universidade estadual de campinas faculdade de...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
RESPONSABILIDADE PELO MUNDO: UTOPIAS POLÍTICO-EDUCACIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE HISTÓRIA DE SÃO PAULO E BARCELONA
CAROLINE PACIEVITCH
ORIENTADORA: PROFA DRA VERA LÚCIA SABONGI DE ROSSI
Tese de Doutorado apresentada à Comissão de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.
Campinas
2012
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO/UNICAMP
ROSEMARY PASSOS � CRB-8ª/5751
Informações para a Biblioteca Digital
Título em inglês Responsibility for the world: political and educational utopias in history teachers education (São Paulo and Barcelona)
Palavras-chave em inglês: Teachers education History Education Utopia Teaching Área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte Titulação: Doutor em Educação
Banca examinadora: Vera Lúcia Sabongi De Rossi (Orientador) Joan Pagès i Blanch Leny Cristina Soares Souza Azevedo Ernesta Zamboni Maria Elena Bernardes
Data da defesa: 06/07/2012
Programa de pós-graduação: Educação
e-mail: [email protected]
Pacievitch, Caroline, 1982- P118r Responsabilidade pelo Mundo: utopias político- educacionais na formação de professores de História de São Paulo e Barcelona / Caroline Pacievitch. � Campinas, SP: [s.n.], 2012. Orientador: Vera Lúcia Sabongi De Rossi. Tese (doutorado) � Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. 1. Formação de professores. 2. História. 3. Educação. 4. Utopia. 5. Responsabilidade. 6. Docente. I. De Rossi, Vera Lúcia Sabongi, 1949- . II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.
12-114/BFE
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Dedico esta tese a meus pais,
Meroslau Pacievitch e Zení Delinski Pacievitch
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Agradecimentos
Obrigada aos professores que participaram desta pesquisa: Lola, Josep, Fidelio, Regina,
Cândido, Agnês, Mercedes e Ana. Foi uma honra conhecê-los e aprender com vocês.
Agradeço à CAPES e à Fundación Carolina pelas bolsas que possibilitaram a realização
deste estudo.
Obrigada, professora e amiga Vera Lúcia Sabongi De Rossi. Você representa, para mim,
sabedoria, gentileza, paciência e justiça.
Professora Ernesta Zamboni, um agradecimento especial por seu conhecimento, sua
generosidade e seu carinho sem iguais.
Moltes gracies, querido professor Joan Pagès i Blanch, pela acolhida e pelos
ensinamentos valiosos. Obrigada, equipe do Departament de Didàctica de les Ciències Socials da
Universitat Autònoma de Barcelona, pelo companheirismo.
Professoras Eloisa Höfling, Cristina Bruzzo, Maria do Carmo Martins, Heloisa Helena
Pimenta Rocha, Maria Carolina Bovério Galzerani e professor José Roberto Rus Peres, obrigada
por dividir seus conhecimentos de forma tão instigante.
Agradeço, professora Águeda Bittencourt, por abrir sua sala e partilhar suas experiências
durante o Estágio de Doutorado.
Professora doutora Leny Azevedo e professora doutora Maria Elena Bernardes, foi uma
honra receber os brilhantes comentários e críticas nos exames de qualificação e defesa. Muito
obrigada!
Agradeço a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, auxiliaram na construção desta
tese: funcionários da Pós-Graduação da Faculdade de Educação da FE; colegas que encontrei nos
Encontros e Simpósios, no Brasil e no Exterior. Somos companheiros, não somos deserto.
Oásis da minha vida, Andrey e Meroslau, agradeço pela acolhida carinhosa e pelos
sorrisos de apoio.
Obrigada, Haroldo, por acreditar na felicidade.
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Resumo
A presença das utopias político-educacionais na formação de professores de História é o objeto de estudo desta investigação. Pretendo analisar teses de doutorado dedicadas ao tema e cotejá-las com testemunhos de docentes de História/Ciencias Sociales, a partir de casos da Província de Barcelona (Espanha) e do Estado de São Paulo (Brasil). Quatro questões mantêm o elo entre a literatura existente sobre formação de professores com problemas específicos dos docentes de História: a pequena quantidade de pesquisas voltadas à Licenciatura em História, formas pessoais de incorporar autores estrangeiros ao cotejar com a realidade brasileira, a presença de tendências reflexivas e práticas sobre a formação docente e o sentimento de esperança sobre o trabalho utópico transformador dos professores. Para o caso de Barcelona, apresentam-se oito teses sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales de Enseñanza Secundaria entre 1991 e 2008. Para São Paulo, são nove, defendidas entre 1987 e 2008. Entrevistei três professores de Historia/Ciencias Sociales das cidades de Cerdanyola del Vallès e Granollers (Província de Barcelona) e cinco professores de História das cidades de Campinas, Hortolândia e São José dos Campos (Estado de São Paulo), selecionados a partir de recomendações da orientadora, do tutor do Estágio de Doutorado no Exterior e de colegas. Utilizei também outras fontes, como planos de aula ou de curso, atividades, tarefas, Proyectos Educativos de Centro, Projetos Político-Pedagógicos e o Diário de Campo. A importância atribuída ao ensino e o desejo de impactar sobre o futuro destacaram-se nas fontes documentais. Proponho o sentimento de Responsabilidade pelo Mundo – conforme Hannah Arendt – como uma das interpretações possíveis deste quadro. Nota-se que a crítica ao presente dispara o desejo de mudar o mundo, mas se recusa a tarefa como missão ou proselitismo político. A Responsabilidade pelo Mundo se manifesta quando o professor de História mostra aos jovens o mundo que foi deixado pelas gerações passadas e quando permite que criem seus próprios futuros. Penso que seja uma forma de compreender a utopia na profissão docente sem confundi-la com militância partidária ou doação abnegada.
PALAVRAS-CHAVE: formação de professores de História, utopias educacionais, responsabilidade docente pelo mundo
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Abstract
The presence of political and educational utopias on the history teachers’ education is the investigation subject of this work. My intent is to analyze PhD theses related to the subject and confront them with history teachers` testimonials from Province of Barcelona (Spain) and São Paulo State (Brazil). Four questions establish the relationship between the existing literature on teachers` education with specific difficulties of the history teachers: small quantity of researches on history education, personal ways of using foreign authors when analyzing the Brazilian actuality, the presence of reflective and practical trends on teachers` education and the hopeful feeling on the teachers` utopian transforming work. Eight PhD theses on education of history teachers between 1991 and 2008 are presented for the Barcelona case. While nine, released between 1987 and 2008, are presented for the São Paulo case. I have interviewed three history teachers in the Barcelona Province cities Cerdanyola del Vallès and Granollers, and five history teachers in the São Paulo State cities Campinas, Hortolândia and São José dos Campos. Further data has also been analyzed such as classes` plans, activities, homework, field diary and political-pedagogical projects. The importance attributed to teaching and the feeling of changing the future became evident on the documental data. I propose the feeling of responsibility for the world – according to Hannah Arendt – as one of the possible understanding of the scenario. It is observed that criticizing the present is one trigger to the wish of changing the world, however this task is not accepted as a mission or political proselytism. The responsibility for the world reveals itself when the history teachers present to the youths the world which was left by the former generations and when enable them to create their futures. I believe that is a way of understanding the utopia on the teaching profession without confusing it with party militancy or unselfish donation.
Keywords: history teachers’ education, educational utopias, responsibility for the world
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Resumen
La presencia de utopías políticas y educacionales en la formación de profesores de Historia es el objeto de esta investigación. Analizo tesis de doctorado sobre el tema y testimonios de docentes de Historia/Ciencias Sociales, a partir de casos de la Provincia de Barcelona (España) y del Estado de São Paulo (Brasil). Cuatro cuestiones establecen una ligación entre la literatura existente sobre la formación de profesores con problemas específicos de los docentes en Historia/Ciencias Sociales: pequeño número de investigaciones sobre la “Licenciatura em História”, estilos personales de interpretar autores extranjeros bajo la realidad brasileña, presencia de tendencias reflexivas y prácticas sobre la formación docente y el sentimiento de esperanza sobre el trabajo utópico transformador de los profesores. Se presentan ocho tesis sobre la formación de profesores de Historia/Ciencias Sociales de Enseñanza Secundaria entre 1991 e 2008. Para São Paulo, son nueve, entre 1987 y 2008. Entrevisté a trés profesores de Historia/Ciencias
Sociales de Cerdanyola del Vallès y Granollers (Província de Barcelona) y a cinco profesores de História de Campinas, Hortolândia y São José dos Campos (Estado de São Paulo), indicados por la directora de tesis, por el tutor del “Estágio de Doutorado no Exterior” y por compañeros de trabajo. Hay también otras fuentes, como planos de clase o de curso, actividades, tareas, Proyectos Educativos de Centro, Proyectos Político-Pedagógicos y el Diario de Campo. La importancia atribuida a la enseñanza y el deseo de impactar sobre el futuro se destacó en las fuentes documentales. Propongo el sentimiento de Responsabilidad por el Mundo – según Hannah Arendt – como posibilidad de interpretar ese cuadro. La crítica al presente impulsa el deseo de cambiar el mundo, pero se recusa la tarea como misión o proselitismo político. La Responsabilidad por el Mundo se manifiesta cuando el profesor de Historia enseña el mundo que las pasadas generaciones les dejaron a los jóvenes y cuando permite la creación de sus propios futuros. Pienso que es una forma de comprender la utopía en la profesión docente alejada de la militancia partidaria o de la donación abnegada.
PALAVRAS-CLAVE: formación de profesores de Historia, utopías educacionales, responsabilidad docente por el mundo
xv
Lista de siglas
Agaur - Agència de Gestió d’Ajuts Universitaris i de Recerca
Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Anpuh – Associação Nacional de História
CAP – Certificado de Aptitud Pedagógica
Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
CCP - Curso de Cualificación Pedagógica en Didáctica de las Ciencias Sociales
Cedes – Centro de Estudos Educação & Sociedade
Cenp – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNE/CES – Conselho Nacional de Educação – Câmara de Ensino Superior
CNE/CP – Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
Conicet - Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ESO – Educación Secundaria Obligatoria
Enem – Exame Nacional do Ensino Médio
FE – Faculdade de Educação da Unicamp
FEUO/SC – Fundação Educacional Unificada do Oeste de Santa Catarina
FMI – Fundo Monetário Internacional
GT – Grupo de Trabalho
IES – Instituições de Ensino Superior
IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
IU – Izquierda Unida
JUC – Juventude Universitária Católica
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
NEE – Necessidade Educacional Especial
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NTICs – Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PAU – Prueba de Acesso a la Universidad
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PPP – Projeto Político Pedagógico
PSOE – Partido Socialista Obrero Español
PSUC - Partit Socialista Unificat de Catalunya
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC/ Valparaíso - Pontificia Universidad Católica de Valparaíso
PUC/Chile – Pontificia Universidad Católica de Chile
PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PucCamp – Pontifícia Universidade Católica de Campinas
SER - Sociedad Española de Radiodifusión
SME – Secretaria Municipal de Educação
TLC – Treinamento de Liderança Cristã
TRSE – Theory and Research in Social Education
UAB – Universitat Autònoma de Barcelona
UAM – Universidad Autónoma de Madrid
UB – Universidad de Barcelona
UCSAL – Universidade Católica do Salvador
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UFU – Universidade Federal de Uberlândia
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
Univap – Universidade do Vale do Paraíba
USP – Universidade de São Paulo
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Lista de tabelasTabela 1: Dados biográfico-curriculares dos autores de teses defendidas em Barcelona .... 33�
Tabela 2: Teses de doutorado sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales
defendidas na Província de Barcelona. .......................................................................................... 34�
Tabela 3: Temática das teses de Barcelona. ......................................................................... 36�
Tabela 4: Dados biográfico-curriculares dos autores que defenderam em Universidades paulistas. ........................................................................................................................................ 59�
Tabela 5: Teses sobre formação de professores de História defendidas no Estado de São Paulo: dados gerais. ....................................................................................................................... 60�
Tabela 6: Temáticas das teses defendidas em Universidades paulistas. .............................. 62�
Tabela 7: Dados pessoais de Lola, Josep e Fidelio. ........................................................... 117�
Tabela 8: Filiações políticas e religiosas de Lola, Josep e Fidelio..................................... 121�
Tabela 9: Favoritos e influências para Lola, Josep e Fidelio. ............................................ 126�
Tabela 10: Razões para ser professor de História para Lola, Josep e Fidelio. ................... 134�
Tabela 11: Influência sobre o futuro para Lola, Josep e Fidelio. ....................................... 137�
Tabela 12: Papel do professor de História segundo Lola, Josep e Fidelio ......................... 138�
Tabela 13: Dados de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. ...................................... 164�
Tabela 14: Filiações políticas e religiosas de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. 172�
Tabela 15: Leituras favoritas de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. .................... 175�
Tabela 16: Influências e favoritos de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana ............. 180�
Tabela 17: Papel do professor de História segundo Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. ............................................................................................................................................. 182�
Tabela 18: Razões para ser professor de História para Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. ............................................................................................................................................. 188�
Tabela 19: Influência sobre o futuro para Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. ..... 191�
Tabela 20: Sonhos e utopias de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana. ..................... 194�
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Lista de gráficos
Gráfico 1: Origem dos autores das teses defendidas em Barcelona ..................................... 35�
Gráfico 2: Autores mais citados sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales nas teses apresentadas em Barcelona. ............................................................................. 37�
Gráfico 3: Referências sobre formação de professores de História nas teses defendidas em São Paulo. ...................................................................................................................................... 69�
Gráfico 4: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em Barcelona ................ 89�
Gráfico 5: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em São Paulo. ............... 89�
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1�
Objeto de Estudo e Justificativa ........................................................................... 1�
Referenciais teórico-metodológicos: utopias e utopias político-educacionais .. 10�
CAPÍTULO 1 – TESES DE DOUTORADO ...................................................................... 25�
1.1 – Província de Barcelona ............................................................................. 25�
1.1.1 Panorama ............................................................................................................. 32�
1.1.2 Problemas e propostas ......................................................................................... 39�
1.1.3 Utopias político-educacionais ............................................................................. 48�
1.2 – Estado de São Paulo .................................................................................. 55�
1.2.1 Panorama ............................................................................................................. 58�
1.2.2 Problemas e propostas ......................................................................................... 70�
1.2.3 Utopias político-educacionais ............................................................................. 77�
1.3 – São Paulo e Barcelona: semelhanças e diferenças .................................... 87�
CAPÍTULO 2 – TESTEMUNHOS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA ......................... 99�
2.1 Barcelona – Lola, Josep e Fidelio ................................................................ 99�
2.1.1 Trajetória de vida e formação ........................................................................... 101�
2.1.2 Prática docente e ensino de Historia/Ciencias Sociales .................................... 103�
2.1.3 Formação inicial e continuada .......................................................................... 117�
2.1.4 Utopias, sonhos, frustrações e esperanças ........................................................ 131�
2.2 São Paulo - Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana ............................. 143�
2.2.1 Trajetória de vida .............................................................................................. 145�
2.2.2. Prática docente e ensino de História ................................................................ 149�
2.2.3 Formação inicial e continuada .......................................................................... 164�
2.2.4 Utopias, sonhos, frustrações e esperanças ........................................................ 185�
2.3 – São Paulo e Barcelona: semelhanças e diferenças .................................. 196�
UTOPIAS da Responsabilidade Docente pelo mundo: considerações finais .................... 211�
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 235�
ANEXOS ........................................................................................................................... 255�
INTRODUÇÃO
Objeto de Estudo e Justificativa
A presença das utopias político-educacionais na formação de professores de História é o
objeto de estudo desta investigação. Pretendo analisar teses de doutorado dedicadas ao tema e
cotejá-las com testemunhos de docentes de História/Ciencias Sociales a partir de casos da
Província de Barcelona e do Estado de São Paulo.
Optei por coletar dados dos últimos 30 anos por marcar o início dos cursos de Pós-
Graduação em História e em Educação e áreas afins, tanto em São Paulo (Brasil) quanto em
Barcelona (Espanha). A tese mais antiga data de 1987 e os professores que entrevistei passaram
pela formação inicial a partir do final da década de 1970. Para ambos os casos, realizei a leitura
integral das teses, seguida do levantamento de suas características básicas, além de outros dados
para a contextualização do documento. As teses se assemelham mais pelo objeto de estudo e pela
opção teórico-metodológica do que pela distância temporal, por isso, a análise é temática.
O interesse por este problema começou desde meu processo de formação no Magistério e
acentuou-se na conclusão da pesquisa de Mestrado “Nem guerrilheiros, nem sacerdotes”
(PACIEVITCH, 2007), que sinalizou para a necessidade de compreender as relações entre os
professores de História e certas utopias de transformação do mundo. Além deste trabalho,
comecei a perceber que a educação como instrumento para a mudança da sociedade –
notadamente através do professor de História – é tratada por outros autores e faz parte, inclusive,
do senso comum sobre a profissão. Neste processo, algumas questões–problema foram surgindo.
Para os fins desta pesquisa, destaco quatro destas questões que permitem manter o elo
essencial entre a literatura sobre formação de professores (educadores) e os problemas
específicos dos docentes de História. Em primeiro lugar, a pequena quantidade de pesquisas
voltadas à Licenciatura em História, em contraste com outras áreas, conforme Iria Brzezinski e
Selma Garrido (2001), em “Análise dos trabalhos do GT Formação de Professores”. Isso é
corroborado por pesquisadores da área específica, como Selva Fonseca (2011), em sua
participação do Grupo de Pesquisa 2 – Formação de Professores e Saberes Docentes, apresentado
no IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História (Enpeh). Em segundo lugar,
como mostrarei no Primeiro Capítulo, existem formas muito pessoais de incorporar autores
2
estrangeiros ao cotejar com a realidade brasileira, conforme o estudo “Desafios da pós-graduação
e da pesquisa sobre formação de professores”, de Marli André (2007). Em terceiro lugar, a
presença das tendências reflexivas e práticas sobre a formação docente (FREITAS, 2002 e 2007),
notadamente em textos publicados após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases 9394/19961.
Por último, o sentimento de esperança sobre o trabalho utópico transformador dos professores
(FREITAS, 2002 e 2007; SHIROMA & EVANGELISTA, 2004). Os dois últimos aspectos são os
mais importantes para esta tese. Para localizar melhor estes problemas, apresentarei, inicialmente,
em linhas gerais, elementos do campo maior da “formação de professores”2, no qual o tema das
utopias educacionais ganha importância e clareza.
Helena Freitas escreveu sínteses relevantes sobre formação de professores nos artigos
“Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação” (2002) e “A
(nova) política de formação de professores” (2007). Para a autora, os balanços realizados até
agora demonstram que predomina a tendência neoliberal nas propostas para a formação de
professores no Brasil, povoando a formação docente com as categorias de prática e reflexividade.
No entanto, a luta contra o tecnicismo, junto aos avanços sociais dos anos 1980 seguem
importantes na luta contra a degradação dos direitos dos professores. Ainda hoje, portanto,
defende-se a
(...) necessidade de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade. Com esta concepção emancipadora de educação e formação, avançou no sentido de buscar superar as dicotomias entre professores
e especialistas, pedagogia e licenciaturas, especialistas e generalistas, pois a escola avançava para a democratização das relações de poder em seu interior e para a construção de novos projetos coletivos. (FREITAS, 2002, p.139 – grifos no original)
A visão ampliada sobre o professor e a escola, entendendo-os como instrumentos de luta
contra as injustiças e desigualdades, alinha os docentes a determinados projetos históricos de
1 BRASIL. Lei n. 9394/1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 23 jul. 2012. 2 Importante destacar revisões bibliográficas feitas por diversas autoras. Segundo Marli André (2007), os programas de Pós-Graduação é que concentram estas pesquisas e têm por característica marcante a fragilidade metodológica e a citação de autores estrangeiros sem aprofundar conhecimento sobre eles.
3
construção do futuro de um povo – a partir, porém, da especificidade de sua profissão. Freitas
(2002) mostra que a propalada incapacidade do poder público em formar todos os professores
necessários para suprir a demanda educacional no Brasil favoreceu a iniciativa privada a cumprir
este papel. Estas intenções formalizar-se-iam em uma série de Decretos e Pareceres do Conselho
Nacional de Educação3.
Para a autora, a legislação atual propõe que os cursos universitários de Pedagogia formem
especialistas em Educação, responsáveis por avaliar e supervisionar o trabalho dos professores
“tarefeiros”. Estes, por sua vez, seriam formados em Institutos Superiores de Educação e Cursos
Normais, sem autonomia intelectual sobre seu trabalho (FREITAS, 2022, p.146). A separação
entre Mestrados Acadêmicos e Profissionais na área de Educação é outro sintoma desse processo,
que não foi freado mesmo nos Governos Lula (2002-2010). O estímulo à formação de professores
a distância (com a criação da Universidade Aberta do Brasil) criou novo ponto crítico para a área.
Freitas conclui sua argumentação reafirmando uma crença: os professores devem ser formados
para mudar a educação e, por consequência, a sociedade. Ela assume essa tarefa como utopia:
A necessidade de uma política global de formação e valorização dos profissionais da educação que contemple de forma articulada e prioritária a formação inicial, formação continuada e condições de trabalho, salários e carreira, com a concepção sócio-histórica do educador a orientá-la, faz parte das utopias e do ideário de todos os educadores e das lutas pela educação pública nos últimos 30 anos. (FREITAS, 2007, p.1204)
Para Shiroma e Evangelista (2004), no artigo “A colonização da utopia nos discursos
sobre profissionalização docente”, é complicado entender a formação dos professores como
utopia. Segundo elas, propostas como as da Organização das Nações Unidas para a Educação e a
Cultura – Unesco (a partir do Relatório Delors – “Um tesouro a descobrir”, publicado no Brasil
em 1998) traçam aos professores um futuro pronto, em que lhes cabe apenas a execução do já
3 BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação / Conselho Pleno. Parecer CNE/CP n.115/99. Diretrizes gerais para os Institutos Superiores de Educação. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n68/a16v2068.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012. BRASIL. Presidência da República. Decreto n.3.276/99. Dispõe sobre a formação em nível superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/110851/decreto-3276-99>. Acesso em: 22 fev. 2012. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES n.133/2001. Esclarecimentos quanto à formação de professores para atuar na Educação Infantil e nos Anos iniciais do Ensino Fundamental. Disponível em: <http://www.abmes.org.br/abmes/public/arquivos/legislacoes/Par_133_2001.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012.
4
estabelecido. Assim, a utopia educacional, presente na formação de professores, pode assumir um
viés positivo ou negativo, dependendo da origem e dos objetivos das utopias proclamadas.
Apresento a seguir algumas ideias, retiradas de diferentes artigos, livros, teses ou
dissertações das áreas de educação e ensino de História, que apostam na formação como
ferramenta utópica para a transformação dos professores, da educação e do ensino de História,
baseando-me principalmente em Antonio Simplício Almeida Neto, Manoel Fernandes de Souza
Neto, Ana Maria Monteiro, Christian Laville, Oldimar Cardoso, Júlio Costa, Virgínia Soares e
Marcos Silva & Selva Fonseca.
A tese de Almeida Neto (2002), intitulada “Dimensão utópica nas representações sobre o
ensino de história”, é o exemplo mais próximo desta investigação. O autor procurou – em
memórias de professores – as origens, semelhanças e transformações da dimensão utópica do
ensino de História e seu papel mobilizador ou desmobilizador, através da teoria das
Representações Sociais. Ele notou a predominância dos conteúdos históricos tomados como
"exemplos" – seja de patriotismo, seja de revolução. Houve poucas menções a atividades
concretas que representassem o poder de transformação da História nas aulas desta disciplina e os
entrevistados não se colocavam como agentes no curso da História. Na visão do autor, um
professor "veste" a ideia de ser crítico ou tradicional, mostrando-se mais engajado ou mais
conservador. Mesmo entre os docentes vinculados à esquerda, a temática revolucionária ganhou
características prospectivas (isto é, voltadas para o passado) e baixo grau de mobilização política
fora da sala de aula.
Para Almeida Neto (2002), a dimensão utópica do ensino de História forma-se entre as
vivências e as concepções docentes e tanto estimula ações como gera imobilismo. A
predominância da dimensão prospectiva refletiria a crise da educação, que deixa os professores
abandonados ao conflito entre desejo de mudar e sua dificuldade. Isso causaria a banalização de
utopias críticas. Para terminar, ele sugere a necessidade de realizarem-se estudos sobre a presença
das utopias na formação desses profissionais. E conclui:
(...) Afora o desencanto, nota-se que a dimensão utópica na disciplina parece sofrer um deslocamento, surgindo entre a conscientização e a militância: a poiesis, a criação, a formação, o ato criativo. Mais que a imposição de uma “consciência crítica”, o que parece despontar é o desejo que o outro deseje a transformação. (ALMEIDA NETO, 2002, p.211)
5
O que diferencia a tese de Almeida Neto (2002) da presente é justamente o tema: aqui,
trata-se das utopias na formação de professores de História embora, quando necessário, existam
referências às utopias do ensino de História. Almeida Neto ajudou, ainda, a mostrar a necessidade
de definir os conceitos, já que a palavra utopia é muito utilizada em textos acadêmicos e não
acadêmicos, mas nem sempre esclarecida. O termo pode receber significados bem diferentes,
dependendo da escola teórica a que faz referência. Outros exemplos esclarecem este ponto.
Sousa Neto (2005), em “O ofício, a oficina e a profissão: reflexões sobre o lugar social do
professor”, articula sentimentos, política e “efeito transformador” da tarefa docente:
Aos que optaram por ser e/ou continuar professores por prazer, a vida na profissão é uma celebração diária, pessoal e coletiva, que transforma cada ato, mesmo nos dias mais difíceis, em uma reafirmação da escolha feita em certa altura da existência. E é essa mesma opção que leva os professores às ruas, que engravida as greves, que educa no sentido lato a sociedade por dentro e por fora da escola. Ao fim de tudo, a luta parece dança, a palavra carne, a utopia
realização. (p.258-259 – grifos adicionados)
Esta visão afetiva é compartilhada em diversos artigos nos quais a necessidade do
engajamento político do professor – de História ou não – aparece. Outros autores também se
preocupam com a participação política e a militância por determinadas causas, seja a educação
dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), ou do movimento negro, ou
ainda na constituição da sua identidade profissional perante o estigma da vocação, ou mesmo da
defesa da escola pública4.
Ana Maria Monteiro (2007), no livro “Professores de história: entre saberes e práticas”,
buscou “bons” professores de História, ouviu suas narrativas e assistiu às suas aulas. Ela notou
um “algo mais”5 na forma como eles constituíam seus saberes, que muitos caracterizaram como
amor e vocação, um misto de paixão e opção política. O prazer encontrado no trabalho é
justificado pelo desenvolvimento da cidadania, que seria a “dimensão utópica da escola” (p.65).
4 Como mostram Sonia Beltrame (2002) no texto “Formação de professores na prática política do MST”; Ramofly dos Santos (2007) na tese de doutorado chamada “O Projeto Político Pedagógico do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem terra”; o artigo de Ana Gomes, “Movimento negro, política educacional e escola” (2004); Ione Valle, em “Da ‘identidade vocacional’ à ‘identidade profissional’ (2002); Maria Titton, em 2004, no artigo “Identidade coletiva de professores na escola pública” e Daniel Chiozzini na tese “História e memória da inovação educacional no Brasil” (2011). 5 Expressão que ela empresta do seguinte artigo: LÜDKE, Menga & MOREIRA, Antonio Barbosa. Socialização de Professores: as instituições formadoras – Parte 2. Relatório do CNPq. Rio de Janeiro: UFRJ/UERJ, 1998, mimeo.
6
Daniel Chiozzini (2011) mostra que a palavra Vocação foi recorrente em projetos de inovação
educacional no Brasil. Ele demonstrou que, além dos sentidos religiosos (chamado, missão),
filósofos iluministas preferiram compreendê-lo como desenvolvimento de talentos para uma
determinada função social. No Brasil, vocação e ensino congregaram-se ao desenvolvimento do
espírito nacionalista e patriótico e uniram-se ao escolanovismo, buscando desenvolver os talentos
individuais dos alunos. É difícil, portanto, utilizar a palavra sem correr o risco de sofrer
interpretações diferentes da que se gostaria. Nas páginas que seguem, procurarei identificar a
compreensão de cada autor – se possível – quando utiliza o termo “vocação”.
Há pesquisadores que se opõem à atribuição de funções transformadoras ao ensino de
História. Oldimar Cardoso (2007, p. 36-38), na tese “A didática da história e slogan da formação
de cidadãos”, demonstra a incompreensão da ideia de cidadania por parte dos professores de
História e a impossibilidade de “formar” cidadãos quando eles ainda não o são. O correto, para o
autor, seria afirmar que a escola educa para que um dia eles atuem como cidadãos, evitando ações
forçadas que desvirtuam os objetivos do ensino de História. Christian Laville (1999), no artigo
“A guerra das narrativas”, elenca alguns dos limites das narrativas históricas impostas por
determinados regimes políticos.
Mesmo assim, são abundantes as referências em contrário. Na dissertação de Júlio Costa
(2007) – “Os Estágios na Formação do Professor de História” – encontrou-se um dos mais
detalhados perfis sobre a participação política de futuros docentes de História:
Sobre a participação em algum movimento popular: político, sindical ou religioso, levantaram-se os seguintes percentuais: 77% não tiveram qualquer participação, enquanto 23% citaram movimento estudantil ou União da
Juventude Socialista ou movimento religioso ou ainda MST. Quando perguntados sobre a filiação em algum partido político, a resposta foi negativa para 100% dos participantes. De maneira geral, os dados indicam, para uma não participação política dos universitários, reforçando, mais uma vez, que o conhecimento das questões políticas, muitas vezes, é baseado apenas em leituras realizadas. (p. 74 – grifos originais)
Infere-se, desta citação, uma crítica à ausência de participação política partidária dos
estudantes de História. Ela seria, portanto, elemento importante para a preparação de bons
docentes? Outro exemplo está em Virgínia Soares (“Imagem, re-flexão e intersubjetividade na
formação do educador”, de 2007), na voz de um dos participantes de seu trabalho:
7
Capacitador: ‘(...) Você se diferencia de um conjunto dos professores do Estado, gostaria inclusive que meus licenciandos tivessem a oportunidade de observar suas aulas, porque eles já vêm com uma visão fatalista derrotista (...) todo professor tem que ter utopia a realizar, tem que acreditar. (...) fiquei bem impressionado com seu trabalho, o Estado precisava de mais professores como você, gente que gosta do que faz, faz aquilo por prazer.’. (p.111-112)
Neste caso, o professor não é elogiado por possuir vínculos políticos, mas por abraçar
uma utopia e realizá-la no trabalho de qualidade em sala de aula. Para Marcos Silva e Selva
Fonseca (2007), no capítulo intitulado “Entre a formação básica e a pesquisa acadêmica”, a
mobilização política dos anos 1980 e os embates nos anos 1990 foram momentos fundamentais
na constituição da identidade docente em História: “(...) O desafio, a desesperança, a crença no
futuro, a conscientização sobre a democracia e a cidadania aparecem como importantes
categorias formativas” (p.20). E estes elementos não estão presentes apenas nas “crenças” ou nos
“saberes” dos professores. São atos de militância:
As lutas do movimento docente, em diferentes épocas, marcam os processos formativos, revelam dimensões das lutas pela sobrevivência e dos embates políticos vividos no cotidiano. Os relatos de situações partilhadas, dificuldades, tristezas e alegrias demonstram como determinadas experiências, por exemplo, o
caso da militância política, são potencializadoras do desenvolvimento pessoal e profissional de cada um dos sujeitos (...) particularmente dos professores de
história. (p.19 – grifos adicionados)
Há referências ao tema também no plano internacional. Publicações como Theory and
Research in Social Education6 (TRSE) permitem verificar que cidadania, direitos humanos,
respeito à diversidade (racial, étnica, de gênero), cultura política e participação cívica são temas
fundamentais para o ensino de História nos últimos anos (Elizabeth Yeager, na Apresentação do
volume 33 da revista, em 2005). Ou seja, a responsabilidade dos docentes da História e das
6 Os exemplares da Revista Theory and Research in Social Education disponíveis na Hemeroteca de Humanitats da Universitat Autònoma de Barcelona cobrem o período de 1990 até 2010. A publicação está vinculada ao National
Council for the Social Studies e representa importante parcela da produção norte-americana (incluindo, também, contribuições da Europa, da África, da Ásia e da Oceania) sobre didática das Ciências Sociais. Sua produção se reflete em trabalhos no Brasil (no livro de Monteiro, 2007; e no artigo “Professores e a produção do currículo” de Maria Auxiliadora Schmidt & Tania Garcia, 2007) e também na Espanha (Joan Pagès, Gabriel Travé e Jesús Estepa, 2000, no livro “Modelos, contenidos y experiencias en la formación del profesorado de Ciencias Sociales”), principalmente na metodologia de pesquisa e definições sobre o saber, ensinar e formar para as Ciências Sociais e a História.
8
Ciências Sociais parece ir além do “ensinar história”. Na visão de alguns autores7, falta adesão
massiva e sincera por parte dos professores e um efetivo trabalho metodológico transformador em
sala de aula. O artigo “Ilusiones y mitos”, de Alicia Funes, María Gingins e Teresita Moreno
(2000), mostra a preocupação também entre autores da América Latina. Em sua pesquisa,
detectaram docentes preocupados em construir atitudes libertárias, desejando exercer a profissão
despojados de qualquer tipo de coerção (p.317-318).
Pelo exposto, palavras-chave tais como transformação, emancipação, cidadania e
democracia parecem permear os textos no Brasil e no exterior. Esta tese se dedica apenas a notá-
las quando partem de utopias político-educacionais relacionadas à formação docente em História.
Neste mesmo sentido, apresentarei apenas quatro teses (das dezessete – nove de São Paulo
e oito de Barcelona) que serão analisadas, na sua totalidade, no Capítulo Um. Estas são bastante
significativas no que se refere às categorias principais do objeto de estudo desta pesquisa. Joan
Pagès (em “El disseny, el desenvolupament del curriculum i el pensament del professor”, de
1993) não separou suas concepções de educação da responsabilidade assumida no projeto de
formação de que participou:
La consideració de la importància que té l'ensenyament en la formació del pensament social, geogràfic i històric, de la ciutatania d'un país democràtic i plural és una altra de les característiques del meu pensament. Aquesta característica entronca el meu pensament polític amb la tasca professional,
formant un tot indestriable. (p.21 – grifos adicionados)
Também Agnès Boixader (2004), na tese “Innovació en el currículum de Ciènces Socials i
formació del profesorat”, relatou a existência de um “espírito” de transformação social que reinou
entre os participantes de sua pesquisa. Este, para ela, é parte constituinte da identidade do
professor de Historia/Ciencias Sociales:
Tot plegat és per explicar que iniciar una feinada con la que teniu a mans sense esperar-ne cap altra compensació més que el creixement personal i la satisfacció
d'haver ajudat a creixer - si més no, professionalmente - a altres mestres només
7 Conforme os exemplos de Elizabeth Wilson, Bonnie Konopak & John Readence (1994), no texto “Preservice teachers in secondary social studies”; Bruce Vansledright & S.G. Grant (1994), com o artigo “Citizenship education and the persistent nature of classroom teaching dilemmas”; Stephen Thornton, mais recente, em 2005: “Teaching and teacher education in a time of crisis” e James Leming, em 1992, tratando de “Ideological perspectives within the social studies profession”.
9
es pot fer des de la bogeria més absoluta o des de la voluntat, sovint obstinada, de trobar un espai per a la utopia, potser una altra forma de bogeria. També podria ser que fos un simple exercici de responsabilitat ciutadana, de
responsabilitat política, un exercici que vol contribuir a repensar el sentit de l'educació i de l'escola avui. (...) M'he pres aquesta recerca com un acte de
responsabilitat. (p.114 e p.48 – grifos adicionados).
Ao estudar a realidade brasileira, Carlos Augusto Lima Ferreira (2004), na tese “A
formação e a prática do professor de história” comungou ideais semelhantes, em que transparece
a obrigação pessoal do professor:
Um novo fazer educativo depende de nossa mudança de atitude pedagógica e de enfrentamento – começando por uma autocrítica da nossa prática – frente àqueles que não estão interessados em construir uma sociedade solidária, onde todos possam viver enquanto cidadãos dignos. Há um exército de crianças em idade escolar, com educação precária, abandonadas socialmente e outras tantas que não conseguem sequer completar o ensino fundamental, jogadas à sua própria sorte e excluídas do processo social. Além desses, também há os estudantes do sistema privado de ensino, que muitas vezes não têm o conhecimento construído de forma a possibilitar sua percepção crítica do mundo.
Cabe, pois, aos professores (...) de História, a tarefa de levar a esses diferentes atores uma educação problematizadora que os faça compreender, agir e pensar historicamente contribuindo para a formação de um sujeito que saiba situar-se no tempo e no espaço, tornando-os ativos participantes do processo social. E isto concretamente é mudar atitudes!” (p. 318 – grifos adicionados)
Para o caso paulista, inspirado nos testemunhos de professores, Elison Paim (2005), com a
tese “Memórias e experiências do fazer-se professor”, reforça sua compreensão de que o
professor “se faz” na ousadia e na inovação, independente das determinações oficiais:
(...) lutas, as experiências do passado, os sujeitos se instrumentalizam, passam a ter esperança na mudança, na utopia como algo que está se fazendo e não que virá de qualquer forma. Deste modo, as professoras, ao buscarem suas memórias
e experiências vividas, passam a ser sujeitos do processo, sentem-se produtores, participantes. (...) Percebi, no decorrer desse estudo, que um ponto relevante para o fazer-se professor ou professora é que, enquanto educadores precisamos ousar ir além dos modelos idealizados, quer pela legislação oficial, quer pelos projetos dos Cursos de Licenciaturas. Ousar buscar; ousar inovar; ousar experimentar (...). (p.161 e 458-459 – grifos adicionados)
10
Referenciais teórico-metodológicos: utopias e utopias político-educacionais
Procurei por um conceito que expressasse o sentimento de que a educação possui um
significado para a construção de um mundo melhor e pelo entendimento da tarefa docente como
parte desse processo.
Em primeiro lugar, é preciso evitar compreensões imediatas ou naturalizadas de utopia,
que merecem a atenção de pesquisadores e instituições, principalmente na Europa, mas também
no Brasil8. Margarida Salomão (2009), no texto “Metáforas da utopia no espaço público
contemporâneo”, mostra que a palavra pode ser entendida como gênero discursivo e não apenas
literário. Para ela, utopia é, essencialmente, um discurso metafórico. Em pesquisa realizada em
jornais brasileiros e portugueses, ela procurou pela sua incidência e os resultados foram os
seguintes:
A distribuição da frequência destes usos é interessante: 36% como “projeto político”, 21% como “desejo ou sonho”, 17% como Nome Próprio, 13% como “espaço/tempo imaginário”, 11% como “projeto impossível”, 2% dos usos designam uma narrativa utópica. (p. 259 – grifos no original)
A primeira constatação é, portanto, que o termo circula largamente ainda hoje,
principalmente com o significado de “projeto político”, o que é relevante para esta tese. Mas é
preciso compreender, teoricamente, como as utopias podem ser objeto de estudo no campo da
formação de professores de História – notadamente como utopias político-educacionais.
Claude-Gibert Dubois (2009), no clássico livro “Problemas da utopia”, estuda a palavra
em sua forma literária, mas aponta algumas formas de compreendê-la como descontentamento
com uma dada realidade e construção de outra, concreta e integrada à sociedade (p.18). Ele
mostra que a utopia se define por sua origem literária, mas pode ser entendida, numa
extrapolação do termo, como toda construção imaginária, harmoniosa e irreal.
Para Bronislaw Baczko, no verbete para a Enciclopédia Einaudi, a utopia é resultado de
um trabalho intelectual, exercitando o direito a pensar com a imaginação (BACZKO, 1989, p.79).
8 O professor Carlos Eduardo Ornelas Berriel, do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos Linguísticos (IEL) da Unicamp lidera um importante grupo de pesquisas sobre Utopia no Brasil, que edita a revista Morus – Utopia e Renascimento. Existem centros especializados em estudos da Utopia na Universidade del Salento/Lecce (Itália), na Universidade de Florença, na Universidade François Rabelais (Tours, França) e na Universidade de Bologna, entre outras. Importante ainda citar a existência da Utopian Studies Society (Europe), que reúne pesquisadores e promove encontros periódicos (<http://www.utopianstudieseurope.org>).
11
As utopias podem aparecer como críticas ao capitalismo e próximas ao processo de
desencantamento9. Baczko defende que, mesmo que o significado de Utopia seja “lugar
nenhum”, ela se concretiza em livros e palavras de intelectuais – ditos “humanistas” pelo autor,
isto é “(...) pessoas cultas que conheciam latim e grego, e cuja própria forma se inspira da
tradição antiga que lhes era cara” (1989, p.11).
Marilena Chauí (2008) também estabelece relação entre os humanistas e a formulação de
utopias. Segundo ela:
o humanismo, (...) distanciando-se do teocentrismo medieval, (...) dá ao homem o lugar central. Desenvolve a ideia de que o homem é dotado de capacidade e força não só para conhecer a realidade, mas sobretudo para transformá-la, ideia que transparece num adágio que será celebrizado por Francis Bacon: “o homem é o arquiteto da Fortuna”, ou seja, o homem é senhor de sua sorte ou de seu destino. (...) Essa ideia da racionalidade e do poder da vontade conduz a duas outras ideias, essenciais para o surgimento das utopias: a de que os homens valem por si mesmos, independentemente de privilégios de nascimento e sangue, de maneira que a oposição entre ricos e pobres é injusta e fonte das revoltas que destroem os Estados; e a de que é possível organizar um Estado sereno, feliz, glorioso e perfeito, fundado na equidade e dirigido por um verdadeiro príncipe. (p.8-9)
O “brincar de utopias”10 marca a criação do “discurso utópico”, uma forma de argumentar
que não constitui, necessariamente, uma obra literária, científica ou filosófica. Ela pode aparecer
como vidência política, como radicalismo revolucionário ou como expressão reacionária
(BACZKO, 1989, p.23). Esta posição possibilita afirmar, junto com Salomão (2009) e Dubois
(2009), que uma utopia não precisa, necessariamente, constituir-se em obra literária à semelhança
da de Thomas Morus (escrita em 1516).
As utopias podem relacionar-se a um espírito de ruptura, definindo o mundo pela negação
e pela revolta, como quer Dubois: “(...) Utopia, ideologia, política: o pensamento utópico é uma
das fases da gênese das revoluções” (2009, p.34). São aspectos que procurei destacar nos
exemplos de Sousa Neto (2005), Boixader (2004) e Ferreira (2004), citados anteriormente.
9 Essa concepção é comungada por outros autores, como o próprio Dubois (2009) e as obras: SALIBA, Elias T. As utopias românticas. 2.ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. GALLO, Ivone. Utopia e socialismo. In: Revista Morus: Utopia e Renascimento. Campinas, n.6, p.245-253, 2009. 10 Baczko descreve a correspondência entre Thomas Morus, Erasmo de Roterdã e outros intelectuais da época, que se divertiam imaginando novos mundos, subvertendo a ordem existente, criando personagens, etc. A isto chamavam “brincar de utopias”.
12
Marilena Chauí, apoiada no próprio Dubois e em Bronislaw Baczko, também estabelece essas
relações entre utopia e política. Em suas “Notas sobre utopia” (2008), ela escreve:
O fundamental (...) é que esse discurso [o utópico] não é um programa de ação, mas um exercício de imaginação. Em outras palavras, o utopista é um revolucionário ou um reformador consciente do caráter prematuro e extemporâneo de suas ideias que, por isso, não podem ser postas como um programa. (...) No entanto, o discurso utópico pode inspirar ações ou uma utopia
praticada, que assume o risco da história (...) (2008, p.8 – grifos no original)
O mesmo se manifesta entre autores da Escola de Lecce. No artigo “La nuova linea
dell’utopia” (2009) e em “Su questi saggi e la loro genesi sull’utopia e sulla distopia” (1987),
Arrigo Colombo rebate as visões negativas de utopia presentes não só no cotidiano, como
também entre os acadêmicos. A utopia não é invenção avessa à realidade e à história, nem é
irreal, porque confia na realização de seus desejos.
Colombo (2009) parte do Manifesto do Partido Comunista, demonstrando que as utopias
não se transformam sozinhas, mas pela ação humana. Lembra Karl Mannheim e Ernst Bloch,
que, marxistas, elevaram a utopia a partícipe fundamental da História e puderam preservar suas
dimensões transcendentais e revolucionárias (p.59).
História e utopia estão estreitamente ligadas, também, para Cosimo Quarta (2009).
Através do texto “Livelli del pensiero utópico”, ele defende o estudo da utopia no sentido
histórico. O autor entende que a potência para construir utopias é um fenômeno tipicamente
humano, ligado à consciência reflexiva, à versatilidade e à adaptabilidade. Estas três habilidades
não são apenas criativas. Elas causam também os conflitos, que, por sua vez, trazem a angústia e
a inquietação. Estas, entretanto, é que seriam as fontes de novos modelos de vida, isto é, das
utopias (p.234).
O que Quarta (2009) quer dizer é que, para realizar previsões (ou projetos), as pessoas
precisam ter consciência de temporalidade. É daí que nasce a utopia – pelo fato de que as
pessoas, motivadas pela insatisfação com o presente, são capazes de elaborar projetos históricos.
Utopia é projetar a história. As formulações apresentadas por Colombo (1987 e 2009) e Quarta
(2009), que se baseiam profunda e criticamente no “princípio esperança” de Ernst Bloch11,
11 O acesso ao pensamento de Ernst Bloch se deu através das interpretações de Münster e Furter (1974): MÜNSTER, Arno. Ernst Bloch. Filosofia da Práxis e utopia concreta. São Paulo: Editora da UNESP, 1993 – (Biblioteca Básica).
13
apresentam o conceito adotado nesta tese: utopias são projeções de um futuro melhor, quase
sempre com apreciação crítica do presente e do passado.
A articulação com as três dimensões temporais, expostas por Rüsen (2007) no capítulo
“Utopia, alteridade, kairos – o futuro do passado” oferece uma aproximação e uma distinção
entre consciência utópica e consciência histórica. Para ele, ambas articulam presente, passado e
futuro, a fim de atribuir-lhes sentido e projetar ações futuras. A consciência histórica, porém,
trabalharia com acontecimentos concretos do passado e a utopia, com a esperança incerta (p.142).
Para o presente caso, assumo a utopia como projeção de futuro que critica o presente e o passado,
em busca de orientar projetos de ações futuros. Acredito que ela se apoia significativamente no
incerto e no imaginário, o que não a afasta de ligações fortes com a realidade a ser criticada ou
superada.
Carlos Berriel, pesquisador de utopias literárias do Renascimento, ressaltou – em
entrevista ao Jornal da Unicamp (2012) – a atualidade da reflexão utópica para o século XXI,
pois sua intenção continua a mesma, qualquer que seja o formato:
Ao contrário da crença comum, a utopia não é dominantemente uma visão ficcional do futuro, e sim uma reflexão sobre o presente, considerado este como o complexo de graves problemas sociais e políticos que alarmam o ambiente cultural do utopista. (...) Se a utopia tiver uma função social hoje, será a mesma de sempre: criar uma imagem do mundo a partir das opções históricas postas pela realidade (p.6)
Com ajuda de Backzo (1989), Dubois (2009), Chauí (2008), a Escola de Lecce e Carlos
Berriel (2012), entendo que certos projetos de futuro – por vincularem-se à inovação, à crítica e à
transformação das injustiças – podem configurar-se em utopias políticas. Estas se manifestam em
diversas formas e em inúmeros campos, como defende Giuseppe Schiavone no capítulo “Sulla
dinamica storica del progetto utópico” (1987), inclusive, creio, nas propostas para a formação de
professores de História.
Nesse sentido, a presente tese procura aproximar-se de um conceito de utopia aberto, que
cria imagens de mundo e atribui sentidos ao tempo, a partir das opções históricas relacionadas a
problemas sociais e políticos que dificultam as mudanças educacionais e culturais. Refere-se
também à esperança e à projeção de ações coletivas para construir um mundo melhor.
Há pesquisadores que se dedicaram a compreender, especificamente, as utopias
educacionais ou pedagógicas e demonstraram como elas circulam pela sociedade. Acredito que
14
possam influenciar a formação de professores, já que ajudam a definir perfis ideais dos docentes.
Uma primeira abordagem, que praticamente identifica utopia com educação, encontra-se em Rosa
Calatayud (1982), no capítulo “La utopía educativa en el pensamiento contemporaneo”:
La lucha entre realidad y deseo patente en el terreno de lo estético, de lo político y de lo social, hace del discurso utópico algo de continua permanencia en nuestro campo. Podríamos afirmar que toda la educación, todo el proceso
educativo es una utopía, puesto es donde realidad y deseo pugnan continuamente por influir en el desarrollo humano. Como proceso siempre inacabado, la educación es una continua utopía, que es irrepetible, que no está en ningún sitio más que en el propio individuo que se va conformando, de acuerdo con aquello que sólo desde sí mismo, desde su interioridad va intentando convertir de deseo en realidad en una dialéctica continua. (p.202 – grifos adicionados).
Também Baczko (1989) e Dubois (2009) acreditam que a educação pode ser objeto de
estudo dentro do pensamento utópico e os textos citados na Justificativa desta tese demonstram a
recorrência do tema. Autores como Patrizia Piozzi, no artigo “Utopias revolucionárias e educação
pública” (2007); Carlota Boto, em “Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola
pública, laica e gratuita” (2003b) e “A civilização escolar como projeto político e pedagógico da
modernidade” (2003); Pierre Furter em “A dialética da esperança” (1974), Franco Cambi (1999),
em “Características da Educação Moderna”, entre outros, serão os guias interpretativos ao longo
da investigação.
Da mesma forma, os artigos “Dificultades proyectivas para los educadores y el estigma de
la desilusión” (2002) e “Utopia é traição no circulo da emancipação?” (2009), de Vera De Rossi e
as já citadas Shiroma e Evangelista (2004), demonstram diferentes formas de interpretar as
relações entre utopias e educação. Elas podem ser de identidade, como quer Calatayud (1982),
mas também assumem outras nuances. Os argumentos destas autoras auxiliarão a compreender e
interpretar as teses e os testemunhos dos professores e serão apresentados ao longo dos capítulos.
15
Fontes documentais
O processo de elaboração e aplicação do instrumental de coleta de dados foi previamente
avaliado e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Anexo 1). Utilizei diferentes
estratégias de obtenção de dados e interpretação das fontes, divididas em três fases. Na primeira,
fiz a busca de teses de doutorado sobre formação de professores de História em diferentes fundos
(paulistas e barcelonenses). Com base em critérios pré-estipulados, expostos a seguir, selecionei
as que melhor interessavam a esta investigação. Na segunda fase, procurei pelas categorias de
utopias político-educacionais e formação docente e identifiquei outras, recorrentes. As entrevistas
com os professores de História e as observações de suas aulas compuseram a terceira fase.
Escolhi a abordagem comparativa por seu potencial explicativo para estabelecer relações
espaço-temporais sobre um mesmo tema12, conforme Miguel Pereyra (1990) no artigo “La
comparación, una empresa razonada de análisis”. Não se trata de realizar “Educação Comparada”
em seu sentido restrito, isto é, comparar sistemas educacionais entre países diferentes. O que se
faz, conforme Josep Cabanas (1983) no artigo “Epistemología de la Pedagogía Comparada”, é
utilizar-se de estratégias comparativas dentro de um objeto de estudo determinado no campo da
Educação. A intenção é permitir que as explicações possam emergir das descrições oferecidas
pela comparação, cotejadas às perguntas de pesquisa e aos referenciais teórico-metodológicos.
Diversos autores – como Marc-André Éthier e David Lefrançois (2010), no capítulo “Los
problemas de la investigación cualitativa en didáctica de las ciencias sociales” – foram
consultados e verificou-se consenso quanto ao papel primordial da pesquisa comparativa:
enriquecimento de dados qualitativos13. Destaco também observações oportunas do livro de
12 Por exemplo, o projeto Youth and History, para a Europa: ANGVIK, Magne & VON BORRIES, Bodo (Eds.). Youth and History. A comparative european survey on historical consciousness and political attitudes among adolescents. Hambourg: Edition Körber-Stiftung, 1997. Vol. A. PAIS, José Manuel. Consciência histórica e identidade. Oeiras: Celta, 1999. Há, também, uma iniciativa em desenvolvimento entre países do Mercosul: CERRI, Luis & MOLAR, J. Jovens diante da História: o nacional e o internacional na América Latina. Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR, v.5, n.2, p.161-171, jul./dez. 2010. Disponível em: <http://www.periodicos.uepg.br>. Acesso em: 01 set. 2011. FERREIRA, Angela; PACIEVITCH, Caroline & CERRI, Luis. Identidad y decisiones políticas de jóvenes brasileños, argentinos y uruguayos. Clio & Asociados: La Historia Enseñada, v.14, p.129-141, 2010. 13 Outros autores também ofereceram inspiração, como Carlos Muñoz Labraña (2010), com “El estudiantado y la formación ciudadana en la escuela”, Javier Merchán, em seu capítulo (2010) “La práctica de la enseñanza de las ciencias sociales como objeto de investigación de la didáctica” e Pagès (2005-2006), no artigo “La comparación en la enseñanza de la historia”.
16
Michael Crossley e Keith Watson (2003), intitulado “Comparative and International Research in
Education”, pois mostram que a pesquisa comparativa ajuda a construir pontes entre diferentes
culturas estudadas.
Mais próximo ao caso desta tese, está o trabalho de Rodrigo Henríquez & Joan Pagès
(2004) - “La investigación en didáctica de la historia”, que percorre a produção anglo-saxã,
francófana, italiana e espanhola sobre Didática da História, bem como o artigo “Enseñanza de las
ciencias sociales y formación docente en los países del Mercosur” de Silvia Finocchio (2000),
que reúne diferentes propostas sobre formação de professores no Mercosul14. Destaco a obra de
Libânia Xavier, notadamente no artigo “Itinerários profissionais de professores no Brasil e em
Portugal” escrito em conjunto com Maria João Mogarro (2011). Neste trabalho, as autoras
procuram pelas interlocuções entre escritores brasileiros e portugueses, suas redes de contato, as
citações recíprocas e a circulação de ideias. Com isso, estabelecem aproximações e
distanciamentos entre os intelectuais a fim de matizar as apropriações teóricas. Isso lhes permitiu
delinear as metamorfoses e oferecer propostas de leitura sobre reformas de ensino e práticas
docentes na atualidade (p.119 e 120).
Há exemplos de investigações comparativas no campo das ciências sociais e formação de
professores – notadamente, em David Hicks (2005) “Continuity and constraint” e na tese já citada
de Oldimar Cardoso (2007) – que trazem indícios do aproveitamento desta abordagem para
enriquecer a argumentação15. Este é o objetivo maior do uso da comparação nesta tese: oferecer
um olhar mais atento ao caso individual, através da constatação de diferenças e semelhanças e da
busca de sentidos nas relações entre as diferentes fontes documentais16.
A escolha da comparação entre a Província de Barcelona17 (Espanha) e o Estado de São
Paulo - Brasil18 (mapas disponíveis no Anexo 2) deu-se por diferentes razões. Desejava cotejar
14 Além do trabalho de fôlego divulgado por Mark Ginsburg no artigo “El proceso de trabajo y la acción política de los educadores” (1990), em que discute o papel do professor em países da Europa, Ásia, América, África e Oceania. 15 Outros exemplos encontram-se em K. Chin e Clifton Barber (2010) “A multi-dimension exploration of teachers beliefs about civic education in Australia, England, and the United States” e Ednilson Guioti (2007) em “Educação a distância: tendências predominantes na sua expansão, Brasil e Espanha”. 16 Kocka, Jürgen. Historia social y conciencia histórica. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 43 apud Pagès, 2005-2006. 17 Apesar de ser mais conhecida como uma bela cidade à beira do Mediterrâneo, capital da Comunidade Autônoma da Catalunha, refiro-me à Província de Barcelona. A cidade de Granollers, que abriga uma das escolas apresentadas no Capítulo 2, faz parte da Comarca do Vallès Oriental, dentro de território de Barcelona. Já Cerdanyola del Vallès fica na Comarca do Vallès Ocidental.
17
casos específicos com uma realidade diferente, que permitisse levantar interpretações
diversificadas sobre o problema. Assim, a conexão entre a produção sobre Educação e formação
de professores de História catalã com as paulistas19, aliou-se à possibilidade de um Estágio de
Doutorado no Exterior junto à Universidade Autônoma de Barcelona durante seis meses, com a
tutoria do professor Joan Pagès. Os congressos de caráter ibero-americano20 pontuam o longo e
intenso diálogo entre pesquisadores brasileiros e espanhóis. No ensino de História, verificam-se
intercâmbios entre autores como Mario Carretero21, Joan Pagès22, Rafael Valls23 e outros, que
publicam livros e artigos e se fazem presentes em congressos e colóquios. No campo da cultura
política, destaquem-se as tensões entre processos democráticos e autoritarismo, além da presença
marcante da religiosidade, em especial, a católica. As trajetórias históricas são distintas e essas
culturas adquirem formas próprias24. Porém, elementos comuns oportunizam questionamentos
semelhantes.
Procurei conduzir o olhar com as questões norteadoras da pesquisa e as teorias que as
apoiam: espantar-se com o óbvio e buscar nas minúcias e nos detalhes os significados mais
importantes atribuídos pelos produtores das fontes (a habilidade de “estranhamento” proposta por
18 Refiro-me ao Estado de São Paulo e não apenas à sua capital homônima. Hortolândia, São José dos Campos e Campinas são as cidades do Estado em que trabalham os professores entrevistados no Capítulo 2. 19 Parte da estrutura do sistema escolar brasileiro proposto na LDB 9394/96, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), inspirou-se em tendências espanholas dos anos 1990. No caso dos Temas Transversais, a instrução moral e cívica foi matéria fundamental para os espanhóis, como atestam Maria Thereza Souza (1998), no artigo “Temas transversais em educação” e Aída Terrón em “Hacia una genealogía del sistema público de enseñanza español” (2005). 20 Para citar alguns exemplos, aconteceram, em 2009: “IX Congresso Iberoamericano de História da Educação”, “IV Encontro Iberoamericano de Educação”, “VI Congresso iberoamericando de Educação Ambiental”. 21 Professor da Universidad Autónoma de Madrid e da Flacso. Possui diversos livros publicados no Brasil, entre eles “Documentos de Identidade – a construção da memória histórica em um mundo globalizado” (Artmed) e “Ensino da história e memória coletiva” (Artmed). 22 Professor da Universitat Autónoma de Barcelona. Esteve presente no VII Encontro Nacional “Perspectivas do Ensino de História”, realizado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – Uberlândia/MG, entre 3 a 6 de novembro de 2009. 23 Professor da Universidad de Valencia. Presente no III Seminário Iberoamericano de Didática das Ciências Sociais, organizado pelo Lapeduh/UFPR – Curitiba/PR, entre 19 e 21 de julho de 2010. 24 Ainda há disputas sérias sobre as memórias do período franquista na política e sociedade espanholas (conforme o artigo de Julián Casanova, 2005 – “Mentiras convincentes”). Isso também marca a educação cívica do país, como mostram Antoni Santisteban e Joan Pagès, 2007, no artigo “La educación para la ciudadanía y la enseñanza de las ciencias sociales, la geografía y la historia”). No Brasil, as discussões sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar são tratadas, entre outros, no artigo “Os arquivos que choram”, de Georgete Rodrigues (2007).
18
Carlo Ginzburg em “Olhos de Madeira”, 2001). Em seguida, refinar a compreensão e a
interpretação com os dados fornecidos pela crítica (entendendo-os como “documentos-
monumentos”, conforme ensina Jacques Le Goff em “História e Memória”, 2003) para, no final,
construir a narrativa que sintetize e suscite novas abordagens (conforme o conceito de narrativa
exposto em “Razão Histórica”, de Jörn Rüsen, 2001).
Estudo das teses
Escolhi estudar teses de doutorado, pensando que os pesquisadores que atingem este grau,
em geral, são adotados como referências importantes em sua área de estudo. Para o caso da
Província de Barcelona, apresentam-se oito teses sobre formação de professores de
Historia/Ciencias Sociales de Enseñanza Secundaria defendidas na Província de Barcelona a
partir da década de 1991. A busca das teses iniciou-se em 14 de Outubro de 2010 nas seguintes
bases de dados: Tesis em Xarxa, Biblioteca da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB),
Biblioteca da Universidad de Barcelona (UB), Dialnet25 e acervo físico do Departament de
Didàctica de la Llengua i la Literatura, i de les Ciències Socials da UAB, utilizando,
separadamente, as seguintes palavras-chave, em todas as bases:
<profesor/profesor/profesorado/docencia/didactica ciencias sociales/didactica ciences
socials/didáctica historia>.
A princípio, foram localizadas treze teses, mas, após leituras e discussões, o número de
teses foi reduzido a oito. As excluídas não obedeciam ao critério de referir-se a professores de
Secundaria de Historia ou Ciencias Sociales. O fundo documental que acolhe a maior parte das
obras é o Acervo físico do Departament de Didàctica da UAB e as bases como Tesis en Xarxa e
Dialnet confirmaram que o número de trabalhos sobre o tema é, de fato, reduzido.
Para o Estado de São Paulo, apresentam-se nove teses de doutorado sobre formação de
professores de História defendidas entre 1987 e 2008. A busca iniciou-se na mesma data, nas
seguintes bases de dados: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(Capes), Sophia, Dedalus, Athena, Lvmen (Campinas e São Paulo), Biblioteca Comunitária
25 Respectivamente: <http://www.tesisenxarxa.net/>; <http://www.uab.es/servlet/Satellite/bibliotecas-1259912737626.html>; <http://www.bib.ub.edu/>; <http://dialnet.unirioja.es/>.
19
(UFSCar) e Biblioteca Digital Brasileira de teses e dissertações26. Lançaram-se as mesmas
palavras-chave, selecionando as buscas por “Teses” ou “Doutorado” e optando por “Todos os
Campos” (ao invés de apenas “título” ou “assunto”), a fim de assegurar a abrangência dos
resultados.
O processo de busca foi lento e minucioso27. A palavra-chave “professor”, inserida no
Banco de Teses da Capes, auxiliada pela variável “Doutorado”, resulta em 4458 Teses28. Para
reduzir a procura, cruzou-se a variável “Doutorado” com a busca ano a ano. A partir da listagem
fornecida pelo sistema, realizou-se a leitura dos títulos e, quando estes demonstrassem tratar do
tema de interesse, avaliaram-se os resumos. Nos casos em que os resumos eram pouco
elucidativos, procurou-se pela versão integral da tese na Internet, na biblioteca da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) ou através do sistema de empréstimo entre Bibliotecas.
Da listagem de teses sobre professores, o número final chegou a nove pela aplicação dos
seguintes critérios: a tese deveria tratar, única e exclusivamente, de formação de professores de
História ou Estudos Sociais e ser defendida em programas de Pós-Graduação do estado de São
Paulo. Apesar de sua importância, foram excluídas: as que tratavam de professores que ensinam
História nas séries iniciais do Ensino Fundamental; aquelas que incluíssem, apenas
eventualmente, algum participante formado em História29; trabalhos que analisassem
metodologias de ensino e as que discutissem currículos e reformas dos cursos de Graduação
apenas do ponto de vista das Políticas Educacionais ou da História do ensino de História30.
26 Respectivamente: <http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/Teses.do>; <http://acervus.bc.unicamp.br/>; <http://200.144.190.234/F>; <http://portal.biblioteca.unesp.br/portal/athena/>; <http://sbi.puc-campinas.edu.br/cgi-bin/gw_46_4_2/chameleon>; <http://lumen.pucsp.br/F/?func=find-b-0&local_base=>; <http://www2.ufscar.br/interface_frames/index.php?link=http://www.bco.ufscar.br>; <http://bdtd2.ibict.br/> 27 Segundo Maria Ester Rodrigues (2005), na tese “A contribuição do behaviorismo radical para a formação de professores” a melhor tática para realizar revisão de literatura a partir de teses é elaborar listas muito abrangentes e procurar reduzi-las de forma manual, para evitar a perda de dados. 28 Dados de agosto de 2011. 29 Por exemplo: TUMA, Magda. Trajetórias e singularidades de professoras das séries iniciais: conhecimentos sobre o tempo histórico. 2005. 629 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2005. PAGOTTO, Maria Dalva. A UNESP e a formação de professores. 1995. 278 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 1995. 30 Por exemplo: PRADO, Elaine do. As práticas dos professores de História nas escolas estaduais paulistas nas décadas de 1970 e 1980. 2004. 94 f. Tese (Doutorado em Educação – História, Política, Sociedade) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2004 e de CIAMPI, Helenice. A história pensada e ensinada: da geração das certezas à geração das incertezas. São Paulo: Educ, 2000.
20
As entrevistas
A formulação dos questionários que orientaram as entrevistas baseou-se em autores
consagrados no uso de fontes orais31, obedecendo aos aportes da Associação Brasileira de
História Oral32. As fontes orais são portadoras de uma objetividade própria, que as torna
diferentes das escritas e dependentes de um tratamento específico, conforme Alessandro Portelli
(1997) em “O que faz a História Oral diferente”. Nelas, a voz do pesquisador deve ficar mais
clara e presente, pois a entrevista só existe a partir da pergunta expressa do entrevistador (p.37).
Entrevistei três professores de Historia/Ciencias Sociales das cidades de Cerdanyola del
Vallès e Granollers (Província de Barcelona) e cinco professores de História das cidades de
Campinas, Hortolândia e São José dos Campos (Estado de São Paulo), selecionados a partir da
minha rede de relações, com recomendações da orientadora, do tutor do Estágio de Doutorado no
exterior e de colegas. O número de professores foi estipulado a partir da discussão do referencial
teórico-metodólogico com diferentes pesquisadores da área e justificou-se pelos critérios
estabelecidos: desejavam-se professores de ambos os sexos33; em diferentes níveis de carreira
(longa, média e curta34), reconhecidos pelos seus pares, atuantes em escolas públicas ou privadas
e portadores ou não de título de pós-graduação.
Os professores entrevistados foram informados, com antecipação, dos objetivos do
projeto. Ficaram seguros de seu anonimato e do tratamento ético dos dados oferecidos. Firmaram
o termo de consentimento livre e esclarecido e, posteriormente, receberam a transcrição de seus
depoimentos e puderam modificá-los e alterá-los. Todas as discussões, análises e os resultados
31 Principalmente: Portelli (1997); o livro “Usos e abusos da história oral”, coordenado por Janaína Amado e Marieta Ferreira (2002) e o “Manual de História Oral”, de José Sebe Meihy (1996). 32 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL. Apresentação. Disponível em: <http://www.historiaoral.org.br/site/capa>. Acesso em: 26 mar. 2012. 33 Segundo dados do Inep (2009), é maior o número de professores homens nos Anos Finais do Ensino Fundamental (25,6%) e no Ensino Médio (35,6%) em relação aos Anos Iniciais. Os dados mostram que, na região Sudeste, 50,5% dos professores são brancos. A média nacional de idade para os anos finais é de 39 anos. Dos 131.069 professores de História de São Paulo que responderam ao Censo, 68.641 lecionam em 5 turmas ou mais, 22.416 em 4 turmas, 12.418 em 3 turmas, 13.481 em duas turmas e 14.010 em apenas uma turma. 90% dos professores com formação superior possuem licenciatura. História é uma das maiores áreas, correspondendo a 6,4% do total.
34 O tempo de carreira dos oito professores participantes é de 4 meses, 4 anos, 9 anos, 13 anos, 16 anos, 17 anos, 25 anos e 33 anos.
21
foram e serão comunicados e/ou discutidos com todos eles, que também escolheram seus
pseudônimos. Optei por não identificar as escolas participantes.
Os instrumentos de pesquisa utilizados (Anexo 3) foram elaborados especialmente para os
objetivos desta tese. No caso dos professores da Província de Barcelona, estão redigidos em
espanhol. Os instrumentos são:
1.Ficha de identificação, em que se solicitaram dados pessoais, informações sobre
escolarização e experiência profissional, filiações políticas, em movimentos
sociais ou religiosos e influências ou “favoritos” em áreas acadêmicas e culturais.
2.Roteiro para entrevista, dividida em cinco seções: Responsabilidade, Utopia,
Trajetória Pessoal, Trajetória Profissional e Questão Aberta.
3.Roteiro para observação de aulas, dividido em tópicos para observação do entorno
(tipo de instituição, características físicas, envolvimento com o pessoal) e registro
das atividades mais frequentes da prática escolar.
Além dessas fontes, produzidas em conjunto (participantes e eu), solicitei exemplos de
materiais utilizados por eles nas escolas: planos de aula, planos de curso, projetos, atividades,
referências dos livros consultados, tarefas realizadas pelos alunos, etc. Como fontes
complementares, consultei alguns documentos oficiais das escolas (Proyectos Educativos de
Centro, em Barcelona e Projeto Político Pedagógico, em São Paulo), que ajudaram a compor o
contexto de trabalho do professor nas escolas. Privilegiei os objetivos e valores defendidos pelas
Instituições de Ensino, o diagnóstico do alunado e o perfil do professor desejado pela escola. No
Diário de Campo, registrei observações sobre a localização da escola, as conversas informais com
outros funcionários e a participação em outros momentos não planejados.
Após o aceite de minha presença pela direção da instituição de trabalho do professor,
observei uma sequência de, em média, cinco aulas (que correspondessem ao desenvolvimento de
um tema específico de estudo), nas turmas e nos horários oferecidos pelo professor e pela escola.
Os alunos não foram entrevistados, nem houve anotação de conversas informais com eles, porque
não havia essa intenção. O objetivo era observar apenas atitudes do professor que pudessem
traduzir, de um modo mais claro, as relações com o seu processo de formação junto a seus
alunos. Para o registro destas observações, utilizei exclusivamente o diário de campo, com base
22
em um roteiro pré-estabelecido (Anexo 3). A transcrição das observações também foi submetida
à avaliação dos professores participantes.
Objetivos
•Investigar a presença das utopias político-educacionais nas teses de Doutorado sobre
formação de professores de História, defendidas em Barcelona e São Paulo, entre
1987 e 2008.
•Compreender, nos espaços citados, a presença das utopias político-educacionais em
testemunhos de professores de História.
•Tecer considerações sobre o Sentimento de Responsabilidade pelo Mundo na
formação de professores de História.
Estrutura da tese
Optei por dividir a tese em dois Capítulos, mais as Considerações Finais. No Primeiro, há
três grandes seções. Nas duas primeiras, descrevo e analiso as teses de Doutorado da Província de
Barcelona e do Estado de São Paulo. Exponho, primeiramente, como acontece a formação de
professores de História em cada uma das regiões, a partir da legislação, de artigos, livros,
dissertações e teses de autores considerados expoentes na área. Em seguida, apresento dados
profissionais dos autores e indico quais os temas, objetivos e referencial teórico-metodológico
predominantes. Depois, procuro verificar quais os problemas e as propostas emergentes entre as
teses e, por último, intensifico a discussão sobre as utopias educacionais e políticas. Na terceira
seção, estabeleço uma síntese comparativa entre as duas primeiras, procurando captar as
semelhanças e diferenças e trabalhar com os questionamentos suscitados.
O Segundo Capítulo aborda os testemunhos de professores de História. Ele também é
dividido em três seções. Na primeira, apresento as trajetórias e narrativas dos professores de
Historia/Ciencias Sociales de Barcelona e, na segunda, as de São Paulo. Em seguida, exponho as
observações sobre as escolas e a prática de sala de aula. Após esta contextualização, discuto
como cada docente vivenciou e avaliou a formação inicial e continuada. Por fim, procuro pela
possível presença de utopias político-educacionais nos testemunhos dos participantes. Na terceira
23
seção, analiso comparativamente os professores de cada região, cotejando seus testemunhos à
problemática desta pesquisa.
Nas Considerações Finais, retomo as principais notas dos capítulos e procuro inseri-las no
diálogo com a categoria da utopia docente da Responsabilidade pelo Mundo, tal como sugerida
por Hannah Arendt, na formação de professores de História.
24
25
CAPÍTULO 1 – TESES DE DOUTORADO
Neste capítulo, apresento um panorama das teses sobre formação de professores de
História defendidas em São Paulo e Barcelona, entre 1987 e 2008. O objetivo é analisar a
presença das categorias – Formação Docente e Utopias político-educacionais – nas interpretações
e propostas dos autores. Na primeira seção, escrevo sobre as teses pertencentes à Província de
Barcelona (Espanha) e, na segunda, as do Estado de São Paulo. Uma breve explanação sobre o
sistema educacional de cada região (principalmente, as Licenciaturas) precede a análise, a fim de
localizar as discussões em seu devido contexto. Na última seção, os dois grupos de documentos
são analisados em suas semelhanças e diferenças, buscando-se também os sentidos que podem
emergir da comparação entre Barcelona e São Paulo.
1.1 – Província de Barcelona
A Província de Barcelona pertence à Catalunha, uma das dezessete Comunidades
Autônomas da Espanha. Entretanto, boa parte de sua história acontece independente do Estado
Espanhol e há significativas diferenças culturais entre a região catalã e as demais Comunidades.
Segundo o sítio virtual da Generalitat de Catalunya, o condado catalão surge em 897, quando
Guifré el Pelós desliga-se do Reino Franco e transfere suas possessões à Marca Hispânica, dando
origem à Coroa de Aragão (com Alfons II) em 1164. Em 1714, durante a Guerra de Sucessão
pela Coroa Espanhola, a Catalunha toma partido de Carlos de Áustria contra Felipe V, mas, com
a vitória bourbônica, em 1716, o Decreto de Nova Planta abole as instituições próprias da
Catalunha. No final do século XIX, o movimento catalanista ganha força. No período da
República, em 1932, instala-se a Generalitat e se aprova o Estatut d’Autonomia35.
O sítio não menciona o período da Ditadura franquista (1939-1975), quando língua e
cultura catalãs são reprimidas em favor de práticas de unificação do Estado Espanhol. Ele cita,
entretanto, o retorno ao autogoverno com a Constituição de 1978 e a aprovação do Novo Estatuto
de Autonomia, em 2006, fruto, ainda, de polêmicas e controvérsias sobre a defesa de autogoverno
e do respeito à língua catalã, entre outros temas.
35 CATALUNYA. Conéixer. Disponível em: <http://www.gencat.cat/catalunya/cat/coneixer-historia.htm>. Acesso em 22 maio 2012.
26
O principal instrumento que procura garantir as condições políticas de autogoverno para a
Catalunha é o “Estatuto de Autonomia”. Segundo o Departament de Governació i Relacions
Institucionals,
(...) L'Estatut d'autonomia de Catalunya és la norma institucional bàsica. Defineix els drets i deures de la ciutadania de Catalunya, les institucions polítiques de la nacionalitat catalana, les seves competències i relacions amb l'Estat i el finançament de la Generalitat de Catalunya. (DEPARTAMENT DE GOVERNACIÓ I RELACIONS INSTITUCIONALS, 2012)
O primeiro Estatuto de Autonomia foi aprovado por Referendo em 1979, após o
restabelecimento da Generalitat da Catalunha (1977) com o fim da Ditadura Franquista. No
preâmbulo de seu texto, os legisladores manifestam o desejo de reconhecimento como
Comunidade Autônoma, solidária às demais nacionalidades e regiões que formam o Estado
Espanhol. Além disso, proclama como valores superiores certos princípios – democráticos –
recorrentes nas fontes documentais que serão apresentadas: “(...) la libertad, la justicia y la
igualdad, y manifiesta su voluntad de avanzar por una vía de progreso que asegure una digna
calidad de vida para todos los que viven, residen y trabajan en Cataluña” (CATALUÑA, 1979).
Além disso, o autogoverno é afirmado como direito inalienável.
O preâmbulo do Estatuto de Autonomia aprovado em 2006 reconhece o autogoverno
como parte da trajetória política da Catalunha desde a criação da Generalitat (1359) e em
iniciativas como a Mancomunitat (1914), o Estatuto de 1932, a Constituição de 1978 e o Estatuto
de 1979. Os mesmos princípios democráticos defendidos em 1979 são mencionados no novo
documento, acrescentando-se aspectos como o progresso, a valorização da diversidade cultural,
linguística e de gênero e a igualdade:
La libertad colectiva de Catalunya encuentra en las instituciones de la Generalitat el nexo con una historia de afirmación y respeto de los derechos fundamentales y de las libertades públicas de la persona y de los pueblos; historia que los hombres y mujeres de Catalunya quieren proseguir con el fin de hacer posible la construcción de una sociedad democrática y avanzada, de bienestar y progreso, solidaria con el conjunto de España e incardinada en Europa (CATALUÑA, 2006).
Ao longo deste texto, farei referências pontuais aos movimentos independentistas
(principalmente no Capítulo 2) e à importância do ensino da língua catalã nas escolas públicas da
Província de Barcelona, notadamente sobre o projeto de aula d’acollida. As iniciativas para
27
integração dos alunos imigrantes e valorização da História e da cultura da Catalunya correm
paralelamente às propostas de Educação para a Cidadania e para a Educação Europeia, às quais
farei referência posteriormente. Assim, em relação à legislação educacional, haverá momentos
em que trato da legislação comum ao Estado Espanhol e, em outras partes, de iniciativas
exclusivamente catalãs.
Na Espanha, os currículos de “Enseñanza Primaria” e “Secundaria”36 não apresentam,
em geral, a disciplina de História separada das demais. Existem as disciplinas (ou áreas de
conhecimento) “Conocimiento del medio natural y social” (para o caso de Primaria) e “Ciencias
Sociales” (para a Secundaria), em que os alunos entram em contato com noções de Geografia,
Direito, Sociologia, Antropologia, Política e História. Já na Educación Postobligatoria – nos
Bachilleratos – a História pode aparecer como disciplina independente, bem como em alguns
cursos profissionalizantes. Dependendo da ênfase do Bachillerato, há maior ou menor carga
horária dedicada à História. No Anexo 4, copiei um trecho do plano de curso da disciplina de
“Història del Mon Contemporani” para o primeiro ano de Bachillerato, feito pela Professora Lola
(entrevistada desta pesquisa), a fim de exemplificar parte dos conteúdos trabalhados.
Os professores de Historia/Ciencias Sociales de Secundaria são, prioritariamente, um
acadêmico de alguma área de conhecimento humanista. Direito, Jornalismo, História, Geografia,
Ciências Políticas, Sociologia, etc., são cursos superiores que, em geral, abrigam os que desejam
tornar-se professores de Historia/Ciencias Sociales37, conforme o artigo “La formación inicial y
permanente del profesorado de secundaria”, de Francisco Imbernón (2010, p.70). Nenhum destes
possui disciplinas obrigatórias referentes à área Pedagógica – nem geral, nem específica. Este
36
Enseñanza Primaria: inicia-se aos seis/sete anos de idade e a duração é de seis períodos letivos. Pode ser ministrada em escolas públicas, privadas e “concertadas” (escolas privadas que recebem subvenções do Estado e não podem recusar-se a matricular crianças enviadas pela administração pública, incluindo estrangeiros). Em geral, são professores polivalentes, formados nas Faculdades de Educação das Universidades, que ministram as aulas. Enseñanza Secundaria: dá sequência à Primaria e, após quatro anos, encerra a escolarização obrigatória (aos 16 anos de idade). Para ingressar no Ensino Superior, há diferentes linhas de acesso. A mais direta se dá após o curso do Bachillerato (com duração de dois anos). Ao final, os candidatos devem fazer os Exámenes de Selectividad da Universidade desejada e/ou as PAU – Prueba de Acceso a la Universidad. ESPANHA. Ministerio de Educación. Gobierno de España. Enseñanzas del sistema educativo. Disponível em: <http://www.educacion.gob.es/educacion/sistema-educativo/ensenanzas.html>. Acesso em: 13 ago. 2011. 37 Por exemplo, o grupo que ingressou no curso 2010/2011 no Màster da Universitat Autònoma de Barcelona era composto por “(...) 25 personas que proceden de siete titulaciones: Historia (9), Geografía (3), Historia del Arte (2),
Humanidades (1), Antropología (2), Sociología (4) y Ciencias Políticas (4)”(dados disponíveis no capítulo de Joan Pagès e Caroline Pacievitch, intitulado “Instrumentos para la evaluación de las representaciones sobre la profesión de profesor de Ciencias Sociales, de Geografía e Historia del alumnado del máster de Secundaria”, publicado em 2011).
28
fato é lembrado por Joan Pagès no capítulo intitulado “Formar professores de história na
Espanha”, publicado no Brasil em 2008.
Muitas pessoas dirigem-se a esses cursos com o objetivo de tornar-se professores. Porém,
ao longo de três, quatro ou cinco anos, dedicam-se apenas a estudar a disciplina de referência.
Um exemplo é a trajetória de formação do professor Josep (também participante desta tese) que
realizou a carreira de História e Geografia na Universidade de Lleida e, nos últimos anos do
curso, especializou-se em História da Espanha Contemporânea, sem nenhum contato com a
escola.
A legislação sobre educação e formação de professores, na Espanha, modificou-se em
1970, 1990, 2002 e 200638, mas nenhuma delas alterou o caráter complementar que assume a
preparação para a docência39. Em alguns currículos, os cursos de Graduação nas áreas dedicadas
às Ciências Humanas e Sociais são tão especializados que alguns professores formam-se
conhecendo muito pouco sobre História Antiga, mas podem ser, por outro lado, altamente
especializados em Guerra Civil Espanhola, por exemplo.
Após a Licenciatura na disciplina de referência, aqueles que desejam tornar-se
professores de Ciencias Sociales/Historia devem realizar uma nova etapa, que, até 2009,
chamava-se Certificado de Aptitud Pedagógica (CAP). Com duração entre 120 e 300 horas
(Pagès, 2008), oferecia noções de diferentes disciplinas pedagógicas (Psicologia, Didática Geral,
Política Educacional, etc.), além da Didática Específica das Ciencias Sociales, Historia,
Geografía e Historia del Arte e do Estágio Supervisionado (Prácticum). O CAP foi instituído na
década de 1970 (conforme o estudo de Consuelo Delgado Cortada, “Innovación o inmovilismo
en la formación histórica de los maestros”, 2006), ainda durante o Regime Franquista e, mesmo
38 Com a mudança de governo para o Partido Popular no final de 2011, está em curso outra reforma educacional. Um de seus primeiros atos foi substituir do currículo a disciplina de Derechos Humanos e Ciudadanía por Educación
Cívica y Constitucional. A reportagem do jornal espanhol ABC explicou a mudança da seguinte forma: “(...) La
materia estará libre, dijo el ministro [de Educação], de ‘cuestiones controvertidas y susceptibles de adoctrinamiento
ideológico’. Se centrará en proporcionar a los alumnos el conocimiento de la Constitución, sus valores, y cómo se
conforma un sociedad democrática y pluralista.” (LOS PUNTOS, 2012). Adiante, no Capítulo Dois, explicarei esta disciplina com mais detalhes. 39 Como mostra Pagès (2008, p.48-51). As críticas existentes à formação de professores de Historia/Ciencias
Sociales em Barcelona e na Espanha aparecem no posicionamento da Revista Enseñanza de las Ciencias Sociales, através dos editoriais de 2004 e 2006. Mesmo que não muito extensa, há uma literatura significativa que trata da formação do docente de forma crítica e propositiva.
29
após a abertura política, tardou em ser modificado (ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS
SOCIALES, 2004).
Algumas Universidades desenvolveram projetos próprios para adaptar a formação dos
professores de Secundaria às inovações curriculares, sociais, políticas e econômicas vividas pela
Espanha após o período Franquista, a entrada na União Europeia40 e a convivência com as ondas
migratórias41. Um exemplo é o Curso de Cualificación Pedagógica en Didáctica de las Ciencias
Sociales (CCP), desenvolvido na UAB com a participação de Montserrat Casas e outros
professores como Montserrat Oller e Joan Pagès. Casas escreveu dois artigos a respeito:
“Algunas propuestas para la formación inicial del profesorado en didáctica de las ciencias
sociales” (2000b) e “Una experiencia de formación del profesorado de educación secundaria”
(2000), em que explicou as matrizes que orientaram a decisão de criar um curso próprio – muitas
delas, baseadas em documentos da Organização das Nações Unidas (ONU) emitidos no final do
século XX. Esta iniciativa foi estudada detalhadamente na tese “La formación inicial del
profesorado de secundaria en Didáctica de las Ciencias Sociales en la Universidad Autónoma de
Barcelona”, de Liliana Bravo (2002) – uma das fontes para esta pesquisa.
Na visão do grupo que coordenou esta proposta, para que aconteçam mudanças na escola,
é preciso partir da formação dos professores, pois é somente com o seu trabalho que as inovações
se concretizam. Eles se basearam em experiências anteriores, desenvolvidas nas Escolas Públicas
(em grande parte sem apoio oficial), onde o pensamento e as experiências prévias dos futuros
docentes eram objeto de reflexão desde os primeiros dias de curso42.
O editorial de 2004 da Revista Enseñanza de las Ciencias Sociales reflete a posição de
professores de Didáctica de las Ciencias Sociales (assim como “La didáctica de las Ciencias
40 A Espanha entrou como membro de pleno direito na então Comunidade Econômica Europeia em 1986 e participou da criação do Euro em 1999. 41 Diversos autores tratam dos desafios enfrentados pelo ensino de História na Espanha, como Joaquim Prats, no artigo “La formación inicial del profesorado de educación secundaria” (2000); Isidoro González Gallego (2000) em “Formación inicial del profesor de ciencias sociales de educación secundaria”; Pilar Benejam, em 2002, no artigo “La didáctica de las ciencias sociales y la formación inicial y permanente del profesorado”; Carlos Domínguez, com “Formación del profesorado de ciencias sociales en educación secundaria ante el reto de la interculturalidad” (2006); e, no ano seguinte, López Martínez publicou “La educación intercultural en la práctica del profesorado de ciencias sociales en secundaria”. 42 Referência aos programas de formação desenvolvidos na Escola de Mestres “Sant Cugat” e ao modelo “Pla
Farreras”, expostos por Joan Pagès (2008, p.54-55).
30
Sociales, el curriculum de historia y la formación del profesorado” de Pagès, 1994) sobre a
importância da Didática Específica na formação de professores de Historia/Ciencias Sociales e a
omissão, por parte do poder público, na promoção de mudanças na área. Segundo a revista, ainda
a formação de professores de Historia/Ciencias Sociales para a Enseñanza Secundaria apresenta
os seguintes problemas:
(..) la separación temporal y organizativa entre la formación teórica y el prácticum; el diseño deficiente de la parte teórica del plan de estudios, que favorece las enseñanzas psicopedagógicas descontextualizadas de la enseñanza de las áreas y las disciplinas (…) y que dedica, a lo que es primordial en una formación teórica profesional – la didáctica de las áreas y las disciplinas motivo de la formación –, menos de la mitad de lo que se dedica a las primeras (…); el excesivo reglamentismo; la complicada e ineficiente ubicación institucional para su realización, etc. (ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS SOCIALES, 2004, p.1)
O editorial alertava para as falhas na nova legislação que, além dos problemas indicados
acima, não levou em consideração a integração do sistema de ensino aos padrões da União
Europeia, nem as pesquisas desenvolvidas pelos grupos dedicados a Didáctica de las Ciencias
Sociales desde os anos 1970/1980, segundo López Facal (2010), no artigo “Didáctica para
profesorado en formación”. A partir de 2009, as Universidades espanholas tiveram de adaptar a
formação do professorado de Secundaria, ao Sistema de Créditos Europeus, que podem ser
compartilhados por quase todas as instituições de ensino Superior europeias43.
Outros exemplos do diálogo internacional sobre formação docente em Historia/Ciencias
Sociales estão no programa de Màster de Recerca en Didàctica de les Ciències Socials, oferecido
pela Universitat Autònoma de Barcelona. Ele recebe professores de diferentes partes da
Catalunha e da América Latina44 e organiza as Jornades Internacionals de Recerca en Didàctica
de les Ciències Socials45, em que as investigações e experiências são expostas e discutidas. David
43 A uniformização do ensino em território europeu, de maneira a facilitar o intercâmbio de estudantes e profissionais, é um tema discutido sistematicamente desde, pelo menos, os anos 1980 e consolidado no Tratado de Bologna, de 19/6/1999, conforme o livro “Sistemas comparados de educación superior en Europa”, de Ulrich Teichler (2009). 44 O grupo de 2010/2011 era formado por alunos do Brasil, México e Chile, além da própria Catalunha. 45 “Les Jornades Internacionals d’Investigació en Didàctica de les Ciències Socials van ser creades per posar a
l’abast dels investigadors i del professorat un estat de la qüestió de la recerca i una anàlisi del seu impacte en el
món educatiu.” JORNADES Internacionals d’Investigació en Didàctica de les Ciències Socials. Antecedents. Disponível em <http://jornades.uab.cat/dcs/>. Acesso em: 19 out. 2011.
31
Parra, no texto “I Congreso Internacional sobre Enseñanza de la Historia” (2010) registrou a
presença de pesquisadores da Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Espanha, França, Grécia,
Itália, Marrocos e Suíça no referido congresso (junho/julho de 2010, em Santiago de Compostela
– Espanha)46.
Atualmente, o professor de Enseñanza Secundaria de Ciencias Sociales/Historia, na
Provincia de Barcelona, ao concluir sua carreira específica (com 3 ou 4 anos de duração), dirige-
se a uma Faculdade de Educação e opta pelo Màster de formació del professorat d'educació
secundària obligatòria i batxillerat, formació professional i ensenyaments d'idiomes47
.Trata-se
de um único grupo que se subdivide para a formação nas diferentes áreas, incluindo as Ciències
Socials. O Màster prolonga-se por dois períodos letivos. Após sua conclusão, os alunos estão
aptos para apresentar-se aos concursos públicos (las oposiciones48), que os classificam em listas
de espera, até a indicação oficial e o início da docência. É comum que fiquem meses (ou até mais
de ano) à espera da indicação, dependendo da posição na lista.
Em média, um professor de Secundaria, na Catalunya, recebe 36 mil euros por ano49. O
professor da Rede Privada não percebe melhor remuneração. Com frequência, o salário é o
46 Outro grupo que reúne pesquisadores em Didática da História de diversas partes do mundo é a International Society of History Didactics, atualmente presidida por um brasileiro, Oldimar Cardoso. INTERNATIONAL SOCIETY FOR HISTORY DIDACTICS. Purpose. Disponível em: <http://www.int-soc-hist-didact.org/>. Acesso em: 23 fev. 2012. 47 Na UAB, há, também, um programa de Màster de Recerca, ou pesquisa, na mesma área, que facilita o acesso ao Doutorado e recebe alunos nacionais e estrangeiros. A Universidad de Barcelona (UB) também dispõe de programa de Doutorado na mesma área. Seguiu-se a nomenclatura presente nos documentos da UAB, em catalão. CATALUNHA. Generalitat de Catalunya. Màster de formació del professorat. Disponível em: <http://www.gencat.cat/economia/ur/ambits/universitats/estudis_uni/masters/professorat_secundaria/index.html>. Acesso em: 23 fev. 2012. 48 O concurso público para entrada na Enseñanza Secundaria, na Catalunya é considerado bastante exigente. Inicia com um teste eliminatório sobre as línguas castelhana e catalã, seguido das oposiciones, em que os professores devem dissertar sobre um tema determinado e, em seguida, preparar e apresentar uma programació didàctica
(equivalente ao Plano de Curso brasileiro) e expor, oralmente, uma Unitat Didàctica (equivale a uma Unidade, ou módulo, em termos brasileiros) previamente preparada. GENERALITAT DE CATALUNYA. Ingrés i accés a cossos docents. Disponível em: <http://www20.gencat.cat/portal/site/ensenyament/menuitem.a735c8413184c341c65d3082b0c0e1a0/?vgnextoid=5027f2da8c305110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextchannel=5027f2da8c305110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextfmt=default>. Acesso em: 04 jul. 2011. 49 GENERALITAT DE CATALUNYA. Taules de retribució del personal docent. Disponível em: <http://www20.gencat.cat/portal/site/ensenyament/menuitem.e79d96e9bc498691c65d3082b0c0e1a0/?vgnextoid=11e3f2da8c305110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextchannel=11e3f2da8c305110VgnVCM1000000b0c1e0aRCRD&vgnextfmt=default>. Acesso em: 04 jul. 2011.
32
mesmo, mas este possui uma carga horária mais extensa que aquele e um número maior de alunos
por turma50. As escolas privadas possuem critérios variáveis para a seleção de seus professores e
podem, inclusive, contratar pessoas que não frequentaram o CAP, o CCP ou o Màster.
Esses dados auxiliam a compreender o contexto em que as teses foram escritas. Em
síntese, pode-se dizer que a formação de professores de Historia/Ciencias Sociales na Espanha
assume caráter dual, já que existe um período mais longo de estudos da História – a Licenciatura
– e os conhecimentos didáticos, pedagógicos e psicológicos são adquiridos em curso posterior,
cuja eficácia é contestada tanto por docentes quanto por acadêmicos. A separação entre a escola e
a preparação inicial é outro dos principais problemas da formação docente na Espanha, além da
dificuldade em concretizar os Estágios de forma satisfatória, posto que a carga horária do CAP é
restrita.
Adiante, discuto as teses propriamente ditas, começando por um Panorama geral, que
identifica os autores, localiza o contexto de produção das teses e expõe, brevemente, as principais
características gerais dos trabalhos, a fim de melhor explicitar o caráter de “documento-
monumento” das teses (LE GOFF, 2003). Depois, abordo os problemas e as propostas oferecidas
pelos autores e, por fim, localizo a presença de utopias político-educacionais na formação de
professores de Historia/Ciencias Sociales.
1.1.1 Panorama
As tabelas 1 e 2 informam os principais dados sobre as teses estudadas e seus autores.
Elaborei-as com ajuda de informações públicas, disponíveis nas páginas pessoais dos autores ou
nas Universidades em que trabalham.
50 Conforme depoimento da professora Lola, no Capítulo Dois.
33
Tabela 1: Dados biográfico-curriculares dos autores de teses defendidas em Barcelona. Autor Origem Currículo Ocupação atual
Carmen Guimerà
Espanha
Professora de Historia/Ciencias
Sociales em escolas públicas.Catedrática (chefia do Departamento de Ciencias
Sociales da instituição de Ensino). Doutora pela UAB (1991)
Aposentada.
Joan Pagès Catalunha
Professor de Historia/Ciencias
Sociales na Rede Pública de Barcelona.Atua com formação de professores em projetos oficiais e alternativos progressistas, como o Rosa Sensat. Doutor pela UAB (1993)
Formador de professores e pesquisador de Didáctica de las
Ciencias Sociales na UAB desde 1976.
Liliana Bravo
Chile
Professora de Didáctica de las
Ciencias Sociales na Universidad Católica de Chile. Doutora pela UAB (2002)
Professora da Universidad Alberto Hurtado de Santiago de Chile
Agnès Boixader
Catalunha
Professora de Historia no Bachillerato, em escola privada há mais de 25 anos. Doutora pela UAB (2004)
Professora de Didáctica de las
Ciencias Sociales na Universitat
Autònoma de Barcelona. Professora de Secundaria.
Carlos Ferreira
Brasil
Licenciado em História – 1985 – Universidade Católica de Salvador.Mestrado e Doutorado em Educação na UAB (1998 e 2003).
Professor Adjunto A da Universidade Estadual de Feira de Santana e Professor Assistente Doutor IV da UCSAL.
Nelson Vásquez
Chile
Licenciado e Magíster em Historia pela Pontifícia
Universidad Católica de
Valparaíso, Chile. Doutor pela Universidad de Barcelona.
Professor de Historia y Geografía
no Instituto de História da PUC Valparaíso.
Maria Paula González
Argentina
Formada em História pela Universidad de Buenos Aires com Especialização, Mestrado e Doutorado em Didáctica de las
Ciencias Sociales pela UAB.
Pesquisadora e docente na Universidad Nacional General
Sarmiento e Pesquisadora Assistente no Conicet (Consejo
Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas) – Buenos Aires.
Tomás Villaquirán
Venezuela
Professor de Historia/Ciencias
Sociales na Rede Pública da Venezuela. Doutor pela UB (2008)
Chefe do Departamento de
Ciencias Sociales da Universidad
de Carabobo, Venezuela.
34
Para elaborar a tabela 2, localizei os dados nas próprias teses, por meio das suas fichas
catalográficas. A finalidade destas duas tabelas é permitir a rápida localização de informações
sobre as teses e seus autores ao longo da leitura do texto.
Tabela 2: Teses de doutorado sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales
defendidas na Província de Barcelona.
Autor Título Local Ano Orientador
Carmen GuimeràPráctica docente y pensamiento del profesor de historia de secundaria
UAB 1991 Mario Carretero
Joan Pagès
El disseny, el desenvolupament del curriculum i el pensament del professor: el cas de l'experimentació del currículum de Ciències Socials del cicle superior d'EGB a Catalunya
UAB 1993 Pilar Benejam
Liliana Bravo
La formación inicial del profesorado de secundaria en Didáctica de las Ciencias Sociales en la Universidad Autónoma de Barcelona: un estudio de caso
UAB 2002 Joan Pagès
Agnès BoixaderInnovació en el currículum de Ciències Socials i formació del profesorat. Una recerca-acció
UAB 2004 Joan Pagès
Carlos Ferreira
A formação e a prática dos professores de história: enfoque inovador, mudanças de atitudes e incorporação das novas tecnologias nas escolas públicas e privadas do estado da Bahia, Brasil
UAB 2004 Maria Jesús Comellas
Nelson Vásquez
La formación del profesorado de Historia en Chile. La formación inicial y permanente de los educadores de la V región en el marco de la reforma educacional
UB 2004 Joaquim Prats
Maria Paula González
Los profesores y la historia Argentina reciente. Saberes y prácticas de docentes de secundaria de Buenos Aires
UAB 2008 Joan Pagès
Tomás VillaquiránLa enseñanza de la historia en la escuela básica venezolana. Visión del profesorado
UB 2008 Joaquim Prats
A tese mais antiga é a de Carmen Guimerà, de 1991, seguida pela de Joan Pagès, de 1993.
Existe um intervalo de quase uma década entre as primeiras publicações e as subsequentes,
orientadas, em sua maioria (três teses), pelo próprio Pagès, a partir de 2002. O ano que concentra
35
o maior número de defesas (três teses) é 2004 e as duas mais recentes são de 2008. Dentre os
autores, mais da metade deles são latino-americanos, conforme a distribuição do Gráfico 1.
Gráfico 1: Origem dos autores das teses defendidas em Barcelona.
Joan Pagès orientou mais teses (três)51, seguido por Joaquim Prats (Universidad de
Barcelona), com duas teses, quem, junto com Mario Carretero (Universidad Autónoma de
Madrid), são os únicos orientadores de fora da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). As
teses de Joan Pagès e Agnès Boixader foram redigidas em catalão e a de Carlos Ferreira, em
português. As demais estão em castelhano.
Quanto aos temas (conforme Tabela 3), predominam o “pensamento do professor de
Historia/Ciencias Sociales” e “currículo e programas de formação de professores – inicial e
continuada”. Como temas isolados, há: “saberes e práticas de professores de história” e “a
influência da formação e capacidade de inovação dos professores de história sobre o aprendizado
de seus alunos” – que, também, flertam com o “pensamento de professores de Historia/Ciencias
Sociales”52.
51 A origem destas teses está num grupo liderado por Pagès que congregou investigadores catalães interessados em conhecer práticas e interferir nos conhecimentos de professores de Historia/Ciencias Sociales na Província de Barcelona. Um artigo coletivo explica o objetivo do grupo, naquele momento: “(…) la detección de las representaciones de l@s estudiant@s de maestro de primaria y secundaria sobre la enseñanza de las Ciencias Sociales, la evaluación de los aprendizajes, la descripción e interpretación de la práctica de la enseñanza de la DCS según los supuestos de la investigación acción, y la observación y el análisis de los aprendizajes del alumnado de primaria y secundaria en Ciencias Sociales en las clases donde intervienen l@s estudiantes en formación”. Esclarecimento diponível no artigo “La formación del profesorado de educación primaria y secundaria en didáctica de las Ciencias Sociales” de Pagès et al (2000, p.1). 52 Os termos utilizados correspondem às definições dos autores.
36
Tabela 3: Temática das teses de Barcelona.
Pensamento do professor
Currículo e programas de formação
Saberes e práticasNovas tecnologias e formação de professores
Guimerà, 1991
Pagès, 1993
Villaquirán, 2008
Bravo, 2002
Boixader, 2004
Vásquez, 2004
González, 2008 Ferreira, 2004
Os objetivos a que se propõem as teses variam e direcionam o referencial teórico-
metodológico. Guimerà, Vásquez, González e Villaquirán compartilham objetivos: compreender
e interpretar o pensamento, as percepções, os saberes, as ações ou as crenças dos professores a
respeito do currículo, do ensino da História recente ou de reformas educacionais e/ou políticas. Já
os trabalhos de Bravo, Ferreira e Boixader, assim como o de Pagès, analisam e avaliam ações
formativas e inovações curriculares, tanto por meio da “voz do professor” quanto pelo
acompanhamento de experiências na formação inicial e/ou continuada de professores de
Historia/Ciencias Sociales.
A necessidade de uma exaustiva revisão de literatura de todos os campos correlatos ao
tema pesquisado aparece, principalmente, nas duas teses mais antigas e nas de latino-americanos
(notadamente, de Villaquirán e Vásquez). Provavelmente, isso se explicaria pela ausência, nos
anos 1990, de textos que sintetizassem as pesquisas sobre didática da Historia/Ciencias Sociales.
Para os casos americanos, a justificativa é a divulgação de textos ainda pouco conhecidos no
Novo Mundo.
Quanto ao referencial teórico-metodológico, os autores mais citados são representantes do
conceito de profissional crítico e reflexivo, enfatizando um ou outro destes adjetivos. José
Gimeno Sacristán, Carlos Marcelo e Donald Schön são citados em cinco das oito teses. Autores
ligados à Pedagogia Crítica também aparecem, embora a variedade de obras seja menor. Michael
Apple e Henry Giroux, seguidos de Thomas Popkewitz, são os mais reconhecidos, o que
confirma a hegemonia de interpretações anglo-saxônicas, no que se refere à Pedagogia Crítica,
entre as teses defendidas em Barcelona. Na tese de Vásquez (2004), os modelos crítico e
reflexivo são tomados como um único paradigma. Esse tema será retomado no item 1.3.
A lista de referências das teses – sobre formação de professores de Historia/Ciencias
Sociales – é grande, conforme mostra o Anexo 5. Noventa e três textos diferentes foram
37
referenciados nas oito teses. Os autores mais citados são Joan Pagès (UAB), com dezessete
referências, seguido de Ronald Evans53 com sete citações e de Pilar Benejam54, cujos textos
receberam seis referências. Logo depois, com quatro referências, está Anna Pendry55 e com três
citações empatam Stephen Thornton56, Beverley Armento57, James Shaver58 e Ramón Galindo59,
conforme o gráfico 2.
Gráfico 2: Autores mais citados sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales nas teses apresentadas em Barcelona.
53 San Diego State University. Informações curriculares disponíveis em: <http://phonebook.sdsu.edu/results.php?detail_of=b3U9Pzg1OTA3ODAzNzU4OTYzMTg4MDEwMDk=>. Acesso: em 14 ago. 2011. 54 Universitat Autònoma de Barcelona. Informações curriculares disponíveis em: <http://ddd.uab.cat/pub/expbib/2009/pilben/curriculum.htm>. Acesso em: 14 ago. 2011. 55 University of Oxford. Informações curriculares disponíveis em: <http://www.education.ox.ac.uk/about-us/directory/dr-anna-pendry/>. Acesso em: 14 ago. 2011. 56 University of South Florida. Informações curriculares disponíveis em: <http://www.coedu.usf.edu/main/departments/seced/Faculty/Thornton.html>. Acesso em: 14/8/2011. 57 Georgia State University. Informações curriculares disponíveis em: <http://www2.gsu.edu/~mstbja/vita.htm>. Acesso em: 14 ago. 2011. 58 Utah State University. Informações curriculares disponíveis em: <http://catalog.usu.edu/preview_entity.php?catoid=2&ent_oid=81&returnto=83>. Acesso em: 26 mar. 2012. 59 Universidad de Granada. Informações curriculares disponíveis em: <http://directorio.ugr.es/static/Personal/*/[email protected]>. Acesso em: 14 ago. 2011.
38
Dos oito autores mais citados, apenas três são espanhóis (Pagès, Benejam e Galindo) e os
demais são estadunidenses ou ingleses. Destes textos, quarenta e dois estão em língua espanhola,
trinta e cinco em idioma inglês, oito em português, três em catalão, dois em francês e um em
italiano.
As pesquisas são todas de tipo qualitativo, à exceção da tese de Vásquez (2004), que é
quantitativa, com questionários fechados, enquanto Ferreira (2004) lança mão de um instrumento
quantitativo (questionário estruturado) analisado em perspectiva qualitativa. Predominam o uso
de grande variedade de fontes (Guimerà, Pagès, Bravo, González) e as pesquisas de tipo
investigação-ação (Bravo e Boixader).
Estudos sobre “crenças” ou “pensamentos” dos professores, a partir do referencial
“reflexivo” são comuns na literatura anglo-saxônica sobre formação de professores de História ou
Ciências Sociais. A revista TRSE é representativa. Alguns trabalhos selecionados da coleção da
revista exemplificam esta discussão, como Elizabeth Heilman (2001) no artigo “Teachers’s
perspectives on real world challenges for social studies education” que estabelecem a necessidade
de investigar relações entre os objetivos da formação e as crenças dos professores. “Crença”
(beliefs) é um termo bastante utilizado nessa literatura, mas sua tradução pode criar confusão com
aspectos religiosos. Portanto, conforme Pagès (2000), no artigo “La didáctica de las ciencias
sociales en la formación inicial del profesorado”, o termo é entendido como “perspectivas”60.
Os autores que publicaram na dita revista demonstram que a reflexividade deve ser a
marca do professor de História. Como profissional, em sala de aula, ele carrega grandes
responsabilidades, que deve cumprir apoiado pela formação que recebeu. Precisa ser consciente
dos problemas que afetam seus alunos e capaz de promover ações eficazes para solucioná-los.
Além disso, é desejável que se engaje nos problemas da comunidade em que vivem os alunos.
60 Outros artigos que confirmam a correlação entre as teses analisadas e a tradição norte-americana são os de Christine Bennet e Elizabeth Spalding, “Teaching the social studies” (1992); Richard Chant (2002), que, no artigo “The impact of personal theorizing on beginning teaching”, verificou a importância da reflexão, com bom aparato teórico, sobre suas crenças e seu potencial para mudá-las; Ronald Evans (1990), em “Teacher conceptions of History revisited”, mostrou que professores conservadores ensinaram de forma menos crítica, que os liberais preocupavam-se com os valores em sua concepção de transmissão e, por fim, os revolucionários acreditavam que sua prática na sala de aula poderia mudar o mundo; Letitia Fickel (2000) pesquisou divergências entre as práticas escolares e o objetivo oficial para os Social Studies nos EUA, que divulgou no artigo “Democracy is Messy”; e na recente pesquisa de Jason Ritter & Kyunghwa Lee (2009), intitulada “Explicit goals, implicit values, and the unintentional stifling of pluralism” sondagens semelhantes foram realizadas.
39
Este é o perfil geral deste referencial teórico, adotado pelos doutores que defenderam em
Barcelona. No entanto, como procurarei demonstrar adiante, ele não determina as interpretações
sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales nas teses.
Em resumo, as oito teses defendidas em Barcelona são pesquisas qualitativas, que usam
fontes de tipos diversos (principalmente questionários, entrevistas e documentos curriculares). Os
temas se concentram no pensamento e nas perspectivas dos professores e na análise de currículos
e programas de formação. A base teórico-metodológica conjuga autores europeus e norte-
americanos em perspectiva de formação de profissionais reflexivos e críticos. A UAB acolhe a
maior parte dos trabalhos neste campo. Dessas informações, o fato de o referencial teórico
favorito girar em torno de “pensamentos e perspectivas” de professores não significa que a
ligação entre o trabalho do docente de Historia/Ciencias Sociales esteja ausente de vinculações
políticas, ou que inexista discurso utópico. Na sequência, destacam-se os problemas e as
propostas das teses, a fim de identificar as noções predominantes a respeito do professor de
História.
1.1.2 Problemas e propostas
A tese de Carmen Guimerà (1991) apresenta um problema bem definido: “(…) cómo la
formación disciplinar y psicopedagógica influye en las creencias, cómo las creencias influyen en
la actividad docente y cómo la formación influye en la actividad docente” (p.258). A pesquisa
originou-se de seu trabalho como formadora de professores na Rede Pública de Barcelona,
responsável pela implantação de uma Reforma Curricular que promovia o ensino de
Historia/Ciencias Sociales como responsável por formar valores de civilidade, cidadania e
tolerância entre os alunos.
Com o pressuposto de que o professor é o filtro a partir do qual as inovações chegam à
escola (gatekeeper61), Guimerà (1991) analisou inúmeras fontes, baseada, principalmente, num
questionário escrito dirigido a professores de Historia/Ciencias Sociales de quatro Comunidades
Autônomas da Espanha e de professores catalães.
61 Termo cunhado por Stephen Thornton (1991) no artigo “Teacher as a curricular-instructional gatekeeper in social studies”. Significa que o professor é o responsável por filtrar todas as informações e exigências advindas dos currículos para o aprendizado dos alunos.
40
O cruzamento das respostas mostrou que professores cuja concepção de História é
marxista (com base em Josep Fontana62) valorizam suas características pessoais, acreditam que os
alunos podem mudar para melhor e não usam apenas aulas expositivas (postura progressista, para
Guimerà). Além disso, entendem que a função da história ensinada é desenvolver espírito crítico,
pela contraposição de diferentes interpretações históricas. Ela compreendeu que o resultado mais
importante de sua investigação foi que
(...) la formación histórica de los profesores conforma toda una visión del papel del profesor, del aprendizaje de los alumnos, en definitiva, de la enseñanza que impregna su mundo de creencias y, por ende, su actividad docente. (GUIMERÀ, 1991, p.476)
Apesar do bom preparo teórico em História, ela revelou que os docentes entrevistados
possuem “(...) nula formación en Psicología Instruccional, en Pedagogía y en Didáctica” (p.514).
A partir dessas conclusões, Guimerà (1991) propôs que a formação se dedique a fomentar
reflexão sobre pensamentos e ações dos professores, a fim de modificar crenças e práticas
(p.515). Sugere que os docentes estejam informados das polêmicas que envolvem o ensino de
História, conheçam investigações sobre o pensamento do professor e realizem suas próprias
investigações educativas. Ela propõe o perfil de professor reflexivo e pesquisador e reconhece a
impossibilidade de concretizá-lo sem condições dignas de trabalho.
Joan Pagès (1993) preocupou-se com a mesma Reforma Educacional debatida por
Guimerà (1991) e, como ela, participou de projetos de formação direcionados ao novo Currículo.
Sua investigação deseja revisar, analisar e interpretar o processo de implementação curricular e
estudar seu impacto sobre o professor. As perguntas basilares são: o currículo muda a prática e o
pensamento dos professores? Como o currículo colabora com a formação de um profissional
reflexivo?
A motivação para investigar o pensamento dos professores partiu da frustração pelo
abandono das estratégias participativas nos programas de formação em que atuou. Os resultados
o levaram a criticar os programas e a propor formatos diferentes, com a premissa de que novos
currículos podem mudar as práticas, desde que realizadas com um bom processo de formação.
62 Autor influente na historiografia catalã, defensor da história marxista não ortodoxa e de um ensino de história engajado na formação política dos futuros cidadãos.
41
Pagès (1993) percebeu que faltava formação didática e curricular aplicada à área específica de
atuação dos professores.
Ancorado no que chamou de Paradigma Crítico, o autor constatou o peso da prática e de
concepções ideológicas no planejamento dos professores, que sentiram necessidade de maior
formação didática e científica para romper com o tradicionalismo no ensino de História. Para
Pagès, a melhor forma de oferecê-la é a partir da análise da própria prática (paralelamente a ela)
com a ajuda de especialistas e de um bom currículo. Além disso, não se pode basear no
voluntarismo: é preciso que o Estado garanta as condições necessárias.
Nove anos depois, o mesmo autor estimulou a análise da prática formativa que acontece
na Universidade, ao orientar a tese de Liliana Bravo Pemjean (2002). Ela acompanhou, por dois
períodos letivos, as atividades de formação de professores de Historia/Ciencias Sociales nas
opções então oferecidas pela UAB (o CAP e o CCP), interrogando a força das ideias prévias
sobre o processo de aprendizagem, ou seja, as relações entre os aspectos teóricos e práticos da
formação inicial.
Bravo (2002) decidiu conhecer e analisar os dois projetos (estudo de caso), com o objetivo
de promover, desde a formação inicial, professores que soubessem responder às demandas sociais
com reflexão e criatividade. O CAP, implantado desde 1970, tinha a duração de um quadrimestre
e era generalista, enquanto o CCP (projeto experimental realizado na UAB desde 1999) durava
um ano letivo e centralizava-se na Didáctica de las Ciencias Sociales – sugestão recorrente na
literatura especializada.
A autora verificou a persistência de elementos tradicionais entre os futuros docentes,
explicada pela força das experiências escolares vividas e a falta de insistência – por parte dos
professores de Didática das Ciências Sociais – na reflexão sobre os conceitos prévios ao longo do
curso. O impacto da prática foi o limite mais poderoso para a superação da incoerência entre o
discurso da Universidade e a realidade escolar. Os futuros docentes oscilavam entre a esperança
em aprender a ensinar de forma inovadora e o ceticismo em relação às teorias.
Dentre as propostas de Bravo (2002), inclui-se a necessidade de pesquisar os primeiros
anos de prática profissional dos professores recém-formados, para entender melhor os desafios da
prática e suas formas de enfrentamento. Além disso, os cursos de formação devem insistir no
trabalho com as crenças e o pensamento dos professores a partir da reflexividade. A formação
42
didática não deveria ser pós-licenciatura e, sim, concomitante à Licenciatura, para permitir a
inserção paulatina, refletida e crítica no universo da prática escolar.
A tese de Agnès Boixader i Corominas (2004) realiza parte do avanço desejado por Bravo
(2002) e dedica-se a investigar as práticas de um grupo de professores (incluindo ela mesma,
como líder) que pretendia inovar suas aulas. O grupo estava preocupado com a formação dos
jovens para o compromisso social, a partir do trabalho com conceitos-chave63. Boixader, então,
convidou todos os professores de Ciencias Sociales da escola “concertada” onde trabalha para
desenvolver, aplicar e refletir, em conjunto, unidades didáticas64 que levassem em consideração
os conteúdos que os alunos precisam aprender como futuros cidadãos de uma sociedade
multicultural.
Na tese de Boixader (2004), os professores participantes foram apresentados de forma a
privilegiar a utopia, a intuição, o desejo de ser professor, de transformar, de fazer da atividade
educativa uma tarefa de cunho político e/ou transformador. Ela percebeu que cada colega, com a
ajuda do coletivo, pôde trabalhar nos problemas habituais da sala de aula, refletiu sobre sua
bagagem teórica e melhorou sua prática. Todos se sentiram mais seguros, reforçaram a
autoestima e criaram hábitos inovadores. O trabalho conciliou inovação, formação e pesquisa,
pois partiu das necessidades dos professores e aconteceu no próprio local de trabalho.
Para que as mudanças esperadas na educação aconteçam, Boixader (2004) acredita que os
professores devem ter ajuda: condições para o trabalho em equipe, com atividades cooperativas,
carga horária remunerada para os encontros, espaços adequados e bom clima entre o grupo. Para
garantir a ação colaborativa, a líder levou em consideração as emoções, os sentimentos e
interesses individuais dos companheiros. Em suas palavras:
El professor o professora de secundària se sent mès compensat quan pot treballar en col-laboració que quan es veu obligat per les circumstàncies a fer-ho de manera individual (en solitari). Aquesta actitud de major satisfacció li provoca
63 Segundo proposta definida por Benejam e adotada por estudiosos da Didáctica de las Ciencias Sociales, trata-se de privilegiar problemas significativos do presente que conduzam à reflexão sobre o passado e, sempre que possível, a aplicação prática dos conceitos estudados, incentivando a ação coletiva. BENEJAM, Pilar. Las finalidades de la educación social. In: BENEJAM, Pilar & PAGÈS, Joan. (coords.). Enseñar y aprender ciencias sociales, geografia e historia en la Educación Secundaria. Barcelona: ICE Universitat de Barcelona/Horsori, 1997, p. 33-49. 64 “Unidades Didáticas” é parte do planejamento de curso de um professor. Trata-se de uma divisão temática do Currículo. Por exemplo, o plano de curso do Professor Fidelio (Anexo 7) delimita claramente cada Unidade Didática desenvolvida no curso ao longo do ano, como se fossem blocos temáticos.
43
entusiasme per seguir avançant en els canvis a introduir en la seva pràctica educativa. (BOIXADER, 2004, p.546).
No mesmo ano, outra tese preocupada com as inovações no campo do ensino da História
– pela ótica da formação docente – foi defendida na UAB. Desta vez, por um pesquisador
brasileiro, Carlos Augusto Lima Ferreira (2004). O problema da pesquisa era “Como a formação
acadêmica tem influenciado a prática dos professores de história da amostra no exercício docente
para a construção de um ensino crítico problematizador?” (p. 26), partindo do princípio de que a
(...) formação e a prática crítica dos professores de história podem levar a um enfoque inovador de ensino, permitindo uma mudança de atitudes dos próprios docentes e nos seus alunos, onde a incorporação das novas tecnologias ocorre de forma a dinamizar o processo de ensino-aprendizagem. (FERREIRA, 2004, p.3 – grifos adicionados)
Sua intenção, também, é incentivar a Academia a refletir sobre a sua forma de ensinar aos
futuros docentes, já que estava preocupado com as transformações que professores podem
realizar no ensino, com vistas a mudanças sociais. Ferreira (2004) aplicou um questionário
estruturado, constando de perguntas abertas e fechadas para professores de História de diferentes
cidades da Bahia65. Para o autor, a desilusão, o desinteresse pela formação continuada e a perda
de sentido do papel docente marcaram as respostas dos professores (muitos deles, com carga
horária de 60h semanais, em classes com 30-40 alunos).
A remuneração média, para 20h semanais de trabalho era, então, de 92 dólares
americanos66. Para ele, a situação dos professores brasileiros era “(...) exatamente o oposto do
que acontece (...) na Espanha, [onde] o professor do ensino básico trabalha com 25 alunos e no
máximo duas turmas para uma carga horária entre 5 e 6 horas por dia.” (Ferreira, 2004, p.218).
Esta não é exatamente a realidade que se encontrou nas escolas públicas de Barcelona que
65 Também foi aplicado um questionário aos alunos, que não será aqui analisado. 66 A lei Federal 11.738/2008 estabeleceu o Piso Salarial Nacional para professores da Educação Básica, que é atualizado todo mês de janeiro, desde 2009, conforme o valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano. Atualmente, o Piso corresponde a R$1.187,97 para 40h semanais. Em valores de 17 de outubro de 2011, 20h semanais equivaleriam a, aproximadamente, US$ 338,57. Ressalte-se que nem todos os estados da Federação concordaram em pagar o piso e seguem disputas judiciais a esse respeito. BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm>. Acesso em: 17 out. 2011.
44
participaram da presente tese, como será exposto para os casos dos professores Fidelio e Josep no
Capítulo Dois.
Ferreira (2004) constatou diferenças de qualidade entre professores das escolas públicas e
privadas e a fragilidade conceitual da maioria deles, o que aponta para a insuficiência da
formação inicial. Segundo o pesquisador, a responsabilidade pela mudança dos professores
pertence aos cursos de formação. Porém, até agora, eles foram incapazes de instrumentalizar os
professores para o ensino crítico e contextualizado, pois estão distantes das escolas.
Assim como nas outras teses, Vásquez Lara (2004) – orientado por J. Prats – estudou as
relações entre as concepções dos professores de História e as reformas educativas no Chile. Para
caracterizá-las, ele se apoiou no Relatório Delors (1998) e em outros documentos oriundos de
organismos internacionais. A partir de abordagem quantitativa, Vásquez questionou: como os
professores de História foram afetados pela Reforma? Quais as características da formação inicial
e permanente dos professores? Como eles perceberam a utilidade dessas reformas e seus efeitos
em sua disciplina? (VÁSQUEZ, 2004, p.29). Ele elaborou seu tema de investigação da seguinte
forma:
(...) esa tesis doctoral tuvo la finalidad de abordar como tema de investigación el conocimiento de las principales características que ha tenido la formación inicial y permanente de los profesores de historia chilenos y la percepción de esos docentes del grado de utilidad de su formación en el ejercicio profesional, en el contexto de una Reforma educacional. (p.27)
Ao construir um perfil dos professores de História do Chile, o autor demonstrou que se
identificam muito mais como historiadores do que professores. No entanto, sabem pouco do
ofício prático do historiador, conhecem mais os fatos e os conceitos de uma história de tipo
tradicional, com pouca influência dos Annales. Quase 40% dos entrevistados abandonariam, se
pudessem, a carreira e, dentre os que optariam por continuar, 27% atraídos pelo conteúdo da
história e não pela Educação.
Um dos principais problemas para o êxito da formação continuada é a baixa remuneração,
que não permite ao professor diminuir a carga de aulas para dedicar-se aos estudos, comprar
livros ou matricular-se em cursos. Sobre a utilidade dos conhecimentos históricos obtidos na
formação inicial, metade considerou-os úteis. Já a utilidade do conhecimento pedagógico foi bem
45
menor: só 15% o valorizaram. Tampouco a formação continuada foi vista como importante para
melhorar as práticas (VÁSQUEZ, 2004, p.350).
Vásquez (2004) concluiu que, para os professores entrevistados, a formação universitária
teve pouco impacto na melhoria do ensino de História. Mesmo assim, eles preferem que os cursos
de formação continuada sejam oferecidos por Universidades de renome. O autor propõe a
construção de uma nova profissionalização docente, para a adaptação às mudanças que ocorreram
nos últimos trinta anos.
Professores devem ser considerados protagonistas das reformas e conhecer profundamente
a Didática Específica. As Políticas Públicas deveriam favorecer a profissionalização e a clareza
das relações entre Pedagogia e História. É uma posição comum entre as demais teses, anunciada
também em outros textos, que criticam o fato de o Estado não recorrer às discussões acadêmicas
sobre Didática da História para desenvolver novas políticas públicas67.
Outra autora que atribui importância ao protagonismo dos professores de História é Maria
Paula González Amorena (2008), cujo objeto de estudo é o ensino da História recente da
Argentina nas escolas de Ensino Secundário, a partir dos saberes docentes. Este é um campo que
até agora não havia sido contemplado, tratado com base em Anne Marie Chartier e Silvia
Finocchio68. É uma forma diferente de analisar o que outros autores chamaram de “perspectivas”
ou “pensamento” dos professores.
O problema que conduz à investigação é a forma como a História recente da Argentina foi
entendida e ensinada pelos professores de História da região de Buenos Aires. Para isso,
González (2008) retomou, com distintas fontes, as memórias dos professores sobre esse passado e
seu reflexo na ação docente (incluindo, aí, entrevistas com os alunos da Escola Secundaria
Argentina).
Como os professores não dispunham de modelos para ensinar este período, tiveram de
moldá-los sozinhos, daí o interesse para a constituição de saberes. González (2008) percebeu que
67 Conforme Casas (2000), Pagès (1994), Enseñanza (2004) e Pagès et al (2000).68 Principalmente as obras: Chartier, Anne-Marie. Fazeres ordinários da classe: uma aposta a pesquisa e para a formação. Educação e pesquisa, São Paulo, v.26, n.1, p.157-168, jan/jun, 2000; e FINOCCHIO, Silvia. & LANZA, H. Curriculum presente, ciencia ausente. Tomo III. ¿Cómo se conforma la práctica docente? Una aproximación a los ámbitos que constituyen el discurso de los profesores de historia del nivel medio. Buenos Aires: FLACSO/ CIID- Miño y Dávila Editores, 1993.
46
a forma como os professores trabalham vincula-se com as tradições escolares (como Guimerà,
1991 e Bravo, 2002), mas notou elementos novos, como a influência de afetos e sentimentos.
Em sua visão, forma-se um dilema entre os conteúdos valorizados pelos docentes e aquilo
que lhes é exigido ou restringido por parte das instituições, dos currículos oficiais e dos alunos
e/ou da comunidade escolar. Para a pesquisadora, existe uma tensão entre a neutralidade e o
potencial de intervenção social por parte dos professores. Ela conclui, portanto, que os
professores trataram o ensino da História recente a partir das suas próprias leituras e traduções
(GONZÁLEZ, 2008, p.408).
Da Argentina, o foco se desloca para a Venezuela, onde Tomás Villaquirán (2008)
pesquisou as opiniões de professores de História em relação ao ensino de História em seu país.
Ele utilizou entrevistas em profundidade, biográficas e de agenda, com observação de aulas de
sete docentes. O texto se destacou pela extensa revisão bibliográfica, incorporando as
contribuições de autores europeus, norte-americanos e latino-americanos.
O pesquisador notou que os professores coincidiam quanto ao significado da História (não
neutra, relativa) e quanto à função da história na escola (formação integral, cidadã e nacionalista
e compreensão do presente). Quase todos diferenciavam Saber Histórico de Saber Histórico
Escolar, mas apenas uma declarou que a disciplina ajuda a desenvolver posturas críticas. Os
problemas na aprendizagem sempre são problemas dos alunos (desinteresse e falta de
habilidades). Apenas dois professores avaliaram a função docente de forma negativa.
Villaquirán (2008) concluiu que a maioria dos professores concorda que seu papel é ser
docente e orientador, um amigo. Dois afirmavam exercer papel de autoridade e um disse ser
professor/aluno ao mesmo tempo. Em relação às suas práticas, todos trabalham com o
pensamento político bolivariano, privilegiando fatos e conceitos da História. As maiores
dificuldades concentraram-se na participação dos alunos. Como na tese de Ferreira (2004), houve
contraste entre o dito e o realizado pelos professores, no que se refere a materiais utilizados.
Este é o único caso em que não se estabeleceram proposições claras para a formação,
mesmo que, ao princípio, Villaquirán (2008) tenha informado o desejo de contribuir para o tema.
Segundo ele, as crenças trazidas pelos futuros professores de História devem direcionar o
andamento dos cursos de formação.
47
Em síntese, os problemas levantados pelas oito teses aqui analisadas giram em torno da
ideia de que um bom processo formativo é capaz de mudar os professores, desde que aja sobre
seus pensamentos, suas crenças e seus conhecimentos acadêmicos (Guimerà, Pagès, Bravo,
Boixader, Ferreira e Villaquirán). Baseadas, como indicado anteriormente, em autores espanhóis
e norte-americanos, as teses defendem que o professor de Historia/Ciencias Sociales deve ser
reflexivo e crítico. Nas revisões teórico-metodológicas, representantes desse pensamento são
tomados como um conjunto e predominam as citações a José Gimeno Sacristán.
O teor das teses, em geral, denota que o potencial transformador do professor acontece no
ensino de Historia/Ciencias Sociales nas escolas – e não na sociedade como um todo. Os autores
incentivam o abandono de práticas tradicionais (notadamente, a aula expositiva) e a criação de
alternativas, adequadas a cada grupo. O objetivo maior é que os jovens desenvolvam espírito
crítico, tolerante e reflexivo. Portanto, o professor precisa, ele também, portar esses adjetivos.
Apesar de existirem várias sugestões, ainda não se sabe, com segurança, o que os programas de
formação devem fazer para incorporar a “reflexão” e a “criticidade” na formação inicial.
Algumas pistas, no entanto, se revelam. Entre elas, a ênfase na Prática, em diálogo com a
Didática Específica. Para Montserrat Casas, uma das inspiradoras destas teses, reflete o rol de
obrigações a que a formação docente precisa responder:
(…) a las exigencias del conocimiento disciplinar e interdisciplinar, de diagnosticar la situación de aprendizaje individual y de grupo, de concretar las propuestas curriculares a las situaciones reales y cambiantes del aula, de formular y experimentar estrategias de enseñanza y aprendizaje que faciliten la formación del pensamiento social crítico y creativo del alumnado, y ha de ser capaz de diseñar, desarrollar, analizar y evaluar su práctica e intervención educativa desde una perspectiva crítica y reflexiva. (CASAS, 2000b, p.115-6 – grifos adicionados)
Não importa tanto que sejam ou não as Universidades que conduzam essa tarefa, desde
que as recomendações provindas da Academia sejam incorporadas. Levar em consideração as
perspectivas, as memórias e os sentimentos dos docentes é outra pista recorrente. Guimerà,
Pagès, Boixader, Ferreira e Vásquez (2004) tratam das condições de trabalho e valorizam
aspectos pessoais (afetos e sentimentos) que facilitam o desempenho dos professores.
Apesar de constatarem que os professores participantes, em grande medida, consideraram
inútil a formação pedagógica, a crença em sua força é o elemento de maior destaque, no que se
48
refere aos problemas e às propostas. A aprendizagem ao longo da prática é vista como mais
eficiente do que aquela que se dá antes dos contatos com a escola. A partir destas constatações,
avanço agora para a forma como as utopias político-educacionais são tratadas nas teses
defendidas em Barcelona.
1.1.3 Utopias político-educacionais
Realizei a leitura das teses em busca de sinais de que as utopias político-educacionais –
projeção de um futuro melhor no campo pedagógico, político ou social, (COLOMBO 2009;
DUBOIS, 2009) – fizessem parte das reflexões sobre formação de professores de
Historia/Ciencias Sociales, a partir de diferentes referenciais teóricos. Em alguns casos, não
percebi preocupação imediata, por parte do autor da tese, para com as relações entre a formação
dos professores e as utopias. No entanto, há menções nas citações diretas de entrevistas ou,
indiretamente, na elaboração do perfil ideal do professor de Historia/Ciencias Sociales. Em
outros casos, os pesquisadores formulam claramente sua preocupação a esse respeito. Há teses
em que tanto o autor quanto suas fontes tratam das utopias. Como visto, apesar da diferença de
ênfase, existe um tópico em comum: a esperança de que a formação (baseada em diversos
modelos teórico-metodológicos) contribua para a mudança no ensino de História.
Das oito teses, as de Guimerà (1991), Vásquez (2004) e Villaquirán (2008) apresentam de
um modo mais breve as utopias político-educacionais de professores de Historia/Ciencias
Sociales. Apesar de escritas em períodos diferentes, as três se preocupam com o pensamento dos
professores em períodos de Reforma Política Educacional (para os casos do Chile e da Espanha,
com Vásquez e Guimerà) e de intensas mudanças políticas no país (para o caso venezuelano de
Villaquirán).
Guimerà (1991) revisa literatura da Grã-Bretanha, França, e Itália, as quais se preocupam
com os usos da História pela política e tentam defender o valor do professor: “[es necesario]
definir el papel del profesor, ya que, al no estar elaborado, crea una cierta desmoralización en los
profesores pues no encuentran sentido a su profesión, así como la enorme responsabilidad que se
les adjudica” (p.495).
Neste trecho, Guimerà (1991) alerta para a falta de sentido atribuído à profissão, dada a
complexidade dos deveres como docente e cidadão (p.497). Vásquez (2004) também reconhece
essa dificuldade quando ressalta o número de docentes que desistiria da profissão, se pudesse.
49
Seriam sinais de utopia regressiva (ALMEIDA NETO, 2002), quando os professores acreditam
que a escola era melhor no passado? Ou de que o caminho para a inovação se encontraria no
retorno, ao que Dubois (2009) classifica como utopia reacionária? Em parte, a frustração com os
resultados obtidos na profissão – distantes das utopias dos docentes – conduziria ao imobilismo
(o abandono da profissão) ou, então, ao desejo de retorno à “Idade de Ouro”: a um tempo
(imaginário) em que alunos, escolas e professores eram melhores.
Segundo Vásquez (2004), este desânimo se deve às dificuldades de enfrentar a função
social do professor. De todas as teses analisadas, acredita-se que esta seja a que apresente maior
teor de visões negativas sobre o potencial de atuação do docente de Historia/Ciencias Sociales
para a mudança. O autor enuncia sua utopia educacional no Prefácio da tese: ele acredita no
poder do conhecimento histórico para o bem-estar das pessoas. Para Vásquez, os professores,
hoje, seriam responsáveis por transmitir cultura e não por criá-la, daí a diminuição de seu status
como intelectual e líder social. A sociedade dos últimos 30 anos mudou muito e oferece poucos
parâmetros para a tomada de decisões.
Zygmunt Bauman (em Modernidade Líquida, 2001) e Robert Sennet (em O declínio do
homem público, 1988) – entre outros autores que discutem política e utopias (mesmo sem usar
estes termos) na modernidade – afirmam que se vive um período em que faltam princípios claros
que norteiem as ações. Uma época em que é difícil interpretar a passagem do tempo e atribuir
significados ao presente, assim como estabelecer projetos de ação para o futuro.
Vásquez (2004), entretanto, interpreta essa problemática no quadro do “mal-estar
docente”. Ele mostra que a instabilidade nas regras de comportamento recaiu sobre os
professores, constituindo um paradoxo: eles são responsabilizados pela formação de valores e
cidadania, mas há descrédito quanto à sua capacidade de atingir este objetivo. Entrega-se aos
docentes, portanto, a concretização do ideal utópico de escola regeneradora da sociedade (BOTO,
2003), mas se lhes recusa, ao mesmo tempo, o reconhecimento de habilidades e condições para
cumprir essa tarefa (DE ROSSI, 2002).
Villaquirán (2008) destacou elementos utópicos nas narrativas, como a crítica, a inovação
e a responsabilidade (p.384) e o dever de transmitir conhecimentos (p.355). Alguns de seus
entrevistados afirmaram possuir compromisso social mais forte que os demais professores
(VILLAQUIRÁN, 2008, p.802). Na maioria das aulas observadas pelo autor, o pensamento
50
bolivariano foi abordado (direta ou indiretamente), mas perceberam-se poucas inovações em
termos de metodologias, técnicas e materiais. Quanto às utopias, aparecem mais claramente na
declaração de um dos professores, que acredita transformar a sociedade e ajudar os jovens
(p.343).
Além de mostrar a presença das utopias nos depoimentos dos professores, Villaquirán
(2008) critica a utopia neoliberal porque ela impõe um caminho único, isto é, o Capitalismo,
posição que reconheci também em Shiroma e Evangelista (2004) e Freitas (2002 e 2007). Para o
autor, a geração atual é responsável por contradizer esta tendência ao denunciar as desigualdades
e injustiças. Villaquirán (2008) trata da utopia como desejo de mudar o mundo (QUARTA,
2009), como um sentimento que estaria na gênese das grandes mudanças (DUBOIS, 2009;
CHAUÍ, 2008), mas lhe confere pouco espaço nas páginas subsequentes de sua tese.
As outras cinco teses (Pagès, Boixader, Ferreira, Bravo e González) alongam-se nas
explicações das relações entre o professor de Historia/Ciencias Sociales e a constituição de
utopias político-educacionais. O tema aparece desde a mais antiga (PAGÈS, 1993) até a mais
recente (GONZÁLEZ, 2008).
Boixader, Ferreira e Pagès enunciam suas implicações pessoais nas pesquisas, que se
relacionam com crenças no potencial inovador das disciplinas de Historia/Ciencias Sociales e no
papel do professor-investigador (e do investigador-formador) como portador da inovação e da
esperança. Nos “Agradecimentos”, Pagès mencionou o grau de il.lusió69 com que muitos
professores trabalharam na mudança curricular. Na Introdução, expressou o ânimo em participar
das reformas, que acabaria em frustração pelo fracasso do intento:
El curs 1985-86 es pot considerar l'inici de la fi d'un procés i d'una experimentació que es van acabar sense massa pena ni glòria i els resultats dels quals, almenys pel que fa a l'àrea de Ciències Socials, sembla que descansen en els arxius del Departament i en la memòria de tots aquells i aquelles que, en un moment donat, vam dipositar les nostres esperances en un treball amb perspectives de produir canvis interessants en el panorama educatiu català i espanyol. (PAGÈS, 1993, p.153 – grifos adicionados)
69 Esta palavra possui um equivalente em castelhano e, segundo o Dicionário Online da Real Academia Española, significa, entre outras acepções: “Esperanza cuyo cumplimiento parece especialmente atractivo”. Ilusión. In: REAL Academia Española. Diccionario de la lengua española. 22ª edición. Disponível em <www.rae.es>. Acesso em 14 set. 2011.
51
Pretendia-se que, durante a experimentação, se analisassem as necessidades dos
professores voluntários. A partir delas, formular-se-iam propostas de formação continuada. Seria
a passagem "(...) d'utopia reformista inicial al realisme práctic d'una experimentació, amb uns
mestres i uns alumnes al davant, que obligaven a prendre decisions" (PAGÈS, 1993, p.173 –
grifos originais). No entanto, houve receio de que os professores e especialistas avançassem no
caráter progressista e todo o projeto foi cancelado e esquecido.
Em Pagès (1993), a utopia envolve o pessoal e o afetivo e se expressa no compromisso
com a transformação curricular entre os professores participantes. Afinal, há mais de 15 anos o
autor atuava como professor formador (no conjunto Rosa Sensat70 e na própria Generalitat), isto
é, elaborava e aplicava currículos e projetos de formação inicial e continuada em diferentes
instâncias. Ele afirmou assumir os princípios da Escola Ativa, desde uma perspectiva da
esquerda, liberal, progressista, radical, crítica, a partir de uma atitude realista, pragmática e
participativa (p.20). Para ele, os professores se consideravam responsáveis diretos pela
concretização da Reforma, mas a falta de atenção por parte da administração fez com que
perdessem a vontade e a il.lusió de participar e mudar suas práticas. Ele destaca, inclusive,
testemunhos de professores para quem a realização da reforma se configurou como compromisso
e responsabilidade.
Aqui, a utopia se encontra com a frustração, uma relação que assume o risco de um
caráter desmobilizador (DE ROSSI, 2002 e 2009). O “estigma da desilusão” parece ter relação
com uma interpretação reacionária das utopias político-educacionais. De Rossi explica:
(…) la proyección básica de los ideales emancipadores siempre es potencial y a futuro, nunca ha sido alcanzada en la vida real (y tal vez nunca lo será). Esta proyección parece ser siempre paradójica en relación tanto con el pasado (que casi siempre se niega por la profunda amargura y la desesperanza que causó) como con el futuro (deseado como esperanza y temido por desconfianza y descontrol). (2002, p. 341)
No entanto, no caso da tese de Pagès, vontade e responsabilidade emergiram da utopia
parcialmente frustrada, realimentando o compromisso. “Esperança” é elemento primordial da
utopia segundo Ernst Bloch (QUARTA, 2009; COLOMBO, 2009 e 1987; FURTER, 1974) e é
70 MONÉS, Jordi. Els primers quinze anys de Rosa Sensat. Barcelona: Edicions 62: Rosa Sensat, 1981. – (Col.lecció Rosa Sensat – 15).
52
ela que transparece nesta tese. Assim, a frustração não apagou a utopia de Pagès (1993). Pelo
contrário, a esperança lhe deu forças para assumir a responsabilidade inerente ao educador, só
que em outra instância – na pesquisa em Didáctica de las Ciencias Sociales.
A clareza da implicação pessoal diferencia a tese de Pagès das três anteriores e permite
liderar o grupo subsequente, principalmente, no caso de Agnès Boixader (2004) e Carlos Ferreira
(2004). Utopias político-educacionais são constantes na tese dela, em que se interliga a história
de vida aos movimentos sociais, destacando a democracia e a liberdade. Boixader (2004) relata a
existência de um "espírito", entre os professores, dirigido a realizar mudanças. Porém, há pouco
espaço para isso na escola. Então, a pesquisadora transformou o desejo em sua tese de doutorado,
buscando garantias institucionais para a inovação. A utopia, aqui, é sempre progressiva,
conforme as definições de Almeida Neto (2002) ou militante, como diz Dubois (2009), voltada
para os alunos e para o poder do conhecimento histórico quando bem ensinado.
O confronto entre a il.lusió – a utopia de que a educação muda o mundo e forma cidadania
– e a realidade não tão doce da escola foi uma preocupação de Boixader (2004) em comum com
Ferreira (2004). Ambos parecem defender que um significativo processo de formação docente –
crítico, comprometido, pesquisador, prático, reflexivo – é o meio para concretizar a utopia do
ensino de História de boa qualidade. A primeira asserção de Ferreira (2004) é a de que o poder
público deve oferecer condições dignas de trabalho nas escolas. Mesmo assim, ele não ignora a
responsabilidade dos professores para a concretização das mudanças (acompanhando a literatura
sobre formação de professores de Historia/Ciencias Sociales predominante na Espanha). Para ele,
não se trata apenas de formar o professor-pesquisador, mas de garantir mudança de atitudes a fim
de formar consciência crítica, a serviço da sociedade:
Requer dos professores (principalmente) e dos alunos uma preparação para tal, força de vontade para fazer as transformações das relações do ensino tradicional (...) para o ensino questionador e libertador, com a perspectiva de buscar novos
horizontes, não só didático-metodológicos como também de conteúdos. (FERREIRA, 2004, p. 17 – grifos adicionados).
É uma responsabilidade dividida, também, com a Academia, a quem cabe oferecer aos
futuros docentes uma “História problematizadora” (FERREIRA, 2004, p.316). No mesmo sentido
de Boixader (2004), o discurso utópico educacional – progressivo – é uma constante na tese de
Ferreira.
53
Parece que, neste momento, é possível delinear uma das primeiras dificuldades para
interpretar a formação docente como utopia político-educacional. O desafio que esses autores
enfrentam é construir projetos de futuro para a formação de professores de História sem incorrer
em utopias autoritárias.
De acordo com as discussões de Boto (2003b), Piozzi (2007) e Cambi (1999), “construir o
novo” tem sido mote da educação desde Rousseau. Porém, na opinião de Shiroma & Evangelista
(2004) e De Rossi (2002), organismos internacionais utilizam discursos utópicos (semelhantes
aos progressistas) na tentativa de melhor divulgar seus próprios objetivos. Acontece a imposição
de uma forma única de pensar. É preciso buscar como os autores das teses escapam do
determinismo individualista que pode advir destas propostas, denunciado por Freitas (2002) e por
Shiroma e Evangelista (2004). Afinal, todos eles reconhecem que, sem a garantia de condições
dignas de trabalho, os professores não podem ser responsabilizados pela melhoria da escola.
Para Ferreira (2004), a criação de novos currículos para a formação de professores de
História (em que se articulem conhecimentos historiográficos e pedagógicos) é um compromisso
com a “transformação”. Mas este compromisso é uma exigência ou uma esperança? O professor
reflexivo e comprometido com as mudanças deveria, para este autor, ser o objetivo maior dos
cursos de formação.
Bravo (2002), que analisou as duas propostas de formação de professores de
Historia/Ciencias Sociales então vigentes na UAB, foi menos explícita que Ferreira (2004) e
Boixader (2004). A partir do estudo de Dewey, ela compreendeu o seu trabalho como espaço de
abertura intelectual, responsabilidade e sinceridade (Bravo, 2002, p.84-85). A maior parte das
menções à utopia vem da interpretação que fez sobre os futuros professores. Ao analisar as
respostas dos alunos do CAP 2001/2002, verificou que aqueles que tinham maior matiz
vocacional foram mais bem sucedidos, coesos e participativos ao longo de todo o curso:
(...) a lo largo de las distintas instancias formativas se pudo apreciar un grupo cohesionado y dinámico. Esa cohesión en muchas ocasiones significó vivir momentos de crisis, de agobio y de pesimismo frente a los desafíos de la labor docente. Se podría decir que la empatía entre los alumnos (...) actuó como agente multiplicador de angustias y satisfacciones. (BRAVO, 2002, p.128 – grifos adicionados)
O elemento vocacional aparece pouco nas demais teses, de forma explícita, mas Bravo
(2002) não hesita em utilizá-lo, ao criticar posturas céticas perante o potencial transformador do
54
professor. Na citação que exemplifica este sentimento, uma aluna afirmou que essas ideias são
"utópicas" (p.353). Assim, a utopia no sentido regressivo ou negativo71 aparece nesta tese, mas
apenas quando Bravo critica certas posturas dos alunos estudados. No entanto, a autora parece
entender a utopia como impulso transformador e mobilizador (QUARTA, 2009; COLOMBO,
2009 e 1987; CHAUÍ, 2008; DE ROSSI, 2009).
Porém, ela acrescenta que não cabe ao professor, como profissional, mudar a sociedade.
Seu papel é transformar o ensino e recusar o pessimismo. Bravo (2002) espera que a
reflexividade crítica – adquirida na formação inicial ou continuada – não permita que os futuros
docentes desistam de seu compromisso quando se depararem com as dificuldades. Parece-me que
é uma esperança e não uma exigência.
Uma dessas dificuldades foi estudada por González Amorena (2008), a qual se concentra
no problema da neutralidade e do potencial de intervenção social por parte dos professores. Ela
cita Hannah Arendt (em “A crise na educação”, 2009), em diálogo com Joan Carles Mélich72, e
aposta que o objetivo da educação deve ser a autonomia e a responsabilidade com o outro. Isso
inclui a memória e os testemunhos sobre fatos negativos que não podem se repetir e precisam ser
compreendidos. Para González, o ensino de História é um ato político, já que os adultos são
responsáveis por oferecer referências aos jovens. Assim, eles poderão interpretar o passado e
planejar seu futuro.
Essas cinco últimas teses apresentam a visão da educação como transformadora e
construtora da cidadania de forma mais intensa do que as três primeiras. As utopias políticas dos
autores estão presentes, quando tratam da inovação e da esperança (principalmente Pagès,
Boixader e Ferreira). Esta crença, no entanto, pode recair na tensão entre a ilusão e a desilusão,
71 Quarta (1987), no capítulo “Paradigma, ideale, utopia”, critica a possibilidade de se nomear como utopia projeções negativas ou catastróficas sobre o futuro, como são, por exemplo, livros de George Orwell (1984) e Aldous Huxley (Brave New World). 72 “Joan-Carles Mèlich (Barcelona, 1961) es profesor de Filosofía de Educación en la Universitat Autònoma de Barcelona. Ha sido investigador del proyecto ‘La filosofía después del Holocausto’ del Consejo Superior de Investigaciones Científicas (Madrid). Ha publicado, entre otros, los libros: Situaciones-límite y educación (1989), Antropología simbólica y acción educativa (1996), Totalitarismo y fecundidad (1998), La educación como
acontecimiento ético (2000) (en colaboración con F. Bárcena), (…) y Transformaciones. Tres ensayos de filosofía de
la educación (2006).” HERDER Editorial. Mélich, Joan Carles. Biografía. Disponível em: <http://www.herdereditorial.com/section/1018/>. Acesso em: 17 out. 2011. Agnès Boixader já escreveu livros paradidáticos em colaboração com Mélich.
55
quando a utopia incorpora tarefas demasiadamente pesadas para um indivíduo, sobrecarregando-o
de responsabilidades e causando angústia e desmobilização.
O tema mais candente, no entanto, é a forma como o sentimento de compromisso com o
conteúdo histórico se incorpora à formação do professor de Historia/Ciencias Sociales. As teses
esperam que, além da reflexão, o professor possua um sentimento de compromisso social que, em
alguns casos, pode extrapolar os muros da escola nas suas consequências futuras. Para ampliar
estas impressões, é preciso analisar, antes, as teses defendidas em São Paulo segundo os mesmos
parâmetros e critérios. Em seguida, tentarei expor algumas semelhanças e diferenças nas
argumentações de cada região. No final, procuro refinar as reflexões sobre o papel das utopias
político-educacionais na formação do docente em História.
1.2 – Estado de São Paulo
Nesta seção pretendo, em primeiro lugar, apresentar quais os passos formais para tornar-
se professor de História no Brasil. Depois, ofereço um panorama das teses defendidas no Estado
de São Paulo, a partir de 1987, cujo objeto de estudo seja a formação de professores de História.
Inicialmente, mostro características gerais das teses e, por último, direciono para os problemas e
para as propostas oferecidas pelos autores, a fim de conduzir as análises referentes às Utopias.
Quem almeja trabalhar como professor de História no Brasil precisa frequentar um curso
de Licenciatura em História em instituições de Ensino Superior. Trata-se de um curso de
Graduação que permite o contato com o ofício do historiador e conhecimentos pedagógicos,
didáticos e psicológicos. Os principais documentos oficiais que dirigem a organização dos cursos
de História no Brasil são as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para as Licenciaturas e as
DCN para a formação de Professores73.
Margarida Oliveira (2004), no artigo “Licenciado em História, bacharel em História,
historiador”, defende a proposta inicial das Diretrizes para os cursos de História, elaborada por
73 BRASIL. Conselho Nacional de Educação / Comissão de Educação Superior. Parecer n. 492 de 03/4/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia. Relatoras: Eunice Ribeiro Durham, Silke Weber e Vilma de Mendonça Figueiredo. Diário Oficial da União, 9 jul. 2001, Seção 1e, p. 50.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação / Conselho Pleno. Resolução n. 1, de 18/02/2002. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Relator: Ulysses de Oliveira Panisset. Diário Oficial da União de 04/03/2002, Seção 1, p. 8.
56
especialistas da Associação Nacional de História (Anpuh). Ela seria modificada pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), separando as habilidades do historiador das habilidades do
professor. Seguidora desse viés, Aryana Costa (2010), em sua tese “A formação de profissionais
da História”, polemiza com a interpretação de Fonseca (2001) no artigo “A formação do
professor de História no Brasil”. Para esta pesquisadora, as Diretrizes pecam por não assumir, em
nenhum momento, que a função primordial dos egressos é ensinar História na Educação Básica.
Costa, entretanto, crê que o uso da palavra “historiador” seria suficiente para definir tanto o
professor quanto o pesquisador da área. A nomenclatura ainda está por se resolver e mostra as
dificuldades em encontrar o equilíbrio entre a ciência de referência e sua didática na Licenciatura
em História no Brasil.
Após concluir a Educação Básica74, o candidato a professor de História deve prestar o
exame Vestibular e/ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)75 e cursar três, quatro ou até
cinco anos do curso de Licenciatura (a duração depende da Instituição). Após receber o diploma,
as pessoas podem prestar concursos públicos nos estados ou municípios ou, ainda, procurar
colocação em instituições particulares. Um licenciado em História pode atuar nos anos finais do
Ensino Fundamental e no Ensino Médio e também assumir as funções de historiador em Museus,
Arquivos ou Centros de Memória. Dependendo de seu interesse, pode dirigir-se à Pós-Graduação
em História, Educação ou outras Ciências Sociais. Em geral, futuros pesquisadores em Didática
ou Ensino de História procuram pelas Faculdades de Educação, já que são poucos os
Mestrados/Doutorados em História que aceitam trabalhos nessa área.
No bojo deste esquema, escondem-se polêmicas que dividem historiadores. A distinção
entre historiador e professor de História não está tão clara no Brasil – apesar de ser difícil
também na Espanha. Ernesta Zamboni (2000/2001), no artigo “Panorama das pesquisas no ensino
74 No Brasil, a partir da LDB 9394/1996, a Educação Básica é constituída pela Educação Infantil (0 a 5 anos, não obrigatória), Ensino Fundamental (6 a 14 anos, obrigatório) e Ensino Médio (15-17 anos, em vias de tornar-se obrigatório). Todos os três setores são atendidos e fiscalizados pelo governo Federal, através do Ministério da Educação (MEC). A Educação Infantil é de responsabilidade preferencial dos municípios, enquanto que o Ensino Fundamental e o Médio, dos Estados. Mesmo assim, existem escolas federais de Ensino Fundamental e Médio e escolas municipais que oferecem os anos Iniciais e/ou finais do Ensino Fundamental. 75 Trata-se de um exame nacional que pretende, gradativamente, substituir os exames vestibulares nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. A maioria delas já aceita a nota do Enem para o cômputo parcial. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (Brasil). Ministério da Educação. Enem 2011. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/Enem>. Acesso em: 23 fev. 2012.
57
de história” afirma que, nos Encontros Nacionais de Pesquisadores do Ensino de História, não
havia discussão significativa sobre o currículo e a formação de professores de História.
Recentemente, os pesquisadores dessas áreas têm buscado seu espaço nos fóruns sobre história e
educação (como atestado no artigo “Currículo e formação de professores de história”, de Maria
do Carmo Martins, 2007), quiçá para evitar o isolamento dos grandes encontros nacionais.
Existem poucas tentativas de organizar, sistematizar e publicar coletâneas abrangentes e
rigorosas do estado da arte sobre formação de professores de História no Brasil ou regionais76.
Dentre as publicações recentes, Costa (2010) tem o mérito de incluir publicações da região norte-
nordeste, difíceis de encontrar no eixo sul-sudeste. Esta autora, bem como o artigo “O trabalho do
professor na sala de aula” (FONSECA, 2010) retomam depoimentos sobre a formação do
profissional de História desde o início do século XX e verificam que os problemas, em geral, são
os mesmos: dicotomia licenciatura-bacharelado, falta de preparação para o magistério e/ou para a
pesquisa e superioridade da pesquisa sobre o ensino.
O artigo “O estágio supervisionado e a formação docente inicial em história” de Cristiani
Bereta da Silva (2010) reconhece este fato, entendendo-o como opção política para perseguir os
problemas da área (p.135). A autora constatou que as disciplinas teóricas, historiográficas e
pedagógicas pouco dialogam entre si, mas os professores de Prática de Ensino fazem, em suas
representações, as junções necessárias. A tensão entre formar o historiador e o professor de
História, concretizada na redação das DCN e vivida no cotidiano dos Departamentos/Faculdades
de História e Educação das Instituições formadoras, aliada à recente obrigatoriedade de dedicar
800 horas à prática profissional, fazem emergir rivalidades e disputas de espaço e prestígio
(BERETA DA SILVA, 2009, p.149). Essas discussões estão presentes ao longo das teses e
conformam um debate que não se prende ao ambiente acadêmico, já que influencia a constituição
de políticas públicas para a área.
76 Por exemplo, o CD-Rom organizado por Selva Fonseca e o livro de Flavia Caimi: FONSECA, Selva. (Coord.). O ensino de história na produção científica das IES – Instituições de Ensino Superior – Mineiras (1993-2008). Uberlândia: EDUFU, 2010. CD-Rom. CAIMI, Flávia. Conversas e controvérsias: o ensino de história no. Brasil (1980-1998). Passo Fundo: UPF Editora, 2001.
58
1.2.1 Panorama
As Tabelas 4 e 5 sintetizam as principais informações das teses que serão analisadas, além
de fornecer dados biográfico-curriculares dos seus autores.
59
Tabela 4: Dados biográfico-curriculares dos autores que defenderam em Universidades paulistas.
AUTOR ORIGEM CURRÍCULO OCUPAÇÃO ATUAL
Ricardo Cusinato
São Paulo
Graduação em Ciências Sociais – 1987 – Unesp Mestrado em Ciência Social (Antropologia Social) – 1982 – USP Doutor em Educação – 1987 – Unicamp
Professor Assistente Doutor na Unesp Atua nas disciplinas de “Educação e luta de classes” e “Prática de Ensino”
Itacy Basso
São Paulo
Graduação em Ciências Sociais – 1967 – USP Mestrado em Educação – 1984 – UFSCar Doutorado em Educação – 1994 – Unicamp Professora Adjunta da UFSCar desde 1994. Aposentou-se em 2003
Assessoria na reitoria da UFSCar Linha de Pesquisa sobre Formação de Professores
Selva Fonseca
Minas Gerais
Graduação em Estudos Sociais – 1982 – UFU Graduação em História – 1985 – UFU Mestrado em História Social – 1991 – USP Doutorado em História Social – 1996 – USP Pós-doutora em Educação – 2007 – Unicamp
Professora Associada III na Universidade Federal de Uberlândia Lidera Projetos de Pesquisa sobre ensino de História e formação de professores Ministra disciplinas referentes a esse tema nos cursos de Pedagogia e Pós-Graduação em Educação
Raimundo Rocha
Rio Grande do Norte
Graduação em Ciências Sociais – 1985 – UFRN. Especialização em História do Brasil – 1988 – UFRN Mestrado em Educação – 1993 – UFRN Doutorado em educação – 2001 – USP
Professor Adjunto IV na Universidade Federal do Rio Grande do Norte Ministra disciplinas de “Estágio Docência em História” na Pós-Graduação e matérias ligadas à História do Brasil na Graduação Atua em Projetos de Pesquisa ligados a História Regional
Emery Gusmão
São Paulo Graduação em História – 1991 – Unesp Mestrado em História – 1995 – Unesp Doutorado em Educação – 2002 – Unesp
Professora Assistente Doutora na Unesp Ministra disciplinas e desenvolve projetos relacionados com História da Educação e do Ensino de História
Claudia Ricci
Minas Gerais
Graduação em História – 1984 – Unesp Mestrado e Doutorado em História Social – 1992 e 2003 – USP
Professora na UFMG desde 2003 Ministra a Disciplina de História na Escola de Aplicação da UFMG Desenvolve mapeamento de estudos a respeito de Ensino de História
Olavo Soares
São Paulo Graduação em História – 1990 – Unesp Mestrado em Educação – 2000 – USP Doutorado em Educação – 2005 – USP
Professor Adjunto II na Universidade Federal de Alfenas Ministra disciplinas ligadas ao Ensino de História Desenvolve projetos de pesquisa na mesma área
Elison Paim
Rio Grande do Sul
Graduação em História – 1986 – UFSM Especialização em Educação Popular – 1992 – FEUO/SC Especialização em Teoria e Pesquisa Histórica – 1994 – PUC/SP Mestrado em História – 1996 – PUC/SP Doutorado em Educação – 2005 – Unicamp
Professor Titular C na Universidade Comunitária da Região de Chapecó Ministra disciplinas de Teoria e a Metodologia da História Participa de projetos sobre Ensino de História e memórias de professores
Ilka Mesquita
Minas Gerais
Graduação em História – 1986 – PUC/MG Especialista em História Moderna e Contemporânea – 1993 – PUC/MG Mestrado em Educação – 2000 – UFU Doutorado em Educação – 2008 – Unicamp
Atua como Bolsista Recém-Doutor na UFMG, em pesquisa sobre a Educação e as questões raciais
Formulei a Tabela 5 com base nas fichas catalográficas das próprias teses ou livros e,
também, fornecidas nos Currículos Lattes dos autores.
60
Tabela 5: Teses sobre formação de professores de História defendidas no Estado de São Paulo: dados gerais.
AUTOR Título Área Universidade Ano Orientador
Ricardo Cusinato
A formação do professor da área de estudos sociais
Educação Unicamp 1987 José Sobrinho
Itacy Basso
As condições subjetivas e objetivas do trabalho docente: um estudo a partir do ensino de história
Educação Unicamp 1994 Dermeval Saviani
Selva Fonseca Ser professor de história: vida de mestres brasileiros
História Social
USP 1996 Marcos Silva
Raimundo Rocha
Identidades e ensino de História: um estudo em escolas do Rio Grande do Norte
Educação USP 2001 Circe Bittencourt
Emery Gusmão
Memória, identidade e relações de trabalho: a carreira docente sob o olhar de professores de história
Educação Unesp Marilia 2002 Tullo Vigevani
Claudia Ricci
A formação do professor e o ensino de história. Espaços e dimensões de práticas educativas (Belo Horizonte, 1980/2003)
História Social
USP 2003 Marcos Silva
Olavo Soares
A atividade de ensino de história: processo de formação de professores e alunos
Educação USP 2005 Heloisa Penteado
Elison Paim Memórias e experiências do fazer-se professor
Educação Unicamp 2005 Carolina Galzerani
Ilka Mesquita
Memórias/identidades em relação ao ensino e formação de professores de história: diálogos com fóruns acadêmicos nacionais
Educação Unicamp 2008 Ernesta Zamboni
61
Quatro dos nove autores originam-se do Estado de São Paulo. Três são de Minas Gerais,
um de Santa Catarina e outro do Rio Grande do Norte. Há apenas uma tese defendida na década
de 1980, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicamp que, respeitando o clima do
período, trata especificamente do professor de Estudos Sociais (CUSINATO, 1987), fato que não
se repetiu. A tese mais recente é de 2008, também defendida na Unicamp (MESQUITA, 2008).
As Universidades com maior produção no tema foram a USP, com quatro teses repartidas
homogeneamente entre 1994 e 2005, em duas áreas – Educação (Rocha e Soares) e História
Social (Fonseca e Ricci) e a Unicamp, seguida da Unesp Marília (Gusmão). À exceção das duas
teses defendidas no Programa de Pós-Graduação em História Social da USP, todas pertencem a
Faculdades de Educação. Há uma aparente77 dispersão de orientadores. O único que orientou
mais de uma vez foi Marcos Silva (USP), que representa os trabalhos defendidos em programas
de Pós-Graduação em História.
Uma consulta aos Currículos Lattes mostrou que duas orientadoras (Heloísa Penteado e
Carolina Galzerani) incluíram a “Formação de Professores” em sua Área de Atuação. Porém, os
autores das teses declaram pertencer a áreas afins ao Ensino de História e três deles citaram a
Formação de Professores como campo de seu interesse: Selva Fonseca, Elison Paim e Ilka
Mesquita.
Quanto à temática, agruparam-se as teses conforme seus objetivos e conclusões. Discute-
se, predominantemente, a dicotomia entre teoria e prática78 e as representações e memórias,
conforme a tabela 6:
77 Há outros professores, referências no Ensino de História, que concentram a seu redor pessoas preocupadas com a formação de professores de História. Por exemplo, Ernesta Zamboni (Unicamp), orientadora da tese de Mesquita (2008). 78 A dicotomia teoria-prática é constatada, de diferentes formas, em trinta e dois dos sessenta e quatro artigos, livros, teses e dissertações lidas. Por exemplo, dois textos de Elison Paim: “Do formar-se ao fazer-se professor” (2007) e, em co-autoria com Sandra Agostini “Estágio: contribuições para a formação do professor de história” (2006) e os artigos de Nelma Baldin (1986) “Formação teórica e prática pedagógica do professor de história” e “Valorização do educador e consciência histórica”, de Ernesta Zamboni (2008), além da dissertação de Sérgio Nascimento (2008): “A formação de professores no curso de história da Universidade Federal do Pará”. Os autores denunciam que os departamentos de História têm pouco interesse em priorizar a formação docente, como Dea Fenelon (1980), em “A formação do historiador e a realidade do ensino na educação de 1º e 2º graus”; Luiz Carlos Villalta (1992-1993) no artigo “Dilemas da relação teoria e prática na formação do professor de história”. Elza Nadai & Katia Abud (1990), no artigo “A ‘prática de ensino’ e a educação do professor de história” e Luis Cerri (1997), em “As concepções de História e os cursos de licenciatura” alertam para a necessária articulação entre as concepções de educação, as formas de ensinar história e as matrizes historiográficas.
62
Tabela 6: Temáticas das teses defendidas em Universidades paulistas.
Temáticas das teses
Dicotomia teoria-prática Memórias e subjetividades
Soares (2005), Ricci (2003), Cusinato (1987), Basso (1994), Rocha (2001) e Gusmão (2002)
Fonseca (1996), Paim (2005) e Mesquita (2008)
O primeiro grupo trata do problema nos currículos (SOARES, 2005), nos programas de
formação de professores (RICCI, 2003) ou nas práticas dos docentes a partir de diferentes
abordagens (CUSINATO, 1987; BASSO, 1994; ROCHA, 2001; GUSMÃO, 2002). Das nove
teses, seis refletem sobre as tensões entre as elaborações teóricas, as políticas públicas, a
legislação e as práticas dos professores de História.
As outras três dedicam-se às lembranças dos professores sobre o seu trabalho, utilizando
referenciais dos campos da Memória (MESQUITA, 2008), das Subjetividades Docentes (PAIM,
2005) e da História Oral de Vida (FONSECA, 1996). Apesar de escritas em diferentes períodos,
elas dialogam entre si com maior facilidade do que o grupo anterior. Principalmente para os casos
de Paim e Fonseca, estão ausentes categorias prévias que direcionem a coleta dos depoimentos
dos professores, privilegiando categorias que emergem das narrativas.
Quanto ao tipo de pesquisa adotado, todas as investigações são qualitativas e apenas a tese
de Soares (2005) é etnográfica e não utiliza fontes orais. As demais procuraram conhecer o ponto
de vista dos próprios professores de História a respeito de sua formação. O mais comum é aliar as
fontes orais com as escritas, predominando ora uma, ora outra. Quando o interesse da tese é mais
institucional, como no caso de Ricci e Mesquita, privilegiam-se as fontes escritas79.
A conjugação de documentos escritos com entrevistas (predominando ora uns, ora outros)
foi o mais comum, pois a abordagem qualitativa exige que se debruce mais detidamente sobre
79 Artigos brasileiros mostram que essa não é uma tendência isolada, por exemplo: o já citado artigo de Bereta da Silva (2010); as dissertações de Silvia Orlandelli (1998), chamada “A representação identitária do professor de história” e de Ricardo Viotto (2004), intitulada “Os professores de história: a formação inicial e a configuração de saberes escolares”; os artigos “Memórias de professores de história”, de Thiago Nascimento (2010) e “Um programa de história num contexto de mudanças sociopolíticas e paradigmáticas”, de Lana Siman (2006); além do capítulo “Profissão docente: formação e prática de professores de história no Ensino Médio”, de Serlei Ranzi e Claudia Martins (2007); e do livro de Maria Silva Brandão (2004) “Trajetórias de vida”. Estes autores (e vários outros) utilizaram as fontes orais, articuladas ou não a outros documentos.
63
casos específicos. Os objetivos propostos são semelhantes entre as teses e mostram que não existe
preocupação em formular propostas, mas em compreender, acompanhar, perceber e verificar as
vivências de professores de História em relação à sua formação.
Prevalecem, portanto, propostas de articular o trabalho docente com elementos teóricos: a
formação inicial ou continuada, os fóruns acadêmicos, as inovações curriculares no ensino de
História. Daí a opção por cotejar fontes oficiais dos Programas e cursos, legislação educacional e
demais documentos.
Os autores das teses dialogam com estudiosos que utilizam expressões diversas, tais como
Saberes Docentes (Maurice Tardiff), Profissional reflexivo e/ou crítico (Antonio Nóvoa) e outras
abordagens (Ivor Goodson, Michael Apple, Donald Schön, José Gimeno Sacristán, Lawrence
Stenhouse, Kenneth Zeichner, Vera Candau, Miguel Arroyo), nem sempre adentrando nas
inspirações teóricas que os motivaram. São bastante citadas, também, reflexões sobre História e
Memória (Walter Benjamin e a Escola de Frankfurt, Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs, Eclea
Bosi, Paul Veyne) e História Oral (Luis Sebe Meihy, Paul Thompson, Verena Alberti, Amado e
Ferreira).
A competência técnica e o compromisso político são conceitos comuns quando se trata de
formação de professores nos anos 1980 e início dos anos 1990. A ideia de que não bastava aos
professores receberem apenas boa formação técnica foi exposta no livro de Guiomar Namo de
Mello (1988) e adotada por muitos autores da época. Mello escreveu sua tese de doutorado,
orientada por Dermeval Saviani (1989) e baseada em Gramsci, para contrapor-se à formação
aligeirada e ao predomínio de métodos e técnicas descontextualizados, que procuravam alienar os
futuros professores dos problemas políticos que envolvem a sua prática.
Esta tendência pedagógica foi largamente utilizada no Brasil durante os anos 80 e 90, pois
apoiava a transição democrática e defendia que os professores deveriam ser politizados e
comprometidos com a revolução liderada pela classe trabalhadora. Nessa visão, a escola seria um
aparelho transformador por excelência, segundo as teorias de Gramsci.
Rosemari Soares, no artigo “A pedagogia de Gramsci no Brasil” (2004) afirma que a
Pedagogia Histórico-Crítica pode ter interpretado de forma equivocada os escritos de Antonio
Gramsci. Isso dificultaria a compreensão das ligações que ele construiu entre o Socialismo e as
lutas por meio de instituições da sociedade civil e da cultura. Segundo a autora, ainda é preciso
64
estudar melhor o pensamento gramsciano sobre a escola e o papel dos professores como
vanguarda política. Para os interesses da presente tese, acolho a ideia de que a Pedagogia
Histórico-Crítica apoiou soluções para a formação de docentes em que o conhecimento científico
exerce um papel fundamental, principalmente do ponto de vista da aquisição de excelente
conhecimento acadêmico.
São as teses de Cusinato (1987) e Basso (1994) que discutem o problema da competência
técnica (ou profissional, para Cusinato) e do compromisso político na formação de professores de
História, a partir de Gramsci, de Marx e da Pedagogia Histórico-Crítica. Na tese de Soares, em
2005, sinaliza-se para esses referenciais, mas não há citações diretas. Quanto mais recentes as
teses, menos se menciona este tema.
Paulo Freire representou também a Pedagogia Crítica no Brasil a partir dos anos 1980.
Para ele, o professor aproxima-se dos saberes dos alunos para construir, em conjunto, novas
leituras que possibilitem a transformação das desigualdades e injustiças. Segundo Afonso
Scocuglia, no artigo “Origens e prospectiva do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire”
(1999), Freire aborda referenciais marxistas e “alguns temas gramscianos” (p.33) para constatar a
reciprocidade entre atos políticos e educacionais. Ele se apropria de conceitos gramscianos como
“intelectuais” e do “partido como intelectual coletivo” (SCOCUGLIA, 1999, p.34). Nos textos
mais recentes, Freire defende a democracia e incorpora discussões pós-modernas sobre o papel
do sujeito na mudança política, assim como da Teologia da Libertação.
Conforme a síntese de Scocuglia (1999), Freire diferencia-se da postura de Saviani pela
valorização dos saberes populares (o que não significa que ignore a aquisição de conhecimentos
científicos), assim como pela incorporação de referenciais pós-modernos. Apesar de muito
popular na literatura educacional no Brasil e bastante conhecido na Europa, nesse conjunto de
fontes ele é citado somente por Cusinato, Paim e Soares.
As referências a Gramsci tampouco são numerosas. Apenas Cusinato (1987) cita duas de
suas obras (Concepção dialética da História e Os intelectuais e a organização da cultura) e um
livro de Carlos Nelson Coutinho80. Mesmo assim, a apropriação feita pelo autor parece
independente das interpretações provindas de Saviani e seus seguidores, já que, nas
considerações finais, recorre diretamente aos escritos gramscianos.
80 COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1981.
65
As Pedagogias Críticas81 se inspiram em autores de filiação marxista, principalmente
Antonio Gramsci. Retomo apenas alguns dos pontos principais deste pensador. Preocupado com
a organização da cultura na Itália pré-fascista, escreveu sobre conceitos que orientam as
formulações Críticas no campo da Educação que, com modificações, permeia a literatura sobre
formação docente (geral e de História) até hoje. Com a ideia das “Escolas Unitárias”, Gramsci
mostra que as escolas podem começar a se modificar independente (ou paralelamente) às
transformações do Estado Burguês a caminho do Socialismo.
O Estado, na concepção de Gramsci exposta em “Os intelectuais e a Organização da
Cultura”, deveria ser o único responsável pelas escolas, que ofereceriam as condições necessárias
para que os alunos convivessem diuturnamente com o conhecimento. A palavra “unitária” vem da
recusa à divisão entre escolas técnicas (voltadas para os filhos das classes trabalhadoras) e
aquelas que preparam para carreiras superiores. A intenção é propiciar para todos os jovens as
condições de adquirir o saber necessário ao pensamento autônomo e disciplinado que a produção
de conhecimento exige: “deve ser uma escola criadora” no sentido de criar hábitos para o
pensamento científico, que caminhe da “disciplina dinâmica” para a “expansão autônoma e
responsável” da personalidade (GRAMSCI, 1979, p.124), a partir de valores humanistas.
Segundo Giovanni Semeraro, a “(...) interconexão do mundo do trabalho com o universo da
ciência, com as humanidades e a visão política de conjunto formam, em Gramsci, o novo
princípio educativo e a base formativa do intelectual orgânico” (p.378).
Para Gramsci (1979), na escola se manifestam as disputas entre projetos políticos e sociais
conflitantes. A classe dominante é aquela que impõe – pela força ou pelo consenso, seu
predomínio sobre as demais. Para isso, utilizam-se de intelectuais – ditos “tradicionais” – que
trabalham pela perpetuação de ideais que confirmam a hegemonia burguesa, embora estes
intelectuais nem sempre se considerem membros da classe burguesa. A proposta gramsciana de
Escola Unitária se configura, então, como um instrumento da luta dos operários contra a
dominação burguesa:
81 Incluo, aqui, a Pedagogia Histórico-Crítica (liderada por Dermeval Saviani, no Brasil), o conceito de Educação de Paulo Freire e um diverso grupo de autores anglo-saxões e espanhois identificados como Críticos, tais como Henry Giroux, Peter McLaren, Joe Kincheloe, Gimeno Sacristán e Ángel Pérez-Gómez.
66
(...) deve-se evitar a multiplicação (...) dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (...) que conduza o jovem até os umbrais da escola profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (p.136).
Nesse sentido, Antonio Gramsci formaliza o conceito de “intelectual orgânico”, isto é,
aquele membro das classes exploradas que, ao adquirir cultura, coloca-se a serviço de seus iguais
e, pela transmissão de conhecimento, ajuda na promoção da Consciência de Classe (GRAMSCI,
2001)82. Daí que vários intelectuais, posteriormente, apropriam-se da concepção de intelectual
orgânico para caracterizar o papel do professor na construção do Socialismo, ou de um mundo,
pelo menos, mais justo (como faz Cusinato, 1987). A Escola Unitária, conduzida por professores
que são Intelectuais Orgânicos, organiza as classes subalternas na esfera cultural para,
futuramente, assumirem os governos da sociedade. Gramsci acredita que todo professor é
também intelectual. Com esse panorama, acredito que as teses de doutorado que se articulam com
as Pedagogias Críticas comungam e apropriam-se, de diferentes formas, desta utopia político-
educacional – o professor como intelectual que pode ajudar as classes operárias a melhorar suas
condições de vida (ou, até, a revolucionar a sociedade). A concepção do professor como
“intelectual transformador” ou “crítico”, recorrente nas teses analisadas, certamente baseia-se nas
formulações de Antonio Gramsci.
Nas teses de doutorado, as citações à Pedagogia Crítica e ao Professor Crítico/Reflexivo
provêm de autores estadounidenses e espanhóis. As citações são mais numerosas, mas existe
pouca preocupação em distinguir as abordagens epistemológicas. Por vezes, os autores das teses
preferem trabalhar com expressões e não com um corpo teórico estabelecido. Afinal, para alguns
intérpretes, as abordagens “professor crítico”, “professor pesquisador”, “professor reflexivo”
podem ser muito diferentes entre si. Há interpretações bastante polêmicas sobre este ponto.
Apresento algumas delas. Segundo Freitas (2002 e 2007), as pesquisas que se apoiam em
Kenneth Zeichner, Donald Schön, Clermont Gauthier, Maurice Tardiff, Antonio Nóvoa e outros
– caso das teses aqui analisadas – colaboram para a legitimidade das políticas de formação
neoliberais que, em seu modo de ver, impedem a profissionalização dos professores.
82 Giovanni Semeraro (2006) interpreta o conceito de Gramsci dizendo que são “(...) orgânicos os intelectuais que, além de especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam” (p.378).
67
Ela entende que a formação de professores baseada em competências – sugerida pelo
relatório Delors (1998) – retira do Estado a responsabilidade pela formação, fazendo com que os
professores assumam sua qualificação como tarefa individual. Segundo Gaudêncio Frigotto e
Maria Ciavatta (2003):
O Relatório faz recomendações de conciliação, consenso, cooperação, solidariedade para enfrentar as tensões da mundialização, a perda das referências e de raízes, as demandas de conhecimento científico-tecnológico, principalmente das tecnologias de informação. A educação seria o instrumento fundamental para desenvolver nos indivíduos a capacidade de responder a esses desafios, particularmente a educação média (p.99)
Porém, intérpretes como Wanderson Alves (2007), em “A formação de professores e as
teorias do saber docente”, acreditam que é possível absorver parte dessas ideias sem deixar de
lado o caráter profissional do trabalho docente. Cecilia Borges (2001), no artigo “Saberes
docentes: diferentes tipologias e classificações de um campo de pesquisa” escreve que há
inúmeras obras sobre o assunto, principalmente em inglês, com grande diversidade conceitual e
metodológica. A possibilidade de múltiplas interpretações traduz a dificuldade em classificar as
leituras dos autores das teses.
Maria Helena Dias-da-Silva (2005) no texto “Política de formação de professores no
Brasil”, reconhece a importância de valorizar os saberes dos professores. Porém, alerta para o
perigo de “perpetuar a mediocridade”. Sua posição – que parece incorporada nas teses de
Cusinato (1989), Rocha (2001), Soares (2005) e Mesquita (2008) – reafirma que há certos
conteúdos que o professor tem de dominar: "(...) [a] formação intelectual é imprescindível!"
(DIAS-DA-SILVA, 2005, p.392).
Autores que se dedicaram a discutir epistemológica e politicamente a influência das
teorias sobre profissionais reflexivos as tratam, de maneira geral, como não críticas, mas
reconhecem que representam um novo “idioma pedagógico” que se incorporou com força às
pesquisas em educação, como mostra Isabel Lelis (2001) em “Do ensino de conteúdos aos
saberes do professor: mudança de idioma pedagógico?”. Nas teses aqui analisadas, o professor
reflexivo é entendido, também, como crítico, já que alguns autores (como Sacristán, por
exemplo) permitem esta síntese.
É Paim (2005), dentre as teses de doutorado em análise, que estuda a influência dos
saberes e da reflexividade docente na formação de professores de História. Para ele, elas se
68
tornaram cânones contemporâneos da formação de professores e podem ser nomeados de
diferentes formas: “racionalidade técnica, professor reflexivo, professor intelectual
transformador, professor pesquisador, professor autônomo” (p.96-97). Ele demonstra a
historicidade de cada um deles para, no final, defender sua postura do “fazer-se professor”.
Para Helena Freitas (2002 e 2007), o que fica desta discussão é o embate entre duas
concepções antagônicas de formação de professores: a oficial, que descentraliza os custos,
privilegia o capital privado e individualiza as responsabilidades; e a oposição, representada pelas
associações de classe e por parte da Academia, que defende a profissionalização dos professores,
o direito a uma formação intelectualizada e concentrada nas Universidades, a redução da carga
horária em sala de aula e a gestão da formação continuada por parte dos próprios professores.
Tudo isso em busca de uma escola que forme cidadãos livres, críticos e construtores de uma nova
sociedade.
A posição de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant em “Sobre as artimanhas da razão
imperialista” (1998) merece ser destacada:
(...) vê-se de passagem que, entre os produtos culturais difundidos na escala planetária, os mais insidiosos não são as teorias de aparência sistemática (...) e as visões do mundo filosóficas (ou que pretendem ser tais, como o “pós-modernismo”) no final das contas, fáceis de serem identificadas; mas sobretudo determinados termos isolados com aparência técnica, tais como a “flexibilidade” (ou a sua versão britânica, a “empregabilidade”) que, pelo fato de condensarem ou veicularem uma verdadeira filosofia do indivíduo e da organização social adaptam-se perfeitamente para funcionar como verdadeiras palavras de ordem políticas (...). (p.19)
Dadas as dificuldades de classificação, optou-se por valorizar a forma como estas
tendências diversificadas foram apropriadas pelas teses estudadas. De maneira geral, a saída dos
autores foi a de mesclar as ideias da reflexividade com as tendências críticas. Portanto, o
referencial teórico em geral, principalmente para as mais recentes, valoriza os professores em
suas subjetividades e, também, em seu papel crítico e transformador.
O Gráfico 3 mostra que Dea Fenelon, Selva Fonseca, Ilka Mesquita e Elison Paim são os
autores mais citados como referencial teórico-metodológico sobre formação de professores de
História. Eles comungam as mesmas influências heterogêneas, conjugando o reflexivo, o crítico e
o militante. Ana Maria Monteiro e Maria Fontoura completam o quadro, sendo que Fontoura é a
única menção estrangeira.
69
Gráfico 3: Referências sobre formação de professores de História nas teses defendidas em São Paulo.
Dea Fenelon83 é a grande baliza, com artigos clássicos citados desde as primeiras teses até
a mais recente. Mesmo com a distância temporal, seu artigo exemplifica a permanência e
pertinência dos mesmos problemas desde o princípio dos anos 1980 (BERETA DA SILVA,
2009). Já o texto de Selva Fonseca é apropriado como modelo de pesquisa com narrativas de
professores de História. O mesmo acontece com as duas referências ao texto de Maria Madalena
Fontoura (1998).
As citações a Ana Maria Monteiro estão nas duas teses mais recentes e indicam a
diversificação regional dos referenciais (embora ainda na região Sudeste). As citações aos
trabalhos de Marlene Cainelli (Paraná), Marcelo Matos (Minas Gerais) e do próprio Paim (Santa
Catarina) são as únicas publicadas fora do Estado de São Paulo. Autores como Joana Neves,
Margarida Dias, Luis Fernando Cerri, Flavia Caimi e outros (pertencentes a outras regiões do
país) não aparecem como referenciais sobre formação de professores de História, mas sim sobre
Ensino de História.
Maria Auxiliadora Schmidt, da Universidade Federal do Paraná, com extensa produção na
área, é citada apenas na publicação conjunta organizada por Circe Bittencourt, a partir de editora
paulista. Um indicador da abertura do eixo Sudeste está na origem dos autores das teses mais
83 Graduou-se em História em 1961 pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especializou-se em 1964 pela Duke University e em 1970 pela Johns Hopkins University. Realizou o Doutorado em História pela UFMG em 1973. Foi professora Assistente da Unicamp entre 1975 e 1986 e da PUC/SP desde 1984. Possui grande número de publicações na área de Ensino de História e Formação de Professores de História e sua atuação na Associação Nacional de História foi fundamental para a entrada de professores não-universitários. Faleceu em 20/4/2008.
70
recentes: Paim é natural do Rio Grande do Sul e Mesquita, de Minas Gerais. Ambos retornaram a
seus estados de origem e continuam suas pesquisas em universidades regionais.
Neste tópico, procurei demonstrar que os temas emergentes nas teses defendidas no estado
de São Paulo foram “dicotomia entre teoria e prática” e as “memórias e subjetividades” de
professores de História. No entanto, é preciso ressaltar que os temas se interpenetram. A tensão
entre historiografia e didática permeia todas as teses. Predominam investigações qualitativas, que
trabalham com fontes orais, escritas e questionários fechados. A metade dos autores vive e
trabalha no Estado de São Paulo e os demais são das regiões Sul e Nordeste.
Demonstrei, ainda, que os referenciais teórico-metodológicos mais utilizados são os
vinculados a diferentes autores espanhóis, anglo-saxões e brasileiros de distintas abordagens,
seguidos da Pedagogia Histórico-Crítica (notadamente, a obra de Saviani) e à Pedagogia Crítica
de inspiração freireana e norte-americana. Déa Fenelon e Selva Fonseca são as autoras mais
recomendadas sobre formação de professores de História. Elas, também, propõem um perfil
baseado no profissional crítico, reflexivo, transformador e politizado.
Analisar o referencial teórico das teses auxilia a esclarecer o caráter construído e
intencional destas fontes documentais, como ensina Le Goff (2003). Penso que configuram pistas
para compreender as interpretações dos autores a respeito da formação de professores de História.
A análise como “documentos-monumento” ajuda a perceber que, ao longo do tempo, os trabalhos
se deslocam da ênfase no papel político do professor para a valorização de sua constituição
autônoma e crítica. Além disso, concentra-se cada vez mais na tarefa específica de ensinar
História, deixando as transformações políticas, econômicas e sociais para outros âmbitos.
1.2.2 Problemas e propostas
As teses de Cusinato (1987) e Basso (1994) desejam compreender como os professores de
História ou Estudos Sociais interpretaram as mudanças na escola e no ensino de História após o
fim da Ditadura Militar, baseando-se, principalmente, na Pedagogia Histórico-Crítica. Os dois
autores analisaram o trabalho docente a partir do binômio “competência técnica e compromisso
político” que todos os professores – em seu ponto de vista – deveriam adotar. Preocupavam-se
com o fato de que a formação inconsistente, aliada a condições de trabalho inadequadas,
interferiam na assunção desse compromisso político.
71
Cusinato (1987) investigou como se produz a competência do professor, para resgatar a
responsabilidade das IES na formação docente e criticar as condições de trabalho nas escolas
públicas estaduais. Constatou que os professores de Estudos Sociais participantes eram formados
predominantemente em instituições privadas e suas dificuldades eram insegurança, desprestígio,
sobrecarga de trabalho e instabilidade na carreira, que se agravavam pela falta de visão crítica
sobre sua profissão (p.122). Segundo Cusinato, a procura constante por novas qualificações
sinalizaria para a impotência contra a legislação opressora.
Nas análises finais, Cusinato (1987) verificou que professores formados em universidades
públicas possuíam competência profissional (porque adquiriam mais conhecimentos científicos) e
interpretavam melhor suas condições de trabalho. Entre os formados em instituições privadas
ocorria o contrário. Daí conclui (recorrendo a Mello, 1988) que a competência profissional não é
abstrata e propõe: a Universidade deve proporcionar o conhecimento científico, pois, assim,
concede também o compromisso político.
O caso de Itacy Basso (1994) é semelhante. Sua problemática – há possibilidade de um
trabalho docente menos alienado? – parte do princípio que a mudança não depende apenas de
transformações teóricas, mas da melhoria das condições de trabalho do professor. Após a
discussão dos questionários e entrevistas, Basso afirma que a dimensão subjetiva (formação
acadêmica com compromisso político) não é suficiente para a transformação das práticas
docentes (p.98).
Ela concluiu que até mesmo o professor melhor formado continua a realizar "trabalho
alienado e alienante" (BASSO, 1994, p.107) e, para resolver esse problema, propõe aliar uma
sólida formação a boas condições de trabalho. O objetivo é alcançar uma escola de qualidade
comprometida com as classes menos favorecidas, em que o professor de História proporciona o
entendimento da realidade através do conhecimento socialmente construído.
Por isso, a formação docente precisa reforçar a concepção de História que tem o
professor, pois é ela que orienta suas escolhas metodológicas. Para os que já se encontram em
sala de aula, as propostas de Basso (1994) focam na diminuição da carga horária, com tempo para
preparação de atividades, estudos e trabalhos coletivos. A formação Universitária também é
importante, desde que haja condições de reelaborar os conhecimentos recebidos, a partir da
prática. Para concluir, ela valoriza a presença da dimensão utópica da disciplina, na forma
72
entendida por Antonio Almeida Neto (2002). Porém, ao elencar as tarefas do professor, restringe-
as aos trabalhos escolares, pois a transformação das condições de trabalho ocorre na luta entre o
Estado e os sindicatos (BASSO, 1994, p.117).
Basso (1994) e Cusinato (1987), portanto, defendem a especificidade da tarefa do
professor: ensinar História de forma crítica, sem confundi-la com proselitismo, embora Cusinato
valorize muito mais o potencial transformador do professor perante a sociedade. Estas são as duas
teses que vinculam a formação dos professores à Pedagogia Histórico-Crítica. As teses
subsequentes procuram nas tendências do professor reflexivo, crítico e pesquisador as soluções
para a formação.
Na tese de Fonseca (1996), problematizam-se as relações entre o ser professor e seus
interesses e trajetórias. O caminho escolhido pela autora foi o de apresentar os depoimentos dos
docentes (editados por ela) e, ao final do relato de vida de cada um, tecer suas considerações, das
quais selecionei as mais próximas à formação e às utopias. Fonseca compreende os professores
como profissionais que se formam a partir de suas vivências – sempre que refletidas criticamente.
Todos os entrevistados demonstraram preocupação com a formação dos futuros
professores, buscavam novos desafios e a inserção em diferentes âmbitos da carreira. Suas
práticas pedagógicas estavam ligadas às concepções de História, educação e escola, compondo
identidades: “(...) Em sua maioria, os professores se veem e se sentem educadores” (p.217). Cada
um compreende de uma forma diferente esse papel, conforme suas concepções e teorias. Oscilam
entre marginalidade, sacrifício, falta de “vocação”, baixo salário e os privilégios por trabalhar
com a literatura, o sonho e a vida.
Esta é a primeira tese, dentro do corpo documental aqui estudado, em que se valorizam
outros aspectos do professor de História que não apenas trabalho, intelectualidade e política. A
história de vida, as influências familiares, a convivência religiosa, os sonhos e as frustrações são
elementos importantes da constituição docente.
Raimundo Rocha (2001) preocupou-se em entender por que as reformas curriculares do
ensino de História não foram bem aceitas, nem satisfatoriamente implantadas, pelos professores
de História. Seu ponto de partida é a necessidade de formar profissionais dispostos à inovação
curricular. Para ele – professor de História, formador e técnico de Secretaria de Educação – os
currículos oferecem mudanças, mas enfrentam a resistência dos professores.
73
Rocha confirma suas expectativas, pois, ao estabelecer relações entre a Licenciatura que
analisou e as entrevistas com os professores, reconhece: "(...) a universidade deixa lacunas no
processo de formação, na medida em que não prepara o aluno (futuro professor) para trabalhar
com os ensinos fundamental e médio." (ROCHA, 2001, p.76 – grifos no original).
Ele acredita que os professores conhecem alguns dos atuais princípios que regem o ensino
de História. Entre eles, a valorização das Identidades Múltiplas, promovida pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Entretanto, sentem dificuldades em incorporar novidades
curriculares em suas aulas. Rocha (2001) propõe que se acrescente, à competência técnica e ao
compromisso político, a autonomia. Ele não cita autores da Pedagogia Histórico-Crítica, mas,
referere-se às suas categorias, estabelecendo um diálogo com Perrenoud84. Na visão de Rocha, as
concepções de competência, compromisso e autonomia são complementares.
Gusmão (2002) também compara os depoimentos dos professores com uma nova proposta
curricular para o ensino de História – a da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
(Cenp) do Estado de São Paulo, idealizada nas décadas de 1980 e 1990. Ela busca as razões pelas
quais quase todos os professores se identificam como inovadores (mesmo que, na prática, não o
sejam).
A autora dividiu os professores entrevistados em três gerações (anos 30, anos 40/50 e anos
60) e analisou suas relações com a profissão e o conhecimento histórico. Nem a primeira nem a
segunda gerações se identificaram com a História Temática85, enquanto que a terceira dialoga
com as metodologias de ensino consideradas “de vanguarda” – justamente, apoiadas na Nova
História Cultural.
Gusmão (2002) notou que a proposta dos PCN, pautada na formação em valores, causa
embaraços, principalmente, para os professores melhor formados. Nesse ponto, há aproximação
com as conclusões de Rocha (2001) e Cusinato (1987). Aquele também defende que os
professores não compreenderam as inovações curriculares, por isso não as aplicaram
84 A obra citada é PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Tradução: Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. 85 Gusmão tomou o referencial da Cenp como parâmetro para avaliar o discurso inovador dos participantes da pesquisa. A Cenp propôs estruturar o currículo de história por temas, a partir dos quais professores e alunos alcançariam os conhecimentos históricos necessários. A História Temática relaciona-se com a tendência historiográfica da Nova História Cultural, em ascensão nos cursos de Pós-Graduação do final dos anos 1980 e década de 1990.
74
corretamente. Este, ao contrário, só encontrou aspectos positivos nas entrevistas com professores
formados em IES de qualidade reconhecida.
Os principais problemas da terceira geração de professores são a dificuldade de trabalhar
com conteúdos variados e a impossibilidade de avaliar o sucesso ou fracasso de seus objetivos, já
que estes são relativos. Enfrentam também a desconfiança da sociedade em relação à
legitimidade da História Temática e dialogam com autores pós-modernos. Ela concluiu que a
proposta da Cenp modificou a forma de pensar dos professores a partir dos anos 1980, pois a
dimensão política da escola e a dimensão utópica do ensino de História (ALMEIDA NETO,
2002) passaram a habitar as perspectivas da grande maioria dos docentes.
Com uma proposta de pesquisa diferente das anteriores, Ricci (2003), através da História
Social, estuda mudanças e permanências na formação institucional dos professores de História de
cursos em Minas Gerais. A autora esclarece que as DCN enfatizaram as habilidades do
historiador, compreendendo a formação do professor como atividade complementar, a critério de
cada Instituição. Para ela, as reformas enfrentadas nos anos 1990 resultaram em mobilização, mas
não tão grande quanto na década anterior86.
Por compreender a formação como uma experiência refletida e crítica, Ricci (2003)
recorre ao referencial proposto por Antonio Nóvoa e sugere que a formação deve articular a
teoria e a prática pela aproximação Universidade-Escola (p.269). Seus resultados mostraram que
os professores acabam por aprender mais em outros espaços, nem sempre vinculados ao Ensino
Superior, mas que respondem melhor aos anseios da prática e incentivam a constituição do
professor reflexivo e autônomo.
Ricci, como poucos autores de São Paulo, valoriza a Didática da História e a sala de aula
como ambiente formativo por excelência, mas com uma ressalva: a prática não fornece, por si só,
todos os conhecimentos. É preciso que as Licenciaturas em História saibam incorporar a
experiência docente ao articular a Historiografia ao desenvolvimento humano (RICCI, 2003,
p.275).
86 Conforme a já citada Bereta da Silva, 2010 e os instigantes artigos “Diálogos sobre o exercício da docência”, de Júnia Pereira (2010); “Formação de professores de história: experiências, olhares e possibilidades”, de Mesquita & Fonseca (2006); “A formação de professor de história no Brasil: perspectivas desafiadoras do nosso tempo”, de Selva Guimaraes e Regina Couto (2008), entre outros, as DCN para a formação de professores e para os cursos de História fornecem (ou deveriam fornecer) os elementos necessários à organização das Licenciaturas em História, para que os futuros docentes possam dar conta de realidades desafiadoras e complexas.
75
Olavo Soares (2005) prefere olhar para a inovação curricular (e prática) na formação
docente por meio de pesquisa-ação. Ele busca pelas “(...) mudanças conceituais que as
metodologias desenvolvidas podem provocar nos alunos e também nos professores" (p.39-40).
Com a premissa de que a necessidade de estudar vem da prática, o autor sugere novos processos
de formação.
Em pesquisas exploratórias, Soares (2005) havia constatado que em certos trabalhos
inovadores, alguns professores demonstravam clareza em suas posições políticas, mas pouco
conhecimento histórico era aprendido pelos alunos87. Disso, ele concluiu que a falta de
conhecimento teórico é prejudicial para o andamento das atividades inovadoras. A formação
deve, portanto:
(...) dar acesso, de forma rigorosa, às mais diversas possibilidades de produção historiográfica. Estamos convencidos de que as possibilidades de um bom historiador não ser um bom professor de história são proporcionais ao seu oposto. (...) Portanto, é função das políticas públicas possibilitar essa formação e fiscalizar para que se realize com qualidade. (p.250)
Nota-se que, por um caminho diferente, chegou ao mesmo ponto das demais pesquisas até
agora: a dificuldade em concretizar as inovações aprendidas na formação inicial ou continuada.
Junto com Rocha (2001), enfatiza a importância do conhecimento histórico, mas não trata da
Didática da História.
Igualmente preocupado com a identidade do professor de História, Paim (2005) procura
conhecer melhor as expectativas e os problemas dos professores iniciantes, buscando as relações
entre a vivência na Licenciatura e os dois primeiros anos na escola. Diferente dos resultados das
outras pesquisas, todos os seus entrevistados afirmaram o caráter sério e transformador das
concepções de História que o curso ofereceu. Mesmo assim, criticam a falta de conteúdos mais
ligados à prática escolar cotidiana.
A partir de articulação das fontes e análise teórica, Paim (2005) posiciona-se além dos
cânones tradicionais que classificam as tendências de formação de professores e prefere
encontrar-se, com base em Edward Thompson e Walter Benjamin, no “fazer-se professor”.
87 Um estudo que chega a resultados semelhantes é o de Oldimar Cardoso (2007). Ele demonstrou que, em alguns casos, propostas “inovadoras” podem perder a clareza e o rigor e não chegam a resultados satisfatórios em relação ao aprendizado dos alunos.
76
Propõe que as pesquisas sobre o tema passem a entender o docente como alguém que se constrói
na relação com o tempo e nos significados atribuídos para seus desejos. Propostas mais práticas
são retiradas de citações diretas das entrevistas, destacando-se os pedidos para que a
Universidade acompanhe os recém-formados em suas primeiras incursões.
Mesquita (2008) redireciona o olhar para um objeto até então ignorado (pelo menos como
fonte documental) nas teses anteriores: os fóruns de debate acadêmico sobre ensino de História e
formação de professores. A questão que mobiliza a pesquisa é perceber e compreender as
manifestações coletivas e a constituição de memórias/identidades nesses fóruns, cuja trajetória é
reconstruída a partir dos Anais e de testemunhos dos pesquisadores mais atuantes.
A autora reforça a recorrência dos velhos problemas: dicotomia entre licenciatura e
bacharelado, entre ensino e pesquisa e entre teoria e prática, além da desqualificação dos saberes
do professor. Estes elementos não aparecem apenas nas discussões sobre os estágios ou as
práticas, mas, principalmente, nas disputas políticas, de espaços e influência, nos próprios fóruns
estudados.
Ao constatar que poucos artigos recentes tratam da formação de professores de História,
defende a “aliança ensino e pesquisa” (MESQUITA, 2008, p.6) para solidificar a perspectiva
segundo a qual os docentes produzem conhecimento. A visão de Mesquita é de um professor
intelectualizado, que sabe articular teoria e prática. Para ela, a formação de professores de
História deve ser: “(...) uma formação integral para o ensino e a pesquisa; no caso a licenciatura,
as práticas de estágio são momentos muito importantes de aproximação com esse desafio e de
ressignificação das teorias à luz desse desafio (...)” (p.232).
Assim, dentre os problemas e propostas das teses, destaco, em primeiro lugar, o
vocabulário dos anos 1980/1990, com o binômio “competência técnica e compromisso político”.
Ao avançar os anos 1990 e 2000, o “idioma pedagógico” (Lelis, 2001) muda. Os autores
defendem que memórias, conhecimentos, vivências e leituras é que constituem o professor de
História. Apesar de recusarem, de maneira geral, o discurso neoliberal sobre a formação docente,
teses como as de Gusmão (2002) e Rocha (2001) adotam os conselhos advindos de órgãos
internacionais (notadamente, da Unesco, a partir do Relatório Delors).
A tese de Ricci (2003) se baseia nos escritos de Antonio Nóvoa para defender o papel
político do professor de História. Ela reconhece a diversidade de espaços de formação e atribui
77
importância aos conhecimentos desenvolvidos pelos próprios docentes. Ao mesmo tempo, a
autora destaca o rigor acadêmico historiográfico e o conhecimento da Didática Específica.
Costurando esses argumentos, Ricci evita responsabilizar individualmente os professores pelos
problemas do ensino de História e valoriza a formação inicial e a continuada.
Basso (1994) tem uma postura semelhante, pois não sobrepõe o referencial teórico à
interpretação das fontes. Ela afirmou a inconsistência de exigir competência técnica e
compromisso político sem garantir as condições objetivas de trabalho. Além disso, reconheceu a
diversidade de espaços formativos. A sua é uma das poucas teses que valoriza a formação
continuada (junto com Ricci) e a subjetividade do professor (junto com Fonseca e Paim).
Apesar das diferenças entre as abordagens, acredito que os autores, de maneira geral,
atribuem à formação docente um papel difícil: oferecer aos professores conhecimentos
significativos articulados com suas experiências e ajudar a construir o compromisso com as
responsabilidades sociais da profissão.
1.2.3 Utopias político-educacionais
Para escrever esta parte, realizei dois movimentos interpretativos, que se comunicam em
diversos pontos. No primeiro, trato dos testemunhos de professores de História (entrevistados das
teses analisadas). No segundo, abordo as propostas para a formação docente que se configuram
como projetos para mudar o mundo.
Testemunhos dos professores de História
As teses que apresentam menções mais breves são as duas mais recentes (PAIM, 2005;
MESQUITA, 2008), nas quais, embora a utopia não seja o tema de estudos, ela aparece nos
testemunhos dos participantes da pesquisa. Todos os entrevistados por Mesquita (2008) –
professores universitários e pesquisadores – preocuparam-se em formar bons professores e
mostraram-se comprometidos com a ruptura da dicotomia teoria e prática. A professora Circe
Bittencourt, uma das entrevistadas, assim se pronunciou:
(...) Eu vim de uma geração que tinha utopias socialistas, revolucionárias, etc. E, agora, quais são as utopias desses alunos? E a História serve para indicar utopias para esses alunos, para essa nova geração. A questão é política mesmo. Política no sentido, evidentemente, genérico do processo de transformação."
78
(Depoimento de Circe Bittencourt, apud MESQUITA, 2008, p.236 – grifos adicionados)
Ao constatar que há poucos artigos recentes que tratam da formação de professores de
História, Mesquita (2008) defende a “aliança ensino e pesquisa” (p.6) para solidificar a
compreensão dos professores como produtores de conhecimento, mas não comenta o aspecto
utópico no depoimento de Bittencourt. Paim (2005) nas “Palavras Finais” da tese, afirma afastar-
se de dois discursos: o da vitimização do professor e o da politização “vazia” do trabalho docente,
que valoriza uma
(...) retórica da importância dos professores para as mudanças das condições injustas das sociedades atuais. Entendo que não há mais lugar para esses discursos vazios [e] ser necessária uma outra atitude ao abordar a questão, especialmente, (...) de diálogo com os professores, entendendo-os como sujeitos
do seu fazer (p.457 – grifos adicionados)
No entanto, há vários trechos das entrevistas presentes em sua tese, nos quais as utopias –
militantes – emergem e são elogiadas pelo autor. Os exemplos estão nas professoras Tânia, que
fez “a revolução” em sua sala de aula e Dirce, que reafirma a “responsabilidade” do professor
perante a “transformação social” (Paim, 2005, p.406 e p.252).
Ricci (2003) constatou que, mais ou menos mobilizados a partir dos anos 1980, os
professores apareceram como protagonistas dos processos de mudanças das políticas públicas
educacionais. Porém, o licenciado formado nos últimos anos não é mais vinculado a movimentos
políticos ou sociais e sim caracterizado pelo "narcisismo social" (p.272). A autora destacou o
jornal de divulgação de um dos projetos de formação continuada analisados, chamado Carpe
Diem. Este material se autoidentificava como portador da utopia dos que acreditam na mudança
pedagógica e na democracia, além de oferecer um "norte revolucionário" aos professores leitores
(p.231 e p.272).
A autora notou, ainda, que os profissionais que participavam das iniciativas de formação
continuada eram motivados, "apaixonados" e mobilizados politicamente (RICCI, 2003, p.265-
256). Ela valoriza, portanto, as utopias político-educacionais de tipo progressivo e revolucionário
(DUBOIS, 2009), pois oferecem visibilidade às propostas concretas que se apropriam da
esperança de mudar o mundo a partir da educação (BOTO, 2003b; PIOZZI, 2007;
CALATAYUD, 1982; CAMBI, 1999).
79
As seis últimas teses, a partir de 2002, são as que maior atenção atribuem às utopias.
Esperam que o professor seja mobilizado, incluem a Política nos instrumentos de coleta de dados
ou redigem propostas para que a formação institucional contemple essa tarefa.
A tese de Gusmão (2002) é prolífica em menções às utopias. A posição política dos
professores entrevistados por ela, guardadas todas as ressalvas cabíveis a estudos parciais,
caracteriza as três gerações. Para a autora, a segunda é a mais marcada pela consciência política e
pela renovação pedagógica – uma minoria que assume “postura contestatória, tende às ideologias
esquerdistas e inova em termos educacionais” (p.53).
A terceira geração mostra que o novo é parte da identidade dos professores mais jovens,
apesar da incerteza. Identificam-se com os currículos construídos por professores da segunda
geração, mas não com todos os seus ideais, por possuírem outra concepção de cidadania. Na
visão de Gusmão (2002), cria-se um “mal-estar docente”: os professores querem “(...) afirmar o
caráter crítico e emancipatório da História” (p.110), mas encontram novas ideias pedagógicas,
que privilegiam a educação em valores88. Eles também valorizam sua formação acadêmica e
procuram identificar-se com as camadas populares, oscilando entre a ruptura e o resgate (uma
tensão constante na História da Pedagogia, como mostra Cambi, 1999) na caracterização de
utopias educacionais.
Para a autora, seus resultados inspiram-se na Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani, para
quem os professores das décadas de 70 e 80 atribuíam significado político e social à educação.
Gusmão (2002) questiona se os professores de gerações mais recentes teriam outro perfil – fato
que Ricci (2003) constata. Porém, nas conclusões, verifica que o engajamento político é muito
mais discursivo do que ativo:
(...) No lugar de um posicionamento pessoal perante o ensino, encontram-se, nas falas dos professores, chavões sobre o engajamento político e a necessidade de transformação social. (...) A outra face do professor atual é a desmotivação, ausência de justificativas pessoais para o ofício ou do espírito missionário tantas vezes criticado em nome da profissionalização do ensino. (GUSMÃO, 2002, p.170 – grifos adicionados)
88 Segundo Peter Goergen, a educação em valores é necessária e é papel da escola e dos professores. Deve basear-se na comunicação, no debate e na reflexividade. GOERGEN, Peter. Educação moral: adestramento ou reflexão comunicativa? Educação & Sociedade. Campinas, ano XXII, no 76, p. 147-174, out. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302001000300009&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 fev. 2012.
80
Resultados estes que são semelhantes àqueles encontrados em Almeida Neto (2002),
quando diz que os professores esperam motivar seus alunos a realizar ações políticas. Gusmão
(2002) ainda acrescenta outro tema: a forte relação emocional com o magistério, baseada na ideia
de Missão. A autora articula seus resultados com os recolhidos por Elza Nadai89, mostrando que o
espírito missionário é recorrente na profissão90 e aparece, por vezes, ao lado de utopias
reacionárias (GUSMÃO, 2002, p.22-23).
O mesmo alerta sobre a insuficiência das utopias político-educacionais encontra-se em
Soares (2005). Apesar de assumir a atividade de pesquisa como política, ele criticou os
professores ditos "ativistas", isto é, os que politizam as atividades pedagógicas, sem clareza
quanto aos objetivos educacionais e o conhecimento adquirido pelos alunos. Para ele, o ativismo
reflete o desejo de ir além da realidade escolar, como forma de resistência ou como resultado de
certa interpretação das políticas públicas educacionais. Porém, seria ineficiente porque “(...) Sem
o conhecimento não há consciência, há alienação (...)” (p.76). Mesmo assim, a utopia é constante
em Soares, desde a problematização até as conclusões:
(...) Nesse momento, vale ressaltar a confiança que depositamos na profissão docente e na educação escolar. É a atitude do professor frente às vicissitudes do mundo contemporâneo que irá possibilitar a elaboração consciente de atividades
de ensino que levem em consideração a realidade e o desenvolvimento
intelectual dos alunos, com vistas a um mundo mais justo e igualitário. (p.263 – grifos adicionados)
Soares (2005), inspirado em Philippe Perrenoud e outros autores, acredita que a
Autonomia é uma das habilidades mais importantes para o professor de História. Junto a ela,
acrescenta termos caros à Pedagogia Histórico-Crítica, porém, sem endereçá-los a um autor
específico. É mais um sinal da apropriação bastante pessoal do referencial teórico.
89 NADAI, Elza. A educação como apostolado: história e reminiscências (1930-1970). Tese (Livre-Docência) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. 90 Essa conexão entre religião, utopia e política é válida também para Soares (2005) e está prevista nas categorias de Backzo (1989), que demonstra afinidades entre mitos e utopias, como nas promessas sobre o Reino de Deus. Para De Rossi (2002, p.346-347), utopias educacionais podem possuir caráter messiânico e salvacionista. O próprio Ernst Bloch, segundo Furter (1974), teria se inspirado na teologia profética judaica ao elaborar seu “princípio esperança”. Martin Buber, segundo Mercedes Vico, interpreta a relação entre utopias e religiosidade como consequência do processo de secularização da modernidade – daí a existência de utopias educacionais proféticas e apocalípticas (1982, p.113-114). Apesar de reconhecer essas relações, esta pesquisa abre mão da interpretação das utopias em relação à religiosidade, deixando a possibilidade para outros investigadores.
81
A abordagem do tema não é casual na tese de Rocha (2001), pois foram elaboradas
questões diretas sobre a participação política e religiosa dos professores de História. Além disso,
como Ricci (2003), ele insere citações, de diversas épocas, que ressaltam a dimensão pessoal e
militante do professor de História, tangenciando a utopia.
Dentre os professores participantes da pesquisa de Rocha (2001), há um grupo que
considera as mudanças curriculares um retrocesso e admite que os cursos de formação, os alunos
e os métodos de ensino do passado eram melhores. Eis a utopia regressiva (DUBOIS, 2009 e
ALMEIDA NETO, 2002), que, também neste caso, aparece aliada à religiosidade (ROCHA,
2001, p. 264). O autor compreende que é obrigação da formação inicial fornecer o conhecimento
histórico ou pedagógico que construiria autonomia intelectual. Ele teria poder para interferir na
sociedade e, talvez, até mudá-la. No entanto, isso não é posto como objetivo do ensino de
História. Na interpretação de Rocha (2001), o professor não é um militante, e sim, um
profissional reflexivo.
Na tese de Selva Fonseca (1996), os entrevistados concluem o sentido final da profissão
como compromisso com a sociedade. Muitos dos depoimentos citaram organizações de jovens
católicos (Juventude Universitária Católica – JUC ou Ação Católica), Movimento Estudantil ou
Movimento Sindical como ponto de partida para a participação política. As leituras de
referenciais (hoje clássicos) como Caio Prado Jr. e Paulo Freire também são recorrentes, assim
como a simpatia a Partidos de esquerda, notadamente o Partido dos Trabalhadores (PT). Uma das
depoentes trança as utopias políticas à atividade docente:
(...) a escola era o ‘campo fértil’ para minha ‘missão’. Depois o compromisso
com as mudanças sociais e econômicas (...) estimulado pelo envolvimento com a política estudantil e pela influência marxista. (...) Dadas as minhas convicções políticas, sempre encarei o fato de ser professor de história como uma grande chance, uma oportunidade ímpar, para discutir as questões da construção da cidadania, da formação da consciência política. (depoimento de Antonieta Lopes, apud FONSECA, 1996, p.67 – grifos adicionados)
Alguns foram perseguidos por suas convicções, outros não enfrentaram dificuldades, mas
quase todos, ao lado da declaração de sua postura política, agregam sentimentos de frustração ou
decepção em relação aos seus ideais e/ou às mudanças no sistema educacional. A utopia
(novamente em caráter regressivo ou reacionário) tangencia a política e a identificação como
“missionário”. Nos depoimentos, percebe-se que os termos “boa vontade”, “vocação x
82
ocupação”, “boa formação” (depoimento de Deusdá Mota, apud FONSECA, 1996, p.94),
“destruição da escola pública”, “camelô do ensino” (depoimento de Rubim Aquino, p.164) e
“angústia”, “consciência” e “responsabilidade” (Depoimento de Sinval Leitão Filho, p.170)
aparecem com frequência entre os professores.
Os termos destacados reforçam as considerações repetidas ao longo desta seção e ecoam,
igualmente, os resultados já discutidos sobre as teses de Barcelona. A forma como as duas teses
mais antigas entendem as utopias político-educacionais na formação do professor de História está
diretamente ligada com o referencial teórico que embasa as pesquisas: a Pedagogia Histórico-
Crítica e a categoria marxista de alienação. Basso (1994), com auxílio de Karl Marx e Alexei
Leontiev, responsabiliza as péssimas condições de trabalho pelo processo de alienação, pois uma
realidade concreta desfavorável não pode ser superada nem mesmo com uma excelente formação.
Basso (1994) não cita as utopias dos professores, nem expressa as suas próprias. No
entanto, ela verificou que o nível de participação política dos entrevistados era pequeno91. A
ligação com a Pedagogia Histórico-Crítica – através do princípio de valorização do conhecimento
científico historicamente acumulado – permite defender a aliança entre sólida formação e boas
condições de trabalho. Só assim, poderão alcançar uma escola de qualidade que esteja
comprometida com as classes menos favorecidas.
Ricardo Cusinato (1987) é explícito:
(...) ao longo das entrevistas, verifiquei que os professores que têm um compromisso político assumido com seus alunos são, geralmente, os formados em faculdades idôneas (...) que receberam e desenvolveram ao longo do curso uma visão crítica da sociedade e do sistema de ensino. Porque é a visão crítica que permite ao professor ver o aluno não o que é, mas o que pode vir a ser, ou seja, a educação comprometida com a transformação social e com a formação do pensamento crítico. (1989, p.144 – grifos adicionados)
O autor argumenta que as Reformas Educacionais pós-1964 foram tentativas de cooptar e
modificar o pensamento político e as ações dos professores. Ou seja, a formação aligeirada
concretizaria a diluição das utopias dos professores de Estudos Sociais/História, que perderiam
sua identidade profissional pela falta de conhecimento científico (frágil competência). Cusinato
91 Apenas 42% dos participantes declararam participar de algum tipo de movimento. Destes, 33% em Igrejas, vinculados a atividades diversas, como a catequese, por exemplo. Da assembleia da última grande greve, apenas 30% dos professores afirmaram participar.
83
(1987), inspirado primordialmente em Antonio Gramsci, elogia àqueles professores com
dedicação politizada e transformadora, que proporcionam ensino crítico aos jovens.
Na interpretação de Cusinato (1987), a Sociedade Política92 seria derrubada pelas
mudanças ocorridas na Sociedade Civil. Trata-se da Guerra de Posições em busca de Hegemonia.
Entre os responsáveis pela consecução dessa luta estariam os Intelectuais – orgânicos – que
trabalhariam na Reforma Intelectual e Moral. A partir desta, produziriam conhecimento científico
favorável à emergência transformadora da Sociedade Civil. Este conhecimento transmitir-se-ia às
novas gerações. Só assim, pela participação intelectual dos mais jovens (que evoluiriam do senso
comum ao conhecimento científico) seria possível criticar a ideologia liberal. O professor de
História é ferramenta da utopia educacional como regeneradora e libertadora.
As teses mais recentes dedicam menor espaço para discutir as utopias políticas e
educacionais, mas atentam para as relações entre as Políticas Públicas e a formação docente. Os
autores temem que, por confundir militância política com compromisso profissional, os
professores estipulem objetivos que não podem realizar e deixem de lado o que é, efetivamente,
sua tarefa: ministrar aulas atraentes e significativas. De maneira geral, a crença dos acadêmicos
aqui expostos é que pitadas de utopia e militância são desejáveis, mas o objetivo maior é o
compromisso com o aperfeiçoamento intelectual dos alunos.
Propostas dos autores
Para alcançar este professor ideal, a esperança estaria na formação. Ela precisa construir
hábitos de reflexividade e pesquisa, para interpretar a realidade escolar e adaptar-se à suas
especificidades. Este mesmo aspecto, como visto, também aparece nas teses defendidas em
Barcelona. Predomina, entre os autores paulistas, a valorização do Estágio Supervisionado e a
solidez dos estudos científicos em historiografia, teoria da História, Psicologia e disciplinas
ligadas à Prática de Ensino – por vezes (raras), à Didática da História.
Fonseca (1996) constrói sua concepção de formação de professores refletindo sobre as
trajetórias, angústias e os sonhos desses professores. As palavras que escolheu para nomear o
profissional que ensina História nas escolas não são casuais:
92 Responsável pela formação aligeirada dos docentes que deveriam servir às classes trabalhadoras, as quais passavam a ter acesso à escolarização após o Regime Militar. A imposição desse conjunto legislativo educacional só foi possível porque não havia possibilidade de mobilização política por parte dos professores.
84
O historiador que exerce o trabalho pedagógico é um educador, um profissional docente, cujo ofício consiste no domínio e na transmissão de um conjunto de saberes através de processos educativos desenvolvidos no interior do sistema de educação escolar. Esse saber docente é, de acordo com a literatura da área, um saber plural, proveniente de diversas fontes. É constituído pelo conhecimento específico da disciplina (...), os saberes curriculares, (...) pedagógicos (...) e os saberes práticos da experiência. (p.22 – grifos adicionados)
Como lição para os programas de formação de professores de História, a autora destaca,
de um lado, a dicotomia entre conteúdo historiográfico e conhecimento pedagógico na formação.
De outro lado, a resistência, nas escolas, às inovações no ensinar e aprender. Ela segue Dea
Fenelon93 para defender que a formação deve ser crítica e não livresca, para romper as
tradicionais dicotomias e para assumir o professor como produtor de saberes, que ajuda a
descobrir, investigar e produzir.
A utopia política com implicação educacional é defendida por Ricardo Cusinato (1987),
para quem o professor deve realizar, democraticamente, a Revolução Cultural e a Reforma
Intelectual e Moral na sociedade. Na licenciatura se encontra a responsabilidade por preparar os
docentes:
(...) a competência dos cursos de licenciatura consiste em propiciar ao aluno uma visão crítica do processo histórico, de modo a permitir a elaboração consciente de um projeto político relativamente coerente com os interesses de uma classe social específica, criando as bases para uma participação no processo histórico articulada com seus interesses de classe, ou seja, de criar algumas das condições para o surgimento do intelectual orgânico, daquele que vai organizar e dirigir os projetos de sua classe. (CUSINATO, 1987, p.28 – grifos adicionados)
Com o aparato intelectual fornecido pela Licenciatura (baseada em um referencial teórico
delimitado), o professor de História poderá cumprir sua responsabilidade social: trabalhar como
intelectual orgânico e contribuir para a transformação a partir da esfera da cultura. Apesar de usar
o mesmo referencial teórico que Cusinato (1987), Basso (1994) separou as utopias das
responsabilidades pedagógicas que cabem ao docente em História. Ela assume a dimensão
utópica no ensino de História, mas reserva ao professor uma tarefa específica, para a qual as
Universidades e o Estado podem proporcionar condições efetivas de concretização.
93 O texto citado é FENELON, Dea. A formação do profissional de história e a realidade do ensino. Cadernos Cedes: licenciatura, Campinas, SP, n.8, p.24-31, 1983.
85
A utopia político-educacional marca a conclusão de Rocha (2001), que deixa clara a tarefa
do professor:
Sem querer ser profético, paradigmático, ou despertar sentimentos piegas, gostaríamos de terminar este trabalho ratificando a nossa crença - que também é opção - de que o ensino de História pode contribuir para que as novas gerações consigam construir seus rumos a partir de conexões entre diversas temporalidades: essa é a nossa tarefa. Agindo assim possibilitaremos que, pelo menos, alguns homens e mulheres que “passam pelas nossas mãos”, tenham a oportunidade de conhecerem formas de serem menos intolerantes às
diversidades e mais comprometidos com a liberdade. (p.302 – grifos adicionados)
Note-se que os termos não são tão exatos quanto em Cusinato (1987) e Basso (1994). As
bandeiras da “liberdade” e da “tolerância” foram incorporadas no discurso de projetos educativos
que não são, necessariamente, de esquerda (Delors, 1998). Em Mesquita (2008), igualmente, não
há apelo para que os professores sejam politicamente engajados, ou empáticos às demandas das
classes populares. Prevalece a solidez teórica e a articulação com a prática.
É possível conjugar essa interpretação com a de Basso (1994) e a de Paim (2005).
Inspirado nos testemunhos dos professores, ele reforça sua tese de que o professor “se faz” em
diferentes âmbitos (PAIM, 2005, p.161 e p.458-459). Porém, no momento de enunciar propostas
para a formação docente, ele defende a concepção de professor como construtor de
conhecimento, que saiba integrar ensino e pesquisa e se reconheça em um processo contínuo de
aprendizagem (p.24 e p.98). Portanto, para que a formação institucional prepare profissionais que
“ousem inovar”, ela deve encará-los como sujeitos e dar-lhes espaço para que “retomem
novamente em suas mãos parte significativa de seu fazer” (p.340).
As utopias, nessas últimas teses, são progressivas (ALMEIDA NETO, 2002), militantes
(DUBOIS, 2009), revolucionárias (BACKZO, 1989; CHAUÍ, 2008) e mobilizadoras dos afetos
(DE ROSSI, 2009). Afinal, elas projetam um futuro melhor e evitam recorrer a um passado
idealizado. Unem a transformação social aos processos educativos e destacam: estes só
conhecerão êxito com bons professores e condições dignas de trabalho. Por isso, Estado e
instituições formadoras precisam trabalhar para que o sonho da escola pública, gratuita, universal
e de qualidade se realize.
O mesmo panorama se observa em Ricci (2003), que destaca que alguns momentos da
formação foram efetivamente transformadores para muitos professores, mesmo não partindo de
86
uma universidade. Eles uniram desejos individuais a sonhos coletivos e construíram sua própria
estrutura de formação continuada. Algo semelhante se nota na tese de Soares (2005), quem, com
base em Paulo Freire, defende que o papel da escola é criar "motivos" para o estudo. E isso se
constrói pela formação inicial e continuada do professor, considerado um cúmplice do
pesquisador, mas com suas especificidades. Ele não pode mais ser submetido a conhecimentos
falhos do ponto de vista da Didática.
Por isso, a solução em Soares (2005) é interpretar cada “atividade de ensino” como
“momento de formação” para professores e alunos. Ele explica que a ação prática permite a
reflexividade nos âmbitos individual, subjetivo, coletivo e teórico. A formação inicial deveria
despertar para a “leitura crítica da realidade social contemporânea” (p.132). Através do referente
conceitual que é a ciência da História, seria possível ao professor problematizar o presente
(p.132). A relação entre a profissão de ensinar História e a utopia, que Soares procura
fundamentar, fica clara também na tese de Raimundo Rocha (2001):
(...) a Licenciatura em História, nos dias de hoje, tem a responsabilidade de formar um profissional capaz de refletir intelectualmente sobre o seu fazer pedagógico, e proporcionar aos seus alunos a possibilidade de buscar o próprio
conhecimento. Dessa forma, a universidade – através da formação de professores de História – pode desenvolver uma espécie de poder intelectual que ajude a
sociedade a refletir, compreender e agir. (p.98-99 - grifos adicionados)
Gusmão (2002) não traz propostas concretas para a formação de professores, mas deixa,
nas entrelinhas, visão negativa sobre a repetição de chavões militantes, acompanhados de parco
conhecimento pedagógico. Ela parece mais crente na formação universitária que forneça boa base
teórica para a atuação docente. O apelo à solidez teórica e à intelectualidade pode significar a
fuga da concepção do professor como missionário e também como militante.
Oscilando entre uma visão idealizada de passado e perspectivas otimistas de futuro, os
autores aqui discutidos sugerem aos cursos de formação que preparem profissionais
intelectualizados, capazes de articular a teoria à prática e transformar o ensino de História nas
escolas. Procura-se escapar do “estigma da desilusão”, que pode levar ao ressentimento e à
imobilização (DE ROSSI, 2002).
Entre utopias progressistas e reacionárias, entre o revolucionário e o reflexivo, talvez os
pontos em comum entre essas nove teses sejam o respeito às futuras gerações, o cuidado com o
passado crítico, a preservação de certas tradições e a figura de autoridade (democrática) do
87
professor de História. Parece, também, que a ideia de mudar o mundo (QUARTA, 2009;
COLOMBO, 2009) pela formação docente, nas teses de São Paulo, emerge de forma semelhante
às teses de Barcelona. Na seção seguinte, explorarei alguns desses pontos.
1.3 – São Paulo e Barcelona: semelhanças e diferenças
A interpretação destes documentos, levando em consideração os interesses e contextos
que permearam sua construção e divulgação (Le Goff, 2003), permitiu constatar que, apesar da
diversidade de abordagens, fontes, problemas, tempos e espaços das teses, alguns temas foram
recorrentes na Província de Barcelona (Espanha) e no Estado de São Paulo (Brasil): a
necessidade de romper a dicotomia entre teoria e prática nos espaços formativos, a valorização
das utopias dos professores participantes das pesquisas e a esperança na formação inicial e
continuada para a mudança no ensino de História.
Nesta parte, analiso as diferentes interpretações das categorias “formação docente” e
“utopias político-educacionais”. Conforme a abordagem comparativa sugerida na Introdução,
pretendo fazer, inicialmente, o inventário de semelhanças e diferenças entre os dois corpos
documentais. O “estranhamento” (GINZBURG, 2001) foi importante para conseguir levantar
questões sobre processos bastante conhecidos, vivenciados em minha própria trajetória de
formação.
Além disso, a busca dos significados, de forma análoga ao sugerido por Ana Lúcia
Fernandes, Libânia Xavier e Luís Miguel Carvalho no artigo “Aspectos da imprensa periódica
educacional em Lisboa e no Rio de Janeiro” (2006, p.34), foi o segundo passo após a constatação
das semelhanças e diferenças. Procurei empreender uma busca sistemática do tema de estudo nas
fontes documentais, identificando autores, suas origens e os referenciais teórico-metodológicos
adotados, para contextualizar as informações. Depois, dedicar-me-ei aos aspectos que colaboram
para a compreensão de sentidos e visões partilhadas sobre a formação docente em História
(NÓVOA, 2010).
A principal diferença entre os dois grupos de teses está na dedicação a textos específicos
sobre formação de professor de História inseridos em cada revisão de literatura. O número total
de trabalhos sobre este tema, citados nas teses de Barcelona, é 123. Já nas teses de São Paulo, são
88
32 textos, embora existam muitas outras referências disponíveis. A lista dos textos citados estão
disponíveis nos Anexos 5 e 6.
Na Província de Barcelona, os orientadores mais solicitados se destacam nas áreas de
Didática e formação de professores de Historia/Ciencias Sociales. No Estado de São Paulo, eles
se dispersam em subáreas da Educação e da História. Seus pupilos, porém, continuaram a
dedicar-se à formação de professores.
Acredito que cresce o número de pesquisadores sobre formação de professores de
História. Isso significa que algumas Licenciaturas já podem contar com formadores especialistas
no assunto. No entanto, continua escasso o acesso a produções entre regiões distantes, no caso do
Brasil. Isso dificulta, em parte, contribuições de maior envergadura à constituição de currículos e
políticas públicas na área94.
Tanto as teses defendidas em Barcelona quanto as de São Paulo preferem a abordagem
teórico-metodológica qualitativa. As fontes orais (por meio de entrevistas fechadas, abertas ou
semiabertas), preferencialmente combinadas com documentos escritos, são os dados utilizados
por todos os autores – à exceção de Soares (2005), que utiliza pesquisa-ação. O referencial
teórico-metodológico que orienta as interpretações é múltiplo e responde a variadas inspirações,
discutidas anteriormente, embora, para o caso de Cusinato (1987) e Basso (1994), a Pedagogia
Histórico-Crítica e o marxismo sejam os favoritos. O gráfico 4 mostra quais são os autores mais
citados na área da formação docente na Província de Barcelona:
94 Esse foi um dos pontos discutidos no Simpósio Temático (ST) Formação de Professores, Ensino de História e Contemporaneidade, no XXVI Simpósio Nacional de História (ANPUH) de 2011, coordenado por Carlos Augusto Lima Ferreira e Maria Thereza Didier de Moraes. FERREIRA, Carlos Augusto Lima; MORAES, Maria Thereza Didier de. Formação de Professores, Ensino de História e Contemporaneidade. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=692>. Acesso em: 6 jan. 2012.
89
Gráfico 4: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em Barcelona
Com base nestes referenciais, os autores podem sustentar que os processos formativos –
continuados, preferencialmente – teriam o poder de modificar crenças enraizadas pelos
professores, pois demonstram a existência de caminhos melhores e mais eficazes. As ideias de
mudança e transformação estão presentes quando agregam o adjetivo “crítico” à caracterização
do professor reflexivo. Entre as teses escritas em Barcelona, existe pouca diferença no referencial
teórico entre as mais antigas e as mais recentes. No Brasil, entretanto, a Pedagogia Histórico-
Crítica perde espaço, como mostra o gráfico 5:
Gráfico 5: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em São Paulo.
90
As teses evidenciam que a formação não pode tentar compreender os professores fora de
seu contexto, nem lhes atribuir responsabilidade por transformações sociais e políticas que não
cabem à escola ou ao ensino de História. O combate ao voluntarismo e a luta por garantir
condições de trabalho e formação, presentes na Província de Barcelona e no Estado de São Paulo,
demonstram esta afirmação. Nas duas regiões, predominou que a formação pedagógica ou
didática, na visão dos professores participantes, foi pouco proveitosa (a exceção é a tese de Paim
e certos trechos de Ricci). Os autores entendem esta insatisfação pela dificuldade em romper com
a dicotomia entre teoria e prática – ou entre historiografia e educação. É um problema sério, dado
que as teses atribuem muitas responsabilidades aos professores, embora reconheçam a inutilidade
do voluntarismo.
Em Barcelona, o professor é compreendido como gatekeeper do currículo, isto é, aquele
que traduz as políticas públicas para o cotidiano escolar. Esta concepção, baseada na tradição
norte-americana, enfatiza a articulação equilibrada entre teoria e prática, o rigor na formação
docente e a visão do professor como profissional reflexivo (Imbernón, 2010, p.70)95.
Neste quadro, os docentes são considerados responsáveis pelas inovações que devem
acontecer na escola – e o fazem com base em suas concepções e perspectivas. Por isso, a
formação precisa ajudá-los a refletir sobre seus pré-conceitos e teorias implícitas, a fim de
abrirem-se às mudanças (López Facal, 2010, p.81). Assim, o professor precisa, de um lado, ser
capaz de refletir autônoma e criticamente sobre a própria prática e, de outro, receber condições
dignas de trabalho, para evitar o voluntarismo. Em São Paulo, este aspecto também está
presente96. Conforme a literatura da área, reflete-se a crença de que as mudanças no ensino
95 Comungam desta reflexão os já citados López, 2010; Imbernón, 2010; Prats, 2002, em “La ‘didáctica de las Ciencias Sociales’ en la universidad española”; além de Antonio Gómez (1996) em “La práctica docente de una profesora de Ciencias Sociales”, reforçados por Jesús Estepa em “El conocimiento profesional de los profesores de Ciencias Sociales” (2000) e Gemma Tribó e Jesús Enfedaque (2000) em “El perfil del profesor de ciencias sociales de secundaria”. 96 Além dos autores das teses, outros pesquisadores brasileiros utilizam categorias como Saberes Docentes (baseadas em Maurice Tardiff e Lee Shulman) e, principalmente, do professor pesquisador, crítico e reflexivo, como nos textos já citados de Mesquita & Fonseca (2006); Fonseca & Couto (2008); Bereta da Silva (2010); Fonseca (2010); Zamboni (2000/2001); Siman, 2006 e Monteiro (2007). Também em Flavia Caimi, nos artigos “Por que os alunos (não) aprendem História” (2007) e “O estágio de docência como práxis formadora” (2002); Heloiza Rodrigues (2010) na dissertação “O peão vermelho no jogo da vida: o professor iniciante de história e a construção dos saberes docentes”; Helenice Ciampi (2008), no capítulo “O professor de História e a produção dos saberes escolares”; na dissertação de Henrique Theobald (2007), intitulada “A experiência de professores com idéias históricas”, no livro “Trajetórias de vida”, de Maria Silva Brandão (2004), no capítulo de Fonseca (2007), intitulado “A constituição de
91
acontecerão pela mudança no professor de História, sempre que ele receba formação de qualidade
e seja comprometido.
As categorias geralmente alcunhadas de professores “reflexivos” e/ou “críticos” originam-
se, segundo Freitas (2002 e 2007), da influência das reformas neoliberais (anos 1990) na
formulação de Políticas Públicas em Educação, que repercute em diferentes partes do mundo. No
artigo “A escola e a abordagem comparada”, o português Rui Canário mostra que alguns aspectos
comuns emergem das diferentes estratégias de implantação dessas novas categorias:
A promoção do modelo profissional do professor, encarado como um “prático reflexivo” (simétrico do modelo do aluno como “sujeito aprendente”), é geradora de injunções de natureza paradoxal, em que “os professores são convidados a ser autónomos através de uma via definida de maneira heterónoma” (Cattonar & Maroy, 2000, p. 31). Não é, portanto, surpreendente que se possa verificar que o estatuto social do professor tende a diminuir, a sua identidade profissional a diluir se, a legitimidade do seu trabalho a ser questionada, a eficácia dos seus métodos e dos seus resultados a ser contestada. (CANÁRIO, 2006, p.32-33)
Segundo De Rossi, em “Mu dança com máscaras de inovação” (2005), organismos como
a Unesco e a Cepal divulgaram, em encontros Mundiais (por exemplo, na Tailândia, em 1990),
certas diretrizes para o gerenciamento dos recursos humanos em educação. Segundo a autora,
países do mundo todo adotaram algumas delas e criaram um embate entre duas definições de
qualidade: a neoliberal (tecnocrática, pragmática e individual) e a democrática (que luta contra as
desigualdades e discriminações).
As reformas administrativas desenvolvidas pelo Estado brasileiro na década de 199097
procuraram modificar a burocracia, baseando-se em modernas concepções de gestão de pessoal
que vinculam a qualidade do serviço público ao desempenho excelente dos servidores. Cabe a
Saberes Pedagógicos na formação inicial do professor para o ensino de história na educação básica”, Magalhães, no texto “Apontamentos para pensar o ensino de história hoje” (2006); e nos artigos “Professores: entre saberes e práticas”, de Monteiro (2001), de Rejane Penna (2007), “Formação de professores e ensino privado noturno”; de Orlandelli (1998); de Pereira (2011) com o texto “Diálogos sobre o exercício da docência”, bem como por outros já citados (CAIMI, 2007; CERRI, 1997; COSTA, 2007; MESQUITA & FONSECA, 2006; MONTEIRO, 2007; FENELON, 1980; SOARES, 2007; NASCIMENTO, 2008). 97 Principalmente a Emenda Constitucional n.19/1998. BRASIL. Emenda Constitucional n.19, de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc19.htm>. Acesso em: 29 fev. 2012.
92
eles, portanto, garantir a qualidade neoliberal – controlada por um sistema de avaliações. Isto
conduz, por um lado, à busca constante de atualização profissional. Por outro, à assunção da
responsabilidade individual pelo êxito dos projetos (utópicos?) do Estado. Não há dúvida de que
este esquema afetou os modelos de contratação e, principalmente, de avaliação dos professores.
Dentre as mudanças implantadas, destaca De Rossi a flexibilização dos contratos, o aumento da
jornada de trabalho e a rotatividade docente nas escolas.
Tudo isso gerou a “sensação de movimento”, isto é, transmitiu a ideia de transformação,
que levaria ao consenso em relação à reforma. Afinal, se há mudança, deve ser para o bem.
Entretanto, apesar da aparência unívoca dos textos reformistas, os resultados, nas escolas, não são
exatamente os esperados pelos seus idealizadores. As leis, os decretos, planos e parâmetros se
encontram com a cultura escolar. Os termos divulgados pelas agências internacionais são
reapropriados por acadêmicos que defendem o conceito de qualidade democrático, contra o
neoliberal. São elementos da “via da infidelidade normativa” (expressão emprestada de Licínio
Lima) lembrada por De Rossi (2005, p.945).
Portanto, é preciso ressaltar que os autores citados não aceitam essas teorias sem realizar
alterações e adequações à realidade brasileira, principalmente pela injeção de perspectivas
críticas. Reali, Tancredi & Mizukami (2008), no artigo “Programa de mentoria online” e Iria
Brzezinski, em “Políticas contemporâneas de formação de professores para os anos iniciais do
ensino fundamental” (2008), demonstram a possibilidade de articulação entre essas tendências
aparentemente incongruentes.
Identificado o referencial teórico-metodológico e a forma como foi apropriado, segue-se
inevitavelmente a pergunta: como formar professores dentro desses moldes? As respostas diferem
em termos mínimos. Para os doutores da Província de Barcelona, a formação inicial é muito
importante, mas aquela que acompanha os docentes na prática escolar é ainda melhor. Aliás,
enfatizam-se os conteúdos da Didática da História que, articulados à prática, auxiliariam os
trabalhos do gatekeeper.
A valorização dessas categorias não é privilégio das teses, pois reflete um clima geral
entre os estudiosos da formação docente em Ciencias Sociales na Espanha. É comum, nos
artigos, teses e livros revistos para a presente pesquisa, o diálogo com Donald Schön, Kenneth
Zeichner, Ángel Pérez-Gómez, Henry Giroux, Susan Adler, Pilar Benejam e outros, que
93
destacam o conceito de profissional reflexivo (IMBERNÓN, 2010, p.74). Além disso, incorpora-
se, com auxílio de Lee Shulman, Sam Wineburg e outros, a importância de conhecer bem a
disciplina de referência, aliada a outras habilidades (conforme Isidoro González em “Formación
inicial del profesor de ciencias sociales de educación secundaria”, 2000, p.24).
Para Prats (2000 e 2002) e Álvarez de Zayas (em “El profesor de Ciencias Sociales” de
2002), as determinações oficiais exigem um professor que tenha conhecimento da ciência de
especialidade; que saiba decidir sobre o currículo e desenvolver metodologias adequadas para
cada aluno; que seja autônomo e capaz de propor matérias opcionais em distintos níveis e
diferentes tipos de escola. A base da formação, para esses autores, localizar-se-ia no Estágio
(Prácticum), que ajudaria o futuro docente a compreender e analisar os acontecimentos escolares,
a aproximar-se da realidade e a iniciar-se na pesquisa didática. Benejam (2002) ainda defende
que os professores formadores devem ter experiência na Enseñanza Secundaria e dedicar-se a
acompanhar os professores em seus primeiros anos de trabalho.
As teses da Província de Barcelona analisadas compreendem que o papel do professor é
formar cidadãos para um mundo melhor (para a paz, a justiça, a igualdade e a tolerância – não
necessariamente para o Socialismo). Parece-me que os autores apostam na transformação do
ensino de História pelas mãos de professores que interpretam, compreendem e renovam sua
prática. A transformação da sociedade, quando enunciada, é uma consequência que tangencia a
tarefa do professor, mas não é sua responsabilidade individual.
As teses do Estado de São Paulo valorizam a formação inicial em universidades com
tradição em pesquisa. O professor precisa receber altas doses de conteúdo teórico sobre
historiografia e educação. A correlação destes conteúdos com a prática é lembrada, com maior ou
menor ênfase, dependendo do autor. Todos são taxativos quanto à importância da formação
universitária que forneça conhecimento teórico de qualidade (principalmente o conhecimento
historiográfico), mas o destaque à formação continuada é pequeno.
Nas teses paulistas e de Barcelona, termos como cidadania, igualdade, tolerância, justiça e
coesão social são recorrentes. Como lembram Bourdieu e Wacquant (1998), os termos podem
remeter a visões ou a filosofias que justificam uma determinada ordem. Neste caso, acredito que
são comuns aos conceitos modernos de democracia, como mostra Norberto Bobbio (1998), em
seu “Dicionário de Política”. A democracia adequada ao Estado Liberal é a que garante algumas
94
liberdades individuais: pensamento, religião, imprensa, reunião, entre outras. Nos Estados
Liberais, a democracia avança na medida em que o direito de voto é universalizado e em que
cresce o número de órgãos representativos. A concepção socialista de Democracia não é diferente
nestes aspectos. Porém, eles não são ponto de chegada (como para os liberais) e, sim, ponto de
partida na busca pela igualdade social (e não só política). A concepção socialista de Democracia
também busca retomar certos elementos da democracia Direta e do controle de decisões políticas
e econômicas.
Os autores das teses evitam termos como Socialismo e Revolução. Preferem
transformação e compromisso, principalmente dirigidos à forma de ensinar a História. Mesmo
que tomadas de forma genérica, essas palavras são indicativas da defesa da democracia que busca
pela igualdade. Talvez isso remeta à dificuldade em compreender a profissão de ensinar História
sem remeter a um compromisso (ou responsabilidade), paralelamente a ideais democráticos.
São esses termos que chamam a atenção para as utopias político-educacionais, segundo os
referenciais tomados por base. Patrizia Piozzi (2007), ao estudar obras do período da Revolução
Francesa (e posteriores) com caráter pedagógico, mostra os movimentos pelos ideais de
democracia, justiça, luta pelo “direito universal à autodeterminação” (p.718). Isso lembra os
sentidos de Autonomia e Transformação, apresentados nas teses.
De maneira geral, nas teses analisadas, a formação de professores de História se
fundamenta numa esperança: o ensino de História melhora quando os professores são formados
para tomar decisões críticas e refletidas sobre a prática. Vontade para mudar, condições dignas
para a reflexão e a competência dos formadores são elementos-chave. O referencial teórico sobre
o professor reflexivo e crítico é a base para que a formação – pela mediação da Didática da
História e do Prácticum (Barcelona) e pelo alto nível intelectual (São Paulo) – obtenha sucesso
na desestabilização de antigas perspectivas e construção de novas concepções.
Nas duas regiões, exaltam-se os momentos em que os professores assumem a profissão
como tarefa política – como pensava Rousseau (FURTER, 1974; CAMBI, 1999) – embora as
teses defendidas em Barcelona aprofundem-se pouco na militância, de maneira semelhante aos
95
artigos, teses e livros espanhóis revisados. O contrário, porém, se vê nos textos brasileiros, que
são prolíficos em menções às utopias políticas98.
Sonia Marques (2002), no texto “Professor de história: concepções e práticas”, Baldin
(1986), em “Formação teórica e prática pedagógica do professor de história” e também Berenice
Corsetti, em “História e educação: reflexões sobre a formação dos educadores” acompanham a
preocupação com a despolitização do professor de História: “É de importância expressiva que os
educadores compreendam o compromisso social que deles é esperado (...)” (CORSETTI, 2002,
p.35 – grifos adicionados). Padrós completa, no texto “Papel do professor e função social do
magistério”:
(...) o professor de História, precisa ter consciência da responsabilidade da sua atuação assumindo a preocupação de qualificar-se em termos teóricos, metodológicos, didáticos e políticos para contribuir com maior eficiência diante dos profundos desafios enfrentados por (...) alunos (...). (2002, p. 39 – grifos adicionados)
A preocupação final com o aluno também é patente no texto de Karnal - “Da Acrópole à
Ágora” – que, além de lembrar a responsabilidade do professor, atenta para as utopias e o afeto:
(...) A partir do imaginário da perfeição é difícil produzir algo. A utopia (...) tem a finalidade de transformar o real, nunca de impossibilitá-lo.
Qual seria a concepção teórica deste princípio? Exatamente a dimensão concreta e objetiva do nosso objetivo: o aluno. (2002, p. 20 – grifos adicionados)
Mas há, também, aqueles que discordam desta postura. No trabalho de Rodrigues (2010) é
possível ler sobre a paixão pelo ensino e pela História e o desejo de ser professores inovadores,
mas “(...) há os que usam a aula para explorar sua visão política partidária, e os que repetem e
discursam em sala de aula sobre autores às vezes ultrapassados (...)” (p.62-63). Na pesquisa
conduzida por Luis Cerri (2007), chamada “Perfil do professor de história nos Campos Gerais”,
verificou-se participação política ou social quase nula entre os professores estudados. Lana Siman
(2006), em “Um programa de História num contexto de mudanças sociopolíticas e
98 Dos sessenta e quatro textos lidos, trinta e um trataram da dimensão utópica da formação docente. Destes, 77% interpretaram o professor como transformador e consideraram a militância parte de sua identidade. Os demais não entendem o professor como militante ou, então, avaliam de forma negativa o “ativismo” docente em História.
96
paradigmáticas” sente que o discurso dos professores está marcado pelo desencantamento com as
utopias.
Autores que se dedicam, porém, a harmonizar as duas interpretações, ajudam a entender
melhor o papel das utopias na formação docente em História. Em um dos artigos mais
esclarecedores sobre o tema (Poder, cidadania e formação do profissional de História), de 1992,
Helenice Ciampi propôs reduzir a dicotomização entre a História como ciência e seu ensino. A
solução estaria em entender o estágio como o momento articulador entre a formação disciplinar e
a psicopedagógica. Para arrematar, ela alerta para a impossibilidade de concretizar esta
articulação sem o compromisso político de formadores e formandos com a escola pública de
qualidade (Ciampi, 1992, p.269).
Uma interpretação possível da postura destas teses, portanto, seria a recusa em exigir que
o professor seja o regenerador da sociedade. Eles esperam, sim, profundidade acadêmica e
capacidade de articular teoria e prática, com pitadas de compromisso profissional com os alunos
(que simbolizam o presente e também o futuro). Aliás, foi bastante difícil, para os autores,
afastar-se das utopias político-educacionais.
As teses que recusam a vinculação entre militância política para o professor de História
incorporam elementos utópicos ao depositar sua esperança numa formação docente de qualidade.
Eles também sugerem que o professor alimente o desejo de transformar o mundo – respeitando os
limites do possível. Talvez seja errado tratar essa posição como “amadurecimento” das relações
entre utopia e formação de professores. Acredito, porém, que possa resultar de um diálogo com
conceitos mais abertos de política. Entre eles, formulações de Sennet (1988), de Bauman (2001) e
de representantes da Cultura Política99.
Penso que as teses formulam um projeto de futuro (utopia) em que a formação é
ferramenta de mudança. Cabe a ela preparar o professor para interpretar e atribuir significado à
vida e não tomar medidas tirânicas sobre o pensamento dos mais jovens. No quesito teórico,
pode-se notar que os autores reconhecem a impossibilidade de doutrinar politicamente aos
99 As mudanças neste conceito – de visões restritas para abrangentes de participação política – são discutidas no artigo KUSHNIR, Karina. & CARNEIRO, Leandro. As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política. Revista de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.24, p.227-250, 1999.
97
futuros professores. É preciso construir intelectualidade, para que se tornem satisfatoriamente
reflexivos e críticos.
Ao querer mudar o mundo (pelo menos, do ensino de História), estas teses são, portanto,
portadoras de esperança, conforme anunciado por Helena Freitas (2007, p.1204). Comparar o
ponto de partida com as análises até aqui realizadas permite lançar interrogantes mais específicos
para as reflexões do Capítulo Dois. O professor de História, por um lado, é responsável por
ensinar o passado de forma atraente e crítica às futuras gerações. Por outro, somente realizará esta
tarefa se for preparado para a reflexão e para o compromisso com a profissão. Faz sentido,
portanto, afirmar que existem relações entre a formação e as utopias político-educacionais.
Apesar de as pesquisas não constatarem ação política efetiva entre professores de História,
outras mostram a recorrência das utopias político-educacionais no momento de atribuir
significados à profissão. Parece que os jovens não continuam a dirigir-se para a Licenciatura em
História apenas buscando ascensão social. Existe o “algo mais” que Monteiro (2007, p.24) sentiu.
Esperam que a formação ajude a compreender melhor o mundo e a transformá-lo. Defendem que
é justamente este o papel da formação inicial: despertar nos futuros professores o sentido de
compromisso, ou de responsabilidade com o futuro dos que serão seus alunos.
Ao cotejar os argumentos pró e contra a presença das utopias, percebe-se que ambos têm,
no final, a mesma preocupação: que o professor de História possua alto nível de conhecimento
acadêmico articulado com a Prática. Porém, este conhecimento é inócuo sem a compreensão de
que sua profissão cumpre um papel na construção de um mundo melhor – o projeto utópico de
que tratam Quarta (2009) e Colombo (2009). Por outro lado, só a utopia (ou o ativismo) sem
intelectualidade é igualmente nociva – ou até mais, dado o caráter autoritário que pode receber,
como mostra Boto (2003b).
Com estas constatações em mãos – e consciente de que diversas explicações ainda
precisam ser redigidas – mudarei o foco da análise para os testemunhos de professores de
História e procurarei, ao final, relacionar as posições das teses de doutorado com as narrativas
docentes.
99
CAPÍTULO 2 – TESTEMUNHOS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA
No capítulo anterior, discuti a possibilidade de interpretar a formação como utopia
político-educacional. Predominou, entre as teses, o elogio aos professores que acalentavam o
compromisso social com a profissão e, ao mesmo tempo, cumpriam suas responsabilidades
pedagógicas em sala de aula. A formação, de maneira geral, foi entendida como possibilitadora
de processos de transformação social e de mudança do ensino de História. A partir deste
panorama, pretendo verificar a presença de utopias político-educacionais nos testemunhos de
professores de História em Barcelona (Espanha) e São Paulo (Brasil), considerando as trajetórias
de vida, a prática de ensino de História atrelada aos processos formativos e as utopias, os sonhos,
as esperanças e as frustrações de cada professor.
2.1 Barcelona – Lola, Josep e Fidelio
Para visitar as escolas e conversar com os professores de Historia/Ciencias Sociales da
Província de Barcelona, precisei, num primeiro momento, conhecer o sistema de formação de
professores de História na Espanha e ter em mente esses dilemas e essas tradições. Por isso, no
Estágio de Doutorado realizado na Universitat Autònoma de Barcelona, fiz a revisão de parte da
literatura que sustenta os processos formativos em Didàctica de les Ciències Socials e frequentei
algumas aulas do Màster de Professorat ministradas pelo professor Joan Pagès, entre setembro de
2010 e fevereiro de 2011.
Meus contatos com os professores se iniciaram em novembro de 2010. Os primeiros
profissionais indicados estavam entre os participantes dos grupos de pesquisa da Universidade e
se destacavam pelo bom desempenho, mas recebi também sugestões de professores que não
tinham destaque na sua trajetória. Lola foi a primeira, num encontro na própria Universidade,
pois, além de atuar numa escola particular, ela ministra disciplinas na área de Didàctica de les
Ciències Socials na UAB. Dos três participantes, é a mais experiente, com 33 anos de trabalho.
Os dois outros professores sugeridos também participavam, esporadicamente, das
reuniões do grupo de Pesquisa e atuavam em escolas públicas da região. Os contatos com eles
foram mais difíceis, concretizados por telefone com o jovem professor Josep. Este é o professor
100
menos experiente, com 10 anos de carreira. A entrevista com o outro docente foi cancelada
devido a seus problemas familiares e à dificuldade nos contatos virtuais ou telefônicos, já que
houve férias escolares (Natal e Ano Novo), seguidas do final do Estágio.
Por isso, solicitei ao professor Josep a indicação de um colega. A primeira opção, uma
professora com mais de vinte anos de experiência na escola pública, decidiu não participar por ter
poucas aulas e ser uma das diretoras da Instituição, o que lhe trazia dificuldades de horários
livres. No entanto, outro professor da mesma escola aceitou participar da pesquisa. Contatei,
assim, o professor Fidelio, com dezessete anos de experiência em Enseñanza Secundaria. Assim,
fechei o perfil desejado: ambos os sexos; com curta, média e longa experiência; de escolas
públicas e privadas; com destaque acadêmico e sem destaque acadêmico.
Lola, Josep e Fidelio são os protagonistas desta Seção. Eles ofereceram tempo,
experiência, materiais didáticos, informações pessoais e dedicaram-se a revisar todos os
protocolos resultantes da coleta de dados. No caso da escola de Josep e Fidelio, pude acompanhar
uma aula de Religião e outra de Alternativa de Religião100. Na escola de Lola assisti a uma
reunião entre a equipe diretora, alguns tutores e os delegados das turmas de Batxillerat.
O último grupo de documentos são as influências citadas pelos professores na ficha de
identificação e na entrevista. Para o caso de autores, filmes, músicas ou outras expressões pouco
conhecidas, pesquisaram-se informações que auxiliassem a caracterização dessas influências,
dispostas em nota de rodapé.
Para construir o texto que segue, não houve hierarquização das fontes. Entrevista oral,
anotações de diário de campo, questionários fechados – todos os documentos são igualmente
importantes para narrar e compreender os depoimentos dos professores. Dividi a explanação em
quatro subtítulos: trajetória de vida; prática e ensino de História; formação inicial e continuada; e
utopias, sonhos, frustrações e esperanças. Os dois primeiros têm o papel de contextualizar a vida
100 A discussão sobre o Ensino Religioso nas escolas espanholas é polêmica. No caso da Catalunha, os alunos têm três opções, no mesmo horário: aula de Religião Católica, aula de Religiões e Alternativa de Religião. Na primeira, o responsável é um professor autorizado pela Igreja Católica, preferencialmente formada por um curso oferecido pela Igreja. Na segunda, em geral ministrada por professores da área de Ciencias Sociales, estudam-se várias religiões, sem a intenção de doutrinamento. Na última, os alunos fazem atividades diferenciadas sem qualquer relação com Religião. Pude assistir a uma aula de Religião Católica. Havia apenas dois alunos (ambos de origem latino-americana) e os estudos aconteciam a partir de um livro didático baseado no Catecismo Católico. A aula de Alternativa a que assisti foi ministrada por uma professora de Língua Espanhola. A sala estava lotada, com mais de 30 crianças, que fizeram uma produção de texto poético e desenhos sobre um tema eleito por eles naquele momento: animais em extinção. Infelizmente, não houve oportunidade de assistir uma aula do tipo de segunda opção.
101
profissional dos participantes e as últimas procuram analisar as categorias que movem a presente
pesquisa: formação de professores de História/Ciencias Sociales e utopias político-educacionais.
2.1.1 Trajetória de vida e formação101
Encontrei-me com Lola nas dependências da UAB, no final de uma tarde ensolarada e
fria. As salas do Departament de Didáctica de les Ciències Socials estavam vazias, pois todos
assistiam a um empolgante encontro com professores de outras partes do mundo. Lola estava à
vontade, pois conhecia bem as dificuldades e os prazeres de uma pesquisa de doutorado. Sorrisos,
conversas sobre o trânsito e o tempo – afinal, uma brasileira ficava à vontade no frio? Fácil, era
só ter nascido nascer no Sul...
Termos assinados, gelo quebrado, gravador ligado. Começou a entrevista. Solta,
entremeando expressões em catalão, Lola adora falar, ler e escrever sobre seu trabalho. Comecei
pela trajetória profissional e, naturalmente, família, licenciatura e utopias fluíram. Seu único
receio era que divagasse demais ao longo da conversa e, por isso, pediu que a interrompesse
sempre que necessário.
Meu contato para a entrevista com Josep também foi tranquilo, embora, a princípio, ele
receasse que a pesquisa incluísse uma avaliação de sua prática pedagógica. Durante a entrevista,
que aconteceu nas dependências da escola, Josep teve dificuldades em responder algumas
questões. Então, desligava-se o gravador e as respostas fluíram melhor. Calmo, com voz suave,
ele autorizou que as anotações de conversas informais que tivemos, nas caronas entre a escola e a
UAB, fossem anexadas à entrevista.
Ele fez questão de que as observações das aulas acontecessem em momentos de
explicação de conteúdo novo, por isso, visitei a cidade em vários dias diferentes. Josep teve a
gentileza de facilitar o contato com outros professores e permitiu que assistisse à aula d’acollida,
que é de sua responsabilidade. Esse momento foi especial, já que uma das alunas era brasileira e
passava por um período de adaptação na escola. O carinho e a preocupação de Josep para com
esses jovens foi notável.
101 As entrevistas foram realizadas nas seguintes datas: Lola, em 04/11/2010; Josep em 26/01/2011 e Fidelio em 15/02/2011. As transcrições estão disponíveis no Anexo 8.
102
Nessas visitas à escola de Josep, aconteceu o encontro com o professor Fidelio, de passos
largos, voz baixa e forte. Cumprimentava alunos ao longo dos corredores e das escadas, fazendo
sempre breves perguntas pessoais e animando-os a melhorar o comportamento. Mostrou toda a
escola, sabia exatamente qual a melhor sala e o melhor horário para que não houvesse incômodos
durante a entrevista. Neste caso, as observações aconteceram antes da entrevista e a empatia foi
imediata. Fidelio expôs com segurança seus pensamentos e suas frustrações.
O roteiro estava ali, mas a narrativa de Lola dançava tranquila sobre ele. Estimuladas
pelas primeiras perguntas102, as memórias sobre a trajetória pessoal e profissional emergiram...
Ela nasceu em 1952, em um povoado da Província de Barcelona. Atualmente, reside e trabalha
em uma cidade de médio porte da mesma província. É casada, tem dois filhos e goza de uma
situação econômica estável. Escolheu o pseudônimo em homenagem à avó.
Josep foi o único que não sugeriu o pseudônimo. Escolhi um nome bastante comum na
Catalunha, equivalente ao José, em português. Ele nasceu em Valencia em 1971 e há cinco anos
reside na mesma cidade em que trabalha.
Fidelio, professor de Historia/Ciencias Sociales na mesma escola que Josep, falou pouco
sobre sua história de vida e seus projetos pessoais, mas ofereceu um detalhado panorama de suas
concepções políticas. Ele pediu que utilizasse o nome Fidelio, mas não quis explicar, deixando
um sorriso desafiador. Nasceu em 1951, na Província de Lleida, Catalunya. Mudou-se por
motivos profissionais e não pretende abandonar a cidade, na qual encontrou tranquilidade. Já
chegou a recusar propostas de trabalho por questões de deslocamento, que impossibilitariam as
refeições em família. A origem rural dos pais é comum aos três.
Lola respondeu que as primeiras experiências com a escola foram marcantes pelo fato de
depender de bolsas de estudo ao longo de toda a sua escolarização. Seus pais enviaram os filhos
para viver com os tios ou a avó para que estudassem em boas escolas. Sua alfabetização ocorreu
em uma escola unitaria pública e, até chegar à universidade, no período da juventude, estudou
em uma escola religiosa. Parte da infância e da adolescência passou com a avó, na cidade em que
se situava a escola desejada por seus pais. Depois, até terminar o Pré-Universitário, sempre
estudou em Escolas Privadas de inspiração Cristã.
102 A ordem das perguntas tal como estão no questionário foi abolida para resguardar as categorias de análise.
103
Os pais de Josep eram operários, mas viviam em zona rural, com formação cristã e
participação em movimentos de trabalhadores – principalmente o genitor. Ele sempre frequentou
a escola pública, assim como Fidelio, para quem a experiência de ter sido aluno de uma escola
rural pública unitária – contando com um professor exigente que os fizera alcançar altos níveis de
conhecimento – foi um dos ingredientes que apoiaram a sua escolha profissional.
Percebi que esses três professores têm em comum a origem humilde de seus pais, em
cidades pequenas e na zona rural. Dois estudaram em escola pública, a exceção era Lola, que
frequentara escolas cristãs privadas, sempre com bolsa de estudos. Chegar à formação acadêmica
em Universidades de excelência na província de Barcelona fora uma conquista inédita em suas
famílias. A seguir, revelo como acompanhei as práticas de Lola, Josep e Fidelio em suas escolas.
2.1.2 Prática docente e ensino de Historia/Ciencias Sociales103
Lola trabalha todas as manhãs na escola, de segunda a sexta, com três turmas de Segundo
e uma de Primeiro de Bachillerato. Seu salário é referente a, aproximadamente, 22 horas, mas
costuma trabalhar muito mais No momento da entrevista, não desenvolvia nenhum projeto novo,
mas continuava com as pesquisas sobre o exílio e a memória oral dos “abuelos” dos alunos. Em
2010, uma dessas pesquisas, desenvolvida por uma aluna do Segundo Ano, recebeu um prêmio
da Agència de Gestió d’Ajuts Universitaris i de Recerca (AGAUR104) – Recerca Jove. A própria
Lola recebeu diversos prêmios ao longo da carreira.
Além da prática escolar, Lola também escreveu, em co-autoria, uma coleção de livros
didáticos sobre Educação para a Cidadania. Como resultado dos trabalhos de pós-graduação, das
atividades como formadora de professores e pesquisadora, acumula cerca de dezoito publicações,
entre livros, capítulos e artigos em revistas acadêmicas e de divulgação científica. Já Fidelio
declarou não possuir publicações e Josep escrevera um livro, em co-autoria: intitulado Memòria
de la utopia, em 2001.
103 Observações concedidas nas seguintes datas: Lola, entre os dias 10, 13, 14, 15, 16 e 17 de dezembro de 2010. Josep, em 31/01, 01/02, 07/02 e 08/02 de 2011. Fidelio em 14 e 15 de fevereiro de 2011. 104 Órgão de fomento acadêmico da Generalitat de Catalunya. Disponível em: <http://www10.gencat.cat/agaur_web/AppJava/a_beca.jsp?categoria=altres&id_beca=1586>. Acesso em: 24 maio 2011.
104
Fiz várias perguntas sobre as primeiras experiências e as mudanças e permanências ao
longo da carreira. Josep e Fidelio as descreveram mais detalhadamente. Lola preferiu concentrar-
se em suas realizações atuais, destacando, simplesmente, que o princípio da carreira fora muito
intuitivo. Ela não tinha o desejo de atuar como seus antigos professores, mas não sabia,
exatamente, como fazer diferente. Foi no contato com os pares, nas leituras e, posteriormente,
durante a Pós-Graduação, que firmara suas concepções sobre ensino de História.
Já Josep começou sua prática docente no Ensino de Jovens e Adultos. Este foi um grupo
muito diferente do que ele então esperava e, por isso, sentiu-se despreparado para trabalhar com
eles na época. Frustrante e difícil:
Fatal, fatal porque, primero porque no estás acostumbrado a un tipo de alumnado. No es el alumnado que piensas cuando hace muchos años tenías en mente cuando pensabas ser profesor. Entonces ha cambiado mucho, han cambiado las formas, han cambiado las maneras de hacer clase, ha cambiado el tipo de alumnado, existen nuevos problemas, nuevas formas de enfocar las clases y en un primer momento el alumnado es, quizás, que tiene el problema de fundo es, como siempre, los distintos valores que tiene o que ha asumido un profesor y sus alumnos, ¿no? Eso creo que ha sido como una adaptación o como una progresiva adaptación de cómo es el tipo de alumnado y cómo puedo ser profesor de este tipo de alumnado. Mis primeras experiencias fueron duras (...) en alumnos que tenían dificultades de aprendizaje, de integración (...) social. Entonces eran alumnos bastante conflictivos y la primera experiencia fue muy difícil, porque eran difíciles de motivar, no tenían, les faltaban muchos hábitos, tenían muchas dificultades académicas y, bueno, te tienes que moverte en un ámbito en que no tienes ningún tipo de habilidad, no es el tipo de clase
académica que has recibido y que pretendes ofrecer a tus alumnos. (grifos adicionados)
Os projetos não se realizaram da forma como Josep imaginava. Ele queria ser professor
para transmitir conhecimentos úteis na construção de um mundo mais justo e tolerante. Mas
compreendeu que os alunos e a forma de ensinar mudaram e isso lhe causou angústia e
frustração, principalmente por não se sentir preparado para enfrentar um alunado com índice
baixo de motivação e pouca informação sobre conhecimentos gerais.
Frustração é uma palavra-chave para sintetizar alguns aspectos da trajetória de Josep e,
também, a de Fidelio. Embora a narrativa das experiências iniciais, em Primaria, tenha um tom
mais positivo, o desencanto de Fidelio para com os colegas de Secundaria é forte. Em sua visão,
eles não se identificam como educadores e resistem às inovações. Ele chegou a trabalhar em
outras atividades, simultaneamente à escola, principalmente na área de Consultoria Ambiental.
105
Iniciou um curso de Doutorado, mas não conciliou a escrita da tese com a profissão e abandonou
o Doutorado.
Entendo que os primeiros anos de profissão foram difíceis para Lola, Josep e Fidelio. Sem
clareza quanto ao tipo de alunado, com parco conhecimento didático e pedagógico ou, então,
cercados de impedimentos materiais ou ideológicos, buscaram construir um estilo de trabalho que
comportasse minimamente suas utopias e cumprisse as exigências da escola e da sociedade. É
importante salientar que esta dificuldade docente para começar a carreira aparece nas teses já
apresentadas no Capítulo Um. Quando Nelson Vásquez (2004) discutiu os problemas enfrentados
na implantação de Reformas Educacionais, destacou o despreparo dos professores. Mas Liliana
Bravo (2002) e Agnès Boixader (2004) trataram o problema como responsabilidade da formação
docente: os pesquisadores deveriam acompanhar os professores em seus primeiros anos de
trabalho – e apoiá-los em situações de mudança, como prega Joan Pagès (1993).
A escola em que Lola trabalha é parte de uma rede cristã. Cada departamento de
disciplinas (ciencias sociales, naturales, lengua, matemáticas, etc.) tem sua própria sala, onde os
professores dispõem de uma mesa, computador com acesso à Internet, impressora e armários para
guardar seus livros e materiais. Lola costuma dirigir-se a esta sala a cada mudança de turma, para
deixar alguns materiais e apanhar outros. Aí aconteceram muitas das nossas conversas informais,
que ajudaram a esclarecer as observações e complementaram a entrevista inicial. Presenciei
trocas rápidas entre os professores, para combinar as confraternizações de fim de ano e ajudar às
colegas com problemas – profissionais ou não.
A escola existe desde 1933, fundada por um grupo de pais e mães105. Goza de respeito e
admiração na cidade, mas passa por um período de crise (é uma escola concertada na parte de
Enseñanza Obligatoria, mas privada no Bachillerato) e sofre um declínio no número de
matrículas106. O edifício fica em zona comercial e elegante, perto da praça principal, onde
costuma haver feiras de alimentos e artesanato. Todas as salas de aula têm calefação e projetores
105 Neste período, escolas católicas não estavam permitidas. Por isso, foi fundada por um grupo civil, mas existia a organização religiosa que coordenava os trabalhos. 106 As taxas escolares são diferentes conforme o nível. Para a Educació Secundària Obligatòria, os responsáveis pagam dez meses de 170 ou 190 euros (mais os custos com alimentação e material escolar). No Batxillerat, as taxas sobem para 420 euros.
106
(data show), são arejadas e bem iluminadas, mas as cadeiras e mesas parecem pequenas para os
rapazes e moças do Batxillerat.
A escola em que Josep e Fidelio trabalham fica num bairro operário de uma pequena
cidade da Comarca do Vallés Occidental. Os arredores são urbanos e residenciais, com uma zona
de comércio diversificada (mercados, bares, padarias, floristas, açougues, bazares, tabacaria,
bancas de jornais etc.). É cercada por edifícios residenciais (entre 6 e 8 andares), jardins com
grama e parques infantis. Bem próximo fica o Mercat de Serraperera (onde se vendem frutas,
verduras, carnes e peixes, ao estilo dos Mercados Municipais do Brasil).
A escola é Pública e atende, basicamente, à população dos arredores nas modalidades de
Educació Secundària Obligatòria (ESO) e Batxillerat107. Localiza-se num edifício de três
andares quase todo cercado por alambrados ou muros. Há uma quadra e um ginásio que parecem
bem conservados. Conforme o Plano Estratégico de Implantação de Tecnologias da Informação,
dezoito salas de aula dispõem de projetores (data show), com computadores e rede de internet
sem fio. Também conta com dois laboratórios de ciências, oficinas de tecnologia, duas salas de
informática, equipamentos móveis de informática (a chamada, por exemplo, é feita a partir de um
Palm), ateliês para educação artística, sala de música e biblioteca.
A direção foi solícita em facilitar os documentos informativos sobre a escola e alguns
professores se interessaram pela minha presença. Nos murais da sala de professores, além dos
horários de aulas e avisos administrativos, observei cartazes dos sindicatos e panfletos pelas
mesas. Os docentes costumam usar os computadores que estão à sua disposição e é comum vê-los
trabalhando e, naturalmente, trocando ideias sobre os alunos e as turmas com as quais têm mais
dificuldades.
Os alunos provêm de quatro escolas de Primària da vizinhança e, segundo o diretor, são
de classe média trabalhadora. Pelos corredores da escola, é possível ver meninos e meninas
negros, brancos, orientais e várias garotas muçulmanas portando véu. As roupas que usam são
simples e as mochilas, desgastadas pelo uso. Conforme o Projecte Educatiu da escola
(documento equivalente ao Projeto Político Pedagógico no Brasil), a maioria dos alunos nasceu
na Catalunya, mas de língua materna castelhana.
107 Os termos estão em catalão, pois é assim que se encontram na página virtual da escola.
107
Do total de alunos, 16% são imigrantes. Destes, 60% da América do Sul. Por isso, no
período letivo 2005/6 foi criada a aula d’acollida108. Para atender melhor aos alunos no tema da
diversidade, a escola adotou várias estratégias sugeridas pela Generalitat: turmas com número
reduzido de alunos, matérias optativas e atenção específica para jovens com alto rendimento e
para aqueles com “capacitat limitada”.
Após a entrada na União Europeia, com forte crescimento econômico, a grande
quantidade de mão-de-obra vinda do exterior para a Espanha foi bem vinda. As escolas catalãs
criaram estratégias para auxiliar a adaptação dos alunos estrangeiros e a literatura educacional
dos últimos anos procurou incentivar as escolas a promoverem o multiculturalismo, a tolerância e
a paz, em articulação com alguns princípios da educação de alcance europeu (GONZÁLEZ,
2000; DOMÍNGUEZ, 2006; LÓPEZ MARTÍNEZ, 2007; PAGÈS, 2008; TEICHLER, 2009). Nos
Projetos Educativos das escolas que participaram desta pesquisa, esse conjunto de preocupações
transparece nos princípios filosóficos estabelecidos pelas escolas, os quais orientam o trabalho
dos professores.
Os alunos da escola de Lola são incentivados a continuar os estudos para atingir a
Universidade. Cerca de 90% dos jovens que concluem o Batxillerat, segundo a Diretora
Pedagógica, realiza os Exámenes de Selectividad e quase todos passam. Lola destacou que a sua
maior preocupação com os alunos do Segundo Ano é o preparo para esses exames, mantendo,
simultaneamente o interesse por aprender História. Seus alunos costumam passar pelos exames
com notas acima da média da Catalunha. Para Lola, isso significa cumprir com parte da sua
“obligación moral”.
A turma que observei tem 34 alunos, todos europeus, à exceção de uma garota nepalesa,
adotada por uma catalã aos 8 anos de idade. Os jovens provêm de classes média e média-alta,
usam roupas de boa qualidade e penteados da moda. Sentam-se em duplas, mesmo que as
atividades sejam individuais. Quase não se nota lixo no chão e há poucos riscos ou desenhos nas
paredes.
108 Os alunos estrangeiros frequentam as “salas de acolhida” pelo tempo que for necessário, durante o horário de aulas normal. Nessas salas, entram em contato com a cultura catalã – principalmente com a língua – e aprendem sobre os novos hábitos que o sistema escolar lhes exige.
108
A observação da aula d’acollida na escola de Josep e Fidelio mostra as dificuldades para
enfrentar a heterogeneidade nas escolas públicas. Havia um aluno chinês, uma brasileira, uma
espanhola da Andaluzia, dois garotos da República Dominicana e uma garota colombiana. O
professor os estimulava a usar a língua catalã em situações do cotidiano (principalmente escolar)
e a descrever cenas corriqueiras. Outra diferença está no número de alunos em Batxillerat. Na
escola privada, há cerca de 30 alunos por turma, enquanto na pública (recorde-se que o nível não
é obrigatório) havia apenas 5. Nas turmas de ESO, entretanto, há entre 30 e 35 alunos. Este dado
se refere apenas às instituições visitadas, não constituindo uma regra. Segundo os professores
entrevistados, as escolas públicas primam por manter um nível reduzido de alunos por turma.
A Ley Orgánica de Educación da Espanha (2006) estabelece como máximo 30 alunos por
turma em Secundaria. Entretanto, nos últimos meses, cresceram os rumores de que esta
determinação seria extinta, devido aos cortes de gastos feitos pelo Estado. Segundo a reportagem
“El Gobierno propone subir un 20% el número de alumnos por clase”, o atual Ministro de
Educação, José Ignacio Wert propôs, no mês de abril de 2012, aumentar este dado e a quantidade
de horas trabalhadas (em média, entre 18 e 21 horas, segundo a reportagem), entre outras
medidas. O ministro declarou para o jornal: "Estamos pidiendo un sacrificio importante a los
docentes. Estamos en disposición de hablar con ellos" (grifos no original)109.
As duas escolas divulgam, na suas páginas web e também nos Proyectos Educativos de
Centro, textos sobre seu “estil”, em que definem as obrigações de professores, alunos e
administração. Eles determinam o que os docentes devem esperar de seus alunos a cada período
letivo. Josep, Lola e Fidelio também foram convidados a responder a esta questão na entrevista.
Na escola concertada, privilegiam-se as habilidades acadêmicas dos alunos paralelamente ao
desenvolvimento de competências, do “aprender a aprender”, da autonomia e da atenção às
necessidades emocionais ou físicas. Uma citação do Relatório Delors (1998) é utilizada como
epígrafe do documento. A espiritualidade, embora não seja objeto deste estudo, é um eixo
permanente para a escola e aparece ao final das listas de habilidades e competências.
109 EL GOBIERNO propone subir un 20% el número de alumnos por clase. Público.es. 16 abr. 2012. Disponível em: <http://www.publico.es/429688/el-gobierno-propone-subir-un-20-el-numero-de-alumnos-por-clase>. Acesso em 23 abr. 2012. ESPAÑA. Ley Orgánica n.2, de 3 de maio de 2006. Educación. Disponível em: <http://www.boe.es/aeboe/consultas/bases_datos/doc.php?id=BOE-A-2006-7899>. Acesso em: 23 maio 2012.
109
Na escola em que Lola trabalha, o professor deve planejar antecipadamente, junto aos
seus pares, as tarefas de todo o ano. Logo, deve seguir com atenção e responsabilidade o
desenvolvimento de cada aluno, velando pelas relações interpessoais e pela dinamização das
atividades. Por fim, deve avaliar o trabalho dos alunos, sua própria prática e a escola em geral.
Não se exige que o professor seja cristão, mas que fomente a tolerância, o respeito aos direitos
humanos, à vida, à solidariedade e à justiça – valores, como se viu, importantes também para
Lola.
O Projeto Educativo da instituição em que Josep e Fidelio trabalham também explicita
que os professores devem adequar-se aos objetivos da escola:
(...) La principal tasca del professorat és dotar els alumnes dels continguts curriculars que els permetin assolir una bona formació, amb l'afegitó dels valors socioculturals que els facilitin la comprensió autònoma de la realitat que els envolta. (…) L'estratègia educativa se centra: en el seguiment de l'alumne sota la direcció de l'acció tutorial, i en l'atenció individualitzada (amb diversos recursos per atendre la diversitat).
Para isso, eles devem promover excelência, equidade, esforço, equilíbrio, formação
tecnológica e digital, educação para a integração europeia, respeito ao meio ambiente,
valorização das experiências extracurriculares, promoção da cultura da Paz, dos Direitos
Humanos, do raciocínio e espírito críticos e da democracia. Note-se que, apesar do documento
não citar referências bibliográficas, fica nítida a influência de organismos internacionais como a
Unesco, através do Relatório Delors (1998), principalmente no que se refere à equidade, à coesão
social e a formação individual do aluno. Orientações acadêmicas sobre a formação docente, como
a tese de Eduardo Fuentes Abeledo (1995) - “Pensamiento y acción de futuros profesores de
ciencias sociales”, o artigo já citado de Pilar Benejam (2002) e as teses de Joan Pagès (1993),
Nélson Vásquez (2004) e Tomás Villaquirán (2008), denunciam a formação universitária que não
ajuda a enfrentar os desafios e as mudanças necessárias requisitadas no documento da escola de
Josep e Fidelio.
Apesar, portanto, das diferenças econômicas e culturais, as duas escolas apresentam
estilos pedagógicos semelhantes, ao valorizar o aprendizado formativo, que conduza à autonomia
e à valorização da justiça. O perfil do professor é igualmente parecido. Espera-se que acompanhe
todas as exigências sociais relativas à profissão, que atue com ética e carinho e que ensine
conhecimentos sólidos.
110
Na descrição das aulas, procuro contextualizar cada professor. Lola prepara o Plano de
Curso no início do primeiro trimestre. As aulas observadas correspondem à disciplina Història
del Món Contemporani do primeiro ano. Lola, Josep e Fidelio afirmaram, na entrevista, adaptar-
se de diferentes formas às determinações dos currículos oficiais110. O Programa de Curso de Lola
está redigido em primeira pessoa. Nele se cruzam suas perspectivas próprias, as exigências da
Instituição e as considerações recentes da Didática da História e da Ciência Histórica – expostas
em detalhe na tese de Villaquirán (2008), já apresentada no Capítulo Um. A docente afirma
cumprir os prescritos oficiais, mas não trabalhou sempre da mesma forma. Sua prática docente é
o resultado de 33 anos de uma carreira não conformista, de constante investigação e
experimentação, sozinha ou acompanhada por colegas.
Ela justifica o fato de começar os estudos com a República Española (década de 1930) e,
a partir daí, dialogar com variadas fontes de informação (documentos históricos, novelas, poesias,
relatos orais, visitas a monumentos, filmes, recortes de jornais etc.) em diferentes perspectivas
temporais: "(...) yo creo que es muy importante en nuestro país que se conozca la hora de la
Segunda República Española para entender todo lo que pasó después en la Transición". E assim é
possível discutir questões candentes, como, por exemplo, a democracia.
Os temas do currículo são escolhidos, portanto, não apenas por razões de praticidade. Na
entrevista, Lola qualificou essa opção como política, didática, pedagógica e filosófica. Sua
declaração intenciona dizer que, para ela, esta é a melhor forma de fazer ligações com o presente
e com as gerações passadas.
Quando o Partido Popular, em 1998, mudou o currículo de Ciencias Sociales espanhol,
obrigando todas as crianças a aprenderem a História da Espanha desde o Paleolítico até os Reis
Católicos, Lola teve que tomar uma atitude radical: "Yo me voy a declarar insumisa (…) No me
da la gana trabajar desde el Paleolítico hasta la actualidad. Si viene un inspector, voy a tener que
cargar con las consecuencias (…)”. Atualmente, o currículo oficial do Bachillerato está
organizado de tal forma que pode fazer suas adaptações sem deixar de respeitá-lo.
110 Os Currículos Oficiais vigentes no momento das entrevistas estão disponíveis nos seguintes endereços eletrônicos: Ciencias Sociales para ESO: <http://phobos.xtec.cat/edubib/intranet/file.php?file=docs/ESO/curriculum_eso.pdf>. Currículo de Història del Món Contemporani para Batxillerat: <http://phobos.xtec.cat/edubib/intranet/file.php?file=docs/Batxillerat/Curriculum%20mat%E8ries/Modalitat%20d%27humanitats%20i%20ci%E8ncies%20socials/historia_mon_contemporani.pdf>. Acessos em: 28 fev. 2012.
111
Os planos de Curso dos outros dois professores não trazem as mesmas justificativas e
motivações que o de Lola, pois apenas enunciam os objetivos e descrevem as atividades. Josep
não vê conflitos entre sua forma de ensinar e o currículo estabelecido. Ele é responsável por duas
turmas do Primeiro Ano de ESO para quem leciona a disciplina de Drets Humans i Ciutadania111
e pela aula d’acollida, que abriga jovens de todas as turmas simultaneamente. Ele concorda com
os programas oficiais, mas procura evitar o engessamento de seus cursos. A cada ano,
experimenta uma conduta diferente e a autoavaliação permite verificar seus pontos fracos e
repensar as tarefas para o ano seguinte. Em geral, planeja aos sábados e domingos e, durante a
semana, utiliza algumas horas para realizar ajustes, adaptações, reproduzir textos...
Quando Josep trabalha em conjunto com outros professores, o faz com colegas da aula
d’acollida de outras escolas. Todo ano, os jovens que freqüentam a aula d’acollida na cidade em
que Josep trabalha visitam o Museu d’Història de Catalunya112. Assim, o professor dedica
dezesseis horas semanais para trabalho efetivo em sala de aula, mas é remunerado por vinte e
quatro horas. Lola trabalha por um período semelhante, mas afirmou passar muito mais tempo na
escola, de livre e espontânea vontade, além de ter ocupado cargos diretivos, no passado. Já a
carga horária de Fidelio é a maior de todas. Segundo ele, dedica aproximadamente oito horas por
dia às atividades escolares, incluídas aquelas realizadas em casa, para preparação de aulas e
frequência às reuniões.
Fidelio leciona há dezessete anos na Enseñanza Secundaria. As turmas observadas foram
dois Segundos anos de ESO, na disciplina de Ciències Socials e o Segundo ano de Batxillerat, na
disciplina de Geografia. Fidelio permitiu, também, a presença em uma das aulas de Alternativa de
111 Segundo Josep, os alunos valorizam pouco esta disciplina e têm apenas uma aula semanal dela, a qual, nesta escola, é disponibilizada no primeiro ano da Educació Secundària Obligatòria (ESO). Ele disse, também, que seu nível de exigência é menor quando ensina Drets Humans i Ciutadania do que em Ciències Socials. A Lei Orgánica de Educación, de 03/5/2006, dispõe que “En uno de los tres primeros cursos todos los alumnos cursarán la materia de educación para la ciudadanía y los derechos humanos en la que se prestará especial atención a la igualdad entre hombres y mujeres.” ESPAÑA, Lei Orgánica de Educación n. 2, de 03 de maio de 2006. Diario Oficial Boletín Oficial del Estado (Reino da Espanha), Madrid, n. 106, p.17170. Disponível em: <http://www.boe.es/boe/dias/2006/05/04/pdfs/A17158-17207.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2011. Como visto, isso foi modificado em fevereiro de 2012. 112 “El Museu d'Història de Catalunya té per objecte exposar i difondre la història de Catalunya com a patrimoni col·lectiu, conservar els objectes que s'hi relacionen i enfortir la identificació dels ciutadans amb la història nacional. En compliment de les seves finalitats, el Museu d'Història de Catalunya s'articula com a museu narratiu (...)”. MUSEU D’HISTÒRIA DE CATALUNYA. El Museu. Disponível em: <http://www.mhcat.net/>. Acesso em: 28 nov. 2011.
112
Religió, disciplina que ele trabalha com os segundos anos de ESO, alternando-se com outra
professora.
Frustrado com a incompetência do Estado, das famílias e dos próprios professores, Fidelio
renunciou ao trabalho de preparar materiais e realizar inúmeras avaliações formativas. O Plano de
Curso que utilizou no período letivo 2010/2011 fora redigido pela docente anterior e ele o
adaptou ao livro didático utilizado113. Assim, ele segue o currículo estabelecido, mas prevalece a
sequência disponibilizada pelo livro didático.
Fidelio afirmou que, a princípio, realizava avaliações minuciosas, mas não notou melhora
no rendimento e desistiu. Atualmente, ele avalia os alunos dia após dia, através da participação
oral. Nas aulas em que estive, a lista com os nomes e notas dos alunos ficava constantemente
projetada no telão. Cada resposta certa ou errada era anotada na planilha. Alunos com
dificuldades maiores (psicológicas, comportamentais, familiares) recebiam atividades
diferenciadas. Fidelio também destacou, na entrevista, os irrecuperáveis. São aqueles que,
independente do que fosse feito, não conseguiam ou não queriam acompanhar os demais.
O cuidado com o planejamento e a sistemática de avaliação são os aspectos que mais
afastam o professor Fidelio dos outros docentes participantes desta pesquisa. Para Josep, as
capacidades e os interesses dos alunos estão sempre em primeiro lugar. Ecoando sugestões das
teses de Boixader (2004) e Bravo (2002)114, ele acredita que o mais importante é atingir a vida
cotidiana. Sempre realiza uma avaliação diagnóstica. Suas aulas não procuram refletir seu desejo
como professor, mas oportunizar o aprendizado de temas de interesse dos alunos, com atividades
que eles possam realizar e sentir-se satisfeitos.
Josep procura descobrir quais os interesses dos jovens. No mesmo sentido, Lola permite
que decidam de forma coletiva, desde o primeiro dia de aula, quais atividades se desenvolverão
ao longo de cada trimestre, que avaliações existirão e como deverão formatar os trabalhos, sem
descartar negociações posteriores. Ela é rigorosa nos critérios de apresentação das tarefas, mas os
alunos recebem documentos que explicam detalhadamente o que devem fazer. Ao final de cada
113 O livro então utilizado era da Editorial La Galera. XAVIER CORTÉS et al. Ciències Socials. Disponível em: <http://www.text-lagalera.cat/escolar/libro.jsp?titol=Ci%E8ncies%20socials%202n%20curs%20ESO%20Edici%F3%20LOE&idLibro=392>. Acesso em: 06 out. 2011. 114 Teses citadas no Capítulo Um.
113
semana, ela toma notas dos problemas e dos avanços do grupo em geral e de alguns alunos em
particular. É seu guia para continuar ou modificar o planejamento do período letivo, para saber se
os objetivos serão alcançados ou se é preciso mudá-los.
Josep procurou chegar cedo a todas as aulas a que assisti, a fim de preparar a sala para
receber aos alunos, mas, por diversos motivos, levava algum tempo entre a entrada dos alunos e o
início das atividades de ensino. Quando Lola entrava na sala de aula, os alunos sentavam-se, aos
poucos, para começar a aula. Não houve comportamentos agressivos, nem demonstração de
rechaço. Houve casos pontuais de resistência passiva, demonstrados por alunos que não
respondiam às perguntas e um aluno que discordava do temário discutido pela professora115.
No caso de Fidelio, os alunos se acomodavam sem necessidade de muitas intervenções de
sua parte. Pedia que tivessem em mãos seus materiais. Às vezes, contava histórias sobre algum
tema interessante do dia (por exemplo, dia de San Valentín). Solicitava tarefas agendadas aos
alunos, revisava-as, orientava-os e as corrigia.
Lola e Josep utilizaram documentários em suas aulas. O professor trabalhou com trechos
de “No es un joc116”, documentário produzido pelas Comisiones Obreras, num projeto sobre o
trabalho infantil na América Latina. O documentário exibido por Lola – “Invisibles” de Wim
Wenders e Javier Bardem117 – também mostrava problemas de países do Terceiro Mundo, mas
recorria às responsabilidades da Europa sobre eles. Ambos selecionaram trechos e procuraram
analisá-los em detalhes. Josep também utilizou pequenos vídeos produzidos pela Anistia
Internacional disponíveis no Youtube.
115 Foi o caso de um aluno considerado “problemático” pelos demais professores, segundo Lola. Numa das manhãs de observação, quando os alunos se encontravam engajados na discussão do novo tema de estudo, ele contestou sua legitimidade. Era a primeira aula sobre “nacionalismo” e Lola construía relações entre os partidos nacionalistas espanhóis e catalães no presente e no passado. Todos pareciam muito interessados e ela tentava fazer com que reconhecessem a importância deste estudo na vida cotidiana. Após a contestação, Lola chamou a atenção do jovem (rigorosa, mas com respeito) dentro e fora da sala. Pediu, diante de todos, que ele lesse em casa o Plano de Curso e que, no dia seguinte, demonstrasse que compreendia o porquê da discussão. Depois desta aula, a professora contou que tentava aproximar-se desse garoto, por meio do conhecimento histórico, para ajudá-lo a refletir sobre seu comportamento e, principalmente, sobre a filiação em grupos de nacionalismo espanhol de direita. 116 NO ES UN JOC. Direção de Antonio Rosa. Barcelona: Comisiones Obreras, 2005. Disponível em: <http://conc.ccoo.cat/noesunjoc/> (45 min.), son., color., legendado em catalão. Acesso em: 22 ago. 2011. 117 INVISIBLE. Direção: Win Wenders et al. Produção: Javier Bardem. Roteiros: Fernando León de Aranoa e outros. Intérpretes: Lia Chapman e Isabelle Stoffel. Espanha: Pinguin Films, 2007. DVD (100 min.), color., legendado.
114
As atividades desenvolvidas com maior frequência por Fidelio envolviam o livro didático,
a explicação oral, com ajuda de perguntas e respostas (diálogo constante) e de desenhos ou
imagens projetadas ou desenhadas no quadro-de-giz. Fidelio partia dos temas estipulados nos
impressos, mas suas explicações e perguntas os extrapolavam.
É na forma de explicar que aparecem semelhanças entre Lola, Josep e Fidelio. Os três
dispunham de projetores em suas salas e os utilizaram-nos em todas as aulas, embora Fidelio
preferisse utilizar desenhos e esquemas no quadro-de-giz. Lola também utilizou o quadro para
explicar temas que não constavam em seu planejamento. As aulas de Josep concentraram-se nos
vídeos e nas atividades programadas.
O plano da aula é o primeiro elemento com que os alunos de Lola, Josep e Fidelio
entravam em contato na aula. Eles comentavam os temas estudados nas aulas anteriores e
expunham o roteiro do dia. Lola utiliza-se do sistema de perguntas e respostas rápidas e
encadeadas, que objetiva a construção de conhecimento. Não é só uma técnica de dinamização,
porque ela sabe exatamente por onde pretende conduzir o raciocínio. Tentava fazer com que
seguissem seu pensamento e chegassem eles mesmos à conclusão esperada. Quando percebia que
estavam distantes, retomava conteúdos anteriores, desenhava linhas do tempo, fazia com que se
lembrassem e procurassem pistas nas anotações.
Josep também usava perguntas e respostas, mas elas não eram o centro da aula. Ele
intercalava vários tipos de atividades: projeção do vídeo, breve exercício escrito e extrapolação
do conteúdo para a realidade vivida pelos alunos. Por vezes, solicitava que pensassem em formas
de resolver os problemas discutidos. A participação dos alunos variva. Notei que as conversas
paralelas aumentavam quando ele discursava sobre a importância do conteúdo que estudavam e
tornavam-se mais atentos os alunos quando lhes solicitava alguma tarefa. Nos debates, a
participação era espontânea por parte de alguns alunos.
O apego e o contato físico delicado com os alunos caracterizam o comportamento de Lola
e de Fidelio. Ambos costumam tocar nos ombros dos alunos e sorrir para eles. Lola tem um
relacionamento bem próximo com os jovens, demonstra apoiá-los nos seus projetos e os defende
nas reuniões com os superiores do colégio. Nesse aspecto é que se nota a influência de autores
como Max van Manem e Paulo Freire (citados por ela como influências).
115
Fidelio considera o relacionamento com os alunos o ponto mais positivo de sua trajetória.
Assim como Lola, problematiza e explora as respostas dos alunos e indica onde podem encontrar
informação para melhorar. Apesar das explicações e dos exercícios, muitos dos alunos não
conseguem responder satisfatoriamente. Ele acredita que o mais importante é que sempre saibam
extrair os porquês, as causas e consequências dos acontecimentos. Isso vem tanto de sua
formação (com base na escola Ativa) quanto de sua crença de que todas as coisas devem ter um
significado.
O nível de participação dos alunos foi variável. Havia aqueles que ouviam e olhavam com
muita atenção, mas quase nunca falavam, mesmo que fossem indicados pelo professor. Outros
participavam o tempo todo e havia, por fim, alguns que não se envolviam de nenhuma maneira.
Havia alunos em fase de adaptação (imigrantes) que compreendiam a língua118, mas
apresentavam dificuldades cognitivas tanto em catalão quanto em castelhano. Mesmo assim, o
professor sempre lançava perguntas diretas a eles, que quase nunca respondiam e abaixam, por
conseguinte, suas médias.
Em síntese, percebi que os dois professores mais velhos, Fidelio e Lola, procuravam
motivar toda a classe para aproveitar as respostas ou os comentários de um colega. Ambos se
faziam presentes na sala, com o corpo, com gestos e com voz (embora nunca a usem em tom
alto). Dosavam bem os momentos de firmeza e carinho.
Josep preferia enfatizar as referências que trouxera e não seu ponto de vista pessoal. É
possível que essa postura derivasse da sua concepção de verdade histórica, que precisava ser
construída pelos alunos a partir do contato com as fontes de informação e não tão somente pela
exposição do professor.
Para Lola, os objetivos de suas aulas estavam claros: que seus alunos fossem capazes de
interessar-se pelo que acontecia na vida em sociedade e interferissem nela. Em seu ponto de vista,
isso ajudaria a atribuir significado ao mundo. Segundo ela, quando os jovens sentem que o
professor possui paixão pelo conhecimento, o trabalho fica muito mais significativo:
Un poco la conciencia eso de que si tú entiendes que lo que estás haciendo es un compromiso con tu sociedad, con tu momento de vivir y con el futuro que se
118 A princípio, parecia que eles não compreendiam o catalão, mas Fidelio corrigiu essa observação, quando da revisão dos protocolos da pesquisa.
116
está construyendo entre todos yo creo que te buscas la manera para (…) intentar que los alumnos lo vean y lo digan y lo experiencien de este modo.
Para diversos autores espanhóis, bastante citados nas teses defendidas em Barcelona, o
bom professor é aquele que se sente responsável por sua prática (MARTÍNEZ; SOUTO &
BELTRÁN, 2006, p.68) e comprometido com o pensamento do aluno. Trata-se da recorrente
aposta na capacidade da formação de interferir nos pensamentos e nas crenças dos futuros
professores119, o que será discutido na Seção 2.3. Gómez (1996) concorda que os professores
devem ser capazes de mudar o ensino e apoia a ideia de que o compromisso pessoal e ideológico
é fundamental para a consecução de seu papel – como se percebe no testemunho de Josep.
Gemma Tribó e Jesús Enfedaque (2000, p.71) detalham que o professor deve saber investigar e
tutelar as pesquisas de seus alunos – tarefa pela qual Lola recebeu diversos prêmios.
O conhecimento histórico deve ser algo que tenha sentido e que seja útil para a vida, como
J. Fontana (historiador favorito de Lola e Josep) esclarece [trecho novo a partir daqui], no
capítulo L’ensenyament de l’història (1988) e, especialmente, ao dizer, no livro “A História
depois do fim da História”, que permanecer em “elucubrações livrescas (...) tornaria inútil nosso
trabalho para a sociedade” (1998, p. 34). Se os alunos não percebem, desde as primeiras semanas,
o trabalho se faz muito mais difícil, como diz Lola:
(...) o tienes mucho aguante y vas con muchas ganas y mucho entusiasmo y si no, lo tienes muy duro porque realmente no tienen muchas ganas de trabajar. Entonces cuando has conseguido un poco vencer esa resistencia de que 'no sólo vamos a trabajar, vamos a aprender cosas que van a ser de interés para vuestras vidas'
Enfrentar a resistência dos alunos é um problema bem maior para Fidelio e Josep. Este,
quando questionado sobre as experiências positivas ao longo da carreira, citou as aulas em que os
alunos se envolviam com o conhecimento e participavam. Ele não contou nenhuma experiência
negativa concreta, mas a frustração quanto ao desempenho discente e o tipo de atividades que
gostaria de executar foram seus maiores problemas – e eixos de mudanças importantes.
119 Como por exemplo, nos já citados artigos de Pablo Torres Bravo (1998) e Pagès et al (2002) e em “La formación inicial del profesorado de ciencias sociales de enseñanza secundaria: análisis crítico de sus perspectivas y de su realidad”, de María Isabel Vera (1997, p.110)
117
Fidelio desejou contar uma situação grave, que vivenciou quando ainda era professor em
Primaria: há 25 ou 30 anos, perdeu a paciência com um aluno de Primaria. Por outro lado, ele
afirma que as experiências positivas acontecem, por exemplo, quando encontra antigos alunos e
eles reconhecem que deveriam ter se esforçado mais. Também é satisfatório para ele constatar
que vive muito próximo à escola e, mesmo assim, seu carro e sua casa nunca foram vandalizados.
Para ele, é uma recompensa ser reconhecido como um ser humano normal e não como “un dios”.
Apesar de tudo, Fidelio é um professor que está à vontade (a gusto) na sala de aula,
embora não se sinta realizado. Nas aulas observadas, apenas ele sabia que seu trabalho poderia
ser mais complexo e profundo. Josep se sente inseguro quanto ao potencial de influência sobre os
alunos. Lola tem certeza de que propicia experiências positivas aos jovens.
2.1.3 Formação inicial e continuada
Lola e Fidelio são quase da mesma idade, mas ela iniciou carreira em Secundària bem
antes. Josep, o mais jovem, apesar de formado em 1994, apenas iniciaria carreira em 2001. Na
tabela abaixo, exponho os locais de formação e aspectos da trajetória de cada um deles.
Tabela 7: Dados pessoais de Lola, Josep e Fidelio.
Lola Josep Fidelio
Nascimento 1952 1971 1951
Área formação
Filosofia i Lletres
(Història Contemporània)
CAP
Historia/Geografía
CAP
Historia/Geografía
CAP
Universidade/ano Universitat Autònoma de Barcelona, 1975
Universidad de Valencia, 1994
Universidad de Barcelona, 1981
Tempo trabalho 33 anos 9 anos 17 anos
Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Didáctica de les Ciències
Socials na UAB Não Não
118
A princípio, Lola desejava ser professora de Educação Física, mas as circunstâncias
políticas120 e a dificuldade de ir estudar em Madrid a impediram. No entanto, já estava claro, para
ela, que sua futura profissão estaria ligada à docência. Na infância, costumava brincar de
professora com seus irmãos e sempre tivera facilidade de comunicação com as crianças. Ao final,
contou que decidiu pelo curso de História. Logo depois, cursou o CAP (Curs d’Adaptació
Pedagógica) e começou carreira na mesma escola em que trabalha atualmente (apesar de ter uma
curta experiência em outra escola, igualmente religiosa).
Fidelio também não planejava, a princípio, ser professor. A primeira opção, quando
adolescente, era seguir a vida de agricultor nas terras da família. Mas discordâncias do pai o
fizeram repensar as opções:
Yo quería ser payés, no quería estudiar. (…) yo tenía una visión más empresarial, más emprendedora y quería cambiar formas de ver. No lo podía hacer. Como no podía hacer dije: Fidelio, estudia y te vas de casa. (…) entonces yo quería estudiar arquitectura. (…) Pero, arquitectura tenía que venir a Barcelona. (…) yo con el pensamiento de que estudiando magisterio, luego vendría a Barcelona, podría ya trabajar, ganar lo de maestro y estudiar arquitectura nocturno. (…) mientras tanto estaba trabajando en Esterri d’Àneu (Pirineo), puse a estudiarme Geografía. (…) Y aquí en Barcelona me di cuenta que Arquitectura no lo podía hacer porque solamente era diurno.
Fidelio passou por duas mudanças, no campo profissional, a contragosto: primeiro, não
pôde ser agricultor. Depois, não foi possível, por razões financeiras, fazer o curso de Arquitetura.
Acabou por ficar na Historia/Geografia, mas nisso também há influência da família:
Pero escoger Biogeografía, Geografía Física era un poco por una faena que siempre me ha gustado. (…) porque mi padre siempre me llevaba domingos o bien en excursiones me decía nombres de cosas, de plantas, a su manera, del funcionamiento de los ecosistemas (era un payés) y siempre me había gustado eso. Y dice hago esa otra opción porque también la encuentro atractiva.
Fidelio prefere destacar sua especialidade – a Biogeografia – ao invés de enfatizar a
carreira superior que cursou. E por que ser professor e não pesquisador? A resposta é simples –
por gosto: “(…) magisterio siempre me ha gustado. Y como me ha gustado, me planteé, bueno,
mejor geografía y me quedo trabajando de maestro porque la enseñanza me gusta”, mas também
120 Para freqüentar o curso de Educação Física, Lola deveria filiar-se a um grupo vinculado aos falangistas, que apoiavam a Ditadura de Franco. Portanto, foi por motivos políticos, em grande medida, que ela não cursou sua primeira opção.
119
por necessidade. Ao cursar Magistério, ele sabia que, em breve, começaria a trabalhar e poderia
sustentar-se por conta própria. Então, a primeira fase, como professor, foi em Primaria.
Não foi fácil para Fidelio conquistar um lugar na escola pública, como desejava. Mesmo
no Magistério, a parte didática foi pouco aproveitada, porque a professora era relapsa, segundo
ele. Como era delegado de turma, confrontou-se com ela várias vezes. Quando chegou o final do
curso, Fidelio e outros companheiros tinham ideias semelhantes e queriam solicitar ao Delegado
Educacional de Lleida (marido da professora de Didática) que os encaminhasse para a mesma
escola para que pudessem, juntos, transformar a sociedade através do ensino ativo:
(…) éramos unos profesores – otra de las utopías, buenas – (…) éramos seis, que teníamos claro que la escuela, la pública, que fuimos a ver a (…) el Delegado, a pedirle que a los seis nos diese una escuela, pública. Sea en el Pirineo, es igual. (…) Pero que a nosotros nos mandase los seis y que nos dejase actuar bajo criterios pedagógicos. (…) Se negó.
Não houve possibilidade de negociação. Cada um desses jovens idealistas seguiu seu
rumo e Fidelio preparou-se para as oposiciones e, ao mesmo tempo, procurou emprego em
escolas Ativas particulares de reconhecida qualidade. Quando uma delas – das mais caras e
conceituadas de Barcelona – chamou-o para uma entrevista, ele ficou muito contente. No entanto,
por causa das exigências do diretor (impossibilidade de questionar os pais e vestuário impecável),
Fidelio não aceitou o emprego. Pouco tempo depois, foi aprovado nas oposiciones, assumiu a
escola pública e nunca mais a deixou – embora estivesse ansioso por aposentar-se.
Dos três, apenas Josep tinha clareza do que pretendia, desde os quatorze anos. A escolha
pela disciplina de História se deveu, principalmente, a um professor desta disciplina do
Bachillerato. Segundo Josep, ele conseguia explicar o porquê de muitas coisas que aconteciam no
país. As decisões políticas mais polêmicas eram comentadas, independente do conteúdo. Por isso,
Josep afirma ter por objetivo transmitir um conteúdo histórico que tenha utilidade para a vida e
faça sentido para os alunos:
Sí, profesor de historia y además de lo que yo había visto, que me había resultado más impactante o que me había gustado mucho más que eran las clases del bachillerato. Es decir, no quería ser ni maestro de escuela, ni profesor en la universidad, nunca tenía pensado investigar en la universidad ni dedicarme al conocimiento histórico. Sí, enseñar historia. Es una idea desde que tenía, desde que estaba estudiando en el bachillerato era mi idea. Pero estudiar historia no para un plan de investigación sino de docencia.
120
Por algum tempo, depois da Universidade e do CAP, Josep se especializou em
conhecimento histórico, mas notou que foi insuficiente para melhorar o ensino. Recentemente,
procurou a UAB para aperfeiçoar-se na Didática das Ciências Sociais. Assim, ao verificarem-se
as respostas quanto às formas como adquiriram conhecimento ao longo da carreira, percebe-se
que Lola foi a que mais avançou no campo acadêmico. Primeiro obteve o diploma de Mestra de
Catalá, uma experiência gratificante, por aprender com profundidade sua língua materna e poder
ensiná-la. Durante a Ditadura Franquista, a língua catalã fora proibida. Mais tarde, no final dos
anos 1990, Lola começou estudos de Pós-Graduação e obteve o título de Màster e, depois, de
Doctora en Didáctica de les Ciències Socials, como resultado de um intenso questionamento
profissional, em busca de legitimar o trabalho inovador que desenvolvia desde o quarto/quinto
ano de magistério.
Fidelio nunca concluiu a pós-graduação, mas realizou vários cursos de formação
continuada. Sua postura frente a esses programas, porém, é de cansaço e frustração. Afirma que
deixou de frequentá-los por vários motivos – inclusive porque vai se aposentar. O professor se
considera cansado de utilizar os horários de descanso para “fazer papel de bobo”:
Años atrás hacía muchos cursos de formación de tipo pedagógica y no me acuerdo porque tengo muchos papelitos y ahora ya me he negado hacerlos por principio [in] (más porque me voy a jubilar si es posible), pero estoy cansado de que tenga que ver los cursillos de formación siempre en horarios no lectivos. Estoy cansado. ¿Por qué no nos los hacen en horarios lectivos y me ponen un sustituto? Estoy cansado de hacer el tonto.
Entrou na profissão quase por acaso, carregado de utopias que o enfrentamento com a
escola minou aos poucos. Na entrevista e nas observações, reforçou a preocupação de que a
escola não seja uma perda de tempo. Ao mesmo tempo, acredita que o nível dos alunos é muito
baixo para que o conhecimento traga resultados efetivos.
Josep, entretanto, ainda está a explorar as possibilidades oferecidas para conhecer mais
sobre a profissão, de três formas: no diálogo com professores mais experientes (principalmente
no início da carreira); na intuição, pela “tentativa e erro”; e em contatos esporádicos com a
Universidade (congressos, encontros, cursos e grupos de estudos e pesquisas):
Ha sido un camino lento, poco a poco y de relación con los profesores que quizás tienen mucho más experiencia. (…) Y han intentado aportarme todo lo que han podido en relación a como dar las clases (…) ha habido un momento en
121
que ha estado relacionado también con profesores que investigaban sobre las formas de dar las clases (…) Y hace unos tres años, empezamos con unos cuantos profesores de secundaria, participábamos de unas Unidades Didácticas que planteaban en la Universitat (…) Y cualquier experiencia que pueda aprovechar, cualquier congresos, seminarios, que me puedan servir, siempre intento recoger como algo que me pueda servir para mejorar las clases, para continuar mejorando lo que voy haciendo día a día con mis alumnos.
Percebo que os três professores optaram por carreiras universitárias voltadas para a
História (principalmente Lola e Josep) porque acreditavam na possibilidade de transformar o
mundo por meio deste conhecimento, que pode interligar passado e presente e, possivelmente,
despertar para questões políticas. Eles cursaram o CAP e concordaram que não foi suficiente para
que desenvolvessem habilidades didáticas e conhecimentos pedagógicos que permitissem dar
aulas da forma como desejavam – em diálogo com uma constatação geral das teses de Barcelona,
principalmente em Villaquirán (2008), Vásquez (2004) e Ferreira (2004), que criticaram a
insuficiência da formação didática e pedagógica121.
As interações com a política e a religiosidade seguem na tabela a seguir:
Tabela 8: Filiações políticas e religiosas de Lola, Josep e Fidelio
Lola Josep Fidelio
Filiação política Esquerda não-nacionalistaSimpatizante da Esquerda Política
Catalunha livre e independente
Progressista
Religião Formação católica
Não crente
Formação católica Não pratica
Formação católica
Cético
É notável a semelhança nas trajetórias quanto à religião. Os três tiveram formação
religiosa cristã e abandonaram a crença quando adolescentes. Lola reconhece que se sente
influenciada por certas matrizes do pensamento judaico-cristão em que se formou (e com o qual
convive na escola em que trabalha), mas, para ela, elementos como fé ou espiritualidade não
impulsionam sua prática profissional. Fidelio lembra que a matriz cultural da Igreja Católica é
importante como conhecimento geral. Isso também vale para Josep, que responde a essa questão
com naturalidade e não sente necessidade de oferecer maiores explicações.
121 Já apresentadas no Capítulo Um.
122
Outra semelhança é quanto à posição política desses professores, que Fidelio discutiu
comigo na entrevista e fora dela. Lola e Josep afirmaram vínculo à Esquerda e, Fidelio, contrário
a esta expressão, identificou-se como Progressista e Independentista. Ele explicou que os
conceitos de Esquerda e Direita se encontram diluídos, atualmente, já que é possível encontrar
“gobiernos que se atribuyen de izquierdas [que] hacen políticas económicas y sociales de pura
derecha”. Por isso, ele pediu que o qualificasse como “Progressista”, ao entender progresso
como: “(…) vivir de una manera decente, con menos dinero (…) pero con unos valores
ambientales, sociales, (…) a lo mejor tener unos criterios claros de cómo personas que lo que
deben hacer y de lo que no deben hacer”
Apesar da distinção de Fidelio, é preciso lembrar que, segundo Norberto Bobbio, são as
posições “Direita” e “Esquerda” que permitem distinguir Progressistas de Tradicionalistas
(BOBBIO, apud DE ROSSI, 2009, p.117). Portanto, o que Fidelio recusa é sua identificação com
partidos ditos “de esquerda” cujas atitudes se afastam da Igualdade, da Justiça e da Emancipação.
Lola igualmente se afasta dos partidos políticos, pois participa das Organizações Não-
Governamentais (ONGs) Intermón122, Selenga Basi
123 e da Cruz Vermelha124 catalã. Ela também
coordena o Grup de Valors da UAB, pertence ao Col.legi de Doctors i Llicenciats en Filosofia i
Lletres e é sócia do Casal del Mestre125, mas não participa de nenhum movimento político.
122 “Desde Intermón Oxfam, luchamos contra las causas de la pobreza, y no sólo contra sus consecuencias. Para ello, actuamos de una manera integral en más de cincuenta países de África, América y Asia: cooperamos en más de 500 programas de desarrollo y acción humanitaria, fomentamos el comercio justo y promovemos campañas de sensibilización y movilización social.” INTERMÓN OXFAM (Espanha). Quiénes somos. Disponível em: <http://www.intermonoxfam.org/es/page.asp?id=1847>. Acesso em: 23 ago. 2011. 123 A ONG Selenga Basi está inscrita na Prefeitura da cidade e desenvolve atividades de ajuda financeira para reforma e construção de escolas em regiões pobres do mundo. Atualmente, a ONG adquiriu status internacional e recebe ajuda de muitas organizações. A participação de Lola já não é tão próxima. <http://es-es.facebook.com/pages/Selenga-Basi-MonEduc/261493744704> 124 “(…) el Moviment Internacional de la Creu Roja i de la Mitja Lluna Roja, el qual s’ha creat per la preocupació de prestar auxili, sense discriminació, a tots els ferits als camps de batalla, s’esforça, sota el seu aspecte internacional i nacional, a prevenir i alleujar el patiment de l’ésser humà en totes les circumstàncies. Tendeix a protegir la vida i la salut, així com a fer respectar la persona humana. Afavoreix la comprensió mútua, l’amistat, la cooperació i una pau duradora entre tots els pobles.” CREU ROJA CATALUNYA (Catalunha). Creu Roja. Disponível em: <http://www.creuroja.org/AP/CM.aspx>. Acesso em: 23 ago. 2011. 125 As duas últimas são associações profissionais sem caráter sindical.
123
Josep foi afiliado à Izquierda Unida126 (IU) entre 1996-1999 e participou do Consejo
Político Comarcal de Vall d’Albaida127 (Valencia), bem como em campanha eleitoral (que não
especificou). Ele também realizou trabalhos para as Comisiones Obreras128. Por fim, Fidelio
participou do PSUC129 e do Partido Comunista Español. Atualmente, participa da Associação
Deumil.cat, que será explicada adiante.
O PSUC e a IU possuem uma visão bem semelhante quanto à participação dos
trabalhadores no destino da Catalunha e da Espanha, mas nenhum professor continua ativo nesses
movimentos. Um dos motivos é a dificuldade de encontrar sentido na vida política partidária. A
crise do sistema capitalista, agravada em 2008, estava ainda pendente de resolução no período
letivo 2010-2011 e afetava as escolas pela redução dos recursos, pelo aumento da jornada de
trabalho dos professores e pelos cortes salariais.
As medidas tomadas pelo governo de Rodríguez Zapatero (Partido Socialista Obrero
Español - PSOE – 2004/2011) foram duramente criticadas pelos opositores de Direita
126 “Izquierda Unida es un Movimiento Político y Social, que se conforma en una organización jurídica y políticamente soberana, cuyo objetivo es transformar gradualmente el sistema capitalista en un sistema socialista democrático, fundamentado en los principios de justicia, igualdad, solidaridad y respeto por la naturaleza y organizado conforme un Estado social y democrático de derecho, federal y republicano.” IZQUIERDA UNIDA (Espanha). La Organización. Disponível em: <http://www.izquierda-unida.es/laorganizacion>. Acesso em: 23 ago. 2011. 127 Comarcas são divisões políticas características de territórios de fala catalã. Possuem origens medievais ou, provavelmente, mais remotas. Segundo o site oficial da Comarca citada, “La Vall d'Albaida es una comarca natural e histórica enclavada en la Comunidad Valenciana. Limita geográficamente con comarcas importantes (...). Se trata de una de las comarcas más industrializadas, con una importante tradición textil, aunque la presencia de las actividades agrícolas y ganaderas es notable. También se observa cada vez más un aumento del sector terciario”. LA VALL D’ALBAIDA. ¿Qué es la Vall? Disponível em: <http://www.valldalbaida.com/intro_es.php>. Acesso em: 18 maio 2012. 128 “CCOO es una organización sindical democrática y de clase que está formada por trabajadores y trabajadoras que nos afiliamos de forma voluntaria y solidaria para defender nuestros intereses y para conseguir una sociedad más justa, democrática y participativa.” CONFEDERACIÓN SINDICAL DE COMISIONES OBRERAS (Espanha). ¿Quiénes somos? Disponível em: <http://www.ccoo.es/csccoo/menu.do?Conoce_CCOO:_Quienes_somos?>. Acesso em: 23 ago. 2011. Além disso, as CCOO trabalham em prol dos pensionistas, dos migrantes, dos desempregados, da juventude. Pretende desenvolver a igualdade de oportunidades, de gênero e a solidariedade com todos os povos do mundo, buscando a tolerância e combatendo a xenofobia e o preconceito. Prioriza a gestão democrática e a abertura do sindicato para trabalhadores de todas as cores políticas, desde que democráticas. 129 “El Partit Socialista Unificat de Catalunya és un partit nacional i de classe que te com a projecte estratègic Esquerra Unida i Alternativa, el referent d'Izquierda Unida a Catalunya. Els comunistes del PSUC han promogut, amb companys i companyes d'altres organitzacions, aquest punt de trobada conjunt de l'esquerra alternativa a Catalunya, com a espai d'acció política unitària, de debat i impuls per a construir una majoria social d'esquerres al nostre país.” PARTIT SOCIALISTA UNIFICAT DE CATALUNYA (Catalunha). Qui som? Disponível em: <http://www.psuc.org/content/view/15/27/>. Acesso em: 23 ago. 2011. Grifos originais.
124
(notadamente, pelo Partido Popular) e corriam o risco de perder o apoio histórico dos grandes
sindicatos. Atualmente, os espanhóis sentem que a força dos tradicionais partidos está abalada.
Em Maio de 2011 (dois meses depois do final do meu estágio de Doutorado em Barcelona),
concomitante à onda de revoltas nos países árabes e norte-africanos, os espanhóis também foram
às ruas, ou melhor, às praças. Los Indignados acamparam na Plaza del Sol, em Madrid e na Plaza
Catalunya, em Barcelona, por várias semanas – reorganizando as manifestações periodicamente.
Os jornais caracterizaram os Indignados pela diversidade de reivindicações e pela ausência, senão
rechaço, a qualquer ideologia partidária130. Foram manifestações contra a falta de alternativas
políticas e não a favor de determinados partidos.
Zygmunt Bauman, em entrevista ao jornal El País (outubro de 2011)131 refletiu se “¿tiene
futuro la solidariedad?” e procurou esclarecer ilusões sobre a iminência de uma Revolução. Para
ele, as manifestações estavam, naquele momento, baseadas em emoções, o que dificultava a
formulação de propostas concretas. No entanto, elas poderiam agir como pano de fundo para
futuras ações melhor fundamentadas. Com efeito, no final de 2011, o Partido Popular, de Direita,
venceu as eleições espanholas.
Provavelmente ao pensar nesta situação, Fidelio preferiu o termo “progressista” e
abandonou os partidos políticos. Participa, atualmente, de movimento da Sociedade Civil pela
independência da Catalunha, o que se reflete na sua fala com os alunos mais velhos. O
separatismo catalão – que tem seus defensores de Direita e de Esquerda – é um dos debates
políticos mais sensíveis da região. Anexada definitivamente ao Estado espanhol em princípios do
século XVIII, na Catalunha existem grupos mais ou menos radicais no que se refere à
preservação de sua identidade, como afirma José Enrique Ruiz-Domènec, em “Catalunya,
España” (2010) e Deumil.cat é uma delas. Igualmente, Josep deixou de participar de Partidos
Políticos logo depois que começou a trabalhar.
130 Por exemplo: LA plaza es un ágora Elperiódico.com, Barcelona, p.1-1. 20 maio 2011. Disponível em: <http://www.elperiodico.com/es/noticias/politica/print-1012711.shtml>. Acesso em: 22 ago. 2011. Un viernes con más protestas. El País. 21 ago. 2011. Visuais. 1 fot. Col. Disponível em: <http://www.elpais.com/fotografia/espana/viernes/protestas/elpfotnac/20110821elpepunac_40/Ies>. Acesso em: 22 ago. 2011. 131 BAUMAN, Zygmunt. El 15-M es emocional, le falta pensamiento. Entrevista a Vicente Verdú. ElPaís.com, Madrid, 17 out. 2011. Disponível em: <http://politica.elpais.com/politica/2011/10/17/actualidad/1318808156_278372.html>. Acesso em: 17 out. 2011.
125
Questionados sobre professores inspiradores, Josep e Fidelio se lembraram de
profissionais que demonstraram a força da escola pública e o poder do saber para a transformação
do mundo. Seus conhecimentos sobre Socialismo, a presença dos autores marxistas durante a
formação e os desejos de mudar a sociedade também influenciaram a escolha de ser professor.
Basta lembrar que a utopia inicial de Lola era que deixassem de existir ricos e pobres e que
Fidelio acreditava em transformar a sociedade pela Educação.
Lola também respondeu que há alguns pontos fundamentais de influência em sua vida
para que se compreenda a professora que é. Em primeiro lugar, a trajetória de vida da avó e do
pai. Ela não forneceu detalhes, mas deixou claro que lutaram muito para sobreviver, além do fato
de fazerem um grande esforço para que ela mesma seguisse os estudos. Soam como exemplos de
força, constância e superação. Em segundo lugar, se destaca a formação marxista dos professores
que lhe ensinaram História na universidade. Essas teorias (mais tarde revistas e aperfeiçoadas)
casaram com utopias e incompreensões que carregava desde muito jovem:
Y yo creo que esa era mi utopía, el hecho de que no fueran dos paredes distintas no fueran los unos y los otros, una para los ricos y otra para los pobres, como en el póster que hice en las paredes del rincón que mi padre adecentó para poder estudiar, sino que la sociedad avanzara un poco al unísono con mayor justicia social. Eso lo recuerdo como muy claro desde muy pequeñita, muy pequeñita. Y yo creo que eso ha sido mi guía, incluso en las cosas más, más sencillas (…)
O pai de Fidelio lutara na Guerra Civil ao lado dos Republicanos. Quando a Guerra
acabou, ele foi submetido a trabalhos muito duros, por parte do novo governo.
Surpreendentemente, foi um general franquista quem o conduziu a atividades menos pesadas.
Assim, sua formação política começou com as vivências em casa e, depois, sob influência de
uma professora de Literatura, que era comunista. A militância no PSUC foi curta porque logo
verificou incoerências entre o modo de agir e a necessidade de sobrevivência. Era contra a
“criação” de mártires e tinha pouca voz ativa no movimento. Chegou a ser preso ao participar de
mobilizações. Hoje, a Sociedade Civil lhe parece mais eficiente do que os partidos políticos para
a mudança do mundo.
Josep não comentou de que forma vivenciou a participação em movimentos políticos. Ele
apenas esclareceu que isso ficou no passado: “(…) para mí el sentido de transformar la sociedad,
cambiar la sociedad es muy importante. También he estado militante de la Izquierda Unida, de
126
partidos de izquierdas hace tiempo, hace tiempo…”. A vivência profissional, porém, lhe ofereceu
desilusões e incertezas, formando projetos de futuro cautelosos.
O marxismo e certos movimentos da sociedade civil, entretanto, são parte do cotidiano de
Lola, Josep e Fidelio. As raízes que alimentam suas utopias educacionais e políticas, que serão
expostas adiante, são buscadas em outros campos, já que nenhum deles é um militante político
ativo fora da escola, nem mesmo no sindicato. As leituras acadêmicas e influências artísticas
fornecem pistas valiosas.
Na tabela 9, apresento as formas prediletas de contato com o mundo de informação
acadêmica, a arte e a comunicação para cada professor. Acredito que esses elementos
contextualizam as respostas e confirmam alguns de seus posicionamentos sobre as utopias
políticas e educacionais na formação como professor de História.
Tabela 9: Favoritos e influências para Lola, Josep e Fidelio.
Lola Josep Fidelio
Livros acadêmicos
Lucien Febvre, Albert Soboul, Marc Bloch, Pierre Vilar, Josep Fontana, Michael Apple, John Dewey, Henry Giroux, Max van Manen e Gimeno Sacristán. Jorge Semprún, Primo Levi, Amat Piniela
Pierre Vilar, Josep Fontana, Eric Hobsbawm
Freire, Montessori, Piaget, Marcuse, Kant, Marx, Nietzsche
Livros de ficção
Salvat Papasseit, Antoine de Saint Éxupery, Ana M. Matute
Umberto Eco Raramente lê. Miquel Martí Pol e Salvat Papasseit
Músicas Beatles, Bruce Springsteen, Joan Manuel Serrat, Luís Eduardo Aute, Caetano Veloso, Leonard Cohen
Bach, Mozart, Beethoven, Stravinsky. Rolling Stones, Aerosmith, Led Zepelin, Guns'n'roses, Queen.
Mahler, Bach, Mozart e Wagner
Cinema Não citou Filmes de investigação Cinema sueco de Bergman e neorrealismo italiano
Artes plásticas Goya, Velásquez, Michelangelo Não citou Não citou
Televisão Noticiários TV Española e TV3 Programas de debate Uso escasso TV3 e 3CAT.24
Jornais e revistas
El País, El Nou 9, Sápiens, Descubrir Catalunya
El País, El Periódico Avui, Ara, Le Monde Diplomatique
Internet Nada determinado. Costuma acessar rebelion.org
Não citou Imprensa
Rádio RAC105 (música) Cadena SER (notícias e variedades)
RAC1, Catalunya Radio
127
Um olhar, primeiro, às semelhanças. Os autores acadêmicos mais influentes pertencem à
História Social e à tradição inaugurada pela Escola dos Analles (Pierre Vilar, Josep Fontanta,
Eric Hobsbawm, Marc Bloch), embora Fidelio assuma que lê poucos historiadores, já que o
alunado não traz grandes exigências. Vilar e Fontana são defensores de uma historiografia
preocupada com os problemas fundamentais da sociedade ocidental, mais precisamente, a
abolição da miséria (FONTANA, 1998 e 1988). Ambos autores muito citados nos estudos sobre
História da Catalunha, que representam visão crítica e não nacionalista da relação entre a
Catalunha e o Estado Espanhol.
A influência de Josep Fontana foi também constatada na tese de Guimerà (1991), quando
ela esclareceu que tipo de marxismo era adotado pelos professores de História. Ela concluiu que
professores que adotavam referenciais marxistas possuíam, via de regra, visão progressista da
educação e procuravam romper o ensino de História tradicional. Parece que Lola e Josep
ilustram, 20 anos depois, as conclusões de Guimerà, embora apresentem outras influências, que
impedem a interpretação monolítica de seus referenciais.
Assim, o marxismo, para Lola, não é ortodoxo. Ela diz que leituras posteriores trouxeram
novas perspectivas (como a Escola dos Analles). Em seu Plano de Curso, nota-se a atualização
dos conceitos sobre verdade histórica e sua repercussão para a Didática da História:
Sabem que no podem ajudar al nostre alumnat a trobar el SENTIT de la vida, el SENTIT de la Història perquè els temps de les grans narracions, els temps de les veritats absolutes ja ha passat (esperem!). Però si, si més no, que el podem ajudar a trobar trames parcials de sentit. (PLANO de Curso da Professora Lola)
Existe também a influência da literatura concentracionista e de poetas e escritores catalães
de visão crítica, como Primo Levi132, Jorge Semprún133, Amat-Piniella134, Salvat Papasseit135,
132 Italiano deportado aos campos de concentração em 1944. Escreveu diversos relatos sobre esta experiência, quase todos publicados muitos anos após a libertação. 133 Militante da esquerda espanhola, igualmente deportado para campos de concentração da Alemanha nazista após ser capturado na França, onde estava exilado por conta da ditadura de Franco. Seu relato mescla ficção e acontecimentos verdadeiros. 134 Escritor catalão cuja narrativa é igualmente marcada pelas experiências vividas em campos de concentração nazistas. 135 Joan Salvat-Papasseit (Barcelona, 1894-1924). Poeta catalão que trabalhava como vigilante no porto da cidade. Seus poemas foram musicados e declamados por artistas bastante populares, o que tornou a sua obra bem conhecida. Além da poesia, escreveu artigos e manifestos de caráter político e social.
128
Ana Maria Matute136, que se preocupam com o ser humano e se angustiam com as possibilidades
de atuação para que as atrocidades não se repitam. Além disso, nas obras desses autores, nota-se
o desejo de tentar consertar o que existe de errado – que combina perfeitamente com a postura
das influências acadêmicas de Lola, no campo da História.
Outro ponto de influência é a literatura educacional crítica: M. Apple, J. Gimeno, P. Freire
– citados igualmente nas teses de Pagès (1993), Boixader (2004), Vásquez (2004) e outros,
presentes no primeiro capítulo. John Dewey é ponto de apoio também para Liliana Bravo (2002)
compor sua visão de educação e formação docente. A abordagem hermenêutico-fenomenológica,
centralizada nas crianças, de Max Van Manen137, transparece nas relações que Lola estabelece
com seus alunos. Dos três, ela é a única a citar, na ficha de identificação, autores do campo da
educação138. Isso não é casual, corresponde à sua formação em Didática e seu foco de trabalho
com os alunos. Vem ao encontro da afirmação generalizada, nas teses debatidas no Capítulo Um,
de que a formação Didática impacta pouco na composição das perspectivas ou nos
conhecimentos dos professores. No campo da música e da arte, predominam cantores e
compositores com letras militantes, românticas ou divertidas.
Ela aprecia personalidades como Beatles, Bruce Springsteen, Joan Manuel Serrat139, Luís
Eduardo Aute140, Caetano Veloso e Leonard Cohen141 – todos eles já clássicos, que, no entanto,
136 Escritora catalã que recebeu diversos prêmios por suas obras mais recentes. Escreveu um conto chamado Luciérnaga, onde trata da vida de uma garota durante os dias mais difíceis da Guerra Civil Espanhola, ao longo dos bombardeios sobre Barcelona. 137 Professor emérito da Universidade de Alberta (Canadá), especializado em Ciências Sociais, Humanidades e Pedagogia. Suas pesquisas relacionam-se ao desenvolvimento do método fenomenológico, ao “tato pedagógico” (tema favorito de Lola), à pedagogia e às identidades, à fenomenologia e à escrita, bem como suas implicações no mundo online. BIOGRAPHY. Max van Manen. Disponível em <http://www.maxvanmanen.com/biography/>. Acesso em 10 dez. 2011. 138 Fidelio citou Paulo Freire e Maria Montessori, mas apenas durante a entrevista, quando foi instado para tal. Na ficha de identificação, não escreveu nenhum autor específico. 139 Cantor e compositor catalão nascido em 1943, em Barcelona. Sua carreira, de imenso sucesso por toda a Espanha, teve por marca a luta para cantar em catalão durante a ditadura de Franco. Recusou-se a apresentar-se onde não pudesse utilizar a língua catalã. As canções tratam de temas tradicionais da Catalunha, de amor, da vida cotidiana e da integração dos imigrantes na Europa. BIOGRAFIA. Joan Manuel Serrat. Disponível em <http://www.jmserrat.com/index.php/es/biografia>. Acesso em 10 dez. 2011. 140 Artista plástico, cantor, poeta e diretor de cinema nascido nas Filipinas em 1943, de grande sucesso musical na Espanha e no exterior. Realizou trabalhos ao lado de Joan Manuel Serrat, Pablo Milanés e outros nomes. Inspirou-se em Bob Dylan. Em suas obras, refletia sobre as questões coletivas e pessoais que atravessaram sua vida.
129
não perderam a aura de rebeldia. O mesmo vale para os artistas visuais favoritos. Grandes
clássicos, como Goya e Velázquez, acompanhados da beleza e rebeldia da “série dos escravos”
de Michelangelo.
No campo da ficção, Josep citou apenas um romance influente: “O nome da Rosa”, de
Umberto Eco, que parece mais próximo à abordagem da Escola dos Analles que ao marxismo.
Ele se sente atraído pela música, seja clássica, seja rock. Passando do erudito aos símbolos de
rebeldia dos anos 1970 e 1980, Josep procura afastar-se das diversões “fáceis”, populares ou da
moda e informa-se, preferencialmente, por Rádio (Cadena Ser142) e leitura de jornais (seus
favoritos são El País e El Períodico, os mais lidos na Espanha e na Catalunha). Assim, se as teses
de doutorado defendidas em Barcelona desejam professores atualizados e reflexivos, parece que
Josep procura enquadrar-se nesta perspectiva, zelando pela qualidade – e autonomia – de sua
formação.
Coincidência ou não, Lola e Josep apreciam os “clássicos rebeldes”. Na televisão, ele
procura apenas por “programas de debate” e na categoria cinema, prefere cine de intriga.
Diferente de Lola e Josep, Fidelio, ao tratar das influências acadêmicas, ressoa um tom de
frustração que acompanhou a narrativa de sua prática. Ele destacou Freire, Montessori, Piaget,
Marcuse, Kant, Marx, Nietzsche. Mas a aprendizagem didática/pedagógica veio com a prática e
renunciou a muitos dos princípios aprendidos com esses autores, porque deixaram de fazer
sentido: “Ahora esto me cansa. No es mi preferencia ahora. Pero te quiero decir que todo lo que
realmente, lo poco que sé – que no sé nada – ha sido por el hacer del día a día”.
Fidelio, ao contrário dos dois colegas entrevistados, não teve tanto cuidado em citar
autores favoritos, principalmente no campo da literatura. Disse que praticamente nunca lê ficção,
eventualmente, algo de Miquel Martí Pol143 e Joan Salvat Papasseit. No campo da música, prefere
Barroco e Romantismo, citando Mahler, Bach, Wagner (não compactuando com seu pensamento,
141 Escritor e músico canadense nascido em 1934. Conhecido pelos livros polêmicos e pelo lirismo de suas canções. COHEN, Leonard. Old ideas. Disponível em: <http://www.leonardcohen.com/us/oldideas>. Acesso em: 10 dez. 2011. 142 SER: Sociedad Española de Radiodifusión. É a maior rede de rádio da Espanha e seus programas incluem notícias, variedades e esportes. 143 Miquel Martí i Pol (Osona, 1929 – Roda de Ter, 2003). Poeta, escritor e tradutor catalão. Escreveu sobre temas universais, inspirado pela doença de que padeceu por longos anos (esclerose múltipla) e também sobre temas políticos. Ele trabalhou cerca de 30 anos em uma fábrica e foi filiado ao PSUC (Partit Socialista Unificat de
Catalunya). Disponível em: < http://www.escriptors.cat/autors/martipolm/>. Acesso em: 24 ago. 2011.
130
apenas admirando a música, Fidelio esclarece), Mozart e Purcell. No cinema, os gostos se
afastam do popular ou de temas leves: todo o neorrealismo italiano e o cinema sueco de
Bergman. Disse interessar-se pouco por artes plásticas e fazer uso limitado da televisão,
concentrando-se nas redes estatais catalãs (TV3 e 3CAT.24) que transmitem notícias, variedades
e produções de ficção locais144.
Ele utiliza a internet apenas para ler jornais. Seus favoritos, na versão impressa, são
Avui145 e Ara146 - voltados para a realidade das províncias de Catalunya. Mensalmente, procura
ler Le Monde Diplomatique147. As rádios que ouve também são públicas (à exceção de RAC1) e
mais voltadas para a notícia do que para o entretenimento: Catalunya Radio, Catalunya Música e
Catalunya Informaciò148. Os contatos de Fidelio com meios de comunicação e literatura estão
ligados com sua posição política.
A busca pela informação atualizada e crítica é importante para os três, que privilegiam os
noticiários regionais (TV3, El Nou 9, El Periódico), mas não deixam de informar-se sobre o
mundo e a Espanha em geral (El País, Le Monde Diplomatique, Cadena SER).
Assim, percebo que os interesses de Lola, de acordo com a entrevista, estão próximos da
justiça social, da educação para a paz, dos direitos humanos, dos valores e da ética, sempre
vinculados com seu trabalho como professora de História e tutora149. Seus desejos de
144 Informações sobre essa rede de televisão, incluindo a programação, disponíveis em TELEVISIÓ DE CATALUNYA TV3 (Catalunya). Informació corporativa. Disponível em: <http://www.tv3.cat/corporatiu/>. Acesso em: 23 ago. 2011. 145 Formado por diversos grupos privados, possui edições diárias referentes a quase todas as cidades das comarcas de Catalunya. EL PUNT AVUI (Catalunha). El punt avui. Disponível em: <http://www.elpuntavui.cat/>. Acesso em: 23 ago. 2011. 146 Conforme a web do diário, “ARA és un diari creat per un grup d’emprenedors dels àmbits periodístic, editorial i empresarial de Catalunya que ens sentim compromesos amb la nostra societat. Som persones actives que hem demostrat que tenim iniciatives i que sabem dur-les a terme, inspirades per l’esperit crític però no instal·lades en la crítica. ARA neix per ser una àgora pública, que mira i explica el món des de Catalunya.”�ARA (Catalunha). Manifest Fundacional. Disponível em: <http://www.ara.cat/>. Acesso em: 23 ago. 2011. 147 O sítio virtual da publicação descreve-a da seguinte maneira: “Le Monde diplomatique conjugue une large ouverture sur les questions internationales avec une vision critique de ce qui reste le plus souvent dans l’« angle mort » de la presse : ravages du dogme libéral, dangers du prétendu « choc des civilisations », chances et enjeux des nouvelles technologies de la communication...” LE MONDE DIPLOMATIQUE (França). Qui sommes-nous? Disponível em: <http://www.monde-diplomatique.fr/diplo/apropos/>. Acesso em: 23 ago. 2011. 148 <http://rac1.org/>; < http://www.catradio.cat/> 149 O tutor é o professor responsável por uma determinada turma da escola. Deve zelar pela vida estudantil, ajudar os jovens nos problemas individuais ou coletivos e representá-los em reuniões periódicas.
131
transformação não a aproximam da política no sentido partidário ou sindical, e sim das
associações, das ONGs e do desenvolvimento de projetos alternativos na escola.
Para responder sobre papel do professor de História hoje – um dos pontos primordiais do
questionário, ela disse que seu “campo de batalla” é, principalmente, despertar o interesse de
todos os alunos (ou do máximo possível) para o conhecimento: "Y yo creo que este es el campo
de batalla. El hecho de que se vayan del curso con la sensación de que han aprendido – con la
sensación y evidentemente con la seguridad de que han aprendido". Um desafio que conduz suas
escolhas didático-pedagógicas, em que se percebe a influência de pensadores da educação como
John Dewey e Paulo Freire.
Foi assim que Fidelio descreveu o papel do professor de Historia/Ciencias Sociales: "(…)
Como mero y puro transmisor de conocimientos y poca cosa más". Renunciou às suas crenças
anteriores. Josep compartilhou parte desta frustração, mas a esperança, em seu depoimento, foi
maior. Ele acredita que o conhecimento deve servir para a vida real e cotidiana. Porém, nas aulas,
declarou sentir dificuldades para demonstrar isso aos alunos. Frustrações e sonhos... o que a
formação de professores de História poderia esperar das utopias políticas e educacionais?
2.1.4 Utopias, sonhos, frustrações e esperanças
Neste subtítulo, procuro a presença de utopias político-educacionais mobilizadas por Lola,
Josep e Fidelio. Pretendo expor os momentos da entrevista em que elas se expressaram e, em
seguida, analisá-los em relação aos processos formativos.
Formar alunos melhores (mais críticos, mais tolerantes, menos influenciáveis, para Lola,
Josep e Fidelio, respectivamente) é tarefa do professor de História, com o que concordam
acadêmicos como Pagès (1993) e Guimerà (1991). Porém, é preciso ultrapassar um primeiro (e
enorme) desafio: motivá-los para o conhecimento – uma preocupação que lançou Boixader
(2004) à sua pesquisa de doutorado. Se os jovens não percebem o significado de aprender
História, fica muito mais difícil conduzir as atividades de ensino. Lola reforça que “no tienen
ganas de trabajar” e, por isso, o professor deve ter muito entusiasmo e paciência.
Ser professor, para Fidelio, não foi “cuestión de vocación”. Porém, com os estudos no
Magistério, acabou por encantar-se com o tema do ensino e adicionou esse encanto a uma
motivação utópica. Por isso, a princípio, projetava sua vida profissional bem diferente da
realidade que enfrentaria futuramente. Na entrevista, respondeu à pergunta sobre sua utopia
132
inicial, acreditava em transformar a sociedade a partir do ensino. É interessante, aqui, a relação
com a tese de Bravo (2002, p.128), a qual notou que os professores vocacionados – isto é, que
acreditavam possuir talentos ou inclinações para a docência (CHIOZZINI, 2011) – tinham mais
facilidade em enfrentar as dificuldades do processo formativo.
Com isso em mente, ele procurou as chamadas “Escuelas Activas”, na rede privada,
porque teriam melhores condições para a realização dessa utopia:
En aquél momento, yo optaba por un tipo de escuela que no era la pública. Era escuela privada. Escuela que la podríamos cualificar dentro de los parámetros de “Escuela Activa”, dinámica. Y con unos principios que tenía mucho más ambiciosos, utópicos.
Mas todas as tentativas foram frustradas150. A educação em Barcelona se caracteriza por
seguir uma tradição iniciada em princípios do século XX, junto com os movimentos
republicanos, anarquistas e socialistas antes da Guerra Civil: trata-se de conceber a educação a
partir de ideários identificados, de forma geral, com Escuelas Activas, baseados, principalmente,
no pensamento de John Dewey, de Paulo Freire e em visões anarquistas ou progressistas da
construção de conhecimento por parte do aluno (MONÉS, 1981; AJUNTAMENT, 2003)151. O
filme “La lengua de las mariposas” ilustra a figura do professor republicano que ensinava nesses
moldes: um cordial senhor, com leituras anarquistas e profundo respeito pelos alunos, prezando
pelas aulas ativas, pela experimentação e pelas visitas de campo, sem desprezar o sonho e a
beleza da literatura152.
Josep também passou por um desencanto com a profissão. O profissional que desejava
ser, no começo da carreira, já não é mais seu objetivo principal. Mudou a procura do equilíbrio
entre o ideal de professor e as possibilidades oferecidas pelos seus alunos:
150 Em sua tese, Joan Pagès também afirmou filiação às Escolas Ativas, mas sem diferenciar as possibilidades em escolas públicas ou privadas. 151 Segundo Angela Fernandes, o princípio das “escuelas activas” faz parte da Legislação Educacional espanhola desde, pelo menos, a Ley de Ordenación General del Sistema Educativo (Logse) de 1990 (FERNANDES, 1995, p.141). 152 A LÍNGUA DAS MARIPOSAS. Direção: José Cuerda. Produção: Canal + España. Intérpretes: Fernando Fernán, Manuel Lozano, Uxía Blanco, Gonzalo Uriarte e outros. Produtor executivo: Fernando Bovaira. Roteiro: Rafael Azcona, Manuel Rivas e José Cuerda. Música Ángel Illarramendi. Espanha: Canal + España, 1999. DVD (95 min.), widescreen, color., legendado.
133
Evidentemente cada uno tiene en la mente, cuando quiere ser profesor, un ideal. (…) pero en sentido de poder cambiar, de hacer cambiar a las personas, a los alumnos y tal, eso es un modelo, es una idea que tú tienes de lo que debe ser el buen profesor. Pero creo que se ha modificado cada año de mi experiencia profesional. (...) Es un proceso de cambio continuo.
Lola desejava transformar o mundo desde muito jovem e, conforme seu testemunho, as
dificuldades atravessadas na escola não permitiram que desistisse. Acredito que a formação
continuada fortaleceu sua esperança com o potencial transformador da educação. Apenas no caso
de Lola é possível estabelecer uma relação positiva entre os processos vividos na formação e as
propostas das teses defendidas em Barcelona, principalmente no que se refere ao modelo do
professor crítico e reflexivo defendido por todos os autores, notadamente Guimerà (1991), Pagès
(1993), Boixader (2004) e Ferreira (2004).
Entretanto, Josep ainda não encontrou os caminhos que lhe possibilitariam tranquilidade e
estabilidade na forma de dar aula e, por isso, não quer permanecer por muito tempo no mesmo
lugar. Mesmo assim, não deixaria de ser professor e acredita que ainda poderá aperfeiçoar sua
prática. De forma intrigante, Lola e Fidelio coincidem na resposta à questão “por que segue na
profissão”.
Independente das frustrações e do cansaço, Fidelio parece sentir-se muito à vontade na
escola e no contato com os alunos: “La faena esa me gusta, la verdad. No tengo porque cambiar
(...)”. Em suas aulas (apesar de utilizar poucos recursos), percebi que Fidelio é atencioso,
aproveita bem o tempo e faz o que pode para que aprendam. Sentimentos de desistência ou
frustração estão invisíveis para os alunos. No entanto, ele recomendaria para ninguém, hoje, a
opção por ser professor. Nelson Vásquez (2004), em sua tese, constatou um número importante
de professores que também mudariam de profissão, se pudessem. Segundo o autor, as maiores
dificuldades estão na incongruência entre as exigências sociais e as condições de trabalho e
formação. Na opinião de Fidelio, lutar contra o poder da mídia torna o trabalho ingrato. Lola diz
que continua sendo professora porque gosta e porque traz sentido à sua vida. A tabela 10
demonstra essas mudanças:
134
Tabela 10: Razões para ser professor de História para Lola, Josep e Fidelio.
Lola Josep Fidelio
Por que se tornou professor?
Vocação153.
Não separa compromisso profissional com o gosto.
Facilidade com crianças
Para transmitir conhecimentos úteis na construção de mundo mais justo e tolerante
Não foi a primeira opção, mas com o tempo, acreditava que a educação era capaz de mudar a sociedade, por tornar as pessoas menos passivas
Por que continua sendo professor?
“Porque me gusta, me
gusta muchísimo y le veo
sentido, es decir yo creo
que todos estamos en el
mundo toda la vida
buscando sentido a la
vida, ¿no?”
Não mudou as razões, mas é mais cético quanto ao efetivo alcance de sua ação no futuro
Por que gosta, mas não acredita mais no papel transformador. "La
faena esa me gusta, la
verdad."
Para concretizar melhor essas respostas, os professores contaram quais eram seus planos
futuros. Lola gostaria de mais tempo para escrever artigos e livros que ajudassem outros
professores a inovar como ela. Porém, isso reduziria o tempo para preparar aulas e corrigir os
trabalhos dos alunos. Portanto, ela adia a dedicação à vida acadêmica, em nome dos jovens, para
quem deve abrir “ventanas”.
A ansiedade para que a época da aposentadoria chegasse logo era visível, tanto na
entrevista, quanto nas conversas informais com Fidelio154. Ele tem vários planos para o futuro.
Em primeiro lugar, aposentar-se assim que possível, praticar exercícios e senderismo
(caminhadas pelo campo). É possível que decida por terminar sua tese de doutorado. Outra opção
é dedicar-se com maior afinco à Associação Deumil.cat. Aposentaria significa desinvestimento:
nada relacionado com a escola, ciencias sociales ou educação.
Josep oscila entre o ceticismo e a esperança. Ele gosta de ser professor e, por isso,
continua na carreira, mas não quer permanecer muito tempo na mesma escola. Seus planos
futuros são “(…) continuar mejorando mi docencia, continuar aportando lo que yo creo que se
153 Ao utilizar esta palavra, Lola afirmou estar ciente dos problemas que carrega. Para ela, ser professora não foi um acaso, mas uma escolha afetiva e consciente da qual não poderia abrir mão. Na página 133 está transcrita parte de sua explicação a respeito. 154 Em meados de 2011, o professor comunicou que estava aposentado.
135
debe aportar a las clases y motivar al alumnado para que pueda seguir esas clases, digamos. Pero
no hay un objetivo concreto”. Nota-se, aqui, a busca pela estabilidade e excelência, sem
estagnação.
Parece que o desejo de continuar na carreira tem relação com o reconhecimento do
potencial de interferência no futuro. Com esta pergunta, pretendia detectar sinais das utopias
políticas e educacionais na vivência concreta de Lola, Josep e Fidelio com a profissão. Talvez
seja interessante começar pelo mais cético, Fidelio.
Quando ele falou de futuro, tratou dos sentidos de ser professor de Historia/Ciencias
Sociales e do poder de impacto de suas aulas sobre a vida dos alunos. Ele é pessimista quanto ao
alcance de sua ação educativa sobre os alunos, pelo menos, na escola pública.
Entre a esperança e a frustração, encontra-se Josep. Ele não está certo quanto ao impacto
de suas aulas na vida dos alunos. O sentimento de compromisso profissional acompanha sua
prática e, mesmo que seja difícil mapear os avanços em sua trajetória e na vida dos alunos, ele
busca continuamente a melhora. Para ele, a relação entre política e ser professor encontra-se no
equilíbrio entre aquilo que acredita que deve fazer e o que pode, efetivamente, realizar: “Yo creo
que eso en parte sí es como una relación que fluye entre lo que tú piensas, en lo que tú piensas
profesionalmente que quieres hacer y lo que tú crees que puedes hacer en la sociedad”.
Na sua prática, notei as tentativas de fazer com que os alunos compreendessem a
importância da disciplina. Parecia que Josep procurava conjugar as utopias políticas gerais com
as tarefas possíveis de concretizar na escola. Seria o reconhecimento dos limites dos professores,
dos alunos ou do sistema como um todo?
Apesar de ter tido vida política fora do ambiente escolar, aparece em seu testemunho o
desejo de que o conhecimento que transmite na escola tenha alguma utilidade para que os alunos
transformem suas vidas. Ele não deixou de acreditar que história e política estão relacionadas.
Renunciar a essa ligação seria uma “neutralidad demasiado hipócrita”. É na forma de apresentar
as aulas, muito mais que no conteúdo, segundo suas próprias palavras, que essa relação política
se estabelece:
(…) la historia es algo que está relacionado para mí con la acción, es decir, con lo que tú puedes hacer, con algo que realmente puede cambiar, que puede hacer cambios. Aunque el hecho de impartirlas como profesor, dentro de las aulas, da la sensación que es un conocimiento académico que se queda aquí. Pero, en
136
general, como es un conocimiento que está relacionado con lo que tú vives, con lo que todos han vivido, con lo que se ha vivido, con lo que colectivamente hemos vivido, entonces es una disciplina que te da posibilidad de pensar para cambiar.
Nesse sentido (de pensar para a mudança), há uma possibilidade, aberta, quase
incontornável, de que seu trabalho modifique o futuro e influencie o comportamento dos jovens,
já que transmite um passado comum para gerações passadas, presentes e vindouras. Porém, ele
reconhece que é impossível saber até que ponto essa influência acontece:
(...) creo que en un futuro les va a aportar cambios en su vida y además, lo más importante es que a partir de lo que hayan visto intentar incidir en su entorno. Entonces, pienso que sí, pero es una idea, porque no sabes realmente hasta qué punto estos alumnos pueden después haber seguido pensarlo lo que tú les has dicho o a tener una influencia tan grande. No sabes hasta qué punto la influencia de lo que les está aportando puede ser decisiva. Quizás tú piensas como profesor que estás influyendo mucho pero después en la realidad no lo es tanto. Entonces sé que es un poco idealista por mi parte o pensando de esta manera.
Essa diferença entre o que desejava, no início da carreira, e o que acredita que pode fazer
hoje é grande e, por isso, seu grau de esperança, elemento forte da utopia (Schiavone, 1987), é
menor que o de Lola. Josep afirma que sua participação política diminuiu porque “Quizás soy
más consciente del pequeñísimo papel que puedo tener en la sociedad”, o que não supõe um
desinvestimento na qualidade de suas aulas. Aliás, este é o único plano de futuro que elencou.
Lola, entretanto, não duvida do impacto de seu trabalho sobre o futuro dos jovens.
Quando solicitei que sintetizasse o sentido da profissão para ela, notei o quanto se afeta pelo seu
trabalho com os alunos:
Me interesa estar en la práctica del aula y abrir ventanas a esos jóvenes que están en una edad como maravillosa, como para abrir esas ventanas. Y que sé que yo la puedo abrir y que no les voy a provocar ningún trauma, porque lo hago desde el afecto, lo hago desde el conocimiento, desde … que no los voy a manipular… pues eso, yo creo que ahí está, ahí está mi lugar en el mundo, ¿no? Eso sí que lo tengo claro y ya hace bastantes años.
Para ela, é possível que, a partir de sua prática, os alunos mudem suas visões: “Estoy
convencida. No con todos, ¿eh?, no con todos, eso ya sería, tendría que ser divina”. Ela tem
clareza de que não consegue garantir a aprendizagem de toda a classe, mas isso não retira a
segurança de que seu trabalho é importante. Na tabela a seguir, condensam-se as diferentes
137
posições desses professores quanto à influência sobre o futuro, a partir do trabalho como
professores de Historia/Ciencias Sociales.
Tabela 11: Influência sobre o futuro para Lola, Josep e Fidelio.
Lola Josep Fidelio
Projeção da vida profissional antes da entrada na escola
Não queria ser como os professores que teve, desejava ensinar história diferente
Imaginava atuar da mesma forma que seu professor no Batxillerat
Desejava, junto com outros colegas, trabalhar no estilo das Escolas Ativas
O professor tem poder sobre o futuro dos jovens? Como?
Sim
Pode modificar as práticas e visões de mundo de seus alunos
Pelo conhecimento, os alunos podem participar mais e ter boas posturas
É “idealismo” pensar que pode mudar o futuro
Não na escola pública
Pouco provável que o conhecimento tenha alguma repercussão na vida dos alunos
Você acredita que sua prática contribui para um mundo diferente?
Sim, mas não será com todos e nem apenas na escola, mas também nas ONGs e na Universidade
Sim, sua prática influencia, mas não sabe até que ponto
Não
Lola, a professora que mais confia no potencial transformador de seu trabalho é a que
menos participa de atividades políticas partidárias fora da escola. No entanto, seu trabalho
pedagógico é o mais reconhecido entre os pares e é no âmbito profissional e social
(principalmente assistencial/educacional) que sua participação é mais ativa. Josep e Fidelio
parecem não acreditar que associações profissionais possam ajudá-los em sua trajetória.
Fidelio frustrou-se, principalmente, porque as famílias não colaboram com a escola e os
professores são incapazes de oferecer resultados. Josep explicou que todo professor possui,
pessoalmente, a crença de que seu trabalho pode mudar as pessoas. No entanto, ele está inseguro
porque é muito difícil acompanhar o desenvolvimento posterior de seus alunos – elemento que
Vásquez (2004) valorizou ao explicar o “mal-estar docente”. Lola, ao contrário de ambos, não
duvida em nenhum instante de que ela é capaz de interferir e mudar.
Dessa forma, aproxima-se daquilo que Lola, Josep e Fidelio consideraram, na entrevista,
responsabilidade do professor de História: aquele que ensina um conhecimento com alto
potencial transformador, mas reconhece que há limitadores. Para isso, pode ser interessante
138
visualizar as respostas diretas à questão “Qual o papel do professor de História hoje?”, que
sintetizei na Tabela 12:
Tabela 12: Papel do professor de História segundo Lola, Josep e Fidelio
Papel do professor de História
Lola
“Yo creo que es un compromiso, como es ser profesor de historia y ciencias sociales, es un
compromiso. Que adquieres con tu mundo, con tu sociedad, con tu entorno, con … con tu
presente, pues eso, con tu presente y con tu futuro y con el futuro de los demás, no sólo con tu
futuro. Es un compromiso, por decirlo llanamente. Pero no creo que sea un compromiso ni
mayor ni menor que el que adquiere cualquier otro docente…”
Josep “Bueno, es difícil, pero quizás es el leitmotiv de todo lo que te he dicho en la entrevista y es
ofrecer un conocimiento al alumno que les sirva para transformar sus vidas y la sociedad.”
Fidelio "Como mero transmisor de conocimientos y poca cosa más."
Na interpretação de Lola, ser professor é assumir um compromisso com o futuro de todos,
carregado de profissionalismo e de afeto, como na citação presente na tabela. A concepção de
professor como intelectual transformador – influência de Henry Giroux e Paulo Freire (ambos
inspirados em Gramsci) – conjuga-se com a afetividade dirigida aos alunos, conforme Max van
Manen. Lola entende isso como vocação, sem ingenuidade, mas com afeto e mobilização:
Si quiero ser una buena profesional de las ciencias sociales, yo creo que hay algo de vocacional en eso. Mi modo de estar en el mundo es siendo profesora de historia. Es mi manera de actuar en el mundo. (…) Es este espíritu, como de contradicción, yo me voy a rebelar, yo creo que es algo también que ha sido como muy natural.
Fidelio não comunga deste sentimento. Ele entende que é pouco provável que as aulas de
História sirvam para alguma coisa. Quando muito, alguns jovens guardarão lembranças positivas
ou carinhosas das aulas de Historia/Ciencias Sociales: “¿Poder? Ninguno. {risas} (…) Quizás un
buen recuerdo. (…) Quien tiene poder son los medios de [comunicación de] masa, pero nosotros.
Creo que no, ¿eh?”. Talvez por isso, diz que, se pudesse começar de novo, não seria professor,
pois não compensa o esforço: “Si yo tuviese que escoger no me dedicaría a la enseñanza. No sé si
es un consejo o una conclusión. Es un trabajo desagradecido. Problemático.”. A renúncia é
acompanhada pela frustração e a procura por responsáveis não exclui a si próprio:
si tenemos unos porcentajes de Insuficientes de un 30% a un 35%, es difícil estar satisfecho con tu trabajo. ¿Culpa tuya? Una parte. ¿Culpa de las familias? Otra
139
parte. ¿Culpa del ambiente? Otra parte. Yo creo que todos podemos aquí hablar, hablar, no buscando culpables sino buscar una manera de que eso se solucione. Porque vamos mal. Es frustrante para ellos, mucho ¿eh? Es frustrante para nosotros, para las familias cuando ves estos resultados.
Houve várias tentativas de “consertar” esse problema. Para Fidelio, a mais crítica delas foi
a crença de que a tecnologia resolveria todos os problemas da escola. Para ele, falham aspectos
humanos e afetivos e não poupa críticas à falta de didática de seus colegas na Secundaria. Apesar
de dizer que não pode fazer nada a respeito, notei em suas aulas sinais de resistência: o toque nos
ombros e nos cabelos dos alunos, o diálogo amistoso, as piadas e os risos, as explicações simples
e claras, as ajudas individuais.
Para Josep, o conhecimento histórico deve ser vivo, fazer sentido na vida dos alunos:
“Que esté vivo significa que lo que ellos van a aprender les sirva en su vida personal y en su
entorno, en su propia historia”. As raízes para este tipo de posição sobre seu papel político e
profissional, segundo o próprio Josep, podem advir de suas leituras em História Social e
Marxismo que cultiva desde os quinze anos. Trata-se de uma forma de compreender o papel da
ciência da História para a transformação da sociedade. Não é à toa que Eric Hobsbawn é um dos
autores mais influentes para Josep. Este historiador, defensor das posições de esquerda e do
marxismo, recentemente publicou um livro intitulado “Como mudar o mundo”155. É o
conhecimento histórico ensinado na escola que cumpre o papel de transformação. Aliás, quem
deve realizá-la são os alunos. Ao professor cabe a transmissão – em formatos atraentes e
participativos – que é o momento em que sua posição política se manifesta sem doutrinar. Ele
interpreta a responsabilidade do professor de História como ensino de conteúdos de forma
democrática, participativa, em que os alunos estejam “implicados”.
Aqui alcanço o último ponto abordado nas entrevistas: as utopias e/ou sonhos declarados
por Lola, Josep e Fidelio. Lola recorda que seu pai reservou, para ela, um lugar na casa em que
pudesse ter sua mesa de estudos e uma pequena biblioteca. Na parede desse quartinho, ela
confeccionou um pôster, com recortes de jornais, mostrando a sociedade dividida entre ricos e
pobres. Afirmou que o desaparecimento das injustiças sociais teria sido, talvez, sua primeira
155 HOBSBAWM, Eric. Como mudar o mundo. Tradução Donaldson Garschagen. São Paulo: Cia das Letras, 2011. O livro reúne ensaios em que o autor reconta a história do marxismo em diferentes aspectos, inclusive tratando da influência dos socialistas utópicos sobre o pensamento de Marx.
140
utopia – a que carrega até hoje, nessa etapa de tranquilidade para aperfeiçoar e divulgar seu
trabalho:
Si al final de curso te das cuenta que la cosa ha ido bien y que los muchachos han aprendido y que además el clima que se ha producido alrededor de aquello que tú habías seleccionado es un clima propicio no solo para el aprendizaje de la historia, sino también para el interés en los temas históricos, en los temas de vida política, etc., etc. pues, estás satisfecho y eso te da más razones para seguir.
E continua, não somente na escola, mas em todos os âmbitos da sua vida: “Incluso te diría
cuando en la vida privada, o paralela (…) tú te comprometes con una asociación ciudadana o con
un grupo que está trabajando en algo, de hecho estás haciendo como una labor paralela a la de
profesor”. Quando Josep falou em idealismo, apresentou-se o momento perfeito para perguntar
qual seu sonho ou sua maior esperança, em qualquer âmbito da vida. Diferente dos outros
professores, ele optou por uma resposta abrangente, fora da área educacional:
(...) para mí, personalmente, yo creo que yo busco, es muy importante para mí mucho más tolerancia. La idea de transformar y de cambiar la sociedad creo que pasa un poco más por el ser mucho más tolerantes las personas, entre nosotros. Mucho más tolerante en una convivencia que ahora es mucho más multicultural. Creo que es importante la empatía, es decir dejar un poco el “yo” y pensar en el “otro”, en el sentido de que la relación que nos puede traer mejores consecuencias para todos es el pensar cómo vive cada uno y cómo podemos vivir conjuntamente, pero siendo mucho más empáticos, mucho más tolerantes en ese sentido de comprensión. (…) El conocimiento histórico aquí puede aportar algo, a que las personas pueden ser mucho más tolerantes, mucho más respetuosas, mucho más empáticas, no sé, convertir en un mundo mucho más justo, más igual.
Ele concordou que essas ideias se relacionam com sua experiência na aula d’acollida,
mas reforçou que é parte de sua crença como cidadão. Aprender a viver com os outros é
fundamental. Interessante o quanto esse trecho do testemunho de Josep se encontra com parte do
relatório Delors (1998), cujo caráter utópico foi enunciado anteriormente. Diz o documento:
Devemos cultivar, como utopia orientadora, o propósito de encaminhar o mundo para uma maior compreensão mútua, mais sentido de responsabilidade e mais solidariedade, na aceitação das nossas diferenças espirituais e culturais. A educação, permitindo o acesso de todos ao conhecimento, tem um papel bem concreto a desempenhar no cumprimento desta tarefa universal: ajudar a compreender o mundo e o outro, a fim de que cada um se compreenda melhor a si mesmo. (p.50)
141
Embora Josep não o reconheça como referencial, percebo conexão entre as citações. Nas
atividades propostas nas aulas, bem como na forma de se relacionar com os alunos, esse tipo de
utopia ficou clara. Os pequenos trechos de vídeos da Anistia Internacional e as atividades que
exigiam posicionamento perante os problemas refletem as asserções de Josep e do relatório
Delors. Aliás, documentos da Unesco são citados em seus materiais de ensino. Isso também se
notava na busca por promover a “coesão social” através da aula d’acollida, pois o professor
mostrava sua frustração com as dificuldades em encaixar os pequenos estrangeiros em padrões
relativos à língua e aos costumes da região em que passaram a viver.
Ler o relatório Delors (1998) significa identificar uma quantidade ainda maior de
obrigações do professor do que as enumeradas na revisão de artigos, livros e teses sobre
formação docente, embora diversos autores fundamentem seu conceito de educação neste
documento (CASAS, 2000 e 2002; ROMERO et al., 2009, VVAA, 2006), inclusive a tese de
Boixader (2004), já apresentada. A cada problema enumerado, novos e outros desafios e tarefas
outorgam-se à educação. Josep, abraçando estas obrigações como responsabilidade profissional,
encontrou-se com uma realidade escolar que limita sua concretização em grande medida.
Compreende-se, daí, a dificuldade em atribuir algum poder ao ensino de História.
Para Fidelio, a experiência acumulada comprovou que sua esperança não poderia ser
realizada. Ele explicou que sua utopia se relaciona com a influência da mídia sobre as mentes dos
jovens e dos adultos. Em sua opinião, as pessoas não devem seguir passivamente a programação
estipulada, precisam selecionar informações. Isso aconteceria com o trabalho organizado e
“activo” nas escolas e com a colaboração direta dos pais – estes, também, instruídos a partir das
“escolas de pais”. Ele explica:
Un poco administrarse, dosificarse, controlar su tiempo, ser más autónomos, no dependientes ni de la publicidad ni de los contenidos que te inmiscuyen la televisión desde los canales informativos, ya sea televisión, radio, prensa, móviles, eso sobretodo. Cambiar un poco la mentalidad que tenemos de burros, de borregos, como quieras llamarle. De ser puros consumidores y pasivos.
O professor reconheceu, principalmente ao final da entrevista, a desvalorização da
instrução e do conhecimento. Para Fidelio, é o ponto em que a escola deveria repensar-se, mas
ainda não existe solução. Ele é cético se, em algum momento, essa solução aparecerá. Talvez por
isso utilize a palavra renúncia, como no trecho:
142
Actualmente, ¿lo conservo esto? Sí que lo conservo, pero así como antes pasaba muchísimas, muchísimas horas preparando, haciendo fichas, preparando los documentos, audios, ahora no lo hago. Porque no puedo. La “pantalla amiga” es superior. La televisión es superior. Tiene más incidencia. En otros tiempos las familias tenían una implicación mucho más activa y posición en eso, aquí mismo. He renunciado a eso. Porque me veo incapaz. Incompetente. (...)
Has dicho que una parte de esas utopías, aquellas de principio…
Renuncié…
Mesmo assim, quando questionei sobre seu maior sonho/esperança/utopia, em qualquer
âmbito da vida, ele escolheu citar um desejo do campo educacional: "(...) El principal seguro que
es esto. Que la escuela, que la enseñanza sirviese de algo. No de ser puros loros". Esse ponto
merece ser destacado, principalmente na comparação entre as intenções dos três professores
participantes em Barcelona.
Utopias educacionais que exigem mais do que o professor pode realizar causam um
choque demasiadamente difícil de superar quando a realidade mostra suas barreiras. Em Lola,
entretanto, pode-se interpretar que são as utopias educacionais e políticas que ajudam a atribuir
sentido ao seu trabalho:
Que sirva para algo, que sirva para algo {risos}. Es decir, que ese camino que yo creo que emprendemos todos de algún modo de mejora personal, pero también, de mejora de tu entorno, etc., que eso se produzca. La verdad es que en esos momentos no hay muchos motivos para la esperanza, pero soy bastante incombustible.
Não se deixar deprimir pelas dificuldades – ser incombustível; não se conformar com o
estabelecido e procurar fazer as coisas da maneira que lhe parece melhor – ser insubmissa;
trabalhar diretamente com as necessidades dos alunos – abrir janelas. Lola narrou sua trajetória
profissional como intuitiva e “insubmissa” desde o começo. Sabia que não poderia dar aulas
como tradicionalmente fazia, mas não sabia como atuar diferente. Experimentar, arriscar-se,
procurar pelo novo e expor-se ao fracasso assemelham-se às trajetórias de seus cantores favoritos.
A princípio, pôde contar com a ajuda de colegas que costumavam experimentar, ao seu lado, o
potencial da pesquisa escolar, das saídas de campo, da construção de material didático, do uso
das mídias e seu conhecimento de historiografia.
Ela conserva o desejo de que, um dia, a justiça social esteja presente no mundo todo. Mas
essa projeção se concretiza em ações distintas, dentro e fora da escola: trabalho em ONGs de
143
caráter educacional e assistencial; desenvolvimento de projetos alternativos de ensino (sobre os
temas da educação para a paz, valores, ética, justiça, etc.); produção de material didático (livros
didáticos); participação em grupos de discussão; incentivo à criação de ONG entre ex-alunos.
Sua prática ganha mais significado na proximidade afetiva e intelectual com os alunos e o
desejo de trabalhar por um mundo melhor. Não é a militância política que exige que seja boa
professora, mas a docência é que permite acreditar nas utopias. Josep e Fidelio sentem que seu
trabalho pode ter algum impacto no futuro, mas não sabem como controlá-lo. Também têm
dúvidas se os alunos, no futuro, efetivamente terão uma vida melhor. Porém, a frustração com as
utopias não implicou desistência. Os três professores concordaram com o papel transformador do
professor de História no mesmo sentido pregado pelas teses: estímulo ao pensamento dos alunos,
preparo das aulas, uso de materiais inovadores e, principalmente, promoção do debate e do
questionamento. Isso vem ao encontro do referencial teórico-metodológico ligado ao marxismo
não-ortodoxo (notadamente, na influência das Pedagogias Críticas) presente nas teses e nos
testemunhos docentes.
A questão que permanece é: as condições dignas de trabalho – mostradas como
indispensáveis pelas teses da Província de Barcelona e do Estado de São Paulo – foram dispostas
para que os professores de História pudessem transformar o ensino da disciplina? Ou será que o
sentido de responsabilidade individual – advindo das utopias político-educacionais estimuladas
nos processos formativos – faz com que os docentes se sintam obrigados a ignorar as dificuldades
materiais e buscar resultados a qualquer custo?
2.2 São Paulo - Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana
Foi no contato com os professores do Estado de São Paulo – das cidades de Campinas,
Hortolândia e São José dos Campos – que a habilidade de “estranhamento” (GINZBURG, 2001)
se mostrou imprescindível. Afinal, sou professora de História como eles, falamos a mesma língua
e convivemos com desafios semelhantes em sala de aula. Com Cândido e Regina, compartilho
interesses peculiares à nossa geração e os anseios de professores iniciantes. Com Mercedes,
Agnês e Ana, divido questionamentos sobre as trajetórias possíveis para a formação docente. Por
isso, seguindo as recomendações de Carlo Ginzburg (2001), procurei atentar para todos os
detalhes que pudessem ser relevantes, mesmo que, a mim, parecessem acontecimentos banais em
144
uma escola. Nas entrevistas, tentei ampliar certas respostas que, ditas entre professores, não
exigem grandes explicações, mas que se fazem necessárias na pesquisa acadêmica, para a
construção das entrevistas e observações como fontes documentais (LE GOFF, 2003). Assim,
pretendia evitar, na medida do possível, interpretações ingênuas, para possibilitar a emergência
de sentidos a partir da descrição e análise dos dados (CABANAS, 1983).
Os contatos com Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana se iniciaram em maio de 2011.
Os professores de Campinas e Hortolândia foram indicados pelas colegas Eliana Nunes e Juliana
Baiocchi (também orientandas da professora Vera De Rossi) ou por contato direto com as
Secretarias Municipais de Educação, principalmente na pessoa de Beatriz Alice Fonseca Alves
(Coordenadora da Área de História da Prefeitura Municipal de São José dos Campos). Como no
caso da Província de Barcelona, procurei por professores em início, meio e fim de carreira, com
ou sem trajetória acadêmica, de ambos os sexos e reconhecidos pelos pares. Para encontrar
Regina e Cândido, fui até as escolas (sugeridas por colegas). Expliquei para a Direção e Equipe
Pedagógica as características da pesquisa e solicitei que indicassem professores de História que,
porventura, se interessassem pelo tema. É relevante destacar que nenhum diretor conduziu a
professores experientes, pois Cândido e Regina são os mais jovens (4 meses e 4 anos de carreira,
respectivamente) de todos os entrevistados. Eles também cursaram Licenciatura e Mestrado no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e trabalham com Ensino
Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Agnês também tem Mestrado (Educação, na Unicamp) e trabalha com EJA na escola
pública e com Ensino Fundamental regular em uma escola particular. Após contatos telefônicos,
Agnês marcou um encontro na escola pública em que trabalha à noite. Sua trajetória é rica e
diversificada (dezesseis anos), iniciada após o crescimento dos filhos, o que também aconteceu
com Mercedes. Ela e Ana foram indicadas pela Secretaria de Educação da cidade onde moram e
trabalham. Mercedes foi entrevistada em casa e compareci várias vezes na sua escola para
observar aulas, revisar o Projeto Político-Pedagógico e conhecer outras atividades (como a Festa
Junina). Ana optou por fazer a entrevista na escola, que apresentou detalhadamente. Preferiu
revisar os protocolos de pesquisa em formato impresso. Ambas possuem Especialização (em
Psicopedagogia e Gestão Educacional, respectivamente). Mercedes possui uma carreira de média
duração (treze anos) e Ana, longa (vinte e cinco anos na prefeitura e já aposentada do estado).
145
Dadas as questões de identidade cultural, foi mais fácil identificar as influências citadas
pelos professores do Estado de São Paulo do que reconhecer as citadas pelos barcelonenses.
Exceção feita às indicações de Cândido: grande número de artistas pouco conhecidos na grande
mídia, mas significativos para entender sua formação. Por isso, foi necessário pesquisar
informações sobre diretores de cinema, escritores, músicos e artistas plásticos. Para o campo
acadêmico, os autores nomeados pelos cinco professores são bem conhecidos, como Gilles
Deleuze, Michel de Certeau, Karl Marx e Max Weber. Como entre Lola, Josep e Fidelio, foram
poucos os autores citados do campo da Educação.
Esta seção foi dividida nas mesmas quatro categorias que orientaram a anterior: trajetória
de vida; prática e ensino de História; formação inicial e continuada; e utopias, sonhos, frustrações
e esperanças.�Seguindo a abordagem comparativa como sugere Cabanas (1983), as duas primeiras
cumprem o papel de fornecer contexto e priorizam a descrição das semelhanças e diferenças. As
últimas procuram pelos sentidos que podem emergir das fontes documentais, a partir do foco da
formação de professores de História e das utopias político-educacionais.
2.2.1 Trajetória de vida156
Ao contrário de Agnês e Ana, bastante familiarizadas com suas escolas, Regina e Cândido
preferiram que as entrevistas acontecessem na Faculdade de Educação da Unicamp (FE) – um
ambiente conhecido para nós três. Regina marcou a entrevista para depois de uma reunião com
seu orientador, pois cursa o Doutorado em História no IFCH e Cândido conciliou com o horário
de uma prática esportiva. Os dois nasceram e se criaram na zona urbana de cidades do interior de
São Paulo. Seus pais são profissionais liberais ou comerciantes e possuem Curso Superior ou
Ensino Médio técnico.
Quando Cândido nasceu, em 1985, sua avó, que era professora, aposentou-se para
acompanhar o crescimento – e a educação escolar – do neto. O pseudônimo foi escolhido em sua
homenagem157. Regina, nascida em 1982, não justificou a escolha do apelido. Ambos são
156
As entrevistas foram realizadas nas seguintes datas: Mercedes, em 30/5/2011; Agnês, em 06/6/2011; Regina, em 10/6/2011; Ana, em 27/6/2011 e Cândido, em 18/8/2011. As transcrições estão disponíveis no Anexo 8.
157 Cândido ofereceu outra sugestão: o nome Keuner, utilizado em alguns contos de Brecht (com o significado
provável de “homem comum” ou “desconhecido”). É o pseudônimo utilizado em um de seus blogs. Porém, por ser mais significativo para a escolha da profissão docente, optei por manter a ligação com a avó.
146
solteiros e não tem filhos. Acostumados com a vivência acadêmica, os jovens professores
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (cujas formalidades causaram riso ou
estranheza em todos os professores) e conversamos sobre o trânsito entre pesquisa e docência –
angústias que compartilhávamos. Quando ouvi a gravação das entrevistas, percebi que não havia
um começo formal: era a continuação de uma conversa. Foram poucas as palavras sobre a família
e a escolarização inicial. Segundo eles, cumpriram uma trajetória comum às crianças de nossa
geração, com um destaque: gostavam de estudar e tinham boas notas em todas as matérias. A
escola era um bom lugar para se ficar, principalmente quando havia o carinho da avó a conduzir
as tarefas ou a companhia de amigos e professores atenciosos.
Os cenários foram diferentes quando ouvi Mercedes (1963), Agnês (1966) e Ana (1957).
As três nasceram na zona rural de pequenas cidades e seus pais eram lavradores ou pequenos
comerciantes. Mais tarde, mudaram-se para a cidade por razões diversas. O pai de Agnês se
alfabetizou aos dez anos de idade, estudando – sozinho – em uma cartilha que comprara com a
venda de galinhas. Ele não impediu os estudos das filhas, tampouco incentivou. Entretanto, a
leitura era um hábito frequente na casa, devido ao costume de assinar revistas adventistas, lidas
por crianças e adultos158. Agnês trabalhou como babá para continuar os estudos e, mais tarde,
como secretária. Ana enfrentou as opiniões negativas do pai sobre mulheres que estudavam.
Frequentou as séries iniciais e permaneceu por dois anos sem estudar para, depois, cumprir os
anos finais do Primeiro Grau. O Técnico em Secretariado foi pago por uma cunhada, para quem
Ana trabalhava arrumando a casa. Para Mercedes, foi diferente: a família apoiava os estudos e a
leitura. Desde pequenos, os irmãos sabiam que ser professor “é a profissão mais bonita que
existe”.
Por conta desta citação, é significativo notar que o pseudônimo de Mercedes corresponde
ao nome da escola em que ela trabalha. Agnês escolheu esse nome por ter origem grega e Ana
adotou o nome da avó de Jesus, pois o nascimento da primeira neta foi um dos acontecimentos
mais importantes de sua vida. Falar da família é importante para elas. Agnês se casou e teve seu
primeiro filho um pouco antes de concluir o Segundo Grau técnico em Contabilidade. Mercedes
158
Agnês esclareceu que se trata da chamada “Escola Sabatina”. Atualmente, é possível encontrar as lições em um sítio virtual: ESCOLA SABATINA. Disponível em: <http://redeadventista.com.br/escolasabatina/>. Acesso em: 30 mar. 2012.
147
falou de doces lembranças da escolarização inicial. Quando ela começou o segundo grau, a
família havia se mudado para a zona urbana e ela foi para um colégio maior. Lá, sentiu frieza no
ambiente maior e urbano – fato de que Cândido também se ressentiu quando passou da escola
pública para a particular. Logo que terminou o Segundo Grau, Mercedes se casou e optou por
cuidar da família. Quando os filhos alcançaram a idade escolar, voltou a estudar. Ana sofria com
a resistência de seu pai contra o casamento e decidiu não apressar a união: “O meu marido é
negro! Isso também foi uma luta para eu superar”. Então, casou-se depois de concluir o Ensino
Superior.
Aqui é possível perceber uma diferença geracional significativa. Ana, Mercedes e Agnês
nasceram nos anos 50/60, na zona rural de pequenas cidades interioranas – o que aproxima seu
perfil de Lola e Fidelio. Seus pais tinham pouca escolarização, mas valorizavam a leitura ou a
profissão docente (à exceção de Ana). As três estudaram em instituições pequenas, em turmas
multisseriadas. Agnês e Mercedes começaram a ir para a escola aos quatro ou cinco anos, pois
todos os irmãos mais velhos já estudavam e elas não podiam ficar sozinhas em casa. Por causa da
delicadeza das alfabetizadoras, aprenderam a ler e escrever antes dos seis anos e adoravam
brincar de escolinha com os irmãos. Não havia televisão e, no caso de Ana, certas leituras (como
as fotonovelas) eram proibidas em casa porque “tudo era pecado”.
Elas também transitaram da zona rural para a urbana, onde o contato com colegas ou
familiares que avançaram nos estudos – e melhoraram de vida – fez com que almejassem níveis
educacionais mais altos. Buscaram pelos cursos técnicos, mesmo que tivessem de trabalhar de dia
e estudar à noite. É relevante, ainda, o fato de Agnês e Mercedes optarem primeiro pela família –
processo que pouco aparece nos planos futuros de Regina e Cândido. O respeito à família
também determinou o empenho de Ana em casar-se apenas depois de concluídos os estudos.
As cidades de São José dos Campos, Hortolândia e Campinas – mesmo em regiões
diferentes do Estado de São Paulo – passaram por um processo semelhante de crescimento
industrial a partir dos anos 1950. Assim, muitas famílias migraram do Sul ou do Nordeste do país
para Campinas e região e do Sul de Minas (majoritariamente) para São José dos Campos. A
Unicamp foi criada oficialmente em 1962. A Universidade do Vale do Paraíba (Univap), mantida
pela Fundação Valeparaibana de Ensino, foi fundada em 1963. A Faculdade de Ciências e Letras
148
Plínio Augusto do Amaral foi fundada na mesma época, em 1971. Atualmente, chama-se Centro
Universitário Amparense.
Os dois professores mais jovens fizeram pré-escola, nunca abandonaram a escola, nem
reprovaram. Subentende-se que as famílias valorizavam os estudos, porque Regina e Cândido
foram conduzidos a escolas públicas ou particulares (com bolsa) de reconhecida qualidade.
Parece que seus pais confiavam em que a escolarização bem sucedida levaria a um futuro
confortável. O pai de Regina foi contra a escolha pela Licenciatura em História. Não queria que
ela perdesse as oportunidades abertas pelo promissor curso técnico de Processamento de Dados.
Ele só concordou quando Regina disse (depois de passar por um teste vocacional) que havia
possibilidade de lecionar no Ensino Superior.
O período de intensa industrialização, vivido em algumas cidades do interior de São Paulo
e Vale do Paraíba (a partir dos anos 1950, com o governo de Juscelino Kubitschek e,
principalmente, ao longo da Ditadura de 1964-1985), ajudam a explicar essas diferenças
geracionais. O crescimento das cidades, o êxodo rural e a migração de trabalhadores das regiões
periféricas do país demandavam um grande número de professores. Porém, o Estado oferecia o
Magistério apenas no período diurno e os cursos Superiores em Universidades Públicas eram (e
permanecem ainda) em número insuficiente para atender à demanda. Abriu-se espaço para as
Faculdades Privadas oferecerem Licenciaturas no período noturno. Foi nessas instituições que
Mercedes, Agnês e Ana encontraram as oportunidades que desejavam.
Mesmo assim, da trajetória de vida dos cinco participantes, é possível inferir uma
permanência: a valorização dos estudos, aprendida com a família ou apesar dela. Mercedes falou:
“a gente tinha consciência de que se você não tivesse um poder aquisitivo mais alto, você
estudando não ficaria rico, mas encontraria uma identidade” e Cândido fez eco: “Conversando
com gerações mais velhas que eu, pessoas da minha época, a gente tinha uma noção clara de que
a educação é importante e vai definir mesmo o futuro”. Entre as dificuldades e a naturalidade,
ficou a importância de adquirir conhecimento e frequentar a Universidade. Acredito que as
diferenças e a permanência são significativas para acompanhar as discussões subsequentes,
principalmente quando tratar das motivações para ser professor e das dificuldades enfrentadas na
docência.
149
2.2.2. Prática docente e ensino de História159
Todos atuam em escolas públicas, mas Agnês é também professora de escola particular
Adventista. A carga horária de trabalho, entre eles, é variável – de 12h (Regina) a mais de 40h
(Agnês) semanais. A remuneração depende da carga horária cumprida, do tempo de carreira de
cada docente e da política salarial dos municípios160. Nenhum deles possui outra profissão
concomitante. Mercedes, Agnês e Ana acumulam também as funções de mãe, avó ou dona de
casa. À exceção de Ana, todas já publicaram algum tipo de trabalho acadêmico em Congressos de
Iniciação Científica ou em revistas especializadas nas áreas de História, Educação e Formação de
Professores. Agnês ajudou a organizar uma importante publicação, quando membro de uma
equipe responsável pela formação continuada em seu município. Regina foi agraciada, em 2010,
159
As observações aconteceram nas seguintes datas: Mercedes, 08/6/2011 e 29/6/2011; Regina, 10/6/2011; Cândido, 29/6/2011; Agnês, 06/6/2011 e 20/6/2011; Ana 27/6/2011 e 10/8/2011.
160 Cabe acrescentar alguns dados sobre o salário dos professores nas regiões estudadas, apenas como referência
básica. O edital n.007/2011, da Prefeitura Municipal de Campinas, estipulou R$1.876,34 como remuneração básica para Professor de Anos Finais de Ensino Fundamental, com carga horária de 20h (que equivale a R$ 20,84 por hora). Segundo o sítio virtual da prefeitura de Hortolândia, o salário inicial do professor do mesmo nível, para uma jornada de 30h semanais, é R$ 1.834,00 (R$ 13,89 por hora). Em São José dos Campos, o Edital de Processo Seletivo n.003/SME/2011 informa que o valor para contratação (sem concurso público) foi estipulado em R$ 9,09. O sítio virtual do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Sinpro/SP) informa que o piso salarial (em valores de 2011) correspondia a R$ 9,28 – para professores da Rede Particular nos Anos Finais do Ensino Fundamental. O piso salarial federal, para professores sem Ensino Superior é, em valores de março de 2012, R$ 5,63 a hora-aula. Considerando que, em geral, o professor com Ensino Superior recebe 50% a mais, os professores deveriam receber, no mínimo, R$ 11,27 por hora-aula. CAMPINAS (Município). Edital n.007/2011. Concurso Público – professores. Disponível em:<http://www.cetroconcursos.org.br/arquivos/anexos/0a9b9f8ef47c27c822604f565051c1a3.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2012. SOARES, Elisabeth. Prefeitura cria prêmio para valorizar o professor. Portal da Prefeitura Municipal de Hortolândia. Hortolândia, 23 dez. 2010. Disponível em: <http://www.hortolandia.sp.gov.br/wps/portal/!ut/p/c0/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os_hAEz9vb1N_YwOLwDBXA0_XkEDvEBdvA69AY_2CbEdFANJZDcY!/?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/wps/wcm/connect/Hortolandia2011/hortolandia2011/noticias/arquivo/prefeitura+cria+premio+para+valorizar+professor> Acesso em: 16 jun. 2011. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (Município). Edital de Processo Seletivo n.003/SME/2011. Disponível em: <http://www.sjc.sp.gov.br/media/133431/edital_003_eventual_subst.pdf>. Acesso em: 05 abr.2012. SINDICATO DOS PROFESSORES DE SÃO PAULO – Sinpro. Convenção coletiva de trabalho da Educação Básica 2010-2011. Disponível em: <http://www.sinpro.org.br/convencoes_acordos.asp?id=64>. Acesso em: 05 abr. 2012.
150
com o Prêmio Afonso Carlos Marques dos Santos161. Ana foi homenageada pelo grupo Afro
Norte162, porque seu trabalho tem como foco as desigualdades étnico-raciais.
Foi interessante conversar com estes professores sobre suas trajetórias e verificar as
mudanças e permanências ao longo da vida profissional. Afinal, a observação das aulas tinha por
objetivo enriquecer as informações sobre os processos formativos vividos por eles. No Diário de
Campo, registrei mais detalhes do que caberia explicitar neste texto. Mas é justamente este
processo de inclusão e exclusão de dados que compõe a construção de uma fonte documental,
pois se realiza conforme as perguntas e os objetivos da pesquisa, como ensina Le Goff (2003).
A narrativa que segue, portanto, baseia-se tanto nas respostas dos professores às
entrevistas quanto nas observações de aula. A seleção das informações obedece primordialmente
à categoria “formação de professores de História”. Ela se submete, também, aos objetivos
comparativos desta pesquisa, pois procuro ressaltar situações que podem contrastar ou se
aproximar daquelas expostas na seção anterior (Província de Barcelona). Espero que, das
descrições que seguem, comecem a emergir alguns sentidos, que orientarão as Considerações
Finais desta tese (XAVIER e MOGARRO, 2011).
Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana possuem carreiras bem diferentes, mas o início
foi complicado para todos, como verificaram também Bravo (2002) e Fonseca (1996), a partir
dos relatos que coletaram em suas teses. Cândido e Regina receavam ser desrespeitados por conta
da juventude e da inexperiência. Mercedes foi contestada, por um de seus primeiros alunos,
exatamente nesses termos. Agnês adorou começar a carreira em escolas públicas (mesmo as mais
difíceis), mas não sentiu a mesma empatia com a escola particular, de onde saiu logo no primeiro
ano. E quando especificamos desafios mais candentes, todos concordam com Ana (e Lola, Josep
e Fidelio) de que a Didática era o ponto fraco: formular planos de aula, construir conceitos,
161
O prêmio reconhece a excelência de trabalhos acadêmicos que tratam da cidade do Rio de Janeiro e utilizam o acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Prêmio Afonso Carlos Marques dos Santos. Disponível em: <http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/atividades-editais-concurso.html>. Acesso em: 03 abr. 2012.
162Segundo o sítio virtual da organização, “A Etno Vale/Afro Norte foi criada no dia 28 de outubro de 2004 em uma
reunião com 30 pessoas no espaço comunitário do bairro (...). Na época os participantes do grupo, estavam comprometidos em realizar atividades, nas datas referentes ao calendário afro brasileiro. (...) O grupo atua no combate ao racismo, executando cursos, seminários, work shop, desfiles afros, encontros, todos direcionados em combater o racismo, discriminação, xenofobia e o preconceito” AFRO NORTE. Quem somos. Disponível em: <http://afronorte.com.br/_quemsomos.html>. Acesso em: 29 ago. 2011.
151
manter a disciplina, sobrepujar os imprevistos, enfrentar a escassez de recursos, adaptar-se a
diferentes clientelas...
Pelo menos segundo Regina e Cândido, nem as disciplinas pedagógicas, nem as
historiográficas – recebidas na formação inicial – prepararam adequadamente para o início da
vida profissional. A primeira turma de Cândido era da modalidade EJA – e este tema não fora
trabalhado na Universidade. Ana demonstrou que apenas os professores ligados ao sindicato
aprendem a interpretar a legislação trabalhista e as sucessivas Reformas Educacionais. As teses
de Guimerà (1991), Pagès (1993), Vásquez (2004), Gusmão (2002), Cusinato (1987), Basso
(1994) e Rocha (2001), analisadas no primeiro Capítulo, já sinalizavam para o fato de que as
Reformas Educacionais que negligenciam a participação e formação continuada dos professores
estão fadadas ao fracasso – ou, então, a um número tão grande de adaptações que acabam
perdendo o objetivo principal.
Cada um dos participantes do Estado de São Paulo trabalha em uma escola diferente,
pertencentes a Secretarias Municipais de Educação de Campinas, Hortolândia e São José dos
Campos. Coincidindo com o período de expansão industrial do interior de São Paulo e Vale do
Paraíba, as escolas foram construídas em 1974 (Regina e Cândido), 1982 (Mercedes e Ana) e
2008 (Agnês)163. O acesso à escola de Cândido se dá por uma via bastante movimentada, mas,
conforme eu caminhava até lá, o ruidoso trânsito de carros, ônibus e caminhões transformava-se
em ruas com residências térreas e bonitos jardins. A escola ocupa toda uma quadra e aproximar-
se dela é agradável: arborizada, limpa e bem pintada. O Projeto Político Pedagógico considera
seu espaço físico privilegiado, mas a biblioteca ainda está improvisada. Talvez por conta disso,
Cândido conta que levou quase um mês para encontrar os mapas. Existe uma sala de multiuso
com dois datashows. A escola também possui televisores e aparelhos de DVD, mas o tamanho
das telas (e a burocracia para fazer a reserva e instalar o aparelho) não permite o aproveitamento
ideal dos filmes, segundo Cândido.
Quando entrei na área de salas de aula e corredores, tive a impressão de que a escola fora
projetada para abrigar um número de alunos bem menor do que o de então. Cada turma que
visitei (9º ano A, B e C) tinha entre 35 e 40 adolescentes. Ao todo, a escola possui duas turmas de
163
A data refere-se ao início das atividades de EJA no município, fundado em 1991.
152
6º ano, duas de 7º ano, três de 8º e três de 9º ano, além das turmas de anos iniciais do Ensino
Fundamental. As listas oficiais de alunos contêm, geralmente, 40 a 45 nomes, mas, segundo o
professor, todos os dias faltam muitos alunos. Encontra-se em trâmite, no Senado Federal, o
projeto de Lei n.504/2011, de autoria do Senador Humberto Costa, que altera a LDB 9394/96 e
determina o número máximo de alunos por turma na Educação Básica. Segundo o Projeto, turmas
como as de Cândido não poderiam ter mais que 35 jovens164.
As áreas internas são iluminadas e ventiladas, mas as paredes e carteiras estão bastante
riscadas e são poucos os professores das séries iniciais que colocam cartazes ou enfeites. Nas
trocas de sala, os alunos procuram por Cândido para tirar dúvidas ou apenas cumprimentá-lo.
Não há obrigatoriedade do uso de uniforme e o Projeto Político Pedagógico (PPP) afirma que os
alunos são participativos e gostam da escola.
Pude observar também que os alunos aparentam, em geral, pertencer a famílias de
baixo/médio poder aquisitivo e, pelo menos nos momentos em que lá estive, demonstraram pouco
interesse pelos estudos. Exceção feita a outros grupos de jovens, que sentam nas carteiras da
frente e procuram aproveitar ao máximo as ricas explicações de Cândido, embora sejam
constantemente interrompidos por seus colegas ou por funcionários da escola165. Em uma das
turmas, há um aluno portador de Síndrome de Down, bastante apegado ao professor e, de maneira
geral, bem tratado pelos colegas, como se fosse o “irmão mais novo” da classe. No dia em que fiz
as observações, era o aniversário da Diretora e todos os professores acolheram-me com
naturalidade na comemoração. Foi no intervalo, na pequena sala de professores. Os alunos eram
afetuosos com Cândido, mas ainda estavam se adaptando à sua forma de ensinar.
Em outro bairro da mesma cidade, um pouco mais distante do centro, visitei, durante a
tarde, a escola de Regina, que também possui um belo ambiente externo. As salas de aula
aparentam escassos sinais de vandalismo. A escola possui um bosque tombado pelo patrimônio
público municipal e está adaptada para alunos Portadores de Necessidades Especiais (mas não
164 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 504 de 23 de agosto de 2011. Altera o parágrafo único da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), para estabelecer o número máximo de alunos por turma na pré-escola e no ensino fundamental e médio. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101713>. Acesso em: 21 maio 2012.
165 Algumas aulas foram interrompidas cerca de cinco vezes. No entanto, não creio que seja uma rotina, pois
estavam a poucos dias da Festa Junina e muitos recados precisavam ser transmitidos aos alunos.
153
havia nenhum nas turmas de Regina). As salas de aula são amplas, altas, ventiladas e iluminadas,
com 25 a 30 alunos nas turmas observadas (9º ano A e B e 8º ano B). As janelas, em geral, têm
vista para o bosque. A sala de professores é tão pequena quanto a da escola de Cândido, mas o
ambiente é igualmente acolhedor. O PPP informa que a clientela é, em geral, de classe média e
média-alta, com baixo índice de distorção idade-série. Não há registro de pais analfabetos.
Percebi grupos de alunos participativos e atentos, sem problemas de disciplina e
respeitosos com a professora – embora nem todos cumprissem as atividades. Nota-se que
reconhecem a autoridade de Regina pelo alto grau de conhecimento que oferece e,
principalmente, pela capacidade de tornar claros os conteúdos. Nos casos em que algum jovem
atrapalhou o andamento da aula, Regina tomou uma atitude simples e eficiente: chamou-o para
conversar fora da sala. Em menos de um minuto, ambos retornavam com o problema contornado.
Nem Regina, nem Cândido possuem projetos em colaboração com colegas, tampouco
cumprem outras funções que não a de professor – provavelmente por ser começo da carreira. Mas
isso não é regra, porque Ana, prestes a aposentar-se, nunca deixou a sala de aula para ocupar
posições de Gestão ou Formação. Entretanto, ela conduz, sozinha, um Projeto sobre Patrimônio
Histórico da cidade, que envolve seus alunos de sétimo ano e de EJA. Ela conhece muito bem a
cidade e, na entrevista, relacionou a história do bairro com a presença do capitalismo industrial e
financeiro no país. Muitos dos atuais alunos de Ana são filhos de seus primeiros pupilos. A
escola, com jardim e gradil verde-escuro (cor que combina com os estofamentos das cadeiras e
com as persianas), foi fundada em 1982, mas possui áreas de construção recente.
Na sala dos professores, diferente das anteriores, há mesa para 12 pessoas, banheiro
masculino e feminino, geladeira, microondas e bebedouro. Há armários com chave para os
professores e espaço para os Diários de Classe. No mural de comunicados, estão as metas e ações
para o ano, conforme comunicados da Secretaria Municipal de Educação (SME). No pátio há um
grande quadro com gráficos dos resultados de cada turma nos exames externos. A escola possui
um ambiente especialmente mobiliado para os encontros de estudo e trabalho dos professores. As
salas de aulas são amplas, iluminadas, com ventilador, armários e murais. Todas foram decoradas
pelos docentes da tarde. Ana cuida para que os alunos não sentem próximos às paredes ou
cortinas, para evitar que os delicados materiais se estraguem. Quando nos dirigíamos para a sala
de estudos onde aconteceria a entrevista, um grupo de alunos nos mostrou um pequeno mural no
154
pátio (longe do alcance de visitantes externos) em que havia fotos dos alunos que tiveram melhor
desempenho acadêmico em cada série. Enquanto eu elogiava a iniciativa, ela chamou minha
atenção para a grossa capa de plástico que cobria as fotos. Sem ele, diz a professora, todas as
fotos já teriam sido rasgadas. Foi a vez de Ana ensinar-me o “estranhamento”!
Conforme o PPP, a maioria dos alunos provém da zona rural ou de assentamentos e
tardam, em alguns casos, mais de uma hora para chegar à escola. A média da renda familiar está
entre R$850,00 e R$1.275,00 e 66% dos pais possui apenas Ensino Fundamental (concluído ou
incompleto). Como visto também nas outras escolas, há alunos interessados, que participam e
cumprem as obrigações rapidamente. Gostam de pedir ajuda e receber explicações de Ana, quase
sempre, individualmente. Tratam os professores com deferência e tentam sobrepor seus interesses
aos dos menos engajados – nem sempre com sucesso. Ana estimula todos a participar usando
diferentes argumentos: comentários bem humorados, troca de lugares, avisos sobre as
consequências de seu comportamento e encaminhamento à Coordenação Pedagógica, que, em
geral, realiza conversas individuais e, no limite, solicita a presença dos pais.
Na mesma cidade, mas em um bairro bem diferente, visitei a escola de Mercedes, numa
região movimentada, próxima a um Shopping Center. Na mesma quadra da escola Municipal,
ficam ainda outras duas Escolas Estaduais. Em frente há uma grande praça, com jardins, pista de
skate e quadra de esportes. A escola possui dois conjuntos de salas de aula, dividas por um jardim
bem cuidado. A sala dos professores fica atrás da secretaria, em local discreto. Há uma mesa,
bebedouro, armários, geladeira e microondas. As paredes estão limpas e não há sinal de pichação.
A sala de aula utilizada pela professora (cada professor tem a sua) é ampla e bem iluminada. Há
poucos sinais de desgaste nas carteiras e os alunos participam da limpeza antes de deixarem a
escola. Há três grandes armários com cadeado.
Os alunos não ostentavam materiais escolares caros ou calçados de grife, tampouco
aparentavam pobreza. Segundo a coordenadora da área de História na SME, esta escola é uma
das mais conceituadas da cidade e obtém excelentes resultados nas avaliações externas e nos
concursos de admissão para escolas técnicas ou privadas no Ensino Médio. Observei que a
relação de Mercedes com seus alunos é de respeito e ternura. Ela procura criar um ambiente de
tolerância. Na sala de professores, conversou com todas as colegas e demonstrou bom humor. No
PPP destacava-se a preocupação com a transmissão de valores, a responsabilidade e o respeito –
155
problemas que não constatei (pelo menos, em nível preocupante) na sala de Mercedes. Porém, ao
observar os alunos no pátio, percebi que, de fato, suas intervenções fazem a diferença. Mercedes
já ocupou cargos de Direção e Coordenação Pedagógica por curtos períodos (pouco mais de um
ano). Em outra ocasião, afastou-se da sala de aula para tomar parte em projetos de formação
continuada, mas diz que não gostou da experiência, por não ter o perfil adequado para o
gerenciamento.
Assim, dos cinco participantes, apenas Mercedes e Agnês já tiveram outras experiências –
notadamente, com formação continuada. Para esta, entretanto, foi uma das vivências mais
importantes de sua vida, mesmo tendo passado por desentendimentos e algumas frustrações.
Agnês também se destaca por ser a única com Mestrado em Educação. Ela, Mercedes e Lola
compõem o grupo de professores que parece ter maior interesse – e conhecimento – pelas áreas
didáticas ou pedagógicas. Cândido, Ana e Regina também lecionam para EJA, mas foi só na
escola de Agnês que observei esta modalidade. A escola, que fica num bairro periférico, é o
maior indício da presença do poder público na região, ocupando um amplo espaço dividido
também com a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Quando cheguei lá, no início da noite, as crianças dos Anos Iniciais estavam deixando o
prédio. Mais tarde, começaram a chegar os professores da EJA e, por fim, os alunos. Há um pátio
central, várias salas de aula, uma pequena sala de professores (com armários e arquivos, geladeira
e microondas). Uma das salas de aula possui datashow com sistema de som – que foi utilizada
pela professora – e todas as outras possuem televisão.
Jovens excluídos do ensino regular, donas de casa que querem acompanhar a
escolarização de seus filhos, mulheres que desejam recolocação profissional e idosos sonhando
concluir o Ensino Fundamental: eis o heterogêneo perfil dos alunos de Agnês. O Projeto Político
Pedagógico da escola ainda não estava pronto. A Diretora ofereceu-se para transmitir todas as
informações que eu desejasse e, por intermédio de Agnês, consegui os dados. Não notei
problemas de indisciplina. Apenas estranhei quando alguns alunos deixaram a sala de aula sem
pedir-lhe autorização. Quando perguntei sobre o tema, ela explicou que se tratava de um grupo de
jovens com muitos problemas de comportamento no ensino regular e sua postura (flexível frente
a pequenas transgressões) era uma forma de respeitar sua reinserção no espaço escolar. Segundo
ela, se impuser os horários, eles obedecem, mas podem perder o interesse pelo conhecimento e,
156
novamente, abandonar a escola. Portanto, o que eu havia interpretado como indisciplina foi, na
verdade, sinal da compreensão de Agnês sobre as necessidades específicas de seus alunos.
Durante as aulas, ela toca em seus ombros, lança piscadelas e conversa sobre assuntos cotidianos.
Assim como as escolas observadas na Província de Barcelona, os PPPs do Estado de São
Paulo descrevem os objetivos fundamentais e o perfil do professor almejado, com um diferencial:
geralmente incluem propostas de formação continuada que atacam os “pontos fracos” de seu
corpo docente. Democráticos, autores da educação de qualidade, com algum tipo de impacto na
sociedade: eis o perfil geral do professor desejado por estas cinco escolas. O “cidadão crítico” e o
cuidado com os alunos com dificuldades a partir do trabalho coletivo aparecem nos objetivos das
escolas de Mercedes, Regina e Cândido. Justiça, ética e paz estão presentes em todos os PPPs. É
um perfil parecido com o proposto por Guimerà (1991) e sutilmente delineado também nas teses
de Paim (2005) e Ricci (2003). Como demonstrarei adiante, o papel do professor identificado por
Regina, Cândido, Ana, Agnês e Mercedes combina, em todos os sentidos, com a proposta das
suas escolas.
A única professora que optou por disponibilizar os planos de aula foi Agnês. Como Lola,
ela gosta de escrever e o faz como se estivesse conversando com seus alunos. Pequenas citações
ou trechos de poesias introduzem ou encerram vários materiais – construídos por ela ou com os
alunos. Cândido também tem este costume, pois todos os modelos de avaliação que ele mostrou
contavam com um pequeno poema – geralmente, de Bertold Brecht. Mercedes concedeu cópias
de muitos dos materiais que ela usa em sala, inclusive os resultados de um projeto de
interpretação de reportagens de jornal no período eleitoral de 2006. Ana, menos afeita às
formalidades, rascunhou em um papel as ideias que norteiam seu projeto sobre Patrimônio
Histórico de São José dos Campos. Regina, mais preocupada com que os alunos avancem na
compreensão do conteúdo, ofereceu alguns esquemas e textos complementares, trabalhados nas
aulas a que assisti. Cada um ao seu modo, os cinco profissionais procuram adaptar os currículos
oficiais aos seus próprios objetivos de ensino.
Cândido e Regina não sentem problemas em seguir o currículo oficial. Ao fazer esta
questão, falamos apenas sobre o currículo enquanto documento que orienta tomadas de decisão
dos professores nas escolas. Para utilizar os termos de Ivor Goodson no Capítulo “Estudando o
Currículo” (1995), o objeto da questão foi o currículo “pré-ativo”. Entretanto, a intenção era
157
visualizar a “interação” dos professores com o documento (p.78-79). Cândido, por exemplo,
combina o Livro Didático com o currículo formal, mas diz que não segue necessariamente a
ordem dos capítulos e complementa quando necessário (principalmente usando mídias). Ele
critica o nível de exigências impostas pelo Estado, sem proporcionar condições para tanto: não é
possível, com poucas aulas e escassa reflexão, atingir a desejada Educação Cidadã. Regina parece
bem informada sobre as mudanças curriculares (principalmente na forma de avaliação)
oportunizadas pela SME e utiliza os critérios estabelecidos oficialmente para propor suas metas.
No entanto, ambos afirmam que o discurso oficial (da Licenciatura em História e da Coordenação
Pedagógica) não é coerente com as dificuldades enfrentadas na escola. Cândido disse que não
considera o conteúdo da História, em seu sentido tradicional, tão importante quanto desenvolver a
compreensão de direitos e deveres e da organização política do país, enquanto Regina acredita no
potencial da História.
Agnês, Mercedes e Ana não adotam um único livro didático. Agnês parece ser a mais
flexível e, como Mercedes, procura contornar o engessamento de suas aulas. Elas adaptam e não
se preocupam muito se um ou outro tópico não foi trabalhado com detalhes. A exceção, no caso
de Mercedes, são as turmas de 9º ano, que precisam do conteúdo formal para os “vestibulinhos”.
Ana já sofreu oposição, por parte de suas superiores, por não seguir rigidamente o Currículo
estabelecido. Segundo ela, foi criticada por tentar romper com uma historiografia pouco
significativa. Hoje, ela procura seguir o currículo, mas enfatiza as questões políticas em cada
conteúdo.
Após conversar com os professores sobre sua compreensão do currículo, pedi que
descrevessem suas aulas. Comparando o testemunho com a observação, percebi que estão
conscientes da forma como trabalham, mesmo os menos experientes – diferente dos resultados
obtidos por Ronald Evans (1989)166. Cândido, porém, parece um pouco mais frustrado por não
conseguir fazer tudo o que gostaria. Para ele, a sala de aula ideal teria computador, datashow e
acesso à Internet – possível nas escolas públicas da província de Barcelona. Ele já tentou
166 O interessante trabalho de Ronald Evans (1989) estabelece cinco perfis de professores de Social Studies nos Estados Unidos da América: o narrador de histórias, o historiador científico, o reformador/relativista, o filósofo cósmico e o eclético. Para criá-los, ele entrevistou professores, assistiu às aulas e questionou alunos. Para Evans, seu principal resultado (e o mais decepcionante) foi verificar que a descrição da prática dos professores pouco combina com o que eles realmente fazem em sala de aula.
158
trabalhar com música, filmes e imagens. Porém, passar um livro de mão em mão não é o mesmo
que analisar uma imagem em todos os seus aspectos, numa tela grande, comparando-a com
outras. A ausência de recursos é lembrada, justamente, como uma experiência negativa que tem
marcado o início de carreira. À semelhança de Josep, porém, os momentos positivos são as aulas
em que os alunos se envolvem e tornam a profissão significativa.
O mesmo acontece com Regina. Para ela, a experiência mais positiva da carreira, até
agora, foi haver criado uma sequência didática que lhe permite construir conhecimento. Ela
percebeu que poderia dar boas aulas com os recursos que tinha em mãos, desde que superasse o
maior desafio: manter a disciplina na sala. Assim, organizou gincanas, trabalhou com esquemas
e, principalmente com produção coletiva de textos:
Eu chego na sala e falo: “a gente vai discutir esse assunto. Primeiro eu quero que vocês leiam o capítulo do livro que fala sobre isso de tal página a tal página” (…) Nessa escola (...) é um diferencial, eles fazem. (...) Aí eles começam a me contar o que eles entenderam. Já usei várias estratégias, mas inicialmente era assim: eles me contavam mais ou menos o assunto, só que como é ainda nesse momento inicial eles contam de uma maneira meio desorganizada. Eu começava a estipular palavras-chave relacionadas ao assunto, eu dava suporte do que era necessário, eles explicavam, mas eu ia complementando. E eu falava assim: “agora, vocês estão vendo essas palavras-chave que estão aqui? A gente vai elaborar um texto sobre isso”. E aí, eu ia pedindo pra eles complementarem e a gente ia escrevendo um texto junto sobre o assunto.
Mesmo com o sucesso da sua metodologia, Regina recentemente teve problemas com uma
turma de EJA para a qual lecionava... Ciências! Por conta de falta de professores, ela teve de
oferecer o Módulo desta disciplina imediatamente após ter trabalhado com História, para a
mesma turma. Para evitar desgastes ainda maiores, optou por deixar a turma – que relatou como
uma de suas experiências negativas. Interessante o fato de Regina e Cândido (e também Josep)
sentirem dificuldades com as turmas de EJA e comentarem que a formação inicial não os
preparou para as especificidades desses grupos167.
No entanto, Agnês e Ana afirmaram que esta modalidade é a sua favorita, com a qual se
167 Segundo Leôncio Soares, no artigo “As especificidades na formação do educador de jovens e adultos” (2011) a literatura acadêmica demonstra fragilidade na formação inicial específica para a área (p.305).
159
identificam e sentem maior retorno de seus esforços. Agnês utiliza portfólios168 e produz
Histórias de Vida ao longo das aulas. Depois de prontas, organiza e publica um pequeno livro,
com direito à festa de lançamento e noite de autógrafos – seu grande exemplo de experiência
positiva.
Ana sentiu dificuldades em explicar como eram suas aulas, pois afirmou que apenas há
pouco tempo aprendeu a fazer planejamentos formais (por exigência da SME). No entanto, as
aulas que observei seguiram uma programação lógica. Ela incentivou a leitura e tentou explorar
os recursos selecionados (jornal e livro didático). Disse que promovia debates, reinterpretava
desenhos/imagens e não deixava de lado as explicações orais. Ela reconheceu que tinha
dificuldade em se fazer compreender – para ela, seu principal ponto negativo. A realização do
Projeto sobre Patrimônio Histórico da cidade foi sua experiência positiva, da qual ela falou com
um brilho no olhar:
Mas uma das coisas boas que eu trabalho é os Pontos Turísticos da nossa cidade, que muitas vezes eu fiz. É muito feliz, muito saudável. A questão de não poder sair muito da escola, que tudo depende de dinheiro e eles não podem pagar. (…) Eu pretendo fazer com esse projeto para eu sair um pouco da sala de aula, ser menos arrogante, porque eu acho que eu sou muito arrogante na sala de aula. Eu tenho esse atrito com os alunos por causa disso. Eu sou exigente e eu aprendi isso.
Quem também trabalha com História da cidade é Mercedes. Ela descreve suas aulas como
um misto de inovador e tradicional, que foi exatamente o que pude observar: variedade de
atividades, mas com rotina e bom aproveitamento do tempo. Ela também disse que procura, como
Cândido, utilizar as mídias nas escolas. Mercedes faz a interlocução com outras disciplinas
(principalmente Artes) e participa de projetos da escola (Sala de Leitura). Ela não deixa de
168 Para Mara Sordi e Maria Vieira (2012, p.15), baseadas em diversos autores, Portfólios são um “(...) procedimento de avaliação participativo entre professores e alunos (...) [e] instrumento para melhorar a atividade docente e discente através da autorreflexão”. Para Benigna Villas Boas (2005), o uso de portfólio permite a parceria e a diluição dos papéis de “examinador” e “examinado”, ao mesmo tempo em que amplia o rigor da avaliação. Agnês ajuda os alunos a construir uma pasta com todas as produções realizadas durante o período letivo. As avaliações escritas são baseadas totalmente neste portfólio e fazem refletir sobre o aprendizado a partir da organização da pasta. VIEIRA, Maria & DE SORDI, Mara. Possibilidades e limites do uso do portfólio no trabalho pedagógico no Ensino Superior. In: Revista E-Curriculum. São Paulo, v.8, n.1, abr. 2012. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/9044>. Acesso em: 24 abr. 2012. VILLAS BOAS, Benigna. O portfólio no curso de Pedagogia: ampliando o diálogo entre professor e aluno. In: Educação e Sociedade. Campinas, v.26, n.90, p.291-306, jan./abr. 2005.
160
mencionar as mesmas dificuldades notadas pelos demais (má qualidade dos equipamentos,
carência financeira dos alunos, falta de apoio dos colegas), mas diz que conta com o apoio dos
alunos e é bastante resistente (incombustible, como Lola?).
Como Agnês, ela também procurou transformar dificuldades em sucesso. Segundo ela,
tem facilidade em conquistar os alunos "difíceis", chamando-os a assumir responsabilidades na
sala de aula:
(...) eu tenho certo gosto, certo prazer de trabalhar com aluno difícil: aluno de comportamento exuberante, que atrapalha a sala. Eu procuro sempre não ir pro confronto e tentar trazer aquele aluno pro meu lado, dando funções de liderança pra ele dentro da sala de aula e eu sempre obtive resultados bastante gratificantes.
Esta foi parte da resposta que obtive quando solicitei que falasse de experiências
negativas. Algo bem semelhante aconteceu no testemunho de Agnês: “Eu acho que a negativa se
torna positiva. As experiências conflitantes e difíceis, geralmente você lidando com elas, se
tornam melhores depois. É isso que te faz crescer e produzir”. Foi o que Agnês aprendeu quando
enfrentou conflitos sérios com alguns alunos. Com polidez e flexibilidade, ela se aproximou de
alunos com problemas de violência e os ajudou a continuar os estudos. Outra experiência
marcante veio de uma jovem que estava grávida e teria tentado o suicídio. Agnês foi até a casa
dela e conversou com os pais, que prometeram ajudá-la. Ao agradecer a Agnês, a moça lhe disse
que desejava ser professora no futuro.
Suas vivências pessoais certamente favorecem a empatia com os alunos de EJA e aqueles
que, apesar das dificuldades, lutam para continuar estudando. Quando começa sua aula, Agnês
cumprimenta os alunos, conversa sobre o cotidiano, faz perguntas pessoais a um ou outro e
encaminha as atividades. Não há necessidade de solicitar silêncio e organizar carteiras. Mercedes
e Regina conseguem iniciar as atividades sem perder muito tempo e fazem a chamada apenas
quando os alunos já estão ocupados com seus afazeres. Ambas aproveitam esta rotina para
resolver pendências e perguntar sobre alunos faltosos ou doentes. Mercedes ainda registra, no
quadro-de-giz, a “agenda do dia” (sumário de atividades que serão realizadas), sempre deixando
um “Bom dia!” e a data. Elas só começam a explicar quando os jovens estão preparados para
receber as instruções – isto é, sentados, com o material à mão, em silêncio e olhando para elas.
Regina, a princípio, criticava os colegas que primavam por esta atitude, pois lhe parecia
161
autoritária. Hoje, ela a defende como comportamento básico para participar da aula e conquistar
aprendizagem.
Nas escolas de Ana e de Cândido, as dificuldades para organizar a sala são bem maiores.
Antes de começar, eles precisam resolver conflitos surgidos após a saída do último professor,
receber trabalhos, responder a dúvidas, autorizar saídas diversas (ir ao banheiro, tomar água, falar
com a diretora, ligar para a mãe, entregar tarefa atrasada a outro professor etc.). Mesmo sem
conseguir total silêncio e concentração, iniciam as aulas. Em geral, os alunos de 9º ano de
Cândido ficam em silêncio enquanto ele explica, mas certas interrupções atrapalham a sequência
do raciocínio. Nas aulas observadas, sobre a Guerra Fria, Cândido escreveu alguns tópicos no
quadro-de-giz e os jovens copiaram. As perguntas dos alunos são respondidas com precisão, ou
então com incentivo à pesquisa e outras sugestões.
As estratégias de Ana em seus sétimos anos são diferentes: ela circula constantemente
entre as carteiras e se aproxima dos alunos que tardam a se organizar, falando diretamente com
cada um deles. Quando encaminha as atividades, os jovens acompanham as tarefas. Observei
ações de leitura e interpretação oral de texto de jornal, interpretação escrita de um trecho de livro
didático e elaboração de resumo de uma reportagem. Tanto ela quanto Cândido procuram ajudar
os adolescentes portadores de Necessidade Educacional Especial (NEE)169.
Em uma das turmas de Mercedes também há uma criança com NEE e ela procura incluí-la
sem deixar de atender aos outros, como explicou em conversas informais. Nas aulas com o 9º
ano, sobre a União Europeia, a turma foi dividida em grupos (por afinidades) que construíram
uma tabela comparativa, cujo modelo foi passado no quadro. Os sextos anos estavam terminando
uma atividade em grupo sobre a História da Cidade. Escreveram um resumo e escolheram um
representante, que fez a apresentação oral dos resultados de cada equipe. Mercedes cuidou para
que todos respeitassem as apresentações. Em seguida, aconteceu a Hora da Leitura. A professora
os ajudou a evitar as distrações, sem desistir até obter o engajamento da turma.
Regina realizou quase a mesma metodologia exposta na entrevista para ensinar Revolução
Francesa (8º ano) e Revolução Russa (9º ano). Articulou explicações orais, leitura de textos e
169 Segundo o estudo conduzido por Denise de Jesus, Maria Aparecida Barreto e Agda Gonçalves (2011), no artigo “A formação do professor olhada no/pelo GT 15 – Educação Especial da Anped”, as pesquisas sobre a formação docente para a Educação Especial mostram que se privilegia o tema apenas nos cursos de Pedagogia. Constatam, portanto, um vazio nos cursos de Licenciatura a respeito do tema (p.89).
162
estudo de esquemas com uso de perguntas e aproveitamento das respostas e dúvidas dos alunos.
Os materiais didáticos foram o quadro-de-giz, textos fotocopiados (de livros didáticos ou
elaboradas por ela mesma), a linha do tempo e o mapa-múndi. Sempre que necessário, retomava
conteúdos anteriores para que as novas informações fossem bem compreendidas. Como
Mercedes, insistia delicadamente no silêncio e na atenção até que todos colaborassem com o
andamento da aula.
Agnês não precisou insistir com os alunos para que tivessem atenção. Após as conversas
iniciais, eles começaram a trabalhar os temas de História da cidade e Escravidão no Brasil, com
foco no racismo. Ela utilizou diversos vídeos institucionais da cidade e passou um trecho do
filme “Invictus”170. Explorou os materiais didáticos, intercalando sua apreciação e/ou leitura com
explicações diversas. Incentivou, também, os comentários dos alunos, que quase sempre
participaram com interesse.
O estilo de aula de cada um desses professores reflete o que esperam de seus alunos até o
final do ano. Regina afirma desejar que obtenham informações e saibam questioná-las, daí a
ênfase na compreensão do conhecimento histórico. Ela trata de tópicos caros igualmente para
Ana, que incentiva, em primeiro lugar, a aquisição da leitura e da escrita e, em segundo lugar, a
situação no tempo e no espaço (uso de linha do tempo, desenho de mapas, reprodução de
imagens). Por último, ambas querem que os jovens compreendam os aspectos políticos da
sociedade estudada, valorizando sempre a democracia. A professora mais experiente condensa:
(...) a nossa luta de professor: saber ler e escrever, é o fundamental. (…) Então aí é a nossa briga, eu vou mais para o lado político. (…) O que eu quero básico deles é isso: que saibam a localização, a questão política da época, muito importante saber o regime, como que era a sobrevivência, o cotidiano do povo.
A democracia, mas, principalmente, certos valores humanistas, que mobilizam Cândido –
pensar sobre o presente, questionar o status quo, notar mudanças e permanências, localizar-se
criticamente no tempo e no espaço, desnaturalizar as coisas – são elementos citados em seu
testemunho. Ele, entretanto, diz que precisa tomar cuidado porque seus alunos ainda são jovens
170
INVICTUS. Direção Clint Eastwood. Produção Warner Bros Pictures. Intépretes: Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Patrick Mofokeng e outros. Roteiro: Anthony Peckham.Warner Bros Productions, 2009. 134 min., son, color.
163
para desconstruir ideias que nem sequer conheceram. Portanto, primeiro precisam conhecer a
cultura geral – que é objetivo da escola, em seu ponto de vista. Depois:
(...) tentar desenvolver valores humanistas, do século XX, eles estão brigando comigo que eu falo só de guerra. Não, é que século XX é só guerra. {risos} Não briguem comigo, briguem com quem fez isso, e vão pensar sobre isso. Porque não aconteceu, continua acontecendo. E fazer essa ligação com as coisas do passado, porque a gente estuda elas porque tem um propósito no presente, porque pensar que o mundo já foi diferente ou pensar que tem coisas que mudaram, mas continuam a acontecer de outra maneira. (...) Mais localizar no mundo, localizar criticamente. Localizar no tempo e no espaço, entender que as coisas não foram sempre assim, que as coisas não nasceram prontas, que é o mais difícil que tem. Elas não são naturais. (sic)
Esta citação de Cândido abriga elementos presentes nas outras narrativas: desmitificar os
processos históricos como quer Ana; ajudar a localizar no tempo e no espaço, como deseja
Regina; reconhecer-se como sujeito histórico, como diz Agnês. Mercedes acrescenta outros
elementos: quer que seus alunos do 9º ano tenham conteúdo suficiente para aprovar nos exames
de seleção e, para o 6º ano, ela providencia acolhida e adaptação ao sistema dos Anos Finais,
utilizando, para isso, ensino parcelado e lento. Entretanto, ela comunga dos anseios dos demais
colegas, quando diz:
Mas eu tento não perder de vista que eu também quero formar cidadãos e que eu quero que essas crianças aprendam a competir sem hostilizar, que eles não percam a solidariedade. Para eles eu tenho esse projeto de, é um desafio, vamos tentar colocar aí nessas escolas, mas trabalhar um pouquinho a ética, os valores, a solidariedade, acima de tudo, vamos fazer gente aqui na escola.
Os valores humanistas de que tratam esses professores podem ter significados diferentes
entre eles. Porém, Nicola Abbagnano, no verbete “Humanismo” de seu Dicionário de Filosofia
(1998), explica que, via de regra, o humanismo que nasce no século XIV carrega para a
modernidade alguns elementos básicos, entre eles, o fato de que o homem não se divide em corpo
e alma e veio ao mundo para modificá-lo. Ele é, também, uma criatura feita de História – daí o
apreço aos valores greco-romanos da Antiguidade e a valorização das letras clássicas para
formação da consciência. Parece-me que são aspectos que acompanham o pensamento destes
professores, mas, talvez, seja o conceito mais geral que melhor se adeque a esses docentes, como
diz Abbagnano: “(...) pode-se entender por Humanismo qualquer tendência filosófica que leve em
164
consideração as possibilidades e, portanto, as limitações do homem, e que, com base nisso,
redimensione os problemas filosóficos” (1998, p.519).
Eu ainda não havia perguntado sobre as utopias. Sequer havíamos falado de Política,
diretamente. Porém, quando tratávamos de temas estritamente pedagógicos, estas categorias
começaram a aparecer, espontaneamente. Na próxima subseção, pretendo relacionar as práticas
de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana com a avaliação de seu processo formativo e
continuar ressaltando os indícios que conduzem às utopias político-educacionais.
2.2.3 Formação inicial e continuada
Assim como Lola, Josep e Fidelio, os cinco professores do estado de São Paulo pertencem
a gerações diferentes e possuem carreiras longas, médias e curtas. Todos são formados em
História ou Ciências Sociais, em Faculdades privadas de pequeno porte, privadas de grande porte
e públicas de excelência. Nenhum deles cursou Licenciatura Curta e todos fizeram Pós-
Graduação, lato ou estrito senso. A tabela a seguir sintetiza algumas informações importantes
sobre a trajetória de formação dos cinco participantes.
Tabela 13: Dados de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Cândido Regina Mercedes Agnês Ana
Nascimento 1985 1982 1963 1966 1957
Formação História HistóriaCiências Sociais
História Ciências Sociais
Local e ano Unicamp 2007Unicamp 2004
Univap 1998Plínio do Amaral 1985
Univap 1983
Pós-graduaçãoMestrado História Unicamp 2010
Doutorado História
Unicamp em andamento
Esp. Gestão Educacional Instituto Claretiano 2007
Mestrado Educação Unicamp 2003
Especialização
Psicopedagogia Univap 1994
Tempo trabalho 4 meses 4 anos 13 anos 16 anos 25 anos
Cândido e Regina, jovens professores, atribuíram significados pessoais e utópicos para a
profissão no momento em que a escolheram: queriam algo que fosse intelectualmente
estimulante, divertido e socialmente útil. O sentido de utilidade, aqui, pode levar a interpretações
ambíguas. André Gorz, em “O imaterial” (2005, p. 12) reflete a respeito da predominância do
165
saber técnico-científico sobre os demais saberes na sociedade capitalista. A ciência estaria ligada
à produção de capital, isolando-se num sistema de relações obediente a processos desprovidos de
contato com o saber vivo das experiências (p. 13). Assim, procuraria emancipar o saber técnico-
científico dos interesses e conflitos presentes nas relações humanas, tentando configurar-se como
uma forma de dominação a partir da produção de conhecimentos.
Na reflexão sobre a prática docente dos participantes, na subseção anterior, podem-se
notar sinais da tentativa de aproximar distintos saberes em torno de dilemas e conflitos sociais, o
que os afasta de uma concepção utilitarista do conhecimento, conforme André Gorz (2005).
Outros aspectos, demonstrados ao longo deste capítulo, ajudarão a esclarecer este ponto.
Situações diferentes, entretanto, ocupavam as mentes de Agnês, Mercedes e Ana. Em
primeiro lugar, todas procuraram conciliar maternidade e profissão. Os critérios para a escolha
das Instituições foi menos a excelência do que a adequação ao horário escolar dos filhos e o custo
das mensalidades.
Agnês novamente tem pontos de contato com os mais novos e com os mais velhos. Ela
explica: “encaixar família com a carreira docente. Mas não perdi aquele lado de que eu gostava,
de que eu achava legal, gostei muito de ter voltado naquele ambiente escolar, de trabalhar em
uma escola”. Como o primeiro emprego que ela conseguiu foi de Secretária de escola, ela
percebeu que havia muitas vagas para professor e “aí eu resolvi fazer faculdade. Na época tinha
faculdade barata”. De fato, mesmo antes de se formar, as oportunidades de trabalho eram
grandes.
Ana tinha em seu entorno dois exemplos de vida para a mulher: ser dona-de-casa ou fazer
um curso superior e trabalhar. Assim, ela optou pelos dois! Seguindo o exemplo de uma parenta,
procurou primeiro pelo curso de Direito, depois pelo de Economia, mas acabou entrando em sua
terceira opção – Ciências Sociais – que encaminhava para a docência. Ela não tem dúvidas de que
foi uma escolha acertada: “Eu fiz o curso que era o melhor para mim, não me arrependi em
nenhum momento. E dando aula de Geografia e História abre mais os horizontes em termos de
entender depois a Política”. Ela passou no Concurso Público do Estado de São Paulo (de que já
está aposentada) e, alguns anos mais tarde, no do Município, onde ela cumpre os últimos dois
anos de trabalho. Depois, casou-se, teve duas filhas e, recentemente, uma neta.
166
Mercedes sofreu complicações no segundo parto e pediu à médica que a salvasse, porque
ainda precisava realizar o sonho de fazer um Curso Superior. Ela se recuperou e, quando seus
dois pequenos alcançaram a idade de frequentar a Educação Infantil, voltou a estudar. Escolheu o
curso de Ciências Sociais por influência da irmã, que fazia História. Havia estímulo familiar
desde a infância e, mais importante ainda, a vantagem, segundo ela, de trabalhar apenas um
período. Assim, ela preserva o lado familiar, sem prejuízo do profissional. Depois de concluir a
primeira graduação, com pesquisa em Iniciação Científica, Mercedes cursou a complementação
em História, depois o curso de Pedagogia e, por fim, a Especialização em Gestão Educacional.
Começou a trabalhar em uma escola Estadual antes de formar-se e, atualmente, é concursada no
Município.
Os cinco professores foram unânimes em dizer que aprenderam a ser professores com os
pares, após o início da vida profissional. Cândido e Regina fazem crítica à dicotomia entre teoria
e prática nas suas graduações de forma bem mais contundente que Mercedes, Ana e Agnês. Mas
todos concordam (inclusive Lola, Josep e Fidelio) que nem as disciplinas da historiografia, nem
as educacionais, prepararam adequadamente para enfrentar a realidade escolar:
Eu acho que poderia ter preparado um pouco mais. Isso não foi só eu, com várias pessoas que eu conversei, o choque que a gente tem entre as matérias que a gente faz na Pedagogia e a realidade escolar é muito gritante. (…) Eu acho que as matérias de Pedagogia fazem a gente pensar numa porção de coisas, mas em termos de EJA, não fazem pensar nada. (...) Até porque a gente trabalhou os PCNs, trabalhou os projetos curriculares dos anos 80, 90 (...).
A crítica de Cândido é esmiuçada por Regina, que tocou num ponto que preocupa a todas
as teses do Estado de São Paulo e da Província de Barcelona (discutidas no Capítulo 1): a
desvalorização da área de ensino dentro dos cursos de História. Ela se sentiu um tanto
constrangida para tratar do assunto com uma pesquisadora que provém da Faculdade de
Educação, mas, mesmo assim, expressou a situação:
[hesitação] É estranho falar isso, mas ... acho que existe um certo... não sei que palavra posso usar pra dizer isso... acho que os historiadores e os pedagogos, não sei como posso dizer ... não é uma rixa, mas existe certo distanciamento, não sei. (...) somado a isso, que já existe certo distanciamento, a gente, eu não sei, eu acho que a gente não levava muito a sério as matérias daqui, isso é horrível falar, mas... {risos} (...) Aí criou-se uma antipatia. Quando a gente vinha fazer matéria aqui, a gente já vinha querendo achar pelo em ovo, sabe? Então, eu acho que eu não aproveitei como eu deveria as matérias que eram propostas. Eu lembro que
167
tinha uma professora daqui que eu gostava muito. Agora, qual o nome dela? Ana Aragão? Acho que é isso. Já não lembro o nome dela. Mas era uma professora que eu achava exemplar. (...) Só que eu não sei até que ponto a universidade tem que dar... qual é a maneira ideal de preparar um professor? Eu acho que me deu ferramentas para eu saber os caminhos que eu tenho que percorrer para preparar uma boa aula. Como eu tenho que analisar um livro de História, não posso pegar qualquer material e usar na sala de aula: isso eu sei. Isso eu aprendi aqui. Quando você aprende a analisar uma fonte histórica, é o mesmo trabalho que você vai ter que ter quando você vai usar um livro que vai servir de base na sua sala. Esse subsídio a Universidade me deu. (...) Mas o conteúdo mesmo... (...) Então, esse período [primeiros anos de profissão] foi muito importante porque eu aprendi metodologia de sala de aula. Não sei se essa é a melhor palavra, mas: “como lidar com os alunos”. Eu acho que isso é uma coisa que a Faculdade de Educação não prepara. Traz uma série de debates, aprende Piaget, aprende um monte de coisa, mas a prática mesmo de ensino, você não debate na sala, aqui. Você não debate. Mesmo eu tendo assistido aulas na parte de Estágio, você vai na escola, assiste aula e tudo, não existia um debate.
Existem muitos elementos relevantes para discutir a formação do professor de História
neste relato. Em primeiro lugar, Regina informou uma prévia indisposição com as disciplinas
ministradas na Faculdade de Educação. Ela fala de uma “rixa” entre historiadores e pedagogos.
Interessante que não aparece a figura do especialista em Ensino de História: nem só historiador,
nem só pedagogo, isto é, o representante da Didática Específica da História – uma figura quase
ausente também nas teses do Estado de São Paulo, lembradas apenas por Ricci (2003) e Paim
(2005). No entanto, todas as teses – inclusive as da Província de Barcelona – preocupam-se com
a dicotomia entre o saber histórico escolar e o saber histórico acadêmico. Apesar dos formatos
inovadores, adotados pelas Licenciaturas da Unicamp, professores como Regina e Cândido
enfrentam muitos obstáculos para superar uma formação universitária em que a ciência de
referência e a didática não dialogam171.
O segundo aspecto que chama a atenção é o fato de Regina desejar ser professora antes de
ser pesquisadora, mas ter encontrado poucas oportunidades de enriquecer seus conhecimentos
pedagógicos e construir (de preferência, com ajuda de professores de ambas as Faculdades) as
171 O Projeto Pedagógico do curso de História da Unicamp estabelece um perfil profissional do especialista em produção, ensino e transmissão do conhecimento histórico, estabelecendo para tanto as habilitações em bacharel e licenciado, com ênfase em História da Arte ou Patrimônio Histórico e Cultural. A grade curricular contempla apenas duas atividades focalizadas no Ensino de História: Estágio Supervisionado em História (que não acontece na Faculdade de Educação) e Tópicos Especiais em Ciências Sociais Aplicadas à Educação (disciplina eletiva). UNICAMP. Projeto Pedagógico Curso de Graduação História. Abril de 2007. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/graduacao/ppedagogico/historia.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012.
168
conexões entre historiografia, teoria da História, didática da História e demais conhecimentos
pedagógicos (psicologia da educação, sociologia da educação, didática geral, política
educacional, etc.).
Um último ponto, de que Regina trata mais adiante na entrevista, é a ausência de
conteúdos que tratam diretamente do cotidiano em sala de aula:
Vamos supor: “vamos pegar uma situação X que acontece dentro da sala de aula. Que tipo de comportamento você tem em relação a isso?”. Esse tipo de coisa você não tem aqui. E eu acho que seria uma coisa importante, porque quando você chega, você nunca deu aula, você chega numa sala de aula e assume, você vai se deparar com esses problemas e você não tem um suporte de como, pelo menos... tenho impressão que aqui o pessoal tem medo de dar receita: “ah, porque você tem que dar aula assim”. Não, não é isso que eu estou falando, mas eu acho que deveria pelo menos abrir possibilidades. Diante de um problema de indisciplina, você pode agir assim, você pode agir assim, você pode: estratégias de aula. Eu acho que isso era uma coisa importante para estar dentro do currículo.
Esta crítica também aparece em Cândido, quando trata de suas dificuldades com EJA.
Acredito que Regina deixa um alerta para a elaboração de currículos de formação de professores
de História. A proposta de Regina se aproxima do que António Nóvoa sugeriu em “Para uma
formação de professores construída dentro da profissão”: “A formação de professores ganharia
muito se se organizasse, preferentemente, em torno de situações concretas, de insucesso escolar,
de problemas escolares ou de programas de acção educativa” (2009, p.209).
Entretanto, o privilégio da prática na formação universitária precisa ser proposto com
cuidado, à luz da própria trajetória dos participantes desta pesquisa (inclusive de Barcelona) e das
propostas das teses de doutorado mostradas no Capítulo Um: sem condições dignas de trabalho, o
desenvolvimento dos saberes na prática fica prejudicado. Não por acaso, metáforas como “jogar
na fogueira” e “apagar incêndios” povoam a descrição das primeiras experiências de docentes.
Percebo que é inegável o rico aprendizado que acontece entre os pares e com os alunos. Porém,
os participantes espantaram-se por chegarem à escola como se não tivessem aprendido nada sobre
as tarefas cotidianas que fazem parte da sua profissão – fato destacado nas críticas de Dias-da-
Silva (2005) à formação docente que desconsidera o aprendizado intelectual.
Ana, Mercedes e Agnês não fazem as mesmas críticas à sua formação inicial, talvez
porque não tivessem grandes expectativas sobre o curso superior e por acreditar que a docência se
169
aprende na prática. Ao sentir as dificuldades, procuraram pela formação continuada, por nova
formação inicial e pela pós-graduação. Manter o discurso de que apenas se aprende a ensinar na
prática, seria incorrer na responsabilização individual de cada professor pelos problemas da
educação. Nesse sentido, como a Educação deve mudar a sociedade e o professor é o seu
instrumento, se não está mudando, é porque os professores não estão fazendo a sua parte. E se
não fazem a sua parte, é porque são individualmente incompetentes: eis o problema de certas
utopias sobre a educação, demonstrado por Shiroma e Evangelista (2004) e De Rossi (2005).
Este tipo de raciocínio não se manifesta apenas no campo ideológico e no senso comum,
mas permeia políticas públicas educacionais sugeridas por autoridades mundiais como a Unesco
e agências financiadoras tal qual o Banco Mundial. A política de flexibilização da contratação de
funcionários públicos, implantada no Brasil na década de 1990 e os sistemas de avaliação
institucionalizam esta versão das utopias político-educacionais na formação dos professores de
História. A interpretação equivocada da ideia de que os saberes docentes se constróem apenas na
prática justifica o aligeiramento da formação inicial e a concomitante desvalorização dos
pesquisadores das áreas didáticas e pedagógicas (Dias-da-Silva, 2005). Por outro lado, a
manutenção de uma aura redentora sobre a Educação imprime nos professores a assunção de
responsabilidades que não coadunam com seu nível de formação nem com as condições de
trabalho que se lhes exigem (De Rossi, 2005).
Há outro obstáculo para a aproximação entre os centros de excelência acadêmica em
Educação e as escolas: o sistema de avaliação de desempenho da carreira docente no Ensino
Superior. As exigências da Capes aos programas de pós-graduação dificultam o desenvolvimento
de projetos que impliquem deslocamentos a escolas, reuniões com equipes pedagógicas, acolhida
de alunos da Educação Básica etc. É preciso registrar, entretanto, que há algumas iniciativas para
reverter este sentido172.
As disputas de poder e espaço na formação de professor de História, presentes nos
exemplos citados por Regina, Cândido e Lola não são casuais. Existe um processo político de
globalização que atua diretamente na profissão docente e que está materializado, por exemplo, na
172 Um exemplo concreto está no edital de apoio a eventos da Capes, que possui uma linha de financiamento específica para congressos dedicados aos professores da Educação Básica. PROGRAMA DE APOIO A EVENTOS NO PAÍS. Edital Capes n.004/2012/Capes. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/editais/abertos/5173-programa-de-apoio-a-eventos-no-pais-paep>. Acesso em: 25 abr. 2012.
170
dicotomia entre teoria e prática e na desvalorização da profissão docente, isto é, nas relações
entre produção de conhecimento e seu valor na sociedade capitalista. André Gorz, em “O
imaterial” (2005), reflete sobre a transformação do conhecimento em mercadoria, atribuindo-lhe
valor de troca. Para o autor, entretanto, o valor do conhecimento amplia-se na medida em que se
torna mais acessível às pessoas e incorpora-se aos saberes cotidianos:
O conhecimento, diferentemente do trabalho social geral, é impossível de traduzir e de mensurar em unidades abstratas simples. Ele não é redutível a uma quantidade de trabalho abstrato de que ele seria o equivalente, o resultado ou o produto. Ele recobre e designa uma grande diversidade de capacidades heterogêneas, ou seja, sem medida comum, entre as quais o julgamento, a intuição, o senso estético, o nível de formação e de informação, a faculdade de aprender e de se adaptar a situações imprevistas (GORZ, 2005, p.29 – grifos no original)
Assim, a privatização do acesso a esses “bens imateriais” é uma das formas de
transformá-lo em mercadoria. O autor conclui que o capital imaterial – o conhecimento que se
transforma em saber – não pode ser subsumido ao valor mercantil. Sua essência é ser comum a
todos. No capitalismo fixo, o conhecimento técnico-científico impede a disseminação dos
saberes. Porém, como o conhecimento é suscetível de ser transmitido rápida e gratuitamente pela
Internet, impedem-se os meios de acesso a ele, ao mesmo tempo em que precisa aumentar a
demanda pela produção de conhecimento, por ser a maior fonte de riqueza atualmente.
Nesse sentido, percebe-se que a falta de integração curricular entre Institutos, Faculdades,
ou disciplinas relacionam-se também com as estratégias globais de controle do acesso ao
conhecimento. Os currículos da formação inicial e continuada são divididos de forma estanque e
não por objetivos educacionais, dificultando a produção social do conhecimento, isto é, sua
contribuição para o enriquecimento dos saberes cotidianos mobilizados pela sociedade.
Quando ouço as críticas, percebo que os professores não assumem exigências
irrealizáveis. Isso não significa, tampouco, que caem no imobilismo e na frustração. Por exemplo,
Cândido e Regina têm como meta melhorar como professores. Acreditam que o Mestrado e o
Doutorado em História ajudam a conquistar maior autonomia intelectual, mas parece ponto
pacífico que não é na Universidade que encontrarão todas as soluções – de forma semelhante a
Josep e Fidelio.
171
O processo formativo de Agnês traz elementos para pensar melhor este problema. Ao
longo da carreira, ela procurou vários programas de formação continuada, inclusive cursou as
disciplinas no IFCH, mas “eu achava que não era aquilo, eu queria na área pedagógica”.
Procurando por isso, ela chegou a cursar o Mestrado em Educação, mas tampouco verificou
correspondência entre os estudos acadêmicos e a prática escolar:
Eu estudava para o mestrado, estudava porque eu queria aprender, mas eu estava naquela incógnita, o que eu fazia na sala de aula, eu não usava nada daquilo que eu estudava, diretamente. Parece que deu aquela quebra, como se eu nem tivesse feito mestrado, eu estava meio sapo fora d’água na sala e buscando alguma outra coisa.
O que, então, foi significativo para que ela, hoje, estivesse satisfeita com seu trabalho? O
processo de construção cotidiana, com os pares, de metodologias de ensino significativas para
seus alunos. Ana, que se tornou professora quase sem querer, encontrou significado ao fazer uma
Especialização em Psicopedagogia. Ela entendeu que costumava atrair para si os alunos
“problemáticos”. Porém, o cotidiano se tornou desgastante e, hoje, ela admite o desejo de
aposentar-se o mais breve possível. Talvez não tanto quanto Fidelio, pois Ana viu resultados
positivos em seu trabalho.
Para Mercedes, tanto a formação inicial quanto a continuada ofereceram modelos
profissionais. Além de se espelhar em seus professores, colegas e superiores hierárquicos, ela
aproveitou a diversidade de conhecimentos que conquistara com a Graduação em Pedagogia e a
Especialização em Gestão Educacional que, segundo ela, ofereceu-lhe muito conteúdo e foi
exigente. Ela lamentou, apenas, a falta de qualidade da complementação em História. Assim,
apesar de ter frequentado instituições com pouca tradição na pesquisa em História ou Educação,
Mercedes absorveu todas as oportunidades oferecidas e aplicou-as, na medida do possível, à sua
prática cotidiana.
Outro ponto de influência são as filiações políticas e religiosas, que sintetizo na tabela a
seguir:
172
Tabela 14: Filiações políticas e religiosas de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Cândido Regina Mercedes Agnês Ana
Filiação política Liberalismo social
Esquerda/ progressista
Simpatiza com PT
Esquerda. Foi filiada ao PT
Petista com reserva (PV)
Religião Formação católica, não praticante
Cristã Católica, influência na vida cotidiana.
Adventista, influência na vida cotidiana
Católica praticante, influência vida cotidiana
A espiritualidade não constitui o objeto e os objetivos deste estudo. Por isso, apenas
destaco que, em contraste com os professores da Província de Barcelona, Ana, Agnês e Mercedes
atribuíram um espaço importante para a religiosidade em suas vidas cotidianas e profissionais173.
Em relação às participações políticas e sociais, Agnês foi voluntária entre os
Desbravadores174 da Igreja Adventista e filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT)175, tendo
abrigado reuniões políticas em sua casa. Seu primeiro marido era metalúrgico e ligado com as
173 Outros aspectos poderiam ser destacados como, por exemplo, o fato de que os professores de Barcelona e Cândido deixarem de frequentar a Igreja (e crer) durante a adolescência, embora tenham recebido instrução católica. Segundo, aproximam-se de ideais iluministas da tolerância e do respeito à diversidade, que notei, de forma especial, em Josep e Cândido. Apesar das fontes documentais do estado de São Paulo realizarem significativas menções à espiritualidade, optei por não aprofundar considerações a respeito. Entretanto, é possível sugerir o tema para futuras investigações. Segundo Joanildo Burity (2008), no artigo “Religião, política e cultura”, atualmente há grande visibilidade das ações de sujeitos ligados a religiões, seja no sentido de ampliar comunicação e trocas culturais, seja no acirramento da violência e intolerância. O autor defende que prognósticos comuns nas ciências sociais, anos atrás, haviam demonstrado que a modernidade, a tecnologia e o processo de secularização levariam ao afastamento das religiões. Isso não aconteceu, ao que tudo indica. Para Burity, a secularização não foi uniforme nem unilinear, não implica parcela majoritária da população mundial e, por fim, há fortes indícios de que aspectos da secularização aparecem junto à ampliação de cultos religiosos. Por conta desta não uniformidade, existem diferenças significativas entre os docentes de Barcelona e os paulistas, o que exigiria uma pesquisa bibliográfica à parte que não cabe nesta tese.
174 Fundado em 1919 por Arthur Spalding, que adaptou atividades dos Escoteiros aos ideais da Igreja Adventista,
incluindo um Voto, uma Lei e um Lema, redigidos em 1921. O voto é: “Pela graça de Deus, serei puro, bondoso e
leal; guardarei a lei do Desbravador, serei servo de Deus e amigo de todos”. CLUBE DOS DESBRAVADORES. Ideais dos desbravadores. Disponível em: <http://desbravadores.org.br/sobre-nos/ideais-dos-desbravadores/>. Acesso em: 10 abr. 2012. UNIVERSO DESBRAVADOR. História dos desbravadores. Disponível em: <http://desbravadores.org.br/sobre-nos/ideais-dos-desbravadores/>. Acesso em: 10 abr. 2012.
175Partido no poder do Executivo Federal desde 2002, fundado “no dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion,
em São Paulo. O Partido surgiu da organização sindical espontânea de operários paulistas, liderados por Luiz Inácio Lula da Silva e outras lideranças de trabalhadores, no final da década de 1970, dentro do vácuo político criado pela repressão do regime militar aos partidos comunistas tradicionais e aos grupos de esquerda então existentes. Assim, o PT foi fundado com um viés socialista democrático”. PARTIDO DOS TRABALHADORES. O Partido. Disponível em: <http://www.pt.org.br/o_partido>. Acesso em: 10 abr. 2012.
173
lideranças da cidade. Regina fez parte do Movimento Estudantil e do Coletivo Feminista176 na
Unicamp, mas nunca desejou entrar em partido político. Cândido contou alguns episódios de
participação política durante o Ensino Médio (organização de debates e votação sobre a Alca).
Ele prefere os movimentos culturais, pois ajudou a organizar Cineclubes. Apenas Mercedes não
mencionou nenhum tipo de participação política ou cultural ao longo da vida, mas disse haver
acompanhado o nascimento do PT, quando trabalhava em um Sindicato. As participações são
dispersas, como verifiquei entre os professores da Província de Barcelona. Esta característica
também aparece na tese de Fonseca (1996), que mostra o apego de vários entrevistados aos
Movimentos de Juventude dentro da Igreja Católica e ao Partido dos Trabalhadores. A ausência
de filiação a partidos políticos foi também constatada nos trabalhos de Basso (1994), Pacievitch
(2007), Cerri (2007) e Costa (2007), apesar de todos reconhecerem o apreço à Política por parte
dos professores.
Entretanto, os cinco foram contundentes ao declarar-se politicamente à esquerda
(Cândido, Regina e Agnês) ou simpatizantes do Partido dos Trabalhadores ou do Partido Verde177
(Mercedes e Ana). Regina nuançou sua resposta ao acrescentar o adjetivo “progressista”.
Cândido disse que, inclusive, pesquisou por um termo que melhor nomeasse o que pensa sobre
política e ficou entre o “libertário” e o “liberalismo social”, por acreditar no Estado regulador da
economia e que não interfira nas iniciativas individuais178. Regina foi mais específica. Para ela,
sua compreensão de política associa-se com os temas que ela estudou na Pós-Graduação
(movimentos de trabalhadores) e na seleção de conteúdos: “Acho que tem na seleção de
176
O Coletivo Feminista possui um blog, em que consta a descrição do Movimento: “O Coletivo Feminista surgiu no final do ano de 2003, através da iniciativa de alunas, que perceberam a falta de espaço e debate sobre a situação das mulheres na Universidade e na sociedade brasileira.”. Disponível em: <http://coletivofeminista.blogspot.com.br/2009/05/o-que-e-o-coletivo-feminista.html>. Acesso em: 10 abr. 2012. Na Unicamp, o movimento promove debates e campanhas.
177 Partido que se reconhece como instrumento da ecologia política e se relaciona com seus congêneres ao redor do
mundo. Foi criado, no Brasil, em “(...) 1986 no Rio de Janeiro. Um grupo composto por escritores, jornalistas, ecologistas, artistas e também por ex-exilados políticos começou a dar forma ao PV. Participaram nesse grupo Alfredo Sirkis, Herbert Daniel, Guido Gelli, Lucélia Santos e Fernando Gabeira, entre outros”. PARTIDO VERDE. Memória. Disponível em: <http://pv.org.br/opartido/>. Acesso em: 10 abr. 2012. 178 Posição bastante semelhante à defendida por Robert Nozick em “A framework for utopia”, um capítulo do seguinte livro, publicado pela primeira vez em 1974: NOZICK, Robert. Anarchy, state and utopia. Oxford: Blackwell Publishers, 1999, p. 297-334. Para ele, anarquismo individualista é uma postura contra o Estado como árbitro das desigualdades e da moral e defensora do Estado Mínimo.
174
determinados conteúdos que eu dou em sala. (...) Eu acho que essa escolha tem a ver com esse
meu lado, não sei nem se de esquerda, mas talvez progressista, não sei”.
Ana pareceu ter a mesma posição, quando disse que seguia o currículo estabelecido, mas
enfatizava os aspectos políticos em cada conteúdo. Agnês mostrou maior receio em relacionar a
profissão com a política. Ela disse: “Eu acho que dá para trabalhar educação de uma forma mais
crítica sem um olhar totalmente partidário” e contou que sua simpatia ao PT acontece por ser
contra a corrupção. Mercedes demonstra que seu apoio ao PT se dava por identificação
ideológica, principalmente pela transformação do mundo daqueles que mais precisavam:
Eu fui acompanhando a trajetória do PT desde que nasceu. Acho que não é perfeito, não tem perfeição, como disse o Max Weber (…) eu acho que o PT veio com uma proposta de olhar sob uma outra perspectiva para uma sociedade que estava pedindo socorro. Não que ela não esteja pedindo agora, mas eu penso que o PT cumpriu aquilo que prometeu. Talvez não pra mim, não pra você, mas eles não haviam prometido para nós. Não é verdade?
Uma possível explicação para essa identificação com a esquerda e o PT poderia ser
buscada na influência de professores ou leituras do período de formação, ou ser, como Agnês e
Mercedes mostraram, questão de identificação ideológica (contra a corrupção, pelos mais
necessitados). A tabela a seguir traz os principais autores citados pelos professores na Ficha de
Identificação e na entrevista:
175
Tabela 15: Leituras favoritas de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Acadêmicos Ficção
Cândido
Michel de Certeau (A escrita da História). Paul Veyne (Como se escreve a História).Walter Mignolo (Histórias locais/projetos globais). Stuart Hall (Da diáspora). Giles Deleuze (Conversações). Walter Benjamin (Obras escolhidas -preferencialmente o primeiro volume). Primo Levi (É isto um homem e Os afogados e os sobreviventes). Edward Said (Reflexões sobre o exílio). Hannah Arendt (Origens do totalitarismo).
Jorge Luis Borges, Haruki Murakami, Clarah Averbuck, Kafka, Elias Canetti, Paulo Leminski, Ana Cristina César, Charles Bukowski, John Fante, Guillermo Cabrera Infante, Italo Calvino, Kenzaburo Oe, Enrique Villa-Matas, Cortázar.
Regina
Relacionados ao movimento operário e à história social. Edward Palmer Thompson (A formação da classe operária inglesa e Costumes em comum).
Gabriel García Márquez (Cem anos de solidão). José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira).
MercedesMax Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo)
José Lins do Rego (Menino de Engenho, Doidinho, Fogo Morto). Érico Veríssimo (Ana Terra, Um certo Capitão Rodrigo, O tempo e o vento). Jorge Amado (Capitães de Areia, Tocaia Grande, Cacau).
AgnêsMuitos. Paulo Freire, Bakhtin, Larrosa, Antonio Nóvoa, Geraldi. Leio muito a Bíblia e Ellen G. White.
Clarice Lispector e muita poesia. Romance e ficção não gosto.
AnaMax Weber. Sociologia e pensadores do processo histórico
Castro Alves, Pixote, Papillon
Ana disse que os professores de História que teve foram especiais, mas nenhum a
influenciou diretamente. Para ela, foram mais marcantes as leituras de romances como Pixote e
Papillon, porque foram sugeridos por um rapaz – militante do Movimento Estudantil – de quem
ela gostava na adolescência. Além disso, ela citou Émile Durkheim, Max Weber e Nicolau
Maquiavel como influências marcantes na sua concepção de política. Segundo ela, o que eles
escreveram há séculos atrás ainda não se concretizou como Política, as possibilidades estão
abertas: “Nessa leitura de 1800, 1900, o que a gente vê hoje na questão política ainda é aquela lá.
E não se fizeram novos porque nenhum outro derrubou o que ainda é novo. O que ainda é novo”.
Max Weber é também importante para Mercedes, mas por um viés diferente:
176
Acho que o que mais me chamou a atenção no Max Weber foi isso. Você conseguir juntar o espiritual com o material e dar um bom resultado, um ponto de equilíbrio. (...) Karl Marx, aí ele faz a gente surtar, se você bobear, você sai por aí querendo acabar com a vida de todo mundo.
Equilíbrio parece ser uma busca desta professora. Ela admira Karl Marx pela visão que
lhe proporcionou e que combina, de certa forma, com seus favoritos em matéria de ficção: José
Lins do Rego, Érico Veríssimo e Jorge Amado em obras que tratam da vida das pessoas (e de
crianças) em suas lutas cotidianas – Menino de Engenho, Capitães de Areia, Ana Terra... Por
outro lado, a compreensão marxista da Educação lhe trouxe, em seu modo de ver, expectativas
irrealizáveis (e egocêntricas) de seu papel na escola pública. No entanto, mais importantes que a
meiga alfabetizadora e a rigorosa professora do Curso Superior, foram as colegas que a ajudaram
desde o começo de sua carreira. Foi com elas, fundamentalmente, que ela aprendeu a ser
professora:
Não há um [autor] especificamente, não seria justo se eu falasse isso de alguém virou meu ídolo. Não, eu gosto mais das pessoas que eu vejo, eu tenho o privilégio de trabalhar com uma pessoa que foi a minha primeira diretora (...). Eu copio meus professores da Universidade, que tinham um jeito de dar aula (...). Vou pegando um pouquinho disso e sou muito grata às minhas parceiras de trabalho que são mais antigas do que eu e eu vou me espelhando muito nelas, nas coisas que elas fazem. (...) Mas o que eu faço hoje, que humildemente considero um pouco melhor do que o que eu fazia quando eu comecei, é fruto de parceria, de entrosamento do grupo.
Todos os professores entrevistados deram a entender que aprenderam melhor a ensinar
durante a prática docente. Parece que Agnês compartilha com ela este sentido de
responsabilidade com “fazer bem feito” o ensinar História, independente de qualquer teoria
educacional:
Você tem que fazer, você tem que saber fazer e fazer bem feito aquilo que você faz! Então eu achava que tinha que fazer bem feito e que eu precisava aprender. Não é assim, você não ganha o “passe” para ser professor com o diploma {risos}, é toda uma construção o ser professora.
Agnês não teve nenhum professor inspirador durante a escolarização ou a Universidade,
mas sim durante o Mestrado. Suas principais realizações dentro de sala de aula aconteceram com
a colaboração de colegas que também gostavam de estar na escola pública e fazer dela um bom
lugar para os alunos. Foi ao prestar concursos públicos que ela também descobriu o quanto sua
177
formação inicial foi frágil: “Comecei a estudar e comecei a aprender História {risos} porque (...)
na Faculdade ninguém nunca tinha me mostrado aquilo. Era textinho (...) nunca comprei um livro
pra fazer Faculdade! Eu comecei a gostar de estudar”. Então ela fez duas disciplinas no IFCH e,
estudando sozinha, aprendeu a escrever artigos acadêmicos e recebeu conceito máximo nas duas
matérias: “Eu queria aprender, mostrar para mim que eu tinha uma coisa acadêmica, que eu
conseguia fazer”.
Aproveitando todas as oportunidades, Agnês conheceu o Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Continuada (Gepec) da Unicamp e passou a frequentar as reuniões, onde aprimorou
a escrita, em colaboração com os companheiros mais experientes. Ela contou que os
coordenadores queriam familiarizar os professores com a linguagem acadêmica e estimular a
reflexão sobre a prática: “você não sabe falar a linguagem acadêmica, então você é rejeitado na
Academia, ela [a coordenadora] tinha muito esse objetivo de dar oportunidade para os
professores da rede Pública”. Sua pesquisa de Mestrado tratava das “brechas” oferecidas pelo
Gepec aos professores que procuravam formação continuada de qualidade. Assim, Paulo Freire,
Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mikail Bakhtin, Jorge Larrosa, Antonio Nóvoa e Corinta Geraldi
– autores citados por Agnês – são importantes, primordialmente, para seu trabalho de pesquisa.
Apesar disso, vejo sua influência no Projeto de Histórias de Vida que desenvolve com os alunos.
Interessante que, junto com os acadêmicos, ela escreveu o nome de Ellen G. White179 e a Bíblia –
que remete à discussão acima sobre espiritualidade, política e papel do professor de História. Ela
gosta da poesia de Clarice Lispector – quiçá por tratar tão sensivelmente da condição feminina:
“Hoje eu não desvinculo ser mãe, ser Agnês, ser professora...”.
Como Mercedes e Ana, Regina lembra com carinho seus professores porque a faziam
sentir-se bem na escola. Outros professores, no Ensino Médio, eram críticos e utilizavam
materiais didáticos diferenciados que atraíram sua atenção. Ela contou que foi a única da sala a
conseguir interpretar uma charge sobre Getúlio Vargas e se sentia motivada pelo caráter
questionador da professora do Ensino Médio. Regina lembrou que se destacava, ainda nos anos
179
Escritora norte-americana (1827-1015) adventista, publicou ensaios, cartas e narrativas históricas proféticas de cunho educacional, religioso e moral, mostrando a luta entre Deus e Satanás pelo controle do mundo. Seus artigos educacionais enfatizam a retidão, o colocar-se a serviço do mundo e a confiança na proposta divina. ELLEN WHITE BOOKS.COM. Quem foi Ellen G. White? Disponível em: <http://www.ellenwhitebooks.com/ellenshite.asp>. Acesso em: 13 abr.2012.
178
iniciais, por escrever redações preocupadas com a desigualdade social, a condição dos meninos
de rua ou problemas ecológicos – o que não era comum entre seus colegas. Acontece que, na
escola em que estudava, a Diretora estimulava o interesse pelas questões políticas, promovendo
visitas de campo, debates com candidatos e outros movimentos. No Ensino Médio, ela participou
de um abaixo-assinado contra o fim dos cursos técnicos de Segundo Grau (logo após a
implantação da LDB 9394/96). Assim, apesar de não haver incentivo familiar para tanto, a escola
– que era em período integral – cuidou de estimular seu lado questionador.
Coincidência ou não, atualmente ela pesquisa sobre os trabalhadores na Primeira
República, faz questão de ensinar a Greve de 1917 e sua maior influência acadêmica é Edward
Palmer Thompson. Já na literatura, o realismo fantástico de Gabriel García Márquez e a
instigante – e questionadora – obra de José Saramago estão na sua cabeceira. Thompson também
é marxista, o que apoia a filiação política de Regina como de esquerda/progressista, incontestável
entre Mercedes, Ana e Agnês ao citarem Karl Marx e Paulo Freire. Entretanto, já se nota a
transição para outras tendências nos favoritos de Agnês e na característica não ortodoxa do
marxismo de Thompson. Em Cândido, o contraste geracional fica ainda maior – no número de
autores citados e em sua filiação teórica.
Para ele, foram importantes certos professores do IFCH-Unicamp que incentivaram a
pesquisa. No Ensino Médio, um professor de Geografia promoveu um grupo de estudos sobre
realidade brasileira recente, com ritmo e exigências semelhantes ao Ensino Superior. A pesquisa
de Mestrado de Cândido girou em torno do Cinema – daí o interesse em trabalhar com as mídias
também na escola. Os autores favoritos são os que ele estudou com maior afinco durante a
graduação e o mestrado: Paul Veyne, Michel de Certeau, Walter Mignolo, Stuart Hall, Gilles
Deleuze, Walter Benjamin, Primo Levi, Edward Said e Hannah Arendt. Eles não representaram,
porém, influência direta sobre a prática escolar, apesar de conferirem segurança à argumentação.
Não é apenas na filiação teórica dos autores acadêmicos favoritos que Cândido se destaca.
Ele citou um grande número de escritores (e músicos, diretores de cinema e artistas) pertencentes
principalmente ao pós-guerra e ao século XXI. No campo da literatura, escreveu dezoito nomes.
Trata-se de clássicos como Thomas Beckett, Franz Kafka, Elias Canetti, passando por poetas
marginais (Paulo Leminski) e pelos polêmicos John Fante e Clarah Averbuck (blogueira), até os
expoentes da narrativa latino-americana Jorge Luis Borges e Júlio Cortázar e os japoneses Haruki
179
Murakami e Kenzaburo Oe (Nobel de Literatura em 1994), entre outros. Mais que estabelecer
conexões entre os estilos literários e o testemunho de Cândido, acredito que esta lista fala sobre
sua erudição e o gosto pelo saber. Foi por isso que ele decidiu estudar e ensinar História – era o
que lhe daria mais prazer, se comparado com Biologia ou Literatura.
Para Regina, o prazer também foi fundamental para decidir que seria professora de
História. Ela não desejava abandonar o ambiente escolar e não conseguia imaginar que passaria o
resto da vida diante de um computador fazendo programação. A escolha pela Unicamp foi
natural: era uma universidade de excelência próxima às cidades de origem. Durante a formação
inicial, ela e Cândido perceberam outras possibilidades de atuação na área – a pesquisa
historiográfica e a divulgação deste conhecimento. Era isso que mais incomodava Cândido:
Não pensava necessariamente ser professor, não professor de Ensino Fundamental. A ideia era mais trabalhar direto com Ensino Superior. Só que aí, ao longo da graduação, você vai vendo que tem outras possibilidades e fui me interessando cada vez mais. (...) Tinha amigos que davam aula, em projetos populares e tudo. (...) Agora, no mestrado que eu senti mais a necessidade de um contato maior com alguma coisa que você sente o retorno. A impressão que eu tenho da produção acadêmica é que você fica muito isolado, né? E nos congressos, eu não sei (...) O debate me parece muito pouco. (...) E acho que essa necessidade de só estudar, mas se eu não conseguir fazer alguma coisa, não sentir ... talvez uma aplicação daquilo, ou aquilo estar... (...) É um uso social, um retorno. Parece uma coisa muito individualista, isso estava me incomodando. E a vontade de dar aula, creio que cresceu ali. De tentar usar aquilo que eu aprendi, para poder ensinar, ajudar outras pessoas, não sei.
Portanto, além da formação inicial, dos cursos de Pós-Graduação e do compartilhamento
com os pares, estes cincos colegas também adquiriram informações e aperfeiçoaram seu processo
formativo a partir de outras fontes, que procurei resumir na tabela a seguir.
180
Tabela 16: Influências e favoritos de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Cândido Regina Mercedes Agnês Ana
MúsicasFolk, MPB, samba, blues, rock/punk islandês
Pop-rock, samba, samba-rock. U2 e Jorge Ben Jor
MPBRaízes, Cristã, MPB
MPB
Cinema
Miyazaki, Godard, Sganzerla, Sofia Coppola, Eastwood, Hirokazu Koreeda, Hitchcock, John Ford, John Hughes, Wes Craven, Arcand, Isabel Coixet, Gus van Sant, Kurosawa
Almodóvar e Woody Allen. Comédias
Comédia romântica. Cartas para Julieta e Karatê Kid 3
Colcha de Retalhos e O carteiro e o poeta
Filmes de época, romances
Artes plásticas
León Ferrari, Bansky, McKean, Eva Uviedo, Laerte, Liniers, Crumb, Spiegelman, Sacco
Pouco conheçoPicasso, Michelangelo
TV
E.R., Simpsons, Provocações, Roda Viva, Hoje é dia de Maria
Exceto reallity show. Discovery
Muito pouco, mais como crítica
Entrevistas, assunto político e economia
Jornais e revistas
Revista Piauí, Carta Capital, Carta Maior
Veja (Lya Luft), Época. Vários para comparar
Já me interessei mais
Dinheiro
Decisão
Internet
Omelete, Facebook, Malvados, Contracampo, Cinética, Twitter, Conversa Afiada
Redes sociais, pesquisas, notícias
Conforme necessidade de trabalho e informações
Pouco (ainda vou melhorar)
RádioNão escuto rádios com frequência.
Apenas 10 minutos por dia
Não
Rádio da Diocese ou Rádio Eldorado
181
Parece que o Rádio é um instrumento de informação significativo apenas para Ana, que
prefere emissões Católicas ou politicamente comprometidas180. A televisão tampouco é
unanimidade como meio de informação. Mercedes disse que gostava de assistir aos programas
sobre História e Arqueologia do Discovery Channel, como se fosse formação continuada. Regina
não respondeu à questão, Agnês assiste para criticar e Ana procura pela programação voltada à
Política. Cândido novamente se destacou: ele utiliza a televisão para se divertir! Gosta de
programas humorísticos e séries.
Regina e Agnês não mencionam nenhum jornal/revista favorito, Ana seguiu o mesmo
critério para selecionar programas televisivos – temas de política e economia. Mercedes e
Cândido foram mais específicos. Ela assinava a Veja para apreciar a crônica da Lya Luft, mas
também lia outras revistas para comparar as versões. Foi exatamente este tipo de trabalho que ela
fez com os alunos, quando das eleições de 2006. O jovem professor indicou revistas
tradicionalmente de esquerda, muitas das quais acompanha também pela Internet. Neste meio, ele
também procurava por periódicos ou sítios virtuais que tratassem de Cinema, de opinião e de
humor, além de usar redes sociais (como Mercedes). A Internet é uma ferramenta de pesquisa
para Agnês e Mercedes. Ana tem por meta melhorar sua relação com o computador.
Por fim, foi no campo das artes plásticas e do Cinema que Cândido mostrou ainda mais a
variedade de interesses e a erudição. Ana declarou-se admiradora de Picasso e Michelangelo. Ela
contou do êxtase que sentiu quando entrou na Capela Sistina e viu de perto as belezas de que seus
alunos só podem suspeitar pelos livros didáticos. O silêncio de Regina, Agnês e Mercedes, neste
campo, não poderia significar desconhecimento e, sim, a pouca importância que este tipo de
expressão ocupa em suas vidas.
No caso do cinema, todos tinham seus favoritos. Principalmente neste caso, Cândido citou
um número grande e variado de diretores brasileiros, japoneses, estadounidenses e europeus. Ele
fez questão de reconhecer a autoria das obras – algo que ensinou também a seus alunos, para que
despertassem a curiosidade e entendessem como o conhecimento era construído. Cinema é pura
180
A Rádio Eldorado pertence ao Grupo Estado. Segundo o sítio virtual da empresa, o grupo é comprometido “(...) com os valores proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Grupo Estado está sintonizado com o presente e o futuro dos brasileiros, com a defesa de seus valores culturais, éticos e históricos e a preservação do seu patrimônio natural”. GRUPO ESTADO. Código de conduta ética. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/ext/codigoetica/codigo_de_etica_miolo.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2012.
182
diversão para Regina e Mercedes, que gostam de comédias. Se houver uma pitada de romance,
ainda melhor para Mercedes. Agnês citou duas obras com as quais se identificava: “O carteiro e o
poeta” e “Colcha de retalhos”. Principalmente este último parece remeter à ideia do ser mãe,
professora, mulher, que relaciono também com a influência da obra de Clarice Lispector.
Por fim, há uma grande coincidência nos gostos musicais: Cândido, Regina, Mercedes,
Agnês e Ana gostam de MPB, aparecendo também o samba e o rock (Cândido e Regina) e a
música cristã para Agnês. Diferente de Josep e Fidelio, ninguém se declarou admirador da música
clássica e houve menos menções ao rock. Entre a rebeldia e o amor, o protesto e a fé, o cansaço e
a diversão, Ana, Mercedes, Regina, Agnês e Cândido construíram suas concepções sobre o ser
professor de História. Em um aspecto todos eles concordaram: seu papel era ajudar a
“desmistificar” ou “desnaturalizar” as coisas. Pareceu-me relevante apresentar suas respostas lado
a lado, na tabela abaixo:
Tabela 17: Papel do professor de História segundo Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Papel do professor de História
CândidoOferecer oportunidades. Trabalhar a construção crítica de conceitos, na medida do possível, respeitando as possibilidades dos alunos, para posterior desconstrução.
Regina É ensinar conhecimento histórico que ajuda a desnaturalizar o mundo.
MercedesProfessor precisa ser mais forte que as mídias, principalmente para formar valores e entender o mundo por si próprios.
AgnêsAjudar o aluno a ser parte do processo histórico, mas o importante é que gostem da escola e se sintam capazes.
Ana Desmistificar e incentivar o interesse pela Política.
Assim como eles escolheram formas mais eruditas ou mais despojadas de aparecer,
igualmente interpretam seu trabalho como forma de ajudar os jovens a entendê-lo e a participar
de forma autônoma e crítica. Sua definição para a tarefa do professor de História articula o
passado ensinado aos desafios do presente (as necessidades/potenciais dos alunos, a crise dos
valores, o sucesso escolar, a preservação da democracia), pensando nas vivências futuras dos
jovens. Cândido tratou disso em vários momentos da entrevista. Afinal, as dificuldades que
enfrenta precisavam ter algum sentido para que ele não desistisse! Quando lhe perguntei
diretamente sobre o papel do professor de História, ele tratou da apresentação factual de
183
conceitos. De forma parecida a Josep, ele acreditava que suas exigências deveriam ser conformes
às capacidades dos jovens em cada etapa:
Você tem que apresentar conceitos. Ir conceituando as coisas para criar ferramentas. Acho que, no Ensino Fundamental, uma parte das coisas eles estão vendo pela primeira vez. Então, é criar conceitos, mostrar, em algumas partes, até ser factual, “olha, aconteceu isso”, ser factual, porque são os elementos que eles precisam pra depois fazer a desconstrução.
Para ele, é preciso primeiro que eles saibam o conteúdo básico, para depois desconstruir,
com ajuda das mídias e das perspectivas de vários autores. Porém, mais ao final da entrevista, o
professor comentou outro aspecto. Falávamos sobre a tendência de tratar apenas de elementos
que são de interesse do aluno. Como mostrei anteriormente, Cândido disse que a escola é
privilegiada justamente porque pode fazer o contrário: “Não, o ponto é você mostrar que o
mundo é maior do que aquilo. Romper”. Acredito que as ideias de construir/desconstruir
conceitos junto com o objetivo de ensinar sobre o mundo combinam com os testemunhos das
outras docentes.
Uma das primeiras coisas que Regina discutia com seus pupilos era a importância da
História, principalmente porque eles começavam a perceber mudanças e permanências e podiam
extrapolar para outras situações: “(...) é contribuir para que o aluno consiga interpretar o mundo
em que ele vive, sabendo que não é uma coisa que está ‘dada’ desde sempre, que existem
mudanças históricas, nesse sentido”. Regina avalia o potencial de sua ação a partir da ampliação
do nível de conhecimento histórico dos alunos. Portanto, para ela e para Cândido, o mais
importante não era tanto a sua influência pessoal, mas a eficiência com que ensinava História
para eles – o que parece concordar com a posição de Josep.
Agnês e Mercedes, porém, acreditam que o papel do professor vai além do conteúdo, pois
passa pela formação de valores e atitude crítica: “(...) Porque eu acho que o trabalho de professor
é ir um pouco mais além do que não é só o conteúdo, é muito mais que isso. Questão da
formação, valores (...)”, diz Agnês, ecoada por Mercedes:
[O professor] é insubstituível, porque ele forma, enquanto as mídias informam. Então eu vejo o professor como alguém importante demais. E eu tinha receio, na minha posição, nesse meio, entre as mídias e tudo e as crianças. Como é que eu ia conseguir filtrar tudo isso pra ser uma boa professora?
184
Mercedes se fez esta pergunta, mas não acrescentou nenhuma crítica à sua formação por
não a ter preparado para responder a ela. Ela procurou pelas respostas na observação e
experimentação, acolhendo as colaborações que apareciam, fossem ou não acadêmicas. Formação
de valores por parte do professor de História foi problematizada, na Província de Barcelona, na
tese de Guimerà (1991), que notou, surpresa, que os professores se sentiam relativamente à
vontade com esta função. Parece que era uma novidade apenas na Reforma Curricular, pois Pagès
(1993) percebeu que todas as iniciativas da nova Política curricular que já faziam parte do
cotidiano docente eram mais bem aceitas que aquelas totalmente estranhas. Gusmão (2002)
verificou que os professores da terceira geração se sentiam dispostos a trabalhar com os valores,
mas tinham dificuldades para encaixá-los com os referenciais de esquerda que herdaram da
segunda geração. Mercedes pareceu oscilar entre essas duas posturas, pois completou sua
declaração com um toque da desconstrução ou da ruptura mostrada pelos seus colegas: “(...)
formar cidadãos capazes de ler o mundo com seus próprios olhos, não ficar acreditando em tudo
que dizem por aí”.
Ana conduziu diretamente sua resposta para a Política e para o problema de ser criticada
por ensinar História da forma como faz. Então, o papel do professor de História é:
desmistificar os mitos que a gente faz (...) Eu vejo que o professor de história tem essa responsabilidade grande, que é despertar a Política. Os filhos dos nossos alunos que estão aí, os que estão aqui [na escola] agora, ainda não têm essa leitura. E muito forçadamente a gente faz e ainda com esse risco de ser podado.
Chama a atenção a frase “o professor de História tem essa responsabilidade”, que se
repete em outros trabalhos que analisaram testemunhos de docentes de História, como nas teses
de Fonseca (1996), Villaquirán (2008), Pagès (1993) e Ferreira (2002) e nos trabalhos de António
Gómez (1996), Ciampi (1992), Reis (1999), Corsetti (2002), Caimi (2007), Costa (2007),
Fenelon (1984) e Rassi (2006), entre outros. Há um movimento entre os professores mais jovens
(que atribuíram maior importância ao conteúdo histórico) e os mais experientes (preocupados
com a formação de valores). Todos os cinco, porém, concordaram que o resultado do trabalho do
professor de História deveria ser uma visão, no mínimo, ampliada, que permitisse a participação
– fosse nos aspectos sociais e culturais (conforme Regina e Cândido), fosse no espiritual
(conforme Agnês), fosse no político (conforme Mercedes e Ana). Penso que esta breve reflexão
185
introduz a próxima subseção, em que pretendo refletir sobre o papel das utopias político-
educacionais entre os participantes, procurando mostrar que não se trata de repetição ingênua de
discursos de senso comum reeditados pelo ideário neoliberal.
2.2.4 Utopias, sonhos, frustrações e esperanças
Mercedes, Ana, Cândido, Agnês e Regina não hesitam ao estipular o papel do professor
de História e, diferente de Fidelio, não duvidam da validade do que almejam. Entretanto, quando
perguntei como projetavam o tipo de professor que seriam, algumas inseguranças apareceram de
modo explícito – parece que menos em Ana. Ela respondeu sem pestanejar que queria ser
exatamente a professora que é hoje:
Ah, essa que eu sou. De não ficar enrolando com datas e personagens que não vão mudar a história. Esse é meu mal. Eu trago a Revolução Francesa para o aqui-agora. É onde eu sinto onde eu não posso. Como ficar presa lá em D. Pedro? Mas D. Pedro ainda não fez o que tinha. A História hoje. Para eles D. Pedro não é nada! Eu tenho que trazer a história hoje para eles.
Ana recebeu críticas – de alunos e superiores – por trazer “a Revolução Francesa para o
aqui-agora”. Talvez por ter acontecido o que receavam Josep e Cândido: para ambos, era
infrutífero trabalhar ideias avançadas demais para alunos que não recebessem as informações
básicas. Afinal, para compreender certas analogias na História, é preciso conhecimento robusto
dos diferentes contextos que estão em questão. Talvez, no afã de trazer a “história hoje para eles”,
Ana tenha deixado passar alguns conceitos que ajudariam os alunos a compreendê-la melhor –
como lembra Soares (2005) ao criticar professores "ativistas".
Quiçá esta seja uma das situações que poderiam ser simuladas nas discussões dos
Estágios, como sugeriu Regina. Mesmo assim, Ana registra êxitos, principalmente quando
leciona para Ensino Médio e EJA. Quando ela se sentiu mais ameaçada pelas críticas dos
superiores, solicitou, dos alunos, uma avaliação escrita de seu trabalho. Eles reconheceram que,
muitas vezes, ficaram confusos com as explicações. Mas, quando faziam as tarefas e leituras,
conseguiam compreender as inúmeras relações que Ana estabelecia na aula.
Mercedes, quando começou a trabalhar, sentia-se insegura, mas com vontade de fazer
diferente. Parece com o testemunho de Lola, que apenas sabia que não queria ser igual aos
186
professores que tivera, mas não conhecia um caminho seguro para realizar esta transformação.
Mercedes contou quais eram seus sentimentos no princípio da carreira:
Mas o que eu sentia de verdade era insegurança. Vontade [ênfase] com insegurança. Eu não conseguia me imaginar. O que mais me angustiava era saber se eu ia ter o controle da situação. Se eu ia chegar e dar conta do meu recado e o meu recado não se resumia apenas em ensinar um conteúdo, mas em manter a disciplina, fazer com que as crianças sentissem prazer em estar comigo e se interessassem por aquilo que eu estava tentando passar.
Novamente, ela falou do “fazer bem feito”, que ela compartilhava com Agnês. Esta,
entretanto, não fazia grandes projeções sobre o futuro. O aperfeiçoamento começou mais tarde,
no contato com as necessidades dos alunos e pelas exigências dos concursos públicos. Na
primeira vez que fiz a questão, ela respondeu que “Não projetava nada, achava que ia ser
professora e uma boa professora”. Inspirada em Ginzburg (2001), insisti que explicasse o que era,
então, ser uma boa professora. Mas isto não consistia num problema: “[boa professora era] A que
dava aula... não sei, não tinha essa idéia, achava que eu ia entrar na sala de aula e dar aula, igual
as professoras dão. (…) o único objetivo de todo mundo que fazia faculdade comigo era (...) a
licença para poder ter um emprego”.
Para Regina e Cândido as inseguranças foram ainda maiores e o sentimento de
despreparo, também. Regina “Projetava que eu ia ser uma professora muito democrática. Muito
democrática”. Cândido também: “O que eu imaginava que eu não seria e eu acabo sendo algumas
vezes é ter que ficar impondo muitos limites e chamando muito a atenção”. Ambos precisaram
rever o significado de ser democrático quando tiveram que ganhar a atenção de ruidosos grupos
de adolescentes que, via de regra, não encontravam sentido na escola. Como disse Lola, era
preciso entrar em sala com muito entusiasmo, porque os interesses dos jovens estão, realmente,
bem longe do professor. Funes, Gingins & Moreno (2000, p.138) estudaram justamente esta
tensão vivida pelos docentes de ciências sociais, mostrando que era uma das ilusões da profissão,
afinal, todo docente exerce autoridade.
Mesmo assim, pelas aulas observadas, Regina não precisa temer a alcunha de
antidemocrática. Ouve os alunos, respeita-os, procura manter acordos – mas todos os
acontecimentos da classe estão sob seu controle. Ela não abre mão do papel de adulta, educadora
e intelectual. Quando um grupo reclamou por ter de usar uniforme, ela retomou algumas
características da Revolução Francesa (que estudavam no momento) e comentou que usar
187
“roupinha diferente” contradizia alguns dos ideais que eles haviam estudado e que forjam a
sociedade atual. Ela e Cândido falaram que “[os alunos] querem tomar, eles quase tiram as rédeas
de você, se você der muita brecha, alguns conduzem a tua aula, a forma como você vai fazer as
coisas”, mas evitavam este fato, na medida do possível. Apesar de enfrentarem momentos muito
difíceis nas escolas, tinham clareza quanto à sua autoridade, que se vinculava à responsabilidade
de ensinar conhecimento histórico que ajudasse a “desnaturalizar” o mundo.
Assim, as razões pelas quais se tornaram professores, as expectativas que tinham sobre
seu desempenho e as dificuldades e conquistas da prática cotidiana contribuíram para conformar
as utopias que Regina, Ana, Cândido, Agnês e Mercedes elaboraram em nossa entrevista.
As utopias, segundo a Escola de Lecce (QUARTA, 2009; COLOMBO, 2009), consistem
em projetos de futuro eivados de esperança, baseados em visões críticas sobre o presente.
Portanto, é válido prestar atenção ao fato de todos os professores afirmarem que continuarão
sendo professores. Nenhum se arrepende da escolha, nem mesmo os que enfrentam realidades
mais duras, em contraste com Fidelio. Com isso, não quero dizer que fazem sacrifícios em nome
da missão. O desejo de continuar vem de uma interpretação crítica da realidade, unida ao gosto,
desdobrando-se em iniciativas de melhoria. Na tabela a seguir, comparo as respostas a “por que
se tornou professor” e “por que continua a ser professor”, para visualizar justamente a relação
entre crítica ao presente e projeções de futuro.
188
Tabela 18: Razões para ser professor de História para Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Por que se tornou professor Por que continua a ser professor
Cândido
Só que aí ao longo da graduação você vai vendo que tem outras possibilidades e fui me interessando cada vez mais. (...)Tinha amigos que davam aula, em projetos populares e tudo.
Tem momentos que dá vontade de desanimar. (...) E no dia seguinte você consegue (...) É como Alcoólicos Anônimos, um dia de cada vez. (...) Mas eu quero dar aula em escola pública (...) eu acho que antes de tudo é um dever que eu tenho em retribuir para a sociedade.
Regina
Essa convivência muito próxima com meus colegas, pra mim foi traumático pensar que isso ia acabar quando eu entrasse na faculdade. Eu gostava muito do ambiente escolar.
Ah, eu gostaria muito. Não sei quanto tempo ainda no Ensino Fundamental. Mas eu gosto muito de dar aula, de preparar aula, de pensar atividades, eu gosto muito.
Mercedes
[meus pais] sempre falavam que as mulheres deveriam ser professoras, porque professor é a profissão mais bonita que existe. Ninguém é nada nessa vida sem antes passar pelo professor.
Ah, porque eu amo ser professora {risos}. Por mais que todo mundo reclame, por mais que eu ache também que a gente merece, sim, um reconhecimento, uma remuneração, um montão de coisa que todos nós, educadores, sabemos, mas é uma profissão gratificante demais.
Agnês
E eu queria que meus filhos estudassem numa escola boa, que tivessem uma base escolar que eu não tive, as perdas que eu tive. E eu queria arrumar um emprego
Ah, eu não consigo me ver fazendo outra coisa... eu acho que vou fazer sempre... {risos}
Ana
Ciências Sociais (...) foi a minha terceira opção e foi a que eu conseguia (...) foi o melhor que eu fiz, eu fiquei feliz
A gente vê, recompensa, valeu à pena, se eu tivesse que ser de novo, seria professora, com certeza.
Nas frases de Cândido, transparecia o orgulho por escolher um trabalho útil para a
sociedade que, por sua vez, proporcionou-lhe a formação de excelência numa instituição pública.
Útil no sentido discutido anteriormente (p. 159), isto é, da aproximação entre saberes
historiográficos e problemas vividos pela sociedade atual. Regina gostava da escola, não queria
abandonar o ambiente que a fizera descobrir tantos interesses e habilidades. Mercedes entendia o
magistério como caminho natural para as mulheres da família, ao qual juntou o desejo de fazer
um Curso Superior como a irmã. Agnês apenas queria um emprego e encontrou uma paixão.
Estes quatro, no entanto, disseram que teriam gosto em lecionar na Universidade – note-se,
189
lecionar e não só fazer pesquisa – se houvesse a possibilidadede completar um doutorado.
Mercedes tinha uma frase semelhante à de Agnês: “(...) eu acho que eu não saberia mais fazer
outra coisa profissionalmente”. Regina tem, por plano futuro, melhorar como professora, terminar
o doutorado e, principalmente, aprender a enfrentar o desgastante ambiente escolar sem sofrer
burnout, receio que aparece, sutilmente, em Cândido.
Regina não usou a palavra burnout, mas me pareceu que os estudos de Juan Manuel
Esteve (1999) na obra “O mal-estar docente” serviram para caracterizar boa parte das situações
vividas por muitos professores. Segundo Esteve, burnout é o resultado do acúmulo de situações
desconfortáveis na profissão docente (como a perda de autoridade, a desvalorização social e
salarial, o acúmulo de responsabilidades novas, a violência, a baixa qualidade do espaço físico,
entre outras). Frente a estas situações, alguns professores encontram caminhos de superação,
outros, adoecem ou deixam a profissão. Mas a saída não pode ser individual, pois se trata de uma
“doença social” que atinge uma categoria profissional e, por isso, a melhor forma de combatê-la é
readequar a formação inicial e fornecer ajuda aos que já estão em exercício. Como visto, seria
uma questão de Política Pública e não de superação individual. Esteve conclui:
O mal-estar docente é uma doença social produzida pela falta de apoio da sociedade aos professores, tanto no terreno dos objetivos de ensino como no das recompensas materiais e no reconhecimento do status que lhes atribui. (...) O desafio e a resposta (...) deve-se melhorar o ensino como posto de trabalho e como profissão. (1999, p.144)
Mercedes escapa do burnout por ter o privilégio de trabalhar apenas um período. Ela
reconhece que é extremamente difícil ser bom professor com uma jornada de 40, 50 ou 60 horas
semanais. Porém, como a remuneração é muito baixa, a maioria dos docentes não tem muita
escolha... Cândido e Regina esperam que a especialização acadêmica forneça brechas de
descanso e remuneração de que necessitam.
Todas essas saídas são individuais. Em nenhum caso existe a colaboração institucional
para a melhoria das condições de trabalho. Agnês e Mercedes já tiveram experiências de trabalho
na área de Gestão ou Formação Continuada e as duas preferiram voltar à sala de aula. Seria ainda
mais difícil gerenciar o “mal-estar” docente do que enfrentá-lo?
Ana afirmou que já “cumpriu seu tempo” e pretende canalizar seus esforços em outro tipo
de projeto. Foi um dos momentos da entrevista em que demonstrou um sentimento de alívio pela
190
aposentadoria: “Ai, não vejo a hora, falta pouco, só faltam dois anos para eu sair daqui!
Liberdade. Vou fazer o que eu quero”. Se olhar apenas para este trecho, o testemunho de Ana
representaria a frustração com uma trajetória que não realizou as utopias. Porém, quando
solicitada a refletir sobre a carreira, Ana disse que faria tudo outra vez e acrescentou “com
certeza” ao final da frase. Ela lembrou que, ao encontrar antigos alunos, conseguia ver em seus
olhos um toque de gratidão e, por vezes, arrependimento por não haver aproveitado as
oportunidades. Esta sensação também apareceu nos depoimentos de Josep e Fidelio e em alguns
trechos de Mercedes. Alguns dos entrevistados sentiam que certos alunos só percebiam a
importância da escola depois que saíam dela. Seria, por isso, em parte, que Agnês cuidava para
que seus alunos de EJA se sentissem valorizados na “segunda chance” de escolarização. A tabela
a seguir traz citações diretas dos testemunhos dos cinco professores, quando interpretam o tipo de
influência que acreditam ter (ou não) sobre o futuro de seus alunos.
191
Tabela 19: Influência sobre o futuro para Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Poder sobre o futuro dos jovens Contribuição para um mundo diferente
Cândido
Fica uma dúvida (...) como professor eu tenho uma forte influência sim e uma responsabilidade (...) Agora em que medida afeta, é difícil mapear. (...) Eu acho que afetou mais.
Eu acho que a escola, hoje, perdeu um pouco disso. De conseguir mostrar que não é questão de isso ser útil ou não, mas isso faz parte da nossa formação básica, isso é necessário pra gente se situar no nosso país, no mundo.
Regina
(...) eu sempre faço uma discussão inicial sobre: “por que a gente estuda história?" (…) pra ver que história não é só coisa velha, que influencia no dia dele hoje. Quando eu falo para eles: (...) é porque eu estou querendo prepará-los para pensar.
(...) é uma sementinha que eu me sinto na obrigação de plantar {risos}. Se isso vai influenciar ou não, como o espaço é curto, eu não consigo perceber, mas eu consigo perceber avanços, mesmo que seja sobre o conteúdo mesmo.
Mercedes
Acho que eu ensino menos coisas, mas de um jeito mais profundo, onde eu realmente percebo que eu consegui atingir. (…) Eu quero que eles saiam maiores do que entraram. (...) Se sair igual, é porque eu fracassei.
Quando eu comecei eu queria mudar o mundo.(...) E ao longo do tempo eu fui percebendo que (...) é meio que (...) semear (...) eu luto para que todos eles cheguem numa determinada porta.
Agnês
Mas eu não tenho essa... ser meio onipotente {risos} (...) Se contribuir para essas pessoas se encontrarem na vida, o mundo fica melhor para eles! Mas em grande instância, não sei.
A relação deles com o ensino. Porque o aluno de EJA vem com uma auto-estima muito baixa em relação à escola. (...) E se eu vejo que eles saíram da oitava confiantes (...). A escola não redime.
Ana
(...) disso que eles aprendem, é depois que eles saem da escola que a gente vê. (…) depois que eles saem da escola que eles vão entender
Nós moramos na cidade mais rica do Estado de São Paulo (...) mas o povo não sabe o que é isso! Essa é a minha aula, que eu conto todos os dias.
Esta tabela é rica em informações. Em primeiro lugar, os professores mais jovens (como
Josep, para o caso da Província de Barcelona) acharam difícil mapear as mudanças que
acontecem em seus alunos, pelo pouco tempo de convivência. Em segundo lugar, Regina, Agnês
e Mercedes compartilharam da serenidade que Lola demonstrara, ao dizer que nem todos os
alunos iriam aproveitar da mesma forma as oportunidades oferecidas, mas que se sentiam na
obrigação de lhes dar condições. Em terceiro lugar, Ana e Cândido lembram que, em alguns
casos, os alunos só perceberiam a influência do conhecimento histórico muito tempo depois ter
saído da escola (como Fidelio e Josep bem lembraram). Uma quarta coincidência foi a metáfora
192
da semeadura, que esteve clara em Mercedes e Regina, mas apareceu também em Cândido:
“Porque tem coisas que às vezes é alguma coisa que você diz, ou um texto que você passa, um
filme que você passa, que aquilo muda a maneira de ele ver algumas coisas, mas não é tão direto,
né”.
Outros aspectos estão menos explícitos nas citações da tabela, mas apareceram ao longo
dos testemunhos. As perguntas do roteiro, anexas, tratavam do potencial de influência do
professor sobre seus alunos e a mudança. Mas, de maneira geral, os professores transferiram o
poder transformador para o conhecimento histórico. Mesmo assim, Mercedes, Ana e Regina
fizeram referências mais diretas ao modelo de trabalho desenvolvido por elas que, junto com o
conteúdo, seria capaz de mudar a visão dos jovens, pelo menos em alguns aspectos.
Um contraste importante está nas repostas de Mercedes e Agnês. Para esta, a “escola não
redime”. Para aquela, se não houver mudança, houve fracasso no processo de ensino e é papel da
escola oferecer condições dignas para que os professores possam cumprir os objetivos
emancipadores assumidos pela Educação (CAMBI, 1999). Ana compartilhou do ceticismo sobre
o potencial transformador da educação, pois ela gostaria de sair da escola para “realmente
trabalhar a promoção, não a permanência dele naquela miséria”. Do contexto destas respostas,
entende-se que o perpetuador da miséria não é a educação em si – pois todos confiam no valor do
conhecimento histórico – mas do sistema escolar. Escuto ecos desta posição nos termos que
Agnês usou para caracterizar seus alunos de EJA: foram excluídos ou expulsos da escola. Não
são desistentes, nem fracassados. Volto, portanto, à mesma ressalva denunciada em Pagès (1993),
Boixader (2002), Ferreira (2002), Cusinato (1987), Basso (1994) e Ricci (2003): sem salário,
tempo, qualidade no ambiente de trabalho e oportunidade de estudo e participação, não se pode
exigir dos professores as transformações propostas.
Diferente do contraste que vi entre Lola, de um lado, e Josep e Fidelio, de outro, não há
grande distanciamento sobre a crença no potencial transformador do professor de História entre
os participantes do Estado de São Paulo. Existe um consenso de que, pelo menos em termos
cognitivos, é inaceitável que os alunos terminem o ano letivo da mesma forma que começaram.
Porém, esta afirmação pode ser nuançada. Primeiro, porque eles não são “onipotentes”, isto é,
sabem que o êxito não aparecerá em todas as aulas de todas as turmas. Segundo, como bem
lembram Mercedes, Ana e Agnês, parece não ser da natureza do sistema escolar promover a
193
emancipação para todos, embora seja o mote da Educação, explícito no perfil profissional dos
PPPs das cinco escolas do estado de São Paulo. Paradoxo interessante este, lembrado por
Mercedes, Agnês, Ana, Regina e Cândido.
Por fim, é Cândido quem propõe uma questão geracional – também relacionada com o
paradoxo entre a função da educação e os caminhos oferecidos pelo sistema escolar concreto. Em
sua interpretação, os alunos sentem pouca atração pela escola (e pelas aulas de História) porque
vivem numa época que não valoriza o conhecimento sólido e, sim, a possibilidade de saltar
rapidamente de uma fluida comunidade para outra, dentro da rede de relações. Ele lembra
Zygmunt Bauman para caracterizar uma geração que tem dificuldades em estabelecer metas e
atribuir significado ao tempo: “E eu acho que essa geração sabe menos ainda ‘o que eu quero’,
sabe?”. Em seguida, cita Beatriz Sarlo181 para explicar porque acredita que a escola já afetou
mais, no passado, a vida das pessoas. Seria, justamente, pela desvalorização da cultura geral, que
confere o sentimento de pertencimento, em prol do “(...)‘ah, tem que fazer o que eles [os alunos]
gostam’”. Parece-me que Cândido enfatiza os elementos da tradição e da autoridade do educador,
sem necessariamente desejar o retorno a um passado idealizado, o contrário, portanto, do
resultado recorrente na tese de Almeida Neto (2002). A intenção de ser um professor democrático
o confirma. Há elementos nos testemunhos das outras quatro professoras que parecem concordar
com esta posição.
Ainda falta um último passo: refletir sobre os sonhos e as utopias. É preciso esclarecer
que, para esta categoria, utilizo primordialmente as respostas diretas à questão “Qual é sua
utopia?”, mas insiro trechos que apareceram em outras partes da entrevista, como se fossem
enunciações espontâneas das utopias ou esperanças. Outra informação relevante é que perguntei,
primeiro, sobre as utopias e, depois, sobre os sonhos, geralmente, com este tom: “a resposta
mudaria se eu perguntasse qual é o seu sonho?”. Por fim, dada a riqueza dos testemunhos,
construí uma tabela com os elementos mais fortes de cada resposta, a fim de ajudar a
identificação do teor geral das utopias dos participantes.
181 SARLO, Beatriz. A escola em crise. Tempo presente. Notas sobre a mudança de uma cultura. Tradução de Luís Carlos Cabral. São Paulo: José Olympio, s.d.
194
Tabela 20: Sonhos e utopias de Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana.
Cândido
Uma utopia... uma pergunta difícil, uma utopia (…) No momento, eu penso em tentar melhorar como professor. (...) Sou pouco didático. (...) Tentar melhorar como professor! E tentar ter um impacto maior. Mas o duro que a estrutura não favorece muitas vezes. (...) Eu tinha vários grandes sonhos. Mas acho que eu fui ficando um pouco cético, pé no chão. (...) Que o mundo seja menos intolerante, menos autoritário.
Regina
Puxa vida. Não sei. De alguma maneira contribuir para que a desigualdade social diminua. Acho que isso é uma coisa que não está muito ao nosso alcance na sala de aula, mas isso é uma utopia pessoal. Mas na sala de aula, (...) contribuir para que o aluno consiga ter um pensamento autônomo, consiga avaliar, refletir sobre as coisas que acontecem no dia-a-dia dele. (...) Eu acho que isso é utópico porque ao mesmo tempo em que a gente trabalha muito com esse sentido, é uma coisa que envolve outros fatores que não estão ao nosso alcance também. (...) talvez me tornar uma professora universitária, ser uma professora melhor, de História.
Mercedes
Eu almejo uma sociedade mais igual, que não tenha esse corte assim: tão poucos com tanto e tantos com quase nada. (…) a minha utopia é uma escola que permita que todos aprendam, e aprendam bem (...) que não exista mais escola “mais ou menos”. Minha utopia é que ninguém tenha que colocar o menino na escola particular para ter uma escola boa.
Agnês
A minha utopia enquanto ser humano é a formação dos meus filhos. (…) Eu acho que é bom você ter uma profissão, eu gosto de me realizar na minha profissão, eu gosto da área acadêmica (...) O trabalho é bom. Mas para mim o melhor é a família! (...) Que eu faça um trabalho significativo para os alunos. Significativo que eu digo, nem sempre um trabalho que as pessoas vão ver e achar que é um bom trabalho, mas ...
Ana
O que eu faço para mim é tudo o que eu queria. Esse meu sonho maravilhoso, agora eu vou rezar num outro canal. Vou fazer um Santuário Mariano nas terras que meu pai deixou. (...) Meu sonho... é ver esse povo mais politizado. Ver um povo... eu vejo, sabe, sem tanto egoísmo. (...) E numa visão teológica e política não é para um, é para todos! É para todos, não é para um! E esse todos, com qualidade, com dignidade. É essa minha utopia.
Acredito que a utopia política ou social seja o aspecto que salta aos olhos, pois Cândido,
Regina, Mercedes e Ana disseram que sua utopia é ver um mundo mais justo: “para todos, com
qualidade, com dignidade”, “que não tenha tão poucos com tanto e tantos com quase nada”,
“contribuir para que a desigualdade social diminua”, “que o mundo seja menos intolerante”.
Penso que, entre estes professores do Estado de São Paulo, o sentido de transformação social
aparece com maior intensidade do que entre Lola, Josep e Fidelio. Aliás, nota-se a conexão entre
Cândido e Josep no quesito “tolerância”. Ambos se preocupam com a forma como certos alunos
– imigrantes, homossexuais, negros – são tratados pelos professores e colegas. Mesmo assim,
195
nenhum dos participantes falou de Revolução, instauração do Socialismo ou desaparecimento das
desigualdades. Parece que predomina uma ideia difusa sobre justiça social como aproximação
entre as classes e não, necessariamente, sua abolição. Por isso, penso que o teor destas utopias
políticas se aproxima de concepções de democracia que se identificam com a dita “democracia
formal” como ponto de partida para a justiça social e a igualdade (BOBBIO, 1998, p.326).
É Regina quem ajuda a conectar as utopias políticas com as educacionais, por dizer que a
luta contra as desigualdades faz parte do trabalho de ensinar História. A utopia educacional de
Regina (contribuir para que o aluno consiga ter um pensamento autônomo) é parecida com as de
Mercedes (a minha utopia é uma escola que permita que todos aprendam, e aprendam bem) e
Agnês (que eu faça um trabalho significativo para os alunos), pois as três focalizam-nas no
sucesso dos alunos e procuram o equilíbrio entre a autoridade, a democracia e o respeito ao
potencial dos jovens. Regina amplia, com Cândido, o sonho de tornarem-se professores melhores.
Assim, se os alunos sentirem prazer na escola e atribuírem sentido aos estudos, aprenderão
melhor e, por consequência, serão pessoas autônomas, tolerantes e politizadas, que contribuirão
num grau mais elevado para a transformação política e social que eles projetam.
Antes disso, porém, acrescente-se outro ingrediente das utopias: a crítica ao presente
(COLOMBO, 2009; QUARTA, 2009; DUBOIS, 2009). Mercedes, Cândido e Regina lembraram
um tema importante, destacado por várias teses estudadas no Capítulo Um (PAGÈS, 1993;
FERREIRA, 2002; BOIXADER, 2002; RICCI, 2003; BASSO, 1994): as condições de trabalho.
As utopias existem, são importantes para manter o entusiasmo, mas não desmobilizam os
professores, nem os responsabilizam individualmente, como temem Shiroma & Evangelista
(2004). Eles estão cientes de que não precisam (nem podem) concretizar todas as modificações
almejadas. A escola não é a ferramenta utópica para regeneração e emancipação da sociedade,
como queriam os iluministas (BOTO, 2003; PIOZZI, 2007). Nem eles se identificam como
agentes políticos por excelência, como enunciou Rousseau, segundo Cambi (1999) e Furter
(1974). Talvez se aproximem da ideia de professor como intelectual transformador, que Giroux
(1997) empresta do conceito de intelectual orgânico de Antonio Gramsci (SOARES, 2004), mas,
em seu discurso, aparece a crítica às condições materiais que deveriam garantir a dignidade do
trabalho docente. Este ponto também parece ser mais explícito entre os professores do Estado de
São Paulo que entre os da Província de Barcelona.
196
As utopias político-educacionais se constituem com o rigor aprendido nos processos de
formação institucional (inicial e continuado) e procuram unir-se ao enfrentamento cotidiano de
condições de trabalho que tornam quase impossível que executem o “papel do professor de
História” conforme projetaram nas entrevistas. As utopias são importantes para constituir a
profissionalidade do professor. Vou explorar melhor esta questão no próximo capítulo.
2.3 – São Paulo e Barcelona: semelhanças e diferenças
Seguirei as quatro categorias que já orientaram a apresentação dos testemunhos dos
professores da Província de Barcelona e do Estado de São Paulo (2.1 e 2.2), para consolidar o
objetivo deste capítulo, que é compreender a presença das utopias político-educacionais nos
testemunhos de professores de História. É o momento de remeter à problemática de pesquisa os
dados trazidos pelas fontes documentais e interpretá-los com a ajuda dos referenciais teórico-
metodológicos. A abordagem comparativa passará da identificação de semelhanças e diferenças -
entre Lola, Josep e Fidelio e Ana, Regina, Cândido, Agnês e Mercedes – para a emergência de
sentidos sobre as utopias político-educacionais presentes nos processos formativos dos
professores de História.
Ser professor com curso Superior era um desafio e uma meta, principalmente, para as
gerações mais velhas. São eles, os professores, que descobrem ou consolidam na formação inicial
o compromisso com a transformação e emancipação, principalmente pelo contato com teorias
marxistas. Todos, principalmente os mais jovens (Josep, Regina e Cândido), experimentaram no
processo de escolarização este sentido libertador do conhecimento. O papel das famílias foi
fundamental na relação com a escolarização e com o saber. Por isso que “fazer o curso Superior”
ganhou um toque de rebeldia que vários participantes afirmaram ser parte de sua personalidade
desde muito jovens. Lola tinha seu pôster no sótão; Mercedes era questionadora; Agnês, Ana,
Regina e Fidelio enfrentaram os pais para estudar o que queriam.
Neste ponto reafirmo o valor do Rock, do Punk e da MPB (principalmente as músicas de
protesto) como forma de “mostrar-se para o mundo”. Além disso, a esperança de que o saber –
transmitido pela escola – ajudaria a ter uma vida melhor, talvez a vida digna de que falou Fidelio.
É possível que resida aí o ponto de frustração dos professores. Afinal, todos – paulistas e
barcelonenses – estudaram em escolas públicas (se privadas, com bolsa) que lhes ofereceram
197
excelente nível de conhecimento e possibilidade de ascensão social. Porém, eles já não
conseguem fazer o mesmo por seus alunos. Eles lembram seus professores favoritos por dois
motivos básicos: a exigência intelectual (nos níveis secundário e superior) e a afetividade. As
escolas foram importantes – novamente para as gerações mais jovens – como estimuladoras da
participação social. Os professores de História (Josep e Regina), Geografia (Cândido) ou
Literatura (Fidelio) incentivaram as discussões sobre os problemas políticos vividos no país.
Porém, se a escolarização foi significativa – determinante, até – ela deixa de ser na
formação inicial, pois, para alguns, o Curso Superior não cumpre as expectativas – quando elas
existem. As dificuldades para reproduzir o mesmo ambiente que fascinara na juventude
trouxeram as dúvidas e as frustrações. Neste aspecto, a presente pesquisa apenas repete algo já
conhecido por outros investigadores do cotidiano dos professores, como mostrei no Capítulo Um:
os primeiros anos de trabalho como professor são desafiadores e desgastantes (BRAVO, 2002;
PAIM, 2005). Além disso, é o período em que muitos docentes definem se adotarão inovações ou
se reproduzirão formas tradicionais de enfrentar os problemas (PAGÈS, 1993).
É relevante notar que os dois professores paulistas mais jovens desejavam, como plano
futuro, conciliar o trabalho na Educação Básica com o Ensino Superior. Eles levantaram um
problema que merecia ser mais discutido nas Políticas de avaliação de qualidade dos
professores/pesquisadores das Instituições de Ensino Superior no Brasil. Afinal, ministrar cursos
de formação continuada em escolas públicas possui valor menor do que uma conferência dirigida
a outros pesquisadores de uma Universidade. O documento que estabelece os critérios de
avaliação da Capes para o triênio 2004-2006 não cita, em nenhum momento, o valor de
participação em projetos de formação continuada em colaboração com a rede pública. A palavra
“escola” tampouco aparece no documento182.
Não se trata de sobrevalorizar as áreas didáticas em detrimento das teóricas, mas
reconhecer o valor de ambas, como práticas inerentes ao professor de Ensino Superior. Algumas
áreas dialogam mais de perto com as escolas, mas todas são importantes para a formação do
futuro professor. A sensação de que as aulas dos professores da Faculdade de Educação eram
182 FUNDAÇÃO COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE ENSINO SUPERIOR – CAPES. Critérios de avaliação trienal. Educação. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/CA2007_Educacao.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2012.
198
insuficientes talvez tenha desdobramentos bem maiores do que uma “rixa” entre as áreas. Esta
explicação, aliás, não convenceu mesmo a própria Regina183.
Exploro, entretanto, um aspecto do problema ligado às utopias político-educacionais: a
perpetuação de um sentido missionário para os envolvidos com a Educação. O discurso de que
trataram Shiroma & Evangelista (2004) e De Rossi (2005) diz que a escolha pela docência
incluiria a aceitação de baixa remuneração e condições aviltantes de trabalho. Tudo em nome de
um bem maior, utópico: a transformação do mundo pela via da educação.
O interessante é que, mesmo cientes deste discurso, pesquisadores da formação de
professores de História (estudados no Capítulo Um) e os professores entrevistados não deixaram
de sustentar suas escolhas com elementos utópicos. Uma das formas para tentar compreender
melhor esta aparente contradição está em relacionar as utopias enunciadas por estes participantes
aos contextos de formação e trabalho.
Todas as escolas visitadas – públicas e privadas – têm suas belezas e seus problemas. O
espaço físico não é necessariamente ruim. Entretanto, ele é, por vezes, inadequado para a
quantidade de pessoas e as paredes se convertem em outdoors onde os alunos expressam sua
insatisfação. Nos casos em que os professores tinham dificuldades de manter a disciplina, as salas
de aula estavam praticamente lotadas, quase não havia espaço para os professores deixarem os
materiais e o único recurso disponível era o quadro-de-giz – não havia mapas, nem cartazes,
retroprojetor ou datashow (pelo menos, com acesso fácil). Algumas escolas possuíam sala de
informática, mas, por diversas razões, não estavam em funcionamento. Grupos de jovens
tentavam ajudar os professores a desenvolver a aula, enquanto outros faziam justamente o
contrário. Então começavam os conflitos e as interrupções – aqueles “focos de incêndio” que
forçavam os docentes a parar a explicação.
183 A política de remuneração dos professores de Instituições públicas de Ensino Superior desestimula a atuação concomitante na Educação Básica e no Ensino Superior. Sem o acréscimo da “Dedicação Exclusiva”, os salários caem significativamente. Um exemplo se encontra no recém-publicado edital da Universidade Federal do Mato Grosso, que oferece (entre outras) vagas no Departamento de Educação. Para o professor com Dedicação Exclusiva, a remuneração inicial chega a R$7.333,67. Sem esta opção, o salário cai para R$4.300,00. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO. Edital n.002/PROAD/SGP/2012. Concurso Público de Provas e Títulos para Provimento de Cargos da Carreira do Magistério Superior da Universidade Federal do Mato Grosso. Disponível em: <http://www.ufmt.br/ufmt/site/userfiles/editais/de8e84289db8dff73fd2bc4c34b4ebd4.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2012.
199
Este seria o quadro geral das escolas mais difíceis. Em outras (inclusive do Estado de São
Paulo), estavam disponíveis telas grandes, projetores, internet, mapas, aparelhos de som,
fotocopiadoras – que eram usadas e bem usadas! Algumas escolas tinham por princípio reduzir o
número de alunos por turma e adotavam o sistema de “sala-ambiente”. Foi o que ajudou
Mercedes a conquistar um aluno com problemas, deixando-o responsável por uma biblioteca que
organizara em seu armário. Ouvi relatos de equipes pedagógicas que auxiliavam a enfrentar os
problemas e ofereciam apoio aos projetos, mesmo quando outros colegas não estavam
envolvidos. Percebi relacionamentos amistosos entre colegas. Notei alunos admirando a erudição
e a clareza das explicações – mesmo que não fosse unanimidade. Convivi com professores que
estavam lutando pelo reconhecimento de sua autoridade como intelectuais democráticos e
afetuosos184.
As situações de “mal-estar docente” (ESTEVE, 1998) são inúmeras e, de fato, quase
desesperadoras. Sintetizo-as contando o que ouvi de um jovem quando entrei em sua sala para
observar a aula: “você não vai aguentar, vai querer ir embora”. Bravo (2002) estava ciente disso
ao escrever sua tese e defender a urgência de uma política de acompanhamento dos professores.
Algumas escolas ofereceram, no PPP (São Paulo) ou no Proyecto Educativo de Centro
(Barcelona), um diagnóstico realista das condições de seus alunos e, principalmente no caso do
Estado de São Paulo, acrescentam ao perfil do professor atividades de formação continuada que
os ajudem a alcançar as metas. As habilidades desejadas por escolas da Província de Barcelona e
as paulistas coincidem: os professores precisam ser democráticos, atenciosos, tolerantes,
esforçados e atualizados a demandas como meio ambiente, inovação tecnológica e Educação para
a Paz, o que demonstra a chamada “coincidência temporal das agendas educativas”185, nos
sistemas de educação em tempos de globalização (CANÁRIO, 2006, p.30). Quando os próprios
184 Um documentário que bem ilustra os problemas de estrutura física nas escolas públicas brasileiras, contrastadas com as utopias dos alunos e o compromisso dos professores é “Pro dia nascer feliz”, de João Jardim. PRO DIA NASCER FELIZ. Direção de João Jardim. Produzido por João Jardim, Carlos Eduardo Rodrigues e Flávio Tambellini. Roteiro: João Jardim. Globo Filmes, 2006 (88 min), son., color. Este documentário foi citado no testemunho de Regina. 185 Expressão usada por Rui Canário, emprestada de Ronald Sultana na obra: SULTANA, Ronald. Education et formation de qualité pour l’Europe de demain. In: LAWN, Martin & NÓVOA, Antonio (coords.). L’Europe réinventée. Regards critiques sur l’espace européen de l’education. Paris: L’Harmattan, 2005, p.163 195.
200
participantes projetam ser professores democráticos, que utilizam as mídias186 e causam impacto
no futuro dos alunos, correspondem ao que, oficialmente, as escolas esperam deles. Certamente,
não criaram estas perspectivas apenas quando leram os documentos escolares.
Como procurei mostrar no Capítulo Um, a preocupação com a Democracia ocupa também
as teses de doutorado sobre a formação de professores de História. Entretanto, não creio que a
diferenciação entre democracia liberal e socialista seja suficiente para compreender as posturas
destes professores. Talvez, a distinção entre democracia formal e democracia substancial seja
mais adequada para ajudar a compreender o desejo de serem professores democráticos e
apoiarem a democracia.
Para Bobbio (1998), a democracia formal inclui apenas métodos ou “comportamentos”
que um Estado assume no jogo político, entre eles: a representatividade ou a eleição direta, o
sufrágio universal, o voto livre, o princípio da maioria numérica etc. Como se sabe, um Estado
pode apresentar estes aspectos e, ao mesmo tempo, não praticá-los. Porém, a democracia
substancial não leva em conta apenas os métodos:
[ela] faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um Governo do povo; a substancial é mais um Governo para o povo. (p.328)
Para o mesmo autor, é na teoria de Rousseau que ambas as perspectivas se fundem: ”(...) a
Democracia perfeita — que até agora não foi realizada em nenhuma parte do mundo, sendo
utópica, portanto — deveria ser simultaneamente forma e substancial” (p.328). A defesa da
democracia substancial, sem dúvida, compõe as utopias político-educacionais propostas pelos
entrevistados.
Porém, as frustrações aconteceram quando se depararam com alunos que não
combinavam com os modelos que esperavam. Como democráticos, não poderiam impor seu
modelo de vida. Mesmo assim, eles mantiveram a intenção de que os jovens sofressem algum
tipo de mudança ao longo do período em que fossem seus alunos. Os professores que
186 É interessante notar a relação entre o uso das mídias e o combate a elas (um dos objetivos mais citados nas fontes documentais desta tese) e os pilares das utopias político-educacionais entre os iluministas, conforme Piozzi (2007): “(...) dando primazia à informação e demonstração racional e científica, aptas a instrumentar o aluno na análise dos fatos e a decodificar os engodos do discurso arquitetado para seduzir o coração e submeter a vontade” (p.721).
201
demonstraram maior tranqüilidade em avaliar este objetivo foram aqueles que centralizaram a
atenção no desenvolvimento da compreensão do conhecimento histórico, como Regina, Lola e
Mercedes. Elas esperavam que os alunos, em primeiro lugar, aprendessem História – e, em certa
medida, que possuíssem condições de trabalho para tanto. Isso não significava que não se
preocupassem com a transmissão de valores ou com a politização dos jovens, mas, quiçá,
estavam menos aflitos quanto aos limites de seu trabalho frente a transformação social e aos
meios contra os quais competiam. Creio que Mercedes sintetizou esta ideia quando disse que
passou de uma professora “horizontal” para uma “vertical”, isto é, daquela que desejava
massificar seu ponto de vista àquela atenta às diferenças e aos potenciais dos alunos.
Cândido e Regina projetavam uma relação horizontalizada com seus alunos, talvez
inspirados pelas críticas à educação bancária e à escola reprodutivista fomentadas pelas leituras
de Paulo Freire e da Pedagogia Histórico-Crítica. Não desejavam imitar professores autoritários,
em cujas aulas os estudantes permanecem mudos. Entretanto, o contato com a vida escolar
mostrou-lhes outros sentidos para a democracia e permitiu repensar o conceito de autoridade.
A relação com o passado é importante para os professores de História que, além de
representarem a tradição e a conservação pelo fato de serem educadores, também têm por função
ensinar conteúdos históricos. Esta tensão foi discutida, em parte, na dissertação de mestrado
(PACIEVITCH, 2007). Constatei que os professores de História entrevistados (do Paraná, de
Santa Catarina e do Rio de Janeiro) interpretavam a passagem do tempo, de maneira geral, na
forma de processo (consciência histórica genética), isto é, o passado ajudaria a explicar o
presente, mas jamais determinaria ações futuras. Já a história ensinada na escola, em muitos
casos, parecia ter função “exemplar”: os professores afirmaram que, para os alunos, a História
deveria fornecer exemplos de conduta. Outro aspecto da tensão entre tradição e inovação é o fato
de os participantes da presente pesquisa configurarem significados positivos sobre a escola
enquanto alunos. Isso não contribuiu – nestes casos – para a perpetuação de práticas docentes já
superadas. Pelo contrário, a experiência com a escola motivou a recusa do ensino factual,
fastidioso e pouco significativo ou autoritário. O sucesso escolar dos oito participantes impacta,
entretanto, nos resultados (menores do que o esperado) que obtêm com seus próprios alunos, o
que obriga os docentes a reinterpretar o papel da escola.
202
Embora não seja mote desta pesquisa, parece-me válido registrar algumas características
comuns entre os docentes que os permitia notar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.
Certamente, são habilidades recorrentes em outros trabalhos que estudam as características de
bons professores, como Evans (1989), Monteiro (2007), Tribó & Enfedaque (2000) e Maria
Isabel Vera & David Pérez (2000).
De maneira geral, notei que todos os participantes adaptam-se ao currículo e alguns têm
maior flexibilidade que outros. Não existe, entretanto, rechaço total aos programas estabelecidos
pelas instâncias superiores, mas evitam que as determinações oficiais impeçam-nos de preparar
seu próprio material didático (que preferem aos livros didáticos, embora não deixem de usá-los).
Sentem-se igualmente responsáveis perante as avaliações externas e a progressão dos alunos ao
Ensino Médio ou Educação Superior. Quase todos lançam mão de um delicado contato afetivo
com os alunos: tocam nos ombros, conversam sobre o cotidiano e, em alguns casos, conhecem a
família, os problemas e as alegrias dos alunos com maiores dificuldades. A referência sobre
afetividade encontra-se na “Pedagogia da Autonomia”, quando Paulo Freire defende o “querer
bem” na prática educativa: “(...) preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem
de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que participo (...). A afetividade
não se acha excluída da cognoscibilidade.” (FREIRE, 1996, p.52). O “tato pedagógico” de Max
van Manen, que igualmente articula profissionalidade e afeto, é uma baliza especial para Lola.
Além de entabular a breve conversa com alguns jovens específicos, reservavam um tempo
da aula para chamar, em reservado, alunos com problemas e negociar o acerto das tarefas.
Estimulavam a leitura e a produção escrita nas mais diversas formas. Para alguns, era importante
que os alunos conhecessem todo o planejamento e que opinassem sobre ele, fazendo o mesmo
com a programação diária. Foi fundamental para o sucesso de certas aulas a criação de um clima
amistoso, porém sério e concentrado, para realizar as atividades. A preparação inicial, a
explicação clara dos objetivos da aula e a determinação de um tempo para cumprir as tarefas
pouparam conflitos posteriores. Por último, gerenciavam bem a circulação de pessoas pela sala.
Dirigiam-se às carteiras e aos grupos, ou controlavam o acesso dos alunos até sua mesa. Sabiam
ouvir as demandas dos alunos sem perder o objetivo da aula e, principalmente, conseguiam
transformar perguntas isoladas em desafios para a turma toda. Evitavam oferecer respostas
203
prontas. Procuravam pelo engajamento da turma e conseguiam – quase sempre – neutralizar
pontos de interrupção sem desconcentrar a todos.
Ressalto que são características que notei igualmente na Província de Barcelona e no
Estado de São Paulo. Não são privilégios dos mais experientes nem dos formados em
universidades renomadas e todos os participantes possuem algumas delas. As teses de doutorado
estudadas no primeiro capítulo oferecem características mais genéricas para o bom professor:
reflexivo, crítico, intelectualizado e comprometido com seus alunos. Certamente, a descrição
acima combina com estas qualidades. São, portanto, as mesmas recomendações transmitidas nos
cursos de formação, conforme Pagès (1993), Ricci (2004) e Paim (2005). Coube aos professores
concretizá-las nas escolas (FERREIRA, 2004). É neste intervalo entre o perfil aprendido/desejado
e a realização na escola que reside o problema maior da formação docente institucional: a
dicotomia entre teoria e prática (MESQUITA, 2008). Não existe uma resposta única para a
formulação de currículos que interliguem educação e historiografia. A grande esperança é: se o
professor for capaz de refletir criticamente sobre sua prática, poderá, certamente, transformar o
ensino de História nas escolas. Não creio que os oito testemunhos contradigam esta ideia, mas
que eles acrescentem um complicante: as condições de trabalho.
Parece que a confiança (ou falta dela) sobre o impacto das aulas de História entre os
jovens é um tema importante. Ricardo Cusinato (1987) notou que os professores formados em
Universidades Públicas de reconhecida qualidade eram mais aptos a explicar os problemas que
viviam em relação aos que haviam cursado Faculdades privadas. Esta regularidade não apareceu
na presente pesquisa, embora os professores das Universidades Públicas (no Estado de São Paulo
e na Província de Barcelona) esperassem mais do que suas instituições efetivamente ofereceram –
principalmente no quesito Estágio/Prácticum. O critério determinante para escolha dos cursos
superiores foi, em primeiro lugar, a possibilidade de acesso.
Os oito professores participantes, cada um ao seu modo, atribuem importância aos valores
humanistas, à democracia e à cidadania – principalmente na compreensão da Política. Como
antecipado no artigo de Marilena Chauí, princípios humanistas são importantes para a construção
das utopias na Modernidade e ajudam a forjar ideias caras aos professores entrevistados. Diz a
filósofa:
204
O humanismo exalta a razão humana, a lógica e a experiência no plano do conhecimento, e a vontade no plano da ação, isto é, o poder para dominar, controlar e governar os apetites e as paixões. O homem é, pois, capaz de guiar-se a si mesmo, desde que, por meio da razão e da vontade, estabeleça normas de conduta e códigos para todos os aspectos da vida prática. (CHAUÍ, 2008, p.9)
As pesquisas de Guimerà (1991) e de Fonseca (1996), entre outros, ajudam a constatar
uma generalidade entre os docentes de História: o posicionamento político à esquerda, com
tendência Progressista ou, às vezes, libertária. O que chama a atenção é que, ao contrário da
imagem recorrente no senso comum sobre o professor de História, estes participantes não são
revolucionários – nem reacionários. Existem, sim, críticas à mídia e preocupação com os valores.
Os que possuem filiação partidária não militam. A participação sindical é a ausência mais
marcante, pois seria o órgão mais próximo para lutar pelas condições de trabalho. Por outro lado,
existe uma série de indícios de outros significados para a participação política, na forma de
mobilizações em diferentes âmbitos da sociedade, como, por exemplo, em ONGs de alcance local
e internacional, em atividades das Igrejas (Católica ou Adventista), no Movimento Feminista e
em ações de cunho cultural (como os Cineclubes).
Quando Antonio Almeida Neto (2002) analisou este ponto, verificou o desejo de que os
alunos se mobilizassem e também quase nenhuma atividade política da parte dos entrevistados.
Júlio Costa (2007) também criticou a ausência de militância entre futuros professores de História.
Porém, os oito participantes da presente pesquisa evitavam confundir sua profissão com
proselitismo (político ou religioso). Ao atribuírem maior importância ao conhecimento histórico
(junto com a formação de valores humanistas e laicos), pareceu-me que tentavam escapar da
armadilha de lançar aos alunos a responsabilidade pela mudança do mundo. Obviamente, eles
esperavam que os jovens de hoje tivessem uma vida melhor do que as gerações passadas. Porém,
não poderia afirmar, com base em seus testemunhos, que com isso abdicam da própria
responsabilidade pela mudança e, principalmente, pelos deveres da profissão.
Um último ingrediente vem dos autores influentes. Combinando com a posição política
declarada, mencionaram autores voltados, politicamente, à esquerda: historiadores marxistas
como Josep Fontana, Edward Thompson e Eric Hobsbawm; o próprio Karl Marx e Mikhail
Bakhtin; e, na educação, Paulo Freire e Henry Giroux. Porém, a lista não acaba aí: Weber,
Deleuze, de Certeau, Max van Manen, Marc Bloch, Jacques Le Goff, a Bíblia são também
importantes para os docentes. Existe, entretanto, alguma dificuldade para introduzir – e vivenciar
205
– estes referenciais no planejamento escolar. Entre os professores do Estado de São Paulo,
conforme avançam as gerações, há um caminhar de autores modernos para pós-modernos e de
marxistas ortodoxos para não-ortodoxos – o mesmo movimento constatado nas teses.
Penso que este é um dos sentidos mais importantes a emergir destes testemunhos, junto
com a crítica à dicotomia entre historiografia e didática: a ausência de menções a autores que
embasam o entendimento de educação e ensino de História – mesmo entre docentes que
realizaram pesquisas e formaram-se recentemente (a exceção é Lola). Inexistem citações a
investigadores da Didática da História, como Pilar Benejam, Joan Pagès, Joaquim Prats, Ernesta
Zamboni, Kátia Abud ou Maria Carolina Galzerani. Seria um sinal do pequeno impacto da
Didática da História sobre a formação dos professores?
Para aprender a ser professor, portanto, buscaram outros caminhos: dialogar com os mais
experientes, a tradição, a sucessão de experiências “tentativa e erro”. As leituras do tempo da
formação inicial ainda constituem balizas importantes, mas revistas e criticadas conforme
avançam na compreensão sobre a docência. As obras literárias favoritas informaram do interesse
desses docentes por quatro temas básicos: os romances históricos, os relatos autobiográficos, as
narrativas que tratam da vida de pessoas comuns em suas lutas cotidianas e as poesias e os contos
que tocam nos sentimentos humanos. O rechaço à televisão foi unânime, bem como a preferência
pelos temas da Política e da Economia nos programas de rádio, nos jornais e nas revistas e
atividades pela Internet. Os gostos musicais trataram da ligação destes professores com a rebeldia
e, ainda, da procura por um gosto popular (mas não pop). A “última moda” não fez parte das
influências de Ana, Mercedes, Lola, Agnês, Fidelio, Cândido, Josep e Regina. Aqueles que
citaram obras de arte e nomes de diretores de cinema e compositores clássicos enfatizaram ainda
mais o gosto pela erudição e pelo trabalho de autoria.
Defensores da democracia, sensíveis às diferenças e aos valores humanistas, com postura
política de esquerda, relativamente seguros de seus conhecimentos historiográficos e
relativamente inseguros de seus conhecimentos didáticos: estes são alguns dos sentidos
emergentes dos oito testemunhos, que forjam uma possibilidade de caracterização. É interessante
adicionar como eles explicam o papel do professor de História hoje. O significado de ser
professor de História, segundo Regina, Lola, Cândido, Josep, Agnês, Fidelio, Ana e Mercedes é,
em primeiro lugar, estimular os alunos para que aprendam História e, com isso, desconstruir ou
206
desnaturalizar conceitos. A preocupação é ensinar o conteúdo básico para depois romper, formar
valores e abrir ventanas ou portas, oferecendo um discurso – se não oposto, ao menos diferente –
do veiculado nos meios de comunicação de massa.
Um significado bastante realista para uma entrevista que tinha por foco as utopias.
Entretanto, penso que este resultado está conforme o conceito de utopia aqui adotado, ao
vincular-se com a crítica ao presente e o desejo de aperfeiçoá-lo. Portanto, ensinar História, de
forma democrática, transmitindo valores (preservação) e estimulando a crítica (rebeldia, ruptura)
é o papel do professor. Ele combina, em parte, com as projeções que os docentes faziam antes de
começar a profissão. Unânime era a vontade de fazer diferente, de romper: com a transmissão
factual de nomes e datas, com posturas autoritárias, com o ensino sem densidade acadêmica e
ausente de debates. O ingênuo desejo de transformar o mundo exclusivamente pela educação não
predominou entre estes professores.
Quando refletiram sobre a influência que possuíam no futuro dos jovens e na melhoria da
vida, alguns sentiram certa insegurança, mas, de forma geral, confiaram que podiam colaborar.
As ressalvas, geralmente, dirigiram-se ao sistema escolar e às condições de trabalho, que
comentei anteriormente. Ou seja, a dúvida não estava no potencial da Educação ou do
conhecimento histórico, mas nas condições que eram oferecidas para que os jovens aprendessem.
Essa diferença entre Educação e escolarização chamou a atenção também de Rui Canário ao
analisar o documento “Educação e formação na Europa: sistemas diferentes, objetivos comuns
para 2010”187, em que ele verificou a quase ausência da palavra escola:
Uma análise quantitativa da globalidade do documento revela que, num total de 11.950 palavras, o vocábulo escola apenas aparece 11 vezes, o que corresponde a uma % de 0,09. O vocábulo “escolar” é referido quatro vezes. Em contrapartida, o vocábulo “educação”, isolado, regista 150 referências, número idêntico ao do vocábulo “formação” (148 vezes). A associação dos dois vocábulos “educação e formação” tem uma frequência de 121 vezes. A mudança clara do vocabulário utilizado não é um pormenor, é, pelo contrário, revelador de novas concepções educativas, associadas a novas políticas e novas modalidades de regulação. (2006, p.32)
187 COMISSÃO EUROPEIA. Educação e formação na Europa: sistemas diferentes, objetivos comuns para 2010. Disponível em: <http://adcmoura.pt/start/Educacao_Formacao_Europa.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2012.
207
A título de curiosidade, fiz a mesma contagem com o texto do Substitutivo do Relator
Deputado Angelo Vanhoni (PT/PR) para o PL n. 8.035/10 (Plano Nacional de Educação)188. O
documento, com 10.872 palavras (não excluí repetições), menciona “escola(s)” por 52 vezes,
enquanto que Educação é mencionada 30 vezes, desde que se excluam substantivos como
educação básica, educação infantil, Plano Nacional de Educação e Ministério da Educação. Se
levar em consideração apenas o critério quantitativo, parece que os projetos para a Educação, no
Brasil, ainda confiam na escola como espaço privilegiado da Educação. Parece-me que os
professores também, quando ouço quais são suas utopias e planos para o futuro: que as escolas
sejam boas e que eles sejam professores melhores.
Percebo também as demonstrações de alegria e afeto quando dizem por que continuam a
ser professores: “Ah, porque eu gosto de ser professor”, é a resposta padrão. Divertem-se,
aprendem, são desafiados, recebem carinho e reconhecimento. Não importa se não são
unanimidade, ou se alguns jovens, por vezes, não “abrirão as portas” nem olharão pelas
“ventanas” oferecidas, pois eles sentem que cumpriram com a responsabilidade do professor – e
o “fizeram bem feito”. Sinto que o trabalho do cartunista Eneko189 sintetiza este sentimento:
188 BRASIL. Substitutivo ao Projeto de Lei n.8.035/2010. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490116>. Acesso em: 25 abr. 2012. 189 ENEKO. La profesora. Disponível em: <http://blogs.20minutos.es/eneko>. Acesso em: 25 abr. 2012. Eneko é um desenhista venezuelano e disponibiliza suas imagens no blog referenciado.
208
O que não aparece na imagem é o ponto de insegurança dos professores: percebem que
não basta quadro e giz para garantir significado às ventanas. Os alunos estão ausentes do
desenho, mas seus (des)interesses definem o planejamento das aulas, a seleção de materiais e as
escolhas teórico-metodológicas, conforme os testemunhos analisados. É uma incógnita se os
alunos olharão para a paisagem oferecida, mas é questão de compromisso (FONSECA, 1993,
p.67; ROCHA, 2001, p.98-99; PADRÓS, 2002, p.39) desenhá-la da melhor forma possível.
Forçar os alunos a olhá-la estaria fora das atribuições de professor.
Cândido não via razão em saber tantas coisas se não pudesse reparti-las com os outros.
Agnês e Lola não separam a vida pessoal do sentir-se professora. Mercedes diz que não saberia
fazer outra coisa, profissionalmente. Fidelio sente-se à vontade na profissão, apesar das
frustrações. A docência, segundo estes testemunhos (combinando com aqueles presentes nas
teses), estimula a intelectualidade, oferece desafios, implica em compromisso social e, por fim,
pode ser emocionalmente gratificante, em alguns casos.
Por isso, à exceção de Fidelio, nenhum deles se arrepende da escolha ou deseja abandonar
a profissão. No máximo, gostariam de lecionar – também – no Ensino Superior. Como planos
futuros, destaco aqui três recorrências que parecem fundamentais para o tema. Primeiro, o desejo
de melhorar como professores nos aspectos didáticos e pedagógicos. Segundo, a vontade de
avançar nos estudos, a fim de conquistar autonomia e abertura de outros campos de docência.
Terceiro, a busca de caminhos para evitar o desgaste da profissão – seja pela mudança de escolas
(Josep), pela redução da carga horária (Mercedes), pela Pós-Graduação (Cândido e Lola) ou pela
eliminação de tarefas (Fidelio). O interesse é que são todas iniciativas individuais. Mudanças
como a ampliação da “hora-atividade” ou a existência de espaços de estudo (para o professor) nas
próprias escolas não entraram no cardápio. Seria falta de confiança no Estado para a
concretização da utopia político-educacional?
Por outro lado, as utopias declaradas são, de maneira geral, coletivas. Poucos professores
enunciaram utopias que dissessem respeito apenas à sua vida pessoal. Talvez a pergunta tenha
soado capciosa, pois todos afirmaram ser muito difícil mapear o grau de influência sobre os
jovens, porque não podem acompanhá-los no médio ou longo prazo necessário. Eles concordam
que nem todos aproveitarão as aulas na mesma intensidade. Quando António Nóvoa conclui seu
209
texto sobre Educação Comparada, o faz expressando uma utopia político-educacional que trata da
dificuldade em juntar frustrações pessoais com esperanças coletivas:
O mundo actual, o mundo da educação, obriga-nos a cultivar, com uma mão, o cepticismo e, com a outra, a utopia. O cepticismo que nos vem da consciência de saber que a educação é sempre um dos espaços sociais onde se produz a desigualdade, a discriminação face aos outros: o outro-pobre, o outro-negro o outro-mulher, o outro-estrangeiro. É preciso estar atento. A utopia que nos vem da consciência de saber que tudo é ainda possível, que existe uma ciência a reinventar, e que esta ciência não será asséptica, indiferente, cega à vida. (NÓVOA, 2010, p.22-23)
Talvez neste sentido que a utopia político-educacional de Ana, Fidelio, Regina, Mercedes,
Agnês, Josep, Cândido e Lola seja a esperança de que “sirva para algo”. Que seus esforços não
sejam vãos. Que as escolas públicas sejam boas e que os alunos adquiram sentido e criticidade
com elas. E que o mundo seja mais justo, tarefa para a qual suas aulas contribuem, em alguma
medida, difícil de avaliar.
211
UTOPIAS DA RESPONSABILIDADE DOCENTE PELO MUNDO: considerações finais
“(...) ensinar é marcar a alma; e desta responsabilidade nenhum educador escapa”, alertou
Carlota Boto (2003b, p.395). Parece-me adequado para caracterizar o tema que pesquisei e a
forma como termino: interpretando as utopias e o sentimento de Responsabilidade pelo Mundo na
formação de professores de História. “Marcar a alma” corresponderia ao êxito no processo de
aprendizagem e ensino? Sinal de que os professores abriram janelas/portas e os alunos se
levantaram para olhar por elas? Sinal de que as sementes germinaram e que o projeto de mundo
melhor foi iniciado?
O Estado de São Paulo (Brasil) e a Província de Barcelona (Espanha) são referências nos
cenários europeus e latino-americanos sobre formação de professores de História e apresentam
semelhanças na legislação educacional, criadas a partir de processos de redemocratização. Para
ampliar as análises e a emergência de sentidos, utilizei a abordagem comparativa, possibilitada
pelo Estágio de Doutorado no Exterior na Universidade Autônoma de Barcelona.
Textos especializados da área sugerem a identificação do papel do professor (em geral) e
do professor de História (em particular) como transformador da escola/sociedade. As mudanças
propostas pelas políticas neoliberais (a partir da década de 1990) exigiriam um perfil de professor
mobilizado e crítico. O docente transformaria o ensino e, talvez, a sociedade, tarefas enunciadas
como compromisso político (MELLO, 1989), responsabilidade (CIAMPI, 2008 e 1992;
FONSECA e SILVA, 2007; FUNES, GINGINS & MORENO, 2000; GONZÁLEZ, 2008),
compromisso social (MOLINA, 2002) ou, ainda, utopia (FREITAS, 2002).
Ao rastrear estas pistas, aproximei-me de produções que discutem as utopias no ensino de
História e as noções de compromisso ou responsabilidade dos professores. Dentre elas, a de
Almeida Neto (2002) que constatou, entre seus entrevistados, o predomínio de utopias
prospectivas e certo imobilismo, depositando as esperanças sobre os alunos. Alguns autores
discordam do perfil de professor de História politizado (CERRI, 2007; SIMAN, 2006; NUNES,
1996), mas a maioria afirma a validade (ou necessidade) do compromisso social ou político e de
ideais de transformação (AZEVEDO & STAMATTO, 2010, p.723; DIAS-DA-SILVA, 2005,
p.399; NASCIMENTO, 2008 p. 16; FONSECA, 2010, p.399 e 1996, p.66; REIS, 1999, p.50;
212
FERREIRA, 2004, p.131; VILLAQUIRÁN, 2008, p.962; PAGÈS, 1991, p.153; GUIMARÃES,
2001, p.143; CUSINATO, 1987; BOIXADER, 2004, p.62).
Entretanto, utilizar o termo utopia exige cuidado, pois recebeu significados diferentes ao
longo do tempo (BACZKO, 1989). É possível estabelecer uma data de nascimento (o livro de
Thomas More, em 1516). Utopia, nesta tese, não é “(...) pura invenzione avulsa dalla realtà e
dalla storia” (COLOMBO, 2009, p.56), nem projeto irrealizável. Para Quarta (2009), refere-se à
construção da sociedade em que se vive:
Il progetto utopico, quindi, non è solo un modello teórico, ma, in quanto è proteso, per sua natura, alla realizzazione, richiede un forte impegno anche sul piano della prassi. Lungi dall’essere qualcosa di “astratto”, esso è estremamente concreto, poiché nasce in un determinato contesto storico ed esprime i bisogni concreti di una determinata società (...) (p.239 – grifos no original)
Em concordância, afirmam Marilena Chauí (2008) e Bronislaw Baczko (1989) que as
utopias conformam críticas rigorosas à atualidade:
(...) o exercício intelectual do paradigma utópico contribui, a seu modo, para dar resposta à grande questão da modernidade, que consiste em pensar a sociedade como autoinstituída, isto é, uma reunião de indivíduos que não assenta em qualquer ordem exterior ao mundo, e constitui uma comunidade detentora de todo o poder sobre si própria. (BACZKO, 1989, p.14)
Carlos Berriel, em entrevista recente ao Jornal da Unicamp (2012), explica que a utopia
nasce ao lado de preocupações político-sociais frente ao surgimento do Estado e de outras
estruturas da Modernidade. Do século XIX em diante, ela se caracteriza cada vez mais como
projeto político, em que o imaginado se inscreve na História (CHAUÍ, 2008, p.11). Berriel crê
que, tanto nas formas literárias quanto em projetos políticos, a função social das utopias continua
a mesma: refletir sobre os problemas atuais e criar novas opções históricas.
Fátima Vieira, no artigo “Novas tecnologias, novas utopias” (2009), mostrou que o
neoliberalismo, a globalização e a queda do socialismo não forçaram o fim das utopias. Para a
autora, o espírito utópico emerge no século XXI, mas é difícil de interpretar frente a discursos
antiutópicos e distópicos190. Além de Vieira, outros pesquisadores, como Luis Felipe Miguel
(2006), dedicaram-se às manifestações utópicas na contemporaneidade. No artigo “Utopias do
190 Ela se refere à crítica de Karl Popper, aos romances de Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) e George Orwell (1984) e às teses sobre o fim da História de Francis Fukuyama.
213
pós-socialismo”, o autor afirma que o seu valor “(...) reside mais na indicação dos pontos
problemáticos do ordenamento capitalista e no desafio de pensar diferente do que nas instituições
propostas” (p.92). A utopia, assim, direcionaria a ação política e potencializaria a insatisfação
com o existente, mostrando novas possibilidades, conforme Charles-Gilbert Dubois (2009):
A utopia promove a tomada de consciência (...) de que existe um abismo entre o País das Maravilhas e a terra dos homens, e, se ela se revela incapaz de ligar com uma ponte este mundo e “o outro mundo”, ao menos ela provoca a ideia de um desacordo entre o fato de viver e a possibilidade de viver melhor: a fecundidade da utopia e seus limites devem-se à sua característica de ser a tomada de consciência de um problema e a tomada de consciência de um desejo. (p.26)
Esta revisão, com autores, de certa forma, complementares, proporcionou melhor
compreensão do objeto de estudo. Chamei de utopias político-educacionais as imagens que
atribuem outros sentidos ao tempo, a partir do presente cultural e das esperanças dos utopistas,
principalmente os problemas sociais e políticos que atingem as mudanças educacionais e
culturais. São propostas de futuro melhor para todos, construído através de ações coletivas.
O primeiro objetivo da pesquisa – investigar a presença das utopias político-educacionais
nas teses de Doutorado sobre formação de professores de História, defendidas em Barcelona e
São Paulo, entre 1987 e 2008 – foi trabalhado no Capítulo Um. O segundo, explorado no
Capítulo Dois, era compreender a presença das utopias político-educacionais em testemunhos de
professores de História191, com base nos mesmos referenciais. Apresento alguns pontos
importantes que entrelaçam os dois capítulos.
I
A análise das teses de doutorado demonstrou a importância de produzir revisões
abrangentes de literatura, periodicamente. Elas ajudam a localizar as debilidades e os potenciais
da área. Todas as teses defendidas na Província de Barcelona realizaram extensos Estados da
Arte, com referenciais de diversas partes do mundo, citando cento e vinte e três textos sobre
Formação de professores de História. No Estado de São Paulo, a revisão é mais seletiva,
191 As análises mostraram que outra fonte documental também poderia ser explorada: testemunhos de formadores de professores de História, isto é, aqueles que coordenam Estágio/Prácticum ou ministram disciplinas ligadas à Prática de Ensino e à Didática da História na Licenciatura e no Màster. Deixo a sugestão para pesquisas posteriores.
214
totalizando trinta e dois trabalhos, publicados principalmente no eixo sul-sudeste. Entretanto,
sinalizam-se algumas mudanças, principalmente, pela presença de autores de diferentes regiões
brasileiras que defenderam teses recentemente (PAIM, 2005; MESQUITA, 2008) e que se
tornam referências na área.
Outra diferença aparece na ênfase sobre a prática docente, dentro das propostas para
formação inicial e continuada. As teses defendidas na Província de Barcelona tratam mais sobre a
prática, enquanto que, no Estado de São Paulo, as reflexões se concentram na construção de
conhecimentos acadêmicos. Elas também abordam menos a formação continuada, em relação às
barcelonenses. Porém, ambas procuram pela excelência na articulação entre a disciplina de
referência e os conhecimentos didático-pedagógicos.
Creio que as teses possuem mais pontos em comum do que opostos. Entre eles, o fato de
privilegiar a perspectiva do professor sobre sua formação, como, por exemplo, em Maria Paula
González Amorena (tese defendida na UAB em 2008), que desejava "(...) entramar y articular
las subjetividades de los docentes entrevistados con otras voces provenientes de otros
testimonios" (p.163 - grifos no original). Os autores preferem abordagens qualitativas, com
participação de docentes da Educação Básica, além de analisarem também currículos e programas
de formação. Percebo, nestes aspectos, um sentimento de compromisso com a escola pública,
refletido na defesa da profissionalidade docente, conforme Agnès Boixader (2004), também da
Província de Barcelona: "El professor o la professora es profissionalitzen en l'exercici quotidià de
la seva professiò i en el contacte amb els altres professionals (...)" (p.550).
II
Em diversos casos, os autores demonstraram de modo mais claro
suas subjetividades nas escolhas dos temas e dos problemas de suas
pesquisas, como disse Joan Pagès: "(...) La participació com a especialista en el disseny del
currículum de Ciències Socials i en la seva experimentació (…) em va suposar un dels reptes
professionals més importants de la meva vida" (1993, p.300). As experiências nem sempre são
positivas, mas não apagam a esperança. Pelo contrário, os autores sentem o desejo de refletir
teoricamente sobre as experiências e continuam a defender o potencial de intervenção social que
tem o professor. Para Fonseca (1996), autora de tese no Estado de São Paulo, o desafio de
escrever sobre professores de História não foi só teórico, como pessoal e político, “(...) pois é
215
uma possibilidade de trazer, para o centro dos debates e das análises, vozes de diferentes pessoas,
expressando diferentes maneiras de ser e ensinar” (p.14).
A formação docente ideal, nas teses de São Paulo e de Barcelona, é aquela capaz de
modificar perspectivas, ajudando a construir um perfil profissional reflexivo e, principalmente,
crítico. Os autores dialogam com diferentes tipos de referenciais, dos marxistas aos pós-
modernos. Principalmente as teses paulistas injetam perspectivas críticas às propostas de
organismos internacionais (como a Unesco) e a outros conjuntos teórico-metodológicos,
conforme os interesses de suas pesquisas. Um exemplo desta apropriação pessoal se encontra na
postura de Soares (2005):
A ação prática está impregnada, fundamentalmente, de aspectos subjetivos inerentes ao professor e a seu processo de formação. Contudo, a reflexibilidade
deve estar a serviço dos vários níveis que compõem a prática docente: no âmbito individual e subjetivo, na análise crítica das teorias que sustentam sua prática,
no trabalho coletivo e no conhecimento do contexto que possibilitará avanços
das práticas cotidianas. (p.100 – grifos adicionados)
Quando se trata de discutir os referenciais dos professores da Educação Básica, há
algumas peculiaridades. Em Carmen Guimerà (1991), a maioria dos entrevistados apresentava
posturas progressistas. Emery Gusmão (2002) defende o argumento contrário. Para Ricardo
Cusinato (1987), os professores formados em universidades públicas de excelência apresentavam
melhores condições de interpretar a profissão que os demais. E, segundo Liliana Bravo (2002),
futuros professores com vocação tinham melhor êxito que os demais, nas atividades de prática de
ensino.
Mesmo que discordem nestes aspectos, parece-me que as teses não desejam que o
professor seja o regenerador da sociedade. Espera-se que obtenham excelentes conhecimentos
acadêmicos e capacidade de reflexão sobre a prática, temperadas com um sentimento de
compromisso para com o aprendizado dos alunos e a melhoria da sociedade, como afirma Rocha
(que defendeu tese na USP em 2001): "(...) a Licenciatura em História, nos dias de hoje, tem a
responsabilidade de formar um profissional capaz de refletir intelectualmente sobre o seu fazer
pedagógico, e proporcionar aos seus alunos a possibilidade de buscar o próprio conhecimento”
(p.98).
Talvez exista concordância entre este perfil e as características que os oito professores
optaram por mostrar. Lola e Josep (Província de Barcelona), Regina, Agnês e Cândido (Estado de
216
São Paulo) demonstram apreço pelo marxismo não ortodoxo. A rebeldia e a contradição –
expressas pelos autores e artistas favoritos – marcaram as opções profissionais e pessoais de
vários deles. Nenhum deles participa, atualmente, de partidos políticos ou sindicatos, mas todos
garantiram que sua opção política é progressista ou de esquerda. Articulando estas declarações
com as observações e as influências, acredito que os professores identificam-se com a defesa da
Democracia formal (BOBBIO, 1998) como ponto de partida para a igualdade e a justiça. A
postura de Soares (2005) ilustra as diferentes formas pelas quais os professores compreendem e
interpretam suas influências:
(...) mantive uma característica nesta jornada que muito marcou a minha formação: não me filiei a nenhuma doutrina específica. Ao contrário, as diferentes leituras e projetos de transformação social levaram-me cada vez mais para uma formulação inicial: nenhuma mudança social ocorre sem a valorização da cultura e da educação. (p.20-21)
De maneira geral, autores das teses e professores entrevistados projetam que a escola
deveria constituir-se em um ambiente democrático, afetivo e, primordialmente, de produção de
conhecimento. Nela se trabalha para construir um mundo melhor (mas não só na escola). Porém,
há insegurança quanto a certas tarefas básicas que envolvem o ensino e a aprendizagem, que
configura o grande desafio para as teses de doutorado e para os professores: articular teoria e
prática.
III
A dificuldade da formação em oferecer conhecimentos úteis para a prática profissional
cotidiana é um aspecto unânime entre as fontes documentais – seja no Estado de São Paulo, seja
na Província de Barcelona. A dicotomia entre os conteúdos historiográficos e os pedagógicos,
transmitidos na formação inicial ou continuada, está entre os fatores que favorecem esta situação.
O início é considerado o momento mais difícil da carreira e praticamente inexiste apoio
institucional nesta etapa192. Segundo Selva Fonseca (2001), o modelo parcial da formação de
192 Uma das experiências já realizadas com professores iniciantes no Brasil está descrita no seguinte artigo: REALI, Aline de Medeiros M.Rodrigues; TANCREDI, Regina Ma S.Puccinelli & MIZUKAMI, Ma da Glória Nicoletti. Programa de mentoria online: espaço para o desenvolvimento profissional de professoras iniciantes e experientes. In: Educação e Pesquisa. São Paulo, v.34, n.1, p.77-95, jan./abr. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v34n1/a06v34n1.pdf>. Acesso em: 26 maio 2012. Considerações relevantes a este respeito encontram-se também na literatura latino-americana: MONTERO, Ma Lourdes. Profesoras y profesores en
217
professores de História é herança das Licenciaturas Curtas e dos Estudos Sociais (a partir da Lei
5.692/1971). Outros autores, como Aryana Costa (2010), acreditam que a dicotomia entre formar
professores e pesquisadores surge com os primeiros cursos de História no Brasil (anos 1950).
Entre as teses analisadas no capítulo 1, o contexto de criação dos fóruns de debate sobre o Ensino
de História, exposto na tese de Mesquita (2008), ilustra a permanência do tema, bem como a
seguinte afirmação de Rocha (2001):
A princípio a leitura desses dados [currículos de licenciaturas em História] nos indica que as Licenciaturas partem do pressuposto de que para ser professor é necessário apenas dominar o conteúdo historiográfico, não sendo necessário nenhum estudo mais aprofundado sobre as especificidades do ensino. (p.94)
Percebe-se, a partir do final dos anos 1970 e, principalmente, ao longo dos anos 1980,
uma ideia generalizada de que os egressos das Licenciaturas (em geral, de instituições isoladas e
privadas) tornam-se professores da Educação Básica e os egressos das Universidades,
pesquisadores. Isso afeta o professor universitário que resiste em identificar-se como formador de
professores (COSTA, 2010). O sentimento de desvalorização da área de Ensino de
História/Ciencias Sociales também está presente em trabalhos da Província de Barcelona
(REVISTA ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS SOCIALES, 2002). Há uma lacuna entre a
Licenciatura (que não discute a escola nem pesquisas didáticas) e o CAP ou atual Master (em
que há contato disciplinas pedagógicas e de práticas, descontextualizadas, porém, da ciência de
referência).
Para Maria Cecília Cortez Christiano de Souza (2000), no livro “Escola e Memória”, a
confusão entre o prático e o empírico que marca a formação docente advém de concepções
irrefletidas sobre o conhecimento científico como portador da verdade. As teorias
(principalmente a Psicologia) foram transferidas para a escola no sentido de “aplicação”.
Portanto, ao professor caberia executar, corretamente, as determinações dos pesquisadores. A
autora explica:
un mundo cambiante: el papel clave de la formación docente. In: Revista de Educación. Madrid, n.340, p.66-86, maio/ago. 2006.; espanhola, no artigo já citado de Pilar Benejam (2002) e anglo-saxônica: ADLER, Susan. The education of social studies teacher. SHAVER, James P. (ed.). Handbook of research on social studies teaching and learning. A project of the National Council for the Social Studies. New York: Macmillan Publishing Company: Toronto: Collier Macmillan, 1991, p. 210-221.
218
Pouca atenção foi dada à irredutibilidade mútua existente entre o universo e a práxis e suas complexas mediações. A percepção da educação como "aplicação de ciências" levou à ideia de que o olhar sobre a experiência docente necessariamente é objeto de crítica, e por crítica entende-se uma desqualificação preliminar. (...) As descobertas chamadas científicas, no fundo meramente técnicas, atropelaram a experiência das escolas, a história de alunos e de professores. (p.15)
No bojo dos problemas vividos pelos professores que entrevistei, estão relações de poder
maiores, que sugerem uma hierarquia entre os conhecimentos e influenciam, de certa forma, a
imagem social sobre a docência, como já destacava Ricardo Cusinato (1987), na tese analisada:
(...) a legislação de ensino da década de 70, com as alterações contraditórias no currículo de 1o grau, nas normas para registro de professores no MEC, nas normas para concurso de provimento de cargos, provocaram uma profunda indefinição e instabilidade no mercado de trabalho, nas condições de trabalho e na formação acadêmica exigidos dos professores. Essas alterações desorganizam o ensino e atingem a própria competência profissional dos professores da área de Estudos Sociais, associada aos seus cursos de formação (...) (p.95 - grifos originais).
Na perspectiva de André Gorz (2005), o conhecimento possui um valor social, que
aumenta conforme se transforma em saber cotidiano. Porém, na economia capitalista, interessa
manter seu valor de Mercadoria e, para isso, restringe-se o acesso ao saber técnico-científico. Os
Currículos e os Projetos Político-Pedagógicos enredam-se nestas disputas pela universalização ou
privatização dos saberes, pois os professores “interagem” com eles em situações concretas de
trabalho (GOODSON, 1995). Claudia Ricci (2003), na tese paulista analisada, comentou essa
relação profunda entre as determinações legais e a formação docente em seu sentido mais amplo:
(...) as orientações legais, ao se efetivarem nas universidades, são profundamente permeadas pelas trajetórias pessoais dos professores universitários; pelos embates entre departamentos no interior da mesma universidade; pelas características organizacionais das universidades e pela demanda do mercado de trabalho. (p.121-122)
Talvez a dicotomia entre teoria e prática na formação docente em História seja um reflexo
das tensões atravessadas pela produção de conhecimento na sociedade em que a riqueza é
“imaterial”, tal como a tarefa do professor. Penso também em outro aspecto.
219
IV
As condições de trabalho docente são de extrema relevância para interpretar sua
formação. A distribuição dos recursos materiais, a definição da carga horária, do salário e do
número de alunos por turma também se formam nas relações conflituosas entre valor e
conhecimento.
Dos oito entrevistados, dois eram professores de escolas privadas e os demais de escolas
públicas. As escolas em que enfrentam maiores problemas são aquelas em que as condições de
trabalho são as mais difíceis. Em especial, as que recebem alunos provenientes de famílias de
baixa renda ou em situação de vulnerabilidade (alunos recém-imigrados, assentados193). Isso vale
tanto para a Província de Barcelona quanto para o Estado de São Paulo. Nas escolas com
melhores recursos, as dificuldades são menores e – o mais importante – os professores percebem
de modo mais objetivo os resultados de suas aulas. O pesquisador Gaudêncio Frigotto (apud
JACOB, 2012), em reportagem do Jornal do Sindicato de Ciência e Tecnologia de São José dos
Campos, falou das condições de trabalho em Colégios como o Pedro II e a Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio194:
Além dá estrutura física, o professor possui total condição de trabalhar. Ele tem dedicação exclusiva e passa no máximo 20 horas em sala. Assim, sobra tempo para pesquisar, atender o aluno e ouvi-lo. Infelizmente, 90% das escolas de Ensino Médio da rede pública não têm essas condições, pois se gasta quatro vezes menos com cada estudante do que o necessário (p.12)
Em contraste, a análise, já comentada, feita por Carlos Augusto Lima Ferreira (2004)
sobre as escolas públicas da Bahia: “(...) péssimas condições estruturais, o aviltamento salarial, o
pouco estímulo à qualificação, o excesso de carga horária, a pouca autonomia dos professores e
as péssimas condições materiais das escolas” (p.44).
193 Alunos que residem em assentamentos rurais distantes dos centros urbanos e das escolas. De acordo com o PPP de uma das escolas, os alunos levam cerca de uma hora e meia para chegar até a escola. 194 O Colégio Pedro II é uma autarquia federal criada pelo Decreto-Lei n.245, de 28 de fevereiro de 1967, mas foi fundado em 2 de dezembro de 1837. COLÉGIO PEDRO II. Disponível em: <http://www.cp2.g12.br/>. Acesso em: 06 maio 2012. Segundo o sítio virtual oficial, “A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) é uma unidade técnico-científica da Fiocruz que se dedica a atividades de ensino, pesquisa e cooperação no campo da Educação Profissional em Saúde”. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Escola – apresentação. Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Apresentacao>. Acesso em: 6 maio 2012. Grifos no original.
220
Para as teses analisadas e os oito entrevistados, as difíceis condições de trabalho
constituem um dos principais empecilhos para alcançar os objetivos profissionais. Entre eles, a
esperança de que a produção do conhecimento escolar tenha sentido pessoal e social e cause
algum impacto no futuro dos alunos. Afinal, segundo Vásquez, os professores são “(...) los
verdaderos llamados a materializar las nuevas respuestas a los desafíos educacionales del futuro”
(2008, p. 57).
V
Cientes deste quadro, as fontes documentais criticam o apelo ao “voluntarismo” e ao
“ativismo”. Contrastam as condições de trabalho com a esperança em um ensino de História de
melhor qualidade e denunciam posturas missionárias ou militantes que colocam em risco a
profissionalidade docente195. Para Menga Lüdke e Luiz Alberto Boing (2004), no artigo “Os
caminhos da profissão e da profissionalidade docentes”, a precarização do trabalho docente passa
pelo baixo salário e também pela desvalorização social do ensinar. Estes autores acreditam que as
relações de Mercado atingem profundamente a profissionalidade docente, como visto em Cecilia
Souza (2000).
Para De Rossi (2005), a instauração de sistemas de avaliação e estratégias flexíveis de
contratação estão entre as políticas que mais afetaram a vida dos professores. No Brasil, isso se
fez sentir, principalmente, a partir da década de 1990. Numa recente declaração, o Ministro de
Educação espanhol solicitou aos professores que enfrentassem os “sacrificios” necessários para
superar a crise econômica (EL GOBIERNO, 2012)196.
195 Retomo aqui, a simbologia presente na gravura de Eneko, em contraste com as dificuldades mostradas no documentário “Pro dia nascer feliz” anteriormente citados. 196 Enquanto estive em Barcelona, houve uma Greve Geral no dia 29 de Setembro de 2010 e a adesão foi significativa. Era comum ver, nos prédios de órgãos públicos, cartazes contrários aos recortes promovidos nos orçamentos. Nas salas de professores das escolas públicas, encontrei panfletos de organizações sindicais de professores que procuravam esclarecer os pares sobre os efeitos da crise econômica sobre a educação. Após a eleição de representantes de partidos de oposição aos socialistas, com Artur Mas (desde dezembro de 2010) na Presidência da Catalunha e Mariano Rajoy como Primeiro Ministro da Espanha, os cortes em gastos públicos foram ainda maiores. Cito, por exemplo, a polêmica decisão de deixar de oferecer assistência de Saúde gratuita para os estrangeiros ilegais residentes no país. Como expressa a reportagem “Si no puedo ir al médico, moriré”. VALLELLANO, Lucía. Los rostros de la reforma sanitária. El Pais, 29 abr. 2012. Disponível em: <http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/04/28/actualidad/1335648462_113650.html>. Acesso em: 08 maio 2012.
221
Profissões como a da docência apresentam fortes características pessoais, segundo André
Gorz (2005). Quanto melhores as qualidades pessoais dispostas no trabalho, mais difícil é
mensurar seu valor, pois, “(...) No limite, a competência pessoal transcende a norma das
atribuições profissionais, e aparece como uma arte cujo prestador é um virtuose” (p.33). O autor
exemplifica com o caso de fábricas de programas de computador, que aproveitam todas as
habilidades de seus funcionários, principalmente as que extrapolam técnicas e teorias treináveis.
Incentiva-se o autodesenvolvimento e a autogestão, para que o trabalho ocupe toda a vida
pessoal. A empresa investe menos e, ainda assim, os lucros são maiores. Os programadores,
porém, preferem exibir sua virtuosidade no desenvolvimento de softwares livres e não nas
empresas, fato que é interpretado como resistência em submeter os saberes ao Mercado.
O desejo da satisfação pessoal e da estima dos pares, pela rejeição de princípios
produtivistas, caracteriza as relações de trabalho como conflito cultural e também político, a fim
de libertar a imaginação e o desejo. Todavia, as propostas advindas das investigações das teses e
dos testemunhos docentes de São Paulo e Barcelona demonstraram procurar outras formas de
resistência.
VI
Alguns professores atuam em ONGs ou Igrejas, procurando por outros espaços para a
troca de saberes. Mas sua utopia maior é de que o conhecimento produzido na escola seja útil
para os alunos. Como visto, o termo “útil” poderia incorrer em interpretações ambíguas. Segundo
Gorz (2005), o valor do conhecimento é cada vez maior quanto mais se incorpora aos saberes
cotidianos e enriquece as práticas humanas. Entretanto, para o Mercado, o conhecimento precisa
adquirir determinado valor de troca, dado o “parentesco” que a ciência pode concretizar com o
capital (GORZ, 2005, p.12 e 13). Este “parentesco” sustentaria uma interpretação “utilitarista” do
conhecimento, isto é: só seriam valorizados os saberes que incorressem em relações diretas com o
trabalho e o sistema produtivo.
Por outro lado, Michael Young, no artigo “Para que servem as escolas?” (2007), oferece
uma interpretação alternativa do que poderia ser considerado “saber útil” pelos professores.
Tratar-se-ia de “(...) fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do
mundo” (p.1294). Certamente, a definição de Young não é neutra e pode prestar-se a diferentes
interpretações. Entretanto, Cândido, Regina, Lola, Fidelio e outros participantes expressaram, de
222
distintas maneiras, certa esperança de que seu trabalho ajude os jovens a interpretar os problemas
que os cercam. A questão das finalidades últimas do trabalho docente, na perspectiva dos
professores da Educação Básica, merece futuras investigações específicas.
Nesse sentido, substituir a escola por outros espaços não parece ser uma solução. A
formação docente em História, como visto, está marcada por concepções ambíguas sobre o
conhecimento (SOUZA, 2000), bem como o papel do professor, como destaca Paim (2005), na
tese analisada no primeiro Capítulo: “O professor como agente social é formado para trabalhar
numa perspectiva de manutenção da ordem estabelecida ou de mudança e construção de um
mundo melhor" (p.96). Esta ambiguidade entre a mobilização política e a tarefa de ensinar
História pode carregar alguns riscos, como notou Soares (2005). Para ele, não se pode substituir o
aprendizado pelo desejo de despertar o interesse político (p.55).
De um lado, a aposta na educação emancipadora. De outro, a visão técnico-científica que
despreza as dimensões éticas e afetivas da inteligência e ideais como “(...) autodeterminação, a
igualdade, a liberdade, os direitos e a dignidade da pessoa humana” (GORZ, 2005, p.94-95). Os
PPPs e os currículos escolares também refletem este conflito.
Em contrapartida ao voluntarismo e ao ativismo, os professores participantes desta
pesquisa mostraram interesse pela escola como um todo, não apenas pela sua disciplina.
Conversamos sobre os Currículos, sobre as estratégias de Gestão, a Comunidade Escolar e outros
aspectos que envolviam Política Educacional. Em busca de valorizar a profissão docente, as teses
de doutorado investigadas apresentaram propostas, tais como: excelência dos cursos de formação
inicial, política salarial, adoção da hora-atividade, continuidade dos estudos e diminuição da
carga horária. Tudo isso para realizar um objetivo maior: concretizar a articulação entre ensino e
pesquisa, tarefa que aparece em teses recentes e antigas, na Província de Barcelona e no Estado
de São Paulo, conforme Joan Pagès: “(...) La formació del professorat (...) va ser escassa,
excessivament esbiaixada cap als procediments i insuficient per assolir els ambicioso objectius
previstos en la Reforma” e Ilka Mesquita: “(...) é na relação ensino/pesquisa que nós professores
de História, universitários ou do ensino fundamental e médio, construímos nossa identidade
profissional, produzindo saberes acadêmicos ou escolares” (2008, p.6).
Entre professores e autores das teses, resistem os grandes projetos: ser um bom professor
e, coletivamente, garantir a escola pública gratuita, universal e de boa qualidade para todos. Seria
223
a reedição da aposta na Educação como ferramenta utópica para a regeneração da Humanidade,
presente nos projetos liberais dos tempos modernos? Trata-se de um sonho que povoou as
propostas dos Revolucionários Franceses e inspirou a criação de sistemas escolares pelo mundo.
Ela aparece entre os socialistas utópicos (CALATAYUD; SOLER & VICO, 1982), na
proposta da Escola Unitária de Antonio Gramsci (GRAMSCI, 1979), na Educação Libertária de
Paulo Freire (SCOCUGLIA, 1999), no “compromisso político” da Pedagogia Histórico-Crítica
(SOARES, 2004), no “intelectual transformador” da Pedagogia Crítica (GIROUX, 1997), no
“Tesouro a descobrir” do Relatório Delors (1998) e, especialmente, na definição de políticas
públicas educacionais.
A utopia se faz presente na vida cotidiana, como mostra Salomão (2009), essencialmente
como metáfora de projetos políticos (36% das menções em jornais brasileiros e portugueses).
Estas metáforas são adotadas, inclusive, pelo Estado e veiculadas em estratégias de governo.
Pesquisa conduzida pela Unesco e publicada no relatório “O perfil dos professores brasileiros”
mostra que 75,5% dos entrevistados concordam com a seguinte afirmação:
A liberdade e a igualdade são importantes, mas se tivesse que escolher uma das duas, consideraria a igualdade como mais importante, isto é, que ninguém se veja desfavorecido, e que as diferenças de classe social não sejam tão fortes (2004, p.130-131)
Na interpretação do relatório, esta não é necessariamente uma posição de Direita nem de
Esquerda, apenas diz respeito a uma visão “mais igualitária” da vida em grupo. Diferente da
análise do economista Gustavo Ioschpe (apud De Rossi, 2009) ao comentar a mesma pesquisa.
Para ele, o dado significa que os professores discordam de qualquer iniciativa educacional que
não faça oposição ao capitalismo. Em outro artigo (IOSCHPE, 2012), intitulado “A utopia sufoca
a educação de qualidade”, o economista considerou um erro a adoção de utopias político-
educacionais “supostamente de esquerda” que, ao invés de promover a igualdade, desperdiçariam
o tempo que o “aluno pobre” deveria dedicar à matemática, à língua portuguesa e às ciências.
Para o autor, ensinar ciência e valores humanos, ao mesmo tempo, é uma tarefa incompatível.
Entretanto, não creio que as fontes documentais discutidas nos capítulos anteriores corroborem
posturas “doutrinadoras”. Aliás, ressentem-se da formação dual que receberam, resultado da
mesma tensão entre ciência e prática discutida por Souza (2000) e contestada por Ioschpe. Seria
possível escapar deste círculo?
224
Paul Ricoeur (apud De Rossi, 2009, p.127) propõe uma relação complementar entre
ideologia e utopia. Assim como o lado transgressor da utopia pode incorrer em sistemas
totalitários, a ideologia ajudaria a construir um sentido de coesão social. Nesse sentido, o projeto
da escola pública para todos não se filia exclusivamente a programas de Direita ou de Esquerda.
Baseia-se na crença humanista de que todas as pessoas, pela razão, podem modificar suas vidas e
o mundo. Talvez as fontes documentais aqui analisadas procurem aproveitar, como sugere De
Rossi (2009), as bandas positivas complementares de ideologia e utopia.
VII
Neste ponto, é relevante pensar sobre referenciais teórico-metodológicos
predominantemente mencionados nas fontes documentais. Quando refletem sobre a formação
docente, as teses defendidas na Província de Barcelona apoiam-se em propostas diversificadas
(saberes docentes, professor reflexivo, professor pesquisador, teorias culturais), quase sempre
articuladas a representantes da Pedagogia Crítica de inspiração anglo-saxônica. Remeto à lista de
referências nos Anexos 5 e 6. Os nomes mais citados se encontram no Gráfico 4:
Gráfico 4: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em Barcelona
Neste caso, não existem diferenças significativas entre as teses mais recentes e as mais
antigas. O cenário é outro nas teses defendidas no Estado de São Paulo, em que notei
significativa perda de espaço das contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica, como demonstrei
no Gráfico 5, aqui retomado:
225
Gráfico 5: Autores sobre formação docente nas teses defendidas em São Paulo
Ao se aproximar do século XXI, autores como Karl Marx, Antonio Gramsci e Dermeval
Saviani são menos citados, embora permaneçam nos ideais emancipadores que movimentam boa
parte das teses. É recorrente o problema da dicotomia teoria-prática, mas, desta vez, a síntese
entre a competência técnica e o compromisso político é gradativamente diluída em novas formas
de se compreender o professor (memórias, práticas, saberes...).
Parece-me que as utopias político-educacionais presentes nas fontes documentais
investigadas inspiram-se, entre outras, nas matrizes teóricas do projeto do Estado Moderno de
ensino universal, público, laico, gratuito e de qualidade, dos revolucionários franceses como
Condorcet e Lepeletier estudados por Carlota Boto (2003).
Na tese de Soares (2005), analisada no primeiro capítulo, esta perspectiva aparece com
clareza:
(...) vale ressaltar a confiança que depositamos na profissão docente e na educação escolar. É a atitude do professor frente às vicissitudes do mundo contemporâneo que irá possibilitar a elaboração consciente de atividades de ensino que levem em consideração a realidade e o desenvolvimento intelectual dos alunos, com vistas a um mundo mais justo e igualitário. (p.263)
Em Carmen Guimerà (1991), não é diferente:
226
En resumen, la gran mayoría de sujetos responde que escogieron esa carrera porque les gustaba la Historia; la mitad afirman reconocer la influencia de algún profesor en la Facultad (...); de entre los 30 sujetos que se definen como profesores de Historia, (...) consideran que el papel del profesor en el aprendizaje de los alumnos es importante" (p.312).
Encontro pistas nas reflexões a seguir.
Como visto acima, ideologias e utopias podem servir tanto à emancipação quanto à
conformação. Outros autores ajudam a pensar estas relações. Maria Inês Cox (1989), na tese
“J’est un mot d’ordre”, estudou professores progressistas e sua dificuldade em articular os
desejos ao discurso. A partir de Paulo Freire, Dermeval Saviani e seus seguidores, a autora
problematiza as tentativas de conduzir os seres humanos da condição de objeto à de sujeito livre.
Para Cox, esse tipo de pensamento desemboca no efeito Münchhausen: os homens devem agir
sobre a história, caso contrário, nada acontecerá. Mas como agir sobre algo no qual se está
submerso?
A análise de Cox reflete o perfil ambíguo das utopias lembrado por Ricoeur e traduzido,
por De Rossi, no “círculo da emancipação” (2009). Patrizia Piozzi (2007) mostra que a utopia
emancipadora da escola percorre as principais matrizes de pensamento nos séculos XVIII, XIX e
XX, chegando aos desafios propostos pelas políticas neoliberais:
Ao longo dos séculos XIX e XX, as tendências ao crescimento da desigualdade e heteronomia, inscritas no “livre” desenvolvimento do mercado, têm tido seu maior freio na reivindicação, institucionalização e expansão dos direitos sociais. Entre eles, o direito à educação pública, uma escola para todos, que não seja uma mera extensão do local de trabalho, mas que propicie o contato com o universo da ciência e cultura, uma vivencia fundamentalmente diferente da aprendizagem mecânica e empobrecedora do trabalho alienado. (PIOZZI, 2007, p.731)
Formar professores de História e exercer a profissão, desde esse ponto de vista, significa
trabalhar numa instituição na qual a sociedade depositou muitos de seus sonhos. Nas utopias
educacionais da “Cidade do Sol”, de Tommaso Campanella (escrito em 1623), na “Utopia” de
Morus e no relatório de Condorcet (1792) – para citar apenas alguns exemplos – defende-se que
as luzes do conhecimento construam a sociedade almejada. Porém, em “Island” (lançada em
1962), de Aldous Huxley (2002), forma-se oposição às escolas que transmitem as habilidades
necessárias à preservação do status quo. Nas utopias iluministas, jamais se rejeita a educação.
227
Porém, em Huxley, o conhecimento não redime por si só. É preciso enfrentar a pluralidade –
desafio das utopias em geral (DUBOIS, 2009).
O alerta de Cox, a reflexão de Ricoeur e o exemplo da utopia de Huxley são instigantes.
Hannah Arendt (2009), no capítulo “A crise na educação” (de 1953) tem algo a dizer sobre a
concepção da escola emancipadora:
O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por natureza novos. No que toca à política, isso implica obviamente um grave equívoco: ao invés de ajustar-se aos seus iguais, assumindo o esforço de persuasão e correndo o risco do fracasso, há a intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto, e a tentativa de produzir o novo como um fait accompli, isto é, como se o novo já existisse. Por esse motivo na Europa, a crença de que se deve começar das crianças se se quer produzir novas condições permaneceu sendo principalmente o monopólio dos movimentos revolucionários de feitio tirânico que, ao chegarem ao poder, subtraem as crianças a seus pais e simplesmente as doutrinam. A educação não pode desempenhar papel nenhum na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados. Quem quer que queira educar adultos na realidade pretende agir como guardião e impedi-los de atividade política. (...) Pertence à própria natureza da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo. (p.225-226)
VIII
Hannah Arendt propõe um conceito diferente de Educação, pois entende que impor um
futuro pré-determinado às novas gerações implicaria privá-las da criação de novos caminhos. As
relações entre Educação e Política talvez não sejam condicionais e, sim, simultâneas. Segundo a
pensadora:
A educação é (...) o ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, para o salvar da ruína que seria inevitável sem a renovação, sem a chegada dos novos e dos jovens. A educação é também o lugar em que se decide se se amam suficientemente as nossas crianças para não as expulsar do nosso mundo deixando-as entregues a si próprias, para não lhes retirar a possibilidade de realizar qualquer coisa de novo, qualquer coisa que não tínhamos previsto, para, ao invés, antecipadamente as preparar para a tarefa de renovação de um mundo comum. (ARENDT, 2004, p.52-53)
228
Para compreender o amor mundi, isto é, a capacidade de solidarizar-se com gerações
passadas e futuras, é preciso retomar alguns dos conceitos mais importantes no pensamento de
Hannah Arendt: a Política, o Milagre, a Pluralidade e a Liberdade197. Para ela, o elemento
fundador da Educação e da Política é a Natalidade, o fato de que seres humanos surgem no
Planeta, mas precisam da ajuda dos mais velhos para conhecê-lo, preservá-lo e modificá-lo. Tudo
estaria fadado à destruição caso o “novo” deixasse de acontecer.
O “novo”, no pensamento de Arendt, ganha o nome de Milagre198, no sentido de fato
inédito e irrepetível. Todo ser humano, quando nasce, é um Milagre. Este raciocínio conduz à
ideia de Política, que acontece quando alguém expõe uma iniciativa na vida pública, engajando
os outros pela persuasão, com o diálogo no Plural. A Liberdade materializa-se neste espaço199.
Percebo conexões entre a reflexão de Arendt sobre a educação e os contornos utópicos
aqui discutidos: a Política possibilita a emergência do novo e a Educação é, justamente, espaço de
atenção privilegiada aos “novos”. Deste ponto de vista, é incoerente impor um caminho único
para os jovens. Isso significaria a eliminação da Política e, consequentemente, da Liberdade.
Como visto no Capítulo 1, os autores das teses de doutorado criticam posturas militantes, mas
parecem admirar professores que equilibram compromisso com um mundo melhor à
responsabilidade de ensinar bem.
Retomo as fontes. Os oito professores entrevistados sentem-se seguros de seus
conhecimentos historiográficos, mas não tanto dos conhecimentos didáticos, adquiridos de modo
fragmentado nos processos de formação inicial. Acreditam que o papel do professor de História é
ensinar conteúdos históricos que colaborem para o pensamento crítico e para a promoção de
197 Hannah Arendt desenvolveu vários outros conceitos que não são tratados nesta tese. Mesmo assim, procurou-se tomar conhecimento de visões gerais de sua obra (LAFER, 2003, CORREIA & NASCIMENTO, 2008). 198 Sobre o conceito de Milagre, escreve Arendt: “La diferencia decisiva entre las ‘improbabilidades infinitas’ en que consiste la vida humana terrena y los acontecimientos–milagro [Ereignis–Wunder] en el ámbito de los asuntos humanos mismos es naturalmente que en éste hay un taumaturgo y que es el propio hombre quien, de un modo maravilloso y misterioso, está dotado para hacer milagros. Este don es lo que en el habla habitual llamamos la acción [das Handeln]” (1997, p.65). 199 Hannah Arendt aprecia afirmar que “o significado da política é a liberdade”, como, por exemplo, em “Introdução na Política” (2010, p.161). Entretanto, ela temia encontrar sinais de desaparecimento da Política como Liberdade, porque os espaços públicos de discussão de problemas coletivos estavam, gradativamente, ocupados por interesses privados. Robert Sennet, em “O declínio do homem público” (1988) e Zygmunt Bauman em “Modernidade Líquida” (2001) tratam desse mesmo desconforto. Segundo esses autores, vive-se num tempo em que as questões públicas foram colonizadas pelo mundo privado e, portanto, inexiste um espaço público em que problemas coletivos sejam discutidos como tais – um problema a ser resolvido pelas gerações atuais.
229
valores humanistas e democráticos. Esperam algum tipo de impacto no futuro de seus alunos,
pela via da construção de conhecimentos na escola. Percebo isso, por exemplo, na conversa com
Lola:
Eso es lo que yo busco. Busco que cuando ya llevamos un mes, mes y medio de vez en cuando se acerque un grupo de alumnos o algún alumno y diga: “Mira, ayer escuché eso, ¿qué te parece? Escuché por la tele.” O: “Mi papá me comentó que en el periódico había salido…”. Eso busco. Busco eso. En segundo sucede ya en todas las clases. En todas.
Quem projeta utopias político-educacionais estabelece uma crítica sobre o presente,
procura possibilidades e sonha com um mundo melhor, conforme o testemunho de Cândido:
Tentar melhorar como professor! E tentar ter um impacto maior. Mas o duro que a estrutura não favorece muitas vezes (...) A própria escola, na relação deles, você nota certas intolerâncias, é difícil fazer o debate pra quebrar alguns preconceitos que eles têm. Você tenta e tudo, mas... E muitas vezes a própria estrutura, você tem os outros agentes e às vezes esses outros agentes têm esses preconceitos também.
Frente à crítica ao passado e ao presente, os professores sentem-se como se tivessem
recebido a tarefa de “renovar o mundo” – mas não sozinhos – como diz Hannah Arendt (2004) no
livro “Responsabilidade e Julgamento”:
Quem quer que assuma a responsabilidade política sempre chegará ao ponto em que diz, com Hamlet:
O tempo está fora dos gonzos: maldito despeito
Que eu tenha nascido para torná-lo direito?
Endireitar o tempo significa renovar o mundo, o que podemos fazer porque todos entramos num ou noutro tempo como recém-vindos a um mundo que existia antes de nós e ainda vai existir depois que partirmos, quando teremos deixado a sua carga para os nossos sucessores. (p.90)
Parece-me que a expressão “renovar o mundo” mostra pontos em comum entre o
sentimento de Responsabilidade Docente pelo Mundo e as utopias político-educacionais
presentes nas fontes documentais. Em primeiro lugar, predomina a crença – humanista – de que o
mundo pode e deve ser melhor – mais justo, mais tolerante, mais crítico. Este sentimento legitima
a Autoridade dos professores, segundo Arendt. Eles ensinam um conteúdo construído no passado,
que mostra aos jovens o mundo em que vivem. Ao mesmo tempo, por amor ao futuro, abrem
230
“ventanas/portas” para o pensamento dos jovens, como, por exemplo, nos testemunhos de
Mercedes: “Acho que eu ensino menos coisas, mas de um jeito mais profundo, onde eu realmente
percebo que eu consegui atingir. (...) Não importa quanto, mas eu preciso desse movimento de
crescimento” e de Ana: “Você já viveu essa emoção? Aí, lá na rua, eles dizem ‘professora, você
foi a melhor professora que eu tive’”.
Esta concepção se torna especialmente importante em tempos de Crise – ou de Reformas
– quando novo e velho se enfrentam. A autoridade e a competência de educadores envolvem,
portanto, o sentido de Política, mas não se concretizam em doação, partidarismo ou proselitismo.
Ela está na especificidade do trabalho do professor. Quanto ao impacto no futuro dos jovens,
resta aos professores, na visão de Arendt, prometer que o melhor será feito e, caso algo errado
aconteça, perdoar para proporcionar um novo início. Porém, as teses defendem a importância da
mobilização coletiva na luta por melhores condições de trabalho e salário, algo que aparece
pouco nos testemunhos docentes.
Em “A condição humana” (2007), Arendt reflete sobre as consequências do “iniciar algo
novo” pela persuasão, no diálogo no Plural. Como não é possível controlar o que vai acontecer –
pois a Política é livre e não totalitária – deve-se tentar cumprir as promessas e perdoar. Estas duas
faculdades seriam essenciais para a relação humana com o tempo: o perdão, com os erros do
passado; a promessa, com as incertezas do futuro. Arendt explica:
Somente através dessa mútua e constante desobrigação do que fazem, os homens podem ser agentes livres; somente com a constante disposição de mudar de ideia e recomeçar, pode-se-lhes confiar tão grande poder quanto o de consistir em algo novo. (2007, p. 252)
Como o homem é mortal, tudo o que ele faz também é frágil e morre. Por isso, ele precisa
ser capaz de “iniciar” coisas novas, pois só assim ele garante que o inédito aconteça. A
Responsabilidade Docente pelo Mundo mostra-se quando os professores abrem as portas e
janelas, sem a presunção de ser “onipotente” ou “divina”, como diziam as professoras Agnês e
Lola. Mas não deixam de sonhar – e trabalhar – para serem professores melhores. Os autores das
teses analisadas, por sua vez, acreditam que o conhecimento acadêmico, articulado à prática pode
ajudá-los.
No último ensaio do livro “Compreender – formação, exílio e totalitarismo”, Hannah
Arendt (2008) reflete sobre a relação dos filósofos com a política a partir de dois exemplos: os
231
existencialistas franceses (Jean Paul Sartre e Albert Camus) e os alemães Karl Jaspers e Martin
Heidegger. Segundo Arendt, os franceses desconectavam a política do filosofar. Eles escreveram
peças e novelas, vincularam-se a movimentos e partidos políticos socialistas/comunistas,
lançaram revistas políticas, fizeram discursos e publicaram panfletos – paralelamente ao
desenvolvimento de seus trabalhos filosóficos.
Entretanto, Jaspers e Heidegger colocaram a política no centro de seus estudos filosóficos.
Os escritos de Jaspers exibem a ideia de que as ações de cada um interferem na vida de todos os
outros – a Responsabilidade pelo Mundo, nos termos de Arendt. Para o filósofo, deve-se
privilegiar a comunicação entre diferentes verdades para alcançar a compreensão, um processo
que se dá entre as pessoas e não acima ou dentro delas.
Contribuir para a mudança a partir da produção de conhecimento traz o desafio de
repensar as relações entre ação e pensamento e conferir valor político para o ato de pensar.
Arendt não reconhece na História o potencial de realizar esse salto e tece duras críticas a Hegel,
ao historicismo e ao fim da História conforme Karl Marx200. Mas há outras interpretações.
IX
A matriz disciplinar da História segundo Jörn Rüsen (2001), por exemplo, propõe que o
conhecimento histórico tenha os problemas da vida prática como pontos de partida e de chegada.
Josep Fontana (1998 e 1988) e Eric Hobsbawm (1995, p.12) também identificam funções práticas
para o ensino de História nas escolas. O mesmo raciocínio aparece na concepção de ciência para
Boaventura de Sousa Santos (1989) e nos conceitos de Responsabilidade de Hans Jonas (2006) e
de Responsabilidade Planetária para Agnes Heller (1993).
Segundo Klaus Bergman (1989/1990), em “A História na reflexão didática”, o papel da
Didática da História seria promover reflexões sobre os usos sociais do conhecimento histórico
escolar e não escolar. As concepções da Didática da História defendidas por Joaquim Prats,
estudadas na tese de Ana Claudia Urban intitulada “Didática da História: percursos de um código
disciplinar no Brasil e na Espanha” (2010) e de Joan Pagès (por exemplo, no artigo “¿Qué se
debería enseñar de historia hoy en la escuela obligatoria?”, de 2007) atuam em sentidos
semelhantes.
200 Como em “A condição humana” (2007).
232
Deste ponto de vista, o desejo de articular pensamento e ação em busca de um mundo
melhor pode ganhar outros sentidos e ajuda a pensar a profissão de ensinar História como
Responsabilidade Docente pelo Mundo. Ela valoriza a docência, ao evitar a confusão com
voluntarismo ou ativismo. Penso que esta compreensão não exclui a possibilidade de atuar
politicamente, em outras instâncias como fazem Lola, Regina e Fidelio (ONG, movimento
feminista, organizações da Sociedade Civil). A formação de professores de História – e a prática
do ensino – convertem-se em diálogo em torno da construção de conhecimentos e saberes abertos
para o novo.
X
Gostaria de deixar uma palavra sobre o papel dos sonhos e dos desejos.
Segundo Laure Adler (2007), Jaspers criticava um hábito de sua colega Hannah Arendt:
toda análise pessimista recebia o contrapeso da esperança, sempre nas últimas páginas. Talvez,
nas fontes documentais analisadas nos capítulos anteriores, aconteça o mesmo. Constataram-se
problemas e dificuldades, mas, ao final, reforçaram-se pequenas "ventanas", "sementes",
“portas”, que demonstram a permanência da esperança/luta por um mundo melhor.
Hannah Arendt (2010), no Epílogo de “A promessa da Política” (escrito na década de
1950), comparava as lutas do dia-a-dia com o deserto. A metáfora do deserto não seria
inadequada para pensar as tensões enfrentadas pelos professores de História. Trabalhamos no
deserto, mas não pertencemos a ele. A forma como se promove e avalia a profissão,
principalmente nos últimos vinte anos, incentiva a responsabilização individual, a
competitividade e o aligeiramento da formação acadêmica, que dificulta a transformação dos
conhecimentos em saberes que enriquecem a todos. Enfrentar as tensões que envolvem a
produção de conhecimento são nossas tempestades de areia. Para Arendt, as piores são as que
tentam adaptar-nos ao deserto, criando a ilusão de que pertencemos a ele.
Porém, professores e pesquisadores continuam a alimentar o sentimento de
Responsabilidade Docente pelo Mundo porque resistem a ser e permanecer no deserto. O sonho e
o prazer (“eu adoro ser professora!” / “la faena esa me gusta”) são os oásis, o que não significa
fugir dos compromissos. Os oásis existem para combater a desertificação:
233
(...) no isolamento do artista, na solidão do filósofo, na relação intrinsecamente sem-mundo entre seres humanos tal como existe no amor e às vezes na amizade – quando um coração se abre diretamente para o outro, como na amizade, ou quando o interstício, o mundo, se incendeia, como no amor. Sem a incolumidade desses oásis não conseguiríamos respirar (...). Se aqueles que têm de passar suas vidas no deserto, tentando fazer isso e aquilo preocupados com as condições do próprio deserto, não souberem usar os oásis, tornar-se-ão habitantes do deserto (...). Em outras palavras, os oásis (...) não são lugares de “relaxamento”, mas fontes vitais que nos permitem viver no deserto sem nos reconciliarmos com ele (...) (2010, p.268)
Os professores concordariam com a Hannah Arendt? Talvez, alguns não. Ana parece
confiar pouco na instituição escolar:
Bom, eu já estou cumprindo o meu tempo, eu vou para outro canal. É o que eu quero na minha vida, que eu vá realmente trabalhar a promoção, não a permanência dele naquela miséria.
Para Fidelio, precisaríamos de pessoas novas para transformar o ensino de História:
Pero eso requiere otro tipo de gente. De alumnado. De padres, de profesores (...), de entorno, de todo, de todo.
Outros, talvez, concordem. Cândido, com a coragem de “começar o novo”:
E a chance que dá para você fazer coisas diferentes. Até porque como eu estou experimentando estratégias, eu arrisco um pouco algumas coisas.
Regina, no apreço pela aprendizagem:
Mas ele sabe fazer uma pesquisa, ele sabe relacionar um assunto que está sendo abordado com questões atuais. Quando eu penso no aluno do começo até o fim do ano, eu sei que muitos não vão atingir (...), mas isso orienta o meu trabalho.
Agnês, pela compreensão das expectativas de seus alunos:
E se eu vejo que eles saíram da oitava confiantes, se vendo capazes. Então eu gostaria muito mais que eles se vissem capazes, como qualquer outra pessoa. A escola não redime.
Mas, principalmente, pelo amor mundi que reconheço em todos eles, especialmente em
Josep:
234
la relación que nos puede traer mejores consecuencias para todos es el pensar cómo vive cada uno y cómo podemos vivir conjuntamente, pero siendo mucho más empáticos, mucho más tolerantes.
Em Mercedes:
Minha utopia é que ninguém tenha que colocar o menino na escola particular para ter numa escola boa. Essa eu acho que é a maior de todas. Eu quero que todas as escolas sejam boas. Independentemente de serem públicas ou privadas.
E em Lola:
Yo creo que es un compromiso, como es ser profesor de historia y ciencias sociales, es un compromiso. Que adquieres con tu mundo, con tu sociedad, con tu entorno, con … con tu presente, pues eso, con tu presente y con tu futuro y con el futuro de los demás.
235
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CARDOSO, Oldimar. A didática da história e slogan da formação de cidadãos. 2007. 250 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-22022008-113710/>. Acesso em: 23 fev. 2012.
CHIOZZINI, Daniel. Memória e história da inovação educacional no Brasil: o caso dos Ginásios Vocacionais (1961-1969). 2011. 335 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://cutter.unicamp.br/document/?code=000477403>. Acesso em: 23 mar. 2012.
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FERNANDES, Angela Viana. Cidadania e educação: análise comparativa dos processos redemocratizantes da Espanha e do Brasil ressaltando suas Leis de Diretrizes e Bases. 1995. 337 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000099673>. Acesso em: 19 abr. 2012.
GUIOTI, Ednilson. Educação a distância: tendências predominantes na sua expansão, Brasil e Espanha. 2007. 288 f. Tese (Doutorado em Educação - Currículo) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
NADAI, Elza. A educação como apostolado: história e reminiscências (1930-1970). 1991. Tese (Livre-Docência) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
RODRIGUES, Maria Ester. A contribuição do behaviorismo radical para a formação de professores:uma análise a partir das dissertações e teses no período de 1970 a 2002. 2005. 483 f. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.
SANTOS, Ramofly dos. O Projeto Político Pedagógico do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem terra: trajetórias de educadores e lideranças. 2007. 206 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2007.
URBAN, Ana Claudia. Didática da História: percursos de um código disciplinar no Brasil e na Espanha. 2009. 246 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2009.
255
ANEXOS
Anexo 1: Parecer final do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp.
Anexo 2: Mapas da Província de Barcelona e do Estado de São Paulo e cidades
participantes.
Anexo 3: Instrumentos de pesquisa.
Anexo 4: Sumário do Plano de Curso da professora Lola.
Anexo 5: Referências sobre formação de professores de história nas teses de Barcelona
(CD)
Anexo 6: Referências sobre formação de professores de história nas teses de São Paulo
(CD)
Anexo 7: Unidade Didática do Plano de Curso do professor Fidelio
Anexo 8: Transcrições das entrevistas de Barcelona e de São Paulo (CD)
259
ANEXO 2 – Mapas da Província de Barcelona e do Estado de São Paulo, com destaque às cidades participantes
ATLES NACIONAL DE CATALUNYA. Delimitació per demarcacions, comarques i municipis. Barcelona, 2006, Institut Cartogràfic de Catalunya. 1 mapa, color. Escala 2:60km. Disponível em: <http://www.atlesnacional.cat/icc/atles-nacional/mapes-basics/delimitacio-per-demarcacions-comarcal-i-municipal-amb-toponimia/>. Acesso em: 26 mar. 2012.
261
LOCALITZACIÓ de Granollers. Cavall Bernat. 23 de dezembro de 2006. 1 mapa, color, Escala Indeterminável. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Localitzaci%C3%B3_de_Granollers.png>. Acesso em: 3 jun. 2012.
263
COMARCA DEL VALLÈS OCCIDENTAL.Els municipis. 1 mapa, color. Escala indeterminável. Consell Comarcal del Vallès Occidental, s.d. Disponível em: <http://www.ccvoc.org/ccvoc2/apartats/index.php?apartat=110>. Acesso em: 26 mar. 2012.
265
MAPA de localização do Município de Campinas no Estado de São Paulo. Rafael Lorenzeto de Abreu. 25 de agosto de 2006. 1 mapa, color, Escala Indeterminável. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_Campinas.svg>. Acesso em: 3 jun. 2012.
267
MAPA de localização do Município de São José dos Campos no Estado de São Paulo. Rafael Lorenzeto de Abreu. 14 de julho de 2006. 1 mapa, color, Escala Indeterminável. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_SaoJosedosCampos.svg>. Acesso em: 3 jun. 2012.
268
269
MAPA de localização do Município de Hortolândia no Estado de São Paulo. Rafael Lorenzeto de Abreu. 25 de agosto de 2006. 1 mapa, color, Escala Indeterminável. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_Municip_Hortolandia.svg>. Acesso em: 3 jun. 2012.
271
ANEXO 3 – Instrumentos de pesquisa
FORMULÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO
1. Nome completo:
2. Local e data de nascimento:
3. Residência atual:
4. Período de frequência à educação básica e tipo de escolas:
5. Formação inicial – instituição e período:
6. Pós-graduação – instituição e período:
7. Local de trabalho atual:
8. Tempo de serviço como professor:
9. Filiação e participação em organizações profissionais (sindicatos, grupos):
10.Posição política:
11.Filiação e participação en partidos políticos (nome/período/como participa):
12.Participação em outros movimentos sociais:
13.Religião:
14.Participação em movimentos religiosos:
15.Movimentos culturais e/ou artísticos:
16.Profissões anteriores:
17.Favoritos ou grandes influências:
Livros acadêmicos:
Livros de ficção (romances, poesias, contos):
Músicas:
Cinema:
Artes plásticas:
Televisão:
272
Jornais/noticiários/revistas:
Internet:
Rádio:
Produção própria (acadêmica/profissional, artística, cultural, política):
18.Outras informações que considere relevantes sobre sua trajetória (projetos, prêmios)
273
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DE AULAS
1. Instituição
2. Período de observação
3. Grupo observado
4. Fundação do Instituto
5. Localização
6. Características (público/privado)
7. Quantidade de turmas de Fundamental II e/ou Médio
8. Quantidade total de professores e número de docentes de História
9. Grupos sob a responsabilidade do sujeito
10.Horário de trabalho
11.Tempo dedicado a essa instituição (entre aulas, atenção aos alunos, preparação de aulas e
estudos)
12.Projetos desenvolvidos
13.Demais professores com quem costuma trabalhar em equipe (quantos, disciplina)
14.Outras funções assumidas na Instituição (atualmente ou não)
15.Observações e notas gerais sobre a Instituição (aparência física das instalações, qualidade
dos espaços e materiais didáticos)
16.Espaços utilizados pelo sujeito no período de observação
17.Tema desenvolvido nas classes
18.Forma de começar as aulas – organização do tempo, comunicação dos objetivos da aula e
das atividades desenvolvidas.
19.Atividades desenvolvidas – interação com os alunos.
20.Nível de participação dos alunos, em geral – interação entre os grupos de trabalho
274
21.Estratégias (metodologias e técnicas) mais utilizadas – como o professor enfrenta os
problemas que surgem, ou como propõe problemas para a turma.
22.Atitudes mais frequentes (atenção individualizada, chamar alunos para o quadro, ditar
lições, etc.)
23.Formas de concluir as aulas
24.Possíveis contatos com colegas de trabalho e pessoal da comunidade escolar (pais,
funcionários, voluntários, etc.)
25.Relações afetivas e sentimentos predominantes (jeito e ritmo das pessoas, roupas, hábitos,
adornos, expressões, imagens, desenhos, paredes, recados nos murais, etc.).
26.Tempo dedicado a outras tarefas, instituições, escolas
27.Contexto educativo: cidade em que se localiza, bairro, clientela predominante, histórico da
escola, situação econômica e prestígio da escola atualmente e no passado, formas de
financiamento da escola, valor da mensalidade (média), salário dos professores (média).
ANEXAR:
28.Plano das aulas e/ou da unidade didática desenvolvida
29.Atividades, textos ou outros materiais utilizados pelos alunos (exemplos)
30.Referências utilizadas pelo sujeito para preparar as aulas
275
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
Data e hora: ___________________________________________________________
Lugar: _________________________________________________________________
Professor(a): ____________________________________________________________
I – TRAJETÓRIA PESSOAL
1. Trajetória pessoal e familiar importante para a trajetória profissional (origem dos pais, contexto de
educação familiar).
2. Primeiras experiências com a escola (professores importantes, convivências, características das
escolas onde estudou, estudos preferidos, transgressões).
3. Período da juventude e escola (ideias, ideais, participações, sonhos).
4. Leituras, gostos e influências do período de escolarização básica. Diferenças em relação à
atualidade.
II – TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
5. Formação inicial – por que esse curso, nessa instituição.
6. Por que ser professor.
7. Conteúdos e/ou aprendizados inesquecíveis, experiências importantes, professor importante.
8. Leituras, gostos e influências daquela época – mudanças ou continuidades.
9. Como projetava a vida profissional como professora antes de ser professora.
10. Primeiras experiências docentes – onde, quando, como. Dificuldades, êxitos.
11. Mudanças e continuidades ao longo da trajetória como professora.
12. Uma experiência importante positiva e outra negativa ao longo da profissão. Sonhos ou
frustrações.
13. ¿Por que continua sendo professora?
IV – RESPONSABILIDADE
14. O que costuma fazer com mais frequência en suas aulas de história?
276
15. Segue as indicações das instâncias superiores? Adapta? Que critérios utiliza para escolher
conteúdos, metodologias, atividades?
16. O que deseja que eles saibam/sejam quando terminem o ano letivo?
17. Como acredita que adquiriu os conhecimentos que possui, atualmente, como professora? O que
influenciou mais – universidade, experiência, memórias, colegas da escola…?
18. Que papel possui a religiosidade em sua vida? Ela influencia em sua prática profissional ou nas
suas perspectivas sobre a sua prática?
19. Que papel possui a política na sua vida? Ela influencia em sua prática profissional ou nas suas
perspectivas sobre a sua prática?
20. Qual a sua posição frente às determinações oficiais sobre o ensino de história? Essas
determinações combinam com o que você considera que sejam os objetivos da educação e do
ensino de história?
21. Em síntese: o que é ser professor de história atualmente? Qual seu papel?
V – UTOPIA
22. Síntese das mudanças e permanências em sua forma de ensinar ao longo da carreira.
23. O professor que ensina história tem algum poder sobre o futuro dos jovens? Como? Em que se
baseia sua resposta?
24. Você acredita que contribui para um futuro diferente com sua prática cotidiana profissional? De
que forma? Essa crença já fazia parte de suas concepções antes de formar-se como professora?
Como a aprendeu?
25. Planos futuros para a carreira profissional.
26. Conte seu maior sonho/esperança em qualquer âmbito da vida.
27. A aula de história ideal e a aula de história possível.
VII – QUESTÃO ABERTA
28. Comentários livres sobre qualquer tema que acredite ser importante para completar essa entrevista.
277
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
A investigação tem como tema a responsabilidade e a utopia de professores de história/ciências sociais. Ela se justifica pela necessidade de compreender as dificuldades em concretizar, na prática, os objetivos e desejos de professores e formadores em relação ao ensino de história. Esses conceitos serão estudados tanto do ponto de vista de teses de doutorado na área quanto de professores de história e/ou ciências sociais.
Os procedimentos utilizados para a obtenção dos dados serão a pesquisa documental em bibliotecas e bases de dados (no caso das teses) e as entrevistas semi-estruturadas (no caso das narrativas de professores). Os itens abaixo esclarecem os passos da entrevista.
Será a própria pesquisadora, Caroline Pacievitch, quem coletará a assinatura no Termo e explicará todas as dúvidas referentes ao processo.
As entrevistas serão realizadas em local da preferência do professor, tranqüilo e que evite interferência de terceiros.
Toda a narrativa será gravada com instrumento digital e transcrita.
Ao longo da entrevista, a pesquisadora poderá tomar notas em seu diário de campo, as quais estarão à disposição do professor sempre que deseje.
Após a avaliação da transcrição, o professor aprovará (ou não) o uso parcial ou total das informações concedidas.
INFORMAÇÕES IMPORTANTES
1. Desconfortos e riscos: não há riscos previsíveis. As questões presentes no roteiro não tratam de
temas pessoais. Concentram-se na sua trajetória profissional, leituras e influências, avaliação da
educação e do ensino de história atual e perspectivas de futuro em seu campo profissional.
2. Benefícios: o confronto dos dados auxiliará a formação de futuros professores, pois haverá maior
clareza quanto às relações entre utopias e responsabilidades dos professores. O ato de narrar
também promove um momento de auto-reflexão para o professor participante. Você poderá
dialogar com a pesquisadora sobre suas práticas e concepções.
3. Métodos alternativos: se desejar, você poderá responder à entrevista por escrito, ou poderá depor
com o gravador desligado e conferir as anotações realizadas pela pesquisadora.
4. Forma de acompanhamento, assistência e garantia de esclarecimentos: você poderá entrar em
contato com a pesquisadora a qualquer momento através de correio eletrônico
([email protected]) ou telefone (12 8116-4433), caso deseje modificar algum ponto do
depoimento ou solicitar o total desligamento da pesquisa. Os resultados da investigação serão
divulgados em primeira mão aos sujeitos participantes, através de contato telefônico, por correio
eletrônico ou pessoalmente.
278
5. Liberdade de retirar-se da pesquisa: você pode retirar-se da pesquisa a qualquer momento, mesmo
após a transcrição da entrevista. A pesquisadora compromete-se a devolver e destruir todo o
material coletado e não utilizar nenhuma das informações oferecidas.
6. Privacidade: serão utilizados pseudônimos e referências gerais para a contextualização do sujeito.
Os dados arquivados com a pesquisadora e sua orientadora gozam de total confidencialidade.
7. Despesas: a participação nesse projeto não envolve qualquer despesa de sua parte. Não há nenhuma
forma de reembolso, já que com a participação na pesquisa você não vai ter nenhum gasto.
8. Você receberá uma cópia deste Termo.
DECLARAÇÃO
Eu, _______________________________________, declaro conhecer os Termos deste documento e concordo em conceder entrevista para a pesquisadora Caroline Pacievitch, dentro dos fins e objetivos do projeto de pesquisa “Responsabilidade e Utopia na formação de professores de história”, dos quais tenho pleno conhecimento. Informo que fui esclarecido(a) quanto aos objetivos do trabalho, assim como ao modo como será realizado, sendo garantida, portanto, minha condição de anonimato. Nesse sentido, estou ciente de que os resultados da pesquisa serão publicados e que o uso de toda e qualquer informação concedida atende única e exclusivamente à finalidade de produção e divulgação de conhecimento acadêmico.
______________________________, _____ de ______________ de _________.
____________________________________________ Participante da pesquisa
______________________________ Caroline Pacievitch
Pesquisadora responsável
R. Roma, 673, ap. 101 B
12216-510 São José dos Campos (SP) - Brasil
Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp
Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 - Caixa Postal 6111 13083-887 Campinas – SP
Fone (019) 3521-8936 Fax (019) 3521-7187 e-mail: [email protected]
279
ANEXO 4 – Conteúdos do Plano de curso da professora Lola
1. Anàlisi i sistematització de les principals transformacions econòmiques, socials, culturals i polítiques operades a Europa a finals del segle XVIII i primeries del XIX com a punt de partença de l’evolució històrica posterior, fent referència als principis i característiques bàsiques de l’Antic Règim. Valoració argumentada de les continuïtats i canvis respecte de l’Antic Règim.
2. Identificació i anàlisi, a partir de fonts textuals, dels canvis polítics derivats dels valors de la independència dels Estats Units i de la Revolució Francesa; així com dels trets bàsics de les tres línies polítiques i ideològiques bàsiques del segle XIX: absolutisme, liberalisme i nacionalismes.
3. Descripció i explicació dels aspectes més importants del procés d’industrialització, especialment de la segona fase de la Revolució Industrial i
de les seves conseqüències socials.
4. Caracterització de l’origen i l’evolució del moviment obrer durant el segle XIX.
5. Comparació de les dues grans línies ideològiques del moviment obrer (socialisme
6. i anarquisme) a partir de diferents fonts documentals.
7. Establiment de la causalitat múltiple del fenomen colonial del segle XIX, Descripció, anàlisi, caracterització i sistematització dels principals imperis colonials a partir de diverses representacions cartogràfiques.
8. Explicació de la interrelació entre l’imperialisme, l’expansió colonial i la cursa d’armaments produïda abans de la Primera Guerra Mundial.
280
ANEXO 5: Referências sobre formação de professores de história nas teses
defendidas em Barcelona (em CD)
281
ANEXO 6 – Referências sobre formação de professores de história nas teses
defendidas em São Paulo (em CD)
282
ANEXO 7 – Unidade Didática no Plano de Curso do Professor Fidelio
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285
ANEXO 8 – Transcrições das entrevistas de Barcelona e São Paulo (em CD)