou sua carreira na década de 1820 como Escrivão da Junta da Fazenda e
Inspetor da Contadoria e Tesouraria de Angola e também foi deputado a representar a
província em Lisboa.118
Em 1844, durante o governo do já idoso Lourenço Germack Possollo,
Menezes foi acusado de peculato em moeda forte e adulteração dos registros da tesouraria de
115
SARMENTO, Alexandre Thomaz de Moraes. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta
província: distrito de Massangano. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a
Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 150-151. 116
FERREIRA, R. Brasil e Angola no tráfico ilegal de escravos, 1830-1860. In: Angola e Brasil nas rotas do
Atlântico sul. PANTOJA, Selma e SARAIVA, J. F. S. (orgs). Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, p. 150-151. 117
MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez, Op. Cit., p. 60-68. 118
Gazeta de Lisboa, nº 144, segunda-feira, 14 de maio de 1825. Lisboa: Imprensa Régia, 1825, p. 458.
58
Angola pelo negociante local Arsenio Pompilio Pombeu de Carpo, sendo este processo de
conhecimento do ministro Joaquim José Falcão, que informou os acontecimentos ao
governador Cunha já em 1845, quando este assume o cargo.119
O processo seguiu sobre sigilo
enquanto Pedro Alexandrino da Cunha colocava em prática uma série de medidas de rigor
fiscal em Angola.
Obviamente os pontos de preocupação que Menezes expôs sobre o combate ao tráfico
e as possibilidades de exploração agrícola são coerentes e estão de acordo com outros
administradores e viajantes que por Angola passaram ao longo dos Oitocentos. Não obstante,
o conflito com Pedro Alexandrino da Cunha e Joaquim José Falcão expõe uma característica
comum da administração colonial, que por diversas vezes era deixada de lado para a
realização de ambições individuais e disputas de poder.
Confrontar séculos de comércio baseados no tráfico de escravizados foi um grande
desafio à administração colonial, especialmente com o aumento no volume deste comércio
frente ao temor de sua extinção no século XIX. Estima-se que durante o século XVIII cerca de
2.4 milhões de cativos foram retirados da costa ocidental da África, sendo o Brasil o principal
destino. Números que colocam esta região como a mais ativa neste comércio. No mesmo
período, a segunda região que mais esteve envolvida foi o Golfo do Benin, no qual o
comércio de cativos forçou a diáspora de cerca de 1.3 milhões de pessoas.120
O século XVIII foi marcado por um conflito entre comerciantes portugueses e
brasileiros pelo controle do comércio de seres humanos em Angola. Boa parte desta peleja
estava assente sobre a concorrência em torno dos produtos comerciáveis, no qual os
comerciantes brasileiros tomavam vantagem, por outro lado, portugueses tinham maior
influência sobre a administração colonial.121
A partir do século XIX, com os temores do fim
da prática comercial do tráfico e um aumento na necessidade de mão de obra no Brasil e
119
Faz-se possível acompanhar brevemente esta contenda nos documentos publicados nos tomos III e IV do
compendio Angolana. Cf. Cópia da portaria confidencial A do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José
Falcão) à Fazenda de Angola, indeferindo a pretensão dos seus membros para serem revelados de entrar nos
respectivos cofres com a importância que indevidamente abonaram em moeda forte ao ex-escrivão da mesma
junta Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes – 2 de janeiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:
documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 79-80. Originalmente extraído: AHU sala
12, cód. 678, fl. 34.; Cópia da “Exposição dos factos que servem de corpo de delicto ao Ex-Gov.º Geral da
Provincia de Angola, o Chefe de divisão Lourenço Germack Possollo” – 15 de janeiro de 1846. In: SANTOS,
Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 148-163.
Originalmente extraído: AHU sala 12, maço 825. 120
Dados obtidos na plataforma The Transatlantic Slave Trade Database, em junho de 2016. Disponível em:
http://www.slavevoyages.org/ 121
MILLER, Way of Death, 1988, passim.
59
colônias caribenhas, os números conhecidos do tráfico mostram um salto sem precedentes.
Em apenas 60 anos (1801-1860) foram mais de 2 milhões de cativos embarcados na costa
ocidental de África e, em sua maioria advinda de Angola – isto apenas considerando os dados
conhecidos do tráfico legal.122
Quando observado apenas a relação Congo-Angola-Brasil,
cerca de 70% dos escravizados tinha os portos brasileiros como destino, sendo que no mesmo
período, regiões afastadas de Luanda e Benguela passam a ganhar mais representatividade no
volume do comércio em detrimentos dos núcleos tradicionais. Cabinda123
é um bom exemplo,
pois no mesmo período a região foi origem de 35,5% dos navios negreiros que aportaram no
Rio de Janeiro.124
Demonstrando um processo já em andamento de saída do fluxo comercial
de escravizados nos núcleos vigiados de Luanda e Benguela, que acabaram por preservar
ainda mais a característica de entreposto de cativos.
Havia outro fator tão importante quanto o cenário econômico e que dificultava ainda
mais a transformação das relações comerciais em Angola: tratava-se do relacionamento com
as sociedades africanas. Foi por meio das relações comerciais que portugueses travaram
embates com as chefias africanas, seus interesses coletivos, particulares e estratégias políticas.
A ameaça do fim do comércio de cativos levou a conflitos entre a administração colonial e
chefias africanas. Pouco antes da proibição do tráfico, em um clima de incertezas e anseios,
chefias dos sertões de Benguela ameaçaram invadir o núcleo português caso o trato comercial
de cativos fosse interrompido.125
Mesmo sob um clima conturbado a ilegalidade do tráfico de
escravizados foi decretada, porém, apenas na letra da lei, pois na prática a atividade ganhou
novos contornos e continuou a saciar a interesses de traficantes, chefes africanos e da própria
administração colonial que em larga escala fora conivente com a prática até os anos 1840.126
Fora de Benguela e Luanda, agora o tráfico se direcionava a lugares afastados da
legislação portuguesa, como Cabinda, Ambriz127
e Benguela Velha.128
Por um lado, a
122
Entre 1701 e 1860 foram cerca de 4.5 milhões de cativos que saíram da costa centro ocidental de África, o
que corresponde a aproximadamente 78% do tráfico legal do total aproximado de 5.7 milhões de escravos
embarcados desde o século XVI. Dados obtidos na plataforma The Transatlantic Slave Trade Database, em
junho de 2016. Disponível em: http://www.slavevoyages.org/ 123
Região ao extremo norte de Luanda com forte presença de falantes bakongo. 124
FERREIRA, R. Dos Sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860.
289 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996, p. 6-7. 125
Idem 126
Ibidem, p. 9. 127
Importante região de contrabando ao norte de Luanda. Com relação a circulação de bens lícitos em Ambriz
Cf. WISSENBACH, M. C. C.. As feitorias de urzela e o tráfico de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos
Santos e os negócios na África centro-ocidental na década de 1840. In: Afro-Asia, v. 43, p. 10-52, 2011.; ______.
60
atividade traficante ficava mais enxuta com o não pagamento de impostos portugueses, por
outro, as chefias africanas passaram a taxar os embarques de escravizados que eram
realizados em suas terras. A relação entre traficantes e chefias era conflituosa, pois além das
negociações visando vantagens de ambos os lados, ocorriam fraudes por parte dos traficantes
que enfureciam as comunidades locais, além do conflito interno entre sociedades africanas na
disputa por angariar mais cativos em detrimento de seus rivais políticos.129
Neste contexto
emergem novas chefias africanas, que anteriormente pouca ou nenhuma participação tinham
nas permutas do tráfico.130
Estes novos núcleos de poder se coloriam em oposição aos antigos
chefes africanos que tradicionalmente estavam envolvidos no tráfico, o que abalaria as
estruturas políticas africanas do interior de Angola e paulatinamente levaria potentados
importantes como Kassanje131
a perder importância comercial no trato com os portugueses e
política no que compete as comunidades africanas circunvizinhas.
Portanto, duas grandes razões levaram a administração colonial a cerrar os olhos ao
tráfico ilegal. A primeira dizia respeito à falta de alternativas econômicas para lidar com as
sociedades africanas e com o próprio sustento econômico da colônia, que após o
desmembramento do Atlântico Sul português sofria com crises de créditos e constantes
deficit.132
Outro importante indicativo foi que o tráfico ilegal de escravizados se mostrou
primordial para o financiamento do comércio lícito no século XIX. Em seu estudo sobre a
conformação do tráfico ilegal em Angola e suas implicações, Roquinaldo Ferreira demonstra
de maneira sólida padrões de aplicação ligados à atividade traficante. Investimentos no Brasil
e em Angola era uma forma comum de tornar os lucros do tráfico ilegal juridicamente
plausível perante a legislação tributária. Na província, a aplicação de recursos no sistema de
créditos para a obtenção de produtos e, principalmente nas iniciativas agrícolas foram as
estratégias mais difundidas.133
Desta forma, a discursiva portuguesa que afirmava que o
Dinâmicas históricas de um porto centro-africano: Ambriz e o baixo Congo nos finais do tráfico de escravos
(1840-1870). In: Revista de História, nº 172, p. 163-195, 2015. 128
Localidade das primeiras fundações da cidade de Benguela antes que a mesma fosse transferida para um
ponto litorâneo de melhor qualidade. Cf. CÂNDIDO, Mariana Pinho. Enslaving frontiers: slavery trade and
identity in Benguela, 1780-1850. 322 f. Tese (Doutorado em História) – York University, Toronto, 2006.;
______. An African Slaving Port and the Atlantic World. Benguela and its Hinterland. New York: Cambridge
University Press, 2013. 129
FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, Op. Cit., p. 10-11. 130
Ibidem, p. 28. 131
Importantíssimo potentado do interior de Angola que movimentou o tráfico de escravizados desde os
primeiros contatos com os portugueses no final do século XVI. Cf. MILLER, Way of death. 132
FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, 1996, passim. 133
No capítulo II (negócios de traficantes: um padrão de investimentos) da dissertação de mestrado de
Roquinaldo Ferreira, o autor exibe uma interessante análise sobre as aplicações e movimentações financeiras
realizadas por traficantes em Angola.
61
comércio legítimo substituiria o tráfico não se sustentou, ambos conviveram de forma
mutualística sob relutante aprovação das autoridades portuguesas.134
Fundadas as bases para a cultura agrícola, a administração portuguesa pressionada por
acordos internacionais e pelo benefício de concentrar os interesses metropolitanos na
monocultura, passa a combater de forma mais intensa a atividade traficante a partir dos anos
1840. Conforme o tráfico era exaurido no continente africano, a escravidão passou a crescer
sem precedentes.135
Em Angola não foi diferente, as formas de exploração do trabalho
cresceram largamente, principalmente com as atividades envolvendo a produção agrícola e
principalmente o transporte de mercadorias.
Entre 1840 e 1860 ocorreram diversas iniciativas de produção agrícola em larga
escala, sendo a produção cafeeira no Golungo Alto, Cazengo e Encoje136
as que mais
encorajaram a administração portuguesa.137
Em 1832, o português João Guilherme Pereira
Barbosa chegava a Angola após embarcar no Brasil, seu objetivo era dar início a uma lavoura
de café. Nesta altura, a administração colonial concedia terras àqueles que de alguma forma
prometiam torná-las produtivas, resguardando assim influência portuguesa em pontos mais
afastados do litoral. Com Barbosa não foi diferente, após a sua chegada foi agraciado com
terras no distrito do Cazengo. Devido a sua falta de experiência como agricultor e dos
recursos limitados, Barbosa e mais cinco escravos adquiridos por ele na feira do Dondo
enfrentaram dificuldades para a preparação das terras e plantio de mudas. Independente das
adversidades, já na década de 1840, Barbosa registrava bom índice produtivo – tendo em
1845, promovido a colheita de 70 arrobas de café – o que despertou a atenção do então
governador Pedro Alexandrino da Cunha, que o nomeará chefe do distrito.138
O então chefe
faleceu pouco depois, em 1847, como um importante cafeicultor pioneiro.139
O cultivo do café
levou Barbosa e outros produtores locais que obtiveram sucesso em seus cultivos como D.
134
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 129-131. 135
LOVEJOY, Paul. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 217. 136
Presídio próximo do território dos Dembos. 137
FREUDENTHAL, Arimos e fazendas, Op. Cit., p. 131. 138
SANTOS, José de Almeida. Perspectiva da agricultura de Angola em meados do século XIX: Pedro
Alexandrino da Cunha e o pioneiro do Cazengo. Comunicação apresentada em sessão ordinária de 26 de janeiro
de 1990 e publicada In: Anais da Academia portuguesa de história. 2º série, vol. 36, 1998, p. 135-154. Entre
adjetivos e floreios desnecessários, este tendencioso estudo reforça a inexistência africana e de forma bastante
incomoda enaltece os feitos de um mítico herói português. 139
Para uma visão mais ampla sobre a produção cafeeira, cabe verificar o interessante texto do historiador
britânico David Birmingham. Cf. BIRMINGHAM, David. Os barões de café de Cazengo. In: BIRMINGHAM,
David. Portugal e África. Lisboa: Vega Editora, 2003, p. 128-145.
62
Ana Joaquina dos Santos Silva (também conhecida por Amdenbo-iá-lala)140
– que obtivera
bons retornos com seus canaviais141
– a darem início ao cultivo de outras plantas a pedido do
governo metropolitano.142
A experiência de Barbosa não é exceção, mas também está longe
de ser regra. A maioria das iniciativas agrícolas em Angola no mesmo período se vira
frustrada, seja por falta de incentivo da administração portuguesa, por intempéries climáticas
ou ainda a principal razão: a dificuldade de se arregimentar mão de obra devido à violência
envolvida no processo de recrutamento.143
O próprio João Guilherme Pereira Barbosa reclamava constantemente a dificuldade de
convencer os africanos a trabalharem no solo. Pouco antes de falecer em 1847,144
Barbosa
expunha de forma grosseira que os africanos eram [...] inúteis a sociedade145
quando ele
chegara ao Cazengo nos anos 1830, todavia, após a construção das lavouras de café os
mesmos aprenderam a importância do labor e [...] já cultivam em maior escala.146
Barbosa
usa de um mecanismo retórico comum a muitos no período: o de evocar o trabalho na
agricultura como semente moral aos africanos. Seguindo o relatório, Barbosa toca em um
ponto crucial para se compreender o papel das chefias nas iniciativas agrícolas portuguesas.
Na visão do chefe distrital, [...] o pior de todos os males é o governo dos Sobas,147
déspotas
140
Cf. WHEELER, Douglas L. Angolan Woan of Means: D. Ana Joaquina dos Santos Silva, Mid-Nineteenth
century luso-african merchant-capitalism of Luanda. In: Stana Bárbara Portuguese Studies Review, nº 3, p. 284-
297, 1996. 141
Ibidem, p. 135. 142
Portaria nº 1489 do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão) ao Governador- Geral de Angola
comunicando-lhe que nesta data se ordenou ao Governador-Geral da Índia que, pelos navios que ali tocarem, lhe
remeta plantas e sementes de bambu e outras que lhe forem designadas, e indicando-lhe como e por quem
deverão ser repartidas as sobretidas plantas e sementes – 9 de março de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.).
Angolana: documentação sobre Angola – Tomo IV 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 307-308. Originalmente
extraído: AHU sala 12, cód. 678, fls. 160-161. 143
FRANCINA, Manoel Alves de Castro. De Loanda ao distrito de Ambaca na província de Angola, 1846. In:
Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa
Nacional, 1867, p. 3-15. Este mesmo documento foi analisado por outros historiadores, destaca-se o capítulo I da
dissertação de mestrado publicada de Elaine Ribeiro da Silva Santos. Cf. SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos.
Controle da mão-de-obra africana e administração colonial: faces convergentes da política portuguesa
oitocentista. In: Barganhando sobrevivências: os trabalhadores da expedição de Henrique de Carvalho à Lunda
(1884-1888). São Paulo: Alameda, 2013, p. 49-93. Para uma visão mais alargada das relações de trabalho Cf.
HEINTZE, Pioneiros africanos, 2004. 144
A nota explicativa 211 expõe que em 1847, Antonio Julio de Almeida Lima foi nomeado novo chefe do
Cazengo após o falecimento de Barbosa no mesmo ano. Cf. Ofício do secretário de Angola ao chefe do Cazengo,
J. G. Pereira Barbosa, sobre a construção de um caminho carreteiro desde a residência do seu distrito até Oeiras,
na margem do Lucala – 11 de fevereiro de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre
Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 243-244. Originalmente extraído: AHU sala 12, cód. 678, fl.
156. 145
BARBOSA, João Guilherme Pereira. Descripção d’este districto feita pelo Sr. João Guilherme Pereira
Barbosa, e pedida pelo Sr. João de Roboredo. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854
a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa nacional, 1867, p. 471. 146
Idem. 147
Idem.
63
individualistas agregavam [...] a si quase todo o fruto do trabalho dos seus subordinados.148
Fica implícito ao longo do texto que Barbosa critica as chefias africanas por elas criarem
problemas no arregimento e disposição de mão de obra escrava para as iniciativas
portuguesas. Esta visão se tornaria cada vez mais comum a partir dos anos 1840, e levaria a
inúmeros conflitos entre chefias africanas e a administração portuguesa, crente que o regime
político africano era um entrave ao desenvolvimento agrícola e extrativo, portanto, barreira à
ocupação e interiorização portuguesa. A atividade agrícola tinha uma importante inflexão
política no que diz respeito à interiorização portuguesa no território angolano. Em 1848,
Vicente José Duarte assinalava que o aumento da cultivação do solo, mesmo que tímida,
fomentou o incremento do consumo local e permitiu aos portugueses um aumento de
jurisdição149
sobre terras antes não legisladas.
O aumento da atividade agrícola na década de 1850 e 1860, mesmo tímido em volume
e retorno financeiro, proporcionou um grande aumento no consumo interno150
e permitiu aos
portugueses expandir paulatinamente sua influência sobre territórios ainda não legislados.151
Além do interesse próprio por transformar Angola em uma colônia produtiva visando a
exportação agrícola e mineral, o temor de que forças estrangeiras ocupassem os territórios
historicamente defendidos pelos portugueses levou a cabo uma série de políticas militares que
objetivavam salvaguardar tais possessões.152
São nestas décadas que reformas econômicas e
políticas são colocadas em prática com maior fôlego, como as campanhas militares que
enfraqueceram pela primeira vez o poder interno de Kassanje.153
Claro que este avanço não
foi suficiente para a consolidação de uma política colonial plena, mas foi importante para
planificar estratégias que futuramente seriam primordiais para a construção das bases da
ocupação, o que se seguiu século XX adentro. Segundo Jill Dias, o liberalismo português em
Angola tentou abrir possibilidades comerciais mais vantajosas a iniciativa de privados, como
a extinção do monopólio da cera nos anos 1830.154
Contudo, o aumento na mão de obra
escravizada e a busca sem fim por carregadores levaram ao aumento da violência empregada
pela administração portuguesa, que não foi capaz de romper com a dependência em relação às
sociedades africanas no que diz respeito aos tratos agrícola e comercial, pois eram estas
148
Idem. 149
DUARTE, Noticias de alguns districtos, Op. Cit., Loc. Cit. 150
FERREIRA, Abolicionismo versus colonialismo, Op. Cit., p. 112. 151
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., Loc. Cit. 152
MARQUES, O Império e a câmara dos deputados, Op. Cit., p. 160. 153
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., Loc. Cit. 154
DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 50.
64
populações que realizavam o grosso do cultivo, que transportavam as mercadorias e,
principalmente, eram estas as populações que estavam sob o julgo das chefias africanas que
tanto incomodava João Guilherme Pereira Barbosa.
Dominar pela força foi precisamente o objectivo da política seguida por
alguns governadores gerais de Angola, mais notavelmente Rodrigues Coelho,
entre as décadas de 1850 e 1860. Mas as tentativas de implantar o domínio
militar português na costa e interior de Angola esbarrava contra as realidades
da colônia.155
O cada vez maior número de colonos no interior156
não colaborou para acalmar as
tensões e tampouco surtiu grande efeito no imaginário português sobre as possibilidades
quiméricas157
que poderiam ser obtidas em África. As dúvidas frente à dificuldade em se
construir uma colônia produtiva, pode ser visto em muitos dos documentos aqui analisados.
Essa situação gerava um sentido retórico duplo sobre a província que por um lado era
entendida como um importante local para a criação de uma cultura colonial e, ao mesmo
tempo, exibia um tom de fracasso e temor frente às dificuldades das mais diversas ordens. Em
1840, Antonio Maria Couceiro – sócio e secretário da Associação Marítima e Colonial de
Lisboa chamava a atenção para este aspecto com um pendor pessimista em relação às
condições materiais da empreitada africana. Para o autor, a salvaguarda e a dedicação para
com África eram essenciais, pois [...] perdemos o Brasil e já achamos de menos muitos
pontos importantes e, os que nos restam, em tal estado, que pouco diferem daquele em que os
descobridores portugueses os encontraram [...].158
Em outra perspectiva, por mais que
houvessem iniciativas de modernização de Angola,159
muitas das decisões políticas e
econômicas tomadas em Lisboa dentro da lógica liberal de extirpar atitudes econômicas do
155
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 410. 156
FREUDENTHAL, Arimos e fazendas, Op. Cit., p. 132. Um exemplo disto são as criações das iniciativas
colônias de Duque de Bragança e Mossamedes, que tinha por objetivo promover a imigração branca rumo a
Angola e difundir a prática agrícola. 157
Termo empregado por João Pedro Marques para se referir a camada política portuguesa esperançosa nos
frutos econômicos que uma política colonial sobre as possessões africanas poderiam gerar. Cf. MARQUES, Os
sons do silêncio, 1999, passim. 158
COUCEIRO, Antonio Maria. Breves considerações sobre a pregação do evangelho na África. In: Annaes
Marítimos e Coloniaes. Tomo I, novembro de 1840. Lisboa: Imprensa nacional, 1840, p. 31. 159
A modernização partiria das relações de trabalho com a abolição do tráfico e a inserção de Angola em um
processo de capitalização de matérias primas em um sistema global em construção. Cf. HENRIQUES, Percursos
da modernidade em Angola, 1997.
65
antigo regime, acabaram, na prática, por manter uma estrutura comercial mercantil.160
Em
certa medida, o próprio liberalismo português colocava-se em questão quando observada sua
postura em relação aos territórios ultramarinos. Um exemplo disto é o decreto de 1837 que
instituía o monopólio do comércio da Urzela com a metrópole, o que incomodou a
comerciantes e negociadores coloniais.161
É, portanto, evidente a existência de um projeto colonial português em Angola. De
fato, ficou nítido que havia intenções claras e estratégias coloniais definidas. A abolição do
tráfico de escravizados abriria caminho para pluralidade econômica de Angola que segundo as
diretrizes de Lisboa, deveria ter a extração e produção agrícola como prioridades. O cultivo
destes novos produtos, entendidos como lícitos frente à ilegalidade da atividade traficante,
seriam responsáveis por dinamizar a economia, disciplinar as sociedades africanas, diminuir o
poder das chefias locais e permitir cada vez mais a interiorização portuguesa rumo a espaços
que eram restritos. Esse movimento não foi forte o suficiente no século XIX para criar uma
cultura colonial em Angola, muito devido à falta de recursos, coesão política e,
principalmente, o poder africano.
Enquanto em Angola ainda de forma tímida se buscava aplicar medidas práticas com
repercussões políticas e sociais, em Portugal, a discursiva portuguesa reforçava a política
abolicionista como ponto chave para a aplicabilidade das intenções coloniais e tornava esta
temática em uma bandeira liberal. Em 1863, o então Ministro e Secretário d’Estado dos
Negócios da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal – destacado político e escritor
português do século XIX – apresentou junto ao Parlamento em Lisboa o relatório dos assuntos
do ultramar referentes ao ano de 1862. A retórica oficial do ministro vai de encontro com o
ideário de ocupação das possessões ultramarinas visando benesses metropolitanas. Como era
de se esperar, Angola ocupava parte significativa do relatório, que não se trata apenas de um
informe colonial, mas uma orientação ideológica.
Usando recursos de uma escrita romântica, Mendes Leal cria um discurso orientado
por motivações liberais e crivado pela oposição ao africano. O ministro enxerga em Angola o
ponto de partida para uma ocupação colonial bem sucedida, todavia, esta perspectiva só
160
TORRES, Adelino. O império português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991. 161
DIAS, Jill. A sociedade colonial de Angola e o liberalismo português (c.1820-1850). In: PEREIRA, Mirian
H.; FERREIRA, Maria de F. Sá e Melo.; SERRA, João B. O liberalismo na península ibérica na primeira
metade do século XIX: comunicações ao Colóquio organizado pelo Centro de Estudos de História
Contemporânea Portuguesa, 1981. Lisboa: Sá da Costa, 1982, p. 279.
66
tornar-se-ia realidade se houvesse condições morais e materiais para tal feito. Neste sentido os
investimentos que permitissem a exploração agrícola em larga escala e a recuperação das
edificações portuguesas era vista como a condição material que ocuparia as mãos dos
africanos, enquanto o reforço militar português e a conduta católica preencheriam o vazio
moral.
Abre caminho o ferro da espada, por meio da barbárie, como rasga o solo o
ferro da charrua – para fecundar; mas do mesmo modo que o sulco ficará
inútil sem a semente, a conquista material só pela conquista moral se
completa. Hoje, como nos primeiros tempos da ocupação, há de a Cruz
acompanhar a espada para que a luz se difunda, uma sociedade se defina,
duradouros interesses se arraiguem. Se for necessário empunhar as armas,
para repelir as bravezas e acabar com as depredações, não menos preciso é
generalizar a uns as justas noções do dever a fim de evitar provocações
perigosas, propagar aos outros o culto e o amor do lar a fim de reunir um
povo onde vagueiam hordas selváticas.162
A posição de Mendes Leal compactua com sua atuação como parlamentar liberal que
iniciou sua carreira política junto ao cabralismo, e na década de 1860 estava vinculado ao
Partido Histórico ocupando importante lugar junto ao grupo considerado mais a esquerda da
agremiação política.163
Do ponto de vista do Ministro não adiantava relembrar as conquistas
do passado – fazendo referência aos conflitos contra Ngola – pois em Angola não existia [...]
unicamente recordações gloriosas: havia elementos de imensa prosperidade e fortuna, que só
pedem o esforço de solicito e perseverante granjeio.164
Não obstante, o passado parece central
na análise de Mendes Leal, que de maneira objetiva lança mão da história como instrumento
de aprendizagem, no qual o conhecimento das colônias seria vital não apenas para garantir o
direito de uso fruto perante outras nações europeias, mas aprender e organizar novas formas
de administração colonial frente os ensinamentos práticos do passado visando um devir de
grandeza.
162
LEAL, José da Silva Mendes. Relatório dos negócios do ultramar, apresentado á camara dos senhores
deputados na sessão de 12 de janeiro de 1863, por Sº Ex º o Ministro e Secretário d’Estado dos negócios da
marinha e ultramar. In: Annaes do Conselho Ultramarino (parte não official) – Tomo IV (Janeiro de 1863 a
Dezembro de 1863), Lisboa: Imprensa Nacional, 1868, p. 2. 163
José da Silva Mendes Leal esteve presente não só na vida política portuguesa como também na cultural,
sendo um expoente dramaturgo do universo lusófono. Cf. RONDINELLI, Bruna G. da Silva. Os dramas
históricos de Mendes Leal nos palcos do Rio de Janeiro: notas sobre as encenações e a recepção crítica. In:
Convergência Lusíada, Rio de Janeiro, nº 32, julho – dezembro, p. 40-50, 2014. 164
LEAL, Relatório dos negócios do ultramar, Op. Cit., p. 1.
67
Ainda em seu relatório, o Ministro atualiza os senhores deputados sobre a situação dos
conflitos militares com os africanos, porém, o africano jamais aparece objetivamente na
retórica de Mendes Leal. Quando se refere aos naturais de Angola, o político apresenta uma
imagem imprecisa de um grupo homogêneo que ao olhar metropolitano compunha a força de
trabalho. Contudo, o Ministro comete um “deslize discursivo” ao, mais adiante, indicar em
sua retórica agressiva e superior, que a ocupação de Angola deveria ser plural devido a grande
variabilidade ambiental e humana existente na região, ou seja, nas entrelinhas Mendes Leal
indica que de certa forma, a força bruta portuguesa ainda não tinha fôlego para aplicar-se
singularmente, sendo dependente de estratégias locais. Fica claro que o discurso do ministro
aponta para um novo empreendimento colonizador, mas por razões práticas e limites do
poderio colonial, reconhece a lógica de adaptação e influência dos africanos sobre estruturas
políticas existentes. .165
Portanto, o discurso é forte e enfático, mas a aplicabilidade é fraca,
oscilando na maré de interesses de moradores e africanos.
O relatório do ministro não está isolado, muitos foram os memorialistas, políticos,
comerciantes e militares que teceram comentários semelhantes sobre Angola e as possessões
africanas como um todo ao longo do século XIX. Por mais distintos que sejam e por mais
diversas as formas de explanação e composição retórica, algumas características se repetem
como: a supressão ao tráfico de escravizados, o fomento e a variabilidade comercial, a
questão das forças militares e espirituais e, finalmente, o lugar do africano. Este intenso
debate abolicionista que figurou na agenda política portuguesa oitocentista trouxe maior
atenção sobre as possessões africanas. Conquanto, cabe frisar que isso não significava que a
África ocupava a pauta central da Coroa e tampouco os simpáticos de seus frutos eram
maioria ou tinham força política substancial.
A retórica abolicionista garantiria ao bloco liberal não apenas uma roupagem
moralizante perante a comunidade internacional – especialmente a Inglaterra –, mas também
permitiria a abertura paulatina para novas formas econômicas de arrecadação tributária via
alfândega de Luanda e Benguela com o desenvolvimento das atividades agrícolas e extrativas.
Outro ponto crucial para a centralidade portuguesa no que diz respeito à questão abolicionista
faz referência às tentativas de subjugação política dos africanos via novas regimes de trabalho
que garantiriam a expansão das novas fontes de recursos, permitindo a ocupação do solo e
fortalecendo os vínculos históricos de Portugal com as possessões africanas garantindo uma
165
Ibidem, p. 14.
68
redução de conflitos por terra, seja com chefias e moradores ou ainda com nações europeias
estrangeiras a partir da segunda metade do século XIX.
Ensejando rapidamente a bibliografia, nota-se que a partir dos anos 1990, perspectivas
historiográficas passaram a aviltar a possibilidade de que as relações com as chefias africanas
e os moradores poderiam gerar barreiras tão fortes quanto à debilidade de recursos para a
dificuldade portuguesa de ocupar as possessões africanas.166
O indicativo da carência pode ser
averiguado nos textos produzidos sobre Angola no século XIX, que apontavam este fator
como a razão principal do frequentemente referido fracasso da política portuguesa em Angola
e na África como um todo ao longo do século XIX. No ano de 1855, o primeiro Tenente da
Armada de Angola, João Francisco Régio Lima, destacava que na infanta Mossamedes eram
visíveis inúmeras dificuldades para manter o estado das edificações e de manufaturar bens
básicos, muito devido à carência de mão de obra qualificada à construção e a falta de
materiais construtivos adequados ao clima seco da região.167
Uma década antes, em 1844, o
explorador, militar e ex-governador do Estado da Índia, José Joaquim Lopes de Lima já
assinalava a fragilidade portuguesa na região de Npungo a Ndongo, informando que havia
[...] naquele presídio uma falta absoluta de ofícios mecânicos. Não há quem serre uma tábua,
quem faça uma panela, etc, de maneira que se acham desprezados e em abandono o melhor
local de todas as nossas possessões africanas.168
Ainda nos anos 1840, J. B. de Sampaio, Alferes Ajudante d’Ordens do Governador
Pedro Alexandrino da Cunha, frisava o estado decrépito da presença portuguesa em
Muxima169
e Massangano.170
Segundo o Alferes, a carência de mão de obra, recursos
financeiros e organização administrativa estavam por trás da situação decadente em que
alguns importantes pontos do interior de Luanda se encontravam.171
A lamentação comum
166
MARQUES, Os sons do silêncio, 1999, passim. 167
LIMA, João Francisco Régio. Angola: extrato da relação de uma viagem a roça dos cavaleiros em
Mossamedes, 1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858).
Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 168
LIMA, Joaquim Lopes de. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província: Presídio de
Pungo Andongo, vulgarmente chamado de Pedras Negras. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II
(Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 138. Excerto originalmente
publicado em LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas: Africa
Occidental e oriental, na Ásia occidental, na China, e na Oceania escriptos de ordem do governo de sua
magestade fidelíssima a senhora D. Maria II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844. 169
Na margem sul do Kwanza, o presídio de Muxima localizava entre as terras de Kisama e Libolo, entre as
regiões de Massangano e Calumbo. 170
Presídio português entre o Muxima e Dondo. Teve importante papel como reduto de resistência portuguesa
durante a ocupação de Luanda por holandeses no século XVII. 171
SAMPAIO, J. B. Jornada de Loanda para Muxima, 1846. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II
(Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867.
69
acerca da mão de obra e dos recursos ia desde os canaviais do explorador português
Bernadino Freire de Figueredo Abreu e Castro, em Mossamedes, que demonstrava
insatisfação em 1854, devido à falta de recursos para a modernização de sua lavoura,172
até as
reclamações repetitivas e lamuriosas do Alferes Sebastião de Almeida Saldanha da
Fonseca,173
que em 1847 apontava o abandono das construções no Dondo174
.
A questão abolicionista em Portugal ainda carece de maiores estudos, mas pode-se
aferir que parece residir mais na tolerância do que na contestação.175
Segundo João Pedro
Marques, os debates internos e externos a Portugal sobre o abolicionismo do final do século
XVIII e início do século XIX não tiveram força para movimentar os administradores e muito
menos a sociedade portuguesa a ponto de tornar esta temática relevante antes da primeira
metade do século XIX.176
É nítido que a política inglesa de combate ao tráfico de
escravizados teve peso decisivo nas decisões políticas tomadas em Portugal, porém, não se
pode negar o caráter político interno que levou a administração portuguesa a aprovar o
decreto abolicionista de 1836. O decreto não teve força prática na realidade colonial e o
tráfico continuou a fluir durante os anos 1830 e 1840. Todavia, as autoridades portuguesas se
esforçavam em justificar e defender a competência da lei portuguesa,177
porém, na prática a
administração colonial pouco se esforçava para aplicar a letra da lei, pois tinham
conhecimento da importância do tráfico de escravizados para a manutenção do comércio
externo das possessões ultramarinas e sustento das atividades internas como a agricultura
local e as atividades de monocultura que começaram a se desenvolver a partir dos anos 1830.
A atividade traficante – seja ela legal ou ilegal – dinamizava não apenas o comércio de
escravizados e a relação com potentados africanos do interior, mas era em certa medida vista
como uma origem de capitais para se buscar alternativas comerciais.178
Acalmar a situação
diplomática com a promulgação de leis que certamente não teriam aplicabilidade foi uma
172
CASTRO, Bernardino Freire de Figueredo Abreu e. Angola, 1856. In: Annaes do Conselho Ultramarino –
Tomo II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 173
FONSECA, Sebastião de Almeida Saldanha da. Relação de uma jornada de Loanda ao presídio de Pungo
Andongo, província de Angola, 1847. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a
Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 174
Entre Massangano e Cambembe, o presídio do Dondo possuía uma das feiras mais movimentadas dos sertões
de Luanda no século XIX. 175
Especial atenção deve ser dada não apenas as realidades coloniais que impactaram na conformação do
abolicionismo português, mas também na presença da população de origem africana em Portugal. Cf.
PIMENTEL, Maria do Rosário. Viagem ao fundo das consciências: a escravatura na Época Moderna. Lisboa:
Colibri:, 1995.; ______. Chão de Sombras - Estudos sobre Escravatura. Lisboa: Colibri, 2010. 176
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 88. 177
Cf. BANDEIRA, Sá da. O tráfico da escravatura e o Bill de Lord Palmerstton. Lisboa: Typographia José
Baptista Morando, 1840. 178
FERREIRA, Dos Sertões ao Atlântico, 1996, passim.
70
maneira de prolongar o status quo comercial e político sem grandes prejuízos em um
panorama colonial de resistência ao fim do tráfico de escravizados.
Desta forma, a questão colonial portuguesa em Angola parece estar intimamente
relacionada com o debate abolicionista. Este apontamento não é fato cógnito. Diversos são os
autores que não relacionam o abolicionismo e as ações coloniais europeias na segunda metade
do século XIX. Segundo David Eltis – que observa um panorama africano Atlântico, os dados
comerciais com relação a exportação de bens lícitos foi inexpressivo se comparada ao tráfico
de escravizados, o que distanciaria a relação entre abolição e ocupação de África, tanto nas
primeiras empreitadas em meados do século XIX como já em sua fase colonialista.179
Em uma
linha semelhante a Eltis, mas focando a retórica política, Seymor Drescher indica que a
abolição, no caso britânico, estava mais relacionada a questões morais e políticas do que a
interesses econômicos sobre a exploração do continente africano.180
Obviamente o período desta obra não abarca o chamado colonialismo apontado pelos
dois autores, que entendem este momento a partir da virada do século XIX para XX, quando
as nações europeias finalmente começam a obter em grande escala poder político e capital
legislativo sobre sociedades africanas e suas respectivas terras. Não é interesse deste trabalho
entrar no cerne do debate sobre o colonialismo e de sua instabilidade como categoria histórica
demasiadamente usada frente às questões políticas e sociais no contexto decolonial.181
Não
obstante, cabe frisar que para o recorte temporal seccionado nesta obra, c.1840-c.1860, não se
pode apontar uma subjugação das sociedades africanas, pelo contrário, como se verá mais
adiante, foi entre negociações e conflitos que o cotidiano da colônia foi aos poucos sendo
consolidado. Neste sentido, como já se pode observar, os termos ocupação, presença e
colonial estão mais de acordo não só com a episteme coeva, mas também afastam a
concepção errônea da noção vulgarizada de cinco séculos de colonização portuguesa sobre o
território angolano.182
179
FERREIRA, Abolicionismo versus colonialismo, Op. Cit., p. 95-96. Apud ELTIS, David. Economic Growth
and the Ending of the Transatlantic Slave Trade. Nova York: New York University Press, 1987, p. 229-230. 180
DRESCHER, Seymour. Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. São Paulo: Unesp, 2011. 181
HENRIQUES, Isabel Castro. Colonização e História: linhas estruturantes, variáveis conjunturais. In:
SANSONE, Livio.; FURTADO, Cláudio Alves (orgs). Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala
oficial portuguesa. Salvador: EDUFAB, 2014, p. 54-57.; MIGNOLO, Walter. El pensiamento decolonial:
desprendimiento y apertura. Un manifesto. In: CASTRO-GOMÉZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. El giro
decolonial: reflexiones para uma diversidadepistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo Del
hombre – Universidaded Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad
Javeriana, Instituto Pensr, 2007. 182
Cf. BOA VIDA, Angola: cinco séculos de exploração portuguesa, passim.
71
Portanto, o caso português exposto não necessariamente permite verificar – ao menos
de forma profunda – a relação entre abolicionismo e colonialismo, porém, revela que o
interesse português pelo continente africano estava intimamente ligado à questão
abolicionista, no qual a preservação de mão de obra e criação de novas relações de trabalho
eram essenciais para o desenvolvimento de uma política agrícola e extrativa. Desta forma, os
debates sobre abolicionismo e a questão africana, mesmo que não hegemônicos dentro da vida
política portuguesa do século XIX, foram determinantes para a aplicação das primeiras
medidas práticas visando transformar Angola em parte economicamente viável do Império
Português. Por mais reinterpretadas, descumpridas e desarranjadas, as iniciativas promoveram
avanços importantes183
– porém pouco significativos a ponto de consolidar uma política
colonial coesa – e promoveram profundas mudanças nas estruturais comerciais e políticas no
que concerne o relacionamento entre a administração da província de Angola e as diversas
comunidades africanas da região. 184
O entremeio do século XIX não é apenas retórico no plano político, pois como já foi
visto, ocorreram medidas práticas que intencionavam um maior dinamismo da presença
portuguesa. Uma importante medida neste sentido e que permitiu uma interação mais ávida
com as sociedades africanas foi o Ato Adicional de 5 de julho de 1852. Com o objetivo de
modernizar a carta constitucional de 1826 – que já havia sido revisada por Costa Cabral na
década de 1840 – o Ato Adicional trouxe consigo no art. 15º medidas voltadas a organização
administrativa das províncias ultramarinas.185
São elas:
183
PAQUETTE, Gabriel. After Brazil: portuguese debate on empire, c.1820-1850. Journal of colonialism and
colonial History, dez 2011, v 11, nº 2, p. 1-18, 2010. 184
DIAS, Novas identidades africanas em Angola, 2007, passim. 185
MARTINEZ, Esmeralda Simões. Legislação portuguesa para o ultramar. In: Sankofa, revista de História da
África e de estudos da diáspora africana. São Paulo, nº5, julho, p. 42-66, 2010. Para uma visão mais ampla
sobre a legislação ultramarina na perspectiva da mesma autora. Cf. ______. Uma justiça especial para os
indígenas: aplicação da justiça em Moçambique, (1894-1930). 446 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012.
72
§ 1º - Não estando reunidas as Cortes, o Governo, ouvidas e consultadas as
estações competentes, poderá decretar em Conselho as providências
legislativas que forem julgadas urgentes.
§ 2° - Igualmente poderá o Governador Geral de uma Província Ultramarina
tomar, ouvido o seu Conselho de Governo, as providências indispensáveis
para acudir a alguma necessidade tão urgente que não possa esperar pela
decisão das Cortes, ou do Governo.
§ 3.° - Em ambos os casos o Governo submeterá às Cortes, logo que se
reunirem, as providências tomadas.
§ 4.° - Fica deste modo determinada a disposição do artigo cento e trinta e
dois da Carta Constitucional, relativamente às Províncias Ultramarinas.186
Até 1852 o Ultramar português como um todo era entendido como integrante ao reino,
estando subjugado legalmente sem deter autonomia deliberativa sobre questões locais. O Ato
Adicional de 5 de julho de 1852 deu início a uma maior liberdade administrativa para as
possessões ultramarinas que agora, mesmo submetidas ao poder metropolitano, detinham
mais espaço para tomadas de decisões locais que exigiam rapidez. Essa decisão foi vista com
bons olhos pela administração ultramarina, pois o cotidiano colonial exigia a experiência
daqueles acostumados a sua forma – algo que os legisladores em Lisboa desconheciam – e,
principalmente, rapidez para solucionar questões importantes que envolviam não só o
comércio, mas a própria relação política estabelecida com as comunidades africanas.
Foi somente na virada do século XIX para o XX que as políticas coloniais em Angola
se consolidaram e abriram caminho para uma ocupação que no âmbito político estava
amplamente aceita entre os diversos grupos de poder português. Com uma política traçada e
com objetivos guiados por uma pretença dominação ideológica dos africanos, os portugueses
utilizaram-se da experiência adquirida e da estrutura construída ao longo do século XIX para
assentar uma gradual alienação de terras, mirando paulatinamente a autonomia política das
chefias africanas. Esse fenômeno não foi instantâneo e teve seu gérmen nas iniciativas
instáveis ocorridas no período analisado por este trabalho.
186
Art. 15 do Acto Adicional a Constituição Portuguesa de 1852. Disponível na plataforma online da
Assembleia da República de Portugal. Consultar: https://www.parlamento.pt/
73
Durante o século XIX, as sociedades mbundu no hinterland de Luanda foram
transformadas, a vários níveis, pelas novas exigências comerciais
ultramarinas e pela expansão colonial, o que levou à dissolução das formas
“tradicionais” de autoridade e à perda de autonomia. Este processo
desenvolveu-se em duas fases distintas, correspondentes às tendências do
mercado externo e às oscilações na política colonial portuguesa. De meados
de 1840 até cerca de meados de 1870, qualquer intervenção eficaz dos
Portugueses no interior de Angola foi sendo minada pelo fraco poder militar
e pela falta de capital: a colonização aumentou ligeiramente mas restringiu-se
praticamente à costa, planos para desenvolver a agricultura e o comércio
europeus, baseados no aproveitamento não remunerado da mão-de-obra
africana, ficaram, na sua grande maioria, por realizar.187
Frequentemente a historiografia frisou um fracasso nas ações liberais oitocentistas na
política colonial em Angola, porém, ao mesmo tempo a historiografia reconhece pontuais
avanços. A questão talvez não seja o sucesso ou não do projeto ou dos projetos coloniais –
pensamento que a prática colonial exigiu uma reconfiguração de posturas infindas – mas sim
refletir sobre a conjuntura que impossibilitou a execução de medidas coloniais de forma mais
sólida e coesa, desta forma evitando a visão de projeto colonial que diz muito mais sobre o
século XX do que as possibilidades e limites do século XIX.
Pensando nisto, Jill Dias indica que esta questão pode ser mais bem compreendida
quando observado o comportamento das sociedades africanas, pois, foram elas que em grande
medida regularam o avanço e o retrocesso português no século XIX. Foram as sociedades
africanas que atenderam as demandas internacionais por cera e marfim. Portanto, o
desenvolvimento da agricultura, do comércio extrativo e da reorganização das forças de
trabalho [...] deveu-se menos aos esforços feitos pelos governos liberais portugueses, ou
mesmo por qualquer capitalista local, do que as novas iniciativas levadas a cabo pelos
habitantes africanos do interior de Angola [...].188
O argumento de Dias parece bastante
coerente e assertivo. O enfrentamento português de estruturas econômicas fortemente
consolidadas ao longo de séculos pelo comércio com o Brasil só seria possível perante
mudanças internas que perfaziam moradores, sertanejos, portugueses e sociedades africanas
mediante o comércio internacional.189
As diversas alterações econômicas no século XIX exigiram respostas das chefias
africanas que viram suas estruturas políticas serem progressivamente influenciadas pelas
187
DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 43. 188
DIAS, A sociedade colonial de Angola e o liberalismo, Op. Cit., p. 280. 189
ALEXANDRE, Velho Brasil, novas Áfricas, Op. Cit., p. 121-140.
74
novas dinâmicas. Ao mesmo tempo, os conflitos entre diferentes sociedades africanas e os
interesses de chefias em consolidar o seu poder político junto aos chefes circunvizinhos
também agiram para que a realidade africana do período fosse marcada por rupturas e
continuidades. Um claro exemplo disto pode ser visto com os grupos africanos falantes do
kimbundu190
ao longo do século XIX.
[...]estes anos destacam-se pelo crescimento da actividade comercial dos
Mbundu em resposta ao aumento da procura internacional de uma variedade
de produtos, para além dos escravos. Tal favoreceu inicialmente grande parte
das autoridades políticas Mbundu, cujo domínio sobre recursos de terra,
pessoas e rotas comerciais, lhes permitiu explorar novas oportunidades
através da colecta de tributos ou porcentagens. Mais significante ainda, esta
situação minou-lhes a posição, ao alargar as oportunidades dos parentes mais
novos de acumular riqueza e assim atingir independência política. Estes
desenvolvimentos coincidiram com uma fase de expansão colonial mais
vigorosa a partir de meados dos anos 70, o que intensificou dentro e fora das
diferentes sociedades e dos grupos raciais que habitam os territórios
Mbundu.191
O espraiamento agrícola e em sua esteira o militar nos anos 1850 e 1860, mesmo
diminuto e espacialmente limitado, resultou em graves consequências às estruturas de poder
africanas. A alienação das terras não apenas serviu para planificar o caminho colonial, mas
desestruturou linhagens e reconfigurou posturas políticas. Entre conflitos e negociações a
ocupação de Angola modernizava-se economicamente a passos lentos, abrindo-se
vagarosamente a um cenário econômico global, porém conservando posturas que remetiam a
uma tradição do antigo regime. Por mais que durante o século XIX houvesse estratégias e
intenções definidas – o que por si só configuraria um projeto colonial – a inexistência de uma
prática ativa, constante e coesa fez do projeto – que em sua origem já era plural e difuso – em
uma política que se fazia no contato cotidiano entre metrópole, colônia e sociedades africanas.
Neste sentido, a Província de Angola foi alvo de uma colonização flutuante, que estava
dependente de interesses de administradores simpatizantes das posturas assumidas pelas
autoridades africanas. A inconstância das políticas fez dos objetivos quiméricos em Angola
uma maré de idas e vindas que, mesmo voláteis, abriram caminho para novas formas de
relação colonial entre africanos e portugueses e criou um mercado interno mais pujante e
190
Também grafado como quimbundu. É um idioma originado do troco Níger-congo e amplamente difundido
nos sertões de Luanda em suas mais diferentes vertentes. Pode também aparecer em substituição ao termo étnico
construído Mbundu, no qual são falantes das variantes kimbundu. 191
DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., Loc. Cit.
75
dinâmico em Angola. Nesta perspectiva, um olhar sobre o regime de trabalho e sua relação
com a realidade colonial faz-se necessário.
76
1.3. Escravizados, libertos e carregadores frente às reformas liberais.
Uma das acepções mais evidentes das investidas liberais sobre o espaço angolano diz
respeito às discussões e mudanças acerca da organização do trabalho e os impactos gerados
por tais alterações. A discussão rondava, principalmente, maneiras de garantir a perpetuidade
do trabalho escravo frente ao movimento abolicionista que se colocava a partir dos anos 1850
de forma mais vívida.192
Desde a chegada dos portugueses, os primeiros contatos com as
sociedades africanas já demonstrava a dificuldade lusa de fazer comércio frente ao
desconhecimento geográfico e incapacidade de arregimentar trabalhadores. Ao longo dos
séculos XVII e XVIII consolidou-se em Angola o serviço prestado pelos carregadores, que
em grande medida, conduziam bens rumo ao interior para a realização de permutas que
sustentavam as rotas comerciais e o escoamento de escravizados via Atlântico. Ao mesmo
tempo, o trabalho nos arimos do Bengo e em outras atividades menos prestigiadas
transformava Angola em uma região não apenas exportadora de mão de obra escravizada, mas
também consumidora de tal regime – logicamente em escalas completamente desiguais, já que
a prioridade era a saída e não a manutenção de trabalhadores escravizados.
Entre as décadas de 1840 e 1860, a fuga de braços já não era tão pujante pela via legal
portuguesa através portos de Luanda e Benguela, fazendo com que as atenções
administrativas visassem a construção de um espaço colonial economicamente viável e que
fornecesse rendimentos a metrópole.193
Como exposto nos itens precedentes, a intenção básica
girava na substituição paulatina do comércio de escravizados para a produção de bens
agrícolas, minerais e extrativos, chamados comumente de comércio legítimo ou lícito – em
oposição clara ao comércio escravista. Contudo, a coexistência entre práticas comerciais
velhas e novas, para além de sua clara simbiose já exposta, levava a um dilema
administrativo: como garantir mão de obra aos interesses liberais ao mesmo tempo em que a
atividade traficante custeava as iniciativas entendidas como lícitas e as autoridades africanas
controlavam o acesso aos braços laborais?
192
ALEXANDRE, Valentim. Origens do colonialismo português moderno, (1822-1891). Lisboa: Sá da Costa,
1979.; ______. Os sentidos do Império: questão acional e questão colonial na crise do antigo regime português.
Porto: Afrontamento, 1993. NASCIMENTO, Augusto. Escravatura, trabalho forçado nos sécs. XIX e XX:
sujeição e ética laboral. In: Africana Studia, Porto, FLUP, nº 7, p. 183-217, 2004. 193
Cf. BANDEIRA, O tráfico da escravatura, 1840.
77
Em certa medida, as iniciativas que movimentaram o mundo do trabalho no século
XIX em Angola estiveram sempre entre um fim ideal e um fim possível,194
lidando com
interesses e dependências, o quê ajuda a compreender a inconstância das discussões e ações
coloniais no que diz respeito a estatutos de liberdade e, principalmente, na regulação do
serviço de carreto. Do ponto de vista legislativo, a discussão em Lisboa flutuaria entre
combater a escravidão e criar novos mecanismos de fazer com que ex-escravizados ou livres
fossem compulsoriamente colocados ao trabalho nos campos, minas e obras públicas.
O primeiro movimento sólido neste sentido foi a apresentação, em 1836, do decreto
liberal de Sá da Bandeira que visava o fim da exportação de escravos, seja por mar ou por
terra, em todos os Domínios Portugueses [...].195
Todavia, o decreto ia além e previa a
liberdade de ventre e a matrícula dos escravizados. O projeto enfrentou grande oposição,
principalmente da bancada colonial. Ainda no mesmo ano o decreto seria promulgado,
contudo, com mudanças que reduziam as penas aos senhores, ignorava a liberdade de ventre,
simplificara o registro de escravizados e permitia a circulação de sujeitos em situação de
escravidão entre os territórios de domínio português.196
O decreto, por mais tímido em relação
a sua versão original, resultou em um pequeno avanço para os interesses daqueles que
pretendiam apostar na produtividade dos territórios em África. A liberdade de ventre só
passaria a vigorar em 1856, após dois anos de discussão sobre a lei proposta pelo deputado
Jeremias Mascarenhas, que de forma evidente dialogava com as presunções excluídas do
decreto de 1836. Em 1869, quando a escravidão é proibida de fato, os escravizados tornaram-
se de imediato libertos até 1875, criando regimes contratuais,197
quando em 1878 entra em
vigor o código de trabalho indígena, que tornaria o trabalho forçado como a única alternativa
legal de atividade econômica por parte dos africanos.198
Em resumo, as medidas legislativas
ao longo do século XIX caminharam no sentido de construir espaços coloniais ultramarinos
em África capazes produzirem mão de obra com destino a atividades agrícolas e mineiras,
caminhando para a supressão do tráfico, repreensão do trabalho escravo e institucionalizam do
194
Como há muito tempo referiu Adelino Torres: entre o real e o imaginário. Cf. TORRES, O império
português, 1991. 195
Decreto de 10 de dezembro de 1836. Disponível em: http://www.arqnet.pt/ e consultado em 20/07/2017. 196
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 203. 197
SEIXAS, Margarida. O trabalho escravo e o trabalho forçado na colonização portuguesa oitocentista: uma
análise histórico-jurídica. In: Revista Portuguesa de História, Coimbra, nº XLVI, p. 217-236, 2015, p. 230.
NASCIMENTO, Escravatura, trabalho forçado nos sécs. XIX e XX, 2004. 198
BOA VIDA, Angola, Op. Cit., p. 46.
78
trabalho forçado, fomentando assim maior incentivo a presença portuguesa e uma maior
pressão sobre as sociedades africanas.199
Marcada pelo gradualismo, as reformas no regime de trabalho no ultramar passaram a
ser analisadas em separado a partir dos anos 1850, o que garantiria uma visão mais precisa
sobre as complexas dinâmicas regionais de cada possessão de presença português. Desta
forma, percebeu-se a complexidade jurídica dos estatutos sociais frente a realidade colonial.
Um deles dizia respeito a percepção portuguesa do que era um sobado, seus habitantes e sua
pretensa liberdade.200
Os atos de vassalagem entre Sobas e portugueses eram entendidos por
estes últimos como um tratado internacional, na medida em que a população africana
residente nos sobados era, em última instancia, estrangeira.201
Contudo, a legislação
portuguesa afirmava que estrangeiros que residissem em território português podiam ascender
ao status de cidadão, algo que escravizados ou africanos livres nos sobados jamais poderiam
apelar.202
A dubiedade jurídica fora muitas vezes justificada pelo caráter sazonal da
escravidão e da minoridade africana, que visava educar as sociedades de Angola até que as
mesmas pudessem se sustentar, contudo, o prazo não tinha limite, como se espera de uma
política de domínio.203
Dado o primeiro passo para garantir à diminuição da fuga de braços africanos aptos a
compulsão ao trabalho em África, cabia ainda repensar a organização e a dinâmica do
trabalho interno. A função de carregador ganhou destaque nas discussões e nas iniciativas de
reforma. O serviço de carreto era primordial para o sustento dos interesses portugueses, frente
à falência das tentativas de inserção de animais domésticos para o transporte de mercadorias.
No século XIX, tal forma de exploração braçal ganharia ainda mais força com as novas
perspectivas econômicas, contudo, o sentido litoral-sertão seria invertido, visando,
obviamente, o escoamento de uma produção interiorana que até o início do século XX
199
ZAMPARONI, Valdemir. De escravo a cozinheiro: colonialismo e racismo em Moçambique. Salvador:
Edufba, 2007.; ESPÍNDOLA-SOUZA, Maysa. A liberdade da lei: o trabalho do indígena africano na legislação
do império português. In: Caderno de resumos 7º encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional, 13 a 16
de março de 2015. Curitiba: UFPR-CCHLA, 2015. Disponível em:
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/congresso/index.php/E-X/7/paper/viewFile/203/87. Para um visão mais
completa. Cf. ______. A liberdade do contrato: o trabalho africano nalegislação do Império português, 1850-
1910. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. 200
SILVA, Cristina Nogueira da. Constitucionalismo e Império: a cidadania no Ultramar português. 563 f. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2005, p. 252. Versão
disponível no repositório da UNL no formato pré-publicação. 201
Ibidem, p. 352. 202
Ibidem, p. 237. 203
Ibidem, p. 263-265.
79
encontrar-se-ia incipiente, porém, com alto grau de giro interno, fortalecendo a presença
portuguesa e reafirmando laços comerciais.
Em 1839, na esteira dos interesses liberais, o governo de Lisboa, por meio novamente
de Sá da Bandeira, decretou a proibição do serviço de carreto em Angola. A medida afetou o
nervo central do escoamento não só da produção de bens no inteiror – ainda incipiente –, mas
também agia contra a circulação de mercadorias pelas rotas angolanas. A medida, nunca
cumprida foi abolida logo em 1840, contudo retomada em 1856,204
sem que a realidade
colonial a permitisse ter sido efetivada. Esse ponto é chave para se entender a distância entre
as discussões políticas e a vida cotidiano no espaço de Angola. A modernização liberal de
Angola não era uma escolha colonial, mas uma visão metropolitana que encontrava
resistência de agentes coloniais, africanos e moradores.205
O serviço de carreto sempre foi alvo de polêmicas. A brutalidade do recrutamento
transformava a sua organização e estrutura em uma atividade repudiada por africanos e até
mesmo por portugueses mais moralistas, porém não menos interessados na exploração
africana. A falta de capacidade portuguesa em conseguir braços para tal atividade era
delegada aos Sobas que prestavam sujeitos aos devidos representantes portugueses no interior,
sejam eles capitães-mores ou ainda chefes de distrito a partir dos anos 1840. A relação entre
estes e as sociedades africanas era tensa e gerava conflitos e magoas que se perpetuavam por
muito tempo, sendo tal querela muitas vezes intermediada pelas autoridades de Luanda.206
Na
visão de Alfredo Margarido, a preocupação com a relação entre militares e chefes africanas
dizia menos a um sentido ético e mais ao temor de que a discórdia gerasse conflitos que
prejudicassem a empresa comercial.207
As tentativas de mudança sobre o serviço de carreto não foram isoladas. Medidas
como a obrigação dos chefes africanos de assumirem a recolha do dízimo208
e a criação de
impostos coagiam as sociedades africanas e tornava o trabalho forçado uma obrigação.209
A
204
Ibidem, p. 339. 205
No último terço do século XIX, cerca de 4% (200.000) da população que fora registrada em Angola ocupara a
função de carregador. Ibidem, p. 340, nota 1197. 206
Cf. COUTO, Carlos. Os capitães-mores em Angola no século XVIII (subsídios para o estudo da sua
actuação). Luanda: IICA, 1972. 207
MARGARIDO, Alfredo. Les porteurs: forme de domination et agents de changement em Angola (XVII-
XIXe. Siècles). In: Revue Française d´Histoire d´Outre-mer. Paris, tomo LXV, p. 377-400, 1978, p. 378-379. 208
Projeto de regimento para os districtos e presídios de Angola. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:
documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 3-69. Originalmente extraído: SGL, res.,
part. D, maço 5, doc. 32. 209
SILVA, Constitucionalismo e Império, Op. Cit., p. 344-46.
80
relação entre trabalho e taxas coloniais imputou na necessidade de que africanos
incorporassem elementos do mundo produtivo extra-africano, jogando-os ao trabalho e
abrindo caminho para uma civilidade calcada na moral laboral, incrementando o progresso
material da colônia e minando lentamente o poder político africano.
Outro estatuto colonial muito importante e central para se compreender os interesses
portugueses em Angola no século XIX foi o do liberto. Os libertos se consolidaram ao longo
do século XIX como sujeitos compelidos ao trabalho forçado que sustentava, ao lado dos
escravizados, as tentativas de promoção da empresa agrícola e extrativa. A apreensão cada
vez maior de embarcações negreiras pelas patrulhas portuguesas e britânicas a partir de
1840,210
abriu caminho para que os resgatados fossem conduzidos ao interior para as
primeiras plantações ou ainda empregados em obras públicas consideradas necessárias a
permanência e avanço português. Isto quando os mesmo não eram transportados a São Tomé
e príncipe para labutar nas lavouras monoprodutoras de cacau e café.211
Na letra da lei, a condição de liberto não se confundia com escravizado, pois o
primeiro detinha acesso a instrumentos legais que lhe garantiam cidadania, porém sem o
mesmo usufruir de direitos políticos. O liberto ainda sofria a tutela regulada por aprendizado,
no qual quando o mesmo fosse considerado capaz de autonomia seria liberado do serviço
forçado, todavia, a percepção de autonomia passava pela emancipação do ser político – algo
que era frequentemente cerceado. Desta forma, observam-se libertos que são forçados ao
trabalho público e as roças dos distritos interioranos por longos anos, seja de forma
remunerada ou em troca de favores.212
O regulamente de expedição de libertos de Angola para São Tomé e Príncipe –
principal destino dos braços forçados ao labor de Angola – exibe um quadro de subserviência.
A lei permitia que os senhores de escravos dessem a liberdade a seus escravizados e lhes
conferisse o estatuto de liberto – além do batismo obrigatório – para fins de que a viagem até
São Tomé e Príncipe fosse devidamente legalizada perante o decreto de 1836.213
Segundo o
210
FERREIRA, Angola no tráfico ilegal de escravos, Op. Cit., Loc. Cit. 211
Regulamento sobre os libertos que, pelo artigo 8 dodecreto d’esta data, podem ser transportado da Província
deAngola para a ilha do Príncipe, e a que se refere o mesmoartigo. In: Boletim do Conselho Ultramarino,
Legislação Novíssima. Vol. II (1852-1856), Lisboa, Imprensa Nacional, 1869, pp. 308-314. 212
TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 213
Regulamento sobre libertos, que pelo artigo 8º do decreto d’esta data podem ser transportadas da Província de
Angola para a ilha do Príncipe e a que se refere o mesmo artigo. In: MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e.
Relatorio do governador geral da província de Angola no anno de 1861. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p.
414-415.
81
regimento, o liberto era obrigado a servir entre 7 e 13 anos – variando de acordo com a idade
de cada sujeito –, sendo que jamais poderia se ausentar do serviço, correndo o risco de ser
deixado [...] debaixo do cuidado da delegação da junta de superintendência dos libertos e do
curador, que deverão velar por que lhe não faltem os meios de se empregar, de modo que
seja útil a si e ao estado.214
A liberdade de fato do liberto não era perceptível nem mesmo em
seu corpo, que era marcado com uma insígnia característica logo após o seu devido
registro.215
Foram escravos e libertos os responsáveis pela capacidade produtiva e pela dinâmica
comercial. No século XIX, os africanos [...] dominam – embora não determinem – a vida
econômica colonial, ao nível de produção, dos transportes e do comércio.216
Um exemplo
bastante claro desta dinâmica pode ser observado no comércio de cera,217
praticado
majoritariamente por africanos e o de marfim que se configurava quase como um monopólio
Tshokwe.218
Além disto, as tentativas de ocupação do espaço angolano pelos portugueses via
iniciativas agrícolas que este trabalho se debruça, foi, em boa medida, levado a cabo pela
força de africanos, como os libertos que trabalhavam na produção de café no Cazengo.219
Em 1855, no Golungo Alto, para além da presença de libertos, a população
escravizada conduzia os interesses portugueses entre resistência e negociação. Dos 1.854
escravizados matriculados naquele distrito,220
cerca de 4% fugiram ao trabalho e buscaram
auxilio.221
Números bastante inferiores quando observado os números do mesmo ano de
regiões de menor presença portuguesa como Ambriz, no qual mais da metade da população
214
Ibidem, p. 420. 215
Ibidem, p. 416. 216
TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 54. 217
DUARTE, José Vicente. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província: presídio
Duque de Bragança 11 de janeiro de 1848. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a
Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 123. 218
Referidos na documentação portuguesa por Quiocos. Cf. DIAS, Jill. Caçadores, artesões, comerciantes,
guerreiros: os Cokwe em perspectiva histórica. In: Antropologia dos Tshokwe e povos aparentados. Porto:
FLUP, p. 17-47, 2003.; HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, p.599-636 .; ______. O pássaro
do mel: estudos de história africana. Lisboa: Colibri, 2003, p. 101-120. 219
FRANCINA, Manoel Alves de Castro Francina. Viagem a Cazengo pelo Quanza, e regresso por terra, 1847.
In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa
Nacional, 1867. 220
Matrícula advinda do decreto legislativo de 1854 que ordenava o registro dos escravizados em até 30 dias sob
a pena de que os não registrados ganhariam o estatuto de liberto. Cf. Decreto de 11 de dezembro de 1854,
ordenando o registro de escravos e libertos. In: MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e. Relatorio do
governador geral da província de Angola no anno de 1861. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 424-435 221
Cf. FERREIRA, R. Esravidão e revoltas de escravos em Angola (1830-1860). In: Revista Afro-Ásia, Rio de
Janeiro, 1998-99.; CURTO, José. Resistência à escravidão na África: o caso dos esravos fugitivos recapturados
em Angola, 1846-1876. In: Revista Afro-Ásia, Rio de Janeiro, 2005.
82
escravizada fugiu.222
Uma explicação rápida, mas não satisfatório para a discrepância regional
pode ser entendida na dificuldade de locomoção no Ambriz em relação ao Golungo Alto, o
que tornava a vigília e detenção de escravizados mais trabalhosa em tal região, pois a chance
de captura – e consequente punição – era reduzida. Neste mesmo sentido, o Ambriz – região
de baixa presença portuguesa, de profícuo tráfico ilegal e de terras ainda cobertas de
vegetação, a condição de escravizado era certamente mais dura e passível de embarque. Em
contrapartida no Golungo Alto, com terras já aradas e uma maior fiscalização portuguesa a
situação de fuga era certamente mais dificultosa. Conquanto, outro fator pode ter influenciado
a configuração dos números: a participação de Sobas junto aos processos de ocupação do
espaço por portugueses. Uma fuga no Golungo Alto necessitaria ou de um abrigo improvisado
ou na recepção em um sobado não avassalado, que por razões de contato histórico, havia em
maior grau no Ambriz do que no Golungo Alto. As pressões do tráfico de escravizados e
posteriormente do comércio legitimo levou a uma maior proximidade – não menos
conflituosa – entre portugueses e autoridades africanas, ligações que se estendiam desde os
conflitos com o Ndongo, o século XVII, como podem ser bem observadas no que diz respeito
ao poder político do Soba Bango Aquitamba na região do Golungo Alto.223
A rota escolhida tanto pelas discussões parlamentares em Portugal, quanto pela
administração colonial – mesmo que dispares e conflitantes – levou ao solapamento do
trabalho dos escravizados e a ascensão de contratos em regime de trabalho forçado. Na prática
não houve melhora da situação dos africanos e os mesmo continuaram a esquematizar táticas
de resistência que se estenderiam até meados do século XX. As tensões em torno do
monopólio africano sobre a mão de obra e a ânsia portuguesa por braços continuou a
desestabilizar as sociedades africanas e contribuiu para gorar projetos coloniais como o que se
verá a seguir.
222
Para informações mais adensadas sobre o registro de escravos do Golungo Alto em 1855 Cf. PARREIRA,
Adriano. Quatro livros de registros de esravos – Angola (1855): Ambriz , Golungo Alto, Libongo, Tala
Mugongo. In: Africana Studia. Porto: FLUP, nº 15, p. 135-150, 2010. 223
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit. Loc. Cit.
83
1.4. Recuperação comercial e ocupação territorial.
Como se observou até agora, a simbiose entre comércio e política atuaram em
conjunto no que diz respeito à construção das estratégias portuguesas, seja de espoliação de
terras ou, mais comumente, em alianças políticas com chefias africanas. Conquanto, cabe
deixar mais claras as linhas gerais que orientaram as estratégias portuguesas. Uma perspectiva
interessante a ser explorada para compreender as escolhas portuguesas pode ser verificada nas
propostas de companhias comerciais elaboradas ao longo do século XIX para Angola. As
propostas de companhias comerciais não ligadas a Coroa permitem verificar os interesses de
particulares no que concerne a exploração dos recursos de Angola, além da percepção que
estes detinham sobre a ocupação das possessões ultramarinas, matérias políticas, sociais e
econômicas.
A maioria dos projetos comerciais teorizados ao longo do século XIX não foram
colocados em prática,224
todavia deixaram seus registros que permitem um vislumbre de suas
intenções e estruturação. Um exemplo de projeto proposto jamais executado foi o da
Companhia Africana Occidental, apresentada a Coroa e ao público em 1848 por um consórcio
de investidores bastante variado: Silvano F. L. Pereira, negociante português baseado em
Londres, André van Randvyk Schut, cônsul português em Hamburgo, Eduardo Germack
Possollo, filho do ex-governador de Angola, Lourenço Germack Possollo e o comerciante
português baseado em Luanda Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo.
A proposta está dividida em três partes que conjuntamente constroem um discurso
ligado a interesses liberais de colonização. A primeira parte diz respeito às dificuldades
econômicas de Angola ao longo do século XIX, buscando gerar argumentos para justificar as
duas partes subsequentes da proposta, que abordam o investimento necessário para a
construção de uma linha férrea e uma proposta de atividade comercial variada junto ao sertão
de Luanda.
A primeira parte do projeto foi escrita por um polêmico comerciante português em
Angola da década de 1840, Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo. O texto é bastante objetivo e
tem por fim expor a necessidade de criação de uma companhia comercial que diversifique a
comercialização de bens que não fossem os escravizados. O foco principal seriam os produtos
224
MARQUES, Os sons do silêncio, Op. Cit., p. 399-401.
84
agrícolas, extrativos e uma requalificação no sistema de transportes. Neste sentido, o primeiro
movimento do autor é retomar o passado traficante. Não obstante, diferentemente de outros
autores que repudiavam o tráfico de escravizados, Pompeu de Carpo parece sustentar que o
fim do tráfico de escravizados trouxe uma [...] maior devastação [...], pois quando o
comércio de gentes era legalizado, havia uma maior atenção com os embarcados, incluindo a
alimentação, no qual [...] os donos de navios que nela se empregavam a bem de seus próprios
interesses tinham que por a bordo boas e suficientes provisões e água [...];225
algo que no
contexto da ilegalidade não ocorria. Em linhas gerais, Pompeu de Carpo é enfático ao indicar
que a ilegalidade do tráfico levou a uma brutalidade ainda maior do que quando a atividade
era regulamentada. Portanto, desde que fiscalizada e referendada por regras básicas que
visavam garantir o mínimo necessário aos africanos embarcados para evitar perdas e
consequentemente quedas de arrecadação alfandegárias, a atividade traficante era tolerável.226
A observação de Pompeu de Carpo é assertiva, porém, não indica uma percepção
contrária ao tráfico e sequer produz argumentos que possam trazer fim ao tráfico ilegal. Pelo
contrário, Pompeu de Carpo parece simpatizar com a atividade traficante e, em suas palavras
iniciais no projeto, aponta indiretamente que o caos econômico em Angola era fruto das
restrições à atividade traficante. O autor poderia ter usado uma tática discursiva comum na
época para justificar a ilegalidade do tráfico: usando o projeto de companhia como curativo
paliativo para se combater o tráfico de escravizados ilegal, na medida em que as
movimentações financeiras geradas pela companhia ofereceriam condições para ajudar na
diminuição da atividade traficante, pois atrairia investidores e pessoas que poderiam deixar de
apostar no tráfico e voltar olhos a agricultura e extração.
225
CARPO, Arsénio Pompílio Pompeu de.; PERREIRA, Silvano F. L.; POSSOLLO, Eduardo Germack.;
SCHUT, André van Randvyk. Projecto de uma companhia para o melhoramento do commercio, agricultura e
industria na Província de Angola; que se deve estabelecer na cidade de S. Paulo d’Assumpção de Loanda .
Lisboa: Typographia da Revolução de Stembro, 1848, p. 3. 226
A questão alfandegária era central na discursiva seja a favor da ocupação de Angola ou ainda no discurso anti
colonial. Após o declínio paulatino do comércio de escravizados, os rendimentos circulantes em Angola
começaram a cair largamente, afinal, a circulação de escravizados não movimentava amplos setores comerciais
como alimentício, de construção naval, além de que os navios traficantes forneciam produtos e bens vindos da
América, Ásia e Europa que adentravam em Angola via alfândegas de Luanda e Benguela. O imposto recolhido
nas alfândegas era vital para a arrecação pública e consequentemente a melhoria das estruturas coloniais. Cf.
CALDEIRA, Carlos José. Apontamentos d’ uma viagem de Lisboa a China e da China a Lisboa. Lisboa:
Typographia G. M. Martins, 1852, p. 209-210.; MENEZES, Relatorio do governador geral da província de
Angola no anno de 1861, 1867.; FIGUEIREDO, Luiz Antonio de. Indice do Boletim Official da Provincia
d’Angola: compreendendo os annos que decorrem desde 13 de setembro de 1845 em que foi publicado o 1º nº
até 1862 inclusive. Loanda: Imprensa do Governo, 1864.; CARVALHO, Antonio Pedro de. Pauta das
alfândegas da província de Angola. Lisboa: Imprensa Nacional, 1868.
85
Quando investigada a vida de Pompeu de Carpo, entende-se o porquê da sutil, mas
enfática defesa da atividade traficante. Funchalense de passado obscuro, Arsénio Santos, que
após passagem pelo Brasil na década de 1810 passou a adotar o pomposo nome Arsénio
Pompílio Pompeu de Carpo, foi durante o século XIX ligado ao vintismo. Acusado de falar
publicamente contra o governo de D. João VI e blasfemar contra a igreja e seus santos,
Pompeu de Carpo fora degredado para Angola em 1824. Nesta província o degredado foi
rapidamente incorporado às linhas militares – como era típico aos condenados. Em Luanda,
tentou sustento paralelo com uma taberna e, já nesta época corriam boatos que estava
envolvido no comércio de gentes. Cumprida sua pena, envolveu-se novamente em conflitos
que, juntamente com interesses comerciais o levaram ao Recife. Do Recife para o Rio de
Janeiro e posteriormente para os Estados Unidos. A experiência de Pompeu de Carpo no
Brasil aperfeiçou suas habilidades comerciais, especialmente no que compete o tráfico de
escravizados. Regressa a Angola em 1837, associasse diretamente a traficantes graúdos e
amplia seus negócios. Não apenas financiava, mas também organizava, realocava fundos e
geria uma rede de rendimentos com origem no tráfico. A ascensão de Pompeu de Carpo e sua
pressão aos governadores de Angola criaram condições para uma carreira política na
província com qualificações que lhe permitiam galgar posições no senado português. A maré
favorável de Pompeu de Carpo começa a mudar quando em 1845, Pedro Alexandrino da
Cunha assume o cargo de governador. Com uma política mais eficiente de combate ao tráfico,
o novo governador passa a cercar Pompeu de Carpo, que nesta altura já sustentava o hábito da
Ordem de Cristo. A prisão do traficante não tardaria e no mesmo ano fora detido sob
acusações graves envolvendo o tráfico de escravizados e chantagem política. O poder político
de Pompeu de Carpo e a falta de provas acabaram por inocentá-lo. Livre passou a ameaçar o
conselho de ministros e exigir a posição de governador de Angola.227
O negociante regressa a
Angola em 1848, contudo, seus negócios estavam arruinados e seus contatos desfeitos, senão
presos. Falido, tentara a vida com projetos econômicos como a Companhia Africana
Ocidental Portuguesa e com trabalhos junto ao governo de Luanda. Na década de 1850
227
Sobre os desentendimentos e acusações recaídas sobre Pompeu de Carpo durante o governo de Pedro
Alexandrino da Cunha Cf. Cópia da portaria reservadissima do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim Jozé
Falcão) ao Delegado do Procurador Régio da Comarca de Luanda mandando proceder contra Arsénio Pompílio
Pompeu de Carpo, presidente da câmara municipal desta cidade por ter sonegado a carta de prego pelo qual se
providencia no caso de sucessão do Governador-Geral de Angola – 18 de janeiro de 1845. In: SANTOS,
Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 145-150.
Originalmente extraído: AHU sala 12, cód. 678, fl. 41 v.-42.; Ofício reservado do Ministério da Marinha e
Ultramar ao ministro dos negócios estrangeiros sobre a prisão de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, “um dos
maiores contrabandistas de negros d’África Ocidental” – 6 de novembro de 1845. In: In: SANTOS, Eduardo
(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 689-691.
Originalmente extraído: ANTT, Documentação do MNE, cx “papéis relativos a escravatura”.
86
assumiu a governança de Mbaka, onde em 1854 conheceu o missionário Livingston. No fim
de sua vida, já idoso, dedicara-se a abrir caminho para as caravanas de comércio lícito com
um interior cada vez mais distante.228
Verificado um fragmento da conturbada vida do comerciante, é factível compreender
sua defesa do comércio de escravizados. Impedido de envolver-se no tráfico, o comerciante
passa a investir em meios alternativos de fazer fortuna, mesmo que isso o coloca-se em um
jogo moral que o próprio ignorava. Seguindo o texto do projeto, Pompeu de Carpo aponta que
a criação da companhia de comércio teria efeitos benéficos na economia portuguesa, daria
ofício mecânicos para a ociosa situação dos africanos e, principalmente, combateria o tráfico
de escravizados. Esta argumentação era bastante comum entre os liberais portugueses. A
criação de alternativas econômicas baseadas na agricultura e extração era entendida como a
melhor maneira para criar receitas via recolhimento de imposto na alfândega de Luanda e
Benguela, além é claro de diminuir a atratividade dos rendimentos traficantes.
As intenções eram claras, mas os mecanismos necessários não dependiam apenas de
portugueses. A ocupação portuguesa foi refém da atividade comercial dos moradores e
dependente durante todo o século XIX de uma série de frágeis acordos políticos com chefias
africanas para poderem circular em territórios não legislados e, principalmente,
arregimentarem mão de obra. Neste sentido a segunda parte do projeto da companhia de
comércio pode ser entendida como vital não apenas para satisfazer os interesses do consórcio
de investidores, mas também da administração colonial.
O interesse da Coroa por iniciativas comerciais era fator frequente, todavia, isso não
significava que os projetos fossem executados ou saíssem do papel. Complexidades políticas
e de entendimento entre taxas e concessões frequentemente goravam os projetos. A iniciativa
de curativos econômicos não partia apenas do consórcio de investidores, mas também da
própria Coroa. Em 1844, o ministro Joaquim José Falcão manifestava seu interesse por criar
em Angola uma companhia monopolista de pólvora, pretendendo dar isenções fiscais aquele
que se dispuser a ariscar-se na empreitada. Na visão do ministro, o incentivo de laços
228
Para uma visão mais complexa e completa das influências políticas e comerciais que Arsénio Pompílio
Pompeu de Carpo exercia cabe uma leitura atenta do seguinte artigo. Cf. MARQUES, João Pedro. Arsénio
Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX. In: Análise Social, vol. XXXVI (160), 2001,
609-638.
87
comerciais fortaleceria a variabilidade econômica de Angola, abrindo caminho para [...]
substituir interesses sólidos e gerais do comércio da escravatura.229
O interesse da administração por medidas que movimentassem o comércio era claro,
porém, a falta de recursos forçava alguns investidores a pedirem muitas concessões a Coroa, o
que atravancava a execução dos projetos. Isto pode ser mais bem observado na terceira parte
do projeto de Pompeu de Carpo. Referente aos artigos proponentes da companhia fica claro
que os seus idealizadores não dispõem de recursos para cria-la. Contudo, realizam um
exercício discursivo no sentido de justificar meios alternativos de execução da companhia. No
artigo 17 os idealizadores são claros ao indicar que [...] os fundos em ações da companhia
não podem ser retirados senão dois anos depois de concluído o caminho de ferro e a
serraria.230
Além disto, nos artigos 13, 14, 18 e 22 os idealizadores exigem que o governo
provincial lhes conceda terras, monopólio sobre a utilização de máquinas a vapor na região,
monopólio sobre a extração de ferro em Oeiras e Massangano, e que descobertas minas pela
companhia, tais pertenceriam a esta sem a necessidade de taxações.231
O preço cobrado pelos investidores junto a administração da província era bastante
elevado. De certa forma, a proposta retira da mão da administração colonial o dever militar,
comercial e moral de ocupar as terras de Angola e delega a ocupação da colônia a terceiros
por intermédio de pressões comerciais que a companhia exerceria no sertão do Kwanza. Em
troca, os idealizadores oferecem apenas a participação da administração colonial como
membro acionário presidenciável se devidamente eleito.232
De fato, a proposta da companhia
não agradou a administração colonial e tampouco a Coroa em Lisboa. O projeto não recebeu a
aprovação e jamais foi executado. Seus idealizadores aparentemente acreditavam que
poderiam barganhar com o governo provincial no sentido de que sabia que este tinha interesse
em movimentar comercialmente os sertões, mas lhe faltavam recursos e meios. Contudo,
acabaram pesando em demasia a pena ao realizar exigências e requerer monopólios que tanto
a Coroa em Lisboa, como seu braço colonial em Angola não estavam dispostos a capitular.
É também curioso ressaltar que o projeto, ao que tudo indica, parece ser uma tentativa
de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo retomar ideias e padrões de investimentos
229
Memórias e documentos originaes: advertência, In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo IV, novembro de
1844-45. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 187-188. 230
CARPO.; PERREIRA.; POSSOLLO.; SCHUT., Op. Cit., p. 18. 231
Ibidem, p. 17-19. 232
Idem.
88
patrocinados por ele e que a Coroa já havia recusado. Um exemplo disto é a proposta, inclusa
no projeto da Companhia Africana Ocidental Portuguesa, de criar uma rede de exploração e
comercialização monopolista em torno das minas ferríferas de Oeiras. Poucos anos antes, em
1845, o negociante já proporá explorar tais minas e recebeu uma resposta negativa por parte
da comissão de avaliação da Associação Marítima e Colonial de Lisboa, que alegou não
observar [...] vantagem alguma a favor do Estado, antes pelo contrário [...] se exigem não só
sacrifícios enormes, mas favores tais que são verdadeiros prejuízos.233
A rápida visão do projeto da Companhia Africana Ocidental Portuguesa permite
apontar de imediato à dificuldade que tanto Coroa como investidores particulares dispunham
de capital para lançar mão de projetos que direta ou indiretamente apontavam para a ocupação
do espaço de Angola. A mesma tensão pode se verificar na falta de concordância entre os
distintos interesses da Coroa e investidores. A Coroa visava garantir não apenas ganhos
econômicos, mas instrumentos que lhe permitissem reduzir sua dependência das chefias
africanas e moradores. Do outro lado, particulares focavam suas atenções em missões
comerciais e projeções de acumulação, enquanto os interesses de colonização ficavam
restritos apenas no campo da defesa política dos projetos. No caso do projeto aqui exposto,
Pompeu de Carpo não se importava se o tráfico de escravizados dificultava a ocupação
territorial – como apontava a Coroa, pois ele próprio estava familiarizado com os lucros de tal
comércio –, mas tinha conhecimento que se argumentasse de forma convincente que seu
projeto colaborava no combate a fuga de braços de Angola, receberia mais atenção por parte
da administração colonial e da Coroa em Lisboa. Grau de atenção ainda maior deve ter
conseguido ao propor a criação de uma linha férrea – atitude inédita para a Província de
Angola de então. A administração portuguesa pode ter potencialmente visto na criação de
uma linha férrea um instrumento mecânico que combateria um dos principais problemas da
presença portuguesa: a dependência destes da mão de obra fornecida pelas chefias africanas.
Não obstante, para Pompeu de Carpo, a linha a vapor seria uma forma de acelerar o processo
comercial, ganhar rapidez de escoamento e transportar cargas mais volumosas do que com o
tradicional serviço de carreto. Em comum, administradores e Pompeu de Carpo
provavelmente compreenderam que não seria mais necessário satisfazer os interesses das
chefias africanas com a linha férrea, o que levaria ao enfraquecimento do poder político destes
233
Cf. Parecer da Associação Marítima e Colonial sobre a proposta de exploração das minas de ferro em Oeiras
por Arsénio P. P. de Carpo. – 21 de abril de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre
Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 316-317. Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 599.
89
representantes, facilitando a entrada portuguesa, seja pela via legislativa ou territorial com a
espoliação de novas áreas produtivas ao longo do curso do rio Kwanza.
Cabe agora concentrar os esforços para compreender os projetos comerciais e o papel
assumido pelos moradores e chefias africanas tanto no que diz respeito as suas respostas
perante as novas exigências impostas pela administração portuguesa, como a conformação das
estruturas comerciais e de poder entre as chefias, suas elites políticas e as comunidades
circunvizinhas. Para isso, um olhar atento sobre as minúcias comerciais e das dinâmicas de
trabalho serão preponderantes, uma vez que é por intermédio desta discursiva portuguesa –
crivada pelo olhar daquele que deseja dominar – que moradores e chefias africanas exibiram
suas estratégias e ações sem necessariamente registrarem por escrito suas intenções e feitos.
Assim sendo, o capítulo que se segue examinará a comumente referida categoria dos
moradores, etiqueta simplista perante a diversidade social e política inerente aos
intermediários em Angola.
90
CAPÍTULO 2
NECESSIDADE E EMBARAÇO NOS SERTÕES DE LUANDA.
91
2.1. Moradores, Mestiços e intermediários no século XIX.
A necessidade e o embaraço sempre perfazeram as relações político-comerciais em
Angola, seja pela dependência portuguesa para atuar e se movimentar nos sertões, a
necessidade dos intermediários em negociar com os representantes atlânticos e das elites
afrianas que cada vez mais eram envoltas e se envolviam no acumulo e circulação de bens
significantes no campo político e cultural. Desde os primeiros contatos com os Kongo no
século XV, os governantes portugueses perceberam que eram reféns de intermediários
capazes de fazer fluir a comunicação e o comércio com os africanos. Ao se observar o Kongo,
já ficava latente a necessidade portuguesa de atravessadores comerciais que rumassem ao
interior na busca por indivíduos escravizados visando o comércio Atlântico. O tráfico de
escravizados não apenas alterou as estruturas políticas africanas e guiou as estratégias
portuguesas, mas também permitiu a emergência de novas identidades. No caso do Kongo, os
pumbeiros são parte deste processo de metamorfose social. Os pumbeiros eram agentes
comerciais africanos praticamente autônomos – porém sem capital – que tinham
conhecimento das línguas e dos costumes locais, dando maior velocidade e eficiência nas
permutas comercais em relação à abordagem portuguesa. Além disto, estes negociantes
rumavam a localidades interioranas inacessíveis aos não africanos, seja por questões salutares,
de desconhecimento geográfico e, principalmente, por impedimento africano. Foi por
intermédio destes indivíduos e pela concorrência em torno do comércio de escravizados que
as permutas com os portugueses alcançaram longas distâncias rumo ao interior do continente
africano colocando em questão a centralização política de Mbaza-Kongo frente os interesses
da elite bakongo de ingressar no sistema de créditos comerciais de escravizados.234
Em Angola, a estratégia comercial fora inicialmente semelhante à adotada no Kongo,
inclusive, o termo pumbeiro foi largamente popular em Angola durante os séculos XVII e
XVIII. Portugueses utilizaram assiduamente de parceiros africanos para satisfazer interesses
comerciais externos ao continente, todavia, diferentemente do Kongo, no qual os portugueses
estabeleceram um laço político mais ou menos estável – pelo menos até o século XVII - em
Angola ocorreu um duro processo de conflito com os africanos, essencialmente contra o
potentado do Ndongo sob o comando do titular político Ngola. Esta relação permitiu uma
234
Cf. THORNTON, John K. The Kingdom of Kongo: Civil War and Transition, 1641-1718. Madison:
University of Wisconsin Press, 1983.; ______. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-
1800. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
92
rápida aliança com comunidades africanas seminômades e belicosas que atraídas pelo
comércio português combateram ao lado destes e levaram a fragmentação do Ndongo ainda
no século XVII, estabelecendo um reino de conquista português centralizado na fortaleza
litorânea de São Miguel em Luanda.235
Na altura do século XVIII, o comércio de escravizados já se encontrava plenamente
estruturado, existindo fortificações portuguesas instaladas nos sertões de Luanda e Benguela
e, principalmente, um clima mais amistoso – mas não menos tenso entre administração
portuguesa e comunidades africanas.236
No que diz respeito à administração colonial, os
portugueses pouco se preocupavam com medidas exploratórias ou de povoação, pois os
interesses comerciais advindos do Brasil dominavam o cenário comercial de Angola e
limitavam a região em uma fornecedora de mão de obra. Todavia, alguns produtos locais
tinham respiro na alfândega de Luanda como o marfim e a cera destinados a Portugal ou ainda
a produção de gêneros alimentícios africanos e principalmente americanos que rapidamente se
disseminaram pelos arimos do Bengo e por comunidades africanas avassaladas.237
Em 1758 o comércio no sertão de Angola foi liberado a todo e qualquer comerciante
ou pretenso negociante que estivesse tutelado sob a Coroa portuguesa.238
Essa medida veio a
condizer com o que na prática já ocorria. Antes desta data apenas africanos intermediários,
também designados como pumbeiros (aintermediário sem capital), aviados, e funantes,
(intermediários com pequeno capital próprio) – tinham a prerrogativa de embrenhar nas terras
interioranas com capital litorâneo para negociar junto às autoridades africanas, todavia, esse
direito estava longe de ser cumprido e o mais comum nos sertões de Luanda era se encontrar
mestiços e sertanejos a comerciar. É difícil delimitar e definir quem eram os mestiços e os
sertanejos, ou até mesmos as demais etiquetas como pumbeiros. A ressignificação de tais
categorias históricas fora profícua ao longo dos séculos XVI e XIX, permitindo uma
pluralidade na composição de tais denominações, o que em última instância poderia significar
a pouca utilidade de tais categorias. Conquanto, podem-se realizar aproximações como no
caso dos sertanejos que em sua maioria eram portugueses oriundos de núcleos médios pouco
235
Cf. MILLER, Poder político e parentesco, 1995.; LOVEJOY, A escravidão na África, 2002.;
BIRMINGHAM, David. A África central até 1870: Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul. Sacavém: ENDIPU,
1992, p. 38. 236
Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Passim. 237
Cf. VENÂNCIO, José Carlos. A economia de Luanda e hinterland no século XVIII: um estudo de sociologia
histórica. Lisboa: Editorial Estampa, 1996. 238
FERREIRA, Feiras e presídios, Op, Cit., p. 32. Neste mesmo período houve um aumento da circulação de
armas de fogo nos sertões de Angola. Cf. MILLER, Joseph C. Angola central e sul por volta de 1840. In:
Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, nº 32, dez, p. 7-54, 1997, p. 33.
93
prestigiados em Portugal e que se lançavam em África na busca por fortuna e prestígio
social.239
A partir deste ponto o comércio estava geralmente estruturado da seguinte forma. O
capital de investimento estava localizado no litoral de Angola ou em grandes portos
receptores como Rio de Janeiro e Lisboa. Os portugueses ou luso-brasileiros dificilmente
seguiam carreira rumo adentro do continente africano, por isso, remodelavam seu capital em
produtos válidos a permuta com africanos como gerebita, tabaco, panos e adornos.240
Estes
compêndios de produtos referidos como banzos ou fazendas241
eram delegados não apenas
aos pumbeiros, mas a indivíduos designados por aviados, funantes e tangomaos, que, ao fim e
ao cabo, eram em grande medida mestiços ou africanos.242
Tais indivíduos rumavam ao
interior visando negociar as mercadorias em troca de cativos, o que despendia tempo e
tornava o tráfico de escravizados algo lento e arriscado do ponto de vista comercial. Os
principais locais de negociação eram as chamadas feiras – que no Kongo eram referidas como
Pumbo, dando uma possível origem ao termo pumbeiro. 243
Existiam basicamente dois tipos de feiras, as que ocorriam junto aos presídios
portugueses ou sítios de legislação de Luanda e as feiras para além de território conhecido da
administração colonial ou em terras de controle africano. A existência de feiras comerciais
fora do controle português gerava atritos entre os comerciantes do interior e a administração
de Luanda. Ao longo do século XVIII e XIX os preços praticados nas feiras eram decididos
em Luanda, o que tornavam a capacidade de negociação reduzida nas feiras sobcontrole
português. Desta forma, as chefias africanas tomavam vantagem comercial ao optarem por
negociar em praças sem o controle português como em Kassanje, no qual era possível
239
Um bom exemplo de experiência sertaneja foi a de Silva Porto, que se instalou em Angola no século XIX e lá
fez família, comércio e estabeleceu uma complexa rede de interação política. Cf. CEITA, Constança do
Nascimento da Rosa Ferreira. Silva Porto na África Central – Viye/Angola: História Social e transculturação de
um sertanejo (1839-1890). 325 f. Tese (Doutorado em Estudos Portugueses) – Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2014. Versão disponível no repositório da UNL no formato
original. 240
Cf. CURTO, José C. Álcool e Escravos: O comércio luso-brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e
Benguela durante o tráfico atlântico de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da África
Central Ocidental. Lisboa: Vulgata, 2002. 241
Cf. Angola central e sul por volta de 1840, 1997. 242
Cf. ZERON, Carlos Alberto. Pombeiros e Tangomaos, intermediários do tráfico de escravos na África –
século XVI. In: II Colóquio Internacional sobre mediadores culturais. Lagos: Centro de Estudos Gil Eanes, p.
15-38, 1999. 243
VENÂNCIO, A economia de Luanda e hinterland, Op. Cit., p. 150-155.
94
estabelecer novos preços que agradassem os comerciantes e trouxessem maior ganho aos
africanos sem taxações portuguesas.244
A relação de dependência portuguesa com africanos para a execução das tarefas
comerciais tornava o tráfico de escravizados uma atividade que despendia, tempo, capital e
acarretava em uma dinamização de contatos sociais e biológicos, proporcionando a
emergência de novos grupos que transitavam entre a realidade das comunidades africanas e a
portuguesa em África.245
Obviamente a presença de intermédios nos tratos comerciais na
África era necessária, mas vista como um entrave por parte de comerciantes e capitalistas
portugueses que entendiam que a atividade destes encarecia o processo de compra e venda de
cativos. Esta relação de necessidade e embaraço se estenderia século XIX adentro e ganharia
novos contornos com a emergência do comércio lítico em detrimento da bancarrota legal do
tráfico de escravizados.
A emergência de novas identidades pode ser verifica nas narrativas coloniais do século
XIX. Em 1846, o Alferes, filho do país246
– provavelmente mestiço – Manoel Alves de Castro
Francina partiu de Luanda com destino ao distrito de Mbaka. Durante seu percurso que seguiu
rumo ao sertão o militar registrou textualmente a condição natural e a presença portuguesa. A
narrativa de Francina se aproxima em estruturação da maioria das produções textuais feita por
militares da época. O Alferes registra os acontecimentos diários durante a jornada e ao final
dedica-se a alguns temas que considera necessitarem de maior explanação como o
arregimento de mão de obra, os usos e costumes locais e a situação dos regimentos militares.
No que se refere ao recrutamento de mão de obra, Francina indicou que havia empecilhos que
dificultavam o procedimento. Neste ponto, o autor é enfático ao afirmar que a principal
barreira para o bom desenvolvimento do recrutamento era, para além das violências com os
africanos, a existência de grupos de africanos que se entendiam como não sujeitos a obrigação
de prestar serviço de carregador. Seriam estes os camundeles, que literalmente significa
pessoa branca.
244
Ibidem, p. 156-160. 245
DIAS, Novas identidades africanas em Angola no contexto do comércio atlântico, 2007. 246
Segundo a bibliografia, a categoria filho do país indica afro-portugueses, portanto mestiços, que devido
principalmente ao seu envolvimento com o comércio como intermediários ascenderam socialmente e passaram a
ocupar cargos burocráticos ou se tornaram detentores de capital, ou seja, dentro a imensa categoria social
chamada de mestiço, existia frações que se autorreconheciam por outros preceitos que não os biológicos. No
último quartel do século XIX este grupo irá gerar grandes problemas a administração colonial devido a sua
grande familiaridade tanto com as estruturas africanas do interior quanto com as estruturas portuguesas,
acumulando, desta forma, poder político significativo. Cf. DIAS, Angola, 1998.
95
Os camundeles não apenas negavam participação no labor de carreto como também
apresentavam frequentemente a intenção de se incorporarem junto à carreira militar, por se
entenderem como não africanos no que diz respeito a sua posição social, desta forma evitando
também o serviço braçal na agricultura ou extração. Era frequente que os camudeles
utilizassem sapatos fechados, o que lhes conferiam uma posição distinta dos africanos
descalços. Este grupo era um incômodo não apenas para as autoridades portuguesas, mas
também colocava os chefes africanos em situação delicada. Os camundeles [...] não se
sujeitam ao carreto, nem mesmo as leis dos Sobas [...],247
o que tornava a legitimidade
política da chefia africana questionável junto a administração colonial e, ao mesmo tempo,
refém em alguns casos da atividade comercial exercida pelos camundeles.
Segundo Jill Dias, os camundeles aparecem frequentemente categorizados na
documentação acerca de Angola como moradores. Os moradores eram um grupo bastante
heterogêneo formado por africanos, mestiços e até mesmo brancos que fixavam residência nos
sertões. Em sua maioria, os moradores residiam em terras de maior influência portuguesa
próxima aos presídios e uma característica bastante comum a estes indivíduos – no que diz
respeito a africanos e mestiços - era a utilização de roupas e sapatos europeus e a assimilação
de hábitos portugueses como escrita e língua portuguesa. Essa característica fornecia a
possibilidade de que estes se identificassem como socialmente brancos.248
Como se percebe,
os camundeles de Francina estavam inseridos nessa categoria social que ainda carece de
maiores investigações por parte da historiografia. Uma característica transversal aos
moradores era a sua capacidade de possuir propriedades, geralmente pequenos sítios agrícolas
ou bens de consumo. Além disto, os moradores eram extremamente ativos na atividade
comercial e política da província e ocupavam papel central nas negociações com os africanos
e na manutenção da presença portuguesa indereta nos sertões angolanos.249
Os moradores
também demonstravam capacidade de auto-organização. Em Luanda, no último quartel do
século XIX moradores ou descendentes deste tiveram papel decisivo na construção de uma
imprensa africana e na construção dos alicerces da literatura angolana.250
247
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 11. 248
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 359. 249
Projecto de Regimento para os Districtos e Presídios de Angola – sem data, 184?. In: SANTOS, Eduardo
(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 15-29. Originalmente
extraído: AHU sala 12, cx. 822. 250
Cf. HOHLFELDT, Antonio; CARVALHO, Caroline Corse de. A impensa angolana no âmbito da história da
imprensa colonial de expressão portuguesa. In: Intercom. São Paulo, v. 35, nº2, p. 85-100, jul/dez, 2012.;
96
Os moradores são figuras frequentes na documentação de viagem, pois suas habitações
são constantemente utilizadas pelos viajantes como pouso. Além disto, é por intermédio
destes moradores que os viajantes ficavam sabendo das questões locais como conflitos com
africanos, situação da presença portuguesa e ainda, para o século XIX, a situação da
agricultura e do comércio legítimo, como se pode observar quando Francina comentava sobre
a região da Aldeia Nova no Golungo Alto – povoação de moradores.
Independente da heterogeneidade da categoria morador – que parece congregar
diferentes indivíduos – fica visível a liberdade de ação produtiva e comercial destes em
relação à administração colonial e aos chefes africanos. Os moradores não respondiam as leis
africanas e tampouco as exigências coloniais. Agiam comerciando e produzindo nos sertões
de forma a tentar obter vantagens econômicas e políticas com a administração colonial e os
chefes tradicionais. Em certa medida pode-se dizer que os moradores atuavam de acordo com
seus interesses particulares, fazendo com que ora estivessem alinhados a portugueses ora a
africanos.251
Em 1840, o presidente do Conselho de Ministro, José Lúcio Travassos Valdez,
Conde de Bonfim, ao explicitar sobre os esforços portugueses para o bem desenvolver
agrícola em Angola, apontava a iniquidade dos africanos ao lançar mãos ao comércio, sendo
os moradores [...] tão indolentes como eles [...] (os africanos). Na perspectiva do Conde, os
moradores não se dedicavam a causa colonial, estando mais preocupados com as necessidades
imediatas de seus negócios particulares.252
Os moradores – quando em conluio com a administração colonial – detinham papel
fulcral na manutenção das diretrizes coloniais no século XIX. Eram os principais responsáveis
pelo desenvolvimento do comércio lícito no que diz respeito à negociação com as
comunidades africanas e formavam as companhias militares móveis, que auxiliavam a
portugueses e chefes africanos para a execução das ordens de Luanda via chefe colonial
distrital. Os moradores são resultado do desenvolvimento do comércio de escravizados, fato é
que as regiões no qual havia a maior concentração deste foram primordiais para o
desenvolvimento deste comércio. O baixo Kwanza, as intermediações do Dande e do Bengo,
assim como a região do Lukala possuíam grande incidência de moradores com terras
JACOB, Sheila Ribeiro. A imprensa livree o despertar da vida literária angolana no século XIX. In: Revista de
Pós-Graduação em letras UNESP-Assis. Vol. 8, p. 97-107, jul/dez, 2010. 251
DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit., p. 51. 252
VALDEZ, José Lúcio Travassos. Relatório do Ministro do Ultramar, apresentado às Camaras da Sessão
extradorinária de 1840. In: Annaes Marítimos e Coloniaes. Tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1840, p. 164.
97
independentes de portugueses e africanos.253
A região do Lukala é frequentemente referida
como a localidade com maior influência de moradores. Historicamente vinculada ao tráfico de
escravizados, esta região viu florescer uma camada de moradores ativos e com grande
envolvimento no comércio e na própria política colonial nas regiões do Golungo Alto e de
Mbaka. No caso de Mbaka, os moradores, em sua maioria mestiça, despertavam um misto de
admiração e repulsa naqueles que deitaram letras sobre os famigerados ambaquistas.
A etiqueta ambaquista começa a aparecer logo no século XVII, quando o comércio de
escravizados floresce na região de Mbaka e a transforma em um ponto de convergência não
apenas comercial, mas cultural entre múltiplas populações africanas e não africanas. O
cenário comercial e político dinâmico da região propiciou a construção coletiva e plural de
uma forma linguística única, composta basicamente da mescla entre português e kimbundu –
com ênfase maior sobre a veia africana.254
Com o passar do tempo, a terminologia abrangeu não apenas pessoas envolvidas no
tráfico, mas demais ofícios como alfaiates, agricultores, negociantes independentes. A partir
do século XVIII, mas principalmente no século XIX, o termo se generalizou para qualquer
indivíduo mestiço ou africano que circulava pelo interior a negociar ou realizar ofícios.
Portanto, no contexto de Francina, os ambaquistas não necessariamente eram nascidos na
região, mas implicitamente eram negociantes e trabalhadores especializados no que diz
respeito a ofícios e manufaturas.
Sobre os ambaquistas o Alferes Francina é enfático em ressaltar as qualidades
positivas destes indivíduos. Os principais moradores residiam em habitações de [...] pau a
pique [...] rodeadas de parede de adobe, cobertas de palha e esbranquiçadas com uma
espécie de pedra calcarea [...] que em termo de material não lembravam as moradias
europeias, mas em organização da construção pareciam com casas camponesas da Europa.
Dentre estes indivíduos, Francina reforça o caráter de mestiçagem cultural, afirmando que:
O povo de Ambaca é talvez o mais civilizado dos nossos presídios, pois é
raro o preto ambaquista que não saiba ler e escrever, ainda que mal, ou pelo
menos assinar o seu nome. Geralmente são portuguezões, e amantes dos
termos empolados e pouco comuns nas suas extensas escritas.
253
DIAS, Mudanças nos padrões de poder no “hinterland” de Luanda, Op. Cit. Loc. Cit. 254
MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit., p. 39.
98
Ainda na década de 1840, Joaquim Lopes de Lima também acenou para a qualidade de
vida dos moradores de Mbaka. Pensando principalmente na camada branca da população,
Lopes de Lima afirmou que [...] os brancos vivem quase tão bem como no Brasil [...],255
no
qual verificava a existência de [...] roças dirigidas por brancos, sob cujas as ordens
trabalham os escravos [...].256
A situação dos moradores de Mbaka não era muito divergente
em Golunto Alto, a própria povoação de Aldeia Nova no qual o Alferes Francina tomou por
pouso apresentava tais características. Todavia, é preciso estar atento a existência de
hierarquias descritivas na documentação acerca dos moradores. Quando fala sobre a
civilidade em Mbaka, Francina se refere a uma camada não tão larga da população, em sua
grande maioria, de origem mestiça. Tal observação é feita quando o autor dedica-se a apontar
características gerais sobre o distrito, especialmente os núcleos de ação portuguesa. Já quando
escreve sobre os africanos moradores de Mbaka, Francina tende a analisa-los de forma igual
aos africanos residentes nas terras dos Sobas. Um indicativo disto é que os costumes africanos
estão descritos em um tópico especifico do relato de viagem: dos usos e costumes dos
ambaquences. Para além desta organização textual bastante comum e que pode ser observada
em inúmeros relatos de viagem sobre Angola ao longo do século XVIII e XIX, cabe salientar
a singularidade das populações africanas e mestiças que são frequentemente escrutadas pela
História Social. É ainda importante ressaltar que mesmo Francina esforçando-se para
estruturar a narrativa de forma com que africanos e não africanos fossem apresentados de
forma hierárquica, o autor acaba durante o texto enfraquecendo a sua estruturação quando em
diversas passagens aponta o caráter mestiço das populações interioranas, dando a entender
que a hierarquia não necessariamente apresentava os nãos africanos acima dos africanos.
Alguns ambaquistas com enorme habilidade comercial e política acabaram por ocupar
posições de destaque ao longo do século XIX, como é o caso de Lufuma, como era conhecido
Lourenço Bezerra Correia Pinto, nascido no Golungo Alto, mas que se afirmava ambaquista.
Segundo Beatrix Heintze257
Lufuma fez fortuna atuando como comerciante independente na
feira de Kassanje. Suas atuações iam desde o tráfico de escravizados até produtos
considerados lícitos. Além de atuar de forma independente, Lufuma também prestava serviço
255
LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaio sobre a statistica das possessões portuguezas na África Occidental e
Oriental; na China; e na Oceania: escripto de ordem do governo de sua magestade fidelíssima a senhora D.
Maria II. Livro III, parte I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 44. 256
Idem. 257
HEINTZE, Pioneiros africanos, Op. Cit., p. 81-90.
99
a casas de comércio litorâneas financiadas com capital estrangeiro, como é o caso da casa
comercial portuguesa Carneiro & Machado. Além de prestar serviço a esta casa, foi ainda nos
anos 1840 que abriu a sua própria casa de comércio na cidade de Luanda, no qual
proporcionou uma enorme expansão dos seus negócios e sua influência política. Foi
representando a casa Carneiro & Machado – e também os seus próprios interesses – que ainda
na década de 1840 o negociante foi convidado pela autoridade máxima dos Lunda – Mwant
Yav – a estabelecer comércio. Lufuma chegou a Lunda antes mesmo de viajantes conhecidos
por tal feito como o brasileiro Joaquim Rodrigues da Graça (1846-1848) e o húngaro Laszlo
Magyar (1849-1857).258
O negociante não apenas fez negócios com mercadorias, mas também
estabeleceu vínculos políticos estreitos com os Lunda. Durante dois anos residiu em
Mussumba, tempo suficiente para que a relação comercial com Mwant Yav se tornasse em
amizade a ponto de que anos depois, em 1859, obteve a autorização Lunda para criar uma
feitoria dentro do território africano, convite este rapidamente aceito, tendo Lufuma se
mudado com a família inteira, agregados e funcionários para o território sob o domínio de
Mwant Yav. Com idade avançada, Lufuma já não viajava como antes e passou a se dedicar ao
cultivo agrícola e ao patrocínio de caravanas comerciais. A presença de Lourenço Pinto
promoveu mudanças significativas na postura Lunda em relação ao comércio com os
portugueses e, principalmente incentivou Mwant Yav a dar inicio ao cultivo de tabaco com
fins de revenda na alfândega de Luanda.259
Desta forma, direta e indiretamente o negociante
proporcionou uma crescente na influência portuguesa não apenas nos sertões de Luanda, mas
além das fronteiras de legislação portuguesa.
O caso de Lufuma, não é a regra geral, mas também não se trata de uma exceção fora
da curva. Muitos foram os negociantes mestiços que com menor ou maior grau de sucesso
circularam pelos sertões e acumularam espólios financeiros e respaldo político. Lufuma não
partira do nada, era fruto de uma família que a muito comercializa nos sertões, portanto, não é
de se estranhar que seus descendentes tenham continuado com vigor as práticas comerciais
em Angola.260
A categoria ambaquista não era uma prerrogativa de nascimento, como o caso de
Lufuma exibe, mas de atuação frente os negócios. Portanto, não era incomum observar
258
Cf. GRAÇA, Joaquim Rodrigues. Expedição ao Muatiânvua – diário. In: Boletim da Sociedade Geografia de
Lisboa. 9ª série, nº 8-9, 1890, p. 399-402.; MAGYAR, Lazlo. Viagens no Interior da África Austral nos anos de
1849 a 1857, n.d. 259
Idem. 260
Ibidem, p. 91-115.
100
moradores que nenhum vínculo tinha com as linhagens de Mbaka serem denominadas de
ambaquistas. Isso ocorreria pela dinâmica atividade da região com as permutas comerciais.
Um exemplo disto é Germano José de Maria, ex-escravizado que ficou notório pelo seu
envolvimento com viajantes alemães e, principalmente, pela sua atividade comercial
particular e como representante comercial de casas de negócios de Luanda. Entre as suas
principais atividades estavam às permutas de mercadorias ligadas a atividade ambaquista.
José de Maria como a maioria dos moradores africanos não aceitava ser tratado de outra
forma a não ser por branco. Em um episódio conflituoso na década de 1860, José de Maria
viu-se acuado pelo Soba Andala Quisua a mostrar-se inferior a autoridade do Soba. O
negociante foi obrigado ficar descalço e reverenciar o Soba.261
Esta atitude não apenas mostra
a complicada e complexa relação social em Angola, mas também demonstra que mesmo o
negociante sendo africano, o chefe africano o reconhecia como branco, portanto, colocar José
de Maria em posição inferior não significava apenas atingir a sua imagem, mas a dos não
africanos como um todo e, por conseguinte, a da administração colonial.
Como se observa, os ambaquistas eram peça chave no desenvolvimento do comércio e
foram pioneiros na exploração de territórios e culturas. Antes mesmo de Joaquim Rodrigues
da Graça travar contado com os Lunda nos anos 1840 e publicar a sua duvidosa narrativa de
viagem,262
ambaquistas como Lourenço Bezerra Correia Pinto já o haviam feito, mas nem por
isso receberam o devido reconhecimento. Os camundeles tão criticados por Francina, podiam
ser um empecilho no que competia a manutenção do recrutamento de mão de obra, conquanto
eram imprescindíveis na realização comercial e na relação de intermédio com as comunidades
africanas.
Ao observar a camada social dos moradores, pode-se ainda encontrar outras ocupações
de destaque para o cenário angolano. É de conhecimento da bibliografia que boa parte dos
moradores que não estavam envolvidos diretamente com o comércio de longa distância, mas
261
Ibidem, p. 117-123. 262
Joaquim Rodrigues da Graça foi um comerciante e explorador brasileiro conhecido por ter estabelecido
contato com os Lunda na década de 1840. Naquela altura o negociante estava em viagem de negócios de D. Ana
Joaquina dos Santos Silva, a qual representava comercialmente. Cf. ALMEIDA, M. C. P. F. Comércio, bens de
prestigio e insígnias de poder: as agências centro-ocidentais nos relatos de Henrique de Carvalho em sua
viagem à Lunda (1884-1888). 231 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo,
2015, p. 58. A viagem de José Rodrigues da graça foi posteriormente publicada no Boletim da Sociedade
Geográfica de Lisboa e foi ao longo dos anos objeto de incisivas análises historiográficas. Cf. GRAÇA,
Expedição ao Muatiânvua – diário. Op. Cit., p. 399-402.; HENRIQUES, Presenças angolanas nos documentos
escritos portugueses, 1997.; SANTOS, Elaine Ribeiro da Silva dos. Expedição portuguesa ao Muatiânvua como
fonte para a história social dos grupos de carregadores africanos do comércio de longa distancia na África
Centro-Ocidental. In: Revista de História, nº 169, p. 349-380, jun/dez de 2013.
101
se dedicava a agricultura, permutas locais e, principalmente a ofícios artesanais como a
alfaiataria. Nos anos 1820 chegava a mais de dois mil o número de moradores envolvidos
com ofícios manuais e pequenas manufaturas somente na região limítrofe a cidade de
Luanda.263
Golungo Alto, Mbaka e Npungo a Ndongo detinham camadas substanciais destes
indivíduos. Alguns destes ainda se dedicavam a uma atividade paralela que custava muito as
autoridades africanas e a administração colonial tolerar; a atividade de meirinho.
Os meirinhos eram na percepção do militar Francisco de Salles Ferreira,264
um entrave
para os interesses portugueses. Os meirinhos nada mais eram do que africanos nomeados
pelos escrivães distritais para o recolhimento de impostos e verificação da situação das
caravanas comerciais, sendo, em certa medida, oficiais de justiça.265
Segundo o autor os
meirinhos se achavam no direito cobrar taxas dos africanos por conta própria. Essa cobrança
era geralmente realizada com o sequestro de [...] cabras, carneiros, galinhas e tudo mais que
pudessem apanhar nas casas por onde passam [...].266
Pela perspectiva de Salles Ferreira
melhor seria a extinção deste grupo em prol do incremento e melhor trato dos empacaceiros,
que se dedicassem aos serviços dos meirinhos.
Outro canal de solução para a atividade dos meirinhos seria levar a moralidade cristã
aos africanos. Ao se referir aos hábitos dos habitantes distritais – utilizando a estratégia dos
usos e costumes – Salles Ferreira aponta que o [...] estabelecimento das missões dos
Barbadinhos, confiando a estes homens os cuidados de paroquiar as freguesias do interior
[...] 267
seria a melhor estratégia para incutir nos africanos o cristianismo em sua fé e
costumes, abrindo caminho para o bom desenvolvimento da agricultura. Em certa medida, o
autor acredita que o crescimento dos hábitos europeus entre os africanos – não apenas os
meirinhos – seria o caminho para o desenvolvimento da região, acarretando em um
crescimento na população dos moradores que, mesmo conflituosos para com a administração
e trazendo problemas aos chefes africanos, mostravam-se laboriosos e predispostos ao
comércio e cultivo de culturas exportáveis.
263
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 359-360. 264
Francisco de Salles Ferreira foi um militar prestigiado em Angola no entremeio do século XIX. Responsável
pela campanha portuguesa contra Kassanje, foi ainda administrador do presídio de Npungo a Ndongo e um
escritor-colaborador dos ideais liberais no que diz respeito a política ultramarina. 265
BARROCA, Mário Jorge, (coord). Carlos Alberto Ferreira de Almeida: in memoriam. Porto: Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, vol. II, 1999, p. 234-235.; ARANHA, Graça (org.). Fiscais e Meirinhos. A
Administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Arquivo Nacional, 1985. 266
FERREIRA, Francisco de Salles. Memoria sobre o presídio de Pungo-Andongo. In: Annaes Marítimos e
Coloniaes. Tomo VI. Lisboa: Imprensa Nacional, 1846, p. 114. 267
Ibidem, p. 112.
102
Da mesma forma que Salles Ferreira visa solapar a atividade dos meirinhos, o Alferes
Francina também indica que seria necessário combater esse grupo. Na percepção do autor,
uma das melhores medidas tomadas em Mbaka em sua visita foi o fim da nomeação dos
meirinhos e outros grupos como alcaides268
e porteiros.269
Na visão do Alferes, estes grupos
não passavam de [...] um bando de carregadores que, imbuídos com a ideia de brancura, se
empenhavam a tributar como soldados [...] tornando-se depois sanguessugas nas diligencias
diárias [...].270
É nítido o julgamento depreciativo que Francina faz dos carregadores. A
avaliação do autor pode estar ligada a duas questões mais amplas. A primeira diz respeito ao
fato de que os carregadores eram africanos que de maneira forçada eram recrutados ao serviço
de transporte, portanto, não era incomum que esses carregadores dificultassem o processo de
transporte, gerando julgamentos sobre indolência e morosidade. Todavia, outra possibilidade,
tão válida quanto, poderia estar influindo sobre o julgamento do Alferes. O processo de
recrutamento de mão de obra era difícil, oneroso e sem controle por parte dos portugueses. As
caravanas comerciais só se concretizavam se as chefias africanas fornecem mão de obra para
as operações, o que dependia é claro, do relacionamento político destes com os comerciantes,
seus subordinados e dos interesses que tal transação poderia despertar. Em certa medida
Francina expõe uma frustração pela dependência portuguesa junto às comunidades africanas
para fazer o comércio fluir.
A menção dos militares, Salles Ferreira e Francina, sobre os meirinhos deixa duas
situações à mostra. A primeira diz respeito à falta de controle organizacional da burocracia
colonial nos sertões de Luanda, o qual interesses particulares de determinados
administradores e funcionários coloniais ganhavam mais relevo frente os anseios de Luanda e
da Coroa em Lisboa.271
A segunda fez inflexão à necessidade da administração colonial da
presença dos chamados moradores, exibindo como o sistema de créditos baseado em produtos
não africanos criado durante o tráfico de escravizados promoveu uma metamorfose social
profunda na região de Mbaka. A ideia de brancura não estava diretamente relacionada à cor
da pele, mas sim aos padrões comportamentais e da posição político-social assumida frente o
aparato colonial, o poder africano e as práticas comerciais.
268
A definição de Alcaide não fica clara na escrita do Major Francisco Salles Ferreira, contudo, pode-se aviltar a
visão de Alcaide como sinônimo de Capitão-mor na escrita do pequeno agente militar. 269
Por porteiro o pequeno agente indica ser um funcionários do sistema de justiça punitiva ou de resguardo em
cárcere. 270
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 10. 271
Este característica não se limita apenas aos sertões, como já fora constado no capítulo 1.
103
As transformações ocorridas nos padrões comerciais em Angola, a partir dos anos
1830, atingiriam diretamente os moradores, especificamente os que residiam nos núcleos
espalhados pelo sertão de Luanda, que até este momento estavam intimamente vinculados
com as redes escravagistas portuguesas e de contrabando estrangeiro no litoral.272
Essa
atividade era facilitada pela habilidade destes moradores em se relacionar com as autoridades
africanas, especialmente os ambaquistas, que mantinham íntimos contatos com os grandes
potentados do médio Kwango: Matamba e Kassanje.273
Foram os moradores, ao lado de
chefias africanas, que maior resistência impuseram ao fim do trafico de escravizados, pois o
fim de tal atividade significaria além de danos econômicos, perda de prestígio político e
capacidade de negociação junto a administração colonial.274
Com o fim do comércio legal de escravizados, os moradores passaram a dar maior
ênfase no comércio legítimo no que dizia respeito as relações com portugueses e, nas franjas
do litoral de Luanda, no qual continuava pulsando a atividade traficante de contrabando.275
O
envolvimento dos moradores no comércio legítimo não era novo, eles já eram os responsáveis
pelas negociações de cera e marfim vindos d’além Kwango, conquanto, a partir da década de
1840 este comércio começou a apresentar grande crescimento junto com a Urzela.276
A emergência do comércio legítimo trouxe um novo panorama comercial e político
para todos os residentes em Angola: portugueses, mestiços e africanos. A administração
colonial viu nas atividades agrícolas e extrativas a oportunidade de uma ocupação territorial
mais ostensiva, abrindo caminho para uma política de colonização com migração branca,
cultivos agrícolas exportáveis e subjugação das autoridades africanas locais. Os mestiços
rapidamente se adaptaram a nova situação e ingressam em redes de comércio cada vez mais
distantes das zonas de influência portuguesa, todavia, passaram paulatinamente a serem vistos
como um empecilho para a consolidação dos interesses coloniais de Portugal e das pretensões
dos próprios chefes africanos que nesta altura tentavam aumentar seu poder político via
272
MILLER, Way Of Death, 1988. 273
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 362. 274
Ibidem, p. 370. 275
Até este ponto observaram-se os moradores envolvidos no trato comercial e agrícola, especialmente os
mestiços, contudo, havia moradores brancos e ainda a presença de mestiços nas linhas militares ou ainda em
cargos de destaque na administração colonial, uma visão mais alargada sobre estes indivíduos seria interessante,
porém com a documentação que esta pesquisa se debruça não há possibilidade de realizar tais análises de forma
direto. Não obstante, podemos perceber tais sujeitos de forma pontual durante as narrativas coloniais,
especialmente os brancos moradores do interior, como é o caso dos chefes distritais ou militares que sedem
pouso as comitivas coloniais. No caso destes últimos, os viajantes são categóricos a apontar a sua lealdade aos
interesses coloniais, mesmo que por vezes se deixem levar por ganhos particulares. 276
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 379-383.
104
comércio legítimo, controle de territórios férteis e o monopólio da mão de obra em seu
recrutamento e fornecimento.
105
2.2. Amarras da dependência: implicações político-sociais do serviço de carreto.
Em qualquer sistema de produção e consumo a natureza e organização dos transportes
impacta de diferentes maneiras e em diversos níveis a produção e o seu respectivo consumo
de bens e produtos. O caso do sistema de transporte estabelecido entre portugueses e africanos
em Angola evidencia esta percepção de forma bastante clara, porém, de maneira singular. As
implicações do transporte do interior angolano rumo ao litoral não apenas definiram
estratégias e reconfiguraram interesses, mas impactaram na conformação do poder africano
tradicional, nas táticas de ocupação portuguesa e permitiu a emergência de novos grupos
sociais, como os moradores vistos anteriormente.
A bibliografia trabalhou exaustivamente sobre esta matéria, não apenas devido a sua
complexidade e importância para a compreensão da realidade coeva, mas pela sua atualidade
no que diz respeito a visões sociológicas e aplicações políticas.277
No entanto, foi
recentemente que a historiografia voltou olhos aos indivíduos trabalhadores braçais que
faziam o sistema de transporte funcionar em Angola. Pode-se sem grande receio apontar três
elementos fundamentais pertinentes o transporte de itens comerciáveis em Angola: a
necessidade portuguesa da ajuda africana no recrutamento de mão de obra, a percepção
africana da dependência portuguesa e a violência da construção e do funcionamento do
serviço de transportes.278
O serviço de carreto era marcado pela brutalidade na arregimentação de carregadores.
Esse procedimento fazia com que boa parte dos recrutados resistissem ao serviço, gerando
problemas para as chefias africanas junto à administração portuguesa. Contudo, não era
incomum verificar que as chefias usavam a dificuldade de apresentar carregadores como
pretexto para consolidarem sua posição política e obterem vantagem desta situação. Em
1852, o sertanejo Silva Porto partiu em jornada pelo interior angolano visando estabelecer
novos contatos comerciais quando se deparou com uma situação não tão incomum: foi
ameaçado de ter os bens e membros de sua comitiva recolhidos quando adentrou na região de
277
Um exemplo da importância de se pensar de forma historicizada as relações de trabalho pode ser verificada na
iniciativa do CECULT-UNICAMP, com o apoio da FAPESP, em buscar compreender a espoliação da força de
trabalho em longa duração. Para mais informações consultar o projeto Entre a escravidão e o fardo da
liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica, disponível em
http://www.cecult.ifch.unicamp.br/projetos/esfarli/resumo-projeto 278
Cf. SANTOS, Barganhando sobrevivências, 2013.; HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola,
1997.; HEINTZ, Pioneiros africanos, 2004.
106
Tarala pela chefia africana local. Temeroso da situação, Silva Porto partiu ao encontro da
chefia que lhe garantiu passagem segura, afirmando [...] que era menos verdade ele ter dado
tal ordem, mas sim que lhe constava serem os macotas que a tinham dado.279
Os makota logo
se apresaram em sua defesa alegando que [...] não tinham dado ordem alguma para o
sequestro da comitiva, mas sim o Soba [...].280
O sertanejo rapidamente entendeu que a
situação havia sido planejada. Era impossível resolver a peleja sem culpar um dos lados, desta
forma, a chefia africana ofereceu uma terceira via de negociação, afirmando que deveria
fornecer 3:000$000 de pagamento para resgatar dois membros de sua comitiva capturados,
desta forma, poderia seguir viagem sem grandes percalços. Silva Porto efetua o pagamento e
resgata os membros de sua comitiva. Segundo o próprio, não foi a elevada recompensa que o
repugnava, mas sim a atitude da chefia africana.
A situação vivida por Silva Porto, apesar da descrição breve e pouco detalhada, revela
uma situação bastante complexa. De um lado evidencia a dificuldade portuguesa em transitar
pelo interior africano – independente da natureza da jornada. Chama a atenção ainda que a
dificuldade acometesse justamente Silva Porto, comerciante com larga experiência em
Angola, que lá estabeleceu negócios, família, amigos e inimigos. Por outro lado, fica claro
que as chefias africanas tinham conhecimento do poder de influência que poderiam exercer
sobre portugueses e a administração colonial, seja por via diplomática ou por coerção física.
Neste caso, fica mais claro ainda a importância que o serviço de carreto e a necessidade dos
carregadores para portugueses e chefias africanas, afinal, os dois membros da comitiva de
Silva Porto sequestrados eram carregadores. Tal afirmação não é dada de forma clara na
narrativa, mais pode ser detectada quando o comerciante efetua o pagamento a chefia e logo
em seguida resgata os [...] dois negros em questão [...]281
e ainda em negociação com a chefia
africana, Silva porto recebeu [...] outros para servirem de guia [...]282
sendo que o
comerciante prontamente aceitou a oferta da chefia, não apenas para evitar conflitos, mas para
garantir uma comitiva mais orientada e volumosa.
Para se compreender o grau da dependência portuguesa sobre o arregimento de mão de
obra, faz-se necessário observar as mudanças que o próprio serviço de carreto sofreu com o
279
PORTO, Antonio Francisco Ferreira da Silva. Uma viagem de Angola à contra costa, 1854-1856. In: Annaes
do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867,
p. 273. 280
Idem. 281
Idem. 282
Idem.
107
passar do tempo e com as diversas mudanças político-econômicas da região, especialmente
depois de decretada a ilegalidade do tráfico de escravizados. Durante os séculos XVII até
início do século XIX o serviço de carreto apresentava uma característica mais localizada e
envolvia principalmente bens de consumo interno em Angola, especialmente aqueles
destinados a abastecer as grandes caravanas que traziam escravizados para o os portos de
Luanda e Benguela. As chefias africanas avassaladas tinham por obrigação contratual
fornecer carregadores para o transporte de mercadorias quando solicitado pela administração
portuguesa. Contudo, nem sempre os carregadores eram empregados no transporte, sendo por
vezes reunidos para a tropa militar ou ainda para prestar serviços públicos como manutenção
e edificação de estradas.283
Nos séculos XVII e XVIII o recrutamento de mão de obra para o serviço de carreto era
violento e brutal, o que levou a inúmeros conflitos entre africanos e portugueses. Conquanto,
a partir dos anos 1840, com a lenta, mas significativa queda do comércio de escravizados, a
demanda por braços carregadores apenas cresceu, o que levou a um aumento do conflito e,
por conseguinte, uma maior debilidade portuguesa perante o poder das chefias africanas. Esse
aumento pela busca de carregadores atingiu diretamente Mbaka, que no entremeio do século
XIX era a principal região no qual os comerciantes de Luanda e seus sertões buscavam braços
para dar vazão a produção agrícola, extração de cera, mel, marfim, minérios e óleos
vegetais.284
Negociantes que circulavam pelo interior tinham o direito garantido pela
administração colonial de que as chefias africanas avassaladas forneceriam mão de obra
adequada para a realização do comércio. Caso o chefe se recusasse a fornecer braços, a
administração investia na tentativa de retirar este do poder em conluio com os makota, na
medida em que o sucessor do chefe caído seria escolhido pela administração portuguesa. No
entanto, nem sempre portugueses conseguiam fazer pressão. Um exemplo disto é a negativa
que as chefias da região do Lombe tinham em fornecer carregadores, contudo, mesmo sendo
passíveis de punição, faltava poder político moral para administração portuguesa executar os
dispositivos cabíveis. Quando as chefias acatavam o pedido português, acabavam por
submeter à região a instabilidade momentânea, pois o recrutamento de mão de obra era, a bem
verdade, um sequestro de pessoas por meio de agressões físicas e amarrações. Após os chefes
terem apresentado os carregadores as comitivas comerciais ou militares, tais comitivas ainda
283
COUTO, Os capitães mores em Angola, Op. Cit., p. 236. 284
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 395.
108
enfrentavam o fato de que boa parte dos arregimentados se recusava a lançar braços no
carreto. Havia alguns que declaravam serem socialmente protegidos do serviço de carreto ou
ainda aqueles que tinham conhecidos influentes e se livravam da difícil labuta.285
O século XIX em Angola foi marcado por mudanças e permanências. A organização
do serviço de carreto não ficaria cristalizada neste contexto. Tentativas de reforma foram
colocadas em prática com a introdução de animais de carga, requalificação de estradas e
readequação do serviço de carreto, conduto, o uso de carregadores era mais prático e barato a
curto e médio prazo aos comerciantes portugueses. Desta forma, ideias e tentativas práticas de
formas alternativas de transporte caíam tão rápido quando surgiam. Medidas mais duras foram
tomadas em 1856 com a proibição do serviço de carreto, que levou a uma crise de
legitimidade portuguesa junto a comerciantes que se entenderam prejudicados e, chefias
africanas, que viram um dos seus melhores instrumentos de barganha esvair. A proibição
durou pouco e logo o serviço voltou a ocorrer – se é que realmente parou. Conquanto, fica
claro que nem sempre os interesses de chefes africanos e portugueses eram divergentes.
Como já foi dito, Mbaka era a localidade do interior mais procurada para se buscar
carregadores no entremeio do século XIX, pois, de longe era uma das regiões com a maior
concentração de chefias africanas avassaladas, além de estar bem posicionada nas rotas
comerciais interioranas. Sobre o recrutamento de carregadores, sua natureza e implicações
políticas, o Alferes Francina – já conhecido desta dissertação – deixou breve, mas interessante
comentário sobre o processo e suas implicações sociais.
Na altura da região fronteiriça entre Golungo Alto e Mbaka, o Alferes fez pouso na
vila de moradores de Aldeia Nova. Além de ser recebido pelo chefe português local, Francina
trava contato diretamente com uma importante autoridade local, o Soba Bango. Francina
indica que Bango era um chefe africano [...] singular entre os mais Sobas em todo o seu
tratamento, dignidade e forma de governo [...]286
possuindo um enorme controle sob sua
comunidade nada pequena de aproximadamente 780 fogos – número considerável para região.
Francina ainda destaca a postura da esposa de Bango que trajava elegantemente vestes
europeias e colocava-se ao lado do cônjuge. Os elogios e observações positivas a Bango não
estavam ligados apenas a uma questão de identificação de costumes em comum, mas dizia,
sobretudo, respeito à importância de Bango para o bem desenvolver do comércio lícito.
285
Um exemplo são os próprios camundeles abordados no item 2.1. 286
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., p. 14.
109
Francina indica que Bango exercia uma enorme [...] força física e moral sobre seus
subordinados [...]287
que em respeito a sua autoridade incontestável tornavam o recrutamento
de carregadores mais rápido e menos dificultoso a este chefe, não sendo preciso [...] mandar
encarregados para os tirar por meio de amarrações, porque não admite em suas terras
cammundeles e este distrito tem apenas uma família nobre que a dos Bravos [...].288
De certa forma, na visão de Francina, Bango era um exemplo de autoridade africana
no qual a administração portuguesa devia incentivar e estreitar laços. Quando ainda estava em
Mbaka e falava sobre as autoridades locais, o Alferes apontava para a existência de poucos
chefes que realmente ostentavam controle político efetivo sobre suas comunidades, sendo que
os demais eram [...] sobetas de meia dúzia de fogos [...].289
Na visão de Francina, melhor
seria se as chefias de maior expressão incorporassem os demais chefes menores com o intuito
de fortalecer as comunidades locais. Neste sentido, comunidades com um poder mais
centralizado tornariam o arregimento de mão de obra mais ágil, assim como ocorria com na
comunidade liderada por Bango.
As observações de Francina apontam para uma concomitância de interesses entre
africanos e portugueses motivados por distintas razões. De um lado os chefes africanos que
buscavam consolidar sua hegemonia política dentro de suas comunidades e frente a
administração colonial por intermédio do controle do fornecimento de mão de obra e, por
outro lado, a administração colonial que incentivando esta movimentação das autoridades
africanas buscava um controle maior sobre as comunidades locais e consequente sobre seus
territórios, alienando o poder político e criando laços de dependência que poderiam ser
rompidos por parte dos portugueses quando estes se estabilizassem em uma determinada
região e ficassem menos dependentes da relação com as chefias.
Outro dado interessante levantado pelo Alferes Francina diz respeito à certa
concentração de chefias na região de Mbaka. Inicialmente, esta informação leva ao
entendimento de que um considerável número de chefias era resultado de uma região
comercialmente ativa, que gerava a circulação de bens e pessoas. Todavia, outra possibilidade
pode ser aventada. Quando se observa o desenvolvimento do comércio legítimo, a emergência
do tráfico ilegal e as ações das chefias pode-se levantar a possibilidade de uma fragmentação
das comunidades africanas, dando origem a novos núcleos. Em outras palavras, as novas
287
Idem. 288
Idem. 289
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca, Op. Cit., Loc. Cit.
110
dinâmicas comerciais afetaram diretamente a organização linhageira, dando origem a novos
núcleos de poder, sendo, por conseguinte, comunidades menores com um número pouco
expressivo de linhagens participantes e frequentemente com uma relação de submissão a
outros sobados. Este assunto será mais bem tratado no próximo capítulo, mas cabe aqui
ressaltar que esta postura é central para se compreender as ações e estratégias das chefias
africanas em Angola.
A necessidade portuguesa por controlar a mão de obra era óbvia. Se a administração
estivesse dependente das chefias para o fornecimento de carregadores, impossível seria
subjugar tais autoridades visando ocupar e legislar sobre suas terras. O desejo de combater o
monopólio das chefias sobre a mão de obra abriu uma discussão em Lisboa sobre formas
alternativas de dinâmicas de trabalho. As orientações portuguesas sobre Angola a partir dos
anos 1830 diziam respeito à transformação daquela região em uma colônia agrícola
colonizada por populações brancas, contudo, a interação com as maciças comunidades locais
teriam papel importante, na medida em que faltava, aos portugueses, força para sobrepujar o
poder africano.
Para combater o monopólio das chefias, não bastava vencer na balança do poder
político, era necessário transformar o serviço de carreto em algo atrativo e menos odioso por
aqueles que eram compulsoriamente compelidos à atividade de carregador. O caminho para
isso seria a regulamentação jurídica e reforma constante desta estrutura de trabalho. Não
obstante, a prática era muito espessa para ser rompida. Era árdua a tarefa de solapar séculos
de violência, pois [...] os vícios eram muito profundos [...]. 290
Segundo Carlos Couto, o
século XVIII e o crescimento do tráfico de escravizados foram responsáveis por desenvolver
uma ojeriza ainda maior dos angolanos pelo serviço de carreto. Neste período, o serviço se
tornou mais brutal que o habitual, as recompensas eram irrisórias comparadas ao esforço e, na
visão do autor, essa situação teria dificultado aos portugueses criar laços mais profundos e
eficazes com as comunidades do interior, que preferiam a tutela das chefias ao da
administração portuguesa.291
A realidade setecentista reconstruída por Couto parece plausível e, tomando em conta
as devidas proporções e variáveis, pode-se pensar o oitocentos em moldes semelhantes. A
bancarrota do tráfico legal e posteriormente ilegal aumentou a demanda por mão de obra
290
CARREIRA, Antonio. Angola: da escravatura ao trabalho livre. Lisboa: Arcádia, 1977, p. 97 291
COUTO, Os capitães mores em Angola, Op. Cit., p. 241-256.
111
interna em Angola, pois agora era necessário tanto a portugueses quanto a chefias, criar meios
alternativos de renda – especialmente agricultura e extração. Esse cenário levou a um
aumento da violência ao mesmo tempo em que medidas legais buscavam criar formas
alternativas de trabalho, como a categoria dos libertos.292
Na teoria, os libertos configuravam
uma camada jurídica que havia superado a escravidão, seja via interesse da administração
colonial e de privados ou por meio da compra da liberdade. Essa situação não era específica
de Angola, mas praticamente em diversos pontos do Império Ultramarino português e demais
locais da América e África. Conquanto, em Angola, esta categoria aparece no século XIX
como uma alternativa de incorporação de africanos na constituição da cidadania nas
possessões ultramarinas.293
Os escravizados eram entendidos como estrangeiros, portanto, não
pertencentes ao seio nacional em sua ramificação colonial, da mesma forma, os africanos
espalhados nas comunidades dos sertões também eram entendidos como estrangeiros, mesmo
suas produções, interesses e a própria demografia fossem constantemente inseridas como
parte integrante da colônia.294
Neste cenário, os libertos foram entendidos como parte da
cidadania portuguesa – o que agradava os interesses do nascente liberalismo português –,
contudo, tiveram seus direitos políticos privados. Os libertos foram constantemente analisados
pela administração colonial pelo viés do direito natural, portanto livres, mas incapazes de se
colocarem como sujeitos políticos.295
Em outro sentido, incapazes de simpatizar e
promoverem o desenvolvimento do progresso.
Ter acesso aos direitos civis não significava na prática que os libertos fossem livres de
fato. Podiam não mais ser subjugados a escravidão, mas constantemente se encontravam
obrigados a prestar serviços públicos ou ainda forçados ao trabalho braçal nas roças por
justificativa do bem desenvolver da colônia.296
Em 1869 as cortes em Lisboa aprovam a
abolição da escravatura297
e alguns anos depois em 1875-78 é promulgado o fim dos trabalhos
292
Cf. LOVEJOY, A escravidão na África, 2002.; RODNEY, Walter. Como a Europa subdesenvolveu a África.
Lisboa: Seara Nova, 1975.; AJAYI, Ade J. F. Conclusão: a África às vésperas da conquista europeia. In: AJAYI,
Ade J. F. História Geral da África, VI: África do século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI, Ade J. F.
Brasília: UNESCO, 2010. Ainda sobre as vantagens que a escravidão e o trabalho forçado poderiam propiciar a
administração colonial Cf. MARGARIDO, Alfredo. Les porteurs forme de domination et agents de changement
em Angola (XVII-XIX), 1978. 293
SILVA, Cristina Nogueira da. Constitucionalismo e Império: a cidadania no Ultramar português. 563 f. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2005, p. 354-255.
Versão disponível no repositório da UNL no formato pré-publicação. 294
Ibidem, p. 325-228. 295
Ibidem, p. 369-370. 296
TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 297
MARQUES, João Pedro. Portugal e o abolicionismo. In: ALEXANDRE, Valentim (org). O império africano
(séculos XIX e XX). Lisboa: Colibri; IHC-UNL, p. 31-54.
112
servis – o estatuto do liberto.298
Na prática isto não significou liberdade, pelo contrário, a
situação sobre a obrigatoriedade do trabalho tornou-se cada vez mais dura. Pelo novo
regimento os africanos estavam sujeitos a tutela do estado que tinha o direito de vender a sua
força de trabalho, de preferência aos seus antigos patrões. Além disso, passa a se considerar a
não colaboração com o desenvolvimento colonial como ato de vadiagem punível com o
trabalho forçado,299
ou seja, se um pequeno proprietário agrícola africano não destinasse parte
de sua produção à administração colonial, poderia ser enquadrado como vadio e punido com
um contrato de trabalho. De certa forma, liberto, livre ou contratado, por mais que
juridicamente possuíssem concepções distintas, na prática nada de libertador ofereciam as
populações africanas. Forçar os africanos ao trabalho foi justamente o caminho trilhado pela
administração colonial no século XIX – mesmo que com divergências.300
Outra forma de retirar da mão das chefias a influência no regime de carreto e
transformar a seleção mais branda foram por intermédio de medidas legislativas punitivas a
autoridades africanas exerciam demasiada pressão sobre as comunidades africanas, tornando a
relação mais branda e por meio de formas de trabalho alternativa ao carreto, mas que na
prática se comportavam para formas difusas de emprego de força laboral forçada no regime
de prestação de serviços e na construção de obras públicas como estradas, corte de madeira,
labuta agrícola ou a edificação de pontes e prédios administrativos e religiosos.301
Por um lado
se tentou uma aproximação junto aos Sobas e uma punição indireta sobre os trabalhadores,
reduzindo a pressão do não fornecimento de mão de obra sob as autoridades africanas. Em
nível administrativo, as mudanças retiraram poder dos chefes distritais e de presídios,
delegando a decisão sobre punição e emprego de mão de obra nas mãos do governador e sua
comissão.
A relação de atrito entre o poder litorâneo e o interiorano não era novidade. Não é
difícil verificar na documentação a insatisfação que alguns membros da burocracia de
formação jurídica relatavam quando se lançavam ao interior. O principal ponto de conflito
residia no exercício de uma espécie de duplo poder por parte dos militares em atividade nos
sertões: basicamente estes julgavam no âmbito político e jurídico a revelia do poder colonial
298
TORRES, O Império entre o real e o imaginário, Op. Cit., p. 164-167. 299
Idem. 300
A divergência era Sá da Bandeira que pretendia uma organização do trabalho focada na venda da força de
trabalho e não no portador da energia produtiva. Isso levou a política fracassada de suprimir o serviço de
carregadores em 1856. Cf. BANDEIRA, O tráfico da escravatura, 1840. Para uma visão crítica e objetiva Cf.
MARQUES, Portugal e o abolicionismo, 2000. 301
FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 960, 963, Op. Cit, p. 60.
113
de Luanda.302
A falta de controle de Luanda sobre os chefes portugueses distritais impactava
diretamente no âmbito da mão de obra, pois não era incomum que militares do interior
extrapolassem os limites regimentares e forçassem o fornecimento ilegal de trabalhadores ou
ainda no embolso da remuneração destes indivíduos quando remunerados.303
Pode-se observar a necessidade portuguesa da busca pelo controle da mão de obra,
assim como a importância que esta prerrogativa tinha perante as chefias africanas. O controle
do recrutamento assim como da força de trabalho davam vantagens a ambos, o que por vezes,
faziam com que interesses distintos se colocassem em ajuda mútua, como pode ser verificado
no caso do Soba Bango descrito por Francina. Em longo prazo a mutualidade entre Bango e a
administração colonial se demonstraria maléfica a este chefe, porém no plano imediato,
fornecer carregadores de forma rápida e ordeira abria caminho para possibilidades comerciais
e colaboração militar portuguesa, garantindo assim um status social e político diferenciado a
Bango em relação às comunidades circunvizinhas a ele.
Cabe agora buscar compreender a importância do controle sobre a mão de obra
africana em um panorama histórico do lugar das chefias. O capítulo que se segue é uma
tentativa de evidenciar a historicidade das chefias africanas em Angola, mostrando as
dinâmicas e intempéries enfrentadas ao longo da presença portuguesa e como isso constituiu
um aparato político específico no século XIX. Em outras palavras, as chefias do século XIX
não são as mesmas do tempo predecessor. A concepção de poder foi alterada, as estratégias
remoduladas e as prerrogativas de negociação reinventadas. Uma análise mais minuciosa
sobre as chefias e suas ações evidencia não apenas a percepção de um comportamento reativo
perante um novo cenário econômico, mas uma autonomia de decisão pela parte africana que é
útil também para se compreender a presença portuguesa por um viés alternativo.
302
Cf. BETTERCOURT, Carlos Pacheco de. Relatorio da correição judicial aos julgados da comarca de
Loanda. Loanda: Imprensa do Governo, 1868. 303
FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 975, Op. Cit, p. 61.
114
CAPÍTULO 3
SOBAS E PORTUGUESES.
115
3.1. Autonomia negociada entre Sobas e os pequenos agentes militares.
A relação entre a administração portuguesa e as autoridades africanas durante os
Oitocentos deu-se basicamente em uma rede de interesses que flutuavam de acordo com as
permutas comerciais e acertos políticos que, em sua maioria, eram instáveis e ambíguos entre
as partes. Tal diplomacia pode ser entendida como um movimento de tensão constantemente
negociada. O caso do Soba Bango Aquitamba – exposto anteriormente304
- mostra, por um
lado, a dependência portuguesa para a consolidação de interesses coloniais e a tática de boa
vizinhança de Bango, que desta forma garantia controle sobre sobetas de menor expressão.
Contudo, o mesmo evento evidencia a necessidade das comunidades do distrito do Golungo
Alto, principalmente dos estatutos políticos mais elevados, de manter relação comercial,
política e militar com a administração portuguesa. Esta premissa corrobora no entendimento
dos interesses de algumas chefias mais próximas a administração colonial em buscar solapar
de forma não militarizada – mas nem sempre – suas elites políticas e conselhos
gerontocráticos.
Para se compreender de forma mais instruída o comportamento das autoridades
africanas para além do regime de carreto no século XIX, compete compreender o estatuto
político de Soba não apenas como um conceito político africano ainda vigente, mas também
como uma categoria histórica complexa, sujeita a semântica temporal, a alterações sociais e,
principalmente, a reconfigurações pós-contato com não africanos.
Em sua análise sobre a história oral dos Mbangala, Joseph Miller aponta que o
significado da palavra Soba girava em torno da nomeação portuguesa, no sentido de que a
semântica do termo estaria vinculada a uma interação histórica com portugueses.305
Ao recuar
no século XVII na obra de Antonio de Oliveira de Cadornega pode-se observar que o estatuto
Soba não necessariamente indica o chefe principal de uma comunidade, mas uma autoridade
local subjugada politicamente a outros estatutos políticos como Ngola.306
De braço do poder
do Ngola no século XVII o estatuto do Soba foi ganhando mais autonomia política conforme
os conflitos entre portugueses e o Ndongo fragilizavam o equilíbrio do poder local. Já no
século XVIII o Soba gozava de autonomia no que diz respeito à legitimidade de seu estatuto
304
FRANCINA, De Loanda ao districto de Ambaca. 305
MILLER, Poder político e parentesco, Op. Cit. p. 230-231. 306
CADORNEGA, Antonio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas. Tomo I. Lisboa: INCM, 1972,
passim.
116
político frente a antigos titulares. Todavia, a autonomia do Soba estava intimamente ligada
aos titulares kota, personagens bem conhecidos da documentação sobre Angola que agiam
como uma elite política orbitando ao redor do Soba,307
geralmente era composta homens
considerados lembas.308
Neste sentido, por mais problemática que a análise de Miller seja com
relação ao tratamento de dados,309
sua indicativa de que o sentido do termo Soba torna-se
historicamente contido na relação entre portugueses e falantes do kinbundu demonstra-se
coerente. Já na altura do século XIX, o Soba não apenas estava plenamente consolidado como
dava sinais de que a relação política com os makota havia se alterado. As novas dinâmicas
comerciais envolvendo africanos310
e uma possível reestruturação da organização linhageira
apontam que os Sobas pressionavam suas elites locais na tentativa de que as sucessões
beneficiassem sua a estrutura linhageira.311
Ao longo do século XVII e XVIII a região do Golungo Alto e as populações que ali
circunscreviam viveram de maneira bastante intensa os tratos relativos ao comércio de
escravizados. Um exemplo é Mbaka, um dos pontos interioranos mais importantes nas
dinâmicas escravistas promovidas pelos sertanejos com capital litorâneo de Luanda oriundos
de Portugal e Brasil. O que colaborava maciçamente para o forte desenvolvimento deste
comércio na região era o posicionamento estratégico, pois durante todo o século XVIII foi o
ponto de influência portuguesa mais oriental em direção à movimentada feira de Kassanje e,
ao mesmo tempo, não se encontrava tão distante do núcleo de Luanda. A rota vinda de
Kassanje, passando ao longo do distrito do Golungo Alto com destino a Luanda era uma das
carreiras comerciais mais movimentadas sob influência portuguesa.312
Pensando no tráfico como uma atividade comercial transformadora e reestruturante
das sociedades africanas a partir do século XVII, Jan Vansina fez breve, mas importante
307
Cf. MILLER, Poder Político e parentesco, passim.; CARVALHO, Os homens do rei em Angola, Op. Cit, p.
46-59. 308
Segundo Joseph Miller o Lemba é um tio mais velho da linhagem matrilinear, que junto com outros Lemba
formam um grupo gerontocrático de aconselhamento, apoio e regulador das atividades políticas e sociais do
Soba, sendo este grupo detentor do estatuto Kota, no plural makota. Cf. MILLER, Poder Político e parentesco 5,
p. 64-67. 309
A grande questão envolvendo o tratamento de dados realizado Miller diz respeito a uma série de
generalidades em busca de uma coerência argumentativa acerca do desenvolvimento de padrões políticos e
sociais entre os Mbundu. Para um análise sobre o Ndongo mais atual e critica a de Miller Cf. COELHO, Virgilio.
Em busca de Kábàsà, Op. Cit., p. 443-77. 310
Cf. HENRIQUES, Isabel Castro. Sal, comércio e poder em Angola. In: O pássaro do mel: estudos de história
africana. Lisboa: Colibri, 2003, p, 83-99. 311
VANSINA, Jan. Ambaca society and the slave trade, c. 1760-1845. In: The Journal Of African History, mar,
p. 1-27, 2005.; MILLER, 1988, p. 71-104. 312
MILLER, Way of death, Op Cit., p. 207-244.
117
análise, sobre o impacto que a atividade exerceu sobre as comunidades africanas da região de
Mbaka ao longo do século XVIII e primeira metade do século XIX. As estruturas já a muito
estudadas das comunidades matrilineares de Angola sentiram a pressão do tráfico de
escravizados de forma maciça na organização demográfica e no equilíbrio do poder político
linhageiro. No que compete às autoridades africanas, o impacto da atividade traficante pode
ser mais sensivelmente observado no fortalecimento político obtido por intermédio não
apenas do uso de insígnias culturais não africanas originadas das permutas comerciais, mas
também nas alianças formais estabelecidas com a administração portuguesa.313
É bem verdade
que a esmagadora maioria de tais alianças estava assentada em um terreno bastante instável e,
por mais sólido que um tratado pudesse parecer era facilmente rompido e reestruturado de
acordo com os interesses africanos.
A possibilidade de acumular prestígio e poder político por meio do comércio de
escravizados fortaleceu a figura do líder linhageiro perante comunidades circunvizinhas e a
sua própria, mas ao mesmo tempo permitiu a emergência de que novas linhagens menores se
fortalecessem em um cenário que deu origem ao que Vansina chamou de novas elites que
passaram a ameaçar comunidades mais antigas.314
Esse processo parece ter ganhado ainda
mais força quando as comunidades de maior peso político como Kassanje encontraram
dificuldades em se reestruturar perante a falência do comércio legal de escravizados, abrindo
ainda mais o caminho para que pequenos grupos, em sua maioria sem relação formal com a
administração colonial, se envolvessem no tráfico ilegal nas regiões costeira de pouca ação
portuguesa.315
O contato comercial e, consequentemente político, também levou ao
envolvimento burocrático entre chefes africanos e a administração colonial. Durante o século
XIX, por exemplo, foi muito comum que os chefes atuassem em determinadas situações como
agentes da administração colonial, seja na responsabilidade de arregimentar mão de obra para
o serviço de carreto ou ainda na recolha de impostos como o dízimo.316
Esta dinâmica
fortalecia a relação com a administração colonial e distinguia as chefias, todavia fragilizava a
autoridade africana perante a política portuguesa local; os capitães-mores.317
Jan Vansina coloca em dúvida se a formação destas novas elites e o envolvimento com
a burocracia colonial dos chefes na região de Mbaka estava vinculado ao tráfico de
313
Ibidem, p. 71-104.; VANSINA, Ambaca society and the slave trade. 314
Ibidem, p. 16-21. 315
FERREIRA, Dos sertões ao Atlântico, Op. Cit., p. 9-12. 316
VANSINA, Ambaca society and the slave trade, Op. Cit., 23. 317
Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola, passim.
118
escravizados ou a uma pressão alimentada pelo interesse da administração colonial.318
Os
indícios recolhidos pelo autor não permitem uma exploração mais avançada sobre a matéria,
porém é preciso frisar que o real controle e influência portuguesa sobre as comunidades de
Mbaka no século XVIII e boa parte do XIX era bastante tímida e que o envolvimento africano
no tráfico de escravizados nem sempre era prerrogativa portuguesa. O próprio Vansina indica
que o crescimento observado na região de Mbaka ao longo do século XVIII e inicio do XIX
estaria fortemente conectado com um interesse das chefias africanas reafirmarem poder
político por intermédio do comércio com portugueses e comunidades circunvizinhas.319
Esse
processo não apenas aponta para um protagonismo africano nos interesses comerciais, como
leva Vansina a conjecturar uma chefia africana cada vez mais individualizada dentro das
linhagens. Tradicionalmente as comunidades do grupo linguístico kimbundu residentes na
região de Mbaka estavam organizadas de forma matrilinear e gerontocrática, com uma
organização de trabalho bem definida: mulheres dedicando-se a agricultura e os homens
voltados à caça, guerra e ofícios artesanais como a manipulação do ferro.320
Essa forma de
organização social é segundo a bibliografia antropológica bastante difundida na região de
migração e ocupação dos falantes de línguas com origem no tronco Niger-Congo.321
Essa
estrutura obviamente não era imutável e em Mbaka ocorreram profundas transformações que
impactaram diretamente a conformação das linhagens matrilineares.
A mudança mais substancial talvez tenha sido o fato de que ao longo do século XVIII
a figura do homem mais velho irmão da mãe tenha crescido e acumulado prestigio dentro das
comunidades devido ao contato com o comércio de gentes, pois até então era comum que o
filho de uma irmã mais velha acumulasse poder e destoasse dentro de uma comunidade. Essa
grande mudança ao longo do século XVIII parece ter ganhado linhas mais consolidadas
durante o século XIX, sendo segundo Vansina o seu principal efeito a possibilidade de uma
herança patrimonial herdada de forma matrilinear. Nesta altura a herança não era somente dos
estatutos políticos e objetos rituais, mas havia espólios comerciais, bens europeus e, claro,
indivíduos escravizados. Neste sentido o homem mais velho de uma linhagem materna da
comunidade passa a controlar a força produtiva – independente da reivindicação parental –,
318
VANSINA,. Ambaca society and the slave trade, Op. Cit., p. 21. 319
Ibidem, p. 25. 320
Para uma interessante análise sobre a relação entre a manipulação do ferro, estruturação social e poder
político Cf. SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros na África central no século XIX. São
Paulo: Alameda, 2011. 321
Cf. MEILLASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros e capitais. Porto: Afrontamento, 1976.; ______.
Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.; TURNER, Victor.
The forest of symbols: aspects os Ndenbu ritual. London: Cornell University Press, 1967.
119
centralizando de forma mais enfática as atividades de responsabilidade da chefia ou, como é
frequentemente referido na documentação, o Soba.322
O estatuto político Soba é antigo e, como fora visto, resignificado com o passar do
tempo. O espraiamento direto e indireto do comércio português sobre as mais plurais
comunidades africanas gerou uma vulgarização do termo Soba a qualquer autoridade central
africana. No empreendimento colonial branco de Mossamedes, os portugueses tiveram
dificuldades na década de 1830 ao lidar com autoridades políticas novas, etiquetadas como
Sobas, com costumes distintos e, principalmente que demonstravam desinteresse no
comércio. A situação ficava ainda mais complicada quando tais autoridades recebiam e davam
abrigo a sujeitos fugitivos do comércio traficante. A falta de interesse portuguesa em conhecer
as comunidades africanas para além do básico do trato comercial e boa vizinhança política fez
com que estatutos políticos como Handa, na região sul da Província Angola fossem
rapidamente categorizados como Soba. 323
O mesmo se aplica os Sobas da região do Golungo
Alto, como Bango Aquitamba, que desde o século XVI estava envolvido com o tráfico de
escravizados e fornecimentos de provisões aos portugueses.324
Obviamente o Bango
Aquitamba do século XVI não era o mesmo sujeito que o Alferes Francina encontrou no
século XIX, tratam-se mais de um estatuto político do que um nome próprio. No contexto
oitocentista, o dicionarista, poeta e jornalista angolano Joaquim Dias Cordeiro da Matta
grafou em seu dicionário kimbundu/português que o verbete Soba era sinônimo de regulo ou
potentado, ou ainda uma expressão de tratamento social envolvendo o jogral linguístico dos
enigmas.325
A definição como potentado feita por Matta é bastante conivente com o seu
tempo, pois nesta altura o Soba era visto como autoridade máxima das comunidades nos
sertões de Luanda e a categoria acabou sendo generalizada para qualquer chefe africano em
Angola, inclusive aqueles que possuíam títulos políticos e estatutos sociais diferentes. Abaixo
segue uma lista com Sobas encontrados no commpito geral dos textos que compõem está
322
VANSINA, Ambaca society and the slave trade , Op. Cit., p. 16-20. 323
MENEZES, Demonstração geographica e politica do territorio portuguez da Guiné Inferior, Op. Cit., p. 115.
O texto de Menezes faz referência ao Handa como Soba, sendo Handa utilizado como nome próprio. Jill Dias de
forma coerente identificou Handa como estatuto político e também referenciou o termo graficamente como
Hamba. Cf. DIAS, Angola, Op. Cit., p. 346-347. 324
Cf. nota 54 da página 47. In: ALFAGALI, Cryslaine Gross Marão. Ferreiros e fundidores da Ilamba. Uma
história social da fabricação de ferro e da real fábrica de Nova Oeiras. (Angola, segunda metade do séc XVIII).
407 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. 325
MATTA, Joaquim Dias Cordeira da. Ensaio de diccionário kimbundu-português. Lisboa: Typographia e
Stereotypia Moderna, 1893, p. 142. Para uma interessante análise sobre Joaquim da Matta Cf. CORRADO,
Jacopo. Joaquim Dias Cordeiro da Matta: A Poet, Pedagogue, and Promoter of Indigenous Languagesin Late
Nineteenth-Century Angola. In: Research in African Literatures, Vol. 40, Nº 2, 2009, p. 140-158.
120
pesquisa.326
Nem todos foram analisados e os dados referentes a cada um variam muito. Em
alguns casos existe uma intensa escrita dos pequenos agentes – principalmente quando se trata
de um encontro direto –, por outro lado ocorre a nulidade de informações, sendo os Sobas
simplesmente citados, seja porque o viajante apenas cruzou por suas terras sem encontra-lo ou
porque na perspectiva do registro colonial não havia interesse. Existem também Sobas que
tiveram suas informações construídas a partir do cruzamento de dados documentais, estando
alguns dos dados fragmentados em diferentes textos.
326
Os dados foram recolhidos diretamente na documentação analisada que pode consultada de formacompleto na
bibliografia, subitem fontes ao final desta dissertação.
121
SOBA RELACIONAMENTO INFORMAÇÕES LOCALIZAÇÃO
Ngola Quiato vassalo 712 fogos - D. Agostinho Domingos Massangano
Itombe vassalo 659 fogos - D. João Paulo de Araújo Massangano
Bamba a Tunga vassalo 467/399 fogos - D. Pedro João Jeromyno Massangano
Gengue vassalo 487 fogos - D. Christovão Matheus Massangano
Ngolome vassalo 281 fogos - D. João Dias Botelho Massangano
Zumba a Quizunde vassalo 190 fogos - D. Manoel Joannes Pegado Massangano
Zambi a Queta/Zambiaguela n/e 182 fogos - D. Lourenço Paulo Theodosio Massangano
Cabuto vassalo 181 fogos - João Domingos Massangano
Canhague vassalo 101 fogos - D. Diogo Miguel Zembo Massangano
Quissala vassalo 108 fogos - D. Matheus Agostinho Massangano
Ngola Andala vassalo 87 fogos - D. Amaro Mathias dos Santos Massangano
Quilonguella vassalo 76/41 fogos - D. João André Fernandes da Cruz Massangano
Quiguango/Quiguangua vassalo 64 fogos - D. Antonio Damião Massangano
Sonna Cangombe vassalo 352 fogos - 235 cabeças de gado - D. Manuel Matheus Pedro Cambambe
Quilonga Quianzunga vassalo 324 fogos - D. Maria Gregório Cambambe
Cabuco Cambilo vassalo 2.976 fogos - 921 cabeças de gado - Dembo - D. Francisco André Fernandes Torres Cambambe
Mutta Localla n/e n/e Cambambe
Dumbo Apepo vassalo 1.107 fogos - 676 cabeças de gado - D. Magdalena Sebastião João Gago Cambambe
Nhangue Apepo vassalo 174 fogos - 125 cabeças de gado - D. Gaspar Lourenço Cambambe
Quilonga Quiabungo vassalo 846 fogos - D. André João Fernandes Cambambe
Casse Candala vassalo 194 fogos - 59 cabeças de gado Cambambe
Ndambi Assamba vassalo 194 fogos - 201 cabeças de gado - D. Domingos João Cambambe
Muhanga Atutu vassalo 219 fogos - 200 cabeças de gado - D. Manoel Chamorro da Silva Cambambe
Cambembe Calunga vassalo 524 fogos - 20 cabeças de gado - D. Pascoal Fernandes da Cunha Cambambe
Quitungo Quiabungo vassalo 383 fogos - D. Gregório Gaspar Cambambe
Ngolandala vassalo 231 fogos - 347 cabeças de gado - D. Manuel Quizunguila Cambambe
Quissuba Quiaqueta vassalo 275 fogos - 17 cabeças de gado - D. Anna Fernandes Torres Cambambe
122
Muquila Aquilungo vassalo 374 fogos - 168 cabeças de gado - D. João Bartholomeu Cambambe
Ngola Calunga vassalo 736 fogos - 14 cabeças de gado - D. Maria Pedro André Cambambe
Quiluangi Quiassonde vassalo 303 fogos - 597 cabeças de gado - D. Manoel João Miguel Cambambe
Quibongo Quialungi vassalo 174 fogos - 72 cabeças de gado - D. Joaquim João Cambambe
Ndombo Andala vassalo 164 fogos - 147 cabeças de gado - D. Pedro Antonio Ferreira Cambambe
Ndalla Tutu vassalo 114 fogos - 72 cabeças de gado - D. João Francisco Antonio Cambambe
Ndalla Cane vassalo 114 fogos - 138 cabeças de gado - D. Manoel Francisco Cambambe
Nhangue Aquiluangi vassalo 97 fogos - 87 cabeças de gado Cambambe
Caluete Candua vassalo 86 fogos - 85 cabeças de gado Cambambe
Ndandi Angola vassalo 78 gofos - 14 cabeças de gado - D. Manoel Francisco Cambambe
Cafuxi Cabango vassalo 71 fogos - 71 cabeças de gado Cambambe
Bungue vassalo 30 fogos Cambambe
Caboco Caambundo vassalo 27 fogos - 55 cabeças de gado - D. Antonio Francisco Cambambe
Caboco Candala Quitanda vassalo 26 fogos - 22 cabeças de gado - D. Domingos José Manuel Cambambe
Nzumba Apangi vassalo D. Quilulu Cambambe
Ngola Pumba vassalo plantações, carregadores, criação Cazengo
Hango vassalo n/e Cazengo
Ndalla Tando vassalo 1.780 fogos Cazengo
Guangua vassalo 104 fogos Cazengo
Caboco Cahebo vassalo 501 fogos Cazengo
Hoco Acassambi vassalo 454 fogos Cazengo
Caculo Cameuinza vassalo 2.121 fogos Cazengo
Muinza a Ngoma vassalo 490 fogos Cazengo
Cavungi Comona vassalo 409 fogos Cazengo
Ndanda Cavungi vassalo 4.901 fogos Cazengo
Hango a Ngolome vassalo 369 fogos Cazengo
Ngola Mona vassalo 239 fogos Cazengo
Ngola Cafuxi vassalo 88 fogos Cazengo
Hango Aquihito vassalo 127 fogos Cazengo
Quito Quiacabaça vassalo 161 fogos Cazengo
Hundo a Ngombe vassalo 97 fogos Cazengo
Ngola Mona II vassalo 67 fogos Cazengo
123
Queinangi quia Cavungi vassalo 74 fogos Cazengo
Queta vassalo n/e Golungo Alto
Bango Aquitamba vassalo 780 fogos - plantações, carregadores, criação Golungo Alto
Ngola Bumba vassalo 44 fogos Mbaka/Cazengo
Ngonga a Muisa vassalo n/e Mbaka
Ndalla Ceia vassalo n/e Mbaka
Caculo Cacabaça vassalo n/e Mbaka
Pari a Mulenga vassalo plantações Mbaka
Cassoha Cagingi vassalo n/e Mbaka
Quibangano Andala Canhaga vassalo n/e Mbaka
Ngola Luigi vassalo plantações Mbaka
Quitucolo vassalo n/e Mbaka
Buabua vassalo n/e Mbaka
Cauzenze Ngola Alucalla vassalo n/e Mbaka
Quilanga vassalo n/e Mbaka
Ndalla Alucalla vassalo n/e Mbaka
Quibinda vassalo n/e Mbaka
Satte vassalo n/e Mbaka
Quitala quia Casseno vassalo n/e Duque de Bragança
Camdumba vassalo n/e Duque de Bragança
Samba Cango vassalo n/e Duque de Bragança
Ngolome Aquitamba não avassalado n/e Duque de Bragança
Ndalla Bumba vassalo n/e Duque de Bragança
Ndalla Canhanga vassalo n/e Duque de Bragança
Luamba Lomgolome vassalo n/e Duque de Bragança
Quiluange Quiacangala n/e n/e Duque de Bragança
Bangoa Lucalla vassalo n/e Duque de Bragança
Cabange Caquitamboa não avassalado n/e Duque de Bragança
Muenza Quanza vassalo n/e Duque de Bragança
Gongo Saki vassalo n/e Duque de Bragança
124
Muenza Angonga vassalo n/e Duque de Bragança
Ngolombe Aquitamboa vassalo n/e Duque de Bragança
Ngola Cambango vassalo n/e Duque de Bragança
Lucalla Andala Mona vassalo n/e Duque de Bragança
Namba Quiala vassalo n/e Duque de Bragança
Sange Alomba vassalo n/e Duque de Bragança
Namba Quiala vassalo n/e Duque de Bragança
Calandula Caquibambo vassalo n/e Duque de Bragança
Ndalla Tumba vassalo n/e Duque de Bragança
Quiluange Cassamba não avassalado n/e Duque de Bragança
Ndambi Angola vassalo n/e Duque de Bragança
Quifucuecussa n/e n/e Duque de Bragança
Calandula Cagombe vassalo n/e Duque de Bragança
Mocombo Assamba vassalo n/e Duque de Bragança
Mutamba não avassalado n/e Duque de Bragança
Tango Angonga não avassalado n/e Duque de Bragança
Calandula Caquibango n/e n/e Duque de Bragança
Bomba não avassalado n/e Duque de Bragança
Ndambi Zumbo Azalezale não avassalado n/e Duque de Bragança
Nhangue Amacamba vassalo n/e Npungo a Ndongo
Nhalha Quioza vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ngola Zanza vassalo n/e Npungo a Ndongo
Canzinzo vassalo n/e Npungo a Ndongo
Candumbo Caango vassalo n/e Npungo a Ndongo
Dombo vassalo n/e Npungo a Ndongo
Lucala Iaquilindo vassalo n/e Npungo a Ndongo
Palanca vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quissa Quina vassalo n/e Npungo a Ndongo
Nbala Quirimba vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quiringe vassalo n/e Npungo a Ndongo
Muto Quito vassalo n/e Npungo a Ndongo
Gombe Andua vassalo n/e Npungo a Ndongo
125
Cabanga vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quiaxango vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quissaquina vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quiaeba vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ifunda vassalo n/e Npungo a Ndongo
Caçula vassalo n/e Npungo a Ndongo
Gombe Afuxe vassalo n/e Npungo a Ndongo
Macange vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ndambi Aquitumbo vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ganga Catua vassalo n/e Npungo a Ndongo
Quitamba vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ita Lunga vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ndalla Nambua vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ndambi Aquituto vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ngola Bambi vassalo n/e Npungo a Ndongo
Unga vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ari Andalla vassalo n/e Npungo a Ndongo
Boro vassalo n/e Npungo a Ndongo
Namboa Atondo vassalo n/e Npungo a Ndongo
Zuanga vassalo n/e Npungo a Ndongo
Ngola Quixute vassalo n/e Npungo a Ndongo
Mutta n/e n/e Npungo a Ndongo
Ponde vassalo submisso a Marimba Angombe Malanje
Calulo vassalo n/e Malanje
Chacabeto vassalo n/e Malanje
Marimba Angombe vassalo n/e Malanje
Cunga Palanca vassalo submisso a Quindange Malanje
Quindange vassalo sobrinho de Cunga Palanca Malanje
Mugire vassalo submisso a Quindange Malanje
Guri vassalo Marfim Malanje
Quibuagana Coquinai vassalo sobado em dispersão pós guerra Malanje
Calongo vassalo Cera Malanje
126
Binga Auzamba não avassalado cera e marfim Malanje/Songo
Camexe vassalo cera, marfim, carregadores, plantações Malanje/Songo
Capelle vassalo sobrinho de Camexe Malanje/Songo
Canathia vassalo plantações - filho de Camexe Malanje/Songo
Cungue vassalo n/e Talla Mugongo
Bungo Hiatembo vassalo n/e Talla Mugongo
Mutemba vassalo n/e Talla Mugongo
A grafia dos Sobas foi feita de acordo com a utilizada pelos autores da documentação.
Tabela I – Levantamento dos Sobas da região do Golungo Alto citados na documentação.
O levantamento dos Sobas do distrito do Golungo Alto permite verificar – mesmo com
lacunas – o interesse português por informações que indicassem o potencial produtivo de cada
sobado controlado por um Soba avassalado. Dentre tais informações, se sobressaem o número
de fogos, criação de animais domésticos, natureza e estado produtivo das lavouras e a
condição das estradas.327
Quanto mais interessante uma propriedade se demonstrava aos
interesses portugueses – entenda-se interesse por capacidade agrícola e de fornecimento de
mão de obra –, maior é o detalhamento das comunidades. Todavia, existe outra característica
que parece ser decisiva no interesse português: o desconhecimento. Com exceção de
Massangano, Cazengo e Cambembe, cujas informações foram recolhidas pelos autores em
registros de época, os pequenos agentes demonstram pouco interesse em registrar dados mais
precisos sobre Mbaka, Golungo Alto (ainda presídio na primeira metade do século XIX) e
Npungo Ndongo, sendo estas regiões tão importantes quanto no comércio interiorano. Por
outro lado, chama a atenção o particular interesse dos autores por regiões como Malanje e
Duque de Bragança, que no contexto dos Oitocentos eram pouco exploradas e de presença
portuguesa mais recente. Os registros sobre Duque de Bragança, por exemplo, apresentam
uma quantidade significativa de Sobas não avassalados citados na documentação, sendo tais
citações incomuns por parte dos agentes militares sobre outras regiões. Dos 31 Sobas
registrados aparecem 7 não avassalados e 3 sem especificações. A presença de não
avassalados pode indicar um interesse dos agentes em reportar à administração colonial a
necessidade de se realizar acordos e estabelecer vínculos regionais, na medida em que Duque
de Bragança era próxima a rotas comerciais que passavam por Mbaka e era margeado por
Matamba sob controle dos Ginga. Em certo sentido, dava-se ênfase a ausência da presença
portuguesa em sua manifestação indireta via relação política com os Sobas locais. Não
obstante, a quantidade de Sobas não avassalados reflete uma região de difícil transição, no
qual era preciso invadir terras consideradas hostis para chegar ao ponto interiorano ou ainda
para dali se mover aos demais presídios próximos.
Dentre os Sobas listados, chama à atenção a figura de alguns, dentre os outros, que
demonstram claramente uma predileção portuguesa devido a sua capacidade de governança, a
quantidade de fogos328
e as possibilidades agrícolas manifestas em suas terras: Dembo
327
Este último item não consta na tabela devido à dificuldade de se perceber quem controlava determinado
trecho das rotas citado pelos pequenos agentes militares. 328
A documentação não permite saber a quantidade de filhos, contudo informa uma contagem aproximada de
fogos que cada sobado possui. Obviamente não é possível chegar a uma aproximação do número de filhos sem
saber a sua média por fogos. Conquanto, não é improvável pensar que quanto maior o número de fogos maior a
Kabuku Kambilu, Dumbo Apepo, Ndala Tando, Bango Aquitamba, Ndanda Cavungi e
Caculo Cameuinza. Infelizmente a documentação trás poucas informações sobre tais Sobas,
sendo exceção Bango Aquitamba que aparece como a mais importante chefia nas
proximidades do presídio do Golungo Alto. Ao mesmo tempo, esta pesquisa acredita que o
Soba Ngola Pumba, do Cazengo329
– cuja documentação não aponta a quantidade de fogos –,
tenha uma quantidade de filhos e fogos significativos. Isto ocorre pelo curioso interesse
apresentado pelo agente Manoel Alves de Castro Francina em incentivar que o seu sobado se
dedicasse mais a agricultura. Tal informação poderia apontar para um contingente de braços
desperdiçados pela perspectiva do pequeno agente militar.
Outro ponto importante que a lista de Sobas permite verificar de forma mais clara diz
respeito à centralização política dos mesmos e o fenômeno da fragmentação das linhagens. Ao
se observar os dados da região de Malanje, faz-se possível reconstruir um padrão de ocupação
de espaço no qual as linhagens possuem um passado em comum. O Soba Camexe de Malanje
demonstra ser uma grande autoridade local, agindo como Soba avassalado de importância
estratégica aos interesses portugueses e bastante valorizado pelos agentes coloniais,330
na
medida em que apresenta lavouras significativas. Em torno de sua sobado encontravam-se
dois sobados tão importantes quanto, que segundo o autor Joaquim Rodrigues Graça eram
politicamente submetidos à Camexe: sendo seus Sobas Capelle e Canathia, sobrinho e filho de
Camexe respectivamente. A princípio a questão pode ser encarada como uma relação de
submissão linhageira, porém, mesmo que submissos, Canathia, mas principalmente Capelle,
demonstra extremada autonomia em relação a seu tio, sendo que a narrativa em seu contexto
amplo leva a reflexão de que o sobrinho controlava linhagens não submissas a Camexe. Esta
situação pode insinuar que em algum momento, os titulares Camexe e Capelle afastaram-se e
este último ganhou mais autonomia, mesmo que ainda esteja sobre o julgo maior de Soba
Camexe. Situação parecida ocorre com o Soba Quindange de Malanje e seu tio Cunga
Palanca. Porém, desta vez, o sobrinho é quem controla politicamente o tio mais velho. Não é
possível saber como essa situação se configurou historicamente com a documentação
analisada, mas não seria absurdo aviltar a possibilidade de que em algum momento ocorrerá
população de determinada comunidade na medida em que os pequenos agentes costumam informar quando as
moradias estão ou não abandonadas. 329
FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, p. 459. 330
GRAÇA, Joaquim Rodrigues. Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, ou aonde for
mais conveniente pelo interior do continente de que as tribus são senhores. In: Annaes do Conselho Ultramarino
– Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 104-105.
uma cisão linhageira por razões comerciais, na medida em que os mesmos estavam
localizados próximos a região de Npungu a Ndongo.
Ao mesmo tempo em que a documentação analisada neste trabalho e os sujeitos que a
compõe se inclinam para o fenômeno da centralização política apontada por Vansina, se
percebe outra faceta: o rearranjo político via interações políticos-comerciais do cotidiano.
Vansina exibe um cenário de reestruturação linhageira culminando na centralização de títulos
políticos ao mesmo tempo em que ocorreu uma fragmentação de poderes inicialmente
decorrida da atividade traficante e posteriormente pela circulação de bens. Por outro lado, os
pequenos agentes militares deste trabalho deixam transparecer em seus encontros com
autoridades locais, não só a necessidade destes para a manutenção da estrutura colonial, mas o
seu imprescindível protagonismo nas esferas de produção, transportes e fileiras militares. Essa
debilidade lusa frente às estruturas africanas permite aferir sobre os interesses africanos por
meio de suas estratégias e escolhas. Nesta linha reflexiva, o caso de Bango Aquitamba não é
incomum, fazendo-se possível verificar na região do Golungo Alto outros Sobas que
apresentam características semelhantes, porém, manifestada de forma distinta.
Os relatos e memórias deixados pelos pequenos agentes militares que circulavam pelo
Golungo Alto são precisos no que diz respeito aos interesses portugueses e ao julgamento
sobre o poder político e estrutura social africana. As viagens destes sujeitos construíram,
dentro do possível, uma linguagem voltada a avalizar e propagar percepções liberais pró-
ocupação da província de Angola via o incentivo a agricultura, extração e avaliação das
autoridades tradicionais que oscilavam dentro da discursiva entre depreciadas e ovacionadas.
Tal orientação era generalizada, porém, os textos foram construídos de forma distinta,
variando principalmente no que diz respeito à situação política do Soba e se o encontro foi
direto ou indireto. Quando direto – como no caso de Bango Aquitamba e de outros chefes – o
militar faz referência direta ao Soba, argumentando geralmente sobre bem feitorias que seu
sobado viveria se [...] elle e seus filhos se voltassem á agricultura, especialmente do tabaco,
algodão, arroz e café [...]331
sendo que desta forma [...] elle mesmo desconheceria o estado
actual332
e veria a sua comunidade florescer e ganhar destaque. A frase anterior foi grafada
pelo Alferes Francina sobre outro Soba e sua governança, Ngola Pumba, desta vez, no
Cazengo, na jurisdição do Golungo Alto, quando o pequeno agente seguia rumo aos cafeeiros
de João Guilherme Pereira Barbosa.
331
FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, Loc. Cit. 332
Idem
A frase de Francina expõe mais do que apenas um desejo liberal de reconfigurar as
forças produtivas e estruturas econômicas provinciais, revela um padrão de contato político
entre Sobas e pequenos agentes. Tal arquétipo parte sempre do mesmo princípio: o pequeno
agente chega às terras de determinado Soba e descreve a condição da estrada e, quando existe,
da plantação, após isso ele se dirige ao sobado para travar contato direto com as autoridades
locais, conquanto, apenas o Soba é citado e raramente os seus makota aparecem. Durante o
contato ocorre uma troca de presentes ou apenas um dos lados se propõe a tributar. No caso
de Ngola Pumba, assim como em outros como o Soba Camexe,333
de Malanje, ambos
avassalados, os únicos a tributarem são as autoridades africanas. O Soba Pumba ofereceu a
Francina e sua comitiva [...] um cabrito e uma pouca de farinha [...] 334
lamentando o mesmo
Soba não dispor de mais. A tributação de mão única deixa claro a vassalagem e o interesse
português em se mostrar superior à autoridade africana, todavia, o conselho do Alferes
Francina sobre o sobado de Ngola Pumba flerta com a incapacidade da administração colonial
em por conta própria gerar um processo de ocupação e expansão colonial.
Essa característica foi transversal à administração colonial ao longo do século XIX e
pode ser mais bem avaliada quando observado o espaço interiorano em relação a Luanda. Na
fronteira do Songo com a Malanje, o anteriormente referido Soba Camexe garantia o bem
andar dos tratos comerciais por vontade própria e não devido a uma pressão externa. Camexe
era singular na região, Soba de grande poder militar indo desde armas tradicionais até
guarnição de origem não africana como uma [...] casa de pólvora, frasqueiras embaladas,335
fazendo o uso de armas de fogos como bacamartes. Soba Camexe era na percepção do
explorador brasileiro, Joaquim Rodrigues Graça, uma chefia famosa pela indolência e
agressividade como qual se reportava aos brancos, porém, com um maior contato com os
portugueses e os moradores e sua entrada à [...] idade decrepta já não consente, que seus
povos roubem, como o tem feito; ao contrário, tem prestado auxilio [...] 336
a comerciantes e
os viajantes que por algum motivo precisam cruzar suas possessões. A mudança de
comportamento de Camexe fica evidente quando o mesmo corre em socorro a [...] vida e
fazendas de um aviado de D. Anna Joaquina dos Santos Silva, de que o explorante foi
testemunha, acompanhando a força para salvar o infeliz e as fazendas.337
Rodrigues Graça
333
GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, p. 104. 334
FRANCINA, Viagem a Cazengo pelo Quanza, Op. Cit, p. 459. 335
GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, Op. Cit., p. 104. 336
Idem. 337
Idem
não apenas comenta com relevância a mudança de comportamento de Camexe, como enaltece
o poder linhageiro deste perante sua comunidade e sobados circunvizinhos. Para além de suas
terras vastíssimas, somando mais de 150 leguas,338
Soba Camexe detinha um imenso poder de
influência sobre seus vizinhos e Sobetas avassaldos, estando entre eles Capelle e Camathia,
respectivamente sobrinho e filho de Camexe.339
O controle rígido adotado por Camexe tanto nos quesitos militares quanto na situação
política africana fez com que uma aliança com tal potentado se tornasse imprescindível aos
portugueses. Todavia, cabe a pergunta do por que Camexe aproximou-se da administração
colonial. A documentação não deixa claros os motivos, alegando apenas que para além da
avançada idade, Camexe teria alterado [...] o seu proceder depois que lhe foram publicadas
as instruções [...].340
A princípio pode-se inferir que Camexe era avassalado, porém
insubordinado e que ao longo do século XIX foi paulatinamente engolido pelos interesses
comerciais com os portugueses e, desta forma, incorporará instruções sobre o seu
comportamento como vassalo, conquanto, outra hipótese pode ser tão factível quanto: o fato
de que Camexe, sabedor da dependência portuguesa sobre mão de obra e terras férteis, sendo
o Soba, potentado singular e possuidor de ambos e de idade avançada, entendeu que uma
aproximação com os lusos faria com que obtivesse vantagens não apenas comerciais, mas
políticas, seja em relação aos Sobas e Sobetas circunvizinhos quanto a própria administração
colonial que ansiava poder circular sobre suas terras e usufruir do comércio de cera e marfim
vindos da Lunda e de cultivos locais emprendidos por Camexe e seus subordinados, como
Camathia, importante produtor de mel e Capelle com cereais americanos.
De volta ao supracitado Ngola Pumba, o conselho de Francina não só vai de encontro
com os interesses coloniais portugueses como permite ao Soba a integração em redes
comerciais locais, pois no distrito do Golungo Alto, produtos como café e algodão estavam
em lenta, mas importante expansão com o moroso incentivo português, o arroz era produzido
há muito tempo em Mbaka e permitia uma maior qualidade de vida às populações do interior,
visto que sua comercialização era local, por fim o tabaco tinha uma grande importância, pois
consistia em uma valorosa moeda de troca para as permutas entre as próprias comunidades
338
O autor acredita que Joaquim Rodrigues Graça entende por légua a medida de 6660 metros anterior a légua
métrica portuguesa ajustada em 5000 metros por decreto de 2 de maio de 1855. Cf. CRUZ, João José de Souza.
Do pé real à légua da póvoa. In: Revista Militar, n.º 2491/2192, p. 103 –1055, Ago/Set de 2009. 339
GRAÇA, Viagem feita de Loanda com destino as cabeceiras do rio Sena, Op. Cit., p. 103-105. 340
Ibidem, p. 104.
africanas.341
Esse não foi o único encontro com Sobas que Francina alega ter tido, nas outras
oportunidade não privou-se novamente em defender que tais chefes se dedicassem a produção
cafeeira, pois na visão do autor, bons resultados poderiam ser obtidos desta cultura.
Ao chegar à propriedade de João Guilherme Pereira Barbosa, o Alferes não poupa
palavras para descrever a opulência e os benefícios futuros que tal empreendimento traria a
Barbosa, a administração colonial e aos africanos. O esforço de Barbosa era digno de atenção
e louvor,342
especialmente suas iniciativas com [...] café, cujas lavras duas vezes
percorremos, atravessando-as na sua maior extensão: elas são importantes, acham-se muito
carregadas e prometem dobrada colheita.343
O esforço de Barbosa na verdade era bastante
vago, pois como visto no capítulo I, este recebeu concessão de terras e incentivos financeiros
e materiais por parte de administradores coloniais. No que dizia respeito à força de trabalho,
eram africanos que desempenhavam não apenas a recolha, mas também o cultivo. A
propriedade de Barbosa não era a primeira, mas sem dúvida a mais destacada a utilizar mão
de obra forçada para fins agrícolas ou extrativos na década de 1840. A própria razão da
viagem de Francina ao Cazengo era a de escoltar trabalhadores libertos rumo às plantações do
Cazengo.
A prática agrícola em Angola não era novidade alguma. Não é preciso mensurar a
agricultura africana voltada não só ao sustento próprio, mas também para fins de permutas
com demais regiões em redes comerciais que conectavam, com certa inconstância, diferentes
partes do continente africano. Gêneros como o sorgo e o sal tinham enorme valor nas
permutas intra-africanas.344
Também é fato conhecido que os portugueses e os moradores,
desde muito cedo cultivavam roças que tinha o objetivo cabal de abastecer os pontos de
presença portuguesa e os núcleos mestiços espalhados pelo interior. Além de produtos
alimentares africanos, tais roças ou arimos produziam uma grande quantidade de cereais
americanos como milho, mandioca e feijão. O consumo destes grãos e seus derivados como a
farinha tiveram impactos inclusive nas comunidades africanas que perceberam as vantagens
que tais culturas poderiam propiciar ao ganho energético. 345
Contudo, a produção de culturas
agrícolas voltadas ao mercado externo – em especial o porto de Lisboa – só ganha
importância e maior volume – mesmo que ainda tímido – a partir dos anos 1830, sendo o café
341
Ibidem, p. 455-456. 342
Ibidem, p. 460. 343
Idem 344
HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 83-99. 345
VENÂNCIO, A economia de Luanda, Op. Cit., p. 131-156.
e o algodão entendidos como possíveis alternativas econômicas para a bancarrota do tráfico e
a desagregação do Atlântico sul português.
O cultivo de café e algodão em Angola não é uma peculiaridade do século XIX. Em
1797, o militar Joaquim José da Silva, informava sobre o estado da região de Mbaka ao
governador Miguel Antonio de Melo, sendo que dentre tais informes constava a tentativa do
cultivo de algodoeiros e cafeeiros.346
Em que pese, cabe salientar a natureza autóctone do café
na região de Angola, que crescia de forma silvestre especialmente na região do Encoge,
Cazengo e Golungo.347
Portanto, o grão já era colhido e processado pelos africanos muito
antes do interesse português, sendo que o cultivo africano estava calcado na extração dos
grãos para abastecer um mercado interno de consumo de café. Acontece que a partir da
década de 1830, devido a conjuntura política e econômica coeva, inicia-se um processo não só
da recolha de café silvestre, mas a plantação deste produto visando o comércio externo a
longo prazo.348
Como se viu anteriormente no capítulo I, João Guilherme Pereira Barbosa é
frequentemente apontado como o herói mítico que permitiu aos portugueses dar início ao
cultivo de cafeeiros que a partir do último quartel do século XIX começaria a dar respostas
econômicas significativas e aumentar a alienação de terras férteis em prol da administração
colonial. No entanto, comunidades africanas também participavam do comércio de gêneros
agrícola como o café. Porém a visão portuguesa sobre a relação que os africanos tinham com
as técnicas agrícolas e o interesse pelo trabalho laboral não era animadora para a
administração colonial e tampouco valorizava os africanos.
Em 1844, Joaquim José Lopes de Lima observou que consolidado um mercado de
alimentos internos e disciplinada a mão de obra africana caberia à administração colonial [...]
criar valiosos produtos para exportação,349
sendo o café um importante [...] ramo de
exportação para este Reino.350
Não obstante, o mesmo lamentava o descaso em que se
encontravam algumas lavouras e a pouca inclinação de Luanda em estimular a produção.351
A
nota correspondente a falta de iniciativa e estímulo é comum a muitos que escreveram sobre a
346
SILVA, Joaquim José da. Noticias do prezidio de Ambaca do reino de Angola em 1797. Manuscrito PADAB-
IHGB (32,04). 347
DIAS, Angola, 1998.; BIRMINGHAM, Portugal e África, 2003. 348
O plantio de mudas era ainda incipiente, o caso de João Guilherme Pereira Barbosa era uma exceção na
tentativa de replicar um modelo brasileiro de produção cafeeira. 349
LIMA, Joaquim Lopes de. Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas: Africa Occidental e
oriental, na Ásia occidental, na China, e na Oceania escriptos de ordem do governo de sua magestade
fidelíssima a senhora D. Maria II. Parte III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1844, p. 47. 350
LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 12. 351
Idem.
agricultura em Angola no século XIX. Em 1864, o então governador de Angola, Sebastião
Lopes de Calheiros e Menezes, reportando-se ao poder metropolitano, apontava a fragilidade
da agricultura de exportação em Angola e, indicava a carência de mão de obra, a dificuldade
de induzir os africanos ao trabalho agrícola e os elevados custos com transporte como razões
primárias das dificuldades em alavancar a produção de bens lícitos.352
Tanto Lopes de Lima como Menezes – mesmo com vinte anos de distância entre seus
escritos – parecem concordar que os portugueses eram incapazes de transformar Angola em
uma colônia agrícola apenas com seu próprio granjeio, sendo necessária a participação
forçada de africanos. Todavia, esta participação tinha limites. Para Lopes de Lima os
africanos não tinham conhecimento e habilidade necessária para cultivos agrícolas como o do
café, no qual [...] os pretos não colhem na estação própria e por isso pelo menos uma quarta
parte dos grãos do que se vende em Luanda são podres.353
Na visão de Lopes de Lima a mão
de obra africana era mais bem aplicada a [...] semear e colher toscamente o milho, os legumes
e as raízes farináceas. Extrair ainda toscamente os óleos da palmeira e da ginguba e as
gomas [...].354
Para o cultivo de produtos como o algodão e o café, o português indica que a
mão de obra dos negros boçais355
era importante para o suporte braçal, todavia o preparo das
lavouras carecia da [...] direção de pessoas entendidas.356
Duas décadas depois, Sebastião
Lopes de Calheiros e Menezes segue uma linha de raciocínio semelhante a de Lopes de Lima
ao indicar que a [...] agricultura dos brancos em Angola, em gêneros coloniais, pode-se dizer
impossível sem o trabalho forçado357
sendo de vital importância garantir meios de educar e
aportuguesar a raça preta[...].358
A agricultura colonial ganharia força com a subjugação dos
africanos e impulso com a [...] inteligência e esforço dos europeus que venham a se
estabelecer nesta província.359
Tanto nos apontamento do Governador Menezes quanto de
Lopes de Lima fica nítido uma relação de dependência entre a necessidade dos braços
africanos para a labuta agrícola e a ideia de autonomia portuguesa no que diz respeito os
meios de cultivo e colheita.
352
MENEZES, Sebastião Lopes de Calheiros e. Relatório do Governador Geral da Província de Angola.
Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. 353
LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas. Op. Cit., p. 12-13. 354
Ibidem, p. 47 355
Idem. 356
Idem. 357
MENEZES, Relatório do Governador Geral da Província de Angola, p. 67. 358
Ibidem, p. 68. 359
Idem.
A colheita do café nativo e o seu respectivo cultivo começa a fluir de maneira mais
ordenada a partir da década de 1840, especialmente na região do Cazengo, Golungo Alto e
Mbaka. Entre 1848 e 1851, a alfândega de Luanda registrou uma média de 6800 arrobas de
café,360
número considerado inexpressivo se comparado aos grandes centros produtores como
o Brasil,361
mas de grande significado para a administração colonial em Luanda, pois tornava
o café o gênero agrícola mais exportado pelo porto de Luanda. É visível que a produção de
café naquela altura não atingiria desenvoltura para a consolidação de projetos coloniais
agrícolas, mas se tornaria centro de discussão sobre as suas potencialidades e dificuldades
produtivas.
Sem dúvida a plantação cafeeira de João Guilherme Pereira Barbosa é protagonista no
modelo de plantio para exportação, não apenas pela robustez de sua produção frente o
panorama colonial, mas também pelo esforço envolvido para que a sua propriedade bem
lograsse na produção cafeeira. A vinda de técnicos do Brasil, o incentivo pontual oferecido
pelo governo de Alexandrino da Cunha e o emprego de mão de obra forçada levaram a
propriedade de Barbosa a ser a principal área agrícola pertencente a um não africano ou
mestiço em Angola na década de 1840. Estima-se que sua propriedade contasse em finais dos
anos 1830 com aproximadamente 60.000 pés de café – sendo muito provável que a maioria
fosse autóctone.362
No entanto, o exemplo de Barbosa não parece ter sido amplamente
compartilhado por demais produtores portugueses. Durante todo o século XIX, a produção
cafeeira de africanos e dos moradores sempre se demonstrou superior a portuguesa. Já no
século XX, quando o café oscilava entre quedas e crescimentos produtivos, foi registrada
apenas na região do Golungo Alto uma colheita de aproximadamente 310 arrobas, sendo deste
total cerca de 210 arrobas oriundas dos braços de moradores e africanos.363
Pelo prisma dos pequenos agentes, fica claro que os portugueses desejam ao mesmo
tempo monopolizar a mão de obra perante os Sobas locais e, principalmente, ditar as regras
respectivas a técnica de plantio, extração, manufatura e escoamento. Contudo, ainda era
necessário forças africanos a se lançar a agricultura nos modelos externos,364
pois no caso da
360
Almanak stastistico da província d’Angola, 1851, p. 28. 361
Cf. MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do Brasil no longo século
XIX. Texto originalmente apresentado à Conferência Internacional New Perspectives on the Life and Work of
Eric Williams, realizada em 24 e 25 de setembro de 2011 no St. Catherine’s College, Oxford University,
Inglaterra. 362
Faltam dados sobre a espécie e a origem dos cafeeiros. 363
CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 129-135. 364
FIGUEIREDO, Indice do Boletim Official da Provincia d’Angola: nota 127-140, Op. Cit, p. 9-10.
produção cafeeira, os esforços da administração em controlar o saber técnico foi solapado
pela experiência agrícola africana.365
No que condiz aos Sobas, o seu poder político fica
evidenciado pelo controle do regime produtivo, pela utilização de técnicas pelos trabalhadores
africanos e pelo transporte das mercadorias.
Pode-se constatar uma concomitância de interesses entre africanos e portugueses
motivados por distintas razões. De um lado os chefes africanos que buscavam consolidar sua
hegemonia política dentro de suas comunidades e frente a administração colonial por
intermédio do controle do fornecimento de mão de obra e, por outro lado, a administração
colonial que incentivando esta movimentação das autoridades africanas buscava um controle
maior sobre as comunidades locais e consequente sobre seus territórios, alienando o poder
político e criando laços de dependência que poderiam ser rompidos por parte dos portugueses
quando estes se estabilizassem em uma determinada região e ficassem menos dependentes da
relação com os Sobas.366
A enorme quantidade de Sobas em Mbaka de pouca expressão367
pode corroborar com a anteriormente apontada indicativa de Jan Vansina, com relação a uma
maior fragmentação dos sobados em busca de fortalecimento individual dando origem a
novos núcleos de poder, consequente comunidades menores com um número pouco
expressivo de linhagens participantes e frequentemente com uma relação de submissão a
outros sobados.
Um exemplo bastante conhecido desta dinâmica ocorreu na região do Cazengo e foi
devidamente trabalhado por Jill Dias.368
A relação entre o respeitável Kabuku Kambilu –
chamado também de forma genérica como Soba – e a administração colonial parece ser
bastante antiga, remontando as invasões portuguesas ao Ndongo no século XVII. Aliás, boa
parte das linhagens a frente dos sobados nos sertões de Luanda estavam direta ou
indiretamente vinculados aos portugueses desde os primeiros contatos.369
As relações entre
Kabuku Kambilu e a administração portuguesa pareciam assentadas, sobretudo, em duas
premissas básicas. De um lado por meio das permutas comerciais a administração portuguesa
colaborava no acumulo de prestigio político e reafirmação social por parte de Kambilu, por
outro lado, o chefe africano proporcionava boas condições para o comércio em suas terras
365
Ibidem, nota 739-762, Op. Cit, p. 50-51. 366
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 637. 367
Referencia a bango direto. 368
Cf. DIAS, O Kabuku Kambilu, 1997. 369
Ibidem, p. 20.
fornecendo mão de obra, segurança nas carreiras e auxiliando os portugueses em razias e
guerras contra africanos que não reconheciam a presença colonial.370
Conquanto, a partir dos anos 1860 a figura de Kambilu sofreu profundo golpe em sua
capacidade política e influência no trato com os portugueses. O ponto central para se
compreender a paulatina decadência de Kabuku Kambilu reside nas novas dinâmicas
comerciais estabelecidas pós-findado o tráfico de escravizados legal. Novas mercadorias –
essencialmente agrícolas e extrativas como café, marfim, cera e urzela acarretaram mudanças
demográficas singelas, mas significativas. Foi no século XIX que uma interiorização branca
de colonos em Angola foi ganhando impulso, sendo a região da feira do Dondo – próximo das
terras de Kambilu – se tornaria um centro importante não apenas do comércio lícito, mas da
concentração de colonos brancos que de maneira lenta, mas impactante, passaram a ocupar as
terras férteis que tradicionalmente estavam vinculadas as comunidades africanas.
Os primeiros conflitos entre Kabuku Kambilu e os agricultores brancos, ainda nos
anos 1860, concentravam sobre a ocupação de terras férteis e, principalmente, nas taxas
exigidas por Kambilu acerca do transporte e circulação de mercadorias e pessoas em seus
domínios. As terras de Kambilu estavam estrategicamente posicionadas entre as zonas
produtivas de Cazengo e Mbaka e a feira do Dondo, no qual os produtos poderiam ser
comercializados regionalmente ou ainda destinados a alfândega de Luanda.371
Na altura dos
anos 1860 e 1870 a administração portuguesa tendeu a interceder por Kabuku Kambilu, pois
detinha um laço de dependência com esta autoridade no que diz respeito a debilidade colonial
de arregimentar mão de obra, além disto, Kambilu exercia enorme poder de ação sobre outros
Sobas da região, que em muitos casos, só mantinham contato com a administração portuguesa
graças ao intermédio de Kabuku Kambilu. Obviamente, Kambilu tinha consciência dos laços
de dependência estabelecidos com os portugueses e constantemente fazia uso dos mesmos
visando tomar vantagem. Este movimento levou Kambilu em inúmeros momentos a ameaçar
a seguridade das propriedades dos colonos brancos, o que começou a incomodar a
administração colonial, que dependente dos Sobas locais sob a tutela de Kabuku Kambilu,
nada fez.372
Todavia, conforme a expansão de colonos brancos crescia e a administração
portuguesa ganhava mais capacidade de estruturar-se no interior, o poder local de Kambilu
370
Ibidem, p. 32-34. 371
Ibidem, p. 36-37. 372
Ibidem, p. 40-42.
foi-se esvaindo. A construção de uma ponte sobre o rio Lukala e o estabelecimento de rotas
comerciais alternativas foram aos poucos minando a capacidade de negociação entre a Luanda
e Kambilu, que de figura incomoda, mas necessária, passaria a ser pouco interessante aos
portugueses na virada do século XIX para o XX. Como se pode observar, a influência
centralizadora de Kabuku garantia que Sobas menores fossem favoráveis aos interesses
portugueses, sendo neste sentido, a observação feita anteriormente pelo Alferes Francina
sobre o Soba Bango parece coerente com os interesses da administração colonial de garantir
um interior mais estável ao comércio e conivente com os interesses africanos de arregimentar
mais poder político sobre linhagens e territórios.
Ainda no universo das práticas agrícolas e suas repercussões políticas, da mesma
forma que o café, o algodão foi encarado com alternativa econômica ao comércio de
escravizados pela administração colonial. A partir dos anos 1840 a cultura do algodão passa a
ser incentivada em Angola, especialmente nos sertões de Luanda e na região de
Mossamedes.373
Da mesma forma que o café, o algodão também era autóctone na região de
Angola374
e já era consumido pelos africanos muito antes dos portugueses demonstrarem
interesse pelo seu cultivo comercial. No século XVII os portugueses demonstraram os
primeiros interesses pela exploração da planta, todavia, sem sucesso. O pouco que se produzia
estava sobre controle africano, especialmente em Mbaka, que no século XVIII, segundo o
luso-brasileiro Elias Alexandre da Silva Corrêa,375
[...] abunda neste gênero, que fiado ocupa
a classe de moeda corrente.376
Ainda segundo Corrêa, a colheita e, principalmente a
373
Cf. CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 151. Com relação à Mossamedes, em 1845 um grupo de investidores
angolanos conhecidos formulará um projeto para a ocupação colonial da Huíla, no qual o cultivo de algodão era
cabal no processo de desenvolvimento da empresa colonial. Cf. CARPO, Arsenio Pompeu Pompilio de.;
COSTA, Francisco Joaquim Farto da.; MIRANDA, Francisco Teixeira de.; MOREIRA, João Francisco Garcia.
Proposta de organização de um estabelecimento colonial na Huíla – 25 de março de 1845. In: SANTOS, Eduardo
(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 258-263.
Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 602. 374
Cf. Carta do tenente-coronel graduado José Maria da Silva Teles ao Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim
José Falcão) acusando a recepção da Portaria de 6 de fevereiro anterior, remetendo mais 2 amostras de tabaco e 1
de algodão e fazendo considerações sobre a sua exoneração do cargo de Cirurgião-mor de Angola – 24 de agosto
de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA,
1976, p. 555-557. Originalmente extraído: AHU, sala 12, cx 605. 375
Sobre o autor Cf. PEREIRA, M. R. M. Rede de mercês e carreira: o “desterro d’Angola de um militar luso-
brasileiro (1882-1789).” In: História: questões e debates, nº 45, p. 97-127, 2006. 376
CORRÊA, Elias Alexandre da Silva. História de Angola. Lisboa: Agência Geral das colônias, 2. vol., 1937,
p. 156.
manufatura desta fibra dava-se pelas mulheres africanas que eram menos ociosas377
em
relação aos homens e dedicavam-se a [...] fiar sua felpa sem se dar a pena de ambição.378
Houve incentivos para que portugueses e moradores se dedicassem a produção de
café, desde concessões de terras e trabalhadores até a compra de maquinário com erário
público para que o algodão produzido fosse processado em Angola e posteriormente vendido
a Lisboa, visando ampliar os ganhos.379
Todavia as iniciativas parecem não ter despertado
interesse a ponto de fazer a produção deslanchar, além de que a maioria dos que se dedicaram
ao cultivo eram moradores, como D. Anna Joaquina que tinha capital para a empresa
algodoeira e redes comerciais para sua negociação. Assim sendo, a produção algodoeira no
século XIX esteve sob controle de moradores e africanos que ditavam o volume produtivo380
e, de certa forma, tinham papel determinante na taxação comercial.
Saindo da região do Golungo Alto e rumando ao extremo sul, diversas foram as
tentativas de portuguesas de produzir algodão em Mossamedes, sendo que nesta região,
mesmo de forma inconstante, faz-se possível apontar um melhor incremento produtivo em
relação aos sertões de Luanda.381
Mesmo com esforços acerca do cultivo, em 1855, mesmo
com a colheita da fibra, Mossamedes não registraria o algodão como fonte de renda em sua
alfândega, demonstrando que a produção ainda era incipiente.382
Em 1863, o Ministro e
Secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar, José da Silva Mendes Leal – figura já
conhecida deste trabalho – afirma junto ao parlamento em Lisboa que, a partir de 1861, a
concessão de terras pela administração colonial passaria a privilegiar aqueles produtores que 377
CORRÊA, História de Angola, p. 155. 378
Idem. 379
Cf. Ofício do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José falcão) ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
(José Joaquim Gomes de Castro) pedindo que expeça suas ordens para que o Cônsul de Portugal em Nova Iorque
adquira duas máquinas de descaroçar e limpar algodão para a Província de Angola, se o seu preço não exceder
30 libras, ou apenas uma, no caso contrário – 4 de julho de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:
documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 414. Originalmente extraído: ANTT,
documentação do MNE, Correspondência do Ministério da marinha, cx 8.; Ofício do Ministério da Marinha e
Ultramar ao Conselho de Administração da Marinha mandando-lhe arrecadar, na fábrica de Cordoaria, as duas
máquinas de descaroçar algodão vindas de Nova Iorque no barco Zaida – 8 de novembro de 1845. In: SANTOS,
Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 696.
Originalmente extraído: AMC, parte oficial, 5ª série, 1845, nº 10, p. 205. 380
DINIZ, António Caetano da Costa. Noticias de Alguns dos Districtos de que se compõem esta província:
Districto de Pungo Andongo, 1860. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo II (Janeiro de 1859 a
Dezembro de 1861). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. 137. 381
Destaca-se especialmente a produção de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, então diretor da
colônia de Mossamedes. Cf. LIMA, João Francisco Régio. Angola: extrato da relação de uma viagem a roça dos
cavalleiros, em Mossamendes, 1855. In: Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a
Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa Nacional, 1867, p. .147-149. 382
Cálculo aproximado do rendimento agrícola do districto de Mossamedes no presente anno de 1855. In:
Annaes do Conselho Ultramarino – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa
Nacional, 1867, p. 459.
lançassem braços sobre a cultura algodoeira.383
As medias em torno do algodão, assim como
as relativas a cultura cafeeira não surtiram os efeitos pretendidos no século XIX. A partir do
século XX o interesse pela produção cresceria ainda mais, a ponto de em 1942 a
administração colonial criar inúmeras barreiras a mestiços e africanos no que diz respeito ao
comércio de algodão, o que na prática levou a uma obrigatoriedade produtiva da fibra
algodoeira por parte destes.384
Regiões como a baixa de Kassanje se tornariam polos de
produção de algodão e de conflitos envolvendo portugueses e angolanos, pelejas essas que se
imbricariam com a luta independentista dos anos 1960.385
Como se pode notar, a utilização do algodão não foi uma inovação portuguesa incutida
na prática laboral africana, pelo contrário, sua extração e manufatura estiveram ao longo do
século XIX e primeira metade do século XX sob controle africano. A documentação que esta
obra dispõe não revela a perspectiva das chefias frente tal cultura, todavia faz-se possível
aferir sobre dois pontos. É evidente a dependência da administração colonial em relação à
produção africana e dos moradores, que apenas consistia no grosso produtivo, mas em certa
medida, regulava o acesso a plantas, mão de obra e a manufatura da fibra. Obviamente as
produções dos sobados estavam vinculadas a interesses dos Sobas, pois além destes
controlarem o acesso terra – sem que isso os tornasse proprietários – o algodão oferecia a
possibilidade de capital de negociação com a administração colonial da mesma forma que o
café. A documentação não menciona, mas é muito provável que em Mbaka uma parte
significativa da produção de algodão fosse oriunda de sobados avassalados e moradores,
sendo que existe a possibilidade de que em menor escala, proprietários brancos na região de
Mbaka, Golungo Alto e Cambembe estivessem envolvidos com a produção da fibra a partir de
meados do século XIX.
Diversos outros gêneros agrícolas foram experimentados nos sertões de Luanda como
tabaco e cana de açúcar. E, como aconteceu com o café e algodão, as iniciativas promovidas
pela administração colonial foram bastante minguadas e a produção de moradores e africanos
dominava o cenário agrícola. Frequentemente, os autores oitocentistas tendiam a apresentar
argumentos sobre a necessidade de que os africanos lançassem mão sobre a atividade agrícola
de forma mais enfática para fins comerciais em Luanda, tais afirmações, quando avaliadas
criticamente, para além do interesse português dão a entender que as comunidades africanas 383
LEAL, Relatório dos negócios do ultramar, Op. Cit., p. 4. 384
CARREIRA, Angola, Op. Cit., p. 153. 385
Cf. FREUDENTHAL, Aida. A baixa de Cassanje: algodão e revolta. In: Revista Internacional de Estudos
Africanos, nº 18-22, p. 245-283, 1995-1999.
reagiram ao novo cenário comercial dos bens legítimos com dificuldade, todavia, não leva em
consideração que a prática agrícola já estava presente na realidade de muitos sobados na
região de Mbaka, o que tornaria a percepção de uma mera reação dos Sobas a um novo
contexto pouco convincente. Mais do que reagir, os africanos tomaram a própria frente
produtiva perante a debilidade portuguesa de então. Todavia, a iniciativa dos Sobas não
estaria limitada a aumentar sua participação no comércio com a administração colonial, se
desdobraria nas rotas comerciais e, principalmente na organização da mão de obra.
Internamente, os interesses africanos colaboravam na condução do ritmo dos
interesses coloniais portugueses, enquanto a nível internacional não só Angola, mas o
continente africano de forma mais geral era paulatinamente inserido em uma rede cada vez
mais dinâmica de interesses comerciais globais. Os gêneros como café, marfim, cera e óleos
vegetais passaram a figurar de forma mais constante neste panorama econômico a partir da
segunda metade do século XIX. Porém, por mais forte que fosse o interesse europeu em torno
da exploração do continente africano, esta produtividade estava atrelada a redes de
comunicação e permutas para além da influência europeia,386
ou no caso de Angola,
portuguesa. Foi a ação de africanos e mestiços que permitiu a Europa consolidar de forma
mais ampla uma teia comercial global e, porque não, dar sequência a revolução industrial
europeia em suas diferentes formas.
As redes de permuta em Angola, não restam dúvidas, estavam sob influência maior de
africanos e mestiços do que da administração colonial. Como visto anteriormente, os limites
da ação portuguesa caminhavam juntos dos intermediários comerciais que rumavam a leste
para realizar o comércio que portugueses não conseguiam. Por mais que o comércio legítimo
no século XIX não tenha tido o mesmo vigor econômico que o tráfico de escravizados teve no
passado, ele exigia uma complexidade maior nas interações comerciais, seja devido a sua
natureza distinta, ou ainda pela dependência maior que portugueses se encontravam para a
obtenção de produtos legítimos.
Não era apenas a administração colonial que aprenderá a vislumbrar e obter vantagens
com o comércio legítimo. Os Sobas e autoridades africanas distantes como o Mwant Yva na
Lunda rapidamente perceberam que a atividade comercial baseada na permuta de produtos
podia fornecer uma oportunidade de fortalecimento de seu poder político, seja dentro de sua
386
VELLUT, Jean-Luc. A bacia do Congo-Angola. In: AJAYI, Ade J. F. História Geral da África, VI: África do
século XIX à década de 1880. Editado por AJAYI, Ade J. F. Brasília: UNESCO, 2010, p. 355.
comunidade ou ainda em relação à administração portuguesa.387
Nesta perspectiva o controle
das rotas comerciais presentes em suas terras e a prerrogativa produtiva dava vantagem as
autoridades africanas no trato comercial. A partir do século XIX percebe-se uma
movimentação de Sobas nos sertões de Luanda a organizarem caravanas comerciais388
– em
sua maioria de escravizados, mas também de bens legítimos – sob seu controle, além é claro
da influência que exerciam sobre a rotas tributadas por eles, o que fortaleceu ainda mais o
controle africano das rotas comerciais que, em sua maioria, remontavam as redes traficantes e,
indo mais além, a rotas de permuta intra-africanas.389
Além dos cultivos agrícolas e das inúmeras tentativas de culturas exportáveis, outros
produtos de origem africana movimentavam os portos de Angola, algumas inclusive mesmo
antes do foco português sobre o comércio lícito. Tratam-se das exportações de marfim, urzela
e goma copal, sendo em menor escala a cera. No diz respeito à cera, fica claro a dificuldade
africana em sua produção com alto grau de pureza, sendo em sua maioria de qualidade mais
escura e em pequena quantidade quando comparada a outras extrações como o volumoso
marfim.390
Segundo o ex-governador de Angola, António Saldanha da Gama, a produção de
cera na região de Npungo a Ndongo podia-se considerar a de melhor qualidade nos sertões de
Luanda no início do século XIX. A emergência do comércio lícito fez prover um aumento na
produção da cera sob controle africano, pois como indicou Isabel Castro Henriques, os
africanos não perderam a [...] hegemonia, pois os europeus não podem, em nenhuma
circunstância, ter acesso ao mato para proceder eles próprios à localização e à extração da
cera.391
Todavia, assim como na produção de café, os africanos resistiam em assimilar
técnicas de extração e manipulação da cera trazida pelos portugueses – mais rentáveis – mas
fora do espectro e das lógicas culturais africanas.392
Não se trata de uma falha cognitiva
africana ou de uma natural preguiça em querer conhecer o novo e seus benéficos, mas sim de
um vinculo profundo com costumes e tradições que vão muito além de uma mera técnica de
manipulação de cera e envolviam uma lógica de organização social e política que garantia
empatia e seguridade as mais diversas comunidades africanas. Neste setido a tradição é vista
387
VELLUT, A bacia Congo-Angola, Op. Cit., p. 368. 388
FERREIRA, R. Fazendas em troca de escravos: circuitos de créditos nos sertões de Angola, 1830-1860. In:
Estudos Afro-asiáticos, nº 32, p. 75-96, 1997, p. 90. 389
VELLUT, A bacia Congo-Angola, passim. 390
Cf. VELLUT, Jean-Luc. Diversification de l’économie de cueillette: miel et cire dans les sociétés de la forêt
claire d’Afrique centrale (1750-1950). In: African economic history, nº 7, p. 93-112, 1979. 391
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 301-302. 392
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola, Op. Cit., p. 302, Apud, MELLO, Miguel de. Angola
no começo do século. In: Boletim Sociedade Geográfica de Lisboa, 5º ed., nº 9, p. 819-821, 1885.
como inimiga do colonial, do moderno. A crescente da produção de cera se pode sentir nos
sertões de Luanda como em Mbaka, Golungo Alto e Npungo a Ndongo,393
chegando em 1844
a aproximadamente 45.000 arrobas em Angola como um todo,394
porém, um exemplo mais
visível da escalada deste gênero exportável pode-se ser vista entre os Quiocos – como eram
denominados os Cokwe pelos portugueses. Foi por meio do comércio de cera com a
administração colonial que os Cokwe adquiriram armas de fogo e passaram a atenuar a sua já
existente caça de elefantes para fins comerciais das presas de marfim.395
A comercialização de marfim era vital para a manutenção das intenções portuguesas
de acréscimo comercial e desenvolvimento do comércio. O item era de longe o mais
importante produto comercial exportado pela colônia de Angola no século XVIII e primeira
metade do XIX, atrás apenas dos escravizados. Porém, com a ilegalidade do tráfico e a
liberalização de seu comércio sem monopólio da Coroa levou a uma corrida do marfim em
Angola a partir de 1834. Embora pequena se comparada à exportação de marfim via
Moçambique,396
não se pode negar os ganhos comerciais em relação ao início do século XIX.
Segundo o levantamento de Lopes de Lima, no período de 1820 a 1825 – quando o comércio
de gentes ainda era legalmente pujante – foram movimentados cerca de 16:113$640 réis a
partir dos portos de Luanda e Benguela, anos depois, já em 1844, foram arrecadados pelas
respectivas alfândegas portuárias aproximadamente 76:000$000 réis.397
Este acréscimo
financeiro deve ser visto em grande medida pela participação dos Cokwe no comércio de
marfim. Para Isabel Castro Henriques, os Cokwe foram os mais importantes comerciantes de
marfim do século XIX em Angola, seja via feira de Kassanje, no qual boa parte do marfim era
intermediado e revendido398
ou ainda por negociações paralelas comandadas pelos próprios
caçadores. O marfim se tornaria a base comercial e de arrecadação de bens estrangeiros por
parte dos Cokwe que, submissos ao poder centralizador do Mwant Yva da Luanda, pagavam
tributo a este para a comercialização do marfim com não africanos.399
393
Cf. Ofício nº 134 do Governador Geral de Angola (Lourenço Germack Possolo) ao Ministro da Marinha e
Ultramar (Joaquim José Falcão), sobre o estado da Província – 28 de fevereiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo
(org.). Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 227-229.
Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 602. 394
LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 76. 395
DIAS, Caçadores, artesões comerciantes, guerreiros, Op. Cit., p. 31-34. 396
DIAS, Angola, Op. Cit., p. 382. 397
LIMA, Ensaios Sobre as Statisticas das Possessões Portuguezas, Op. Cit., p. 52-76. 398
Cf. FERREIRA, Francisco de Salles. Sobre o sertão de Cassange, 1853. In: Annaes do Conselho Ultramarino
– Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, p. 28. 399
HENRIQUES Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 334-343.
A extração/produção cada vez maior de gêneros como marfim e cera – ou ainda a
Urzela, usada para tingimentos400
– promoveram uma maior escalada das rotas de longa
distância, exibindo a característica anteriormente aponta de que o comércio legítimo expandiu
de forma ainda mais feroz os braços da administração colonial de forma direta e,
principalmente indireta.401
Esta situação fez com que entre as décadas de 1840 e 1870
ocorressem não apenas o crescimento da população escrava em Angola e o tráfico de
escravizados interno, mas levasse contínuos conflitos entre a administração colonial,
moradores e africanos, dando origem a núcleos de resistência, investidas agressivas por parte
dos Sobas e tentativas de ocupação militarizada de Angola por portugueses.402
O comércio de longa distância não foi trazido pelos portugueses para a região do eixo
Kongo-Angola. Antigas rotas de comércio intra-africanos já existiam e conectavam distantes
regiões como o litoral angolano aos Lunda, ou ainda mais distante, ao Kazembe. No século
XIX, tais rotas, já reestruturadas pelo comércio de escravizados e em constante transformação
junto aos interesses africanos e coloniais sobre o comércio legitimo, continuaram a conectar
comunidades africanas por centenas de quilômetros.403
Uma das mercadorias mais
comercializadas entre africanos era o sal. Nas regiões mais ao interior do continente, o
comércio e a circulação do sal era majoritariamente de origem vegetal, obtido por meio do
processo de secagem de plantas ricas em sódio e passiveis de processamento. Na região da
Lunda, por exemplo, o comércio deste item era bastante organizado, chegando a existir
taxações e tabela de preços especifica para a sua circulação e comercialização entre
africanos.404
A predominância do sal vegetal não tirava o espaço do sal marinho mesmo sendo
este em menor quantidade. Regiões como o litoral de Benguela e o norte de Luanda eram
desde muito tempo produtoras deste item. A proximidade destas salinas com as ocupações
portuguesas pós-invasão no século XVI fez com que tais jazidas estivessem abastecendo tanto
a demanda africana quando portuguesa.405
Havia ainda a região da Kissama, ao extremo sul
fora da legislação de Luanda, no qual a extração do sal mineral era antiga e movimentava
redes comerciais por várias partes da região da bacia do rio Kwanza até as terras altas do
400
Para uma visão sobre o comércio de Urzela em Angola na primeira metade do século XIX a partir da
perspectiva de viagem Cf. WISSENBACH, As feitorias de urzela e o tráfico de escravos. Op. Cit., p. 10-52. 401
DIAS, Angola, Op.. Cit., p. 385. 402
Cf. DIAS, Caçadores, artesões comerciantes, guerreiros, Op. Cit., Loc. Cit.; FREUDENTHAL, Aida. A
recusa da escravidão: quilombos de Angola no século XIX. In: Cadernos Museu da Escravatura, Instituto
Nacional do Patrimônio Cultural, Luanda: MEC, 1999. 403
HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 86-87.. Para uma visão das caravanas organizadas por chefias
africanas Cf. MAGYAR, Viagens no Interior da África Austral, n.d. 404
HENRIQUES, Percursos da modernidade em Angola , Op. Cit., p. 263-275. 405
HENRIQUES, O pássaro do mel, Op. Cit., p. 93-94.
Nano na região de Bihé.406
O sal era vital não só para a região, como para o poder dos chefes
residentes da Kissama, que resistiram a influência e domínio português até meados do século
XX.407
O sal, para além das óbvias funções alimentícias e de conservações, era utilizado com
fins terapêuticos para o trato digestivo, mas também podia ser utilizado para regulação da
pressão sanguínea frente a mudanças de temperatura, como acontecia em outras regiões da
África, especialmente na região das atuais Nigéria, Mali e Costa do Marfim. O sal era
altamente apreciado pelas populações africanas, portanto não é de se estranhar que as chefias
tenham desde cedo buscado monopolizar a sua extração e comercialização. O sal permitia não
apenas o incremento salutar e nutritivo na comunidade, mas abria caminho para o
estabelecimento de rotas comerciais, intercâmbios políticos e ainda permitia a compra de
gêneros como moedas de troca. Um exemplo do poder político que o sal poderia trazer as
diversas autoridades africanas pode ser observado em Kassanje, que além de estrategicamente
colocar-se em uma zona de profundo comércio intra-africano e também com os europeus,
sejam de escravos ou de bens legítimos, possuía enorme pressão política sobre as sociedades
da Kissama – a centenas de quilômetros de distância – no qual uma antiga relação de
parentesco certamente favoreceu o poder de Kassanje sobre as comunidades falantes do
kimbundu e suas variações.408
Não só de sal vivia o comércio africano. Produtos como mel, cera, tecidos e carnes
eram comercializados, porém de forma mais restrita devido a natureza de produtos como a
carne. O comércio africano a nível mais local, aliado as grandes rotas como as do sal permitiu
a criação de padrões de permutas ao longo dos séculos. Tal comportamento comercial
continuou mesmo quando as comunidades africanas submetiam-se ao avassalamento junto a
administração colonial. Na realidade, as interações regionais envolvendo os africanos também
abrangiam moradores e portugueses que ao longo do processo de invasão e ocupação das
terras dos antigos Ngola criaram a sua própria dinâmica comercial que interligava as diversas
povoações e abriam caminho para o desenvolvimento comercial regional que ia desde a
produção de produtos alimentares básicos até o fornecimento de ferro, sem necessariamente
que o poder colonial centrado em Luanda intermediasse. Esta dinâmica regional, por assim
dizer, envolvia a todos os presentes no interior ao longo do século XIX e movimentava a vida 406
Cf. FERREIRA, Aurora da Foncesa. A Kisama em Angola do século XVI ao início do século XX : autonomia,
ocupação e resistência. Vol., I e II. Luanda: Kilombelombe, 2012. 407
Ibidem, p. 94-95. 408
Ibidem, p. 97.
comercial e política local. Portanto, o capítulo que se segue buscará observar, na medida do
possível, a existência de uma dinâmica regional com inflexões políticas nos sertões de
Luanda, seja na região do Golungo Alto ou nas circunvizinhas em constante diálogo. Outro
ponto que será abordado nas linhas que seguem faz referência a relação entre Sobas e
portugueses, buscando compreender o jogral política e as posturas assumidas pelos sujeitos
históricos na construção da prática colonial.
A necessidade da presença africana a frente do processo de construção das estruturas
coloniais era tão grande de que no incidente das campanhas militares em Kassanje, nas
décadas de 1850 e 1860 tecem um panorama não apenas sobre a debilidade portuguesa
observada pelos seus próprios agentes, mas permite levantar suspeitas sobre qual o peso que o
controle português sobre a feira de Kassanje repercutiu junto aos sobados circunvizinhos e
Sobas que lhe prestavam obediência aos Jagas. Faz-se possível pensar que determinados
Sobas viviam entre dois mundos políticos e comerciais que tinham suas exigências e
interesses: de um lado Kassanje, monopolizando os produtos da África central e controlando
os preços na sua feira influenciava os sobados pelo leste, tampouco a oeste cabia a
administração portuguesa pressionada as comunidades pela via comercia e dos contratos de
alianças. As turbulências em Kassanje podem vir a clarear um pouco mais as interações
políticas entre a administração colonial manifesta nos pequenos agentes e o poder africano
controlado pelos Sobas.
3.2. Expansão indefinida: as campanhas de Kassanje e a postura portuguesa.
A década de 1850 foi incomumente agitada na depressão de Kassanje, nas
proximidades do alto Kwango.409
Ocorria pela primeira vez um grande enfrentamento entre
portugueses e Mbangalas de Kassanje que desestabilizou a região, prejudicando o comércio e
perturbando a organização do poder político local que, dentro do possível, se manteve
minimamente estável desde a sedentarizarão dos Jagas no século XVII – estimulados pelo
tráfico de escravizados fomentado por interesses extra-africanos.410
Portugueses, moradores e
africanos se envolveram neste episódio que deixaria claro a mudança dos interesses
portugueses em África e a dependência que os mesmo tinham perante as autoridades
africanas, que de forma consciente, aproveitaram-se da debilidade da administração de
Luanda para suas barganhas e tratados a nível político e comercial.
A necessidade da presença africana a frente do processo de construção das estruturas
coloniais era tão grande que no incidente das campanhas militares contra Kassanje, na década
de 1850, se observa um panorama não apenas sobre a debilidade portuguesa diagnosticada
pelos seus próprios agentes, mas permite levantar suspeitas sobre qual o peso que o controle
português sobre a feira de Kassanje repercutiu junto aos sobados circunvizinhos e Sobas que
prestavam obediência aos Mbangalas. É possível pensar que determinados Sobas viviam entre
dois mundos políticos e comerciais que tinham suas exigências e interesses: de um lado
Kassanje, monopolizando os produtos da África central e controlando os preços na sua feira
influenciava os sobados pelo leste, tampouco a oeste cabia a administração portuguesa
pressionar as comunidades pela via comercial e dos contratos de aliança.
As expedições militares portuguesas que beligeraram nas terras dos Jagas podem vir a
ser um importante ponto de reflexão sobre a relação entre os pequenos agentes militares e as
autoridades africanas – seja no distrito do Golungo Alto ou nas regiões circunvizinhas pelos
quais as guarnições belicosas passaram. Destaca-se, principalmente, a segunda expedição que
de forma fortuita foi registrada anos depois pelo pequeno agente português Antonio
Rodrigues Neves em uma memória bastante detalhada e composta ao final por notas do seu
409
PÉLISSIER, René. História das campanhas de Angola, Op. Cit., p. 108-123. 410
Cf. MILLER, Poder Político e parentesco.; ______. The Imbangala and the chronology of Early Central
African History. In: The Journal of African History, vol., 13, nº 4, p. 549-574, 1972.
diário militar.411
A ocupação militar por Neves antes dos conflitos não é clara, pouca
informação sobre este agente colonial foi encontrada, sabendo-se apenas que o mesmo era
Capitão Móvel de Ambriz, sendo esta informação fornecida pelo próprio na abertura de sua
obra, conquanto, confirmada por outro viajante europeu. Tal informação foi registrada pelo
explorador e missionário britânico David Livingstone, que durante a década de 1850 circulou
por Kassanje após passar por Angola. Naquela região, o britânico alegou não apenas conhecer
Antonio Rodrigues Neves, mas ter sido hóspede deste e que o mesmo o informou sobre os
Mbangalas, sua cultura, concepções políticas, flora e fauna locais.412
Nas palavras de
Livingstone: O Capitão Antonio Rodrigues Neves gentilmente me convidou a tomar sua casa
como minha residência. Na manhã seguinte, este generoso homem me vestiu com roupas
decentes e durante toda a minha estadia me tratou como um irmão.413
Livingstone confirma a
patente de Capitão, mas indica que Neves seria morador de Kassanje.414
Assim como observado até o momento no comportamento dos pequenos agentes,
Livingstone também indica a fragilidade da autonomia portuguesa na região no que condizia a
feitura do comércio e a execução de tratados. Ao descrever a região de Kassanje indica que
existiam [...] cerca de 40 comerciantes portugueses [...] todos os quais são oficiais de milícia
e, muitos deles se tornaram ricos ao adotar a estratégia de contratar pumbeiros ou
comerciantes nativos, que carregavam fazendas, para negociar nas partes mais remotas
[...].415
As regiões remotas se referem aos domínios de Mwant Yva, na Lunda, do qual vinha
boa parte dos produtos negociados na feira de Kassanje.416
A percepção de dependência de
ação ao mesmo tempo em que a fronteira da presença portuguesa crescia fica ainda mais clara
quando o explorador britânico aponta a feitura de leis em Luanda que proibiam aos
portugueses adentrar nas terras além Kassanje, alegando que os brancos tendiam a entrar em
411
NEVES, Antonio Rodrigues. Memória da expedição a Cassange, comandada pelo Major Graduado
Francisco Salles Ferreira em 1850, Africa Occidental. Lisboa: Imprensa Silviana, 1854. 412
LIVINGSTONE, David. Missionary travels and researches in South Africa, incluind a sketch of sisteen years
residence in the interior of Africa and a journey from the cape of good hope to Loanda on the West coast; thence
across the continent, down the river Zambesi, to the eastern ocean. London: John Murray, Albemarle Street,
1857, p. 369-370. 413
Ibidem, p. 369. 414
O registro de Livingstone data provavelmente de 1855, quando o mesmo observou um pequeno povoado de
ambaquistas residentes em Kassanje. Ou seja, o missionário encontra Neves após este ter participado da segunda
expedição e, provavelmente, ter sido remanejado para o novo posto em Kassanje. Sobre a presença de
ambaquista em Kassanje Cf. HEINTZE, Beatrix. A lusofonia no interior da África Central na era pré-colonial:
um contributo para a sua história e compreensão na actualidade. In: Cadernos de Estudos Africanos, 7/8, p. 179-
207, 2005. 415
LIVINGSTONE, Missionary travels and researches in South Africa, Op. Cit., p. 369. 416
MILLER, Way of Death, 1988, Op. Cit., p. 173-206.; DIAS, Caçadores, artesões, comerciantes, guerreiros,
passim., ______. Novas identidades africanas em Angola, passim.
atrito com as populações locais e, para evitar punições, optavam por abster-se de penetrar na
África Central.417
Obviamente tal afirmação parte apenas da perspectiva portuguesa e não leva
em conta os interesses dos Mbangalas de Kassanje. A prerrogativa da não travessia não era
uma escolha portuguesa, mas sim uma imposição dos Jagas que ansiavam preservar suas rotas
comerciais e fonte de status político.
A concepção de que a fronteira só poderia ser sobreposta se os Jagas permitissem fica
mais visível na leitura das expedições portuguesas à depressão de Kassanje. Segundo Rene
Pelissier, a primeira expedição que levariam a cabo os portugueses foi, acima de tudo, uma
demonstração de força, seja pela peleja ou por capacidade portuguesa de arregimentar
africanos para guerra preta. Inicialmente os conflitos nada tinham a ver com o então Jaga de
Kassanje, D. Pascoal Machado, Jaga Mbumba a Kinguri. O objetivo dos portugueses era
punir e submeter os Sobas Andalla Quissua e Marimba-Ngombe, que pela perspectiva da
administração colonial criavam entraves ao bem desenvolver do comércio. O primeiro ataque
correu mal e Andalla Quissua fugiu, buscando abrigo em Kassanje, que prestou-lhe auxílio. O
Jaga, além de fornecer abrigo, também ameaçou os feirantes de Kassanje – atitude esta que
selou o início de um conflito que se arrastaria por anos. Em 1850, as tropas portugueses –
servidas de brancos, mestiços, moradores e africanos –, lideradas pelo Major Francisco Salles
Ferreira, então chefe de Npungo a Ndongo, invadiram Kassanje em busca de Andalla Quissua
e de explicações para as atitudes do Jaga Mbumba junto à feira local. Mbumba e alguns de
seus aliados, providos das insígnias da fundação de Kassanje, refugiaram-se no interior,
contudo, boa parte dos seus o abandonaram, receosos que o comércio com Luanda caísse em
declínio. Na incapacidade portuguesa de gerir Kassanje, Salles Ferreira nomeou um novo
Jaga, Calunga Caquissanga, também chamado de D. Pedro Acácio Ferreira – sendo este
submisso aos interesses lusos e desprovido dos signos de poder no qual o tornaria pouco
valoroso aos olhos de seus irmãos.418
A intervenção portuguesa na ordem política africana não era novidade,419
porém, a
partir de meados do século XIX fica visível a recorrência e violência que tais interferências
exerciam. Em sua marcha de Npungo a Ndongo à Kassanje, Salles Ferreira promoveu grandes
intervenções, sobre tudo, no Bondo, no qual submetera a região e depôs [...] o Soba Andulla
417
LIVINGSTONE, Missionary travels and researches in South Africa, Op. Cit., p. 369. 418
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 108-110. 419
Cf. COUTO, Os capitães-mores em Angola no século XVIII. Passim.
Quissua, e fiz colocar no estado o leal e prudente Quissua Camoaxe, que hoje bem governa
aquele importante sertão.420
Uma amálgama de práticas antigas ornadas de novos interesses: pode-se assim
compreender a orientação portuguesa sobre os sertões de Luanda e d’além. Trata-se de um
ponto fulcral de transformação da região em um espaço colonial no qual a administração
portuguesa buscava protagonismo sem ainda poder caminhar por conta própria, sendo
constantemente auxiliada pelas comunidades africanas locais, caracterizando a governança
portuguesa por seu perfil indireto e comercial. A atitude do Major rompe de forma concisa
com as lógicas dos acordos e alianças, delegando ao novo Soba avassalado a responsabilidade
de comandar a sua comunidade em conluio com Luanda, fazendo assim que os habitantes do
sobado fossem súditos de Portugal via o poder de um Soba que poderia ser removido e
substituído conforme a necessidade.
Contudo, tais intervenções ainda se mostravam incipientes. No caso de Salles Ferreira
a nomeação de um novo Jaga em nada resolveu, pois o mesmo era aparentado de Mbumba e
foi conivente com a fuga e resistência do mesmo. Ainda no ano de 1850, o exilado Mbumba
buscaria minar o pouco poder dos portugueses por meio de ataques aos feirantes e aviados que
se lançavam a feira de Kassanje. Além de promover a instabilidade no campo comercial, o
Jaga exilado promoveu uma mudança política ao assassinar o diretor da feira de Kassanje421
e
o Jaga escolhido por Luanda, recuperando seu posto junto com suas insígnias de poder.422
Mbumba não era uma autoridade africana desligada dos acontecimentos portugueses ou
europeus, pelo contrário, compreendia as sutilezas políticas e as manobrava em seu favor.
Fora educado quando criança em uma família afro-portuguesa, tendo conhecimentos
comerciais, políticos e o peso de ter sido eleito Jaga e passado pelo cerimonial de forma
incólume.423
420
FERREIRA, Sobre o sertão de Cassanje, Op. Cit., p 26. 421
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 111. 422
A documentação recolhida sobre o caso não deixa claro o peso que as insígnias de poder ancestral exerceram
no processo de legitimação de Mbumba, no entanto, levando em conta a bibliografia que aponta para a
importância de tais signos, é possível afirmar que mesmo exilado Mbumba podia ser visto como o Jaga por
direito, pois além de possuir as insígnias, havia passado pelo sambamento – ritual religioso/político pelo qual o
escolhido Jaga precisa passar. O novo Jaga escolhido por Salles Ferreira não havia sido ritualizado pelo fato de
que as autoridades portuguesas abominavam o sambamento e a sua pretensa barbaridade. O próprio Capitão
Neves aponta mais adiante na narrativa o caráter decisivo das insígnias na configuração do poder político,
contudo, sua narrativa esta repleta de julgamentos sobre idolatria e falsos símbolos político-religiosos. Para o
aparte de Neves Cf. NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 65. 423
O passado de Mbumba a Kinguri é nebuloso perante os documentos utilizados e o orçamento de pesquisa.
Não obstante, o mesmo já fora objeto de citação de outros historiadores. Cf. MILLER, Way of Death, Op. Cit., p.
248.
A retomada de Mbumba levou o Major Salles Ferreira novamente a encabeçar uma
segunda campanha objetivando [...] castigar esse bárbaro ex Jaga Cassange, Pascoal
Machado, que acabava de manchar a bandeira portugueza assassinando traiçoeiramente
dois europeus e o Jaga a pouco eleito, além de outras pessoas.424
A marcha parte novamente
de Npungo a Ndongo e sua trajetória é narrado pelo Capitão Neves, que assim como outros
pequenos agentes de seu tempo enfatiza a precariedade das estradas enquanto avança de sítio
em sítio dos moradores locais, observando o seu estado produtivo. Conquanto, diferente dos
agentes de fiscalização, o Capitão Neves não tece muitos comentários sobre as possibilidades
da região, limitando-se a descrever e, eventualmente opinar algo que, em sua maioria, decorre
de suas percepções próprias e não de uma orientação da administração colonial.425
A narrativa de Neves é vagarosa, pois não se trata apenas da distância entre Npungo
Ndongo e Kassanje, mas a marcha do Major Salles Ferreira fazia constantes paradas para
arregimentar tropas para a guerra preta, deixando claro que o contingente português não era
suficiente, além do desconhecimento geográfico e da necessidade de mão de obra. Com
relação a este último, o Capitão deixa nítida a dificuldade das estradas e de transitar os
suprimentos e munições, que em sua maioria foram conduzidos por africanos que, além disso,
fizeram [...] uma ponte sobre o Lombe, rio pouco notável, que apesar de trabalhosa a noite
se achava pronta. A busca por materiais ferrosos, madeira e afins para a construção de uma
ponte improvisada não movimentava apenas as tropas, mas toda a região próxima. A zona de
construção se encheu de [...] soldados, moradores e carregadores que trabalhavam com a
melhor vontade.426
Obviamente a “melhor vontade” se referia a cumprir ordens e não a
desejos pessoais, pois quando era impossível abrir caminho, os carregadores tinham que achar
outra forma de conduzir não apenas suprimentos, mas os próprios alto oficiais, nem que fosse
necessário [...] atravessar a água nas costas dos pretos, pois na altura dela não admitia
tipoia.427
Além da marcha ser composta por sujeitos de variadas origens,428
ela promovia uma
dinâmica comercial, na medida em que as paragens se tornavam postos de trocas de produtos
424
NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 14. 425
Ibidem, p. 15. 426
Ibidem, p. 17. 427
Ibidem, p. 18. 428
As tropas de Salles Ferreira partiram em pequeno número de Npungo a Ndongo, sendo compostas por
membros de companhia móvel: 300 brancos (faz referência a homens e não a sua origem geográfica), 400
moradores de Mbaka, 30 moradores de Npungo a Ndongo e 35 moradores de Duque de Bragança. No inicio da
jornada o contingente africano era pequeno, tendo apenas o Dembo Caboco fornecido 200 impacaceiros. Neves
ou até mesmo de pessoas, como ocorria quando a campanha militar atravessava as terras de
um determinado Soba avassalado.429
Em sua jornada rumo a Kassanje, o Comandante Geral
Salles Ferreira se reúne com o Soba Quibinda em sua Mbanza, no qual discutiram questões
relativas ao comércio – uma nítida pressão administrativa da lógica colonial – e sobre a
campanha rumo a Kassanje. O Capitão Neves indica que as tropas foram [...] bem recebidas
pelo Soba [...]430
sendo o Soba Quibinda um poderoso potentado que [...] além de muitos
Sobas contíguos, por quem é obedecido, os quais figura Muiéba, bastante poderoso, é
igualmente obedecido pelo Gundo-Jaquibinda.431
A atenção que Neves delega aos Sobas
ditos poderosos é visivelmente maior do que aos Sobetas. Após negociações com Soba
Quibinda, o mesmo aceita participar da marcha fornecendo pessoal e armas para combater
Jaga Mbumba.432
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Capitão Neves confere ênfase ao descrever a
figura política do Soba Marimba-Ngombe. Para Neves, o Soba era [...] bastante poderoso,
por isso que lhe são subordinados bastantes Sobetas vizinhos. Ofereceu para a força duas
cabeças de gado e algum fubá e prometeu seguir-nos com seus filhos armados.433
A ênfase
nos Sobas de maior poderio apoia a hipótese levantada no capítulo 2 – no que diz respeito à
influência política que o Soba Bango Aquitamba exercia nas proximidades do antigo presídio
do Golungo Alto434
– sobre o interesse da administração colonial de governar as comunidades
africanas de forma indireta ao exercer um controle regulado sobre uma determinada chefia
local. Por controle regulado entende-se uma fronteira de influência política muito instável e
bastante tensa, que dependia de acordos políticos, interesses comerciais e da situação do poder
político africano, ou seja, da relação que determinado Soba tinha com seus makota e o sobado
como um todo.
Uma das facetas deste controle regulado pode ser visto na atuação portuguesa no
Bondo, quando o Major Salles Ferreira, utilizando-se da força militar, destituiu o Soba
Andulla Quissua e por meio de interesses comerciais nomeou Quissua Camoaxe como o novo
Soba na regiã. Neste evento, pode-se aferir sobre um controle manifesto pelos portugueses na
tentativa de controlar as comunidades africanas para fins de manutenção das redes comerciais
não especifica quem é o Soba que ostenta o título de Dembo, contudo não seria erro aponta que o sujeito em
questão fosse Kabuku Kambilu do Cambembe. 429
Ibidem, p. 30-31. 430
NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 18. 431
Ibidem, p. 18-19. 432
Idem. 433
Ibidem, p. 24. 434
Vide sub-item 2.2 do capítulo 2, p. 103-112.
e parceiros militares. Conquanto, nem sempre o peso português era dominante, pelo contrário,
como visto no caso de Bango Aquitamba e agora com Marimba-Ngombe.
O Soba Marimba-Ngombe não dependia necessariamente de um contato formal com
os portugueses de Luanda para garantir sua posição política e muito menos para obter
produtos e possibilidades de permuta comercial,435
todavia, a administração colonial em
Luanda precisava de Marimba-Ngombe, seja para garantir a segurança das rotas comerciais
que por suas terras transitavam ou pela necessidade de um aliado militar a altura para uma
necessidade futura, que na década de 1850 significava um aliado contra Kassanje.436
Kassanje não era apenas um centro comercial e de poder político respeitado, mas
servia, em muitos casos, como zona de refúgio para escravos fugidos, libertos e comerciantes
independentes. Os que conseguiam salvar-se das mãos comerciais e dos caprichos políticos,
prontamente entravam no jogo do qual haviam se resguardado. Neste sentido, não era
incomum a presença de Quimbares – etiqueta heterogênea que podia ser referir a grupos de
africanos, libertos, ex-escravos, mestiços, agregados, dependentes e até mesmo moradores que
dedicavam-se ao serviço militar e aos tratos comerciais.437
Muitos dos habitantes de Kassanje,
receosos com o conflito e as perdas que o mesmo trazia consigo – e rebeldes da autoridade de
Mbumba – optaram por aliar-se a campanha de Salles Ferreira, contudo, para evitar mortes
enganosa, os lideres dos Mbangalas rebeldes mandaram [...] pedir a banda ao Sr Comandante
Geral, para ela estarem isentos de algum vexame injusto dos portugueses.438
Obviamente a injustiça seria a morte por engano, já que os novos aliados da marcha
portuguesa trajavam as mesmas veste e entoavam os mesmo gritos de guerra que o inimigo,
contudo, flerta com outra possibilidade: o da violência no qual as tropas coloniais traziam as
comunidades locais, as dinâmicas familiares e as estruturas políticas. Conforme as tropas de
435
A bibliografia frisa as rotas ilegais e o comércio clandestino. Muito investigado entre traficantes e membros
da administração colonial, mas pouco analisado quando sobre as chefias africanas. 436
Sobas de menor expressão – mas não menos poderosos – da região de Npungo a Ndongo, Malanje e Songo
também se uniram a marcha como Camexe, Satte, Ngio, Mutemba e Cunga Palanca. 437
Segundo a bibliografia os Quimbares eram necessariamente guerreiros nos séculos XVII e XVIII, porém, a
narrativa de Neves deixa transparecer uma faceta comercial dos mesmos. Sobre os quimbares Cf. SOARES,
Francisco Manuel Antunes. Crioulizações internas: processos de transculturação nos Bantu angolanos. In:
Almanack. Guarulhos, n.08, p.84-103, 2º semestre de 2014.; TAVARES, Ana Paula; SANTOS, Catarina
Madeira. Africae Monumenta: a apropriação da escrita pelos Africanos: volume I – Arquivo Caculo Cacahenda.
Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 2002. 438
O Capitão Neves afirma que a hábito de “pedir a banda” foi implementado pelo Major Salles Ferreira ainda
na primeira expedição, contudo, não explica do que se trata tal ato. Levando em conta os diversos significados da
palavra banda e o contexto da década de 1850, acredita-se que “pedir a banda” significaria que as tropas
portuguesas forneceriam uma banda de tecido de tom avermelhado para que os Mbangalas pudessem amarrar ao
corpo e não serem confundidos com os aliados de Mbumba a Kinguri. NEVES, Memória da expedição a
Cassange, Op. Cit., p. 28.
Salles Ferreira avançavam rumo a leste, pequenas comunidades se deslocavam em um êxodo
que objetiva a fuga do recrutamento militar ou o do compartilhamento de alimentos e bens de
forma forçada.439
O próprio Capitão Antonio Rodrigues Neves, em um momento de manifesta
opinião, indica a capacidade do Major Salles Ferreira em [...] levar esta gente, pois ao mesmo
tempo em que diligencia em sujeita-los, lhes ganha animo e afeição.440
Os abusos não partiam apenas dos militares de carreira, mas também de moradores
que aproveitavam as marchas militares para se juntar a obter ganhos em pequenos saques,
sequestros, chantagens e novos contatos. Um destes foi Agostinho dos Santos e Costas, [...]
que vinha do Bondo, fazendo toda a qualidade de vexame, a respeito do que o Senhor
Comandante deu logo as necessárias providencias, nomeando o Alferes Braz para substituir
o mencionado Agostinho.441
A decisão de Salles Ferreira não dizia respeito a questões
humanitárias, mas a estratégias militares, políticas e seus respectivos respingos comerciais. A
humilhação de populações poderia levar a falta de apoio de Sobas locais ou a perturbação dos
humores comerciais. No caso de Agostinho, nada ocorreu, pois o Capitão Neves informou não
serem válidas tais informações, sendo que o Alferes Braz não chegou a substituir o morador.
Essa falsa premissa de violência por parte do morador não é explorada por Neves, porém não
seria surpreendente se os acusadores de Agostinho fossem partidários de Mbumba, pois os
acusantes eram oriundos do Bondo, um reduto aliado ao Jaga e que sofrera fortes perdas com
a primeira expedição, desde a deposição de Sobas até a instabilidade de rotas comerciais
como visto anteriormente. Páginas adiante Neves afirma que o morador Agostinho chegou ao
acampamento de Salles Ferreira, já na abandonada feira de Kassanje, com 11 prisioneiros do
Bondo que seriam possivelmente aliados do Jaga Mbumba a Kinguri.442
O funcionamento das rotas e postos comerciais era primordial tanto a africanos como a
portugueses. A própria campanha punitiva ao Jaga revoltoso exibiu dois mundos em constante
diálogo e conflito: o do comércio legal e o do clandestino. Mbumba tomou a decisão de
enfrentar a presença portuguesa porque viu ameaçados seus ganhos junto às rotas que partiam
do Kwango em direção ao Ambriz. Naquela altura, enquanto os comerciantes autorizados
negociavam na feira de Kassanje, clandestinos também se lançavam ao comércio com
conhecimento do Jaga que, de forma paralela, obtia ganhos assim como os demais chefes
439
Ibidem, 19. 440
Ibidem, 21. 441
Ibidem, 43. 442
Ibidem, 47.
linhageiros da região.443
A questão comercial era tão decisiva que além de causar peleja,
também a evitava, como nas animosidades entre Mbangalas leais ao Jaga e o potentado
Gunga-Acambamba. Este último [...] pouco ou nada obedecia ao ex-Jaga hoje rebelde e o
teria já guerreado, do que chegou a ameaça-lo, se não fosse o medo de que a feira podia vir
a sofrer.444
Com Mbumba governando em exílio de forma precária e a feira completamente
abandonada, não é de se estranhar o apoio de Gunga-Acambamba as forças comandadas por
Salles Ferreira, afinal, segundo Neves a feira para além de ser bastante extensa se encontrava
[...] abandonada no principio da estação chuvosa, o capim cresceu de tal forma que escondia
metade das casas [...] aqui um porta arrombada, ali todas abertas, servindo as casas de asilo
aos bichos, sendo devastação por todos os lados.445
Fica claro que o apoio de Acambamba a
administração colonial da-se unicamente para fazer frente ao Jaga e não por este ter simpatia
ou apreço pelos portugueses, fato é que uma das possibilidades que levaram o chefe a se
arriscar contra o Jaga Mbumba, além da estagnação da feira, poderia ser o interesse deste em
transformar seu potentado em uma zona comercial tal qual a feira de Kassanje ou ainda
controlar a tradicional feira Mbangala, todavia a documentação que se dispõe não permite
verificar tal hipótese.
A marcha de Salles Ferreira evidencia ainda outras situações que permitem melhor
compreender os contatos diretos entre Sobas e os pequenos agentes militares que circulavam
por Golungo Alto e zonas circunvizinhas. Dentre elas, algo que já fora inferido anteriormente,
porém não desenvolvido: a dependência lusa para a locomoção nas zonas interioranas.
Nenhum dos membros não africanos da marcha de Salles Ferreira parece saber chegar a feira
de Kassanje e muito menos se locomover para além de Npungo a Ndongo. O próprio Salles
Ferreira explana sobre o morador Domingos André, que de forma fortuita informou o
Comandante da marcha que [...] o guia nos tinha enganado o caminho [...] e que nem o
Alferes Braz soubesse bem o caminho, o que me obrigou a servir-me de um prisioneiro para
guia.446
Não há especificação de quem seria o guia, conquanto faz-se nítido que se tratava de
um africano, assim como o novo guia tirado do cárcere, que além de africano era, naquele
momento inimigo de guerra. Séculos de comércio entre portugueses e Mbangalas e mesmo
443
MILLER, Way of Death, Op. Cit., p. 207-244.; PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit.,
109. 444
NEVES, Memória da expedição a Cassange, Op. Cit., p. 44. 445
Ibidem, p. 35. 446
Ibidem, p. 80.
assim a presença portuguesa na região era praticamente insípida, necessitando os mesmos dos
mais diversos tipos de intermediários como moradores e africanos. O mesmo pode-se se dizer
da delegação de tarefas que na falta de mãos portuguesas de carreira militar recorria a
moradores e até mesmo a Sobas, sendo estes muitas vezes atuando como funcionários
coloniais autônomos. No caso da campanha de Kassanje além do apoio bélico, os Sobas e
moradores atuavam como mensageiros de oficio e ainda como chefes de pelotão.447
Contudo, os Sobas também agiam frequentemente como sujeitos burocráticos a nível
fiscal ou pelo menos era essa a intenção portuguesa em um projeto de regulamento para os
distritos e presídios do interior redigido na década de 1840, porém tudo indica que nunca fora
aprovado por diploma legal.448 Em seu artigo § 20 do projeto, sobre os dízimos, alistamentos e
cobranças, o texto informa que:
[...]O Governador Subalterno dará no fim do alistamento a cada Soba, Patrão,
Dono de Sitio, uma nota explicativa e por ele assinada, da importância do
Dizimo Alistado nas terras da as dependências; dando-lhe espaço desde o fim
do Alistamento, até o mês de Março do ano seguinte, para apresentarem na
Residência do Governador Subalterno a mesma importância; e o Governador
lhe passará recibo do que não levará emolumento algum, assinado por ele,
Almoxarife, e Escrivão.449
Em suma, de certa forma o projeto previa que competia aos Sobas a cobrança de
tributos dentro de seu território e o devido repasse as autoridades portuguesas. Por uma lado
havia uma concepção de autonomia política dos Sobas avassalados, no qual os portugueses
deveriam resguardar-se de determinadas atitudes para evitar animosidades, por outra
perspectiva exibe um Soba que além de autônomo atuava em certas ocasiões como
funcionário, já que por vezes tais premissas não necessariamente apareciam nos contratos de
vassalgem. Tais atos contratuais voltavam-se mais a questões comerciais e seus
desdobramentos políticos, mas não fazia menção a deveres desta natureza, salvo exceção a
reivindicação de livre comércio em suas terras e respeito a autoridade portuguesa.450
447
Ibidem, p. 83. 448
Projecto de Regimento para os Districtos e Presídios de Angola. Op. Cit., p. 3-69. 449
Ibidem, p. 11. 450
Toma-se, por exemplo, um ato da segunda metade do século XVIII. Cabe salientar a pouca diferença que os
mesmo apresentavam no século XIX, salve a questão traficante e do comércio lícito. Cf. Acto de obediencia,
sujeição e vasssalagem que ao muito alto e poderoso Rei Fidelissimo D. José I, Nosso Senhor, e seus reaes
successores faz nas mãos do illustrissimo e excellentíssimo Senhor D. Francisco Innocencio de Sousa Coutinho,
Governador e Capitão General d’estes reinos e suas conquistas, o potentado do Holo Marimba Goge porseus
embaizadores D. Thomás Planga-a-Temo, Holo-ria-Quibalacace e Quienda. In: Annaes do Conselho
Após muita perceguição a Mbumba, a campanha de Salles Ferreira obteve importante
vitória, foram recuperados as insígnias do estado e de valorização ancestral. De posse destas
os portugueses não mais perseguiram Mbumba – que ficara foragido – e voltaram-se para a
reestruturação do poder em Kassanje colocando no comando o novo Jaga Cambolo Cangonga
que reestabelceu as estruturas políticas permitindo aos portugueses e negociantes interioranos
reerguer a feira de Kassanje, que a partir de 1851 teria como diretor o próprio memorialista da
segunda Campanha, o Capitão Antonio Rodrigues Neves.451
Os conflitos em Kassanje – que ainda se estenderiam por anos452
– podem ser vistos
por prismas diferentes. Pela perspectiva dos Sobas em Npungo a Ndongo, Malanje e,
posteriormente em Talla Mugongo, os conflitos trouxeram consideráveis temores comerciais,
reforçaram a presença portuguesa e permitiram aos Sobas não só estabelecer novos laços
comerciais – na medida em que a feira de Kassaje se tornara instável – como utilizar deste
contexto para garantir benefícios políticos perante Luanda na tentativa de consolidação
linhageira. Enquanto os Sobas vizinhos viviam um misto de benesses e descaminhos com tais
eventos, os Mbangalas em Kassanje marcavam seu nome mais uma vez como intransponíveis
aos portugueses e deixavam claro que eles eram necessários para o contato com os Lunda,
todavia, não previram que intermediários como os ambaquistas aproveitariam o conflito e
adentrariam na Lunda criando vínculos comerciais nos quais os portugueses tirariam
vantagem indireta.453
Já na ótica portuguesa uma dura lição foi tirada: a da dependência
extrema. Contudo, por um breve momento nos anos 1850, portugueses puderam por conta
própria cruzar o Kwango e rumar aos domínios de Mwant Yva.
As campanhas de Kassanje ao longo dos anos 1850 e 1860 mostram não apenas os
efeitos militares e comerciais de um conflito complexo, mas permitem verificar as relações
político-sociais entre os pequenos agentes militares, moradores, comerciantes e africanos,
cada qual com seu interesse e necessidade. Além do caminho para a Lunda, os portugueses
davam um tímido passo rumo a expansão territorial sobre as terras da região do Kwango,
criando em 1851 o distrito de Talla Mugongo, que na prática era mais africano do que
Ultramarino (Parte não Official) – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa, Imprensa
Nacional, 1867, p. 523-524. 451
PÉLISSIER, História das campanhas de Angola, Op. Cit., 112. 452
Os conflitos com Mbumba a Kinguri se estenderiam ao longo dos anos 1850 e 1860 com desfechos ora
favoráveis aos portugueses, ora a Mbumba, sendo este último em 1865 visto como aliado e mantedor da paz, na
medida em que os portugueses se deram conta da impossibilidade de travar um confronto com os Mbangala de
forma aberta. Cf. Ibidem, p. 114-123. 453
Sobre a presença ambaquista Cf. Ibidem, 123.; HEINTZE, A lusofonia no interior da África Central na era
pré-colonial, 2005.
português, porém, seria a primeira ofensiva legislativa da administração colonial sobre
territórios tão distantes e marcavam na prática colonial toda a retórica da regeneração
econômica liberal da política portuguesa do entremeio do século XIX.
159
CONSIDERAÇÕES FINAIS
160
O objetivo central desta pesquisa foi, por meio das narrativas militares de pequenos
agentes, verificar as possibilidades de ação política e comercial de portugueses, moradores e
Sobas no distrito do Golungo Alto durante as décadas de 1840 e 1860. O recorte temporal e
geográfico foi balizado por duas situações básicas. A primeira diz respeito ao corpus
documental utilizado, que em grande medida se concentra nos dois quartéis centrais do século
XIX. O segundo quesito diz respeito à retórica liberal Oitocentista e a sua prática colonial em
Angola. Em Portugal, após os conflitos civis, a questões dos Novos Brasis começa de forma
tímida, mas crescente, a galgar espaço na tribuna entre os deputados, sendo que no circulo dos
mais entusiastas debatia-se a ideia de que a ocupação territorial das possessões ultramarinas e
sua respectiva transformação em espaço produtivo salvaria Portugal das feridas econômicas
herdadas do século XVIII e aprofundadas ao longo da primeira metade do XIX. Enquanto
muito se debatia em Portugal – sem praticamente ter-se consciência da realidade colonial –,
em Angola os pequenos agentes militares observavam e influenciavam moradores e Sobas na
tentativa de aos poucos, transformar a Província de Angola de um nicho traficante a um
centro de produção agrária e de exportação de bens comerciáveis e passiveis de taxação fiscal.
Neste contexto dúbio de permanência e emergência de novos anseios comerciais, a
situação colonial passa a mudar. Tal mudança não se deu apenas pela pressão ou interesse
português, mas também pela ação de moradores e Sobas, que pressionados por novas
demandas e carentes em manter seus patrimônios e poder político, utilizaram-se cada qual de
seus capitais sociais para se recolocarem no jogral político do comércio lícito frente à
bancarrota do tráfico de escravizados.
Perceber esta nova conjuntura e os sujeitos heterogêneos que o construíram e foram
por ele influenciados demandou um olhar sobre a documentação crivado tanto no discurso
colonial como na busca pelas lacunas dos que não escreveram. O cuidado com o discurso
colonial deu-se, principalmente, pelo fato de que os pequenos agentes militares eram
portugueses ou nascidos em Angola, sendo que mesmo quando se tratavam de mestiços –
como o caso do Alferes Manoel Alves de Castro Francina – o discurso sempre se colocava em
conluio com os interesses e diretrizes da administração colonial. Buscar os moradores e os
Sobas nos meandros dos julgamentos e interesses dos pequenos agentes exigiu um diálogo
constante com a bibliografia, na expectativa de buscar preencher a fala destes. Para ambos,
um dos métodos utilizados para alcançar a agência destes foi focar nas escolhas e atitudes
comerciais que os mesmos tomavam e eram descritas pelos pequenos agentes. Obviamente a
161
narrativa dos agentes era muitas vezes critica e impiedosa, por este fato foi necessário isolar a
discursiva colonial e dialogar com a bibliografia para evitar cair em armadilhas narrativas
como a descrição documental ou ainda exortar a fala colonial para agência de moradores e
Sobas. Ainda sobre os Sobas, outro método empregado foi o de pensar as atitudes políticas
destes sujeitos quando os mesmo se defrontavam com os pequenos agentes, objetivando por
este meio compreender e avaliar o espaço de tomada de decisões e aferir sobre os anseios
particulares manifestos por estes indivíduos.
O objetivo central e as escolhas de análise empregada levaram a perguntas e hipóteses
que movimentaram a narrativa construída, sejam elas respondidas ou não. A primeira
indagação que se colocou na pesquisa diz respeito a possível relação entre abolicionismo e
colonização. Ficou claro ao longo da pesquisa, principalmente quando observado a política
portuguesa no Reino, que o abolicionismo não foi a razão central das primeiras iniciativas
coloniais em Angola. Não obstante, foi responsável por formatar boa parte das medidas
político-econômicas, principalmente entre os anos 1840 e 1860, agindo desde o incentivo a
produção agrícola de café até as tentativas malogradas de reformulação do regime de trabalho.
As iniciativas de ocupação espacial e cultural em Angola não alcançaram o resultado
esperado. Porém, trouxeram uma maior circulação de mercadorias na província e promoveu
um realinhamento paulatino das relações estabelecidas entre administração colonial e os
Sobas da região do Golungo Alto. Portanto, abolicionismo e colonização – mesmo que
precariamente – não só conviveram em mutualidade como se beneficiaram. De um lado o
abolicionismo liberal estimulava e promovia uma lenta mudança nos padrões de comércio e
suas beiradas políticas, por outro lado as ações coloniais forneciam substancia retórica para as
reformas no regime de trabalho e na taxação fiscal nas alfândegas de Luanda e Benguela.
A mudança promovida pelas demandas portuguesas levou os africanos e moradores a
realinharem suas estratégias, seja a nível comercial ou político – como se observou ao logo da
pesquisa, comércio e política são indissociáveis no século XIX. Neste sentido, por mais que o
determinante econômico fosse português – ou ainda extra-africano –, cabia aos africanos e
moradores dominar, executar e manter as prerrogativas externas. Nesse sentido as chefias
africanas assumiram papel central, o que levou a pesquisa a contemplar a problemática do
lugar sociopolítico destes sujeitos, suas estratégias e interesses. A análise documental e o
aporte bibliográfico levaram a percepção de que os Sobas agiam tanto em reação as demandas
portuguesas como em seu próprio benefício. Atender as demandas comerciais da
162
administração em Luanda cumprir o rito político dos acordos de vassalagem estabelecidos e
permitia a este a participação no comércio de curta, média e longa duração, acumulando bens
e por consequência prestigio político. A princípio o prestígio político parecia estar vinculado a
um processo de oposição ou aproximação da autoridade de Luanda, contudo, avultou-se a
hipótese de que poderia estar havendo entre as décadas de 1840 e 1860 um movimento de
centralização política dos Sobas em detrimento das suas respectivas elites políticas e da
influência portuguesa. Em outras palavras, uma disputa de poder entre diversas linhagens que
viam na negociação com os portugueses uma oportunidade de reforço militar e prestigio
social via bens manufaturados. Infelizmente esta hipótese não pode ser esclarecida de forma
rígida, pois o corpus documental não contempla inventários e levantamentos de espólio,
material este que poderia vir a confirmar a hipótese. No entanto, o diálogo com a bibliografia
demonstrou sua importância, essencialmente a visão de Jan Vansina sobre a constituição de
heranças linhageiras via comércio atlântico e a consolidação de linhagens ostentando o título
de Soba na região da Mbaka.
Os meandros da discussão envolvendo a ação dos Sobas do Golungo Alto mostrou que
tais sujeitos possuíam um alto grau de autonomia política e liberdade comercial perante a
administração colonial. Incluindo até que tais africanos ocupassem cargos burocráticos e
militares quando havia a falta de braços portugueses. Ao mesmo tempo em que as autoridades
africanas gozavam do seu poder político, ficou evidente a debilidade e falta de autonomia
portuguesa nos sertões de Luanda. Desconhecimento geográfico, incapacidade de realizar por
conta própria permutas nas feiras interioranas e força bélica praticamente nula, sendo
dependente da participação de moradores e impacaceiros. Esta fragilidade é fato corrente na
documentação e parece ser o ponto central para que as medidas coloniais do século XIX
sejam consideradas fracassadas por boa parte da bibliografia. Todavia, no recorte desta
pesquisa se evidencia a tentativa portuguesa de romper com as amarras e dominar por
completo as carreiras comerciais. Neste sentido as campanhas contra o Jaga Mbumba a
Kinguri são esclarecedoras. Mesmo que por pouco tempo e de forma insípida, os portugueses
abalaram o poder político dos sobadas e de Kassanje na fronteira leste pela primeira vez desde
que os primeiros escravizados saíram do porto de Luanda no século XVI. Os conflitos com os
Mbangala mostraram por um lado a dependência portuguesa em diversos níveis e por outro a
vontade de dominar e buscar autonomia.
163
Mesmo com as diversas manobras e tentativas, os portuguesas não conseguiram
transpor um grande desafio – talvez o maior naquele contexto –, o de possuir autonomia para
recrutar mão de obra. O serviço de carreto era peça central para a realização dos interesses
portugueses e moeda de troca política imprescindível aos Sobas. Incapazes de possuir
trabalhadores, portugueses apostaram suas fichas nos Sobas avassalados que forneciam
sujeitos para o transporte de mercadorias, lavouras e obras públicas. Esta pesquisa levantou a
hipótese alguns pequenos agentes acreditavam na centralização política dos Sobas a revelia do
que os mesmo vinham possivelmente executando. A centraliação pela perspectiva dos
militares de campo se daria como algo positivo, na medida em que um Soba devidamente
forte e respeitado em sua região enfrentaria menos percalços para arregimentar carregadores:
facilitando o comércio e a penetração da influência portguesa. Obviamente, com o passar do
tempo essa concepção se demonstraria catastrófica tanto ao poder político africano quanto ao
seu domínio sobre territórios férteis. Porém, em meados do século XIX, garantia benefícios e
oportunidade para distinguir sua respectiva linhagem. Infelizmente não foi possível verificar
se a visão dos pequenos agentes estava compactuando com a administração colonial, contudo,
se ousa afirmar que sim, na medida em que as decisões tomadas e a retórica do período
apontam para a possibilidade de confirmação desta hipótese. Ou seja, enquanto os Sobas
buscavam autonomia política frente suas elites sem recorrer formalmente a administração de
Luanda, os pequenos agentes, que pareciam não perceber tal fenômeno coevo, acreditavam
que Sobas mais centralizados, capazes de submeter outras linhagens eram o melhor caminho
para garantir mão de obra perante a incapacidade portuguesa de consegui-las por conta.
Quando não dependente dos Sobas e suas comunidades – que desejavam dominar
indiretamente –, a administração colonial recorria aos moradores. As mudanças econômicas
do século XIX atingiram os moradores, que logo acharam outras formas de comerciar.
Quando a feira de Kassanje se viu em frangalhos e os africanos optaram por comerciar na
clandestinidade, foram os ambaquistas que transpuseram o Kwango e serviram mais uma vez
de intermediário aos portugueses e as casas comerciais em Luanda, Lisboa, Porto e Rio de
Janeiro. Tais sujeitos também parecerem ter não só um considerável grau de autonomia, mas
uma permeabilidade política de ora trabalhar em favor das comunidades africanas, ora em
acordo com os interesses coloniais, conquanto, sem nunca perder de vista os interesses
particulares.
164
Os resultados desta pesquisa não corroboram a visão do fracasso colonial português
em Angola no século XIX e tampouco aponta para Sobas que, mesmo defendendo interesses
africanos, abriram caminho para a colonização acirrada a partir dos anos 1930. O que esta
pesquisa vislumbrou junto às narrativas dos pequenos agentes foi um contexto bastante
tumultuado, de avanços e recuos dos portugueses, de acirramento político intra-africano e de
uma forte agência por parte daqueles que compunham uma parcela considerável do cotidiano
colonial: pequenos agentes mlitares, Sobas e moradores. Na visão dos pequenos agentes, o
caminho liberal de colonização de Angola estava distante, porém, tangível. Neste sentido
pode-se dizer que entre idas e vindas a Província de Angola experimentou uma espécie de
colonização flutuante no entremeio do século XIX, que avançava e retrocedia de acordo com
a vontade e interesse dos Sobas, da ação comercial dos moradores e das pequenas campanhas
e vistorias da administração colonial. Essa colonização flutuante, que também se mostraria na
expansão e retração dos territórios de presença portuguesa se estenderia até as primeiras
décadas do século XX, quando finalmente as chefias tradicionais enfrentaram o peso do
colonialismo, que, mesmo implacável, sofreu fortes pressões e resistências de Luanda até a
baixa de Kassanje.
165
GLOSSÁRIO
166
Alcaide:
na península ibérica durante o medievo o termo era aplicado sobre um
sujeito politicamente responsável por uma aldeia ou vila fortificada.
Contudo, no contexto angolano oitocentista, o termo era empregado por
alguns militares como sinônimo de Capitão-mor.
Arimo:
derivado do kimbundo (kurina) – carpinar, arar. Tratava-se de uma
propriedade agrícola de policultura de origem privada de pequeno e
médio porte. Bastante comum na região do rio Bengo foi
paulatinamente substitutido pelo termo fazenda ao final do século XIX
com o desenvolvimento das grandes propiedade monoculturas.
Durantes os século XVII, XVIII e XIX os arimos do Bengo foram
fundamentais para o sustento alimentar de Luanda.
Aviado:
comerciante africano responsável por girar capital litorâneo nos sertões
de Angola. Figura comum no século XIX, os aviados detinham maior
liberdade de ação que os pumbeiros, na medida em que além de
representar detendores de capitiais realizavam seu pequeno comércio.
Em certa medida, os aviados substituíram no século XIX os pumbeiros
do século XVIII.
Banda:
unidade de medida informal e não convencionada podendo ser aplicada
sobre tecidos.
Banzo:
grafado em português como fazenda. Termo kimbundu para designar
uma medida não convencional de fins comerciais. Tratava-se de um
compendio de produtos a serem trocados nas feiras comerciais dos
sertões de Luanda.
Camundele:
167
termo kimbundu que significa literalmente – pessoa branca. Os
camundele são referidos na documentação como pretos calçados e, de
certa forma, podem ser entendidos dentro do grupo de moradores. Os
camundeles não se sujeitavam ao serviço de carreto e a lavoura, na
medida em que não se entendiam como africanos de sobados.
Dedicavam-se a pequenas atividades comerciais e a ofícios militares em
companhias de ofício.
Capitão-mor:
Cargo militar e burocrático português. Em Angola, o cargo de capitão-
mor foi exercido por militares no interior de Angola nas diversas
divisões territoriais criadas pelos portugueses. Eram responsáveis pela
segurança, justiça primária, arregimento de mão de obra, obras
públicas, fiscalização e funções adminitrativas gerais. A partir dos anos
1840 o Capitão-mor foi substituído pelo cargo de chefe de distrito. O
novo cargo continuou a ser exercido por militares em sua maioria,
conquanto, civis passaram paulatinamente a chefiar distritos.
Cubata:
habitações africanas de pequeno porte. Além de servir de moradia,
também eram utilizadas como pouso ou resisdência temporária de
viajantes.
Dembo:
além de indicar as sociedades bélicas Ndembo, também significava um
termo de imponência e honra militar cedido pelos portugueses a chefias
africanas avassaladas. Ex. Dembo Soba Kabuku Kambilu. Talvez a
origem do título militar tenha origem com os Ndembo e a dificuldade
portuguesa de submetê-los ao regime colonial.
Filhos:
súditos dos Sobas.
Filhos do Paíz:
168
termo utiizado para designar brancos e mestiços nascidos em Angola e
que acabavam se aproximando de funções diretas e indiretas da
administração colonial.
Fogo:
termo português para unidade residencial.
Funante:
sinônimo de aviado no século XIX.
Ginga:
referência portuguesa para as linhagens da região de Matamba, sendo
estes identificados como descendentes de Nzinga Mbandi e entendidos
como rebeldes perante a administração colonial.
Guerra Preta:
conflito militar liderado por portugueses e composto por tropas mistas
no qual a presença africana era preponderante.
Jaga:
o mesmo que Mbangala. Refere-se também ao título político do líder de
Kassanje, o Jaga.
Kinguri:
título político Mbangala de origem Lunda. O mesmo que Jaga.
Kota:
p. makota. Termo kimbundu para designar os lembas responsáveis por
aconselhar e compor a elite política junto aos Sobas.
Lemba:
p. malemba. Membro masculino mais velho de uma linhagem, o tio
matrilinear.
169
Libata:
moradias africanas. Ver Sanzala.
Luanda:
também grafado como Império Lunda. A Lunda era comandada pela
autoridade central Mwant Yav e caracteriza pela grande capacidade
militar e pelo comércio de larga escala. A Lunda foi responsável por
fornecer boa parte de cera, marfim, gomas e escravizados
comercializados pelos Jagas que atuavam como intermediários.
Matamba:
estado africano, provalemente vinculado linhageiramente ao Ndongo.
Matamba exerceu forte resistência aos interesses portugueses. Dentre
seus membros de comando linhageiro se encontrava, no século XVII,
Nzinga Mbandi – Ngola Mbandi – ou ainda, Rainha Ginga.
Mbangala:
denominação coletiva para sociedades africanas inicialmente nômades e
posteriormente sedentarizadas na região de Kassanje. Referidos no
século XIX como Jagas ou Kassanjes.
Mbanza:
ressidência ou aglomerado das mesmas habitatas pelos lideres
linhageiros centrais (Sobas) e seus subordinados. Também entendido na
documentação como capital.
Meirinho:
170
africanos nomeados pelos escrivães distritais para o recolhimento de
impostos e verificação da situação das caravanas comerciais, sendo, em
certa medida, oficiais de justiça.
Mestiço:
referente a indivíduos com origem em grupo étnicos distintos.
Indivíduo influenciado culturalmente por hábitos e convenções sociais
– mestiçagem cultural.
Mussumba:
povoação de grande porte da Lunda. Capital da Lunda. Centro
linhegeiro sob comando a governança de Mwant Yav.
Mwant Yav:
autoridade máxima dos Lunda.
Mwandi:
morador africano.
Ngola:
p. jingola. Objeto de ferro sem forma definida com valor simbólico e
ritual. O guardião de determinado objetivo político acabou por
acumular prestígio e com o passar do tempo atingiu papel central dentro
das comunidades falantes kimbundu ocupando a chefia das demais
linhagens. O Ngola era o título político do líder linhageiro do Ndongo,
sendo referido pelos portugueses no século XVI e XVII como Rei do
Nodongo.
Ngundu:
p. jingundu. Linhagem matrilinear. Quando no plural entende-se
também como sinônimo de sobado.
Porteiro:
171
membro da burocracia do sistema judicial de punição, sendo
responsável pela guarda de sujeitos submetidos ao cárcere.
Pumbeiro:
originalmente aplicado no Kongo. O termo provalmente teve origem na
palavra mpumbo (feira). Tratava-se de um comerciante africano do
interior que era responsável por girar capital junto às comunidades
africanas. Os pumbeiros representavam os interesses econômicos dos
comerciantes portugueses e, diferente dos aviados, não era comum se
envolverem de forma independente no comércio.
Quimabares:
Também grafado como kimbares ou manbar. Entende-se por um
africano ladino. Africano livre atuante no comércio e em atividade
militares. Categoria pertencente ao grupo de moradores.
Sambamento:
ritual religioso/político pelo qual o escolhido Jaga precisa passar para
ter sua posição política validade perante a comunidade e a esfera
religiosa. Descrições apontam que o ritual possuía danças, ornamentos
de ferro, reclusão do novo líder e, em algumas versões, sacrifício
humano.
Sanzala:
moradias habitadas por parentes do líder territorial ou ainda de um
pequeno patrono detendor de terras ou bens, também chamado de
Mwandi ou morador.
Sertanejo:
comerciante de escravo autônomo sendo em sua maioria brancos,
porém podendo se encontrar mestiços e africanos. A região do Bihê, em
Angola, foi local importante de encontro e comércio deste grupo.
Soba:
172
p. sobas. Título político de chefes linhageiros submetidos ao Ngola em
tempos anteriores ao século XVII. No século XIX, os Sobas eram os
chefes linhageiros dos jingundu e responsáveis pela negociação junto a
administração colonial em Angola. Os sobas eram auxiliados pelos
makota. Chefe tradicional.
Sobeta:
Soba de pequena expressão, seja por que suas terras tinham poucos
interesses na visão portuguesa ou porque possuíam poucos filhos.
Sobado:
comunidade liderada por um Soba. Jingundu.
Sorgo:
cereal comestível de provável origem africana. Também referido em
Angola como massambala.
Tratado de vassalagem:
acordo contratual de obrigações e ganhos que Sobas acordavam junto a
administração colonial. Tratava-se mais de um aspecto formal do que
prático, na medida em que nem sempre suas clausulas eram cumpridas
e, quando ocorria de se cumprir, dizia respeito mais a necessidades
práticas cotidianas do que obrigações legais.
173
FONTES E BIBLIOGRAFIAS
174
Fontes
Acto de obediencia, sujeição e vasssalagem que ao muito alto e poderoso Rei Fidelissimo D.
José I, Nosso Senhor, e seus reaes successores faz nas mãos do illustrissimo e excellentíssimo
Senhor D. Francisco Innocencio de Sousa Coutinho, Governador e Capitão General d’estes
reinos e suas conquistas, o potentado do Holo Marimba Goge porseus embaizadores D.
Thomás Planga-a-Temo, Holo-ria-Quibalacace e Quienda. In: Annaes do Conselho
Ultramarino (Parte não Official) – Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa,
Imprensa Nacional, 1867.
Almanak stastistico da província d’Angola e suas dependências para o anno de 1852.
Loanda: Imprensa do governo, 1851.
Art. 15 do Acto Adicional a Constituição Portuguesa de 1852. Disponível na plataforma
online da Assembleia da República de Portugal. Consultar: https://www.parlamento.pt/
BARBOSA, João Guilherme Pereira. descripção d’este districto feita pelo Sr. João Guilherme
Pereira Barbosa, e pedida pelo Sr. João de Roboredo. In: Annaes do Conselho Ultramarino –
Tomo I (Fevereiro de 1854 a Dezembro de 1858). Lisboa: Imprensa nacional, 1867.
BETTERCOURT, Carlos Pacheco de. Relatorio da correição judicial aos julgados da
comarca de Loanda. Loanda: Imprensa do Governo, 1868.
Cálculo aproximado do rendimento agrícola do districto de Mossamedes no presente anno de
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Fazenda de Angola, indeferindo a pretensão dos seus membros para serem revelados de entrar
nos respectivos cofres com a importância que indevidamente abonaram em moeda forte ao ex-
escrivão da mesma junta Joaquim Antonio de Carvalho e Menezes – 2 de janeiro de 1845. In:
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Cópia da portaria reservadissima do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim Jozé Falcão)
ao Delegado do Procurador Régio da Comarca de Luanda mandando proceder contra Arsénio
Pompílio Pompeu de Carpo, presidente da câmara municipal desta cidade por ter sonegado a
carta de prego pelo qual se providencia no caso de sucessão do Governador-Geral de Angola
– 18 de janeiro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre
Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 145-150. Originalmente extraído: AHU sala
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Originalmente extraído: AMC, parte oficial, 5ª série, 1845, nº 10.
Ofício do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José falcão) ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros (José Joaquim Gomes de Castro) pedindo que expeça suas ordens para que o
Cônsul de Portugal em Nova Iorque adquira duas máquinas de descaroçar e limpar algodão
para a Província de Angola, se o seu preço não exceder 30 libras, ou apenas uma, no caso
contrário – 4 de julho de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação sobre
Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 414. Originalmente extraído: ANTT,
documentação do MNE, Correspondência do Ministério da marinha, cx 8.
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Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão), sobre o estado da Província – 28 de fevereiro de
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construção de um caminho carreteiro desde a residência do seu distrito até Oeiras, na margem
do Lucala – 11 de fevereiro de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana: documentação
sobre Angola – Tomo IV, 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 243-244. Originalmente extraído:
AHU sala 12, cód. 678, fl. 156.
Ofício reservado do Ministério da Marinha e Ultramar ao ministro dos negócios estrangeiros
sobre a prisão de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, “um dos maiores contrabandistas de
negros d’África Ocidental” – 6 de novembro de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.).
Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 689-691.
Originalmente extraído: ANTT, Documentação do MNE, cx “papéis relativos a escravatura”.
Parecer da Associação Marítima e Colonial sobre a proposta de exploração das minas de ferro
em Oeiras por Arsénio P. P. de Carpo. – 21 de abril de 1845. In: SANTOS, Eduardo (org.).
Angolana: documentação sobre Angola – Tomo III, 1845. Luanda: IICA, 1976, p. 316-317.
Originalmente extraído: AHU sala 12, cx. 599.
Portaria nº 1489 do Ministro da Marinha e Ultramar (Joaquim José Falcão) ao Governador-
Geral de Angola comunicando-lhe que nesta data se ordenou ao Governador-Geral da Índia
que, pelos navios que ali tocarem, lhe remeta plantas e sementes de bambu e outras que lhe
forem designadas, e indicando-lhe como e por quem deverão ser repartidas as sobretidas
plantas e sementes – 9 de março de 1846. In: SANTOS, Eduardo (org.). Angolana:
documentação sobre Angola – Tomo IV 1846. Luanda: IICT, 1995, p. 307-308. Originalmente
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