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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA APRIMORAMENTO EM SAÚDE MENTAL EM SAÚDE COLETIVA Grupo de Família e Saúde Mental Orientadora: Rosana Onocko Campos Aprimoranda: Jocilene Santos Bonfim Campinas, Fevereiro de 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA APRIMORAMENTO EM SAÚDE MENTAL EM SAÚDE COLETIVA

Grupo de Família e Saúde Mental

Orientadora: Rosana Onocko Campos Aprimoranda: Jocilene Santos Bonfim

Campinas, Fevereiro de 2013

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Mesmo que se engane, o desenvolvimento natural de sua vida interior há de

conduzi-lo devagar, e com o tempo, a outra compreensão. Deixe a seus

julgamentos sua própria e silenciosa evolução sem a perturbar; como qualquer

progresso, ela deve vir do âmago do seu ser e não pode ser reprimida ou

acelerada por ciosa alguma.

(Rilke Maria)

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Agradecimentos

A Deus por me possibilitar mais esta oportunidade de aprender.

A Minha família pelo apoio e por acreditarem em mim. Wagner Bento, por acreditar que eu poderia chegar aqui, isso me ajudou a confiar.

Rosana Onocko, por me orientar, ensinar e por estar sempre a disposição para ajudar.

Aos meus colegas do Aprimoramento Anne, Anna Carolina, Bárbara, Biatriz, Camila, Celina, Ed, Lílian. Companheiros na caminhada por compartilharem

comigo suas experiências de atuação nos CAPS’s.

A equipe do CAPS Antonio da Costa Santos por me receber e contribuir na minha formação.

Aos usuários do CAPS por me permitirem participar de suas alegrias e

sofrimentos, isso contribuiu para o amadurecimento na minha vida.

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Sumário

Introdução.................................................................................................................5

O que é um grupo de família?...................................................................................7

Sexualidade e família..............................................................................................13

Homossexualidade..................................................................................................15

Desafio: Saúde mental e a sexualidade..................................................................16

Sexualidade materna: Como falar disso..................................................................17

Orientação sobre os direitos da pessoa com doença mental..................................18

Considerações Finais .............................................................................................20

Bibliografia .............................................................................................................22

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INTRODUÇÃO

Dentre as muitas escolhas que temos de fazer no aprimoramento a

última delas e de igual importância é o tema do trabalho de conclusão de curso.

Foram muitas vivencias ao longo de um ano no CAPS Antonio da Costa Santos

e como resultado dessas experiências de atuação e supervisões, desabrocha

esse trabalho que também aponta para um fechamento de ciclo para

despedidas.

Escrever sobre a minha experiência é importante, pois me remete aonde

tudo começou, no meu desejo por conhecer vividamente o que lia sobre saúde

mental. Muitos termos utilizados no contexto de CAPS eram, para mim, inéditos

e difíceis de compreender: matriciamento, acolhimento, convivência, mas com

o passar dos dias foram ganhando significado. Conhecer os demais serviços

configurou-se com parte essencial na compreensão desse funcionamento.

Acredito que a escolha de qualquer um dos serviços me proporcionaria o

aprendizado que desejava. Ter escolhido e ficado no CAPS Antonio da Costa

veio atender minha expectativa maior que era trabalhar num CAPS III e

também pela facilidade de localização.

O meu período de adaptação no CAPS foi difícil, pois não conhecia essa

dinâmica. E esse ano especialmente foi cheio de imprevistos e de grande

turbulência no cenário político do município de Campinas. O que diretamente

afetou a todos nós, os aprimorandos recém chegados na rede. Pois estava

instalado um clima de instabilidade e de crise. A rotina no CAPS me

possibilitou participar de diversos grupos e atividades, todas muito ricas em

aprendizado. Mas como não é possível relatar tudo nesse trabalho, escolhi

escrever sobre a minha experiência com o grupo de família.

Sempre houve em mim um questionamento e até mesmo critica

referente aos familiares dos usuários, percebia uma dificuldade no tratamento

muitas vezes causada pela não-participação da família no projeto terapêutico

singular do usuário. O que demandava a equipe de profissionais funções que

muitas vezes não eram suas e sim da família.

O técnico constrói os conceitos, enquanto profissional, baseado nesses

construtos, além de estar inserido no senso comum, que reproduz vários mitos

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relacionados á loucura e a família. Para construir uma relação que subjetive a

família, é necessária uma reforma pessoal, de reflexão acerca dos valores dos

próprios profissionais. Pietrurgo & Resende (2007, p.28).

Na busca por compreender melhor essa dinâmica surgiu o meu

interesse por participar do projeto do grupo de família do CAPS. Cuja proposta

foi a de oferecer um espaço terapêutico de escuta, onde os familiares poderiam

entrar em contato com seus sentimentos, compartilhar emoções e

experiências, obter informações sobre a doença mental, o tratamento e o

manejo.

A principio o projeto de extensão da PUCC foi trazido pela Profª e

Psicóloga Cristiane Valle.

No primeiro semestre esse projeto teve inicio com um grupo de usuários

onde foi possível ouvir suas demandas e angústias relacionadas às suas

famílias. Esse momento se fez muito importante para conhecer essas famílias

pelo olhar dos usuários. Infelizmente, não foi possível participar pois estava

coordenando outro grupo.

E no segundo semestre começou o grupo com os familiares que a

principio eram três grupos, dois grupos as terças: um começava às 15:45h e o

outro às 17:30h.

Eles aconteciam no espaço do FEPASA localizado no centro de

Campinas, estrategicamente escolhido porque era mais próximo para a maioria

das famílias que trabalhavam nas imediações do centro e por ser fora do Caps

provavelmente os deixariam mais à vontade.

E o outro grupo reunia-se no bairro do Campo Belo num espaço cedido

pelo centro comunitário, nas quartas às 15:30h . Em ambos os grupos tanto

usuários como familiares eram indicados pelas três equipes de referência do

CAPS e os convites às famílias eram feitos através de visitas domiciliares, por

telefone ou quando o usuário se encontrava no caps para algum atendimento

ou para retirar a medicação.

Na coordenação dos grupos estavam uma psicóloga e duas terapeutas

ocupacionais do CAPS e a professora da PUCC, também participaram as

estagiárias de psicologia Flávia e Cristina e eu como aprimoranda de

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Psicologia. As reuniões aconteciam uma vez por semana com a duração de

uma hora e meia. Foram 12 reuniões seguidas de planejamento para discutir,

entre as profissionais e estagiárias, a reunião passada e traçar diretrizes para a

próxima.

Esse projeto teve como objetivos transmitir informação aos familiares

sobre o que é o transtorno mental, esclarecimento sobre a medicação, tirar

dúvidas sobre o trabalho do CAPS, capacitar e instrumentalizar a família para

suportar o sofrimento e contar dos limites e alcances da pessoa com transtorno

mental. Foi possível perceber que as famílias podem negar a doença ou até

mesmo colocar o doente em condição de dependência completa da família.

Ao longo das reuniões foi percebido também um caráter terapêutico no

grupo. Foi proposto ao final do projeto a elaboração de uma cartilha que trate

de maneira clara e resumida sobre o que é doença mental, com o intuito de

desconstruir alguns mitos em cima desse tema.

O que é um grupo de familia?

Entendemos o grupo como uma reunião de pessoas com objetivos

compartilhados. Nesse caso compreender a doença mental, compartilhar de

suas experiências e se reconhecerem em sua singularidade. Diferentemente de

um conjunto de pessoas que apenas interagem coletivamente.

De acordo com Osório (2003), para que um conjunto de pessoas se

torne um grupo é necessário haver o reconhecimento de singularidade e que

haja uma ação interativa com objetivos compartilhados. No grupo acontecem

vários fenômenos relacionais disparados por motivações inconscientes, que

necessitam de atenção para melhor entendimento do funcionamento grupal. E

nesses grupos é possível identificar diversas manifestações segundo uma

leitura psicanalítica, tais como: transferência, resistência, insigth e elaboração.

Foi possível observar no inicio do grupo que muitos familiares se viam

como solitários em seus problemas e desgraças. E reconhecendo outras

famílias com preocupação e problemas semelhantes aos seus, puderam relatar

não se sentirem sozinhas e isso parecia lhe proporcionar um certo alívio. Todos

os relatos dos familiares nesse trabalho trazem nomes fictícios.

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Julia(mãe): “ No grupo a gente percebe que tem outras pessoas com os mesmos

problemas e até mesmo piores que os nossos. Aqui estamos todos no mesmo barco. Falar das

dificuldades para quem vive algo parecido me dá a impressão de ser mais compreendida do

que falar para quem nunca passou por isso, a pessoa não compreende o que é lidar com

alguém com esquizofrenia. E poder aprender com as experiências de pessoas que passaram

pela mesma situação é muito bom.”

O processo de identificação facilita aos participantes ver no outro o reflexo de

sua própria realidade, aliviando a sensação de isolamento e solidão, muito

comum entre eles, além de contribuir para a própria construção do grupo como

espaço de referência e d experimentação. MELMAN ( 2006, p. 95)

Para Yalom, (2006, p.27) “Não existe um ato ou pensamento humano

que esteja completamente fora da experiência das outras pessoas.”

Foi possível perceber no grupo diversas semelhanças entre os

participantes, entre elas: a percepção das dificuldades de lidarem com

questões que envolvessem a sexualidade, a negação diante da doença,

dificuldades encontradas no manejo com o familiar e até mesmo com os

demais membros da família.

“A radicalidade da experiência mobiliza sentimentos de lealdade e

compromisso, os elos de sangue que unem e protegem uma determinada

família (...) O poder grupal tem a função de proteger seus integrantes das

forças ameaçadoras”. (MELMAN, 2006, p.20).

Nessas reuniões foi possível ouvir acerca das dificuldades enfrentadas

no dia-a-dia dos familiares e também proporcionar um espaço de escuta e

acolhimento. Foram suscitadas várias angústias em muitos momentos

apareciam essas falas:

Ângela (mãe): “Agente não entende essa doença, suporta. Quando meu filho me xinga

ou me mal trata, não é o meu filho falando é a doença.”

Célia (mãe): “Não tem jeito é filho, ta doente agente tem de cuidar, é para vida toda,

não tem jeito sei que minha filha depende de mim para vida toda, isso não é fácil, mas

estou aceitando essa realidade.”

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Maria ( mãe):“Não sabia que esse problema era tão sério, a esquizofrenia tem cura,

né?”

Julia ( mãe): “Quando soube que ela estava doente procurei ajuda em todos os lugares

que vocês possam imaginar, fui na macumba, igreja, fiz promessa.”

Segundo Machado, (2007, p.29) “A pessoa ou grupo ao relatar um

acontecimento no momento presente, não recorda apenas aquele evento

isoladamente, mas o faz relacionando-o com sua própria trajetória”.

Já para (Pietrolungo & Resende, 2007) É a partir da escuta que o

profissional pode proporcionar momentos de subjetivação do sistema familiar,

favorece a percepção da equipe e da própria família acerca dos problemas

suscitados por esta. Por meio desse grupo os profissionais que ali estavam, de

certa forma, tiveram um papel de mediador entre CAPS e a família. Foi

necessário esclarecer sobre a demanda crescente que o CAPS tenta dar conta,

mas que nem sempre é possível devido ao grande número de usuários e as

dificuldades enfrentadas na saúde mental em Campinas. E que por se tratar de

um momento difícil para ambos os lados, todos, profissionais e família, tinham

que estar juntos no tratamento, cada um desenvolvendo seu papel. Muitos

conflitos aparecem nessa relação de impotência vivenciada tanto pela equipe

como pela família.

No grupo foi importante e acolhedor perceber a condição de não-saber

dos profissionais demonstrando que não se tinha resposta para tudo, mas que

os questionamentos que não tivessem respostas imediatas seriam estudadas e

pensadas para o próximo encontro.

Na primeira reunião todos se apresentaram e relataram quem era o seu

familiar em tratamento no CAPS Antonio da Costa Santos. Em seguida foi

lançado um disparador com as seguintes perguntas: Como foi saber que havia

na família alguém com problemas mentais? E, quais sintomas te despertaram

atenção e o que a família fez com isso?

Os relatos foram diversos:

Carla (irmã): “A minha família não entendia o que estava acontecendo, achavam que

meu irmão estivesse possuído por demônios, por ignorância queriam exorcizá-lo, levavam a

várias igrejas, ninguém entendia o que estava acontecendo. Isso há décadas atrás não se tinha

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informação de doença mental como se tem hoje. A falta de esclarecimento e compreensão

muitas vezes o colocava como o bode expiatório na família, quando não conseguir acordar

cedo, por causa dos remédios fortes que ele tomava todo mundo falava que eram um

vagabundo preguiçoso. No inicio foi muito difícil principalmente porque naquela época o

tratamento do doente mental era naqueles hospitais horríveis com eletro choque. Ainda bem

que isso não existe mais.”

Vilma (irmã): “Eu tenho sentimento de culpa bem grave, meus avós são primos.

Quando ele adoeceu, ficou com uma obsessão pela mãe, faz 46 anos que ela morreu, mas

parece que ele não aceita, é como se ela (mãe) tivesse morrido ontem, precisa ver como que

é. Ele tinha privilégio desde pequeno por parte dos pais.”

Núbia (mãe): “Não dava para perceber a diferença quando é normal e quando não é.

Com uns 18, 19 anos quando ficou doente, ele queria ser legal, mas irritava a irmã. A

professora brigava, mas eu não conseguia perceber.”

Vilma (irmã): “No começo sabe; agente percebe que tem algo estranho fora do normal

e isso vai aumentando até se dar conta que é um problema na cabeça. Tinha muita dificuldade

com meus outros irmãos eles achavam que J era vagabundo que era coisa do diabo ou drogas.

Eu dizia: Não, ele é doente. Meu marido é kardecista e disse que meu irmão escolheu viver

assim, eu era evangélica, mas depois de ouvir tanto bobagem sobre a doença dele hoje não

freqüento, não quero nem saber. Ele ficou doente aos 33 anos e não aceita tomar remédios.

Gostaria que ele tratasse, mas não trata. Fica o tempo todo na rua, a família acredita que Deus

vai curar.”

Geisa (mãe): “Desde pequeno quando ele pedia as coisas e eu não dava na hora,

ficava muito nervoso. Comecei a notar que ele era diferente.”

Para Melman (2006), As vivências que acontecem em torno das

doenças mentais apontam para a desorganização na vida de muitas famílias, é

como se representasse uma comprovação de incapacidade do cuidado com o

outro, declínio de esforços e a perda de projetos de vida. E com muita

freqüência como uma vergonha diante da comunidade.

A doença mental é um desafio que afronta o poder grupal, ocasiona

tensão, produz amarguras, favorece sentimentos de impotência. Nos casos de

maior comprometimento onde os sintomas se prolongam por muito tempo, as

falhas de comunicação e interação, as inúmeras frustrações sociais dos

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usuários intensificam ainda mais o fracasso e a desesperança nos tratamentos

contribuindo assim para o isolamento da vida em comunidade.

No imaginário social, predomina uma visão de medo e rechaço gente a

qualquer experiência humana que se afaste dos padrões de racionalidade e

normalidade hegemônicos. Progressivamente, a família vai se fechando em

torno das vivências de vergonha e de culpa. MELMAN, (2006, p.23, 24)

Julia (mãe): “ Quando diagnosticada a doença mental da minha filha, eu comecei a

sofrer de depressão. Me afastei do emprego e fiquei em casa cuidando dela, tive que

passar com o psiquiatra para tomar medicação e precisei de cuidados. Sofri que nem

um cão no casamento, criei filhos sozinha, gostava de bailes, era organizada, centrada,

racional, daí depois da depressão não tinha vontade de fazer nada, nada.”

Pichon (2005), ressalta que a manifestação fenomenológica da doença,

pode ser vista como uma tentativa de elaboração do sofrimento desenvolvido

pela intensidade dos medos primários.

Em uma das reuniões, perguntou-se para a familiar Julia: A sua

depressão teve relação com a doença de sua filha?

“Sim, porque foi depois da doença dela que eu adoeci, a relação que eu sinto é

enxergar a questão da doença, do sofrimento e de ter que dar conta dela. Se tem uma

coisa que sempre me incomodou é ver um filho sofrendo e não poder ajudar, meu

pedido era que ela morresse junto comigo, porque se ela ficar sozinha quem vai

cuidar? Tenho minha mãe de 90 anos, irmãos, cada um com sua família. Quem vai

cuidar quando ela estiver em crise? Eu vejo, eles não tem paciência não sabem lidar.

Tenho um irmão que até ameaçou bater nela, tive que intervir.

Você olha as moças saindo se divertindo tendo suas próprias vidas e vê sua filha que

não é nada, não tem nada. Ela tenta ser como eu e você e não consegue. A doença

mexeu com todos na família, o meu filho mais velho também teve depressão na época.

A doença dela se manifestou aos 18 anos. Não vou dizer que aceitei a doença porque

ninguém aceita, apenas convive suporta.”

Para Melman, (2006, p.32) O forte abalo na vida de todos os integrantes de

uma família desencadeia mudanças significativas na forma de ver e estar no

mundo e balança certezas e estabilidades, na procura de respostas para se

adaptar à nova realidade. Para compreender o fenômeno do adoecer mental,

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talvez seja preciso levar em conta a vivência de catástrofe no meio que lhe é

próprio. Doença é desestabilização e ameaça à existência.

Como integrante da equipe eu tinha interesse por conhecer quem eram

esses familiares, quais as suas dificuldades e como poderia ajudá-los.

Evidentemente, não foi possível conhecer a família de cada um dos

usuários, mas acreditava que conhecendo algumas já seria possível me

aproximar dessa realidade para desconstruir meus próprios preconceitos e

reconhecer a singularidade de cada família, pois cada uma tem sua própria

característica e cada membro tem sua identidade.

Percebi que os que participavam do grupo eram aqueles que não tinham

familiares há muito tempo com o transtorno mental, talvez porque os que já

lidam há mais tempo já se acostumaram com a doença. E em sua maioria o

grupo foi composto por mulheres (senhoras), e tinha a participação de apenas

um homem.

A adesão ao grupo foi pequena considerando que foram 100 convites

feitos pelas equipes de referência e em média apenas dez familiares vinham

as reuniões, mas esses que vinham demonstravam ter um bom

comprometimento com o grupo.

Entender minimamente o diagnóstico pode dar sustentação para a

família, desmitificar e colocar o que é possível saber até para que se possam

usar os recursos que a medicina oferece. Ainda são muitas dúvidas com

relação a doença a ação do medicamentos e seus efeitos colaterais, inclusive

com relação ao diagnóstico.

As síndromes psicóticas caracterizam-se por sintomas típicos como

alucinações e delírios, pensamento desorganizado e comportamento bizarro,

como falas e risos imotivados. Os sintomas paranóides são muito comuns,

como ideias delirantes e alucinações auditivas e conteúdo persecutório.

DALGALARRONDO (2002, p.201)

Conforme o CID-10 apresentam-se ainda os sintomas de interceptações

ou bloqueios de pensamento; comportamento catatônico, sintomas negativos

(empobrecimento afetivo, auto negligência diminuição da fluência verbal; perda

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da qualidade global do comportamento pessoal, perda de interesse e retração

social). Esses sintomas devem estar presentes por no mínimo um mês.

Em uma das reuniões tivemos como disparador a pergunta: Doença mental

tem cura?

Julia(mãe): “Nunca ouvi falar e olha que tenho procurado compreender sobre a

doença. Pergunto a profissionais da área tenho um pouco de experiência porque já

trabalhei na área de saúde, leio bastante sobre o assunto, mas só sei que é possível

oferecer qualidade de vida, através das medicações e do tratamento.”

Neiva(mãe): “Estou suportando vi que Deus não vai curar o meu filho.”

Sexualidade e família

Defronta-se-nos aí um mundo sexual não inteiramente amadurecido e puro, um

mundo que não é bastante humano, mas apenas viril: cio, ebriedade e

intranqüilidade, carregados de antigos preconceitos e vaidades com que o

homem carregou e deformou o amor. (Rilke Maria)

Este tema foi trazido à reunião por uma familiar que queixa-se de uma

situação ocorrida com a irmã a qual se encontrava internada no leito do

CAPS.

A maioria presente na reunião eram mães que relatam nunca ter falado

sobre sexualidade com os filhos, principalmente por vergonha e não saber

como falar de um assunto tão difícil. Foi percebido também que elas não

tiveram essa orientação de seus pais, por conseguinte não aprenderam como

passar aos filhos.

Para Heilborn (2004) a transição de fases à idade adulta deve ser

orientada pelos pais para que seja mais bem gerenciada pelos jovens, mas é

comum os pais expressarem dificuldades em compreender a maneira que os

filhos conduzem seus próprios interesses. Percebe-se que o familiar com

doença mental acaba por ter uma gravidez indesejada ou uma doença. O que

tornaria seu sofrimento ainda pior.

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Iraci (mãe): “Difícil é que tem na família quem cria um menino e além dos

problemas da pessoa ainda ter uma criança, ninguém sabe quem é o pai. O pai

da criança que meu cunhado cria está internado, a mãe tem problema de

cabeça e os dois usam drogas. Já tinham 03 filhos que sofrem. Eu não podia

fazer nada porque estava na pior, tinha feito uma cirurgia. Eu tenho muito medo

que isso aconteça comigo, ter que criar um neto numa situação dessas.”

O grupo familiar designa não apenas a influência exercida pela mãe,

mas também a do pai, irmãos, os inter-relacionamentos entre eles e também as

demais pessoas que interagem. ZIMERMAN (2000; p.41)

Iraci continua: O que se passa lá fora eu não sei, mas ele sai bastante com os amigos bebe

e chega de madrugada. Tenho muita preocupação dele sair e engravidar alguém.

Julia ( mãe): “A primeira passagem de Janaina era num outro momento de euforia ela

saia na noite e nessa época já tinha problema com a virgindade, conversávamos sobre isso a

levava ao ginecologista, ele conversava com ela e comigo, Janaina tinha feito 18 anos e era

virgem.

Ensinava para ela que virgindade para ser perdida tinha que ser uma coisa boa, eu vim

de um tempo em que se perdia virgindade com o marido, agora é com o namorado, mas tem

que ser alguém especial, explicava. As amigas tiravam sarro dela na escola, daí passou a sair

pouco. Um dia ela diz: mãe perdi minha virgindade. Tive medo de ter sido por estupro, mas ela

se entregou ao paquera de tanto que os outros falavam.

Certa noite levou um cara que conheceu numa balada para casa, em especial para o

meu quarto. Quando acordei estava lá aquele homem que nunca vi antes no chão dormindo

com ela e se eu não acordo provavelmente transariam ali perto de mim, levantei e coloquei o

cara pra correr. Depois conversei com ela para nunca mais fazer isso e alertei-a do perigo que

ela corria. E nunca, mais ela trouxe ninguém.

Namorou dois moços do CAPS, o primeiro ela trouxe em casa para conhecermos.

Pensei: se já não bastasse um doente em casa agora terei mais um doente. Os dois

endoidaram para morarem juntos sem sequer se conhecerem, ele a levou a sua casa, sua

mãe falou que ele estava dando confiança para uma ‘negrinha’.

Minha filha queria ter relação para ser mãe, queria porque queria. Eu falava para ela:

quem vai cuidar dessa criança? Se você vai insistir então eu pego da maternidade mesmo e

dou para adoção porque você não tem condição de cuidar. Quando Janaina vê os irmãos

casarem terem filhos, quer fazer o mesmo.”

Para Melman (2006) as estratégias de poder depois do século XVIII

abrangiam proibições, censura e negação da sexualidade, com diversas

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imposições e sansões as práticas de sexo lícito e ilícito. A igreja também teve

um papel significativo no que se refere aos problemas relativos à sexualidade,

com o aval da moralidade familiar.

Homossexualidade

Núbia( mãe): “Eu não tenho muito que falar sobre esse assunto, meu filho entra no

quarto fecha a porta e não fala sobre esse assunto, antes de adoecer tinha namorada. Quando

perguntam se tem namorada, ele responde que não, mas que não é viado!”

Iraci: “No fundo da minha casa mora um moço que é homossexual, agente ficou

sabendo faz pouco tempo. Não sei... Ele e meu filho eram amigos. Meu filho nunca falou nada,

nem toca no assunto agora eles não ficam, mas juntos.”

.

Julia( mãe): “A minha filha tinha muita confusão, não sabia se gostava de homem ou

mulher. Isso me preocupava muito, eu tinha medo do preconceito que minha filha iria sofrer,

pois já sofre por ter doença mental, ser negra, pobre e ainda pela opção sexual. Seria demais!

Porque de fato ainda existe muito preconceito.”

A luta pelo reconhecimento e a promoção dos direitos de homossexuais é um

caso emblemático de necessidade de uma compreensão dos direitos sexuais

na perspectiva dos direitos humanos, visa proteger indivíduos e grupos

considerados minoritários em face dos padrões sexuais dominantes.

A reflexão e a prática dos direitos sexuais deixam muito claro, o âmbito da

sexualidade vai bem além destas realidades (...) esse direito de liberdade

possibilita aos indivíduos, de forma autônoma, a tomada de decisões quanto

aos objetivos e os estilos de vida. POCAHY (2010, p. 37.)

Em um dos relatos uma participante fala:

“A escolha de ser bicha é uma doença, não acho que é normal, não aceito de jeito

nenhum penso que não é de Deus.”

Grosi (2007) A homofobia não é um conceito de fácil definição, foi

empregado pelo psicólogo Joanh Smit na década de setenta que considera ser

qualquer sentimento de ódio, repulsa aversão, desrespeito ou desprezo ao

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indivíduo homossexual ou a tudo que se refira a homossexualidade do outro ou

em si mesmo. Pode se apresentar em diferentes formas especificas de

violência simbólica, física ou social contra pessoas homossexuais.

O heterocentrismo refere-se a um modo de pensar, agir e sentir pautada na

arbitrariedade do sexo biológico usado como premissa “ verdadeira sobre os

sexos”, o que posiciona como referência a primeira dos desejos, ideiais, princípios

e valores, o qual produz, por sua vez, um sentimento de superioridade em relação

a todas as outras manifestações e/ou identidade sexual. GROSI (2007, p.304)

No grupo observamos que os familiares que eram da religião evangélica

tinham maior dificuldade de aceitação a homossexualidade.

O termo “natureza”, na moral cristã encontra-se no mito fundador no qual

a divindade criou homem e mulher para se multiplicarem e povoar a terra. A

princípio no cristianismo dava-se ênfase ao aspecto procriativo das relações

sexuais e era condenada toda forma de prazer sexual, inclusive a sodomia.

Aconteciam nos séculos XI e XII as punições e restrições aos homens que

faziam sexo com outros homens e o pecado da sodomia passou a ser

apontado como “pecado nefando”.

Nos séculos XV e XIX, os pecados sexuais foram categorizados pela

igreja católica e um deles contrários à natureza. (sodomia, masturbação,

homossexualidade e bestialidade) Se tornam graves porque feriam o critério de

procriação, constituindo um abuso mais radical a sexualidade humana no

discurso sedimentado historicamente. (Torres 2006: 144,149 apud Machado

2010, p.52).

Desafio: Saúde mental e a sexualidade

Nessa reunião apontou-se uma grande dificuldade dos pais em falar

sobre sexualidade com os filhos e muito provavelmente porque os pais destas

mulheres também não lhe falaram sobre isso, especialmente as mães que tem

filhos, as que têm filhas demonstram ter mais facilidade.

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As mulheres relataram muitos receios e dificuldades de lidar com

gravidez indesejada, DST e homossexualidade, especialmente no que diz

respeito ao familiar com doença mental.

Heilborn (2004) relata que o relacionamento vigente em cada contexto

tem a ver diretamente com a dinâmica de cada família. É comum não haver

comunicação direta aos pais, quando o jovem mantém um relacionamento

sexual. São raras as famílias que conseguem tratar desse assunto com seus

jovens. Fala-se genericamente da sexualidade, dos métodos contraceptivos, da

AIDS, como se estivessem distantes, desligados da experiência dos filhos,

apoiados em fatos exteriores, apoiados na experiência de terceiros.

No grupo falou-se pouco da comunicação com os pais, essa

comunicação parece ser mediada pelas mães, há um distanciamento dos pais

em função de separação conjugal, com isso, percebe-se pouca habilidade para

o dialogo e/ou perda do pai na família.

Sexualidade materna: Como falar disso.

Foi proposto ao grupo falar sobre como foi a descoberta da sexualidade

para cada uma, e como nesse grupo especifico eram só mulheres o desafio foi

tranqüilo.

Julia(mãe): “Não sabia o que era menstruação, tinha 10 anos na ocasião, era bobona e

muito quieta. Meu pai foi muito amoroso, mas não falava coisas de menina isso era a

mãe que tinha que explicar e ela nunca falou de nada. Eu trabalhava na casa de uma

senhora que um dia falou par eu ir para casa tomar banho porque minha saia estava

suja e que tinha que contar para minha mãe e usar toalhinha, pensei: como falar disso

para ela? Fiquei enrolando e no outro dia contei, acho que me machuquei, mas não

cai. O pai falava que minha mãe tinha que me explicar. Depois comecei a trabalhar em

outro lugar onde as meninas falavam abertamente sobre isso, ai que eu fiquei sabendo,

mas tinha muita vergonha de perguntar. Eu tinha muita bronca da minha mãe por ela

nunca ter conversado comigo”.

O que você acha que faltou a sua mãe?

Julia: “Eu comecei a enxergar que ela não tinha para me passar. Meu pai era mais cuidadoso

minha mãe não, foi com a vida que aprendi mesmo”.

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Iraci(mãe): “Fui criada no meio do mato trabalhei na roça, fui a terceira de 5 filhos. Minha mãe

era louca, um dia jogou a faca no meu irmão e furou com a tesoura a perna da minha irmã, vou

falar a verdade ‘não considero ela minha mãe’. Tive relação com o primeiro namorado e depois

agente aprende. Com o filho eu não pegava no pé”.

Rosa(irmã): “Namorei durante 05 anos, mas nunca me casei. Menstruar, namorar foi normal

sempre saia junto com minhas irmãs e tinha que retornar no horário determinado”.

Neiva (mãe): “Eu tinha que guardar minha honra foi orientação de mamãe”.

Das histórias pessoais que cada uma trouxe aqui o que podemos relacionar a

saúde mental?

Julia: “O que está presente em todas é a falta de informação”.

Orientação sobre os direitos da pessoa com transtorno mental.

Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001.

Em uma de nossas reuniões foi distribuída uma cópia da lei para cada

um dos familiares para que também pudessem levar para casa e

compartilharem com outros. Pudemos falar desta lei e esclarecer algumas

dúvidas. Para todos os familiares presentes havia o desconhecimento total

desta lei, pois se sabia que os familiares com transtornos mentais tinham

direitos quanto cidadão, mas pareceu importante conhecer uma lei que os

protege em quanto pessoa com transtorno mental.

A lei nº 10.216 é composta de 13 Artigos.

Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental,

de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação

quanto á raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,

nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou

tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Tivemos então a oportunidade de ler cada artigo e falar um pouco de

cada um. Dentre eles o que mais ficou em evidência no grupo foi o artigo 6º

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que trata da internação psiquiátrica que somente será realizada mediante laudo

médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação

psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário

e a pedido de terceiro; e

III – internação compulsória: aquela determinada pela justiça.

As participantes puderam contar sobre as dificuldades que acontecem

quando ocorre a crise e existe a necessidade de um socorro e em muitos caso

uma internação. Costumeiramente ligam para o SAMU que muitas vezes

demora em atender a demanda, ou ligam para a polícia. Foram orientadas

pelas profissionais a ligar para o CAPS, pois a equipe estará pronta para ajudar

e para orientar no que for necessário.

Melman (2006) relata que falar em internação mobiliza bastante por se

tratar de um momento difícil para as famílias. A estranheza das instituições

pode, em diversos momentos, aparecer inconscientemente como uma maneira

de castigo para a família que se sente culpada.

Em geral, sabemos como nos comportar no trabalho, nas situações sociais

corriqueiras, nos rituais religiosos, mas ninguém nos ensina a lidar com as

doenças mentais, a não ser com modelos de rejeição ou indiferença. Os

familiares gastam muito tempo e energia pesando em como agir. P.37

Aproveitando o contexto de direitos foi dado o desafio de que desse

grupo pudesse surgir familiares interessando em integrar o Conselho de saúde

para pedir seus direitos e dar voz as famílias e usuários, representando o

CAPS Antonio da Costa Santos.

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Considerações finais

Repensar o cuidado com relação a família dos usuários é essencial,

especialmente visando um suporte familiar satisfatório considerando que o

vínculo do usuário com a família muitas vezes é permeado por dificuldades e

obstáculos.

Para Melman (2006) conviver dia a dia com pessoas que têm transtorno

mental e ser responsável pelo cuidados delas, impõe vários encargos físicos,

financeiros, emocionais e sociais.

Compreender a doença mental pelo aspecto da família do usuário

trouxe-me a clareza de aspectos que antes não percebia. O sofrimento de ter

alguém na família com uma doença mental que em muitos casos implica em

uma dependência parcial, às vezes total.

É importante salientar o papel dos profissionais no grupo de família,

nesse formato é possível fortalecer as relações família e equipe do CAPS,

especialmente visando a capacitação familiar no cuidado com o portador da

doença mental e com a própria família. Para que esta sinta-se parte importante

no projeto terapêutico singular do usuário.

Tivemos dificuldade em dar prosseguimento ao grupo do bairro do

Campo Belo, levantamos como hipótese o horário, receio das pessoas do

mesmo bairro conhecerem suas histórias, contexto de não falar por ser pobre

ou simplesmente porque não querem mesmo participar de grupos. Ficou a

sugestão de tentarmos identificar melhor os motivos para no próximo ano

reformularmos essa proposta aos familiares daquele bairro.

Uma das finalidades alcançadas nessa minha experiência pessoal foi a

mudança de uma postura relacional, talvez normatizadora para uma postura

reflexiva que busca compreender a família e a loucura.

Dentre os resultados que pudemos identificar naquele instante foi o que

um dos usuários que era bastante resistente em vir ao CAPS passou a

frequentar o grupo de música depois que a mãe começou a participar do grupo

de família.

Segundo Pichon (2005, p.74) a adaptação ativa propõe um sentido de

que o sujeito ao transformar-se, modifica o meio, e ao modificar o meio,

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modifica-se a si mesmo. Os relatos trazidos durante o grupo falavam da

importância que havia para cada familiar.

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REFERÊNCIAS

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PACAHY, F. Políticas de enfrentamento ao heterossexismo: corpo e prazer.

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PIETROLUONGO, A. C. C. & RESENDE. T. I. M. Visita domiciliar em saúde

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RILKE, C. Cartas a um Jovem Poeta. Tradução Cecília Meireles. 31ª edição Rio de

Janeiro, ed. Globo, 1998.

ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre:

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