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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CELLY COOK INATOMI A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CELLY COOK INATOMI

A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO

DO TRABALHO ESCRAVO RURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

CAMPINAS

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora do trabalho de Defesa de Tese de Doutorado “A

atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do trabalho escravo

rural no Brasil contemporâneo”, composta pelos professores doutores a seguir

descritos, em sessão pública realizada em 8 de março de 2016, considerou a

candidata Celly Cook Inatomi aprovada.

Prof. Dr. Oswaldo E. do Amaral

Prof. Dr. Frederico Normanha Ribeiro de Almeida

Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa

Profa. Dra. Débora Alves Maciel

Prof. Dr. Eduardo G. Noronha

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Dedico este trabalho ao Chris e à Piaf,

com muito carinho

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Agradecimentos

Começo expondo meus sinceros agradecimentos ao Andrei, que há mais de 10

anos aceitou a tarefa de me orientar, desde a monografia ao doutorado, sempre com

muita sabedoria, paciência e amizade. Agradeço por seu apoio, pelas oportunidades

de participação em seus projetos, e pela confiança em mim depositada nas vezes em

que fui sua monitora no Programa de Estágio Docente na Unicamp.

Agradeço também aos professores membros da banca de qualificação, Prof.

Dr. Eduardo Noronha e Profa. Dra. Walquíria Domingues Leão Rêgo, pelas críticas,

observações e sugestões que contribuíram para a finalização deste trabalho e para o

seu aperfeiçoamento.

Sou grata à CAPES pela bolsa de doutorado concedida, sem a qual eu não

poderia ter me dedicado exclusivamente para a realização desta pesquisa.

Agradeço também aos funcionários do IFCH, especialmente à Priscila Gartier,

da Secretaria da Pós-Graduação de Ciência Política, e ao Sandro Carmo, da

biblioteca, pela forma tão solícita, gentil e competente com a qual sempre trabalharam.

Sou grata aos alunos dos PEDs em que fui monitora na Unicamp, pela

experiência enriquecedora de dar aula e pelo respeito com que me receberam. Sou

grata especialmente aos queridos Murilo Polato e Ana Clara Rocha, pela docilidade e

incentivo com que sempre me trataram.

Agradeço imensamente ao Thiago Trindade, a seu pai Edi Aparecido Trindade,

e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio

Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar como professora. Agradeço aos meus

alunos pelas experiências e pelo crescimento que tenho vivenciado enquanto docente.

Agradeço às minhas queridas amigas da pós-graduação da Unicamp, Marcia

Baratto e Ariana Bazzano, que foram apoio constante em diversos momentos.

Agradeço pelo ombro amigo tantas vezes cedido, pelos conselhos, pela sabedoria e

conhecimento e pelas tantas risadas e comilanças que já compartilhamos juntas. Sem

vocês, tudo teria sido muito mais difícil, solitário e sem graça.

Agradeço também à minha querida amiga Karen Sakalauska, que com seu

entusiasmo e fé inabalável, mostrou-se sempre disposta a ajudar e a dar o seu melhor.

Agradeço pelas vezes que me recebeu tão bem em sua casa, pelas tantas mensagens

só para saber se estava tudo bem, pelas conversas e discussões filosóficas (nem

sempre harmoniosas), mas que me ensinam constantemente o real valor do respeito

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às diferenças de pensamento. Você me faz querer ser uma pessoa melhor, uma

professora melhor e uma amiga melhor. Obrigada também por ter trazido a linda

Clarinha ao mundo, que veio para alegrar a vida de todos.

Agradeço também aos meus queridos amigos de graduação, Marcio Scherma,

Sara Lima, Thelma Belo, Ciça Ferrarezzi e Renato Pereira, que mesmo distantes,

continuam presentes em minha vida até os dias de hoje, seja em pensamento ou em

uma mensagem de saudade. São todos amigos iluminados, que levo como referência

de seres humanos extraordinários.

Sou grata também à minha querida amiga de sempre e de todas as horas

Juliana Bertazzo, que com sua generosidade abundante esteve sempre a postos para

conversar, ajudar e alegrar. Agradeço por sua amizade sempre e invariavelmente

sincera, calorosa e presente. Amizade preciosa e difícil de encontrar, um tesouro que

quero levar por toda a vida.

Agradeço à família Inatomi (pai, mãe, Satye, tia Margo, tia Anézia, tio Roberto,

tia Amélia, Cristina, Hugo, Danilo e Daniel), à família Pierotti dos Santos (José Camilo,

Eva Catalina, Thomas e Cristiane), à família Cook (Vó Meire, tia Neca, tia Tuca e tia

Cheila), e a inúmeros amigos, pelo carinho, pelos presentes recebidos, pela ajuda, e

por terem me proporcionado, ao fim da redação desta tese, uma semana de férias (tão

gostosa!), da qual nunca vou me esquecer.

Agradeço aos queridos José Camilo e Eva Catalina pelas ajudas que deram

sempre que necessário ao longo de todos esses anos, e pelo tratamento tão carinhoso

que dão a minha querida Piaf.

Quanto à minha família, meu pai Mario, minha mãe Miriam, e minha irmã

Satye, não há palavras que possam expressar a minha gratidão por tudo que já

fizeram e ainda fazem por mim. Vocês são o início e o fim de tudo, minha base e meus

princípios, e objeto constante das minhas orações.

Por fim, agradeço ao meu querido Chris e a minha linda cachorrinha Piaf. A ela

agradeço pela alegria e companheirismo sempre presentes, e por aparecer em minha

vida como um verdadeiro presente de Deus. Ao Chris agradeço por seu coração

sempre generoso e aberto, por sua paciência, pelo café na madrugada, por sentar

comigo e me ajudar a pensar e organizar as ideais, por me acalmar, e por me levar

para ver flores. Eu amo vocês.

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Agradeço, sobretudo, a Deus e a nossa senhora, pela saúde, pelo teto, pelo

alimento e pela força concedida.

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Resumo

O objetivo da tese é o de analisar a atuação do Poder Judiciário nas

políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo, de

forma a verificar seus entendimentos acerca do trabalho escravo, suas formas

de argumentação e seus posicionamentos frente à necessidade das políticas

de erradicação do trabalho escravo rural. Para tanto, a tese empreendeu uma

análise em profundidade e em fluxo de três casos que trataram do tema do

trabalho escravo rural no Brasil, sempre sob o olhar conjunto de três

dimensões de análise: individual ou do jogo político, institucional e estrutural. A

tese possibilitou verificar que o Poder Judiciário atuou de forma mitigada no

quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural, apresentando

mais limitações do que possibilidades de apoio a essas políticas. Cada caso

analisado mostrou que há uma coexistência entre fatores de ordem individual,

institucional e estrutural que permitiram fortalecer a tese sobre a atuação

mitigada do Poder Judiciário, embora cada caso tenha revelado um fator como

mais expressivo que os demais.

Palavras-chave: Poder Judiciário – trabalho escravo rural – direitos de

cidadania – estudos de caso

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Abstract

This thesis provides an analysis of the actions taken by the Judiciary in

the framework of rural slave labor eradication policies in contemporary Brazil.

The key aim of the research work was to determine the understanding held by

the Judiciary of what constitutes slave labor, as well as to identify the

arguments made by members of the judiciary and stances taken by them in the

framework of rural slave labor eradication policies. For that purpose, the

research work presented in this thesis produced an in-depth flow analysis of

three case studies that dealt with rural slave labor in Brazil, under three

simultaneous analytical dimensions: individual (or political game), institutional

and structural. The research work generated a central thesis that the Judiciary

had limited action in the framework of rural slave labor eradication policies,

invariably presenting more limitations than indications of support to such

policies. Each case studied revealed the coexistence of individual, institutional

and structural factors corroborating the thesis about the limited action of the

Judiciary, even though a different key factor stands out in each of the three

cases.

Keywords: Judiciary – rural slave labor – citizenship rights – case studies

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Sumário

Introdução ................................................................................................................... 15

Apresentação do tema e relevância da pesquisa .................................................... 15

Objetivos ................................................................................................................. 18

Tese e argumentos ................................................................................................. 19

Metodologia de pesquisa ........................................................................................ 23

Estrutura da tese ..................................................................................................... 24

PARTE I...................................................................................................................... 26

Capítulo 1 – Dimensões para uma análise política do Poder Judiciário ...................... 28

1.1 – Introdução ...................................................................................................... 28

1.2 – A dimensão individual: os interesses políticos dos atores .............................. 31

1.3 – A dimensão estrutural: a função e a contradição do direito ............................ 45

1.4 – A dimensão institucional: as regras do jogo político ....................................... 51

1.5 – As análises do Poder Judiciário no Brasil e o despertar da multidimensionalidade............................................................................................. 55

1.6 – Conclusões: “Let a hundred flowers bloom” ................................................... 60

Capítulo 2 – Um panorama das políticas governamentais de erradicação do trabalho escravo rural ............................................................................................................... 62

2.1 – Introdução ...................................................................................................... 62

2.2 – Primeiras denúncias e sua visão sistêmica (1970-1984) ................................ 63

2.3 – Políticas embrionárias e o jogo político (1985-1995) ...................................... 77

2.4 – Reconhecimento público e as limitações institucionais (1995-2002) .............. 91

2.5 – Políticas integradas, “consensos” e as contradições do direito (2003-2012) 105

2.6 – Conclusões .................................................................................................. 124

PARTE II ................................................................................................................... 127

Preliminares para os estudos de caso ...................................................................... 128

Critérios para a escolha dos casos ....................................................................... 128

Os casos escolhidos ............................................................................................. 135

Critérios para a análise dos casos na Justiça ....................................................... 144

Capítulo 3 – O Caso do “gato”: aquele que “cai sempre em pé” (1996-2015) ........... 146

3.1 – Introdução .................................................................................................... 146

3.2 – A fuga, a denúncia e as fiscalizações (1996-2004) ...................................... 146

3.3 – O Caso no Judiciário (2004-2015) ................................................................ 155

3.4 - Conclusões ................................................................................................... 173

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Capítulo 4 – O Caso do Senador João Ribeiro: um “homem do campo” (2004-2014)176

4.1 – Introdução .................................................................................................... 176

4.2 – A denúncia e a fiscalização .......................................................................... 176

4.3 – O caso entra no Judiciário ............................................................................ 182

4.3.1 – O Caso do Senador João Ribeiro na Justiça do Trabalho ..................... 184

4.3.2 – O Caso do Senador João Ribeiro no Supremo Tribunal Federal ........... 197

4.4 – Conclusões .................................................................................................. 207

Capítulo 5 – O Caso Pagrisa: “modelo internacional” (2007-2015) ........................... 212

5.1 – Introdução .................................................................................................... 212

5.2 – A denúncia e a fiscalização .......................................................................... 212

5.3 – Senadores se rebelam e o caso entra no Judiciário ..................................... 229

5.4 – O caso no Judiciário ..................................................................................... 265

5.4.1 – O Caso Pagrisa na Justiça do Trabalho ................................................ 266

5.4.2 – O Caso Pagrisa na Justiça Federal ....................................................... 280

5.5 – Conclusões .................................................................................................. 304

Conclusões ............................................................................................................... 311

Tese e resultados ................................................................................................. 311

Diálogos teóricos e metodológicos ........................................................................ 314

Desdobramentos ................................................................................................... 319

Referências Bibliográficas ........................................................................................ 321

Apêndices ................................................................................................................. 345

Apêndice 1 – Relatórios produzidos sobre trabalho escravo após 2003 ............... 345

Apêndice 2 – Espectro dos casos nas políticas de erradicação do trabalho escravo346

Apêndice 3 – Espectro temporal do Caso do “gato” .............................................. 347

Apêndice 4 – Lista de notícias sobre o Caso do Senador João Ribeiro ................ 355

Apêndice 5 – Espectro temporal do Caso Pagrisa ................................................ 356

Apêndice 6 – Lista de notícias sobre o Caso Pagrisa no Senado ......................... 368

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1940-1969) .......................................................................................................................... 66

Tabela 2 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1985-1994) .......................................................................................................................... 79

Tabela 3 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1995-2002) .......................................................................................................................... 93

Tabela 4 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (2003-2012) ........................................................................................................................ 107

Tabela 5 - Operações de Fiscalização e Inclusões na "Lista Suja" do Trabalho Escravo (1995-2012) .............................................................................................................. 111

Tabela 6 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no TST ............. 130

Tabela 7 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no STJ ............. 131

Tabela 8 - Autores das ações sobre trabalho escravo no TST .................................. 131

Tabela 9 - Autores das ações sobre trabalho escravo julgadas pelo STJ ................. 132

Tabela 10 - Tempo de duração dos processos no TST em função dos autores das ações ........................................................................................................................ 133

Tabela 11 - Tempo de duração dos processos do STJ em função dos autores das ações ........................................................................................................................ 133

Tabela 12 - Respostas do TST em função dos autores das ações ........................... 134

Tabela 13 - Respostas do STJ em função dos autores das ações ............................ 134

Tabela 14 - Espectro do cenário do trabalho escravo nos casos escolhidos ............. 135

Tabela 15- Trabalhadores resgatos por estado federativo (1995-2014) .................... 136

Tabela 16 - Operações de Fiscalização realizadas no Caso do "gato"...................... 148

Tabela 17 - Quadro de Inquéritos Policiais abertos para o Caso do "gato" ............... 154

Tabela 18 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do "gato" .............. 156

Tabela 19 - Características Gerais dos Processos Judiciais no Caso do "gato" ........ 157

Tabela 20 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso do "gato" ........ 160

Tabela 21 - Natureza dos motivos de redesignação de audiências - Caso do "gato" 161

Tabela 22 - Natureza dos argumentos dos juízes - Caso do "gato" .......................... 172

Tabela 23 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do Senado João Ribeiro ...................................................................................................................... 184

Tabela 24 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso do Senador João Ribeiro ............................................................................................... 184

Tabela 25 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso do Senador João Ribeiro ...................................................................................................................... 185

Tabela 26 - Características Gerais dos Processos no STF no Caso do Senador João Ribeiro ...................................................................................................................... 197

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Tabela 27 - Natureza dos argumentos dos ministros do STF - Caso do Senador João Ribeiro ...................................................................................................................... 198

Tabela 28 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso Pagrisa ................. 266

Tabela 29 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso Pagrisa ..................................................................................................................... 267

Tabela 30 - Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1º Grau - Caso Pagrisa ..................................................................................................................... 268

Tabela 31 - Motivos das Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1 º grau - Caso Pagrisa .................................................................................................. 269

Tabela 32 - Redesignação de audiências na Justiça Trabalhista - Caso Pagrisa ...... 272

Tabela 33 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso Pagrisa .......... 273

Tabela 34 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso Pagrisa .......... 275

Tabela 35 - Características Gerais dos Processos na Justiça Federal para o Caso Pagrisa ..................................................................................................................... 281

Tabela 36 - Natureza dos argumentos dos juízes da Justiça Federal - Caso Pagrisa282

Lista de Figuras

Figura 1 - Atividades rurais em que foi encontrado trabalho escravo ........................ 129

Figura 2 - Mapa dos trabalhadores escravos resgatados .......................................... 138

Figura 3 - Mapa do índice de probabilidade de escravidão e resgates em 2007 ....... 139

Figura 4 - Fluxos dos trabalhados escravos .............................................................. 140

Figura 6 - Trabalho escravo e a cana-de-açúcar ....................................................... 142

Figura 7 - Trabalho escravo e pecuária..................................................................... 143

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15

Introdução

Apresentação do tema e relevância da pesquisa

Como nos mostra a socióloga Maria de Nazareth Baudel Wanderley

(2011), o tema do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo não é novo

na literatura brasileira das ciências sociais, pois está entre os diversos temas

abordados pelos estudos rurais que vieram se desenvolvendo desde os anos

1960 até os dias de hoje. Podemos encontrar, assim, diversos trabalhos,

especialmente no campo da Sociologia, que buscaram entender as causas

desse fenômeno, e que acabaram por fornecer contribuições muito importantes

para o entendimento de processos macroestruturais da sociedade brasileira,

tais como o avanço do capitalismo no meio rural e seu consequente processo

de modernização conservadora. São trabalhos, portanto, que nos ajudam a

entender a conformação da cidadania no meio rural brasileiro.

Juntamente a esses avanços acadêmicos em direção a um

entendimento mais macroestrutural, o tema também vem sendo abordado em

outras direções. Desde meados dos anos 1980, diversos órgãos públicos e

organizações da sociedade civil vêm produzindo uma série de relatórios de

caráter mais técnico e denunciativo. Os relatórios mais descritivos e técnicos,

em grande medida produzidos por órgãos públicos, possuem uma ênfase mais

institucionalizada. Eles abordam questões de infra-estrutura e de organização

das instituições para lidar com o problema, e também comentam as políticas de

erradicação implementadas pelo governo federal. Já os relatórios de caráter

mais denunciativo, produzidos por organizações da sociedade civil, possuem

uma visão mais voltada para o processo político e para o sistema econômico.

Ou seja, voltam seu olhar para a relação entre as expectativas sociais por

cidadania e justiça e as ações tomadas pelas autoridades políticas e as

diretrizes econômicas. O ponto em comum entre esses dois tipos de relatórios,

no entanto, é que ambos batem na tecla da falta de um consenso acerca do

que é e como se identifica o trabalho escravo rural hoje. Argumenta-se que a

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falta desse consenso prejudica a atuação das instituições e,

consequentemente, possibilita que a questão seja definida e manipulada de

acordo com os valores e interesses particulares dos atores envolvidos.

Como aponta José de Souza Martins (1999), a confusão sobre a

definição do trabalho escravo rural vem, de fato, permitindo sua manipulação

de acordo com interesses particulares e, com isso, constituindo um problema

para a atuação das instituições. Mas o autor ressalva que enfatizar somente

essa questão é deixar de olhar para algo mais importante, que é a ação e a

capacidade das instituições políticas de lidar com a exploração do trabalho no

campo em seu sentido mais genuíno e amplo. Segundo o autor, essa

discussão sobre o trabalho escravo rural, pautada em sua definição, fragmenta

o sentido de cidadania, pois acaba estabelecendo gradações acerca do que é

uma exploração aceitável (uma questão “apenas” trabalhista) e o que é uma

exploração inaceitável (que atinge o ser humano em sua dignidade). Assim, a

busca indiscriminada por uma definição única pode ser tão problemática quanto

a sua própria inexistência, pois as instituições podem deixar de fora novas

situações de exploração do trabalho rural que não se encaixam em definições

previamente estabelecidas e que precisam igualmente de uma constante

atenção e atuação das autoridades públicas.

A questão central, portanto, não está na definição, mas no entendimento

que as instituições sustentam acerca das relações e das condições de trabalho

no campo. Como argumenta o autor, as relações de trabalho e de produção no

campo estão em constante modificação e, com elas, também caminham

diferentes formas de exploração do trabalhador, no que a atuação institucional

deveria ter a postura crítica de tentar acompanhar essas mudanças, de modo a

evitar que a exploração ocorra em qualquer nível. No entanto, Martins (1999)

aponta que quase nada tem sido feito em termos de pesquisas mais

sistemáticas que possibilite acompanhar e analisar a atuação das instituições

políticas, inclusive a atuação das instituições do Judiciário.

É certo que os relatórios dos órgãos públicos têm fornecido informações

sobre as instituições, descrevendo seus desempenhos e dificuldades. No

entanto, como já vimos, são relatórios que estão mais preocupados em mostrar

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dados acerca da infra-estrutura e dos resultados das políticas governamentais,

não adentrando de forma mais crítica na lógica de funcionamento e de atuação

das instituições. São relatórios que atribuem os problemas institucionais

existentes à falta de recursos ou à falta de leis objetivas e claras que definam o

que é o trabalho escravo rural. Os relatórios das organizações da sociedade

civil, por sua vez, quando falam das instituições, acabam personalizando-as na

figura de atores particulares, de modo a mostrar a correlação de forças e de

interesses no jogo político, tratando a questão da erradicação do trabalho

escravo majoritariamente como uma questão de vontade política. Com isso,

acabam desconsiderando a ideia de que as vontades particulares dos sujeitos

podem não se traduzir necessariamente na atuação das instituições. Ou seja,

acabam negligenciando o caráter organizativo e coercitivo das instituições

sobre a vontade particular dos indivíduos.

Assim, tanto os relatórios dos órgãos públicos quanto das organizações

da sociedade civil se apresentam de forma claramente parciais e engajadas,

constituindo materiais empíricos a serem analisados e não pesquisas

sistemáticas sobre a atuação das instituições políticas no problema do trabalho

escravo rural. É nesse ponto que a tese, no campo da ciência política, pode

apresentar algumas contribuições.

Claramente que não se trata de analisar a atuação do Judiciário sobre

todo tipo de exploração do trabalho no campo no passado e no presente, até

mesmo porque o intuito é um focar sobre a instituição do Judiciário e não sobre

a exploração do trabalho em si. Não é intuito, portanto, tentarmos ver como o

Judiciário acompanha as transformações da exploração do trabalho no campo,

até mesmo porque isso demandaria uma pesquisa empírica muito mais

abrangente temporalmente. No entanto, pensamos que focar sobre a

controvertida questão do trabalho escravo rural contemporâneo não nos

impossibilita de ver a atuação do Judiciário perante a exploração do trabalho

rural como um todo e mais historicamente. Por se tratar de uma questão

controversa no universo político-jurídico, sendo alvo de muitas discórdias e

desentendimentos entre os atores e as instituições políticas, é uma questão

que acaba sendo definida através de comparações e diferenciações com

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outras situações de exploração mais reconhecidas e sedimentadas, como as

questões trabalhistas e o nosso antigo sistema escravista. Assim, o estudo

sobre a atuação do Judiciário sobre o trabalho escravo rural no Brasil

contemporâneo pode facilmente fornecer pistas sobre sua atuação (ou ao

menos sobre seu pensamento) em outras questões de exploração do trabalho

no campo. Mais importante, trata-se de um tema que nos permite expandir os

estudos empíricos sobre o Judiciário brasileiro e sobre o seu papel na defesa e

garantia dos direitos de cidadania.

Objetivos

O objetivo central da tese é o de realizar uma análise de caráter

exploratório através do estudo de três casos de trabalho escravo rural de

expressividade teórica e que foram parar nas instâncias do Poder Judiciário.

Escolhemos três casos de trabalho escravo cujas atividades rurais em questão

são significativamente representativas no quadro do trabalho escravo rural no

Brasil, e nos quais os acusados possuem perfis distintos ou capacidades

litigatórias variáveis. Os casos compreendem, assim, acusações de trabalho de

escravo no setor sucroalcooleiro e no setor pecuário; e tem por acusados um

“gato” (o Caso do “gato”), um senador da República (o Caso do Senador João

Ribeiro) e uma grande empresa do setor sucroalcooleiro (o Caso Pagrisa)1.

O intuito é o de realizar uma incursão em profundidade e em fluxo nos

casos selecionados, de forma a delimitar e analisar as formas pelas quais o

Poder Judiciário vem pautando suas decisões e atuando no cenário das

políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo,

especialmente entre 1995 e 2012, quando as políticas se tornam mais

institucionalizadas.

Queremos saber que avanços, retrocessos ou interferências ele tem

empreendido nesse cenário; como vem entendendo esse problema crítico da

1 Os critérios de seleção dos casos encontram-se detalhados nas “Preliminares para os

estudos de caso”, expostas na Parte II da tese.

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exploração do trabalho no campo; e que instrumentos e ações institucionais

vem apresentando para lidar com esse problema. Queremos identificar e

analisar, também, as respostas que ele tem dado às expectativas de outros

atores e instituições; a que ou a quem sua atuação tem propiciado ganhos

diretos ou indiretos; e de que formas vem respondendo e se alinhando às

políticas governamentais implementadas. Queremos, ainda, explorar e

compreender os argumentos e critérios que ele tem se valido para justificar sua

atuação. Em resumo, queremos saber como que o Judiciário vem se

apresentando e se portando neste quadro, e se nele podemos enxergar

possibilidades de entendimentos mais críticos sobre a exploração do trabalho

no campo, que considerem seu aspecto sistêmico e que permitam romper com

a reprodução de padrões desiguais de cidadania.

Tese e argumentos

A hipótese de pesquisa trabalhada pela tese resultou da realização de

duas explorações empíricas preliminares (que serão expostas ao longo da

análise), e que auxiliaram, inclusive, na opção pelo método dos estudos de

caso e também na própria delimitação dos casos analisados. Na primeira

exploração empírica realizada (exposta no Capítulo 2 da tese), foi feita a leitura

e análise de um conjunto de documentos legislativos, políticas, relatórios e

pesquisas elaborados por diversos atores políticos e sociais acerca do tema do

trabalho escravo rural e acerca das políticas governamentais implementadas. E

na segunda exploração empírica (exposta nas Preliminares para os estudos de

caso na Parte II da tese), foi realizado o levantamento e análise de alguns

processos judiciais envolvendo o tema do trabalho escravo rural em função de

variáveis gerais de análise.

Esses dois momentos preliminares de exploração empírica nos

possibilitaram perceber não apenas a complexidade de fatores que envolvem a

questão do trabalho escravo rural, como também a diversidade de dimensões

analíticas que são necessárias para obtermos uma compreensão mais

completa da atuação do Poder Judiciário. Ambos os momentos nos deram

ilustrações empíricas primárias da tese de que o Poder Judiciário vem atuando

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de forma mitigada sobre o tema, apresentando mais limitações do que

possibilidades de apoio às políticas de erradicação do trabalho escravo rural.

Tais ilustrações primárias foram problematizadas e fortificadas pelos estudos

de caso empreendidos, que nos mostraram de forma ainda mais clara a

atuação mitigada do Poder Judiciário e a importância de se considerar

diferentes dimensões de análise para se compreender as possíveis razões

dessa atuação.

No que tange às possibilidades de apoio às políticas de erradicação por

parte do Poder Judiciário, os estudos dos casos nos mostraram que embora

tenha sido possível encontrar sentenças e entendimentos judiciais que

considerassem os aspectos mais sistêmicos acerca da exploração no campo,

tais entendimentos acabaram se dando de forma isolada e provisória, na

medida em que foram ou questionados ou anulados através de recursos

julgados por instâncias judiciais superiores. Tais situações, no entanto,

apresentaram um ponto positivo importante, no sentido de que as sentenças e

entendimentos mais amplos acabaram servindo como instrumentos de

mobilização por parte de outros atores políticos, especialmente pela mídia

ativista no campo.

No que tange às limitações, por sua vez, os estudos dos casos nos

mostraram que elas se apresentaram das mais variadas formas. Pudemos

encontrá-las nos retrocessos que o Judiciário empreendeu no entendimento da

exploração do trabalho no campo, minimizando e ponderando as situações de

exploração encontradas. Pudemos vê-las nas interferências que ele realizou ao

questionar a legitimidade de ações e medidas punitivas tomadas por outros

atores e instituições políticas. Também estiveram presentes na falta de

responsividade do Judiciário às expectativas por justiça de outros atores

políticos e sociais, deixando-lhes o sentimento de impunidade em função da

morosidade e do prolongamento dos processos até a prescrição dos crimes.

Ligadas a isso, também pudemos observar a existência de decisões e

argumentações diferenciadas que o Judiciário deu aos casos em função de

seus réus e de sua relevância no cenário político-econômico, apontando a

permeabilidade da Justiça às pressões de ordem externas. Além disso, as

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limitações também puderam ser observadas nos diversos argumentos que o

Judiciário mobilizou para justificar sua atuação. Tais argumentos se mostraram

de forma explícita (como nos casos citados de amenização da exploração

encontrada e de questionamento de medidas de outras instituições) e também

de forma implícita à sua lógica de funcionamento institucional (como nas

tergiversações processuais e na postergação dos casos até serem amenizados

ou anulados).

Assim, na medida em que fomos ganhando mais contato com os

materiais empíricos e, simultaneamente, com os diversos estudos e

abordagens de análise sobre o Poder Judiciário (apresentadas no Capítulo 1

da tese), também fomos percebendo a importância de vê-lo a partir de lentes

ou dimensões mais variadas de análise. Fomos percebendo que uma hipótese

e uma explicação dicotômica, que simplesmente mostrasse a atuação do

Judiciario como sendo o resultado de um fator ou outro, poderia não dar conta

de diversos elementos trazidos por nossos materiais empíricos. Ou seja, fomos

percebendo que explicar a atuação do Judiciário somente em função do

conservadorismo dos juízes, ou somente em função de problemas internos

institucionais, ou somente em função da estrutura social e econômica histórica

brasileira, poderia negligenciar fatores importantes.

Como apontamos, trata-se da existência tanto de limitações quanto de

possibilidades de sustentação, sobre as quais supomos uma predominância

das limitações e não uma simples exclusão das possibilidades de sustentação

das políticas de erradicação por parte do Judiciário. Julgamos relevante, assim,

construirmos nossa argumentação através da ênfase conjunta em três

dimensões de análise: uma voltada para o processo político ou para a ação dos

atores envolvidos, uma segunda de ordem estrutural, e uma terceira dimensão

institucional. Ou seja, pensamos e nos questionamos sobre a contribuição ou

peso explicativo de cada dimensão, de forma a empreendermos um estudo

aprofundado da atuação do Poder Judiciário sobre o problema do trabalho

escravo rural.

Para nós, ver o Judiciário a partir da lente do processo político ou

individual é enxergá-lo a partir da ação dos juízes e de suas relações com

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outros atores envolvidos. É identificar e caracterizar esses atores, seus

entendimentos, objetivos, demandas, expectativas, estratégias, decisões,

poderes e relações. É olhar mais de perto as coalizões de forças, de ideias e

de programas de ação. É se voltar para as aproximações e distanciamentos

entre os atores, e para a sua inserção no cenário conflitante das políticas de

erradicação do trabalho escravo rural. É ver que as polarizações resultantes de

um olhar mais estrutural podem ser esmiuçadas e detalhadas em suas

nuances e efeitos. É olhar o resultado final dos processos macro-estruturais a

partir de uma lupa, para vermos as possibilidades abertas no seio das relações

entre os atores, para entendermos como elas são pensadas e alcançadas, e de

que forma podem impactar no posicionamento de outros sujeitos e no próprio

cenário de políticas voltadas para o combate ao trabalho escravo rural.

Ver o Judiciário a partir de uma lente estrutural, por sua vez, nos

possibilita resgatar, com auxílio da bibliografia, a ideia de função do Judiciário

nas mudanças estruturais das relações sociais e do desenvolvimento da

cidadania no campo no Brasil. É entender seu papel hoje em função de sua

inserção em importantes marcos históricos da ordem política, econômica e

social brasileira no passado. É recordar, por exemplo, o papel atribuído ao

Judiciário para lidar com as consequências diretas da política

desenvolvimentista do regime militar, do processo de redemocratização no final

dos anos 1980, e das reformas neoliberais implementadas a partir dos anos

1990. É lembrar, portanto, do seu papel no avanço da empresa capitalista no

campo, na acentuação da concentração da propriedade da terra e na expulsão

de camponeses de suas terras e sua consequente submissão a condições

indignas e degradantes de trabalho. É recordar também a sua função de

repressão institucional sistemática das mobilizações renovadas por reforma

agrária, e a sua função de criminalização dos movimentos sociais rurais.

Assim, ver o Judiciário a partir de uma lente mais estrutural é vê-lo a partir de

sua funcionalidade para a defesa e manutenção desses marcos históricos

fundamentais, ajudando na conformação de uma cidadania de caráter peculiar

no meio rural.

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Por fim, olhar para o Judiciário a partir de uma dimensão institucional é

entendê-lo como uma instituição política que possui independência e

autonomia perante os sujeitos e os processos macroestruturais. Ou seja, é vê-

lo enquanto dotado de regras, organização e lógica próprias de funcionamento

e de atuação. É entendê-lo na complexidade de suas relações intra-

institucionais que regem a ação de seu corpo de funcionários. Trata-se de uma

dimensão que nos permite, por exemplo, trabalhar as inovações das

instituições judiciais, especialmente no que diz respeito à sua independência,

prerrogativas e aos instrumentos de promoção de cidadania adquiridos após

1988 e, mais fortemente, após a reforma judicial de 2004. Isso, por sua vez,

nos possibilita estudar as relações conflituosas que se abriram com os outros

poderes do Estado do ponto de vista da formulação e da implementação de

políticas públicas. O que essa dimensão nos traz de essencial, portanto, é um

maior conhecimento da “máquina” judicial brasileira e de seus efeitos sobre o

processo político.

Podemos observar, assim, que são três dimensões de análise que nos

chamam atenção para elementos igualmente importantes para explicar as

possibilidades e as limitações (bem como suas relações) da atuação do

Judiciário brasileiro na questão do trabalho escravo rural no Brasil

contemporâneo.

Metodologia de pesquisa

A tese se pautou centralmente pela metodologia dos estudos de casos e

da análise de fluxo dos processos judiciais selecionados2, mantendo um

diálogo com os achados empíricos preliminares e com as diversas abordagens

analíticas sobre o Poder Judiciário. Entendemos que os estudos de casos nos

permitem analisar o problema com maior profundidade, no que podemos

levantar e trabalhar com variáveis que abordem as três dimensões de análise

citadas. A análise de fluxo, por sua vez, nos permite acompanhar os processos

2 Os critérios de seleção, assim como os critérios de análise dos casos, encontram-se

detalhados nas “Preliminares para os estudos de caso”, expostas na Parte II da tese.

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em toda a sua trajetória, percursos, atalhos, interferências e pausas. Assim,

acompanhamos cada caso desde a denúncia até o julgamento e

sentenciamento, passando por diferentes esferas e graus do Judiciário.

Trata-se, sobretudo, de um estudo de caráter exploratório, que não

busca dar explicações fechadas ou unilaterais sobre a atuação do Poder

Judiciário, mas sim levantar elementos que, em conjunto, permitem entender

essa atuação em fluxo e em profundidade. A partir do estudo exploratório não

se toma uma variável única que seja capaz de explicar todo e qualquer caso de

trabalho escravo rural, muito embora seja possível estabelecer alguns critérios

gerais e comuns de análise, que tomam forma particular em função do fluxo

singular a cada caso.

Estrutura da tese

A tese foi divida em duas partes. Na Parte I (formada pelos Capítulos 1 e

2), colacionamos um conjunto de questões e respostas, tanto no plano teórico

e metodológico quanto no plano empírico, que ajudam a compreender a

atuação política do Poder Judiciário na questão do trabalho escravo rural.

Assim, no Capítulo 1 apresentamos um mapeamento de várias abordagens

teóricas sobre o Poder Judiciário, em que tentamos identificar quais dimensões

analíticas cada abordagem enfatiza e que relações ela estabelece com as

demais dimensões. Procuramos, ainda, verificar as metodologias de pesquisa

mobilizadas e suas possibilidades analíticas. No Capítulo 2, traçamos um

panorama das políticas de erradicação do trabalho escravo rural no Brasil, de

forma a descrever as caracterizações e os entendimentos institucionais acerca

do problema e de que forma essas políticas e entendimentos foram avaliados

por diferentes atores políticos e sociais.

Na Parte II, por sua vez, voltamo-nos inteiramente para os estudos de

caso, que se dispõem ao longo dos Capítulos 3, 4 e 5. No Capítulo 3,

analisamos o Caso do “gato”, em que o Judiciário tratou de um caso sem

repercussão política, e no qual sobressaiu a importância de fatores de ordem

institucional para a compreensão da atuação do Poder Judiciário. No Capítulo

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4, por sua vez, analisamos o Caso do Senador João Ribeiro, em que já se nota

uma repercussão política bem maior, não apenas em função da posição

pública do senador, mas também em função da manifestação de

posicionamentos individuais dos juízes sustentando concepções conservadoras

e naturalizadoras das condições degradantes de trabalho no campo. No

Capítulo 5, por fim, analisamos o Caso Pagrisa, que é o caso mais de

descrição mais longa, mais complexo e de maior repercussão política entre os

três casos estudados, e no qual se mostrou de forma mais evidente a

importância de fatores de ordem estrutural sobre o andamento do caso na

Justiça, dada a visível permeabilidade dos juízes às influências de ordem

socioeconômica exercidas pela empresa.

Nas conclusões, por fim, fazemos um resgate dos resultados

apresentados nos estudos dos casos em função da tese defendida, assim

como também procuramos “fechar” diálogos teóricos e metodológicos abertos

no Capítulo 1 da tese em função dos resultados obtidos com os estudos de

caso. E procuramos, ainda, traçar algumas possibilidades de desdobramentos

da tese para a realização de pesquisas futuras.

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PARTE I

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Esta primeira parte da tese está voltada para a discussão de questões e

respostas que podem ser levantadas em uma análise política da atuação do

Poder Judiciário. Essa discussão é feita aqui em dois momentos.

Primeiramente, no Capítulo 1, o debate é realizado no plano teórico e

metodológico, de forma a estudar as questões, respostas e metodologias

desenvolvidas por diferentes abordagens analíticas para o estudo político do

Poder Judiciário. Num segundo momento, no Capítulo 2, a discussão já é feita

através dos primeiros movimentos exploratórios e empíricos da tese, em que

traçamos um panorama das políticas de erradicação – de forma a apresentar

os problemas em voga e as soluções institucionais dadas pelas políticas

governamentais – e procuramos analisar as avaliações de diferentes atores

políticos e sociais sobre as políticas implementadas – de forma a verificar as

questões e avaliações que foram feitas inclusive sobre a atuação do Poder

Judiciário. Assim, tanto o primeiro quanto o segundo capítulo nos ajudam a

colacionar questões e possíveis respostas sobre a atuação política do Poder

Judiciário no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural,

apontando, especialmente, para a necessidade de considerarmos uma

multiplicidade de fatores ou dimensões analíticas para a compreensão mais

completa do problema.

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Capítulo 1 – Dimensões para uma análise política do

Poder Judiciário3

“It’s the vague people who are the pioneers”

(Richard Rorty)

1.1 – Introdução

O objetivo deste capítulo é o de apresentar o esquema teórico-

metodológico que nos auxilia neste trabalho e que resulta de um esforço em

discutir a importância de diferentes dimensões analíticas para se pensar o

Poder Judiciário brasileiro. Para tanto, destinamos boa parte deste capítulo

para discutir o debate norte-americano em Ciência Política sobre o Poder

Judiciário. A essencialidade deste debate reside na sua própria formação e

desenvolvimento, que nos mostra um embate constante entre diferentes

abordagens analíticas com diferentes explicações sobre a atuação do Poder

Judiciário. A exploração desse debate nos ajuda não apenas a entender suas

possibilidades e limites como também a entender as possibilidades e limites do

debate brasileiro, que, em sua maioria, incorporou alguns pressupostos do

debate norte-americano de forma acrítica, especialmente através das teses da

judicialização da política.

Apresentamos o debate norte-americano de forma a tornar menos

nítidas as linhas teórico-metodológicas que separam as diferentes abordagens

analíticas presentes nesse debate. Expomos uma visão mais abrangente das

abordagens, saindo do que lhes é padrão e nuclear para caminhar em direção

às suas margens e, assim, ver os contatos que estabelecem com outras

abordagens. O intuito, portanto, é o de verificar os pontos de semelhança, de

continuidade ou mesmo de complementaridade entre as diversas perspectivas,

mostrando que o debate pode ser apresentado menos como um jogo de

oposições e mais como um diálogo fluido de trocas teóricas e metodológicas.

3 Este capítulo é o resultado resumido de um trabalho mais extenso sobre o debate norte-

americano em ciência política sobre o Poder Judiciário, trabalho no qual os autores e obras citadas ao longo do capítulo se encontram resenhados e analisados com maior profundidade e correlação.

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Defendemos a tese de que conhecer esse debate para além do que lhe

é padrão nos ajuda a perceber que a adoção de uma abordagem analítica

particular para estudar o Poder Judiciário não deve necessariamente nos

prender a uma linha única de pensamento, pressupostos e métodos de

trabalho. Isso acontece justamente porque as abordagens conversam muito

mais entre si do que geralmente se reconhece, extrapolando os esquemas

teórico-metodológicos por demais rígidos e fechados. A reconstrução do

debate em termos mais abrangentes possibilita verificar a existência de uma

margem de ação para o pesquisador transitar de forma mais livre e exploratória

entre as diversas abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário, buscando

realizar tentativas de síntese e não o aprofundamento de análises unilaterais.

A identidade que cada abordagem sustenta no campo dos estudos

judiciais norte-americanos geralmente é construída e defendida em oposição

às abordagens já existentes, até mesmo para que ela se coloque como

diferente e inovadora. Esse processo de diferenciação se dá através da defesa

ou da ênfase de uma dimensão de análise específica: algumas abordagens

defendem que para entendermos a atuação política do Judiciário é preciso que

nos voltemos para as ações dos juízes, para os seus valores e preferências

políticas particulares, levando-nos, assim, para dimensões individuais de

análise; outras abordagens, por sua vez, defendem que a atuação do Judiciário

só pode ser inteiramente compreendida se conseguirmos descobrir a sua

função dentro de uma determinada sociedade, fazendo-nos pensar em

dimensões analíticas mais estruturais; e outras, ainda, defendem que uma

análise sobre o Poder Judiciário tem que levar em conta suas regras e formas

de funcionamento, no que é preciso reconhecer a importância da dimensão

institucional.

O que podemos perceber, no entanto, é que, embora as abordagens

sempre apresentem uma ênfase sobre uma dimensão de análise em particular,

e embora elas sejam reconhecidas, agrupadas e compreendidas por isso, elas

se entrelaçam de maneiras diversas, extrapolando não somente os limites

internos de suas próprias abordagens como também dos conjuntos de

abordagens no qual se inserem, a dizer, individualistas, estruturalistas e

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institucionalistas. Podemos encontrar, por exemplo, abordagens individualistas,

mas que apresentam características teórico-metodológicas que se desviam do

padrão de uma análise individualista, trazendo argumentos de caráter

institucional ou estrutural e, com isso, desenvolvendo análises mais

multidimensionais. O que se pode perceber é que até mesmo as abordagens

mais “puras” ou mais unidimensionais possuem trabalhos ou estudiosos que

fogem à regra e empurram os limites de suas próprias abordagens, testando ao

extremo sua capacidade analítica.

Para realizar o que estamos propondo, este capítulo se divide da

seguinte forma. Na primeira parte, discutimos um conjunto de abordagens

norte-americanas que enfatizam a dimensão individual para analisar o Poder

Judiciário. Falamos sobre as abordagens mais tipicamente ou puramente

“individualistas”, como o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico; e sobre as

abordagens mais abrangentes, como o Realismo Jurídico, a Jurisprudência

Política e a Mobilização do Direito. Além disso, mostramos que até mesmo

dentro das abordagens mais puramente individualistas, como no Modelo

Atitudinal e no Modelo Estratégico, é possível encontrar exemplos que não

somente se aproximam das abordagens individualistas mais abrangentes,

como também extrapolam os limites do próprio conjunto de abordagens

individualistas, caminhando em direção a considerações de caráter mais

institucional e/ou estrutural.

Na segunda parte do capítulo, discutimos os trabalhos norte-americanos

de cunho estruturalista vindos do movimento dos Critical Legal Studies,

novamente pensando em termos de trabalhos mais puros e mais abrangentes.

Dentre os mais puros, vemos o posicionamento radical das teses da

“indeterminação” do direito. Dentre as mais abrangentes, vemos o

posicionamento de trabalhos que se aproximam tanto das abordagens

individualistas quanto dos trabalhos estruturais de origem marxista.

Na terceira parte, discutimos a abordagem do Institucionalismo Histórico,

de forma a mostrar as ligações e semelhanças com os conjuntos de

abordagens vistas anteriormente. Ao compararmos o Institucionalismo Histórico

com as demais abordagens, relembramos, com base nas análises anteriores,

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que ele não foi o único e nem o primeiro a tentar fazer uma síntese analítica

entre as três dimensões de análise.

Na quarta e última parte, por fim, buscamos fazer alguns apontamentos

sobre o debate brasileiro de acordo com o que foi discutido nos itens

anteriores, de forma a entender as possibilidades e os limites das abordagens

mais recorrentes sobre o Poder Judiciário brasileiro, bem como as questões

trazidas por novos trabalhos.

Nas conclusões, por fim, recuperamos algumas considerações centrais

feitas ao longo do capítulo, para mostrar que o desenvolvimento das diferentes

abordagens analíticas se deu não apenas através de um jogo de oposições,

mas também através de uma fluidez significativa de questões, pressupostos e

metodologias, que acabam ofuscando a nitidez das linhas que separam as

abordagens em quadros rígidos e fechados de análise e abrindo um campo

grande de perguntas de pesquisa.

1.2 – A dimensão individual: os interesses políticos dos atores

Na Ciência Política norte-americana, as abordagens de cunho

individualista são geralmente identificadas como behavioristas ou como

abordagens que têm por unidade de análise os indivíduos ou grupos de

indivíduos, cujas ações, comportamentos, interesses e valores particulares são

os elementos que explicam o jogo político. Em outras palavras, são

abordagens que procuram explicar a política através do comportamento ou da

ação dos indivíduos, ação esta voltada para a realização de objetivos

particulares. Para essas abordagens, as instituições, assim como as regras

mais estruturais de uma sociedade, seriam basicamente reflexos sedimentados

dessas preferências individuais em ação e em interação; e funcionariam

auxiliando os indivíduos com informações ou previsões sobre como melhor agir

para alcançar seus objetivos.

Essa identificação das abordagens individualistas como behavioristas

também é comum entre os estudos políticos norte-americanos sobre o Poder

Judiciário, e isso se deve, em grande medida, à quebra teórica e metodológica

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que o behaviorismo trouxe para o campo dos estudos judiciais (Pritchett, 1968;

Smith, 1988; March e Olsen, 1989; Whittington, 2000; Maveety, 2003b; Segal,

2003), dividindo-o em “estudos judiciais no Direito” (Public Law) e “estudos

judiciais na Ciência Política” (estudos do Judicial Process).

O behaviorismo representou um marco importante da “emancipação” da

Ciência Política frente ao Direito. Se antes os cientistas políticos se

encontravam de alguma forma dependentes do Direito e das categorias

jurídicas e institucionais para analisar o Judiciário, aparecendo como meros

“comentadores” de leis e de decisões judiciais, eles passam, agora, a constituir

um campo próprio de estudos, construindo uma teoria e metodologia própria. A

ideia central que se funda, portanto, com a emergência do “behaviorismo

judicial”, particularmente através do Modelo Atitudinal e do Modelo Estratégico,

é a ideia de análise “política” do Judiciário, análise esta que requer uma

mudança radical de foco, métodos e materiais empíricos de pesquisa

(Schubert, 1963).

A atuação do Judiciário e as decisões judiciais não podem mais ser

explicadas com base nas regras e normas jurídicas, ou com base na ideia do

legalismo jurídico de que os juízes são meros “aplicadores” das leis, neutros e

apolíticos. Agora, a atuação do Judiciário e as decisões judiciais somente se

explicam em função dos valores e das preferências políticas particulares dos

juízes. O juiz passa a ser visto como um verdadeiro ator político, que tem na

decisão judicial a sua possibilidade de ação política; ele não decide conforme

as regras, mas conforme seus interesses políticos particulares (Schubert, 1963;

Segal e Spaeth, 1993; Segal, 2003). As regras jurídicas só tem importância

para a análise caso exerçam alguma influência sobre o comportamento dos

juízes, que podem instrumentalizar tais regras de forma estratégica para atingir

seus objetivos (Schubert, 1964, 1974b; Segal e Spaeth, 1993, 1996a, 1996b;

Rohde, 1972a, 1972b; Rohde e Spaeth, 1976; Murphy, 1964; Epstein e Knight,

1998).

O que ocorre, assim, é uma mudança completa de foco, que sai da visão

extremamente formal e institucional do Direito para uma visão individualista e

comportamentalista da decisão judicial. Juntamente com a mudança de foco,

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também se dá uma mudança no método e no material empírico de pesquisa. O

cientista político não deve mais se voltar para uma análise descritiva do

conteúdo das leis, códigos e constituições, limitando-se a comentar as

diferentes interpretações que foram dadas pelos juízes em contextos políticos

distintos. Agora, ele deve observar os votos que os juízes deram e suas

frequências em uma massa de decisões, quantificando as vezes em que deram

votos liberais e votos conservadores4. O importante é localizar o juiz no jogo

político, verificar de que “lado” ele está, e mostrar, através de métodos

quantitativos cada vez mais sofisticados5, que a atuação política do Judiciário

deve ser entendida unicamente a partir do comportamento político dos juízes.

Isso seria fazer uma análise “política” e “científica” do Judiciário, análise esta

que configuraria o mainstream dos estudos judicias na Ciência Política norte-

americana.

Nesse processo de construção de uma análise “política” do Judiciário ou

de fortalecimento dos estudos judiciais em Ciência Política frente aos estudos

judiciais no Direito, o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico tiveram cada

qual papéis importantes e, sob nosso ponto de vista, complementares. Se o

Modelo Atitudinal foi o responsável por firmar a ideia do “juiz político”, que

decide conforme seus valores e preferências políticas particulares, o Modelo

Estratégico procurou resgatar para a análise behaviorista a importância de se

olhar novamente para as normas e para as regras institucionais, de forma a

enfatizar que os juízes podem atuar de forma estratégica frente a elas para

alcançar seus objetivos particulares. Em seus desenvolvimentos mais recentes,

inclusive, os trabalhos estratégicos (agora reconhecidos como do “Neo-

4 Esses estudos produziram um grande conjunto de bases de dados estatísticas para

demonstrar o caráter político da atuação dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Para exemplos, consultar Spaeth (1999a, 1999b) e Segal e Spaeth (2000).

5 Um das técnicas mais comumente utilizadas é a scalogram analysis, através da qual o

estudioso pode dispor as atitudes individuais dos juízes (os votos) em uma escala unilear, acumulativa e contínua de valores, de forma a verificar a consistência dessas atitudes ao longo de diversas decisões. Trata-se de uma escala gradativa de valores, do extremo mais progressista ao extremo mais conservador, que permite verificar que um juiz vota sempre a favor daqueles valores que vão até o limite crítico de valores que os separam de outros. Essa técnica é importante na medida em que permite explicar as diferenças encontradas nos votos dos juízes de decisão para decisão, mostrando uma lógica maior por trás de votos que se diferenciam, mas que acabam caindo dentro um grupo único de valores.

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Institucionalismo da Escolha Racional”) analisam o envolvimento de elites

governamentais na formulação e na alteração das regras constitucionais e de

funcionamento das instituições judiciais, mostrado o caráter político do próprio

direito e as suas relações com o comportamento estratégico dos juízes e de

outros atores políticos (Ginsburg, 2003; Helmke, 2004, Hirschl, 2004; Finkel,

2008).

A ideia de estratégia, contudo, não é exclusividade ou pioneira do

Modelo Estratégico ou do Neo-Institucionalismo da Escolha Racional, muito

embora o contrário seja propagado pela literatura6. Emprestada de teóricos da

escolha racional ou de teorias econômicas da política (Downs, 1957; Riker,

1962; Elster, 1986), a ideia de estratégia já se encontrava presente entre os

primeiros trabalhos do Modelo Atitudinal, influenciando de forma significativa

não apenas o desenvolvimento dos próprios trabalhos atitudinalistas7, como

também o nascimento dos trabalhos estratégicos, alguns inclusive em parceria

com os atitudinalistas8. A diferença entre uma abordagem e outra parece se

dar muito mais no plano da “gradação” do que da “inovação”: enquanto entre

os atitudinalistas a ideia de estratégia aparece de forma rarefeita e esparsa,

para explicar casos em que a preferência política particular do juiz não se

encontrava tão explícita na decisão judicial, entre os estratégicos, a ideia ganha

estatuto de “conceito”, permitindo explicar tais “contra-casos” de forma mais

sistemática.

6 Como mostram Epstein e Knight (2000), é em função da questão estratégica e da

consideração de questões institucionais para a análise comportamental dos juízes que o Modelo Estratégico é geralmente entendido e se porta como um movimento revolucionário diante do Modelo Atitudinal.

7 Glendon Schubert (1964, 1974a, 1974b), considerado o pai fundador do Modelo Atitudinal,

preocupava-se, assim como os estratégicos, com questões de caráter institucional, de forma a mostrar o comportamento estratégico dos juízes diante dessas questões. Para incorporar tais elementos à análise comportamental, Schubert procurou aperfeiçoar gradativamente os métodos quantitativos de pesquisa, de modo a considerar as regras e outros elementos de forma sistemática, quantificável e não mais de forma descritiva.

8 A semelhança entre o Modelo Atitudinal e o Modelo Estratégico são reconhecidas pelos

próprios estudiosos estratégicos (Epstein e Knight, 2000), reconhecimento este que também pode ser visto nas parcerias de pesquisa e em publicações conjuntas desde o início do desenvolvimento dos trabalhos estratégicos (ver, por exemplo, Pritchett, Murphy e Epstein (2002 [1961]).

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Tanto para os atitudinalistas quanto para os estratégicos, portanto, a

ideia de estratégia se encontra presente, e, em ambas as ocasiões, para

manter a análise com foco na dimensão individual ou na questão

comportamental. O uso da ideia de estratégia lhes possibilitou considerar

elementos institucionais, mas sem abandonar a dimensão individual de análise,

que era o diferencial de seus trabalhos frente às pesquisas no Direito. Assim,

não se trata de olhar para as regras e para as instituições de forma

independente, mas sempre tendo como referência primeira o comportamento

dos juízes. Por isso dizemos, portanto, que tanto o Modelo Atitudinal quanto o

Modelo Estratégico ajudaram a estabelecer e a fortalecer a ideia padrão de

análise “política” do Judiciário, diferenciando os estudos judiciais na Ciência

Política dos estudos judicias no Direito. Seu olhar voltado para o

comportamento individual, assim como sua metodologia quantitativa

sofisticada, conformaram na Ciência Política norte-americana um padrão

“científico” a ser seguido e implementado.

Contudo, podemos encontrar entre os próprios modelos behavioristas,

trabalhos atitudinalistas e estratégicos que fogem a esse padrão e apresentam

outras formas de se fazer uma análise política do Judiciário, alargando os

limites de suas abordagens e dialogando com outras dimensões analíticas.

Existem trabalhos atitudinalistas e estratégicos que dizem que, para

entendermos a atuação política do Judiciário, não basta olharmos para os

juízes, para os seus valores e comportamentos. É preciso também olhar para

os aspectos institucionais e estruturais como elementos independentes das

vontades e das estratégias individuais, e que cercam e limitam de fato a

atuação do juiz.

Entre esses trabalhos, encontramos estudos que defendem que a

atuação política do Judiciário deve ser compreendida também a partir da

função do juiz e do Judiciário dentro de um sistema ou “espírito” democrático

(Pritchett, 19489; Howard, 1968). É preciso não apenas mostrar quais são os

9 Para alguns, o caráter multidimensional de Pritchett é visto como ambíguo e como um

resquício da crise inicial (teórica e metodológica) que a Ciência Política enfrentou para se desvencilhar do Direito (Schubert, 1963; Maveety, 2003; Segal, 2003). Embora Pritchett seja

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valores políticos que guiam o comportamento decisório dos juízes, mas

também investigar como que se formam tais valores (Pritchett, 1948, 1968;

Danelski, 1960). O juiz e o Judiciário, dentro de um sistema democrático,

teriam funções políticas específicas, normativamente estabelecidas, no que as

regras jurídicas poderiam sim formar e guiar seu comportamento. Assim, um

juiz que decide intervir no Executivo ou no Legislativo em defesa dos direitos e

das liberdades individuais pode resultar não diretamente de seus valores

políticos particulares, mas antes da sua própria função dentro de um sistema

constitucional democrático, cujas regras lhe dão independência e poder político

para esse tipo de intervenção.

Também encontramos trabalhos behavioristas que questionam a ligação

direta que se faz entre os valores particulares dos juízes e as decisões

judiciais, mostrando que a direção e a intensidade desse link mudam ao longo

do tempo, especialmente em função de constrangimentos institucionais (Ulmer,

1969, 1979b). São estudos que se voltam, por exemplo, para a análise das

regras de funcionamento das cortes, de outros momentos do processo

decisório (Ulmer, 1972, 1979a; Ulmer, Hintze e Kirklosky, 1972), das regras

judiciais de acesso aos tribunais (Ulmer, 1978), e da pressão exercida por

grupos e lideranças dentro da Corte sobre o comportamento dos juízes

(Danelski, 1960; Ulmer, 1963). Tudo para mostrar que esse comportamento

varia conforme questões outras que não somente os valores políticos

particulares dos juízes10.

Outros estudos behavioristas questionam um problema central dos

atitudinalistas e estratégicos padrões, que é a separação que eles fazem entre

“direito” e “política”. Passa-se a questionar se “decidir conforme as regras” é de

fato diferente de “decidir conforme valores e interesses políticos”, observando-

reconhecido como o precursor do Modelo Atitudinal (Maveety, 2003), seu trabalho não é visto como o que de fato “quebrou” com o Legalismo Jurídico e seus pressupostos institucionais.

10 Ulmer reconhece a importância das abordagens tradicionais (institucionais) e se coloca mais

numa posição de complementaridade do que de oposição a elas. Bradley (2003) cita, inclusive, uma passagem de um livro de Ulmer em que ele confirma essa ideia: “A abordagem behaviorista não substitui outras perspectivas, mas complementa o conhecimento que tem sido e continua a ser a marca de modelos analíticos mais tradicionais” (Ulmer, 1961: I apud Bradley,

2003: 109).

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se que as próprias regras ou que o próprio direito é um elemento político em si

e não apenas uma roupagem que é estrategicamente utilizada ou

instrumentalizada pelos juízes para alcançarem seus objetivos particulares.

Alguns estudos mostram “a política no direito” ao enfatizarem a

importância dos valores culturais e políticos de uma sociedade na formação

não somente do comportamento dos juízes, como também das próprias regras

de funcionamento das instituições judiciais. Encontramos, assim, preocupações

com a questão da socialização judicial e com as experiências profissionais e

políticas dos juízes, que estruturam e institucionalizam padrões de

comportamento (Cook, 1971). Também encontramos análises sobre as

relações entre os tribunais com a opinião pública e as expectativas culturais e

sociais sobre o papel do juiz e do Judiciário (Cook, 1977, 1979). Vemos, ainda,

trabalhos em que se demonstra a importância dos valores políticos, culturais e

sociais de uma sociedade na formulação das regras de seleção dos juízes da

Suprema Corte dos Estados Unidos11, mostrando que os valores manifestos

nas decisões dos juízes podem ser culturalmente e institucionalmente

selecionados (Cook, 1977, 1981, 1982, 1984).

Vemos, assim, que são trabalhos que procuram mostrar que, embora

haja uma relação entre valores políticos pessoais dos juízes e suas decisões,

há muitas outras questões institucionais e estruturais anteriores e contínuas ao

processo decisório que influem na efetivação dos valores pessoais dos juízes.

Assim, existiria uma muldimensionalidade latente na atuação política do

Judiciário, que deve ser estudada a partir de um entrelaçamento de questões

individuais, institucionais e estruturais, de modo semelhante ao que apontam

os estudos do Neo-institucionalismo histórico12.

11

Cook mostra o processo de aceitação da primeira mulher como juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos. Segundo seus estudos, isso só foi possível quando a cultura política do país se alterou e passou a considerar plausível a presença de uma mulher na Suprema Corte.

12 Como apontou Epstein e Matther (2003: 186), o interesse de Beverly Blair Cook em

diferentes dimensões da atuação política do Judiciário “moveu intelectualmente as barreiras do atitudinalismo, incorporando em uma explicação do ato de julgar as normas jurídicas e o contexto social, que são os mesmos fatores enfatizados pela abordagem alternativa do institucionalismo histórico ao estudo do comportamento judicial”.

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Do ponto de vista metodológico, esses trabalhos behavioristas não-

padrões ajudam a quebrar com a ideia que se fundou com o Modelo Atitudinal

de que uma análise “política” e “científica” do Judiciário requer obrigatoriamente

um foco unidimensional sobre o juiz, juntamente com a aplicação de uma

metodologia quantitativa sofisticada. Ainda que o uso desta metodologia não

tenha sido descartada, e em alguns casos tenha sido estimulada e

aperfeiçoada, o reconhecimento de outras dimensões analíticas e a utilização

de metodologias qualitativas parece ser um traço comum entre esses

estudos13. Eles vêm conquistando espaço e importância crescentes no

mainstream dos estudos judiciais na Ciência Política norte-americana, dada a

capacidade de mostrar os limites das análises políticas padrões e a

possibilidade de inaugurar novas hipóteses, agendas de pesquisa, e até

mesmo novas abordagens analíticas.

Assim, se entre as abordagens individualistas puramente behavioristas

nós podemos encontrar tantos trabalhos que fogem ao padrão, vejamos o que

acontece entre as abordagens individualistas que não são behavioristas, ou

que podemos chamar de “mais abrangentes”, como o Realismo Jurídico, a

Jurisprudência Política e a Mobilização do direito. Através delas podemos

encontrar trabalhos que tratam a relação entre política e direito não apenas

pela chave da instrumentalidade (pressupondo a centralidade do juiz e a

separação entre direito e política), mas também pelo seu caráter histórico e

constitutivo, considerando cada vez mais a importância das dimensões

institucionais e estruturais de análise para se entender a atuação politica dos

juízes e do Judiciário como um todo. É a partir de seus trabalhos que podemos

ver semelhanças e diálogos cada vez mais claros tanto com o Marxismo e com

13

Destaca-se, por exemplo, a capacidade dos métodos qualitativos como os estudos de caso de realizar uma espécie de “anatomia” do processo judicial, permitindo ver a existência de manipulações e constrangimentos de grupos de interesses sobre o juízes (Pritchett, 1968; Pritchett, Murphy e Epstein, 2002). Aponta-se também a importância das análises descritivas de Howard sobre os fluxos de litigação, agendas de julgamento, bem como das biografias e entrevistas de juízes como meios de se analisar a questão estratégica (Maveety e Maltese, 2003). E, no extremo da desvinculação da pesquisa a uma metodologia pré-estabelecida, aponta-se, como fez Beverly Blair Cook, a importância de deixar o problema e o objeto de pesquisa ditar a metodologia necessária e não o contrário (Epstein e Matther, 2003).

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os Critical Legal Studies, quanto com o Neo-institucionalismo Histórico e com o

próprio Legalismo Jurídico. Ou seja, é a partir dessas abordagens

individualistas mais abrangentes que podemos ver que as tentativas de

“despolarização” ou de “des-unidimensionalização” (que vimos entre alguns

atitudinalistas e estratégicos não-padrões) ganham ainda mais força.

Não se pode negar que todas as três abordagens possuem trabalhos

que insistem na unidimensionalidade e na chave da instrumentalidade (na

importância das ações individuais dos juízes) para entender e explicar a

atuação política do Judiciário. Contudo, todas as três abordagens são

caracterizadas por uma marcante diversidade interna, que é onde se abrem e

se mostram os avanços em direção a pesquisas multidimensionais e a um

diálogo com abordagens de cunhos diferenciados.

No Realismo Jurídico, foi onde a unidimensionalidade e a ideia de

instrumentalidade se deu de forma mais ampla, ao passo que foi com o

advento das análises realistas que se introduziu pela primeira vez (antes

mesmo do surgimento do behaviorismo judicial em Ciência Política, com o

Modelo Atitudinal) a dimensão individual no campo dos estudos judiciais,

tomando o juiz como um ator político, que julga conforme seus interesses

próprios e não conforme as regras e as leis (Holmes, 1897; Llewellyn, 1930).

Contudo, alguns trabalhos realistas importantes não incorporam

acriticamente a ideia de que as atitudes individuais dos juízes explicam por si

as decisões judiciais e a atuação do Poder Judiciário. Argumenta-se que, por

trás das atitudes e valores individuais, há a presença consciente ou

inconsciente de uma ideologia dominante. Os interesses e os comportamentos

individuais dos juízes refletem interesses e comportamentos dos grupos nos

quais eles estão inseridos. Esses grupos, por sua vez, estão mergulhados em

seus próprios interesses materiais e econômicos, que, por fim, influenciam no

tempo e no espaço a formulação das leis e o funcionamento das instituições

governamentais como um todo (Bentley, 2008 [1908]; Beard, 2006 [1938]).

Dessa forma, questões de caráter estrutural se fazem igualmente necessárias

para desvendar e entender a “realidade” que está por trás das decisões

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judiciais14. Mantem-se uma certa relação de instrumentalidade e de importância

das ações do indivíduo ou de um grupo de indivíduos, mas enfatiza-se

questões estruturais, materiais e econômicas, e também ideológicas, como

sendo os elementos que estão por trás das ações e das próprias regras

jurídicas, formando-as e constituindo-as, no que “decidir conforme as regras”

não se diferencia de “decidir conforme valores”.

Na Jurisprudência Política, a ideia de instrumentalidade também

aparece, na medida em que se colocam os interesses individuais ou das elites

como as forças motoras que constroem, mantêm e transformam as regras e as

instituições judiciais ao seu favor. O elemento da escolha ou da decisão dos

indivíduos continua a ser um elemento central para o estudo político judicial

(Shapiro, 1963)15. Contudo, não se pode esquecer que os estudos da

Jurisprudência Política não surgiram em completa concordância com o

behaviorismo judicial (Danelski, 1983; Stumpf, 1983), mas como uma

alternativa entre o institucionalismo do Legalismo Jurídico e o individualismo do

behaviorismo judicial16.

Para os estudos da Jurisprudência Política, caberia uma dupla

preocupação: em função do legado deixado pelo behaviorismo judicial, não se

poderia mais seguir acreditando que os juízes eram meros “aplicadores” das

14

Fisher, Horwitz e Reed (1993), ao empreenderem o que chamam de uma “visão generosa” sobre o Realismo Jurídico, analisam a diversidade analítica presente na abordagem, mostrando seus diversos desdobramentos e suas diferentes formas de definir e entender o que é a “realidade” por trás das decisões judiciais.

15 Segundo Martin Shapiro (1963: 295), que cunhou o nome da abordagem (Political

Jurisprudence), “a nova jurisprudência compartilha com todo o pensamento jurídico americano moderno [realistas e behavioristas] a premissa de que os juízes fazem mais do que simplesmente descobrir a lei. Sem essa premissa, não poderia existir nenhuma jurisprudência política, pois uma das preocupações centrais da política é o poder, e o poder implica na escolha. Se o juiz não tem nenhuma escolha entre alternativas, se ele simplesmente aplica as regras fornecidas pelas compilações jurídicas e chega a uma conclusão comandado por uma lógica jurídica inexorável, ele não seria de mais interesse político do que uma máquina da IBM que poderia substituí-lo em breve”.

16 Como descreve Stumpf (1983), a Jurisprudência Política sustenta uma visão de indivíduo

distinta do behaviorismo judicial. Este último defende uma visão mais psicológica dos juízes, estudando-os como seres humanos, e relacionando seus comportamentos a um corpo teórico mais geral sobre o comportamento humano em momentos de escolha ou de decisão. A Jurisprudência Política, por sua vez, sustenta uma visão mais sociológica de indivíduo, pensando-o mais enquanto integrante de determinados grupos inseridos em instituições políticas, que, por sua vez, estão inseridas num determinado sistema governamental.

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regras jurídicas; contudo, as análises políticas também não poderiam mais

seguir fazendo economia de conceitos jurídicos (Shapiro, 1963). Seria preciso

pensar nos elementos que ocupam o espaço existente entre esses dois pólos

de explicação, de forma a entender e a ver a política não somente no

comportamento dos juízes, mas na própria história de criação, manutenção e

transformação das regras e das instituições jurídicas, vendo-as também como

agências políticas governamentais (Shapiro, 1986).

Em função dessa dupla preocupação, a Jurisprudência Política pode ser

vista e entendida a partir de diferentes perspectivas, denotando a

multidimensionalidade presente em seus estudos. Alguns a vêem como uma

abordagem behaviorista por manter a centralidade e a importância das

escolhas individuais (Smith, 1988); outros a vêem como uma abordagem

funcionalista, dada a ênfase que seus estudos dão ao caráter funcional das

regras e instituições judiciais para determinados grupos políticos (McCann,

2010); e outros, por fim, a vêem como uma clara abordagem institucionalista e

precursora do Institucionalismo Histórico, dada a recuperação histórica e

política da criação das regras e das instituições judiciais, sem desconsiderar,

contudo, a importância das ações estratégicas dos grupos governamentais

(Gillman e Clayton, 1999; Kritzer, 2003; Gillman, 2004).

Na Mobilização do Direito, por fim, a ênfase na dimensão individual e

instrumental também se mantém, mas, agora, a partir de uma visão “de baixo

para cima”, ou seja, não apenas considerando os valores, interesses e ações

de juízes e de governantes, mas também daqueles que mobilizam o direito, os

“usuários” da Justiça (McCann, 2008, 2010). Alguns vão se preocupar em

traçar uma tipologia dos litigantes para verificar as ligações entre as suas

capacidades (financeiras e jurídicas) e as possibilidades de instrumentalizar o

direito e as cortes ao seu favor (Galanter, 1974; Epp, 1996, 1998). Outros vão

se preocupar em mostrar como que os indivíduos e grupos de indivíduos

instrumentalizam as cortes como mais uma arena possível (e não única e nem

definitiva) de luta política pelo significado e conquista de direitos (McCann,

1994). O que se observa, no entanto, é que esses dois tipos de trabalhos

sustentam visões distintas sobre o direito e sobre o Judiciário e,

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consequentemente, sobre o sentido e resultado das suas relações com os

indivíduos, recorrendo ora a questões de caráter institucional, ora a questões

de caráter estrutural (Zemans, 1982, 1983; Scheingold, 2004 [1974], 2008;

McCann, 2008).

O primeiro tipo de estudo toma o direito como uma entidade mônada e

separada dos sujeitos, que podem instrumentalizá-lo caso tenham as

capacidades e as oportunidades necessárias de assim fazê-lo. Se as decisões

judiciais geralmente favorecem aqueles que possuem melhores condições, não

é tanto em função das preferências particulares dos juízes, mas em função dos

obstáculos institucionais que se colocam ao acesso dos cidadãos com poucas

condições. Estando eliminados ou contornados esses obstáculos institucionais,

através de reformas de ampliação do acesso à Justiça e de diminuição das

desigualdades de capacidades, os valores particulares dos juízes já não

importam tanto. A pressão exercida pelas demandas individuais por direitos,

associada a uma maior abertura institucional do Judiciário, leva a uma

mudança nas agendas de julgamento das cortes, resultando em uma

“revolução dos direitos” (Epp, 1998). O Judiciário pode, assim, produzir

mudanças sociais, tendo como condição o aumento crescente das demandas

dos indivíduos por direitos e uma estrutura institucional adequada para ajudá-

los.

As críticas centrais que foram direcionadas a esse primeiro tipo de

trabalho se deram, principalmente, em função de eles enfatizarem mais a

questão do acesso do que da “saída” ou dos resultados concretos das decisões

judiciais, que acabam mostrando que as Cortes ou que o Poder Judiciário

como um todo não são capazes de produzir mudanças sociais (Rosenberg,

1991). Não se poderia negar a importância das mobilizações e das

possibilidades de sucesso judicial, mas seria um erro tomar esses ganhos

judiciais como a palavra final que leva de fato a uma mudança social, ou como

uma decisão que coloca um ponto final em situações de disputas na sociedade

e de destituição de direitos17. Os processos judiciais seriam apenas parte de

17

Rosenberg (1991) analisa, por exemplo, o caso de uma decisão histórica (Roe vs. Wade) da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre a legalização do aborto. Segundo o estudioso,

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um funcionamento político maior das instituições, e sobre eles agiriam

constrangimentos de caráter estrutural ou sistêmico, como a falta de

prerrogativas e de poderes do Judiciário que lhes possibilite de fato

implementar transformações sociais. Segundo essa crítica, portanto, os

ativistas e as mobilizações sustentariam uma esperança ingênua nas táticas

judicias, caindo no que ficou conhecido como o “mito dos direitos” (Scheingold,

2004 [1974]).

Diante disso, o segundo tipo de estudos da Mobilização do direito se

coloca no limiar entre o primeiro tipo e a crítica a ele dirigida, como que dizendo

“nem tanto ao céu nem tanto à terra”. Influenciados, sobretudo, pelos trabalhos

do “indeterminismo” dos Critical Legal Studies (que veremos mais adiante entre

as abordagens estruturalistas), esses trabalhos vão dizer que as decisões

judiciais, de fato, não são o ponto final ou o fim dos conflitos e das disputas na

sociedade. Mas vão argumentar que elas nem poderiam ser o ponto final dos

conflitos, na medida em que o direito comporta dentro de si uma constante

disputa entre princípios conflitantes, que perpassam não apenas o processo

judicial, como a ordenação e a constituição da sociedade como um todo. O

importante é ver, em função das mobilizações populares, de seus

entendimentos e de seu histórico de lutas políticas por direitos, qual é o

significado e o que representa a mobilização judicial. Seria preciso, inclusive,

relativizar o que é visto como “sucesso judicial”, na medida em que apenas o

ato de entrar com uma ação na Justiça já poderia representar uma conquista

simbólico-concreta para os movimentos sociais, fazendo as instituições da

Justiça olharem para os seus problemas, e catalizando ou impulsionando lutas

e mobilizações em outras arenas políticas (McCann, 1994)18. O direito e as

embora a decisão da Corte de anular leis restritivas sobre o aborto do Texas e da Geórgia tivesse resultado na alteração de diversas legislações estaduais, a contra-mobilização aumentou igual ou ainda mais fortemente no país, acirrando ainda mais os conflitos e as lutas pela criminalização do aborto. A decisão, embora impactante e histórica, não teria transformado de fato a sociedade. Ela seria apenas mais um momento no processo de luta política.

18 Ao estudar o movimento das mulheres pela igualdade salarial nos Estados Unidos, McCann

(1994) fala sobre a importância da mobilização judicial para o aumento dos movimentos e dos debates políticos. Ele fala, por exemplo, de uma decisão judicial que mudou o foco de tratamento da equidade salarial, que retirou o foco individual sobre a questão para colocá-la no plano do que seria não mais uma discriminação individual, mas uma discriminação sistemática

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instituições judiciais não seriam, assim, apenas um mito, pois teriam significado

e impactos tanto simbólicos quanto concretos para os indivíduos e para os

seus movimentos; o direito constituiria significados, valores e comportamentos

distintos, e seria por eles constituído.

Do ponto de vista metodológico, este último tipo de estudo resgata um

debate travado pelos Critical Legal Studies, que levanta questões que

perpassam grande parte da discussão vista anteriormente e que veremos

também nos itens posteriores. Uma das questões metodológicas centrais

levantadas recai sobre as diferenciações e as consequências de se tentar fazer

uma análise explicativa ou uma análise exploratória. Uma análise explicativa

procuraria traçar relações de causa e consequência, construir leis gerais ou

mostrar o que é comum e padrão na atuação do Judiciário e nas decisões

judiciais. Uma análise exploratória, pelo contrário, não demonstraria relações

de causa e consequência, mas a heterogeneidade constituinte nas relações

encontradas entre sociedade, política e direito. Enquanto que uma análise

explicativa mostraria a existência de uma variável independente, a partir da

qual se explicariam a atuação do Judiciário e os resultados das decisões

judiciais, uma análise exploratória mostraria diversas variáveis em interação, de

forma a mostrar as configurações resultantes possíveis (McCann, 1996).

Assim, o que podemos perceber é que, diante dessa divisão entre tipos

de análise, e diante dos estudos que até agora fizemos das diversas

abordagens individualistas, é que à medida que os trabalhos procuram

incorporar dimensões distintas de análise, que colocam questões e limites a

teses puramente individualistas, eles caminham em direção à construção de

análises mais exploratórias do que explicativas. Embora esse efeito da

multidimensionalidade possa ser visto enquanto um problema do ponto de vista

da capacidade explicativa das abordagens19, ele também pode ser visto

das mulheres no mundo do trabalho. Essa decisão gerou argumentos suficientes para impulsionar os movimentos, novas leis e a mobilização judicial pelo reconhecimento desse caráter sistemático e institucional da discrimação contra as mulheres, ainda que as respostas judicias por vezes fossem “negativas” às mobilizações.

19 Quando não se tratou o Realismo Jurídico e a Jurisprudência Política a partir de uma visão

padronizada, mas reconhecendo-as como abordagens altamente diversificadas, tomou-se a variedade como mais um motivo para as abordagens serem criticadas, na medida em que não

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enquanto um ponto positivo, na medida em que não ignora questões

institucionais e estruturais importantes para o debate; explora a relação entre

política e Judiciário em maior profundidadade; e permite não somente o

questionamento de velhas hipóteses, como também a construção de novas

agendas de pesquisa e um diálogo mais aberto com outras abordagens

analíticas.

1.3 – A dimensão estrutural: a função e a contradição do direito

As abordagens de cunho estruturalista são aquelas que têm por unidade

de análise o quadro de condições econômicas, sociais, culturais e históricas

que estrutura as relações entre os indivíduos e as relações destes com as

instituições. São abordagens que procuram explicar a política não mais

diretamente através do jogo político entre os atores e através dos seus cálculos

com relação aos constrangimentos institucionais e estruturais, mas através de

uma determinada ordenação da sociedade que estabelece os termos em que o

jogo político deve se dar e que as instituições devem atuar, moldando e

limitando tanto uma coisa quanto a outra. Assim, tanto o comportamento dos

indivíduos quanto o funcionamento das instituições, e a própria interação entre

eles, seriam, em grande medida, produtos ou reflexos desse ordenamento, e

acabariam funcionando, de um modo ou de outro, como elementos

legitimadores (conscientes ou inconscientes) dessa determinada ordenação,

nem sempre coerente, da vida em sociedade. Se aquilo que podia ser visto por

alguns individualistas apenas como constrangimentos que são levados em

conta nos cálculos racionais dos indivíduos ou grupos, agora é tido como o

elemento estruturador e constitutivo, e por vezes contraditório, dos seus

comportamentos e de suas escolhas.

teriam conseguido conformar um corpo teórico e metodológico próprio, nem análises com valor explicativo e prescritivo, mas apenas descritivo (O’Brien, 1983). A ideia de “indeterminação” e de análise exploratória utilizada por McCann (1996) foi uma resposta dada pelo autor às críticas que seu trabalho de 1994 havia sofrido por parte de Rosenberg (1996), que ressaltou questões como a falta de capacidade explicativa, na medida em que McCann (1994) teria estudado apenas um caso, de maneira muito interpretativa e sem mostrar de fato as relações de causa e consequência entre uma coisa e outra, entre as decisões judiciais e o aumento das mobilizações.

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No campo dos estudos judiciais norte-americanos, a construção de

trabalhos de cunho estruturalista se deu, sobretudo, com a emergência do

movimento dos Critical Legal Studies (CLSs), que se apresentou como a

vanguarda de uma virada radical na forma e no conteúdo da crítica que até

então vinha se fazendo ao Legalismo Jurídico (Hunt, 1986). Posicionados no

ápice de uma linha crítica evolutiva ou progressiva, os CLSs seriam “a crítica

da crítica da crítica” ao Legalismo Jurídico: as tentativas menos bem sucedidas

de crítica viriam, sobretudo, do Realismo Jurídico; as tentativas medianamente

bem sucedidas viriam dos trabalhos de cunho estruturalista, sobretudo de

origem marxista, que também criticaram o Realismo; e os CLSs, por fim,

constituiriam a crítica mais profunda e completa ao Legalismo Jurídico,

questionando as críticas feitas tanto pelo Realismo Jurídico quanto pelo

Marxismo.

No que diz respeito às limitações do Realismo Jurídico para criticar o

Legalismo Jurídico, os CLSs defendem que os teóricos realistas acabaram

caminhando mais para uma afirmação do modelo legalista do que propriamente

para o seu desmantelamento (Kairys, 1998; Gordon, 1998). Argumenta-se que,

embora eles tenham mostrado que o “direito na prática” é diferente do “direito

nos livros”, denunciando a realidade por trás da “mentira” e da “ilusão” que

seria o processo decisório judicial e a ideia de imparcialidade do juiz, os

realistas jurídicos teriam deixado de perceber o caráter problemático da própria

ideia de “direito nos livros”. Para os realistas, o problema central estaria no fato

de o juiz se desviar do “raciocínio jurídico objetivo” para se utilizar do

“raciocínio político subjetivo”, como se de fato existisse uma metodologia

jurídica ou processo objetivo que permitisse alcançar resultados “corretos”.

Com isso, eles não teriam se dado conta de que o próprio “direito nos livros”

congrega muitos valores conflitantes e contraditórios, no que o problema

essencial da decisão judicial não seria o fato de o juiz se desviar das regras

jurídicas para julgar de acordo com seus valores particulares, mas o fato de a

escolha do juiz ser, inevitavelmente, uma escolha entre valores, esteja ele

seguindo estritamente as regras ou suas preferências particulares, pois as

regras são elas mesmas constituídas de valores e interesses (Kairys, 1998).

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Para os CLSs, portanto, os realistas críticos não teriam visto um

problema no direito em si, mas no que os homens fazem dele na prática; e com

isso ainda mostrariam acreditar na existência de uma separação entre direito e

política. Segundo os críticos, a escola realista continuaria presa à ideia ingênua

e idealizada do “direito nos livros”, na medida em que deixariam subjacente em

suas análises que, se esse direito ideal não fosse desviado e subvertido em

função dos interesses diversos dos juízes, ele continuaria sendo capaz de

solucionar conflitos de uma forma lógica, coerente, e objetiva. Assim, estando

os realistas jurídicos ainda presos nessa ilusão, os CLSs depreendem que eles

teriam sido incapazes de romper com o liberalismo, constituindo um movimento

de caráter crítico “simplesmente evolutivo” (Kairys, 1998; Gordon, 1998).

No que diz respeito às limitações da crítica marxista ao Legalismo

Jurídico, os CLSs apontam que os trabalhos marxistas teriam alcançado um

estágio avançado de “declínio científico” (Hutchinson e Monahan, 1984: 220).

Embora os marxistas tivessem dado um passo à frente muito importante no

quadro progressivo da crítica ao Legalismo Jurídico, eles, assim como os

realistas jurídicos, também teriam deixado de perceber a totalidade do caráter

problemático do próprio direito. Se os realistas não viram os problemas postos

no “direito nos livros”, continuando a entender esse direito como algo dotado de

lógica, coerência e, principalmente, de objetividade, os trabalhos marxistas

teriam dado um passo à frente ao reconhecer que o “direito nos livros” também

é dotado de valores e de subjetividade. Contudo, os marxistas continuariam a

alegar que esse direito seria dotado de lógica e de coerência interna, não em

função de um “bem geral” transcendental, mas, agora, em função dos

interesses materiais das classes dominantes, mantendo-se, assim, uma

explicação de caráter instrumentalista do direito (Kairys, 1998; Gordon, 1998).

Segundo os CLSs, os marxistas ficariam “orbitando” em torno da

metáfora da “base/superestrutura”, utilizando-a para dizer que o direito e suas

instituições seriam, de uma forma ou de outra, determinados pela base

econômica, sendo apenas reflexos dessa base. Qualquer que seja o grau de

sofisticação elaborado pelos marxistas para explicar a relação posta por essa

metáfora, desde a mais mecanicista ou mais ortodoxa (como Friedman, 2005

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[1973]) até as mais heterodoxas (como Collins, 1982 e Althusser, 1985)20, eles

continuariam propagando uma visão do direito liberal como algo lógico,

coerente, e também funcional, deixando de perceber suas contradições

internas. Como resultado, os marxistas acabariam caindo numa busca

insensata pela ciência e metodologia positivista, tentando sempre traçar

relações claras de causa e consequência para demonstrar o caráter lógico,

coerente e funcional do direito e de suas instituições (Douzinas e Warrington,

1986).

Tendo em vista essas limitações tanto do Realismo Jurídico quanto do

marxismo para criticar o Legalismo Jurídico, os CLSs vão defender que uma

“verdadeira” crítica procura mostrar que o direito e as regras jurídicas que

regem as relações sociais numa sociedade capitalista podem ser ainda mais

perversas e difíceis de serem desmanteladas, na medida em que não seria

tarefa simples identificar os diversos valores postos nessas regras. O direito

carregaria em si valores e princípios variados, muitas vezes contraditórios e

conflitantes entre si, no que a atuação do juiz ou o ato de julgar seria um ato

profundamente contraditório e indeterminado. A era moderna seria marcada

pela presença contraditória e conflitante de dois princípios distintos e opostos

de ordenamento da sociedade, o individualismo e o altruísmo, no que o direito

comportaria ao mesmo tempo normas concretas e normas abstratas

inssociáveis (Kennedy, 1976). Tais princípios não seriam meros artefatos

jurídicos, meras mentiras ou ilusões, pois solucionariam, ainda que

provisoriamente, os conflitos. Contudo, eles permaneceriam em constante

disputa, pois sempre estariam representando visões “rivais” da associação

humana (Unger, 1983).

20

Os trabalhos que citamos aqui são exemplos de trabalhos marxistas que utilizaram a metáfora da base/superestrutura para falar mais especificamente (embora não apenas) da relação entre a base econômica e o direito e suas instituições. Collins (1982), por exemplo, não apenas tratou teoricamente dessa relação, como fez um apanhado empírico de alguns casos de decisões judiciais em que a tese mecanicista entre base/superestrutura era contrariada, de forma a propor uma análise mais elaborada da metáfora. E o autor recupera, ainda, uma discussão acerca das razões pelas quais os marxistas não falam ou evitam falar em uma “teoria marxista do direito”, que seria uma precaução contra cair no que eles chamam de “fetichismo do direito”, pois o direito e suas instituições, em essência, não teriam uma história própria, mas sempre relacionada, ainda que em última instância, à base econômica da sociedade.

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Assim, o direito e suas instituições não seriam coerentemente funcionais

e legítimos a interesses e valores únicos, e nem as decisões judiciais seriam

sempre a manifestação prática dessa funcionalidade ou instrumentalidade. O

direito, nos livros ou na prática, “solucionaria conflitando” interesses e

princípios distintos, tendo, assim, legitimidade não apenas entre as classes

dominantes, mas também entre as classes dominadas. Existiria aí uma questão

ideológica, de constituição de crenças e comportamentos, e de

institucionalização muito mais profunda do que se pressupõe numa relação

mecânica e determinista entre certos interesses materiais e o direito e suas

instituições. Assim, a “função” do direito não seria tão facilmente identificada.

Com isso, os objetivos da verdadeira crítica não seriam mais os da ciência,

construindo respostas e procurando descobrir os interesses ou a base material

por trás das regras jurídicas; seus objetivos seriam, agora, os da filosofia,

fazendo desta a sua “alma”, e questionando teoricamente a própria natureza

das noções de “indivíduo” e de “realidade” que os estudiosos apresentam em

suas análises, de forma a distinguir um “bom conhecimento” do “mau

conhecimento” (Hutchinson e Monahan, 1984: 200).

O que se percebe, contudo, é que os CLSs fazem uma leitura limitada e,

por vezes, injusta, tanto do Realismo Jurídico quanto dos trabalhos marxistas.

Por fazerem essa leitura parcial, os críticos tendem a deixar de lado as

semelhanças que compartilham com aqueles que criticam.

Se voltarmos às considerações que fizemos anteriomente sobre o

Realismo Jurídico, podemos ver que os seus trabalhos foram muito mais além

do que julgam os CLSs. Eles não se preocuparam somente em mostrar o

abismo existente entre o “direito nos livros” e o “direito na prática”, dizendo

apenas que são os valores subjetivos e individuais dos juízes que corrompem

um direito tido como “ideal”. Os realistas também mostraram que o próprio

direito é problemático em si na medida em que suas regras também são

dotadas de subjetividade e de valores, como mostraram Bentley (2008 [1908])

e Beard (2006 [1938]). É certo que não falam no aspecto central para os CLSs,

que é o aspecto contraditório e não somente subjetivo e valorativo do direito.

Todavia, falam na questão ideológica como constituindo uma intermediação

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importante no processo de legitimação social dos interesses e dos valores de

grupos dominantes, aspecto igualmente importante para os teóricos críticos.

Nesse sentido, portanto, a crítica feita pelos CLSs se assemelha

consideravelmente à crítica feita pelo Realismo Jurídico, não sendo este último

apenas uma crítica frágil e inacabada posta no início da linha crítica

progressiva, mas uma abordagem crítica igualmente ou semelhantemente

fundamental.

No que tange aos trabalhos marxistas, podemos observar que os CLSs

fazem uma leitura no mínimo injusta ao nivelar diferentes desenvolvimentos

marxistas sob o rótulo de “instrumentalistas”, como fizeram Douzinas e

Warrington (1986). Seria injusta, principalmente, porque os próprios CLSs

podem ser passíveis dessa mesma crítica, na medida em que possuem dentro

de seu movimento uma ampla faixa de trabalhos reconhecida como sendo a

“ala revisionista” do marxismo (Hutchinson e Monahan, 1984; Hunt, 1986).

Encontram-se, por exemplo, trabalhos que afirmam que o direito, nos livros e

nas práticas, é mobilizado pelas classes dominantes, que detêm o poder do

Estado para favorecer seus interesses (Abel, 1998), sem fazer considerações

acerca das contradições do próprio direito liberal. Encontram-se também

trabalhos que procuram traçar paralelos temporais sucessivos entre cenário

econômico e o direito (Gabel e Feinman, 1998). Embora esses trabalhos

possam ser interpretados na chave da “crítica progressiva”, constituindo uma

crítica inicial e incompleta ao Legalismo Jurídico, eles continuariam sendo e se

auto-reconhecendo trabalhos dos CLSs, demonstrando a co-existência de

formas de crítica distintas dentro de uma única abordagem21.

No mínimo, o que podemos perceber, portanto, é que embora os CLSs

não sejam uma abordagem individualista, eles se nutrem e guardam muitas

semelhanças com o Realismo Jurídico, uma abordagem individualista

abrangente; e embora os CLSs também não sejam de todo uma abordagem

estruturalista, eles bebem amplamente das fontes marxistas e de seus 21

Segundo Hutchinson e Monahan (1984: 221), a visão dos CLSs sobre essa ala revisionista não é a de que ela faz simplesmente uma crítica distinta da crítica feita por eles, mas a de que “nem todos estavam de fato comprometidos a construir um caminho diferenciado”. A ala revisionista seria apenas “mais do mesmo”.

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argumentos de cunho estrutural. Eles se colocavam num meio termo entre

essas duas correntes (Hutchinson e Monahan, 1984). Assim, ainda que

possuam algo único e essencial, como a questão do “indeterminismo” do

direito, eles também compartilham diversas outras questões trazidas por

abordagens que enfatizam outras dimensões de análise.

1.4 – A dimensão institucional: as regras do jogo político

As abordagens que enfatizam a dimensão institucional têm por unidade

de análise, como o próprio nome já diz, as instituições, tomando-as como

entidades autônomas e cujas características, funcionamento, organização e

história são elementos essenciais para a explicação dos fenômenos políticos.

São abordagens que procuram explicar a política através da atuação das

instituições ou através das formas pelas quais elas limitam as ações dos

indivíduos e conformam padrões de comportamento. Aqui, as instituições não

são mais vistas apenas como instrumentos construídos, moldados e

mobilizados pelos sujeitos, ou apenas como instrumentos de legitimação de

uma determinada ordenação ou estrutura social. As instituições, agora,

também moldam os indivíduos e modificam as estruturas sociais.

No campo dos estudos políticos judiciais norte-americanos, nós

podemos encontrar trabalhos que enfatizam a dimensão institucional,

sobretudo, na abordagem do Institucionalismo Histórico, que vem procurando

não apenas resgatar e enfatizar fatores institucionais para a análise política do

Judiciário, como também vem tentando realizar uma síntese analítica entre as

três dimensões de análise, pensando as instituições entre as ações individuais

e as estruturas sociais. Ao tentar empreender tal tarefa, os institucionalistas

históricos bebem grandemente de trabalhos que já tentaram realizar essa

síntese sob diferentes perspectivas.

A literatura reconhece, sobretudo, a influência da abordagem da

Jurisprudência Política, especialmente dos trabalhos de Martin Shapiro

(Gillman e Clayton, 1999; Gillman, 2004; Kritzer, 2003; Maveety, 2003b). Tal

influência é marcante na medida em que a Jurisprudência Política não apenas

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trouxe o direito e as instituições de volta para a análise política do Judiciário,

como também não descartou a importância da dimensão individual. Para a

Jurisprudência Política, como vimos, a dimensão individual ou a questão da

escolha individual é central, pois não haveria como negar que o juiz (por ser um

poder político) faz escolhas, não podendo ser substituído por uma máquina

programada para simplesmente aplicar regras (Shapiro, 1963). Contudo, como

também já vimos, os estudos da Jurisprudência Política não sustentavam a

mesma visão de indivíduo que o behaviorismo judicial. Se os behavioristas

entendiam o individuo sob a chave do cálculo e da racionalidade, os estudiosos

da Jurisprudência Política o entendiam sob a chave do social. Embora não se

pudesse mais afirmar que o juiz é um mero aplicador de regras, também não

se podia afirmar que ele está isolado com sua racionalidade, pois ele se insere

em instituições específicas, com regras e historicidade política próprias.

Ideias semelhantes a essas nós podemos ver também em outros

trabalhos de cunho individualista, muito embora sua influência sobre o

Institucionalismo Histórico seja menos reconhecida pela bibliografia. Através

dos trabalhos de atitudinalistas como Charles Herman Pritchett e Beverly Blair

Cook, principalmente, nós pudemos ver tentativas de relativizar a ideia de

indivíduo puramente calculador e estratégico, não apenas levantando a

questão ignorada pelos behavioristas puros sobre como se formam os valores

dos juízes, como também levantando hipóteses e estudos que procuravam

mostrar esses mecanismos de formação dos valores individuais, inserindo os

juízes não apenas no universo institucional das cortes, como também no

âmbito maior da estruturação e ordenação política e cultural da sociedade

(Epstein e Matther, 2003).

Se nos voltarmos especificamente para os trabalhos produzidos pelos

estudiosos do Institucionalismo Histórico, a influência e semelhança tanto da

Jurisprudência Política quanto dos autores atitudinalistas citados se mostram

de forma ainda mais clara. Valendo-se, sobretudo, de estudos de caso e

análises comparativas sobre o tema do judicial empowerment, os

institucionalistas históricos procuram mostrar que a questão individual

estratégica é importante, mas insuficiente para explicar tanto a atuação do

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Judiciário quanto as transformações institucionais por ele sofridas, sendo

necessário averiguar outras questões. Suas investigações empíricas sugerem

que se deve olhar com mais atenção para a história e para as experiências

passadas dos países estudados de forma a verificar suas influências e

impactos. Sugerem também que é importante olhar para as ideias ou para os

mapas conceituas existentes nesses países no momento em que as regras e

os tribunais foram elaborados e transformados, de forma a mostrar que as

escolhas de criação e transformação das instituições judiciais são também

possibilidades histórico e socialmente construídas, e não apenas frutos de uma

manipulação estratégica espontânea das regras pelos indivíduos (Hilbink,

2008b, 2009; Hilbink e Woods, 2009).

Para os institucionalistas históricos, a adoção da revisão judicial, por

exemplo, não seria apenas uma forma de garantir “segurança política” e

“preservação econômica” dos governos que se encontram sob ameaça futura

de suas oposições, assim como sugerem autores estratégicos (Ginsburg, 2003;

Hirschl, 2004; Finkel, 2008). Os institucionalistas históricos vão mostrar, por

exemplo, que o processo de adoção da revisão judicial pode emergir não

necessariamente da iniciativa momentânea das instituições majoritárias ou dos

interesses relacionados à política eleitoral, mas do próprio Poder Judiciário,

através de um processo longo de transformação das ideias dos juízes acerca

de sua própria função num regime de rule of law, saindo de uma ideia

positivista de autolimitação para uma ideia liberal de atuação pelos direitos

(Woods, 2003, 2009). Outros argumentam que a revisão judicial pode ser

adotada por questões de identificação ideológica (e não de mera

instrumentalização estratégica) dos partidos com os pressupostos e os

impactos dessas medidas (Erdos, 2009). Outros, ainda, vão procurar mostrar

que não existe apenas uma questão de defesa contra a oposição, mas uma

ideia de “missão” de governos que não se encontram sob ameaça, mas que

procuram traçar diretrizes específicas de desenvolvimento (Shambayati e

Kirdis, 2009). Outros, por fim, olham para o desfecho dos processos de adoção

da revisão judicial para ver o que os juízes fizeram com esse poder, mostrando

a influência das ideias positivistas sobre a percepção dos juízes acerca de seu

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próprio papel, fazendo-os agir e decidir de forma contrária às suas preferências

políticas particulares (Hilbink, 2007, 2008a)22.

Nesses trabalhos, nota-se que o papel das ideias é fundamental, na

medida em que elas são fatores importantes que permitem diferenciar o modo

do Institucionalismo Histórico de retomar instituições para a análise política dos

modos do Legalismo Jurídico e do behaviorismo judicial padrão, aproximando-

se, em grande medida, dos Critical Legal Studies. Quando os institucionalistas

históricos concluem em suas pesquisas que os juízes “atuam conforme as

regras”, eles não estão dizendo com isso que os juízes são meros aplicadores

das leis. Ou seja, eles não estão retirando o caráter político da atuação dos

juízes. O que esses estudiosos estão fazendo é acrescentando uma

recuperação da história das regras em discussão, não apenas para mostrar os

valores políticos e o jogo político em torno delas, mas também para mostrar o

seu impacto constitutivo sobre as concepções, valores e comportamentos dos

juízes.

Dessa maneira, são trabalhos que, assim como os estudos da

Jurisprudência Política e dos atitudinalistas não-padrões, tensionam diferentes

dimensões de análise de forma constante, ora pendendo mais para a questão

estratégica, ora mais para a questão estrutural, mas agora com um olhar e uma

teorização ainda mais forte sobre a importância de se verificar o contexto

histórico em que as ideias e as instituições se formaram e se transformaram

(Pierson, 2004; Steinmo, 2008). O recurso à história das instituições judiciais,

bem como dos interesses individuais dos juízes e do quadro conceitual de

ideias, passa a ser uma “palavra de ordem”, pois tudo teria uma historicidade.

Ou seja, esses três elementos tem uma trajetória percorrida desde o seu

surgimento; e essa trajetória conta muito dos entrelaçamentos possíveis entre

eles, e das possibilidades de mudança nesse entrelaçar ao longo do tempo.

Seria o que seus autores reconhecem como sendo o seu conceito-chave, que é

o conceito de “dependência da trajetória” (Thelen, 1999; Hall e Taylor, 2003;

22

Woods (2003, 2009) se voltou para o estudo da revisão judicial em Israel; Erdos (2009) no Reino Unido e no Canadá; Shambayati e Kirdis (2009) na Turquia; e Hilbink (2007, 2008a) no Chile.

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Pierson, 2004; Bennett e Elman, 2006; David, 2007): o que os valores, as

instituições e as estruturas são hoje dependem do que eles foram ontem e

assim por diante.

Assim, a história não é uma cadeia de eventos independentes, que

podem ser buscados como ilustrações de teses e hipóteses. Levar a história a

sério significa se manter sempre cético com relação à noção de uma variável

ou dimensão explicativa independente. Reconhecer a importância da história

sugere uma preocupação explícita de que diversas dimensões importantes

podem, e com frequência, formar umas as outras, numa interdependência

constante e mutável (Steinmo, 2008).

Do ponto de vista metodológico, os trabalhos do institucionalismo

histórico enfrentam as mesmas críticas que as abordagens com as quais eles

se assemelham. Por tentarem mobilizar diversas dimensões de análise e

métodos que não permitiriam generalizações científicas, suas conclusões

acabariam caminhando para um ecletismo a-teórico, na medida em que não

conseguiriam alcançar explicações de caráter generalizado, mas apenas de

caráter pontual. Com isso, seriam trabalhos mais exploratórios do que

explicativos.

Como já vimos, contudo, as análises de caráter exploratório apresentam

possibilidades de estudos em profundidade, que ajudam não apenas a mostrar

as limitações das análises explicativas de causa e consequência e

unidimensionais, como também constituem um verdadeiro “celeiro” de

hipóteses de pesquisa de âmbito geral. Ou seja, são pesquisas que abrem

caminho para outras, à medida que mostram os limites do que já foi feito e do

que ainda está por fazer.

1.5 – As análises do Poder Judiciário no Brasil e o despertar da

multidimensionalidade

Como aponta Andrei Koerner et al (2013), é possível reconhecer três

grupos distintos de análise sobre o Poder Judiciário na Ciência Política

brasileira. O primeiro grupo volta-se para uma análise do modelo institucional

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do Poder Judiciário após a Constituição de 1988, reconhecendo um processo

de “judicialização da política” ou de “protagonismo do Poder Judiciário”, para o

qual os trabalhos vão direcionar críticas negativas ou positivas. O segundo

grupo de estudos, por sua vez, volta-se para a realização de pesquisas

empíricas que procuram mostrar os limites das teses da judicialização da

política, não em termos conceituais, mas em termos concretos a partir de

análises de decisões judiciais e de suas relações com o direcionamento político

do Poder Executivo federal. O terceiro grupo, por sua vez, retoma a tese da

judicialização, mas para ressaltar os papéis políticos em que são investidos os

tribunais nas novas democracias.

Nós ainda reconhecemos um quarto conjunto de estudos, no qual se

encontram trabalhos de outros estudiosos que vêm questionando a tese da

judicialização não somente em termos aplicativos para o caso brasileiro, mas

em termos conceituais-analíticos.

Segundo o primeiro grupo de estudos, o pós-1988 foi marcado pelo

processo de “judicialização da política” ou de um crescente “protagonismo do

Poder Judiciário”, processo este que foi visto, por alguns estudos, como

negativo, e, por outros, como positivo para a democracia brasileira.

Os estudos que vêem a judicialização da política como negativa para

democracia brasileira o fazem sob uma perspectiva fortemente normativa e

institucional, na medida em que analisam o Poder Judiciário e sua atuação com

base numa visão legalista acerca do direito e do que seria o papel “adequado”

dos juízes e do Judiciário num sistema democrático. Para esses estudos, o

Poder Judiciário numa democracia possuiria duas atribuições centrais:

controlar e equilibrar os outros Poderes políticos para evitar o abuso de poder e

assim garantir as liberdades individuais dos cidadãos, não interferindo em

temas sociais e políticos.

Com a Constituição de 1988, esse modelo “adequado” não apenas não

teria sido seguido, como teria sido substituído por outro modelo institucional,

que atribuiu poderes excessivos ao Poder Judiciário, permitindo-lhe interferir

não apenas no abuso de poder para a defesa dos direitos individuais, como

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também, e principalmente, em políticas governamentais, atuando no jogo

político partidário e interferindo em questões de políticas públicas. Esse

“empoderamento judicial” seria negativo na medida em que daria abertura

institucional para a utilização do Judiciário por todo e qualquer tipo de

demanda, inchando as varas e tribunais de processos; e daria abertura para o

ativismo judicial ou para a “atuação política” dos juízes, levando-os a se

posicionarem sobre políticas governamentais e políticas públicas e, com isso,

passando por cima do processo político democrático majoritário (Sadek, 2004).

Os resultados desse processo logo se mostrariam na ineficiência e na

incapacidade institucional do Poder Judiciário de atuar para a cidadania,

conformando uma instituição morosa e injusta ou o que chamam de uma

instituição em “crise” (Sadek, 2001, 2004). A saída ou solução para a crise,

segundo esses estudos, estaria claramente numa mudança desse modelo

institucional trazido em 1988, fazendo as reformas necessárias para que se

construam mecanismos de melhoria na eficiência dos tribunais e de controle

sobre os juízes, evitando, assim, o ativismo judicial.

Por seu turno, os estudos que vêem o fenômeno da judicialização da

política no Brasil como positivo, o fazem a partir de uma perspectiva macro

acerca das mudanças nas democracias contemporâneas. A utilização do

Judiciário para solucionar cada vez mais tipos distintos de problemas políticos

e sociais seria uma demonstração de que a democracia estaria passando de

sua forma majoritária para a forma da participação ampliada. Assim, o

fortalecimento ou o protagonismo do Judiciário em temas sociais e políticos

seria positivo, na medida em que constituiria mais um espaço de participação e

de possibilidade de efetivação de direitos (Vianna et al, 1999).

O segundo conjunto de estudos, por sua vez, vai olhar com

desconfiança para as teses do primeiro conjunto, apontando que no Brasil não

ocorreu o fenômeno da judicialização da política. São estudos que vão tentar

especificar mais a atuação do Judiciário no pós-1988 para verificar se ocorreu

de fato a judicialização da política ou se os juízes de fato interferiram em

questões políticas governamentais. O que de mais interessante essas

pesquisas fazem é mostrar os limites do argumento puramente formal ou

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institucional. Eles buscam mostrar, através de uma análise mais detalhada, que

não basta a promulgação de um modelo institucional de atuação (como o que

foi colocado pela Constituição de 1988) para que os juízes atuem de acordo

com ele. Haveria neste entremeio um elemento estratégico, que pode ser visto,

sobretudo, nos resultados heterogêneos das decisões judiciais, ou nos

resultados que não interferem em políticas governamentais. Assim, embora a

Constituição de 1988 tenha conferido muitos instrumentos e poderes para os

juízes interferirem politicamente, os juízes poderiam certamente escolher se

utilizar ou não desses poderes, judicializando ou não judicializando a política

(Castro, 1997; Carvalho, 2005; Pacheco, 2006).

O terceiro conjunto de estudos, por sua vez, compartilha da tese da

judicialização da política do primeiro conjunto, mas não sob o ponto de vista

formal negativo ou positivo, mas sob o ponto de vista estratégico. São estudos

que vão enfatizar que, nas novas democracias como o Brasil, o papel do

Judiciário é investido politicamente, ou seja, ele tem caráter político, tendo

independência para atuar e decidir sobre políticas públicas. Ele não é o Poder

Judiciário descrito pelas avaliações negativas. O Poder Judiciário faz parte do

sistema político e é utilizado estrategicamente, dada a sua independência, por

atores políticos em seus embates, que levam ao Judiciário aquilo que não

podem e que não querem resolver em suas esferas de poder, ou aquilo que

querem retardar ou deslegitimar. Com isso, a atuação política dos tribunais

teria um alto grau de heterogeneidade, variando de acordo com os temas

julgados e com o jogo político entre os atores (Taylor, 2008).

O quarto conjunto que identificamos, no entanto, congrega trabalhos que

não apenas tecem críticas à tese da “judicialização da política” enquanto

conceito analítico, como também procuram trabalhar de forma menos

unidimensional ao pensar o Poder Judiciário, conciliando o argumento

normativo com o argumento estratégico e, com isso, configurando um quadro

mais multidimensional para estudar o Poder Judiciário brasileiro (Maciel e

Koerner, 2002; Freitas, 2010).

Em primeiro lugar, esses estudos apontam que tanto as teses

normativistas quanto as teses estratégicas não consideram diversos pontos ou

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discussões teóricas sobre a relação entre direito, política e sociedade que são

importantes para a análise de decisões judiciais, tomando-as ou como os

reflexos de regras jurídicas previamente estabelecidas ou como objetos

instrumentalizáveis pelos juízes e outros atores políticos para atingirem

objetivos específicos. Para o quarto conjunto de estudos, essas duas coisas

não se separam a não ser enquanto linguagem, pois as normas jurídicas são

políticas traduzidas em linguagem jurídica. Assim como um olhar normativo

deve considerar o aspecto político das normas jurídicas, um olhar estratégico

deve considerar o aspecto jurídico das estratégias políticas, não fazendo

“economia de conceitos jurídicos”, como apontou Shapiro (1963) ao defender a

importância da abordagem da Jurisprudência Política. É preciso sempre

considerar que a decisão judicial “ao mesmo tempo em que dá ganho de causa

a um sujeito, determina o significado da norma geral para o caso particular”

(Koerner et al, 2013: 84).

Em segundo lugar, esses novos estudos apontam que uma análise

política do Judiciário precisa considerar que a tarefa de resolução de litígios, a

tomada de decisão judicial, é apenas um dos papéis que são atribuídos ao

Poder Judiciário e aos juízes nas democracias constitucionais

contemporâneas. É preciso entender que a decisão judicial é mais um

momento da produção normativa ou da determinação do significado das

normas e de afirmação da autoridade política que a está fazendo, no que a

contraposição entre a forma diática de resolução de conflitos no legislativo com

a forma triádica de resolução de conflitos no Judiciário pode até ajudar a

enxergar posicionamentos políticos, mas constitui ferramenta limitada de

análise, pois ainda há muito processo de produção normativa antes e depois da

decisão judicial.

Em terceiro lugar, apontam que é preciso considerar que as relações

entre decisões judiciais, normas jurídicas e sociedade não se definem em

termos instrumentais, em relações de causa e consequência ou comando e

obediência. É preciso considerar o aspecto constitutivo do direito e da

construção do mundo social, na medida em que as normas jurídicas fazem

parte da ordenação das relações sociais e das ideias do que os indivíduos

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consideram justo dentro de uma determinada formação social. As regras não

estão disponíveis como vasos vazios a serem preenchidos pelos interesses.

Por fim, esses estudos também apontam que é preciso pensar em novos

modelos de análise para se pensar o Poder Judiciário em detrimento dos tão

utilizados termos da “judicializaçao da política” ou do “ativismo judicial”, que,

além de não servirem para explicar o caso brasileiro, tem problemas

conceituais e teóricos de grandes dimensões, na medida em que separam

política e direito e mantem uma visão idealizada e formalista sobre este último.

Para o caso brasileiro, seria preciso, antes de tudo, adotar uma

perspectiva histórica e empírica, de forma a incentivar a pesquisa de outros

períodos anteriores a 1988, de forma a levantar mais elementos de análise,

sobretudo institucionais e sistêmicos, para pensarmos o formato institucional

que temos hoje e o papel político do Judiciário e dos juízes. São estudos que

apontam a necessidade de mais pesquisas exploratórias sobre o Poder

Judiciário brasileiro, de forma a desfazer a dualidade que vem se criando com

o uso recorrente do termo da judicialização da política.

1.6 – Conclusões: “Let a hundred flowers bloom”

Buscamos mostrar através dessa breve exploração bibliográfica que é

possível fazer uma leitura mais abrangente e menos padrão das diversas

abordagens de análise presentes no debate norte-americano sobre o Poder

Judiciário, apontando semelhanças e pontos de contato que se dão

especialmente em função da maneira pela qual as abordagens mobilizam as

diferentes dimensões de análise.

Vimos que praticamente todas as abordagens individualistas, até mesmo

as behavioristas judiciais mais padrões, apresentaram trabalhos que não se

contentam com a explicação centrada na escolha e nas preferências políticas

individuais, buscando levantar e responder novas questões, e assim

adentrando em dimensões institucionais e estruturais de análise. Vimos

também que os trabalhos de cunho estruturalista, que tendem a não dar

autonomia para o indivíduo, acabaram compartilhando visões instrumentalistas

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das instituições, dando importância aos interesses individuais e, assim,

aproximando-se de pressupostos de abordagens de cunho individualista.

Vimos, por fim, que o despertar de recentes trabalhos empíricos de cunho

institucionalista nos mostraram a importância e o legado das análises de

caráter exploratório e não somente explicativo, ou seja, daqueles

individualistas, estruturalistas e institucionalistas que romperam as margens de

suas abordagens e desenvolveram noções mais abrangentes de indivíduo, de

instituição e de estrutura.

Embora reconheçamos que os trabalhos que se aventuram pelo

caminho da multidimensionalidade ou da análise exploratória apresentam

limites claros do ponto de vista da ciência positivista, não produzindo teorias,

leis gerais e nem relações claras de causa e consequência, tais críticas

parecem um tanto deslocadas ou sem sentido na medida em que não se

questiona se esses trabalhos tinham por objetivos os nortes traçados pela

ciência positivista. Mesmo que eles assim almejassem, o reconhecimento da

importância teórica de análises exploratórias, como estudos em profundidade e

das análises de caso, já é uma discussão bastante desenvolvida, no que o

debate em termos de oposição (como fez Gerald Rosenberg ao criticar o

trabalho do Michael McCann), chega a parecer ultrapassado.

É importante reconhecer que ambos tipos de análise, unidimensional e

multidimensional, explicativa e exploratória, são passos importantes e ao

mesmo tempo limitados para o entendimento do que é, do que faz e de que

como atua o Poder Judiciário. Mas o que esse pequeno estudo procura

argumentar é que, embora as análises multidimensionais e exploratórias

tenham limitações do ponto de vista científico positivista, elas são

demonstrativas de que a troca teórica e metodológica entre as diferentes

abordagens é inevitável, levando-as a sair de esquemas teóricos e

metodológicos rígidos e fechados.

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Capítulo 2 – Um panorama das políticas

governamentais de erradicação do trabalho escravo

rural

2.1 – Introdução

O objetivo deste segundo capítulo é o de apresentar um panorama das

políticas de erradicação do trabalho escravo rural, de forma a mostrarmos a

existência de períodos que se diferenciam pelas ações e políticas

implementadas, bem como pelas avaliações e críticas feitas às medidas

governamentais implementadas ao longo dos anos. A ideia central é a de

descrevermos as definições e caracterizações sobre o trabalho escravo feitas

por cada política, as suas aproximações e distanciamentos com relação a

outros entendimentos existentes, e de que maneira elas se modificam ao longo

do tempo. Trata-se, sobretudo de um exercício exploratório que nos permite

excursionar dentro do tema escolhido e sugerir a importância de determinadas

questões para pensarmos posteriormente na atuação do Poder Judiciário em

cada caso analisado.

Defendemos a tese de que, do ponto de vista político institucional ou

formal, é possível observar uma linha “evolutiva” no quadro das políticas

governamentais que vem sendo implementadas desde meados dos anos 1980

até os dias de hoje para a erradicação do trabalho escravo rural. É possível

identificar a existência de períodos distintos, cada qual constituindo “um passo

à frente” na expansão e fortalecimento do dos direitos de cidadania no

ambiente rural brasileiro. É possível observar a criação e a implementação de

medidas institucionais cada vez mais integradas, estruturalmente fortalecidas e

amplamente apoiadas por governantes e diversos setores da sociedade. É

possível observar que a erradicação do trabalho escravo torna-se

gradualmente o norte e a prioridade não somente dos governos, mas das

instituições estatais (do Executivo, Legislativo e Judiciário) e da sociedade

brasileira como um todo, no que a defesa da cidadania e da dignidade humana

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é encontrada tanto na fala quanto nos diferentes projetos e propostas, como

num grande uníssono ou apelo nacional.

Contudo, também podemos observar que esse quadro institucional

“evolutivo” “co-avança-retrae” com um acirrado jogo político que adiciona

diálogos e atuações truncadas entre diferentes atores e seus respectivos

“projetos” de cidadania para o campo. Esse jogo político, por sua vez, expressa

ou demonstra as contradições historicamente presentes na expansão dos

direitos de cidadania, especialmente dos direitos trabalhistas, no ambiente rural

brasileiro. Assim, podemos ver um entrelaçar constante entre aspectos

institucionais, aspectos ligados aos interesses particulares, e aspectos

estruturais.

Para mostrar isso, este capítulo está dividido em quatro partes.

Primeiramente, descrevemos o período entre 1970 e 1984, no qual se

registram as primeiras denúncias de trabalho escravo e as avaliações

sistêmicas e estruturais feitas pelo clero progressista sobre o projeto

desenvolvimento do regime militar e o avanço do capitalismo no campo. Num

segundo momento, descrevemos o período entre 1985 e 1994, no qual surgem

as primeiras políticas ou as políticas embrionárias voltadas para a questão do

trabalho escravo no contexto político da abertura política e da transição

democrática. Num terceiro momento, descrevemos o período entre 1995 e

2002, marcado, sobretudo, pelo reconhecimento público do trabalho escravo e

pelo comprometimento governamental frente ao cenário internacional e frente

às pressões internas. Na última parte, descrevemos o período entre 2003 e

2012, conformado pelo avanço de políticas institucionalmente integradas e

fortalecidas e pelas pressões e embates em torno da caracterização do que é o

trabalho escravo.

2.2 – Primeiras denúncias e sua visão sistêmica (1970-1984)

Entre o início dos anos 1970 e fins dos anos 1980, o quadro é marcado,

sobretudo, pelo encaminhamento das primeiras denúncias de trabalho escravo

rural, e pelo acirramento das lutas políticas no campo. Em 10 de outubro de

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1971, dom Pedro Casaldáliga, em sua carta pastoral “Uma Igreja na Amazônia

em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, denuncia as formas

pelas quais o regime militar combinava de maneira perversa seu projeto

nacional desenvolvimentista com políticas de incentivos fiscais para o setor

privado, que levavam a uma crescente concentração de terras e a uma

consequente expulsão e marginalização de grandes massas de camponeses.

Entre os diversos problemas que Casaldáliga identifica como sendo os

resultados da expansão do capitalismo e da agropecuária sobre a região

amazônica, ele dedica uma seção especial de sua carta para falar da questão

da mão-de-obra que era empregada na derrubada da mata para a construção

de pastos e plantações, descrevendo de forma ampla e detalhada a situação e

as condições de vida e de trabalho dos que ele chamou de “peões escravos”:

“o método de recrutamento é através de promessas de bons salários, excelentes condições de trabalho, assistência médica gratuita, transporte gratuito, etc. (...). Os peões, aliciados fora, são transportados em avião, barco ou pau-de-arara para o local da derrubada. Ao chegar, a maioria recebe a comunicação de que terão que pagar os gastos da viagem, inclusive transporte. E já de início têm que fazer suprimento de alimentos e ferramentas nos armazéns da fazenda, a preços muito elevados. (...). Para os peões não há moradia. Logo que chegam, são levados para a mata, para a zona da derrubada, onde tem que construir, como puderem, um barracão para se agasalhar, tendo que providenciar sua própria alimentação. As condições de trabalho são as mais precárias possíveis. (...). Os medicamentos quase sempre são insuficientes e em muitas vezes pagos, inclusive amostras grátis. Por tudo isto, os peões trabalham meses, e ao contrair malária ou outra qualquer doença, todo o seu saldo é devorado, ficando mesmo endividados com a fazenda. (...). Esse trabalho pesado, e nestas condições, é executado por gente de toda idade, inclusive menores. (...). Não há com os peões nenhum contrato de trabalho. Tudo fica em simples combinação oral com o empreiteiro. Os pagamentos são efetuados ao bel-prazer das empresas. Muitas vezes, usa-se o esquema de não pagar, ou pagar só com vales, ou só no fim de todo trabalho realizado, para poder reter os peões. (...). Muitos, doentes, sentindo-se sem forças e temendo morrer naquelas condições, não conseguindo receber o que lhe é de direito, fogem para sobreviver. Outros ainda fogem por se verem cada vez mais endividados. E nestas fugas são barrados por pistoleiros pagos para tanto” (Casaldáliga, 1971: 19-20).

O que podemos notar nesta descrição, bem como no teor da carta

escrita por dom Pedro Casaldáliga é que ela abrange um conjunto amplo de

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características que ajudam a configurar não apenas as situações de exploração

extrema, mais difíceis de negar (como as que se dão através do não-

pagamento e do uso da violência física e vigilância armada), mas também as

situações “propiciadoras” dessa exploração extrema, que vulnerabilizam e

submetem, tanto quanto a violência, os trabalhadores rurais ao trabalho

escravo (como o seu aliciamento e deslocamento para locais ou estados muito

distantes de sua residência, as condições degradantes de habitação,

alimentação e de saúde, e o endividamento com o fazendeiro). Para

Casaldáliga, o uso da violência física claramente aparece como um elemento

importante para a caracterização do trabalho escravo rural na

contemporaneidade; porém, a sua ausência de modo algum descaracteriza a

situação enquanto tal. Ela é “apenas” o instrumento mais extremo e visível da

expansão do capitalismo aliado ao latifúndio.

Essa caracterização feita por Casaldáliga sobre a situação da

exploração do trabalho rural e sua denominação como “trabalho escravo”

marcou uma diferenciação muito importante frente a outras caracterizações e

denominações já existentes e formalmente reconhecidas pelas instituições

políticas brasileiras. Tal importância se deu, sobretudo, por ela ter

“holofotizado”, no momento de ápice do projeto agrário do regime militar, as

contradições perversas desse projeto, e por ter iniciado uma delimitação de

entendimentos e posicionamentos políticos acerca do trabalho escravo rural

que se acirram até os dias de hoje.

De 1940 até a publicação da carta-denúncia de dom Pedro Casaldáliga

em outubro 1971, podemos encontrar cerca de 8 medidas institucionais

brasileiras relacionadas às condições de trabalho do trabalhador rural e 5

relacionadas especificamente à questão do trabalho escravo.

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Tabela 1 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1940-1969)

Ano Medida

1940 Art. 149 do Código Penal estabelece a pena de 2 a 8 anos de reclusão para quem

"reduzir alguém a condição análoga à de escravo"

1957

Ratificação da Convenção nº 11 da OIT (Direito de Sindicalização na Agricultura)

Ratificação da Convenção nº 12 da OIT (Indenização por Acidente de Trabalho na

Agricultura)

Ratificação da Convenção nº 29 da OIT (Trabalho Forçado ou Obrigatório)

Ratificação da Convenção nº 99 da OIT (Salário Mínimo na Agricultura)

Ratificação da Convenção nº 101 da OIT (Férias Remuneradas na Agricultura)

1963 Estatuto do Trabalhador Rural

1965

Ratificação da Convenção nº 110 da OIT (Condições de Emprego dos Trabalhadores

em Fazendas)

Ratificação da Convenção nº 105 da OIT (Abolição do Trabalho Forçado)

1966 Promulgação da Convenção sobre a Escravatura de 1926

Promulgação da Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956

1969 Ratificação da Convenção nº 117 da OIT (Objetivos e Normas Básicas da Política

Social)

1971 Criação do PRORURAL (Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural) e de sua

agência executiva, o FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural)

O que podemos observar é que a maioria dessas medidas, em conjunto,

ajuda a conformar uma diferenciação entre trabalho escravo e trabalho forçado

ou obrigatório, direta ou indiretamente. O trabalho escravo propriamente dito

seria a antiga forma de mão-de-obra do sistema escravista, chancelada por um

ordenamento jurídico, ainda que ele pudesse ser encontrado até início do

século XX e não mais amparado juridicamente. O trabalho forçado ou

obrigatório, por sua vez, seria o que de fato encontraríamos na

contemporaneidade, tendo por fator essencial não mais um “sistema

escravista”, mas ocorrências “particularizadas”, embora massivas, a serem

enfrentadas com um avanço progressivo dos direitos do trabalhador. Seriam

situações extremas de violação das leis e normas trabalhistas, nas quais um

indivíduo se vê forçado ou obrigado a realizar um trabalho contra a sua

vontade, sob imposição, ameaça ou violência. Vejamos isso dentre as medidas

por nós listadas.

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As Convenções nº 29 e nº 105 da OIT, ratificadas pelo Brasil em 1957 e

196523, assim como a “Convenção sobre a Escravatura de 1926”, promulgada

no país em 196624, falam justamente em “trabalho forçado ou obrigatório”, até

então caracterizado como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo

sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de

espontânea vontade”. Não se trata de um “sistema” de trabalho forçado, mas

de situações em que ele ocorre, e contra as quais os países signatários das

convenções devem promover medidas para a sua erradicação completa25.

Sendo central a questão da voluntariedade, ou seja, sendo o trabalho forçado

somente o trabalho para o qual o trabalhador não se apresentou por livre e

espontânea vontade, mas obrigado ou sob ameaça, os países signatários

devem tomar todas as medidas necessárias, como as estabelecidas pelas

Convenções de nº 11, 12, 99, 10126, 11027 e 11728 da OIT e pelo “Estatuto do

23

A convenção nº 29 foi aprovada pela OIT durante a 14ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, em 10 de junho de 1930; e entrou em vigor no plano internacional a partir de 01 de maio de 1932. No Brasil, foi aprovada através do Decreto Legislativo Nº 24, de 29/05/1956, do Congresso Nacional; ratificada em 25/04/1957; promulgada através do Decreto 41.721, de 25/06/1957; e passou a ter vigência nacional a partir de 25/04/1958. A convenção nº 105 foi aprovada pela OIT durante a 40ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, em 05 de junho de 1957. E ela entrou em vigor no plano internacional a partir de 17/01/1959. Ela foi aprovada no Brasil através do Decreto Legislativo Nº 20, de 30/04/1965, do Congresso Nacional. Foi ratificada em 18/06/1965, e foi promulgada através do Decreto 58.822, de 14/07/1966. Passou a ter vigência nacional a partir de 18/06/1966.

24 Promulgada pelo Decreto n. 58.563, de 1º de junho de 1966.

25 A convenção nº 29 era mais restritiva que a de nº 105. Ela não proibia por completo e em

todas as suas formas a utilização de trabalho forçado ou obrigatório, mas apenas descrevia os casos e as condições para que ele fosse utilizado, de modo a não ocorrerem “excessos” nessa exploração. Ele poderia ser aplicado por autoridades públicas sobre indivíduos condenados e julgados pela Justiça, desde que justificada a finalidade pública e coletiva do serviço, que não ultrapassasse o período de 60 dias dentro de um ano, que houvesse remuneração, que as horas de trabalho e a remuneração se dessem nas mesmas bases de um trabalhador livre, que houvesse indenização por acidente de trabalho, que o trabalhador não fosse transferido para lugares distantes e muito diferentes de seu habitat, e caso assim ocorresse que as autoridades propiciassem todas as condições de adaptação. Já a convenção nº 105 proibia toda e qualquer forma de trabalho forçado ou obrigatório.

26 Ratificadas pelo Brasil através do Decreto 41.721, de 25 de junho de 1957.

27 Promulgada pelo Brasil através do Decreto 58.826, de 14 de julho de 1966.

28 Promulgada pelo Brasil através do Decreto 66.496, de 27 de abril de 1970.

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Trabalhador Rural” de 196329, para evitar o abuso de poder por parte dos

empregadores.

O interessante a se notar nessas medidas, sobretudo nas Convenções

nº 29 e 105, e na Convenção sobre a Escravatura de 1926, é que elas mostram

a importância de se regularizar algumas situações descritas por dom Pedro

Casaldáliga. Elas dizem, por exemplo, que é preciso regularizar os contratos de

trabalho, evitar os deslocamentos dos trabalhadores para longe de suas

residências, garantir e regularizar pagamentos e salários, e garantir condições

de habitação, alimentação e saúde adequadas, ainda que nada fosse realizado

em termos concretos. Contudo, diferentemente de Casaldáliga, essas

Convenções apontam que a ausência ou a precariedade dessas condições de

trabalho são apenas “propiciadoras” e não “características” de trabalho forçado

e, muito menos, de trabalho escravo. O que é determinante para a

configuração de um quadro de trabalho forçado é a presença da violência, da

imposição, da exigência de trabalho de um indivíduo contra a sua vontade.

Para Casaldáliga, no entanto, as condições “propiciadoras” podem, por si

mesmas, caracterizar um quadro de imposição, pois elas são tão ou mais mais

capazes que a violência de retirar dos indivíduos sua autonomia e capacidade

de escolha de um determinado trabalho. Aqui, a ideia de que os trabalhadores

são livres para escolher um trabalho é contestada, dadas as condições de

miséria, de marginalidade e de extrema necessidade, que reduzem as opções

de sobrevivência para esses trabalhadores.

Se nos voltarmos mais atentamente para o “Estatuto do Trabalhador

Rural” de 1963, podemos extrair algumas considerações importantes acerca

das condições propiciadoras. Do ponto de vista do avanço dos direitos dos

trabalhadores rurais, o Estatuto pode ser considerado um avanço formal

significativo, na medida em que foi o documento que regulamentou, pela

primeira vez, as relações de trabalho no setor agrícola, reconhecendo direitos

trabalhistas aos assalariados rurais, e fixando as condições do exercício do

trabalho agrícola e proteções especiais aos trabalhadores (Wanderley, 2013).

29

Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963.

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Contudo, do ponto de vista do que significou a “proletarização” no campo, e do

ponto de vista do que o Estatuto deixou de regular, ele se apresenta como um

atestado de entendimentos e posicionamentos parciais acerca da exploração

do trabalhador rural e da expansão dos direitos de cidadania no campo.

Como nos mostra Margarida Maria Moura (1988), por exemplo, a

regulamentação jurídica e a defesa judicial do trabalhador rural assalariado

abriu um caminho de cidadania contraditório e perverso para uma grande

massa de camponeses30. O projeto desenvolvimentista do regime militar, que

incluía a expansão das fronteiras agrícolas através de incentivos fiscais para a

iniciativa privada, resultou na saída ou na expulsão, sobretudo, de agregados e

de posseiros do campo. Nesse quadro, as possibilidades que se abriram para

esses camponeses foram duas, ficar ou sair das terras em que trabalhavam,

possibilidades estas que, para Moura, levaram ambas a uma situacão

crescente de marginalização e precariedade sistêmicas.

Para aqueles que ficavam, dois caminhos eram possíveis: ficar nas

terras sob um acordo informal, oral, com o proprietário, mantendo relações de

favor para com ele e, assim, mantendo-se sob uma situação de insegurança,

ao passo que podiam ser novamente expulsos em casos de mudança de

proprietário e de rompimento do acordo feito; e o outro caminho seria ficar nas

terras, mas, agora, sob a chancela jurídica de um contrato de trabalho, em que

o camponês, inevitavelmente, acaba por abdicar de seus direitos sobre a terra

para reivindicar acesso aos seus direitos enquanto trabalhador rural

assalariado.

Para aqueles que saíam, também se abriam dois caminhos: sair, mas

tentar conseguir através de um processo judicial uma pequena indenização

pelo tempo de serviço prestado ao proprietário, e depois tentar conseguir um

pedaço de terra e sobreviver sob condições precárias, dada a falta de

incentivos estatais e a concorrência desleal com os grandes produtores rurais

financiados pelo Estado; e o outro caminho seria deixar a terra sem qualquer

30

A autora estuda os conflitos de terra e de trabalho vivenciados pelos trabalhadores rurais do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais nos anos 1970 e 1980.

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direito, ressarcimento ou indenizacão, ficando submetido à busca por trabalhos

temporários e precários, conformando o que ficou conhecido por trabalhadores

“bóias-frias”, trabalhadores volantes, ou como chamou Casaldáliga, por “peões

escravos”.

Diante desses diferentes caminhos, especialmente para aqueles que

ficaram nas fazendas sob contrato de trabalho e para aqueles que saíram em

busca de trabalhos temporários, o que significava o “Estatuto do Trabalhador

Rural” de 1963?

Para aqueles sob contrato de trabalho, o Estatuto, como já apontamos,

tinha um sentido dúbio. Ele constituía o documento oficial da transformação do

camponês no que José Graciano da Silva (1981) chamava de “proletário rural”,

no tipo de trabalhador necessário às novas exigências do processo produtivo.

Essa transformação, formalizada pelo Estatuto em 1963, seria, alguns anos

depois, reafirmada e complementada pelo regime militar, com a criação, em

maio de 1971, do “Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural”, o

PRORURAL, juntamente com sua agência executiva, o “Fundo de Assistência

ao Trabalhador Rural”, o FUNRURAL31, poucos meses antes da publicação da

carta pastoral de dom Pedro Casaldáliga. Como aponta Peter Houtzager

(2004), com esse programa o regime militar consolidava seu projeto agrário,

incorporando a legislação e a justiça trabalhista, bem como a sindicalização

dos trabalhadores rurais, como instrumentos e estratégias centrais de

integração nacional e de fortalecimento do Estado no campo, desmobilizando

ou fragmentando a luta por terras.

Por outro lado, no entanto, o Estatuto de 1963 e, especialmente o

PRORURAL e o FUNRURAL de 1971, acabavam se apresentando como

mecanismos ou instrumentos importantes de defesa dos direitos dos

trabalhadores rurais frente aos proprietários empregadores, ainda que isso

fosse, ao fim, funcional para o projeto agrário do regime militar. O Estatuto

estabelecia regras sobre a remuneração e sobre o salário mínimo, de forma a

garantir o pagamento em dinheiro e evitar as relações com base no favor;

31

Instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971.

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estipulava que a jornada máxima de trabalho não deveria ultrapassar oito horas

diárias; garantia o repouso semanal e as férias remuneradas; e estabelecia

normas de segurança no trabalho. O PRORURAL e o FUNRURAL, por seu

turno, e de forma efetiva, implementavam uma série de benefícios sociais,

como pensões por aposentadoria, assistência médica e dentária, pensões para

aposentados e deficientes físicos, ajuda financeira para funerais e, mais

importante, não exigia a contribuição direta dos trabalhadores ao programa,

recorrendo a um mecanismo de transferência da área urbana para a área rural.

Assim, era apresentado aos camponeses, agora “trabalhadores rurais

assalariados”, um “jogo” que eles não teriam como se recusar a jogar, dados os

custos ainda maiores da sua não adesão, ainda que as medidas

apresentassem limitações mesmo do ponto de vista da defesa dos direitos dos

trabalhadores.

O Estatuto de 1963, por exemplo, mantinha a possibilidade do

empregador realizar descontos dos salários dos trabalhadores para gastos com

moradia e com alimentação32. Tratava-se de uma limitação na medida em que

a possibilidade do desconto salarial, como denunciada por Casaldáliga,

acabava se tornando um instrumento de retenção dos trabalhadores contra a

sua vontade, dado o seu envidamento para com o empregador, no que o

Estatuto apresentava um entendimento limitado acerca de um dos principais

mecanismos de submissão e vulnerabilização do trabalhador rural. Além disso,

o Estatuto também apresentava algumas regulamentações dúbias acerca das

condições de moradia e de higiene. Ele estabelecia que as habitações deviam

respeitar os “mínimos preceitos” de higiene, mas que deviam, ao mesmo

tempo, levar em consideração “as condições peculiares de cada região”33.

Como veremos mais para frente, o argumento acerca das condições locais,

“normais” ou “culturais” de cada região será utilizado por atores políticos

contrários às políticas de erradicação para defender a tese de que não se pode

exigir que os empregadores rurais disponibilizem as mesmas condições que

32

Ver Capítulo III do Estatuto, que dispõe sobre regras para remuneração e salário mínimo.

33 Ver Capítulo VII do Estatuto, que dispõe sobre regras de higiene e de segurança no trabalho.

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são exigidas para as áreas urbanas desenvolvidas. Para o campo, seria

preciso pensar numa cidadania diferenciada, adequada às condições de cada

região.

As limitações dessas medidas se apresentavam de maneira ainda mais

forte se analisados os seus efeitos para aqueles que saíam das fazendas à

procura de trabalhos temporários ou sazonais, sem qualquer tipo de vínculo ou

contrato de natureza trabalhista com o empregador. Como aponta Maria

Conceição D’Incao e Mello (1976), o Estatuto, tal como foi promulgado em

1963, simplesmente não apresentava qualquer tipo de medida ou garantia para

o trabalhador “bóia-fria”, que se tornava cada vez mais a “solução menos

onerosa para o empresário rural”34. O mesmo poderíamos dizer acerca do

PRORURAL e do FUNRURAL do regime militar. Além disso, a exclusão não se

constituía em ocorrências particularizadas, mas sim de forma sistêmica, dada a

importância e funcionalidade crescente dessa marginalidade ou dessa massa

de trabalhadores rurais excluídos para o andamento do projeto

desenvolvimentista que se desenvolvia a todo vapor quando Casaldáliga

escreveu suas denúncias. Nas palavras da autora:

“[...] o “boia-fria”, pelo caráter intermitente do seu trabalho, se define como Exército Industrial de Reserva, no processo global da economia rural da região. Resultando do processo de liberação de mão de obra, por efeito do desenvolvimento do sistema capitalista de produção no campo, ele é reabsorvido como mão de obra mais barata e consequentemente mais vantajosa para a acumulação do capital. A sua participação no processo de produção se faz, portanto, através da depreciação dos salários ou do valor pago à força de trabalho. Esse fato o leva a vivenciar uma situação de extrema miserabilidade...” (D’Incao e Mello, 1976: 136)

Dessa forma, portanto, o Estatuto, assim como a maioria das medidas

tomadas pelo Brasil até a denúncia de Casaldáliga, conformavam um

entendimento parcial acerca das formas pelas quais o trabalhador rural era

explorado, e acerca das medidas necessárias para erradicá-las. Por isso

afirmamos que a definição e a caracterização trazida por Casaldáliga em sua

34

A autora realizou estudos sobre os trabalhadores assalariados na região da Alta Sorocabana, no estado de São Paulo.

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carta pastoral trazia uma inovação importante. A utilização do termo “escravo”

não se apresentava, ao menos naquele momento e para o seu autor, como um

recurso estilístico, de exagero ou, como alguns dirão, de “sensacionalismo”,

mas que apontava o aspecto “sistêmico” da exploração do “peão escravo”, do

“bóia-fria” ou do “trabalhador volante”. Tratava-se de uma nova forma de

descrever um novo tipo de escravidão, e não ocorrências particularizadas do

uso da violência ou da ameaça para reter trabalhadores contra a sua vontade.

A submissão dos trabalhadores rurais se dava por meio de um processo mais

arraigado à própria marginalização social e ao próprio processo institucional de

defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, que corria “descolado” (D’Incao e

Mello, 1976) dos trabalhadores “peões”. Assim sendo, não seriam os critérios

da violência e da vontade os critérios determinantes da submissão dos

trabalhadores rurais.

É certo que algumas medidas dentre as que listamos anteriormente,

como o artigo 149 do Código Penal brasileiro de 194035 e a promulgação em

1966 da Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 195636,

traziam alguns elementos complementares em suas definições e/ou

descrições. Contudo, não rompiam efetivamente com os entendimentos

institucionais padrões.

O artigo 149, muito breve, delimitava a pena de 2 a 8 anos de retenção

para quem reduzisse alguém a condição “análoga à de escravo”, sem

descrições ou tipificações sobre essa analogia. Além disso, o reconhecimento

da “semelhança” com o trabalho escravo em nada ajudava a mudar o

entendimento que já se tinha com o uso do termo “trabalho forçado”.

Continuava-se a não reconhecer o caráter sistêmico da exploração que vinha

sendo denunciada. Perpetuava-se o entendimento formalista de que não se

poderia falar em “trabalho escravo” por não haver mais um regime jurídico que

o chancele, ou por não se tratar de uma prática sistêmica e ordenadora da vida

em sociedade. O trabalho “análogo à de escravo” poderia ser encontrado em

35

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

36 Promulgada pelo Decreto n. 58.563, de 1º de junho de 1966.

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“situações” de exploração, que ocorrem dentro de um ordenamento jurídico que

não mais aceita a escravidão37.

A Convenção Suplementar, por seu turno, já reconhecia em seu texto

uma das formas centrais de submissão do trabalhador, a servidão por dívida,

que não dependia unicamente da violência, mas do processo de endividamento

do trabalhador com seu empregador em função de descontos para

alimentação, moradia, saúde e equipamentos de proteção no trabalho.

Contudo, ainda que reconhecesse esse mecanismo, tomava-o como uma

manifestação de trabalho forçado e obrigatório, não de trabalho escravo, e

assim como uma ocorrência particularizada e não sistêmica de submissão do

trabalhador rural. O trabalho escravo continuava a ser entendido apenas como

aquele que ocorreu nos períodos de Império, dentro de um sistema escravista.

Com isso, a carta pastoral de Casaldáliga constituiu marco significativo,

e sua repercussão política não foi pouca, dada a sua representatividade

enquanto uma verdadeira “declaração formal de guerra” (Vargas, 2003) ao

projeto agrário do regime militar. Essa grande repercussão acabou por colocar

luzes sobre os entendimentos e posicionamentos das autoridades acerca do

problema. Na mídia, por exemplo, Águeda Aparecida da Cruz Borges (2007)

nos mostra que foram várias as manifestações contrárias à carta já nos dois

primeiros meses após sua publicação.

Borges destaca, por exemplo, os editoriais “A má fé e a demagogia

deste bispo”, do jornal “O Estado de São Paulo” (13/11/1971) e “A injustiça do

documento sobre a Amazônia” do “Jornal da Tarde” de São Paulo

(15/11/1971), ambos defendendo os latifundiários e tomando-os como os

“desbravadores” do país. Destaca também a reação de algumas autoridades

políticas. A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM),

através do Cel. Igrejas Lopes, disse ao jornal “A Folha do Norte” do Pará

(11/11/1971), que a carta pastoral de Casaldáliga era um documento

“subversivo” e “caluniador”; e também declarou no “Jornal do Brasil” do mesmo

37

Como veremos mais adiante, a questão da analogia permanece no plano normativo brasileiro, muito embora os entendimentos tenham se diversificado entre os próprios juristas e outros atores políticos, gerando muitos debates até os dias de hoje.

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dia que o assunto tratado na carta já era de conhecimento dos organismos de

segurança do país, e que o Brasil era um país democrático, que garantia terra

para todos, “latifúndios ou minifúndios”. Outras manifestações, ainda, vieram do

governador do estado do Mato Grosso, José Fragelli, que disse ao jornal “O

Globo” (16/11/1971), que o bispo havia exagerado e que suas denúncias eram

injustas; e do senador do estado Correa da Costa, que alegou para a “Folha de

São Paulo” (11/11/1971), não ter conhecimento de trabalho escravo no Mato

Grosso.

A autora também cita alguns jornais e publicações que, se não deram

apoio explícito, ajudaram a divulgar as denúncias feitas por Casaldáliga, como

seriam os casos do Jornal “O São Paulo” da arquidiocese de São Paulo

(23/10/1971 e 20/11/1971); o “Jornal do Brasil” e a Tribuna da Imprensa”, do

Rio de Janeiro (11/11/1971); “O Globo” (16/11/1971); a “Folha de São Paulo”

(11/11/1971); e outros38.

Em termos de formulação de medidas governamentais imediatas para a

resolução dos problemas apontados por Casaldáliga, a grande repercussão da

carta na mídia não teve efeitos concretos imediatos, até mesmo porque não se

reconhecia entre as autoridades a existência do problema, ao menos não nos

termos e nas caracterizações feitas pelo bispo. O Presidente do Incra, José

Francisco Cavalcanti, chegou até a admitir, no “Jornal do Brasil” de 12/11/1971,

que as denúncias representavam uma realidade que deveria ser modificada,

mas não foi além das palavras.

Por outro lado, contudo, no plano dos conflitos políticos no campo, à

carta seguiu-se uma forte demarcação dos posicionamentos, em pressões

políticas crescentes por parte da Igreja, e na perseguição e repressão violenta

por parte dos fazendeiros e do Estado, quadro que se acirra exponencialmente

durante os anos 1980. As denúncias de Casaldáliga em 1971 oficializam a

ruptura entre a Igreja Católica brasileira e o Estado, resultando numa

transformação importante em suas atividades pastorais (e também políticas) e

38

Essas notícias e jornais, assim com outros títulos, encontram-se disponíveis para consulta digital no site da Biblioteca Nacional Digital: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx.

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na criação, em 1975, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que se

tornaria a maior responsável pelo encaminhamento das denúncias de trabalho

escravo rural no Brasil, e uma das entidades mais importantes na tarefa de

catalogação e realização de pesquisas e relatórios sobre o tema.

Entre 1970 até 1985, a CPT, assim como os setores mais progressistas

da Igreja Católica, conformaram o único canal aberto de oposição ao regime

militar, assumindo um papel importante como “incubador institucional”

(Houtzager, 2004: 139), patrocinando a formação de novas organizações

políticas dos trabalhadores rurais e uma nova visão e representação sobre

seus direitos e necessidades. Ainda que tivessem, inicialmente, se pautado nas

reivindicações trabalhistas por meio da legalidade, do que era admitido pelo

regime militar, passaram depois a criar e a incentivar a criação de

reivindicações e de organizações de trabalhadores rurais independentes do

Estado (o que ficou conhecido por “novo sindicalismo”) e que conseguissem

expulsar a capilaridade que o regime militar atingia no campo através de suas

instituições trabalhistas.

Calcado numa estrutura ideológica que mesclava “catolicismo profético e

marxismo popularizado” (Houtzager, 2004: 142), o clero progressista,

propagaria, ao menos até meados da década de 1980, uma interpretação e

visão estrutural e sistêmica sobre a exploração do trabalho no campo, como a

que vimos na carta-marco de dom Pedro Casaldáliga. Mas, como veremos,

conforme a abertura política vai avançado, as visões da CPT vão se mesclando

com as visões de novos participantes políticos e conformando parcerias de

atuação e reivindicações institucionais e estruturais em comum. Seus

relatórios, publicados anualmente desde 1985, vão expressando esse quadro

de mudança. Ela mantem sua interpretação sistêmica acerca do trabalho

escravo rural, mas também começa a focar gradualmente na atuação das

instituições políticas brasileiras, sobretudo do Judiciário, enfatizando os

interesses em disputa e a falta de vontade política.

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77

2.3 – Políticas embrionárias e o jogo político (1985-1995)

Entre 1985 e 1995, as políticas voltadas para a questão do trabalho

escravo rural expressam de modo visível a crescente disputa de interesses em

torno da questão agrária, resultante do processo de abertura e de

redemocratização das instituições políticas. Ao mesmo tempo em que

observamos o nascimento de políticas voltadas para a repressão do trabalho

escravo rural, incorporando, ao menos no âmbito formal e programático,

algumas propostas de mudanças estruturais no campo, também percebemos a

permanência de medidas, e dessa vez concretas, voltadas para a adequação

ou submissão daquelas propostas a interesses e projetos remanescentes do

regime militar.

Em geral, essas políticas, como frutos do pacto da transição,

incorporaram em sua formulação os interesses e os entendimentos de vários

atores políticos. Ao menos enquanto formulação, enquanto medida no papel,

não houve restrições na adoção da definição do problema como “trabalho

escravo”. Posteriormente, contudo, essas políticas foram reformuladas antes

mesmo de serem implementadas ou durante sua própria implementação, na

prática. São nessas reformulações ou adaptações que se mostraram definições

distintas e, até mesmo, a simples negação de “trabalho escravo”, sem qualquer

justificativa ou caracterização alternativa, bloqueando ou impedindo o avanço

de medidas de caráter mais estrutural, como a reforma agrária, e medidas mais

severas de punição de proprietários de terra que utilizavam mão de obra

escrava. Além disso, à inefetividade das políticas, devido à sua curvatura aos

interesses do grande latifúndio e com a chancela dos poderes do Estado,

seguem greves de trabalhadores rurais, manifestações, ocupações e, com

elas, a forte repressão no campo, exercida tanto pelos proprietários quanto

pelo próprio Estado, contra trabalhadores rurais, movimentos, sindicatos, e

padres e membros da CPT.

As denúncias e críticas à inefetividade das políticas e à inoperância e

falta de vontade política dos atores estatais, especialmente do Poder Judiciário,

tornam-se o foco central dos documentos e relatórios produzidos neste

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período, principalmente pela CPT e por periódicos e revistas de movimentos de

trabalhadores rurais. Nesses documentos, podemos encontrar, sobretudo, uma

preocupação em identificar o posicionamento do Judiciário e dos juízes no jogo

político de interesses, para verificar “de que lado” do conflito eles estavam. Os

órgãos internacionais, por sua vez, cobravam maior comprometimento político

do Estado brasileiro, resultando, ao final do período, no reconhecimento

público, por parte do presidente da República, da existência de trabalho

escravo no Brasil, após denúncias levadas à Comissão Interamericana de

Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA) e à

Organização das Nações Unidas (ONU). Vejamos o quadro desse período

através de uma breve descrição das políticas e das críticas e relatórios

publicados por alguns atores políticos centrais.

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Tabela 2 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1985-1994)

Ano Medida

1985

Criação da Coordenadoria de Conflitos Agrários do Ministério da Reforma e

Desenvolvimento Agrário e do Trabalho (MIRAD)

Plano Nacional de Reforma Agrária

1986

Firma-se um Protocolo de Intenções para conjugar esforços no PA, MA e GO, com a

participação da CONTAG e da CNA para coibir violações dos direitos sociais dos

trabalhadores rurais

Termo de Compromisso para erradicar o trabalho escravo entre o Ministério da Justiça,

Polícia Federal, governos estaduais e respectivas forças policiais

1987 Mutirão Contra a Violência presidida pelo ministro da Justiça Paulo Brossard

1988 Constituição de 1988 - afirma a igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e

rurais e estabelece a "função social da propriedade"

1990 Ratificação da Convenção nº 135 da OIT (Proteção de Representantes de

Trabalhadores)

1991

Instituída uma Comissão Especial de Inquérito no âmbito do Conselho de Defesa dos

Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da Justiça, com a finalidade de investigar os

casos de violência no campo e as denúncias de trabalho escravo.

1992 Programa de Erradicação do Trabalho Forçado e do Aliciamento de Trabalhadores

(PERFOR).

1993

É criada uma Subcomissão e um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados,

composto por pela CPT, CONTAG, Procuradoria da República, e outras instituições,

para elaborar um projeto de lei voltado para a conceituação mais precisa do crime, a

competência para investigá-lo, processá-lo e julgá-lo, e a previsão de aplicação de

penalidades mais severas.

1994

Ratificação da Convenção nº 141 da OIT (Organizações de Trabalhadores Rurais)

Instrução Normativa Inter secretarial de 24/3 no âmbito do Ministério do Trabalho,

contendo normas procedimentais para a atuação da fiscalização no meio rural

É assinado um Termo de Cooperação entre o MTE, o MPF, o MPT e a PF para garantir

a conjugação de esforços no sentido de prevenção, repressão e erradicação do trabalho

escravo

As reivindicações com relação ao trabalho escravo rural foram

incorporadas dentre uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governo

civil. Em abril de 1985, foi criado o Ministério Extraordinário para o

Desenvolvimento e a Reforma Agrária (Mirad), fruto de uma aliança feita entre

o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais e a Aliança Democrática, na

qual o Movimento concedia apoio à Aliança em seu projeto de transição em

troca de apoio governamental para um programa de reforma agrária nacional

(Figueira, 1999; Houtzager, 2004). O objetivo central do Mirad seria não

somente o de dar andamento a esse programa, como também, posteriormente,

de concentrar recursos e esforços institucionais para o encaminhamento de

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denúncias de trabalho escravo rural e para a realização de fiscalizações,

chegando, inclusive, a propor o corte de incentivos fiscais e a desapropriação

das terras onde fossem encontrados trabalhadores escravos.

No que tange à reforma agrária, o governo abriu, em maio de 1985, um

prazo de 30 dias para apresentação de sugestões ao Plano Nacional de

Reforma Agrária, possibilitando que diversas organizações, tanto de

trabalhadores rurais quanto de fazendeiros e proprietários, participassem do

processo. Os principais pontos do Plano residiam na desapropriação por

interesse social (tendo por meta assentar 1,4 milhões de famílias entre 1985 e

1989), e na indenização através do Imposto Territorial Rural (ITR), com valor

abaixo do mercado (Oliveira, 2007).

No que tange ao trabalho escravo rural, o Mirad, junto ao Ministério do

Trabalho, e com o apoio da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e da

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), prometeu

concentrar recursos para a fiscalização onde ocorressem as denúncias; e

decidiu que os proprietários de fazendas “flagrados no uso de escravos ou em

condições muito irregulares de mão-de-obra, além de serem processados

criminalmente”, poderiam também perder os incentivos fiscais e, em casos

extremos, seriam desapropriados. Com isso se firmou o Protocolo de Intenções

e o Termo de Compromisso em 1986, e se criou o “Mutirão Contra a Violência”

em 1987.

Na prática, contudo, essas medidas se alteraram significativamente ou

nem saíram do papel. Com relação à reforma agrária, além de ter-se estendido

o prazo para a apresentação de sugestões, em função de pressões exercidas

pelos fazendeiros, a primeira redação do “Plano Nacional de Reforma Agrária”

foi significativamente alterada depois de diversas redações até a definitiva em

outubro de 1985, que, segundo a CPT (1985: 21), “ficou a cargo de homens de

absoluta confiança dos latifundiários, como, por exemplo, o jurista Célio Borja”.

Além disso, ao Plano foi anexado outro documento chamado “Política Nacional

de Desenvolvimento Rural”, que colocava a reforma agrária como uma medida

auxiliar do desenvolvimento (CPT, 1985: 13). A desapropriação foi colocada

como medida secundária (Oliveira, 2007); o Plano não mais tinha por objetivo

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“mudar a estrutura fundiária”, mas apenas “contribuir para modificar o regime

de posse e uso da terra”; não foram decretadas as áreas prioritárias para a

reforma agrária, remetendo a escolha para o nível regional, mais susceptível às

pressões políticas locais (Ramos Filho, 2008); ficaram muito mais flexíveis as

regras e os critérios para considerar as terras como improdutivas (Medeiros,

2003); e as metas de assentamento foram cumpridas apenas em 8,9%

(Santos, 2009 apud Vecina, 2012: 4). Posteriormente, ainda, com a vigência da

Constituição de 1988, que decretava que as indenizações deveriam ser feitas

mediante prévia e justa indenização, os ruralistas conseguiriam, com o início

dos anos 1990, enfraquecer as discussões em torno da reforma agrária e fazer

os valores das indenizações serem baseados de acordo com o mercado e não

mais de acordo com o Imposto Territorial Rural (Medeiros, 2003).

Segundo a CPT (1986), esse quadro de inefetividade das medidas de

reforma agrária piorava quando posto na prática, ao passo que o Poder

Judiciário atuava em favor dos fazendeiros, anulando as poucas e frágeis

desapropriações feitas pelo Poder Executivo e reprimindo as reações dos

trabalhadores rurais, gerando mais conflito e violência no campo. Essa mesma

crítica se repetia entre o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, que dizia

haver sempre “dois pesos e duas medidas” para o cumprimento da lei, tanto

por parte da Polícia quanto por parte do Poder Judicíário:

“Quando um delegado diz que vai “intimar” posseiros a depor, sua frase pode ser traduzida por trazê-los presos, deixá-los passar a noite na cadeia, e fichá-los antes de tomar os depoimentos. No caso de um fazendeiro, a intimação transforma-se em convite, pois “é certo que cedo ou tarde o fazendeiro irá comparecer e não irá fugir”, explica o delegado de Conceição do Araguaia. [Por sua vez], As decisões do Poder Judiciário estão muito mais sujeitas ao humor e interesses pessoais de juízes e promotores que às leis em vigor no país” (MST, 1986a: 10).

Em outros momentos, ainda, o MST acusaria o Poder Judiciário de ser

“controlado” pelos latifundiários e de tornar a tramitação dos processos “muito

complicada e demorada” (MST, 1986a: 6). Essas avaliações continuaram

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presentes ao menos até o fim dos anos 1980, como se pode ver nas edições

do Jornal dos anos seguintes, sobretudo em 1987 e 198939.

A crítica ao Poder Judiciário não vinha somente por parte da CPT e dos

movimentos dos trabalhadores rurais, mas também do próprio Poder Executivo,

que tentava argumentar que a reforma agrária não se concretizava por causa

dos obstáculos postos pelo Poder Judiciário, como mostravam as declarações

do ministro do Mirad (MST, 1986b: 11). Contudo, tal justificativa não convenceu

a CPT e os movimentos dos trabalhadores rurais, muito embora eles

reconhecessem no Judiciáro e nos juízes brasileiros grande parcela de

responsabilidade pela impunidade e pela violência no campo, como mostra a

CPT em seu relatório de 1992:

“Sem excluir a responsabilidade de outros setores e sem cair no absurdo de responsabilizar apenas e tão somente o Judiciário por toda a situação de violência no campo, é preciso ressaltar que, dos Poderes do Estado, talvez seja ele o que mais tenha contribuído para que a violência perdure. É do Judiciário o poder e a competência, portanto, a responsabilidade para dizer o direito, aplicar e distribuir justiça na solução dos conflitos. Porém, o que se tem constatado é que a sua atuação resulta em mais intranquilidade social; em mais conflitos” (CPT, 1992: 31).

Tanto a CPT quanto os movimentos dos trabalhadores rurais falavam da

inoperância governamental como um todo, questionavam os números de

desapropriações apresentadas pelo ministro, e ressaltavam, assim como a

ABRA (Mello, 1986: 55) que a falta de vontade política vinha de diversas

autoridades públicas e já se colocava na alteração significativa do Plano

Nacional de Reforma Agrária.

Com relação às medidas para o trabalho escravo rural, por sua vez, o

quadro não foi muito distinto. Segundo Ricardo Rezende Figueira (1999), a

participação da parte patronal (da Confederação Nacional de Agricultura) nas

fiscalizações colocou impedimentos para os flagrantes, na medida em que as

fazendas denunciadas podiam ser alertadas com antecedência. Nesse caso, o

39

As edições do Jornal dos Trabalhadores Sem Terra estão disponíveis para consulta em: http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=HEMEROLT&pagfis=11219&pesq=&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net.

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Mutirão Contra a Violência também se mostrou ineficaz e enviesado, dada a

recusa, por parte do ministro da Justiça, Paulo Brossard, em aceitar a

participação de trabalhadores vítimas, de sindicalistas e de membros da CPT

para atuarem na investigação e fiscalização. O resultado foi que nenhum

imóvel foi desapropriado por utilizar mão-de-obra escrava.

O Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, em sua edição de abril de 1986,

relavata casos de trabalho escravo no estado de Rondônia, denunciados pela

CPT e por trabalhadores fugidos, para os quais as autoridades não

apresentaram qualquer solução, demonstrando inoperância e falta de vontade

política. Na edição de junho, o jornal trazia outro caso em que um juiz e

promotores locais não entenderam que os trabalhadores eram escravos, mas

“simples vagabundos” (MST, 1986c, n. 53: 16). Segundo o MST, os

“latifundiários escravizadores” eram protegidos pelo próprio Poder Judiciário,

que impedia a continuação dos processos e das investigações, mesmo quando

as denúncias de trabalho escravo feitas pela CPT se confirmavam com as

fiscalizações (MST, 1986c: 8). Em 1991, a Comissão Especial de Inquérito

reforçou tais críticas, concluindo que as principais razões da violência no

campo estavam diretamente ligadas à ação enviesada ou à completa omissão

do Estado, especialmente do Poder Judiciário (CPT, 1992: 31)40.

40

Essa é uma das poucas informações que conseguimos encontrar sobre os resultados da Comissão Especial de Inquérito. Esta Comissão, assim como outras medidas tomadas pelo governo entre 1985 e 1995, quase não apresentam relatórios claros e sistemáticos para consultas sobre fiscalizações, libertações, pagamentos de indenização e outras ações. Tanto que é assim que, quando os relatórios da CPT, ou mesmo os jornais do MST, e a literatura em geral, citam medidas como essa da Comissão Especial de Inquérito, do Mutirão contra a Violência e outras do período em questão, a citação não é seguida de qualquer referência a documentos e nem dados sobre os resultados de suas atuações, mas fundamentalmente de notícias. Os poucos números que encontramos sobre denúncias, fiscalizações e outras ações para esse período, são contabilizados e registrados, sobretudo, pela CPT em seus relatórios anuais. De outra maneira, é possível encontrar dados dispersos e sem fontes seguras. Sabemos que o Mirad, a primeira das medidas voltadas para o encaminhamento de denúncias e fiscalizações, foi um dos poucos que produziu relatórios, que se encontram disponíveis para consulta física no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp. Em consulta, localizamos um total de 37 caixas ainda não catalogadas e arquivadas contendo documentos variados do Mirad. Até o momento, não achamos os relatórios específicos sobre as denúncias e fiscalizações feitas pelo Ministério, que nos ajudaria a verificar de modo mais específico o que o órgão estava entendendo por “trabalho escravo”. Achamos apenas as diversas cartas de cidadãos e de organizações diversas que foram enviadas ao Presidente José Sarney como sugestões ao Plano Nacional de Reforma Agrária.

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Essas mesmas críticas foram direcionadas à inefetividade das medidas

tomadas pelo governo entre 1992 e 1994, especialmente a Instrução Normativa

Intersecretarial nº1 de 24 de março de 1994. A Instrução pode ser vista, ao

menos no plano formal, como a medida mais avançada do período, na medida

em que procurou implementar regras institucionais para o reconhecimento do

trabalho escravo pelos agentes governamentais, de forma a impedir que seus

interesses ou visões particulares decidissem o que era e o que não era

trabalho escravo rural. Além disso, tratava-se de uma medida mais

progressista, na medida em que a caracterização que propunha para o trabalho

escravo ou “análogo à de escravo” não tinha por critério único a constatação do

uso da violência. Ela levava em conta também a constatação das práticas de

endividamento do trabalhador rural, que só acontecia em função da sua

situação econômica precária ou de sua marginalidade social. Para a Instrução,

os indícios de que um trabalhador era “reduzido a condição análoga à de

escravo” estavam em situações de

“dívida, retenção de salários, retenção de documentos, ameaças ou violência que impliquem o cerceamento da liberdade dele e/ou familiares, o abandono do local onde presta seus serviços, ou mesmo quando o empregador se nega a fornecer transporte para que ele se retire do local para onde foi levado, não havendo outros meios de sair em condições seguras, devido às dificuldades de ordem econômica ou física na região” (Figueira, 1999: 192).

Contudo, e mesmo com medidas de reforço voltadas para a punição dos

infratores, discutidas no seminário “Trabalho Escravo Nunca Mais” em agosto

de 1994, os problemas não foram superados e as críticas sobre a impunidade

continuaram. Segundo Ricardo Rezende Figueira (1999), a Instrução não foi

capaz de impor um entendimento acerca do que era trabalho escravo rural,

continuando a cargo dos agentes governamentais. O autor relata que mesmo

quando as autoridades se mostravam empenhadas em fiscalizar, em ouvir

testemunhas e a CPT, acabava ocorrendo discórdias com relação às situações

encontradas. Os delegados do trabalho, assim como outras autoridades, não

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viam como trabalho escravo o trabalho obrigatório por dívida41, e algumas

vezes faziam vista grossa até mesmo para casos em que eram constatados

espancamentos e vigilância armada. Além de não constatarem as situações

como trabalho escravo, repreendiam a atuação da CPT, que era quem

geralmente fazia as denúncias.

Segundo o autor, três razões centrais poderiam explicar a inefetividade

de medidas como a Instrução Normativa, mas uma com maior destaque:

novamente, a omissão e os interesses particulares dos agentes

governamentais. Figueira reconhece que o medo era um fator importante, na

medida em que a violência no campo era extremada e os agentes ficavam

receosos de investigar e punir fazendeiros escoltados por jagunços e pequenas

milícias particulares. O autor também reconhece que a falta de estrutura física

e pessoal para realizar as fiscalizações e tomar as medidas punitivas cabíveis

era precária, situação que só foi melhorar um pouco após a criação do Grupo

Móvel de Fiscalização em 1995. Contudo, para o autor, assim como vinham

apontando a CPT e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra desde o início

de 1985, o fator imperante era a omissão, a falta de vontade política, ou os

interesses particulares dos agentes governamentais.

Muito embora essa crítica sobre a omissão estivesse presente, como já

vimos, desde 1985 entre os relatórios da CPT e do Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra; e, muito embora a insistência sobre essa tecla para

41

Em encontros organizados pelo Ministério Público do Trabalho dos estados do Espírito Santo e de São Paulo em 2012 e 2014, autoridades públicas presentes falaram sobre a dificuldade de definição e caracterização das situações que eram encontradas pelos auditores fiscais e delegados do trabalho nas fiscalizações feitas no período. Não se tinha um consenso na época (muito longe disso) de que o “trabalho degradante” ou a “servidão por dívida” eram situações de “trabalho forçado” e muito menos de “trabalho escravo”. Para muitos, não havia que se falar em “trabalho escravo” e sim em “trabalho forçado”; e este último somente seria detectável caso fosse constatada a violência e o impedimento de ir e vir. Tal entendimento, ainda que com alterações, permanece presente entre diversas autoridades públicas até os dias de hoje. No encontro realizado em 2014, o procurador do trabalho aposentado José Cláudio Monteiro de Brito Filho, que integrou as primeiras equipes de fiscalização móvel do trabalho escravo dos anos 1990, defende que nem naquela época e muito menos hoje em dia se pode falar em “trabalho escravo”, pois não há regime jurídico que o chancele. O que se teria seriam situações de “trabalho forçado ou análogo à de escravo” e situações de “trabalho degradante”. Segundo o procurador, não se poderia sair chamando qualquer situação degradante de “análoga à de escravo” se não constatado o impedimento de ir e vir ou a servidão por dívida. A lei precisaria especificar mais.

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pressionar o governo ao longo de todo o período 1985-1995 não tenha

repercutido em medidas institucionais efetivas de punição e de erradicação do

trabalho escravo rural, ela foi importante por ocasionar mudanças no jogo

político de intereses. Ela desencadeou uma mudança fundamental na atuação

política da CPT, principalmente a partir dos anos 1990, que, por sua vez, levou

a uma transformação do quadro de forças a pressionar o governo por medidas

mais efetivas, resultando no reconhecimento público do problema em 1995 e

na abertura de um novo período ou momento (1995-2002) das políticas

governamentais voltadas para a erradicação do trabalho escravo rural.

Entre 1985 e início dos anos 1990, a CPT, como já visto em algumas de

nossas citações, fala recorrentemente na questão da omissão e dos interesses

desviantes dos agentes governamentais como sendo as causas centrais da

inocuidade das medidas que vinham sendo implementadas e, por conseguinte,

da manutenção do trabalho escravo rural. Ao mesmo tempo, contudo, a CPT

também procurava manter (ou não perdia de vista) uma interpretação sistêmica

acerca do trabalho escravo rural, que tem como causa central a expansão do

sistema econômico capitalista sobre o campo e não os desvios de

comportamento de alguns agentes governamentais. Em outras palavras, no

período em questão, a CPT mantém uma narrativa e uma crítica conflitiva entre

esses dois tipos de explicação para a persistência do trabalho escravo rural.

Diferentemente do que mostrava a carta pastoral de Casaldáliga, bem

como o caráter oposicionista do clero progressista no início dos anos 1970, o

posicionamento e as críticas da CPT entre 1985 e 1990 não sustentavam mais

um argumento “puramente” sistêmico ou estrutural. A conjuntura política que se

abriu com o fim do regime militar e com a emergência de novos atores

políticos, passou a chamar a atenção da entidade para diversos elementos,

como o conflito de interesses e seus impactos sobre a criação e funcionamento

das instituições. Não se tratava mais de apenas mostrar a funcionalidade das

instituições para um sistema econômico, de forma “profético-fatalista”, abstrata

e impessoal, muito embora esse olhar se mantivesse de alguma forma em

diversos de seus relatórios do período. Mas agora se adicionava uma visão

mais micro das relações econômicas e políticas, uma preocupação em “dar

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nomes”, em identificar agentes estatais e seus interesses particulares, e

pressionar as instituições democráticas por mudanças.

Parecia que a CPT começava a passar por um conflito interno, que

resultaria em parcerias com organizações e movimentos mais

institucionalizados. Afinal, continuaria sendo essencial eliminar a expansão

capitalista no campo e suas defesas jurídicas, sem se deixar cair na “ilusão de

que o Estado brasileiro podia promover transformações” através de suas

instituições (CPT, 1989: 19)? Ou as instituições, assim como as leis, poderiam

até serem efetivas caso alguns agentes conservadores (juízes, delegados,

procuradores, legisladores e outros) fossem substituídos, ou caso alguns

desses agentes atuassem de forma progressista? Por isso a necessidade de

apontar e de denunciar os agentes “desviantes”, de fazer com que os

interesses dos trabalhadores rurais chegassem às instâncias decisórias, e de

exigir que as instituições democráticas fizessem seu papel?

“Não é nos governantes e tecnocratas que colocamos nossa esperança. Confiamos no crescimento da força dos pobres. Mas um governo democrático poderia colaborar um pouquinho mais, poderia jogar algumas escadas para os pobres saírem do fundo do poço que ele mesmo está cavando cada vez mais. Afinal, é preciso que ele dê contas de suas responsabilidades. Sem isso, ele ficará responsável pelos sofrimentos, violências e mortes que se multiplicam no campo e nas cidades. Esperamos que a sociedade, a imprensa, os partidos, as entidades de trabalhadores encontrem aqui material para refletir e agir; reconhecer as coisas que estão brotando do chão para apoiá-las; usar todos os meios para combater a degradação humana a que os pobres estão sendo violentamente jogados. Aumentar as cidades é inviável. Viver no campo é um direito!” (CPT, 1991: 4)

Os relatórios anuais da CPT desse período podem ser vistos como

demonstrativos desse conflito e embrionários de um novo posicionamento a

partir dos anos 1990: se não é mais possível interromper o avanço do

capitalismo no campo, que ele seja amenizado ou controlado por medidas de

proteção aos trabalhadores rurais, e que os agentes governamentais e estatais

tomem “responsabilidade” e cumpram seu papel dentro do que se espera de

um regime democrático (ainda que capitalista), garantindo e defendendo o

respeito à “função social da propriedade” e à igualdade de direitos entre

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trabalhadores rurais e trabalhadores urbanos, como posto pela Constituição de

1988. Se antes as causas de todas as mazelas do campo se encontravam no

processo econômico de transformação estrutural do campo pelo capitalismo,

agora elas são encontradas, sobretudo, na impunidade, na atuação enviesada

dos agentes estatais, especialmente, dos juízes, que, ao contrário de

“zelar pela aplicação da lei, tem, com muita frequência, demonstrado parcialidade, deixando-se instrumentalizar por latifundiários ou por chefes políticos locais, agindo ativa e passivamente em defesa de uma estrutura fundiária concentradora de terras, de um lado, e de miséria, do outro” (CPT, 1992: 31).

Outro fator importante que se nota no novo posicionamento da CPT

sobre o trabalho escravo é o enfoque recorrente sobre a questão da violência.

Tal ênfase é perfeitamente compreensível quando vista a partir do contexto de

acirramento das lutas políticas no campo e do aumento do número de ameaças

e assassinatos de camponeses e trabalhadores rurais sem terra. Mas, ao

mesmo tempo, ela nos mostra o caráter estratégico da mudança de atuação

política que a CPT passa a apresentar a partir de 1990 ao tomar a

“impunidade” como o mal a ser combatido (vista como o resultado da omissão

dos agentes estatais) e ao recorrer aos órgãos internacionais de defesa dos

direitos humanos e do trabalho para denunciar tal omissão.

Dessa postura, ou melhor, desse enfoque na violência, resultam duas

consequências que se refletem de forma concreta nos acontecimentos políticos

a partir de 1992, com as denúncias aos órgãos internacionais, e após 1995,

com o reconhecimento público da existência de trabalho escravo e com a

formulação de medidas institucionais mais comprometidas com a questão.

A primeira consequência de se enfatizar a questão da violência reside na

propagação de uma avaliação menos rigorosa acerca das “condições

propiciadoras” (que eram apresentadas por Casaldáliga em 1971 como

elementos tão ou mais característicos do trabalho escravo que a violência). Ou

seja, coloca-se em segundo plano a visão mais sistêmica sobre a exploração

do trabalho rural e sobre as suas transformações, e dá-se uma aproximação

com atores e organizações políticas que caracterizam o problema enquanto

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“trabalho forçado”, como um fenômeno particularizado e conformado pelo uso

da violência.

Embora o contato entre atores que possuem uma visão sistêmica com

atores que possuem uma visão particularizada tenha mudado também a

atuação dos segundos (como veremos nos relatórios da OIT nos anos 2000), a

visão particularizada e do critério da violência se enraíza e perdura entre os

argumentos oportunistas de fazendeiros, empresários rurais e de autoridades

públicas até os dias hoje, que os utilizam para amenizar as situações

encontradas nas fazendas quando não se faz recurso à violência.

A segunda consequência, por outro lado, de se enfatizar a questão da

violência é a sua possibilidade, justamente em função do contato e do jogo

político com outros atores e visões políticas, de se ter um olhar mais micro dos

conflitos e, com isso, uma visão mais apurada acerca das possiblidades de luta

pela via institucional, bem como das oportunidades estratégicas de influenciar

ou mudar a visão de outros atores.

O resultado mais visível da mudança de ênfase ao se falar no trabalho

escravo (com ênfase no trabalho forçado ou violência) foi a conquista de apoios

institucionais42 que ajudaram a pressionar o governo43 a tomar medidas. Uma

das aproximações importantes se deu com a Organização Internacional do

Trabalho (OIT), que, como demonstrou Ivan Ervolino (2011) vinha sendo capaz

de pressionar os governos signatários de suas convenções e, com isso,

exercer impactos significativos sobre a produção de leis internas para diversas

questões relacionadas ao trabalho, inclusive para o que a Organização

chamava de “trabalho forçado”.

42

Em 1992, a CPT foi convidada pela Federação Internacional dos Direitos Humanos para fazer um pronunciamento sobre o trabalho escravo na Subcomissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra; em 1993, é convidada pela Diretoria da OIT no Brasil para iniciar um trabalho conjunto; e, em 1994, é convidada pela Anti-Slavery International a reiterar as denúncias de trabalho escravo na 19ª Sessão do Grupo de Trabalho sobre Formas Contemporâneas de Escravidão nas Nações Unidas (Figueira, 1999; BRASIL/SDH, 2013).

43 Em 1992, a OIT, em sua conferência anual, cobra explicações do Governo brasileiro acerca

das diversas denúncias encaminhadas a ela desde 1985 e apresenta dados relativos a 8.986 denúncias de trabalho escravo no Brasil. E, ainda em 1992, a Central Latino-Americana de Trabalhadores apresenta reclação contra o Brasil por inobservância das Concenções 29 e 105 da OIT (BRASIL/SDH, 2013).

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É esse o quadro que podemos ver a partir de 1992, quando a CPT, com

outros atores políticos, encaminham denúncias para os organismos

internacionais de defesa dos direitos humanos44; realizam fóruns de discussão

que conseguiram recuperar, ao menos no plano formal das medidas, um

entendimento mais sistêmico e estrutural do trabalho escravo (como foi o caso

da Instrução Normativa Intersecretarial nº1 de 1994); e abrem caminho para

um novo período de políticas.

A utilização do termo “trabalho escravo”, mas com sentido de “trabalho

forçado”, ou com ênfase na violência, torna-se uma estratégia política para

chamar atenção dos órgãos internacionais e, com isso, pressionar o governo

brasileiro a se comprometer com a efetivação de suas próprias medidas. É

como se a utilização do termo “trabalho escravo” com sentido sistêmico não

fosse capaz de gerar pressão e nem de resultar em políticas governamentais,

constituindo apenas uma pressão “inócua” e muito “academicizada”. O

importante era sair da inércia e da inoperância, dado o grau que atingia a

violência no campo. Tanto é assim que as Convenções da OIT (que

enfatizavam a violência) foram, e ainda são, as medidas mais mobilizadas por

diferentes atores políticos para reivindicar ações do governo, como se fossem

medidas protocolares; e as denúncias encaminhadas entre 1992 e 1994 aos

órgãos internacionais, diziam sempre respeito a casos de trabalho escravo

marcados pela violência, como foi o famoso “Caso José Pereira”, cuja

repercussão levou o Brasil a admitir a existência de trabalho escravo em suas

fazendas e a se comprometer politicamente com a elaboração e

implementação de medidas voltadas para a erradicação do trabalho escravo,

inaugurando um novo período de medidas institucionais.

44

Em 1992 e novamente em 1994, a CPT, junto das ONGs Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e Human’s Rights Watch, encaminham denúncias de trabalho escravo à CIDH-OEA; além de reiterar, também em 1994 as denúncias na ONU.

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2.4 – Reconhecimento público e as limitações institucionais (1995-

2002)

O período de políticas que se inicia em 1995, com o reconhecimento e

comprometimento público da existência do trabalho escravo no país pelo

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, representa um passo à

frente significativo com relação ao período anterior. Ele é marcado por um

maior comprometimento e responsividade do governo federal às pressões

internacionais dos órgãos de defesa dos direitos humanos e do trabalho, por

um envolvimento de mais instituições estatais, internacionais e da sociedade

civil na formulação e implementação das medidas, pelas primeiras

desapropriações e condenações, pelas primeiras leis delimitando o crime de

trabalho escravo, pela elaboração de um plano nacional com objetivos, metas e

prazos a serem cumpridos pelas instituições e, principalmente, pela elaboração

de relatórios mais sistemáticos por parte do governo, que permitiram uma

maior transparência e avaliações mais detalhadas sobre as limitações ou

deficiências das políticas implementadas.

A partir das avaliações e das críticas que foram dirigidas às políticas do

período, contudo, a tônica da inefetividade se mantém. Ainda que se reconheça

os avanços com relação ao período anterior, aponta-se que as políticas entre

1995 e 2002, de modo geral, não foram capazes de reprimir o uso do trabalho

escravo rural, obtendo apenas resultados pontuais e dispersos, sem efeitos

generalizados. A diferença das críticas, agora, é que elas enfatizam não

apenas a questão da omissão e dos interesses enviesados de agentes

governamentais particulares (foco das críticas feitas às políticas do período

anterior), mas também a questão das deficiências de caráter institucional como

sendo responsáveis pela inefetividade. A ideia que se passa é que, se

determinados agentes estatais atuam de modo desviante, fazendo vista grossa

às violações dos direitos dos trabalhadores rurais, é porque as instituições

ainda são frágeis e dão abertura para tal comportamento.

A conclusão das avaliações e críticas, portanto, acaba apontando para a

necessidade de reformas e de fortalecimento das instituições políticas.

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Primeiramente, seria preciso formular leis precisas sobre o que é trabalho

escravo rural, para evitar manipulações das leis. Definidas as leis, seria

necessário delimitar que instância do Judiciário deve ter competência para

julgar os casos de trabalho escravo, para evitar as remessas estratégicas

infinitas entre uma esfera e outra por conflito de competência, que alonga o

processo até a prescrição dos crimes. Seria preciso também instituir regras de

ação coordenada e conjunta entre as diversas instituições, para evitar conflitos

interinstitucionais e, com isso, a inoperância. Seria necessário, ainda, destinar

recursos e estruturas para que as ações de fiscalizações, investigações e

judiciais ocorressem sem demoras e obstáculos, e que garantissem a

segurança dos agentes e das vítimas. Por fim, seria necessário implementar

políticas sociais no campo, para evitar que o trabalhador escravo resgatado

não fosse novamente aliciado.

Contudo, juntamente com essas avaliações de caráter institucional, dá-

se um “renascimento” de posicionamentos mais críticos por parte da CPT, que,

já tendo conquistado maior capilaridade política entre as instituições estatais e

parcerias com os órgãos internacionais no período anterior, volta a associar a

falta de comprometimento político dos agentes e a inefetividade institucional a

um quadro maior de circunstâncias econômicas, marcado agora pelo

neoliberalismo e pelas políticas generalizadas de flexibilização dos direitos

trabalhistas. Tal reposicionamento político, como veremos, também encontrará

respaldo entre outros órgãos. A OIT, a partir dos anos 2000 se preocupa não

somente em realizar uma análise mais apurada acerca das condições

econômicas do país, como também não baseia mais suas definições e

caracterizações apenas sobre o critério da violência, ao menos para o caso

brasileiro, incorporando a “servidão por dívida” como uma forma de “escravidão

contemporânea”.

Esse reposicionamento crítico se reflete nos tipos de exigências feitas ao

governo federal. Há uma clara exigência por melhorias institucionais e,

novamente, por um maior comprometimento político do governo e dos agentes

estatais em diminuir a inoperância e a impunidade, mas aparecem também

propostas exigindo medidas que interfiram no poder econômico dos

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fazendeiros e empresários rurais. É neste período, por exemplo, que surgem

propostas voltadas mais para a “expropriação” do que para a “desapropriação”,

como a famosa PEC 438/2001, conhecida como “a PEC do trabalho escravo”,

que mostrará seus resultados apenas no período seguinte (2003-2012).

Vejamos essas considerações, agora, em mais detalhes, através da

descrição das políticas implementadas entre 1995 e 2002, e depois através da

descrição das avaliações direcionadas a essas políticas.

Tabela 3 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (1995-2002)

Ano Medida

1995 Criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)

Criação do Grupo Executivo para Erradicação do Trabalho Forçado (GERTRAF)

1997 Fernando Henrique Cardoso assina a desapropriação da Fazenda Flor da Mata, em São

Félix do Xingu, no Pará

1998

Lei do Trabalho Escravo, que alterou os artigos 132, 203 e 207 do Código Penal, que

compõem a chamada "cesta de crimes" relacionados ao trabalho escravo

Justiça Federal, primeiro grau, faz a primeira condenação de um fazendeiro (Antonio

Barbosa de Melo) por trabalho escravo

Governo desapropria mias três fazendas, duas no Pará e uma em Goiás

2002

Comissão Especial no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,

do Ministério da Justiça, que resultou, em 2003, no I Plano Nacional de Erradicação do

Trabalho Escravo

PNDH II – Meta 396: determina a continuação da implementação das Convenções 29 e

105 da OIT; Meta 403: sensibilização dos juízes federais para a necessidade de manter

no âmbito federal a competência para julgar crimes de trabalho forçado.

Instituída a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE),

no âmbito do Ministério Público do Trabalho

Instituiu o seguro-desemprego especial para os comprovadamente resgatados de

situações nas quais fossen explorados em trabalho forçado ou condição análoga à de

escravos

Após ter reconhecido publicamente a existência de trabalho escravo no

Brasil e ter se comprometido a tomar as medidas necessárias para erradicá-lo,

o presidente Fernando Henrique Cardoso deu início a um conjunto de medidas

voltadas para quatro objetivos: integração institucional (desde o debate até a

sentença judicial); fiscalização e punição; superação da omissão do Judiciário;

e reinserção social dos trabalhadores resgatados (Figueira, 1999).

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Dentre as medidas de integração institucional, o governo criou três

medidas centrais: o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)45 e o Grupo

Executivo para Erradição do Trabalho Escravo (GERTRAF)46, ambos em 1995;

a Comissão Especial no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa

Humana (CDDPH) do Ministério da Justiça47, em 2002; e a Coordenadoria

Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), no âmbito do

Ministério Público do Trabalho, também em 2002.

O GERTRAF integrava o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com

diversos outros ministérios48, assim como com a OIT, com o objetivo central de

implementar ações articuladas entre as várias áreas do governo, desde a

elaboração e fiscalização até a coordenação de um programa integrado de

repressão ao trabalho forçado; e também com o objetivo de propor atos

normativos que fossem necessários para a implementação do programa

elaborado. Como braço operacional, o GERTRAF teria o GEFM, que, por sua

vez, integraria as ações do MTE com os Ministérios Públicos (Federal e do

Trabalho), com a Polícia Federal e com as Delegacias Regionais do Trabalho

(DRTs), para centralizar o comando das operações de fiscalizações e garantir a

padronização dos procedimentos (padronização esta que iria desde a

caracterização do que é trabalho forçado até as ações cabíveis se constatados

o crime).

O GEFM, mais especificamente, pode ser visto como a principal ou mais

importante medida do período e dos dias atuais também (claramente com

algumas mudanças), na medida em que se tornou o autor por excelência das

operações de fiscalização. Sua existência conformou uma espécie de “quadro

protocolar” das operações de fiscalizações, através do qual se convencionaram

45

Portarias nº 549 e 550, de 14 de junho de 1995, do Ministério do Trabalho e Emprego.

46 Decreto 1.538, de 27 de junho de 1995. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1995/decreto-1538-27-junho-1995-435619-ublicacaooriginal-1-pe.html.

47 Resolução nº 5, de 28/01/2002.

48 Com o Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério da Justiça; Ministério do Meio

Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária; Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.

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as condições mínimas necessárias para que as operações pudessem de fato

ocorrer. Em primeiro lugar, as fiscalizações não poderiam mais ser feitas por

um único agente ou agência governamental, como era antes através dos fiscais

ou delegados das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs). Agora, cada

operação compreenderia, no mínimo, a presença de 3 fiscais do trabalho, 1

médico, 1 engenheiro, agentes da Polícia Federal e, eventualmente,

representantes dos Ministérios Públicos, do IBAMA, FUNAI e outros, além de

também poderem convidar representantes de outras entidades privadas ou

públicas. Tratava-se não apenas de uma questão de segurança, mas de união

e integração de esforços de diferentes agências estatais, e também uma

questão de efetividade, na medida em que imprimia maior rapidez aos trâmites

necessários ao constatar os flagrantes, e ao passo que não se confiava a

apenas um agente a responsabilidade de dizer e relatar o que foi encontrado.

Em segundo lugar, as fiscalizações recebiam uma espécie de roteiro de

como proceder, de forma a padronizar as operações e evitar erros e

contestações, bem como relatos distorcidos acerca do que foi encontrado.

Nesse sentido, a principal forma de padronização do GEFM residia no prévio

estabelecimento do que deveria ser procurado pelos fiscais durante as

operações, ou do que deveriam ser considerados indícios de trabalho forçado,

que, por sua vez, listava não apenas o critério da violência, mas também as

“condições propiciadoras”. Assim, o Grupo deveria procurar e registrar (por

meios escritos e audiovisuais): o número de trabalhadores encontrados sob

situação de trabalho forçado; as condições de trabalho; a existência de pontos

de venda de alimentos, medicamentos e de equipamentos de segurança no

trabalho dentro da fazenda; cadernetas ou registros de dívidas dos

trabalhadores para com os “gatos” e proprietários; a existências de armas na

fazenda; a constatação ou relatos de vigilância armada, bem como de violência

física e omissão de socorro.

Em terceiro lugar, por fim, já no ato da fiscalização, o Grupo poderia

fazer as autuações necessárias, exigir o pagamento de verbas rescisórias e de

dívidas do empregador com os trabalhadores, acertando tudo na hora, e

resgatar os trabalhadores que quisessem sair da fazenda. Logo após a

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fiscalização, o Grupo ficaria responsável por produzir um relatório da operação

a ser encaminhado aos MPFs e MPTs para a propositura de ação judicial nos

seus respectivos âmbitos de competência, em casos de “fortes indícios” de

trabalho forçado. Para isso foi sancionada, mais tarde, em 1998, a “Lei do

Trabalho Escravo”49, que alterou os artigos 132, 203 e 207 do Código Penal,

que compõem a hoje chamada "cesta de crimes" relacionados ao trabalho

escravo (exposição da vida ou a saúde das pessoas a perigo direito e iminente;

frustrar direito assegurado pela legislação trabalhista mediante fraude ou

violência; aliciar trabalhadores e conduzi-los de uma para outra localidade

mediante fraude).

As outras medidas voltadas para a integração institucional, por sua vez,

a Comissão Especial da CNDDPH do Ministério da Justiça, bem como a

Coordenadoria Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE)50,

procuravam unir esforços entre as agências estatais e as entidades da

sociedade civil, promovendo debates, relatórios, programas nacionais de

enfrentamento ao trabalho escravo, e projetos de lei e de emenda

constitucional voltados para a normatização, tipificação penal e reinserção

social dos trabalhadores resgatados. A Comissão Especial do Ministério da

Justiça, por exemplo, contou com a participação de 35 agentes, vindos de

diversas áreas do governo e da sociedade civil, unidos na elaboração do I

Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 2003 no

período seguinte51.

No plano das medidas voltadas especificamente para a fiscalização e

punição, o governo apresentou duas medidas, o próprio GEFM e a Lei do

49

Lei nº 9.777, de 29 de dezembro de 1998.

50 Portaria 231, de 12/09/2002.

51 Dentre os participantes estavam agentes da Polícia Federal Rodoviária, do Instituto Brasileiro

do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justa, do MTE, do MPF, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da CPT, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (José de Souza Martins), do MPT, do INSS, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, da OIT, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e da OAB.

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97

Trabalho Escravo de 1998. O GEFM mostrou seus primeiros resultados entre

1997 e 1998, quando os seus relatórios de fiscalização serviram de base para

que o governo federal realizasse as primeiras desapropriações de terra por

causa de trabalho forçado, e para que a Justiça Federal de 1ª instância

realizasse a primeira condenação de um fazendeiro por trabalho forçado52. Em

todos os casos, as situações descritas pelos relatórios de fiscalização

envolviam aliciamento de trabalhadores com falsas promessas, mecanismos de

endividamento dos trabalhadores, descontos e retenções de salários, e a

presença de vigilância armada. A Lei do Trabalho Escravo, por seu turno,

buscou tipificar e aumentar a pena para a “cesta de crimes” que envolvem o

trabalho escravo: a exposição da vida ou a saúde das pessoas a perigo direto e

iminente; frustrar direito assegurado pela legislação trabalhista mediante fraude

ou violência; aliciar trabalhadores e conduzi-los de uma para outra localidade

mediante fraude.

No que tange à omissão e inoperância do Poder Judiciário, o governo

lança em 2002 o II Plano Nacional de Direitos Humanos, estabelecendo metas

(401 e 403) para “sensibilizar” os juízes com relação ao trabalho escravo e

diminuir o conflito de competência utilizado por eles para não julgar os crimes

que chegam às suas mãos; e metas voltadas para uma nova redação do artigo

149 do Código Penal, de forma a tipificar mais precisamente o que é o trabalho

escravo, e assim evitar os conflitos de interpretação que também dificultavam o

andamento dos processos e o sentenciamento de uma pena (meta 405).

A necessidade de sensibilizar os juízes é um ponto permanente e dos

mais importantes nesse quadro, na medida em que o descaso ou desinteresse

dos juízes em não julgar e ao julgar os casos de trabalho escravo, é problema

que se estende para o período seguinte das políticas de erradicação e até os

dias de hoje. No período anterior das políticas, alguns atores sociais criticaram

52

Em 1997, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto de 28/11/1997, desapropriando a Fazenda Flor da Mata no Pará (Folha de São Paulo, 28/11/1997). E em 1998, assina mais um decreto (Decreto de 13/05/1998), desapropriando mais duas fazendas no Pará e uma em Goiás (Folha de S. Paulo, 14/05/1998). Ainda em 1998, a Justiça Federal de 1ª instância condena o fazendeiro e proprietário Antônio Barbosa de Melo pela prática de trabalho escravo (Folha de S. Paulo, 24/02/1998).

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a atuação do Judiciário, especialmente da Justiça Trabalhista, por ela agir em

nome de fazendeiros e grandes latifundiários, tornando-se mais um “segurança

particular” de seus interesses do que propriamente defensor dos direitos

trabalhistas.

Por fim, no que tange à preocupação com a reinserção social do

trabalhador resgatado, o governo instituiu o seguro-desemprego especial para

os comprovadamente resgatados de situações nas quais fossem explorados

em trabalho forçado ou condição análoga à de escravos53, de forma a evitar o

ciclo da exploração e casos de reincidência.

Com isso, é possível perceber que as políticas implementadas entre

1995 e 2002 constituíram um passo à frente com relação às políticas do

período anterior, na medida em demonstraram um maior comprometimento

político com o problema, preocuparam-se em dar respostas às pressões

exercidas pelos órgãos internacionais e nacionais de defesa dos direitos

humanos e do trabalho, tentaram integrar diversas agências estatais em ações

conjuntas para evitar a omissão ou o comportamento “desviante”, e mostraram

uma maior transparência e publicização das medidas e dos resultados que elas

vinham apresentando. Foi justamente em função deste último ponto que foi

possível engrossar o corpo das avaliações e das críticas direcionadas às

políticas governamentais, no que podemos encontrar relatórios não somente da

CPT e organizações de trabalhadores, mas agora também das próprias

instituições estatais, como do Ministério Público Federal e do Ministério Público

do Trabalho, além dos relatórios conjuntos produzidos pela OIT em parcerias

com o governo e com a CPT. Vejamos alguns pontos centrais dessas

avaliações e o que elas podem significar para o jogo político, em termos da

continuação das políticas, e em termos do entendimento do trabalho escravo

rural.

Como já dissemos, a ênfase generalizada das críticas presentes nos

diferentes relatórios produzidos sobre as medidas implementadas no período

recai, sobretudo, nas limitações institucionais e na sua consequente

53

Lei nº 10.608, de 20/12/2002.

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incapacidade de controlar os comportamentos “desviantes” dos agentes

estatais. Neste ponto, as fontes de descontentamento são diversas, no que

abordaremos, sobretudo, os relatórios e publicações da CPT, OIT, MPF e OEA.

A CPT (1997: 58), bem no início do período, já se preocupava em relatar

e criticar as limitações das medidas institucionais até então implementadas. Em

seção intitulada “Limites do governo brasileiro na luta contra o trabalho

escravo”, a CPT se dedicou a avaliar particularmente a atuação do GEFM,

apresentando seus aspectos positivos e negativos. Dente os aspectos

positivos, a CPT elogiou as “operações de fiscalização bem articuladas, rápidas

e eficientes nas grandes fazendas" realizadas pelo Grupo no sul do estado do

Pará entre 1996 e 1997. Dentre os aspectos negativos, destacou um conjunto

de problemas inter-relacionados, como: a falta de estrutura, a falta de

coordenação entre as agências e agentes, as fortes pressões políticas

exercidas sobre o Grupo, e o problema da “prescrição” dos crimes e da demora

do Judiciário para julgar os casos envolvendo trabalho escravo, aumentando a

impunidade.

No que tange à falta de estrutura, a CPT, assim o Ministério Público

Federal (BRASIL/MPF, 2002), reclama da ausência de uma equipe da Polícia

Federal própria (selecionada e formada) para acompanhar o GEFM, bem como

a ausência de seus delegados nas operações, o que acabava dificultando

“muito a qualificação penal do trabalho escravo e a instauração do inquérito

policial”. Com relação à questão de coordenação, a CPT apontou que o GEFM

atuava muitas vezes sem coordenação com as equipes das Delegacias

Regionais do Trabalho (DRTs), “inclusive por rivalidade e oposição”. As DRTs

realizavam fiscalizações independentes do Grupo Móvel e que se mostravam

posteriormente inefetivas, dado que as fazendas por eles fiscalizadas

acabavam sendo alvo de novas denúncias de trabalho escravo. No que tange

às pressões políticas, a CPT aponta que, agravada a situação em função da

falta de equipe da Polícia Federal para acompanhar as operações, e dadas as

relações de proximidade das DRTs com os fazendeiros e políticos, o Grupo

ficava sujeito a todo tipo de pressão política, exercida tanto no momento das

fiscalizações, quanto em manifestações da Câmara dos Deputados. Entre os

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fazendeiros e políticos se encontravam, sobretudo, aqueles que já haviam

sofrido algum tipo de intervenção, como no caso da Fazenda Flor da Mata, que

estava em vias de ser desapropriada pelo governo, e políticos que viriam a ser

acusados por trabalho escravo, como o deputado federal João Ribeiro54. Por

fim, no que tange à lentidão judicial e à prescrição dos crimes, a CPT apontava

que “os processos criminais sobre trabalho escravo (art. 149 do Código Penal)

são, muitas vezes, arquivados antes de chegar ao julgamento e, às vezes,

mesmo antes da denúncia ou da pronúncia, devido à prescrição”.

A crítica da CPT sobre a inoperância das instituições e sobre as

pressões exercidas por fazendeiros e políticos também aparecem em relatórios

da OEA e da OIT no período. O “Relatório sobre a situação dos direitos

humanos no Brasil” da OEA, em 1997, fala na atuação de

“juízes e promotores cerceados pelas complexidades de um sistema processual inoperante e pelo temor de represálias, caso tomem decisões judiciais mais efetivas; autoridades federais distantes e com um interesse objetivo inconstante a respeito do problema, sempre adotando medidas débeis e ineficientes” (OEA, 1997: 132 apud Figueira, 1999: 184-185).

A OIT, por sua vez, acrescenta aos fatores “inoperância” e “pressão

política”, o fator do “dois pesos duas medidas” para falar que as punições,

quando ocorrem, não atingem quem deveria ser atingido:

“embora em 1999 mais de 600 pessoas tenham sido resgatadas de condições de trabalho forçado por equipes do Grupo de Fiscalização Móvel, no mesmo ano só se registra a prisão de duas pessoas responsáveis por esse tipo de trabalho. Embora o governo tenha mencionado a necessidade de sanções realmente severas [fazendo menção à declaração de Fernando Henrique Cardoso ao desapropriar fazendas em 1998] nada indica que isto esteja acontecendo. A impunidade desfrutada pelos responsáveis, a lentidão dos processos judiciais e a falta de coordenação entre órgãos governamentais acabam favorecendo os infratores no Brasil e em outros lugares. Além

54

“A Justiça Federal de Marabá comunicou, no dia 22 de agosto de 1997, a relação de 11 processos criminais ligados à prática de trabalho escravo nas fazendas fiscalizadas: dos 11, 7 processos foram arquivados por prescrição, e um não foi cadastrado. Só 3 estavam em andamento”. [...]. A situação dos processos de trabalho escravo que foram iniciados na Justiça comum, é ainda pior. Não temos conhecimento de nenhum julgamento. Todos os processos estão paralisados, principalmente na Comarca de Santana do Araguaia. Alguns desapareceram, como por exemplo o processo da Fazenda Arizona na Comarca de Redenção” (CPT, 1997: 60).

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disso, nos poucos casos de condenação dos responsáveis por esse tipo de delito, trata-se, ao que parece, de intermediários ou de pequenos proprietários, ao invés de donos de grandes fazendas ou empresas” (OIT, 2002a: 43)

Nos anos seguintes, a CPT torna a apontar as limitações institucionais,

dizendo existir um “verdadeiro recuo político” ou um esfriamento da vontade

governamental de acabar com o trabalho escravo (CPT, 1999: 65). Os

problemas relacionados à falta de recursos, de coordenação, de pressões

políticas e da prescrição dos crimes se mantêm (CPT, 1999, 2000, 2001), mas

agora acrescidos de conflitos sobre a competência entre Justiça Federal e

Justiça comum para julgar os casos de trabalho escravo, da inefetividade da

condenação feita pela Justiça Federal em 1998, bem como das

desapropriações feitas pelo governo em 1997 e 1998, do valor das multas

aplicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e os acordos que ele realiza

com os fazendeiros.

Com relação ao conflito de competência, preocupação também presente

entre os relatórios de atividades do Ministério Público Federal de 2001 e 2002,

a CPT (1999, 2000, 2001) aponta que o Judiciário tem se resguardado na

questão da indefinição e das dúvidas quanto a esfera que deve julgar os crimes

de trabalho escravo para postergar ad infinutum os processos, num jogo de

remessas e de retornos entre um vara e o outra, levando à prescrição e à

impunidade. Em 2000, a CPT relata o caso específico da Fazenda Flor da

Mata, que havia sido desapropriada pelo governo em 1997, e que respondia

processo criminal na Justiça Federal de 1ª instância. Segundo a CPT, a

decisão da Vara Federal representou um “gravíssimo retrocesso”, pois o

processo já se encontrava em fase de alegações finais quando o juiz federal se

declarou incompetente para julgar o caso, enviando-o para a Justiça comum,

no que o processo voltou “à estaca zero”.

Durante a I Jornada de Debates sobre Trabalho Escravo, realizada pela

OIT em setembro de 2002 nas dependências do Superior Tribunal de Justiça

(STJ), diversas autoridades se manifestaram acerca da questão do conflito de

competência que vinha se travando dentro do Poder Judiciário, e afirmaram a

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importância e necessidade de levar os crimes de trabalho escravo à Justiça

Federal. Para o Presidente do STJ, o ministro Nilson Naves, o conflito de

competência não podia ocorrer, na medida em que a própria Constituição de

1988 já determinava que os crimes contra os direitos humanos deveriam ser

julgados pela Justiça Federal. Segundo o ministro,

“nenhum membro do Poder Judiciário pode ficar indiferente a este grave problema ou deixar de pautar sua atuação por total repúdio a este crime... Em caso de patentear-se a existência do crime, o julgador deve procurar a imposição da pena mais rigorosa, tendo em mente que, sendo a lei ruim, cabe ao juiz corrigi-la mediante uma sábia aplicação” (OIT, 2002c: 3).

Na mesma ocasião, o ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos

Ribeiro, aborda a questão não pela questão do comprometimento dos juízes,

mas a partir da “crise” institucional interna a qual o Poder Judiciário e o sistema

de justiça como um todo vinham passando, apontando para a necessidade de

reformas tanto nas leis relacionadas ao trabalho escravo quanto nas regras de

funcionamento e de competência para o seu julgamento e punição. Segundo o

ministro, seria preciso racionalizar a atuação do Judiciário, de modo a torná-lo

mais permeável, adequado e eficiente às demandas sociais. Em suas palavras,

“o sistema de administração da justiça no país vive uma crise (...) entre um conflito... medeia um procedimento confuso e, por vezes, bastante ineficaz, seja porque não profere decisões, seja porque, quando as profere, profere a destempo, de modo que a sociedade fica com a sensação de impunidade. (...). É um sistema que tem dificuldade em razões do número de protagonistas e de uma formulação quase obsessiva do formalismo processual, que nos leva muitas vezes a uma situação onde o custo da não-decisão é maior do que o custo de uma eventual decisão errada” (OIT, 2002c: 50-51).

No que tange às desapropriações feitas pelo governo federal, a CPT

(1999) aponta que a pena de desapropriação “virou piada: mais bem se tornou

um prêmio exorbitante” (CPT, 1999: 65). Neste caso, a CPT está fazendo

referência à primeira desapropriação feita pelo governo federal, a Fazenda Flor

da Mata. Aponta que, embora tenha sido o primeiro caso da aplicação dessa

pena em razão do trabalho escravo, o valor da indenização pago ao

proprietário pelo governo foi visto como demonstrativo do total

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descomprometimento do governo federal com a erradicação do trabalho

escravo, na medida em que pagou uma indenização superfaturada, no valor de

2,5 milhões de reais, quando o proprietário havia comprado a fazenda há três

anos antes pelo valor de 100 mil reais.

Por fim, uma das últimas limitações institucionais apontadas pelos

relatórios dizia respeito ao “simulacro de justiça” que eram as penas e os

acordos determinados pelo MTE nas fiscalizações, bem como as condenações

que estavam sendo feitas pelo Judiciário, quando os processos conseguiam

chegar a uma conclusão (CPT, 1999, 2000). Em 1998, como vimos, ocorreu a

primeira condenação por trabalho escravo e com apenas 10 meses corridos

entre a prática do crime e a sentença, quando o normal era o arquivamento dos

processos por prescrição dos prazos antes mesmo da denúncia ou da

pronúncia de uma sentença (Figueira, 1999). Contudo, a pena aplicada, como

ressalta a CPT, foi “a mera entrega de cestas básicas”. No que tange ao MTE,

aponta-se que as penas, assim como os Termos de Ajustamento de Conduta

aplicados pelo MTE eram insignificantes diante do poder econômico e político

dos fazendeiros e empresários rurais, aumentando os casos de reincidência e

mantendo o quadro de impunidade.

Para algumas dessas avaliações e críticas, contudo, o problema da

inefetividade das políticas do período não era de fundo completamente

institucional, mas também de fundo econômico. Essa percepção se observa, de

maneira geral, nas formas de caracterizar o trabalho escravo ou nos tipos de

diagnósticos feitos acerca da impunidade e das medidas que passam a ser

exigidas. A partir daqui, percebemos, sobretudo, mudanças importantes no

posicionamento de dois atores políticos igualmente importantes no cenário

histórico das políticas de erradicação do trabalho escravo rural, a CPT e a OIT.

Com relação à CPT, nós podemos observar um “retorno” às críticas de

caráter estrutural do clero progressista dos anos 1970, mas agora direcionados

ao neoliberalismo. No período anterior (1985-1994), a CPT enfatizou,

sobretudo, o critério da violência para caracterizar o trabalho escravo e

conseguir a atenção dos órgãos internacionais de direitos humanos e direitos

do trabalho, deixando de lado o apelo mais crítico e sistêmico acerca do que

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significava o avanço do capitalismo no campo. O intuito parecia ser o de entrar

no jogo institucional de forças políticas, marcar presença, e pressionar o

governo a tomar medidas que representassem os interesses dos trabalhadores

rurais no processo de redemocratização e que lhes garantissem direitos diante

do avanço do capitalismo.

No período em questão (1995-2002), no entanto, a CPT, já havia

conquistado apoios políticos importantes – como o da OIT, que tinha grande

legitimidade desde os anos 1930 no país (Ervolino, 2011) – e uma capilaridade

significativa entre as agências estatais. Ao analisar as razões da inefetividade,

destacou, para além das questões institucionais já vistas, o “capitalismo

selvagem” da era FHC e os seus impactos no campo, no que a CPT reassumiu

seu “apoio à luta pela mudança radical deste modelo neoliberal dominante”, de

forma a contribuir para a construção de um projeto popular” (CPT, 2001b: 2).

Esta luta não deveria abrir mão dos espaços institucionais conquistados,

exigindo melhorias e maior comprometimento político. Contudo, dever-se-ia

sempre ter em mente que as instituições, como o Judiciário, não são o ponto

final dos conflitos e não pautam sua atuação pela neutralidade, “seguindo

regras”, não bastando, portanto, reivindicar mais leis. O Judiciário faz parte do

jogo político. Não se poderia cair no “mito da neutralidade”, devendo-se sempre

levar em consideração que as reivindicações não seguem apenas pela via

institucional (CPT, 1995: 13).

Com relação à OIT, por sua vez, é possível observar uma mudança de

posicionamento em sua caracterização do que é o trabalho escravo,

ressaltando questões de fundo econômico e não apenas institucionais. Sua

definição “oficial” (através das Convenções) sempre foi de trabalho forçado e

continuou sendo no período em questão. Mas a caracterização do que pode

constituir trabalho forçado passa a abranger características outras, de caráter

econômico e sistêmico, que se aproximam da caracterização feita por

Casaldáliga durante os anos 1970. O ponto central dessa nova forma de

caracterizar o trabalho forçado no Brasil é através do que a OIT (2002a: 27)

chamou de “servidão por dívida”. Nesta caracterização, não é mais necessário

a presença ou a constatação da violência, nem que o trabalhador não tenha se

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oferecido voluntariamente para o trabalho. No Brasil, a questão da

voluntariedade do trabalhador não é um fator que permite identificar a situação

como de trabalho livre. É preciso olhar para o quadro estrutural econômico e

político que se impõe sobre trabalho e sobre as condições de vida no ambiente

rural. Segundo a OIT, a servidão por dívida no Brasil se explica em grande

medida pelo histórico de abandono dos problemas crônicos e estruturais, como

a questão da reforma agrária e do avanço das fronteiras agrícolas (OIT, 2002a:

96).

Um dos resultados mais visíveis da união de preocupações institucionais

com um entendimento mais estrutural acerca do trabalho escravo rural foi,

sobretudo, a exigência ou a formulação de medidas punitivas de impacto

econômico, voltadas para a expropriação (e não desapropriação), como é o

caso da famosa PEC 438/2001, e voltadas para o boicote econômico através

do corte de empréstimos públicos em caso de denúncias comprovadas pelas

fiscalizações, como é o caso da controversa “Lista Suja do Trabalho Escravo”.

Essas duas políticas serão implementadas, junto com outras exigidas até

então, no período seguinte, conformando um novo quadro no cenário das

políticas de erradicação do trabalho escravo.

2.5 – Políticas integradas, “consensos” e as contradições do direito

(2003-2012)

O período que se inaugura em 2003 se caracteriza por avanços

quantitativos e qualitativos nas políticas governamentais voltadas para a

erradicação do trabalho escravo rural. Políticas que surgiram no período

anterior, especialmente voltadas para a integração institucional e para as

operações de fiscalização, foram ampliadas e melhoradas; e os aspectos

problemáticos remanescentes das políticas passadas, bem como aqueles

ignorados por elas, passaram a ser alvo de novas medidas, voltadas não

somente para a melhoria institucional, mas também para medidas que

procuram atingir economicamente fazendeiros e empresários rurais

denunciados por trabalho escravo.

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No curso das avaliações e críticas feitas às políticas deste período,

encontramos um quadro diferenciado dos períodos anteriores. Sobretudo a

partir de 2005, o Brasil é reconhecido pela OIT como um país-exemplo no

combate ao trabalho escravo; e suas políticas governamentais são citadas e

comentadas em relatórios globais sobre o trabalho escravo e em outros

documentos produzidos pela OIT em parceria com o governo federal, com a

CPT e com organizações não-governamentais, como a Repórter Brasil, que

surge neste período como um ator político essencial para a produção de

relatórios e pesquisas, bem como para a publicização das fiscalizações e

processos judiciais envolvendo casos de trabalho escravo.

Para além dos pontos positivos, contudo, permanece nesses relatórios a

tônica da impunidade, resultante, sobretudo, de limitações institucionais e

processuais ou mesmo da omissão do Poder Judiciário com relação ao

trabalho escravo rural. Com isso, é comum encontrar a ideia de que é preciso

“sensibilizar” os juízes quanto ao trabalho escravo rural, para que os defeitos

existentes nas leis não lhes servissem de justificativa para não decidirem. Em

paralelo, também aparecem entendimentos cada vez mais abrangentes acerca

do trabalho escravo rural no Brasil, levando alguns relatórios e documentos a

analisar a política agrária encabeçada no período, bem como o avanço do

agronegócio sobre o campo. É na manifestação desses entendimentos mais

amplos, bem como em sua transformação em políticas concretas que

assistimos às reações recorrentes de parlamentares da bancada ruralista de

utilizarem até mesmo as medidas mais importantes do período, como a PEC

438/2001 ao seu favor, tendo o Judiciário aí um papel fundamental. Vejamos

isso de forma mais detalhada.

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Tabela 4 - Medidas Formais para o Trabalho Rural e para o Trabalho Escravo (2003-2012)

Ano Medida

2003

Lançamento do I Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo

Instituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), sob

coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos

Solução Amistosa com a CIDH-OEA: o caso José Pereira

Criação da relação de empregadores escravizadores, do Ministério da Integração

Nacional

Alteração do art. 149 do Código Penal, que trata do crime de redução da pessoa à

condição análoga a de escravo

2004 Aprovada PEC 438 em 1º turno na Câmara dos Deputados

Criação da Lista Suja do Ministério do Trabalho e Emprego

2005

Assinado um Termo de Cooperação entre MTE e MDS para priorizar a inserção dos

egressos do trabalho escravo no programa Bolsa Família

MDA e INCRA lançam seu próprio Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo

2006

STF (RE 398041) “pacifica” a controvérsia e reconhece a competência da Justiça

Federal para processar e julgar o crime.

MTE lança Agenda Nacional do Trabalho Decente

2007 Informe nº 105 do MDS, promovendo o termo de cooperação assinado com o MTE para

a inserção dos trabalhadores resgatados no programa Bolsa Família

2008 Lançado o II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo

2012

É aprovada a PEC 438 em 2º turno na Câmara dos Deputados

MPF cria um roteiro para a atuação do Grupo Móvel para evitar a impunidade.

Cria Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a exploração do trabalho

escravo ou análogo ao de escravo, em atividades rurais e urbanas, de todo o território

Em janeiro de 2003, a OIT, em parceria com a CPT, o Ministério Público

do Trabalho (MPT), a Procuradoria Federal dos Diretos do Cidadão (PFDC) e o

Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), organizam a

Oficina “Trabalho Escravo, uma chaga aberta”, no III Fórum Social Mundial em

Porto Alegre. Como marco de uma nova etapa no combate ao trabalho escravo

rural, a Oficina ampliou o entendimento acerca do problema, adotando de vez o

termo “trabalho escravo” e não mais “trabalho forçado”. Como já vimos, essa

mudança vinha se articulando nos próprios relatórios da OIT desde o período

anterior, quando a Organização passou a caracterizar a situação brasileira

como “servidão por dívida”, que seria uma modalidade de “trabalho forçado”,

anteriormente reconhecido apenas quando constatada a involuntariedade do

trabalhador ao aceitar o trabalho e o uso da violência para mantê-lo preso nele.

A partir dos debates travados na Oficina, a servidão por dívida se torna uma

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108

“nova forma de escravidão” ou simplesmente “trabalho escravo”, para resumir.

O entendimento e a caracterização do problema passam a abarcar questões de

caráter econômico, semelhantes aos de Casaldáliga e da CPT, que seria o

quadro essencial para se entender a exploração, a degradação ou a

escravização do trabalhador rural. As palavras do juiz do trabalho Hugo

Cavalcanti Melo Filho, presente na Oficina, ilustram bem esse “novo”

entendimento ou esse “renascimento” de uma compreensão mais ampla do

problema:

“Será que somente aqueles que estão a ferros, no interior do Tocantins e do Pará, aqueles que são impedidos de se retirar dessas fazendas, aqueles que se prendem a essa atividade por servidão por dívida, só esses seriam classificados? (...) Na minha avaliação, grande parte da população brasileira, dos trabalhadores brasileiros, se encontra em determinado estágio de servidão. Porque sempre que não se observam no Brasil, e em qualquer lugar, as regras mínimas de proteção do trabalhador, sempre que alguém no Brasil está trabalhando em condições inferiores àquele mínimo absoluto que é colocado pela lei trabalhista, eu não tenho dúvida de afirmar que eles estão em situação degradante e que ele está em estágio de servidão. Porque ninguém se submete a um trabalho dessa natureza se não for por extrema necessidade” (OIT, 2003: 33).

Essa compreensão mais ampla do problema se fará sentir, poucos

meses depois, na primeira medida governamental implementada no período,

que foi o lançamento do I Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo. Para além das preocupações recorrentes com questões de integração

institucional e de destinação de recursos e estruturas para a realização das

operações de fiscalização, o Plano estabelece uma série de outras metas

ressaltando a necessidade, por um lado, de punir mais energicamente

(atingindo o poder econômico de fazendeiros e empresários rurais) e, por outro,

de prevenir que os trabalhadores rurais fossem aliciados e escravizados. Nas

ações punitivas, o Plano fala, por exemplo, na inclusão dos crimes de trabalho

escravo na lei de crimes hediondos (Ação 6); na aprovação da PEC 438/2001

para que os proprietários fossem expropriados e não mais desapropriados e

indenizados (Ação 7); na inserção de cláusulas nos contratos das agências de

financiamento que impedissem a obtenção ou manutenção de crédito rural e de

incentivos de financiamento (Ação 9); novamente, na ação de sensibilização

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dos juízes federais e do trabalho para a aplicação de penas mais duras e

multas com valores mais altos (Ação 11). Nas ações preventivas, por sua vez,

o Plano aponta, por exemplo, a necessidade de inserção em programas sociais

do governo dos municípios de estados “fornecedores” e “receptores” desses

trabalhadores, como Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Tocantins e outros

(Ação 4). A intenção do Plano era a de efetivar o que no período passado havia

ficado no papel ou na intenção.

Os primeiros resultados concretos do Plano se deram já em julho de

2003, com a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho

Escravo (CONATRAE)55, responsável por acompanhar o cumprimento do

Plano Nacional e propor as alterações necessárias. Ela também deveria

acompanhar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional referentes

ao combate ao trabalho escravo; acompanhar e avaliar os projetos de

cooperação técnica firmados entre o governo e órgãos internacionais; bem

como propor a elaboração de estudos e pesquisas56 e incentivar a realização

de campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo. Para tanto, a

Comissão deveria abarcar e integrar diversos Ministérios e agências do

Estado57, assim como representantes de entidades privadas e não-

governamentais envolvidas no combate ao trabalho escravo.

Logo que a CONATRAE iniciou suas tarefas, o governo assinou, em 18

de setembro de 2003, o acordo de “Solução Amistosa” para o caso “José

Pereira” (CIDH/OEA, 2003), que havia levado o Brasil a ser denunciado na

CIDH-OEA e na ONU e, depois, a ter reconhecido publicamente a existência de

trabalho escravo no Brasil. No acordo firmado junto à CIDH-OEA, o Estado

brasileiro reconheceu sua responsabilidade diante da omissão de seus órgãos

e agentes, assumiu o compromisso de continuar com os esforços para o

55

Decreto de 31/07/2003.

56 Ver Apêndice 1 – Relatórios produzidos sobre o trabalho escravo rural entre 2003 e 2012.

57 A CONATRAE é integrada pelo Secretário Especial dos Direitos Humanos; pelos ministros

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Defesa, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, da Previdência Social, do Trabalho e Emprego; e por dois representantes do Ministério da Justiça, sendo um do Departamento da Polícia Federal e outro do Departamento da Polícia Rodoviária Federal.

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cumprimento dos mandados judicias de prisão contra os acusados,

comprometeu-se a implementar ações e propostas de mudanças legislativas,

bem como defender a competência da Justiça Federal para julgar os casos de

trabalho escravo, a realizar uma gestão conjunta ao Judiciário para garantir

punição aos infratores, e determinou o pagamento de uma indenização no valor

de 52 mil reais à vítima.

Após a assinatura da solução amistosa com a CIDH-OEA, o governo,

através do Ministério da Integração Nacional, cria, em 18 de novembro de

2003, a relação de empregadores e de propriedades rurais acusados e

fiscalizados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego por

trabalho escravo58. O objetivo era o de encaminhar semestralmente a relação

de empregadores aos agentes financeiros com a recomendação que se

abstenham de conceder financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência

com os recursos sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional para as

pessoas ou empresas constantes na lista. Em complemento, o Ministério do

Trabalho e Emprego criaria, mais tarde, em 15 de outubro de 2004, a famosa

“Lista Suja do Trabalho Escravo” 59, que tornava pública a relação de

empregadores. O empregador seria inserido na relação após encerrado o

processo administrativo no MTE em consequência de flagrante pelo Grupo

Móvel de Fiscalização. O nome seria mantido por dois anos e retirado quando

os débitos trabalhistas e multas fossem quitados, e desde que os

empregadores não reincidissem nas infrações. Com essa medida, o governo

recomendava uma espécie de boicote econômico e social aos fazendeiros e

empresários rurais acusados, na medida em que a relação funcionaria como

um selo de qualidade e de legalidade trabalhista dos empreendimentos rurais.

Abaixo, estão alguns dados referentes às atuações de fiscalização e as

inclusões na “Lista Suja”.

58

Portaria nº 1.150, de 18 de novembro de 2003, do Ministério da Integração Nacional.

59 Portaria nº 540, de 15 e outubro de 2004, do Ministério do Trabalho e Emprego.

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Tabela 5 - Operações de Fiscalização e Inclusões na "Lista Suja" do Trabalho Escravo (1995-2012)

Ano Operações Fazendas Trabalhadores Resgatados Inclusões na Lista Suja

1995 11 77 84 -

1996 26 219 425 -

1997 20 95 394 -

1998 17 47 159 -

1999 19 56 725 -

2000 25 88 516 -

2001 29 149 1.305 -

2002 30 85 2.285 -

2003 67 188 5.223 2

2004 72 275 2.887 22

2005 83 187 4.273 8

2006 103 199 3.308 12

2007 114 203 5.963 14

2008 158 301 5.016 20

2009 156 350 3.769 10

2010 142 310 2.628 43

2011 164 331 2.428 45

2012 62 119 952 104

Fonte: Tabela produzida a partir de dados do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho

SFIT/SIT/MTE.

Ainda no mesmo ano, em dezembro de 2003, é aprovada a lei que dava

nova redação do artigo 149 do Código Penal60, dando forma mais precisa à

tipificação do crime de trabalho escravo ao considerar a jornada exaustiva, a

restrição da liberdade em razão de dívida e o trabalho degradante como forma

de trabalho escravo, adequando a definição à realidade brasileira. Agora, o

entendimento mais amplo que se formava nos encontros e relatórios de

avaliação das políticas também é incorporado pela legislação.

Na ocasião da aprovação dessa medida, muitos parlamentares e

produtores rurais se manifestaram, recorrendo à Convenção nº 29 da OIT para

alegar que o conceito brasileiro de trabalho escravo estava contrariando a

Convenção, na medida em que esta apenas reconhecia o trabalho forçado em

caso de involutariedade do trabalhador para o serviço e do uso da violência

para mantê-lo (BRASIL/SDH, 2013). Assim, muito embora a OIT já tivesse

60

Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003 – Altera o art. 149 do Decreto-lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

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modificado seu entendimento e seus termos para caracterizar a situação da

exploração do trabalho no campo brasileiro, as regras que anteriormente eram

mobilizadas por defensores dos direitos dos trabalhadores rurais passam agora

a ser mobilizadas pelos acusados de explorá-los. O entendimento da OIT se

alterou, mas não suas convenções e a letra de suas normas, e isso se

repercute até mesmo em entendimentos e caracterizações feitas por juízes e

mesmo ministros do STF, que, como veremos, também acabam mobilizando as

Convenções para alegar a não existência de trabalho escravo rural no Brasil.

O ano de 2004 se abre com a violenta reação por parte de fazendeiros e

proprietários rurais contra as ações que vinham sendo tomadas pelo governo,

especialmente contra as operações de fiscalização do Grupo Móvel,

culminando no que ficou conhecido pela “Chacina de Unaí”. Na ocasião, três

auditores fiscais do trabalho e um motorista do Grupo Móvel foram

assassinados quando fiscalizavam fazendas de feijão em Unaí (MG) no dia 28

de janeiro de 2004. Segundo a CPT (2004), o quadro de violência que se

apresentou no campo em 2004 foi acentuadamente maior do que do ano

anterior, em parte em função do aumento das reivindicações por reforma

agrária, em parte pelos métodos contravertidos do governo em lidar com essas

reivindicações. Como veremos, mais adiante, a CPT passa, a partir de 2004, a

sustentar um olhar “decepcionado” e crítico com relação ao governo Lula, que

implementaria políticas contraditórias no campo: por um lado, ele fechava o

cerco contra os fazendeiros e proprietários rurais acusados de trabalho escravo

e, por outro, implementava políticas voltadas para a monocultura do

agronegócio (da cana, da soja e da pecuária) fortalecendo grandes

proprietários e não os pequenos proprietários e trabalhadores sem terra.

No mesmo ano, passados mais de 2 anos da sua data de apresentação,

a Proposta de Emenda Constitucional nº438 de 200161, de autoria do senador

Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada em 1º turno na Câmara dos

Deputados. Esta PEC, que ficou conhecida como a “PEC do Trabalho Escravo”

se tornou uma das principais bandeiras de reivindicação por medidas contra o

61

O texto integral da PEC pode ser encontrado em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=36162.

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113

trabalho escravo, ao passo que ela não falava em desapropriação com

indenização ao proprietário (como as que foram feitas no período anterior), mas

em expropriação, ocasionando a perda da propriedade sem qualquer

indenização. Assim sendo, a PEC também foi alvo de diversas mobilizações

por parte de fazendeiras e políticos.

Em pronunciamento na Câmara dos Deputados, no dia 2 de março de

2004, Severino Cavalcanti (PP-PE) faz apelo aos parlamentares, de modo a

“alertá-los” sobre os rumos do que pretendia a PEC do trabalho escravo:

“Ora, senhoras e senhores deputados. Vamos parar de hipocrisia, de fingir que somos a França, os Estados Unidos ou a Alemanha e que podemos acompanhar suas avançadas legislações trabalhistas. [...] Não vamos resolver os problemas do campo e do desemprego ameaçando produtores e fazendeiros com o confisco de terras no caso das muitas e controversas versões de trabalho escravo” (Pronunciamento do Deputado Federal Severino Cavalcanti na Câmara dos Deputados, 2/03/2004, apud CPT, 2004: 121).

No Senado, outro pronunciamento viria por parte do senador João

Ribeiro, na época julgado e condenado pela Vara do Trabalho de Redenção,

no sul do Pará, por trabalho escravo em sua Fazenda Ouro Verde, que pediu

as fiscais do trabalho “complacência para com aqueles homens rudes do

campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”.

Antes de ser aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados, a

proposta já havia recebido emendas, especialmente por parte da deputada

federal Kátia Abreu, que buscava garantir o “direito do contraditório” e o

respeito ao devido processo legal antes que as expropriações fossem

decretadas, de modo a não tornar a medida inconstitucional e não se cometer

injustiças com os fazendeiros e produtores rurais. A deputada defendia a

necessidade de as expropriações só serem realizadas após sentença judicial,

de modo a não tornar a emenda uma norma inconstitucional e injusta para

fazendeiros e produtores rurais, que poderiam não ter o direito de se defender,

ficando à mercê das interpretações dos auditores fiscais acerca do que viram

em suas operações. Segundo a deputada,

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114

“a exploração de trabalho escravo, na maior parte das vezes, demanda maior controvérsia quanto aos fatos. A qualificação do trabalho escravo e o descumprimento das obrigações trabalhistas pelo proprietário do imóvel revelam matéria que, certamente, exige maior dilação probatória. Constitui, portanto, providência que resguarda os direitos da pessoa humana assegurar ao acusado o exercício dos direitos à ampla defesa e ao contraditório previamente à expropriação do imóvel. Negar ao proprietário do imóvel o direito de defesa em juízo, especialmente no caso de exploração do trabalho escravo, determinando a “imediata” expropriação do bem, dará ensejo a incontáveis injustiças, em decorrênca, sobretudo, de defecções na correta elucidação dos fatos” (Transcrição do Pronunciamento da Deputada Federal Kátia Abreu na Câmara dos Deputados, 26/03/2004).

Em outro momento, ainda, da tramitação da PEC 438/2001, a deputada

enfatiza a necessidade da emenda por ela proposta, defendendo a importância

do agronegócio para o país e os riscos de se manchar a sua imagem em

função de poucos, fazendo diferenciações entre situações que podem ser

encontradas pelos fiscais, e apontando qual deveria ser a função “adequada”

do Grupo Móvel:

“Está havendo uma confusão entre infração trabalhista, trabalho degradante e trabalho forçado e escravo...são três situações completamente diferentes, embora as três estejam erradas. [Trabalho escravo] “é obrigar alguém a estar onde não quer” (Transcrição do Pronunciamento da Deputada Federal Kátia Abreu na Câmara dos Deputados, 26/05/2004).

Dizendo repetir as palavras do ministro Lelio Bentes Corrêa do Tribunal

Superior do Trabalho em entrevista dada à TV Câmara, a deputada defende

que:

“os auditores fiscais não tem a função de escrever em seu relatório se o trabalho é escravo ou não. Os auditores tem que se limitar a escreverem o que viram, descrever a situação da propriedade, a situação dos trabalhadores. Cabe a Justiça ver isso [verificar o trabalho escravo]” (Transcrição do Pronunciamento da Deputada Federal Kátia Abreu na Câmara dos Deputados, 26/05/2004).

O importante, para a deputada, era garantir que uma definição precisa

fosse estabelecida antes de se fazer qualquer expropriação. Enquanto essa

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definição legal não chegasse, caberia ao Poder Judiciário decidir, e não ao

Grupo Móvel de Fiscalização; e mesmo quando ela chegasse, o Poder

Judiciário ainda deveria garantir o contraditório e avaliar as ações e

interpretações do Grupo Móvel.

O interessante a se observar durante os pronunciamentos para o

tratamento da PEC do Trabalho Escravo é que tanto aqueles que eram

favoráveis à PEC quanto aqueles que eram contra a ela, como a deputada

Kátia Abreu, colocavam “esperanças” e pressões sobre o Poder Judiciário,

alegadas as falhas na legislação. Assim, enquanto os primeiros procuravam e

esperavam uma maior “sensibilização” dos juízes (como meta do próprio Plano

Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e de medidas presentes até

os dias hoje), os segundos esperavam que o Poder Judiciário exercesse sua

função e garantisse os direitos constitucionais do contraditório e do devido

processo legal. Uns esperavam um certo “ativismo” dos juízes, que eles

agissem com consciência social e soubessem adaptar as falhas na legislação a

decisões socialmente comprometidas; e outros esperavam não um ativismo,

mas o simples “cumprimento” das normas constitucionais, ou da adaptação das

falhas das leis em defesa da propriedade e do direito de defesa. Para ambos, a

alteração do artigo 149 do Código Penal em dezembro de 2003, ainda havia

deixado lacunas, e quem deveria resolvê-las seria a jurisprudência.

Após a aprovação em 1º turno da PEC do Trabalho Escravo na Câmara

dos Deputados, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra lançam, em

maio de 2005, seu próprio Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo (BRASIL/MDA/INCRA, 2005), voltado, sobretudo, para uma estratégia

preventiva. Com base na caracterização do trabalho escravo em função da

servidão por dívida, o Plano estabelece ações voltadas para o aumento da

oportunidade de emprego e renda nas localidades de origem dos trabalhadores

escravizados, de forma a lhes garantir cidadania e dignidade, e assim evitar o

aliciamento e a consequente escravização. Dentre as ações, estavam as de

promoção e implementação de projetos de assentamentos de trabalhadores

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sem terra, de reforma agrária, de aumento do crédito rural, e de apoio ao

associativismo62.

Para a CPT, contudo, as políticas que vinham sendo implementadas até

o momento eram inefetivas, tanto do ponto de vista preventivo (como pretendia,

sobretudo, o Plano do MDA/INCRA) quanto do ponto de vista punitivo, como as

diversas outras medidas até então implementadas. A CPT (2005a) reconhecia

e atuava em conjunto com o Grupo Móvel de Fiscalização, e também elogiava

“a atuação corajosa” de alguns juízes do trabalho, mas apontava a falta de

condenações criminais como um sério problema a ser enfrentado, impunidade

que reforçava de maneira perversa e silenciosa projetos inefetivos de reforma

agrária e de avanço da monocultura e do agronegócio no campo.

No que tange à impunidade, a CPT cita o caso envolvendo o deputado

Inocêncio Oliveira, que se encontrava parado no STF a espera de uma decisão

de aceitação da ação desde 2003, dadas as dificuldades e divergências entre

os ministros para caracterizar o trabalho escravo. Para a ministra Ellen Gracie,

calcada sobretudo na Convenção nº 29 da OIT, o caso envolvendo o deputado

Inocência Oliveira não se tratava de um caso de trabalho escravo, na medida

em que os trabalhadores não se encontravam “algemados”. Com ela,

concordou e votou o ministro Eros Grau, e depois o processo ficou parado em

função de um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Para a CPT, as

condenações por trabalho escravo só acontecem, assim, quando o juiz tem

“coragem” de assim o fazer, ultrapassando conflitos de competência e de

falhas nas leis. A condenação e a diminuição da impunidade acabam

dependendo das atitudes dos juízes individualmente, e isso seria muito pouco,

dado que para a CPT (2004), a violência podia vir do próprio Judiciário:

“...é a violência do Poder Público, do Judiciário, que tem aumentado em intensidade nestes dois anos do governo Lula. Um aumento de 10,8% no número de prisões, 421 presos, e de 5,5% no de famílias despejadas, 37.220, o maior número desde que a CPT começou a efetuar os registros. Uma família, em cada 5,8 envolvidos em conflitos, recebeu ordem de despejo. É como se o Poder Judiciário

62

Outras medidas foram alcançadas através, por exemplo, do Termo de Cooperação entre MTE e MDS para priorizar a inserção dos egressos do trabalho escravo no programa Bolsa Família.

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tivesse caminhado ao recado que veio das urnas nas eleições de 2002” (CPT, 2004: 8).

No que tange às políticas de prevenção, que vão desde a geração de

empregos nas áreas rurais até a implementação da reforma agrária, a CPT

passa, a partir da realização do II Congresso da CPT em meados de 2005, a

defender um posicionamento cada vez mais crítico às políticas governamentais

para o campo, que, sob seu ponto de vista, eram contraditórias às outras

políticas governamentais voltadas para o social, assim como para a

erradicação do trabalho escravo rural. Segundo a CPT, além da “decepção”

com o governo Lula em função da crise política que se instaura em 2005 com

as denúncias de corrupção, pesava a política de expansão e de incentivo da

monocultura e do agronegócio, sobretudo do etanol, que levava, novamente, à

expansão de novas fronteiras e a consequente utilização de trabalhadores

escravos, de desmatamento, e de outras irregularidades. Assim, o que vemos

nas edições anuais dos Cadernos “Conflitos no Campo”, sobretudo entre 2006

e 2011, bem como em outras publicações feitas em parceria com outras

instituições63, é uma crítica à política agrária do governo Lula, e uma

“constatação” de que a realidade do trabalhador no campo muda muito

lentamente.

A OIT (2005a, 2005b), por seu turno, buscava traçar uma avaliação do I

Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo de modo a verificar o

que teria sido cumprido pelo governo, que seria algo em torno de 77,7% das

metas estabelecidas. A OIT reconhece os esforços governamenais e aponta o

Brasil como um país exemplo a ser seguido em suas políticas de erradicação.

Contudo, lança críticas em duas frentes: primeiramente, melhorar

institucionalmente as políticas já implementadas, visando, sobretudo, a

aprovação da PEC do Trabalho Escravo e uma maior sensibilização e

comprometimento dos juízes; e em segundo lugar, impulsionar a geração de

63

Ver CPT, Grito dos Excluídos, Continental, Jubileu Brasil, Campanha Contra a ALCA, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Serviço Pastoral dos Migrantes (2006). A OMC e os efeitos destrutivos da indústria da cana no Brasil; CPT, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2007). Agroenergia: mitos e impactos da América Latina; e CPT, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2008). Os impactos da produção de cana no Cerrado e Amazônia.

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emprego no campo e a reforma agrária, concordando, assim, com as críticas e

avaliações feitas pela CPT ao governo.

Sobre as dificuldades institucionais que o governo ainda enfrentava, a

OIT (2005a, 2005b) apontava a falta de recursos humanos, o baixo valor das

multas e o conflito de competência entre a Justiça Federal e Estadual, o baixo

número de ações e de condenações criminais, e o longo tempo de tramitação

dos processos judiciais. Sobre os problemas de ordem estrutural, a OIT aponta

que o Brasil não conseguiu avançar significativamente nas metas de promoção

de cidadania, de geração de emprego e de reforma agrária, sobretudo nas

regiões fornecedoras de mão-de-obra escrava. Em resumo, para a OIT,

“é preciso ultrapassar a primeira etapa, ligada à sensibilização da sociedade64 e à atuação dos grupos móveis e centrar esforços diretamente nas causas do problema. Ou seja, de um lado combater a impunidade e de outro garantir acesso à terra e gerar emprego e renda para impedir o êxodo de trabalhadores de sua terra natal” (OIT, 2005a: 100).

Em 2006, uma decisão do STF tentou colocar um fim a uma das causas

principais que foram apontadas pelos relatórios como geradoras de

impunidade, os conflitos de competência entre a Justiça Federal e a Justiça

Comum. Contudo, a decisão não foi suficiente para acabar com as

interpretações divergentes acerca da questão65. Por maioria de votos, o STF

64

Imbuídos desse intuito, a OIT, em parceria com a ONG Repórter Brasil e com o Instituto Ethos, desenvolvem e lançam, ainda em 2005, o “Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo”, com adesão inicial de 80 empresas que se comprometeram a cortar relações comerciais com quem constasse na “Lista Suja” do Trabalho Escravo.

65 Uma das manifestações jurídicas mais exemplares e atuais de que a decisão do STF não

pacificou o conflito de competência pode ser vista no “reerguimento” de alguns juízes do trabalho, bem como de procuradores do trabalho, que vêm defendendo não apenas a competência penal da Justiça do Trabalho para o crime de trabalho escravo, como também a necessidade de se criar e praticar um “novo direito do trabalho”. Em recente simpósio organizado pelo Ministério Público de São Paulo, algumas autoridades, entre juízes e procuradores do trabalho, apontaram a importância dos juristas e “operadores” do direito olharem para o direito do trabalho não mais como um direito individual, mas como um direito coletivo. A violação dos direitos do trabalho é sempre uma violação coletiva, na medida em que afeta toda a “cadeia” ou rede de produção, de obrigações com as instituições trabalhistas e também de capacidade competitiva. O trabalho seria o elemento estruturador da sociedade, assim como o modo de produção. Assim, seria a Justiça do Trabalho que deveria se ocupar das violações trabalhistas e olhar para as violações não como crimes individuais, mas como manifestações de um modo de produção que gera e possibilita tais crimes como numa cadeia ou sistema. A Justiça do Trabalho se modificaria junto com a mudança do olhar sobre o direito

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decidiu na ocasião pela competência da Justiça Federal para julgar os crimes

de trabalho escravo, sob o argumento de que, no caso analisado, o crime

afrontou não apenas a liberdade individual dos trabalhadores, mas a própria

organização do trabalho ou a dignidade humana, devendo, portanto, ser

julgado pela Justiça Federal.

Contudo, os votos dos ministros apresentaram justificativas distintas

para justificar o crime contra a organização do trabalho. Para os que estavam

em maioria, pode-se encontrar a justivativa de que se tratava de um crime

contra a organização do trabalho e contra a dignidade humana na medida em

que eram vários trabalhadores e todos submetidos a condições indignas de

trabalho e, principalmente, à violência física. Para os que foram votos vencidos,

as justificativas recaíam sobre o argumento de que o crime de trabalho escravo

tinha por objeto jurídico a liberdade individual e não coletiva, ou sobre o

argumento de que a Justiça Federal era escassa no país e não seria capaz de

receber e responder a todas as demandas.

Com isso, firmavam-se vários questionamentos acerca de como

reconhecer se o crime do trabalho escravo feria ou não feria a organização do

trabalho: seria preciso contar quantos trabalhadores se encontravam na

situação? Qual seria o critério ou limite? Ou, ainda, o que seriam as condições

indignas de trabalho? As dúvidas, assim, ainda permaneciam, inclusive sobre o

que é o trabalho escravo, no que também permanecia nas políticas

governamentais seguintes, assim também como nos relatórios e críticas, a

necessidade de se “sensibilizar” os juízes para julgarem da forma mais

socialmente comprometida possível, independente e acima das falhas nas leis.

Tendo em vista as limitações das políticas até então implementadas, o

governo lança em 2008, com a coordenação de Leonardo Sakamoto, da ONG

Repórter Brasil, o II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo,

novamente enfatizando a questão da impunidade, que permanecia, e a

do trabalho, na medida em que as penas aplicadas não se restringiriam a prisões ou multas irrisórias, mas que atingissem a capacidade financeira de empresários e proprietários de terras e que os fizessem alterar o modo de produção aplicado em suas propriedades.

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necessidade da reforma agrária e de geração de empregos no campo,

reivindicações constantes tanto entre a CPT, quanto entre a OIT e a ONG

Repórter Brasil. Nesse quadro, as ações se voltavam para a aprovação da PEC

do Trabalho Escravo e para a uma atuação mais “sensível” por parte dos juízes

e do Judiciário como um todo. A PEC seria o “instrumento que os especialistas

apontam como decisivo para erradicar de vez essa mácula que envergonha o

país” (BRASIL/SEDH, 2008); e as tentativas de sensibilizar os juízes para o

tema seria a medida mais urgente enquanto a PEC não fosse aprovada66.

A aprovação da PEC, contudo, em 2º turno na Câmara dos Deputados

em 2012, configuraria um quadro de condições para a efetividade da PEC que

poucas vezes é comentado por quem comemorou o acontecimento como uma

medida efetiva imediata. Nas votações em 1º e 2º turno na Câmara dos

Deputados, os votos a favor da PEC foram surpreendente e estranhamente

quase consensuais, assim como foram as votações no Senado, especialmente

se pensarmos no tempo de tramitação da proposta. Segundo o senador Aloysio

Teixeira, que questiona a homogeneidade de quem votou “sim”, prevalece

“a certeza de que na Câmara foi encenada uma obra de ficção, que lembra a “Comédia de Erros” de Shakespeare, sob a direção do Senhor Deputado Marco Maia, visando sobretudo a agradar a galeria e a produzir um fato para valorizar ainda mais sua invejável biografia. Nas notas taquigráficas da sessão de 24 de maio [quando a PEC foi remetida ao Senado], encontramos roteiro precioso de meias verdades, contradições e falsos argumentos, que nos ajudam a desvendar a realidade política subjacente à aprovação da PEC pela Câmara” (Parecer Reformulado do Senador Aloysio Ferreira, 21/05/2013, p. 16-17).

Como exposto durante as discussões no Senado já no processo de

leitura do relatório da PEC, havia sido estabelecido um acordo entre alguns

deputados federais contrários a PEC com o Senado, antes de ela ser aprovada

66

O Ministério Público Federal lança em 2012 o “Roteiro para atuação dos Grupos Móveis de Fiscalização na constatação do delito de redução a condição análoga à de escravo”, com o intuito de tornar as descrições feitas nos relatórios de fiscalização os mais claros possíveis, servindo-se de fotografias da local e do que for necessário registrar referente às condições de trabalho e de moradia, de relatos gravados dos trabalhadores e funcionários da fazenda. A ideia central é a de que quanto mais claros e inquestionáveis os relatórios, mais difícil de os juízes “não-sensibilizados” alargarem o processo por falta de documentos, relatos etc.

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121

em 2º turno na Câmara. Segundo o senador Aloysio Ferreira, tratava-se de um

acordo em que o Senado garantia aos deputados contrários à PEC (a exemplo,

o deputado Marco Maia) uma emenda que requisitasse formalmente a devida

regulamentação de uma lei especificando o que é o trabalho escravo, projeto

que ficaria sob a guarda de uma Comissão já composta pelos deputados

federais contrários a proposta em conjunto com alguns senadores, tornando

ainda mais tardias e limitadas as possibilidades de efetividade da PEC. Assim,

é possível encontrar quem votou não em 1º turno e sim em 2º turno, como foi o

caso da deputada Kátia Abreu.

O senador Aloysio Teixeira se questiona pelo fato da Câmara dos

Deputados não ter sequer esboçado no texto da proposta que foi ao Senado

uma lei definindo o que é o trabalho escravo. Ele mesmo conclui:

“Ao Presidente da Câmara interessava, contudo, criar fato político no mês que fora promulgada a Lei Áurea. Promoveu ele, encontro no Gabinete da Senadora Marta Suplicy, que presidia interinamente o Senado, com líderes partidários da Câmara e do Senado, para dar efeitos midiáticos a proposta, onde foi assumido o compromisso que o Senado Federal resolveria questões que a outra Casa deixaria pendentes. Para tanto, o senhor Marco Maia comprometeu-se a fazer gestão para que fosse constituída comissão de deputados e senadores para discutir a regulamentação da PEC. Feito isso, todos posaram para fotos, e o senhor Marco Maia nunca mais falou no assunto” (Parecer Reformulado do Senador Aloysio Ferreira, 21/05/2013, p. 21).

Assim foi que ocorreu. Em 26 de novembro de 2013, é encaminhada

uma emenda à PEC estabelecendo que as propriedades só poderiam ser

expropriadas depois da promulgação de uma lei definindo o que é o trabalho

escravo, que já estaria sob os cuidados da comissão especial estabelecida no

acordo. Assim, no dia 27 de maio de 2014, dia de votação em 1º turno do

Senado, as manifestações de aprovação de senadores da bancada ruralista

com relação às condições que ainda são necessárias para que haja uma

expropriação em função de trabalho escravo:

“Nós vamos colocar o Brasil numa posição de destaque na reunião da OIT que ocorrerá proximamente como um país que avançou na definição e na coibição do trabalho escravo, agora deixando claro que o enquadramento, a definição, a categorização do trabalho escravo

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122

está dependendo de uma lei complementar que ainda está em discussão e que, muito em breve, vai ser definida para se completar a obra. Todavia, nós estamos dando um passo muito importante...O nosso voto será “sim”, de forma entusiástica” (Senador José Agripino, DSF, n. 75, 28/05/2014, pp. 654).

“Quero aqui declarar, Sr. Presidente, não só como Presidente da CNA, não só como senadora da República, mas como cidadã, que não há no mundo quem concorde com essas questões e com esses quesitos. Essas pessoas não são representadas pela CNA; essas pessoas não são protegidas pelo Senado Federal. Ao contrário, aqueles que praticam, de fato, a escravidão, segundo a Convenção nº 29 da OIT, merecem ser punidos radicalmente. Por isso, nós estamos aqui votando, por unanimidade, a PEC do trabalho escravo. Ela será regulamentada e lei, sob análise de comissão especial já criada” (Senadora Kátia Abreu – PMDB/TO, DSF, n. 75, 28/05/2014, pp. 655).

“é bom esclarecermos aos nossos produtores rurais que vamos votar ainda uma lei ordinária que vai definir o que, de fato, é trabalho escravo, tendo em vista que essa é uma preocupação...Quero dizer aos nossos produtores rurais que não vai haver nenhuma expropriação de forma irresponsável, até porque, só após a aprovação dessa lei ordinária, vamos definir, de fato, o que é trabalho escravo” (Senador Jayme Campos – DEM/MT, DSF, n. 75, 28/05/2014, pp. 657).

Embora a votação pela PEC tenha sido unânime, houve rejeição por

parte de 4 senadores com relação à emenda proposta à PEC, que apontaram a

inocuidade que a PEC acabaria caindo tendo em vista a demora que poderia

chegar a aprovação da lei que definiria o que é o trabalho escravo:

“essa subemenda me deixou muito preocupado, à medida que joga para a regulamentação da lei a aplicação das medidas que nós acabamos de aprovar. Preocupo-me pela delonga, pela demora da aprovação e como será feito a aprovação da regulamentação dessa lei. (...). Nós temos uma resistência de nossas elites, infelizmente, de garantir esses direitos e de honrar aquilo que é necessário e colocar este País na moderidade, colocar este País no século XXI. A minha expectativa é que essa PEC pudesse ser imediatamente aplicada. Mas, lamento, com essa subemenda, eu tenho a impressão de que vamos ainda aguardar muito tempo. (João Capiberibe – PSB/AP, DSF, n. 75, 28/05/2014, pp. 657).

Por fim, a PEC 57-A é aprovada, em 27 de maio de 2014, por

unanimidade. Hoje se aguarda a regulamentação da lei definindo o que é o

trabalho escravo. O que se pode perceber de todo o relato da PEC do Trabalho

Escravo é que as pressões exercidas pela CPT, OIT e pela ONG Repórter

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123

Brasil, bem como por alguns órgãos governamentais, para a aprovação da

PEC serão transferidas agora para a aprovação da lei definindo o que é o

trabalho escravo, como num ciclo sucessivo de uma regulamentação

“salvadora”.

A PEC do Trabalho Escravo é demonstrativa de que o problema central

não estaria tão somente voltado para a questão da impunidade e da não

realização de reformas estruturais no campo, mas também na diversidade de

“usos” do direito e do Judiciário. O que se reconhece como o instrumento

jurídico mais radical para erradicar o trabalho escravo e acabar com a

impunidade é transformado em instrumento jurídico de questionamento e de

postergação das punições; da mesma forma, enquanto alguns esperam e

tomam medidas de conscientização e sensibilização dos juízes, para que eles

atuem com consciência social, independente da indefinição ou das falhas das

leis, outros esperam e tomam medidas para que sejam os juízes a terem que

lidar com a questão do trabalho escravo, sob a alegação de que eles devem

simplesmente agir de acordo com os princípios constitucionais do direito do

contraditório e do devido processo legal, adiando a aplicação de medidas

punitivas mais radicais. A espera pela definição jurídica do que é trabalho

escravo ocorre para as duas partes, demonstrando a disputa política em torno

do significado das normas.

O andamento da PEC, portanto, nos dá instrumentos para suspeitar que

o problema está muito além de um controle ou de uma sensibilização dos

juízes ou da necessidade de reformas estruturais (como se a atuação do

Judiciário e dos juízes fossem se alterar após essas reformas), no que o

Judiciário não poderia ser pensado apenas em termos dos valores individuais

dos juízes ao julgar os casos de trabalho escravo, nem em termos de que o

Judiciário como um todo é funcional para um determinada estrutura econômica

e que muda conforme esta se altera. O conflito político pelo significado

perpassa não somente as esferas do Poder Legislativo e Executivo, mas

também a esfera do Judiciário, no que seria preciso levantar mais variáveis

para se pensar o quadro de razões que levam a uma atuação limitada do Poder

Judiciário.

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124

2.6 – Conclusões

Na Introdução deste trabalho, apresentamos nossa hipótese de pesquisa

com relação à atuação do Poder Judiciário nas políticas de erradicação do

trabalho escravo rural, no que defendemos a tese de que o Judiciário vem

apresentando mais limitações do que possibilidades para erradicar o trabalho

escravo rural e garantir os direitos de cidadania no campo. No primeiro

capítulo, por sua vez, apresentamos diferentes visões através das quais

podemos estudar a atuação do Judiciário no tema em questão: se do ponto de

vista das ações individuais dos juízes e outros atores políticos; se do ponto de

vista das regras institucionais que guiam e limitam as ações individuais; se do

ponto de vista do sistema ou estrutura onde o Judiciário está inserido; ou,

ainda, e especialmente, através desses diversos pontos de vista em relação.

O estudo realizado neste segundo capítulo mostra que as diferentes

avaliações feitas das políticas já implementadas dão ilustrações primárias da

nossa hipótese de pesquisa. Por um lado, críticas e decisões judiciais

mostraram que o Judiciário atuou em todos os períodos de forma limitada, e,

por outro lado, os agentes tinham expectativas opostas quanto à maneira pela

qual o Judiciário iria tornar efetivas as medidas de combate. Enfim, ao

colocarem em relevo aspectos de dimensões distintas para a atuação favorável

do Judiciário – os valores e formas de ação dos juízes, o seu formato

institucional e as suas relações com a estrutura social. Como podemos

observar, contudo, as análises e explicações para a atuação limitada do Poder

Judiciário foram distintas e mudaram ao longo do tempo, no que as avaliações

de cada período específico agregam mais elementos possíveis de explicação e

nos apontam a força de determinadas dimensões analíticas para o nosso tema

de pesquisa.

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125

Período O que mantém o trabalho

escravo rural?

Como erradicar o trabalho escravo

rural?

Como atua o Poder

Judiciário

1970-1984

- capitalismo

/desenvolvimentismo

- impunidade

- impedir o avanço do capitalismo no

campo

- punição

- a favor do capitalismo e do

direito de propriedade

1985-1995 - falta de vontade política

- impunidade

- pressões internacionais

- punição

- imparcialidade e independência dos

juízes

- expansão dos direitos trabalhistas

no campo

- reforma agrária

- controlado por latifundiários

1995-2002

- impunidade

- limitações institucionais

- neoliberalismo

- não-realização da reforma

agrária

- punição

- sensibilização/ativismo dos juízes

- federalização dos crimes contra os

direitos humanos

- reforma agrária

- condenações pontuais e

limitadas

- limitado institucionalmente

- conflito de competência

- sem leis claras

2003-2012

- impunidade

- limitações institucionais

- agronegócio

- não-realização da reforma

agrária

- punição

- sensibilização dos juízes

- reforma agrária

- condenações trabalhistas

- condenações criminais não

executadas

- limitado institucionalmente

- conflito de competência

- leis deficientes

- em favor de interesses

divergentes; contradições do

direito

O primeiro período, num contexto de fechamento político, foi marcado

por avaliações que enfatizam a dimensão sistêmica e estrutural do trabalho

escravo rural, no que as regras, convenções e estatutos acerca dos direitos do

trabalhador rural manifestavam funcionalidade para o projeto

desenvolvimentista capitalista sobre o campo.

Já o segundo período, de abertura política e de transição para a

democracia, o jogo político se torna mais visível, no que as avaliações passam

a identificar os posicionamentos dos diversos agentes estatais e

governamentais no jogo político da transição para a democracia, mostrando

quem ainda mantinha posicionamentos “conservadores” e desfavoráveis para

os trabalhadores rurais. Assim, era preciso pressionar por comprometimento

político, que ajudaria a colocar um fim na impunidade. Ao mesmo tempo, ainda

que se reconhecessem as instâncias jurídicas como parciais a favor dos

latifundiários, os trabalhadores rurais não deixavam de reivindicar seus direitos

trabalhistas, ainda que isso significasse a abdicação de seus direitos sobre a

terra ou a sua “desclassificação” como camponês para se tornar trabalhador

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126

rural assalariado. A questão institucional aparecia como uma reinvindicação

importante, ainda que limitada.

No terceiro período, por sua vez, as limitações institucionais é que se

tornam foco das avaliações, mostrando a importância de se fortalecer as

instituições para impediram o desvio de comportamento dos agentes estatais,

“sensibilizando” os juízes para julgarem com “consciência social” ainda que as

leis não fossem claras e as instituições frágeis. Ao mesmo tempo, contudo,

enfatizava-se a necessidade permanente da reforma agrária, sem a qual o

comprometimento político e as melhorias institucionais conseguiam apresentar

apenas condenações judiciais pontuais e limitadas, dependentes de juízes

“ativistas”.

No quarto período, por fim, reforçam-se as limitações institucionais e a

necessidade de enfatizar o comprometimento individual dos agentes,

necessitando ainda sensibilizar os juízes para atuarem de forma mais

progressiva, independente das falhas das leis. Além disso, permanece a visão

sistêmica ou estrutural acerca das políticas econômicas e agrárias no campo,

que seguiriam uma linha imutável de defesa da monocultura e da empresa

rural, agora reconhecida no agronegócio, e que seria a responsável pelas

mudanças no campo se darem de maneira tão lenta. O mais importante é que

fica evidente a contradição do direito e das medidas institucionais jurídicas, ao

passo que elas passam a ser mobilizadas tanto por fazendeiros proprietários

acusados de trabalho escravo quanto pelos agentes políticos denunciantes da

situação da exploração.

O que vemos, portanto, é que não é possível identificar uma dimensão

que explique sozinha a atuação do Poder Judiciário na questão. O que

podemos fazer é tentar entender de que forma essas diferentes dimensões de

análise se entrelaçam em alguns casos particulares de trabalho escravo, para

que possamos entender as limitações do Judiciário para efetivar mudanças

sociais em toda a sua complexidade.

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127

PARTE II

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128

Preliminares para os estudos de caso

Esta segunda parte da tese está inteiramente voltada para a análise dos

três casos escolhidos de trabalho escravo rural que foram parar no Poder

Judiciário. Mas, antes de adentramos na análise de cada caso, convém

apresentarmos os critérios que embasaram a escolha dos casos, uma breve

descrição dos casos escolhidos, e os critérios utilizados para a sua análise.

Critérios para a escolha dos casos

Os casos que foram selecionados para a análise são casos que

possuem o que podemos chamar de “expressividade teórica”, na medida em

que congregam elementos relevantes para o tema do trabalho escravo rural e

ajudam a questionar a atuação do Poder Judiciário sobre casos de trabalho

escravo rural. Basicamente, foram dois os critérios que auxiliaram na escolha

dos casos: 1) o critério da expressividade da atividade rural envolvida em cada

caso no quadro maior do trabalho escravo rural no Brasil, de forma a ver como

que o Poder Judiciário atua em casos típicos de trabalho escravo rural e,

geralmente, de grande importância econômica; e 2) o critério do perfil dos

acusados em cada caso, de forma a ver se o Poder Judiciário atua de modo

diferenciado dependendo da importância social e/ou política dos acusados.

O olhar sobre a atividade rural como um critério para a escolha dos

casos resultou da análise feita no Capítulo 2, da leitura do “Atlas do Trabalho

Escravo no Brasil” (da ONG Amigos da Terra), e da análise de um pequeno

conjunto de decisões judiciais sobre trabalho escravo. Juntos, esses três

momentos exploratórios apontaram a importância de olharmos para a

correlação existente entre o avanço do capitalismo no campo (especialmente

para regiões amazônicas através do agronegócio) e as ocorrências de trabalho

escravo rural. Os relatórios e as avaliações analisados no Capítulo 2 foram

importantes, ainda, na medida em que chamaram atenção para a atuação até

então mitigada e limitada do Poder Judiciário frente ao avanço do agronegócio

e dos problemas trabalhistas dele resultantes, sendo alvo de sucessivas

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129

críticas e de políticas voltadas para a “sensibilização dos juízes” para com o

tema.

De acordo com o “Atlas do Trabalho Escravo” – que confirmou as

preocupações expostas no Capítulo 2 acerca da relação entre trabalho escravo

e determinadas atividades do agronegócio –, quase 50% das propriedades

fiscalizadas pelo Grupo Móvel entre 1995 e 2006 estavam voltadas para a

atividade pecuária, seguidas pelas atividades de desmatamento (19%),

carvoaria (12%) e cultivos variados (11%) dentre os quais se destaca o cultivo

da cana-de-açúcar e da soja.

Figura 1 - Atividades rurais em que foi encontrado trabalho escravo

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 37. (dados referentes ao período de 1995 a janeiro de

2007).

A correlação dessas atividades com o trabalho escravo também foi

constatada através da leitura preliminar de decisões tomadas pelo Tribunal

Superior do Trabalho (TST) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre

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130

1995 e 2010 sobre casos de trabalho escravo rural67. Como mostra a tabela

abaixo, das 27 decisões julgadas pelo TST no período, foi possível averiguar

que 6 (22%) trataram de casos de trabalho escravo na atividade pecuária,

seguidos pelas atividades de colheita de café e de corte de cana-de-açúcar,

ambas com 3 ações (11%) cada uma.

Tabela 6 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no TST

Atividades Ocorrências %

Pecuária 6 22%

Não mencionado 5 19%

Colheita de café 3 11%

Corte de cana-de-açúcar 3 11%

Plantio de algodão 2 7%

Empreiteira rural 2 7%

Agropecuária 1 4%

Roçagem 1 4%

Produção de carvão 1 4%

Colheita de laranja 1 4%

Extração de madeira 1 4%

Cultivo de soja 1 4%

Total Geral 27 100%

No STJ, por sua vez, permanece a importância das atividades de corte

de cana-de-açúcar e da pecuária, com uma leve inversão. Das 27 ações

julgadas pelo STJ, 6 (22%) diziam respeito a casos de trabalho escravo na

atividade canavieira, e 5 (19%) na atividade pecuária.

67

Através de uma busca no sistema de consulta processual do TST e do STJ através das palavras-chaves “trabalho escravo” e “trabalho em condições análogas a de escravo”, foi possível encontrar um total de 27 casos em cada esfera tratando de trabalho escravo rural. Dos 27 casos encontrados em cada Tribunal, foram contabilizadas entre 90 e 100 decisões judiciais em cada Tribunal, entre decisões de mérito e inúmeros tipos de recursos. Para a delimitação dos casos, selecionamos a última decisão tomada por cada Tribunal em cada um dos 27 casos encontrados até o início de 2011, resultando na análise de 27 decisões do TST e 27 decisões do STJ. A escolha por esses dois tribunais resultam, sobretudo, de razões de ordem teórica e metodológica, na medida em que os processos judiciais em primeira instância, seja na esfera trabalhista ou na esfera federal, não se encontram disponíveis para consulta da forma homogênea em que se encontram no TST e no STJ, e dois dos casos escolhidos tramitam em ambas as esferas.

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Tabela 7 - Atividades rurais com trabalho escravo que foram parar no STJ

Atividades Ocorrências %

Não encontrado 6 22%

Corte de cana-de-açúcar 6 22%

Pecuária 5 19%

Coleta de palmito 2 7%

Produção de carvão 2 7%

Derrubada de juquira 2 7%

Desmatamento 2 7%

Produção de soja 1 4%

Extração de madeira 1 4%

Total Geral 27 100%

O critério do perfil dos acusados, por seu turno, resultou também da

análise empreendida no Capítulo 2, assim como da análise do pequeno

conjunto de decisões judiciais envolvendo trabalho escravo rural. A análise dos

relatórios e avaliações do Poder Judiciário já apontava para a existência de

uma atuação parcial dos juízes em favor de fazendeiros, no que os casos

resultavam sempre em impunidade e na inefetividade das políticas de

erradicação do trabalho escravo rural. A análise do pequeno conjunto de

decisões judiciais sobre trabalho escravo, contudo, questiona preliminarmente

a ideia de que o Judiciário decide em favor de proprietários e fazendeiros.

Das 27 ações julgadas pelo TST, 15 (56%) foram de autoria dos

proprietários e 9 (33%) foram de autoria do MPT. As demais foram ações

propostas por empreiteiras, que foram responsabilizadas pelos proprietários

pelo trabalho escravo, e uma ação proposta pela VT, que pedia exame do TST

com relação a conflitos de competência.

Tabela 8 - Autores das ações sobre trabalho escravo no TST

Autores das ações Ocorrências %

Proprietário 15 56%

MPT 9 33%

Empreiteira 2 7%

VT 1 4%

Total Geral 27 100%

No STJ, por seu turno, a maioria das ações julgadas (17 ou 63%)

também foram propostas pelos proprietários, seguidos pela Justiça Estadual

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pedindo a verificação de conflitos de competência. A diferença é que agora os

“gatos” aparecem, ainda que de forma tímida, como autores de ações na

Justiça.

Tabela 9 - Autores das ações sobre trabalho escravo julgadas pelo STJ

Autores das ações Ocorrências %

Proprietário 17 63%

Justiça Estadual 5 19%

Gato 2 7%

MPF 1 4%

Diretor 1 4%

Justiça Federal 1 4%

Total Geral 27 100%

Poderíamos supor a partir desses dados que as instâncias trabalhistas e

federais inferiores teriam dado mais decisões negativas mais para os

proprietários do que para os demais autores, fazendo-os recorrer aos Tribunais

superiores. Ou também poderíamos supor que esses dados mostrariam

apenas a capacidade de litigação dos proprietários, que conseguem chegar até

às instâncias superiores ainda quando as ações de 1º e 2º graus se encontram

em andamento, de forma a tentar suspendê-las.

No que tange ao tempo de duração dos processos em função dos

autores das ações, é possível perceber que embora os processos sejam, em

sua maioria, decididos em menos de 6 meses, os processos que duram mais

de 1 ano ou que atingem os maiores picos de duração dos processos são

processos de autoria dos proprietários. No TST, os proprietários são os únicos

a conseguirem fazer um processo durar mais de 2 anos, por exemplo,

chegando ao pico de duração de mais de 7 anos.

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133

Tabela 10 - Tempo de duração dos processos no TST em função dos autores das ações

Tempo de processo Autores das ações

Total % Proprietário MPT Empreiteira VT

até 6 meses 8 30% 4 15% 1 4% 1 4% 14 52%

6 meses a 1 ano 1 4% 1 4% 0% 0% 2 7%

1 ano - 1 ano e meio

0% 1 4% 1 4%

0% 2 7%

1 ano e meio - 2 anos

0% 3 11%

0%

0% 3 11%

2 anos - 2 anos e meio 2 7%

0%

0%

0% 2 7%

2 anos e meio - 3 anos 2 7%

0%

0%

0% 2 7%

3 anos e meio - 4 anos 1 4%

0%

0%

0% 1 4%

7 anos - 7 anos e meio 1 4%

0%

0%

0% 1 4%

Total Geral 15 56% 9 33% 2 7% 1 4% 27 100%

No STJ, por seu turno, é possível perceber que os proprietários são os

que mais conseguem fazer um processo se prolongar por mais de 1 ano, ao

lado de um diretor e da Justiça Estadual e da Justiça Federal. Note-se que das

2 ações apenas que foram movidas pelos “gatos”, elas foram rapidamente

decididas pelo Tribunal.

Tabela 11 - Tempo de duração dos processos do STJ em função dos autores das ações

Tempo de processo Autores das ações

Total Geral Proprietário Justiça Estadual Gato MPF Diretor Justiça Federal

até 6 meses 9 1 2 12

6 meses a 1 ano 3 2 1 6

1 ano - 1 ano e meio 1

1 2

1 ano e meio - 2 anos 2

2

2 anos - 2 anos e meio 2

1

3

2 anos e meio - 3 anos

1

1

3 anos - 3 anos e meio

1

1

Total Geral 17 5 2 1 1 1 27

No que tange, agora, aos resultados das decisões judiciais do TST e do

STJ em função dos autores das ações, é possível verificar que os proprietários

receberam em ambas as esferas mais respostas negativas do que positivas, no

que poderíamos contrariar, ao menos provisoriamente, as teses apresentadas

pelos diversos relatórios analisados no Capítulo 2 de que o Judiciário atua a

favor dos fazendeiros ou proprietários.

No TST, os proprietários tiveram 13 (87%) das 15 ações de sua autoria

no Tribunal, sendo 11 de indeferimento e 2 por prejuízo da ação. Se olharmos,

contudo, o número de indeferimentos dados ao MPT, é possível observar

proporção semelhante a dos proprietários, no que podemos pensar que o TST,

aqui, não está tratando de decisões de mérito, mas de decisões de caráter

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134

processual, em que ambas as partes podem estar pedindo a revisão de

aspectos omissos ou contraditórios em decisões anteriores.

Tabela 12 - Respostas do TST em função dos autores das ações

Respostas Autores das ações

Total % Proprietário MPT Empreiteira VT

Deferido 2 13% 1 11%

0% 1 100% 4 15%

Positivo Total 2 13% 1 11%

0% 1 100% 4 15%

Indeferido 11 73% 6 67% 1 50%

0% 18 67%

Não-conhecido 2 13% 1 11% 1 50%

0% 4 15%

Prejudicado

0% 1 11%

0%

0% 1 4%

Negativo Total 13 87% 8 89% 2 100%

0% 23 85%

Total Geral 15 100% 9 100% 2 100% 1 100% 27 100%

No STJ, por sua vez, a proporção de respostas negativas para os

proprietários é ainda maior que no TST. Das 17 ações propostas pelos

proprietários, 16 receberam respostas negativas, sendo 12 decisões de

indeferimento, 3 de não conhecimento e uma por prejuízo da ação. Os “gatos”,

como pode se ver, tiveram suas duas únicas ações indeferidas.

Tabela 13 - Respostas do STJ em função dos autores das ações

Respostas

Autores das ações

Total % Proprietário

Justiça Estadual

Gato MPF Diretor Justiça Federal

Positivo 1 6% 5 100%

0% 1 100%

0% 1 100% 8 30%

Deferido 1 6% 5 100%

0% 1 100%

0% 1 100% 8 30%

Negativo 16 94%

0% 2 100%

0% 1 100%

0% 19 70%

Indeferido 12 71%

0% 2 100%

0% 1 100%

0% 15 56%

Não-conhecido 3 18%

0%

0%

0%

0%

0% 3 11%

Prejudicado 1 6%

0%

0%

0%

0%

0% 1 4%

Total Geral 17 100% 5 100% 2 100% 1 100% 1 100% 1 100% 27 100%

Embora esses dados apontem para possibilidade de questionar a ideia

de atuação parcial do Judiciário em favor dos proprietários e fazendeiros,

podemos questionar se tais respostas de fato nos dizem algo sobre o

posicionamento político dos dois Tribunais sobre o tema do trabalho escravo

rural. Ainda que ampliassemos o número de decisões analisadas, o olhar

apenas sobre os resultados não nos mostraria o entendimento dos juízes ou

dos Tribunais acerca do trabalho escravo. E o aumento do número de decisões

judiciais poderia levar a dificuldades de monta para o mapeamento dos

entendimentos existentes e do fluxo dos acontecimentos em cada caso. E

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135

lembrando que as decisões aqui analisadas são as últimas decisões tomadas

pelo TST e pelo STJ nos casos encontrados, sabemos que existe todo um fluxo

processual anterior a elas, que poderiam ajudar na investigação sobre o

andamento dos casos na Justiça.

Os casos escolhidos

Foi com base nos critérios expostos que escolhemos, assim, casos em

que foram encontrados trabalhadores rurais no ramo canavieiro (mais

especificamente na atividade do corte de cana-de-açúcar) e no ramo pecuário

(mais especificamente da preparação do solo para pasto). E escolhemos casos

em que pudemos analisar em maior profundidade as respostas e a atuação do

Poder Judiciário para diferentes perfis de acusado: para um “gato”, para um

político brasileiro, e para uma grande empresa produtora de etanol no país. Os

casos escolhidos congregam, assim, exemplos de expressividade teórica, na

medida em que aconteceram em ramos da atividade rural de expressividade no

quadro do trabalho escravo e tencionam a relação existente entre os resultados

das decisões judiciais e o perfil dos acusados de trabalho escravo.

Tabela 14 - Espectro do cenário do trabalho escravo nos casos escolhidos

Cenário Caso do “gato”

(1996-2015)

Casa do Senador João Ribeiro (2004-2014)

Caso Pagrisa (2007-2015)

Onde ocorreu? RJ PA PA

De onde vêm os trabalhadores? MG TO MA e PI

Qual o ramo de atividade? Cana-de-açúcar Pecuária Cana-de-açúcar

Além dos casos escolhidos serem representativos das atividades rurais

em que mais são encontrados trabalhadores escravos, eles também são

representativos do ponto de vista dos estados onde ocorreu o trabalho escravo

e do ponto de vista do estado de origem dos trabalhadores rurais que foram

escravizados. Dos três casos por nós analisados, dois deles, o Caso do

Senador João Ribeiro e o Caso Pagrisa, ocorreram no estado do Pará, que é

histórico e estatisticamente apontado pelas pesquisas e pelos dados do

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como o que apresenta o maior

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número de trabalhadores escravos resgatados pelo Grupo Especial de

Fiscalização Móvel68.

Segundo dados do MTE, entre 1995 e 2014, o Grupo resgatou um total

de 48.584 trabalhadores em todo o Brasil, sendo que 12.677 (26%) foram

somente no estado do Pará, como mostra a tabela abaixo.

Tabela 15- Trabalhadores resgatos por estado federativo (1995-2014)

Fonte: Tabela produzida a partir de dados do MTE e da ONG Repórter Brasil (http://reporterbrasil.org.br/dados/trabalhoescravo/).

Em vinte anos de fiscalização, como podemos observar destacado em

amarelo, o estado do Pará apareceu em primeiro lugar ao menos em treze,

tendo o ano de 2007 como seu maior expoente. Do total de 1.923

trabalhadores resgatados nesse ano, 1.064 (mais de 50%) foram unicamente

na Fazenda Pagrisa, que teve suas dependências fiscalizadas pelo Grupo

Móvel justamente no ano de 2007. À época, tal resgate ficaria conhecido como

o maior já realizado pelo Grupo, ganhando grande destaque na mídia, e

68

Vale recuperar, inclusive, como já exposto no Capítulo 2, que foi no Pará que ocorreu o caso de trabalho escravo que levou Dom Pedro Casaldáliga a denunciar o Brasil a instâncias internacionais de proteção ao trabalhador e aos direitos humanos, e que resultou no início de políticas institucionais mais concretas em torno do problema.

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causando muito alvoroço entre os três Poderes, especialmente entre o Senado

e o Ministério do Trabalho e Emprego, como veremos mais tarde.

Já no Caso do Senador João Ribeiro, cuja fiscalização foi feita no ano de

2004, o número de trabalhadores resgatados foi bem menos expressivo que no

Caso Pagrisa, somando um total de 25 trabalhadores, menos de 1% dos 909

trabalhadores resgatados no Pará naquele ano. Mas foi número suficiente,

como veremos, para que deputados e senadores se manifestassem nas

instâncias do Poder Legislativo a favor do senador, questionando a atuação do

Grupo Fiscalização e o seu entendimento do que seria o trabalho escravo.

Os dados sobre trabalho escravo no estado do Pará se tornam ainda

mais claros no “Atlas do Trabalho Escravo no Brasil”, que confirma o que os

números do MTE já mostraram. Conforme podemos observar nos mapas

abaixo, o estado do Pará desponta como o “campeão” em número de

trabalhadores resgatados de trabalho escravo, antes mesmo do caso recorde

da Pagrisa.

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Figura 2 - Mapa dos trabalhadores escravos resgatados

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 24.

No Atlas, inclusive, o município de Ulianópolis, local onde fica a Fazenda

Pagrisa, aparece em destaque em número de trabalhadores resgatados,

especialmente em função da operação de fiscalização empreendida em 2007,

de onde foram resgatados mais de 90% (1.064) do total de 1.113 trabalhadores

resgatados em todo o município naquele ano.

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Figura 3 - Mapa do índice de probabilidade de escravidão e resgates em 2007

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 78.

O outro caso, por sua vez, o Caso do “gato”, ocorreu no estado do Rio

de Janeiro durante os anos 1990, quando o Grupo de Fiscalização Móvel

contava com recursos escassos para a realização das fiscalizações, e quando

ainda não se tinham relatórios estatísticos sedimentados acerca das

operações. O que se sabe é que no quadro geral e anual do número de

trabalhadores resgatados pelo Grupo Móvel, o estado do Rio de Janeiro

aparece bem abaixo do estado do Pará, apresentando 1.555 trabalhadores

resgatados entre 1995 e 2014 (3% do número total). A operação de

fiscalização empreendida no caso do “gato”, que se deu em 1996 no município

de Cabo Frio, resgatou cerca de 140 trabalhadores.

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140

Nos três casos analisados, os trabalhadores que foram encontrados

pelas fiscalizações foram aliciados de outros estados da federação ou

migraram voluntariamente à procura de emprego fora de seus estados de

residência ou de naturalidade.

No “Caso do Senador João Ribeiro” e no “Caso Pagrisa”, os estados de

onde vieram os trabalhadores encontrados figuram como estados

“fornecedores” de trabalhadores escravos, sobretudo para o estado do Pará,

onde ocorreram ambos os casos referidos. Como nos mostra o mapa abaixo,

os fluxos que saem do estado do Maranhão e do Tocantins para o Pará são os

mais fortes de todo o território nacional, sobretudo os que saem do Maranhão.

Figura 4 - Fluxos dos trabalhados escravos

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 26.

No “Caso Pagrisa”, a grande leva de trabalhadores resgatados pela

fiscalização era de trabalhadores vindos dos estados do Maranhão e do Piauí,

como migrantes a busca de emprego e não aliciados por “gatos”. No “Caso do

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Senador João Ribeiro”, por seu turno, os trabalhadores foram aliciados no

estado de Tocantins, que figura como o segundo estado “fornecedor” de

trabalhador escravo. No Caso do “gato”, por sua vez, os trabalhadores foram

aliciados no norte de Minas Gerais.

Por fim, todos os três casos tratam de atividades rurais que, como já

vimos, possuem expressividade no mapa do trabalho escravo rural no Brasil,

dois deles ocorrendo no setor sucroalcooleiro (o Caso Pagrisa, no Pará, e o

Caso do “gato”, no Rio de Janeiro), especificamente na atividade de corte da

cana-de-açúcar para a produção de álcool e açúcar; e o outro (o Caso do

Senador João Ribeiro, no Pará) no setor pecuário, na derrubada de juquira

para a preparação de pasto. A essencialidade estrutural desse fator se explica

quando visto a partir da sua importância no quadro mais amplo do cenário

econômico brasileiro e de seus projetos de desenvolvimento ou de avanço do

capitalismo no campo, avanço hoje conhecido por “agronegócio”.

O “Atlas do Trabalho Escravo” apresenta, inclusive, mapas exclusivos

para as principais atividades rurais onde foram encontrados trabalhadores

escravizados, com destaque para o crescimento da produção de cana-de-

açúcar e para a criação de gado, especificando a presença das atividades nos

estados e municípios, onde podemos encontrar nossos casos representados.

Com relação, particularmente, aos casos de trabalho escravo que se

deram no setor sucroalcooleiro, o Caso Pagrisa e Caso do “gato”, lembremo-

nos de que ocorreram, respectivamente, nos estados do Pará e do Rio de

Janeiro.

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142

Figura 5 - Trabalho escravo e a cana-de-açúcar

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 41.

Conforme mostra o mapa acima e é descrito no Atlas, o estado do Rio é

considerado, juntamente com a Zona da Mata, interior de São Paulo, norte do

Paraná, Espírito Santo, e toda a região litorânea do nordeste, região tradicional

no cultivo de cana. O estado do Pará, por sua vez, vem despontado, ainda que

de forma bem menos expressiva69, mas juntamente com outros estados do

centro-norte, como novos produtores do setor sucroalcooleiro e da levada da

produção de cana para as frentes pioneiras.

Com relação, por fim, ao caso de trabalho escravo que se deu no setor

pecuário, o Caso do Senador João Ribeiro (no Pará), está dentro da camada

69

Veremos mais adiante que a Fazenda Pagrisa, no Pará, mesmo com a “timidez” do estado na produção de cana, despontava em 2007 como uma das maiores empresas agrícolas produtoras de álcool e derivados da cana, chegando a ter entre suas principais compradoras a Shell e a Petrobrás.

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de atividades na qual estão quase 50% das propriedades onde foram

encontrados trabalhadores escravos. Conforme o Atlas do Trabalho Escravo, a

atividade pecuária vem formando um grande arco (semelhante ao arco do

desmatamento) ao sul da região norte, como podemos ver através dos círculos

de cores quentes no mapa. O Pará, onde ocorreu o Caso do Senador João

Ribeiro, encontrasse neste arco, através do qual se expande a atividade

pecuária cada vez mais a região amazônica. E o que o Atlas chama atenção é

que o crescimento da pecuária nessas novas regiões coincide com o

crescimento dos casos de trabalho escravo, fazendo com que a atividade seja

responsável por quase 50% dos trabalhadores resgatados.

Figura 6 - Trabalho escravo e pecuária

Fonte: ONG Amigos da Terra, 2012, p. 40.

Segundo a literatura, a alta concentração de trabalho escravo no setor

sucroalcooleiro, assim como no setor pecuário, explica-se, em grande medida,

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em função dos sucessivos ciclos de projetos econômico-desenvolvimentistas e

de integração nacional que vem se dando desde os anos 1970 no país.

Em sua essência, tais projetos tornar-se-iam conhecidos e criticados por

dois fatores centrais e aparentemente contraditórios: defendem e empreendem

uma expansão constante das fronteiras agropecuárias para regiões cada vez

mais próximas da região amazônica, sob a justificativa de levar

desenvolvimento para os recantos “esquecidos” do Brasil; mas, ao mesmo

tempo, implementam a exploração em grande escala de monoculturas e de

produção de carne para exportação, tornando-se responsável tanto pela alta

concentração de terras (expulsando os pequenos agricultores), quanto pela

formação de uma grande massa de trabalhadores volantes, que ficam

submetidos a trabalhos temporários, mal remunerados e sujeitos a todos os

tipos de arbitrariedades (Teixeira, 2015).

Critérios para a análise dos casos na Justiça

Os estudos dos casos selecionados procuram combinar uma análise

segundo variáveis mais gerais do andamento dos casos e uma análise

segundo o fluxo particular de cada caso analisado.

Dentre as variáveis de caráter mais geral, procuramos identificar,

sobretudo, as esferas e instâncias da Justiça onde os casos se desdobraram, o

número de processos e ações autuadas em cada caso, os autores, as datas de

entrada, as datas de julgamento, o tempo de duração das ações na Justiça e

os resultados das decisões judiciais em função dos autores.

Na análise de fluxo, por seu turno, tratamos de “variáveis” internas e

externas aos processos judiciais que impactam no andamento dos casos, mas

que somente são percebidas quando olhamos com atenção para os detalhes

dos andamentos processuais dos casos na Justiça, quando lemos a íntegra

das decisões tomadas pelos juízes, e quando nos voltamos para os eventos

externos e paralelos ao andamento dos casos. Quando saímos do plano das

variáveis mais gerais e adentramos no curso de cada caso é que percebemos

não apenas a natureza dos argumentos dos atores e dos juízes, como também

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os impactos exercidos por fatores externos nos processos e nas próprias

decisões judiciais.

Nos fluxos dos casos podemos encontrar, sobretudo, o impacto dos

pedidos de redesignação de audiências, que adiam significativamente o

julgamento das ações. Encontramos também omissões, contradições e

divergências jurisprudenciais ocasionando “confusão” entre as decisões

judiciais e a abertura de infinitos recursos para questionar problemas de ordem

processual e, com isso, postergar a resolução dos casos. E também nos

deparamos com o impacto da atuação de outros atores políticos e sociais no

desenrolar das perícias judiciais e na tomada das decisões pelos juízes.

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Capítulo 3 – O Caso do “gato”: aquele que “cai sempre

em pé” (1996-2015)

3.1 – Introdução

O Caso do “gato” é, dos casos escolhidos para análise, o mais simples

e, ao mesmo tempo, o mais questionador, na medida em que derrubou ou ao

menos relativizou alguns pressuspostos previamente estabelecidos. Ao

contrário do que inicialmente supomos ao delimitarmos os casos para análise,

o Caso do “gato” não se mostrou como o mais rapidamente solucionado pela

Justiça, sendo, pelo contrário, o mais longo de todos. Ao todo, desde a

fiscalização, ele já dura mais de 18 anos. Somente na Justiça, já se foram mais

de 10 anos de duração do caso, que ainda se encontra em andamento na Vara

Federal de São Pedro da Aldeia. Relacionado a isso, o caso também não

confirmou o pressuposto inicial de que os “gatos” teriam pouca capacidade

litigatória, não conseguindo entrar com recursos em instâncias superiores. O

“gato” conseguiu entrar com recursos até o Superior Tribunal de Justiça,

atingindo a prescrição de diversos crimes que a ele foram imputados.

Veremos, contudo, que a capacidade litigatória do “gato”, ainda que

chegue até o STJ e consiga prolongar o caso até a prescrição de crimes,

demonstrará fragilidades importantes não apenas da defesa a ele

disponibilizada, mas também do próprio Judiciário, que, juntas, levam o caso a

“passos mornos” para a impunidade, quase sem nenhuma manifestação de

mérito por parte dos juízes e sem atuações marcantes por parte do Ministério

Público Federal.

Vejamos como o caso de iniciou e como foi tratado na Justiça.

3.2 – A fuga, a denúncia e as fiscalizações (1996-2004)

No início do ano de 1996, um trabalhador fugido de uma das fazendas

da empresa AGRISA, localizada em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, ligou para a

Federação dos Trabalhadores Rurais de Minas Gerais para denunciar as

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condições de trabalho que ele e outros trabalhadores aliciados no norte de

Minas vinham vivenciando no trabalho de corte de cana-de-açúcar na referida

fazenda70.

Após a denúncia do trabalhador, diversas visitas e operações de

fiscalização foram realizadas na AGRISA, em diferentes ocasiões, e por

diferentes órgãos do Estado e associações. O Grupo Especial de Fiscalização

Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego, que em teoria seria o

órgão primeiro e por excelência a fiscalizar o caso, figurou como apenas “mais

um” dentre os demais, conformando um quadro distinto das operações de

fiscalização que temos atualmente e, mais propriamente, a partir de meados

dos anos 2000, em que o GEFM passa a ocupar cada vez mais um lugar de

destaque e de protagonismo nas fiscalizações, como veremos acontecer nos

outros casos analisados.

A situação de “pluralidade” na fiscalização ou de não-protagonismo do

GEFM no Caso do “gato” ilustra de forma muito clara a fragilidade institucional

e política do Grupo na época em que a denúncia havia sido feita, quando

contava com apenas 6 meses de existência (e muitos problemas).

Como já vimos no Capítulo 2, o Grupo Móvel foi criado em meados de

1995, e, pelo menos até meados dos anos 2000, enfrentou dificuldades com

relação à falta de estrutura e à falta de legitimidade e reconhecimento perante

outros órgãos do Estado. Foi criticado não somente pela falta de estrutura,

como também por não ter mecanismos que estabelecessem uma coordenação

com os demais órgãos estatais. A falta de coordenação interinstitucional fazia

com que o Grupo atuasse, na maioria das vezes, sem a presença da Polícia

Federal (tornando o Grupo alvo de ameaças de fazendeiros e capangas) e sem

70

As informações e depoimentos narrados acerca da denúncia do trabalhador e da fiscalização feita pelo Grupo Móvel só se encontraram disponbilizadas na denúncia que o Ministério Público Federal encaminhou para a Vara Federal de São Pedro da Aldeia para a abertura da Ação Penal. A denúncia do MPF pode ser consultada através do link: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:omooh4R-6n4J:www.prrj.mpf.mp.br/institucional/prdc/atuacao/atuacao-extrajudicial-1/recomendacoes-tacs-e-outros/criminal/denuncia-contra-cinco-envolvidos-em-trabalho-escravo-nas-empresas-agrisa-e-fontes-que-exploram-cana-de-acucar-em-cabo-frio/at_download/documento+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.

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os delegados das Delegacias Regionais do Trabalho (dificultando a

qualificação penal do trabalho escravo e a instauração dos inquéritos policiais).

Falava-se, inclusive, que os diferentes órgãos estatais acabavam realizando

operações de fiscalização independentes do Grupo – como faziam as

Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) – gerando, assim, uma pluralidade

de relatórios e pareceres que não somente atrasavam a abertura das ações

sobre trabalho escravo na Justiça, como resultavam em impunidade e

reincidência das denúncias.

No Caso do “gato”, pudemos encontrar diversas dessas dificuldades

para a atuação do GEFM e para o encaminhamento dos inquéritos e da Ação

Penal na Justiça, começando pelo número de fiscalizações que foram

realizadas. Ao todo, o Caso do “gato” perpassou por um total de seis

operações de fiscalização, contando com apenas uma do GEFM, como mostra

o quadro abaixo. Vejamos quando e como cada operação se deu, e o que fora

relatado.

Tabela 16 - Operações de Fiscalização realizadas no Caso do "gato"

Data da fiscalização Atores da Fiscalização

15/02/1996

- Associação dos Trabalhadores na Agricultura - Secretaria de Saneamento da Prefeitura de Cabo Frio - OAB/RJ - Fetag - CPT

24/07/1996 Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)

Meados de 1999 - Subsecretaria do Trabalho - Secretaria de Segurança Pública - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio

30/06/2003 - DRT - MPT - PF

03/07/2003 - DRT - MPT - PF

12/08/2003 - DRT

A primeira fiscalização foi realizada em 15 de fevereiro de 1996 por uma

comissão composta pelo então Presidente da Associação dos Trabalhadores

na Agricultura, por profissionais da Secretaria de Saneamento da Prefeitura de

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Cabo Frio, representantes da OAB do Rio de Janeiro, representantes da

FETAG e de integrantes da CPT.

Segundo os relatos dos integrantes dessa comissão, a visita à AGRISA

foi marcada por hostilidade e violência por parte do então proprietário e diretor

da AGRISA, Demétrio Fontes Tourinho, que, acompanhado por cinco

“capatazes ostensivamente armados” procurou expulsar a comissão de sua

fazenda, chegando, inclusive, a agir com ameaça e violência com a

representante da CPT então presente, agarrando-a fortemente pelo braço ao

afirmar que nenhum trabalhador sairia de lá. (BRASIL/MPF, 2003: 3). Diante da

situação, o Presidente da FETAG, também presente na ocasião, procurou

ajuda da Polícia Civil local e pediu para que os acompanhassem até a fazenda,

conseguindo, com isso, retirar os trabalhadores e leva-los até o fórum de Cabo

Frio (BRASIL/MPF, 2003: 3-4).

Além da hostilidade com que foi recebida, a comissão, quando no

interior da AGRISA, relatou que a denúncia feita pelo trabalhador se

confirmava, tendo em vista a constatação das condições precárias de trabalho,

que se mostravam impróprias “até mesmo para animais irracionais”. Os

trabalhadores estavam todos amontados em um alojamento sem qualquer

condição de higiene, e que também não dispunha de instalações sanitárias

básicas, tais como banheiro e chuveiro (BRASIL/MPF, 2003: 3).

O relato dessa primeira visita à AGRISA foi confirmado no relatório de

vistoria feito na mesma oportunidade pelo Serviço de Vigilância Epidemiológica

da Secretaria de Saúde de Cabo Frio, que apontou que as condições

higiênicas, bem como a qualidade da alimentação e do manuseio das

refeições, eram de tal modo precário e inadequado que nem encontravam

termo para definir o que viram (BRASIL/MPF, 2003: 4). E relataram, ainda, que

os trabalhadores não tinham qualquer tipo de assistência médica, muito

embora o diretor da Agrisa tivesse dito que existia um médico contratado pela

empresa para atender aos trabalhadores.

Alguns dias depois, em 26 de fevereiro de 1996, o então Presidente da

20ª Subseção de Cabo Frio da OAB – que também participara da primeira

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visita à AGRISA, levou o caso ao conhecimento de autoridades competentes

(como GEFM, MPF, DRTs e MPT), descrevendo em suas palavras o que

disseram diversos dos trabalhadores resgatados, e confirmando, mais uma

vez, a situação encontrada pela pequena comissão. Descreveu como “engôdo”

e como “absolutamente perversas” as condições de trabalho a que estavam

submetidos cerca de 140 trabalhadores na Agrisa.

Novamente se faz o relato acerca das acomodações precárias, da

comida de péssima qualidade e da falta de assistêcia médica, situação que era

piorada em função do trabalho extenuante e dos pagamentos muito abaixo do

que fora prometido, principalmente em razão de descontos resultantes de

dívidas dos trabalhados em uma “venda” de propriedade do gato Mario Rubens

Viana Higino, protagonista do nosso caso. Segundo os relatos, o gato cobrava

dos trabalhados um valor de 30 a 45 reais por 15 dias de refeições, que, por

sua vez, eram de tão baixa qualidade que acabavam forçando os trabalhadores

a comprarem alimentos na venda do próprio gato, no que acabavam

individados.

Depois de passados 5 meses da primeira visita de fiscalização, o Grupo

Especial de Fiscalização Móvel realizou a sua vistoria, em 24 de julho de 1996.

Sua fiscalização, no entanto, não foi feita nas instalações da AGRISA, mas sim

nas instalações da empresa FONTES Agropecuária, localizada, como a outra,

no distrito de Cabo Frio. Propriedade do mesmo dono e diretor da AGRISA

(Demétrio Fontes Tourinho), a empresa Fontes também havia sido denunciada

por condições degradantes de trabalho pelos trabalhadores resgatados pela

pequena comissão, ensejando, portanto, a realização da fiscalização em suas

dependências. O gato Mario Rubens prestava seus serviços tanto numa

empresa quanto na outra, aliciando trabalhadores de outros estados e se

responsabilizando por sua alimentação.

A situação encontrada pelo GEFM na FONTES Agropecuária se

apresentou semelhante a que foi presenciada na AGRISA anteriormente,

configurando o que o Grupo chamou de condições de trabalho “rigorosamente

degradantes”. Além dos problemas já constatados na AGRISA, o GEFM relatou

que a empresa nem sequer fornecia água potável nas frentes de trabalho, no

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151

que os trabalhadores acabavam se reutilizando de embalagens vazias de

agrotóxicos para levar a sua própria água. Além disso, os trabalhados se

encontravam todos sem registro na Carteira de Trabalho.

A terceira e a quarta fiscalização, por sua vez, foram realizadas,

respectivamente em 30 de junho de 2003 e 3 de julho de 2003, pela DRT e

pelo MPT da região, dessa vez com o apoio da Polícia Federal. Aparentando

possuir mais recursos a sua disposição para coletar provas e depoimentos,

essas duas fiscalizações apresentaram mais relatos acerca das condições de

trabalho na AGRISA. Mesmo após 7 anos da denúncia feita pelo trabalhador

fugido, com 2 fiscalizações já realizadas e pelo menos 3 Inquéritos Policiais

abertos (que veremos logo adiante), os órgãos fiscalizadores constataram que

a situação degradante dos trabalhadores na AGRISA ainda continuavam as

mesmas.

Em seus relatos, apontaram que se depararam com um “quadro

dantesco”, em função da “condição subumana” dos alojamentos dos

trabalhadores; da péssima qualidade das instalações sanitárias; da água

fornecida aos trabalhadores, que vinha de um poço a céu aberto e com

proliferação de algas nocivas; da convivência com esgoto a céu aberto e

pocilga; do pagamento de salários irrisórios; das jornadas exaustivas de

trabalho; dos descontos salariais e da “exploração escrava” de dívida

progressiva na aquisição de alimentos pelos trabalhadores. (BRASIL/MPF,

2003: 7).

Apenas um mês depois dessas duas fiscalizações, foi realizada, em 12

de agosto de 2003, a sexta e última fiscalização na AGRISA, e também na

empresa FONTES, pelo MPT, DRT, PF, MPF e INSS. Mais uma vez, as

autoridades constataram a permanência das condições degradantes em que

viviam os trabalhadores dentro das referidas empresas. Na ocasião, os gatos,

incluindo o Mario Rubens, foram conduzidos para a Delegacia da Polícia

Federal em Macaé, no Rio de Janeiro, para prestarem esclarecimentos.

Mesmo com todas essas fiscalizações sustentando um reconhecimento

quase uníssono das situações degradantes encontradas, demorou cerca de 8

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152

anos para a abertura da Ação Penal na Justiça. Quais seriam as possíveis

razões para essa demora? Duas explicações podem, de início, nos ajudar a

compreender esse aspecto, uma de ordem institucional e outra de ordem

institucional-estratégica.

A primeira possível explicação está relacionada a uma questão que já

levantamos anteriormente, e que diz respeito ao caráter plural e fragmentado

do quadro fiscalizatório na época da denúncia. Talvez o problema, por melhor

dizer, não esteja na pluralidade de fiscalizações, na medida em que elas não

divergiram muito uma da outra, mas na atuação fragmentada, ou melhor,

destituída de uma coordenação central, para que as irregularidades e os crimes

fossem constatados de uma única vez, e encaminhados também de uma única

vez às autoridades competentes para a abertura dos Inquéritos Policiais e das

Ações na Justiça.

Nos outros casos, como veremos, em que o GEFM já tem um maior

protagonismo no quadro fiscalizatório, não houve tanta demora na abertura

(ressalte-se que somente na abertura) dos processos na Justiça71. O maior

protagonismo do Grupo, contudo, não significou que se extinguiu a pluralidade,

na medida em que as suas melhorias institucionais consistiram justamente na

incorporação dessa pluralidade para o seu interior, através da participação

conjunta e coordenada de outros órgãos estatais, e também de associações,

nas operações de fiscalização, facilitando o trabalho de investigação, de

enquadramento penal e de encaminhamento de inquéritos e ações na Justiça.

No Caso do “gato”, a pluralidade de fiscalizações não se desdobrou em

descrições que contradiziam o GEFM, nem em descrições muito distintas das

que ele fez. Pelo contrário, todas reconheceram e apresentaram elementos que

caracterizavam o quadro degradante ao qual estavam submetidos os

trabalhadores. Porém, as fiscalizações não estavam integradas nem

coordenadas. E uma ilustração disso se encontra não apenas nas descrições

ou pontos que eram adicionados a cada fiscalização, como também se refletia

71

Ver Espectro dos Casos nas Políticas de Erradicação do Trabalho Escravo, no Apêndice 2 da tese.

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153

na abertura “pingada” dos diversos Inquéritos Policiais para investigar cada

hora um crime, retardando a investigação do caso como um todo e a

propositura da Ação Penal na Justiça. Ou seja, não havia uma integração e

coordenação nem entre as fiscalizações, nem entre elas e as aberturas dos

Inquéritos Policiais.

Como podemos ver no quadro abaixo, o primeiro Inquérito Policial aberto

em 15 de agosto de 1996 buscava investigar a responsabilidade dos acusados

apenas no crime de aliciamento de trabalhadores de um estado para o outro do

território nacional. Outros fatores que foram apresentados pelas fiscalizações

até então feitas não foram incorporadas pelo Inquérito, no que as descrições

acerca das condições degradantes de trabalho não foram abrangidas pela

primeira investigação. O segundo Inquérito Policial, por sua vez, aberto em 18

de agosto de 1999 já incorporava a preocupação relatada nas fiscalizações

acerca do trabalho escravo. Como vemos, contudo, esse reconhecimento se

deu após 3 anos da denúncia e das fiscalizações até então realizadas. Mais

tarde, em 20/09/20003, é aberto mais um Inquérito Policial, desta vez para

investigar o crime de frustração, mediante fraude ou violência, de direito

assegurado pela legislação trabalhista. Foram, neste último inquérito, quase

sete anos para investigar um crime que foi um dos mais claramente relatados

pelas fiscalizações feitas desde o início.

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154

Tabela 17 - Quadro de Inquéritos Policiais abertos para o Caso do "gato"

Data da fiscalização Atores da Fiscalização

15/02/1996

- Associação dos Trabalhadores na Agricultura - Secretaria de Saneamento da Prefeitura de Cabo Frio - OAB/RJ - Fetag - CPT

24/07/1996 Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)

15/08/1996 – Inquérito Policial (0034573-16.1996.4.02.5108) Apuração do crime previsto no art. 207 – Aliciamento de trabalhador para um estado para o outro do território nacional

Meados de 1999 - Subsecretaria do Trabalho - Secretaria de Segurança Pública - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio

18/08/1999 – Inquérito Policial (0652077-78.1999.4.02.5108) Apuração do crime previsto no art. 149 – redução à condição análoga à de escravo

Apuração do crime previsto no art. 197 – constranger alguém mediante violência ou grave ameaça

25/09/2000 – Inquérito Policial (0001457-77.2000.4.02.5108) Apuração do crime previsto no art. 203 – frustração por meio de fraude ou violência de direito assegurado por

legislação trabalhista

30/06/2003 - DRT - MPT - PF

03/07/2003 - DRT - MPT - PF

12/08/2003 - DRT

17/09/2003 – Inquérito Policial (0001286-18.2003.4.02.5108) Apuração de responsabilidade da empresa AGRISA e FONTES

Trata-se de um quadro muito distinto, como veremos, do encontrado nos

outros casos analisados, em que as fiscalizações já se pautam pela concepção

de que existe uma “cesta de crimes” do trabalho escravo, isto é, quando se

fiscaliza denúncias de trabalho escravo, fiscaliza-se um conjunto de crimes

que, com frequência, aparecem juntos nas denúncias e nas investigações,

como é o caso do crime de aliciamento de trabalhadores de um estado para o

outro do território, do crime de exposição da vida ou da saúde do trabalhador a

perigo direto e iminente, e do crime de frustração, mediante fraude ou violência,

de direito assegurado por legislação trabalhista, todos os crimes que foram

investigados no Caso do “gato” cada qual por um Inquérito separado.

Essa investigação “em goteira”, ou esse entendimento ainda não

sedimentado nas instituições acerca do trabalho escravo e das circunstancias

que os cercam podem ser, também, resultantes do que chamamos de um

“problema de lei” somado aos usos estratégicos da lei – e aí nós já entramos

na segunda possível explicação para a demora na abertura da Ação Penal na

Justiça.

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155

A maioria das fiscalizações e dos inquéritos policiais do Caso do “gato”

foi realizada antes da promulgação da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003,

que, como já vimos no Capítulo 2, incrementou o artigo 149 do Código Penal,

que versava sobre o crime de trabalho escravo, para facilitar a sua identificação

pelos agentes fiscais e outros órgãos do Estado. A frase então genérica

“redução à condição análoga à de escravo” foi consubstanciada em três

possibilidades concretas: o trabalho forçado ou jornada exaustiva, a servidão

por dívida, e o trabalho em condições degradantes.

No Caso do “gato”, todas essas três possiblidades foram relatadas pelas

diferentes fiscalizações, porém, quando elas foram denunciadas, fiscalizadas e

investigadas, o artigo 149 ainda estava em seu formato genérico, deixando aos

sujeitos que a mobilizaram preencherem e disputarem o seu significado. Assim,

a demora e as dificuldades para o ajuizamento da Ação Penal na Justiça

podem ter resultado também da generalidade da lei na época, tanto que a Ação

Penal só foi ajuizada em 7 de janeiro de 2004, quando a lei genérica do

trabalho escravo já havia sido consubstanciada nas possibilidades concretas já

citadas para adequar as “condições degradantes”, que tantas vezes

apareceram nos relatórios de fiscalização.

3.3 – O Caso do “gato” no Judiciário (2004-2015)

No Poder Judiciário, o Caso do “gato” se desenvolveu integralmente nas

instâncias da Justiça Federal, contabilizando um total de sete processos: a

Ação Penal do MPF na Vara Federal de São Pedro da Aldeia (RJ); cinco

processos do gato no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sendo dois

pedidos de Habeas Corpus, um Mandado de Segurança e dois Recursos em

Sentido Estrito; e um Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça.

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156

Tabela 18 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do "gato"

Nº do Processo/Ação Autor Esfera Instância Data de

Autuação

Ação Penal (0000019-79.2004.4.025108) MPF JF VF 07/01/2004

Habeas Corpus (2004.02.01.001840-3) Gato JF TRF 2 18/02/2004

Habeas Corpus (2005/0013066-5) Gato JF STJ 31/01/2005

Mandado de Segurança (2005.02.01.004629-4) Gato JF TRF 2 23/05/2005

Recurso em Sentido Estrito (2005.51.08.000129-0) Gato JF TRF 2 14/09/2005

Recurso em Sentido Estrito (2005.51.08.000019-0) Gato JF TRF 2 22/03/2013

Habeas Corpus (2014.02.01.008105-2) Gato JF TRF 2 12/09/2014

Como podemos observar no quadro abaixo, o Caso do “gato” ainda se

encontra em andamento na Justiça Federal de 1º grau. Embora alguns crimes

imputados ao gato tenham, obviamente, prescritos, ele ainda continua a

responder pelo crime de trabalho escravo. Como veremos, o Caso do “gato” é

o mais longo de todos os três casos escolhidos para análise. Somente no

Poder Judiciário, já são mais de 10 anos de andamento; e se considerarmos o

tempo entre a denúncia feita pelo trabalhador no início de 1996 e a última

movimentação na Vara Federal de São Pedro da Aldeia, aí se vão mais de 18

anos de existência do caso.

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157

Tabela 19 - Características Gerais dos Processos Judiciais no Caso do "gato"

Nº do Processo/Ação Autor Instância Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resposta

Ação Penal (0000019-74.2004.4.02.5108)

MPF VF 07/01/2004 Em

andamento

Até 16/06/2015: 11 anos, 5 meses e 8

dias

Até 16/06/2015: - prescrição com relação aos crimes previstos pelos arts. 207 e 288; - prosseguimento com relação ao crime previsto pelo art. 149 (trabalho escravo)

Habeas Corpus (2004.02.01.001840-3)

Gato TRF 2 18/02/2004 18/05/2004 2 meses e

28 dias

INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Embargos de Declaração Gato TRF 2 14/06/2004 03/08/2004 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Habeas Corpus (2005/0013066-5)

Gato STJ 31/01/2005 19/05/2005 3 meses e

15 dias

INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Embargos de Declaração Gato STJ 22/06/2005 18/08/2005 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Mandado de Segurança (2005.02.01.004629-4)

Gato TRF 2 23/05/2005 30/05/2005 3 meses e

13 dias

PREJUDICADO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

Agravo interno Gato TRF 2 07/06/2005 06/09/2005 INDEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

Recurso em Sentido Estrito (2005.51.08.000129-0)

Gato TRF 2 14/09/2005 26/10/2005

1 ano, 7 meses e 26

dias

PREJUDICADO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

Agravo interno Gato TRF 2 16/11/2005 13/01/2006 DEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

Embargos de declaração Gato TRF 2 25/01/2006 22/02/2006 INDEFERIDO (MAIORIA)

Embargos infringentes Gato TRF 2 23/06/2006 26/02/2007 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Recurso Especial Gato TRF 2 29/03/2007 15/05/2007 DEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

Recurso em Sentido Estrito (2005.51.08.000019-0)

Gato TRF 2 22/03/2013 17/09/2013 5 meses e

24 dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Habeas Corpus (2014.02.01.008105-2)

Gato TRF 2 12/09/2014 16/09/2014 1 mês e 29

dias

INDEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

Liminar Gato TRF 2 12/09/2014 11/11/2014 DEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

Um ponto interessante a se observar é que, embora as decisões dos

juízes de primeiro grau não entrem na avaliação do crime de trabalho escravo,

mesmo com tanto tempo de processo, elas nos dizem muito a respeito da

atuação do juiz e do papel exercido por alguns princípios do processo penal

acusatório para a condução do processo pelo juiz. Além desse aspecto, as

decisões e o andamento do processo em primeiro grau nos mostram como que

outras questões, como deficiências institucionais da Vara e o descaso ou

desleixo dos advogados dativos, influem no seguimento do processo e

imprimem uma sensação de mornidão no tratamento que o Judiciário e os

atores jurídicos deram ao caso em questão, levando à prescrição de vários

crimes.

Os processos na segunda e terceira instâncias, por sua vez, já nos

mostram alguns posicionamentos de desembargadores e ministros que entram

um pouco mais na questão do tema do trabalho escravo e da comprovação de

sua materialidade para o Caso do “gato”. Como veremos, contudo, as

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estratégias protelatórias dos acusados e de suas defesas em primeiro grau

acabarão ajudando a conformar o andamento e o tom dos argumentos dos

juízes também na justiça de 2º e 3º graus. Vejamos, primeiramente, como o

caso de desenvolveu em 1ª instância.

Em 7 de janeiro de 2004, depois de 8 anos da denúncia feito pelo

trabalhador, diversas fiscalizações e Inquéritos em “goteira”, finalmente é

autuada a Ação Penal (0000019-74.2004.4.02.5108)72 do MPF contra o

proprietário e gatos da AGRISA e FONTES na Vara Federal de São Pedro da

Aldeia. O gato Mario, particularmente, foi incurso em três crimes: o de

aliciamento de trabalhadores de fora do estado, o de constituir organização

criminosa e o de reduzir os trabalhadores à condição análoga à de escravo. Em

sua denúncia, o MPF resgata partes dos relatórios produzidos pelas diversas

fiscalizações que foram feitas nas empresas AGRISA e FONTES, de forma a

fortalecer as evidências de que a situação encontrada era claramente a de

trabalho escravo. Sobre o gato Mario, fez a seguinte descrição e acusações:

“Mario Rubens Viana Higino, que trabalha na AGRISA há cerca de 20 anos, além de exercer as funções de “gato”, vez que foi, por exemplo, quem, pessoalmente, aliciou o trabalhador Manoel Pereira dos Santos em Santa Maria do Salto/MG, é o responsável pela alimentação precária dos trabalhadores, dos quais cobra a quantia de R$ 45,00 por quinzena. É, ainda, proprietário de uma “venda” localizada nas dependências da AGRISA, existente desde 1996, através da qual comercializa a preções extorsivos produtos de higiene (papel higiênico, sabonete, creme dental etc...) e comida necessária para suprir a péssima alimentação por ele próprio fornecida. O raciocínio é simples, porém perverso: como a comida é de baixíssima qualidade, os trabalhadores, diante da inexistência de outra alternativa, se vêem obrigados a adquirir produtos da “venda”. Ao final de cada quinzena, o parco salário recebido não é suficiente para pagar os produtos adquiridos, donde se inicia um processo contínuo de endividamento, que acaba por impedir que o trabalhador

se desligue, porque devedor, da empresa” (BRASIL/MPF, 2003: 10).

Depois de finalmente autuada essas denúncias na Justiça para tratar do

crime de trabalho escravo, o que vemos curiosamente, daqui em diante – pelo

72

O andamento processual da Ação Penal não se encontra disponível para versão pdf e nem link, dado que se mostra o link geral de busca de processos do TRF2, mas não o andamento processual específico.

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159

menos na instância de 1º grau – é justamente a não discussão dessas

denúncias e da caracterização do trabalho escravo. No máximo, encontramos

uma tentativa dos acusados, em 28 de setembro de 2004, de questionar a

competência da Justiça Federal para julgar o caso, em que foram contrariados

pela Vara Federal, que se declarou competente para contenda. Ressalte-se

que o problema da competência é característico (mas não exclusivo) desse

período, na medida em que a decisão do STF determinando a competência da

Justiça Federal para julgar os crimes de trabalho escravo foi tomada apenas

em 2006, dando um norte, mas não um fim aos conflitos de competência.

De resto, o que vemos acontecer na Justiça Federal de 1º grau é um

longo processo marcado por uma série de acontecimentos de ordem

burocrática e de natureza processual, especialmente relacionados a

designações e redesignações infinitas de audiências, que acabaram durando

mais de 10 anos e ainda se encontram em andamento. Mas, ao contrário do

que se poderia imaginar, esses acontecimentos de ordem burocrática e

processual nos trouxeram novos elementos para entender como que o

Judiciário pode tratar um caso de trabalho escravo.

Os cancelamentos e redesignações de audiências apresentaram-se

como os principais acontecimentos que prolongaram a Ação Penal73 ao longo

dos mais de 10 anos de processo, no que pudemos contabilizar, conforme

mostra a Tabela abaixo, pelo menos 25 cancelamentos e redesignações de

audiências que foram deferidas pelo diferentes juízes que passaram pelo caso.

Os cancelamentos e as redesignações se estenderam desde o ano de

autuação da Ação Penal, em 2004, até o ano de 2013, quando prescreveu a

maioria dos crimes imputados ao gato Mario.

73

Ver Espectro Temporal do Caso do “gato” no Apêndice 3.

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160

Tabela 20 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso do "gato"

Data do

cancelamento Data marcada

Data(s) redesignada

(s) Motivo da Redesignação Autor do pedido

1 13/04/2004 Não informado Não informado Não informado Um dos acusados

2 02/05/2005 Não informado Não informado Testemunhas de acusação não foram devidamente notificadas

MPF

3 25/08/2005 25/08/2005 Diversas Ausentes dois acusados e suas defesas – não foram devidamente notificados

Gatos

4 03/11/2005 03/11/2005 16/03/2006 Ausente um acusado – licença médica Gato

5 02/12/2005 02/12/2005 Não informado Ausente um acusado – licença médica Gato

6 28/03/2006 28/03/2006 19/05/2006 Substituição de testemunha de acusação MPF

7 19/05/2006 19/05/2006 Não informado

Ausente um acusado e sua defesa – impossibilidade do defensor dativo de comparecer

Gato

8 04/08/2006 Não informado Diversas Repetição de depoimentos – acusados e suas defesas não foram devidamente notificados

Gatos

9 18/10/2007 25/10/2007 06/11/2007 Não informado Não informado

10 12/03/2008 23/04/2008 13/05/2008 Feriado Juiz

11 26/05/2008 Não informado 22/07/2008 Não informado MPF

13 30/09/2008 Não informado 09/12/2008 Não informado Não informado

14 09/12/2008 Não informado 03/03/2009 Testemunhas não encontradas Juiz

15 17/12/2008 Não informado Diversas

Repetição de depoimentos – acusados e suas e suas defesas não foram devidamente notificados

Gatos

16 03/02/2009 Não informado 03/03/2009

- Testemunhas não encontradas - Ausentes as defesas dos réus – por impossibilidade do defensor dativo comparecer

Gatos

17 02/03/2009 02/03/2009 06/05/2009 Suspensão do atendimento ao público Juiz

18 09/03/2009 06/05/2009 12/03/2009 Ausência de testemunhas Juiz

19 12/03/2009 Não informado 07/04/2009 Ausente a defesa do gato – por impossibilidade do defensor dativo comparecer

Gato

20 31/03/2009 Não informado 07/04/2009 Ausente a defesa do gato – por impossibilidade do defensor dativo comparecer

Gato

21 30/04/2009 Não informado 09/06/2009 Ausente a defesa do gato – por impossibilidade do defensor dativo comparecer

Gato

22 09/08/2010 Não informado 31/08/2010 Necessidade de readequação de pauta Juiz

23 31/08/2010 Não informado 16/11/2010 Coincidência de audiências Juiz

24 08/10/2012 - Diversas

Repetição de depoimentos: - as defesas não foram devidamente informadas; - não designação de advogados dativos; - as testemunhas não foram devidamente notificadas

Gatos

25 08/05/2013 08/05/2013 16/06/2013

Ausentes as defesas dos réus – por impossibilidade do defensor dativo comparecer - A defesa não foi devidamente notificada

Gatos

Como podemos observar, 12 das 25 vezes em que houve

cancelamentos e redesignações de audiências, o pedido partiu dos acusados,

em conjunto ou, por algumas vezes, sozinhos. E os motivos alegados e

reconhecidos pelo juiz para os cancelamentos apresentaram naturezas

diversas, sobretudo relacionadas a problemas de ordem institucional e de

ordem pessoal/institucional, como a falta de interesse ou de comprometimento

dos advogados dativos que fizeram a defesa dos gatos, inclusive a do gato

Mario.

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161

Tabela 21 - Natureza dos motivos de redesignação de audiências - Caso do "gato"

Natureza dos motivos

Motivos Ocorrências

Institucional

Necessidade de repetição de depoimento de testemunhas, pelos acusados e suas defesas não terem sido devidamente notificados pela Vara

3

Ausência de acusados e/ou de suas defesas na audiência, por não terem sido devidamente notificados pela Vara

2

Necessidade de repetição de depoimento de testemunhas, pelas testemunhas não terem sido devidamente notificadas pela Vara

1

Necessidade de repetição de depoimento de testemunhas, pela demora por parte do juiz em designar advogado dativo substituto

1

Pessoal/Institucional Ausência de acusados e/ou de suas defesas, pela impossibilidade do comparecimento da defesa

6

Pessoal Ausência de acusados, por motivo de saúde 2

Estrutural Testemunhas não encontradas, por possível mudança de endereço 1

Dentre os motivos de natureza institucional, encontramos os problemas

relacionados às falhas da Vara Federal no processo de notificação das partes

sobre as audiências; e também relacionados aos problemas com a demora na

designação de outros advogados dativos para substituir as tantas ausências

dos advogados dativos dos gatos. Nos pedidos de adiamento em função de

falhas nas notificações, argumentou-se ou que estas não eram feitas de forma

clara às partes, dificultando o conhecimento sobre as audiências, ou que elas

não eram feitas em tempo hábil para o comparecimento na data estabelecida.

Os pedidos de repetição de depoimentos decorrentes principalmente das falhas

nas notificações levaram à redesignação de diversas audiências para a oitiva

de testemunhas, ao passo que os juízes de primeiro grau reconheciam tais

falhas e acatavam os pedidos do gato, prolongado consideravelmente o

andamento processual74.

Nessas ocasiões em que a repetição de depoimentos em função das

falhas nas notificações foi aceita pelo juiz, este alegou a necessidade de não

se violarem “os direitos dos réus ao contraditório e à ampla defesa”. O curioso

é que esse mesmo argumento foi encontrado em diferentes períodos do

andamento do processo: seja em 2006, quando o processo ainda estava em

seu “início”, seja mais para frente, em 2008, seja em 2012 (!), um ano antes de

vários crimes prescrevem.

74

Ver Espectro temporal do Caso do “gato” no Apêndice 3.

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162

Ou seja, depois de passado cerca de 8 anos da entrada da Ação Penal,

com diversos depoimentos já prestados em juízo, e com várias petições

reclamando (estrategicamente) de falhas nas notificações, estas continuaram a

ocorrer e a serem reconhecidas pelo juiz até 2012, fazendo com que, neste

período, ainda estivessem ocorrendo audiências de oitiva de testemunhas, ou

mais adequadamente, de repetição dessas oitivas. Em decisão do dia 8 de

outubro de 2012, por exemplo, o juiz deferiu o pedido dos gatos para a

repetição de depoimentos de 30 testemunhas em função de alegadas falhas

nas notificações. E, contraditoriamente, apontou que deferia o pedido de

repetição dos depoimentos, mas que era preciso “ponderar os fatos e as

razões, com o objetivo de evitar nulidades que frustrem todo o esforço deste

Juízo no sentido da razoável duração do processo, de modo a evitar a

prescrição”.

É certo que o juiz indeferiu diversos pedidos dos acusados para a

repetição de depoimentos, porém, quando o fez, logo depois reconsiderou o

pedido, ou o fez em período muito próximo ou posterior às prescrições. É certo

também que o processo, sendo tão longo, passou pelos olhos de diversos

juízes substitutos, que também deram decisões de indeferimento aos pedidos

dos gatos, mas que foram posteriormente reconsiderados por outros juízes. E,

ao fim, os indeferimentos aos pedidos protelatórios dos gatos não exerceram

impacto suficiente para que, de fato, fosse respeitada a tal “razoável duração

do processo”, como atestam as tantas postergações de audiências deferidas.

Antes da decisão de 8 de outubro de 2012, por exemplo, – quando o juiz

em questão aceitou repetir o depoimento de 30 testemunhas – ele já havia

indeferido o mesmo pedido três meses antes, em 11 de julho de 2012, quando

apreciou pedido de embargos de declaração dos gatos. Ao indeferir o pedido

de repetição de depoimentos, que vinha sendo posto desde 27 de abril de

2011, o juiz alegou que não havia a necessidade de ouvir as testemunhas

novamente, na medida em que, ainda que as notificações não tivessem sido

feitas da forma mais exemplar, elas sempre foram publicadas pelo órgão oficial

e comunicadas através de cartas precatórias, sendo ônus e interesse das

próprias partes o acompanhamento dos trâmites. Argumenta, ainda, que os

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163

gatos estavam querendo garantias de defesa maiores que as previstas em lei,

e muito além do que a Vara de São Pedro da Aldeia poderia arcar, dado o “seu

acervo sabidamente elevado (certa de 16 mil processos), bem como a

elevadíssima distribuição (cerca de 450 processos/mês)”. Segundo o juiz, não

havia de se falar em prejuízo para a ampla defesa quando todas as garantias

legais haviam sido cumpridas, e quando os acusados tiveram seguidas

oportunidades dadas por ele e por outros juízes, através das redesignações,

para acompanharem as audiências.

Depois de argumentar tudo isso, o mesmo juiz muda sua opinião na já

comentada decisão de 8 de outubro de 2012, reconsiderando redesignar novas

audiências para ouvir as 30 testemunhas que já haviam sido ouvidas em juízo,

sob a alegação de que os depoimentos em questão não puderam de fato

serem acompanhadas pelos gatos, seja em função de falhas na notificação das

audiências, seja em função da demora do próprio juízo em designar um novo

advogado dativo para o gato Mario, que já não contava com a presença de sua

advogada dativa há muitas audiências.

Como podemos notar no quadro das motivações dos adiamentos, vemos

que o problema da ausência dos advogados dativos nas audiências constituiu

um problema de significativa importância para o andamento do caso. Os gatos

acusados neste processo, inclusive o gato Mario, foram todos defendidos por

advogados dativos, indicados pelo juiz (provavelmente) em função da

impossibilidade dos gatos em contratarem um advogado particular. E o que

vemos acontecer no Caso do “gato” é a realização de uma defensoria frágil em

argumentos, muitas vezes desinteressada, porém estratégica nos recursos, na

medida em que o advogado não chega de fato a “defender” o gato das

acusações, mas simplesmente a se utilizar estrategicamente das falhas da

Vara e dos princípios do contraditório e da ampla defesa, para evitar, até

mesmo, a realização de audiências de depoimentos de testemunhas, tantas

vezes redesignadas.

O interessante, contudo, é que ainda que esses advogados tenham

atuado de modo frágil enquanto “defesa” das acusações feitas, eles acabaram

alcançando um resultado favorável não só para os gatos, como também para o

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164

próprio proprietário da AGRISA, cujo advogado particular não precisou fazer

muito esforço (além de comparecer às audiências) para defender o seu cliente.

Mesmo parecendo desinteressados em realizar a defesa dos gatos – como

denotam as suas sucessivas ausências–, o desinteresse e a fragilidade dos

advogados dativos acabou se coadunando com fatores institucionais ligados à

Vara (falhas nas notificações) e de atuação (variável) dos juízes de primeiro

grau (com relação aos princípios da ampla defesa e da razoável duração do

processo), que, em conjunto, imprimiram a forma pela qual o caso transcorreu

na Vara: adiamentos de audiência até a prescrição. É como se o caminho aqui

tivesse se dado pelo caminho “mais fácil” para a impunidade. Não foram

precisos fortes argumentos e nem eloquentes contestações das provas e das

acusações.

Em 25 de outubro de 2013, após tantos cancelamentos e redesignações

de audiências, o juiz então responsável pela Vara declarou a prescrição para

os crimes de aliciamento de trabalhadores de um estado para o outro, de

formação de organização criminosa e de frustração, através de fraude ou

violência, de direitos assegurados por legislação trabalhista, que eram

atribuídos a todos os gatos e ao proprietário da AGRISA. Na mesma decisão, o

juiz também determinou o seguimento da Ação Penal para o crime de trabalho

escravo atribuídos ao gato Mario e a proprietário da empresa.

O interessante é observar que após a prescrição desses crimes, a

defesa do gato Mário continuou firme em sua estratégia de postergação das

audiências, pedindo, em meados de 2014, não somente a repetição dos

depoimentos de todas as testemunhas de defesa – alegando omissão do juízo

com relação aos seus pedidos de reinquirição de testemunhas em função de

falhas nas notificações – como também a renovação da produção de prova

pericial, 10 anos depois de aberta a Ação Penal, e cerca de 18 anos depois da

denúncia feita pelo trabalhador.

Seu pedido foi indeferido pela Vara Federal em 8 de agosto de 2014,

sob a justificativa de que (finalmente) a fase de produção de provas estaria

encerrada. E quanto à perícia no local, o juiz ressaltou a impossibilidade de se

realizar uma vistoria na fazenda da AGRISA.

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165

Após essa decisão, como veremos, o gato obteve uma decisão favorável

no TRF da 2ª Região, em 11 de novembro de 2014, que deferiu o pedido do

gato para a renovação dos depoimentos de testemunhas, fazendo com que a

Vara tomasse as providencias necessárias para a repetição das audiências.

Ainda hoje a Vara se encontra na tarefa de designar audiências de oitiva de

testemunhas e enviar cartas precatórias e intimações sobre a realização de

audiências, não sendo muito difícil imaginar o fim dessa Ação Penal.

Vejamos agora como que se deram os processos no TRF da 2ª Região

e no TST, que transcorreram ao longo do andamento da Ação Penal em

primeira instância.

A primeira vez que o gato Mario levou o caso ao Tribunal Regional

Federal da 2ª Região se deu logo após a autuação da Ação Penal na Vara

Federal de São Pedro da Aldeia. Em 18 de fevereiro de 2004, o TRF da 2ª

Região autuou um pedido de Habeas Corpus (2004.02.01.001840-3)75 do gato,

que buscava o trancamento da ação penal, sob alegação de descabimento da

denúncia. Em sua defesa, alegava que sua conduta não se encaixava nos

crimes dos quais estava sendo acusado, na medida em que não constituía

crime algum possuir um comércio dentro da fazenda da AGRISA.

Em 18 de maio de 2004, seu pedido foi indeferido por unanimidade pelo

TRF da 2ª Região76, que se arvorou na denúncia feita pelo MPF para apontar

que as condutas estavam bem tipificadas e comprovadas, criticando inclusive a

argumentação rasteira com a qual o gato e sua defesa haviam formulado seu

pedido de Habeas Corpus. Nas palavras do desembargador relator Raldênio

Bonifácio da Costa,

“... é óbvio que a denúncia não acusa o paciente de ter cometido qualquer crime simplesmente por “manter uma venda” mostrando-se, para dizer o menos, ingênuo e superficial a argumentação da Impetrante a este respeito. De fato, de uma leitura serena e equilibrada do contexto da denúncia facilmente percebe-se como a

75

Para a consulta do andamento processual, ver: http://www.trf2.gov.br/cgi-bin/pingres?proc=200402010018403&mov=1.

76 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

2004.02.01.00184-3. Relator: COSTA, Raldênio Bonifácio. Publicado no DJ de 07/06/2004.

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acusação feita ao paciente com base na “venda” por ele mantida não é de que seria crime explorar aquele comércio, mas sim a de que, integrando ele uma organização estável voltada para explorar trabalhadores em situação análoga à de escravos, utilizam-se os negócios daquela “venda” – como é sabido e notório acontecer em situação em que se verifica a moderna “escravidão” – para criação e manutenção de um vínculo indelével que faria com que os trabalhadores ficassem “aprisionados” à empresa (...)” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus 2004.02.01.00184-3. Relator: COSTA, Raldênio Bonifácio. Publicado no DJ de 07/06/2004, p. 4).

Como podemos observar, o voto dado pelo desembargador, que foi

seguido por unanimidade pelos demais desembargadores do TRF, já incorpora

claramente o entendimento de que o trabalho escravo também se

consubstancia no que ele chama de “moderna escravidão”, que é a servidão

por dívida, reconhecendo o papel exercido pelo gato e sua venda nesse novo

processo de submissão do trabalhador.

Inconformado com a decisão, o gato entrou com um pedido de

Embargos de Declaração no TRF, alegando que o Juízo em questão havia sido

omisso sobre a matéria do descabimento da denúncia. E novamente, em 3 de

agosto de 2004, o gato teve seu pedido indeferido, mais uma vez por

unanimidade77. O relator da decisão, o mesmo da decisão anterior, argumentou

que, além de não ter tido qualquer omissão por parte do juízo, o gato estaria se

utilizando dos instrumentos processuais errados para dar andamento a sua

“irresignação”, dando a entender que o gato e sua defesa queriam apenas

protelar o andamento do processo, como vinham de fato fazendo no processo

em primeiro grau.

Tendo seu pedido de Habeas Corpus negado no TRF, o gato entrou com

o pedido no Superior Tribunal de Justiça (HC17.233 - RJ ou 2005/0013066-

5)78, mais uma vez pedindo o trancamento da ação sob a alegação de que a

77

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 5ª Turma. Acórdão no Embargos de Declaração 2004.02.01.00184-3. Relator: COSTA, Raldênio Bonifácio. Publicado no DJ de 16/08/2004.

78 Para consulta do andamento processual, ver

https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=200500130665.

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denúncia do MPF era descabida, confusa, insuficiente para a comprovação de

sua conduta criminosa, e limitadora a sua defesa, dado que a tipificação do que

havia sido cometido não estava clara. Autuado em 31 de janeiro de 2005, o

pedido foi negado por unanimidade pelo TST em 19 de maio de 200579.

A relatora da decisão ministra Laurita Vaz colocou-se ao lado da

denúncia feita pelo MPF – assim como fez o desembargador relator do TRF –

apontando que as condutas criminosas do gato haviam sido satisfatoriamente

descritas, inclusive o crime de trabalho escravo em função de endividamento

dos trabalhadores com a venda de propriedade do gato:

“Com efeito, a conduta típica imputada ao paciente – art. 149, do Código Penal – foi individualizada e pormenorizada pelo Ministério Público Federal, o qual demonstrou que os negócios explorados pelo denunciado, no interior da empresa, na realidade era exercido para criar e manter um vínculo indelével entre os trabalhadores o estabelecimento empregador, de modo que, ao final, os trabalhadores permaneceriam “aprisionados” à empresa, em razão da dívida contraída” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma.

Acórdão no Habeas Corpus nº 17.233/RJ. Relatora: VAZ, Laurita. Publicado

no DJ de 20/06/2005, p. 5-6).

Contra esta decisão, o gato entrou em 22 de junho de 2005 com

embargos declaratórios, alegando omissão por parte do STJ, que, por sua vez,

novamente indeferiu por unanimidade o seu pedido em 18 de agosto de

200580. A ministra Laurita Vaz, em seu voto, alega que o gato apenas

procurava postergar o processo, na medida em que tentava rediscutir matéria

já suficientemente demonstrada, sem sequer se importar com a via jurídica

através da qual empreendia sua tentativa.

No entremeio da decisão do STJ e o posterior questionamento do gato,

este entrou com mais um recurso em 23 de maio de 2005, através de uma

79

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus nº 17.233/RJ. Relatora: VAZ, Laurita. Publicado no DJ de 20/06/2005. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=550679&num_registro=200500130665&data=20050620&formato=PDF.

80 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão nos Embargos de Declaração nº

17.233/RJ. Relatora: VAZ, Laurita. Publicado no DJ de 03/10/2005. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=570641&num_registro=200500130665&data=20051003&formato=PDF.

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168

Liminar em Mandado de Segurança (2005.02.01.004629-4)81 no TRF da 2ª

Região, desta vez para questionar decisão da Vara Federal de São Pedro da

Aldeia que havia rejeitado, ainda em 2004, os pedidos do gato alegando

incompetência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do caso.

O pedido foi julgado prejudicado em 30 de maio de 2005, por meio de decisão

democrática do desembargador Marcello de Souza Ferreira Granado82. Em sua

decisão, o desembargador alegou perda de objeto, na medida em que o gato já

havia aberto processo de Habeas Corpus no STJ com o mesmo fim e objeto,

pedido este que havia sido indeferido por unanimidade pelo referido Tribunal,

restando, portanto, prejudicado o mandado de segurança.

Mais uma vez inconformado, o gato interpôs, em 7 de junho de 2005, um

agravo interno ao TRF questionando a decisão monocrática do desembargador

Marcello de Souza Ferreira Granado. Segundo o gato, o objeto dos dois

recursos não eram os mesmos, argumentando, ainda, que o desembargador

estaria negando a prestação jurisdicional e violando o princípio do duplo grau

de jurisdição. Mais uma vez, porém, o gato teve seu recurso indeferido, em 6

de setembro de 2005, mas dessa vez por maioria de votos83.

Em 14 de setembro de 2005, é autuado um Recurso em Sentido Estrito

(2005.51.08.000129-0)84 no TRF da 2ª Região, em que o gato tenta por mais

uma vez contrariar a decisão democrática do Desembargador Granado, que,

sob seu ponto de vista do “gato”, violou seu direito ao duplo grau de jurisdição.

Seu pedido é novamente rejeitado por decisão democrática da Juíza Liliane

Roriz, em 26 de outubro de 2005, sob a mesma alegação dada anteriormente

81

Para consulta do andamento processual, ver: http://www.trf2.gov.br/cgi-bin/pingres-allen?proc=200502010046294&mov=1.

82 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão Monocrática em Liminar

no Mandado de Segurança 2005.02.01.004629-4. Relator: GRANADO, Marcello Ferreira de Souza. Publicado no DJ de 02/06/2005.

83 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Agravo interno 2005.02.01.004629-4. Relator: DIEFENTHAELER, Guilherme. Publicado no DJ de 15/05/2006.

84 Para consulta do andamento processual, ver: http://www.trf2.gov.br/cgi-bin/pingres-

allen?proc=200551080001290&andam=1&tipo_consulta=1&mov=3.

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sobre perda de objeto85. A mesma juíza, no entanto, ao decidir sobre o já

esperado recurso do gato (agravo interno autuado em 16 de novembro de

2005), respondeu, em 13 de janeiro de 2006, com o seu deferimento,

argumentando que por um “lapso, na ânsia de colocar o serviço em dia”

acabou incorrendo no erro de achar que havia prejudicialidade em função da

identidade de objetos em diferentes recursos86, permitindo que o gato

continuasse a questionar a decisão da Vara Federal. E assim ele o fez. Após

essa decisão, o gato entrou com mais três ações para questionar a decisão da

Vara Federal no TRF, mas não obteve sucesso final em nenhuma das

ocasiões.

O que vemos acontecer depois, entre meados de 2007 e março de 2013

é um “silêncio” do gato nas instâncias de segundo e terceiro graus, ao mesmo

tempo em que se destaca na Justiça de primeiro grau a “enxurrada” de

cancelamentos e de redesignações de audiência, acompanhadas de pedidos

do gato para a repetição de depoimentos, sob o princípio da ampla defesa e do

contraditório.

É somente em março de 2013 que o gato volta a entrar com um Recurso

em Sentido Estrito (2004.51.08.000019-0)87 no TRF da 2ª Região, autuado em

22/03/2013. Dessa vez, o gato pedia a renovação da produção de provas

periciais, que havia sido indeferida pela Vara Federal. O gato entra com esse

recurso no TRF mesmo depois da Vara Federal ter aceitado, em 8 outubro de

2012, o pedido de repetição de depoimentos de 30 testemunhas. O pedido foi

indeferido pelo TRF por unanimidade, sob a alegação de não haver nenhuma

previsão legal que permitisse reanalisar as provas88.

85 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão Monocrática no

Recurso em Sentido Estrito 2005.51.08.000129-0. Relatora: RORIZ, Liliane. Publicado no DJ de 07/11/2005.

86 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão Monocrática no Agravo

interno 2005.51.08.000129-0. Relatora: RORIZ, Liliane. Publicado no DJ de 19/01/2006.

87 Para consulta do andamento processual, ver: http://www.trf2.gov.br/cgi-bin/pingres-

allen?proc=200451080000190&andam=1&tipo_consulta=1&mov=3.

88 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Recurso em sentido

estrito 2004.51.08.000019-0. Relatora: SILVA, Marcelo Pereira da. Publicado no DJ de 01/10/2013.

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170

Em última tentativa no TRF, em 12 de setembro de 2014, o gato entra

com um pedido de Habeas Corpus (2014.02.01.008105-2)89 requisitando que

fosse suspenso em sede liminar do processo e/ou de audiência marcada na

Vara Federal até que seu habeas corpus fosse julgado e que fosse aceito seu

pedido de redesignação de audiências na Vara Federal. Mais uma vez, o gato

alegou haver problemas no processo de notificação das partes para as

audiências, falha que o teria prejudicado por diversas vezes, na medida em que

se encontrou não representado quando da coleta de depoimentos importantes

de acusação. Narrou, ainda, ter encaminhado à Vara Federal diversos

requerimentos arguindo a nulidade das audiências (já realizadas e que ainda

iria realizar sem a devida notificação da defesa), mas que só obteve

indeferimento da Vara Federal.

Foi em 11 de novembro de 2014, então, que o TRF da 2ª Região

reverteu o “histórico” de indeferimentos que o gato vinha obtendo em segundo

e terceiro graus, e colocou-se na esteira do caminho estratégico-protelatório do

gato e de sua defesa. Por maioria de votos, o TRF deferiu o pedido do gato

para determinar que a Vara Federal redesignasse novas datas para a repetição

das audiências de oitiva e encaminhasse as devidas cartas precatórias e

intimações para notificar a defesa, sob a alegação de que havia tido falhas de

fato no processo de notificação de audiências e que tal deveria ser corrigida a

fim de se respeitar a ampla defesa do acusado90.

Em voto vencido, o desembargador André Fontes argumentou que, além

dos documentos anexados ao processo comprovarem que o gato e a defesa

foram notificados das audiências, não caberia ao instrumento do habeas

corpus reconhecer nulidade das audiências coletadas nem mesmo determinar

a sua renovação. Segundo o desembargador, o juízo de primeiro grau já havia

tomado todas as providencias saneadoras para garantir o respeito à ampla

defesa do acusado, resultando, inclusive, na realização de uma “longa

89

Para consulta do andamento processual, ver: http://www.trf2.gov.br/cgi-bin/pingres-allen?proc=200451080000190&andam=1&tipo_consulta=1&mov=3.

90 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

2014.02.01.008105-2. Relator: FONTES, André.

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171

instrução criminal”. Argumenta, ainda, que uma das evidencias de que as

notificações para as audiências haviam sido devidamente realizadas, foi o

acompanhamento sem faltas por parte do proprietário e de sua defesa nas

audiências. Para o desembargador vencido, tratava-se apenas de mais uma

tentativa do acusado de ensejar “o retrocesso da manobra processual”.

O que percebemos então? Percebemos que – embora os

desembargadores e magistrados tenham tratado, em algumas decisões, da

questão de mérito, dando-nos indícios sobre como se posicionavam mais

propriamente em torno da questão do trabalho escravo – os inúmeros recursos

impetrados pelo gato Mario e sua defesa acabaram ajudando a imprimir a

discussão do caso, mais uma vez, em uma discussão de procedimentos e de

processo, mas agora nas instâncias de segundo e terceiro grau, que, por sua

vez, deram o sopro final para o crime de trabalho escravo caminhar para a

prescrição.

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Tabela 22 - Natureza dos argumentos dos juízes - Caso do "gato"

Nº do Processo/Ação

Autor Grau Data de

autuação

Data de Julgament

o Tempo Resultado Arg./Juiz Natureza

Habeas Corpus Gato TRF 2 18/02/2004 18/05/2004 2 meses e 28 dias

INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- conduta de trabalho escravo comprovada; - servidão por dívida

MÉRITO

Embargos de Declaração

Gato TRF 2 14/06/2004 03/08/2004 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- não ouve omissão do juízo

PROCESSUAL

Habeas Corpus Gato STJ 31/01/2005 19/05/2005 3 meses e 15 dias

INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- conduta de trabalho escravo comprovada; - servidão por dívida

MÉRITO

Embargos de Declaração

Gato STJ 22/06/2005 18/08/2005 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- via processual errada

PROCESSUAL

Mandado de Segurança

Gato TRF 2 23/05/2005 30/05/2005

3 meses e 13 dias

PREJUDICADO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- perda de objeto; - coincidência de objeto com outro processo

PROCESSUAL

Agravo interno Gato TRF 2 07/06/2005 06/09/2005 INDEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

- perda de objeto; - coincidência de objeto com outro processo

PROCESSUAL

Recurso em Sentido Estrito

Gato TRF 2 14/09/2005 26/10/2005

1 ano, 7 meses e 26 dias

PREJUDICADO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- perda de objeto; - coincidência de objeto com outro processo

PROCESSUAL

Agravo interno Gato TRF 2 16/11/2005 13/01/2006 DEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- direito à dupla jurisdição

PRINCÍPIOS/ PROCESSUAL

Embargos de declaração

Gato TRF 2 25/01/2006 22/02/2006 INDEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

- não ouve omissão do juízo

PROCESSUAL

Embargos infringentes

Gato TRF 2 23/06/2006 26/02/2007 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- celeridade - não cabe discussão de competência a essa altura

INSTITUCIONAL PROCESSUAL

Recurso Especial Gato TRF 2 29/03/2007 15/05/2007 DEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- presença de pré-requisitos para o recurso

PROCESSUAL

Recurso em Sentido Estrito

Gato TRF 2 22/03/2013 17/09/2013 5 meses

e 24 dias

INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- não cabe o recurso

PROCESSUAL

Habeas Corpus - Liminar

Gato TRF 2 12/09/2014 16/09/2014

1 mês e 29 dias

INDEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- inexistência do perigo iminente

PROCESSUAL

Habeas Corpus Gato TRF 2 12/09/2014 11/11/2014 DEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

- FALHAS NO PROCESSO DE NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIAS; - CONTRADITÓRIO - AMPLA DEFESA

PROCESSUAL

Se no início do Caso do “gato” a demora em seu andamento poderia ter

como uma de suas explicações possíveis a generalidade da lei do trabalho

escravo na época e as dificuldades resultantes para o enquadramento penal

das condições degradantes que foram encontradas pelas fiscalizações, quando

o Caso entra na Justiça, a demora permanece e a questão sobre o trabalho

escravo e as condições degradantes mal são mencionadas, com exceção de

algumas decisões. A tônica pela qual o caso se desdobra e se desenvolve o

desgarra do plano das definições e leva o Judiciário para um campo

aparentemente neutro (não menos político) de discussão de um caso de

trabalho escravo. O Caso do “gato” nos mostra, assim, como o Poder Judiciário

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pode atuar num caso de trabalho escravo sem nem mesmo ter que falar sobre

ele.

Trata-se de um caso, portanto, em que, tanto no plano teórico quanto

metodológico, não é simples reconhecer “lados” nem “posicionamentos” dos

juízes, como pretendem muitos estudiosos atitudinalistas “puros” ao olhar para

as decisões judiciais simplesmente em função dos resultados e das atribuições

de valores às decisões dos juízes. Inclusive, se olharmos para os tantos

indeferimentos que o gato obteve em segunda e terceira instância, poderíamos

(erroneamente) concluir, que o TRF e o TST colocaram-se “ao lado” ou a favor

das políticas de erradicação do trabalho escravo, quando na verdade pouco

entraram na questão do trabalho escravo e, ao fim, numa decisão variante das

anteriormente dadas, o TRF tomou decisão que postergou o caso até os dias

de hoje, tudo com base em argumentos de procedimento e de processo.

3.4 - Conclusões

O Caso do “gato”, como já exposto na Introdução deste Capítulo, foi um

caso ao mesmo tempo simples e complexo, na medida em que permitiu

relativizar pressupostos previamente estabelecidos em torno da capacidade de

litigação do acusado e os resultados obtidos. O caso colocou em evidência a

maneira pela qual as fragilidades institucionais, seja do GEFM, das leis, ou do

próprio Judiciário, podem ser estrategicamente mobilizadas até mesmo por

litigantes com capacidades de defesa limitadas como o “gato”, que mesmo

através de uma defesa frágil e pobre em argumentos conseguiu levar crimes à

prescrição. O caso colocou em evidência, ainda, a “mornidão” da atuação

judicial e também dos órgãos de acusação durante os processos judiciais, na

medida em que poucas vezes os juízes se manifestaram acerca do mérito das

questões e o MPF raramente se manifestou contra as sucessivas tentativas de

postergação do caso por parte do “gato”, que foram, em sua maioria,

corroboradas e levadas adiante pelos juízes.

Um fator curioso de se notar é que a “mornidão” das decisões judiciais

em torno do Caso do “gato”, que se mantiveram no campo aparentemente

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neutro de discussão de um caso de trabalho escravo, poderia relativizar outro

pressusposto acerca da atuação do Judiciário de acordo com o perfil do

acusado e com a repercussão do caso. É possível supor que os argumentos de

ordem processual e procedimental poderiam ser utilizados pelos juízes mais

em casos de grande repercussão, de forma a se salvaguardarem politicamente.

O que veremos nos dois outros casos analisados, contudo, que são de grande

repercussão, é que embora os juízes continuem se utilizando de argumentos

de ordem processual e procedimental, eles proferem mais decisões de mérito,

apresentando o seu entendimento de trabalho escravo e o seu posicionamento

com relação às políticas de erradicação. Da mesma forma, o MPF atua de

forma mais incisiva e questionadora.

Por que, então, num caso de pouca repercussão como o do “gato”, o

Judiciário atuou de forma estritamente processual e as instituições acusatórias

de forma tão desinteressada? Quer o Judiciário ou a União ganhar holofotes?

Ou simplesmente é menos importante tratar de um caso envolvendo um

“gato”? O interessante é pensar que o “gato” é uma figura limiar no quadro do

trabalho escravo rural, na medida em que ele não é o proprietário da fazenda

ou da empresa, embora exerça alguma autoridade dentro dela, mas ele

também não é o trabalhador escravizado, embora possa viver na mesma linha

de pobreza que ele. O “gato” ocupa uma posição-chave e estruturante nas

formas das relações trabalhistas no campo. O “não-olhar” dos juízes sobre o

“gato” também pode ser visto como uma limitação do entendimento desses

juízes acerca da própria posição ocupada pelo “gato”, para além da descrição

comum de ser aquele que alicia, vigia e cobra os trabalhadores. O “gato” é

arregimentado pelo proprietário como um “braço direito”, mas que pode ser na

primeira chance acusado pelo proprietário de ser o responsável pelos

trabalhadores escravizados.

Em função da “mornidão” em torno do caso não foi possível identificar de

forma explícita um entendimento judicial acerca do que é o trabalho escravo

nem um posicionamento da Justiça com relação às políticas de erradicação.

Tal entendimento e posicionamento, no entanto, traduziram-se em outra forma

de decisão, em que os juízes trataram de um caso de trabalho escravo sem

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nem mesmo ter que falar sobre ele. O posicionamento fica mais claro na

medida em que o caso transcorre por anos sempre sob a mesma justificativa

das deficiências institucionais e da necessidade de se garantir a ampla defesa

aos acusados, caminhando-se para a prescrição. Mas para perceber esses

nuances possíveis do posicionamento dos juízes no caso, contudo, foi

necessário olharmos para além dos resultados superficiais das decisões

judiciais e adentrarmos em suas justificativas e processamentos ao longo de

todo o caso.

Como atuou, então, o Poder Judiciário no Caso do “gato”? O estudo do

caso nos mostrou que fatores de ordem institucional marcaram

significativamente a atuação dos juízes, mas que foram estrategicamente

mobilizados pela defesa para adiar audiências até a prescrição dos crimes. Ou,

como já apontamos anteriormente, o desinteresse e a fragilidade dos

advogados dativos acabou se coadunando com fatores institucionais ligados à

Vara (falhas nas notificações) e de atuação (variável) especialmente dos juízes

de primeiro grau (com relação aos princípios da ampla defesa e da razoável

duração do processo), que, em conjunto, imprimiram a forma pela qual o caso

transcorreu na Vara. O “gato”, conhecido como aquele que “cai sempre em pé”,

mais uma vez “caiu em pé”, ainda que através de uma defesa frágil e

desinteressada, que, por sua vez, colocou em destaque as próprias

deficiências institucionais do Judiciário.

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Capítulo 4 – O Caso do Senador João Ribeiro: um

“homem do campo” (2004-2014)

4.1 – Introdução

O Caso do Senador João Ribeiro foi um caso de grande repercussão

política, não apenas em função da posição pública do acusado, mas

principalmente em função de suas declarações conservadoras e

preconceituosas acerca do trabalhador do campo no Senado e na imprensa,

que foram, inclusive, reproduzidas por ministros do STF, o que aumentou ainda

mais a quantidade de holofotes sobre o caso, que foi amplamente divulgado

por diversos órgãos estatais, jornais e sites de grande circulação e/ou

visitação91.

A atuação do GEFM enfrentou forte embate por parte do senador,

questionamento que também se reproduziu no Judiciário, que recebeu ações

em todas as instâncias da Justiça Trabalhista e também no STF. Na Justiça do

Trabalho, foram três processos, um em que cada instância trabalhista. E no

STF foram dois processos, que tiveram impacto significativo na repercussão

política do caso.

Vejamos como tudo isso começou e se desenvolveu.

4.2 – A denúncia e a fiscalização

No dia 27 de janeiro de 2004, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da

Diocese de Araguaína (TO) encaminhou ao Grupo Especial de Fiscalização

Móvel do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) uma denúncia

recebida via telefone de um trabalhador dizendo que:

“Ele juntamente com mais 24 trabalhadores estão já há 08 dias trabalhando na Fazenda Ouro Verde (tem dúvida quanto ao nome) município de São Geraldo (Povoado Boa Vista – PA), de propriedade de João Ribeiro, Senador do Tocantins. Segundo R. estão trabalhando em péssimas condições, sendo que trabalham 10 horas

91

Consultar lista de notícias sobre o Caso do Senador João Ribeiro no Apêndice 4.

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177

por dia a uma diária de R$ 10,00 (dez reais). Foram levados para lá pelo gerente chamado Osvaldo que os contratou em Araguaína, dando uma entrada de R$ 100,00 (cem reais). O trabalho realizado é derrubada de juquira, o alojamento é barraco de palha, a água de beber é suja da represa, mesmo local de tomar banho, a alimentação é de péssima qualidade e 3 trabalhadores estão bastante doentes e não receberam nenhum atendimento, nem remédio e “não podem sair porque estão devendo. O trabalho deve durar mais uns 20 dias, mas acham que não vão aguentar porque as condições estão muito difíceis” (BRASIL/MTE/SIT, 2004: 3).

Entre os dias 10 e 13 de fevereiro de 2004, o Grupo Móvel, contando

com a presença de auditores fiscais do trabalho, de procuradores do trabalho e

de delegados da Polícia Federal, realizou uma operação de fiscalização na

fazenda do senador, de forma a averiguar o que havia sito dito na denúncia. O

que pudemos constatar das informações do relatório produzido pelo Grupo é

que ele não somente confirmou o conteúdo da denúncia, como registrou uma

série de outros elementos que agravavam a situação denunciada. Para o

Grupo, o que foi encontrado na fazenda do senador eram registros claros e

inegáveis de trabalho escravo, na medida em que os trabalhadores não só

tinham seus direitos trabalhistas violados, como também se encontravam

submetidos a condições “infra-humanas” e “degradantes” de trabalho, moradia,

alimentação e saúde.

No que tange às irregularidades trabalhistas, o relatório apresenta

diversos depoimentos de trabalhadores, colhidos pelo Grupo Móvel, de forma a

mostrar que o senador incorria em diversas irregularidades que são geralmente

encontradas nas relações informais de trabalho, tais como a não-assinatura

das carteiras de trabalho, o não-recolhimento de INSS e FGTS, o não-registro

das horas de trabalho, jornadas excessivas que ultrapassavam os limites

estabelecidos pelas leis trabalhistas, a não-concessão de descanso semanal

remunerado, o não-fornecimento de equipamentos de segurança e de

instrumentos de trabalho, e o uso de mão de obra de menores de idades.

Mas o que se pode perceber é que a verdadeira tônica do relatório está

na apresentação de elementos que, somados às irregularidades trabalhistas,

tornam as condições de trabalho extremamente penosas e degradantes para

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os trabalhadores, configurando, para o Grupo, a situação de trabalho escravo.

Por um lado, o Grupo argumenta que a Lei 10.803/0392 constituiu um avanço

para o tratamento criminal dos casos envolvendo trabalho escravo, na medida

em que estabeleceu a equivalência entre trabalho degradante e trabalho

análogo ao de escravo, tentando dar um fim a uma discussão infindável entre

as autoridades públicas, que até então diferenciavam uma coisa da outra. Por

outro lado, o Grupo também argumenta que essa Lei não foi inteiramente bem

sucedida, na medida em que deixou por demais em aberto a caracterização do

que seria o trabalho degradante, ainda possibilitando a discórdia. Como

veremos mais adiante, essa “falha” da lei, juntamente com outros fatores, de

fato possibilitaram retrocessos no processamento judicial dos casos

envolvendo a exploração do trabalho no campo.

Para o Grupo, no entanto, a falha está mais nos interesses particulares

presentes em cada entendimento do problema do que na própria falta de

clareza da lei. Para o Grupo, o fato da lei não ter sido clara o suficiente não é o

problema central da questão, na medida em que a tipificação do trabalho

escravo não deve se pautar somente pela lei ou pelas regras formais, mas por

“uma questão ética, filosófica, humanitária, e, em grande parte, de

entendimento” (BRASIL/MTE/SIT, 2004: 15) de uma realidade claramente

inadmissível nos dias de hoje em qualquer região do Brasil. O que o Grupo

parece nos dizer é que a equivalência entre trabalho degradante e trabalho

escravo é algo que não deveria ser questionado, na medida em que se trata de

uma questão clara em que os trabalhadores são violados, através das relações

de trabalho, em seus direitos mais naturais e inerentes a pessoa humana,

sendo submetidos à condição de escravos. O Grupo, então, ao listar o que

configuraria o trabalho degradante, logo, o trabalho escravo, assim o faz no

sentido de deixar ainda mais nítido aquilo que, em sua visão, já deveria ser

nítido o suficiente, especialmente para um senador da república, com lei ou

sem lei especificando.

92

Como já vimos, esta Lei altera o art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940

- Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm.

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179

O que configuraria, então, o trabalho degradante ou o trabalho escravo

para o Grupo Móvel de Fiscalização? Ele lista três conjuntos principais de

elementos. O primeiro conjunto é composto de elementos que configuram a

relação de domínio, como a coação física ou moral, o trabalho forçado

conseguido através de ameaças físicas, de dívidas ilegais do trabalhador com

o empregador, ou através da retenção de documentos pessoais. Aqui, o

trabalho forçado e o impedimento de ir e vir não são entendidos somente

através da existência de ameaças físicas e de vigilância armada ostensiva.

Eles são entendidos de forma muito mais ampla, estando relacionados ao

segundo conjunto de elementos apresentados pelo Grupo, que seriam aqueles

elementos que denotam a ausência ou o aviltamento de salário, o seu

pagamento através de produtos diversos que não em espécie, adiamentos e

descontos ilegais e abusivos. O terceiro conjunto é composto de elementos que

estão relacionados ao ambiente de trabalho, como as condições sanitárias, de

saúde e de alojamento, que são as condições que o Grupo ressalta como

sendo os elementos essenciais à dignidade da pessoa humana. O Grupo

defende, ainda, que para que se configure o trabalho degradante ou o trabalho

escravo,

“basta que haja na pretensa relação de emprego algum dos elementos que ferem a dignidade dos cidadãos, degradando-os, isto é, diminuindo-lhes a dignidade humana ou rebaixando-os da condição de trabalhadores livres, sujeitos de obrigações, mas também de direitos, para uma condição semelhante daqueles que viviam em regime de escravidão” (BRASIL/MTE/SIT, 2004: 20).

Ou seja, para que uma determinada situação seja caracterizada como

trabalho degradante ou trabalho escravo não é preciso que todos os elementos

estejam presentes, bastando a presença de apenas um deles. O que o Grupo

relata ter constatado na fazenda de propriedade do senador João Ribeiro é a

presença não somente de um desses elementos, mas de uma série deles, no

que o Grupo argumenta estar mais do que clara a existência de trabalho

escravo.

O Grupo apresentou depoimentos dos trabalhadores dizendo que foram

contratados para receber entre 10 e 18 reais por dia de trabalho, mas que

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muitos ainda não tinham recebido nenhuma diária. Apenas alguns poucos

trabalhadores, como o que fez a denúncia à CPT, relataram terem recebido um

adiantamento no dia em que foram contratados. Também foi relatado, e dessa

vez por todos os trabalhadores, que foram avisados pelo administrador da

fazenda que a jornada de trabalho duraria de 10 a 12 horas diárias, de segunda

a sábado, e que os domingos de descanso não seriam remunerados. Além

disso, também foram apresentados depoimentos que apontavam a existência

do “regime de barracão” ou do “sistema de armazém”. Mostrou-se que muitos

trabalhadores adquiriam produtos no armazém da fazenda, como instrumentos

de trabalho, alimentos e produtos de higiene pessoal, e que isso lhes era

descontado de suas diárias, gerando dívidas ilegais dos trabalhadores com o

empregador. Essa situação foi confirmada não somente por todos os

trabalhadores, que compravam ou não no armazém da fazenda, como também

estava registrada em cadernos contendo o nome dos trabalhadores, os

produtos por eles adquiridos e o valor correspondente a cada produto. Para o

Grupo, portanto, os registros e as provas eram abundantes e suficientes para

atestar elementos de dominação através da retenção, atraso e descontos

ilegais dos salários e através do endividamento dos trabalhadores.

No que tange às condições de trabalho, moradia e saúde, o Grupo

também forneceu uma quantidade significativa de provas documentais, de fotos

e de depoimentos que mostravam a situação “infra-humana” a qual os

trabalhadores estavam submetidos93. Como já apontado, a jornada de trabalho

era exaustiva, chegando para muitos a 12 horas diárias. Os trabalhadores não

tinham acesso à água potável para beber, no que recorriam a um brejo

lamacento e sujo, aberto ao acesso dos animais, e que também era utilizado

pelos trabalhadores para tomar banho. A fazenda também não oferecia

alojamentos para os trabalhadores que dormiam na fazenda. Os poucos

alojamentos que haviam foram construídos pelos próprios trabalhadores,

cobertos com folhas de palmeira e com chão de terra, sem paredes ou

93

Assim como no Caso Pagrisa, que veremos no Capítulo seguinte, o GEFM já dispunha de recursos fotográficos para atestar a situação da fazenda do senador. Tais fotos só não foram aqui disponiblizadas porque encontramo-las apenas disponíveis nos arquivos do caso no STF, escaneados, em preto e branco e quase sem resolução.

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qualquer proteção lateral, dentro dos quais dormiam em redes. Esses

alojamentos estavam atolados de lama em função das chuvas e exalavam um

forte cheiro de umidade e de esgoto, dado que a fazenda não oferecia

banheiros, tendo os trabalhadores que recorrerem ao mato ou a pequenas

fossas a céu aberto. Em função da umidade, foram encontrados dois

trabalhadores doentes, com as mãos cobertas de lesões de micose. Segundo

os trabalhadores, eles requisitaram auxílio médico, mas nada foi feito.

Além desses registros, o relatório produzido pelo Grupo Móvel também

procurou apresentar provas de uma prática que é muito comum nos casos

envolvendo o trabalho escravo, que é o aliciamento de trabalhadores e sua

locomoção para fora de seus locais de residência. Esses dois fatores são

apontados como graves na medida em que, na maioria dos casos, os

aliciadores ou “gatos” convencem os trabalhadores com falsas promessas de

modo a levá-los para trabalhar em locais ermos e distantes de suas

residências, pagando-lhes sua passagem, mas depois cobrando dos

trabalhadores tudo o que ele precisar para a sua subsistência. Endividado com

o empregador, sem receber seu salário, e isolado geograficamente, o

trabalhador fica mais facilmente submetido a um trabalho forçado, à exploração

do seu trabalho, e a péssimas condições de vida.

Segundo o relatório do Grupo Móvel, o que foi averiguado no caso em

particular é que os trabalhadores sabiam das condições de trabalho, e que o

local para o qual foram levados não se encontrava tão distante (cerca de 6 ou 7

quilômetros) de onde foram recrutados. No entanto, argumenta o Grupo, os

trabalhadores acreditavam que receberiam suas diárias ao término de cada

jornada, o que não vinha acontecendo. E em função de terem adquirido dívidas

com o fazendeiro, precisariam trabalhar mais para pagá-las, para receber

alguma coisa de suas diárias e, com isso, poder ir embora. Segundo a

interpretação do Grupo, o senador se utilizou do seu status e do prestígio de

sua função pública para aliciar os trabalhadores com falsas promessas,

acabando por explorar suas situações de miséria e de necessidade.

Os resultados apresentados pelo relatório do GEFM foram prontamente

divulgados pela mídia, que se tornou ainda mais atenta ao caso conforme o

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seu deslinde se estendeu para a Justiça. Até a entrada do Caso no Judiciário

em setembro de 2004, o relatório foi destacado por três reportagens em jornais

e sites de expressividade. No dia 13 de fevereiro de 2004, mesmo dia em que

foi finalizado o relatório do GEFM, o Jornal do Brasil94 e a Tribuna da

Imprensa95 foram os primeiros a divulgar o caso, noticiando os resultados da

fiscalização que havia sido realizada nas terras do senador João Ribeiro.

Quatro dias depois, a Carta Maior96 divulga reportagem da Repórter Brasil, que

também noticia dados da fiscalização e o que fora encontrado pelo Grupo na

fazenda do senador.

4.3 – O caso entra no Judiciário

Após as ações e o relatório de fiscalização do Grupo Móvel realizados

no início de 2004, o caso envolvendo o Senador João Ribeiro enveredou por

três caminhos distintos, mas paralelos. O primeiro caminho se abriu através de

um recurso administrativo interposto pelo senador na Delegacia Regional do

Trabalho do Estado do Pará, requisitando a anulação das infrações alegadas e

das multas aplicadas pelo Grupo Móvel. O segundo caminho se deu na esfera

da Justiça do Trabalho através de uma Ação Civil Pública movida pelo

Ministério Público do Trabalho da 8ª Região contra o senador, requisitando

indenização por dano moral coletivo pela prática de trabalho escravo. E o

terceiro caminho se abriu com um pedido de Inquérito no Supremo Tribunal

Federal requisitado pelo Ministério Público Federal, que pedia a investigação

do crime de trabalho escravo e a abertura de uma ação penal contra o senador.

Vejamos, abaixo, cada caminho de forma mais detalhada e separadamente.

94

Jornal do Brasil. Trabalho Escravo: Ministério flagra 32 em terra de senador. Notícias – 13/02/2004. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_12&PagFis=98710.

95 Tribuna da Imprensa. Senador mantinha 32 escravos em fazenda no Pará. Notícias –

13/02/2004. Disponível em:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_06&PagFis=24940.

96 Carta Maior. Senador João Ribeiro (PFL-TO) é denunciado por trabalho escravo. Notícias –

17/06/2004. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Especial/Trabalho-Escravo/Senador-Joao-Ribeiro-PFL-TO-e-denunciado-por-trabalho-escravo/156/1653.

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183

Quanto ao primeiro caminho, não foi possível, infelizmente, encontrar

registros indicando as datas de entrada e de decisão do recurso administrativo,

bem como não foi possível encontrar qualquer tipo de material próprio do

processo que nos mostrasse o seu andamento dentro da Delegacia Regional

do Trabalho do Estado do Pará. O que conseguimos foram informações

(extraídas dos processos judiciais que fizeram referência a esse recurso

administrativo) acerca do conteúdo da argumentação do senador com relação

ao que foi averiguado em sua fazenda, conteúdo este extensamente presente

em outros depoimentos seus prestados às instâncias da Justiça e que veremos

mais adiante. O que se pode depreender é que tal recurso administrativo foi

interposto pelo senador antes mesmo do caso ir parar na Justiça em junho de

2004, dado que ele apresenta como uma de suas alegações para suspender os

processos judiciais o fato do recurso administrativo ainda não ter sido analisado

na época pela Delegacia do Trabalho. Sabe-se também que o senador não

obteve na via administrativa a anulação que pretendia, tendo o seu nome

incluído na Lista Suja do Trabalho Escravo em 1 de agosto de 2006, quando já

respondia judicialmente a um processo no Tribunal Superior do Trabalho (TST)

e no Supremo Tribunal Federal (STF). O nome do Senador permaneceu por

dois anos na referida Lista e foi dela excluído em 15 de julho de 2008, após

pagar as multas aplicadas pela fiscalização e não reincidir no crime de trabalho

escravo.

O segundo caminho, por sua vez, se deu com a entrada do Caso no

Poder Judiciário, desdobrando-se, como mostra o quadro abaixo, em 2

processos no Supremo Tribunal Federal e 3 processos na Justiça do Trabalho

(1 processo na Vara do Trabalho de Redenção, 1 processo no Tribunal

Regional Federal da 8ª Região e 1 processo no Superior Tribunal de Justiça).

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184

Tabela 23 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso do Senado João Ribeiro

Nº do Processo/Ação Autor Esfera Instância Data de

Autuação

Inquérito 2.131/DF MPF STF Última 17/06/2004

Ação Civil Pública (0061100-07.2004.5.08.0118)

MPT JT VT 02/09/2004

Recurso Ordinário (0061100-07.2004.5.08.0118)

Senador João Ribeiro

JT TRT 8 06/06/2005

Recurso de Revista (0061100-07.2004.5.08.0118)

Senador João Ribeiro

JT TST 19/09/2006

Ação Penal 696 MPF STF Última 21/08/2012

Vejamos agora como o Caso se desenvolveu em cada esfera e instância

do Poder Judiciário.

4.3.1 – O Caso do Senador João Ribeiro na Justiça do Trabalho

Na Justiça do Trabalho, o Caso do Senador João Ribeiro se desdobrou,

ao todo, em 3 processos: Uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério

Público do Trabalho na Vara do Trabalho de Redenção; um Recurso Ordinário

do Senador João Ribeiro no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; e um

Recurso de Revista, também do Senador, no Tribunal Superior do Trabalho.

Tabela 24 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso do Senador João Ribeiro

Nº do Processo/Ação Autor Instância Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado

Ação Civil Pública (0061100-07.2004-5.08.0118)

MPT VT 02/09/2004 14/02/2005 5 meses e

10 dias DEFERIDO

Recurso Ordinário (0061100-07.2004-5.08.0118)

Senador TRT 8 06/06/2005 14/12/2005 6 meses e 5

dias

DEFERIDO EM PARTE (UNA. E MAIOR)

Recurso de Revista (0061100-07.2004-5.08.0118)

MPT TST 19/09/2006 15/12/2010 4 anos, 2

meses e 26 dias

NÃO CONHECIDO (UNANIMIDADE)

5 anos, 1 mês e 21 dias

Como veremos, o desenrolar desses processos trabalhistas foi marcado

por uma acentuada confusão entre sentenças e definições acerca da existência

ou não do trabalho escravo, o que acabou ensejando recursos e

questionamentos de ambas as partes, principalmente para esclarecer o que

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fora de fato decidido. A referida confusão, inclusive, trouxe-nos uma questão de

cunho metodológico interessante, na medida em que ela só foi percebida, e as

concepções dos juízes de fato esclarecidas, quando saímos dos resultados

mais imediatos das decisões judiciais e adentramos no andamento dos

processos e na análise das justificativas. Vejamos, então, como cada processo

se desenvolveu.

Tabela 25 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso do Senador João Ribeiro

Nº do Processo/Ação

Autor Grau Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado Arg./Juiz Natureza

Ação Civil Pública

MPT VT 02/09/2004 14/02/2005 5 meses e 10 dias

DEFERIDO

- conduta de trabalho escravo comprovada; - trabalho degradante;

MÉRITO

Recurso Ordinário

Senador TRT8 06/06/2005 14/12/2005 6 meses e 5 dias

DEFERIDO EM PARTE (UNANIMIDADE, em alguns pontos; MAIORIA DE, VOTOS em outros)

- não é trabalho escravo; - simples irregularidades trabalhistas - condições normais da região;

MÉRITO

Embargos de Declaração

MPT TRT8 14/02/2006 15/03/2006 32 dias

DEFERIDO EM PARTE (MAIORIA DE VOTOS)

- a decisão anterior reconheceu o trabalho escravo, pois manteve a indenização por danos morais coletivos

MÉRITO

Recurso de Revista

MPT TRT8 - - - DEFERIDO (DECISÃO MONOCRÁTICA)

- a decisão do RO não reconheceu o trabalho escravo, mas manteve a indenização

MÉRITO

Recurso de Revista

Senador TST 19/09/2006 15/12/2010 4 anos, 2 meses e 26 dias

NÃO CONHECIDO (UNANIMIDADE)

- TST reconhece o trabalho escravo e diz manter a decisão do TRT porque ele reconheceu o trabalho escravo

MÉRITO

Embargos de Declaração

Senador TST 11/02/2011 21/03/2012 41 dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- não há divergência jurisprudencial

PROCESSUAL

5 anos, 4 meses e 24 dias

Em 02/09/2004, foi autuada na Vara do Trabalho de Redenção97, no

Pará, a Ação Civil Pública (0061100-07.2004.5.08.0118)98 do Ministério Público

do Trabalho da 8ª Região contra o senador João Ribeiro. Com base no

97

Interessante observar que a instação da Vara Federal de Redenção em meados de 2004 fez parte de uma das metas do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo lançado pelo Governo Federal em março de 2003.

98 Para consulta do andamento processual:

http://www2.trt8.jus.br/consultaprocesso/formulario/ProcessoConjulgado.aspx?sDsTelaOrigem=ListarProcessos.aspx&iNrInstancia=1&sFlTipo=T&iNrProcessoVaraUnica=118&iNrProcessoUnica=61100&iNrProcessoAnoUnica=2004&iNrRegiaoUnica=8&iNrJusticaUnica=5&iNrDigitoUnica=7&iNrProcesso=611&iNrProcessoAno=2004&iNrProcesso2a=0&iNrProcessoAno2a=0.

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relatório do GEFM99 – resultante da fiscalização na Fazenda Ouro Verde, de

propriedade do referido senador – o MPT pedia a indenização por danos

morais coletivos, e teve seu pedido atendido em 14/02/2005, quando a juíza de

primeiro grau condenou o senador a pagar indenização por dano moral no valor

de R$ 760.000,00, e determinou a indisponibilidade dos bens do senador.

Em sua decisão, a juíza não somente adotou a interpretação do relatório

de fiscalização, reconhecendo a existência do trabalho degradante e, logo, do

trabalho escravo, como também ressaltou a contradição dos testemunhos dos

trabalhadores trazidos pelo senador. As contradições desses depoimentos a

favor do senador foram percebidas não somente quando contrastados com os

registros de documentos e fotos, mas também com os testemunhos prestados

anteriormente por esses mesmos trabalhadores ao Grupo Móvel. Elas foram

percebidas também quando contrastadas com o depoimento prestado pelo

próprio senador quando interrogado em juízo, que confirmou os fatos narrados

pela acusação, mas não com a interpretação de que esses fatos configurariam

trabalho degradante ou trabalho escravo, mas como condições normais

daquela região.

Durante o andamento desse processo na Justiça Trabalhista, o senador

se pronunciou sobre o assunto no Senado no dia 14 de junho de 2004,

mostrando indignação com relação às ações promovidas pelo Grupo Móvel e

ao processo judicial a que vinha respondendo. O senador relata um caso em

que um agricultor cometeu suicídio após ter sido acusado pelas autoridades

públicas do crime de trabalho escravo. Com base nesse relato, o senador

condena “a forma inapropriada que os representantes dos órgãos públicos têm

adotado na execução de suas tarefas”100, pedindo que

“as autoridades responsáveis pelo cumprimento das leis que elaboramos e defendemos intransigentemente no Senado da República, sobre o ótimo relacionamento entre capital e trabalho, se questionem sobre a postura que seus agentes têm adotado na apuração de supostas denúncias sobre a prática de trabalho escravo,

99

MTE (Secretaria de Inspeção do Trabalho – Grupo Especial de Fiscalização). Inquérito Policial 020/04. Relatório de Fiscalização Fazenda Ouro Verde, Piçarra – PA, 10 a 13/02/2004.

100 Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/347112.

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para que não se repitam atos desesperados que, por fim, tirem a vida de homens trabalhadores” (BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de João Ribeiro em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096).

Segundo o senador, as políticas que vinham sendo implementadas para

a erradicação do trabalho escravo no Brasil estariam sustentando um

entendimento deturpado da realidade no campo, impondo-lhe uma

modernidade que não lhe cabe. E, segundo o seu entendimento, o que havia

ocorrido com o agricultor que tirou a própria vida, bem como o que estava

acontecendo com ele próprio naquele momento, representariam casos claros

desse entendimento deturpado da realidade, em que as autoridades estariam

atuando de modo leviano ao equiparar “um contrato de serviço à moda antiga”

a trabalho escravo. Ao defender o agricultor, o senador alega que

“Havia um contrato de prestação de serviço, ou seja, estavam ali a serviço de um empreiteiro que acertou a roçagem do pasto por tempo determinado e preço justo para os moldes locais, muito embora aqueles dezessete trabalhadores rurais ou peões, como são chamados na região, estivessem trabalhando nas condições tradicionais, que sempre foram adotadas sem nenhum tipo de cerceamento de liberdade. Diga-se de passagem, eles não estavam efetivamente dentro dos principais parâmetros estabelecidos hoje pela legislação trabalhista, quais sejam, terem carteira de trabalho assinada e terem abrigo em uma construção moderna para o seu descanso, porque isso nós não temos nem na cidade” (BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de João Ribeiro em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096).

Em concordância com o senador, outros parlamentares se

pronunciaram, questionando a existência de trabalho escravo no campo e

reclamando da falta de parâmetros das autoridades públicas para adequar os

direitos trabalhistas à realidade rural. O senador Jonas Pinheiro, por exemplo,

atacou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em função de ela ter

apontado que existiriam no Brasil 25 mil escravos no meio rural. Para o

senador, esses escravos só poderiam ser encontrados “no olho vesgo

daqueles que querem transformar todo produtor rural em escravagista”

(BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de Jonas

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Pinheiro em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096). O

senador José Agripino, por sua vez, se manifestou dizendo que se faz

necessária uma reforma trabalhista adequada para o meio rural brasileiro. Em

sua visão, é preciso agir com toda “parcimônia e realismo”, na medida em que

“é preciso enxergar a realidade do Brasil como realmente é, não como se

deseja que ela seja”. E no mesmo sentido se manifestou o senador Marcos

Guerra, dizendo que “é preciso cautela” ao tratar dos direitos do trabalhador

rural, alegando que

“Muitas vezes, exigem que o agricultor construa no campo banheiros com duchas a fim de atender o trabalhador, como se fosse uma empresa. Existe essa dificuldade do homem do campo. Senador João Ribeiro, precisamos ficar atentos e propor algumas modificações nas leis trabalhistas, para melhorar a vida do homem do campo e tornar o emprego rural um pouco mais acessível. Ressalto que não se trata de tirar os benefícios, mas de melhorar a legislação trabalhista” (BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de Marcos Guerra em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096).

O que se observa, portanto, é que, para esses senadores, as condições

precárias de trabalho no campo são vistas não como degradantes e muito

menos como análogas a de escravo, mas como condições normais,

tradicionais do campo, para as quais a legislação trabalhista ainda não se

adequou e ou se aperfeiçoou de modo satisfatório. Assim, o que esses

senadores argumentam é que, se os direitos de cidadania no ambiente urbano

caminham de um jeito, no campo devem caminhar de outro. E, com isso,

acabam defendendo a reprodução de um “necessário” padrão desigual dos

direitos de cidadania no país.

O que se pode observar, ainda, é que, para esses senadores, o “homem

do campo” é tanto o proprietário de terras quanto o trabalhador por ele

empregado, como se os dois vivessem e trabalhassem sob as mesmas

condições “tradicionais” ou “normais” do campo, e como se o senador que

também é um agricultor não tivesse as distinções e os privilégios do cargo

político que ocupa. E é com base nessa identificação com os “homens simples”

do campo que esses senadores exigem medidas contra as ações de

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fiscalização e, pedem, como fez o senador João Ribeiro, “complacência para

com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos

tempos” (BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de

João Ribeiro em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096).

A importância de se abrir esse parênteses para transcrever os

pronunciamentos do senador João Ribeiro e de outros, especialmente no que

tange aos seus argumentos acerca do caráter natural ou tradicional das

condições de trabalho e de vida no campo, é que eles trazem argumentos

presentes em muitas sentenças judiciais, inclusive no caso envolvendo o

senador em questão. Trata-se de pronunciamentos que nos permitem

estabelecer não somente aproximações entre o entendimento dos nossos

juízes e de outros atores políticos e sociais acerca dos direitos de cidadania no

campo, como também nos permitem ver a forte presença de uma visão

conservadora histórica nas nossas instituições políticas.

A juíza do trabalho responsável por julgar o caso do senador João

Ribeiro em primeira instância não partilhou dessa visão histórica e

naturalizadora das condições de trabalho no campo. No entanto, como

veremos mais adiante, sua sentença foi reformada e fragmentada pelas

instâncias superiores da Justiça do Trabalho, nas quais podemos observar a

utilização dos argumentos naturalizadores para retirar as acusações de

trabalho escravo sobre o senador. Em sua decisão, proferida, como já vimos,

em 14 de fevereiro de 2005, a juíza do trabalho de primeira instância acatou o

pedido de dano moral coletivo requisitado pelo MPT e condenou o senador a

pagar uma indenização de 760 mil ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Essa sentença ficaria conhecida, na época, como a maior sentença

condenatória já dada por trabalho escravo no país101. Além da indenização por

danos morais coletivos, a juíza exigiu que o senador também cumprisse com

as obrigações de regularizar a fazenda dentro do que exigiam as leis

trabalhistas. E por fim, a juíza também determinou a abertura do sigilo fiscal do

101

Um valor maior já havia sido obtido, mas não através de sentença condenatória, mas através de um acordo feito entre o MPT, a Justiça do Trabalho e a Empresa Mutran localizada em diversas fazendas no estado do Pará.

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senador, bem como a indisponibilidade de seus bens, de forma a garantir o

pagamento da indenização sentenciada.

No dia posterior a essa sentença, o senador João Ribeiro voltou a se

pronunciar no Senado. Primeiramente, defendeu-se alegando que as notícias

que vincularam o seu nome ao trabalho escravo o tomavam erroneamente

como um grande latifundiário, no que o senador tornou a se auto intitular como

um “homem simples”, que “sempre foi ligado aos humildes” e que “tem uma

trajetória política das mais bonitas deste País” (BRASIL. Senado Federal.

Atividade Legislativa. Pronunciamento de João Ribeiro em 23/02/2005.

Publicado no DSF de 24/02/2005, p. 2185)102. Argumentou também que ele

não poderia ser acusado de trabalho escravo, pois o que os fiscais do trabalho

averiguaram em sua fazenda foram apenas irregularidades trabalhistas que ele

já havia quitado. Além disso, o senador alegou que os trabalhadores não

estavam proibidos de sair de sua fazenda, sendo que esta nem porteiras

possuía e os fiscais não encontraram quaisquer armas que pudessem ser

utilizadas para ameaçar e forçar os trabalhadores a continuarem na fazenda.

Terminou dizendo que os fiscais do Ministério do Trabalho mentiram em seu

relatório, pois em sua fazenda nunca houve e nem nunca haveria trabalho

escravo.

Indignado com a sentença, o senador entrou com um Recurso Ordinário

no TRT da 8a Região, que recebeu o pedido no dia 06/06/2005103. Ao pedir a

anulação da sentença dada em primeira instância, o senador listou uma série

de justificativas. Primeiramente, questionou a competência da Justiça do

Trabalho para lidar com uma Ação Civil Pública requisitando indenização por

danos morais coletivos, argumentando que o caso deveria correr na Justiça

Civil. Em segundo lugar, pediu a anulação do processo por cerceamento de

defesa, alegando que o rito inadequado da Justiça do Trabalho lhe teria

102

Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/351929.

103 Para consulta do andamento processual:

http://www2.trt8.jus.br/consultaprocesso/formulario/ProcessoConjulgado.aspx?sDsTelaOrigem=ListarProcessos.aspx&iNrInstancia=2&sFlTipo=T&iNrProcessoVaraUnica=118&iNrProcessoUnica=61100&iNrProcessoAnoUnica=2004&iNrRegiaoUnica=8&iNrJusticaUnica=5&iNrDigitoUnica=7&iNrProcesso=0&iNrProcessoAno=0&iNrProcesso2a=4109&iNrProcessoAno2a=2005.

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prejudicado, na medida em que lhe permitiu trazer apenas três testemunhas,

quando na Justiça Civil o rito comprobatório teria sido bem mais amplo. Em

terceiro lugar, pediu a suspenção do processo na medida em que o recurso

administrativo que ele havia impetrado na Delegacia do Trabalho ainda não

havia sido decidido. Em quarto lugar, pediu novamente a suspenção do

processo em função de ainda estar respondendo no STF, desde 22 de junho

de 2004, ao Inquérito requisitado pelo MPF. Em quinto lugar, questionou a

legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para ajuizar a Ação Civil

Pública visando reparar um dano moral coletivo. Em sexto lugar, alegou não

existirem bens coletivos a serem ressarcidos, na medida em que entende que a

lesão moral é individual. E, por fim, no que tange ao mérito da questão, a

defesa do senador alegou que a juíza da primeira instância teria agido de modo

parcial ao analisar os depoimentos prestados pelos trabalhadores, concedendo

maior peso valorativo aos testemunhos acusatórios. Alega, ainda, que a juíza

interpretou de modo parcial os fatos narrados, apontando como sendo

condições degradantes ou análogas a de escravo condições que são comuns a

região e que foram acordadas com os trabalhadores contratados, não cabendo

o valor sentenciado pela juíza.

Em 14/12/2005, o TRT da 8ª Região deferiu em parte o Recurso

Ordinário do Senador, por unanimidade em alguns pontos, e por maioria de

votos em outro104. Até o quarto ponto preliminar colocado pela defesa do

senador, os desembargadores os rejeitaram de forma unânime. A partir do

quinto ponto em diante, no entanto, abrangendo inclusive o mérito da questão,

a maioria dos desembargadores votaram de modo parcialmente favorável ao

senador, ficando apenas um desembargador com votos radicalmente distintos

da maioria e que decidiu pela manutenção integral da decisão de mérito dada

na primeira instância.

No que tange à alegação preliminar do senador sobre a ilegitimidade do

Ministério Público do Trabalho para ajuizar uma ação visando dano moral

104

BRASIL.Tribunal Regional Federal da 8ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Recurso Ordinário 00611-2004-118-08-00-2. Relator: MATOS, Herbert Tadeu Pereira de. Publicado no DJ de 20/01/2006.

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coletivo, a maioria dos desembargadores aceitaram as razões expostas pelo

senador. Entenderam que o caso em questão não poderia ser considerado

como um direito difuso, coletivo ou individual homogêneo, mas como uma

“lesão personalíssima, variando de caso para caso”. Assim, se não há dano

moral coletivo a ser indenizado, também não haveria bens coletivos a serem

reparados, devendo cada trabalhador individualmente entrar na Justiça caso se

sentissem lesados pelo senador. Para o desembargador vencido, no entanto,

não somente seria possível “admitir o dano moral coletivo proveniente de

perversas relações de trabalho”, como também argumentou que o Tribunal

estaria decidindo de forma distinta para o caso quando em comparação ao que

a sua própria jurisprudência já havia estabelecido.

No que tange ao mérito da questão, a maioria dos juízes acataram os

argumentos expostos pelo senador, destacando nos depoimentos dos

trabalhadores os elementos que contrariavam a ideia de existência de trabalho

escravo. O interessante a se notar sobre este ponto é que a controvérsia que

se estabeleceu com o processo no TRT se deu em grande medida em torno da

interpretação do que foi encontrado na fazenda do senador. Ou seja, se

olharmos para as diversas narrativas feitas pelos diferentes atores, seja pelo

senador, pelos trabalhadores, pelo Grupo Móvel, pela juíza de primeira

instancia e pelos desembargadores do TRT, não é possível encontrar uma

diferença substantiva das condições de trabalho e moradia. Ou seja, ninguém

discordou substancialmente que os trabalhadores tinham seus direitos

trabalhistas violados; que eles dormiam sobre a terra batida e sob folhas de

palmeira; que não tinham água potável; que não dispunham de banheiros; que

havia um armazém na fazenda no qual os trabalhadores adquiriam produtos e

que lhes eram descontados das diárias; que estavam com seus salários

atrasados; que trabalhavam até 12 horas por dia; que não tinham os dias de

descanso remunerados; que não eram coagidos fisicamente por armas; e que

podiam sair da fazenda sem impedimentos físicos.

No entanto, o que se percebe nos diferentes relatos são ênfases em

alguns desses aspectos substantivos, acompanhadas de distintas

interpretações acerca das condições de trabalho no campo. Para o Grupo

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Móvel, assim como para o Ministério Público do Trabalho, para a juíza de

primeira instância e para o desembargador vencido no TRT, tudo o que foi

substancialmente constatado confirmou um exemplo claro de trabalho

degradante ou de trabalho escravo. Para eles, o fato de não haver vigilância

armada ou ameaça e coação física sobre os trabalhadores não significa que

não estavam impedidos de ir e vir, na medida em que se configurava um

quadro de retenção de salários e de sistema de armazém, que coagem o

trabalhador através da exploração de sua miséria e dependência.

Para o senador e para a maioria dos desembargadores do TRT, no

entanto, aquilo que foi exposto enquanto condições degradantes ou análogas a

de escravo, nada mais eram que as condições normais da região onde se

encontrava a fazenda. A precariedade, assim, faria parte das condições

normais do ambiente ou, como apontou a decisão do TRT, seriam

“semelhantes aos padrões daquela comunidade” (BRASIL.Tribunal Regional

Federal da 8ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Recurso Ordinário 00611-2004-

118-08-00-2. Relator: MATOS, Herbert Tadeu Pereira de. Publicado no DJ de

20/01/2006, p. 28). Nas palavras do senador em sua defesa, ele nos diz:

“tirar um adolescente criado em uma bela mansão no Lago Sul, em Brasília, e levá-lo para trabalhar no interior do Pará, fazendo-o dormir em uma rede num rancho de palha sem parede, a tomar banho no rio, a beber água corrente de córrego, a urinar e defecar no mato, sem dúvida é expô-lo a uma situação degradante e à condição análoga a de escravo. Se, contudo, o mesmo adolescente fizer tudo isso espontaneamente, movido pela proposta de salário que irá receber, a conclusão é outra. Porém, a primeira hipótese, caso seja protagonizada por um sertanejo paraense ou por um índio não é

condição degradante” (BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de João Ribeiro em 23/02/2005. Publicado no DSF de 24/02/2005, p. 2185).

As dívidas que os trabalhadores adquiriram no armazém da fazenda, por

sua vez, não permitiriam dizer que havia um regime de servidão, na medida em

que, na interpretação da maioria dos desembargadores, os valores a serem

pagos eram baixos e perfeitamente quitáveis. Além disso, também não caberia

o argumento sobre o impedimento de ir e vir calcado na retenção de salários,

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dado que a maioria dos trabalhadores não tinha completado nem um mês de

trabalho na fazenda do senador. E, por fim, e mais importante para a maioria

dos desembargadores, o fato de não terem sido encontradas armas na

fazenda, nem terem sido relatadas ameaças ou impedimentos físicos aos

trabalhadores, não permitiria concluir a existência de trabalho forçado, logo, de

trabalho escravo. O senador deveria, assim, ser responsabilizado somente

pelas infrações trabalhistas encontradas, e deveria ter o valor da indenização a

ser pago ao FAT diminuída de 760 mil para 76 mil, muito embora a maioria dos

desembargadores não tenha reconhecido a legitimidade do MPT para requisitar

indenização por dano moral coletivo. Pelo acórdão, datado em 14 de dezembro

de 2005, os desembargadores não explicaram porque aceitaram manter a

indenização e nem explicitaram como chegaram à redução do valor para 76 mil

reais, ficando confuso esse aspecto da decisão na medida em que isso foi à

contramão do que haviam fundamentado anteriormente.

A confusão acerca da decisão proferida pelo TRT da 8ª Região ensejou

não apenas o encaminhamento de diversas petições tanto do Senador quanto

do MPT, como também a manutenção e o aumento da confusão. Em

14/02/2006, por exemplo, o MPT encaminhou petição interpondo Embargos de

Declaração no Recurso Ordinário do Senador, sob a alegação de que a

decisão proferida pelo TRT havia incorrido em contradição, na medida em que

não teria reconhecido o trabalho escravo, mas, ao mesmo tempo, mantido a

indenização por danos morais coletivos (ainda que em valor menor), que fora

aplicado pela juíza de primeiro grau justamente por ter reconhecido o trabalho

escravo. O TRT, em 15/03/2006, deferiu, em parte, o pedido do MPT, apenas

para esclarecer os dispositivos legais que embasaram sua decisão, afirmando,

para o aumento da confusão, que o TRT tinha sim reconhecido o trabalho

escravo na Fazenda do Senador.

Este aspecto continuou controverso ao passo que, em outra petição do

MPT, em que ele interpôs Recurso de Revista, que foi deferido, por decisão

monocrática do Vice-Presidente do TRT da 8ª Região, que, para o aumento

ainda maior da confusão, alegou que, de fato, o TRT não havia reconhecido o

trabalho escravo, mas havia mantido a indenização por dano moral coletivo,

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ficando claro, portanto, a contradição da decisão e a divergência

jurisprudencial.

Os impactos desse aspecto confuso da decisão do TRT também podem

ser sentidos de forma muito clara na repercussão do caso na mídia atuante

pela erradicação do trabalho escravo. Se tomarmos o acórdão somente por sua

decisão final, sem ler com mais atenção os entremeios dos processos e os

argumentos dos desembargadores, é possível extrair o entendimento de que o

TRT manteve a condenação do senador pelo crime de trabalho escravo, na

medida em que não retirou a indenização por completo, apenas diminuindo-lhe

o valor. Assim, podemos encontrar reportagens dizendo que o TRT manteve a

interpretação da juíza da primeira instância105, quando, na verdade, o Tribunal

afastou por completo a acusação de trabalho escravo, na medida em que

argumentou que as condições não eram degradantes, mas padrões da região,

e na medida em que argumentou não ter constatado o trabalho forçado e nem

a servidão por dívida, mas apenas irregularidades trabalhistas.

Tanto é verdade que o TRT não reconheceu o crime de trabalho escravo

na justificativa de sua decisão, que o MPT entrou, novamente, no dia 19 de

setembro de 2006, com um recurso de revista no TST106, alegando divergência

de jurisprudência, requisitando que o senador voltasse a responder por

trabalho escravo, e pedindo o re-estabelecimento da indenização para o valor

de 760 mil reais, como havia sido decidido em primeira instância. Mas, mesmo

em terceira instância, a confusão deixada pela decisão do TRT não se desfez.

Pelo contrário.

105

No dia 01/08/2006, por exemplo, a Repórter Brasil divulga reportagem comentando a indenização de 760 mil reais e a posterior redução a 76 mil reais pelo TRT da 8ª Região sem mencionar a avaliação de mérito feito pelos desembargadores acerca da questão do trabalho escravo. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2006/08/senador-joao-ribeiro-e-acusado-pela-morte-de-dorothy-stang-estao-na-nova-lista-suja/.

106 Para consulta do andamento processual:

http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=61100&digitoTst=07&anoTst=2004&orgaoTst=5&tribunalTst=08&varaTst=0118&submit=Consultar.

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Depois de quatro anos com o caso em suas instâncias107, o Tribunal

decidiu de forma unânime, no dia 15 de dezembro de 2010, por não conhecer o

recurso interposto pelo Ministério Público do Trabalho, mantendo a decisão

proferida pelo TRT, mas sob o entendimento de que o TRT teria mantido a

condenação do senador por trabalho escravo, quando na verdade, como já

vimos, ocorreu exatamente o oposto108. Assim, o TST interpretou que havia

trabalho escravo na fazenda do senador, mas manteve integralmente a decisão

proferida pelo TRT, que interpretou exatamente o oposto, não se desfazendo,

portanto, a divergência jurisprudencial. E a mídia, mais uma vez, continuou

presa na confusão, propagando a ideia de que a Justiça trabalhista teria

mantido a acusação e o julgamento do senador pela prática de trabalho

escravo na medida em que manteve a indenização por danos morais

coletivos109. É certo que essa indenização permaneceu na decisão do TRT e

do TST, ainda que sob valor bem mais baixo do que fora originalmente

proposto. No entanto, sob o TRT, sua permanência se deu de modo muito

obscuro e bem distante de qualquer alegação de trabalho escravo. E no TST,

por sua vez, a permanência da indenização se deu em função de uma

interpretação confusa acerca das razões que levaram o TRT a mantê-la.

Percebendo a confusão e as acusações na mídia, o senador entrou com

um embargo de declaração no próprio TST no dia 11 de fevereiro de 2011,

expondo justamente o fato de que, se o TST decidiu por manter a sentença do

107

Não foi encontrado nenhum documento explicativo desse grande periodo de tempo do caso no TST. Pelo andamento processual da ação, é possível apenas verificar que, em 29 de setembro de 2006, o processo estava parado no gabiente do Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, somente sendo incluído na pauta de julgamento em 2 de outubro de 2010.

108 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Acórdão no Recurso de revista 61100-

07.2004.5.08.0118. Relator: BARROS, Levenhagen.

109 Ver, por exemplo, a notícia que acusou o senador João Ribeiro de mentir em seu site

pessoal por ter dito que o TST o havia lhe absolvido da acusação de trabalho escravo na medida em que manteve a decisão do TRT, que não reconheceu a acusação. Como já vimos, o entendimento de que o senador havia sido absolvido da acusação de trabalho escravo era perfeitamente possível, na medida em que os posicionamentos tanto do TRT e especialmente do TST foram tão confusos que parecem ter se abstido de solucionar o conflito de jurisdição. http://reporterbrasil.org.br/2011/03/tst-confirma-escravidao-na-fazenda-do-senador-joao-ribeiro/.

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TRT110, ele não haveria de dizer que o senador praticou trabalho escravo, dado

que o TRT afastou por completo esse entendimento. Para o senador, assim, o

TST deveria reformular não sua decisão, mas sim sua justificativa. Passado um

ano, o TST se absteve de desfazer a confusão, mantendo seu entendimento

acerca da decisão do TRT, e rejeitou, por unanimidade, o embargo do senador

no dia 21 de março de 2012.

Pelo histórico do andamento do processo no TST111, mostrou-se que,

desde o indeferimento do embargo do senador até a data de 16/05/2012, não

havia tido mais nenhuma interposição de recurso, e o processo foi remetido ao

TRT da 8ª Região, onde foi baixado em 18/05/2012.

4.3.2 – O Caso do Senador João Ribeiro no Supremo Tribunal

Federal

O Caso do Senador João Ribeiro no Supremo Tribunal Federal se

desdobrou em dois processos de autoria do Ministério Público Federal: um

após quatro meses da operação de fiscalização do GEFM na Fazenda do

Senador, e antes da entrada do caso na Justiça do Trabalho (Inquérito

2.131/DF); e o outro após a última decisão tomada pelo TST, na esfera

trabalhista, para o caso.

Tabela 26 - Características Gerais dos Processos no STF no Caso do Senador João Ribeiro

Nº do Processo/Ação

Autor Instância Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado

Inquérito 2.131/DF

MPF STF 17/06/2004 23/02/2012 7 anos, 8 meses e 4

dias

DEFERIDO (POR MAIORIA DE VOTOS)

Ação Penal 696 MPF STF 21/08/2012 28/02/2014 1 ano, 6

meses e 5 dias

PREJUDICADA

9 anos, 2 meses e 9 dias

110

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Acórdão no Embargo de declaração 61100-07.2004.5.08.0118. Relator: BARROS, Levenhagen.

111 Para consulta do andamento processual:

http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=61100&digitoTst=07&anoTst=2004&orgaoTst=5&tribunalTst=08&varaTst=0118&submit=Consultar.

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Tabela 27 - Natureza dos argumentos dos ministros do STF - Caso do Senador João Ribeiro

Nº do Processo/Ação

Autor Grau Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado Arg./Juiz Natureza

Inquérito 2.131/DF

MPF STF 17/06/20

04 23/02/2012

7 anos, 8 meses e 4

dias

DEFERIDO (POR MAIORIA DE VOTOS)

- comprovada a conduta de trabalho escravo; - trabalho degradante

MÉRITO

Ação Penal 696

MPF STF 21/08/20

12 28/02/2014

1 ano, 6 meses e 5

dias

PREJUDICADA

- falecimento do senador

-

9 anos, 2 meses e 9 dias

No dia 17/06/2004, foi autuado no STF pedido de Inquérito do MPF112,

requisitando o julgamento do senador pelo crime de trabalho escravo. O pedido

foi distribuído na Corte em 22 de junho de 2004 e enfrentou um longo período

de realização de intimações, notificações, pedidos de respostas, juntada de

documentos e de provas. Esse longo período durou, como mostra as tabelas

20 e 21 acima, 7 anos, 8 meses e 4 dias, dentre os quais o ano de 2009 foi

marcado por não ter qualquer tipo de movimentação. Os votos e pareceres se

manifestando acerca do recebimento ou não do pedido se iniciaram apenas em

outubro de 2010113.

O primeiro voto proferido foi o da ministra relatora Ellen Gracie no dia 7

de outubro de 2010, que liderou o grupo majoritário na decisão pelo

recebimento da denúncia feita pelo MPF contra o senador. Em seu voto, a

ministra resgatou em total tom de concordância os registros documentados

pelo Grupo Móvel de Fiscalização, a decisão trabalhista de primeira instância e

a peça acusatória produzida pelo MPF. E, em tom de desacordo, resgatou as

justificativas prestadas pelo senador em juízo e a decisão do TRT que não

reconhecera a existência de trabalho escravo na fazenda do senador.

A ministra argumentou que as provas de trabalho degradante eram

abundantes e muito explícitas, não cabendo, inclusive, o argumento da

112

Para ver o andamento processual do Inquérito no STF: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226955.

113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012.

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naturalização dessas condições em função da comparação com as condições

padrões da região em que se encontrava a fazenda do senador. E, além das

condições degradantes, também ficaram explícitas, para a ministra, as práticas

do aliciamento de trabalhadores e do sistema de armazém. A ministra apontou

a importância de se reconhecer que as condições degradantes de trabalho

devem ser consideradas como condições análogas a de escravo, na medida

em que violam o Código Penal brasileiro, que, através da Lei 10.803/03,

buscou atender o compromisso internacionalmente assumido pelo governo

brasileiro com a ratificação da Convenção nº 105 da OIT em combater o

trabalho degradante ou trabalho escravo. A ministra, inclusive, especifica o que

é o trabalho degradante ou escravo:

“A noção de condições degradantes corresponde ao trabalho realizado em determinadas condições que afrontam a dignidade da pessoa do trabalhador, como o trabalho submetido à jornada exaustiva. O trabalho em condições degradantes corresponde aquele que explora a necessidade e a miséria do trabalhador, submetendo-o a condições indignas, colocando em risco sua saúde e integridade física. (...). Assim, o trabalho em condições degradantes e o trabalho forçado são antíteses do denominado trabalho decente, sendo espécies do gênero ‘trabalho em condições análogas à de escravo” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 32-33).

A ministra rebate, ainda, o argumento do senador acerca da naturalidade

das condições de trabalho na região e acerca dos objetivos da Lei 10.803/03

que alterou o Código Penal para especificar o trabalho escravo enquanto

trabalho degradante:

“O denunciado João Batista alega que a situação em que se encontravam os trabalhadores rurais encontrados pela fiscalização na sua fazenda não é diferente da realidade da população local, argumentando que a Lei nº 10.803/03 não pretendeu erradicar a pobreza, a miséria e as acentuadas desigualdades sociais e regionais. Efetivamente, não foi propósito da lei que deu nova redação ao art. 149, do Código Penal erradicar a pobreza e a miséria do território nacional, e sim servir de instrumento – na esfera legislativa – de combate à exploração de trabalhadores através da imposição de trabalhos forçados, de jornada exaustiva, de condições degradantes de trabalho ou de restrição da locomoção de trabalhadores em razão de dívida contraída com o empregador ou o preposto. No caso concreto, o conjunto das violações perpetradas ao mínimo de dignidade e respeito à pessoa do trabalhador rural, tal como comprovadas por substrato probatório mínimo, levou à

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200

conclusão de elementos suficientes para o início da ação penal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 38).

No mesmo dia em que a ministra Ellen Gracie pronunciou seu voto, o

ministro Gilmar Mendes entrou com pedido de vista do processo, com o qual

permaneceu durante um ano até sua devolução no dia 06 de dezembro de

2011. Em sua justificativa para o pedido de vista, o ministro lançou mão dos

mesmos argumentos do senador e da maioria dos desembargadores do TRT

de naturalização das condições precárias de trabalho no meio rural, na medida

em que argumenta que

“considerar degradante o ato de dormir em redes, a oferta de trabalho em local onde inexiste água encanada e saneamento básico e onde o alojamento é feito de palha é ignorar a realidade do campo brasileiro” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 55).

Além disso, o ministro também entendeu que o trabalho escravo só

poderia ser constatado caso os trabalhadores fossem encontrados fisicamente

impossibilitados de ir e vir, sob ameaças ou coações físicas, ou sob vigilância

armada. Assim, diferentemente da ministra Ellen Gracie, que resgatou o

comprometimento do Governo brasileiro com a Convenção nº 105 da OIT, que

abrange o trabalho degradante, o ministro Gilmar Mendes resgatou apenas a

Convenção nº 29, anterior e menos abrangente que a 105, estabelecendo o

trabalho escravo (para a OIT, trabalho forçado) apenas como aquele em que o

trabalhador se encontra “sob ameaça de sanção” e fisicamente

“impossibilitados de ir e vir” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no

Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ

2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 61).

Em sua visão, portanto, o senador deveria ser julgado apenas em função

de violações trabalhistas, e não em função de uma acusação indevida de

trabalho escravo. E o senador também não deveria ser acusado por

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aliciamento de trabalhadores e nem pela prática do sistema de armazém, na

medida em que os trabalhadores aceitaram o trabalhado sabendo previamente

das condições, e na medida em que suas dívidas no armazém eram

perfeitamente quitáveis e insuficientes para configurar um quadro de servidão

por dívida.

O ministro Gilmar Mendes vai além e critica a atuação do Grupo Móvel

do MTE, acusando-o de extrapolar suas prerrogativas e funções e, com isso,

produzir um relatório de caráter claramente político e ideológico. O ministro não

recusa a acusação de que a situação era grave do ponto de vista das violações

trabalhistas, mas diz que o relatório estava “contaminado por um discurso

panfletário que salta aos olhos”. Para ele, o Grupo sustentou uma visão

descolada da realidade, chegando a conclusões errôneas acerca do senador.

“Não descuro do fato de que o trabalho no campo brasileiro está longe de atingir as condições ideais, todavia não é razoável poetizar sobre a realidade agrária brasileira e inferir, do dia a dia das pessoas pobres das matas e dos sertões, verdadeiras manifestações de escravidão, compreendendo a existência de quadrilhas organizadas, formadas por tomadores de trabalho que seriam – como afirma o relatório – os neoescravagistas. As condições de vida de regiões paupérrimas do Brasil repetem-se nas condições de trabalho, e não é razoável qualificá-las de criminosas por esta exclusiva razão, como quer o relatório. (...). Diante dessa constatação, não posso deixar de pontuar que o relatório, que deveria ser de fiscalização e, portanto, demonstrativo das condições de trabalho encontradas no local, perde-se em um discurso político-ideológico de afirmação da existência de um neoescravagismo, ao talante dos servidores que o assinam” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 53).

Segundo o ministro, o relatório do Grupo de Fiscalização dá a entender

que os fiscais do trabalho querem solucionar “o sofrimento e a miséria do

homem do campo com a prisão de proprietários rurais”, no que ele argumenta

que as causas do sofrimento e da miséria do homem do campo não poderiam

ser resolvidas no plano criminal ou através da maneira “demagógica”,

“eleitoreira” e “ideológica” através da qual o Grupo estaria atuando, mas

apenas através de “políticas públicas sérias” e “através do envolvimento de

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toda a sociedade” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito

Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF.

Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 57).

Gilmar Mendes chega a comparar as exigências e as expectativas feitas

pelo Grupo Móvel a um caso ocorrido com uma doação feita pela Madre

Tereza de Calcutá, em que uma lei norte-americana “fora da realidade” teria

impossibilitado que sua boa ação fosse levada a cabo. Segundo o que ministro

relata, Madre Tereza, ao receber o prêmio Nobel, decidiu doar parte para a

construção de um abrigo para pessoas carentes em Nova York. Mas, em

função de uma nova lei que havia sido promulgada na cidade, a licença para a

construção do abrigo foi suspensa até que o plano incorporasse a instalação de

um elevador, que encareceu por demais a construção e inviabilizou o projeto. O

ministro transcreve, inclusive, um trecho do livro do qual tirou essa história, de

forma a “alegorizar” o seu posicionamento ou sua opinião com relação às

ações que o Grupo Móvel vinha desempenhando.

“Ninguém decidiu para prejudicar Madre Teresa. Foi a lei. E o que era necessário ofende o senso comum. Há provavelmente um milhão de edifícios em Nova York sem elevadores. Pessoas desabrigadas adorariam viver em qualquer um deles. Afinal, subir um lance de escadas não é o maior problema de suas vidas. Mas a lei, idealizando a moradia perfeita, reuniu tantas boas ideias que o único tipo de habitação nova que é permitido fazer deve satisfazer os padrões da classe média. Uma lei que estabelece que há um modelo de casa e que é provavelmente boa para alguns, mas e quanto aqueles que tentam proporcionar moradia aos pobres?” (HOWARD,

Philip K., 1996 apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 58).

Com esse trecho, o ministro deixa mais do que claro seu parecer acerca

da situação, invertendo a lógica de defesa dos direitos de cidadania praticada

pelo Grupo e defendida pelo MPT, pelo MPF, pela juíza de primeira instância e

pelo desembargador vencido no TRT. Gilmar Mendes colocou o Grupo Móvel e

as leis trabalhistas como sendo instituições atravancadoras do

desenvolvimento no campo e distanciadas da sua realidade, na medida em que

estariam buscando um ideal de cidadania para os trabalhadores rurais que não

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condiz com suas reais necessidades. Os agricultores, por sua vez, não seriam

vistos aqui como o problema, mas como aqueles que acham as soluções

concretas, imediatas e possíveis para os trabalhadores rurais, dando-lhes

trabalho e a possibilidade de não viverem na miséria. O ministro ressalva que

não se trata de achar certo que os trabalhadores “durmam ao relento, que

vivam sem saneamento básico, que durmam sem paredes e sem teto”. Mas

também ressalva que isso não seria um problema a ser criminalizado pelo

Judiciário, na medida em que a responsabilidade maior estaria nas mãos do

Poder Público, parecendo-se esquecer da posição política do próprio senador.

E termina, por fim, questionando-se acerca de onde estariam os trabalhadores

que o Grupo Móvel argumentou “libertar” da fazenda do senador, apostando

que se encontrariam novamente em situação de miséria e, pior, sem trabalho

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF.

Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: GRACIE,

Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 67).

Após a longa justificação do ministro Gilmar Mendes para o seu pedido

de vista no dia 07 de outubro de 2010, o processo ficou em aguardo até o dia

23 de fevereiro de 2012, quando os demais ministros puderam apresentar seus

votos.

Após o pedido de vista de Gilmar Mendes, o caso foi ainda mais

noticiado pela mídia. O próprio STF, em 7 de outubro de 2010 reportou o

andamento do caso no STF114, fazendo uma retomada das descrições feitas

pelo GEFM. Oito meses após o pedido de vista, o portal “Congresso em foco”,

em 13 de junho de 2011, também publica reportagem recuperando o relatório

de fiscalização e comentando o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes115.

Chamando atenção para a morosidade com o qual o caso estava sendo tratado

pelo STF (quatro anos desde que entrou), a reportagem destaca que as

114

Notícias STF, 07/10/2010. Pedido de vista suspende julgamento sobre suposto crime de submissão a trabalho escravo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=163562.

115 Congresso em Foco, 13/06/2011. Pedido de Gilmar Mendes segura ação por trabalho

escravo. Por Edson Sardinha. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/trabalho-escravo/pedido-de-gilmar-segura-acao-por-trabalho-escravo/.

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próprias regras regimentais internas do Tribunal compactuam com a demora,

na medida em que não estabelecem prazo para que os ministros apresentem

suas conclusões. A mesma reportagem recupera, ainda, um pequeno histórico

de pendências judiciais do senador no STF, que era investigado até então por

outros dois processos116, respondendo por peculato, estelionato, quadrilha ou

banco, crimes da Lei de Licitações e contra o meio ambiente e o patrimônio

genético.

Quando o ministro Gilmar Mendes devolveu o processo, os demais

ministros finalmente puderam apresentar seus votos, em 23 de fevereiro de

2012117. Junto com o ministro Gilmar Mendes, votaram os ministros Dias Toffoli

e Marco Aurélio. Dias Toffoli condensou a indignação exposta pelo voto de

Gilmar Mendes, dizendo que a fiscalização deveria se restringir a relatar os

fatos “e não fazer um discurso ideológico como fez”. Em sua visão, os

auditores deveriam ter se pautado mais na objetividade e na fé pública que

detêm para que não voltassem a repetir a autuação “impregnada de

idiossincrasias e de vontades subjetivas do agente fiscal” como a que

apresentaram no caso envolvendo o senador João Ribeiro (BRASIL. Supremo

Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do

Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: LUCIA, Carmen. Publicado no DJE de

07/08/2012, p. 90). O ministro Marco Aurélio, por sua vez, engrossou o couro

dos argumentos de naturalização das condições de trabalho e de vida no

campo, e enfatizou que não havia impedimento físico de ir e vir, e nem servidão

por dívida, na medida em que não foi encontrada nenhuma arma e nenhum

relato de ameaça e de impedimento físico, e na medida em que as dívidas dos

trabalhadores não eram suficientes para configurar um quadro de servidão por

dívida.

116

Inquérito 2274/2005 e Ação Penal 399/2005.

117 Estavam presentes na sessão, os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes,

Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber. A ministra Rosa Weber não votou por suceder a relatoria de Ellen Gracie. Encontravam-se ausentes o ministro Ricardo Lewandowski. O voto do ministro Celso de Mello aparece no inteiro teor do acórdão como “cancelado”, no que se sabe qual foi o seu posicionamento.

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Dentre os ministros que acompanharam a ministra Ellen Gracie em seu

voto pelo recebimento da denúncia feita pelo MPF, encontraram-se os

ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ayres Britto. Luiz Fux

disse que não era possível “raciocinar com leveza” sobre o fato dos

trabalhadores fazerem suas necessidades fisiológicas no mato e beberem na

mesma água suja que servia para tomar banho, para lavar roupa e para

bebedouro dos animais. Destaca também que é preciso tomar cuidado com os

argumentos de naturalização das condições de vida e de trabalho no campo,

chamando atenção para que os ministros “tenham uma consciência vigilante”

para que o desfavorecimento desses trabalhadores rurais não seja banalizado

judicialmente na medida em que se constitui o “principal instrumento de

opressão dos trabalhadores, especialmente na área rural” (BRASIL. Supremo

Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do

Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: LUCIA, Carmen. Publicado no DJE de

07/08/2012, p. 86-87). A ministra Carmén Lúcia se mostrou convencida pelos

inúmeros indícios trazidos pela denúncia, e se mostrou indignada com o

argumento do senador de que a situação poderia configurar trabalho escravo

apenas se o trabalhador em questão fosse um jovem rico de Brasília e não um

sertanejo ou índio que estariam pretensamente acostumados a viver naquelas

condições. Joaquim Barbosa, por sua vez, ateve-se nos depoimentos

prestados pelo próprio senador para mostrar que os indícios de trabalho

degradante estavam presentes. E, por fim, o ministro Ayres Britto, assim, como

Cármen Lúcia, mostrou-se indignado com a concepção classista de trabalho

degradante sustentada pelo senador, que disse basicamente que “se o

trabalhador é miserável, que se lhe imponha uma condição de trabalho

miserável”. E argumentou também no sentido de contrariar duas ideias

expostas pelo ministro Gilmar Mendes: a ideia de que o Grupo Móvel atuaria de

modo irresponsável, tirando os trabalhadores da fazenda e os jogando

novamente aos riscos da miséria do campo; e a ideia de que o Judiciário não

solucionaria o problema da miséria julgando criminalmente os fazendeiros por

condições que são próprias da realidade rural. Ayres Britto termina seu voto

dizendo que:

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“se por acaso encontrar um pássaro preso numa arapuca, eu liberto o pássaro imediatamente. Não vou me perguntar se ele corre o risco de cair em uma outra arapuca, porque o risco é uma possibilidade – pode acontecer ou não - , mas a primeira arapuca é uma realidade, e eu não tenho o direito de ignorar essa realidade e, menos ainda, de não combatê-la eficazmente” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF. Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora: LUCIA, Carmen. Publicado no DJE de 07/08/2012, p. 104).

O único ministro que recebeu a denúncia do MPF em partes foi o

ministro Cezar Peluzzo, que adotou uma posição intermediária entre o grupo

que acompanhou a ministra Ellen Gracie e o grupo que acompanhou o ministro

Gilmar Mendes. Para ele, apenas coube o recebimento da denúncia do ponto

de vista dos inúmeros indícios de trabalho degradante, cabendo, portanto, a

acusação de prática de trabalho escravo. Mas, não caberia receber a denúncia

do ponto de vista do aliciamento dos trabalhadores e da servidão por dívida, na

medida em que, em sua interpretação, os indícios eram insuficientes.

Com isso, em 23/02/2012, o STF decidiu, por maioria de votos, por

receber a denúncia por trabalho escravo do MPF contra o senador, re-

autuando o processo no dia 21 de agosto de 2012 e dando abertura à Ação

Penal 696118. Após a decisão de recebimento do STF, o caso ganhou ainda

mais atenção da mídia, em função da corroboração dos argumentos

conservadores do ministro Gilmar Mendes por parte de outros ministros, em

“embate” com a maioria do STF, que reconheceu as condições encontradas na

fazenda do senador como sendo de trabalho escravo. No dia 23 de fevereiro de

2012, no mesmo dia do recebimento da ação penal pelo STF, os portais G1119

e Terra120, o Estado de Minas121, e também o STF122, noticiaram a decisão do

118

Para consulta do andamento processual:

http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4289831.

119 Portal G1, 23/02/2012. STF recebe denúncias por trabalho escravo contra senador do TO.

Por Débora Santos. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/02/stf-recebe-denuncia-por-trabalho-escravo-contra-senador-de.html.

120 Portal Terra, 23/02/2012. STF recebe denúncia de trabalho escravo em fazenda de senador.

Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/stf-recebe-denuncia-de-trabalho-escravo-em-fazenda-de-senador,d12adc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html.

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207

Tribunal, todos contrapondo as duas visões que dividiram os ministros em dois

blocos.

Entre a autuação do processo e início de 2014, o STF deu

encaminhamentos diversos à Ação Penal, recebendo petições, juntando

documentos e expedindo ofícios, com uma demora contestada pelo próprio

Tribunal para a juntada de informações pedidas pelas petições. Foi, então, em

13/02/2014, que o STF recebeu petição informando o falecimento do Senador

João Ribeiro, em 18/12/2013, em decorrência de um câncer raro que vinha

tratando desde o ano de 2012123. Após essa notificação, a ministra Rosa

Weber, em decisão monocrática, no dia 27/02/2014, declarou a extinção da

punibilidade.

4.4 – Conclusões

O Caso do Senador João Ribeiro foi um caso de importante repercussão

política, não apenas por ter envolvido um senador da república, mas por

colocar em evidência a permanência, entre políticos e juízes brasileiros, de um

pensamento conservador acerca dos direitos e da exploração do trabalho no

campo. A permanência do pensamento conservador chamou bastante atenção

na medida em que o Caso do Senador, diferentemente do Caso do “gato”, não

começou no período inicial das políticas de combate ao trabalho escravo, mas

num momento em que as políticas já se encontravam em um período de maior

integração institucional, como mostrou o Capítulo 2 da tese.

Para além dos questionamentos de ordem conservadora e

“naturalizadora” das condições degradantes de trabalho no campo, o Caso do

121

Estado de Minas, 24/02/2012. Senador João Ribeiro é processado no STF por escravidão. Por Diego Abreu. Disponível em:

http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/02/24/interna_politica,279738/senador-joao-ribeiro-e-processado-no-stf-por-escravidao.shtml.

122 Notícias STF, 23/02/2012. Recebida denúncia contra senador por suposto trabalho escravo.

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200918.

123 Ver notícia: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2013/12/19/senador-joao-ribeiro-

morre-aos-59-anos-apos-luta-contra-doenca-rara.

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Senador nos mostrou que, apesar da existência de políticas mais integradas e

robustas de combate ao trabalho escravo no período – como bem mostrou a

atuação mais incisiva e coordenada do GEFM na etapa fiscalizatória –, a falta

de um consenso acerca do que é trabalho escravo não foi uma pauta

solucionada, mesmo com a promulgação da Lei de 2003, que consubstanciou

em possibilidades concretas o trabalho escravo. Ao identificar situações de

servidão por dívida, degradância e jornada exaustiva como conformadoras de

um quadro de trabalho escravo, o Grupo foi fortemente atacado pelo senador e

outros parlamentares por atuar de forma “ideológica” e descolada das “reais

necessidades” do trabalhador no campo. Assim, além de não concordarem

com a descrição de trabalho escravo do GEFM, o senador e outros

parlamentares mostraram-se não integrados ao quadro das políticas de

erradicação do trabalho escravo rural, ao passo que discordaram das próprias

leis voltadas para o exame do trabalho escravo rural, pedindo sua revisão.

A não integração às políticas também foi identificada na atuação do

Poder Judiciário no caso, na medida em que tanto o entendimento do que é

trabalho escravo quanto o respeito às políticas de erradicação mostraram-se

sujeitas aos posicionamentos particulares de cada juiz, não sendo possível

identificar um posicionamento institucional integrado. Mas tal diagnóstico da

atuação do Judiciário só foi perceptível na medida em que saímos dos

resultados mais superficiais do caso na Justiça e adentramos nas

argumentações e confusões geradas, sobretudo, pelos desembargadores e

ministros da Justiça do Trabalho.

Na esfera trabalhista, o senador foi autor de 3 das 6 ações entradas,

dividindo o quadro com o MPT, que foi autor das demais 3 ações. Num placar

superficial dos resultados, poderíamos afirmar apressadamente que o

Judiciário se mostrou atuante com as políticas de erradicação do trabalho

escravo na medida em que deu mais respostas positivas ao MPT do que ao

senador. O senador obteve apenas um deferimento em parte no TRT da 8ª

Região e duas respostas negativas, uma do TRT e outra do TST. O MPT, por

seu turno, obteve mais respostas positivas, tendo suas ações deferidas e/ou

deferidas em parte tanto em primeiro quanto em segundo grau.

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Quando analisamos, contudo, o conteúdo desses resultados,

percebemos a confusão que se deu em torno do reconhecimento do trabalho

escravo por parte do TRT, que embora não tenha, de fato, reconhecido o

trabalho escravo, sua primeira decisão foi resgatada em decisões posteriores

como tendo reconhecido o trabalho escravo, num aprofundamento crescente

de divergência jurisprudencial, que o TST, mesmo levando mais de 4 anos para

decidir, absteve-se de dar um fim à confusão.

No STF, por sua vez, o senador também obteve resposta negativa, na

medida em que os ministros, por maioria de votos, aceitaram receber a Ação

Penal do MPF contra ele. A maioria dos ministros reconheceu a existência de

trabalhado escravo na fazenda do senador, contrariando de forma enfática os

argumentos naturalizadores do senador com relação às condições degradantes

de trabalho no campo. Como vimos, contudo, este foi somente o processo de

recebimento da ação, já marcado por uma longa demora judicial e pela

manifestação entre ministros do STF de um posicionamento naturalizador das

condições degradantes de trabalho no campo. O resultado que a Ação Penal

teria recebido não é possível saber com certeza. Mas, se apenas o

recebimento da ação levou mais de 7 anos para acontecer, e se a própria Ação

Penal quando aberta já contava com mais de 1 ano de andamento quando

senador veio a falecer, não é difícil imaginar que os crimes acabariam

prescrevendo.

Um fator interessante do Caso do Senador João Ribeiro está

relacionado à natureza de suas contestações na Justiça. No Caso do “gato”,

nós vimos que a capacidade litigatória de sua defesa limitou-se ao

aproveitamento estratégico das falhas institucionais da Justiça, que, por sua

vez, limitou-se a dar decisões com argumentos de ordem processual. No Caso

do Senador João Ribeiro, por sua vez, é possível notar que a sua posição

política e social privilegiada lhe permitiu defender-se de forma mais agressiva,

contestando as acusações e a atuação do GEFM, e conseguindo obter, com

isso, mais decisões de mérito ou um posicionamento mais claro dos juízes com

relação ao problema do trabalho escravo.

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O que é interessante observar nesse aspecto é que as contestações

feitas pelo senador, embora incisivas e agressivas, não se calcavam em

desmentir as provas colhidas ou o cenário encontrado pelo GEFM. A

agressividade da defesa esteve voltada para o próprio Grupo (assim como para

a Lei de 2003) e sua interpretação do cenário encontrado. O senador não se

indignou, por exemplo, com o fato do GEFM ter narrado que os trabalhadores

bebiam água no mesmo lugar que os animais; ele se indignou com o fato do

GEFM ter interpretado isso como sendo provas de trabalho escravo. Os

aspectos substantivos não foram negados nem pelo senador nem pelos juízes,

desembargadores e ministros. O que ocorreu foi uma clara manifestação de

como tais aspectos foram entendidos ou interpretados. Se para alguns, o

cenário encontrado era o de trabalho escravo, para outros, era o cenário

normal da região. Para o senador, a maioria do TRT da 8º Região e os

ministros vencidos do STF, a Lei de 2003, o GEFM e outros instrumentos

voltados para a erradicação do trabalho escravo são todos instrumentos

ideológicos que “querem” ver trabalho escravo onde só existem as condições

normais de trabalho no campo.

No Caso Pagrisa, que veremos no Capítulo seguinte, a contestação feita

pela empresa se dará de forma tal que chegará a contrariar os próprios

aspectos substantivos narrados pelo GEFM, chegando a acusar o Grupo de

inventar e manipular o cenário e os aspectos substantivos das condições de

trabalho existentes. A empresa não se colocará contra as políticas de

erradicação, até mesmo para se mostrar como empresa integrada e contra o

trabalho escravo. Ela irá questionar a idoneidade de alguns atores do GEFM,

acusando-os de abusar de seu poder e prerrogativas.

Por fim, da mesma forma que ocorreu no Caso do “gato” e também

ocorrerá no Caso Pagrisa, o entendimento mais completo da atuação do Poder

Judiciário no Caso do Senador João Ribeiro só foi possível quando olhamos

para além dos resultados mais superficiais das decisões judiciais e para além

das características mais imediatas do caso. Para além do fator importante da

capacidade litigatória do senador e do seu lugar político privilegiado, vimos que

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outros fatores de ordem institucional e individual dos juízes também marcaram

o andamento do caso.

Ou seja, o posicionamento político do senador claramente se refletiu na

sua capacidade litigatória e na sua “liberdade” em defender uma interpretação

ideológica (conservadora) dos fatos trazidos pelo GEFM. Tal liberdade de

manifestação política, no entanto, só foi adiante na medida em que encontrou

respaldo concordante e manifesto (entre desembargadores do TRT e ministros

do STF) e respaldo discordante, porém “desatento” com as confusões

decisórias (entre desembargadores e ministros do STJ), além do respaldo

institucional da morosidade judicial e da atuação independente, porém

regimentalizada, dos ministros do STF no que tange à tomada de uma decisão.

O Caso do Senador colocou em evidência o posicionamento político individual

dos juízes, especialmente de ministros do STF, que, por sua vez, engrossaram

o coro da naturalização das precárias condições de vida e de trabalho no

campo e a permanência de uma visão estruturante acerca do “homem do

campo”.

Como atuou, então, o Poder Judiciário no Caso do Senador João

Ribeiro? O estudo do caso nos mostrou, mais uma vez, que mais de uma

dimensão de análise esteve presente em seu andamento no Judiciário, sejam

elas de ordem estrutural, institucional ou individual. Certamente que o fato

individual do posicionamento político dos juízes foi uma dimensão gritante no

andamento do caso, na medida em que foi visível a diferença de interpretação

sobre um mesmo conjunto de aspectos substantivos. Tais posicionamentos

individuais, no entanto, explicitaram não apenas a falta de uma atuação de fato

“institucional” do Judiciário, além da sempre constante morosidade judicial,

como também a permanência histórica e estruturante de entendimentos

conservadores e preconceituosos sobre a realidade do “homem do campo” e

do direito do trabalho no setor rural.

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Capítulo 5 – O Caso Pagrisa: “modelo internacional”

(2007-2015)

5.1 – Introdução

O Caso Pagrisa é o caso de maior repercussão entre os casos

escolhidos para análise, não somente em função de sua grande repercussão

na mídia, mas, sobretudo, por sua repercussão dentro do Poder Legislativo

brasileiro e seus embates com o Ministério do Trabalho e Emprego. A

quantidade de holofotes sobre o caso se deve, sobretudo, à importância

econômica da empresa agrícola Pagrisa para o setor sucroalcooleiro, que levou

muitos parlamentares da então “bancada ruralista” a tomarem a defesa da

empresa diante das acusações de trabalhado escravo, justificando que isto

poderia afetar a economia e a imagem do país no cenário internacional.

No Poder Judiciário, o caso perpassou todas as instâncias da Justiça

Federal e da Justiça Trabalhista, chegando também ao Supremo Tribunal

Federal por conta da regra do foro privilegiado para membros do Congresso

Nacional. Somente na Justiça do Trabalho, foram três processos de 1º grau,

todos dos quais resultaram dois recursos para a Justiça Trabalhista de 2º grau,

e um recurso para o Tribunal Superior do Trabalho. Já na Justiça Federal,

encontramos um processo de 1º grau, dois na Justiça Federal de 2º grau, três

processos no Superior Tribunal de Justiça, e dois processos no Supremo

Tribunal Federal.

Vejamos como tudo isso começou e se desenvolveu.

5.2 – A denúncia e a fiscalização

O caso teve início a partir de meados de 2007, quando um grupo de

trabalhadores da Pagrisa procurou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel

(GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para relatar as condições

de trabalho a que estavam submetidos na Fazenda Pagrisa, no município de

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Ulianópolis, no Pará. Segundo consta no relatório do GEFM, produzido em

ocasião da fiscalização na referida fazenda124, os trabalhadores não fizeram

uma denúncia formalizada, por escrito ou através de qualquer representante ou

instituição. O que aconteceu é que eles aproveitaram a presença do GEFM –

que estaria de passagem pela região atendendo a outras denúncias – para

fazer suas reclamações.

Em seus relatos ao GEFM, os trabalhadores teriam informado o seguinte

quadro sobre as condições de trabalho na Fazenda Pagrisa: pagamentos de

salários baixíssimos; consumo de água poluída; alimentação de baixa

qualidade; jornada exaustiva e péssimo tratamento.

Recebida a denúncia informal, o GEFM (composto por seis auditores-

fiscais do trabalho, um agente administrativo do MTE, um procurador do

trabalho, três agentes e dois escrivães da Polícia Federal) realizou, entre 28 de

junho e 7 de julho de 2007, operação de fiscalização nas dependências da

Fazenda Pagrisa, de forma a averiguar os relatos trazidos pelos trabalhadores.

Passados apenas alguns dias da chegada do Grupo à Fazenda Pagrisa,

diversas reportagens já acompanhavam o caso na mídia, pela ONG Repórter

Brasil e por diversos jornais e revistas de expressividade no país,

especialmente após a abertura de uma Comissão no Senado para investigar o

Caso Pagrisa.

Em reportagem do dia 02 de julho de 2007125, a ONG Repórter Brasil

chamava atenção para o fato de que a fiscalização que estava sendo realizada

na Fazenda Pagrisa resultaria no maior resgate de trabalhadores já feito pelo

GEFM desde sua criação em 1995, contabilizando um total efetivo de 1.064

trabalhadores. Segundo a reportagem, o caso teria superado a fiscalização

feita na Destilaria Gameleira, outra empresa agrícola do setor sucroalcooleiro

124

BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007. Disponível em: http://www.alterinfos.org/IMG/pdf/Relatorio_de_fiscalizacao_acao_de_combate_ao_trabalho_escravo.pdf.

125 ONG Repórter Brasil. Ação recorde resgata 1.108 trabalhadores da Cana no Pará. Notícias

– 02/07/2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1102. Acesso em: 28/11/2012.

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envolvida com trabalho escravo, de onde 1.003 trabalhadores foram

resgatados em junho de 2005. A reportagem traz, ainda, o depoimento de um

dos proprietários/diretores acusados na denúncia, Fernão Villela Zancaner, que

se defendeu declarando que “Cem por cento dos nossos funcionários têm

carteira assinada. Sempre sofremos fiscalizações e nunca tivemos problemas.

Estamos surpresos com essa fiscalização que não é corretiva, mas punitiva”.

A reportagem apontava também que a Fazenda Pagrisa era então

responsável pela produção de cerca de 50 milhões de litros de álcool por ano,

tendo como um de seus principais compradores a Petrobras, que, em função

dos resultados da fiscalização, teria informado a suspensão da compra de

álcool da Pagrisa.

No dia 4 de julho de 2007, a Repórter Brasil publica mais duas

reportagens sobre o caso. Na primeira126, relembra que a Petrobras é empresa

signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no

Brasil127, no qual as empresas se comprometem a excluir de sua cadeia

produtiva fornecedores que foram flagrados utilizando-se de mão de obra

escrava. A Petrobras teria anunciado que a suspensão da compra do álcool da

Pagrisa seria por tempo indeterminado, até que sua situação fosse

regularizada junto ao MTE.

Na segunda reportagem do dia 4 de julho128, a ONG trouxe alguns

depoimentos de trabalhadores resgatados e que já tinham assinado suas

126

ONG Repórter Brasil. Petrobras suspende compra de empresa flagrada com escravos. Notícias – 04/07/2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1105. Acesso em: 28/11/2012.

127 O Pacto nasceu em 2005, como resultado de um diálogo que vinha se desenvolvendo

desde 2003 entre diversas entidades, entre elas a ONG Repórter Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o Instituto Observatório Social e a OIT. Foi a primeira medida que envolveu o setor empresarial e que conta, hoje, com cerca de 220 empresas, associações comerciais e entidades da sociedade civil. O Pacto possui um portal no site da ONG Repórter Brasil, http://www.reporterbrasil.org.br/pacto/, no qual se pode encontrar o texto integral do Pacto http://www.reporterbrasil.com.br/documentos/pacto_erradicacao_trabalho_escravo.pdf, a lista de todos os signatários, http://www.reporterbrasil.org.br/pacto/signatarios, e também notícias acerca da inclusão de novos signatários e sobre a sua violação.

128 ONG Repórter Brasil. Libertados da Pagrisa relatam vida na “prisão”. Notícias – 04/07/2007.

Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1110. Acesso em: 28/11/2012.

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rescisões contratuais com empresa. Os entrevistados estariam entre a primeira

leva de trabalhadores que optarem por deixar a fazenda, cada qual com o

pagamento de mil reais referentes à rescisão de contrato de trabalho

temporário e com seus nomes inscritos no Seguro Desemprego. Os

depoimentos destacados pela reportagem diziam coisas como:

“Nós estávamos em uma prisão”;

“Agradeço a Deus que os homens da lei chegaram e resolveram nossos problemas”;

“A comida era ruim, às vezes, azeda. E nós comíamos debaixo das carretas”;

“Pra beber, a água também não agradava e para tomar banho, de vez em quando, faltava. Vários dias dormíamos sujos”;

“Após a jornada de trabalho que ia das 4 (da manhã) às 18 horas, o barraco, muito seboso, estava sempre com muita gente”.

Além desses depoimentos, a reportagem também relatava partes de

uma nota divulgada pela Pagrisa, que se defendia dizendo que ela não se

utilizava de trabalhadores em situação análoga à escravidão. A empresa

afirmava também que todo o incidente configurava uma “violência contra a

empresa”, e que cerca de 80 trabalhadores estavam arrependidos e queriam

voltar para a fazenda, e os que a deixaram haviam sido “convencidos pelos

fiscais do governo” com promessas de três salários do seguro-desemprego.

No dia seguinte a essas duas últimas reportagens da ONG, em 5 de

julho de 2007, o relatório do GEFM descreve que três aviões chegaram à

Pagrisa naquele dia, trazendo o Delegado Regional do Trabalho do Pará

(Fernando Coimbra), a Presidente da Seccional da OAB (Ângela Sales) e

advogados e presidentes da Federação da Agricultura do Estado do Pará, da

Federação do Comércio do Estado do Pará, e da Federação das Indústrias do

Estado do Pará, no que podemos observar, de início, a tamanha repercussão

do caso e o alcance de influência da empresa Pagrisa.

Segundo o relatório, a Presidente da Seccional da OAB, Ângela Sales,

estaria preocupada com o alto número de trabalhadores demitidos, no que teria

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se reunido com eles para alertá-los de que seria melhor continuarem na

Fazenda, pois a empresa iria regularizar as condições de trabalho. Além disso,

ela também teria feito a sugestão de que os trabalhadores fossem consultados

individualmente, e não da forma em assembleia como havia sido feito, para que

os trabalhadores não se sentissem pressionados pela decisão de uma maioria.

Sua proposta foi aceita tanto pela empresa quanto pelo GEFM. E segundo

consta no relatório, os 1.064 trabalhadores que já tinham aceitado a rescisão

contratual em coletividade permaneceram em sua decisão individualmente.

No mesmo dia da chegada dos três aviões à Pagrisa, o caso foi

noticiado pela Folha de S. Paulo129 e recebeu uma Nota Oficial da Comissão de

Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados apoiando a decisão da

Petrobras130. No mesmo ano, além da nota sobre a suspensão, a Petrobras

lançou seu relatório “2007 – Balanço Social e Ambiental”, no qual mencionava

o ocorrido com a empresa Pagrisa e reafirmava sua decisão e seu

comprometimento com o Pacto, apontando que “Não existem casos de trabalho

forçado ou análogo ao escravo nas atividades operacionais ou administrativas

do Sistema Petrobras” (Petrobras, 2007: 57).

No dia seguinte, 6 de julho de 2007, mais um avião chega à Pagrisa,

dessa vez trazendo o Senador Flexa Ribeiro, que, como veremos, foi o autor

da proposta de criação de uma Comissão Especial no Senado somente para

investigar o Caso Pagrisa. Ao chegar à Fazenda, o senador visitou as

instalações da empresa e conversou com alguns trabalhadores e com seus

diretores, e também com o auditor-fiscal Humberto Célio, então coordenador do

GEFM, relatando o que vira em sua visita pelas instalações da empresa e

129

Folha de S. Paulo. Petrobras suspende contratos com empresa flagrada com trabalho degradante. 05/07/2007. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u309544.shtml. Acesso em: 29/11/2012.

130 Brasil. Câmara dos Deputados. Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Nota Oficial.

CDHM cumprimenta Petrobrás pela suspensão da compra de álcool de empresa flagrada com trabalhadores em situação análoga à escravidão. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/notas-oficiais/Nota%20Petrobras%20-%20suspensao%20de%20compra%20de%20alcool%20da%20Pagrisa,....pdf. Acesso em: 29/11/2012.

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questionando se o Grupo havia trazido para a fiscalização repórteres da

Agência de Notícias Reuters.

Segundo o relatório do GEFM, o Senador afirmou que a imagem do

Brasil no exterior estava prejudicada, e perguntou ao coordenador do Grupo se

este já não tinha visto condições de trabalho piores que as encontradas na

empresa Pagrisa. Depois, ao conversar com os trabalhadores que optaram

pela rescisão contratual, questionou-os das razões para assim agirem.

No mesmo dia da visita do senador à Pagrisa, outra reportagem da

Repórter Brasil relata o início do que chamou de “intimidação e

desmoralização” da ação do Grupo Móvel de Fiscalização por parte dos

diretores da Pagrisa, que, acompanhados das diversas autoridades que

chegaram a sua defesa, estariam tentando convencer os trabalhadores a

ficarem através de promessas de melhorias das condições de trabalho,

alojamento e alimentação. Segundo alguns testemunhos trazidos pela

reportagem, inclusive, houve tentativas de deslegitimar a ação do GEFM,

alegando que este estaria iludindo os trabalhadores com promessas de seguro-

desemprego.

Depois de terminada a operação de fiscalização do GEFM no dia 8 de

julho de 2007, é redigido e assinado, a 13 de julho de 2007, o relatório final

resultante da fiscalização da Fazenda Pagrisa, documento este que servirá de

base para a abertura dos posteriores processos na Justiça.

Segundo o relatório do GEFM, a situação encontrada na Pagrisa

conformou um quadro claro e inegável de trabalho escravo, na medida em que

esgotou todas as possibilidades previstas pela Lei 10.803/2003 para a

configuração desse quadro, quais sejam: o trabalho forçado ou jornada

exaustiva; a servidão por dívida e as condições degradantes de trabalho.

Segundo o Grupo, a referida lei foi um avanço frente ao entendimento

anteriormente a ela existente de que trabalho escravo era apenas o trabalho

para o qual o trabalhador não havia se apresentado voluntariamente e no qual

se encontraria, por meio da violência ou ameaça de violência, impossibilidade

de ir e vir. Para o Grupo, a Lei de 2003 foi um avanço na medida em que

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reconheceu situações das mais importantes e características do trabalho

escravo no mundo contemporâneo, que é a jornada exaustiva, a servidão por

dívida e as condições degradantes. E, mais importante, não determinou a

existência conjunta dessas três possibilidades para configurar o trabalho

escravo, bastando apenas uma delas para isso.

No caso Pagrisa, para o Grupo, a Lei de 2003 encontrou aplicação

inquestionável, ao passo que todas as três possibilidades de trabalho escravo

foram constatadas durante a fiscalização. E para atestar tal quadro, o Grupo se

valeu de fotos, depoimentos dos trabalhadores e de documentos encontrados e

disponibilizados pelos próprios diretores da Pagrisa.

Indícios de trabalho forçado ou de jornada exaustiva na Pagrisa:

No que tange ao trabalho forçado ou jornada exaustiva, o GEFM se

valeu, sobretudo, de depoimentos dos trabalhadores acerca do início e do fim

da jornada de trabalho, que era por demais prolongada, especialmente em

função da falta de transportes suficientes para levar todos os trabalhadores dos

alojamentos até as frentes de trabalho, fazendo-os esperar os ônibus da

empresa desde as 04h30min da manhã, para garantir o transporte, e

retornando para os alojamentos apenas às 18:00h ou mais tarde.

Assim, embora a jornada de trabalho oficial fosse das 06h00min às

16h00min, o trabalhador ficava disponível para o empregador muito antes e

muito além da jornada estabelecida, fato que o Grupo entendeu como sendo

horas in itinere, que são consideradas como parte integrante da jornada de

acordo com a CLT (Art. 58). Para agravar o quadro, a empresa não fazia e nem

apresentou registros certos sobre o início e fim das jornadas de trabalho, não

contabilizando e nem remunerando as tais horas in itinere como previsto

legalmente. Seguem alguns depoimentos de trabalhadores relatados pelo

GEFM131:

131

Na parte descritiva do relatório, o GEFM ressalta apenas alguns depoimentos de trabalhadores, não expondo todos os depoimentos colhidos, mas aponta que estes podem ser encontrados todos nos Anexos do relatório. Embora não tenhamos tido acesso a esses Anexos, os depoimentos dos trabalhadores vão aparecendo ao longo do andamento dos casos, sendo mobilizados tanto pelos órgãos de acusação quanto pela defesa da Pagrisa.

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“QUE a jornada de trabalho do declarante no corte de cana é de 05:00 as 17:00 h; QUE o ônibus pega os trabalhadores ainda às 04:30h e ao chegar as frentes de trabalho o sol ainda não nasceu e os obreiros tem que esperar a luz solar para começar o labor; QUE ao final da jornada em muitos dias os empregados tem que esperar o ônibus chegar sem trabalho, porque já escureceu” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 23).

“...que quando trabalhava no plantio, subia no ônibus perto do refeitório as 05:30 da manhã, chegando às frentes de trabalho por volta das 06:00 horas, parava para almoçar as 11:00 e voltava a trabalhar as 12:00 e trabalhava até as 18:00, chegando ao alojamento por volta das 18:30; que o ponto era apenas assinado pelos trabalhadores, mas o próprio fiscal anotava o horário, sem o trabalhador saber o horário; há poucos dias começaram a ser usados os coletores, que marcam o horário de trabalho e que os crachás são passados pelo coletor pelos fiscais e que o trabalhador não vê a hora que registra o ponto” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 24).

Indícios de servidão por dívida na Pagrisa:

Segundo o Grupo, a servidão por dívida pôde ser atestada por diversos

fatores encontrados pela fiscalização, como na retenção ou descontos nos

salários em função da compra de remédios (vendidos a preços acima da

tabela) e de refeições, que eram descontadas dos trabalhadores, fazendo-os

iniciar um mês de trabalho sem nada a receber, com saldo zerado ou com

salário irrisório. E, segundo consta no relatório,

“A própria empresa reconhece que os empregados começam a trabalhar no mês seguinte com dívidas. (...) tal fato não se devia a retirada antecipada de salários ou benefícios aos trabalhadores, mas sim ao fato de a produção do obreiro não atingir o suficiente sequer para pagar seus gastos com alimentação e medicamentos. A prática inibia, inclusive, um possível pedido de dispensa ao obreiro, uma vez que este temia não conseguir o valor suficiente sequer para pagar uma passagem de volta para sua de cidade de origem, ou pior, sentia-se no dever de continuar a trabalhar para pagar tal débito, em caracterização clássica de endividamento ilegal e servidão por dívida; ou seja, na PAGRISA, muitos empregados trabalhavam e ganhavam somente o suficiente para comer, e outros nem conseguiam tal “proeza”, tendo que pagar nos meses seguintes um débito gerado pelas irregularidades praticadas pela empresa” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 16).

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Segundo o relatório, os descontos salariais com medicamentos, por

exemplo, podiam ser comprovados pelas folhas de pagamentos, que

mostravam descontos num total de mais 10 mil reais no mês de abril de 2007,

e de quase 20 mil reais em maio do mesmo ano. Além dos descontos, os

remédios eram vendidos acima da tabela, conforme mostra o quadro

comparativo produzido pelo Grupo:

Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa

entre 28/06 e 08/07/2007, p. 16.

As condições degradantes de trabalho:

O GEFM fala, por fim, sobre o que ele considera como sendo um dos

fatores mais importantes para a configuração da redução do trabalhador à

condição análoga à de escravo, que seriam as condições degradantes de

trabalho. Segundo o Grupo, a Lei 10.803/2003 foi falha apenas no ponto

relacionado à degradância, na medida em que não especificou ou listou que

tipos de situação se encaixariam nela, muito embora, para o Grupo, uma

condição degradante não devesse ser algo difícil de ser reconhecido.

“Trabalho degradante é toda relação trabalhista que desconsidera os direitos inerentes à cidadania. A degradância é contrária à promoção humana da pessoa; Enquanto a promoção humana promove o trabalhador à categoria de cidadão, o trabalho degradante o degrada (despromove) a uma condição de não-cidadão, ou seja, o faz parecido com um escravo” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do

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221

GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 5).

Para o Grupo, o trabalho degradante se compõe de dois tipos de

elementos centrais: elementos pecuniários e elementos sanitários. Os

elementos pecuniários são todos aqueles referentes à questão salarial, como

ausência ostensiva de salário ou ausência fraudulenta de salários, que ocorre

quando o empregador contrata o trabalhador com um determinado salário

definido, mas sempre adia o pagamento, até que os trabalhadores desistem.

Ainda referente à questão salarial, a degradância também se caracteriza pelos

descontos salariais abusivos e não previstos em lei, que acabam, inclusive,

endividando o trabalhador perante o empregador. Os elementos sanitários, por

sua vez, dizem respeito a outros fatores que afetam tanto ou mais a dignidade

do trabalhador quanto a questão salarial, que são as condições relacionadas

ao tratamento dispensado ao trabalhador no que tange a qualidade da

habitação, da alimentação, da higiene, da água, da saúde e da segurança que

são dispensadas aos trabalhadores.

Na fiscalização da Fazenda Pagrisa, o GEFM listou irregularidades tanto

no campo pecuniário quanto no sanitário, que puderam ser constatadas através

de depoimentos de trabalhadores, fotos e documentos da empresa.

No campo pecuniário, foram constatados contracheques zerados ou com

valores irrisórios; a não garantia do salário mínimo para os trabalhadores que

recebiam por produtividade; e descontos salariais que faziam o trabalhador

chegar ao mês seguinte de trabalho já com nada a receber. Alguns afirmaram,

inclusive, que não recebiam o valor relativo ao que produziram quando não

alcançavam o número exigido pela empresa, como demonstrou depoimento do

empregado Raimundo Nonato Martins:

“QUE se os empregados não atingirem a produção exigida pela empresa não recebem o valor referente à produtividade que fizeram e são dispensados pela fazenda ou vão trabalhar recebendo pagamentos através de diárias, que depois de efetuados os descontos, o salário se resume a um valor irrisório” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 16).

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222

Alguns trabalhadores declararam, inclusive, que houve mudança no

acordo salarial feito inicialmente. Se antes o acordo era o pagamento de um

salário mínimo acrescido do valor referente à produtividade do trabalhador,

depois, muitos trabalhadores não receberam sequer o salário mínimo.

Segundo o GEFM, a folha de pagamentos de maio de 2007

demonstraria a situação pecuniária descrita nos depoimentos dos

trabalhadores, no que o relatório traz em sua parte descritiva cerca de 50

nomes e seus respectivos salários naquele mês, apontando que muitos outros

poderiam ser encontrados nas listagens em anexo ao relatório. Ainda que os

trabalhadores tivessem sido admitidos naquele mês, poder-se-ia ver

claramente que o salário mínimo não era garantido e que diversos descontos

eram realizados, ficando o trabalhador com valores irrisórios de salário (p. 19-

21).

Os contracheques zerados – que segundo a empresa seriam apenas

com relação a seis trabalhadores, como resultado de adiantamento de salários

pedidos pelos próprios trabalhadores, ou como resultado de uma falha já

corrigida no setor de recursos humanos – mostrar-se-iam presentes durante os

meses de abril e de maio de 2007, e não para apenas seis trabalhadores, mas

para mais de 40 trabalhadores.

Ainda sobre a questão pecuniária, o relatório apontou também que os

trabalhadores não tinham nem como checar se os valores que ganhavam por

produção estavam de fato corretos, na medida em que os apontamentos

diários de presença e produção eram anotados pelos fiscais da empresa, não

havendo um registro disponível do quanto cada trabalhador produzia.

No que tange as questões sanitárias, o relatório do GEFM foi ainda mais

enfático nas acusações de trabalhado escravo, especialmente ao descrever a

situação dos alojamentos, da água e da comida que eram disponibilizados pela

empresa aos trabalhadores.

No que tange aos alojamentos, os depoimentos de diversos

trabalhadores, bem como as fotos tiradas pelo GEFM, mostravam uma

situação de superlotação, que teria sido, inclusive, reconhecida pela própria

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223

Engenheira de Segurança da Pagrisa, que, por sua vez, teria dito ao Grupo que

tinha “conhecimento que os alojamentos estavam acomodando um número de

trabalhadores superior ao permitido pelas normas regulamentadoras” (p. 6). O

relatório aponta que em alojamentos com lugares para 30 trabalhadores, por

exemplo, foram alojados 50, fazendo com que as redes onde os trabalhadores

dormiam ficassem muito próximas umas das outras.

Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 5 e 7.

Diversos trabalhadores relataram ao Grupo situação semelhante quanto

aos alojamentos:

“QUE foi alojado em um galpão feito de madeira com uma lotação excessiva de trabalhadores; QUE além das redes estarem muito próximas umas das outras, ainda havia redes em cima de outras, por não haver espaço suficiente para todos os empregados; QUE havia reclamações, entretanto os representantes da empresa falavam que não havia mais locais para abrigar os empregados” (BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 8).

Além da superlotação, a fiscalização apontou que alguns alojamentos

eram chamados pelos trabalhadores de “lameiro”, pela sujeira e falta de

limpeza, e em função de um esgoto que corria a céu aberto na região dos

alojamentos, e que era despejado diretamente na represa ao lado, que, por sua

vez, seria utilizada pelos trabalhadores para tomar banho e lavar suas roupas,

pois faltava água nos horários em que eles precisavam tomar banho.

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224

Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p.6.

Havia relatos também de completa falta de limpeza dos banheiros, que

viviam sujos, a maioria com a descarga quebrada, e sem abastecimento de

papel higiênico.

Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p.8

.

Alguns trabalhadores relataram ao Grupo, por exemplo:

“QUE em seu alojamento, apenas posteriormente foi colocado um bebedouro e este nunca funcionou, motivo pelo qual todos tomavam água da torneira, sem filtragem e sem resfriamento; que os banheiros dos alojamentos são muito sujos, a maioria das descargas não funcionava e que muitas vezes faltava água quando os empregados chegavam do serviço e alguns tinham que tomar banho no rio”

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225

(BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na

Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p.8).

Outro aspecto enfatizado pelo GEFM que aumentava a situação de

degradância a que estavam submetidos os trabalhadores na Pagrisa eram os

problemas referentes à água para consumo. Segundo o relato de muitos

trabalhadores (que o relatório não traz descrito, mas apenas nos anexos não

encontrados), a água utilizada para consumo não recebia qualquer tratamento,

pois era disponibilizada apenas através das torneiras nos alojamentos ou

através de um caminhão pipa nas frentes de trabalho, mas cuja função central

era a de molhar a terra para abaixar a poeira no canavial, e não a de abastecer

as garrafas térmicas dos trabalhadores, que reclamavam que a água do

caminhão vinha quente e com gosto de ferrugem.

Também foram registrados problemas e irregularidades nos refeitórios

que a Pagrisa disponibilizava para os trabalhadores, tanto nas frentes de

trabalho quanto nos próprios alojamentos. Os relatos e fotos descreviam a falta

ou a precariedade dos refeitórios nas frentes de trabalho, bem como o

problema da limpeza e do armazenamento da comida.

Segundo o Grupo, o número de refeitórios nas frentes de trabalho não

era suficiente, além de estarem sujos e não protegerem os trabalhadores na

poeira vinda do canavial. Os trabalhadores que estavam muito distantes de

seus alojamentos ou dos refeitórios das frentes de trabalho acabavam

almoçando no próprio canavial, sentados sobre suas garrafas térmicas, em

meio à poeira e sob o sol, pois não havia ônibus suficiente para leva-los até os

refeitórios. Alguns trabalhadores optavam por irem caminhando até os

refeitórios em função da falta de ônibus ou da demora destes para leva-los até

os refeitórios, no que só conseguiam almoçar em torno das 15:00h da tarde,

quando a comida já estava fria e azeda.

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Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p. 9-10.

Nos alojamentos, o problema se encontrava, sobretudo, no

armazenamento da comida que era utilizada para preparar as refeições dos

trabalhadores. Segundo os fiscais do GEFM, o mau cheiro no local de

armazenamento das carnes era insuportável, além da falta de limpeza na

cozinha.

Fonte: BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p.12.

Segundo o GEFM, inúmeros trabalhadores relataram problemas com

diarreia, e que desconfiavam ser em função da água e da comida que era

servida aos trabalhadores, que tinha gosto azedo e era mal armazenada.

Segundo a empresa, foram registrados 38 casos de sintomas de diarreia no

ambulatório da Pagrisa, mas, segundo o GEFM, inúmeros outros relatos de

trabalhadores demonstravam que esse número teria sido bem maior.

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227

Outro aspecto, por fim, que demonstraria, segundo o GEFM, o

tratamento precário dispensado pela Pagrisa a seus trabalhadores estava

relacionado ao fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e à

segurança no trabalho. Segundo depoimentos dos trabalhadores, não eram

todos que tinham equipamentos de proteção para o trabalho, no que muitos

teriam se apresentado ao Grupo com ferimentos e queixando-se de que eram

obrigados a trabalhar mesmo machucados ou doentes, pois, caso o contrário

não receberiam nada, ao passo que a enfermaria da Pagrisa recusava-se a dar

atestado médico.

Segundo o GEFM, todos os fatos apontados poderiam ser comprovados

através das fotos e depoimentos que se encontravam anexados ao relatório da

fiscalização. Mais tarde, como veremos, o Ministério Público Federal irá expor

mais aspectos trazidos pela operação do Grupo para ajuizar uma Ação Penal

contra a Pagrisa.

No final do relatório, o Grupo cita, ainda, um trecho longo extraído de

texto de Francisco Alves da Ufscar132 para enfatizar o quão prejudicial podem

ser as irregularidades encontradas na Pagrisa para uma atividade que é, por si

só, extremamente extenuante, como é o corte da cana-de-açúcar.

“No corte, especificamente, o trabalhador abraça um feixe de cana (contendo entre cinco e dez canas) e curva-se para cortar a base da cana. O corte da base tem que ser feito bem rente ao chão, porque é no pé da cana que se encontra a sacarose. O corte rente ao chão não pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota. Depois de cortadas todas as canas do feixe o trabalhador corta o palmito, isto é, a parte de cima da cana, onde estão as folhas verdes, que são jogadas ao solo. Em algumas usinas, é permitido aos trabalhadores o corte do palmito no chão, na fileira do meio, onde os feixes são amontoados. Neste caso, além de cortar o palmito o trabalhador tem que realizar um movimento com os pés, para separar as pontas das canas amontoadas, na linha central. Em algumas usinas as canas amontoadas na fileira central devem ser dispostas em montes, que distam um metro um do outro, em outras usinas é permitido ao trabalhador fazer uma esteira de canas amontoadas sem a necessidade dos montes. Com isto, fica claro que a quantidade de cana cortada por dia por trabalhador depende mais, para ganhar mais, de sua física e habilidade para execução da atividade.

132

ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana.

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228

Eu comparo o cortador de cana a um corredor fundista, porque os trabalhadores com maior produtividade não são necessariamente os que tem maior massa muscular, são os que tem maior resistência física para a realização de uma atividade repetitiva e exaustiva, realizada a céu aberto, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça, em alguns casos, e por um período que varia entre 8 a 12 horas de trabalho diário.

Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num talhão de 200 metros de comprimento por 8,5 metros de largura, caminha, durante o dia uma distância de aproximadamente 4.400 metros, dispende aproximadamente 50 golpes com o podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 183.150 golpes no dia (...). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, se abaixar e se torcer para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disto, ele ainda amonta vários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana, com um peso equivalente a 15 kg, a uma distância que varia de 1,5 a 3 metros.

Além de todo este dispêndio de energia andando, golpeando, contorcendo-se, flexionando-se e carregando peso, o trabalhador sob o sol utiliza uma vestimenta composta de botina com biqueira de aço, perneiras de couro até o joelho, calças de brim, camisa de manga comprida com mangote, também de brim, luvas de raspa de couro, lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné. Este dispêndio de energia sob o sol, com esta vestimenta, leva a que os trabalhadores suem abundantemente e percam muita água, e junto com o suor perdem sais minerais, e a perda de água e sais minerais leva à desidratação e à frequente ocorrência de câimbras. As câimbras começam, em geral, pelas mãos e pés, avançam pelas pernas e chegam ao tórax, o que provoca fortes dores e convulsões, que fazem pensar que o trabalhador esteja tendo um ataque nervoso. Para conter as câimbras e a desidratação, algumas usinas já levam para o campo e ministram aos trabalhadores soro fisiológico e, em alguns casos suplementos energéticos, para reposição de sais minerais” (ALVES, Francisco apud BRASIL/MTE/SIT (2007). Relatório

do GEFM sobre a fiscalização na Pagrisa entre 28/06 e 08/07/2007, p.38).

Ou seja, o relatório procura mostrar que as condições de trabalho

encontradas na Pagrisa fortaleciam, e não amenizavam, a condição

degradante própria do trabalho do corte de cana-de-açúcar, chamando a

atenção para a necessidade de elevar os trabalhadores à condição de

cidadãos.

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229

5.3 – Senadores se rebelam e o caso entra no Judiciário

Após dois dias do término da operação de fiscalização do GEFM na

Pagrisa, no dia 10 de julho de 2007, o Senador Flexa Ribeiro, que visitou a

empresa no período da fiscalização, entrou com um requerimento no Senado

Federal requisitando a criação de uma Comissão Temporária Externa para

visitar as instalações da Fazenda Pagrisa e averiguar a veracidade do que fora

relatado pelo GEFM133. Segundo o Senador, diversas entidades e associações

locais se manifestaram contra a operação realizada na Fazenda,

especialmente em função da quantidade de trabalhadores que teriam seus

contratos rescindidos em função da fiscalização.

Após o requerimento feito pelo Senador Flexa Ribeiro, o caso Pagrisa

transcorreu pelo Poder Judiciário e pelo Senado, e com efeitos importantes

sobre o Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente sobre o GEFM. Algo

interessante de se observar, ao menos no âmbito judicial, é que a “enxurrada”

de eventos, processos e petições internas aos processos, muitas vezes,

acabaram permitindo a alteração de decisões e entendimentos já tomados em

juízo anteriormente, no que percebemos que, ao fim, as definições judiciais

sobre o caso vão conformando uma mistura de observação da materialidade,

de uso estratégico da Justiça e de argumentos processuais manipuláveis (por

ambas as partes dos processos), de insuficiências institucionais, e de uma

certa “desatenção”, as vezes claramente estratégica, dos juízes responsáveis

pelo caso.

Na esteira da contestação feita pelo senador Flexa Ribero, é autuado, no

dia 30 de julho de 2007, um pedido de Medida Cautelar da Pagrisa na Vara do

Trabalho de Paragominas (Processo 0083400-61.2007.5.08.0116)134,

133

Este requerimento, de nº 802, de 2007, pode ser visualizado no site do próprio Senado, no seguinte endereço: http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/10668.pdf. Acesso em 29/11/2012. Ou no link: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=52279&tp=1.

134 Para consulta do andamento processual:

http://www2.trt8.jus.br/consultaprocesso/formulario/ProcessoConjulgado.aspx?sDsTelaOrigem=ListarProcessos.aspx&iNrInstancia=1&sFlTipo=T&iNrProcessoVaraUnica=116&iNrProcessoUnica=83400&iNrProcessoAnoUnica=2007&iNrRegiaoUnica=8&iNrJusticaUnica=5&iNrDigitoUnica=61&iNrProcesso=834&iNrProcessoAno=2007&iNrProcesso2a=0&iNrProcessoAno2a=0.

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questionando o relatório do GEFM, e requisitando a produção de provas

periciais para apuração do real ambiente de trabalho da autora à época da

fiscalização realizada pelo Grupo Móvel em junho e julho de 2007.

Em reportagem do dia 1 de agosto de 2007135, a ONG Repórter Brasil

divulga uma nota136 da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo (CONATRAE)137, que ao perceber o processo de questionamento e

intimidação do GEFM, declara seu apoio público ao Grupo Móvel e à secretária

nacional de inspeção do trabalho Ruth Vilela. Traz também a notícia de que

além da Petrobras, outras empresas suspenderam compras da Pagrisa, como

a Ipiranga, o que levou, segundo a ONG, alguns senadores a questionar e a

atacar ainda mais fortemente a ação do Grupo Móvel e a secretária de

inspeção do trabalho do MTE Ruth Vilela.

Logo depois da autuação da Medida Cautelar da Pagrisa, o

requerimento do Senador Flexa Ribeiro foi aprovado no dia 7 de agosto de

2007, sem qualquer resistência ou debate, como mesmo explicita a fala do

então Presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB- AL) transcrita no Diário

do Senado Federal: “esse foi o único requerimento para o qual houve acordo

para votação”138.

A partir daqui, o caso Pagrisa ganhou ainda mais repercussão na mídia

e também em outros órgãos do Estado, e até mesmo na OIT. Se a

preocupação dos senadores envolvidos era o de não fazer escândalo com o

135

ONG Repórter Brasil. Comissão divulga nota de apoio à fiscalização do trabalho escravo. Notícias – 01/08/2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1136. Acesso em: 28/11/2012.

136 O texto integral da nota de apoio da CONATRAE pode ser lida na própria reportagem da

ONG Repórter Brasil, do dia 01/08/2007, referenciada na nota acima.

137 A CONATRAE foi criada por via do Decreto de 31 de julho de 2003 do Poder Executivo,

disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret_sn/2003/decreto-507-31-julho-2003-492034-publicacaooriginal-1-pe.html. É um órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, e tem por função primordial monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo de 2003.

138 Brasil. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 117, Sessão de 07/08/2007,

Publicado em 08/08/2007, p. 26.129. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=08/08/2007&paginaDireta=26129. Acesso em: 29/11/2012.

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231

caso e prejudicar a imagem do país no exterior, eles conseguiram o exato

oposto. A Comissão então criada, assim como seus membros integrantes,

passaram a ser citados e noticiados por diversos jornais e meios de

comunicação, que não somente pela Repórter Brasil, e em sua maioria, em tom

de crítica e desacordo com a Comissão.

Em pesquisa no site do Senado139, pudemos encontrar, entre a data de

aprovação do requerimento (07/08/2007) e a data de arquivamento do

processo (21/02/2011) um conjunto de 22 reportagens sobre a Comissão. Além

desse conjunto de reportagens, a Repórter Brasil continuou a acompanhar o

caso, discorrendo, inclusive, sobre a dupla face do Senado brasileiro, que, ao

mesmo tempo em que realizava uma Audiência Pública sobre Trabalho

Escravo no Senado, em 9 de agosto de 2007, para discutir os avanços do

Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, deixava acontecer

uma Comissão para averiguar o trabalho do GEFM, deslegitimando o seu

trabalho, bem como o de todo o MTE e MPT140.

Entre 20/08/2007 e 04/09/2007141, o Senado deu encaminhamento às

indicações dos senadores membros da Comissão, finalizando-as na sessão do

dia 04/09/2007142: Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) – Presidente da Comissão;

Sibá Machado (PT-AC) – Vice-Presidente da Comissão; Kátia Abreu (DEM-TO)

– Relatora; Romeu Tuma (DEM-SP); Mão Santa (PMDB-PI); Flexa Ribeiro

139

Essa pesquisa foi feita através do serviço “Senado na Mídia”, disponibilizado no site do Senado. Utilizamos a palavra “Pagrisa” no campo “palavra-chave”, o nome do senador “Flexa Ribeiro” no campo “Senadores” e o período de 07/08/2007 a 21/02/2011: http://www.senado.gov.br/noticias/SenadoNaMidia/. A busca foi realizada em 29/11/2012. Ver lista das reportagens no Apêndice 5.

140 ONG Repórter Brasil. Senado joga contra e a favor do trabalho escravo na mesma semana.

Notícias – 10/08/2007. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1145. Acesso em: 28/11/2012.

141 Toda a tramitação da Comissão Especial para o caso Pagrisa pode ser visualizada no

seguinte endereço: http://www6.senado.gov.br/mate/servlet/PDFMateServlet?m=81881&s=http://www.senado.gov.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0. Acesso em: 29/11/2012.

142 A ata da seção do dia 04/09/2007 pode ser visualizada em Brasil. Diário do Senado Federal.

Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 04/09/2007, PP. 8.959-8.966. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=10/04/2008&paginaDireta=08959. Acesso em: 29/11/2012.

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(PSDB-PA); Mário Couto (PSDB-PA); José Nery (PSOL-PA)143; Paulo Paim

(PT-RS)144; Patrícia Saboya (PDT-CE); e Cícero Lucena (PSDB-PB).

Finalizadas as nomeações, a Comissão realiza, no mesmo dia, sua

primeira reunião para discutir o Caso Pagrisa. E aqui o relato merece a

abertura de um longo parênteses para as discussões que foram travadas no

Senado, em meio das quais foram se dando a abertura de outros processos

judiciais e seus respectivos andamentos. O longo parênteses é justificado pela

apresentação de questionamentos da ação do Grupo Móvel que se fez sentir

de forma importante em decisões judiciais que rechaçaram o relatório de

fiscalização do Grupo, ainda que bom base em argumentos de caráter jurídico,

como a necessidade de reprodução das provas em juízo.

A preocupação central e inicial dos senadores na Comissão,

especialmente daqueles que levantavam dúvidas sobre a veracidade do relato

do GEFM sobre a Pagrisa, orbitava em torno da definição de trabalho escravo,

sempre questionando o termo e alertando para a necessidade de serem

cuidadosos nessas definições para não serem injustos com a empresa e

manterem empregos no setor rural brasileiro, especialmente em regiões de

pobreza e miséria. O tom de suas falas procura contrapor o trabalho do GEFM

ao que chama de “verdade” dos fatos, que seria então o norte de suas ações.

Declarada aberta a sessão do dia 04/09/2007, o senador Romeu Tuma

(DEM-SP) já deixa claro seu posicionamento acerca do caso, requisitando ao

Presidente da Comissão Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) que tentasse

encaminhar alguns consensos e responder a uma questão:

“qual a definição que ele me dá de trabalho escravo ou assemelhado? Porque hoje, infelizmente, eu vejo ali mil cento e oitenta demitidos que praticamente vão ficar desempregados. Não estou defendendo porque eu não conheço bem o processo que deve ter sido aberto. Mas, há algumas coisas que podem realmente serem padronizadas, efetivamente trabalhadas, porque são trabalhos sazonais, eles não são definitivos e permanentes” (BRASIL. Senado

143

À época, o senador José Nery estava na Presidência da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão de Direitos Humanos.

144 À época, o senador Paulo Paim estava na Presidência da Comissão de Direitos Humanos

do Senado.

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Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº 43, 04/09/2007, p. 8961).

A próxima a se pronunciar foi a relatora da Comissão, a senadora Kátia

Abreu (DEM-TO). Primeiramente, ela tenta se abster de qualquer parcialidade

com relação ao caso Pagrisa, esclarecendo que nem sequer conhece os

proprietários da fazenda, embora um deles já tivesse tentado contatá-la, mas

sem sucesso. Com relação à pergunta levantada pelo senador Romeu Tuma, a

senadora coloca que não se deve estabelecer uma situação de favoráveis ou

contra ao trabalho escravo, pois, para ela, é unânime o desejo de que todos os

trabalhadores tenham condições dignas de vida e de trabalho. No entanto,

ressalva a senadora, devemos ter uma lei clara sobre esse assunto, para que

os próprios produtores rurais possam entendê-la e agir conforme o

estabelecido.

Para a senadora, “é exatamente a indefinição e a confusão entre

“trabalho escravo” e “trabalho degradante” que vem causando tanta polêmica

no país” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº43,

04/09/2007, p. 8961).

Segundo ela, a oportunidade que surge com a visita da Comissão à

Pagrisa é uma oportunidade que ajuda a desfazer essa indefinição acerca do

termo “trabalho escravo”, possibilitando que o próprio Senado possa ajudar e

adequar a legislação brasileira, “respeitando os direitos do patrão e,

principalmente do trabalhador” (Brasil. Diário do Senado Federal, Sessão nº43,

04/09/2007, p. 8961).

Para além disso, continua a senadora, a Comissão se faz importante

porque, através dela, os senadores poderão assegurar o emprego dos

trabalhadores e, com isso, evitar que o nome do Brasil fique manchado no

cenário internacional. Falando em nome da Comissão, a senadora alega que “o

primeiro interesse nosso é o emprego, eu acho que essa é a nossa meta, é

manter e ampliar o emprego no Brasil. Então, ninguém vai trabalhar contra

isso” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº43,

04/09/2007, p. 8961).

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234

O próximo a falar, o senador José Nery (PSOL-PA) faz uma sugestão ao

presidente da Comissão para que o grupo que for à Pagrisa esteja

acompanhado: de três membros do Ministério Público do Trabalho

(Subprocurador do Trabalho Luiz Antônio Camargo de Mello, Procurador

Regional do Trabalho do Pará Luiz Antônio Nascimento Fernandes e o

Procurador Regional do Trabalho do Distrito Federal Erlan José Peixoto do

Prado) e mais três membros da CONATRAE, para que tanto os fiscais e

procuradores quanto representantes dos trabalhadores e até da OIT estejam

presentes nessa importante visita. (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado

Federal, Sessão nº43, 04/09/2007, p. 8962).

O pedido do senador José Nery foi prontamente desqualificado pela fala

dos senadores Romeu Tuma, Mário Couto, Flexa Ribeiro e da senadora Kátia

Abreu, que argumentaram que essa Comissão é dos senadores, e que eles

deveriam evitar interferências no processo. Argumentaram que,

posteriormente, o Ministério Público e demais autoridades seriam convidadas

para as audiências públicas.

Ao se pronunciar pela primeira vez na sessão, o senador Flexa Ribeiro

(PSDB-PA) parabeniza a escolha dos Senadores, por parte do PMDB e das

minorias, para integrar a Comissão. E depois reafirma o posicionamento de

Romeu Tuma, de Kátia Abreu e Mário Couto com relação ao pedido do

senador José Nery, esclarecendo que

“Não há aqui nenhuma intenção de prejulgar aquilo que houve na PAGRISA, muito pelo contrário. Como bem disse o Senador Romeu Tuma, a Senadora Kátia Abreu, o Senador Mário Couto. O que nós vamos buscar é a verdade dos fatos, é saber exatamente como é que a empresa trata, oferece a condição de trabalho aos seus colaboradores, saber se o grupo de trabalho, de combate de trabalho escravo que lá esteve exorbitou das suas funções para que, de uma vez por todas, a nação brasileira possa ter a tranqüilidade. (...) não há um brasileiro sequer que defenda o trabalho escravo ou o trabalho degradante. Todos nós queremos acabar com essa condição de trabalho. Mas, precisamos não deixar que o nosso país fique sujeito a uma publicidade a nível internacional que não condiz com a realidade que possa estar acontecendo” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº43, 04/09/2007, p. 8963-8964).

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235

Em resposta, o senador José Nery (PSOL-PA) mantém sua posição,

argumentando que não há qualquer impedimento regimental que impossibilita a

ida de pessoas convidadas pela Comissão. Alega que os membros do

Ministério Público e os auditores fiscais teriam tanta legitimidade quanto a

Comissão para voltar à fazenda, pois são atores que também tem trabalhado,

fiscalizado e acompanhado os casos ligados à fiscalização no ambiente rural.

Por isso, afirma que acharia mais adequado a presença dessas autoridades, e

que insistiria em sua sugestão. Responde, ainda, contrariando uma afirmação

dada pelo senador Flexa Ribeiro de que não há nenhum brasileiro que defenda

o trabalho escravo, dizendo que

“infelizmente não só há quem defenda, como criminosamente quem o pratique. Tal o exemplo de tantos que foram identificados, punidos, pagaram pesadas multas. Infelizmente, nenhum desses escravagistas modernos foi para a cadeia, que é onde deveriam estar” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº43, 04/09/2007, p. 8964-8965).

Vencido pela maioria da Comissão, o senador José Nery teve seu

pedido negado. E a Comissão seguiu com suas atividades. As últimas falas da

sessão procuraram reafirmar a importância de se realizar a visita à Pagrisa o

mais rápido possível, no que ficou marcada para o dia 13 de setembro145.

Procuraram, por fim, elogiar a escolha dos membros da Comissão,

principalmente do senador Romeu Tuma, que, na fala do senador Flexa Ribeiro

“com certeza absoluta, vai nos auxiliar bastante nos trabalhos da Comissão. E como todos nós já dissemos, como todo nós já dissemos, sob a sua presidência e sob as bênçãos de Deus nós haveremos de fazer um trabalho que vai realmente trazer a verdade à sociedade brasileira” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal, Sessão nº43, 04/09/2007, p. 8966).

Um dia após a realização da primeira reunião da Comissão no Senado,

mais um processo se inicia no Poder Judiciário, mas desta vez por autoria do

145

Embora a visita tivesse sido agendada para o dia 13, consta no documento de tramitação da Comissão que a visita foi feita nos dias 19 e 20 de setembro. http://www6.senado.gov.br/mate/servlet/PDFMateServlet?m=81881&s=http://www.senado.gov.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0. Acesso em: 29/11/2012.

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236

Ministério Público Federal na Justiça Federal. No dia 5 de setembro de 2007, a

Vara Federal de Castanhal (PA) recebe Ação Penal (2007.39.04.000812-4)

interposta pelo MPF contra os proprietários diretores da Pagrisa, Marcos Villela

Zancaner, Murilo Villela Zancaner e Fernão Villela Zancaner146, explicitando,

sob registros escritos e audiovisuais, as irregularidades que foram encontradas

pelo Grupo Móvel em suas fiscalizações147 e que estavam sendo debatidas e

questionadas forte e frontalmente pela Comissão Especial no Senado.

O encaminhamento da denúncia do MPF à Justiça requisitava a

condenação de Marcos Villela Zancaner, Murilo Villela Zancaner e Fernão

Villela Zancaner como incursos nos artigos 132, 149 (que fala sobre a redução

a condição análoga à de escravo), 203 e 70 do Código Penal148. Segundo a

denúncia, foram observadas diversas irregularidades trabalhistas e violações

contra dignidade humana, configurando um quadro de condições degradantes

de trabalho e de moradia, cuja materialidade dos crimes era abundante. Dentre

as infrações, o MPF destacou:

Superlotação dos alojamentos ou péssimas condições de habitação;

Inexistência de refeitórios adequados;

146

Para acompanhamento do andamento processual, vide Acompanhamento Processual:

http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?trf1_captcha_id=207a4759cd0efc18a35efbbe944c183b&trf1_captcha=zbfh&enviar=Pesquisar&proc=200739040008680&secao=CAH.

147 A denúncia do MPF, constando informações do relatório de fiscalização do Grupo Móvel,

pode ser visualizada em documento disponibilizado no site da Procuradoria Regional do Pará: http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2012/DenunciaPagrisa.pdf. Acesso em: 28/11/2012. Em sua denúncia, o MPF destaca depoimentos, fotos e documentos outros que não foram utilizados pelo GEFM em sua parte descritiva do relatório, mas que constavam em seus anexos. Por isso, a descrição do MPF é semelhante ao do GEFM, mas acrescida de outras provas documentais ante não disponibilizadas.

148 Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de

três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave; Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo: Pena – reclusão, de dois a oito anos; Art. 203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, de dois contos a dez contos de réis, alem da pena correspondente à violência. Ver Brasil. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343. Acesso em: 29/11/2012.

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237

Extensa jornada de trabalho, trazendo mais depoimentos dos anexos do

relatório do GEFM;

Ausência de água potável, com fotos do caminhão pipa que era utilizado

para, ao mesmo tempo assentar a poeira do canavial e reabastecer as

garrafas dos trabalhadores;

Fonte: BRASIL/MPF, 2007: 4.

Alimentos mantidos em péssimo estado de conservação, também com

mais fotos recolhidas dos anexos do relatório de fiscalização:

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Fonte: BRASIL/MPF, 2007: 6.

Ausência de equipamentos de segurança, que foram distribuídos

somente no dia em que a fiscalização apareceu na fazenda;

Ínfima remuneração, contando com a descrição de mais depoimentos;

Péssimas condições sanitárias, com mais relatos e registros fotográficos

dos anexos do relatório:

Fonte: MPF, Denúncia de 04/09/2007, p. 5.

“os trabalhadores eram obrigados a tomar banho em um igarapé com água lamacenta que se encontra às proximidades das habitações coletivas, sendo que essa utilização não se dava por opção dos lavradores, como sugeriu a empresa em nota à imprensa, as vezes porque eles “não podiam utilizar o chuveiro porque a água era cortada por determinação do Sr. Valdecir (um dos “fiscais de tarefas”) e tinham de tomar banho no igarapé ao lado do alojamento, local onde existe uma fossa e era lavada (sic) a roupa dos trabalhadores”. Na verdade, examinando-se a fotografias do local, vê-se que não há como se sustentar que se os trabalhadores tenham, de fato, optado por se submeterem a banho naquele lugar. (BRASIL/MPF, 2007: 7).

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239

Fonte: BRASIL/MPF, 2007: 8.

Cerceamento de liberdade e servidão por dívida;

E, por fim, o Regime de barracão.

Autuada a Ação Penal do MPF contra a Pagrisa, a Comissão do Senado

finalmente realiza a sua visita às instalações da Fazenda nos dias 19 e 20 de

setembro de 2007, e apresenta seu próprio relatório de fiscalização no dia 24

do mesmo mês149. Um dia após a visita realizada pela Comissão à Pagrisa, no

dia 21 de setembro de 2007, a Chefe da Secretaria de Inspeção do Trabalho

do Ministério do Trabalho Emprego, Ruth Vilela, manda suspender, por tempo

indeterminado, todas as operações de fiscalização do GEFM, dado o clima de

insegurança e ameaça que se instaurou sobre os auditores-fiscais do trabalho

após a abertura da Comissão no Senado150.

149

Este relatório não foi disponibilizado em sua forma original e integral pelo Senado. Mas é possível encontrar partes desse relatório nas falas dos senadores após a visita e em petições da Pagrisa e de seus diretores ao longo dos processos judiciais, sempre dando a entender que o relatório produzido pela Comissão do Senado não só contrariou a fiscalização feita pelo GEFM, como mostrou um quadro oposto de condições trabalhistas na Fazenda Pagrisa.

150 Segundo consta na nota técnica nº 879 recebida da consultoria Legislativa do Senado

Federal, a secretaria nacional da inspeção do trabalho Ruth Vilela teria paralisado as ações do Grupo Móvel alegando que as ações da Comissão instalaram um clima de insegurança para que as fiscalizações continuassem ocorrendo. A Repórter Brasil noticia o ocorrido: http://reporterbrasil.org.br/2007/09/ministerio-suspende-fiscalizacoes-de-trabalho-escravo/.

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No dia 26 de setembro de 2007, é realizada a segunda reunião da

Comissão no Senado151, de forma a relatar o que foi encontrado na Fazenda

pelos senadores e encaminhar requerimentos de convites para participar das

audiências públicas da Comissão152.

A senadora Kátia Abreu inicia a segunda reunião esclarecendo que a

Comissão deveria deixar claro para o Brasil que a preocupação em verificar as

ações do Grupo Móvel resultou especialmente de um parecer dado pela

Federação da Agricultura dos Trabalhadores do Pará, – que segundo a

senadora também tem exercido um papel importante no encaminhamento de

denúncias de trabalho escravo -, dizendo que “não havia resquício algum de

trabalho escravo naquela propriedade”. E além desse parecer, a Assembléia

Legislativa do Pará também teria encaminhado um parecer, assinado por

quatro ou cinco deputados estaduais, “inclusive um senador do PT”, destaca,

“atestando que lá não encontraram nenhum resquício de trabalho escravo”.

Conclui, assim, que, frente a isso, o Senado teria o dever de investigar o que

aconteceu e dar o direito do contraditório aos acusados, e é justamente isso

que a Comissão procura fazer.

“Mesmo porque o Ministério do Trabalho é um Ministério da máxima importância para o Brasil que já prestou e presta relevantes serviços à sociedade. Se fosse uma instituição qualquer nós não daríamos nem o trabalho de isso fazer. Mas como respeitamos o Ministério do Trabalho e esse sentimento nosso é verdadeiro, nós tivemos grandes avanços nas relações trabalhistas, nos centros urbanos, e estamos melhorando as relações trabalhistas no campo e precisamos melhorar ainda mais, principalmente nos Estados de novas fronteiras, onde as condições são peculiares da própria fronteira nova em expansão. Onde o próprio Estado Brasileiro faz falta" (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8968).

151

A ata da seção do dia 26/09/2007 pode ser visualizada em BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8966-8977. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=10/04/2008&paginaDireta=08959. Acesso em: 29/11/2012.

152 No mesmo dia 26, a Vara Federal de Castanhal, na Ação Penal movida pelo MPF contra a

Pagrisa, designa audiência de interrogatório dos três diretores da Pagrisa para o dia 29 de novembro de 2007.

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241

É interessante notar aqui um argumento muito presente nos casos de

trabalho escravo rural, que é o argumento a respeito das condições distintas

das regiões de fronteiras, sobre a qual as instituições não poderiam querer

impor valores e conceitos sem terreno para tanto. E isso leva justamente ao

questionamento do que é trabalho escravo, pois as definições deveriam

caminhar com as características particulares da região da qual se fala.

A senadora insiste, como na primeira reunião, em apontar o problema da

definição.

“O que a gente ouve muito por parte de alguns auditores que a gente tem relacionamento e com o próprio Ministério de trabalho, é a diferença de conceitos, o que é trabalho forçado, definição de trabalho degradante, definição ipsis literis do que significa degradante ou não, o quê que é irregularidade trabalhista? Então, hoje, a confusão conceitual é que às vezes pode estar levando até a omissão ou até o excesso e o exagero” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8968).

Para a senadora, existem três conceitos que são diferentes entre si: o de

trabalho escravo, de trabalho degradante, e de irregularidades trabalhistas, e

que as autoridades deveriam estar atentas em deixar bem claro essas

distinções. E reafirma, como fez na reunião anterior, que o compromisso do

Estado deve ser com a manutenção do emprego.

“O que é o trabalho forçado propriamente dito escravo? O que é o trabalho degradante ou más condições? E o que são irregularidades trabalhistas? Descumprimentos de normas trabalhistas? São três coisas bastante diferentes, mas que ainda não estão conceituadas na sociedade e pelas instituições que deveriam tê-las com bastante clareza. E ainda um dia tivemos aqui uma reunião na Subcomissão de bioenergia onde o Senador Sibá disse uma frase que eu tenho repetido ela várias vezes. O importante para nós não é condenar o Ministério do Trabalho e nem absolver patrão rural. O nosso problema é emprego. É nós acharmos uma forma de compatibilizar tudo isso e que o emprego seja mantido. E o Senador Sibá disse bem. Não adianta libertar apenas e desempregar. Nós temos que achar um caminho, a sociedade, de forma suprapartidária para que a gente possa encontrar a paz no campo e nas cidades nessa relação trabalhista” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8968).

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242

Ao encerrar sua fala, a senadora se declara indignada com a decisão

que chamou de “birrenta” tomada pela secretária nacional de inspeção do

trabalho, Ruth Vilela, de paralisação das ações do Grupo Móvel de

Fiscalização. Para a senadora, tal atitude se mostrou como “uma chantagem

para fazer público” e que quem poderia tomar tal atitude seria somente o

presidente Lula e não Ruth Vilela, exigindo que ele se pronunciasse e tomasse

alguma medida para que o Grupo Móvel voltasse a realizar as fiscalizações e

que o Senado tivesse seu direito de investigar o caso Pagrisa respeitado.

O próximo a se pronunciar foi o senador Cícero Lucena. Ele relata que

quando recebeu a notícia da libertação de trabalhadores da Pagrisa, ele estava

junto com outros senadores em uma missão do Senado em Londres para

discutir aquecimento global, no que falaram da produção do etanol brasileiro

como o biocombustível utilizado como alternativa, quando foram questionados

sobre as relações trabalhistas na produção do etanol. Daí ele cita outra

ocasião, na Comissão de biocombustível, em que os senadores requisitaram a

realização de uma audiência pública para investigar as relações de trabalho do

setor canavieiro do estado de São Paulo. E relata que ao visitar os locais, ouvir

a versão dos proprietários e tudo mais, verificou que os relatórios de

fiscalização divergiam grandemente do que os senadores puderam ver no

local. Conta tudo isso no sentido de justificar e dar importância ao papel da

Comissão criada para o caso Pagrisa, para mostrar e publicizar o “outro lado”

dos relatos.

Em seguida, o senador Flexa Ribeiro concorda com Paulo Paim e com

Jarbas Vasconcelos, mas diz que lamenta o fato de a Comissão estar

ganhando uma conotação que se distancia do seu real objetivo. E o fato que

mais demonstra esse desvio, para ele, é a atitude da secretária Ruth Vilela.

Nesse sentido, propõe que a Comissão encaminhe um ofício para o Ministro

Carlos Lupi e ao Presidente da República para que o Grupo Móvel retome suas

atividades.

Para o senador, o argumento da secretária Ruth Vilela não tem

cabimento, dado que

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“É princípio fundamental da República Brasileira a harmonia entre os poderes. Todavia, isso não significa incomunicabilidade, mas antes um sistema que se convencionou chamar de “freios e contrapesos” em que o Judiciário, Executivo e Legislativo possuem sua independência, mas se auto-regulam. Causa espanto a reação da Secretária de inspeção do trabalho, porquanto, tanto a criação da Comissão Externa temporária, quanto a visita às instalações da empresa PAGRISA, são atos que se encontram dentro da atribuição Constitucional do Congresso Nacional de fiscalização dos atos do Poder Executivo” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8970-8971).

Assim, não haveria qualquer ilegitimidade por parte da Comissão em

estar desempenhando prerrogativas que o Senado Federal possui

constitucionalmente, não havendo necessidade de qualquer inconformismo por

parte de outras autoridades. Termina pedindo que se encaminhe um ofício ao

ministro Carlos Lupi e ao Presidente da República, de apoio ao Grupo Móvel e

à volta de suas atividades.

Neste ponto, o senador Romeu Tuma pede a palavra e diz que não se

trata de uma questão de apoio, mas de exigência, para que retornem

imediatamente ao trabalho, pois todos são contra a prática do trabalho escravo.

Isso não está em discussão pela Comissão. Paulo Paim defende Flexa Ribeiro,

no sentido do apoio, porque se trata de um ato político. Mas o senador Romeu

Tuma insiste que não se trata de mostrar apoio, pois isso é indiscutível. Sua

fala caminha no sentido da “chamada” mesmo, de exigência para que o Grupo

Móvel volte ao trabalho e não fique sob os mandos monocráticos de apenas

uma funcionária. E o senador Flexa Ribeiro insiste na questão do apoio.

Romeu Tuma continua defendendo seu ponto de vista, dizendo,

inclusive, que o ofício não deveria ser encaminhado para o Presidente da

República, para evitar maiores repercussões e notícias sobre pretenso trabalho

escravo no biodiesel brasileiro.

“quem é o responsável é o Ministro do Trabalho. E criaram um problema sério para o Presidente da República porque se lá fora dizer, for falado que tem trabalho escravo na área do biodiesel que é praticamente a bandeira do Presidente da República, ninguém vai comprar biodiesel aqui” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado

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Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8972).

Segundo o senador, não se deve criar muito barulho sobre isso, para

que não chame a atenção internacional. A Comissão, para ele, não foi criada

para investigar se há ou não trabalho escravo, mas para investigar se o Grupo

Móvel extrapolou seus poderes. O senador só não diz que a principal razão

levantada para investigar o Grupo Móvel foi a polêmica levantada por alguns

dizendo que lá não havia trabalho escravo. Então, no fim, o que a Comissão foi

fazer lá foi exatamente investigar se houve trabalho escravo ou não, e para

isso ela levanta toda uma série de questões. Mas para o senador Romeu

Tuma, apenas se trata de uma fiscalização entre poderes, e as audiências

públicas servirão para mostrar os dois lados do caso, e dar direito aos dois

lados de depor. Não se trata de levantar toda uma discussão sobre o que é

trabalho escravo, muito embora toda a contenda gire em torno disso, mas de

investigar apenas o caso Pagrisa. E, para isso, não há necessidade qualquer

de trazer para depor pessoas de fora, como associações, porque seria uma

CPI, que é outra coisa diferente. Trata-se de uma exigência e não de apoio

justamente para tirar a ideia que secretaria colocou de que o Senador está

sendo a favor do trabalho escravo.

O senador Siba Machado pede para que, antes dos requerimentos, seja

discutido um ponto. Para ele, assim como lembrou o senador Romeu Tuma, o

Brasil vem se destacando em função do biodiesel. No entanto, esse biodiesel

deve estar livre de qualquer violação na área ambiental e também trabalhista.

E, em função disso, a única coisa que ele quer investigar neste caso da

Pagrisa são os contratos de trabalho e as formas de pagamento, pois, se não

há contrato formal de trabalho e pagamento conforme o contrato, isso já

configura o trabalho escravo para ele.

“Portanto, neste momento eu passando a vista aqui no primeiro momento que eu passo uma vista no primeiro documento que recebo que é a base da argumentação do grupo móvel, só bato o olhar ainda em dois pontos iniciais que é da forma da contratação, se isto foi feito da forma atual que é carteira assinada e tudo mais, que isso não vi aqui, só bati o olho. Então, a minha primeira, digamos assim, aquilo que eu vou primeiro me debruçar é sobre isto, se havia lá um contrato formal, em que base era esse contrato, e se é da forma que a lei exige?. A segunda que eu quero olhar é a forma de pagamento,

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se nesta forma de pagamento havia troca de dívidas, se havia um tipo de promessa de valor e que esse valor estava baixo, se a forma de pagar atrasava e assim por diante. Eu tenho que fazer estas comparações e a partir dela, e somente a partir disso é que eu digo a V. Exa. com toda a tranqüilidade que eu vou me interessar se isso estiver resolvido pelos outros fatos que é se o barracão cumpria rigorosamente com a sua função de descanso, se a água estava minimamente adequada, por que para mim por mais que isso é tão forte, é tão importante, mas eu ainda considero secundária para tratar se havia ou não trabalho escravo, porque se na forma de pagamento e na forma de contrato as condições foram aberrantes, então eu já considero de cara que o trabalho tem, a relação é de trabalho escravo, eu não vou mais nem tratar das outras coisas” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8973).

Sobre isso, o senador Romeu Tuma diz que os trabalhadores tinham

carteira assinada. Foi considerado trabalho escravo por outras questões, diz o

senador.

“Foi o que nós ouvimos de trabalhadores e dos proprietários. Tinham contrato de trabalho, foi rompido o contrato de trabalho por determinação da fiscalização porque eles acharam que era trabalho escravo. Eu não estou dizendo que eles estavam certos ou errados, eu estou dizendo o que nós vimos. Agora, tem que comparar com o que realmente eles fizeram no alto e explicar aqui. Só isso. Não tem... então por isso que tem duas partes. Os que são, em tese, teriam praticado o ilícito que são os proprietários e aqueles que fizeram a fiscalização” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8974).

O senador José Nery toma a palavra e fala sobre algo que ninguém, até

então, havia comentado. Ele esclarece o que poderia constituir uma das razões

que podem ter levado a secretaria Ruth Vilela a suspender as ações do Grupo

Móvel e, posteriormente às discussões sobre a legitimidade ou não do Senado

para interferir nesse processo. O clima de insegurança para os auditores e

procuradores não era meramente fictício, pois, assim que a Comissão fez a

visita à Pagrisa, deu declarações apressadas à imprensa, estabelecendo um

clima de contestação pública do Grupo Móvel.

“O que evidentemente causou surpresa foi no curso da primeira visita realizada ao fazer a visita foram expressas opiniões de pública, de forma pública que de certa forma induziu uma leitura do que foi visto

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lá, uma interpretação do que tenha sido a fiscalização como acusação de cometimento de falsidade ideológica, uso de documento falso no processo da fiscalização e abuso de autoridade por parte dos fiscais. E que isso ensejaria a abertura de inquérito na Polícia Federal, ou seja, isso poderiam ser conclusões, evidentemente, do processo de investigação. Mas não poderiam ser, a meu ver, afirmações a serem feitas ainda no início do processo de levantamento daqueles fatos. Então isso é que pareceu uma forma de prejulgamento, uma forma de leitura daquela realidade, daqueles fatos que exigiria, dada a sua gravidade e importância, a meu ver, um mínimo de cautela, porque se o processo todo é a investigação, é o levantamento de informações, que a meu ver concluirá no final se houve tudo isso. Se houve abuso de autoridade, se houve algo além daquilo que são as atribuições dos fiscais do grupo móvel” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 26/09/2007, p. 8974).

No dia 2 de outubro de 2007, é realizada a 3ª reunião da Comissão153,

destinada a ouvir os testemunhos do Auditor Fiscal do Trabalho Humberto

Célio, do Procurador do Trabalho Luiz Antônio Fernandes, e dos diretores

proprietários da Pagrisa, Murilo Villela Zancaner, Marcos Villela Zancaner e

Fernão Villela Zancaner.

O auditor inicia sua fala lamentando o pouco tempo, e logo começa

argumentando que o Grupo Móvel age dentro das prerrogativas que lhes foram

estabelecidas, que ele “segue rigorosamente o manual de procedimentos para

ações fiscais de combate ao trabalho análogo ao de escravo” (Brasil. Diário do

Senado Federal, Sessão nº43, 02/10/2007, p. 8979). E aponta que quer iniciar

sua fala com uma reportagem da Folha de S. Paulo sobre o caso intitulada “Ex-

trabalhador da Pagrisa diz que era tratado como porco”:

“Eles tratavam a gente igual a porco”. É assim que Francis Vanicolla, 25, um dos trabalhadores libertados de uma fazenda da PAGRISA, definiu as condições em que vivia na propriedade, em Ulianópolis “A água [para beber] era quente, a refeição era feita na beira do canavial, no sol quente. Havia bicho na comida, tapuru [verme], toda estragada”, disse Vanicolla ontem à Folha. “Se parasse para sentar

153

A ata da seção do dia 02/10/2007 pode ser visualizada em BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, PP. 8977-8999. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=10/04/2008&paginaDireta=08959. Acesso em: 10/12/2012.

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no chão, não podia. Descansar um pouquinho, não podia. Teve um cabra que se encostou na vassoura e um encarregado chegou e mandou embora.” Eles afirmaram que viram ou viveram condições degradantes. No entanto, nenhum disse que, mesmo quando endividados, eram proibidos de sair da fazenda. Eles também disseram que eram obrigados a pagar por comida e remédios, cujos valores eram descontados do holerite. “Deram um alojamento para a gente, com as camas lá. Mas o colchão a gente tinha que pagar para eles”, disse Gilmar da Silva, que durante um mês e quinze dias carregou produtos dentro da usina. Vanicolla deu um exemplo: “Passei dez dias na cana, deu R$ 79. Mas aí paguei R$ 69 de comida”. Por mês, cada um dos trabalhadores ganharia em tese R$ 475 brutos. Valdiluz Magalhães, 22, confirma que tinha de pagar preços elevados por remédios e diz que havia instalações precárias. “Ruim era a situação dos cortadores de cana, pois dormiam todos juntos em um barracão nojento”, afirmou. “Era na rede, tudo bagunçado. Dentro de um quarto quente. Eram setenta redes no galpão, uma trançada na outra”, confirmou Silva. “O pessoal reclamava muito. Queriam água gelada, uma comida bem melhor. Era ruim por causa do fermento, eles botavam fermento na carne, ela ficava grossona, grandona.” No dia em que os fiscais chegaram, Silva disse que todos saíram “alegres”. “Todo mundo gostou. Na hora que eles falaram ‘quem quiser ir embora, é só colocar o nome’, todo mundo correu e quase não ficou ninguém.” Vanicolla também disse ter boas lembranças do momento. “Pessoal ficou feliz, feliz demais. Era doído [o trabalho].” Pois bem, esta operação na PAGRISA, que se deu no...” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8979-8980).

O auditor foi interrompido pelo senador Flexa Ribeiro que requisitou ao

presidente que o auditor concluísse a leitura da reportagem. O presidente Sibá

Machado nega o pedido dizendo que o auditor está dentro do tempo dele e que

se deixassem as pessoas terminarem seu raciocínio antes dos

questionamentos.

O auditor lamenta a interrupção e volta à sua fala, informando sobre

como recebeu a denúncia sobre o caso Pagrisa. O Grupo estava fazendo

fiscalização de outras denúncias em Ulianópolis, no que receberam denúncias

dos próprios trabalhadores da Fazenda Pagrisa, no que visitaram no dia

seguinte o estabelecimento. O auditor pede para que seja passado um vídeo

que foi feito pela fiscalização, quando discussões acerca do tempo de fala se

iniciam novamente. O senador Flexa Ribeiro pede para que se dê o tempo que

for preciso para as pessoas, e o senador José Nery diz que se deve ter uma

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regra que seja comum a todos. O presidente Sibá Machado diz que irá

controlar as falas para que elas não excedam demais. E o auditor prossegue

mostrando e narrando algumas fotos que estavam sendo expostas durante a

reunião da Comissão. O relato é longo, mas é importante termos registrados

aqui.

“Essa é a chegada nossa lá na portaria da sede da empresa. Aí o vigilante já comunicou a direção da empresa que a gente estava na portaria onde foi autorizado depois de alguns minutos a entrada nossa. Neste momento do deslocamento nosso da portaria até lá nas frentes de trabalho, demoramos em torno de vinte a trinta minutos. Foi nesse período em que os vigilantes lá, os fiscais da empresa, saíram desesperadamente entregando equipamentos de proteção individual aos trabalhadores e tentando maquiar a situação”.

“Aí são os trabalhadores esperando para a alimentação, eles comem aí a céu aberto, sentados no chão ou no próprio vasilhame de água”.

“Isso daí é a privada que eles usam lá. Isso não é privada, eles fazem um buraco de vinte a trinta centímetros e colocam esse ferro aí, e além do mais são pouquíssimos casos desses daí, isso daí é simplesmente uma maquiagem. A maioria dos trabalhadores, a grande maioria, eles fazem as suas necessidades fisiológicas no meio do mato”.

“Isto é o vasilhame de água que eles usam para tomar água. Nem todos têm um vasilhame adequado”.

“Esse é um local que eles dizem que é para alimentação, mas é um local abandonado também, é pura maquiagem, os trabalhadores realmente comem na frente de serviço sem nenhuma proteção”.

“Aí é a distribuição de equipamentos novos no dia que nós chegamos lá. Os fiscais saíram desvairadamente loucos lá distribuindo equipamentos”.

“Trabalhadores machucados aí, vários e vários trabalhadores machucados”.

“Esta é a água utilizada para beber, é a mesma água que é usada para poder rebater a poeira, eles chamam de caldo de feijão, é o que causa constante diarréia, náusea, dor de barriga nos trabalhadores. Aí é o abastecimento de água dos trabalhadores”.

“Os trabalhadores caminhando a pé para o serviço, vários quilômetros, não tem transporte adequado, e os que têm também não são adequados para transportar os trabalhadores. A situação dos ônibus são essas daí. Junto com os ônibus é transportado equipamento cortante, combustível, não tem local para assentamento, eles tinham na época lá me parece que sete ônibus para transportar os trabalhadores [soa a campainha], mais de mil e quinhentos trabalhadores”.

“Esse é o alojamento. A gente fez, nós fomos em todos os alojamentos, era rede em cima de rede, não suportava aquele

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número de trabalhadores que tinha lá naquele dia, eram mais de mil e quinhentos trabalhadores, e segundo a Engenheira de Trabalho da empresa, a empresa, naquele momento, tinha condições de suportar no máximo setecentos e cinquenta trabalhadores, sendo que tinham mais de mil e quinhentos. Não tinha colchão para todo mundo, nem rede. O trabalhador era obrigado a dormir no papelão no chão”.

“Trabalhadores cortados, machucados”.

“Essa daí é a privada, uma das poucas que tinha lá no alojamento, não tinha assepsia, os trabalhadores não tinham papel higiênico, limpavam o local lá com o dedo e passava na parede”.

“Isso daí é a cozinha. A cozinha é horrível, é uma fedentina. Olha a situação da carne, ninguém aguentou entrar lá onde fica a carne guardada. Essa era a carne podre que era feita a comida para os trabalhadores. É uma fedentina horrível, insuportável o mau cheiro”.

“Esse daí é o esgoto a céu aberto que corria lá no alojamento, conhecido como lameiro, esse esgoto corria para uma represa logo abaixo que os trabalhadores usavam para tomar banho, lavar roupa, em virtude da falta de água lá nos alojamentos, constante falta de água, eram prosseguidos obrigados a tomar banho aí junto com o esgoto” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8981).

Após expor as fotos, o auditor conta que os empresários da Pagrisa, no

caso os Villelas Zancaner, reuniram-se com os trabalhadores propondo

melhorias. E quando os auditores perguntaram se queriam ficar ou ir embora,

foi unânime a decisão de querer ir embora, mostrando uma foto da fila de

trabalhadores esperando sua rescisão de contrato. Depois disso, segue

mostrando fotos, o auditor conta que diversas autoridades e entidades

resolveram aparecer na Pagrisa no intuito de barrar a fiscalização.

“Aí foi o dia que chegou representantes da sociedade organizada do Estado do Pará, Deputados Estaduais, Presidente de Federações, Presidente da OAB. Isso é a questão da Polícia Federal, que a Polícia Militar foi lá para intimidar a fiscalização. Todo o batalhão da cidade de Ulianópolis estava lá, a cidade de Ulianópolis ficou sem polícia porque estavam todos na usina”.

“Aí foi quando todas as entidades, a OAB, Deputados Estaduais, representantes de classe lá tentaram de toda forma mudar o rumo da fiscalização, o que não conseguiram”.

“Reunião com os sindicatos. Essa é a reunião com a Presidente da OAB e, infelizmente, o Delegado Regional do Trabalho também presente lá no mesmo dia. A Presidente da “OAB conversou com um por um dos trabalhadores querendo saber a opinião deles. Eles foram unânimes em dizer para ela “queremos ir embora, não

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aguentamos isso daqui, queremos sair” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8982).

Depois disso, o vídeo da fiscalização é exposto. Quando finalizado, o

auditor procura explicar de que maneiras o que foi encontrado na Pagrisa se

encaixa na Lei 10.803, que deu novo texto ao Art. 149 do Código Penal. Para

que um crime possa ser tipificado dentro dessa lei, existem quatro

possibilidades: ter o trabalho forçado ou a jornada exaustiva, a degradância, ou

a servidão por dívida. Segundo o auditor, a Pagrisa encontra não apenas uma

possibilidade de ser enquadrada como empresa que utiliza trabalho escravo,

mas encontra três: a jornada exaustiva, a degradância e a servidão por dívida.

E relata mais uma vez o que foi encontrado lá para exemplificar cada uma

dessas possibilidades de irregularidades.

Ao fim de sua fala, defende a atuação do Grupo Móvel e da Ruth Vilela,

mostrando-se indignado com as acusações e suspeitas que foram levantadas.

“Eles disseram que esta operação foi uma montagem, montagem do Ministério do Trabalho, do Executivo, para coibir a plantação de cana na Amazônia. Isso é uma mentira deslavada, não houve montagem nenhuma. A Dra. Ruth, uma mulher séria, honesta, competente, em quatro anos que eu sou coordenador da Móvel ela nunca me deu um telefonema sequer interferindo a favor de A ou B, nunca, eu nunca recebi nenhum telefonema dela, nunca. Então é uma pessoa séria, de bem, e está sendo acoalhada por várias pessoas” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8983).

Defende-se, ainda, de acusações a ele feitas de ter comprado matérias

na mídia, apontando que quem estava tentando controlar as informações eram

os acusados, encerrando sua fala.

“Não fomos nós que divulgamos isso para a imprensa. Essa matéria vazou de uma forma que depois vocês podem ficar sabendo, mas não fomos nós que vazamos essa matéria. Disseram que nós pagamos uma empresa internacional, a Royters, até aquele momento eu nunca tinha ouvido falar em Royters, não sabia nem o que é Royters, nunca tinha ouvido falar em Royters, eles falaram que eu paguei, eu digo assim o Grupo Móvel, o Ministério do Trabalho pagou a Royters para estar lá presente. Isso é uma outra mentira deslavada, não teve isso. Eles proibiram a imprensa de entrar na

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propriedade, só foi permitida a imprensa oficial deles, que eles faziam uma matéria que interessava a eles, matéria maquinada. Então não foi proibida a imprensa entrar no local, e eles disseram para a imprensa, foram lá a mando do diretor dizer que eu é que tinha proibido a imprensa de entrar lá. Isso é uma mentira. Que eles proibiram lá, colocaram os seguranças lá na entrada proibindo a imprensa de entrar” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8983).

Ao final de sua fala, o auditor é aplaudido, e o senador presidente pede

para que esses tipos de manifestações sejam evitadas para não interferirem na

verificação, passando a palavra para Fernão Villela Zancaner, Diretor Adjunto

da Pagrisa, que cede a sua fala ao Presidente da Pagrisa, Marcos Villela

Zancaner.

Marcos Villela inicia sua fala dizendo que é uma pessoa simples e que

está lá para “mostrar a verdade dos fatos”, destacando que não possui

qualquer vínculo político e que não pretende causar qualquer embate com o

Ministério Público e o Ministério do Trabalho, nem causar disputas entre

senadores. Aponta, inclusive, que o embate que se travou é prejudicial para a

apuração dos fatos, pois ninguém concorda com trabalho escravo. Mas,

segundo ele, o que também não se pode concordar é com “lobo vestido em

pele de cordeiro” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43,

Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8984). Após isso,

inicia-se a exibição de um vídeo trazido por ele.

O vídeo começa dizendo que vai contar “como uma história de quarenta

anos de muito trabalho foi ameaçada por inspetores do Grupo Móvel de

Fiscalização do Ministério do Trabalho” (Brasil. Diário do Senado Federal,

Sessão nº 43, 02/10/2007, p. 8984).

Depois, procura se defender no que tange à regularização de seus

trabalhadores, apontando que a empresa nem sequer se utiliza de terceirizados

para contratar os trabalhadores, que são selecionados exclusivamente pela

Pagrisa sob “rigoroso cumprimento da lei”, relatando uma série de cuidados e

benefícios que estão dispostos ao trabalhador.

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“Os empregados da PAGRISA residem em vila com quarenta e quatro alojamentos para residência coletiva de mil e setecentos e setenta empregados. Tem mais trinta e sete moradias unifamiliares e vinte e oito apartamentos com padrão de hotelaria. A empresa obedece com rigor as normas de segurança e medicina do trabalho. Todos os empregados recebem equipamentos de proteção individual gratuitamente, fazem treinamento de integração e anualmente participam da CIPATI, a Semana de Prevenção de Acidentes em Medicina do Trabalho. Todos recebem refeições diárias sob controle de nutricionistas. Além dos restaurantes na vila os trabalhadores dispõem de refeitórios adequados no campo. Contam também com assistência nas áreas de saúde, educação, esporte e lazer. O posto de saúde tem médico diariamente e atendimento de primeiros socorros vinte e quatro horas. Este é o gabinete odontológico que faz atendimentos semanais. A empresa ainda oferece a opção de um plano de saúde subsidiado e paga 50% de tratamentos particulares. A vila tem espaço social com lanchonete, mini-mercado, área de esporte, espaço cultural e parque infantil” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8984).

E diz que mesmo com toda essa infra-estrutura, os fiscais do trabalho

consideraram que havia trabalho escravo na fazenda, apontando uma parte da

fala de um dos Procuradores da Justiça do Trabalho que estavam na

fiscalização, que não teria convicção de que havia trabalhadores escravizados.

“eu vi, quando eu entrei aqui na fazenda a primeira vez, eu gostei, é um visual bonito, eu já disse isso, entendeu, e o que acontece, eu disse para mim mesmo: aqui está tudo em ordem, não vai ter nenhum problema aqui, entendeu, porque eu vi um campo de pouso bonito, um campo de futebol, área de lazer, clube, entendeu, as casas, tudo assim bem estruturado, eu já deixei aqui registrado isso, entendeu, que a estrutura de vocês é excelente” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8984).

E com isso, o vídeo fala novamente de todos os benefícios dos quais os

trabalhadores gozam na Pagrisa, alegando um quadro gritantemente oposto ao

mostrado no relatório do Grupo Móvel. No entanto, não se esclarece no vídeo

para quais empregados toda aquela estrutura apresentada era disponibilizada.

No vídeo, inclusive, a empresa se vangloria por pagar 0,60 centavos a mais do

que outras empresas aos seus empregados por tonelada de cana cortada, além

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de dizer que os empregados tinham participação nos lucros, novamente sem

especificar quais trabalhadores estavam mencionando.

“A estrutura reconhecida pelo Procurador como boa inclui moradias com água potável encanada, energia elétrica e fossa-séptica, mais plano de saúde opcional subsidiado em 50%, alimentação subsidiada em 60%, seguro de vida e programa de participação nos lucros. No setor da educação a PAGRISA oferece educação infantil e fundamental para os filhos de empregados em escolas oficializadas e em parceria com a Prefeitura de Ulianópolis promove o ensino fundamental. A parceria com o SENAR garante a qualificação na área agrícola. Com o apoio do SESI a empresa mantém um programa de alfabetização de adultos. Quatrocentos e cinqüenta e oito empregados já foram alfabetizados. Tem também supletivo dos níveis fundamental e médio. Mais de duzentos empregados já se matricularam nesses cursos. Em parceria com a Prefeitura de Ulianópolis a PAGRISA promove curso profissionalizante para empregados e oferece trinta bolsas desses cursos para jovens da comunidade. Enquanto a PAGRISA paga R$ 3,60 por tonelada de cana cortada, em São Paulo os cortadores ganham apenas R$ 3,12, em Goiás e no Maranhão R$ 3,07, em Alagoas R$ 3,17, e quando a produção excede cem toneladas por hectare, a PAGRISA paga também a maior remuneração: R$ 3,86 por tonelada cortada” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8984-8985).

E ao mostrar tudo isso, a empresa se mostra indignada com o fato do

Grupo Móvel ter caracterizado seus trabalhadores como escravos. E se

questiona sobre as razões que levaram a essa notícia espetacular.

Conta que a fiscalização fez uma varredura na fazenda, obrigando-os a

demitir mil e sessenta e quatro trabalhadores, todos com carteira assinada, com

conta no banco e que tinham seus pagamentos rigorosamente em dia. No

entanto, o chefe da inspeção fez promessas aos trabalhadores com seguro

desemprego e ameaças de que a empresa iria fechar e não poderia pagar suas

verbas rescisórias. E com isso, relata, os trabalhadores disseram o seguinte:

“Murilo, a proposta que eu recebi é muito boa, eu vou passar na minha casa sete meses recebendo salário, sem trabalhar, com a minha família. Você acha que eu vou ficar aqui num sol quente desse cortando cana? Não tem como, não tem como recusar uma proposta dessa” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8985).

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Relata, inclusive, que já no primeiro dia da fiscalização, havia

trabalhadores que queriam voltar a trabalhar, e estavam assinando uma lista a

próprio punho. Mas a tal lista, argumenta, foi tomada pelo Auditor Fiscal

Coordenador do GEFM, Humberto Célio. Murilo Zancaner diz ter essa lista em

mãos como prova, e que seria de grande valia mostrar, mas que não sabia

onde tinha colocado. E argumenta que aqueles que foram embora assim o

fizeram porque “estavam persuadidos pelo dinheiro”, e que até ele mesmo

assim o faria, pois “Ninguém tem livre vontade diante do dinheiro quando tem

necessidade” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43,

Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8986).

Um ponto interessante a se observar nesse relato é a forma pela qual se

fala na opção dos trabalhadores por saírem da empresa para ficarem com o

seguro-desemprego, passando a impressão de que o que esses trabalhadores

queriam mesmo era não trabalhar, como se tal desejo fosse um absurdo,

quando seria natural o trabalhador agir assim diante da necessidade (como o

próprio diretor admite), tendo em vista a baixa remuneração e o extenuante

trabalho que é o corte de cana-de-açúcar, ainda que a Pagrisa pagasse 0,60

centavos a mais pela tonelada cortada do que outras empresas.

E quando o diretor da Pagrisa fala que o trabalhador age por

“necessidade”, esse tipo de argumento é no mínimo contraditório, pois, mesmo

com toda a estrutura alegada pela empresa, o trabalhador ainda é uma pessoa

com necessidades. Se o trabalho é tão bom, em condições tão boas e

garantidas, porque ele largaria tudo para ter seis meses de salário e depois

ficar desempregado novamente? Porque nem com carteira assinada e com o

valor da cana cortada acima das outras empresas, o trabalhador consegue

obter o mínimo para ter uma vida digna.

Mas, para Marcos Villela, os trabalhadores foram embora por causa de

uma ilusão, por causa de histórias falsas contadas pelos homens da

fiscalização. Diz que ouviu de um dos trabalhadores:

“Ele falou para nós todos que estava lá: “caboclos, é o seguinte, vocês agora, vocês estavam na mal, mas agora vocês vão para a bem, que nós vamos botar a mão em cima de vocês, vamos ajudar,

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estamos aqui para ajudar vocês, e os que ficar, não acompanhar nós, os que ficar, vai sofrer e pagar pelos outros, que a firma vai fechar e eles vão mandar vocês sair sem direito a nada. Nós fiquemos sem dinheiro, fiquemos desempregados e hoje estamos rodado, passando mal. Através de que foi isso? Através desse homem do Ministério, que veio, nós estava trabalhando, todo mundo empregado, veio aqui, fez uma garantia e não fez nada, porque fiquemos na maior pior. Eu pegava a merenda de manhãzinha boa, eu pegava um almoço bom, eu pegava a janta bom, eu dormia bem” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8986).

Quando este mesmo trabalhador foi questionado sobre as razões,

portanto, de ter deixado a fazenda, ele respondeu

“Eu deixei no iludimento, eles me iludiu, porque se não fosse no iludimento e essa garantia que fizeram, eu não tinha deixado. Mas aí me garantiram que dava isso e, com tudo aí, você sabe, eu já pensei isso. Logo que eles falaram que dava, que iam pagar três meses sem a gente trabalhar, pegar os direitos todos, eles tinham que pagar mais três meses, aí eu vi a vantagem e quebrei a cara” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8986).

Após isso, a exposição segue para desqualificar o relatório do Grupo

Móvel, apontando que dos 18 volumes relativos ao caso, apenas 43 páginas se

referiam à inspeção, e que os depoimentos eram todos iguais somente

mudando o nome dos depoentes. A lista dos preços dos remédios também fora

forjada, pois a Pagrisa não vendia remédios. O documento foi forjado. E, além

disso, o Grupo Móvel se valeu de autoridades antigas para apontar

empregados sem registro em carteira, apontando que na época da fiscalização

não foi encontrado nenhum trabalhador sem registro em carteira. A empresa,

segundo um relatório da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, não se

utilizava de trabalho escravo.

Segundo o diretor da Pagrisa, portanto, o Grupo Móvel teria forjado

muita coisa, fato que teria testemunhos dos próprios trabalhadores:

“Fizeram [ininteligível] pegavam merda e jogavam nas paredes, fazia tudo, fizeram bagaceira demais. Aí eles vieram mais só para ver o bagaço, aí acabou de derrotar, né, pegaram as redes, botaram um em cima, outro embaixo, outro em riba, outro mais em cima, aí ficou,

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para dizer que estava dormindo daquele jeito. E não era assim? E não era, era todo mundo no seu local” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8986).

Ao término da exposição do vídeo, Marcos Villela aponta que tudo o que

foi dito tem provas documentais com ele. Com isso, o presidente Sibá

Machado pediu para que os documentos fossem repassados para a

Comissão para análise, passando, em seguida, a palavra para o Procurador

do Trabalho, Luiz Antônio Fernandez.

Ao iniciar sua fala, o procurador procura mostrar de onde vem e que está

no Ministério Público do Trabalho por sua própria escolha, porque ele queria

trabalhar para defender a ordem jurídica do país. Esclarece que seu papel

não é defender os trabalhadores, mas a ordem jurídica trabalhista no país. E

seu papel também não é “colocar faca” no pescoço de empresários. Como

pertencente ao Ministério Público, seu papel é fazer a ordem jurídica ser

cumprida e é isso que sempre é feito.

Depois, fala sobre o que é trabalho escravo. Destaca que não podemos

mais pensar no escravagismo dos tempos da princesa Isabel, pois, hoje, se

trata de outra coisa. Trata-se de degradância. E ao falar disso, comenta uma

fala da senadora Kátia Abreu ao Jornal Nacional em que ela diz que o

conceito de degradância deve ser contextualizado, de acordo com a região

em que se encontra o trabalhador. E o procurador não se convence disso.

“Mas eu não vejo assim dessa forma. A degradância é uma só, seja trabalhador do norte, seja do nordeste. E o que seria a degradância? É o tratamento, é quando tira da condição do trabalhador, do ser humano que ele é. O trabalhador é ser humano. Quando eu vou nessas operações, eu sou muito católico, eu agradeço a Deus ele ter me colocado nessa condição que me colocou, porque realmente eu saio triste, eu saio chateado em ver aquela situação realmente de degradância. O trabalho escravo se caracteriza então, não é a questão da ... é o tratamento que é dado, e o tratamento que eu vi, esse termo já foi reproduzido aí e realmente eu vi, por exemplo, eu vi lá na PAGRISA trabalhador fazendo refeição debaixo do Caminhão para se proteger, sentado de cócoras no vasilhame de água e debaixo do Caminhão, daqueles Caminhões, tricaminhão que chama, isso que carrega cana, ele ali debaixo” (BRASIL. Senado Federal.

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Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8987).

Relata, ainda, que ouviu do Presidente da Federação do Comércio ou da

Indústria, na ocasião, que seria pior não ter o que comer. E esse comentário

lhe causou ainda mais contestação: “Comer, será que o trabalhador, será que

ele só vai ser digno se ele comer, comer daquela forma?” (BRASIL. Senado

Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão

do dia 02/10/2007, p. 8988).

Continua, com isso, descrevendo o que viu na Pagrisa e que tudo

configurava o trabalho escravo, contando com a servidão por dívida.

“Eu vi, eu vi. Então realmente ficou caracterizado o trabalho escravo. Pela servidão de dívida, tem lá, está tudo no relatório do Ministério do Trabalho que eu corroborei também junto com o Dr. Humberto. Antes de elaborar, de entregar o relatório, o Dr. Humberto passou para mim, para fazer uma análise, para ver se eu concordava com os termos, com tudo como estava, eu disse que concordava e assumo toda a responsabilidade com o que tem aqui no relatório do Ministério do Trabalho. Na degradância, eu perdi um pouco aqui o fio da meada, mas a degradância ficou caracterizada quando ... eu peguei na servidão por dívida. Eu vi no contracheque, eu vi, eu vi não foram seis como falou a PAGRISA não (...) zerado, zerado o contracheque, saldo do mês zero, quer dizer, ele trabalhou o mês todo para receber zero. E pior, não estava recebendo zero, estava recebendo assim menos trinta, porque tem algo lá a título de crédito suplementar, quer dizer, para não ficar menos trinta, aí coloca crédito suplementar trinta e desconta no mês seguinte. Isso é servidão por dívida, gente, isso é trabalho escravo. O trabalho é condição análoga a trabalho escravo, está na lei, está na lei. É só mudar a lei que a gente passa a cumprir, é só dizer “trabalho escravo agora tem que apanhar de chicote”. Acabou, trabalho escravo para o Ministério Público do Trabalho vai ser apanhar de chicote [palmas], mas teve trabalho escravo” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8988).

Sob aplausos, o procurador continua sua fala, dizendo que sua imagem

foi indevidamente utilizada pelo vídeo da Pagrisa. Ele afirma que de fato falou

tudo o que mostrou o vídeo, mas tinha complementos que a edição cortou, e

que ele estava indignado com aquilo. E novamente o procurador foi aplaudido,

fazendo o presidente Sibá Machado pedir ordem novamente. O complemento

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se referia justamente ao tratamento. Tinham instalações boas, mas não tinha

um bom tratamento para os trabalhadores. A comida que ele elogiou foi a

comida que serviram a eles durante a fiscalização, mas, diz ele, até o

transporte ao trabalhador, estraga. E penso, com certeza não é a mesma

comida dos trabalhadores.

Depois, defende o trabalho que foi feito pelo Mistério Público, aponta

que se o Grupo Móvel cometesse erros, o Ministério Público prontamente os

corrigiria, pois é sua função fazer as coisas de acordo com a lei.

“se o Auditor Fiscal que coordena a ação errar, for arbitrário, seja o que for, tenham certeza absoluta que eu, Luiz, Procurador do Trabalho, membro do Ministério Público do Trabalho, e com muito orgulho, jamais iria aceitar, jamais iria ser conivente, jamais iria ser conivente” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8989).

Esclarece, ainda, que, dada a seriedade do trabalho do Ministério

Público, ele já teve divergências com auditores fiscais em algumas

fiscalizações, procurando mostrar que quando ele não concorda com os

relatórios, ele não os assina, o que não foi o caso do relatório feito sobre a

Pagrisa.

“Então o trabalho do Dr. Humberto, eu assino embaixo, assino embaixo, digo aqui publicamente que não houve excessos, e a prova maior que não teve excesso, não teve abuso, não teve nada disso, é que teve lá o Senador, e nenhum até agora falou, entrou com a ação penal contra o Dr. Humberto ou seja o que for. Teve a OAB do Pará, a OAB do Pará não emitiu nenhuma nota dizendo: “ah, que o Ministério do Trabalho...”. Não, não fez, e esteve lá. Eu nunca vi um trabalho desse, já acompanhei vários, onde consultou o trabalhador. Teve isso lá. O Dr. Humberto permitiu, até democraticamente, porque a orientação que tem do trabalho não é isso, mas já que teve a proposta, ele aceitou a proposta e reuniu, teve a coragem de reunir não sei quantos trabalhadores, mais de quinhentos ou mil, sei lá, e falou da proposta: “olha, vai ficar, não vai ficar, quem quer, quem não quer”, e a decisão é que mil cento e poucos decidiram sair” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8989).

Continua sua fala criticando a “ignorância” que cerca o tema,

normalizando coisas que não devem ser normalizadas. Aponta que, antes de

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ser Procurador, foi advogado de empresas, e já ouviu de empresários o

seguinte argumento: “Doutor, deixa ele reclamar na justiça porque lá vai

demorar e com esse dinheiro que eu ia pagar ele eu vou comprar cimento para

construir edifício” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43,

Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8989-8990).

Ele continua seu relato no intuito de mostrar como pensam os

empregadores. Em função da pobreza e da extrema necessidade dos

trabalhadores, os empregadores acham que ao dar trabalho e comida, já está

tudo certo, e ficam indignados quando os trabalhadores entram na justiça para

receber salário e outros direitos trabalhistas.

“Ninguém está acima da lei, ninguém. Então o empregador tem que ter a cultura de que tem que cumprir a legislação trabalhista, que degradância não é colocar numa barraca de lona não, degradância é o tratamento que é dado ao trabalhador, e foi dito isso aí” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8990).

Depois disso, reafirma seu apoio ao Grupo Móvel e ao seu relatório,

procurando argumentar que até agora não foi demonstrado onde e como houve

excessos por parte da fiscalização toda, pois nem os próprios acusados

entraram na justiça para mostrar tais excessos. Pelo contrário, o que estava em

andamento era um processo judicial movido pelo Ministério Público Federal

contra os empresários na Justiça Federal de Castanhal, que recebeu a

denúncia.

Finaliza dizendo que a visão que a Comissão tem sobre a Pagrisa é

equivocada, assim como sua visão sobre a fiscalização. A empresa, segundo o

procurador, engana pelas aparências, mas é só ficar lá mais do que alguns dias

para ver que as coisas não são o que parecem ser.

Em seguida, o presidente Sibá Machado concede a palavra para Fernão

Villela Zancaner.

Fernão Villela começa sua fala dizendo que se baseará sempre em

provas documentais, de forma a mostrar o que a fiscalização deixou de fora ou

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tentou forjar, tentando rebater as fotos e o vídeo que foram mostrados pelo

auditor.

O primeiro ponto do qual ele fala é sobre a distribuição de luvas na

frente de trabalho, apontando que seria impossível fazer a distribuição tão rápida

de luvas por uma extensão de mil hectares para mil e setecentos trabalhadores.

Fala, ainda, ironicamente, que se alguém soubesse como fazer tal coisa, ele

gostaria de saber para poder implementar em sua fazenda e aumentar a

agilidade das tarefas.

Outro ponto é a questão do ônibus. Explica que o ônibus em más

condições que aparecem nas fotos estava na oficina em conserto, não era o que

de fato estava transportando os trabalhadores para as frentes de trabalho.

Quanto aos alojamentos, ele diz que não foi feita qualquer verificação

sobre a sua capacidade. Diz que não foi feito esse levantamento, sendo que os

alojamentos da fazenda tinham capacidade para comportar mil setecentos e

setenta trabalhadores.

O banheiro cuja privada foi fotografada era um dos 198 banheiros

existentes nos alojamentos que estava com problemas, e a fiscalização resolveu

fotografar justamente o que estava entupido, generalizando a situação para

todos os banheiros dos alojamentos. Mas ele mesmo não traz imagens desses

outros 197 banheiros que estariam em boas condições.

Coloca que os depoimentos por parte dos trabalhadores é sempre feito

por um mesmo trabalhador e que isso seria minimamente estranho.

Quanto à extensa jornada de trabalho, ele aponta que nenhum

trabalhador acorda às 3 horas da manhã para trabalhar no campo, porque o

trabalhador precisa esperar o sol aparecer para trabalhar, além de que o ônibus

que vai para a frente de trabalho sai às cinco e meia.

Quanto à dita opção generalizada dos trabalhadores de irem embora, ele

aponta que muitos trabalhadores quiseram voltar e se reuniram com a

representante da OAB. O auditor, inclusive, fora convidado para participar da

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reunião, mas preferiu não ir para evitar que esses trabalhadores não

“contaminassem” a investigação.

E diz que a empresa já moveu sim ações para tratar dos excessos. A

empresa entrou com uma representação contra o auditor no próprio Ministério do

Trabalho, já fez uma representação na Procuradoria da República, e já fez uma

ação cautelar de vistoria protocolada da DRT.

Quanto aos pagamentos, aponta que é discordante ou contraditório dizer

que uma empresa tem trabalho escravo, mas que é vista como a empresa que

paga o maior preço do mercado por tonelada da cana cortada.

Aponta que, por conta da fiscalização, cerca de 143 funcionários que

não tinham ligação nenhuma com o campo, que ganhavam salários que iam de

mil a dois mil reais, foram demitidos por serem considerados escravos.

E aponta que o auditor se utilizou sim da mídia para divulgar a maior

“libertação” já feita pelo Grupo, tentando mostrar a agilidade com que as notícias

correram antes mesmo de qualquer possibilidade de defesa. Diz que das 47

páginas de relatório, 31 são de notícias na imprensa sobre o caso. O resto são

cópias de folhas de pagamento e de seguro-desemprego entregue.

Coloca que a fiscalização foi feita em cerca de 3 horas apenas, sendo

que a empresa é enorme, sua quantidade de alojamentos, banheiros e

trabalhadores é muito grande. Mas, mesmo assim, ao final da tarde, o Grupo já

tinha um parecer pronto. Questiona sobre como isso é possível, pois acaba se

forjando muita coisa.

O refeitório que foi mostrado não estava sendo utilizado há meses. Os

refeitórios nos quais os trabalhadores fazem suas refeições eram outros, sendo

que a empresa dispõe de 15, no total.

Quanto aos depoimentos, o empresário não apenas desconfia da

fiscalização, que diz ter sido mal feita, como também diminui a importância da

fala dos funcionários, sobre as quais uma fiscalização não poderia se basear.

“O relatório do Sr. Humberto, ele é baseado em depoimentos. Como ele não fez a inspeção, a inspeção não foi feita corretamente, tudo que está feito lá está em cima de depoimentos de funcionários,

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entendeu? Então é o funcionário que ouviu falar, o funcionário que ouviu dizer e aí vai correndo. Então aqui estão os depoimentos de funcionários simples do campo, muitos sem a condição de ler ou escrever, e os termos usados por esses funcionários: distúrbios gástricos, incapacidade física, jornada suplementar, condições laborais. Isso foi dito pelos funcionários do corte de cana, segundo o relatório do Sr. Humberto, está lá no relatório dele isso daí. Os depoimentos, têm depoimentos idênticos. Funcionários que não sabem o que assinaram, inclusive presentes aqui nessa sala, funcionários que não sabem o que assinaram, entendeu? Funcionários que não concordam com o que está escrito no depoimento deles porque não tiveram a oportunidade de ler” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8993).

Aponta que os depoimentos são praticamente os mesmos, como se

fossem induzidos a dizer a mesma coisa.

Outra coisa que ele aponta, que diz ser o de maior estranheza, é que o

Sindicato dos Distribuidores de Combustíveis, que cancelou as compras do

álcool da empresa, apresentou relatórios de fiscalizações que a empresa

sofreu desde 1996, nas quais não foram constadas irregularidades, pois todos

os funcionários se encontravam registrados.

Conta que o auditor estava praticamente obrigando os trabalhadores a

se demitirem, contra a sua vontade, especialmente aqueles que tinham se

arrependido e voltaram ao trabalho.

Disse, ainda, que o auditor obrigou o ônibus que estava levando os

trabalhadores ao Banco do Brasil para receber suas verbas rescisórias a irem

antes para o hotel, onde estava toda a imprensa esperando. O empresário

questiona até que ponto isso é atribuição do auditor fiscal.

Neste ponto, o presidente Sibá Machado interrompe o empresário,

pedindo para que ele concluísse para que se desse encaminhamento às

ordens do dia.

Ele fala sobre a questão da Pagrisa não vender medicamentos e do

auditor ter ameaçado e pegado a folha de assinaturas de trabalhadores que

não queriam ir embora, apontando que essas e diversas outras irregularidades

da fiscalização deveriam ser investigadas.

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Terminada sua fala, os senadores começam a discutir sobre interromper

a sessão por um tempo ou deixar para o dia seguinte, por conta das votações

da ordem do dia.

O senador Cícero Lucena pergunta, ainda, se é possível trazer as

testemunhas, os trabalhadores que a empresa Pagrisa citou a seu favor para

serem ouvidas pela Comissão, porque seria importante, não apenas para

tranqüilizar sobre a não-existência de trabalho escravo, como também para não

sujar o nome do Brasil em um de seus maiores empreendimentos, que é o

biocombustível. Ele gostaria de comprovar o que a empresa disse, porque não

há provas desses depoimentos, mas apenas o que a empresa disse que eles

falaram, pedindo para que a reunião retornasse no dia seguinte, com mais

calma.

O presidente concede a palavra para o senador Paulo Paim, que

questiona todo o sentido da Comissão, propondo, ao final, que as audiências

sejam realizadas pela própria Comissão de Direitos Humanos ou pela

Subcomissão do trabalho escravo.

“Olha, sinceramente eu acho que com isso daqui nós não vamos longe, nós estamos criando uma Comissão do Senado para investigar a PAGRISA, uma única empresa no Brasil. É isso que nós estamos fazendo, e quando que nós sabemos que isso daqui vai ser resolvido na justiça. Nós estamos aqui num debate político, aqui não vai resolver nada sobre isso, é na justiça, e eu não sou advogado, olha bem, e estou dizendo isso. Eu não estou entendendo bem para onde vamos, meu amigo Flexa.

(...)

Eu não sei se nós não estamos indo pelo caminho errado, eu estou fazendo uma preliminar. Se esse assunto não deveria ser discutido na Comissão de Direitos Humanos ou mesmo na Subcomissão, se é ou não é trabalho escravo, mas da forma que está indo nós vamos fazer aqui um julgamento não jurídico e mais um julgamento político, e eu me pergunto: quem ganha com isso no julgamento político? O que é que seria o ideal?

(...)

Eu acho que é um exagero uma Comissão do Senado da República somente para a PAGRISA, quando nós temos uma Subcomissão aqui que poderia discutir se é trabalho escravo ou não, que o José Nery é o Presidente, temos a Comissão de Direitos Humanos, temos a Comissão de Assuntos Sociais para aprofundar esse debate. Eu acho que é um exagero o que nós estamos fazendo. Eu tinha

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entendido, Flexa, com todo respeito, que uma Comissão ia lá visitar a empresa, traria dados, faria o seu relatório e morreria ali, e nós criamos na verdade mais uma Comissão no Senado da República.

(...)

Enfim, meu amigo Flexa, eu proporia o seguinte: que a gente, no meu entendimento, encerrasse, a minha proposta é essa, encerra e vamos remeter às Audiências Públicas para a Comissão competente do Senado da República para analisar esta situação. Seria isso” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8997-8998).

Após isso, a senadora Kátia Abreu pede a palavra e relembra porque foi

requisitada uma comissão somente para o caso Pagrisa, por causa da grande

repercussão indignada com as discussões, dentre as quais a que mais se

destacou foi a da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará, que

afirmaram não haver trabalho escravo na Pagrisa. Ela insiste na questão de

delimitar legalmente o que significa cada coisa, o que é trabalho degradante no

sul, por exemplo, e o que é trabalho degradante do norte, muito embora a

legislação seja uma só.

“Cortar cana, sinceramente, eu fui em São Paulo, fiquei dois dias, cortei cana, eu pessoalmente, e realmente não é o melhor dos mundos, não é. É um trabalho duro, é um trabalho aparentemente feio, onde o trabalhador fica todo sujo de cinza. Qualquer cidadão urbano que vê uma figura cortando cana não pode sentir nada agradável, não tem como. Eu concordo com tudo isso. Então eu acho, Senador Paim, que nós poderíamos ter alguns caminhos, como disse o Senador Sibá na Subcomissão, nós tirarmos as aberrações, que é a questão do trabalho forçado, sob armas, sem salário, trabalho infantil, e que nós pudéssemos achar um meio termo” (BRASIL. Senado Federal. Diário do Senado Federal. Nº 43, Publicado em 10/04/2008, Sessão do dia 02/10/2007, p. 8999).

O senador Paulo Paim relembra a senadora Kátia Abreu que já existe

uma comissão no senado somente para tratar de casos do tipo e que, portanto,

deveria deixar essa comissão mesma tratar do caso Pagrisa. Neste momento,

o presidente Sibá Machado encerra a sessão por conta do tempo, convocando

a continuação da reunião para o dia seguinte.

Alguns dias após a realização dessa terceira reunião da Comissão no

Senado, o Ministério do Trabalho e Emprego anuncia o retorno das operações

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de fiscalização do Grupo Móvel a partir do dia 15 de outubro de 2007. Segundo

reportagem da Repórter Brasil154, o retorno foi possível em função da

realização de um termo de cooperação técnica entre o MTE e a Advocacia-

Geral da União, que previa um acompanhamento jurídico permanente às

atividades do GEFM, com suporte de advogados aos fiscais que forem

chamados a prestar esclarecimentos.

Foi também após a realização da terceira reunião da Comissão no

Senado, mais especificamente no dia 24 de outubro de 2007, que a Pagrisa

entrou com uma Representação Criminal (2007.39.04.000962-0)155, na Vara

Federal de Castanhal, no Pará, contra o Coordenador responsável pelo GEFM

durante a fiscalização na empresa, o Auditor Fiscal Humberto Célio. Em suas

alegações, a Pagrisa apontaria irregularidades e ilegalidades na atuação do

Coordenador.

A Comissão no Senado, após a última sessão, não realizou mais

nenhuma oitiva ou discussão, mas apenas deu encaminhamentos a pedidos de

senadores de saída da comissão e de inclusão de outros senadores, além do

encaminhamento das publicações das três reuniões já realizadas. Assim,

embora a Comissão já não realizasse mais debates sobre o caso, ela

continuou aberta até 18 de fevereiro de 2011, quando foi oficialmente extinta.

Neste entremeio, veio a vez do caso se manifestar com mais ênfase no Poder

Judiciário, num entrelaçamento de processos diversos.

5.4 – O caso no Judiciário

Ainda quando aconteciam as reuniões da Comissão no Senado, nós

vimos que três processos judiciais já haviam levado o Caso Pagrisa para a

154

ONG Repórter Brasil. Fiscalização de trabalho escravo recomeça nesta segunda. Notícias – 10/10/2007. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2007/10/fiscalizacao-de-trabalho-escravo-recomeca-nesta-segunda/.

155 Para consulta do andamento processual, ver:

https://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=200739040009620&secao=CAH&pg=1&enviar=Pesquisar. O TRF da 1ª Região não disponibilizou par consulta nenguma petição, ata de audiência ou decisão. O resultado desse processo será mencionado durante outros processos mais para frente.

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Justiça: um para a Justiça do Trabalho, através de um pedido de Medida

Cautelar movido pela Pagrisa; e outros dois para a Justiça Federal, através de

Ação Penal movida pelo MPF contra os diretores da Pagrisa, e através da

Representação Criminal movida pela Pagrisa contra o Coordenador do GEFM,

o Auditor-Fiscal Humberto Célio.

A partir do final de 2007, nós assistimos não apenas ao desenrolar

desses processos já abertos, como também ao nascimento de outros

processos e ações em meio a eles, entrelaçando entendimentos, decisões e

pareceres de diferentes esferas e instâncias do Poder Judiciário, que, em

conjunto, prolongaram o Caso Pagrisa até 2015.

Tabela 28 - Quadro Geral de Processos na Justiça para o Caso Pagrisa

Nº Processo Autor Esfera Instância Data de

autuação

Medida Cautelar (0083400-61-2007.5.08.0116) Pagrisa JT VT 30/07/2007

Ação Penal (2007.39.04.000812-4) MPF JF VF 05/09/2007

Representação Criminal (2007.39.04.000962-0) Pagrisa JF VF 24/10/2007

Habeas Corpus (2007.01.00.054079-4) Diretor da Pagrisa JF TRF 1 22/11/2007

Habeas Corpus (HC100463 ou 2008/00355512-2) Diretor da Pagrisa JF STJ 14/02/2008

Ação Anulatória (0073700-27.2008.5.08.0116) Pagrisa JT VT 15/07/2008

Habeas Corpus (HC112852 ou2008/0173045-6) Diretor da Pagrisa JF STJ 01/08/2008

Ação Anulatória (0086600-42.2008.5.08.0116) Pagrisa JT VT 29/08/2008

Mandado de Segurança (MS14017/DF ou 2008/0271496-6)

Pagrisa JF STJ 28/11/2008

Mandado de Segurança (0070600-24.2008.5.08.0000) União JT TRT 8 17/12/2008

Recurso em Mandado de Segurança (RMS 28.488/DF – 0774508-69.2009.1.00.0000)

Pagrisa STF Última 07/12/2009

Habeas Corpus (HC108299/9931585-17.2011.1.00.0000)

Diretor da Pagrisa STF Última 06/05/2011

Recurso de Apelação (2007.39.04.000868-0) MPF JF TRF 1 16/03/2012

Recurso Ordinário (0073700-27.2008.5.08.0116) Pagrisa JT TRT 8 02/05/2013

Recurso Ordinário (0073700-27.2008.5.08.0116) União JT TRT 8 02/05/2013

Recurso Ordinário (0086600-42.2008.5.08.0116) Pagrisa JT TST 16/06/2015

Recurso Ordinário (0086600-42.2008.5.08.0116) União JT TST 16/06/2015

5.4.1 – O Caso Pagrisa na Justiça do Trabalho

Na Justiça Trabalhista, o Caso Pagrisa se desdobrou, ao todo, em 3

processos de 1º grau na Vara do Trabalho de Paragominas, que, por sua vez,

desdobraram-se em 3 ações no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e

2 ações no Tribunal Superior do Trabalho.

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Tabela 29 - Características Gerais dos Processos na Justiça Trabalhista no Caso Pagrisa

Nº Processo Autor Instância Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado

Medida Cautelar (0083400-61-2007.5.08.0116)

Pagrisa VT 30/07/2007 18/08/2011 4 anos e 20 dias Apensar à Ação Anulatória 866

Ação Anulatória - com liminar (0073700-27.2008.5.08.0116)

Pagrisa VT 15/07/2008 27/04/2012 3 anos, 9 meses

e 8 dias DEFERIDA EM PARTE

Ação Anulatória (0086600-42.2008.5.08.0116)

Pagrisa VT 29/08/2008 22/06/2012 3 anos, 9 meses

e 19 dias DEFERIDA EM PARTE

Mandado de Segurança (0070600-24.2008.5.08.0000)

União TRT 8 17/12/2008 08/10/2009 9 meses e 16

dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Recurso Ordinário (0073700-27.2008.5.08.0116)

Pagrisa TRT 8 02/05/2013 31/07/2013 2 meses e 28

dias

DEFERIDO EM PARTE (UNANIMIDADE)

Recurso Ordinário (0073700-27.2008.5.08.0116)

União TRT 8 02/05/2013 31/07/2013 2 meses e 28

dias

DEFERIDO EM PARTE (UNANIMIDADE)

Recurso Ordinário (0086600-42.2008.5.08.0116)

Pagrisa TST 16/06/2015 Em

andamento - -

Recurso Ordinário (0086600-42.2008.5.08.0116)

União TST 16/06/2015 Em

andamento - -

7 anos, 10 meses e 3 dias

Cada um desses processos na Justiça Trabalhista, especialmente de 1º

grau, foi fortemente marcado por decisões de postergação das audiências,

levando a um prolongamento significativo do caso na Justiça. Se olharmos o

espectro temporal dos processos e ações na esfera trabalhista, é visível o seu

efeito sobre o tempo dos processos156. Vejamos cada um desses processos e

ações separadamente e de forma mais detalhada.

Em 30 de julho de 2007, entre o fim da operação de fiscalização do

GEFM e a abertura da Comissão no Senado, a Pagrisa teve seu pedido de

Medida Cautelar recebido pela Vara do Trabalho de Paragominas (0083400-

61-2007.5.08.0116)157, pedido em que a empresa requisitava a produção de

provas periciais para a apuração do ambiente de trabalho da autora e

contestação da fiscalização realizada pelo Grupo Móvel em junho e julho de

2007.

Da data em que foi autuada até o final de 2007, nenhuma movimentação

processual foi realizada. Foi somente em 14 de fevereiro de 2008 que o juiz

156

Ver Apêndice 5.

157 Para consulta do andamento processual:

http://www2.trt8.jus.br/consultaprocesso/formulario/ProcessoConjulgado.aspx?sDsTelaOrigem=ListarProcessos.aspx&iNrInstancia=1&sFlTipo=T&iNrProcessoVaraUnica=116&iNrProcessoUnica=83400&iNrProcessoAnoUnica=2007&iNrRegiaoUnica=8&iNrJusticaUnica=5&iNrDigitoUnica=61&iNrProcesso=834&iNrProcessoAno=2007&iNrProcesso2a=0&iNrProcessoAno2a=0.

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designou uma data para a realização da audiência inaugural do caso,

marcando-a para o dia 18 de março de 2008. Um dia antes da data marcada,

contudo, a audiência foi cancelada e redesignada para 30 de abril de 2008, e

este movimento de adiamento ou postergação se manteve até 3 de agosto de

2010, quando foi apresentado o primeiro relatório pericial feito sob juízo com

relação ao Caso Pagrisa.

Como se pode observar na tabela abaixo, entre a autuação da Medida

Cautelar, em julho de 2007 e a apresentação do primeiro relatório pericial sob

juízo, contabilizamos um total de 11 redesignações de audiência com

postergação de data, e 1 redesignação com adiantamento de data. Uma das

redesignações de postergação, como outras que veremos mais para frete,

chegam a atingir o período de 1 ano. E, no total, até 3 de agosto de 2010,

foram 2 anos e aproximadamente 10 meses de postergação do caso.

Tabela 30 - Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1º Grau - Caso Pagrisa

Data de cancelamento e Redesignação

Data marcada Data redesignada Tempo de postergação ou

adiantamento

17/03/2008 18/03/2008 Postergada p/ 30/04/2008 43 dias

28/04/2008 30/04/2008 Postergada p/ 05/06/2008 36 dias

05/06/2008 05/06/2008 Postergada p/ 15/07/2008 40 dias

15/07/2008 15/07/2008 Postergada p/ 08/08/2008 24 dias

08/08/2008 08/08/2008 Postergada p/ 15/07/2009 341 dias

15/07/2009 15/07/2009 Postergada p/ 29/07/2009 14 dias

29/07/2009 29/07/2009 Postergada p/ 08/09/2009 41 dias

01/09/2009 08/09/2009 Postergada p/ 06/10/2009 38 dias

28/09/2009 06/10/2009 Adiantada p/ 05/10/2009 - 1 dia

05/10/2009 05/10/2009 Postergada p/ 11/11/2009 37 dias

11/11/2009 11/11/2009 Postergada p/ 19/01/2010 69 dias

18/01/2010 19/01/2010 Postergada p/ 19/01/2011 1 ano

Aproximadamente 2 anos e 10 meses de postergação do processo

Nos despachos e petições disponíveis para baixar no andamento

processual da Medida Cautelar, bem como nas atas das audiências158 que se

encontram disponíveis para consulta, pudemos encontrar as seguintes

justificativas para tantas redesignações, pelo menos até a apresentação do

primeiro laudo técnico em 3 de agosto de 2010:

158

Disponível em: http://www2.trt8.jus.br/std/Jurisprudencia_1_Grau.aspx?frm_iNrProcesso=834&frm_iNrProcessoAno=2007&frm_iNrProcessoVara=116.

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269

Tabela 31 - Motivos das Redesignações de audiências na Justiça Trabalhista de 1 º grau - Caso Pagrisa

Data de Redesignação

Data marcada

Data redesignada Tempo Motivo da Redesignação Autor do pedido de

Redesignação

17/03/2008 18/03/2008 Postergada p/ 30/04/2008 43 dias Prazo insuficiente de notificação para audiência

Pagrisa

28/04/2008 30/04/2008 Postergada p/ 05/06/2008 36 dias Prazo insuficiente de notificação para audiência

União

05/06/2008 05/06/2008 Postergada p/ 15/07/2008 40 dias - O Juízo ainda não indicou lista de peritos; - Juntada de documentos;

Pagrisa

15/07/2008 15/07/2008 Postergada p/ 08/08/2008 24 dias - Ausência de uma das partes; - Substituição de juiz

Juiz

08/08/2008 08/08/2008 Postergada p/ 15/07/2009 341 dias SEM MOTIVO ENCONTRADO

-

15/07/2009 15/07/2009 Postergada p/ 29/07/2009 14 dias Ausentes ambas as partes Juiz

29/07/2009 29/07/2009 Postergada p/ 08/09/2009 41 dias SEM MOTIVO ENCONTRADO

-

01/09/2009 08/09/2009 Postergada p/ 06/10/2009 38 dias SEM MOTIVO ENCONTRADO

-

28/09/2009 06/10/2009 Adiantada p/ 05/10/2009 - 1 dia Coincidência de audiências Pagrisa

05/10/2009 05/10/2009 Postergada p/ 11/11/2009 37 dias Prazo para manifestação sobre propostas honorárias dos peritos

Pagrisa

11/11/2009 11/11/2009 Postergada p/ 19/01/2010 69 dias SEM MOTIVO ENCONTRADO

-

18/01/2010 19/01/2010 Postergada p/ 19/01/2011 1 ano Juntada de documentos Pagrisa

Se classificarmos os motivos de redesignação encontrados, podemos

perceber que as deficiências institucionais do próprio juízo (como as

notificações em tempo insuficiente, a demora na indicação de peritos, a

substituição do juiz, e a coincidência de audiências) dividem com questões

particulares das partes (como pedido de juntada de documentos, ausência ou

pedido de tempo para análise de documentos) a mesma importância nas

redesignações.

As tantas redesignações de audiência não significam, contudo, que

nenhum movimento foi tomado pelo Juízo nas datas marcadas para as

audiências e pelas partes, especialmente em atendimento a petições movidas

por ambas. Na audiência de 15/07/2008, por exemplo, o juiz finalmente

nomeou perito contábil e técnico para a realização das perícias, concedendo o

prazo de 30 dias para que cada um apresentasse seu relatório. Desde a

abertura da Medida Cautelar pela Pagrisa, a empresa vinha encaminhando

petições por maior rapidez na apresentação e nomeação de peritos e pela

juntada de relatórios periciais e técnicos que poderiam agilizar o andamento da

Medida Cautelar.

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270

Em petição do dia 2 de junho de 2008, por exemplo, a Pagrisa reclama

da morosidade do andamento do processo, ao passo que, desde a autuação

de sua Medida Cautelar em 30 de julho de 2007 requisitando a produção de

provas periciais em juízo, ainda não havia se dado nenhuma nomeação de

peritos e, por conseguinte, as perícias ainda não tinham sido realizadas. E,

tentando também afastar futuros argumentos acerca do tempo transcorrido

entre a fiscalização do GEFM e as perícias judiciais ainda não realizadas, a

Pagrisa informa que ela própria já havia requisitado, cerca de dois meses após

o término da fiscalização do Grupo Móvel, a elaboração de um parecer técnico

à empresa “Perícias e Avaliações”. O referido parecer técnico teria sido

finalizado em 23 de agosto de 2007 e teria analisado todos os elementos

contidos no relatório do GEFM. E a empresa também informa que havia mais

dois relatórios que também haviam sido produzidos à época da fiscalização,

um pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Estado do Pará e

outro pela Assembléia Legislativa do Estado do Pará, argumentando, assim,

que possuía bastante prova contemporânea à fiscalização que poderia ser

utilizada em juízo.

Depois de mais de um ano de andamento da Medida Cautelar, com mais

redesignações de audiências e ainda sem a realização das perícias, a Pagrisa

encaminha outra petição em 3 de agosto de 2009, pedindo a realização de

perícia técnica e vistoria na empresa, bem como a realização de perícia

contábil e documental.

Passadas essas petições e as redesignações de audiência citadas, é

apresentado, em 3 de agosto de 2010, o primeiro laudo pericial contábil

realizado para o Caso Pagrisa. Este laudo procura demonstrar a regularização

trabalhista da Pagrisa e, ao mesmo tempo, explicar ou contrariar diversos

pontos das denúncias de fundo pecuniário feitas no relatório do GEFM.

Segundo o laudo, a Pagrisa não mantinha nenhum trabalhador sem registro na

CTPS, inclusive no período em que foi realizada a fiscalização do GEFM; dos

trabalhadores que tiveram seus contratos rescindidos pelo GEFM, 48 foram

readmitidos em datas posteriores; a empresa era inspecionada com frequência

e não havia irregularidades anotadas com relação a trabalhador sem registro.

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271

Tramitavam na Justiça, segundo a perícia, apenas três processos de

trabalhadores contra a empresa (que a perícia não cita quais e nem os motivos

das ações); aos trabalhadores da Pagrisa eram oferecidos diversos benefícios

sem quaisquer descontos de seus salários; todos os trabalhadores admitidos

tinham seguro de vida em grupo; a empresa possuía uma boa infraestrutura,

composta de: vila residencial com casas individuais, hotel e alojamento, escola,

centro cultural, posto de saúde, horta orgânica, campos de futebol, área de

descanso e uma usina de açúcar e álcool; os trabalhadores recebiam em dia, e

a empresa fazia o recolhimento de impostos dentro dos prazos legais; os

saldos zerados de 11 trabalhadores do mês de maio de 2007 ocorreram por

terem sido admitidos no mês de maio e correspondem a dias não trabalhados e

sem justificativa pelos trabalhadores (segundo o relatório do GEFM, eram muito

mais trabalhadores com saldo zerado e não apenas para o mês de maio); os

salários irrisórios se justificam também pela quantidade de dias não

efetivamente trabalhados e pela admissão no mês em que se apresentaram

tais salários; os trabalhados recebiam proporcionalmente aos dias trabalhados

(mas segundo depoimentos dos trabalhados ao GEFM, o trato era o de

pagamento de um salário mínimo mais o valor correspondente ao produzido

por cada trabalhador); a empresa oferecia, para quem optar, plano de saúde,

com 50% de ressarcimento; a empresa oferecia diversos serviços médicos sem

qualquer desconto nos salários dos trabalhadores; e os medicamentos

receitados pelos médicos, no ato do atendimento aos trabalhadores, eram

enviados à farmácia, a qual emitia notas de balcão para posterior recebimento

da empresa autora mediante nota fiscal. Essas notas de balcão eram

identificadas com o nome do trabalhador para que este recebesse o

medicamento.

Após a apresentação do laudo pericial contábil, foram feitas mais quatro

redesignações de audiências (duas de postergação e duas de adiantamento),

sem motivo encontrado, que resultaram no adiantamento do processo em 94

dias.

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Tabela 32 - Redesignação de audiências na Justiça Trabalhista - Caso Pagrisa

Data de cancelamento e Redesignação

Data marcada Data redesignada Tempo de postergação ou

adiantamento

07/12/2010 19/01/2011 Postergada p/ 14/02/2011 26 dias

02/02/2011 14/02/2011 Postergada p/ 14/02/2012 1 ano

05/09/2011 14/02/2012 Adiantada p/ 19/10/2011 -118 dias

27/09/2011 19/10/2012 Adiantada p/ 18/10/2011 - 1 ano e 2 dias

Adiantamento de 94 dias

Em 18 de outubro de 2011, o juiz da Vara do Trabalho de Paragominas

declara encerrada a produção de provas e determina o apensamento do

processo à Ação Anulatória 0086600-42.2008.5.08.0116 – impetrada pela

Pagrisa no dia 29 de agosto de 2008, quando ainda tramitava a Medida

Cautelar – a fim de que fossem analisadas as provas até então coletadas em

juízo.

O apensamento, no entanto, ocorreu quase 1 ano depois (em

21/09/2012) da decisão homologada pelo juiz, quando a referida Ação

Anulatória que deveria receber os autos da Medida Cautelar já havia passado

por diversas redesignações de audiência em função do atraso na realização

das perícias na Medida Cautelar, e em função da demora no apensamento de

seus autos. Além disso, quando o apensamento de fato foi realizado, a outra

Ação Anulatória impetrada pela Pagrisa (0073700-27.2008.5.08.0116) já havia

recebido decisão em juízo, sem nem mesmo esperar o término na produção de

provas em juízo na Medida Cautelar. Vejamos o andamento dessas duas

Ações Anulatórias mais detidamente e os argumentos dados pelos juízes do

trabalho de 1º grau.

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Tabela 33 - Natureza dos argumentos dos juízes trabalhistas - Caso Pagrisa

Nº Processo Autor Grau Data de

autuação Data de

Julgamento Resultado Arg./Juiz NATUREZA

Medida Cautelar

Pagrisa VT 30/07/2007 18/08/2011 Apensar à Ação Anulatória 866

- -

Ação Anulatória 737 – liminar

Pagrisa VT 15/07/2008 17/07/2008 DEFERIDA - presente o perigo iminente PROCESSUAL

Mérito 27/04/2012 DEFERIDA EM PARTE

- não havia registro adequado de horas de trabalho; - não é trabalho escravo

MÉRITO

Embargos de Declaração

Pagrisa VT 21/05/2012 17/07/2012 DEFERIDO EM PARTE

- não ouve omissão; - garante a tutela sem especificar sobre a lista suja

PROCESSUAL

Ação Anulatória 866

Pagrisa VT 29/08/2008 22/06/2012 DEFERIDA EM PARTE

- cancelamento de apenas 3 autos de infração; - apenas irregularidades trabalhistas; - não é trabalho escravo - trabalhadores tinham salário e liberdade de ir e vir

MÉRITO

Mandado de Segurança

União TRT 8 17/12/2008 08/10/2009 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- tutela sobre lista suja; - apenas irregularidades trabalhistas; - não é trabalho escravo

MÉRITO

Recurso Ordinário

Pagrisa TRT 8 02/05/2013 31/07/2013 DEFERIDO EM PARTE (UNANIMIDADE)

- não anula auto de infração; - tutela para não entrar na lista suja; - apenas irregularidades trabalhistas; - não é trabalho escravo

MÉRITO

Recurso Ordinário

União TRT 8 02/05/2013 31/07/2013 DEFERIDO EM PARTE (UNANIMIDADE)

- revalida dois autos de infração; - mantem tutela sobre lista suja; - apenas irregularidades trabalhistas; - não é trabalho escravo

MÉRITO

Recurso Ordinário

Pagrisa TST 16/06/2015 Em

andamento - - -

Recurso Ordinário

União TST 16/06/2015 Em

andamento - - -

A primeira Ação Anulatória (0073700-27.2008.5.08.0116)159 impetrada

pela Pagrisa foi autuada em 15 de julho de 2008, com pedido de liminar, na

Vara do Trabalho de Paragominas, objetivando a anulação de três Autos de

Infração (AIs) que haviam sido registrados pelo GEFM, bem como a tutela

antecipada para não ser inserida na “Lista Suja” do MTE. As três infrações que

a Pagrisa queria ver anuladas diziam respeito a: 1) prorrogar a jornada normal

de trabalho para além do limite legal de 2 horas diárias sem qualquer

justificativa legal (AI 014239779); 2) deixar de registrar os horários de entrada,

saída e período de repouso efetivamente praticados pelos trabalhadores (AI

014239817); e 3) deixar de efetuar, até o 5º dia útil do mês subsequente ao

vencido o pagamento integral do salário devido ao empregado (AI 014239868).

159

Para consulta do andamento processual:

http://www2.trt8.jus.br/consultaprocesso/formulario/ProcessoConjulgado.aspx?sDsTelaOrigem=ListarProcessos.aspx&iNrInstancia=1&sFlTipo=T&iNrProcessoVaraUnica=116&iNrProcessoUnica=73700&iNrProcessoAnoUnica=2008&iNrRegiaoUnica=8&iNrJusticaUnica=5&iNrDigitoUnica=27&iNrProcesso=737&iNrProcessoAno=2008&iNrProcesso2a=0&iNrProcessoAno2a=0.

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274

Segundo a Pagrisa, esses três autos de infração deveriam ser anulados,

na medida em que: 1) a existência de horas in itinere não chegaria a 2 horas,

além do que a empresa não poderia ser penalizada duplamente, considerando

a segunda infração contestada. Ou seja, segundo a Pagrisa, além de ela não

ter cometido a infração referida, ela estaria sendo punida mais de uma vez por

uma mesma questão; 2) a empresa contava sim com mecanismo de registro de

jornada, inclusive com pagamento eventual de horas extras aos trabalhadores;

e 3) o pagamento integral era feito até o 5º dia útil do mês, considerando que

não havia horas in itinere a serem pagas.

No mesmo dia em que a ação foi autuada na referida Vara do Trabalho,

o juízo já designou a data para a realização de audiência, marcando-a para o

dia 8 de agosto de 2008. Mas, antes mesmo da realização dessa audiência, o

juízo deferiu a liminar requisitada pela Pagrisa no dia 17 de julho de 2008,

concedendo-lhe o pedido de tutela antecipada, em sede liminar, para impedir a

inserção do nome da empresa na “Lista Suja”.

Segundo a juíza federal substituta que concedeu a liminar à Pagrisa,

estava comprovado o periculum in mora para a sua concessão, na medida em

que a empresa poderia ser inscrita na “Lista Suja”. A juíza também conclui – e

dessa vez ignorando o fato de que a produção de provas em juízo na Medida

Cautelar (analisada anteriormente) ainda nem tinha sido iniciada – que a

empresa teria apresentado provas de que atuava dentro da legalidade com os

seus trabalhadores:

“A partir de uma análise detida da inicial e dos documentos que a instruem, o juízo constata a existência dos requisitos autorizadores a concessão da tutela, eis que a autora juntou aos autos provas de que adota controle de ponto para seus empregados, bem como que efetua pagamento de salários no prazo determinado pela legislação trabalhista e ainda que o próprio Ministério Público do Trabalho reconheceu que as condições de trabalho são em nível bem satisfatório” (BRASIL. Vara do Trabalho de Paragominas. Sentença na Ação Anulatória nº 0073700-27.2008.5.08.0116, p. 2).

E o que vemos acontecer a partir de então é muito semelhante ao que

ocorreu com a Medida Cautelar já analisada: uma sequência de redesignações

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de audiência, em sua maioria de postergação. No andamento processual da

Ação Anulatória em questão (0073700-27.2008.5.08.0116), pudemos

contabilizar, como mostra a tabela abaixo, um total de 21 redesignações de

audiência – sendo 19 de postergação e 2 de adiantamento – até a data da

decisão de mérito em 27 de abril de 2012. E dentre os motivos para tantas

redesignações, listamos:

Tabela 34 - Redesignação de Audiências, Motivos e Autores - Caso Pagrisa

Data de Redesignação

Data marcada

Data redesignada Tempo Motivo da redesignação Autor do pedido de redesignação

08/08/2008 08/08/2008 Postergada p/ 25/09/2008 48 Parte não notificada União

25/09/2008 25/09/2008 Postergada p/ 20/10/2008 25 Juntada de documentos União

20/10/2008 20/10/2008 Postergada p/ 18/11/2008 29 Substituição de juiz Juiz

18/11/2008 18/11/2008 Postergada p/ 26/01/2009 69 Prazo para apresentação de quesitos de inquirição

Pagrisa

20/01/2009 26/01/2009 Postergada p/ 19/03/2009 52 SEM MOTIVO ENCONTRADO -

17/03/2009 19/03/2009 Postergada p/ 27/04/2009 39 Não cumprimento de carta precatória

União

20/04/2009 27/04/2009 Postergada p/ 30/06/2009 64 SEM MOTIVO ENCONTRADO -

27/04/2009 30/06/2009 Adiantada p/ 19/05/2009 -42 SEM MOTIVO ENCONTRADO -

19/05/2009 19/05/2009 Postergada p/ 03/08/2009 76 Prazo para a realização de inspeção judicial

Pagrisa

03/08/2009 03/08/2009 Postergada p/ 14/09/2009 42 Partes não notificadas Juiz

14/09/2009 14/09/2009 Postergada p/ 05/10/2009 21 Prazo insuficiente de notificação para audiência

Juiz

05/10/2009 05/10/2009 Postergada p/ 11/11/2009 37 Pedido de vista Pagrisa

11/11/2009 11/11/2009 Postergada p/ 11/11/2010 365 SEM MOTIVO ENCONTRADO -

05/11/2010 11/11/2010 Postergada p/ 10/11/2011 364 Juntada de documentos Pagrisa

04/08/2011 10/11/2011 Adiantada p/ 25/08/2011 -77 SEM MOTIVO ENCONTRADO -

25/08/2011 25/08/2011 Postergada p/ 26/09/2011 32 Prazo para prolação de sentença (encerramento da instrução processual)

Juiz

26/09/2011 26/09/2011 Postergada p/ 19/12/2011 84 Prazo para prolação de sentença (encerramento da instrução processual)

Juiz

19/12/2011 19/12/2011 Postergada p/ 13/02/2012 56 Prazo para prolação de sentença (encerramento da instrução processual)

Juiz

07/02/2012 13/02/2012 Postergada p/ 22/02/2012 9 Ausência de ambas as partes Juiz

22/02/2012 22/02/2012 Postergada p/ 19/04/2012 57 - Descaso com prazos; - Substituição de juiz

Pagrisa

19/04/2012 19/04/2012 Postergada p/ 21/05/2012 32 Prazo para designação de juiz Desembargador

Aproximadamente 3 anos e 9 meses de postergação do processo

Como podemos observar na Tabela acima, as postergações na Ação

Anulatória em questão se apresentaram, mais uma vez, como sendo em

função de deficiências de caráter institucional, como o não respeito aos prazos

razoáveis para a notificação das partes para as audiências ou até mesmo a

completa não notificação, o não cumprimento de cartas precatórias para

notificar as testemunhas para os depoimentos em juízo, e a necessidade de

substituição de juiz.

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276

Em meio a tantas postergações até a data da decisão de mérito,

encontramos: o Mandado de Segurança impetrado pela União no TRT da 8ª

Região, contra a decisão da juíza que deferiu a tutela antecipada para a

Pagrisa; e a apresentação de duas petições da Pagrisa que entram mais na

questão de mérito do caso e não ficam apenas no questionamento ou na

reclamação sobre deficiências ou morosidade judicial. A partir dessas petições,

também, é possível observar o entrelaçamento entre decisões judiciais.

Data de cancelamento e Redesignação

Data marcada Data redesignada Tempo de postergação ou

adiantamento

08/08/2008 08/08/2008 Postergada p/ 25/09/2008 48

25/09/2008 25/09/2008 Postergada p/ 20/10/2008 25

20/10/2008 20/10/2008 Postergada p/ 18/11/2008 29

18/11/2008 18/11/2008 Postergada p/ 26/01/2009 69

17/12/2008 – Mandado de Segurança da União no TRT da 8ª Região

16/01/2009 – Petição da Pagrisa

20/01/2009 26/01/2009 Postergada p/ 19/03/2009 52

17/03/2009 19/03/2009 Postergada p/ 27/04/2009 39

20/04/2009 27/04/2009 Postergada p/ 30/06/2009 64

27/04/2009 30/06/2009 Adiantada p/ 19/05/2009 -42

19/05/2009 19/05/2009 Postergada p/ 03/08/2009 76

03/08/2009 03/08/2009 Postergada p/ 14/09/2009 42

14/09/2009 14/09/2009 Postergada p/ 05/10/2009 21

05/10/2009 05/10/2009 Postergada p/ 11/11/2009 37

11/11/2009 11/11/2009 Postergada p/ 11/11/2010 365

01/02/2010 – Petição da Pagrisa

24/06/2010 – Petição da União

05/11/2010 11/11/2010 Postergada p/ 10/11/2011 364

04/08/2011 10/11/2011 Adiantada p/ 25/08/2011 -77

25/08/2011 25/08/2011 Postergada p/ 26/09/2011 32

26/09/2011 26/09/2011 Postergada p/ 19/12/2011 84

19/12/2011 19/12/2011 Postergada p/ 13/02/2012 56

07/02/2012 13/02/2012 Postergada p/ 22/02/2012 9

22/02/2012 22/02/2012 Postergada p/ 19/04/2012 57

19/04/2012 19/04/2012 Postergada p/ 21/05/2012 32

Em 27 de abril de 2012, enfim, a Ação Anulatória 737 é julgada pela

Vara do Trabalho de Paragominas, que defere em parte o pedido. O juiz acolhe

o pedido de anulação de dois dos autos de infração, quais sejam, o de

prorrogar a jornada normal de trabalho para além do limite legal de 2 horas

diárias sem qualquer justificativa legal, e deixar de efetuar, até o quinto dia útil

o pagamento integral do salário devido ao empregado. O juiz manteve, no

entanto, a infração por ter deixado de registrar os horários de entrada, de saída

e de repouso que eram efetivamente praticados, na medida em que eram

preenchidos sempre com os mesmos horários redondos para os trabalhadores.

Ressalta, inclusive, que foi o problema de não registrar devidamente esses

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277

horários que acabou ensejando a contenda em torno de que hora efetivamente

se saía e se voltava das frentes de trabalho.

Em sua justificativa, o juiz vasculha as provas e documentos anexados e

produzidos em juízo, apontando que havia ficado claro que o registro era feito

de maneira displicente e sem o conhecimento dos próprios trabalhadores, no

que a infração deveria permanecer.

Preocupada com a omissão da decisão tomada com relação à

confirmação de tutela antecipada, para impedir que ela fosse inserida na “Lista

Suja”, a Pagrisa entrou com embargos declaratórios em 21 de maio de 2012

pedindo a tal confirmação. Seu pedido é deferido em parte em 17 de julho de

2012 pelo juiz, que aponta que não houve omissão, mas que complementa a

sentença para dizer que a tutela que havia sido concedida anteriormente

estava mantida para as duas infrações anuladas, fazendo com que a empresa

não pudesse ser penalizada por elas. O juiz, no entanto, não deixou claro sua

resposta com relação ao que foi decidido pela tutela antecipada que havia sido

concedida anteriormente. Relembra a Pagrisa depois em Recurso Ordinário

para o TRT e depois para o TST, que, em seu pedido, falava que se ainda

mantida alguma infração, que fosse garantida a tutela antecipada para que esta

infração mantida não seu nome na “Lista Suja” e nenhuma outra penalidade, ao

menos até o fim do processo. E esse pedido tinha sido integralmente deferido.

Mas o juiz de agora mantem a tutela tão somente para as duas infrações

anuladas, apontando que a Pagrisa ainda poderia sofrer as penalidades

decorrentes da infração que permaneceu.

A União, por seu turno, também interpõe recurso ordinário no TRT, para

pedir a reconsideração dos dois autos de infração que foram anulados,

momento em que aproveita para aprofundar a polêmica em torno da tutela

antecipada.

Em 2 de maio de 2013, assim, são autuados os recursos ordinários da

Pagrisa e da União no TRT da 8ª Região, que são, em 31 de julho de 2013,

deferidos em parte, por unanimidade. Com relação ao pedido da Pagrisa, o

Tribunal não aceita o pedido de anulação do auto de infração que permaneceu,

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278

mas aceita o pedido de tutela antecipada para impedir a inserção da empresa

na Lista Suja mesmo resistindo a única infração, argumentando, inclusive, que

a simples infração de não registrar adequadamente os horários de trabalho não

poderia ensejar a inserção numa lista de empregadores que incorrem em

trabalho escravo.

Quanto ao pedido da União para a reconsideração dos outros dois autos

de infração que foram anteriormente anulados, o Tribunal defere a revalidação

da infração com relação à jornada de trabalho acima das horas extras

permitidas pela legislação, mas indefere a reconsideração da infração por não

pagamento de salário até data estipulada por lei. Ressalva, ainda, que

independente da manutenção de duas das três infrações em questão, a tutela

estava garantida à empresa para que não fosse inserida na Lista Suja, dado

que nenhuma das infrações mantidas (registro não adequado e jornada de

trabalho in itinere acima da prevista em lei) poderia descrever um quadro de

trabalho escravo.

Mais uma vez, ambas as partes se mobilizam contra a decisão tomada e

entram com recurso de revista, prontamente indeferidos pelo Tribunal, e

prontamente re-questionados por ambas as partes, que acabam entrando,

cada qual, com pedido de Recurso Ordinário no TST. Ambos os recursos sem

encontram, ainda, em andamento.

Por fim, a segunda Ação Anulatória (00866600-42.2008.5.08.01.0116),

que ajudou a compor o quadro “trançado” de processos do Caso Pagrisa na

Justiça do Trabalho, foi autuada em 29 de agosto de 2008 e seguiu caminho

entrelaçado e muito semelhante ao seguido pela Medida Cautelar e pela Ação

Anulatória 737. Se na Ação Anulatória 737 a Pagrisa havia buscado a anulação

de 3 dos 21 autos de infração, na Ação Anulatória de agora, ela buscava a

anulação dos outros 19.

Da sua autuação até a decisão, foram cerca de 4 anos fortemente

marcados por redesignações sucessivas de audiências e por petições que

tinham por objeto pedidos e justificativas muito semelhantes às que foram

feitas nas outras duas ações, contrapondo relatórios técnicos e provas trazidas

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279

em juízo às provas trazidas pelo GEFM. Em inúmeras ocasiões, inclusive, a

Pagrisa procurou se arvorar no argumento, nunca aceito pelo juízo, de que o

GEFM havia agido de forma ilegal e criminosa, por parte do seu Coordenador

Humberto Célio, não tendo qualquer validade os autos de infração e os relatos

por eles feitos durante a fiscalização. Segundo a Pagrisa, tudo o que queria

eram apenas prejudicar a empresa (quando esta era reconhecida pelo “padrão

de hotelaria” que era oferecido aos trabalhadores), para entrar para as notícias

como o caso recorde de “libertação” de trabalhadores. A empresa defendia,

ainda, que a Lista Suja constituía instrumento ilegal e inconstitucional, na

medida em que impunha um julgamento e uma penalidade sem garantir ao

acusado o direito do contrário, da ampla defesa e o princípio da inocência.

Em decisão do dia 22 de junho de 2012, a Vara do Trabalho de

Paragominas, por meio de decisão monocrática, deferiu em parte o pedido da

Pagrisa160. Em sua decisão, o desembargador anulou apenas três autos de

infração que foram questionados pela empresa, especialmente com relação à

questão salarial, apontando que a perícia contábil havia concedido provas,

através registros de depósitos bancários, do pagamento dos salários dos

trabalhadores dentro do mínimo e dos prazos estabelecidos por lei,

contrapondo todas as acusações feitas neste quesito. Com relação às demais

infrações, contudo, especialmente ligadas às condições de trabalho na

Fazenda, o juiz apontou que, ainda que a defesa tenha se prevenido e

contratado empresa de perícias para fazer vistoria em suas instalações, tais

vistorias foram feitas tempos depois da fiscalização feita pelo GEFM, cabendo,

neste ponto, portanto, a validade do relatório enquanto o único documento de

registro da época. Assim, o juiz determinou que estivessem mantidas as

infrações relacionadas a questão dos alojamentos, da água potável, dos

equipamentos de proteção individual , das instalações sanitárias, dos abrigos

nas frentes de trabalho, da higiene e dos intervalos para descanso.

Quanto à tutela antecipada, por fim, o juiz determina a sua manutenção,

justificando que, ainda que ele tivesse mantido diversos dos autos de infração,

160

BRASIL. Justiça do Trabalho da 8ª Região. Vara do Trabalho de Paragominas. Sentença na Ação Anulatória 00866600-42.2008.5.08.01.0116.

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nenhum deles poderia ensejar a qualificação por trabalho escravo, tendo em

vista que “todos os trabalhadores recebiam salários; tinham liberdade para se

locomover e tinha depositados o FGTS e INSS”. Para justificar sua decisão, o

juiz, em pleno 2012, argumenta com base numa concepção já ultrapassada de

trabalho escravo, citando a Convenção 29 da OIT, para reiterar que “a

expressão trabalho forçado ou obrigatório designará todo trabalho ou serviço

exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele

não se ofereceu de espontânea vontade, não sendo este o caso dos autos, em

que se verificou que não houve qualquer aliciamento de mão de obra ou sua

manutenção contra a vontade do trabalho”.

Após essa sentença, a União e a Pagrisa interpuseram embargos e

recursos dizendo haver omissão e obscuridade na decisão do juiz, no que se

sucedem uma série de desencontros entre as decisões e o que foi

estabelecido, chegando ao ponto do juiz acabar anulando 15 autos de

infrações quando sua argumentação demonstrava a sua manutenção. Hoje, a

confusão ainda é discutida em sede de recurso ordinário no TRT da 8ª Região.

5.4.2 – O Caso Pagrisa na Justiça Federal

Na Justiça Federal, o Caso Pagrisa se desdobrou, ao todo, em 2

processos de primeiro grau na Vara Federal de Castanhal, 2 processos no

Tribunal Federal Regional da 1ª Região, 3 processos no Superior Tribunal de

Justiça e 2 processos no Supremo Tribunal Federal. Vejamos como se

desenrolou cada um deles particularmente.

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281

Tabela 35 - Características Gerais dos Processos na Justiça Federal para o Caso Pagrisa

Nº do Processo/Ação Autor Instância Data de

autuação Data de

Julgamento Tempo Resultado

Ação Penal (2007.39.04.000812-4)

MPF VF 05/09/2007 15/12/2011 4 anos, 3 meses

e 9 dias INDEFERIDO

Representação Criminal (2007.39.04.000962-0)

Pagrisa VF 24/10/2007 28/11/2007 1 mês e 4 dias INDEFERIDO

Habeas Corpus (2007.01.00.054079-4)

Diretor da Pagrisa

TRF1 22/11/2007 18/12/2007 26 dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Habeas Corpus (HC100463 ou 2008/00355512-2)

Diretor da Pagrisa

STJ 14/02/2008 10/06/2008 3 meses e 24

dias DEFERIDO (UNANIMIDADE)

Habeas Corpus (HC112852 ou2008/0173045-6)

Diretor da Pagrisa

STJ 01/08/2008 16/12/2010 2 anos, 4 meses

e 13 dias

INDEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

Mandado de Segurança (MS14017/DF ou 2008/0271496-6)

Pagrisa STJ 28/11/2008 27/05/2009 5 meses e 25

dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

Recurso em Mandado de Segurança (RMS 28.488/DF – 0774508-69.2009.1.00.0000)

Pagrisa STF 07/12/2009 21/05/2012 2 anos, 5 meses

e 11 dias PREJUDICADO (MONOCRÁTICA)

Habeas Corpus (HC108299/9931585-17.2011.1.00.0000)

Diretor da Pagrisa

STF 06/05/2011 30/03/2012 10 meses e 19

dias PREJUDICADO (MONOCRÁTICA)

Recurso de Apelação (2007.39.04.000868-0)

MPF TRF1 16/03/2012 26/08/2015 3 anos, 5 meses

e 8 dias INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

7 anos, 11 meses e 8 dias

A Ação Penal (2007.39.04.000812-4)161 do MPF contra os diretores da

Pagrisa, Marcos Villela Zancaner, Murilo Villela Zancaner e Fernão Villela

Zancaner, foi autuada na Vara Federal de Castanhal em 05/09/2007, um dia

depois da abertura da Comissão no Senado e da realização de sua primeira

reunião.

O encaminhamento da denúncia do MPF à Justiça Federal buscava a

condenação de Marcos Villela Zancaner, Murilo Villela Zancaner e Fernão

Villela Zancaner como incursos nos artigos 132, 149, 203 e 70 do Código

Penal162. Segundo a denúncia, como já analisada, foram observadas diversas

161

Para acompanhamento do andamento processual, ver:

http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?trf1_captcha_id=207a4759cd0efc18a35efbbe944c183b&trf1_captcha=zbfh&enviar=Pesquisar&proc=200739040008680&secao=CAH.

162 Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de

três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave; Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo: Pena – reclusão, de dois a oito anos; Art. 203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, de dois contos a dez contos de réis, alem da pena correspondente à violência. Ver Brasil. Decreto-Lei N. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343. Acesso em: 29/11/2012.

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282

irregularidades trabalhistas e violações contra dignidade humana, configurando

um quadro de condições degradantes de trabalho e de moradia.

No andamento processual da Ação Penal, é possível perceber que sua

movimentação acompanha o andamento de outros processos que vão se

dando paralelamente a ela, sendo, inclusive, também marcada por

redesignações de audiência, para as quais não foram encontradas

justificativas, petições, nem atas disponíveis para consulta. Sabemos apenas

que, até a decisão de mérito (que se deu somente em 15/12/2011), foi

realizada uma audiência de interrogatório com os três diretores da Pagrisa; que

a audiência para instrução e julgamento fora marcada para o dia 04/02/2009,

que foi postergada por quase 3 anos até o julgamento de mérito em

15/12/2011163.

Tabela 36 - Natureza dos argumentos dos juízes da Justiça Federal - Caso Pagrisa

Nº Processo Autor Grau Data de

autuação Data de

Julgamento Resultado Arg./Juiz NATUREZA

Ação Penal MPF VF 05/09/2007 15/12/2011 INDEFERIDO

- falta de provas; - princípio na inocência, contraditório e ampla defesa; e da verdade real; - a acusação tem o ônus da prova e não o cumpriu devidamente - não é trabalho escravo; - os trabalhadores podiam ir e vir

PROCESSUAL MÉRITO

Representação Criminal

Pagrisa VF 24/10/2007 28/11/2007 INDEFERIDO

- os auditores fiscais cumpriram sua função legal - não se pronuncia se havia trabalho escravo ou não;

MÉRITO

Habeas Corpus Diretor da Pagrisa

TRF1 22/11/2007 18/12/2007 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- os documentos e provas atestam responsabilidade do diretor

MÉRITO

Habeas Corpus Diretor da Pagrisa

STJ 14/02/2008 10/06/2008 DEFERIDO (UNANIMIDADE)

- princípio do juiz natural PROCESSUAL

Habeas Corpus Diretor da Pagrisa

STJ 01/08/2008 16/12/2010 INDEFERIDO (MAIORIA DE VOTOS)

- os documentos e provas atestam responsabilidade do diretor

MÉRITO

Mandado de Segurança

Pagrisa STJ 28/11/2008 27/05/2009 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- a lista suja tem previsão legal e constitucional

MÉRITO

Recurso em Mandado de Segurança

Pagrisa STF 07/12/2009 21/05/2012 PREJUDICADO (MONOCRÁTICA)

- a portaria questionada foi revogada

PROCESSUAL

Habeas Corpus Diretor da Pagrisa

STF 06/05/2011 10/03/2012 PREJUDICADO (MONOCRÁTICA)

- já julgado em primeiro grau

PROCESSUAL

Recurso de Apelação

MPF TRF1 16/03/2012 26/08/2015 INDEFERIDO (UNANIMIDADE)

- absolvição dos acusados em função de prescrição

-

No julgamento de mérito da Ação Penal, o juiz indeferiu a denúncia do

MPF contra os diretores da Pagrisa sob a justificativa central da falta de provas.

163

BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal. Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4. Disponível em: www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/2007.868-0%20sentenca.tif.

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283

Segundo o referido juiz, num processo penal, o ônus da produção das provas é

todo da acusação, tendo em vista a necessidade de se respeitar os princípios

da inocência, da ampla defesa e da verdade real. No caso em questão, para o

juiz, o MPF não se esmerou o suficiente para a produção de provas que

atestassem a materialidade do crime imputado à Pagrisa.

Sob o princípio da inocência, o acusado é inocente até que se prove o

contrário, devendo a acusação cumprir diversos quesitos para conseguir aferir

a culpa ao acusado. Explica o juiz em sua decisão:

“Decorre desse princípio o dever da acusação de não só expor o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, mas também de: a) colacionar os documentos necessários à prova de suas alegações; b) arrolar e requerer a oitiva dos ofendidos e das testemunhas do crime; c) requerer a produção de prova pericial nos delitos que deixam vestígios; d) requerer inspeção judicial quando perceber que a prova pericial não será capaz de esclarecer todos os pontos; e) postular a produção antecipada de provas quando houver risco de que não possam ser produzidas por ocasião da instrução criminal; f) requerer a busca e apreensão de pessoas, documentos e coisas cuja apreensão não decorra do próprio flagrante etc. É fácil perceber que a inércia da acusação quanto à adoção de qualquer dessas importantes medidas pode inviabilizar a condenação criminal” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal.

Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p.10).

Sobre o princípio da ampla defesa, o juiz argumenta que o processo

penal para os casos de trabalho escravo deve ser ainda mais rigoroso no

cumprimento desse princípio, na medida em que o Estado, como sendo uma

das partes, é sempre o mais forte:

“No que pertine, especificamente, às ações de combate ao trabalho escravo, essa força do Estado é facilmente perceptível durante a realização das operações de resgate de trabalhadores, que, como regra, são levadas a efeito pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, verdadeira força tarefa federal (...). Ante a grandeza desse aparato, deve o juiz munir-se de muita cautela antes indeferir qualquer diligencia que venha a ser requerida pela defesa, mesmo ciente de que o deferimento poderá retardar o julgamento da causa” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal.

Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p.10).

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284

E sobre o princípio da verdade real, o juiz argumenta que, ainda que a

Pagrisa não explique todos os pontos levantados pela acusação, isso, por si

só, não é o suficiente para a constatação da culpa, devendo, mais uma vez, a

acusação se esmerar na produção das provas:

“Ao contrário do que ocorre no processo civil, no processo penal não se exclui do objeto da prova o chamado fato incontroverso, aquele admitido pelas partes, devendo o juiz investigar tudo o que lhe pareça dúbio e suspeito. Assim sendo, o só fato de o denunciado ter deixado de provar a regularidade dessa ou daquela atividade, ou de ter se omitido em contestar essa ou aquela imputação, não é suficiente para autorizar a edição de um decreto condenatório contra a sua pessoa, devendo a acusação se esmerar na produção da prova tendente a demostrar a veracidade das suas alegações. Resulta daí que, naqueles casos em que o ilícito, a um só tempo, venha a infringir tanto a lei civil (ou trabalhista) quanto a lei penal, é dever do Estado ser mais cuidadoso na reunião dos elementos de prova, de modo a viabilizar a efetividade repressora estatal em ambas as searas” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal

de Castanhal. Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p.10).

Sobre este ponto inicial acerca dos princípios do processo penal, já

podemos perceber algumas dificuldades com relação ao cumprimento desses

quesitos para a aferição da culpa dos acusados de utilizarem de trabalho

escravo. Como já apontado nos relatórios e avaliações apresentados no

Capítulo 2, diversos atores políticos e sociais responsáveis pelo avanço das

políticas de erradicação do trabalho escravo no Brasil apontaram as

dificuldades de trazer os trabalhadores resgatados para prestarem testemunho

em juízo, dada a própria natureza volante desses trabalhadores (que dificulta

sua localização) e a demora dos processos judiciais e da realização das

perícias, que tornam a inspeção judicial inócua diante da possibilidade de

alteração do quadro que fora denunciado. Essa foi uma das razões, inclusive,

que levaram às melhorias e fortalecimento da estrutura do GEFM, para que ele

se guiasse juridicamente e fossem diminuídas ao máximo as possibilidades de

questionamento de sua atuação.

Para o juiz, no entanto, a forte estrutura que detinha o GEFM no período

da fiscalização da Pagrisa foi tomada como mais uma razão para se arvorar a

defesa dos princípios da inocência, da ampla defesa e da verdade real, na

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285

medida em que se tratava de uma verdadeira “força tarefa” do Estado contra

um cidadão comum. Para ele, portanto, não bastavam as provas colhidas pela

fiscalização. Por melhor que ela tivesse sido, as provas por ela colhidas teriam

que ser ratificadas em juízo, sob o crivo do contraditório, ou, no mínimo, teriam

que se mostrar harmônicas com os elementos colhidos em juízo, não podendo,

sozinhas, embasar a condenação do acusado.

O juiz chega a argumentar que se as provas colhidas pela fiscalização

não mais tivessem vestígio, em função do tempo decorrido, era preciso que o

MPF tivesse se atentado para a prova testemunhal, ainda que fosse difícil

encontrar os trabalhadores para o depoimento:

“O que se observa no presente caso é que a acusação não protestou por produção antecipada de provas, com vistas a comprovar os fatos configuradores de trabalho degradante. Em razão da migração de mão-de-obra que marca a atividade, seria naturalmente difícil repetir em Juízo os depoimentos dos supostos ofendidos, tal providência era de fundamental importância para a formação do convencimento do magistrado, que haverá de ser baseado na livre apreciação da prova, produzida sob contraditório judicial. Ao negligenciar a esse respeito, a acusação acabou por inviabilizar um juízo mais preciso sobre a qualidade da água e da alimentação consumidas pelos obreiros, assim como sobre as condições de trabalho, de habitação, de salubridade e de segurança então praticadas” (BRASIL. Justiça Federal

da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal. Sentença na Ação Penal

2007.39.04.000812-4, p. 11).

“Não fosse o bastante, a acusação desistiu da oitiva de quase todos os trabalhadores que havia arrolados como ofendidos, cabendo, a propósito, observar que essa é uma prova que se revela especialmente relevante na apuração de crimes contra a pessoa...” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal.

Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p. 11).

“Assim, o acervo probatório ficou restrito a algumas fotografias, a depoimentos de testemunhas e às declarações do único ofendido ouvido em Juízo, sendo esses os elementos que fundamentação a análise da materialidade de cada conduta imputada aos acusados” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal.

Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p. 11).

Assim, as provas trazidas pelo relatório de fiscalização do GEFM não

valeram de nada para o juiz, pois não foram reafirmadas em juízo, sob o crivo

do contraditório. As provas trazidas pela Pagrisa, ao contrário, mostraram-se,

segundo o juiz, harmônicas com os depoimentos prestados em juízo pelas

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testemunhas trazidas pela defesa. Enquanto os auditores os auditores fiscais

ficaram “impressionados com o cenário encontrado nos alojamentos”, por

exemplo, e deixaram de fazer a competente medição do espaçamento entre as

redes, o relatório de fiscalização da FETAGRI registrou a existência na Pagrisa

de 27 alojamentos para trabalhadores do corte de cana, todos com os

marcadores de Rede, tendo em média entre um marcador e outro 105 cm, de

acordo, portanto, com o padrão exigido pela legislação trabalhista.

E, ainda que o relatório de fiscalização da FETAGRI tenha sido feito

alguns dias após a ação do Grupo Móvel, o que poderia ensejar inovação na

situação de fato, suas conclusões não destoam dos depoimentos colhidos em

juízo (de trabalhadores, de representantes de associação de trabalhadores, de

deputados e senadores e outros), como nos exemplos abaixo:

“... Que quando presta serviço para empresa Pagrisa o local de dormir é bom, existe cama, beliche e rede...Que cada turma é formada por quarenta e poucas pessoas e que em cada alojamento existem quarenta e poucas pessoas; Que as pessoas não se referem aos alojamentos como lameiros; Que os alojamentos são grandes; que as beliches não ficam nos alojamentos, só quando o trabalhador pede; que as beliches tem colchão; que a distância entre uma cama e outra é boa; que nos alojamentos tem filtros de água potável”

“... nos alojamentos tinha poço artesiano, caixa d’água, armadores de rede, bebedouros elétricos, sanitários, lavanderias, chuveiros”

“Os alojamentos me parecem em bom estado”

“... as instalações destinadas ao alojamento de trabalhadores visitadas pelo depoente ostentavam condições necessárias para a finalidade a que se destinavam” (BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região.

Vara Federal de Castanhal. Sentença na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, p.12).

Também sobre outras acusações, o juiz permanece assentado sobre o

mesmo argumento de que a acusação não foi capaz de reproduzir em juízo a

materialidade das provas, no que, mais uma vez, prevaleceram as provas

trazidas pela defesa e os depoimentos prestados ao seu favor em juízo, seja no

que tange à disponibilização de água potável, à comida, aos refeitórios, às

instalações sanitárias, às jornadas exaustivas, à imposição sobre os

trabalhadores para trabalharem mesmo doentes, à remuneração e ao sistema

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de servidão por dívida. Nenhum dos aspectos apontados pela fiscalização

foram considerados pelo juiz.

Especialmente no que tange à servidão por dívida, o juiz aponta que,

ainda que houvesse a cobrança de medicamentos e descontos referentes à

alimentação, e ainda que tais cobranças e descontos fossem comprovadas ou

não negadas em juízo, elas não poderiam ser consideradas como fatores de

retenção dos trabalhadores, pois os trabalhadores estavam livres para ir e vir.

O juiz, assim, em pleno ano de 2011 – quando o tema da servidão por dívida já

estava incorporado em lei e adotado por diversas autoridades, inclusive pela

OIT, para ampliar a caracterização do trabalho escravo para além da privação

da liberdade de ir e vir – defende que ainda que existam dívidas, elas não são

concluintes de que o trabalhador estava em servidão ou em trabalho escravo,

na medida em que estariam livres para ir e vir e não estariam sob vigilância

armada. Em razão desse entendimento, o juiz justifica seu posicionamento

elencando depoimentos de testemunhas que disseram que:

“... desconhece que algum funcionário da empresa Pagrisa tenha sido impedido de sair em função de dívidas”

“... nunca ouviu comentários ou recebeu qualquer reclamação acerca de funcionários que estivessem impedidos de sair da empresa Pagrisa por eventuais dívidas”

“Que nunca teve conhecimento da existência de qualquer trabalhado que tenha sido impedido de sair da empresa por dúvidas”

“Quando quer fazer as compras existe um ônibus para transportar os trabalhadores para a cidade... Que o transporte para a cidade é gratuito”

“... nunca tomou conhecimento de alguém ter sido impedido de sair da fazenda por estar endividado com os patrões...”

“nunca soube de algum funcionário ser proibido de sair da empresa por dívida”

“a empresa Pagrisa fornece ônibus para que seus funcionários possam se deslocar até a cidade”

“desconhece que algum trabalhador tenha ficado retido na empresa por dívida, ou que tenha sido destratado. Citou como benefícios dos trabalhadores a facilidade de comprar nas farmácias, com o pagamento de metade pela empresa, além de consultas e produtos oftalmológicos, crédito na sede do município, escola e curso técnico. Se o trabalhadores preferir médico de Ulianópolis, a empresa paga parte da consulta e parte do medicamento. O que a empresa oferece é gratuito (enfermaria), inclusive medicamentos” (BRASIL. Justiça

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288

Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal. Sentença na Ação Penal

2007.39.04.000812-4, p. 17).

O juiz chega a reconhecer, citando autores como José Cláudio Monteiro

de Brito Filho e Ela Wiecko de Castilho, que o conceito de trabalho escravo

hoje não pode mais se limitar à questão da violação da liberdade física, na

medida em que pode se estabelecer através do trabalho forçado ou jornada

exaustiva, do trabalho em condições degradantes ou através da servidão por

dúvida. Para o juiz, contudo, nenhuma dessas possibilidades de trabalho

escravo foi confirmada pelas provas em juízo.

Ele aponta que a questão da degradância não é algo fácil de ser

definido, uma vez que a Lei 10.803/2003 também não ajuda a esclarecer essa

questão. Ao descrever o que é degradância, o juiz adota ponto de vista

semelhante ao do próprio GEFM, que faz referência à falta de garantias

mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de

trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Mas, para o caso em

questão, nenhum desses problemas foi atestado, segundo o juiz, na Fazenda

Pagrisa, indeferindo, assim, a Ação Penal movida pelo MPF contra a empresa.

Inconformado com a decisão, o MPF entrou com uma petição, com

recurso de apelação164, requisitando a remessa do processo para o TRF da 1ª

Região, pedido que foi deferido em 24/01/2012 e cumprido em 16/02/2012,

quando a remessa foi feita.

Em sua petição, o MPF recupera as informações do relatório de

fiscalização do GEFM para enfatizar a situação encontrada na Fazenda e

argumentar que ele não pode ser afastado unicamente pelo fato de ter sido

produzido na fase pré-processual. Ressalta, primeiramente, não somente a

natureza migratória dos trabalhadores em questão como algo que dificulta a

sua oitiva em juízo anos depois da fiscalização, bem como os problemas de se

realizar perícias e laudos anos depois do ocorrido, quando as provas já não

164

BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal. Petição na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, em 18/01/2012. Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2012/arquivos/copy_of_Apela%20Pagrisa.pdf.

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mais existiam ou foram modificadas. Em segundo lugar, reafirma a qualidade

técnica do laudo do GEFM, e o cumprimento das normas legais a ele

pertinentes, sendo que no presente caso o relatório foi elaborado por

profissionais do Ministério do Trabalho, qualificados para auferir as condições

de trabalho e salubridade do ambiente de trabalho, tendo obedecidos todos os

procedimentos legais. Ressalta, ainda, que embora a empresa tente

desqualificar a atuação do Grupo Móvel atacando o seu coordenador, é

importante lembrar que o Grupo é constituído por diversos outros auditores

fiscais e autoridades, que não apenas assinaram o conteúdo descrito no

relatório, como também o confirmaram em juízo. Assim, o relatório não pode

ser afastado unicamente por ter sido feito na fase pré-processual.

O MPF cita, ainda, longo trecho de lição do curso de Processo Penal de

Eugênio Pacelli de Oliveira:

“Como regra, vimos que todas as provas devem se submeter ao contraditório, devendo também ser produzidas diante do juiz, na fase instrutória. Isso porque a prova produzida na fase investigatória tem por objeto o convencimento e a formação da opinio delecti do órgão da acusação. Recebida a denúncia ou a queixa, todas elas, em princípio, deverão ser repetidas.

Ocorre, entretanto, que muitas vezes se faz necessária a produção imediata da prova pericial, antes do encerramento da fase de investigação, até mesmo para a comprovação da materialidade do delito e identificação de sua autoria.

Por isso, em razão da natureza cautelar que informa tais provas, não será possível (e nem há previsão legal) a participação da defesa na produção da prova. E mais: a prova também não será produzida diante do juiz, porque ainda não provada a jurisdição. Relembre-se que a participação do juiz na fase pré-processual é permitida apenas na tutela das liberdades públicas e dos direitos e garantias individuais, bem como do controle cautelar da efetividade do processo. Nesses casos, fala-se no contraditório diferido.

Desnecessário insistir na inconveniência de nosso modelo de investigação criminal. É claro que determinadas medidas devem mesmo ser encetadas sem conhecimento e sem participação da defesa, sob pena de inviabilização completa da persecução penal. Mas a prova pericial deveria sempre que possível contar com a contribuição e a fiscalização da defesa, desde o início, para a garantia não só do contraditório, mas sobretudo, da amplitude da defesa.

No ponto, a lei 11.690/08, embora portadora de grandes inovações sobretudo no que respeita à possibilidade de participação do assistente técnico indicado pelas partes, não resolveu o problema

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essencial. E isso porque a atuação da defesa sobre o objeto periciado somente será possível após a celebração do laudo oficial e quando já em curso a ação penal, isto é, depois da fase de investigação. Consulte-se, a respeito, o disposto no art. 159, § 4º e § 5º, CPP.

Em tais situações, uma vez produzida a prova pericial, o contraditório somente será realizado já perante a jurisdição, e limitado ao exame acerca da idoneidade do(s) profissional(is) responsável(is) pela perícia e das conclusões por ele(s) alcançada(s), quando já periciado o material. Nesse campo, o objeto da prova, na maior parte das vezes, será a qualidade técnica do aludo, e, particularmente, o cumprimento das normas legais a ele pertinentes, por exemplo, a exigência de motivação, de coerência, de atualidade e idoneidade etc.

Evidentemente, a hipótese a que agora estamos nos referindo é aquela em que não há mais a possibilidade de realização de nova perícia, ou seja, quando não existir mais objeto periciado, por alteração do estado de coisas ou pelo desaparecimento da própria coisa”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli, 2009: pp. 377-378 apud BRASIL. Justiça Federal da 1ª Região. Vara Federal de Castanhal. Petição na Ação Penal 2007.39.04.000812-4, em 18/01/201).

O MPF cita também jurisprudência do STJ para dizer que, no presente

caso, apesar da fiscalização e seu competente relatório ter sido realizado em

junho e julho de 2007, com a ação penal ajuizada em setembro de 2007, a

instrução processual só foi realizada no final de 2011, o que inviabilizava a

realização de nova vistoria na sede da empresa dos apelados, conforme

exposto pelo próprio juízo, que indeferiu pedido de defesa de inspeção judicial,

visto que não teria mais utilidade em razão do longo tempo decorrido.

Desta forma, argumenta o MPF, o relatório do Grupo Especial deve ser

aceito como prova. E é importante lembrar também que o juízo aceitou e

fundamentou a absolvição dos diretores com base em relatório juntado por

eles, que foi elaborado pela FETAGRI e só fora juntado apenas no dia

01/09/2009 pela petição, sem que houvesse a participação do MPF ou do

perito apontado pela Justiça. Ou seja, se o relatório do Grupo Móvel precisaria

ser refeito sob contraditório judicial, o relatório produzido pela FETAGRI

também o deveria.

Em 16/03/2012, o Recurso de Apelação do MPF foi autuado no TRF da

1ª Região, como mostra o último processo da tabela de processos do Caso

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Pagrisa na Justiça Federal. A decisão sobre este Recurso foi a última

movimentação encontrada para o caso Pagrisa na Justiça Federal, muito

depois dos diversos outros processos terem tramitado e sido julgados.

Em 26 de agosto de 2015, o TRF da 1ª Região indeferiu, por

unanimidade, o Recurso de Apelação do MPF, absolvendo os réus do crime de

redução de outrem a condição análoga à de escravo. E quanto aos crimes de

exposição da vida e da saúde dos trabalhadores a perigo direto e iminente, e

de frustração, mediante fraude ou violência, de direito assegurado pela

legislação do trabalho, o Tribunal julgou extinta a punibilidade, ao passo que

ambos já tinham sido prescritos ainda no ano de 2012.

Em seu voto relator e condutor da decisão, o Desembargador Mario

Cesar Ribeiro seguiu a mesma base argumentativa do juiz de primeiro grau,

apontando a falta de provas que atestassem a materialidade dos crimes.

Destacou, ainda, o que chamou de “fragilidade da acusação”, que não foi

capaz de comprovar a materialidade de nenhuma das acusações feitas pelo

GEFM em juízo, ao passo que a defesa, tanto nos relatórios juntados aos autos

quanto nos depoimentos e provas produzidos em juízo, demonstrou harmonia e

a atipicidade das condutas denunciadas pelo GEFM.

Entre essas duas decisões mais importantes referentes ao Caso Pagrisa

na Justiça Federal (que são, respectivamente, o primeiro e o último processo

autuado nessa Justiça com relação ao caso), podemos encontrar os demais

processos e decisões, a maioria, inclusive de indeferimento a diretores da

Pagrisa ou à empresa como um todo.

Em 24/10/2007, como mostra a tabela de processos do Caso Pagrisa na

Justiça Federal, foi autuada na Vara Federal de Castanhal o pedido de

Representação Criminal (2007.39.04.000.962-0)165 da Pagrisa contra o Auditor-

Fiscal que coordenava o GEFM durante a fiscalização na empresa, sobre quem

cairia mais tarde na imprensa suspeita de corrupção no exercício de sua

165

Para consultar o processo, ver: https://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=200739040009620&secao=CAH&pg=1&enviar=Pesquisar.

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atividade. Segundo a Pagrisa, o auditor-fiscal teria incorrido nos crimes de

falsidade documental, constrangimento ilegal e abuso de autoridade quando da

fiscalização da empresa.

No link do processo da Representação Criminal, não se encontra

nenhum documento disponível para consulta, nem mesmo o da decisão de

indeferimento tomada no dia 28/11/2007 pela juíza de primeiro grau. Parte da

justificativa dessa decisão, no entanto, foi citada pela União em uma de suas

petições na esfera trabalhista166 para demonstrar que a Pagrisa vinha tentando

de todas as formas deslegitimar o trabalho do GEFM, mas que a Justiça não

compactuava com esta tentativa. Segundo a citação feita na referida petição, a

juíza justificou o indeferimento da Representação Criminal da seguinte forma:

“... a atuação dentro do estrito dever legal não caracteriza crime e era dever funcional dos auditores, caso entendessem caracterizada a presença das condições degradantes de trabalho proceder a rescisão contratual de trabalho dos empregados que lá se encontraram e convoca-los para que tivessem ciência do que estava ocorrendo, pois mesmo que lá quisessem continuar não poderiam, já que a ninguém é dado o direito de escravizar-se, mesmo que o queria, pois a dignidade humana é direito fundamental assegurado na Constituição Federal de 1988”.

As suspeitas que vinham sendo levantadas em torno do coordenador do

GEFM não encontraram terreno para se arvorar no campo judicial. Ainda que

as decisões analisadas, tanto na esfera trabalhista quanto na federal, apontem

deficiências na ação do Grupo; e ainda que os juízes optem, por diversos tipos

de argumento, por não considerar o relatório de fiscalização do GEFM, não se

questiona a legalidade ou a idoneidade daquele instrumento de fiscalização do

trabalho. Neste ponto, portanto, o Judiciário não se coloca ao lado da empresa

e dos senadores que utilizaram a Comissão para deturpar a imagem do GEFM.

Nos demais processos, podemos observar, sobretudo, uma discussão

travada não sobre a questão do trabalho escravo propriamente dita, mas sobre

o papel e a função do juiz no processo penal, discussão que nos remete

166

Trata-se do Mandado de Segurança 0070600-24.2008.5.08.0000 de autoria da União e que foi autuado no TRT da 8ª Região em 17/12/2008.

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facilmente a estabelecer conexões com as questões e problemas levantados

no primeiro capítulo deste trabalho.

Quatro outros processos que se encontram entre o início e o fim do

Caso Pagrisa na Justiça Federal, são processos em que um dos diretores da

Pagrisa, Fernão Villela Zancaner, tenta se eximir de responsabilidade e, assim,

ser excluído da lista de acusados da Ação Penal movida pelo MPF.

Sua primeira tentativa se dá com uma petição de Habeas Corpus

(2007.01.00.054079-4)167, com pedido de liminar, encaminhado ao TRF da 1ª

Região, e recebido em 22/11/2007. Nesta ação, o diretor pede a retirada de

seu nome como réu na Ação Penal (já analisada) movida pelo MPF, alegando

ilegalidade na ação, tendo em vista que não exercia nenhuma atividade na

Fazenda Pagrisa no período em que foi realizada a fiscalização do GEFM.

Em 18/12/2007, o TRF da 1º Região indeferiu, por unanimidade, o

pedido de Habeas Corpus do diretor168. Em seu voto, o Desembargador

Tourinho Neto, então relator do caso, aponta que o MPF imputou incisiva e

claramente a prática de atos criminosos pelo Diretor Fernão Villela Zancaner,

demonstrando através de documentos e atas de reuniões da empresa que ele

ocupava cargo de diretoria durante a realização da fiscalização do GEFM.

Inconformado com a decisão, o diretor entrou com Habeas Corpus (nº

100462/PA ou 2008/0035512-2)169, com pedido de liminar, no Superior Tribunal

de Justiça, que recebeu a ação no dia 14/02/2008. Fernão Villela pedia a

nulidade da decisão do TRF, bem como um novo julgamento, na medida em

que a sessão que decidiu sobre o seu Habeas Corpus foi majoritariamente

167

Para consulta do andamento processual:

http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=200701000540794&secao=TRF1&pg=1&enviar=Pesquisar.

168 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 4ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

2007.01.00.054079-4/PA. Relator: NETO, Tourinho. Disponível em: http://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=200701000540794&pA=200701000540794&pN=524917220074010000.

169 Para consulta do andamento processual:

https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=HC100462&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO.

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composta por juízes convocados, fato que fere, segundo o diretor, o princípio

do juiz natural e do due process of law.

Poucos dias depois do recebimento da ação, o STJ indeferiu, por

decisão monocrática, o pedido de liminar em Habeas Corpus de Fernão

Villela170, sob a alegação rápida da Ministra Laurita Vaz de que não fora

vislumbrado o fumus boni iuris.

Em 10/06/2009, por fim, o pedido de nulidade da sentença do TRF da 1ª

Região é deferido, por unanimidade, pelo STJ171, que reconheceu o problema

da sessão composta majoritariamente por juízes convocados e não por

titulares. Foi então demandado que o TRF da 1ª Região desarquivasse o

processo de Habeas Corpus e realizasse um novo julgamento, desta vez em

sessão composta em sua maioria por juízes titulares do Tribunal.

O processo de Habeas Corpus foi então desarquivado em 17/06/2008 no

TRF da 1ª Região, e novamente julgado em 24/06/2008, em que o diretor

obteve o mesmo resultado que anteriormente. O Tribunal, dessa vez em

sessão composta em sua maioria por juízes titulares, novamente indeferiu, por

unanimidade, o pedido de habeas corpus de Fernão Villela172. O

desembargador relator, Tourinho Neto, repetiu os argumentos dados

anteriormente, apontando que a denúncia do MPF foi clara acerca do cargo e

da responsabilidade do diretor na Pagrisa na época da fiscalização.

170

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática no Habeas Corpus nª 100.462/PA. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=3717809&num_registro=200800355122&data=20080228&formato=PDF.

171 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática no Habeas Corpus nª

100.462/PA. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em:: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=792791&num_registro=200800355122&data=20080630&formato=PDF.

172 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 4ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

2007.01.00.054079-4/PA. Relator: NETO, Tourinho. Disponível em: http://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=200701000540794&pA=200701000540794&pN=524917220074010000.

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Novamente inconformado, o diretor entrou com outro Habeas Corpus173,

com pedido de liminar no STJ, autuado em 01/08/2008. Fernão Villela pedia

mais uma vez pela retirada do seu nome como réu na Ação Penal movida pelo

MPF contra a Pagrisa, alegando não ocupar cargo de responsabilidade na

empresa quando da fiscalização do GEFM.

Em sede liminar, o pedido foi mais uma vez indeferido, em 05/08/2009,

por decisão monocrática da ministra Laurita Vaz174, que mais uma vez

argumentou não se vislumbrar o fumus boni iuris, além de apontar que o

pedido de liminar se confundia com o próprio mérito da ação, pois se ela

concedesse a liminar, para garantir a “fumaça do bom direito”, do devido

processo ou justo, ela o faria reconhecendo, sem ter certeza, que o diretor não

tinha responsabilidade e que, por isso, caberia a liminar.

Segundo podemos observar no andamento processual do caso, o

julgamento de mérito do Habeas Corpus demorou a acontecer em função de

inúmeras petições que foram encaminhadas e que pediam, em sua maioria, a

juntada e anexação de documentos ao processo, provavelmente para dar mais

provas da responsabilidade e da conduta do acusado175. Com isso, a decisão

de mérito sobre o Habeas Corpus só foi sair em 16/12/2010, com o

indeferimento do pedido, mas agora por maioria de votos176.

Segundo o voto da relatora, ministra Laurita Vaz, a denúncia feita pelo

MPF foi competente em mostrar o vinculo do diretor com a empresa no período

173

Para consulta do andamento processual: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=HC112852&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO.

174 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática em Liminar no Habeas Corpus

112.852. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=4143228&num_registro=200801730456&data=20080814&formato=PDF.

175 As petições que foram encaminhadas durante esse processo não se encontram disponíveis

para consulta. A única descrição que aparece é que são petições para juntada de documentos. Por isso a suposição de que seriam para encaminhar mais provas sobre a conduta do acusado.

176 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus 112.852.

Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em: Para consulta da decisão: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1026366&num_registro=200801730456&data=20110426&formato=PDF.

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da fiscalização. Para ela, a denúncia não é inepta, mas, simplesmente,

apresenta caráter geral, cabendo posteriormente à instrução criminal a

responsabilidade de averiguar a responsabilidade e a ligação de cada acusado

com os crimes cometidos. E, em nenhum momento o acusado foi limitado em

sua ampla defesa.

Ao acompanhar o voto da relatora, o ministro Gilson Dipp argumentou

que os documentos trazidos na denúncia do MPF mostravam não apenas que

Fernão Villela exercia cargo de responsabilidade na Pagrisa no momento da

fiscalização, como exercia cargos semelhantes há muito tempo em outras

fazendas da empresa. Segundo o ministro, parecia

“... razoável reconhecer que o paciente, tendo trabalhado em outra fazenda do grupo durante muitos anos, tivesse suficiente conhecimento das condições de trabalho naquela região do Estado do Pará e, certamente das práticas da empresa e da política de pessoal adotada” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma.

Acórdão no Habeas Corpus 112.852. Relatora: VAZ, Laurita, p. 18).

O ministro vai além e aponta que, pelos documentos anexados ao

processo, é possível perceber que o acusado, assim como os demais, “tinham

conhecimento das condições análogas à de escravo impostas aos seus

trabalhadores, “consciente e livremente”, inclusive atuando por seus fiscais de

tarefa”. Para o ministro,

“...no presente caso, percebe-se toda uma organização de trabalho criada de forma irregular desde o início, isto é, intrinsecamente ligada ao modo de operação da empresa, revelando sua própria essência, na medida em que a produção depende obrigatoriamente de um regime de trabalho estabelecido em evidente violação às normas legais, e que se perpetuou durante anos, reduzindo os trabalhadores à condição análoga à de escravo, expondo-os a perigo direto e iminente, e frustrando seus direitos assegurados pela legislação trabalhista.

Trata-se de uma situação de domínio conscientemente estabelecida sobre seus trabalhadores como forma de execução do fim principal da empresa, como parte do seu modo de funcionamento” (BRASIL.

Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

112.852. Relatora: VAZ, Laurita, pp. 18-19).

Argumenta, ainda, que se não é razoável que não se apresente

detalhadamente na denúncia a responsabilidade e o crime imputado a cada

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acusado, também não é razoável que a Justiça não receba uma ação penal

quando as dificuldades para a aferição da conduta sobre cada acusado são

dadas pela própria condição da empresa, que é a de ser “uma empresa

familiar, de capital fechado e domiciliado no local dos fatos” (BRASIL. Superior

Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus 112.852. Relatora:

VAZ, Laurita, p. 17).

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, por sua vez, que teve seu voto

vencido, pautou-se, justamente, no fato da denúncia não ter especificado a

conduta que é imputada a cada um dos acusados, fato que, para ele, deturpa o

papel do juiz e dificulta a ampla defesa do acusado.

Para ele, soa absurdo que o juiz tenha que ficar revirando os anexos da

denúncia para verificar relações que era dever do denunciante fazer, pois o juiz

acaba sendo deslocado da sua função de julgador para uma “função

complementar da acusação”:

“Penso que a denúncia não pode remeter a imputação para peças anexas. Então, não se pode esmiuçar as peças anexas, porque, ao se fazer isso, coloca-se nas mãos do juiz a responsabilidade de encontrar, dentro das peças anexas, aqueles elementos que servem para a imputação ou para a elucidação da imputação. E isso, além de tirar o juiz da sua neutralidade, o responsabiliza pela própria imputação, porque vai pertencer a ele identificar aquilo que vai servir para a imputação. Isso significa, a meu ver, quebrar o princípio acusatório e colocar nas mãos do juiz uma responsabilidade que não é e nem deve ser dele”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus 112.852. Relatora: VAZ, Laurita, p. 18).

Ou seja, se o denunciante não cumpre a sua função, que é o ônus da

produção das provas, esmerando-se da melhor forma possível nessa tarefa,

não é o juiz quem o deve fazer, sob o risco de atropelar os princípios da

inocência, da ampla defesa, da verdade real, e também da neutralidade do juiz.

O ministro ressalva que não tem dúvidas quanto à materialidade do

crime, tendo em vista o que fora descrito pela denúncia, especialmente se

tratando de Fazenda localizada no Pará. Mas ressalva que uma denúncia

precisa estar completa, qualidade que a denúncia do MPF não teria:

“Não tenho dúvida quanto à materialidade, aliás, para se saber que no Pará acontecem essas coisas nem precisava dessa denúncia. É

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algo sabido, consabido e ressabido de que as fazendas do Pará operam ao modo arrepiante dos direitos fundamentais e, até mesmo, dos direitos humanos. Mas isso não abre a possibilidade, penso eu, de denunciar alguém só por ser dirigente ou proprietário de uma fazenda. É preciso que se descreva minimamente em que consistiu a participação do imputado, para formar o liame da agressão aos direitos humanos e às prerrogativas trabalhistas desses empregados” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas

Corpus 112.852. Relatora: VAZ, Laurita, p. 21-22).

E, assim, o STJ indeferiu por maioria de votos o Habeas Corpus de

Fernão Villela Zancaner.

Mais uma vez inconformado, o diretor da Pagrisa Fernão Villela

Zancaner encaminha Habeas Corpus (HC108299 ou 9931585-

17.2011.1.00.0000)177, com pedido de liminar, agora para o Supremo Tribunal

Federal. O pedido é recebido em 06/05/2011 e já no dia 16/05/2011, é

indeferido, por decisão monocrática da ministra Ellen Gracie, sob o argumento

da não existência do fumus boni iuris.

Após petição da Procuradoria-Geral da República se manifestando pelo

indeferimento do Habeas Corpus em 19/07/2011, e após a substituição da

relatora Ellen Gracie pela ministra Rosa Weber em 19/12/2011, o STF julgou

prejudicado, em 10/03/2012 por decisão monocrática, o Habeas Corpus de

Fernão Villela Zancaner. O pedido foi julgado prejudicado em função de, a essa

altura, a Ação Penal já ter sido julgada na instância de primeiro grau, que,

como já vimos, indeferiu a denúncia do MPF e absolveu os acusados dos

crimes a eles imputados.

Por fim, a Pagrisa ainda foi autora de mais dois outros processos que se

desenrolaram entre o início e o fim do Caso Pagrisa na Justiça Federal,

também nos trazendo aspectos interessantes para entendermos a atuação do

Judiciário no caso, agora acerca da controversa “Lista Suja” do Ministério do

Trabalho e Emprego.

177

Para consulta do andamento processual: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=108299&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M.

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Em 28/11/2008, foi autuado no STJ um Mandado de Segurança da

Pagrisa (MS14017/DF ou 2008/0271496-6) 178, com pedido de liminar, contra a

inclusão da empresa na “Lista Suja” (Portaria 540/2004 do MTE). A Pagrisa

alega que a referida “Lista Suja” é inconstitucional, na medida em que tem

caráter punitivo e não apenas informativo. Além de ser divulgada publicamente,

sem a devida preocupação com os princípios da inocência, da ampla defesa e

do contraditório, a Lista Suja acarreta prejuízos concretos às empresas que são

nela inseridas. É através da Lista Suja, argumenta a Pagrisa, que as empresas

que aderiram ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo se

guiam em suas relações comerciais, na medida em que ficam “proibidas” de

comercializar com as empresas “sujas”. Ou seja, o dano da Lista Suja é

concreto e tem claro caráter punitivo, mas sem respeito ao contraditório, que é

princípio essencial para o tratamento de questões penais, como é o caso do

crime do trabalho escravo.

A empresa alega, ainda, que não explora trabalho escravo, e que, três

meses antes da fiscalização realizada pelo GEFM, que ocorreu nos meses de

junho e julho de 2007, ela foi fiscalizada pelo MPT (entre os dias 26/02/2007 e

23/03/2007) e nada foi constatado com relação a condições análogas a de

escravo.

Justifica também a urgência da liminar, ao passo que a atualização da

referida Lista ocorreria em dezembro de 2008, com a inclusão de seu nome, o

que causaria uma série de prejuízos à empresa e, consequentemente, aos

próprios trabalhadores, que poderiam perder seus empregos em função de

possível falência da Pagrisa.

Poucos dias depois, em 10/12/2008, o STJ indeferiu, por decisão

monocrática do ministro relator Herman Benjamin, a liminar da Pagrisa179. Em

178

Para consulta do andamento processual: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=MS14017&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO.

179 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática na Liminar em Mandado de

Segurana 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=4516681&num_registro=200802714966&data=20081212&formato=PDF.

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sua justificativa, o ministro aponta não reconhecer o perigo iminente para a

concessão de liminar, além de apontar que o Mandado de Segurança não é

instrumento para questionamento de constitucionalidade de leis.

Em 18/12/2008, é autuado no STJ um Agravo Regimental no Mandado

de Segurança da Pagrisa, contra a decisão que indeferiu a liminar, pedindo sua

reconsideração. A empresa alega que não se trata de Mandado de Segurança

contra lei em tese, pois dirige-se contra ato concreto do Ministro do Trabalho e

Emprego, que determinou a inclusão do nome do agravante na lista. O pedido

não se volta, portanto, contra a legalidade da Portaria nº 540/2004, e sim

contra ato do Ministro.

A respeito do perigo iminente de dano, a Pagrisa argumenta que o

Ministério da Integração Nacional editou a Portaria 1.150/2003, que determina

o encaminhamento semestral desse cadastro aos bancos administradores dos

Fundos Constitucionais de Financiamento, com recomendação para que se

abstenham de conceder créditos às pessoas físicas e jurídicas que o integrem,

o que seria uma comprovação clara do dano iminente.

Em 19/12/2008, apenas um dia depois da autuação do agravo, a decisão

sobre a liminar foi reconsiderada e, assim, concedida à Pagrisa180. Em sua

justificativa, o ministro relator Herman Benjamin faz juízo de retratação e

conclui que havia o perigo iminente, dadas as consequências da Portaria do

Ministério da Integração Nacional e do Pacto Nacional pela Erradicação do

Trabalho Escravo, além da atualização da Lista no referido mês.

A decisão sobre o mérito do Mandado de Segurança ocorreu em

27/05/2009, quando o STJ indeferiu, por unanimidade, o pedido da Pagrisa181.

Segundo o voto do ministro relator, a Portaria do Ministério da Integração

180

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Agravo Regimental 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=4585571&num_registro=200802714966&data=20090202&formato=PDF.

181 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de Segurana

14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=888248&num_registro=200802714966&data=20090701&formato=PDF.

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Nacional, assim como a atualização da Portaria 540/2004 do Ministério do

Trabalho e Emprego representavam, de fato, perigo iminente, justificando a

concessão da liminar, mas não são instrumentos que podem ser acusados de

inconstitucionalidade e nem mesmo de impedirem o contraditório e a ampla

defesa do acusado. Tratam-se, para o ministro, de instrumentos pautados em

princípios constitucionais, que, por sua vez, não devem ficar, num conceito de

legalidade muito atrasada, num plano abstrato das normas, mas sim traduzidas

em instrumentos públicos efetivos para que possam ser de fato garantidos.

Segundo o ministro, assim, a “Lista Suja”

“...concretiza os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da valorização do trabalho (art. 1º, IV, CF), bem como prestigia os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicar a pobreza, de reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos (art. 3º, I, III, IV, CF).

Em acréscimo, tal ato foi aprovado em conformidade com a regra do art. 21, XXIV, da CF, que prescreve ser da competência da União “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”.

(...)

No caso em análise, a Portaria MTE 540/2004 surgiu como mais um instrumento de realização do programa social previsto na Constituição de 1988, motivo porque beira o absurdo sustentar a sua inconstitucionalidade”. (p. 14)

Argumenta, ainda, que a Lista Suja não apenas concretiza princípios

constitucionais, como concretiza também

“...tratados e convenções internacionais de caráter geral, que seguindo a teoria do monismo moderado ingressam no Direito brasileiro com status de lei ordinária...Apenas para citar algumas dessas normas, relembro a Convenção sobre a Escravatura (Decreto 58.562/1966) e as Convenções da OIT 29 e 105, ambas ratificadas pelo Brasil (Decreto 41.721/1957 e Decreto-Lei 58.882/1966). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de Segurana 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman, p. 14).

Ou seja, o ministro concorda e defende a ideia de que as políticas

brasileiras voltadas para a erradicação do trabalho escravo no Brasil estão de

acordo com os princípios constitucionais e internacionais de justiça, não sendo

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possível ao Judiciário reconhecer qualquer inconstitucionalidade nessas

políticas. O ministro se coloca, assim, ao lado de tais políticas.

E no que tange à alegação da Pagrisa de que a Lista Suja seria

inconstitucional na medida em que ensejaria punições sem o respeito à ampla

defesa, o ministro argumenta apontando que a empresa teve o princípio da

inocência respeitado:

“O princípio em questão não poder servir de bandeira para macular o ato administrativo que determinou a inclusão do nome da empresa no Cadastro em estudo, após a conclusão de processo administrativo em que se oportunizou ao investigado o pleno exercício das garantia da ampla defesa e do contraditório” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de Segurança 14017/DF.

Relator: BENJAMIN, Herman, p. 15)

Para o ministro, as tais “punições” são, na verdade, “recomendações”

pautadas pelo princípio da transparência pública dos atos do poder público

federal:

“Vale lembrar que o processo administrativo rege-se pelos Princípios da Administração Pública, dentre os quais se inclui o Princípio da Publicidade. (...) o Cadastro... não tem por objeto primário penalizar a empresa, mas assegurar, preponderantemente, transparência à atuação da Administração Pública, com isso mantendo a sociedade informada sobre as ações dos órgãos públicos destinados a erradicar o trabalho degradante” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de Segurança 14017/DF. Relator: BENJAMIN,

Herman, p. 16).

Por fim, ao falar sobre o argumento da Pagrisa sobre a

inconstitucionalidade da Lista Suja em função dos prejuízos que ela causa, o

ministro compara a função da Lista Suja com a função exercida por cadastros

como o SERASA e SPC:

“Como se vê, os prejuízos econômicos decorrem da reação das “grandes distribuidoras de combustível”, que firmaram o Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo ou de bancos públicos ou privados. A situação é análoga à de alguns estabelecimentos comerciais que verificam se o nome do consumidor consta do SPC ou do Serasa antes de com eles contratarem. Os danos, portanto, não pode ser imputados ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, tampouco constituem penalidades previstas no Cadastro de Empregadores”

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(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado

de Segurança 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman, p. 17).

Inconformada com a decisão do ministro relator, que foi seguida por

unanimidade pelos ministros do STJ, a Pagrisa entrou com pedido de Recurso

Ordinário no STJ, requisitando a remessa do processo para o STF. O Recurso

foi autuado pelo STJ em 17/08/2009 e remetido ao STF em 03/12/2009.

Em 07/12/2009, é autuado no STF o Recurso em Mandado de

Segurança (RMS 28.488/DF – 0774508-69.2009.1.00.0000)182 da Pagrisa

contra o acórdão do STJ, argumentando sobre os mesmos pontos apontados

anteriormente. Em 17/03/2010, a União apresentou petição com contrarrazões

ao Recurso da Pagrisa, opinando pelo seu indeferimento.

Foi apenas em 21/05/2012 que o STF julgou prejudicada, por decisão

monocrática, o Recurso em Mandado de Segurança da Pagrisa, sob a

justificativa de que a Portaria 540/2004 do MTE, então objeto da controvérsia,

havia sido revogada em sua integridade em 13/05/2011 pela Portaria

Interministerial SEDH/TEM nº 2/2011, sem explicitar, contudo, que a referida

portaria de 2011 não alterava os efeitos da antiga.

Foi então que a Pagrisa entrou com Embargos de Declaração em seu

Recurso em Mandado de Segurança no STF, requisitando que o Tribunal se

manifestasse acerca do conteúdo da portaria mais atual, no sentido de garantir

a tutela e afastar o risco da empresa ainda ser inserida na Lista Suja, dado que

os processos na Justiça do Trabalho ainda corriam a todo vapor e com

frequentes “vai e vem” sobre a possibilidade de inserção ou não da empresa na

Lista – mesmo depois da Ação Penal do MPF ter sido indeferida em primeiro

grau e de os acusados terem sido absolvidos dos crimes imputados.

Em 28/08/2012, o STF indeferiu por unanimidade os Embargos da

Pagrisa, alegando que na Ação Anulatória nº 00737-2008-116-08-00-8,

naquele momento ainda em tramitação na Vara do Trabalho de Paragominas,

182

Para consulta do andamento processual:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3808670.

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já havia sido concedida a tutela antecipada à Pagrisa, que impedia a sua

inserção na Lista Suja. O ministro Dias Toffoli, assim, tanto em sua decisão

monocrática acerca do Recurso em Mandado de Segurança, quanto em sua

decisão sobre os embargos da Pagrisa, foi “liso”, na medida em que, através

de argumento processual seco e desatento, deixou o deslinde sobre a Lista

Suja a ser resolvido pela Justiça Trabalhista.

5.5 – Conclusões

O Caso Pagrisa foi um caso de repercussão política ainda maior que o

Caso do Senador João Ribeiro, fato que foi sentido em pelo menos três

momentos importantes do seu desenrolar: primeiramente, na abertura da

Comissão Externa no Senado; depois, na paralisação das ações do GEFM; e,

por fim, no desdobramento do caso em diversos processos em todas as

instâncias da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho.

Somente na fase de fiscalização feita pelo GEFM, foram diversos os

atores políticos e sociais que se mobilizaram em torno do caso, muitos,

inclusive, em defesa da empresa e da sua importância para o cenário

econômico nacional e para a manutenção de empregos na região. Foi o caso

em que o embate contra o GEFM e o Ministério do Trabalho e Emprego se

mostrou mais incisivo, na medida em que foram questionados no conteúdo do

relatório de fiscalização e também na legalidade e idoneidade da atuação do

Grupo no caso. As reuniões feitas pela Comissão Externa no Senado

expuseram de forma clara tais questionamentos, reafirmando concepções

conservadoras acerca do direito do trabalho no campo – especialmente

presentes no Caso do Senador João Ribeiro – mas de uma forma mais ampla e

afrontadora às políticas de erradicação do trabalho escravo rural.

O interessante é mais uma vez poder relacionar que, ainda que o caso

tenha se desenrolado durante o último período das políticas de erradicação do

trabalho escravo (visto no Capítulo 2) – em que já se encontra uma maior

institucionalização e coordenação entre os Poderes para atuar sobre a questão

– quanto mais forte o GEFM e o MTE se tornaram em suas políticas, mais

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fortes foram as investidas contra eles. Se antes eram relativizados em função

de deficiências e falta de estrutura, enfrentando “competição” na tarefa

fiscalizatória (como no Caso do “gato”), são agora questionados justamente por

terem se tornado uma verdadeira “força-tarefa” estatal, contra a qual seria

preciso garantir a ampla defesa aos acusados de trabalho escravo.

Ao contrário do que aconteceu no Caso do Senador João Ribeiro, no

entanto, o questionamento da atuação do Grupo e do MTE em função de sua

idoneidade e necessidade não foi levado adiante pelo Judiciário. Enquanto os

senadores da Comissão arvoraram-se no slogan do sistema de “freios e

contrapesos” do sistema político para questionar as fiscalizações e as políticas

de erradicação, o Judiciário prostrou-se como um corpo institucional em

posição de “respeito” à atuação de outros órgãos do Estado e às políticas de

erradicação do trabalho escravo, apontando um avanço por parte do Judiciário

ao menos no que tange ao reconhecimento da necessidade de tais políticas.

Neste ponto, portanto, o Judiciário pareceu acompanhar a “evolução”

institucional das políticas no período apresentada no Capítulo 2, mostrando-se,

ao menos, como parte integrante delas.

Tal avanço, contudo, não se repetiu na questão do entendimento judicial

da exploração do trabalho no campo, nem no entendimento das características

particulares que envolvem o trabalho escravo rural, ao passo que, mais uma

vez, os questionamentos de mérito acerca do que é o trabalho escravo

permaneceram nos argumentos dos juízes, e a imposição de regras

processuais inócuas para o tratamento de casos de trabalho escravo continuou

a marcar o andamento dos processos na Justiça, mesmo passados mais de 10

anos da promulgação da Lei 10.803 de 2003. Ou seja, embora já houvesse

uma integração institucional maior para o combate ao trabalho escravo, o

“consenso” em torno do que é o trabalho escravo continuou a fazer mais

sentido quando entre aspas, como apontamos no Capítulo 2.

Na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, pudemos observar que a

empresa foi a maior mobilizadora das ações judiciais, sendo autora de 5 das 8

ações autuadas na esfera trabalhista, e de 7 das 9 ações entradas na Justiça

Federal, chegando ao STF. A Pagrisa interpôs muito mais recursos que o

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Senador João Ribeiro, e, de forma semelhante à defesa do parlamentar,

recorreu através de uma defesa incisiva e agressiva. Sua diferença, contudo,

restou no questionamento das provas e fatos narrados pelo Grupo, contra-

atacando-o através de acusações de atuação ilegal, invenção de provas e

abuso de poder. Num “crescendo”, o Caso Pagrisa está na ponta extrema da

capacidade litigatória dos acusados, na ponta oposta do Caso do “gato”, em

que a capacidade recursal foi longe em termos de tempo e de instâncias, mas

em termos argumentativos limitou-se à utilização das falhas procedimentais e

processuais da Justiça para adiar audiências até a prescrição dos crimes. A

importância política, econômica e social da Pagrisa se refletiu na sua

capacidade de defesa e de contestação, e, como vimos, na capacidade de

fazer o Judiciário se manifestar acerca das questões de mérito em suas

decisões, fato visto também no Caso do Senador João Ribeiro, mas de forma

muito tímida ou quase inexistente no Caso do “gato”.

Das respostas dadas pela Justiça Trabalhista, a empresa obteve

resultados positivos no que tange ao não reconhecimento do trabalho escravo,

tanto em primeiro quanto em segundo grau. Para os juízes trabalhistas de

primeiro grau e para os desembargadores, os fatos narrados pelo GEFM não

consubstanciaram trabalho escravo, mas apenas irregularidades trabalhistas,

ao passo que os trabalhadores estavam todos registrados em carteira,

recebiam salários (independente do valor) e tinham liberdade de ir e vir, não

estando sob vigilância armada. Os juízes e desembargadores chegaram, aliás,

a reconhecer a Lei de 2003, apontando a jornada exaustiva, a servidão por

dívida e as condições degradantes como fatores de caracterização do trabalho

escravo, mas argumentaram que nenhuma dessas possibilidades se

materializou no caso da Pagrisa.

Como vimos acontecer de forma mais ativa e clarividente na esfera

penal, os juízes de primeiro grau e desembargadores trabalhistas consideraram

pouca coisa trazida pelo relatório do GEFM, tomando decisões mais com base

nas perícias realizadas em juízo, mas também com auxílio dos diversos

relatórios que a empresa tinha a sua disposição para contestar a acusação. O

capital social e econômico da empresa lhe permitiu não apenas contratar

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serviços de perícias técnicas por sua própria iniciativa, como também se

beneficiar de relatórios produzidos por outros órgãos sociais a seu favor,

inclusive de sindicatos de trabalhadores rurais da região. Tais relatórios, por

sua vez, ou amenizaram a situação encontrada – desconsiderando o impacto

de “simples irregularidades trabalhistas” para a situação exaustiva da atividade

do corte de cana, ou apontaram um cenário radicalmente diferente do que fora

narrado pelo GEFM – reafirmando os depoimentos dados pelos proprietários e

diretores da empresa de que mantinham um “padrão de hotelaria” para os seus

trabalhadores.

É certo que um desembargador trabalhista chegou a apontar que os

relatórios trazidos pela empresa devessem ser relativizados na medida em que

foram feitos tempos depois da fiscalização do GEFM, dando tempo para

eventuais modificações da situação trabalhista da empresa. É certo também

que o laudo contábil realizado em juízo versou sobre contas do período em que

foi feita a fiscalização, constituindo, portanto, “prova válida”. O mesmo laudo,

no entanto, não negou a existência de saldos salariais zerados ou negativos,

mas a sua explicação para tais dados foi preferenciada pelos juízes

trabalhistas, que aceitaram o argumento de que houve erros no sistema

contábil da empresa e de que muitos saldos negativos ou zerados diziam

respeito a dias não trabalhados pelos cortadores de cana, quando os mesmos

juízes entenderam que a empresa não fazia registro efetivo da presença e dos

horários das jornadas de trabalho.

Assim, se o “arsenal” contestatório da empresa não propriamente

“direcionou” o olhar dos juízes trabalhistas, certamente constituiu material

abundante o suficiente para que os juízes se confundissem ao analisarem as

provas anexadas ao processo e as decisões de recursos anteriores, como de

fato ocorreu, e ensejou questionamentos tanto do MPT quanto da Pagrisa,

ainda que esta tivesse obtido a maior das respostas positivas, qual seja, a de

que não existia trabalho escravo em suas dependências. E foi somente

vasculhando o andamento processual, as petições e as certidões de audiências

que foi possível perceber que outros fatores, para além da importância

econômica e social da Pagrisa, compuseram o quadro que levaram à

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impunidade, como as constantes redesignações de audiência por deficiências

institucionais da vara para notificar as partes sobre as audiências e a demora

em indicar peritos e em realizar as perícias técnicas, falhas nas quais os

relatórios apresentados pela empresa se fizeram alternativamente presentes.

Assim, os quase 8 anos de duração do Caso na Justiça Trabalhista não se deu

única e exclusivamente pela importância econômica e pela capacidade

litigatória da empresa, mas pela sua junção a fatores de ordem institucional (já

presentes no Caso do “gato”) que abriram espaço para que elas se

manifestassem de forma ainda mais eloquente.

Das respostas dadas pela Justiça Federal, por sua vez, a empresa e um

de seus diretores obtiveram muito mais indeferimentos do que deferimentos,

conforme exposto no quadro de características gerais do Caso Pagrisa na

Justiça Federal. Quando adentramos em cada processo, no entanto,

percebemos que o aparente quadro de negativas à empresa se desdobrou não

apenas em questões como também argumentações de naturezas distintas, em

que a maioria dos indeferimentos acabou ou direcionada ou contrariada pelas

poucas decisões deferidas para a empresa, especialmente no que tange à

questão mais importante discutida, qual seja, a da não existência de trabalho

escravo na Pagrisa.

Três foram as questões mais discutidas na Justiça Federal envolvendo o

Caso Pagrisa: 1) a existência ou não do trabalho escravo – discutida,

sobretudo, pelos juízes federais de primeiro grau e pelos desembargadores; 2)

a responsabilidade de um dos proprietários/diretores da Pagrisa – discutida

pelos desembargadores e ministros do STJ e STF; e 3) a inconstitucionalidade

da “Lista Suja” – discutida melos ministros do STJ e STF.

Os juízes federais de primeiro grau e os desembargadores não

reconheceram a existência de trabalho escravo na Pagrisa, em parte com base

no argumento de que os trabalhadores não se encontravam impossibilitados de

ir e vir e nem sob vigilância armada, e em grande parte com base no

argumento da falta de provas para a comprovação do trabalho escravo. Os

juízes e desembargadores – ignorando as dificuldades próprias dos processos

envolvendo o trabalho escravo rural – insistiram no argumento de que, no

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processo penal, o ônus da prova é todo da acusação, devendo o MPF ter sido

capaz de reproduzir todo o relatório do GEFM em juízo, de forma a se garantir

os princípios da ampla defesa, do contraditório e da verdade real aos

acusados.

Ao mesmo tempo, contudo, esses juízes e desembargadores aceitaram

relatórios trazidos pela empresa e que foram produzidos tempos depois da

fiscalização do Grupo, pois teriam sido “confirmados” em juízo por depoimentos

de trabalhadores que pediram para retornar à Pagrisa, que dificilmente iriam

depor contra ela, e também por senadores da república, que se declararam

publicamente contra a ação fiscalizatória empreendida pelo Grupo na

Comissão Externa do Senado.

Na discussão da responsabilidade de um dos proprietários/diretores da

Pagrisa, por seu turno, foi possível encontrar posicionamentos e argumentos

contrários, sobretudo por parte dos ministros do STJ, no que tange ao

reconhecimento do trabalho escravo, muito embora as ações não tivessem por

questão central essa discussão. Ao indeferir os pedidos de exclusão do nome

de um dos proprietários/diretores da ação penal que corria na Vara Federal, a

maioria dos ministros do STJ reconheceu a responsabilidade e envolvimento

do referido acusado, tomando por base não apenas o relatório do GEFM e a

denúncia do MPF, como também o argumento sobre as dificuldades de

especificar a culpa individual quando a empresa é familiar, como é o caso da

Pagrisa. Quando tal questão chegou ao STF, no entanto, a resposta dada não

foi além da constatação processual da perda de objeto, dado que àquela altura

a vara do trabalho já havia absolvido todos os responsáveis do crime de

trabalho escravo.

Na discussão sobre a “Lista Suja”, por fim, é que foi possível perceber

mais uma vez o posicionamento institucionalizado do Judiciário Federal, agora

através do STJ, com relação às políticas de erradicação do trabalho escravo

rural, na medida em que o Tribunal não levou adiante o questionamento

constitucional da Lista. Pelo contrário, o STJ afirmou a perfeita afinação do

referido instrumento com os princípios constitucionais e internacionais de

justiça e dignidade humana. O STF, por sua vez, contudo, mais uma vez se

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limitou a julgar o caso com base em argumentos processuais e de forma

“desatenta”, na medida em que julgou prejudicado o pedido da empresa (de

exclusão da Lista Suja) sob o argumento de que a Lista já havia sido revogada

por uma Portaria Interministerial, sem se referir, contudo, aos efeitos parelhos

tanto de uma quanto da outra, jogando a questão para a Justiça Trabalhista

discutir.

O interessante a se notar é que a atuação aparentemente “preguiçosa” e

estritamente processual do STF transfigurou-se recentemente em uma decisão

liminar monocrática do Ministro Lewandowski que determinou a suspensão da

publicação da Lista, fato que nos aponta que o comportamento

institucionalizado ou integrado do Poder Judiciário com relação às políticas de

erradicação do trabalho escravo se apresenta frágil e variável com o tempo,

assim como seus próprios entendimentos acerca do que é o trabalho escravo

permanecem sob “consensos” com aspas.

Como atuou, portanto, o Poder Judiciário no Caso Pagrisa? O estudo do

caso nos mostrou que diversas dimensões estiveram presentes em seu

andamento no Judiciário, sejam elas de ordem estrutural, institucional ou

individual. Certamente que o fator estrutural, ou seja, a importância econômica

e social da empresa se manifestou de forma significativa no andamento do

caso, na medida em que a preocupação dos senadores com o cenário

econômico do agronegócio repercutiu na preocupação de lideranças sindicais

com a manutenção de empregos na região, que, por sua vez, repercutiu no

plano individual da rede de relações da empresa, que obteve apoio de diversos

órgãos e associações através dos depoimentos e relatórios utilizados em juízo.

Contudo, quando olhamos para os aspectos institucionais que estiveram

presentes no Caso, seja de ordem procedimental, seja de ordem jurídica,

percebemos que eles foram uma constante em todos casos, mas foram

complexificados pelas peculiaridades de cada caso. No Caso Pagrisa, os

aspectos estruturais e individuais adicionaram um “crescendo” significativo às

limitações de ordem institucional, mostrando o reflexo da capacidade

mobilizadora da empresa no andamento do caso na Justiça.

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Conclusões

Convém dividirmos as conclusões finais da tese em três momentos

interligados. Primeiramente, retomamos os resultados obtidos com o estudo

dos casos em função da tese e dos argumentos por nós defendidos. Num

segundo momento, pontuamos algumas possibilidades de diálogo

estabelecidas pelos resultados da tese em função das perguntas de caráter

teórico e metodológico levantadas no primeiro capítulo. Num terceiro momento,

por fim, fazemos um exercício de pensar nos possíveis desdobramentos da

pesquisa para o campo das análises políticas do Poder Judiciário brasileiro, de

forma a delimitarmos questões e pesquisas futuras.

Tese e resultados

Como atuou o Poder Judiciário no quadro das políticas de erradicação

do trabalho escravo rural no Brasil contemporâneo? Os casos analisados

trouxeram cada qual elementos singulares e comuns para a sustentação da

tese de que o Poder Judiciário mais apresentou limites do que possibilidades

de apoio às políticas de erradicação do trabalho escravo rural. E os fatores que

ajudaram a identificar essa atuação limitada do Poder Judiciário

caracterizaram-se, sobretudo, por uma multidimensionalidade de fatores, que

se apresentou em cada caso de uma forma particular. Foi possível reconhecer

a presença de fatores de ordem individual, institucional e estrutural de forma

combinada em todos casos, mas a expressividade de cada tipo de fator, assim

como a interação entre eles, apresentaram-se em cada caso de uma forma

distinta.

No Caso do “gato”, os limites da atuação do Poder Judiciário se deram,

sobretudo, em função de fatores de ordem institucional, mas que se

coadunaram a fatores de ordem individual-estratégica relacionados à

capacidade litigatória da defesa do “gato”. O estudo do caso nos mostrou que

fatores de ordem institucional marcaram significativamente a atuação dos

juízes, dando ensejo para as estratégicas individuais da defesa do “gato” pedir

sucessivos adiamentos ou repetição de audiências, que foram, com frequência,

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deferidos pelos juízes sob o princípio da ampla defesa, mesmo passados mais

de 10 anos das denúncias feitas. O caso do “gato” deixa explícitos os

problemas de ordem institucional que podem ser estrategicamente explorados

para obter o adiamento até a prescrição dos crimes. Foram cerca de 10 anos

de processo discutindo regra procedimental e processual, adiando assim as

discussões de mérito. Vale destacar a falta de interesse da promotoria, que se

manifestou poucas vezes contra as sucessivas tentativas de adiamento do

processo.

No caso do Senador João Ribeiro, por seu turno, as limitações do Poder

Judiciário se revelaram, sobretudo, nos posicionamentos individuais

conservadores dos juízes acerca do trabalho escravo rural e acerca das

próprias políticas de erradicação. Tais posicionamentos individuais, no entanto,

deixaram explícitos não apenas a falta de uma atuação de fato institucional do

Judiciário, além do problema da morosidade judicial, como também a questão

da permanência histórica e estrutural de entendimentos conservadores e

preconceituosos sobre a realidade do “homem do campo” e do direito do

trabalho no setor rural, mesmo com a lei de 2003 tendo já reformado o código

149 do Código Penal para consubstanciar em possibilidades concretas a

concepção de trabalho escravo.

No Caso Pagrisa, por fim, as limitações da atuação do Poder Judiciário

foram destacadas especialmente em função de fatores de ordem estrutural,

dada a importância econômica e social da empresa e a permeabilidade que o

Judiciário mostrou às pressões exercidas por aqueles fatores. A importância

econômica e social da empresa se manifestou de forma significativa no

andamento do caso, na medida em que a preocupação dos senadores com o

cenário econômico do agronegócio repercutiu na preocupação de até mesmo

de lideranças sindicais com a manutenção de empregos na região, que, por

sua vez, repercutiu no plano individual da rede de relações da empresa, que

obteve apoio de diversos órgãos e associações através dos depoimentos e

relatórios utilizados em juízo. Contudo, quando olhamos para os aspectos

institucionais, percebemos que eles também estiveram presentes no Caso.

Embora a empresa tenha conseguido, assim como Senador João Ribeiro,

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arrancar mais posicionamentos de mérito dos juízes acerca do tema do

trabalho escravo, isso não significou que eles tenham apresentado uma

posição harmônica ou institucionalizada sobre o que é trabalho escravo. Um

dos poucos pontos de relevante concórdia entre juízes se fez presente ao

defender a credibilidade do GEFM, fato que refletiu o forte papel institucional e

político do Grupo no período em que o caso ocorreu. O Judiciário argumentou

em favor da fiscalização, ainda que tenha questionando os elementos

descritivos e denunciantes de trabalho escravo.

Seja no Caso do Senador João Ribeiro ou no Caso Pagrisa, o Poder

Judiciário proferiu decisões de mérito mais do que no Caso do “gato”. E através

dessas decisões de mérito se colocou de modo mais explícito no jogo dos

posicionamentos políticos acerca do tema do trabalho escravo e das políticas

voltadas para a sua erradicação. Isso não significa, porém que o Judiciário não

tenha se posicionado no caso do “gato” ou que não tenha atuado politicamente.

Pelo contrário, o Caso do “gato”, como já apontamos anteriormente, mostrou a

forma pela qual o Judiciário pode se posicionar num caso de trabalho escravo

sem nem mesmo ter que falar sobre ele. O caso coloca em evidência a

manutenção de deficiências institucionais, constantemente reconhecidas pelos

juízes, mas que se mantiveram durante anos sem solução efetiva, levando à

prescrição de crimes.

Por fim, a análise dos casos veio a se somar aos prospectos traçados

pelas avaliações críticas dos atores políticos e sociais (analisados no segundo

capítulo) e à análise das diferentes abordagens analíticas sobre a atuação

política do Judiciário (vista no primeiro capítulo), ao passo que mais uma vez

se evidenciou o papel historicamente mitigado do Poder Judiciário e se mostrou

a necessidade de uma estratégia de pesquisa que levasse em conta as três

dimensões de análise para explorar as inter-relações sobressalentes em cada

caso estudado.

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Diálogos teóricos e metodológicos

A exploração bibliográfica feita no primeiro capítulo da tese apresentou

um quadro de diferentes abordagens de análise política sobre o Poder

Judiciário, resgatando as questões, respostas e metodologias desenvolvidas

por cada uma delas. O objetivo central foi o de mostrar que existe uma

interlocução significativa entre as abordagens, que, por sua vez, possibilitaria

ao pesquisador uma maior liberdade de pesquisa, não tendo que ficar limitado

a esquemas teóricos e metodológicos muito rígidos e que acabam deixando de

fora dimensões importantes de análise. E um dos principais resultados

alcançados pelo capítulo foi a sinalização da relevância das análises de caráter

exploratório – como são os estudos de caso –, que embora não forneçam

relações de causa e consequência nem leis gerais, possibilitam uma

compreensão mais completa e multidimensional da atuação política do Poder

Judiciário.

Os estudos de casos empreendidos pela tese possibilitaram observar

não apenas a importância das questões, respostas e metodologias trazidas

pelas diferentes abordagens analíticas, mas, sobretudo, as limitações dessas

mesmas abordagens quando tomadas em sua forma “pura”. Em todos os três

casos analisados, foi possível perceber a importância conjunta de mais de uma

dimensão analítica, no que as questões, respostas e metodologias propostas

por abordagens “puras” – que olham somente para uma dimensão de análise –

mostraram-se insuficientes ou incompletas para a compreensão dos casos

selecionados.

Nas abordagens de cunho individualista mais “puras”, a preocupação

essencial das pesquisas seria a de localizar o juiz no jogo político, mapeando

suas preferências e posicionamentos políticos. A atuação do Judiciário não

seria explicada com base nas regras e normas, e o juiz não seria uma figura

neutra na decisão judicial, que constituiria, por seu turno, a própria ação política

do juiz. As regras e as instituições só teriam importância enquanto elementos a

serem instrumentalizados pelos juízes. E a resposta para entender a atuação

política do Judiciário estaria, portanto, na própria decisão judicial, mais

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especificamente no seu resultado, se deferido ou indeferido, quem ganhou e

quem perdeu. Logo, do ponto de vista metodológico, não interessaria ler o

conteúdo das decisões ou dos votos dos juízes, nem descrever leis, códigos e

regras de funcionamento institucional do Judiciário. O pesquisador deveria

olhar exclusivamente para os resultados das decisões, e ver através delas de

que “lado” do jogo político cada juiz se colocou.

Em todos os três casos, no entanto, foi possível constatar, que olhar

somente para os resultados das decisões e votos dados pelos juízes poderia

ter nos levado a conclusões errôneas acerca do posicionamento político do juiz

no quadro do trabalho escravo rural. Foi somente adentrando no quadro das

justificativas dadas pelos juízes, assim como no andamento processual das

ações judiciais, que foi possível perceber que nem sempre um indeferimento de

uma ação proposta pelo acusado de trabalho escravo apresentava um

posicionamento de mérito do juiz. E mesmo nos casos em que este ocorria, o

posicionamento daquele juiz era mais um entre outros fatores do processo

judicial que davam conformação para o andamento e “desfecho” dos casos na

Justiça.

Nas abordagens de cunho institucional mais “puras”, por sua vez, as

regras e as instituições teriam papel central para a explicação da atuação do

Poder Judiciário, na medida em que possuiriam autonomia e seriam capazes

de moldar as ações dos indivíduos. As regras e as instituições não seriam

meros instrumentos dos sujeitos nem vasos vazios a serem preenchidos por

seus interesses. Elas possuiriam características, organização e história

próprias, determinando a atuação dos juízes e de outros atores políticos. Logo,

a resposta para entender a atuação político do Poder Judiciário estaria no

próprio conteúdo das leis e das normas ou na própria forma de funcionamento

das instituições judiciais. No plano metodológico, por consequência, as

abordagens individualistas “puras” demandariam o estudo dessas leis e

normas, bem como da forma de funcionamento da Justiça. A leitura das

decisões judiciais consistiria na identificação das interpretações mais próximas

ou menos próximas das leis e das regras.

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Nos casos estudados pela tese, contudo, mais uma vez a

unidimensionalidade, agora do ponto de vista institucional, não vingou. As leis,

as regras e as formas (mesmo as deficiências institucionais) de funcionamento

da Justiça não explicaram nem moldaram sozinhas a atuação do Judiciário na

questão do trabalho escravo rural. A criação de leis cada vez mais claras sobre

o que é trabalho escravo, por exemplo, ainda é um norte das discussões

jurídicas até os dias atuais, e, independente do quão claras as leis se tornam, a

atuação dos juízes continuam a variar substantivamente, no que as leis não

colocam um fim às disputas em torno do significado de trabalho escravo rural

hoje nem em torno do significado dos direitos do trabalho no campo. Algumas

regras do direito processual (pensando em outro exemplo), como a

necessidade de reprodução das provas em juízo para garantir o contraditório e

a ampla defesa dos acusados, foi utilizada pelos juízes de forma visivelmente

parcial ou estratégica, demonstrando a permeabilidade do Judiciário às

influências políticas, apesar de todo o discurso de independência institucional

desse poder. É certo que o princípio do contraditório e da ampla defesa

também foram utilizados pelos juízes num caso de baixa repercussão política,

não havendo de se falar, portanto, em permeabilidade às pressões políticas.

Contudo, a utilização desses princípios no caso parece ter se dado mais como

um reflexo das estratégias de litigação da defesa do acusado do que

propriamente como uma preocupação do juiz com o cumprimento estrito das

regras do direito processual, dado o visível “desinteresse” ou falta de cuidado

dos juízes com o tempo de duração do caso na Justiça.

Nas abordagens de cunho estrutural “puras”, por fim, a preocupação

essencial dos estudos estariam em olhar para o quadro mais amplo dos

condicionantes socioeconômicos que está por trás da atuação das instituições

e das ações dos indivíduos. São abordagens que procuram explicar a atuação

do Poder Judiciário através de um determinado ordenamento da sociedade,

que estabelece os termos em que o jogo político deve se dar e que as

instituições devem atuar, moldando e limitando tanto uma coisa quanto a outra.

Assim, tanto o comportamento dos juízes quanto o funcionamento das

instituições judiciais como um todo seriam produtos ou reflexos desse

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ordenamento, e acabariam funcionando, de um modo ou de outro, como

elementos legitimadores dessa determinada ordenação.

Nos casos analisados, contudo, quando a dimensão estrutural se fez

presente para explicar a atuação do Poder Judiciário, ela não se apresentou de

forma unilateral, no que as regras institucionais e as atitudes individuais dos

juízes não se mostraram como meros reflexos dos fatores de ordem estrutural.

O que vimos foi que o fator estrutural, quando presente, “exponenciou” a

possibilidade de uso estratégico das deficiências institucionais da Justiça,

colocando em evidência a permeabilidade do Poder Judiciário às pressões de

ordem política e socioeconômica. Além disso, foi possível encontrar decisões e

argumentos de juízes, ainda que dispersos e sem força para delimitar os

“desfechos” dos casos na Justiça, que contradisseram a força socioeconômica

ou política dos acusados e se colocaram em posição de apoio às políticas de

erradicação do trabalho escravo rural e contra as tentativas de deslegitimação

de tais políticas ou mesmo de naturalização das condições degradantes de

trabalho no campo. Ainda que dispersos, tais argumentos são, no mínimo,

demonstrativos da existência de um embate político ideológico acerca da

exploração do trabalho no campo, embate este que também perpassa as

instâncias judiciais, e que colocam contraexemplos às teses de que as

instituições da Justiça e as decisões judiciais apenas legitimam uma estrutura

socioeconômica e política de poder. Tais contraexemplos de decisões judiciais

se encaixam na ideia da tese apresentada de que existem possibilidades de

apoio do Judiciário às políticas (e não a sua simples inexistência), ainda que as

limitações tenham se apresentado de forma mais abrangente.

Assim, os resultados obtidos através dos estudos dos casos colocaram

em destaque questões, respostas e metodologias legadas, sobretudo, por

abordagens limiares ou de dimensões analíticas não tão definidas no campo

dos estudos da atuação política do Poder Judiciário.

Entre os três casos analisados, foi possível perceber questões que

foram levantadas por autores mais abrangentes e que atrelaram preocupações

de ordem distintas na busca pelo entendimento da atuação política do Poder

Judiciário, relacionando, por exemplo, a preocupação com o posicionamento

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político dos juízes com outros tipos de preocupação, tais como: a preocupação

do juiz acerca de sua função dentro de um sistema e processo democrático; a

existência de regras institucionais que possibilitam a atuação particularizada

dos juízes; a ideia de que uma argumentação processual não é

necessariamente uma argumentação neutra e destituída de posicionamentos

políticos dos juízes; a influência de ideias “culturalizadoras” ou naturalizadoras

acerca do “homem do campo” e das condições degradantes de trabalho no

campo; a importância de determinados conceitos jurídicos e sua função num

sistema jurídico, tais como os princípios do contraditório e da ampla defesa; a

necessidade de um olhar “de baixo para cima”, de forma a relacionar a

capacidade litigatória dos acusados com os resultados obtidos judicialmente; o

entendimento de que as instâncias judiciais constituem apenas outras arenas

das disputas políticas e não o fim delas; a existência de um certo

indeterminismo ou variabilidade substantiva nas decisões dos juízes; a

constatação de determinadas contradições do direito, que, ao mesmo em que

sustenta princípios democráticos de defesa judicial, possibilita o uso desses

mesmos instrumentos para contrariar políticas de defesa dos direitos de

cidadania; e, por fim, a importância de se olhar, no plano metodológico, para

outros momentos do processo decisório e do andamento dos casos como um

todo que não somente os placares de quem ganhou e quem perdeu no

momento das decisões judiciais.

Por fim, a variedade de questões trazida pelos casos apontou, ao menos

preliminarmente, a inocuidade de questões e respostas de pesquisa

extremamente fechadas e limitadoras (que poderiam ser levantadas por

teóricos explicativos e cientificistas). Por exemplo: poderíamos afirmar que o

Poder Judiciário, dadas as tantas limitações observadas em sua atuação, foi

ineficaz no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo rural? Para

sustentar tal afirmação, contudo, teríamos que partir de alguns pressupostos

facilmente quebráveis pelos casos apresentados. Teríamos que pressupor,

primeiramente, que foi possível identificar um posicionamento de fato

institucional do Poder Judiciário, enquanto uníssono, quando o que vimos foi

uma dispersão, “ausências” e/ou mesmo disputas dos juízes em torno do

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entendimento do que é o trabalho escravo rural. E teríamos que pressupor

também que só existe apenas uma maneira de considerarmos a eficácia do

Poder Judiciário no quadro das políticas de erradicação, qual seja, através das

suas considerações acerca do que é o trabalho escravo, quando ele pode se

posicionar a favor da necessidade das políticas de erradicação e ao mesmo

tempo não compartilhar de suas definições de trabalho escravo ou nem mesmo

se manifestar sobre elas de forma explícita.

Dessa forma, os resultados trazidos pelos casos estudados, que

apontaram a existência de mais limitações do que possibilidades da atuação do

Poder Judiciário no quadro das políticas de erradicação do trabalho escravo

rural – não comportando aqui a ideia de exclusão das possibilidades – parecem

ter estabelecido uma conexão maior com as perguntas e respostas trabalhadas

pelas análises de caráter exploratório. Tal identificação não se dá somente pela

obviedade de serem estudos de caso, mas por trazerem à tona a diversidade

de fatores que influem na atuação política do Poder Judiciário.

Desdobramentos

É possível pensar em alguns desdobramentos da tese para a realização

de pesquisas futuras. Dentre os desdobramentos mais imediatos, poderíamos

pensar na continuidade de trabalhos empíricos acerca da atuação do Poder

Judiciário em questões relacionadas ao trabalho e ao direito do trabalho no

campo, até mesmo como uma forma de expandir a realização de estudos

empíricos sobre o Judiciário brasileiro. E dentre outros desdobramentos

possíveis, poderíamos pensar na expansão e/ou no aprofundamento da análise

das diferentes abordagens analíticas sobre o Poder Judiciário, como um meio

de aprimorar os debates teóricos e os instrumentos de pesquisa mobilizados.

Acerca das possibilidades de continuação dos trabalhos empíricos,

poderíamos problematizar os resultados obtidos com a tese através da

realização de uma análise quantitativa e qualitativa de maior escala, de forma a

selecionarmos amostras de processos judiciais envolvendo trabalho escravo

rural e verificar se alguns dos fatores levantados pelos estudos de caso

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destacam-se entre os demais. Para tanto, os materiais empíricos de pesquisa

provavelmente já estarão melhores disponibilizados do que atualmente, na

medida em que cresce a atenção institucional do sistema de Justiça para o

acompanhamento das ações judiciais acerca do trabalho escravo.

Recentemente, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça, instalou o FONTET

(Fórum Nacional do Poder Judiciário para o combate ao trabalho em condições

análogas à de escravo e ao tráfico de pessoas), para o monitoramento e

efetividade das demandas relacionadas ao trabalho escravo.

Um segundo desdobramento empírico possível seria o de fazer análises

comparativas da atuação do Poder Judiciário em temas de direito do trabalho

no setor rural e urbano, de forma a contrapor o desenvolvimento do direito do

trabalho nesses dois setores e analisar o acompanhamento institucional da

Justiça para um caso e para o outro. Nesse aspecto poderíamos partir não

apenas dos estudos de caráter mais sociológico acerca do fator estruturante do

direito do trabalho no estabelecimento dos direitos de cidadania no Brasil e o

contraponto desses direitos no campo, como também partir de estudos mais

históricos e institucionais acerca da constituição da Justiça do Trabalho

brasileira e o seu olhar sobre o trabalhador rural.

E um terceiro desdobramento empírico possível seria o de mapear as

mobilizações do direito em torno do trabalho escravo rural e suas relações com

a repercussão dos casos anunciados, no sentido de verificar as razões pelas

quais alguns casos ganham mais atenção que outros não apenas da mídia,

como também entre as autoridades públicas. Acreditamos que seja possível

traçarmos relações dessas mobilizações com questões de ordem profissional

dos membros dos órgãos acusatórios e investigativos.

Acerca das possibilidades de expansão dos estudos acerca das

abordagens de análise sobre a atuação política do Poder Judiciário,

poderíamos propor o aprofundamento do estudo das análises exploratórias,

especialmente no campo dos estudos da mobilização do direito; ou poderíamos

expandir o debate travado para além do debate norte-americano, de forma a

localizar o debate brasileiro em debates teóricos e metodológicos ainda mais

amplos.

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Acesso em 30/05/2012.

***

Documentos legislativos, oficiais e decisões judiciais comentadas

BRASIL. Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Promulga as Convenções

Internacionais do Trabalho de nº 11, 12, 13, 14, 19, 26, 29, 81, 88, 89, 95,

99, 100 e 101.

BRASIL. Decreto nº 58.563, de 1º de junho de 1966. Promulga a Convenção

sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a

Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956.

BRASIL. Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº

105 concernente à abolição do trabalho forçado.

BRASIL. Decreto nº 58.826, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº

110 concernente às condições de emprego dos trabalhadores em

fazendas.

BRASIL. Decreto nº 66.496, de 27 de abril de 1970. Promulga a Convenção da

OIT nº 117 sobre Objetivos e Normas Básicas de Política Social.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. Decreto nº 1.538, de 27 de junho de 1995. Cria o Grupo Executivo de

Repressão ao Trabalho Forçado e dá outras providências.

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BRASIL. Ministério da Justiça. II Plano Nacional de Direitos Humanos.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 549 e 550, de 14 de

junho de 1995.

BRASIL. Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-

Lei nº 8.248, de 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Lei nº 10.608, de 20 de dezembro de 2002. Altera a Lei no 7.998, de

11 de janeiro de 1990, para assegurar o pagamento de seguro-

desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo.

BRASIL. Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963. Dispõe sobre o “Estatuto do

Trabalhador Rural”.

BRASIL. Lei nº 9.777, de 29 de dezembro de 1998. Altera os arts. 132, 203 e

207 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

BRASIL. Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971. Institui o Programa

de Assistência do Trabalhador Rural e dá outras providências.

BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Plano Nacional para

erradicação do trabalho escravo.

BRASIL. Decreto de 31 de julho de 2003. Cria a Comissão Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Portaria nº 1.150, de 18 de

novembro de 2003.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 540, de 15 de outubro

de 2004.

BRASIL. Justiça do Trabalho da 8ª Região. Vara do Trabalho de Paragominas.

Sentença na Ação Anulatória nº 0073700-27.2008.5.08.0116.

BRASIL. Justiça do Trabalho da 8ª Região. Vara do Trabalho de Paragominas.

Sentença na Ação Anulatória 00866600-42.2008.5.08.01.0116.

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na Ação Penal 2007.39.04.000812-4. Disponível em:

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em-trabalho-escravo-nas-empresas-agrisa-e-fontes-que-exploram-cana-de-

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BRASIL/MPF (2007). Denúncia de trabalho escravo contra a PAGRISA na Vara

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BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de Jonas

Pinheiro em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096.

Disponível em:

http://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-

/p/texto/347112.

BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de Marcos

Guerra em 14/06/2004. Publicado no DSF de 15/06/2004, p. 18096.

Disponível em:

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BRASIL. Senado Federal. Atividade Legislativa. Pronunciamento de João

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4/2008&paginaDireta=08959. Acesso em: 29/11/2012.

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BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 4ª Turma. Acórdão no

Habeas Corpus 2007.01.00.054079-4/PA. Relator: NETO, Tourinho.

Disponível em:

http://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=200701000540794

&pA=200701000540794&pN=524917220074010000.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 5ª Turma. Acórdão no

Habeas Corpus 2004.02.01.00184-3. Relator: COSTA, Raldênio Bonifácio.

Publicado no DJ de 07/06/2004.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 5ª Turma. Acórdão nos

Embargos de Declaração 2004.02.01.00184-3. Relator: COSTA, Raldênio

Bonifácio. Publicado no DJ de 16/08/2004.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão

Monocrática em Liminar no Mandado de Segurança 2005.02.01.004629-4.

Relator: GRANADO, Marcello Ferreira de Souza. Publicado no DJ de

02/06/2005.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no Agravo

interno 2005.02.01.004629-4. Relator: DIEFENTHAELER, Guilherme.

Publicado no DJ de 15/05/2006.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão

Monocrática no Recurso em Sentido Estrito 2005.51.08.000129-0.

Relatora: RORIZ, Liliane. Publicado no DJ de 07/11/2005.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Decisão

Monocrática no Agravo interno 2005.51.08.000129-0. Relatora: RORIZ,

Liliane. Publicado no DJ de 19/01/2006.

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342

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no

Recurso em sentido estrito 2004.51.08.000019-0. Relator: SILVA, Marcelo

Pereira da. Publicado no DJ de 01/10/2013.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 2ª Turma. Acórdão no

Habeas Corpus 2014.02.01.008105-2. Relator: FONTES, André.

BRASIL.Tribunal Regional Federal da 8ª Região. 2ª Turma. Acórdão no

Recurso Ordinário 00611-2004-118-08-00-2. Relator: MATOS, Herbert

Tadeu Pereira de. Publicado no DJ de 20/01/2006.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 4ª Turma. Acórdão no

Habeas Corpus 2007.01.00.054079-4/PA. Relator: NETO, Tourinho.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus nº

17.233/RJ. Relatora: VAZ, Laurita. Publicado no DJ de 20/06/2005.

Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=I

TA&sequencial=550679&num_registro=200500130665&data=20050620&fo

rmato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Embargos de

Declaração nº 17.233/RJ. Relatora: VAZ, Laurita. Publicado no DJ de

03/10/2005. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=I

TA&sequencial=570641&num_registro=200500130665&data=20051003&fo

rmato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática no Habeas Corpus

nª 100.462/PA. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=M

ON&sequencial=3717809&num_registro=200800355122&data=20080228&

formato=PDF.

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343

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão Monocrática no Habeas Corpus

nª 100.462/PA. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em::

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=I

TA&sequencial=792791&num_registro=200800355122&data=20080630&fo

rmato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática em Liminar no

Habeas Corpus 112.852. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=M

ON&sequencial=4143228&num_registro=200801730456&data=20080814&

formato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Acórdão no Habeas Corpus

112.852. Relatora: VAZ, Laurita. Disponível em: Para consulta da decisão:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=I

TA&sequencial=1026366&num_registro=200801730456&data=20110426&f

ormato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de

Segurana 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=M

ON&sequencial=4516681&num_registro=200802714966&data=20081212&

formato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Agravo

Regimental 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=M

ON&sequencial=4585571&num_registro=200802714966&data=20090202&

formato=PDF.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão monocrática no Mandado de

Segurana 14017/DF. Relator: BENJAMIN, Herman. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=I

TA&sequencial=888248&num_registro=200802714966&data=20090701&fo

rmato=PDF.

Page 344: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE … · e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar

344

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Inquérito Policial 2131/DF.

Relator: STF. Inteiro Teor do Acórdão STF-INQ 2.131/DF. Relatora:

GRACIE, Ellen. Publicado no DJE de 07/08/2012.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Acórdão no Recurso de

revista 61100-07.2004.5.08.0118. Relator: BARROS, Levenhagen.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Acórdão no Embargo de

declaração 61100-07.2004.5.08.0118. Relator: BARROS, Levenhagen.

Page 345: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE … · e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar

345

Apêndices

Apêndice 1 – Relatórios produzidos sobre trabalho escravo após

2003

Ano Autores Título

s/d Governo Federal - Secretaria de Comunição

Social da Presidência da República

Por dentro do Brasil: combate ao

trabalho análogo ao de escravo

2005

OIT Trabalho Escravo no Brasil do século

XXI

OIT Aliança global contra o trabalho

forçado

2006

CPT, Grito dos Excluídos, Continental, Jubileu

Brasil, Campanha contra a Alca, Rede Social de

Justiça e Direitos Humanos, Serviço Pastora dos

Migrantes

A OMC e os efeitos destrutivos da

indústria da cana no Brasil

2007

OIT Possibilidades jurídicas de combate à

escravidão contemporânea

OIT, ONG Repórter Brasil Trabalho Escravo no Brasil do século

XXI

CPT, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos Agroenergia: mitos e impactos na

América Latina

2008

OIT, CEPAL, PNUD

Emprego, desenvolvimento humano e

trabalho decente: a experiência

brasileira

CPT, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos Os impactos da produção de cana no

cerrado e Amazônia

2009 OIT O custo da coerção

OIT Perfil do trabalho decente no Brasil

2010

OIT, SIT-MTE

As boas práticas da inspeção do

trabalho no Brasil - A inspeção do

trabalho no Brasil: pela promoção do

trabalho decente

OIT, SIT-MTE

As boas práticas da inspeção do

trabalho no Brasil - A erradicação do

trabalho análogo ao de escravo

OIT Combatendo o trabalho escravo

contemporâneo: o exemplo do Brasil

OIT, Fundação VALE Retrato Escravo

2011 OIT Perfil dos principais atores envolvidos

no trabalho escravo rural no Brasil

2012

OIT A OIT no Brasil: trabalho decente para

uma vida digna

OIT

Perfil do trabalho decente no Brasil:

um olhar sobre as unidades da

federação

Page 346: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE … · e ao Coordenador do Curso de Direito da Faculdade de Jaguariúna Prof. Fabrízio Rosa, pela oportunidade concedida de trabalhar

346

Apêndice 2 – Espectro dos casos nas políticas de erradicação do

trabalho escravo

FASES DAS POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO

ESCRAVO RURAL

CASOS

Caso do

“gato”

(1996-2015)

Caso do Senador

João Ribeiro

(2004-2014)

Caso Pagrisa

(2007-2015)

Reconhecimento público e as limitações institucionais (1995-2002)

1995

Criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM)

Criação do Grupo Executivo para Erradicação do Trabalho

Forçado (GERTRAF)

1997 Fernando Henrique Cardoso assina a desapropriação da

Fazenda Flor da Mata, em São Félix do Xingu, no Pará

FIS

CA

LIZ

ÕE

S E

IN

QU

ÉR

ITO

S

PO

LIC

IAIS

1998

Lei do Trabalho Escravo, que alterou os artigos 132, 203 e 207

do Código Penal, que compõem a chamada "cesta de crimes"

relacionados ao trabalho escravo, aumentando as penas

Justiça Federal, primeiro grau, faz a primeira condenação de um

fazendeiro (Antonio Barbosa de Melo) por trabalho escravo

Governo desapropria mias três fazendas, duas no Pará e uma

em Goiás

2002

Comissão Especial no âmbito do Conselho de Defesa dos

Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da Justiça, que

resultou, em 2003, no I Plano Nacional de Erradicação do

Trabalho Escravo

PNDH II – Meta 396: determina a continuação da

implementação das Convenções 29 e 105 da OIT; Meta 403:

sensibilização dos juízes federais para a necessidade de manter

no âmbito federal a competência para julgar crimes de trabalho

forçado.

Instituída a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho

Escravo (CONAETE), no âmbito do Ministério Público do

Trabalho

Instituiu o seguro-desemprego especial para os

comprovadamente resgatados de situações nas quais fossen

explorados em trabalho forçado ou condição análoga à de

escravos

Políticas integradas, “consensos” e as contradições do direito

(2003-2012)

2003

Lançamento do I Plano Nacional para a Erradicação do

Trabalho Escravo

Insitituída a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho

Escravo (CONATRAE), sob coordenação da Secretaria

Nacional de Direitos Humanos

Solução Amistosa com a CIDH-OEA: o caso José Pereira

Criação da relação de empregadores escravizadores, do

Ministério da Integração Nacional

Alteração do art. 149 do Código Penal, que trata do crime de

redução da pessoa à condição análoga a de escravo

2004 Aprovada PEC 438 em 1º turno na Câmara dos Deputados

VA

RA

FE

DE

RA

L

TR

T 2

FISCALIZAÇÃO

Criação da Lista Suja do Ministério do Trabalho e Emprego

VT

ST

F

2005

Assinado um Termo de Cooperação entre MTE e MDS para

priorizar a inserção dos egressos do trablaho escravo no

programa Bolsa Família

TS

T

TR

T 8

MDA e INCRA lançam seu próprio Plano Nacional para a

Erradicação do Trabalho Escravo

2006

STF (RE 398041) “pacifica” a controvérsia e reconhece a

competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime.

TS

T

MTE lança Agenda Nacional do Trabalho Decente

2007

Informe nº 105 do MDS, promovendo o termo de cooperação

assinado com o MTE para a inserção dos trabalhadores

resgatados no programa Bolsa Família

FISCALIZAÇÃO

VF

TR

F 1

VT

2008 Lançado o II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho

Escravo

ST

J

2009

ST

F

2010

2011

2012

É aprovada a PEC 438 em 2º turno na Câmara dos Deputados

TR

F 1

MPF cria um roteiro para a atuação do Grupo Móvel para evitar

a impunidade.

Cria Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar

a exploração do trabalho escravo ou análogo ao de escravo, em

atividades rurais e urbanas, de todo o território

2013

TR

T

8 2014

2015 TS

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347

T

Apêndice 3 – Espectro temporal do Caso do “gato”

Evento Data Data VF TRF 2 STJ

O então Presidente da Associação dos Trabalhadores na Agricultura, mais profissionais da Secretaria de Saneamento da Prefeitura de Cabo Frio, representantes da OAB, da FETAG e integrantes da CPT fazem visita “fiscalização” na AGRISA.

15/02/1996

fev/96

O então Presidente da 20ª Subseção de Cabo Frio da OAB levou o caso ao conhecimento das autoridades competentes.

26/02/1996

O Grupo de Fiscalização do Ministério do Trabalho dirige-se à empresa FONTES.

24/07/1996 jul/96

ago/96 15/08/1996

Autuação de Inquérito Policial para apurar responsabilidade em crime previsto no artigo 207 do CP.

ago/98 26/08/1998

A 3ª Vara Federal de Niterói se declara INCOMPETENTE para processamento e julgamento da ação penal, remetendo os autos para a 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia.

A então Diretora da CUT/RJ, Lúcia Reis, levou ao conhecimento da Subsecretaria do Trabalho nova denúncia contra a empresa AGRISA, desta vez formulada pelo trabalhador Hiran Cardoso Nascimento.

24/06/1999 jun/99

jul/99

ago/99 18/08/1999

Autuação de Inquérito Policial para apurar responsabilidade em delito previsto no ARTIGO 149 e 197 do CP.

set/99

out/99 18/10/1999

Autuação de Inquérito Policial para apurar responsabilidade por delitos previstos no ARTIGO 149 e 197 do CP.

set/00 25/09/2000

Autuação de Inquérito Policial para apurar responsabilidade em crime previsto no artigo 203 do CP.

set/02 17/09/2003

Autuação de Inquérito Policial para apudar responsabilidade da empresa AGRISA e FONTES.

Ação Fiscal da DRT e do MPT, com apoio da PF.

30/06/2003 jun/03

Ação Fiscal da DRT e do MPT, com apoio da PF.

03/07/2003 jul/03

dez/03 19/12/2003

Denúncia do MPF encaminhada à 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia - RJ

jan/04

07/01/2004 Autuação da Ação Penal pelo MPF contra os acusados

13/01/2004

Estabelecida a competência da JF

Recebimento da denúncia

Designada audiência de interrogatório dos acusados para o dia 19/02/2004.

fev/04 18/02/2004

Autuação de HC pelo réu Mario contra a 1ª VF de São Pedro da Aldeia, buscando o TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL sob alegação

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348

de inépcia da denúncia.

19/02/2004

Interrogatório dos acusados?

20/02/2004

Deferida a apresentação da defesa prévia até o dia 01/03/2004.

mar/04

abr/04 13/04/2004

Expeça-se nova precatória para interrogatório do acusado Manoel, CANCELANDO A AUDIÊNCIA antes

designada para tal fim.

mai/04 18/05/2004

Indeferimento por unanimidade do pedido de HC do réu Mario.

jun/04

04/06/2004 VISTA ao MPF

14/06/2004

Autação de Embargos de declaração pelo réu Mario alegando omissão sobre a matéria da inépcia da denúncia.

ago/04

03/08/2004

Indeferimento por unanimidade dos Embargos de declaração do réu Mario.

19/08/2004

Autuação de Inquérito Policial para apurar responsabilidade do réu Adilson.

set/04

13/09/2004 Trancamento da ação penal em relação ao réu Ramilton Pereira da Silva.

28/09/2004

JULGADOS IMPROCEDENTES as exceções de incompetência opostas, determinando o prosseguimento do feito.

nov/04 17/11/2004

NÃO RECEBIMENTO dos recursos em sentido estrito interpostos pelos réus Manoel e Adilson, determinado o seguimento do feito.

jan/05 31/01/2005

Autuação de HC pelo réu Mario, pedindo o TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL em função de descabimento da denúncia.

fev/05 04/02/2005

RECEBIMENTO dos recursos em sentido estrito, mas tão somente no efeito devolutibo.

Os recursos devem subir à apreciação do TRF 2 por meio de instrumentos próprios.

mar/05

01/03/2005 Autuação de Recurso em sentido estrito pelo réu Mario.

09/03/2005

Recebimento do recurso em sentido estrito, mas somente para efeito devolutivo.

abr/05 13/04/2005

Designadas as datas para as audências de oitiva das testemunhas arroladas na denúncia.

mai/05

02/05/2005

CANCELAMENTO DAS AUDIÊNCIAS de oitiva das

testemunhas arroladas na denúncia que se localizam em Niterói e no Rio de Janeiro

Deprequem-se as oitivas dessas testemunhas às Varas Federais daquelas cidades.

19/05/2005

Indeferimento por unanimidade do pedido de HC do réu Mario.

23/05/2005

Autuação de Liminar em Mandado de Segurança do réu Mario pedindo a SUSPENSÃO DO PROCESSO até ulterior decisão.

30/05/2005

Pedido de Liminar em Mandado de Segurança do réu Mario julgado Prejudicado por meio de Decisão Monocrática.

jun/05 07/06/2005

Autuação de Agravo interno em Mandado de Segurança do réu Mario.

22/06/2005 Autuação de Embargos

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349

declaratórios pelo réu Mario, alegando omissão.

jul/05 26/07/2005

Deferimento dos pedidos do MPF para SUBSTITUIÇÃO DA TESTEMUNHA

indicada.

ago/05

03/08/2005 Designação de audiência de oitiva de testemunhas de acusão para 01/09/2005.

18/08/2005

Indeferimento por unanimidade dos Embargos declaratórios pelo réu Mario.

25/08/2005

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA, pois AUSENTES OS RÉUS Adilson e Manoel, que NÃO FORMA DEVIDAMENTE INTIMADOS.

set/05

06/09/2005

Indeferimento por MAIORIA DE VOTOS do pedido de Agravo interno em Mandado de Segurança do réu Mario.

14/09/2005

Autuação de Recurso em sentido estrito do réu Mario contra a 1ª VF de São Pedro da Aldeia alegando contraditoriedade ao princípio do duplo grau de jurisdição.

out/05 26/10/2005

Julgado Prejudicado o Recurso em sentido estrito do réu Mario em Decisão Monocrática.

nov/05

03/11/2005

Deferimento de ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA para oitiva de

testemunhas de acusação em função de LICENÇA MÉDICA do réu Manoel Messias. Remarcado para dia 16/03/2006

Indeferimento de ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA marcada para o dia 11/11/2005 em função de LICENÇA MÉDICA, pois tal licença finda dia 09/11/2005.

16/11/2005

Autuação de Agravo interno em Recurso em sentido estrito do réu Mario.

dez/05 02/12/2005

Novo ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA em função de

LICENÇA MÉDICA do réu Manoel.

jan/06

11/01/2006

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA das testemunhas de acusão do dia 11/11/2005 para o dia 28/03/2006.

13/01/2006

DEFERIMENTO em Decisão Monocrática do Agravo interno em Recurso em sentido estrito do réu Mario.

25/01/2006

Autuação de Embargos de declaração em Recurso em sentido estrito do réu Mario contra decisão sobre exceção de incompetência.

fev/06 22/02/2006

Não conhecimento por unanimidade dos Embargos de declaração em Recurso em sentido estrito do réu Mario. E Negado, por MAIORIA DE VOTOS, provimento ao Recurso em sentido estrito.

mar/06

13/03/2006 Indeferimento de ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA.

14/03/2006

Indeferimento da INCLUSÃO DE TESTEMUNHA para a audiência do dia 28/03/2006.

Designo nova audiência para a oitiva de tal testemunha para o dia 19/05/2006.

28/03/2006

Homologação de desistência de testemunha de acusação.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de oitiva de

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350

testemunha para o dia 19/05/2006.

Indeferimento do pedido da defesa de perda de direito do MPF de produzir provas.

mai/06

05/05/2006

Designada audiência de oitiva de tetstemunha de acusão para o dia 07/06/2006.

19/05/2006

Indeferimento do pedido da defesa para ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA, pois houve intimação do réu e de seu advogado.

Nomeação de defensor dativo do réu Adilson.

ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA de oitiva de testemunha para o dia 07/07/2006, dado que o DEFENSOR DATIVO PRECISOU SE AUSENTAR.

jun/06 23/06/2006

Indeferimento de pedido da defesa de ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA por necessidade do ADVOGADO DATIVO SE AUSENTAR.

Autuação de Embargos Infringentes do réu Mario na intenção de ver prevalecer o voto vencido que sustentou o cabimento do recurso em sentido estrito.

jul/06 07/07/2006

Deferimento de PEDIDO DE VISTA.

ago/06 04/08/2006

Impõe-se a REPETIÇÃO DE DEPOIMENTOS de

algumas testemunhas de acusação, pois nessas ocasiões os réus e seus advogados NÃO FORAM TODOS REGULARMENTE INTIMADOS.

fev/07 26/02/2007

Indeferimento por Unanimidade dos Embargos Infringentes do réu Mario.

mar/07 29/03/2007

Autuação de Recurso Especial em Embargos Infringentes do réu Mario alegando divergência jurisprudencial.

mai/07 15/05/2007

DEFERIMENTO em

Decisão Monocrática do Recurso Especial em Embargos Infringentes do réu Mario.

set/07 24/09/2007

Designação de REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA de

acusação para o dia 22/01/2008.

out/07

08/10/2007

Designação de audiência de inquiriação de testemunha de acusação na 2ª VF de São Gonçalo.

11/10/2007

Designação de REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA de acusação para o dia 25/10/2007 na VF de Pato de Minas.

16/10/2007

Designação de audiência de oitiva de testemunha de acusação para dia 30/10/2007 na 2ª VF de São Gonçalo.

18/10/2007

CANCELAMENTO DE AUDIÊNCIA de reinquirição

do dia 25/10/2007 e REDESIGNAÇÃO para o dia 06/11/2007.

nov/07

14/11/2007

Designação de audiência de sumário de acusação para o dia 22/11/2007 na 6ª VF Crim./RJ.

26/11/2007

Designação de audiência de ouitiva de testemuna para o dia 12/12/2007 na 6ª VF Crim.

jan/08 22/01/2008

Designação de nova audiência para dia 23/04/2008 e expedição de cartas precatórias para os réus Manoel e Adilson para que sejam cientificados pessoalmente da data.

mar/08 12/03/2008

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA para oitiva de testemunha de acusação para o dia 13/05/2008.

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mai/08 26/05/2008

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA para oitiva de testemunha de acusação para o dia 22/07/2008.

jul/08 22/07/2009

Homologação de desistência de testemunha de acusação ainda não ouvidas.

Designação de audiência para o sumário da defesa para o dia 04/11/2008.

set/08 30/09/2008

CANCELAMENTO DE AUDIÊNCIA para o sumário da defesa e REDESIGNAÇÃO PARA O DIA 09/12/2008.

dez/08

09/12/2008

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA para oitiva de

testeminhas de defesa cujos MANDADOS RETORNARAM NEGATIVOS para o dia 03/03/2009.

17/12/2008

REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS de

acusação, pelo fato dos réuos Mario e Demétrio NÃO TEREM SIDO CIENTIFICADOS EM TEMPO HÁBIL para a audiência de oitiva.

jan/09

20/01/2009

Designação de audiência de inquirição de testemunha de acusação para o dia 17/03/2009.

23/01/2009

Intimem-se as testemunhas de defesa e o réu Mario para a audiência designada.

fev/09

03/02/2009

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA para oitiva de testemunhas de defesa cujos MANDADOS RETORNARAM NEGATIVOS e INTIMAÇÃO dos ADVOGADOS DOS RÉUS AUSENTES para o dia 03/03/2009.

05/02/2009

Designação de audiência para oitiva de testemunha para o dia 18/02/2009.

mar/09

02/03/2009

CANCELAMENTO DE AUDIÊNCIA marcada para

o dia 02/03/2009 em função da PRORROGAÇÃO DA SUSPENSÃO DOS PRAZOS E DO ATENDIMENTO AO PÚBLICA DA VARA até dia 06/03/2009, ficando para o dia 06/05/2009.

09/03/2009

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de inquirição

de testemunha de acusação para o dia 12/03/2009.

12/03/2009

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de inquirição

de testemunha de acusação para o dia 07/04/2009.

31/03/2009

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de inquirição de testemunha de acusação para o dia 07/04/2009.

abr/09 30/04/2009

INTIME-SE o réu Mario para que INDIQUE DEFENSOR EM SUBSTITUIÇÃO À SUA ADVOGADA, caso esta ainda permaneça IMPOSSIBILITADA DE COMPARECER à audiência de oitiva da testemunha de acusação.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de inquirição

de testemunha de acusação para o dia 09/06/2009.

mai/09 12/05/2009

Intime-se a defesa para que se manifeste sobre permanência de interesse na oitiva de testemunha cujo MANDADO RETORNOU NEGATIVO em função de MUDANÇA DE LOCAL ANTERIORMENTE INFORMADO PELA DEFESA.

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352

jul/09 08/07/2009

Apresente a defesa do réu Mario no prazo de 5 dias relação de testemunhas com endereços atualizados.

jun/10 21/06/2010

Homologação de DESISTÊNCIA DE TESTEMUNHAS de defesa requeridas pela defesa de Mario.

Designação de audiência para oitiva de testemunhas de defesa para o dia 12/08/2010.

jul/10

19/07/2010

Designação de audiência para oitiva de testemunhas de defesa para o dia 05/08/2010.

27/07/2010

Designação de audiências para oitiva de testemunhas para o dia 28/07/2010.

ago/10

09/08/2010

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA para o dia 31/08/2010 em função de necessidade readequação da pauta.

16/08/2010

Deferimento do prazo de 1o dias para que a defesa de Mario obtenha os endereços corretos das testemunhas.

31/08/2010

Audiência - texto com conteúdo sigiloso

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de oitiva de

testemunhas de defesa para o dia 16/11/2010.

Determinação para que as defesas dos acusados, dentro de 10 dias, ADEQUEM O ROL DE TESTEMUNHAS ao número informado em suas respectivas defesas prévias, pois apresentaram número maior, diversas e sem justificação.

nov/10

16/11/2010 Audiência - texto com conteúdo sigiloso

17/11/2010

RECONSIDERO decisão

para manter como VÁLIDO O ROL DE TESTEMUNHAS ARROLADO PELAS DEFESAS

jan/11 12/01/2011

Designação de audiência de oitiva de testemunha para o dia 23/02/2011.

abr/11 27/04/2011

Juiz Federal faz uma grande recapitulação de todos os movimentos processuais de designação e de redesignação de audiências de oitivas para demonstrar que não houve, como alegou os réus, qualquer ilegalidade do Juizo no conduzir da ação penal que prejudicasse a defesa.

Indeferimento do pedido dos réus e do MPF para RENOVAR OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS.

jul/12 11/07/2012

Indeferimento dos embargos de declaração dos réus que pediam a RENOVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS.

out/12 08/10/2012

Deferimento em parte de pedido de RENOVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS (30 no total), dado que: a DEFESA NÃO FOI INTIMADA de certidão negativa de testemunha; em algumas audiências NÃO FORAM DESIGNADOS ADVOGADOS DATIVOS para audiências em que as defesas dos réus não poderiam comparecer ou não compareceram; NÃO FORAM EXPEDIDAS CARTAS PRECATÓRIAS para oitivas de algumas testemunhas.

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353

nov/12 30/11/2012

Indeferimento de embargos de declaração de dos réus Mario e Demétrio que alegavam a necessidade de se RENOVAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL.

dez/12

11/12/2012

Recebimento de Recurso em sentido estrito do réu Mario, mas tão somente para efeito devolutivo.

17/12/2012

Indeferimento de embargos de declaração dos réus ALEGANDO ILEGALIDADE na inversão feita na designação de oitivas de testemunhas de defesa e de acusação.

mar/13

04/03/2013

Indeferimento dos embargos de declaração do réu Demétrio, que pedia que fossem esclarecidas as informações contidas em despacho do dia 19/02/2013, alegando não ser possível identificar a que se refere, além de argumentar que TODOS OS ADVOGADOS RESIDEM FORA DA COMARCA.

20/03/2013

Designação de audiência de oitiva de testemunhas de defesa para o dia 08/05/2013.

22/03/2013

Autuação de Recurso em sentido estrito do réu Mario contra a 1ª VF de São Pedro da Aldeia.

abr/13 16/04/2013

Designação de audiência de oitiva de testemunha para o dia 02/05/2013.

mai/13 08/05/2013

Indeferimento de diversos pedidos dos réus: requerimento do réu Demétrio para publicação, para fins de intimação, dos defensores; pedido da defesa de Adilson buscando o ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA do dia 08/05/2013, em função da impossibilidade de comparecimento.

RECONSIDERO a decisão, dadas as ponderações expostas por ambas as partes, e determino o ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA para o dia

13/06/2013.

set/13 17/09/2013

Indeferimento por Unanimidade do Recurso em sentido estrito do réu Mario.

out/13 25/10/2013

DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE (PRESCRIÇÃO) em relação

às condutas capituladas nos arts. 207 e 288 do CP (atribuídas aos réus Adilson, Manoel, Mario, Demétrio e Ramilton), bem como a conduta capitulada no art. 203 do CP imputada a Demétrio.

Determinação de PROSSEGUIMENTO DO FEITO para os réus Mario e Demétrio no tocando ao DELITO CAPITULADO NO ART. 149 DO CP.

nov/13 18/11/2013

Intime-se o MPF para tomar ciência do ÓBITO DE TESTEMUNHA.

Intime-se a defesa de Demétrio para ADEQUAR O ROL DE TESTEMUNHAS em 10 dias

Expeça-se precatória para oitiva de destemunha de defesa do réu Mario.

ago/14 08/08/2014

Indeferimento do pedido do réu Mario, que assinala: omissão do Juízo no exame dos requerimentos

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354

constantes de sua petição; e pede a REINQUIRIÇÃO DE TODAS AS SUAS TESTEMUNHAS DE DEFESA; e pede também a RENOVAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL.

Designação de audiência para oitiva de testemunhas de defesa para o dia 25/09/2014.

set/14

12/09/2014 Designação de audiência de oitiva de testemunhas de defesa para o dia 18/10/2014.

Autuação de Liminar em HC do réu Mario em função de FALHAS NA EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIAS E INTIMAÇÕES para as audiências em 1ª instância.

16/09/2014

Indeferimento por Decisão Monocrática de Liminar em HC do réu Mario.

25/09/2014

Audiência - texto com conteúdo sigiloso

29/09/2014

DEFERIMENTO DE PRAZO de 10 dias pedidos pela defesa.

out/14 16/10/2014

Designação de audiência de oitiva de testemunha para o dia 03/12/2104.

Oficie-se o Juízo deprecado reiterando a necessidade das testemunhas apontadas nas precatórias.

nov/14

11/11/2014

DEFERIDO por MAIORIA DE VOTOS o HC do réu Mario.

24/11/2004

Tendo em vista os termos do acórdão do HC (2014.02.01.008105-2), expeçam-se cartas precatórias para oitiva de testemunhas.

Designação de audiência de oitiva de testemunha para o dia 24/02/2015.

dez/14

03/12/2014

Conteúdo sigiloso

Indeferimento do pedido formulado pela defesa dos réus, fundado em tese sobre ILEGALIDADE da inversão da oitiva de testemunhas de defesa e de acusação.

15/12/2014

Designação de audiência para oitiva de testemunha para o dia 28/01/2015.

jan/15 28/01/2015

Designação de audiência de oitiva de testemunha.

fev/15 27/02/2015

Dê-se VISTAS à defesa do réu Demétrio.

Deverá a defesa desse réu esclarecer a efetiva necessidade de oitiva de testemunha de substituição, pois já foram colhidos depoimentos de outras pessoas que prestaram serviços à AGRISA.

mar/15 25/03/2015

Expeçam-se precatórias para oitiva de testemunhas.

abr/15 08/04/2015

Designação de audiência de oitiva de testemunha para o dia 14/05/2015.

mai/15

jun/15

15/06/2015

De acordo com os autos do HC (0000262-30.2015.4.02.0000) suspendo a oitiva das testemunhas arroladas pelos réus.

16/06/2015

Expedição de carta precatória para audiência de oitiva de testemunha.

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355

Apêndice 4 – Lista de notícias sobre o Caso do Senador João

Ribeiro

Data Autor Título Jornal

13/02/2004 - Trabalho escravo: Ministério flagra 32 em terra

de senador Jornal do Brasil

13/02/2004 - Senador mantinha 32 escravos em fazenda do

Pará Tribunal da Imprensa

17/06/2004 Agência Repórter

Brasil

Senador João Ribeiro (PFL-TO) é denunciado

por trabalho escravo Carta Maior

01/04/2005 - Senador do trabalho escravo filia-se ao PL de

Alencar Tribuna da Imprensa

01/12/2005 Augusto Nunes Um Brasil anterior à abolição de 1888 Jornal do Brasil

01/08/2006 Leonardo Sakamoto Senador João Ribeiro e acusado pela morte de

Dorothy Stang estão na nova “lista suja” Repórter Brasil

03/08/2006 - Senador na lista de maus empregadores O Fluminense

07/10/2010 -

Pedido de vista suspende julgamento sobre

suposto crime de submissão a trabalho

escravo

Notícias STF

15/12/2010 -

Tribunal em Brasília confirma inocência de

João Ribeiro da acusação de trabalho

semelhante a trabalho escravo

Página virtual do Senador

João Ribeiro

31/03/2011 Maurício Hashizume TST confirma escravidão na fazenda do

Senador João Ribeiro Repórter Brasil

13/06/2011 Edson Sardinha Para o TST, Senador praticou trabalho escravo Repórter Brasil

13/06/2011 Edson Sardinha Pedido de Gilmar Mendes segura ação por

trabalho escravo Congresso em Foco

05/2011 Agência Senado Senadores divergem sobre penas e atuação

dos fiscais

Revista de Audiências

Públicas do Senado Federal,

Ano 2, nº 7, maio de 2011, p.

49.

07/07/2011 Jean Wyllys A escravidão ainda nos assombra Carta Capital

23/02/2012 Débora Santos STF recebe denúncias por trabalho escravo

contra senador do TO G1

23/02/2012 - STF recebe denúncia de trabalho escravo em

fazenda de senador Portal Terra

23/02/2012 - Recebida denúncia contra senador por suposto

trabalho escravo Notícias STF

24/02/2012 Diego Abreu Senador João Ribeiro é processado no STF

por escravidão Estado de Minas

18/04/2012 Leonardo Sakamoto Crianças bebiam água do gado em fazenda de

deputado flagrado com escravos Repórter Brasil

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356

Apêndice 5 – Espectro temporal do Caso Pagrisa

Executivo

Legislativo

Dia Período Dia

Judiciário

Justiça Federal Justiça do Trabalho

VR TRF STJ STF VT TRT TST

STF

Fiscalização do MPT feita entre 26/02/2007 e 23/03/2007

26 fev/07

23 mar/07

Fiscalização do Grupo Móvel (28/06 a 08/07)

28 jun/07

8

jul/07

30

Autuação de Medida Cautelar pela Pagrisa (0083400-61.2007.5.08.0116)

Aprovação da Comissão Especial do Senado para o caso

7

ago/07

Audiência Pública sobre trabalho escravo no Senado

9

Senado decide sobre os membros da Comissão (20/08 a 04/09)

20

4

set/07

É declarada aberta a Comissão Especial no Senado - 1ª reunião

5

Autuação de AP contra a Pagrisa (2007.39.04.000812-4)

Visita da Comissão Especial do Senado à Pagrisa

13

Apresentação do relatório da Comissão Especial do Senado

24

Realização da 2ª Reunião da Comissão Especial do Senado

26 26

Designação de interrogatório dos três denunciados para o dia 29/11/2007

Realizaçã 2 out/07

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357

o da 3ª Reunião da Comissão Especial do Senado

Encaminhamentos diversos na Comissão Especial do Senado (19/10/2007 a 18/02/2011)

19

nov/07

22

Autuação de HC por Fernão Villela Zancaner (2007.01.00.054079-4)

28

Audiência de interrogatório dos Zancaner

dez/07

6

Apresentação de defesa prévia e Pedido de Vista do MPF (devolvido em 09/01/2008

18

INDEFERIDO por UNANIMIDADE

o HC de Fernão Villela Zancaner.

jan/08 25 Acórdão sobre HC publicado no DJ.

fev/08

14

Autuação de HC de Fernão Villela, com pedido de liminar (HC100462/PA ou 2008/0035512-2)

Designação de audiência inaugural para 18/03/2008.

21

INDEFERIDO por DECISÃO MONOCRÁTICA o

pedido de liminar em HC de Fernão Villela.

28 Acórdão sobre HC transitado em julgado.

Decisão sobre liminar em HC de Fernão Villela publicada no DJ.

mar/08 17

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 18/03/2008 para 30/04/2008.

abr/08 28

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 30/04/2008 para 05/06/2008.

mai/08 8

Baixa definitiva do Acórdão sobre HC para Divisão de Aquivo e Memória Institucional

jun/08

2 Petição da Pagrisa

5

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 05/06/2008 para 15/07/2008.

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358

10

DEFERIDO por UNANIMIDADE o HC de Fernão Villela, demandando um novo julgamento do HC pelo TRF1.

15

17 Restauração de baixa do processo de HC

24

INDEFERIDO por UNANIMIDADE

o HC de Fernão Villela Zancaner.

jul/08

4 Acórdão sobre HC publicado no DJ.

15

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 15/07/2008 para 08/08/2008.

Autuação de Ação Anulatória 737 pela Pagrisa; Designação de audiência para 08/08/2008

26 Petição da Pagrisa

31 Acórdão sobre HC transitado em julgado.

ago/08

1

Autuação de HC, com pedido de liminar de Fernão Villela (HC112852/PA - 2008/0173045-6).

5

INDEFERIDA por DECISÃO MONOCRÁTICA a

liminar em HC de Fernão Villela.

8

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 08/08/2008 para 15/07/2009.

12

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 08/08/2008 para 25/09/2008.

29

Autuação de Ação Anulatória pela Pagrisa (Ação Principal - 0086600-42.2008.5.08.0116)

set/08

4

Despacho e Designação de Audiência Inaigural para dia 25/09/2008.

Fiscalização do MPT feita em 12/09/2008

12

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359

22

Baixa definitiva do Acórdão sobre HC para Divisão de Aquivo e Memória Institucional

23

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 25/09/2008 para 03/11/2008.

26

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 25/09/2008 para 20/10/2008.

out/08

13 Petição da Pagrisa

19 Petição da Pagrisa

20

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 20/10/2008 para 18/11/2008.

nov/08

1 Petição da Pagrisa

6

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 03/11/2008 para 24/11/2008.

11

Despacho e Designação de Audiência para o dia 24/11/2008.

17

Designação de audiência de instrução e julgamento para 04/02/2009.

18

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 18/11/2008 para 26/01/2009.

24

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 24/11/2008 para 17/12/2008.

28

Autuação de MS da Pagrisa (MS14017/DF - 2008/0271496-6)

dez/08

10

INDEFERIDO por DECISÃO MONOCRÁTICA a

liminar em MS da Pagrisa.

16 Petição da Pagrisa

17

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 17/12/2008 para 10/03/2009.

18 Autuação de Agravo

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360

Regimental no MS da Pagrisa.

19

DEFERIDA por DECISÃO MONOCRÁTICA o AR em MS, para conceder a liminar à Pagrisa.

jan/09

14

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de instrução e julgamento para 10/06/2009.

16 Petição da Pagrisa

20

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 26/01/2009 para 19/03/2009.

fev/09 9

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA de

instrução e julgamento para 24/06/2009.

mar/09

9

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 10/03/2009 para 27/04/2009.

17

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 19/03/2009 para 27/04/2009.

abr/09

20

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 27/04/2009 para 30/06/2009.

25 Petição Pagrisa

27

Adiantamento de audiência

do dia 30/06/2009 para 19/05/2009.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 27/04/2009 para 30/06/2009.

mai/09

19

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 19/05/2009 para 03/08/2009.

27

INDEFERIDO por UNANIMIDADE o MS da Pagrisa.

jun/09 25

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNC

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361

IA de

instrução e julgamento para 31/08/2009.

29

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 30/06/2009 para 27/07/2009.

jul/09

1

Acórdão sobre MS da Pagrisa publicado no Dje.

15

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 15/07/2009 para29/07/2009.

27

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 27/07/2009 para 01/09/2009.

29

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 29/07/2009 para 08/09/2009.

ago/09

3

Petição da Pagrisa

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 03/08/2009 para 14/09/2009.

4

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 01/09/2009 para 05/10/2009.

17

Autuação de RO da Pagrisa, requisitando a remessa do processo para o STF.

set/09

1

Audiência de instrução e julgamento

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 08/09/2009 para 06/10/2009.

9 Petição da Pagrisa

28

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA do dia 14/09/2009 para 05/10/2009.

ADIANTAMENTO DE AUDIÊNCIA

do dia 06/10/2009 para 05/10/2009.

out/09 5

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 05/10/2009 para 11/11/2009.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

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362

do dia 05/10/2009 para 11/11/2009.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 05/10/2009 para 11/11/2009.

23

Recebimento do RO da Pagrisa e remessa dos autos para o STF.

nov/09 11

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 11/11/2009 para 19/01/2010.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 11/11/2009 para 19/01/2010.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIENCIA

do dia 11/11/2009 para 11/11/2010.

dez/09

3

RO da Pagrisa é remetido ao STF.

7

Autuação de RMS da Pagrisa contra acórdão do STJ (MS 14017/DF).

jan/10 18

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 19/01/2010 para 19/01/2011.

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 19/01/2010 para 19/01/2011.

fev/10 1 Petição da Pagrisa

mar/10 17

União apresenta contrarrazões ao RMS da Pagrisa

abr/10 16 Petição da União

mai/10

jun/10 24 Petição da União

jul/10

ago/10 3

Apresentação de laudo pericial contábil

set/10

out/10

nov/10 5

Adiantamento DE AUDIENCIA

do dia 11/11/2010 para 10/11/2010.

dez/10 2

Julgamento parcial do HC de Fernão Villela; Pedido de vista do Ministro

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363

Gilson Dipp.

7

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 19/01/2011 para 14/02/2011.

16

INDEFERIDO por MAIORIA DE VOTOS o HC de Fernão Villela Zancaner.

jan/11

14

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 19/01/2011 para 19/01/2012.

26

Adiatamento de Audiência do dia 19/01/2012 para 14/03/2011.

18 fev/11

2

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

do dia 14/02/2011 para 14/02/2012.

É extinta a Comissão Especial do Senado

mar/11 14

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 14/03/2011 para 18/10/2011.

abr/11 26

Acórdão sobre HC de Fernão Villela publicado no Dje.

mai/11

6

Autuação de HC, com pedido de liminar, de Fernão Villela Zancaner (HC108299 / 9931585-17.2011.1.00.0000)

13

Acórdão sobre HC de Fernão Villela transitado em julgado.

16

Baixa do Acórdão sobre HC de Fernão Villela.

INDEFERIDO por DECISÃO MONOCRÁTICA a liminar em HC de Fernão Villela Zancaner.

jun/11

jul/11 19

Manifestação da Procuradoria Geral da República contra o HC de Fernão Villela.

ago/11

4

Adiantamento de Audiência de 10/11/2011 para 25/08/2011

25

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA O DIA 26/09/2011.

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364

set/11

5

Adiantamento de audiência do dia 14/02/2012 para 19/10/2011.

27

Adiantamento de audiência do dia 19/10/2011 para 18/10/2011.

out/11 18

AUDIÊNCIA e DECISÃO

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 18/10/2011 para 31/01/2012.

nov/11 28 Petição da Pagrisa

dez/11

15

INDEFERIDA a AP contra a Pagrisa.

19 Substituição do relator para Rosa Weber

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

PARA O DIA 13/02/2012.

jan/12

18

Autuação de Recurso de Apelação do MPF

24

DEFERIDO o Recurso de Apelação do MPF.

31

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 31/01/2012 para 29/02/2012.

fev/12

7

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA

PARA O DIA 22/02/2012.

16

Recurso de Apelação do MPF remetido ao TRF1

22

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA O DIA19/04/2012.

29

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 29/02/2012 para 29/03/2012.

mar/12

16

Autuação de Recurso de Apelação do MPF no TRF 1ª Região (2007.39.04.000868-0)

29

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 29/03/2012 para 07/05/2012.

30

PREJUDICADO por DECISÃO MONOCRÁTICA o HC de Fernão Villela.

abr/12 3 Decisão

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365

Monocrática sobre HC de Fernão Villela é publicado no Dje, nº 67.

13

Decisão Monocrática sobre HC de Fernão Villela transitada em julgado

19

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA O DIA 21/05/2012.

24

Decisão Monocrática sobre HC de Fernão Villela baixada para arquivo.

26 Petição do MPT

27

DEFERIDA EM PARTE a

Ação Anulatória 737 da Pagrisa

mai/12

7

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 07/05/2012 para 11/06/2012.

21

PREJUDICADO por DECISÃO MONOCRÁTICA o RMS da

Pagrisa

Petição da Pagrisa

28 Autuação de EDs da Pagrisa

jun/12

4 Petição da União

11

REDESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA do dia 11/06/2012 para 11/07/2012.

15 Petição da União

22 Deferida em parte

jul/12

2 Petição da Pagrisa

17

DEFERIDOS EM PARTE os EDs da Pagrisa

23 Petição da União

24 Petição da União

ago/12

3

Petição da Pagrisa - Recurso Ordinário

27 Petição da Pagrisa

24

Petição da União - Recurso Ordinário

28

INDEFERIDO por UNANIMIDADE os EDs da Pagrisa.

set/12 21

Acórdão sobre os EDs da Pagrisa publicado no Dje.

Autos apensados aos da Ação Principal (0086600-42.2008.5.08.0116)

out/12

15

Acórdão sobre os EDs da Pagrisa transitado em julgado.

18 Acórdão sobre

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366

os EDs da Pagrisa baixados para arquivo.

mar/13 22 Petição da Pagrisa

abr/13

mai/13 2

Autuação de RO da Pagrisa e da União

jun/13

jul/13 31

DEFERIDOS EM PARTE os ROs da Pagrisa e da União

ago/13 12 Petição da Pagrisa - Eds

set/13

5

Aguardando julgamento de Embargos nos autos do processo principal (0086600-42.2008.5.08.0116)

11

INDEFERIDOS os Eds da Pagrisa

26

Petição da Pagrisa - Recurso de Revista

out/13

15

INDEFERIDO o

Recurso de Revista da Pagrisa

23

Petição da Pagrisa - Agravo de Instrumento em RR

29

DEFERIDOS EM PARTE os EDs da Pagrisa

nov/13 12

Petição da Pagrisa - Recurso Ordinário

dez/13 11 Petição da União - EDs

jan/14 13 Petição da Pagrisa

fev/14

6 DEFERIDOS os EDs da União

14 INDEFERIDO o RR da Pagrisa

19 Petição da Pagrisa

mar/14 11 Petição da União

abr/14

7 Petição da Pagrisa

10 DEFERIDOS os EDs da União

21 Petição da Pagrisa

mai/14

jun/14

2 Petião da União

24 INDEFERIDOS os Eds da Pagrisa

jul/14 18

DEFERIDOS EM PARTE os

ROs da Pagrisa e da União

ago/14

set/14

out/14

nov/14

dez/14

jan/15

fev/15

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367

mar/15 30

Petição da Pagrisa - Recurso Ordinário

abr/15

mai/15

6 Petição da União

14

Petição da União - Recurso Ordinário

jun/15

1 Petição da Pagrisa

16

Autuação de Recurso Ordinário

jul/15

ago/15

14

Recurso de Apelação do MPF incluído na pauta de julgamento do dia 26/08/2015.

26

INDEFERIDO por UNANIMIDADE

o Recurso de Apelação do MPF; PRESCRIÇÃO

do delito previsto no art. 203 CP.

set/15

4

Acórdão sobre Recurso de Apelação do MPF publicado no e-DJF1.

11

out/15 1

Acórdão sobre Recurso de Apelação do MPF transitado em julgado e Baixa Definitiva.

nov/15

dez/15 14

Recurso Ordinário em andamento

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368

Apêndice 6 – Lista de notícias sobre o Caso Pagrisa no Senado

Data Autor Título Jornal

12/08/07 Denise Rothenburg Comissão do faz-de-conta Correio Braziliense, de 12/08/07, 10.

22/09/07 Elvira Lobato Governo pára ações contra trabalho escravo Folha de S. Paulo, de 22/09/07, pp. A01-A09.

22/09/07 Denise Rothenburg e Guilher Queiroz

Lupi versus senadores Correio Braziliense, de 22/09/07. p. 12.

22/09/07 Evandro Éboli Fiscais denunciam pressão de senadores O Globo, de 22/09/12, p. 12.

27/09/07 Ullisses Campbell Empresa do banco dos réus Correio Braziliense, de 27/09/07, p. 14.

27/09/07 Felipe Seligman Lupi contesta os senadores que criticam fiscalização

Folha de S. Paulo, de 27/09/07, p. A10.

29/09/07 Felipe Seligman Ministério descreve falta de salário e higiene em fazenda

Folha de S. Paulo, de 29/09/07, A04.

29/09/07 - Fiscais abusaram, diz diretor da fazenda Folha de S. Paulo, de 29/09/07, A06.

30/09/07 Miriam Leitão Panorama Econômico O Globo, de 30/09/07, p. 34.

01/10/07 - Primeiro plano Revista Época, de 01/10/07, p. 19.

01/10/07 Mino Carta Devolvam-no a Harvard Revista Carta Capital, de 01/10/07, p. 18.

01/10/07 - Painel do Leitor Folha de S. Paulo, de 01/10/07, p. A03.

03/10/07 Zuenir Ventura Onde Bebel brilhou O Globo, de 03/10/07, p. 07.

03/10/07 - Senadores "inocentaram" a empresa Folha de S. Paulo, de 03/10/07, p. A11.

04/10/07 Julianna Sofia Ministério do Trabalho vai retomar a fiscalização de fazendas

Folha de S. Paulo, de 04/10/07, p. A13.

09/10/07 Caio Junqueira Pagrisa expõe contradições da base aliada Valor Econômico, de 09/10/07, p. A14.

14/10/07 Ana Maria Tahan e Rodrigo Camarão

Entrevista- Carlos Lupi Jornal do Brasil, de 14/10/07, p. A12.

20/10/07 Dalmo Dallari Bancada da Escravidão Jornal do Brasil, de 20/10/07, p. A11.

21/10/07 - Ação causa atrito entre fiscais e Senado Folha de S. Paulo, de 21/10/07, p. A08.

31/10/07 - Grupo Móvel ligado ao Ministério do Trabalho resgata 88 trabalhadores

Gazeta Mercantil, de 31/10/07, p. A12.

31/10/07 - Curtas Valor Econômico, de 31/10/07, p. A02.

12/08/08 Miriam Leitão Panorama Econômico O Globo, de 12/02/08, p. 22.