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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
CURSO ESPECIAL DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA Convênio: INCRA-PRONERA/UNESP
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes
Impactos territoriais do Canal da Integração no
Reassentamento Mandacaru no Estado do Ceará
Nome do Graduando: Iury Charles Paulino Bezerra
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em
Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio Incra-
Pronera/UNESP, para a obtenção do título de Bacharel em
Geografia.
Orientador: Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes
Presidente Prudente - 2011
Impactos territoriais do Canal da Integração no
Reassentamento Mandacaru no Estado do Ceará
Iury Charles Paulino Bezerra
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em
Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio Incra-
Pronera/UNESP, para a obtenção do título de Bacharel em
Geografia.
Orientador: Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes
Presidente Prudente - 2011
Termo de aprovação
Presidente Prudente - 2011
Dedico este trabalho, in memória, à Maria Lopez de Oliveira e
Luiz Paulino.
Dedico especialmente à minha princesinha Amanda Caroliny,
que tanto amo e que é a maior inspiração da minha vida, pois
seus sonhos são a força que permite fortalecer a minha
caminhada na perspectiva da construção de um mundo melhor,
meu amor por ti é infinito.
Agradecimentos
Este curso foi fruto do esforço coletivo de várias companheiras e companheiros
que dedicaram suas vidas à causa dos trabalhadores. Agradeço, especialmente, à
Amanda Caroliny, Cleidiane dos Santos minha filha e companheira que sempre me
ajudaram e me deram força para a militância e os estudos. À Tatiane Paulino, minha
irmã, que dedicou seu tempo a me ajudar; à Fátima Paulino, Naiane, Neiliane, a meu pai
Luiz Paulino Filho, à Klecia, Klesio e Maria Ivone que me deram apoio familiar.
Ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a todos os seus militantes
entre os citados a seguir, Josivaldo, Zé Alves, Sandra, Derlane, Suerda, Evanilson,
Viviane, Jéferson, Kessio por serem companheiros do cotidiano.
À Liciane Andrioli por ter me ajudado muito, a Ivanei pelo companheirismo no
curso. Aos companheiros de quarto: Gilberto (Beto), Jonas (Kungful Panda), Alcione
(Papa-léguas) e Avelino (Mestre). A todos os professores que contribuíram com o
curso.
Agradeço a todos os educandos/as da turma Milton Santos pelo companheirismo
e o aprendizado na convivência. A todos os professores que contriburam para o nosso
aprendizado, com ênfase ao professor Bernardo Mançano Fernandes pela dedicação em
construir o curso. A escola nacional Florestan Fernandes (ENFF), Ao professor João
Osvaldo por ter assumido o compromisso da orientação e pela sabedoria e paciência.
Por fim, a todos e todas que contribuíram ao longo deste processo, o meu muito
obrigado.
É triste para o Nordeste o que a natureza fez
Mandou cinco anos de seca e uma chuva em cada mês
E agora em 85 mandou tudo de uma vez
A sorte do nordestino é mesmo de fazer dó
Seca sem chuva é ruim
Mas seca d’água é pior
Quando chove brandamente depressa nasce um capim
Dá milho, arroz e feijão, mandioca e amendoim
Mas como em 85 até o sapo achou ruim
Maranhão e Piauí estão sofrendo por lá
Mas o maior sofrimento é nessas bandas de cá
Pernambuco, Rio Grande, Paraíba e Ceará
A sorte do nordestino é mesmo de fazer dó
Seca sem chuva é ruim
Mas seca d’água é pior
O Jaguaribe inundou a cidade de Iguatu
E Sobral foi alagada pelo Rio Acaraú
O mesmo estrago fizeram Salgado e Banabuiú
Ceará martirizado, eu tenho pena de ti
Limoeiro, Itaíçaba, Quixeré e Aracati
Faz pena ver o lamento dos flagelados dali
Seus doutores governantes da nossa grande nação
O flagelo das enchentes é de cortar coração
Muitas famílias vivendo sem lar, sem roupa, sem pão
A sorte do nordestino é mesmo de fazer dó
Seca sem chuva é ruim
Mas seca d’água é pior.
(Seca D`água, de Patativa do Assaré)
RESUMO
O presente trabalho de conclusão do curso especial de graduação para obtenção do título
de bacharel em Geografia teve como área de estudo o Reassentamento1 Mandacaru,
situado no Vale do Jaguaribe no estado do Ceará, próximo à Represa do Castanhão. A
pesquisa tem como um dos principais pontos de abordagem os conflitos socioambientais
determinados pela acumulação artificial e transposição de águas. O objetivo principal
foi identificar os impactos territoriais do Canal da Integração no Reassentamento
Mandacaru no estado do Ceará, cuja intenção foi suscitar o debate, sobre a política de
integração de bacias hidrográficas do estado do Ceará, tendo o conceito de território
como balizador. Neste sentido, o intuito foi de perceber as características dos conflitos e
os relacionar com o cotidiano de famílias da população envolvida neste processo social.
Para tanto, foi realizada uma reflexão do significado da água como fator determinante
para a ocupação e uso do solo na região e, respectivamente, fruto de conflitos entre
agricultores desalojados e grupos de produtores em larga escala de frutas e indústrias.
Portanto, identificou-se que a água acumulada artificialmente não tem sido sinônimo de
erradicação das necessidades de água pela maioria da população do Reassentamento
Mandacaru, provocando o afastamento e causando danos diretos e indiretos como:
privação do uso da água; quebra da organização agrícola das famílias; dificuldade de
locomoção e articulação com comunidades vizinhas; falta de pontos de captação de
água, acarretando como consequência o aumento do custo da água; desvalorização dos
lotes agrícolas; não implantação das infraestruturas adequadas para efetivação do
projeto de irrigação; conflito pela água disponível. Assim, a questão da falta de água no
Reassentamento Mandacaru é mais uma questão política do que climática.
Palavras-chave: território, barragem, água, reassentamento e conflitos.
1 Reassentamento é o conceito utilizado pelo movimento dos atingidos por barragens para tratar
das áreas onde são recolocadas as famílias atingidas por barragens; este pode ser áreas urbanas ou rurais.
ABSTRACT
This work is a conclusion for the special of graduation and baccalaureate in Geography
present a study of the reassentamento located Mandacaru in it is worth him/it of
Jaguaribe in the state of Ceará, we approached subjects regarding certain conflicts for
the artificial accumulation and transposition of waters. In the last periods the State of
Ceará has been acting in an incisive way in the politics of agricultural modernization, in
this context the area of the valley of Jaguaribe with the construction of the dam of
Castanhão and of Channel of the Integration it wins enormous prominence and she
thunder focus of state actions and local disputes that it provokes significant alterations
in the daily political and social. The intention is to provoke some reflections on the
politics of integration of basins hidrográficas of the State of Ceará observed starting
from some concepts of the geography, with emphasis in the territory concept, in the
intention of to notice the characteristics of the conflicts and to relate them with the daily
of families of the population involved in this social process. For so much it is made a
reflection of the paper of the water as decisive factor for the occupation and use of the
soil in the area and respectively fruit of conflicts among farmers dislodged by the group
of the actions desenvolvimentistas that you/they struggle for I enjoyed the benefits of
the accumulated water and on the other hand the junction of industrial and hidronegocio
defending the water to guarantee their respective activities. This way it is made present
an important group of government instruments and a speech desenvolvimentista quite
sharpened to guarantee the project and to intermediate conflicts in the intention of
suffocating the existent conflicting actions in the reality that was configured in the area.
Key-words: territory, water, re-establishment and conflicts
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Canal da Integração ligando a Represa do Castanhão ao Complexo Portuário
do Pecém ................................................................................................................................. 19
Figura 2 – Localização atual do município de Jaguaribara-CE ............................................... 21
Figura 3 –Uso exagerado do consumo da água em determinados países no mundo ............... 26
Figura 4 -Distribuição da água doce nas regiões geográficas do Brasil ............................ ..... 31
Figura 5 - Localização do Estado do Ceará .............................................................................. 33
Figura 6 - Cinturão das águas .................................................................................................. 35
Figura 7 - Vista aérea da barragem e do lago .......................................................................... 37
figura 8 - Vista da parede de concreto compactado a rolo ....................................................... 37
Figura 9 - Parede com o nome do açude ................................................................................. 38
Figura 10 - Torre de mediação de cotas altimétricas ............................................................... 38
Figura 11 - Lago da barragem quando atingiu sua capacidade máxima ................................ 39
Figura 12 - Propaganda do Canal da Integração ...................................................................... 42
Figura 13 - Propaganda do Canal da Integração ..................................................................... 42
Figura 14 – Percurso do Canal da Integração, ligando a Açude Castanhão ao porto do
Pecem-CE ................................................................................................................................ 43
Figura 15 - Primeira estação de bombeamento do Canal ....................................................... 37
Figura 16 - Primeira área de contenção de água do canal da Integração ................................. 44
Figura 17 - Trecho I Canal da Integração ............................................................................... 44
Figura 18 - Trecho I Canal da Integração ................................................................................. 44
Figura 19 - Sistema Interligado Nacional ................................................................................ 45
Figura 20 - Canal da Integração no Reassentamento Mandacaru ........................................... 46
Figura 21 - Canal da Integração no Reassentamento Mandacaru ............................................ 46
13
Figura 22 - Moradias desocupadas durante o processo de formação do Lago da
Barragem do Castanhão ........................................................................................................... 48
Figura 23 - Acampamento de famílias desalojadas pela Barragem do Castanhão .................. 49
Figura 24 - Acampamento de famílias desalojadas pela Barragem do Castanhão ................... 49
Figura 25 - Reassentado buscando água em áreas distante ..................................................... 49
Figura 26 - Área do Reassentamento Mandacaru com a localização dos conjuntos
habitacionais, os lotes produtivos e o Canal de Integração ...... ...............................................50
figura 27 - Canal da Integração dentro do reassentamento Mandacaru ................................... 55
14
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Impactos diretos e indiretos do Canal da Integração no Reassentamento
Mandacaru ................................................................................................................................ 56
15
LISTA DE SIGLAS
COGHER - Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens
ONU - Organização das Nações Unidas
PAC - Programa de Aceleração ao Crescimento
SRH/CE - Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
VIA - Via Campesina
16
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................ 10
ABSTRACT .................................................................................................................... 11
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................... 12
LISTA DE QUADROS ................................................................................................... 14
LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................ 15
INTRODUÇÃO………………………………………………………………..……….17
JUSTIFICATIVA………………………………………………………………………20
OBJETIVOS .................................................................................................................... 23
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS……………………………………………24
1. TERRITÓRIO E ÁGUA: DIFERENTES USOS E APROPRIAÇÕES ...................... 25
2. A POLÍTICA DE INTEGRAÇÕES DE BACIAS DO ESTADO DO CEARÁ ......... 33
2.1 A Barragem do castanhão……………………………………………………….36
2.2 O Canal da Integração como a materialização da política territorial...................42
2.3 Deslocamentos compulsórios das famílias atingidas............................................47
3. REASSENTAMENTO MANDACARU E CANAL DA INTEGRAÇÃO, UM
TRECHO DO CAMINHO DAS ÁGUAS NO ESTADO DO CEARÁ .......................... 51
3.1 Impactos diretos e indiretos para a população reassentada.................................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 60
17
INTRODUÇÃO
Esta monografia é parte das atividades do curso especial de licenciatura e
bacharelado em Geografia. O tema estudado está vinculado a um conjunto de debates
que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a VIA CAMPESINA têm
realizado, na perspectiva de construção de um conjunto de elementos teórico-científicos
que auxiliem no processo de luta dos atingidos/as.
O tema central do debate foi a concentração artificial da água no Nordeste e suas
causas e consequências, sendo os objetos de estudo a Barragem do Castanhão, o
Reassentamento Mandacaru e o Canal da Integração, situados na região do baixo médio
Rio Jaguaribe, no estado do Ceará.
A problemática relacionada à água tem ganhado importância no cenário mundial
nas últimas décadas, dada a relevância que este bem natural tem para qualquer tipo de
vida no planeta, no qual sua possibilidade de extinguir-se é real. Para o pesquisador Erik
Sweyngedouw (2004, p. 33), “o acesso à água é de fato um terreno de muita
competição, imerso em diversas formas de embate e conflitos políticos e econômicos.”.
Segundo a Organização das Nações Unidas (Onu) cerca de 2,2 milhões de pessoas
morrem por ano no mundo, por não ter acesso à água ou por uso de água de má
qualidade. Uma parte significativa destas vítimas são crianças, com grande incidência
em países pobres.
Para o Nordeste brasileiro, principalmente o Agreste e o Sertão, historicamente
esta problemática tem recebido atenção, nem sempre de forma devida, das autoridades
regionais, pelo fato de estar localizado em uma região semiárida, em que o volume de
chuva é concentrado em quatro meses e o restante do ano é seco. Em determinadas
épocas do ano, a evapotranspiração tem níveis maiores que os índices de pluviosidade.
Todavia, nos períodos de elevada precipitação, acontece o fenômeno das enchentes.
Essa inconstância de chuva, desde os primórdios da ocupação do Sertão
nordestino, tem sido um desafio para quem habita essa região, principalmente as regiões
em que a grande maioria está submetida à pobreza extrema e ligada diretamente à
agricultura, com técnicas e capacidades produtivas muito incipientes.
Vários projetos governamentais tentaram solucionar esses “problemas causados
pelas secas”. Isso, de certa forma, tem se tornado palco de importantes discussões
político-econômicas, criando um senso comum em torno da problemática da seca, que
não permite de fato ver os reais potenciais produtivos que a região apresenta.
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Na concepção do senso comum, se o grande problema é a falta de água, a forma
de resolvê-lo é levar água até as comunidades que habitam na região. Neste sentido,
criaram-se órgãos públicos, com tal tarefa, entre eles, o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (DNOCS), e posteriormente a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
No caso do DNOCS, sua principal responsabilidade é de identificar as áreas com
carência hídrica, planejar as ações a serem desenvolvidas, sendo responsabilidade do
órgão a execução das obras de infraestrutura hídrica e os projetos de desenvolvimento
da agricultura, principalmente, irrigada.
Desde o seu surgimento, foi possível verificar que as ações do mesmo não
surtiram os efeitos necessários a superar a inconstância das chuvas, pois na essência a
água acumulada não teve o papel de abastecer a população. Em muitos casos
promovendo mais problemas, principalmente para as famílias que habitavam os locais
onde foram construídos os respectivos lagos das barragens, pois além da falta de água
passaram também a não ter terra.
A partir desse momento, as administrações regionais, começam a construir uma
grande quantidade de açudes (no estado do Ceará já somam 230) para acumulação de
água, sendo na sua maioria em propriedades privadas com projetos para irrigação.
Após sua construção, a maior parte dos açudes localiza-se nas propriedades dos
grandes latifúndios, não resolvendo o problema da maior parte da população. As áreas
irrigáveis no primeiro momento são para produtores da agricultura camponesa familiar,
mas como não são dados os incentivos necessários a produção e comercialização, logo
esses passam a ficar endividados e por impossibilidades de produzir acabam vendendo
seus lotes para multinacionais do ramos da fruticultura.
No caso da Sudene, esta tem um papel político administrativo, começando pela
definição de um espaço definido como Polígono das Secas. Suas propostas permeavam
a ideia de que tinha que diminuir a população que habitavam o Polígono das Secas
deslocando-as para as regiões semiúmida no Maranhão e na zona da mata canavieira.
Essa descentralização seria acompanhada de um processo intenso de industrialização e
de vastas áreas irrigadas. Essas políticas também geraram novos interesses, haja vista a
capacidade produtiva dos lugares que cresce com a oferta de água e com os projetos de
irrigação.
Como resultado dessas políticas, passam a ser construídos grandes lagos,
planejados para o desenvolvimento da região no quesito econômico. O discurso de
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combate às secas e às cheias permeia o cotidiano das famílias que vivem nesta região,
bem como também das oligarquias políticas dominantes.
No caso da região do baixo médio Jaguaribe, com a construção da Barragem do
Castanhão, surgem disputas entre os camponeses e as empresas multinacionais do ramo
da fruticultura. Num primeiro momento, as áreas agricultáveis foram ocupadas por
pequenos agricultores e depois ocorreu o processo de desterritorialização dos mesmos, e
de territorialização das empresas fruticultoras, que começam a desenvolver um processo
diferenciado de tratamento com a água, ou seja, passam a controlar o acesso e
tratamento da mesma como uma mercadoria.
O Canal da Integração é um canal projetado com 255 quilômetros ligando a
barragem do Castanhão ao complexo portuário do Pecém, na zona metropolitana de
Fortaleza, conforme mostra a Figura 1.
Figura 1 - Canal da Integração ligando a Represa do Castanhão ao Complexo Portuário de Pecém.
Observe os trechos já concluídos e os em obras.
Fonte: http://migre.me/5ch4W
O sistema é constituído por um conjunto de estações de bombeamento, canais,
adutoras e túneis que levarão água à Fortaleza numa vazão de 22 metros cúbicos por
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segundo, apenas com uma elevação. O primeiro trecho, de 54,7 quilômetros, que sai da
barragem do Castanhão ao açude de Currais Velho no município de Morada Nova (um
açude de pequeno porte), já está em operação onde se constata que mais uma vez se
consolidou o discurso e a política fundamentada no argumento de combate às secas e
proporcionar o acesso ao desenvolvimento para as populações locais, mas por sua vez o
prometido anda não chegou.
Conhecer esse tema é de fundamental importância para a organização do povo
atingido, vista a dificuldade de conhecimento a cerca dos problemas e benefícios
causados pelas construções de grandes obras no Nordeste. Na perspectiva deste modelo
de desenvolvimento a Barragem do Castanhão e o Canal da Integração inserem-se um
contexto histórico de mudanças, representado um novo paradigma na política de
combate às secas do Estado do Ceará.
JUSTIFICATIVA
O interior da região Nordeste é conhecida pelas secas que predominam sobre sua
população, fenômeno esse que para muitos explica todos os problemas enfrentados pela
população que habita a região.
Desde muito tempo, os governos têm tentado desenvolver políticas para acabar
com as secas e trazer o “progresso” para a região. Esse argumento se faz “soar” na
região. Porém, se analisarmos com cuidado, veremos que essa questão climática foi
apropriada pela elite local como forma de fazer política e submeter à população ao
discurso do caos, fortalecendo a chamada indústria das secas.
Como estratégias de combate a esses problemas os governos estaduais e federais
têm investido na construção de barragens, tanto para acumulação de água quanto para
produção de energia. Entretanto, em alguns casos, já se observa um empobrecimento da
população. Essa afirmativa nos remete à seguinte questão. A água acumulada
artificialmente no Nordeste é uma solução ou mais um problema?
De acordo com Furtado (1998), uma das possibilidades de ação no Nordeste é a
irrigação, mas ela tem que vir com o controle de uso do solo que permitisse uma divisão
de renda e no caso a que é desenvolvida no Nordeste não está orientada para a produção
de alimentos para a região, mas está dentro de uma política de exportação que
contempla grandes grupos empresariais.
21
Para tanto, precisa-se de fato compreender quais são o benefícios que estas obras
têm proporcionado para o povo, entendendo os impactos sociais e ambientais que
advêm das grandes construções.
A Barragem do Castanhão tem um lago de grande porte com capacidade de
acumulação de 6,7 bilhões de metros cúbicos e 355 km2 de área coberta estão situados
em quatro municípios do estado do Ceará (Jaguaribara, Jaguaribe, Jaguaretama e Alto
Santo).
O município de Jaguaribara (Figura 2) foi o mais afetado, teve 90% da área de seu
município submerso, inclusive toda a sede do município que foi transferida para as
margens do lago.
Figura 2 – Localização atual do município de Jaguaribara-CE.
Fonte: Wikipédia (2010).
Pelas dimensões da área inundada, capacidade de acumulação de água e
localização geográfica, o reservatório da barragem é considerado uma das principais
obras da região Nordeste, no combate à seca, justamente por estar situada no semiárido
do território do polígono das secas.
22
Uma das principais funções da barragem é abastecer de água os projetos irrigáveis
da região do baixo médio Jaguaribe, como também, fornecer água para o complexo
portuário do Pecém na região metropolitana de Fortaleza. Para que a água chegue a
Fortaleza, vêm sendo construídos vários quilômetros de canais e aquedutos, tendo como
ponto inicial a Barragem do Castanhão.
Com a construção da barragem, em torno de 4,5 mil famílias foram deslocadas
incluindo o publico urbano (DNOCS), porém, com a construção dos respectivos canais
de integração, não há estimativa da quantidade de famílias que serão afetadas
diretamente. Grande parte foi reassentada em áreas próximas ao lago. Todavia, muitas
comunidades, como o caso do Reassentamento Mandacaru, continuam sendo
abastecidas por carros pipas ou utilizando a água de açudes, que já existia nas áreas
adjacentes.
Outro aspecto refere-se ao papel de combater as secas e controlar as cheias do rio
Jaguaribe. Devido às características climáticas, a região Nordeste proporciona esses
fenômenos. Nos períodos de chuvas concentradas, o nível dos rios sobe muito,
provocando enormes enchentes nas periferias das cidades situadas nas margens dos
cursos d’água (DARC. 2003).
No período seco, esses mesmos rios secam, ocasionando o desabastecimento de
água para as populações próximas. As secas, conforme as condições climáticas
predominantes, podem ser superiores a oito meses. No entanto, se fizermos uma
observação mais profunda perceberemos que a formação de lagos não tem amenizado
essa situação e os efeitos destes fenômenos têm atuado com a mesma intensidade.
No caso do Canal da Integração, este exerce um importante papel do ponto de
vista do discurso desenvolvimentista, cujas autoridades locais e regionais têm afirmado
que o problema de abastecimento de água da capital Fortaleza e da região metropolitana
tem acabado.
A região do baixo médio Rio Jaguaribe, ao longo dos tempos, sofreu varias
transformações socioespaciais, sendo uma delas a construção da Barragem do
Castanhão, que proporcionou a territorialização da fruticultura irrigada, gerando uma
nova configuração espacial para a região. Conhecer essa dinâmica é fundamental para
entender as transformações da mesma.
No caso da Barragem do Castanhão, em estudo realizado através de convênio
firmado entre a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens e a Secretaria
Especial de Aquicultura e Pesca (Governo Federal), identificou-se que houve uma
23
sensível diminuição do numero de espécies de peixes, se comparado com períodos
anteriores em que o rio tinha seu leito normal. Outro fenômeno que passou a ocorrer na
região foi o desmatamento das áreas destinadas aos reassentamentos, pelo fato da
impossibilidade dos atingidos extraírem os bens naturais necessários para o consumo de
suas famílias. Assim, os mesmos passaram a desmatar para vender a madeira para
carvoarias e cerâmicas.
Dados da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará, afirmam que
Jaguaretama (cidade afetada pela formação do lago da barragem) foi a cidade do estado
do Ceará onde ocorreu o maior índice de desmatamento no ano de 2008, se comparado
com anos anteriores a formação do lago, houve o aumento de 60% de desmatamento no
município. Outra questão que parece preocupante é o processo de eutrofização2 nas
margens do lago.
Existem muitos estudos sobre o tema da água e suas problemáticas
socioambientais. Entretanto, estudos com ênfase aos Impactos territoriais do Canal da
Integração no Reassentamento Mandacaru no Estado do Ceará são inexistentes.
As questões levantadas nesta monografia e os respectivos resultados auxiliarão na
compreensão da atual situação socioterritorial e ambiental dos envolvidos
desmistificando ou afirmando os discursos desenvolvimentistas regionais e as políticas
de governo de combate à seca.
OBJETIVOS
O objetivo principal deste trabalho é identificar os impactos territoriais causados
pela construção do Canal da Integração no Reassentamento Mandacaru no estado do
Ceará.
Para isto tem como objetivos específicos:
Estudar as possíveis alterações na demanda de uso da água da população
que habita esse trecho do canal;
Analisar o papel do Estado como gestor dos recursos hídricos na região;
Aprofundar a compreensão do papel do capital no processo de
privatização da água para fins de produção agrícola privada com intuito exclusivamente
2 Eutrofização é o fenômeno causado pelo excesso de nutrientes (compostos químicos ricos
em fósforo ou nitrogênio) numa massa de água, provocando um aumento excessivo de algas (Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eutrofiza).
24
para exportação;
Entender os conflitos gerados em torno da água do canal decorrente da
implantação do Reassentamento Mandacaru.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para se alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa foi baseada nos
seguintes procedimentos:
1) Revisão bibliográfica sobre o conceito de território, águas, seca e espaço
geográfico. Nesta revisão, definiram-se os conceitos balizadores que melhor qualificam
e sustentam os argumentos entorno do objeto estudado;
2) Entrevistas e debates (com atingidos pela barragem, representantes do
Estado, representantes das empresas privadas e do Departamento Nacional de Obras
contra as Secas).
As entrevistas foram fundamentais a fim de compreender a visão que os atores
sociais envolvidos têm do projeto do Canal da Integração. Com os representantes do
Estado, buscou-se entender quais as perspectivas e ações políticas e econômicas. Já com
a população atingida pelos diversos impactos, buscou-se entender o que mudou nos seus
cotidianos de vida após a construção do canal e da barragem. E com as empresas
multinacionais, procurou-se entender os motivos que tem transformado a região em um
atrativo para investimento no agronegócio e quais as condições de ampliação das áreas
de exploração.
Seguiu-se um questionário básico de elaboração própria que segue em anexo.
3) Trabalho de campo para observação dos agentes sociais e dos impactos
ambientais na área de estudo;
4) Uso de bases cartográficas elaboradas pelo governo federal com a
localização das áreas do estudo.
25
1. TERRITÓRIO E ÁGUA: DIFERENTES USOS E
APROPRIAÇÕES
A água, importante bem natural, tem fundamental relevância como
impulsionadora e transformadora de relações sociais, principalmente, em regiões cujas
populações são atingidas por barragens e por obras similares no Brasil, como no caso do
interior do Nordeste brasileiro.
Os estudos relacionados à disputa e gestão da água têm ganhado espaço nos
debates em níveis mundial, nacional e regional. A Geografia tem acompanhado essa
dinâmica, vinculando os debates, muitas vezes, ao campo dos conceitos e categorias
geográficas, procurando relacionar, entender e aprofundar o conhecimento desta
realidade. Uma das categorias mais utilizadas é o território, onde Fernandes (2009, p.
200) afirma que “[...] o território compreendido pela diferencialidade pode ser utilizado
para a compreensão das diversidades e das conflitualidades das disputas territoriais.”.
Vários são os estudos que apontam para a necessidade de uma política de gestão
da água em escala mundial, como também são elencados inúmeros problemas sociais e
ambientais causados pelo mau uso da mesma. Dados da Organização das Nações
Unidas (ONU) apontam que, no mundo, cerca de 2,2 milhões de pessoas morrem por
ano por não ter acesso à água, seja por sedentarismo ou por doenças vinculadas ao uso
de água não potável para o consumo humano. Portanto, no contexto geral, o uso e
apropriação da água geram disputas desiguais por territórios. Pois, conforme mostra a
Figura 2, o consumo mundial por países é extremamente desigual.
No caso específico do interior do Nordeste brasileiro, esse tema é de extrema
importância pelo fato de a região se localizar no semiárido, onde, no Brasil, é um dos
principais campos de disputa por esta riqueza. A inconstância de chuvas, desde seus
primórdios de ocupação, tem sido um desafio para quem habita essa região.
Para o economista Celso Furtado (1998), a falta da chuva não é o problema, pois
esta é uma das regiões semiáridas mais chuvosas do mundo. Para o autor, a grande
questão situa-se na falta de políticas de convivência com esta realidade. No entanto, a
realidade de disputa pela água não é apenas uma questão da região Nordeste. Ela se
tornou uma questão nacional e internacional. Pois o uso desigual da agua no mundo
também representa uma situação de classe social e indicativo geográfico de
desigualdade social conforme podemos perceber na figura 3.
26
Figura 3. Uso exagerado do consumo da água em determinados países no mundo. Fonte
Infográfico O Globo.
Para entender a relação social e política da formação das barragens no Brasil,
tanto para produção de energia elétrica, quanto para acumulação de água em área com
deslocamento compulsório de atingidos por barragens, este trabalho tomou como
categoria geográfica central o território. Conforme Maurice Godelier (2011, p.06):
27
designa-se por território uma porção da natureza e, portanto do espaço sobre
o qual uma determinada sociedade reivindica e garante a todos ou parte de
seus membros direitos estáveis de acesso, de controle e de uso com respeito à
totalidade ou parte dos recursos naturais que aí se encontram e que ela deseja
e é capaz de explorar.
Nesta concepção de análise, a demarcação do espaço, controle dos recursos
naturais do mesmo, faz-se essencial na definição do conceito, restringido a relação
social apenas à capacidade de um determinado grupo de explorar os recursos oferecidos
por uma determinada porção da natureza. Para Machiavelli, “território é uma área
controlada e fortificada que deve ser defendida e mantida sob domínio. O poder é
exercido, na apropriação e dominação.” (SAQUET apud MACHIAVELLI, 2010, p. 28).
Entretanto, em ambas as concepções não aparecem explicitamente o papel das
relações sociais como formadoras e transformadoras de territórios, atribuindo a
formação dos mesmos a uma relação de ocupação e uso pacífico, não tratando do
processo de conflitualidades e da dinâmica sociedade-natureza como criadora e
modificadoras de territórios, no caso da construção das represas.
Há uma relação social de poder, onde se determina a função social das represas,
açudes e canais na sua concepção, ou seja, eles já são construídos com a função social
definida, basta fazer uma breve observação da forma e da localização dos mesmos.
Abramovay (2000, p. 7) define que
[...] um território, mais que simples base física para as relações entre
indivíduos e empresas, possui um tecido social, uma organização complexa
feita por laços que vão muito além de seus atributos naturais, dos custos de
transportes e de comunicações. Um território representa uma trama de
relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades […].
Nesta forma de interpretação, se percebe a amplitude do conceito, tendendo a
considerar as multidimensionalidades do mesmo. Porém, não é clara a posição do autor
sobre as relações sociais de quem produz e dinamiza as multidimensionalidades do
mesmo, como também, não explicita a importância das classes sociais em permanentes
processos de conflitualidades. A nosso ver são partes fundamentais nos processos de
territorialização e desterritorialização.
Para Raffestin in Saquet (2007), p. 102:
O território entende-se como a manifestação espacial do poder fundamentada
em relações sociais, relações estas determinadas, em diferentes graus, pela
presença de energia – ações e estruturas concretas – e de informação – ações
e estruturas simbólicas.
28
Nesta abordagem, o território é compreendido como manifestação do poder, tendo
como base as relações sociais. Analisa os diferentes graus que essas relações podem se
apresentar, enfocando o fator da quantidade de energia, ações, estruturas simbólicas e
concretas despendidas para a concretização do território como essencial e determinante.
Utilizando essa leitura para entender a formação de lagos artificiais, canais e obras
similares, percebe-se a importância destas estruturas na construção de um imaginário
popular, de que as mesmas são reflexos de formas de poder, ou seja, soam como
símbolos do poder de uma classe social sobre outra, gerando o sentimento de
impotência de determinado grupo social que esta sendo retirado de seu território.
Nesta concepção destaca-se o debate das relações sociais entre as diferentes
classes sociais, como construtoras das perspectivas da ocupação dos territórios. Além
disso, apresentam o elemento das estruturas concretas como simbologias de poder. No
caso de uma barragem, o poder pode ser determinado pela capacidade que a mesma tem
de gerar riquezas, porém a própria estrutura tem uma representação simbólica de poder.
Ao mesmo tempo, esta perspectiva de território não tem a dimensão das relações
socioambientais na perspectiva da multidimensionalidade, responsáveis pela confecção
dos territórios. Conforme afirma Fernandes (2008, p.276): “as múltiplas dimensões do
território são produzidas relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e
culturais.”. Assim, Fernandes define que
o território é o espaço apropriado por uma determinada relação social que o
produz e o mantém a partir de uma forma de poder. Esse poder, como
afirmado anteriormente, é concedido pela receptividade. O território é, ao
mesmo tempo, uma convenção e uma confrontação. Exatamente porque o
território possui limites, possui fronteiras, é um espaço de conflitualidades Os
territórios são formados no espaço geográfico a partir de diferentes relações
sociais (FERNANDES, 2008, p. 276).
Desta forma, FERNANDES (2005, p. 05) afirma:
os territórios são formados no espaço geográfico a partir de diferentes
relações sociais. Entretanto é importante lembrar que o território é um espaço
geográfico, assim como a região e o lugar, e possui as qualidades
composicionais e completivas dos espaços [grifo do autor].
Esta perspectiva de compreensão do território auxilia na interpretação das ações
que o Estado brasileiro e as empresas privadas empreendem para obter o controle da
água. Isto porque exploram a dimensão política da questão, evidenciando as relações
sociais, sendo estas responsáveis por processos de territorialização e
desterritorialização, ou seja, construtoras e modificadoras de territórios.
29
Portanto esta relação de poder é resultado de um enfrentamento de diferentes
classes sociais, ou de uma convenção estabelecida, determinada pelas conflitualidades
existentes no território.
Para compreender a realidade vivida pelas populações atingidas pela construção
de barragens no Brasil, é fundamental essa percepção. Sobre conflitualidades,
Fernandes (2009, p. 230) descreve:
a conflitualidade é o processo de relações de enfrentamento permanente nas
interpretações que objetivam as permanências e/ou as superações das classes
sociais, grupos sociais, instituições, espaços e territórios). As contradições
produzidas pelas relações sociais criam espaços e territórios heterogêneos,
gerando conflitualidades.
Neste sentido, o autor destaca que “[...] o âmago da conflitualidade é a disputa
pelos modelos de desenvolvimento em que os territórios são marcados pela exclusão
das políticas neoliberais, produtora de desigualdade, ameaçando a consolidação da
democracia.” (FERNANDES, 2009, p.203).
Corroborando com essas ideias percebe-se que o processo de desterritorialização
das populações atingidas por barragens não ocorre de forma pacífica. A
intencionalidade da construção de grandes obras por parte do grande capital e as
relações de poder que se estabelecem, quebram as relações sociais que antes eram
estabelecidas pelas comunidades ribeirinhas, mudando o modo de vida desta população.
As relações sociais que passam a existir com estas conflitualidades, trazem uma
nova caracterização para as regiões atingidas, ou seja, o objeto de expressão do poder, a
água artificialmente acumulada, passa a ser compreendida não como um bem social,
com valor de uso, mas uma mercadoria. Portanto, a água como agregadora de valor de
troca tem valor econômico, representando um novo símbolo do território constituído.
Um limitante nesta concepção de território é a inexistência do aspecto ambiental
na leitura. O fato de definir que apenas as relações sociais são construtoras de relação de
poder suprime uma analise fundamental da apropriação das riquezas naturais de forma
intencional, gerando riquezas e novos territórios. Portanto é necessário analisar as duas
dimensões sem dicotomizar a análise.
Neste sentido, para este trabalho, a água se torna o principal agente de
transformação e construção de territórios. Necessariamente, ela não se torna uma
mercadoria isolada do processo produtivo, pois muitas vezes é necessário um conjunto
de fatores para tornar essa riqueza vantajosa para o capital. As modificações e conflitos
30
no território ocorrem de acordo com a disposição dos fatores naturais e sociais no
espaço. Portanto, a base natural é importantíssima na análise.
A este respeito Júnior (2007, p. 182) descreve
o lucro suplementar nasce da diferença entre a produtividade dada pelas
condições sociais médias de produção, a qual, os capitais não têm nenhuma
restrição a sua entrada, e a maior produtividade – que independe do capital e
do trabalho – proporcionada por um capital empregado em um recurso
natural que não está disponível a todos os capitalistas. Esta condição de
assim poder produzir é privilégio daqueles – empreendedores – que tem
acesso a determinados territórios dotados de recursos naturais que são base
para maior produtividade do trabalho, em determinado segmento da
produção, quando comparada à produtividade do trabalho social neste mesmo
segmento. Não existe aqui, contradição na representação do valor do
trabalho social pela existência de certa porção de valor (lucro suplementar)
desvinculada do trabalho, pois, o valor – nas palavras de Marx – é uma
relação social de produção [grifo do autor].
Neste processo, a água apresenta-se como a riqueza natural essencial para a
obtenção da mais valia, sendo utilizada como demanda de diminuição de custo da
produção para agregar valor a propriedades rurais ou para possibilitar a produção
industrial. Nesta perspectiva é possível fazer uma analise da água no processo de
reprodução capitalista em dois aspectos.
1. No papel de bem de produção, onde a mesma cumpriu a função de
aumentar a produtividade do trabalho e de agregar valor às mercadorias. No estado do
Ceará é perceptível esse papel da água em duas dimensões:
- quando ela é introduzida no agronegócio para possibilitar a produção de
culturas irrigadas. Neste processo, a disponibilidade de água em quantidade e qualidade
aliada a tecnologias avançadas é responsável pelo aumento da produtividade da terra e,
respectivamente, do trabalho humano. Assim, proporcionando a produção de frutas de
qualidade para o mercado internacional;
- o uso da água na indústria, onde tem a mesma função no agronegócio que
é aumentar a produtividade do trabalho e baixar custo na produção das mercadorias.
Quando se avalia pela lógica da disputa capitalista pelos mercados consumidores, as
condições de subsídios, estrutura de transporte e posição geográfica são elementos
essenciais a serem dominados, pois quem estiver controlando estes territórios será o
dono do maior lucro.
2. A outra forma é a percepção da água como bem de consumo.
No Nordeste este aspecto é fundamental dado que os investimentos do Estado
brasileiro são justificados pelo discurso da necessidade de se combater a falta de água
31
na região. Nesse processo, a água como bem de consumo, para chegar à população tem
um custo de armazenamento e distribuição que precisa ser pago por alguém. Isto pode
ser observado na Figura 4, que mostra a realidade da distribuição de água e a deficiência
natural que há na distribuição de água doce no Brasil.
É com base nestes dados que o Estado embasa seus discursos para legitimar a
construção de mais reservatórios e infraestruturas hídricas para o Nordeste.
Figura 4 – Distribuição da água doce nas regiões geográficas do Brasil.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/geografia/
O Nordeste brasileiro, especialmente o Ceará, de modo geral, esta inserido neste
contexto de mudanças socioespaciais, ocorridas pela conformação de estruturas de
políticas de construção de territórios da água, culminando na territorialização de
determinados grupos e desterritorialização de outros.
Neste contexto, o discurso desenvolvimentista cumpre um papel fundamental do
ponto de vista ideológico, porque anestesiam os conflitos que seriam públicos por parte
das populações ribeirinhas, desalojadas pela construção das grandes represas
hidroelétricas, para captação de água. Essas populações, no discurso dominante,
desempenham o papel de “pivô” das obras em nível local.
32
Em relação a ideologia dos discurso, Peet (2007, p. 30) comenta que
[...] o poder é exercido por grupos de interesse em proporção aos recursos
que eles comandam, ao dinheiro que têm, ao acesso e a influencia política
que as contribuições de campanha possam comprar, e também pelas
ideologias e pelos discursos hegemônicos que o dinheiro produz, discursos
podem ser como mercadorias -pensados para vender.
O conjunto de infraestruturas em especial hídricas que constroem em si
territórios, também são partes de uma estratégia maior que no caso do estado do Ceará é
representado pelo projeto de integração de bacias hidrográficas. Este é o ponto principal
do próximo capitulo.
33
2. A POLÍTICA DE INTEGRAÇÕES DE BACIAS DO ESTADO DO
CEARÁ
A implantação de uma ampla política de recursos hídricos é parte dos planos
estratégicos dos governos do estado do Ceará a partir de 1987 (Monte, 2005). Desde
então, os diversos governos do estado do Ceará vem trabalhando na construção e
qualificação de um plano de oferta e disciplinamento do uso da água no estado.
Figura 5 - Localização do Estado do Ceará. Sempre a figura na parte superior.
Fonte: IPECE /Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH)
34
Segundo Monte (2005), no primeiro momento não se sabiam ao certo quais
seriam as estratégias necessárias para a condução do plano de oferta e disciplinamento
do uso da água. Todavia, era bastante forte a necessidade de se ter um modelo de
gestão, que pudesse ao mesmo tempo racionalizar e disciplinar o uso dos recursos
hídricos no estado.
Os planos estratégicos previam a necessidade de elaborar estruturas permanentes
de combates às secas, que quebrassem a lógica do clientelismo, aspecto este que, até o
momento foi praticado somente com as populações atingidas pelas longas estiagens no
estado.
Para tal missão, o governo criou vários órgãos com o papel de planejar e executar
as ações consideradas necessárias para o combate às secas. Entres vários órgãos,
destacam-se: Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Superintendência de Obras
Hidráulicas (Sohidra), com a tarefa de ser o corpo técnico executor das obras do SRH e
a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Fuceme). Todos com a
função de compor o Sistema de Recursos Hídricos do Estado do Ceará.
De acordo com Monte (2005), uma das ações foi à criação do Plano Estadual de
Recursos Hídricos, onde teve como primeira definição a aplicação de um amplo
diagnostico a respeito das populações atingidas; dos índices de pluviosidade; da
quantidade de açudagem; dos poços perfurados e dos parâmetros climáticos do estado
do Ceará.
De posse destes dados, o passo seguinte foi o estabelecimento de um balanço
hídrico considerando todo território estadual, identificando os comparativos entre a
demanda e a oferta de água em períodos chuvosos e períodos secos, em horizontes
decenais até 2020.
Segundo Monte (2005), o plano levou quatros anos para ficar pronto. No entanto,
constitui o mais importante estudo técnico já realizado no Ceará, tornando-se uma
“fonte arquitetônica do atual modelo estadual de gestão dos recursos hídricos” (FILHO,
2003, p. 19).
Após este período, todos os governos do estado do Ceará priorizaram a construção
das ações orientadas pelo plano estadual e as políticas de gestão das águas passaram a
ser questão estratégica das administrações. Os governos sucessores sofisticaram o plano
e buscaram parcerias para a execução das atividades previstas no planejamento,
agilizando as ações previstas no plano de modernização do estado. Uma das iniciativas
35
do plano era construir o chamado “cinturão das águas”. Esta ação previa distribuir água
em todas as subregiões do estado do Ceará, conforme mostra Figura 6.
Figura 6 - Cinturão das águas
Fonte: Secretaria dos Recursos Hídricos
Portanto, o estado passou a denominar esse projeto como “o caminho das águas”
ilustrando a capacidade de transformar o caminho percorrido naturalmente pelos rios e
riachos. A esse fato Araújo Apud Sampaio (2005, p. 472) conclui que:
o caminho das águas está produzindo no Ceará novo arranjo ecológico,
territorial, processo produtivo e cultural. (Jose Levi p. 472). Aborda que o
estado via infra-estruturas das águas, vai estabelecer formas de relações que
envolvem as comunidades, os empresários, em parcerias desiguais e
combinadas, mas o fortalecimento do capitalismo no Ceará precisa de águas
tempos de criança quando se nadava nos córregos, tomava-se banho nu [...]
todavia , este caminho já não é mais o mesmo, porque foi traçado por um
processo capitalista que transforma as águas numa mercadoria de alto valor
comercial: “o ouro do século XXI”.
Ainda conforme o autor:
36
O caminho das águas está produzindo no Ceará novo arranjo ecológico,
territorial, processo produtivo e cultural. (Jose Levi p. 472). Aborda que o
estado via infra-estruturas das águas, vai estabelecer formas de relações que
envolvem as comunidades, os empresários, em parcerias desiguais e
combinadas, mas o fortalecimento do capitalismo no Ceará precisa de águas
em todos os recantos do Estado e esta chegará porque os empreendimentos
sejam eles quais forem necessitam de água (SAMPAIO, 2005 p. 472).
A Barragem do Castanhão, de modo geral, configurou-se como um dos pilares do
Projeto de Integração de Bacias Hidrográficas do Estado do Ceará, tornando-se um dos
maiores açudes do mundo. Além disto, é uma das bacias receptora da possível
transposição do rio São Francisco. Portanto, ela tem o papel de ser a bacia gestora do
Programa de Gerenciamento Hídrico do Estado, bem como alavancando a produção
agrícola irrigada, a produção industrial e a produção de pescados no estado. Entretanto,
ressalta-se que a modernidade hídrica esta desenhando uma nova
configuração territorial do estado do Ceará, de tal forma que, o espaço
geográfico esta sendo transformado no espaço da racionalidade técnica a
serviço de interesses privados (MONTE, 2005. p.334).
Não custa esforço para entender a quais interesses serve este contexto de
mudanças estruturais do estado e compreender a importância da Barragem para a
efetivação desta política de estado.
2.1 A Barragem do Castanhão
A obra foi iniciada em 1995, durante a administração estadual do governador
Tasso Jereissati, e concluída em 2003, pelo governador Beni Veras (PSDB), em uma
parceria entre a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH-CE) e o Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS)..
A barragem do Castanhão, cujo nome oficial é Açude Padre Cícero, é a maior
barragem brasileira construída em rio intermitente, localizando-se no médio Jaguaribe a
253 Km da capital Fortaleza-CE. As figuras 7 e 8 mostram uma visão geral do lago e
parte do barramento de concreto. Importante destacar que a parte de concreto é no leito
do curso d´água.
37
Figura 7 -. Vista aérea da barragem e do lago. Figura 8 - Vista da parede de concreto compactado a
rolo da barragem.
Fonte: Arquivos do MAB.
A bacia hidrográfica do Jaguaribe ocupa 51% do território do estado do Ceará,
comportando 470 Km de extensão, sendo o principal curso d’água do estado. O Vale do
Rio Jaguaribe apresenta características bastante distintas e abriga uma população com
um modo de vida intrinsecamente ligado ao rio.
Conforme Araújo (2006, p. 24),
o Vale do Jaguaribe é uma importante ilha de umidade do nordeste semi-
árido, um enclave natural tradicionalmente utilizado pelos ribeirinhos para a
produção de culturas de ciclos curtos nas vazantes; para a população
deslocada pela barragem do Castanhão, a agricultura de vazante representava,
depois da agropecuária , a segunda mais importante atividade econômica,
quase toda voltada para a auto-reprodução.
A barragem do Castanhão foi projetada, na década de 1980, pelo Departamento
Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), mesmo período que foram projetadas as
obras da transposição do rio são Francisco. Com a extinção deste órgão, as obras
passaram a ser de jurisdição do Departamento Nacional de Obras Contras as Secas
(DNOCS), sendo executadas as primeiras ações de construção da obra, em meados dos
anos da década de 1990. As figuras 9 e 10 apresentam o marca do DNCS e a torre de
medição altimétrica do lago.
38
Figura 9 - Parede da represa com o nome do
açude.
Figura 10 - Torre de medição de cotas
altimétricas.
Fonte: Arquivos do MAB.
A construção da barragem do Castanhão foi realizada em um contexto marcado
pelas constantes tentativas de elaboração de políticas de combate às secas, em um
período de modernização do estado do Ceará, provocado pelas ações do governador do
estado, Tasso Ribeiro Jereissati.
Dessa forma, o empreendimento Castanhão desenvolveu-se em períodos
históricos marcados pela retórica da solução hidráulica no combate à seca e
pelo espírito da modernização do estado do Ceará, com a intensificação da
implantação de projetos desenvolvimentistas [...] (ARAUJO, 2006, p.26).
Essa barragem marcou uma mudança no paradigma da política de combate às
secas no estado do Ceará, porque na sua lógica perpetuava a ideia da integração do
estado a uma política de desenvolvimento não mais centrada na construção dos lagos,
mas em um projeto de expansão da agricultura, sobretudo, irrigada e desenvolvida para
exportação. Nessa perspectiva, o objetivo era o abastecimento dos polos industriais da
região metropolitana e da capital Fortaleza-CE.
A barragem do Castanhão tem um lago de grande porte, com capacidade de
acumulação de 6,7 bilhões de metros cúbicos e 355 Km2 de área coberta. Está situada
em quatro municípios do Ceará (Jaguaribara, Jaguaribe, Jaguaretama e Alto Santo),
como podemos observar na figura 11.
39
Figura 11 - Lago da barragem quando atingiu sua capacidade máxima.
Fonte: arquivos do MAB
O município de Jaguaribara foi o mais afetado, teve 90% de sua área submersa. A
sede do município teve de ser transferida para uma área localizada às margens do lago.
Como dito anteriormente, a barragem tem a função de abastecer os projetos
irrigáveis da região do baixo médio Jaguaribe, como também, fornecer água para o
complexo portuário do Pecém na região metropolitana de Fortaleza.
O projeto tem como finalidade as seguintes questões:
Desenvolvimento hidroagricola, proporcionando a irrigação de 43.000 hectares;
Reforço no abastecimento de água para a região metropolitana de Fortaleza;
Controle das enchentes no baixo Jaguaribe;
Incentivo à piscicultura, com a produção planejada de 3.800 toneladas de pescado ano;
Geração de 22,5 MW ano;
Base para reservatório pulmão da transposição das águas dos rios Tocantins e São
Francisco
Atividades como construção de grandes barragens e grandes transposições
hídricas geram modificações profundas no território, promovendo processos de
desterritorialização de uma população que há muito tempo vivia naquele ambiente, com
suas relações próprias e um modo de vida peculiar.
A partir da água artificialmente acumulada, criou-se a possibilidade de
constituição de novos territórios. A capacidade de acumulação da água nesta região gera
uma nova configuração espacial, a partir da capacidade que o controle da mesma tem de
40
gerar poder. Em regiões onde o índice pluviométrico é elevado, a ocupação do território
ocorre pela capacidade produtiva do solo.
Já no caso da área de estudo (semiárido), a lógica de acumulação é outra. A
principal condição para a ocupação é a capacidade de acumulação ou acesso a água que
esse território possibilite. Basta olhar as áreas onde há a maior densidade populacional,
ou estão no litoral ou nas margens de açudes e rios.
Os grupos empresariais agem da mesma forma, eles só consolidam seus territórios
se tiverem a certeza da quantidade de água existente no local ou se tiverem a garantia
que a quantidade necessária de água para desenvolver sua atividade chegará ao local das
infraestruturas instaladas. Nesta perspectiva, a água é que possibilita a condução dos
indivíduos a formarem território. Por isso é importante a intervenção estatal no
Nordeste, pois é o estado que constitui as condições reais desta ocupação. Quando isso
não ocorre eleva a possibilidade do conflito.
O estado custeia a parte mais pesada dos investimentos, constrói todas as
infraestruturas de implantação das plantas produtivas, bem como, as condições para a
circulação das mercadorias e o subsídio de água e energia para os produtores. Na
questão da água, Swyngedoum (2004, p. 35) reforça que “a infra-estrutura das águas
tornou-se- como outros serviços e programas de infra-estrutura- parte de uma política
social e econômica Fordista-Keynesiana liderado pelo estado.”.
Na analise, enfatiza-se o estado como indutor, ou seja, produtor das condições
necessárias à territorialização de determinados grupos em determinados espaços. Esses
fatores são bastante atrativos para os empresários tornando as mercadorias produzidas
nestas circunstâncias, bem mais competitivas do ponto de vista do mercado.
No interior do estado do Ceará, um fator essencial a se analisar é que a
possibilidade de a água chegar a uma determinada porção do espaço é determinante para
que aconteça o processo de desterritorialização de um determinado grupo social e a
territorialização do outro.
No caso da área de estudo, as barragens e açudes construídos geram uma
especulação sobre a sua área de influência, ou seja, os agentes sociais envolvidos
estabeleceram barreiras para que a população local não pudesse ter acesso à água
disponível. A barragem do Castanhão com seu conjunto de infraestruturas mudou
profundamente a região do baixo Jaguaribe nos aspectos sociais e ambientais,
configurando-se em três períodos distintos:
41
1º período: antes da construção da represa
Economicamente, a região havia passado anteriormente pela plantação e produção
de derivados da carnaúba (tipo de palmeira), que na 2ª Guerra Mundial foi uma
importante matéria prima, com destaque para a cera de carnaúba. No entanto, essa
atividade era característica dos grandes latifundiários.
As margens do rio Jaguaribe os ribeiros praticavam a agricultura familiar, porém é
importante destacar, que a produção de frutas nos quintais ou pequenos sítios era algo
característico desta população. Nesse período, o estado, na condição de poder
constituído, era bastante ausente na elaboração de políticas sociais que incentivassem a
melhoria das condições de vida.
2º período: declínio da produção de derivados da carnaúba
O estado passa a implantar a política dos projetos irrigados, orientados pelos
princípios da “revolução verde”. Nessa fase, é bem enfática a presença do estado
cearense, principalmente, na construção dos projetos irrigáveis. Mesmo para os
pequenos produtores, esses projetos já com mais tecnologias, configurou um cenário
diferenciado onde a água começa a ser vista como uma questão de importância
econômica, ou seja, a quantidade de água era quem determinava a cultura a ser cultivada
e a quantidade de hectares que podia ser produzido.
3º período: momento atual
A terceira fase começa a se configurar quando o estado para de subsidiar os
produtores dos projetos irrigáveis e esses começam a vender os lotes para empresas
multinacionais.
Neste momento, os subsídios do estado passam a condicionar a instalação destes
grupos empresariais na região. No entanto, os subsídios vão além. Os governos
estaduais em parceria com o federal começam a construir infraestruturas para facilitar a
produção e circulação de frutas na região.
Portanto, nesse período, o estado começa a realizar megas projetos de construção
de estradas, canais de irrigação, barragens, portos e subsidiar água e energia para
transformar a região em um espaço atrativo para esses grupos empresariais. Todo esse
42
processo foi conflitante, devido às obras de infraestruturas terem sido construídas e,
consequentemente, afetando as populações locais.
2.2 O Canal da Integração como a materialização da política territorial
Como dito anteriormente, um dos importantes elementos do território, criado pelo
estado foi o Canal da Integração, sendo uma enorme obra que irá transpor as águas da
Bacia da Barragem do Castanhão para o complexo industrial do porto do Pecém na
região metropolitana de Fortaleza-CE. As figuras 12 e 13 a seguir mostram parte dos
instrumentos ideológicos utilizados pelo governo para legitimar a obra como uma
necessidade social da maior parte da população do estado, desta forma foram utilizados
vários meios e forma de convencimento a fim de evitar resistência da população
atingida e ganhar a opinião publica, evitando situações de conflitos. Esse tipo de
propaganda foi permanentemente trabalhado a ponto de ao longo de toda região era
possível encontrar outdoor como esses.
Figura 12- Propaganda do canal da Integração. Figura 13 - Propaganda do canal da Integração.
Fonte: arquivos do MAB
O percurso do Canal seguiu por parte do Sertão Central do estado, passando por
diversos açudes já construídos e por canais de transposições e integrações de bacias já
existentes, que foram construídos ao longo de décadas, como exemplo, pode-se destacar
o Canal do Trabalhador. A Figura 14 mostra em sua totalidade o percurso do canal.
43
Figura 14 - Percurso do canal da integração, ligando o Açude Castanhão ao Porto de
Pecem-CE.
Fonte: (COGHER)
O sistema é constituído por um conjunto de estações de bombeamento, canais,
adutoras e túneis que levarão água a Fortaleza numa vazão de 22 m2/s, apenas com uma
elevação. As figuras 15 e 16 apresentam a primeira estação de bombeamento do Canal
da Integração e a primeira área de contenção, esta estação é responsável para controlar o
fluxo de agua do canal. Ambas estão localizadas próximos ao reassentamento
Mandacaru.
44
Figura 15 - Primeira estação de bombeamento do canal. Figura 16 - Primeira área de contenção de água do canal
da Integração.
Fonte: Arquivos do MAB
O primeiro trecho, de 54,7 Km, que sai da barragem do Castanhão para o Açude
de Currais Velho, no município de Morada Nova (um açude de pequeno porte,
construído pelo DNOCS). O primeiro trecho já se encontra com suas obras finalizadas e
em operação. Em destaque, nas figuras 17 e 18 abaixo, a primeira área de contenção de
água do Canal. Visualizando ao fundo da primeira figura o inicio dos lotes do
reassentamento.
Figura 17 - Trecho I Canal da Integração. Figura 18 - Trecho I Canal da Integração
Fonte: arquivos do MAB
É importante destacar, conforme dados da secretaria de recursos hídricos do
Estado do Ceará, que o próprio processo de transposição das águas do Castanhão,
devido ao alto índice de evapotranspiração, pode salinizar a água e torná-la imprópria
para o consumo humano. Porém, para a indústria de minérios, caso das que serão
45
instaladas no Complexo Prontuário do Pecém, isso não se configura como um
problema, pois os equipamentos podem suportar certa carga de salinidade (SRH, 2005).
Estrutura semelhante poder ser encontrada no setor energético brasileiro, onde a
transmissão de energia elétrica é quase toda integrada, ou seja, quando a produção de
energia está baixa, outras regiões que estão com a produção normalizada passam a ceder
energia para as regiões que estão em déficit.
Conforme mostra a Figura 19 a seguir, percebe-se que as barragens funcionam
como enormes caixas d’água, com a função de regular todo o sistema e desta forma,
suprir a demanda de energia de todas as regiões, independente do período do ano e da
quantidade de água capitada pelos lagos no período chuvoso.
Segundo observações do MAB o sistema interligado brasileiro equivale a
praticamente a extensão territorial da Europa, entretanto os investimentos do Programa
de Aceleração ao Crescimento (PAC) demandam partes significativas dos seus recursos
para a ampliação desse sistema.
Figura 19 – Sistema Interligado Nacional.
Fonte: EPE (Empresa de Pesquisa Energética)
46
Se observarmos o pensamento expresso do DNOCS a respeito do processo de
integração de bacias hidrográficas no nordeste não há exageros em compara com o
sistema interligado de distribuição de energia elétrica.
Para o DNOCS, a relação do Canal da Integração com a Barragem do Castanhão é
de suma importância:
Na verdade, a obra se insere num programa mais amplo, envolvendo a
transposição de água da bacia do rio São Francisco, razão pela qual, mais
adiante, o açude continuará aduzindo água ao longo do rio Jaguaribe, mas
igualmente, aduzirá para outras bacias (DNOCS: SIRAC, 1990, p. 6.17).
Nesta afirmação, fica clara a importância da construção da barragem e sua
inserção em um contexto mais amplo que a própria política de bacias hidrografias
estadual, sendo a obra um complemento para a realização de um dos maiores projetos
de transposição de águas do mundo, a transposição do rio São Francisco. Este último,
do ponto de vista social e ambiental tem sido alvo de diversas criticas.
Com a plena integração das bacias hidrográficas no Estado do Ceará, será
possível o investimento de empresas nacionais e internacionais em atividades
agroindustriais, cuja região atualmente apresenta baixa capacidade hídrica para manter a
vazão regularizadora dos rios e lagos por todos os meses do ano. As figuras 20 e 21
mostram dimensão do canal dentro do reassentamento.
Fonte: Arquivos do MAB
Portanto, uma das políticas estaduais é de garantir as condições para que as
empresas nacionais e internacionais fixem suas bases no Estado do Ceará. Esse processo
acontece a partir de dois pilares básicos: na edificação das infraestruturas logísticas
necessárias e na contenção da população para que não haja conflitos.
Figura 20 - Canal da Integração no Reassentamento
Mandacaru.
Figura 21 - Canal da Integração no Reassentamento
Mandacaru.
47
O processo de convencimento da população tem uma conotação bastante
ideologia, principalmente atrelada ao discurso do desenvolvimento regional. Esse
discurso é assumido pela classe política em suas diversas estruturas e disseminado no
meio social. Processo este ligado há vários anos na região semiárida do Nordeste a
indústria da secas.
Com a barragem do Castanhão foi deslocadas aproximadamente 4.000 mil
famílias, onde parcelas destas famílias não receberam qualquer tipo de ressarcimento
pelas percas de suas terras. Frente a esta situação, o MAB (Movimento dos Atingidos
por Barragens), tem organizado as famílias para lutar pelos direitos. Ao longo do tempo,
por resistência, varias famílias acabam ficando as margens deste projeto.
2.3. Deslocamentos compulsórios das famílias atingidas
O processo de desterritorialização das populações ribeirinhas no Brasil tem sido
intenso e em grandes proporções, a partir do inicio dos anos de 1950 e 1960.
Com o aceleramento do processo de industrialização, o país passou a necessitar de
mais matéria prima para suprir as demandas das plantas industriais que estavam sendo
estalada no Brasil. Uma demanda especial era de energia. Essa demanda levou a
construção de varias barragens de norte a sul do país para a produção de energia
elétrica. Vejamos o diz a respeito disso o MAB:
Na década de 70, foi intensificado no Brasil o modelo de geração de energia
a partir de grandes barragens. Usinas Hidrelétricas são construídas em todo o
país. Projetos “faraônicos” são levados adiante com o objetivo principal de
gerar eletricidade para as indústrias que consomem muita energia chamadas
de eletro-intensivas e para a crescente economia nacional, que passava pelo
chamado “milagre econômico”, durante a ditadura militar (www.
mabnacional.org.br, acessado em maio de 2010).
Conseqüentemente, o espaço geográfico habitado por ribeirinhos e comunidades
tradicionais, foi desconstituído para dar lugar aos lagos das usinas.
O processo de desterritorialização das populações atingidas descaracteriza a
dinâmica social existentes nas regiões afetadas, muda o modo de vida da população,
interfere na cultura, muda o processo de vidas construído historicamente e, as medidas
compensadoras quando chegam, não são suficientes para repara os danos causados.
Neste aspecto o descreve MAB:
48
Estas grandes obras desalojaram milhares de pessoas de suas terras.
Uma enorme massa de trabalhadores que perderam suas casas, terras e
o seu trabalho. Muitos acabaram sem-terra, outros tantos foram morar
nas periferias das grandes cidades (www. mabnacional.org.br,
acessado em maio de 2010).
Segundo dados do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), são mais de
um milhão de pessoas expulsas de suas terras e destas, cerca de 70% nunca receberam
nada para compensar as percas causadas pelos empreendimentos. E mais de um milhão
de hectares de terra que foram alagadas. Figura 22 mostra casa de camponês em
processo de alagamento pelas águas da barragem do Castanhão.
Figura 22 – Moradias desocupadas durante o processo de formação do Lago da Barragem do
Castanhão. Fonte: Arquivos do MAB.
Para VAINER (2002) constituem fonte do deslocamento forçado cerca 4 milhões
de pessoas por ano no mundo, no que ele chama de "a guerra do desenvolvimento". É
importante observar que essa lógica serve tanto para obras para a produção de energia
elétrica, quando para as obras de acumulação de água ou outras funções.
Outro fator destacável são os prejuízos ambientais que as barragens têm causado.
Essa questão é bastante desconsiderada quando se divulga que a energia hidroelétrica é
renovável, sustentável e limpa e que a água acumulada é para saciar a sede da
população. As figuras 23 e 24 em destaque apresenta atingidos pela barragem do
castanha vivendo em situação precária e buscando água em lugares remotos.
49
Figura 23 - Acampamento de famílias desalojadas
pela Barragem do Castanhão.
Figura 24 - Acampamento de famílias desalojadas
pela Barragem do Castanhão.
A barragem do Castanhão deslocou cerca de 10 mil pessoas, incluindo a sede do
município de Jaguaribara-CE. Partes desta população foram relocados em áreas de
reassentamentos, que na região se constituem em duas categorias: sequeiros e irrigáveis.
Sequeiros foi uma denominação dada pelo Estado para as áreas que não estavam
projetadas para irrigação.
A maior quantidade de reassentamentos é de sequeiros, onde grande percentual da
população rural atingida pela barragem recebeu lotes em áreas inadequadas, gerando
sérios problemas para se sustentarem. Além disto, os lotes não tinham acesso à água,
sem as infraestruturas necessárias a reprodução social das mesmas, ou seja, o que era
para ser parte da reparação dos danos causados pela barragem, tornou-se um pesadelo
para esta população. A figura 25 apresenta camponês buscando água .
Figura 25 - Reassentado buscando água em áreas distantes.
Fonte: Arquivos do MAB
50
As famílias reassentadas em áreas projetadas para a irrigação foram divididas em
três reassentamentos: Novo Alagamar, Mandacaru e Curupati. Porém, os projetos ainda
não estão em funcionamento. É nessas áreas, que se evidencia a luta para usufruir da
água acumulada no lago da barragem.
Uma das contradições geradas pela construção da barragem e conseqüentemente
pela edificação do canal da Integração é que, praticamente toda a população atingida
pela barragem não tem acesso à água acumulada na mesma. Ou seja, mesmo com uma
vasta quantidade de água acumulada, ainda se tem vários problemas de abastecimento
de água nos reassentamentos, sendo este um dos principais problemas encontrado pelos
reassentados, o acesso à água.
Lins (2011) descreve este aspecto da seguinte forma:
O canal da integração é fruto de um modelo de gestão territorialmente
seletivo, já que esta sendo estalado em áreas estratégicas do Ceará e é
socialmente excludente, pois beneficia uma pequena parcela da população
afetada por ele (LINS, 2011, p. 24).
Portanto segundo a autora, esse processo foi extremamente intencional e bem
definido, porque insere no seu âmago a ação de exclusão da maior parte da população
aos benefícios do acesso água do canal.
São justamente estas contradições impostas pelas políticas implantadas pelo
Estado, no caso do Reassentamento Mandacaru, que veremos no próximo capitulo.
51
3. REASSENTAMENTO MANDACARU E CANAL DA
INTEGRAÇÃO, UM TRECHO DO CAMINHO DAS ÁGUAS NO
ESTADO DO CEARÁ
Com o processo de deslocamento das famílias atingidas pela Barragem do
Castanhão toda a micro-região do médio Jaguaribe se transformou, ou seja, houve uma
reestruturação socioespacial, possibilitando uma reorganização territorial. Com isso
redefiniu-se as divisas dos municípios, a fim de criar novos espaços rurais e urbanos, no
caso a nova Jaguaribara.
Como já foi abordado no capitulo anterior, as famílias atingidas que não foram
indenizadas, foram incluídas, através do Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), no programa de reassentamentos. Parte significava em áreas sequeiras e três
grupos de famílias destinadas a áreas com projetos irrigáveis, os chamados perímetros
irrigados.
No entanto, como as áreas propicias a irrigação interessavam a grandes grupos
econômicos, o Estado não se propôs a realizar a desapropriação destas áreas para
pequenos agricultores.
Este fato fica bem demonstrado na fala de um dos reassentados rurais:
No inicio, só tinha organização das famílias da cidade de Jaguaribara. A
população rural do município, eram ignorados pelo governo, porque eles não
tinham propriedades e as indenizações já tinham sido pagas aos
latifundiários, ai nós começamos a organizar essa população dizendo que eles
tinham direitos [...] as famílias que estão no mandacaru foram as ultimas a
serem consideradas no processo de reassentamento, mas a luta foi grande
porque a área do reassentamento já tinha dono e nós obrigamos o governo a
decretar a área como de utilidade publica para assentar as famílias [...] o
projeto Mandacaru é uma conquista da luta dos trabalhadores (reassentado
rural, 44 anos, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens).
O Projeto Mandacaru é um projeto irrigado, com previsão para o reassentamento
de 179 famílias, com área media de três há/famílias, totalizado 537 hectares irrigados. O
projeto está situado às margens do sistema adutor Castanhão /Fortaleza (Eixão das
Águas) e da rodovia CE-269, nos municípios de Jaguaribara e Alto Santo. Conforme
mostra a Figura 26.
52
Figura 26 - Área do Reassentamento Mandacaru com a localização dos conjuntos habitacionais, os lotes
produtivos e o canal de integração.
Fonte: Agropolos.
O principal planejamento foi para a atividade da pecuária leiteira, alegando que
essa atividade já fazia parte da realidade das famílias que ali estavam sendo
reassentadas.
Neste processo houve muita pressão da população local, hoje reassentada no
projeto Mandacaru, pois estavam sem perspectiva de serem realocadas. Como o
processo de organização através do MAB estava mais avançado, as famílias restantes
não aceitaram ir para as áreas de sequeiro, como parte das famílias atingidas já tinham
ido. Porque o reassentamento nas áreas de sequeiro representava de certa forma
prejuízos as famílias que já tinham como pratica agrícola a irrigação.
Assim afirma outro reassentado rural:
Foi o MAB que abriu os nossos olhos e levou nós para lutar, porque nós
estava em casa esperando a água nos afogar, o governo não queria reassentar
a gente e principalmente não passava na cabeça deles que nos ia querer e
lutar para ocupar uma área que estava destinada a empresas inclusive
estrangeiras, mas nós se organizamos e lutamos, hoje estamos nesta situação
mais a luta agora vai ser para acessar a água para produção e consumo
humano e animal, precisamos ocupar a Barragem do Castanhão e o Canal
porque ela não foi feita para matar a sede do povo e sim para favorecer a
grandes grupos do Ceará (Reassentada rural, 25 anos, militante do MAB,
2010).
53
Neste momento evidenciou-se a luta pela ocupação do território, pois uma das
questões era o acesso as áreas com solos adequado para o desenvolvimento de
atividades agrícolas em especial irrigadas, no qual os grupos empresariais vinculados ao
agronegócio reivindicavam.
Parte das parcelas das famílias começou a perceber que havia um conjunto de
ações políticas e econômicas, que estavam levando-as a perderem as condições
essenciais para a reprodução social. Esse primeiro momento foi marcado por muitas
indecisões e conflitos, seja pelo Estado, colocando todo seu aparato de convencimento e
repressão, ou pelo lado da organização social das famílias.
Vejamos o que diz o filho de reassentado e professor:
Eles não queriam a gente aqui, queriam que a gente fosse para os
reassentamento de sequeiro onde as famílias estão abandonadas, se nós não
tivesse se organizado tinha ficado mais difícil porque o progresso que foi
prometido nunca chegou, perdemos foi tudo que a gente tinha e agora
ficamos aqui só olhando para a água sem poder usar e vivendo cada dia com
mais dificuldades, esse canal é para levar água para fortaleza enquanto nos
temos que compra água para dar aos animais (Reassentado e Professor 24
anos, residente no reassentamento mandacaru, 2010).
Um aspecto importante é que o canal de integração corta ao meio o
reassentamento. As afirmações dos reassentados mostra claramente, que os mesmos
conquistaram o direito a terra, mas não o acesso à água do canal. Ou seja, o fato de
ocupar as margens do canal e da barragem não é suficiente para garantir o acesso à
água.
Os reassentados vivem constantemente em disputa para poder usufruir da água
acumulada. A comunidade não pode usufruir da água, porque as margens do canal são
cercadas com arame farpado e, em todo o percurso do mesmo, há segurança armada e
câmeras de vigilância para proibir o acesso da população à água.
O Canal é monitorado 24 horas por dia por câmeras equipadas com zoom que
cobrem um raio de até 2 KM, para evitar tanto a retirada de água como a
construção encanamentos destinados a captação dessa.O assunto é
controverso. Muitos moradores foram agredidos moral e verbalmente pela
policia quando tentavam pegar a água do canal para saciar a sede de seu
rebanho (LINZ,2011.p.34).
Por incrível que pareça não existem sistemas de adução de água do canal para as
populações que habitam seu entorno. Portanto, há uma privação total da população em
acessar a água que corre pelos quilômetros de canal.
54
Os projetos de irrigação não funcionam porque falta investimento por parte do
governo estadual em ações sociais, bem como também infraestruturas para a
consolidação do projeto. No entanto, o conjunto de disputas ocorre em todos os
aspectos.
Por um lado, o governo propõe um modelo de funcionamento de projeto agrícola,
no qual atrela os agricultores à lógica do agronegócio, pretendendo individualizá-los e
torná-los empreenderes monocultores. Por outro lado, o movimento aposta numa
organização coletiva, uma produção com princípios onde a água e a terra não sejam
vistas como mercadorias. Entretanto, o que se observa, por parte do Estado é o controle
social destas famílias, bem como a lógica de produção que será determinada pela lógica
do acesso a água.
Na lógica do agronegócio na região, a água é um dos principais insumos e deve
ser controlada, porque a distribuição da mesma deve estar vinculada a capacidade da
região de acumular ganhos de capital. Para isto, ao privar a população do
reassentamento ao acesso, possibilita a água chegar aos locais de produção, tanto
agrícolas como industriais.
Vejamos o que afirma o agricultor:
Aqui vivemos sem poder chegar perto deste canal, nossos animais para não
morrer de sede temos que comprar água e a água fica ai passando no canal
nas nossas vista e somos proibidos de usar, o governo deveria não fazer
isso, afinal de contas para que serve essa barragem e esse canal, porque até
hoje para nos não tem servido de nada. O governo ensina a gente a roubar
porque jogar nos aqui não da às condições de vida e até a água que vamos
pegar podemos ser presos, isso está muito errado no meu modo de pensar
(Reassentado, 64 anos, agricultor e presidente do sindicato dos trabalhadores
rurais de Jaguaribara, 2010, grifo nossos).
Essa afirmação aponta, que a população compreende a verdadeira função da água
da barragem e do canal, percebendo s impactos sociais e ambientais desta obras,
fazendo-se presente de forma cruel na vida das famílias.
Estes impactos são econômicos, porque quebram todo um ciclo de produção que
havia entre as comunidades. São também culturais, porque desestrutura um conjunto de
heranças culturais das comunidades que há vários anos. E são políticas, pois alteram
toda a estrutura de relações de poder que já eram estabelecidas.
No caso do Reassentamento Mandacaru, o fato destas famílias ocuparem as
margens da barragem do Castanhão e do Canal da Integração, para o governo municipal
e estadual, os torna uma preocupação no processo de integração entre as bacias
55
hidrográficas do Estado do Ceará. A figura 27 mostra trecho do canal dentro do
reassentamento.
Figura. 27. Canal da Integração dentro do Reassentamento Mandacaru.
Fonte: Cintia Linz.
Isto porque, a organização das comunidades tem mostrado a contradição existente
entre o discurso do Estado, que apresenta a acumulação e transposição de águas no
Ceará como a redenção e solução para a questão das secas. Que na realidade as famílias
que estão às margens da maior obra de “integração” hídrica do Estado do Ceará, são
vitimas da falta de água e excluídos desta política que se diz a principal ferramenta de
inclusão.
3.1 Impactos diretos e indiretos para a população reassentada
Os impactos desta obra no reassentamento são de diversas ordens, principalmente
a criação de uma nova comunidade, onde teve que adaptar a um espaço geográfico com
pouca identidade territorial, obrigando os grupos familiares, de diversas comunidades
que não tinham nenhum tipo de relacionamento, a se relacionarem em uma nova área.
No Quadro 1 aponta-se alguns dos impactos que, direto ou indiretamente são
recorrentes na vida desta população .
Tabela 1- Impactos diretos e indiretos do canal da Integração no Reassentamento
Mandacaru.
56
Impactos diretos Impactos indiretos
Expropriação das famílias do acesso a água. Conflitos entre seguranças do canal e moradores
pelo acesso a água.
Precarização das atividades agropecuárias. As famílias passaram a vender seus animais para
garantir o alimento diário.
Dificultamento de locomoção dos reassentados as
outras margens do canal. .
Não relacionamento com comunidades vizinhas,
dificultando as relações sociais e econômicas que
já se configuravam.
Divisão de parte dos lotes produtivos da área de
moradia das famílias.
Desvalorização dos lotes produtivos.
.As famílias passaram a utilizar água da
Companhia de Abastecimento de Água e Esgoto do
Estado do Ceará (CAGECE), para o uso humano e
animal, pagando o mesmo valor, por m3 que paga
um habitante da área urbana do município de
Jaguariba-CE.
Aumento do preço da água.
Inexistência de pontos de captura de água para
consumo humano e animal, ao longo do percurso
que o canal corta o reassentamento.
Risco de acidentes ou prisão para os reassentados
que se procuram retirar água do canal.
Dificultou na produção de alimento das famílias
através do uso de sistema de irrigação.
O projeto de irrigação, há oito anos esta em
processo de implantação. Todavia, ainda não
possibilitou que as famílias dos reassentados
utilizassem água para irrigação.
Organização: Iury Charles Paulino Bezerra.
Assim, observa-se que os principais impactos diretos estão relacionados:
- privação do uso da água;
- quebra da organização agrícola das famílias;
- dificuldade de locomoção e articulação com comunidades vizinhas;
- falta de pontos de captação de água, acarretando como conseqüências o
aumento do custo da água;
- desvalorização dos lotes agrícolas;
- não implantação das infraestruturas adequadas para efetivação do projeto
de irrigação;
- conflito pela água disponível.
Portanto, podemos considerar que o processo de acumulação artificial de água e
transposições em grande escala no Estado do Ceará, especialmente no território de
estudo, promove a exclusão social implicando na expropriação dos trabalhadores do
acesso a água.
As famílias que hoje vivem no Reassentamento Mandacaru, e antes habitavam
moradias em locais separados, já tinham acesso a tecnologias de gestão de seus recursos
hídricos, que supriam suas necessidades básicas de abastecimento.
Desta forma, um dos maiores impactos da política de gestão dos recursos hídricos
do Estado do Ceará foi tirar a autonomia da gestão da água das mãos dos trabalhares
57
rurais, que construíram ao longo da história, estratégias de convivência com as
adversidades da inconstância de chuvas.
58
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é demasiado considerar que é necessário politizar o debate acerca da
privatização da água, como foram politizados outros debates relevantes para o conjunto
da humanidade, se tornando um dos principais desafios de uma população que necessita
garantir sua reprodução social. Não é demasiado também afirmar, que esse recurso
natural será motivo de grandes disputas e até catástrofes sociais em curto período de
tempo.
Nesta perspectiva, quando olhamos para o nordeste brasileiro entendemos porque
esse recurso sempre foi o pano de fundo, tanto da opressão quanto do “progresso”. Do
progresso, porque quem teve acesso a ele consolidou uma relação de extremo poder
sobre os que não tinham acesso, e por outro lado, os que não têm acesso não conseguem
compreender os elementos que estão por trás do discurso político-ideológico.
O papel do Estado, historicamente tem se apropriado do discurso da seca, para
implantar muitas vezes políticas paliativas, tentando solucionar o problema pelas suas
conseqüências e não pela raiz. Portanto, podemos considerar o papel do estado como
omisso.
A água que esta acumulada na barragem do Castanhão e que percorrerá o Canal
da Integração, não chegará a uma grande parcela da população que vive no sertão
central do Estado do Ceará. Esta é uma das regiões que tem o maior déficit hídrico do
estado, onde as comunidades que vivem as margens dos reservatórios não têm acesso a
água de qualidade, e que muitas vezes ainda dependendo do “velho Carro Pipa” politica
que o discurso desenvolvimentista há vários anos promete acabar.
O Canal da Integração e o reassentamento Mandacaru insere-se neste contexto ,
mesmo porque o Canal corta ao meio o reassentamento Mandacaru e o mesmo não
usufrui dos benefícios da água que passa no Canal. Assim demonstrando claramente que
a função do Canal será proporcionar o avanço da fruticultura irrigada e fortalece o
complexo portuário do Pecem na região metropolitana de Fortaleza.
Neste trabalho, procurou-se mostrar a necessidade de politização do discurso, a
fim de não cairmos no velho erro, de associar o nordeste apenas a um discurso de
catástrofe. De fato, muitas comunidades rurais têm precariedade no acesso a água,
porém essa questão é mais política que natural. Pois o processo de acumulação artificial
59
de agua na região Jaguaribara vem possibilitando a territorialização do capital e
desterritorializando parcela significativa de camponeses, contudo é possível afirmar que
o estado é o principal indutor dos conflitos pelo uso da agua na região.
Portanto, a intenção é de mostrar as reais atividades que vem sendo
implementadas no projeto de integração de bacias, e em especial na comunidade do
Reassentamento Mandacaru. Onde vive permanente conflito pelo uso da agua.
Cabe enfatizar que do ponto de vista técnico a proposta de integração de bacias
hidrográficas do estado do Ceará é bem estruturada, porque possibilita regularizar as
vazões de regiões que antes não eram regularizadas. Todavia, o entrave esta no ponto de
vista político, econômico e socioambiental, que não esta atendendo as demandas das
populações que realmente necessitam. Neste período de pesquisa chegamos
parcialmente às conclusões das hipóteses levantadas no inicio do trabalho, entretanto o
tema é bastante complexo e necessita de ser aprofundado.
60
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