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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL E SUAS INTERFACES COM A EQUIPE DE SAÚDE E FAMÍLIA MANOELA DE CASTRO FERNANDES Itajaí, (SC) 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL E SUAS INTERFACES COM A EQUIPE

DE SAÚDE E FAMÍLIA

MANOELA DE CASTRO FERNANDES

Itajaí, (SC) 2006.

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MANOELA DE CASTRO FERNANDES

HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL E SUAS INTERFACES COM A EQUIPE

DE SAÚDE E FAMÍLIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: Prof.ª MSc. Marina Menezes

Itajaí, (SC) 2006.

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Para João Guilherme Fernandes Winnikes

Minha vida... meu amor

Uma alegria... uma benção

Minha felicidade... minha completude

Uma esperança... um sorriso

Minha satisfação... minha motivação

Enfim... meu filho!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele nada seria possível.

A minha orientadora Marina Menezes que me auxiliou e compreendeu e a

quem sou extremamente grata pelo acolhimento que me dispensou.

A minha família, que sempre me apoiou, especialmente a João Guilherme,

meu filho, que através de sua alegria pueril sempre me motivou a continuar.

As minhas colegas de turma que sempre estiveram presentes.

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................................... 05

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 06

2 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................... 09 2.1 Hospitalização ...................................................................................................... 09 2.2 Hospitalização infantil........................................................................................... 10 2.3 Representação de saúde/doença/terminalidade .................................................. 24 2.4 A doença e a hospitalização infantil e sua relação com o ciclo de vida familiar ... 34 2.5 O brinquedo no contexto hospitalar...................................................................... 39 2.6 Equipe de saúde .................................................................................................. 43 2.7 Humanização ....................................................................................................... 50

3 MATERIAIS E MÉTODOS....................................................................................... 56 3.1 Procedimento para a coleta e análise dos dados................................................. 56

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 58

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 63

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HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL E SUAS INTERFACES COM A EQUIPE DE SAÚDE E FAMÍLIA Orientadora: Prof.ª MSc. Marina Menezes Defesa: junho de 2006 Resumo: O presente trabalho apresenta informações apontadas na literatura disponível sobre a hospitalização infantil e seus efeitos no desenvolvimento do paciente pediátrico. Apresenta algumas formas, observadas em pesquisas, do manejo dos profissionais da área da saúde, família e do próprio paciente sobre a experiência de hospitalização na infância. Neste sentido, demonstra a necessidade de compreender as conseqüências físicas e psicológicas desta experiência na tríade: equipe, família e paciente; os sentimentos que o processo de adoecer e de hospitalização causam nos membros da tríade; a compreensão que a família e a criança possuem do processo saúde/doença/terminalidade; bem como a utilização de estratégias na humanização do atendimento hospitalar pediátrico, de acordo com material bibliográfico disponível. Neste contexto, a Psicologia Hospitalar Pediátrica, busca, através principalmente da compreensão sobre desenvolvimento infantil, trabalhar no sentido de auxiliar no enfrentamento do sofrimento e desadaptação do paciente ao processo de adoecer, compreendendo, avaliando e intervindo nos distúrbios comportamentais e emocionais decorrentes da hospitalização. Quanto à representação que os pacientes possuem sobre a internação, foi possível levantar que as crianças não percebem o processo saúde e doença e nem os vários fatores que neste estão inclusos, pois acreditam em causa e conseqüência, o que as fazem sentirem-se culpadas quanto à hospitalização. É importante destacar que as crianças não apresentam apenas seqüelas negativas, quanto ao processo de hospitalização, pois podem aprender durante esta experiência, conhecendo mais sobre o seu corpo e doença, sobre as profissões da área da saúde, habilidades de enfrentamento, autonomia; podem obter esperança quanto à cura, compreendendo o hospital como um lugar que presta cuidados. Os autores pesquisados, afirmam que entre as formas que auxiliam a adaptação da criança a esta experiência, está o brinquedo, pois este permite a elaboração dos sentimentos ocasionados pela hospitalização, melhorando sua relação com a equipe e família. As aprendizagens vividas na hospitalização dependerão de fatores como a idade da criança, nível de desenvolvimento cognitivo e psíquico, grau de apoio familiar, atitudes da equipe, habilidades sociais da criança, entre outros. Além do paciente infantil, a hospitalização provoca reações observadas na família e na equipe de saúde. Os pais experienciam sentimentos de ansiedade, incertezas e ao mesmo tempo esperança. O ciclo vital familiar apresenta alterações significativas, quando um dos membros está doente ou hospitalizado. Os profissionais da saúde, no decorrer de suas intervenções, podem vivenciar o sofrimento do paciente como se fosse seu, remetendo-se a experiências pessoais. Como estratégia frente a estas seqüelas, encontra-se o atendimento humanizado ao paciente hospitalizado, que representa um dos mais importantes instrumentos utilizados para escuta integral da criança. Palavras-chave: hospitalização infantil, Psicologia Hospitalar Pediátrica, saúde e família.

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1 INTRODUÇÃO

O estudo da hospitalização na infância pode envolver alguns aspectos como

a compreensão que a criança e a família possuem de saúde e doença; as

conseqüências orgânicas e psicológicas da internação tanto para a criança como

para seus familiares; os sentimentos da tríade família, criança e equipe de saúde

quanto ao processo de hospitalização; as atividades lúdicas no contexto

hospitalar; a humanização do atendimento pediátrico, entre outros. Todos estes

aspectos representam variáveis possíveis de compreensão e análise no campo da

Psicologia.

Sobre a compreensão que a criança possui de doença, Gratz e Piliavin

(1984 apud GABARRA e NIEWEGLOWSKI, 2005) afirmam que poderão ocorrer

variações na capacidade para compreender a doença. Estas sofrem influências de

aspectos como a etiologia da doença, a idade da criança, a capacidade para

compreender o acontecimento, a ocorrência de experiências anteriores e a

situação familiar. O adoecimento e a internação para a criança, segundo Nigro

(2004), quebra o cotidiano, pois a criança passa por momentos novos e estranhos,

podendo ser experimentado como uma violência impositiva, pois a internação não

se escolhe, se acata.

Já para Oliveira, Dias e Roazzi (2003), a hospitalização infantil não

obrigatoriamente "quebra" o processo de desenvolvimento da criança. Como

experiência, pode ser integrada à sua vida, vivenciada, elaborada e resignificada.

Essa experiência poderá ser estendida a outros aspectos da vida da criança,

auxiliando no entendimento de situações cotidianas.

Deste modo a hospitalização pode se caracterizar como uma experiência

desconhecida para a criança, em que esta pode vivenciar procedimentos médicos

dolorosos que foi obrigada a realizar, pois o paciente tem que aceitá-los, não

sendo oportunizado a ele tomar decisões, mas a hospitalização nem sempre

interrompe o desenvolvimento da criança e é uma experiência que se faz capaz de

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elaboração e resignifacação, utilizando-a nas mais diversas situações de vida da

criança.

Apesar de os autores citados acima afirmarem que o hospital também pode

ser um contexto de desenvolvimento, esta experiência pode ser estressante e

gerar ansiedade, pois as crianças internadas passam a viver o desconhecido, o

incontrolável e o estranho (SANTOS e cols., 1984). Quando a experiência da

hospitalização é vivida pela primeira vez, comumente o hospital é compreendido

como um lugar assustador, pois não há nada nele que a criança possa identificar

em suas experiências anteriores; além disso, estar debilitada fisicamente e

emocionalmente piora o estado da criança (OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003).

Se a hospitalização perdurar mais do que cinco dias, as crianças podem

desenvolver transtornos psicológicos, por isto é relevante detectar as variáveis

psicológicas que aumentem a probabilidade do desenvolvimento desses

transtornos (DIAS, BAPTISTA e BAPTISTA, 2003).

Neste contexto, para Mitre (2000 apud MITRE e GOMES, 2004), a atividade

lúdica facilita não só o prosseguimento do desenvolvimento infantil, como também

uma melhor elaboração da hospitalização, representando a possibilidade de

tornar-se um momento terapêutico, favorecendo a criação de estratégias de

enfrentamento desse período.

Outro aspecto referente à hospitalização infantil diz respeito à equipe de

saúde. Gabarra e Nieweglowski (2005), afirmam que conviver com o sofrimento

físico e psíquico do paciente no contexto hospitalar já é habitual para a equipe de

saúde. Segundo Brim (apud KÓVACS, 1992), entrar em contato com o sofrimento

do paciente permite, aos profissionais da área da saúde, experienciar esse mesmo

sentimento, o que muitas vezes os levam a vivenciar medos infantis de separação,

abandono e o medo de sua própria morte.

Oliveira, Dias e Roazzi (2003) citam que a equipe hospitalar preocupa-se

muito mais com a melhora orgânica do que com a totalidade da saúde da criança,

desconsiderando seu desenvolvimento cognitivo e emocional.

Como a equipe de saúde convive em seu ambiente de trabalho com

experiências de dor, morte e sofrimento de seus pacientes, esta através de um

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mecanismo de defesa, a fim de evitar que sofrer e se identificar com estes

pacientes, preocupa-se especialmente com os aspectos orgânicos, esquecendo a

fase do desenvolvimento que a criança se encontra e os aspectos psicológicos

envolvidos no seu adoecer e processo de hospitalização.

Nas instituições privadas (onde geralmente se eliminam os problemas

financeiros, a carência de materiais e o descontentamento dos profissionais com a

falta de estrutura para trabalharem) a preocupação principal é quanto a

desumanização do atendimento, especialmente no atendimento infantil, o que

aponta para problemas de ordem paradigmática, existentes no próprio conceito de

atendimento à saúde (CHIATTONE, 1988 apud OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI,

2003).

Por estes motivos, o interesse em pesquisar esta temática mostra-se

presente e relevante, pois há muito para ser compreendido pela Psicologia no

âmbito hospitalar. Contexto este que se constitui vasto e desafiador como campo

de atuação do psicólogo, profissional que aos poucos está construindo seu

espaço, através, principalmente, de sua contribuição para a minimização do

sofrimento causado pela hospitalização.

O delineamento deste estudo ocorreu a partir de uma perspectiva de

pesquisa bibliográfica. Deste modo, buscou-se, no referencial teórico consultado,

aspectos referentes ao processo de adoecimento/hospitalização infantil nos

diferentes contextos: paciente, família e equipe de saúde, relacionando as

significações e compreensões de todos os envolvidos neste processo,

objetivando, descrever o processo de hospitalização na infância e suas interfaces

com a equipe de saúde e família, segundo a bibliografia específica disponível;

identificar a compreensão que a criança e a família possuem sobre a

hospitalização infantil e o processo de adoecer; buscou-se também relatar as

conseqüências da hospitalização para a criança, família e equipe de saúde,

segundo a literatura consultada e caracterizar a utilização do brinquedo no

ambiente hospitalar no processo de adaptação à internação.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Hospitalização

Para Gonçalves (1983 apud RINALDI, 2003) a palavra hospital é designada

da palavra “hospes”, que tem como significado hóspede. Na idade média, a

maioria dos hospitais funcionava como hospedaria que recebiam peregrinos,

pobres, inválidos e doentes, onde esses ganhavam pouca atenção médica

(LEWINSKI-CORWIN, 1932 apud OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003). O hospital

se parecia com um depósito onde se amontoavam as pessoas enfermas, tendo

finalidade mais social do que terapêutica, sendo que a estrutura hospitalar

propriamente dita surgiu na história somente em 360 d.C. (CAMPOS, 1995).

Na Europa, durante a Renascença, a prática médica ressurgiu, sendo que

quase toda categoria atendia apenas as classes dominantes, mas logo esses

serviços ficaram acessíveis à população, pois a medicina deveria fazer com que

diminuísse a taxa de mortalidade, fazendo assim com que a população crescesse

e se tornasse produtiva (SINGER, CAMPOS e OLIVEIRA, 1978). Inicialmente

estes profissionais conheciam mais o doente do que a própria doença,

posteriormente é que se aprofundaram em fisiopatologia e etiopatologia das

diversas afecções. Historicamente, primeiro o hospital objetivava o tratamento dos

doentes desenvolvendo atividades curativas, já num segundo momento o hospital

teve como finalidade o desenvolvimento de atividades preventivas, principalmente

nas instituições relacionadas ao poder público e num último momento o hospital

atua da prevenção à reabilitação, sendo as atividades dirigidas à população geral

(CAMPOS, 1995).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (apud CAMPOS, 1995), o

hospital faz parte de um sistema de saúde, proporcionando para a população uma

assistência médica preventiva e curativa, incluindo atendimentos domiciliares e

pesquisas. Quanto às funções do hospital, Gonçalves (1983 apud CAMPOS,

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1995), estas poderiam ser descritas como: prestação de atendimento médico;

desenvolvimento de atividades preventivas; participação em programas

comunitários, como de educação em saúde, abrangendo promoção, proteção e

prevenção; integração ativa no sistema de saúde.

Para Camon (1995), durante a hospitalização o paciente passa por

situações consideradas invasivas e abusivas, pois não se respeitam os limites do

paciente diante da necessidade de aceitação desse processo. Durante a

internação poderá ocorrer a despersonalização do paciente, quando este passa a

ser considerado como um “número ou patologia”; ou estigmatizado em

decorrência de seu quadro sintomático.

Durante a hospitalização o paciente pode ser conhecido pela equipe

hospitalar através do número do leito que está internado, da doença que possui e

os sintomas decorrentes da mesma, o que faz com que o paciente sinta-se

despersonalizado, devido a este tratamento impessoal, somado a outros aspectos

vivenciados durante a hospitalização que só vem a afirmar este sentimento de

estarem desconsiderando sua singularidade.

Quando o paciente é uma criança, o processo de hospitalização pode

acarretar conseqüências ao seu desenvolvimento, caracterizando a hospitalização

infantil como um processo diferenciado da hospitalização em outras fases do

desenvolvimento humano.

2.2 Hospitalização infantil

Até o século XII desconhecia-se a infância, pois provavelmente nessa

época não havia lugar para ela e até o fim do século XIII as crianças eram

reproduzidas como adultos em miniatura. Foi a partir do século XIV que a

consciência coletiva desse sentimento de infância progrediu, sendo destacados

aspectos da primeira infância, pois apesar de a taxa de mortalidade infantil

permanecer muito alta nos séculos XIII ao XVII, uma nova sensibilidade foi

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atribuída às crianças: como seres frágeis e ameaçados, o que anteriormente não

era reconhecido (ARIÈS, 1981).Com a Revolução Industrial houve a necessidade

de mão de obra nas indústrias, o que fez com que a saúde das crianças virasse

preocupação econômica e também fez nascer o “amor de mãe”, em que

anteriormente desconhecia-se este sentimento e a pediatria atual (OLIVEIRA,

1993).

Para Oliveira (1993) a pediatria surgiu juntamente com a infância, partindo

de um sentimento inicial de indiferença, em que progressivamente a criança foi

sendo vista cada vez mais como um ser singular e diferente do adulto, com

anatomia, fisiologia, enfermidades e terapêuticas específicas.

A doença era uma das ameaças da época tal como na atualidade, sendo

que, para Ajuriaguerra e Marcelli (1986), é um evento inevitável e normal durante

a vida da criança, principalmente as doenças definidas como “infantis”. Pode-se

dizer que para as crianças é evidente a importância da doença e do médico,

sendo temas sempre citados durante suas brincadeiras espontâneas.

Deste modo pode-se compreender que sarampo, rubéola, catapora e

caxumba por exemplo, são enfermidades comumente experienciadas na infância e

que devido as crianças freqüentemente vivenciarem estas e outras enfermidades,

faz com que as mesmas brinquem de médico, de estar “dodói”, espontaneamente,

o que apenas afirma a devida importância com que as crianças atribuem à

temáticas relacionadas à sua saúde.

Atualmente, segundo Caetano, et al (2002) nos países em desenvolvimento,

a infecção respiratória aguda é a principal causa de internação hospitalar de

crianças de zero a cinco anos. Através de estudo realizado em São Paulo, com

893 crianças, foi possível levantar que em 41,5 % das internações, as causas são

devido a doenças do aparelho respiratório e 16,9% das internações são

decorrentes de doenças infecciosas e parasitárias, os restantes das internações

41,6% ocorreram devido a outros dez grupos de causas. Destaca-se que doenças

crônicas foram levantadas em 34% das internações.

Martins e Andrade (2005), através de estudo realizado no estado do

Paraná, com 8.854 pacientes de até quinze anos, levantaram que 33,9% dos

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pacientes deram entrada no hospital devido a quedas; 31,8% devido a eventos de

intenção indeterminada; e os outros 34,3% tiveram causas diversas, como

acidentes, envenenamento e afogamento.

Neste sentido pontua-se que as causas que geram a busca por atendimento

médico em crianças de até cinco anos e crianças de até quinze anos divergem, já

que as crianças mais novas estão mais suscetíveis a infecção respiratória,

enquanto que as crianças mais velhas, devido especialmente a sua autonomia em

brincarem mais freqüentemente sem a supervisão de um adulto, estão mais

expostas a quedas.

As crianças que sofrem doença aguda geralmente regridem quando

hospitalizadas, podendo chupar o dedo, chorar, pedir colo e apresentar enurese.

Porém, a ansiedade pode ser manejada de maneiras diferentes, pois algumas

crianças, que não querem perder suas habilidades recém adquiridas, reagem

contra o descanso no leito, quando estas acabaram de aprender a andar (FREUD

apud LEWIS e WOLKMAR, 1993); outras negam a sua doença e o sentimento

ansioso, podem identificar-se com o médico que consideram agressivo, agredir

alguém, que é mobilizado devido à restrição motora (WOLFF apud LEWIS e

WOLKMAR, 1993), entre outras formas de manejo.

Crianças menores de quatro anos, quando vivenciam a experiência da

hospitalização, podem acreditar que foram abandonadas, tendo medo do que

pode lhes ocorrer sem o amor e proteção dos pais. Podem também sentir

ansiedade, devido a pessoas e procedimentos desconhecidos. Estas dificuldades

de adaptação geralmente perduram até três meses após a internação (LEWIS e

WOLKMAR, 1993).

Para os mesmos autores, a ansiedade aumenta quando são questões que

causam conflito em determinado nível do desenvolvimento infantil, como por

exemplo, um bebê que necessita do colo seguro de sua mãe, pode chorar e ficar

agitado pelo fato da mãe estar ansiosa por causa da doença e não suprir a

necessidade do filho de obter um colo seguro. Quando estas crianças retornam

para casa, podem manifestar sua ansiedade através da intensidade de terrores

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noturnos, sonhos de ser deixado no escuro ou que possui medo do escuro e

comportamento negativista dirigido aos pais (Ibid, 1993).

Para Lichamele e Goldberg (1989 apud DIAS, BAPTISTA e BAPTISTA,

2003), a reação que a criança demonstra em relação à doença e à hospitalização

dependerá do grau de compreensão da realidade e de sua capacidade cognitiva.

• Até os três anos a separação dos pais, devido à internação, é o

maior fator ansiógeno;

• Dos três aos cinco anos a criança já compreende o mundo de forma

concreta, podendo atribuir a hospitalização ou doença a

sentimentos de culpa;

• Dos seis aos quatorze anos o sentimento de culpa ainda predomina

como reação à doença e quanto mais velha a criança maior a

consciência e a capacidade de abstrair informações. Os

adolescentes são difíceis de experimentar danos no corpo, pois

estão estruturando o esquema de imagem corporal;

• Dos quinze aos dezoito anos geralmente associam a doença a

conflitos familiares, como defesa da doença e internação.

Mas independentemente da maturação biológica e processual do

pensamento, também se deve levar em consideração o ambiente familiar, regras e

normas de seu meio, bem como a instituição em que se encontram, que exercerão

influência na percepção da criança sobre sua doença e a internação.

Sobre hospitalização infantil, Soares (2001) afirma que os efeitos que esta

acarreta na criança e em seu desenvolvimento dependem da idade, das

experiências anteriores, de variáveis individuais e do repertório de habilidades de

enfrentamento. Andraus, Minamisava e Munari (2004), complementam que as

reações da criança à hospitalização dependem da personalidade, sexo, lugar que

ocupa na família e se os cuidados são mais ou menos agressivos. Soares e

Bomtempo (2004), relatam que a experiência do enfrentamento de uma

enfermidade e internação oportuniza a criança adquirir padrões comportamentais

mais adaptativos. A hospitalização pode proporcionar ao paciente, maiores

conhecimentos sobre seu corpo e sua doença; conhecimentos sobre as profissões

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da área da saúde; habilidade de enfrentamento; capacidade de autonomia, sendo

que desta forma participará de maneira mais ativa nas decisões que o afetam.

A partir dos anos 90 o Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA, conferiu

às crianças e aos adolescentes hospitalizados, alguns direitos fundamentais a

serem respeitados. No artigo 12 do cap.I - DO DIREITO À VIDA E A SAÚDE

(Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei N. 8.069, 1990) é assegurado

que os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições

para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, no caso de

internação da criança, sendo este direito reforçado pela Declaração dos Direitos

da Criança Hospitalizada (DOU Seção 1, de 17.10.1995), complementando que

além do direito de ser acompanhada, a criança também pode receber visitas.

Ainda sobre direitos, são assegurados pela Declaração dos Direitos da Criança

Hospitalizada (DOU Seção 1, de 17.10.1995), aos pais ou responsáveis

participarem ativamente do diagnóstico, tratamento e prognóstico do paciente,

bem como receberem informações sobre os procedimentos médicos que a criança

será submetida.

Crepaldi (1999) acrescenta que o fato da criança ficar sob a tutela da

instituição reforça a situação de afastamento familiar e que essa separação

favorece a situação da criança viver a hospitalização como abandono e castigo. Já

para Nigro (2004), esta separação pode gerar sentimentos como: ansiedade,

raiva, ciúmes, entre outros. Santos e cols. (1984) afirmam que a ausência do

familiar pode refletir em diferentes manifestações de acordo com a idade, o

comprometimento emocional anterior ou as condições da hospitalização, sendo

que as crianças menores podem apresentar choro intenso, inapetência,

inquietação e as crianças maiores insegurança e retraimento, podendo apresentar

quadros de severa prostração orgânica em pacientes mais sensíveis ou

hospitalizadas em condições precárias.

Correia, Oliveira e Vieira (2003) afirmam que uma criança, ao ser

hospitalizada, tem rompida sua interação com a família e principalmente com a

sua mãe, sendo que quanto mais cedo ocorrer essa interrupção, mais

generalizada e estrutural será a seqüela na formação da personalidade da criança.

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Este rompimento não só na relação mãe-filho, mas também do seu cotidiano, traz

repercussões para a autonomia da criança e seu transcurso de vida.

Neste sentido, devido à internação, as crianças interrompem seu

desenvolvimento e sua convivência familiar, sendo que esta experiência pode

acarretar conseqüências na independência desta e em seu cotidiano, pois uma

criança iniciando sua alfabetização, tem este processo de aprendizagem rompido,

bem como uma criança que já controla seus esfíncteres e devido à dependência

de cuidados que agora possui, regride, apresentando enurese, por exemplo.

Chiattone (2003) afirmam que a privação materna é aumentada quando

quem exerce os cuidados maternos para com as crianças é uma pessoa estranha,

pode-se dizer que, apesar de estarem sendo cuidadas em relação à higiene e

alimentação, estas apresentaram retardamento no desenvolvimento físico, social e

intelectual.

Spitz (1991) realizou estudos com crianças que foram distanciadas de suas

mães durante o segundo semestre após seu nascimento e ficaram sem um

substituto efetivo desta. Segundo o autor, estas crianças apresentaram regressões

graves, apesar de estarem sendo bem cuidadas por outra pessoa, no sentido de

higiene, alimentação, cuidados médicos, medicação, entre outros. Estas crianças

tiveram privação afetiva total (hospitalismo), o que levou a conseqüências como:

descontinuação do desenvolvimento psicológico, maior predisposição à infecção,

atraso no desenvolvimento motor, declínio do quociente de desenvolvimento e

taxa de mortalidade alta.

Crianças que foram internadas em instituições e tiveram privação afetiva

parcial (quadro de depressão anaclítica) apresentavam no primeiro mês um

quadro de choro; no segundo mês, gemidos, diminuição do peso e uma

estabilização no desenvolvimento; no terceiro mês apresentaram posição

patognomônica (bruços), recusa de contato, insônia, diminuição do peso corporal,

retardo no desenvolvimento, aparecimento de doenças intercorrentes e expressão

fácil rígida, e após este período a rigidez facial se consolida, o choro é substituído

por lamúria, aumento do retardo e letargia. Se este afastamento durar mais de

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quatro ou cinco meses os danos para a criança possivelmente serão irreversíveis

(SPITZ, 1991).

Em pesquisa realizada com crianças hospitalizadas no Hospital Brigadeiro

em São Paulo, constatou-se que a ausência da mãe ou familiares levam as

crianças, principalmente as menores de três anos, a se sentirem abandonadas,

sendo que geralmente as crianças de até seis meses ao sentirem-se sozinhas,

choram até adormecerem ou ficam assustadas, não querendo a aproximação de

outras pessoas. Posteriormente tornam-se sonolentas e indiferentes e, passado

este período, pioram, estando sujeitos a inclusive doenças orgânicas

(CHIATTONE, 2003).

Para o mesmo autor, as crianças de seis meses a um ano de idade

inicialmente choram muito, após alguns dias demonstram comportamentos

regredidos, ansiedade, insônia, buscam atrair a atenção de adultos, ficam tristes e,

posteriormente a este período, demonstram indiferença podendo até perder o

contato com o ambiente, reagindo pouco aos estímulos, apresentando

comportamentos auto-eróticos, tornando-se sonolentas e deprimidas (Ibid, 2003).

As crianças de um a três anos, apesar de terem capacidade de perceber a

separação, não conseguem elaborar as explicações que lhes foram dadas e nem

os acontecimentos, podendo reagir desesperadamente aos procedimentos

médicos, chorando até cansar, sendo muito difícil amenizar de maneira efetiva seu

sofrimento e posteriormente a isto podem entrar num quadro depressivo grave,

ficando caladas e agarradas a algum objeto pessoal. Já após os três anos é

possível se contornar e amenizar com maior facilidade a sensação de abandono

causada pela falta da mãe, pois estas crianças quando auxiliadas pelos adultos já

estão passíveis de compreender a situação de hospitalização, doença e

separação (CHIATTONE, 2003).

Desta forma fica claro que a experiência de hospitalização, bem como da

privação materna no leito hospitalar, são melhores manejadas e elaboradas pelas

crianças acima da faixa etária de três anos, pois já compreendem o mundo de

maneira menos fantasiosa e mais concreta, podendo abstrair melhor, as

informações que lhe são dadas.

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Para o autor citado, a criança que sofre com a privação materna durante a

hospitalização, fica angustiada, necessitando de amor, pensando em vingança e

posteriormente sente culpa e depressão. A maneira pela qual a criança reage a

estes sentimentos pode trazer conseqüências como distúrbios emocionais graves

e personalidade instável. Todas as crianças separadas da mãe podem sentir

conseqüências físicas, intelectuais, emocionais e sociais. As crianças menores de

dois anos, por exemplo, poderão apresentar seu desenvolvimento abaixo da

média, deixando de sorrir, reagir a estímulos, apresentando inapetência,

diminuição do peso corporal, distúrbios do sono, vocalizando menos e

apresentando apatia, caracterizando assim a depressão (Ibid, 2003).

Robertson (1957 apud CHIATTONE, 2003) relata as conseqüências da

separação materna para crianças de um a quatro anos hospitalizadas, sendo

dividida em três fases: fase do protesto, pois a criança chora, fica triste e luta para

recuperar sua mãe; fase de desespero, caracterizada por retraimento e diminuição

do empenho para recuperar esta mãe; fase do desligamento, pois a criança

diminui a afetividade e consentimento passivo de cuidados da figura substituta da

sua mãe.

Na pesquisa anteriormente citada, realizada no Hospital Brigadeiro em São

Paulo com crianças hospitalizadas, segundo Chiattone (2003), foi possível

observar um levantamento das conseqüências da privação materna em pacientes

sem acompanhantes, foram estas: angústia, carência afetiva, culpa, depressão,

distúrbios emocionais, sensação de abandono, inapetência, perda de peso

corporal, apatia, distúrbios do sono, depressão, diminuição da comunicação,

apreensão, personalidade instável, sentimentos de vingança, déficit no

desenvolvimento, comportamentos auto-eróticos, agressividade, infecções,

psicossomatizações, regressão no processo de maturação psicoafetiva.

Sartri (1975 apud NIGRO, 2004) complementa que essas reações são

acompanhadas de retardo no crescimento e desenvolvimento psicomotor,

dermatoses, problemas digestivos, variações de humor, desadaptação,

desorientação. Crianças que passam pela hospitalização podem experienciar

sentimentos de perda de controle em relação à doença e ao ambiente e, quando

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percebido pela criança, este sentimento pode interferir no seu desenvolvimento

infantil afetando a auto-estima e autoconfiança do paciente (CARPENTER e

COSTA; WHALEY, et al apud SOARES, 2001).

Para Chiattone (2003), além da privação materna o medo do desconhecido

é outro fator que atrapalha a adaptação da criança à internação. Nada ela tem

conhecimento, desde seu quarto, roupas, seus exames, sua alimentação, a equipe

que cuidará dela, enfim sua rotina na instituição, e é devido a esta desinformação

que a criança fantasia e aumenta seus temores frente a esta situação. Outra

conseqüência é a culpa que a criança pode sentir acreditando estar sendo punida

por algum comportamento inadequado, o que provavelmente atrapalhará seu

atendimento, pois ela se resigna aos cuidados médicos. As crianças

hospitalizadas devem conviver com as limitações de atividades devido a sua

enfermidade e a estrutura física da instituição, lhe faltando assim estimulação o

que, conseqüentemente, acarretará num rompimento no seu desenvolvimento.

Outro dado relevante é quanto à intensificação do sofrimento através de

procedimentos médicos invasivos e condutas agressivas.

Ainda sobre os fatores que dificultam o ajustamento da criança à internação

hospitalar, Chiattone (2003) relatam sobre a despersonalização, a mutilação do

“EU”, o despojamento do exercício de ser criança, de maneira não intencionada,

mas que acaba ocorrendo na hospitalização através da proibição de visitas, da

utilização das roupas do hospital, das ordens a seguir, enfim uma modificação

pessoal, podendo ainda ocorrer desfiguração física, sentindo insegurança quanto

a sua integridade física e se angustiando devido a esse desfiguramento.

O mesmo autor aponta que não se deve levar em consideração apenas

estes aspectos, mas fatores como a idade da criança, sua situação psicoafetiva,

relacionamento prévio com a mãe ou substituta, a personalidade do paciente, sua

capacidade de se ajustar, as atitudes da equipe, as rotinas da instituição, as

experiências durante a hospitalização, duração do internamento, o tipo de

internação e a natureza da doença. Estes fatores serão descritos a seguir:

� Idade: entre os dois e os cinco anos a criança compreende melhor o

processo de hospitalização e doença, mas lida com pobres recursos para

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elaborar as vivências. Portanto é a faixa etária que mais traz conseqüências

negativas desta experiência;

� Psicoafetividade: dependendo da situação, da estrutura psicoafetiva do

paciente no momento da doença e da internação, as conseqüências

negativas serão maiores ou menores;

� Relacionamento prévio com a mãe ou substituta: através de um

relacionamento seguro e equilibrado com a mãe ou substituta o paciente

sofre menos, se restabelecendo mais rápido e apresentando poucas

seqüelas negativas pós-hospitalização;

� Personalidade: a equipe de saúde, para intervir de forma a trabalhar as

conseqüências negativas da hospitalização, deve conhecer as

singularidades, as características inerentes de cada criança;

� Adaptação: a capacidade do paciente para o enfrentamento de situações

desconhecidas deve ser considerada, pois crianças mais seguras, com um

melhor relacionamento prévio com a mãe ou substituta demonstram criar

mais estratégias para conviver com a experiência de hospitalização;

� Atitudes da equipe: uma equipe de saúde que não compreende a criança

como um ser doente e só enxerga a doença, sendo pouco flexíveis e

carinhosos, deixarão maiores seqüelas nestes pacientes;

� Rotina: profissionais da área da saúde que desconsideram aspectos

biopsicossociais, que são rígidos, que tem sobrecarga de trabalho, que são

desinteressados e pouco humanos com seus pacientes infantis auxiliam

nas seqüelas negativas que as vivências hospitalares acabam acarretando,

pois esquecem de dar explicações coerentes com o desenvolvimento da

criança, quanto aos procedimentos médicos e quanto a participação ativa

destas em seu tratamento. As rotinas hospitalares são geralmente absurdas

e pouco flexíveis;

� Experiências durante a hospitalização: se a criança vivenciar, por exemplo,

procedimentos médicos invasivos, separação materna, dor e sofrimento,

poderá obter conseqüências graves desta experiência. Porém, se possível,

a situação contrária minimizará o sofrimento deste paciente;

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� Duração: o tempo de internação é outro fator a ser considerado, pois nos

primeiros dias a criança se angustia e sofre mais. Passado este período o

paciente demonstra erroneamente estar adaptado à hospitalização, pois

apenas aprende a conviver. Após, em média quatorze dias, a criança

anseia pela sua melhora (generalizando quatorze dias seria o prazo

máximo para internação);

� Tipo de internação: com certeza uma internação de emergência devido ao

medo, dor, ansiedade, insegurança e procedimentos agressivos é muito

mais traumático do que uma internação mais tranqüila, pois a criança e sua

família dispõem de mais tempo para elaborar a situação de internamento;

� Natureza da doença: um paciente sofrendo com uma enfermidade terminal,

convivendo com situações difíceis no hospital e tendo uma família ansiosa

e desesperada pela possível perda, trará maiores seqüelas negativas do

que uma criança portadora de uma patologia mais simples e com rápido

restabelecimento (CHIATTONE, 2003).

Correia, Oliveira e Vieira (2003), relatam que uma criança que está

gravemente doente está hostil consigo e no lugar da raiva pela hospitalização está

o sentimento de perda e depressão devido ao esforço de elaborar o fim da saúde.

Quando a criança sente-se ansiosa, com medo e sentimento de culpa, é possível

que ocorram alterações no seu autoconceito e auto-imagem. As crianças para se

protegerem do ambiente hospitalar podem ficar apáticas, isoladas, tristes,

hipoativas e com sentimento de impotência.

O contexto hospitalar supõe vivências de emoções de sofrimento e morte,

procedimentos dolorosos, rotinas limitadoras, o que pode ser experienciado pela

criança como castigo, agressão ou abandono. Neste contexto, todas as crianças

hospitalizadas passam a viver o desconhecido, o incontrolável e o estranho

(SANTOS e cols.,1984).

O hospital leva a criança a experimentar sentimentos paradoxais, pois para

Correia, Oliveira e Vieira (2003), as crianças chegam ao hospital sem terem sido

preparadas por seus pais a respeito do contexto hospitalar, nem mesmo sobre a

separação familiar, o que leva às fantasias de abandono. Mas ao mesmo tempo,

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existe também a perspectiva de cura e a ausência de dor, que permitem às

crianças acreditarem que o hospital é um bom local, uma vez que recebem

atenção e se sentem cuidadas.

Atualmente questões referentes à hospitalização infantil se modificaram de

modo a criarem serviços especializados em pediatria. A preocupação com a

anestesia e analgesia pediátrica, por motivo de reconhecerem as especificidades

das manifestações da dor infantil, a presença de educadores e professores, o

acompanhamento de um familiar e a preocupação em reduzir ao mínimo os

períodos de isolamento, mudaram a experiência de hospitalização, pois

anteriormente as crianças ficavam separadas do ambiente familiar e de seus

familiares, o período de internação era geralmente estendido, as crianças

permaneciam o máximo de tempo na cama, sem movimentação e anestesias e

analgesias eram dificilmente utilizadas (BARROS, 2003).

Sabe-se da necessidade em se estudar os efeitos negativos e positivos da

hospitalização, tanto durante quanto após esta, com a finalidade de evitar os

efeitos prejudiciais da internação. Neste sentido, a perturbação comportamental

em curto prazo quer seja demonstrada por agressividade, ansiedade ou regressão

pode levar a problemas futuros quando a criança venha experienciar novamente

situações parecidas com a que viveu (Ibid, 2003).

A mesma autora percebe que muitas das conseqüências da hospitalização

só serão claramente compreendidas como problemas após a criança ter saído do

hospital, já em casa, quando retorna ao seu cotidiano, podendo ser citados como

exemplos, uma maior necessidade de atenção dos pais, a regressão em alguns

hábitos de autonomia e higiene, demonstrando estar mimada e fazendo birras e

estes comportamentos podem evoluir negativamente, no caso dos pais não

lidarem de forma adequada de modo a incentivar a criança a ter autonomia ou

quando os pais entendem estes comportamentos como maldade e punem a

criança.

A hospitalização infantil é uma experiência que sugere seqüelas emocionais

e orgânicas nas crianças, porém, experienciar o enfrentamento da enfermidade e

internação não causa somente conseqüências negativas, pois oportuniza a

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criança adquirir padrões comportamentais mais adaptativos, sendo esta

experiência estendida para outras situações da vida da criança, também pode

levar as crianças a obter sentimentos de esperança quanto à cura de sua doença

e ausência de dor, representando o hospital como um lugar onde recebe atenção

e cuidados. A hospitalização pode também proporcionar aos pacientes maiores

conhecimentos sobre seu corpo e doença; conhecimentos sobre as profissões da

área da saúde; habilidade de enfrentamento; capacidade de autonomia permitindo

participar de maneira mais ativa nas decisões que o afetam.

Para Barros (2003), deve-se levar em consideração as características

inerentes às crianças, como sua idade, desenvolvimento, estilo de confronto,

experiências anteriores, características de sua doença, condições de atendimento

durante a hospitalização e o acompanhamento pós-hospitalização. Quanto à sua

idade e desenvolvimento, pode-se dizer que esta experiência é mais perturbadora

dos seis meses aos quatro anos de idade, pois é mais problemático devido à

separação dos pais, a quebra dos cuidados educativos e os tratamentos serem

piores elaborados que por crianças maiores. Os bebês menores de seis meses,

por ainda não estabelecerem vínculos fortes, sofrem menos com uma separação

breve dos pais. Em suma, pode-se perceber que o nível de desenvolvimento

cognitivo e sociocognitivo determina o tipo de vivência, pois as crianças maiores

são menos afetadas pela hospitalização, uma vez que compreendem melhor este

processo, a noção de tempo, seqüência e causa dos fatos, além de possuírem

mecanismos de confronto mais complexos.

As estratégias que a criança utiliza para lidar com situações novas e

aversivas vão depender de variáveis como suas experiências anteriores de

separação, como de dormir na casa de parentes e experiências com

hospitalização, pois as conseqüências são menores se ocorrer apenas uma

hospitalização com duração menor que uma semana; vão depender também das

características da doença, como sua gravidade e o grau de dor provocada e as

condições de atendimento durante a hospitalização, através de programas de

informação e de preparação, a fim de se diminuir os impactos da hospitalização

(BARROS, 2003).

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Para Ceccim e Carvalho Oliveira (1997) quando o curar e o cuidar

constituem-se exclusivamente da técnica e do olhar do profissional sobre a

criança, estrutura-se um processo pedagógico em que é o outro que possui o

conhecimento, diminuindo a potência de ação do conhecimento e sua produção de

uma positividade à doença e hospitalização.

Stern, 1986 (apud CECCIM e CARVALHO, 1997) acredita que não existe

uma verdade subjetiva a ser desvelada ou uma regulação a ser sugerida ao se

experienciar a doença e a hospitalização, mas que se deve dividir estas

experiências, criando assim referenciamentos. Ceccim e Carvalho (1997)

complementam que a influência social auxilia nas aprendizagens e ajustamentos

positivos e faz com que se aceite que as necessidades particulares de cada

criança, decorrentes da sua relação com seu meio, estão implicadas no seu modo

de enfrentamento da enfermidade e da hospitalização. Sugere-se que é a escuta

apropriada que permite um saber e um fazer de maneira a produzirem a

assistência necessária.

Correia, Oliveira e Vieira (2003) afirmam que a criança hospitalizada possui

grande capacidade de observar e captar situações que ocorrem com ela e seu

meio, revelando perspicácia em perceber os fatos que os adultos tentam

esconder, inclusive questões relacionadas à morte, sendo que omitir ou mentir

sobre esses fatos, que a criança consegue perceber, faz com que esta se

confunda e se refugie no silêncio.

Se os familiares, bem como a equipe de saúde ocultarem informações da

criança sobre seu diagnóstico e prognóstico, é possível com que a mesma crie

idéias fantasiosas sobre seu estado e faça isto em silêncio, já que não percebeu

possuir um canal de comunicação aberto para poder sanar suas dúvidas quanto à

sua saúde e seu futuro.

É importante lembrar que a hospitalização é uma experiência nova para a

criança e que precisa ser elaborada, sendo que ela só ocorre quando surge algum

quadro grave ou doença, ocasionando nos familiares, na equipe de saúde e na

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própria criança diferentes reações e formas de compreender o processo de

adoecer, que necessitam ser conhecidas.

2.3 Representação de saúde/doença/terminalidade

Segundo Campos (1995), a Organização Mundial de Saúde caracterizou

saúde como um estado de completo bem estar físico, psíquico e social, não como

apenas ausência de doença. Estar saudável significa estar em harmonia com o

meio físico e social, pois para se obter saúde é necessário se obter condições

econômicas, ambientais, habitacionais e educacionais.

Para Segre e Ferraz (1997), este conceito de saúde está ultrapassado e se

caracteriza como não fidedigno à realidade, podendo ser constatado na frase em

que se diz: “estado de completo bem estar físico”, pois a perfeição não é definível.

Este termo é um conceito pessoal adquirido através de valores e crenças, deste

modo não é possível avaliar, mensurar estatisticamente, este completo bem estar.

A definição da Organização Mundial de Saúde está ultrapassada também

por destacar o físico, o mental e o social, pois se sabe que fatores emocionais

podem interferir na saúde através das somatizações e que não é possível separar

mente e corpo, estando aspectos sócias também correlacionados, podendo até se

falar em uma suposta unidade “sócio-psicossomática”.

Pode-se perceber que o conceito de saúde segundo a Organização Mundial

de Saúde está desatualizado, no sentido de que estar completamente bem é

quase impossível, em que este completo bem estar depende de crenças

individuais, não podendo desta forma se mensurar tais crenças, bem como de que

fatores emocionais estão correlacionados com a saúde do indivíduo, então não se

pode separar aspectos orgânicos do estado geral do indivíduo, pois um aspecto

interfere no outro.

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Chiattone (2003) afirmam que é difícil falar em saúde sem citar doença, pois

o conceito de saúde está relacionado à não estar doente. Porém, não se obtêm

saúde apenas ao combater uma doença, pode-se falar em saúde quando se

ampliam as prioridades da população; promove justiça social; distribui a

assistência à população; desenvolve programas de saúde para os profissionais

obterem uma visão mais de acordo com a realidade da população. O conceito de

saúde também está relacionado com a cultura da população somado a fatores

interpessoais, o que faz que esta representação de saúde esteja ligada ao “estado

de bem-estar físico, mental e social”.

Neste contexto pode-se falar em promoção de saúde, a qual, para Clarck

(apud CZERESNIA, 2004), constitui a atenção primária em medicina preventiva.

Esta iniciou devido à necessidade do governo em controlar as despesas com

assistência médica e a acentuada medicalização (BUSS, 2004). A promoção em

saúde diminui as responsabilidades do Governo quanto à saúde de seus

cidadãos, pois delega a eles esta responsabilidade, o povo deve tomar conta de si

(LUPTON e PETERSEN apud CZERESNIA, 2004).

Existe diferença entre prevenção e promoção de saúde. Prevenir é

preparar, evitar, impedir (FERREIRA apud CZERESNIA, 2004). A prevenção em

saúde, para Czeresnia (2004), pode ser caracterizada por ações preventivas,

intervenções a fim de evitar patologias específicas, diminuindo a incidência e a

prevalência nas populações.

Conforme Ferreira (apud CZERESNIA, 2004), promover saúde é dar

impulso, originar, gerar. Promoção em saúde é buscar ampliar a saúde e o bem-

estar geral populacional, não se referindo a uma específica doença. Neste sentido,

a medicina preventiva busca evitar as doenças, através da prevenção primária;

controlar a patologia, através da prevenção secundária e reabilitar o doente,

através da prevenção terciária (BUSS, 2004).

Segundo Buss (2004), promover saúde, num sentido amplo, é originar

qualidade de vida através de uma alimentação adequada; habitação; saneamento

básico; abastecimento de água; boas condições de trabalho; oportunidades de

ensino; ambiente limpo; apoio social para o sujeito e seus familiares; um estilo de

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vida responsável; atenção materno-infantil; imunização; prevenção; controle e

tratamento de doenças; distribuição de medicamentos básicos e cuidados

apropriados com a saúde.

Ao se falar em saúde lembra-se de doença. Para Czeresnia (2004), a

doença constitui-se a partir de uma diminuição do corpo, compreendido a partir de

questões morfológicas e funcionais, as quais são definidas através da anatomia e

fisiologia. A doença seria então externa e anterior as alterações concretas do

corpo dos enfermos, porém o estado de saúde e de adoecimento é impossível de

ser significado apenas pela palavra, pois a experiência de adoecer é subjetiva e o

conceito de doença é objetivo. Por mais que este conceito seja explicativo, não é

competente a ponto de explicar o fenômeno na sua integridade, ou seja, não

representa a realidade.

A criança, ao vivenciar a enfermidade experimenta movimentos

psicoafetivos, como: 1. a regressão que geralmente acompanha a doença, pois há

uma relação de cuidados corporais e de dependência; 2. o sofrimento vivenciado

por sentimento de falta, culpa e punição; 3. o acometimento do esquema corporal

com o sentimento freqüente de corpo imperfeito, frágil ou defeituoso; 4. a morte,

da qual a criança e a família pouco falam (AJURIAGUERRA e MARCELLI, 1986).

Neste sentido através de experiências de estar doente, o paciente infantil regride

em seu desenvolvimento, voltando a chupar o dedo, apresentando enurese, por

exemplo; pode sentir falta de seu cotidiano, seus familiares e amigos, sentir-se

culpado quanto a sua doença e/ou punido por algo de errado que cometeu; pode

também acreditar que seu corpo é frágil e/ou imperfeito, bem como vivenciar

sentimentos relacionados a sua morte.

Segundo Lewis e Wolkmar (1993), as reações das crianças frente a um

quadro de doença dependem, em grande parte, de seu nível de desenvolvimento

e da reação dos pais, que podem reagir tanto de maneira adaptativa quanto

inadaptativa.

As crianças menores possuem uma tendência de interpretar que a doença é

um castigo por algo de errado que elas cometeram, podendo este erro ser real ou

imaginário.

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Moreira e Dupas (2003) realizaram uma pesquisa em São Paulo, com vinte

e sete crianças na faixa etária de sete a doze anos. Esta amostra foi dividida em

dois grupos de crianças, o primeiro grupo com crianças hospitalizadas e o

segundo grupo com crianças saudáveis de uma escola, a fim de esclarecer a

concepção que as crianças possuem sobre saúde. Foi possível constatar que para

o primeiro grupo saúde é um estado de plenitude e que procuram obter saúde

cuidando do corpo, se alimentando bem, portanto projetam em si mesmos a

responsabilidade. Já no segundo grupo saúde é a condição primordial para se

viver, sem estar saudável nada é possível, porém também é preciso cuidar da

higiene e da alimentação. Pode-se perceber que, em ambos os grupos, as

crianças acreditam serem responsáveis por sua saúde, pois estar saudável só

depende de seus atos.

Sobre a representação que as crianças possuem sobre doença, Crepaldi

(1999), afirma que os pais auxiliam na construção desta representação a partir de

tudo que viram e ouviram de doenças, imagens e significações que acumularam

sobre o processo de adoecer. O que caracteriza que uma criança está enferma é

o estado de prostração, prejuízo no desenvolvimento, aparecimento de sintomas e

a incapacidade de brincar, sendo que a enfermidade pode ser acentuada por

sintomas psicológicos.

Gratz e Piliavin (1984 apud GABARRA e NIEWEGLOWSKI, 2005) afirmam

que o significado que a criança atribui à doença vai depender da natureza desta,

da sua idade, sua habilidade para compreensão do fenômeno, experiências

anteriores e a situação familiar. A concepção que as crianças possuem sobre

doença, segundo a pesquisa de Moreira e Dupas (2003), é de que as crianças

saudáveis acreditam que o conceito de doença está ligado ao impedimento em

realizar algo que gosta ou que faz parte do seu dia-a-dia. Já para as crianças

hospitalizadas a doença é algo que as separa de sua família e dos amigos, que

acarreta numa quebra brusca de suas atividades diárias e que a afasta de casa.

De acordo com pesquisa realizada no Rio de Janeiro, com crianças na faixa etária

entre cinco e onze anos, Oliveira (1997) afirma que as crianças hospitalizadas

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representam a doença como dor, evento concreto, modificação do comportamento

habitual, ameaça à integridade física e medo ou vivência de morte.

As crianças hospitalizadas representam o hospital como desconhecido,

estranho; sem nada legal; sem possibilidade de atividade ao ar livre; local que se

proíbe o brincar; que evita a morte em casa; lugar de torturas, agressões físicas

com intenções punitivas; solidão, tristeza, saudade e anonimato. Quanto a relação

dos pacientes pediátricos com os profissionais da saúde é representada como

despersonalizada, anônima; infantilizante; autoritária, desqualificante. Já as

representações da família e amor parental são representadas pela família do tipo

nuclear; a mãe em todos os eventos; o pai, alvo de amor; laços familiares

extensivos. Sobre as representações de exclusão do brincar, os pacientes

remetem brincar como compreensão; avaliação; expressão e vida (SIKILERO,

MORSELLI e DUARTE, 1997). Desta forma, as crianças compreendem o hospital

de modo realista como quando representam esta instituição como desconhecida,

mas também fantasiam, no sentido de relacionarem este local responsável por

agredi-las a fim de punirem seu comportamento inadequado.

Barros (2003), afirma que a construção dos fenômenos relacionados à

saúde, doença e morte, é determinada pelo desenvolvimento cognitivo da criança,

de acordo com Piaget. A seguir estão descritos alguns conceitos sob esta

perspectiva:

Quadro-síntese dos estudos desenvolvimentais sobre conceitos de doença e

saúde (BARROS, 2003, p.42).

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Pré-operatório Operatório Formal

Bibace e Walsh, 1979 1. Fenomenismo: a doença é definida em termos de experiência sensorial externa associada com a doença por contigüidade espacial ou temporal, mas sem relação lógica com a mesma. Explicação mágico-fenomenológica. 2. Contágio: a doença é explicada em termos de pessoas, objectos ou acontecimentos exteriores, e sem definir a relação entre estes e a doença. Mas as causas invocadas são mais próximas da pessoa e apropriadas à doença. A continuidade anterior transforma-se em proximidade temporal (algo que antecede), ou espacial (algo, que está próximo, mas não toca necessariamente).

3. Contaminação: a definição da doença já inclui sintomas múltiplos. O locus da doença é a superfície do corpo, mas com referência a processos internos que se percepcionam exteriormente. Existe uma relação causal concreta entre o agente externo e os efeitos no corpo (falta de higiene, quebra de regras). 4. Interiorização: a doença é localizada no interior do corpo. A definição centra-se nos processos de interiorização (entrada de micróbios no corpo). A compreensão do funcionamento dos órgãos internos é feita por analogia com objectos ou acontecimentos exteriormente perceptíveis.

5. Fisiológico: compreensão da doença em termos de estruturas e funções internas cujo mau funcionamento se manifesta exteriormente em sintomas que podem ser múltiplos e diversificados. Estabelecimento de hipóteses sobre a relação entre o meio físico e os sistemas/órgãos internos. 6. Psicofisiológico: continua a explicar a doença em termos de funcionamento fisiológico interno. Mas existe a consciência de uma etiologia alternativa, isto é, de origem psicogénica ligada a pensamentos e sentimentos.

Perin e Gerrity, 1981 1. Não sabe. 2. Resposta circular, mágica ou global; a doença é definida só por associação com acontecimentos ou fenômenos sensoriais, sem articulação do vínculo causal.

3. Definição concreta, rígida, estereotipada, com enumeração de sintomas, acções, situações ou regras associadas à doença. Menção de um ou mais agentes causais externos, sem referência ao processo de adoecer. O sujeito é vítima da doença, sem ter a possibilidade de a controlar. 4. Resposta mais geral, incluindo não só o agente causador da doença mas também o processo de interiorização. Centração nos micróbios como agentes primários. O agente externo

5. Reconhecimento de alguma relatividade nas causas da doença e do papel do hospedeiro activo para além do agente causador. 6. Descrição de um mecanismo coerente de disfunção fisiológica, operando no corpo para causar doença. Existe compreensão da função dos órgãos internos em interacção com os agentes externos.

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produz uma causa única e previsível, sem que o organismo intervenha.

Simeonson, Buckley e Monson, 1979 1. Conceitos indiferenciados, mágicos, supersticiosos, ou reflectindo circularidade de raciocínio e confundido causa e efeito.

2. Conceptualização da doença em termos concretos e específicos. Enumeração de actos, acontecimentos ou regras, na ausência de um princípio específico.

3. Definição centrada num princípio generalizador ou abstracto, compreensão do processo de doença e dos múltiplos factores causais, para além de actos, acontecimentos ou quebra de regras específicas.

Barrio, 1990 1. Mero reconhecimento ou enumeração de situações de doença, sem reflexão sobre o fenômeno. Referência a um caso anedótico baseado numa ou mais doenças já experienciadas, enumeração de sintomas.

2. Início de definições parcialmente lógicas, que aludem a alguma parte do processo de doença, mas sem chegar a definir a doença de modo abstracto, nem relacionar com todos os aspectos da mesma. Consegue fazer uma classificação baseando-se numa única característica da doença ou define a doença por características gerais, mas que não são exclusivas da doença. 3. A definição avança no sentido de maior organização. Tem em conta os diferentes aspectos da doença, mas ainda não se refere à totalidade ou ao processo.

4. Compreensão totalmente lógica, caracterizando a doença como um processo fisiológico ou psicológico por meio de termos abstractos. Menciona causas, sintomas, mau funcionamento interno e conseqüências. É uma resposta exaustiva do ponto de vista lógico, descrevendo qualitativamente um processo sobre o qual se reconhece não ter toda a informação.

Brewster, 1982 1. A doença resulta de uma acção humana negativa.

2. Reconhecimento de uma causa única para um conjunto alargado de doenças. As doenças são causadas por agentes externos (micróbios) e não por uma ação humana directa.

3. A doença tem causas múltiplas que interagem entre si, entre as quais se encontra o próprio papel do organismo.

Whitt, 1982

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1. Reconhecimento dos órgãos internos, mais perceptíveis (ossos, esqueleto, coração, intestinos).

2. Reconhecimento progressivo de um maior número de órgãos internos e de sistemas (respiratório, urinário, reprodutivo). Melhor capacidade de imaginar o funcionamento interno do organismo.

3. Possibilidade de pensar abstractamente sobre a doença em termos de estruturas fisiológicas e sistemas internos cuja definição se manifesta de múltiplas formas.

Mesmo assim há divergências quanto à aquisição dos conceitos de saúde e

doença para as crianças, parece que este processo inicia na fase pré-operatória, o

que não está de acordo com a passividade observada nos serviços de saúde

(PEROSA, et al, 2006).

Segundo Oliveira (1993), as crianças relatam o surgimento dos sintomas

quando estes causam dor ou modificam seu comportamento diário como, por

exemplo, não poderem andar. Para Crepaldi (1999), as representações dos pais

sobre o que causa a doença da criança variam entre fatores endógenos

(intrínsecos), exógenos (origem fora do indivíduo) e aqueles ligados aos pais.

Fatores endógenos:

Ψ Os pais acreditam que a causa da doença vem de problemas decorrentes

do nascimento.

Fatores exógenos:

Ψ Agentes externos ao homem, geralmente presentes no ambiente, são a

causa da doença.

Fatores ligados aos pais:

Ψ Os pais atribuem a causa da doença a eles, gerando culpa, pois

acreditam que poderiam ter evitado a doença;

Ψ Os pais podem acreditar que são portadores de um fator hereditário

nocivo, que a causa da doença é devido a falta de condições financeiras,

separação conjugal, mudança de condições de vida. Mas a representação mais

freqüente dos familiares é a combinação desses fatores.

Segundo Ajuriaguerra e Marcelli (1986), são comuns as reações de

angústia, confusão e pânico dos pais durante o período da doença. No início da

enfermidade os pais se preocupam com o diagnóstico e suas possíveis

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complicações, sendo muito freqüente teorias etiológicas fantasiosas, em que

negam ou supervalorizam a hereditariedade. As reações defensivas fundamentam

a constante culpabilidade familiar, por atitudes apresentadas em todas as doenças

crônicas: superproteção ansiosa, rejeição, negação da doença ou do papel dos

médicos, passando por estes até, nos melhores casos, aceitar de forma

complacente e realista a doença.

Segundo Crepaldi (1999), os pais utilizam o nome da doença como ponto

de partida para estabelecerem estratégias de ação e para se sentirem mais

seguros para agir, sendo que geralmente definem a doença através dos sintomas.

Os pais se preocupam com a causa da enfermidade, fazendo escolhas através de

suas experiências de vida, em que conhecer a doença é uma maneira de aliviar a

culpa que a doença traz.

Oliveira (1993), relata que a mãe é o familiar mais próximo do filho que está

enfermo, sendo ela quem identifica os sintomas como sendo uma doença. A mãe

geralmente é a cuidadora quando um filho adoece e através de sua preocupação

ou desespero comunica aos filhos a gravidade de sua enfermidade. Isto faz com

que a mãe represente uma fonte de identificações amorosas intensas e primitivas.

Este fato decorre da expansão gradual da função materna ou porque a relação de

afeto mais importante das crianças é com as suas mães, sendo que o pai assiste

a criança doente de maneira indireta, pois geralmente não é ele quem cuida da

criança doente e sim apóia e incentiva as decisões da mãe. Atualmente, porém,

está surgindo um pai que procura compartilhar com as mães “o amor pelo filho e o

sacrifício de si”.

Quando a criança adoece a família também fica doente, podendo ser

conseqüência da situação que se configurou a partir da enfermidade da criança:

doença orgânica e/ou psicológica. A doença pode provocar revolta e a atribuição

de culpa nos cônjuges. Se a doença for grave, os familiares se deparam com um

questionamento existencial, cuja causa da doença está quase sempre relacionada

com o fatalismo, vontade divina, ficando propensos à resignação. Os familiares

têm essa necessidade de atribuir sentido para a doença, encontrar uma razão

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para a aquisição da mesma, sendo que a doença grave coloca o homem em

contato direto com a sua finitude e possibilidade de morte (CREPALDI, 1999).

Para Ajuriaguerra e Marcelli (1986), se a enfermidade for fatal, o segredo e

o silêncio dos pais e médicos faz com que a criança perceba a gravidade de seu

prognóstico. O comportamento contrário, ou seja, a frieza utilizada no

esclarecimento do prognóstico se configura, na maioria das vezes, como um

mecanismo defensivo do médico.

Sobre as reações emocionais diante da morte, Flores (apud KOVÁCS,

1992) afirma que os temores frente à morte são interrupção da vida, perda da

existência, aniquilamento, desaparecimento, perda da individualidade, do brilho,

do vigor, do movimento vital, sensação física ou moral desagradável. Além do

medo da morte as crianças demonstram medo do tratamento e do sofrimento,

sentimentos estes aumentados pela separação das pessoas, especialmente

familiares.

Muitos adultos negam-se a conversar com as crianças sobre a finitude.

Ocultar a verdade sobre a morte faz com que as crianças se sintam enganadas ou

com que acreditem que as consideraram ingênuas. As crianças estão em contato

direto com o seu corpo e mesmo não lhes sendo avisado sobre a gravidade de

sua enfermidade, muitas apresentaram obter esta percepção de morte (KOVÁCS,

1992).

Para Torres (apud KOVÁCS, 1992), é possível estabelecer uma relação

entre o desenvolvimento cognitivo da criança e o seu conceito de morte, pois no

período pré-operacional as crianças não distinguem objetos inanimados de objetos

animados, não negam a morte e nem a percebem como definitiva e irreversível.

No período das operações concretas as crianças já diferenciam objetos

inanimados de objetos animados, percebem a morte como irreversível, porém não

respondem logicamente a causalidade da morte. Já no período das operações

formais as crianças reconhecem a morte como um processo interno, o que

provoca uma parada das atividades do corpo, já atribuem explicações lógicas e

causais da morte, pois esta é vista como fazendo parte da vida.

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Ao falar da sua doença, as crianças relatam o poder médico como sendo o

que as despoja da subjetividade e as extingue da experiência de adoecer. Se

durante os procedimentos médicos ocorrer violência física e nas relações

interpessoais ocorrer violência psicológica, a hospitalização marca e rompe todos

os níveis da vida do paciente, sendo que as crianças desconhecem o ato médico,

este aparece como sendo marcado por intervenções invasivas que estão

associadas a punições e dificilmente são associadas a cura de sua enfermidade

(OLIVEIRA, 1993).

Ser sujeito de uma doença, para quem quer que seja, é um fato injusto e

que necessita de sentido, de compreensão, isto é, precisa ser explicado

(SINDZINGRE, 1971 apud CREPALDI, 1999).

Como foi possível observar, a doença provoca reações em todos os

envolvidos (família, paciente e equipe de saúde), sendo importante compreender

os familiares, principalmente os pais do paciente, uma vez que agem a fim de se

adaptarem ao processo de hospitalização decorrente de uma doença, bem como

os seus sentimentos frente a este momento novo que é vivenciado.

2.4 A doença e a hospitalização infantil e sua relação com o ciclo vital

familiar

Quando um familiar adoece, o ciclo vital da família se modifica, afetando o

relacionamento e a comunicação entre os familiares (BOUSSO, 1999 apud

GABARRA e NIEWEGLOWSKI, 2005). A instabilidade pertencente à crise

provocada pela doença de algum familiar exige uma reorganização dos vínculos

familiares, pois o impacto da hospitalização modifica a rotina e o comportamento

da família (GABARRA e NIEWEGLOWSKI, 2005). Desta forma, a hospitalização

de um familiar acarreta modificações na vida da família, em que esta não possui

tempo ou coragem para abordar assuntos relacionados com o estado do familiar

enfermo, ocasionando uma crise, que obriga uma reorganização na rotina desses

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familiares, no sentido de, por exemplo, ter que dispor tempo para cuidar do familiar

hospitalizado.

Se ocorrer uma doença grave ou morte do paciente, acarretará

modificações no ciclo familiar. Para Brown (1995), negar a morte funciona de

modo a manter no inconsciente a sua casualidade e as suas conseqüências,

possuindo uma função positiva nas famílias de doentes em estado terminal, pois

faz com que mantenham esperança de sobrevivência. A reação comum é de se

distanciar da realidade possível de morte e deixar que os especialistas no assunto,

os médicos, se preocupem com isto. As famílias, a fim de manterem o equilíbrio

estabilizado, podem reagir de maneira pouco perturbadora e disruptivas.

Para a referida autora, influenciam no impacto da morte e doença grave no

sistema familiar fatores como:

• O contexto social e étnico da morte: durante anos eram as

mulheres que cuidavam dos enfermos e suas famílias, agora com

as mulheres no mercado de trabalho, acorreram mudanças no

papel familiar e não estão dispostas a realizar tudo sem ajuda; a

mudança nos métodos de atendimento de saúde para lidar com a

morte, pois a responsabilidade dos cuidados e as decisões que

anteriormente era incumbida aos médicos, passa para os familiares;

a influência étnica, pois dependendo da etnia fica mais fácil manejar

a perda de alguém; a história de perdas anteriores, pois se a família

passou por perdas anteriores que não soube como lidar irá dificultar

o manejo da perda atual;

• O momento da morte no ciclo de vida: geralmente quanto mais

tarde no ciclo vital ocorrer à morte ou a doença grave, menor o

estresse, pois são considerados processos naturais da vida.

Portanto, pode-se concluir que a morte de uma criança parece não

fazer parte do ciclo de vida familiar. O acontecimento de morte ou

doenças grave em familiares que estão na plenitude da vida

provoca uma maior quebra familiar, rompendo com o

funcionamento desta família, impedindo que a família complete

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suas tarefas do ciclo de vida. Contudo, com a morte de uma criança

isto não é possível perceber, pois a criança não possui

responsabilidades para com esta família. Este fato é mais drástico

para a família, já que a criança geralmente é o foco emocional mais

importante da família. Os efeitos da morte de um filho hospitalizado

podem ser a separação de 70%-90% dos casos, fato constatado

por (KAPLAN e cols; PAYNE e cols; SCHIFF; TEITZ e cols, apud

BROWN, 1995). Já os irmãos desta criança podem apresentar

dificuldades escolares, comportamentais, somatizações, depressão

e até suicídio (KAPLAN e cols; PAYNE e cols apud BROWN, 1995);

• A natureza da morte: dependendo de sua natureza, a morte fica

mais difícil de ser elaborada pela família. Pois com as mortes

súbitas a família está totalmente despreparada, não possuindo

tempo para despedidas, não há nenhum luto antecipatório e sim um

choque familiar, porém neste tipo de morte existe a vantagem de

não existir história de períodos de estresse;

• A franqueza do sistema familiar: as dificuldades de adaptação em

longo prazo relacionadas à morte podem se originar pela falta de

franqueza na família, pois a capacidade de expressar os

sentimentos está relacionada à intensidade e duração do estresse.

Quanto maior for a demora e a intensidade do estresse, mais difícil

será para os familiares agirem com franqueza;

• A posição da família da pessoa em estado terminal ou que morreu:

quanto maior a importância dessa pessoa para o sistema familiar,

maiores seus efeitos. Esta família pode apresentar uma ruptura no

seu equilíbrio e a negação da dependência emocional, mesmo

quando esta dependência é grande. De maneira geral, quanto

maior a posição do familiar, maior será a reação emocional da

família;

• Intervenção de tratamento familiar: de todos os seis fatores que

interferem na adaptação familiar, o único que a família e seu

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terapeuta não conseguem modificar é a franqueza no sistema

familiar. Deve-se considerar a família no contexto, realizando uma

avaliação para saber qual o verdadeiro impacto da doença ou morte

nesta família; deve-se utilizar terminologia e informações francas,

pois utilizar termos subjetivos para a morte não remete franqueza;

deve-se também estabelecer pelo menos um relacionamento franco

no sistema familiar, trabalhando com o familiar que está menos à

vontade, que pode estar mais motivado para modificar seu papel no

processo; o terapeuta tem que respeitar a esperança de vida e de

viver, os familiares podem avançar e retroceder em estágios; o

profissional deve permanecer humano, não deve tratar a morte

como um assunto difícil de ser trabalhado, mas também não pode

ser frio, sem emoções; deve-se lidar com os sintomas de estresse;

cabe ao terapeuta reconhecer e encorajar a família a utilizar seu

próprio estilo, costumes e rituais para lidar com a morte, estando de

acordo com sua religião ou crença.

• Intervenção no luto não resolvido: muitas vezes os familiares

procuram tratamento devido a questões ligadas com uma morte que

ocorreu recentemente ou não. Apesar dos sintomas estarem

relacionados com o choque emocional conseqüente da morte, a

família não traz esta queixa, se for apresentado isto para os

familiares provavelmente acreditarão ser coincidência e se for

insistido a família pode até romper com o tratamento (BROWN,

1995).

Sendo o filho o familiar enfermo, os pais podem apresentar sintomas

físicos, como cefaléia, alteração da pressão arterial, desconforto abdominal,

inapetência e exaustão, podendo aumentar a crise familiar, com sentimentos de

fragilidade, impotência e culpa (ASTEDT-KURKI e et al, 1999.; MARQUES, 2001

apud GABARRA e NIEWEGLOWSKI, 2005).

Crepaldi (1999), afirma que a hospitalização infantil faz com que os pais

vivenciem uma fase de ansiedade, incertezas e ao mesmo tempo esperança em

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que a família necessita saber o nome da doença para então serem estabelecidas

estratégias de ação e para que sintam mais segurança. Sendo que enfrentar uma

doença grave ou incurável é muitas vezes menos doloroso do que não saber o

que a criança tem, pois a incerteza é um fator ansiogênico.

Os pais da criança enferma vivenciam sentimentos diversos, como

ansiedade e incerteza quanto ao diagnóstico, prognóstico e possível morte de seu

filho, porém permanecem esperançosos quanto à cura da doença da criança, em

que a incerteza sobre o estado de seu filho acarreta muita ansiedade nestes pais.

Para os cuidadores se integrarem à realidade da instituição, Crepaldi (1999)

menciona que acompanhar a recuperação da criança; receber atenção; obter

respostas adequadas sobre o diagnóstico; receber informações preparativas para

a internação; ter a possibilidade de ficar no hospital podendo assistir aos

procedimentos e as ações da equipe no atendimento, são variáveis que fazem

com que os cuidadores mudem as impressões do hospital, integrando-se,

confiando na equipe e tendo esperança quanto à cura.

Neste sentido é possível relatar que para os cuidadores do paciente se

integrarem ao hospital, modificando as suas crenças, dependem diretamente de

variáveis, como aspectos relacionados à equipe de saúde e as normas da

instituição, em que estes aspectos sendo favoráveis despertarão a esperança

nestes cuidadores quanto à cura da doença do paciente.

Ajuriaguerra e Marcelli (1986) afirmam que as relações recentemente

constituídas entre médico, família e criança, podem modificar a relação entre mãe

e filho, sendo que algumas mães reagem muito mal por terem que passar seu

papel de cuidadoras para um terceiro. A perda dessa onipotência pode ser um

elemento patogênico, pois é necessário permitir à mãe a melhor adaptação

possível às necessidades de seu filho. Pode-se perceber depressões maternas

que acentuam a culpabilidade parental ou a dependência dos pais em relação à

equipe médica.

Quando as questões de fundo são colocadas de lado, em parte porque a

família depende demais do médico para poder expressar sentimentos positivos ou

negativos e também pelo investimento defensivo destes pequenos detalhes, a

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relação passa a ser marcada pelo silêncio em que o médico e a família fazem com

que o diálogo não aborde questões sobre o prognóstico, etiologia e sobre os

afetos (AJURIAGUERRA e MARCELLI, 1986).

Durante a hospitalização, vários autores indicam a importância da utilização

de recursos e atividades lúdicas com as crianças, mediando as relações do

paciente com a família e equipe de saúde. A seguir, serão descritas as relações

entre o brincar e a hospitalização infantil.

2.5 O brinquedo no contexto hospitalar

O recurso lúdico é educacional e terapêutico, diminuindo o estresse

causado pela hospitalização (RINALDI, 2003). Neste sentido, o brincar possibilita

a expressão de sentimentos, preferências, receios e hábitos; mediação entre o

mundo familiar e situações novas ou ameaçadoras; e elaboração de experiências

desconhecidas ou desagradáveis (MITRE apud MITRE e GOMES, 2004). Para

Oliveira, Dias e Roazzi (2003), ao brincar a criança ultrapassa a situação na busca

por soluções, pelo motivo de não ser avaliada ou punida.

O brincar facilita o acesso à atividade simbólica e a elaboração psíquica de vivências do cotidiano infantil. Através dos jogos simbólicos, a realidade externa pode ser assimilada à realidade interna, nesse caso específico, auxiliando a criança a lidar com o seu adoecer e a hospitalização. Podemos dizer que a criança se apropria da experiência dolorosa através do brincar, esse espaço de ilusão situado entre o real e a fantasia. Ela passa a ser sujeito e não somente objeto da experiência (SANTA ROZA, 1993; WINNICOTT, 1975 apud JUNQUEIRA, 2003, pág. 1).

Sikilero, Morselli e Duarte (1997) acreditam que a recreação no hospital é

um elemento para a elaboração das ansiedades e leva a criança a se adaptar com

facilidade a diversas situações. Sendo a recreação, segundo a Declaração dos

Direitos da Criança Hospitalizada (DOU Seção 1, de 17.10.1995), um direito a ser

preservado. No contexto hospitalar, o brinquedo é o recurso fundamental para

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preparar as crianças para situações que podem experienciar, como afirmam

Chiattone e Lindquist (1988, 1993 apud OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003).

Elaborar essas situações decorrentes da hospitalização significa conceituá-las,

significá-las, estabelecer estratégias de regulação emocional para se habituar,

entrar em contato com os sentimentos negativos e positivos relacionados à nova

situação, posicionando-se em relação a eles, entre outros processos que deverão

ser desenvolvidos cognitiva e emocionalmente.

Oliveira, Dias e Roazzi (2003) acreditam que o brinquedo, no âmbito

hospitalar, é um instrumento com desempenho particular e formas adequadas de

aplicabilidade. Chiattone (1988 apud OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003) divide os

brinquedos em duas categorias: o brinquedo livre e o brinquedo dirigido. Nas

atividades com o brinquedo livre as crianças desenvolvem a atividade de maneira

livre, escolhendo a temática e brincando diante de um coordenador que irá

observar e nortear essa brincadeira. Com o brinquedo dirigido as atividades são

antecipadamente elaboradas e dizem respeito a assuntos específicos,

relacionados a uma problemática que pode ser da criança ou de um grupo. Estas

atividades objetivam facilitar a elaboração de sentimentos em relação a uma

determinada questão e proporcionar o desenvolvimento de estratégias de

enfrentamento. A manipulação do material deve estar relacionada ao momento

que as crianças experienciam, auxiliando na verbalização dos sentimentos

encobertos.

Desta forma o brinquedo livre diverge do brinquedo dirigido principalmente

pelo fato de que ao brincar livremente a criança demonstra os conteúdos que

precisam ser elaborados, lembrando que esta liberdade é parcial, pois os

brinquedos são materiais relacionados ao contexto hospitalar, como instrumentos

médicos, desenhos sobre exames ou procedimentos hospitalares, bonecas que

simulem equipe de saúde e/ou paciente, entre outros materiais, já no brinquedo

dirigido, a atividade está relacionada com a problemática de um ou de um grupo

de pacientes, como por exemplo, a simulação de hemodiálise para crianças

hemofílicas.

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Os mesmos autores afirmam que na aplicação de técnicas lúdicas em

hospitais, os brinquedos abordam temas hospitalares como: bonecos que

representam a família, o paciente e a equipe hospitalar; bonecos que deixam à

mostra os órgãos internos; instrumentos cirúrgicos de exames e de procedimentos

médicos em miniaturas; maquetes de hospitais e enfermarias; carrinhos de

ambulância; roupas iguais às da equipe; materiais utilizados pela equipe de

enfermagem; livros de histórias relacionados à hospitalização ou processo de

saúde-doença. Chiattone (1988 apud OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003)

argumenta que, ao brincar com esses materiais, as crianças estabelecem

situações de cirurgias, condutas terapêuticas, exames, morte de pacientes,

emergências, enfim várias situações que precisam elaborar, oportunizando a

elaboração de sentimentos específicos.

Quanto ao serviço de recreação, os brinquedos devem ficar expostos e de

fácil acesso; os profissionais devem compreender o objetivo, a necessidade deste

serviço e ter conhecimento sobre, levando em consideração a idade da criança,

seu diagnóstico, seu estado geral, o tempo que irá continuar hospitalizada e as

suas vivências anteriores em hospitalização. Este serviço objetiva estimular o que

não foi afetado pela patologia, lembrando dos aspectos sadios da criança,

amenizando os momentos desagradáveis da internação, tornando-os construtivos,

prazerosos e trabalhando com a criatividade (SIKILERO, MORSELLI e DUARTE,

1997).

O brinquedo tem o papel não só de contribuir para um andamento regular

do desenvolvimento infantil, mas também propiciar "saltos qualitativos" que podem

ser alcançados durante a hospitalização (OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003), ou

seja, a criança que é permitida e estimulada a utilizar recursos lúdicos durante a

hospitalização, pode além de propiciar o transcorrer de seu desenvolvimento

normalmente ou até proporcionar maiores ganhos em seu desenvolvimento.

Trabalhar com recursos lúdicos significaria tentar encontrar no brinquedo

livre a maneira pela qual a criança lida com as emoções provocadas pela

hospitalização, utilizando-se dos significados que ela traz e que foram construídos

nas suas inter-relações. A partir da avaliação, através do brinquedo dirigido, seria

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possível abordar conteúdos específicos, auxiliando a criança no sentido de

sintetizar, integrar estes significados para uma possível elaboração para a

construção de sua identidade, nas estratégias utilizadas para regular suas

emoções, no significado de suas relações e na maneira da criança lidar com

situações novas, como a hospitalização (OLIVEIRA, DIAS e ROAZZI, 2003).

É necessário lembrar que o brinquedo é importante, inclusive para as

crianças que estão internadas em quartos restritos ou em unidades de tratamento

intensivo, pois estas crianças necessitam de estímulo, a fim de modificar a solidão

que podem estar sentindo (SIKILERO, MORSELLI e DUARTE 1997).

Diversas situações causam estresse ao paciente pediátrico, pode-se citar os

procedimentos invasivos como a punção venosa, e que uma das estratégias a ser

utilizada a fim de minimizar a ansiedade e o estresse é permitir e oportunizar a

criança a brincar. Neste contexto o brincar é a maneira das crianças para lidarem

com a realidade e suas experiências, é através do lúdico que a criança dramatiza

situações e diminui sentimentos de ansiedade através da catarse, por este motivo

se faz necessário à utilização do brincar no contexto hospitalar (MARTINS,

RIBEIRO, BORBA E SILVA, 2001).

Martins, Ribeiro, Borba e Silva (2001) citam a diferença entre brinquedo

terapêutico e ludoterapia. A ludoterapia é uma técnica utilizada em crianças com

distúrbios emocionais, neuróticos ou psicóticos, por profissionais psiquiatras,

psicólogos, enfermeiros habilitados e em locais com as variáveis controladas.

Objetiva auxiliar na compreensão da criança sobre seu comportamento e/ ou

sentimentos, o profissional deve refletir com a criança sobre suas expressões e

interpreta-las. As sessões de ludoterapia duram aproximadamente uma hora.

Quanto ao brinquedo terapêutico, este pode ser utilizado pela enfermeira, com

qualquer criança e em qualquer lugar conveniente e com brinquedos. Objetiva que

a enfermeira compreenda os sentimentos e necessidades da criança, refletindo

sobre as expressões das mesmas, mas sem interpreta-las. As sessões duram

certa de 15 a 45 minutos e podem ser realizadas no hospital, anteriormente as

internações.

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Segundo Martins, Ribeiro, Borba e Silva (2001), a utilização do brinquedo

para preparar a criança a suportar a punção venosa fez com que as mesmas se

tornassem mais cooperativas, diminuindo o medo destes pacientes, demonstrando

ter compreendido a necessidade da técnica, dramatizando seus sentimentos,

melhorando as relações interpessoais e inclusive sensibilizando a equipe, que

compreendeu a importância do brinquedo neste contexto.

O brinquedo também pode auxiliar o estabelecimento de vínculos com a

equipe de saúde, sendo necessário para o processo de adaptação da criança e

seus familiares. Desta forma a equipe de saúde tem sua importância neste

processo, sendo necessário também levar em conta seus sentimentos e seu papel

frente à hospitalização infantil.

2.6 Equipe de saúde

Para Gabarra e Nieweglowski (2005), conviver com o sofrimento físico e

psíquico do paciente no contexto hospitalar faz parte do cotidiano da equipe de

saúde. Segundo Campos (2005), lidar com o sofrimento pode remeter a revivência

de sofrimentos pessoais, podendo o profissional se identificar com o paciente e

sofrer com ele. Os profissionais da área da saúde suportam e superam no seu dia-

a-dia diversos obstáculos, sendo que seus pacientes fragilizados sempre cobram

uma intervenção perfeita. A equipe de saúde é solicitada para intervir, por

exemplo, em casos de risco de vida, o que gera uma exigência destes e da

família, de ser onipotente, de salvar vidas e quando isto não ocorre o profissional

se sente frustrado, impotente e fracassado.

Neste contexto, para Farber (1991 apud FELICIANO, KÓVACS e

SARINHO, 2005) devido o alto nível de estresse das equipes de saúdes que

trabalham em hospitais com pronto-socorro infantis estes profissionais podem

apresentar exaustão devido o excesso de trabalho, esquecendo suas próprias

necessidades. Neste momento pode-se falar em Burnout, uma síndrome do

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trabalho iniciada devido à divergência da percepção entre o esforço e a

conseqüência, esta síndrome tem como base e início a exaustão emocional. Este

estresse crônico é muito mais elevado em pediatras que são responsáveis pela

chefia durante os plantões e por pediatras e enfermeiras que são coordenadores

dos setores de pronto-socorro pediátrico.

Profissionais que apresentam Burnout demonstram sentimentos diversos,

apresentando-se cansados, angustiados, esgotados, impotentes e revoltados,

devido à sobrecarga originada pela demanda de atendimentos e suas limitações

em situações envolvendo riscos de vida. A equipe de saúde é submetida

diariamente a diminuir o sofrimento, controlar os riscos de vida em casos mais

graves, que muitas vezes conflitam com os recursos disponíveis. Estes

profissionais devem tomar decisões delicadas, rápidas e certas acerca de seus

pacientes, oferecendo suporte para os familiares da criança, vivenciam

diariamente situações com risco de morte, recebem baixos salários comparados

com o nível de exigência de seu trabalho, muitas vezes se sentem

desqualificados, no seu cotidiano se expõem a riscos eminentes nas emergências

e muitas vezes existe ainda a falta de suporte institucional (FELICIANO, KÓVACS

e SARINHO, 2005).

Segundo Camon (2003), é de extrema importância que a equipe de saúde

clarifique e facilite a expressão dos sentimentos, fantasias e temores das crianças

hospitalizadas e terminais frente à morte, evidenciando a necessidade de auxiliá-

las no processo de elaboração do luto. Já quanto ao médico Szasz (1979 apud

CAMON, 2003) afirma que se considere a função social primordial deste para o

alívio da dor. Via de regra é este profissional que procura, num primeiro momento,

diagnosticar a doença do paciente, baseado na dor e em outros sintomas e sinais,

em um segundo momento, objetiva controlar a dor tratando da doença que causa

esta sensação dolorosa.

Ao atribuir conotação emocional ao sofrimento experimentado pelo

paciente, pode-se negar a extensão de seu sofrimento, acredita-se que ao conferir

uma causa emocional para a doença deste, não se deve ter a concepção de que é

livre-arbítrio do paciente tanto instalação quanto sua recuperação, pois não é

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preciso apenas se conscientizar desta causalidade para que o mesmo pare de

sofrer desconfortos orgânicos. O contrário também é verdade, pois não se deve

atribuir tudo a causas emocionais, pois os psicologismos pecam pela falta de

embasamento lógico, mas não se deve negar os determinantes emocionais que

estão envolvidos no surgimento e evolução das doenças (CAMON, 2003).

Sobre as condições de trabalho, pode-se dizer que geralmente não são

adequadas devido à falta de recursos, falta de medicamentos, baixos salários,

falta de tempo para se aperfeiçoarem, a demanda de atendimentos ser maior que

a disponibilidade de tempo e o ambiente de trabalho, o que pode acarretar em

profissionais estressados, com auto-estima baixa, impotentes, sobrecarregados,

despreparados, exigidos, sedentos de reconhecimento, entre outros fatores

psicológicos (CAMPOS, 2005).

Feifel (apud KÓVACS, 1992) afirma que os médicos possuem muito medo

da morte, buscando na profissão uma maneira de obter domínio sobre ela. Sendo

que a forma mais utilizada pelos médicos de exercer esse controle sobre o morrer

é a formação reativa, pois o profissional quer manter a vida do paciente

independente da qualidade de vida deste. Quando ocorre a morte de seu paciente

o médico fere seu narcisismo. Neste sentido, Brim (apud KÓVACS, 1992)

complementa que estes profissionais, muitas vezes, não se permitem conhecer

seus próprios sentimentos em relação à morte, sendo comuns os sentimentos de

culpa, raiva e onipotência ao perder um paciente.

Sobre a comunicação do médico com a criança Perosa, et al (2006)

afirmam que a situação mais difícil de comunicação com o seu paciente pediátrico,

é o prognóstico reservado, ou crianças em estado terminal, pois são aspectos que

estão relacionados com a ética profissional, sem haver um consenso na categoria

médica sobre esta prática, sendo muito comum o mascaramento da situação

através do silêncio, esta atitude é tomada a fim de preservar a criança, porém esta

medida deixa a criança mais confusa, podendo ocasionar o sentimento de

isolamento.

Se a situação for contrária e os médicos decidirem juntamente com a família

contar para a criança sobre seu estado, deve-se permitir a criança escolher se

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deseja continuar o tratamento em busca da cura ou apenas tratar de maneira

paliativa. Esta conversa pode ser realizada após os três anos, porém sempre

respeitando diferenças individuais sobre a capacidade de compreensão da criança

(NITSCHKE e cols. 1982, 1986 apud PEROSA, et al, 2006).

A morte ainda é um tabu para os profissionais da saúde. Estes lidam com

ela como um fracasso profissional e especialmente se a morte for de uma criança,

a equipe de enfermagem tende a interpretar este fato como uma ruptura no seu

ciclo biológico, trazendo à tona sentimentos de impotência, frustração, angústia,

dor, sofrimento e tristeza. A equipe pode estabelecer vínculos afetivos com estes

pacientes e quando este vínculo é interrompido, podendo ser pela morte, provoca

luto devido à separação. Os profissionais da enfermagem têm pouco

conhecimento para lidar com a terminalidade, pois sua formação é voltada para

ações técnicas e práticas. Desta forma, é difícil para os mesmos apoiarem o

paciente e sua família, pois se preocupam mais em realizar suas tarefas da melhor

maneira possível (COSTA e LIMA, 2005).

Costa e Lima (2005) relatam que alguns profissionais da equipe de

enfermagem se envolvem tanto com seus pacientes infantis que, quando estes

morrem, os profissionais sentem a perda como se ocorresse a morte de uma

pessoa da família. Os sentimentos apresentados podem ser: pesar, frustração,

fracasso, tristeza, desamparo, raiva, aversão, medo, choque, alívio, injustiça, dor e

cobrança quanto aos limites de assistência.

Os referidos autores também afirmam que o luto agudo é caracterizado por

sintomas psicológicos e somáticos, esses sintomas podem ser manifestações

afetivas como culpa, ansiedade, depressão; manifestações comportamentais

como fadiga e choro; atitudes como auto-reprovação, baixa auto-estima e

abandono; lentidão do pensamento e concentração; inapetência; distúrbio do

sono; somatizações como dores, náuseas, desconforto na garganta, taquicardia,

vontade de suspirar e percepção de estar com o estômago vazio; modificações na

ingestão e sensibilidade a enfermidades. Estes sintomas são respostas naturais e

necessárias que necessitam ser experenciados para que a morte seja enfrentada

satisfatoriamente e para que os profissionais reestruturem seu papel no ambiente

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de trabalho. Percebe-se que a equipe não quer viver o luto, tentando se proteger

ou porque não estão preparados para sentir manifestações somáticas e

emocionais, acreditando que o profissional deva ser “frio” ou indiferente com a

morte.

Hoffmann (1993) afirma que os médicos, apesar de estarem habituados

com a morte, não conseguem se familiarizar com ela e especialmente quando a

morte é de um paciente infantil, os pediatras vivem a perda deste paciente com

muita angústia. Pode-se falar que o despreparo dos médicos quanto à morte

antecedem a formação advém desde a infância, pois o tema morte foi cercado de

silêncio. A tentativa de preparo para a morte na formação, segundo Sapir (1972

apud HOFFMANN, 1993), vem com as aulas de anatomia, pois os alunos criam

mecanismos de defesa que são imprescindíveis para o exercício da profissão, a

partir daí os acadêmicos começam a enxergar a questão puramente biológica da

morte.

Zaidhaft (1990 apud HOFFMANN, 1993) explica que a dor dos médicos em

relação à morte de crianças é maior devido ao ciclo de vida não ser cumprido; pela

criança ser desprotegida; pelos médicos depositarem seu narcisismo nelas; por

simbolizar a imortalidade que se vai. Porém para os profissionais existem tipos de

morte, como exemplo, a morte de pacientes infantis com má qualidade de vida,

deficiência mental, desnutrição grave, nestes casos pode-se perceber que a

reação destes profissionais é mais branda. Por outro lado existem mortes que são

inadmissíveis, especialmente o óbito de crianças sadias, que morreram por

alguma bobagem.

Pode-se perceber quando os pediatras experienciam o óbito de um

paciente, acreditam que a ordem cronológica da vida foi rompida, pois são os mais

velhos que geralmente morrem antes, em que a morte de um paciente saudável é

intolerável, porém se a criança não possui uma qualidade de vida favorável, a

reação quanto à morte deste paciente é menos forte.

O médico fica exposto a tomar decisões em relação à vida de seus

pacientes. Este profissional se depara muitas vezes com a tecnologia que objetiva

a sobrevivência em relação a questões éticas e ideológicas sobre a morte e a

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sobrevivência, a falta ou limitação dessa tecnologia faz com que o médico tenha

que decidir quem ele vai tentar reabilitar. O que ocorre muitas vezes quando um

paciente morre é negar a morte, através do “desaparecimento dos corpos”, agindo

de maneira rápida, pois não suportam a presença da morte já que ela faz com que

lidem com o seu sentimento de fracasso (HOFFMANN, 1993).

Neste contexto, Oliveira, Dias e Roazzi (2003) citam que a equipe hospitalar

preocupa-se muito mais com a melhora orgânica que com a totalidade da saúde

da criança, sem considerar seu desenvolvimento cognitivo e emocional.

O fato de a equipe estar constantemente exposta ao sofrimento dos

pacientes pode levar a uma diminuição da sensibilidade. A fim de diminuir este

sentimento e melhorar a qualidade do atendimento prestado ao paciente, a

humanização do atendimento infantil representa um importante instrumento contra

essa falta de sensibilidade, descaso de muitos profissionais, que se acostumaram

com as situações críticas, inclusive as situações de morte, que são experenciadas

diariamente por estes que, muitas vezes, tratam com frieza, minimizando a dor e o

sofrimento de seus pacientes. Entretanto, muitas vezes esta atitude é um

mecanismo de defesa, a fim destes profissionais não sofrerem diretamente

através do sofrimento de seu paciente e familiares.

Enquanto membro da equipe de saúde, o psicólogo também vivencia todas

essas questões. Possui dentro das unidades hospitalares, variadas e importantes

funções, as quais não representam o foco da presente pesquisa. Porém, torna-se

necessário contextualizar a presença do psicólogo nas equipes de saúde, como

algo recente e ainda em desenvolvimento, buscando uma identidade mais

consolidada e reconhecida.

No Brasil, o início das atividades do Psicólogo em hospitais, iniciou na

cidade de São Paulo, e em linhas gerais, pode-se dizer que em 1954, a psicologia

iniciou seu trabalho no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das

Clínicas, atuando no atendimento preparatório, durante o processo cirúrgico e pós-

cirurgíco. Em 1956 Aidyl Macedo de Queiroz, Psicóloga, realizou sua tese de

doutorado, sobre uma criança com asma no Instituto da Criança. Em 1957 o autor

citado realizou um trabalho de reabilitação no Instituto de Reabilitação, em

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funcionamento na Clínica Ortopédica e Traumatológica. No ano de 1958, Sonia

Letaif desenvolveu atividades na clínica Psiquiátrica, Instituto de Psiquiatria. Na

década de 60, em 1977, a Psicóloga Suad Hadad foi a primeira estagiária no

Hospital das Clínicas. Neste período iniciou a participação de Psicólogo no Ensino

e na Pesquisa, no Instituto de Reabilitação (NEDER, 1991).

A mesma autora, cita que em 1974 foi diretora do Serviço de Psicologia da

Divisão de Reabilitação Profissional de Vergueiro e o Serviço de Psicologia do

Instituto do Coração sob a direção de Bellikiss W. R. Lamosa. Em 1983 ocorreu o

primeiro Encontro Nacional de Psicólogos da área Hospitalar. Ainda no início dos

anos 80, O “FUNDAP” disponibilizou bolsas de estudos para o Serviço de

Psicologia. No ano de 1987 foi criada a Divisão de Psicologia, as atribuições foram

estendidas para áreas básicas de Assistência Psicológica, Ensino e Pesquisa.

Atualmente ocorreu uma abertura para os Psicólogos atuarem nos hospitais, uma

especialização em Psicologia Hospitalar é esperada ao final do curso e/ou depois

da graduação.

Segundo Romano (1999) o processo de adaptação à hospitalização, o

psiquismo do paciente, o surgimento de quadros psicopatológicos, estão

diretamente relacionados com a idade, o sexo, tipo e prognóstico da doença,

suporte familiar, escolaridade, fase da vida produtiva em que se encontra o

paciente, estas são algumas variáveis que devem ser levadas em consideração

quando o Psicólogo avalia ou intervém junto ao paciente.

Deve-se compreender que dependendo do local em que o Psicólogo atuará,

serão utilizadas metodologias diferentes, mais adequadas para o ambulatório,

Unidade de Terapia Intensiva, Pronto-Socorro e enfermarias, por exemplo. No

ambulatório o atendimento é especialmente para realizar diagnóstico e tratamento,

através de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, quando

não verificada a necessidade de internação (PROAHSA, 1982 apud ROMANO,

1999), neste sentido o Psicólogo pode acompanhar este ciclo. O Pronto-Socorro

tem como objetivo prestar atendimento, diagnóstico e tratamento de pacientes

com emergências médicas, porém utiliza-se este serviço de maneira errônea

(ROMANO, 1999), porém se existe ou não emergência médica, sempre estão

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implicadas necessidades sociais e psicológicas (GWINN, 1979 apud ROMANO,

1999).

Na Unidade de Internação estão pacientes que necessitam de assistência

médica e de enfermagem durante todo o tempo (PROAHSA, 1982 apud

ROMANO, 1999), neste contexto a atuação do profissional Psicólogo é

compreendida como essencial no exercício da profissão no contexto hospitalar

(ROMANO, 1999). Já na Unidade de Terapia Intensiva estão os pacientes em

estado grave, com possibilidade de recuperação, exigindo permanentemente

assistência médica e de enfermagem, além da necessidade de utilizar

equipamento especializado (PROAHSA, 1982 apud ROMANO, 1999), nesta

unidade apesar de parecer que a intervenção psicológica não é necessária, é de

extrema importância, pois se sabe das desordens psicológicas, principalmente

delírios, que os pacientes apresentam e deve-se atuar especialmente com os

familiares deste paciente (ROMANO, 1999).

Toda equipe de saúde é responsável pelo atendimento ao paciente,

independente de suas funções. Para tanto, estratégias são desenvolvidas para

que o período de hospitalização possa ser vivenciado com dignidade e respeito. A

Humanização representa uma das formas de manter a escuta integral ao paciente

e não apenas à sua doença.

2.7 Humanização

Sobre humanização no atendimento hospitalar infantil, pode-se dizer que os

médicos reconhecem esta demanda. Percebe-se que a “desumanização” no

exercício da profissão vai além das vivências hospitalares cotidianas, esta visão

mecanicista vem desde a formação acadêmica e não é questionada em nenhum

momento, ao contrário, esta visão é incentivada (HOFFMANN, 1993). Neste

sentido a problemática da “desumanização” vai além da prática médica, está

anteriori, calcada nos cursos de formação destes médicos.

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Humanização do Sistema Único de Saúde (SUS) segundo o Ministério da

Saúde (2006) representa a valorização dos diferentes sujeitos que estão

envolvidos no processo de produção de saúde, ou seja, usuários, trabalhadores e

gestores; promover a autonomia e o protagonismo destes; o aumento do grau de

co-responsabilidade na produção de saúde e de sujeitos; o estabelecimento de

vínculos solidários e participação coletiva no processo de gestão; a identificação

das necessidades sociais de saúde; a modificação dos modelos de atenção e

gestão dos processos de trabalho, tendo como o que é indispensável aos

cidadãos e a produção de saúde; o comprometimento com o ambiente; a melhoria

das condições de trabalho e de atendimento.

É através da troca e construção de saberes do trabalho em equipes

multiprofissionais; da identificação das necessidades, dos interesses e do que é

esperado pelos sujeitos do campo da saúde; do pacto entre os diferentes níveis de

gestão do Sistema Único de Saúde (federal, estadual e municipal), entre as

diferentes instâncias de efetivação das políticas públicas de saúde (instâncias de

gestão e de atenção), assim como entre gestores, trabalhadores e usuários; do

resgate dos princípios básicos que orientam as práticas de saúde no SUS,

reconhecendo os gestores, trabalhadores e usuários não como sujeitos passivos e

sim protagonistas das ações de saúde; da construção de redes solidárias e

interativas, participativas e protagonistas do SUS, que se busca obter a

humanização em saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).

Em estudo, Pauli e Bousso (2003) constataram que quanto à humanização

na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) pediátrica, as enfermeiras acreditam ser

difícil prestar uma assistência humanizada com os pacientes desta por vários

motivos, como:

• Não poderem interagir com a criança: pelo fato de ela estar em

coma ou sedada; não terem tempo para humanizar, o que acontece

principalmente por causa das emergências e que, quando possuem

este tempo, dedicam as crianças e não aos pais; devido à

convivência prolongada com algumas crianças, o que acaba

atrapalhando a humanização, pois quando estas não melhoram as

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enfermeiras encontram dificuldade em continuar cuidando delas;

por acreditarem que não possuem habilidades para lidar com a

morte, sendo que são elas que notificam os óbitos aos pais; por

acreditarem na necessidade da presença dos pais para ocorrer

atendimento humanizado; por se sentirem fiscalizadas pelos pais,

principalmente nos casos de punção venosa;

• Devido a terem que conviver com os pais: ficarem sensibilizadas e

se colocarem no lugar do outro quando convivem com o sofrimento

dos pais; devido a terem que impor limites e normas institucionais,

decidindo quando os pais podem ficar ao lado de seus filhos;

• As enfermeiras acreditam que há humanização: ao deixarem os

pais participar dos cuidados de seus filhos; ao modificarem a

decoração do quarto, a fim de evitar o estranhamento da criança;

ao modificarem normas, abrindo exceções em alguns casos; ao

trabalharem a resistência da equipe, explicando a necessidade da

presença dos pais e através dos grupos de pais para estes

discutirem suas angústias e ansiedades, diminuindo o estresse.

Nas instituições privadas, em que se eliminam os problemas financeiros, a

carência em materiais e o descontentamento dos profissionais quanto a falta de

estrutura para o trabalho, a problemática é a “desumanização” no atendimento,

principalmente no atendimento infantil, problema que aponta para problemas de

ordem paradigmática, existente no próprio conceito de atendimento à saúde

(AJURIAGUERRA e MARCELLI, 1986).

Para Camon (1995), quando o psicólogo trabalha no sentido de diminuir a

despersonalização causada no contexto hospitalar está auxiliando o processo de

humanização. Para Sikilero, Morselli e Duarte (1997) a humanização só é

alcançada através de um Serviço de Recreação Terapêutica com as crianças

hospitalizadas, pois mesmo doente a criança necessita brincar.

Neste sentido as atividades lúdicas são essenciais no processo de

humanização do atendimento hospitalar pediátrico, pois é através destes recursos

que a criança poderá elaborar os sentimentos advindos desta experiência,

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ressaltando seus aspectos saudáveis e possibilitando uma facilidade em

comunicar-se, a fim de que os adultos compreendam suas representações quanto

à hospitalização e os demais aspectos vivenciados pela criança que está

internada.

Sobre humanização no atendimento, o programa Humaniza SUS objetiva

diminuir as filas e o tempo de espera, ampliando o acesso; atender de maneira

acolhedora; implantar modelos de atenção com responsabilização e vínculo;

garantir os direitos dos usuários deste sistema de saúde; valorizar o trabalho na

área da saúde e, finalmente, obter uma gestão participativa nos serviços

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).

Para Santos e cols. (1984), não se deve obrigar a criança a realizar exames

e procedimentos médicos dolorosos que não sejam extremamente necessários e

se esses forem indispensáveis, deve-se, sempre que possível, ajustá-los a

condições que a criança os suporte melhor. Nesses momentos as crianças têm

medo da dor se percebendo frágil, sem autonomia e, por este motivo, deve-se

permitir a criança um nível de participação em que ela possa auxiliar em algumas

decisões, dentro de alguns limites.

Estas ações médicas são direitos assegurados na Declaração dos Direitos

das Crianças Hospitalizadas (DOU Seção 1, de 17.10.1995), que afirma que a

criança possui o direito de não sentir dor quando existem meios para evitá-la, bem

como o direito de ter o conhecimento adequado de sua doença, dos cuidados

terapêuticos, diagnósticos e prognósticos adequados para sua fase cognitiva e de

receber apoio psicológico quando necessário.

Não se deve negar ou minimizar a dor da criança, pois isso não irá fazer

com que a dor desapareça e sim a enfraquecerá psicologicamente. Negando a

dor, a criança não tem o direito de reconhecer os estímulos corporais, sendo que

reconhecê-los é autoconhecer o corpo, o que é essencial para se formar os

processos de relação com o mundo interno e entrar em relação com os outros.

Negar a dor não é a maneira correta de lidar com a ansiedade, porque é abafar,

distorcer, o que nasce em seu corpo como sensação, como a de dor e como

sentimento como a sensação de medo (SANTOS e cols., 1984).

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Sobre o que foi dito pelas crianças em estudos, as propostas para tornar a

hospitalização menos sofrida para eles segundo Oliveira (1997) é de que quanto a

relação deles com o profissional deve ser personalizada; respeitar a presença da

criança, adequar a comunicação, não estender as restrições, valorizar os aspectos

positivos da experiência. Quanto ao hospital e doença, deve-se evitar internações,

ter formas alternativas de tratamento, adiar cirurgias para depois de cinco anos

(quando possível), preparo de pré-internação para pais e crianças, evitar

procedimentos dolorosos desnecessários, escolher a alimentação, recepção

semelhante a hotel, decoração mais aconchegante, ambiente mais pessoal,

recreadoras, professoras, salão de jogos, leitura, televisão e alimentação. Quanto

à família deve-se ter horários de visitas liberados para familiares e amigos,

permanência da mãe, participação no preparo e nos cuidados durante e após a

hospitalização, já quanto ao brincar, os brinquedos devem se adequar as faixas

etárias, imitarem os instrumentos hospitalares, o corpo humano, livros, desenhos,

quadros ilustrativos sobre o ambiente hospitalar.

É importante citar que a comunicação entre médico e paciente é outro

instrumento valioso para a humanização no contexto hospitalar, pois a

comunicação direta com a criança melhora sua adesão ao tratamento, satisfação

quanto ao atendimento, o que melhora seu prognóstico (PANTELL e cols, 1982;

TATES e MEEUWESEN, 2001 apud PEROSA, et al, 2006). Nas últimas décadas

devido a importância dada a humanização, a maior aceitação da importância de

aspectos psicológicos e a maior participação dos pacientes em participar nas

decisões referentes ao seu tratamento trouxe muitas modificações na

comunicação entre os médicos e seus pacientes (Perosa, et al, 2006).

Em muitos hospitais existem ações e projetos já implantados que se

preocupam com a humanização no atendimento pediátrico, dentre elas podemos

citar: os “Doutores da Alegria”, que realizam atividades lúdicas a partir dos

procedimentos do hospitalares; os “contadores de histórias”; a brinquedoteca; os

trabalhos voluntários; as paredes lisas e sem estimulação dos hospitais ganhando

figuras coloridas; os psicólogos hospitalares, os pedagogos; assistência social; o

respeito pelos direitos dos cidadãos entre outras inúmeras formas possíveis de

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possibilitar acolhimento, compreensão, empatia, ética e respeito pelos pacientes e

seus familiares.

Devido à humanização nos hospitais, pacientes e familiares encontram um

lugar que possibilita amenizar a ansiedade, diminuindo o sofrimento e o estresse

durante o processo de tratamento, pois o hospital passa a ser um ambiente que

não é mais tão assustador, hostil e que remete somente à dor e à morte.

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3 MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 Procedimentos para a coleta e análise dos dados

O delineamento desta investigação ocorreu a partir de uma perspectiva de

pesquisa bibliográfica. Segundo Gil (1995), na pesquisa bibliográfica deve-se

considerar as seguintes etapas:

a) Determinação dos objetivos: nesta fase deve ocorrer a redefinição de

um problema; a elaboração de instrumentos para a coleta de dados; a obtenção

de dados em resposta do problema formulado e a interpretação dos resultados.

b) Elaboração do plano de trabalho: após a redefinição dos objetivos se

define um plano de trabalho a fim de se orientar os procedimentos posteriores.

Este plano de trabalho normalmente se apresenta como coleção de itens

ordenados em capítulos, correspondentes ao desenvolvimento da pesquisa.

c) Identificação das fontes: deve-se identificar as fontes capazes de

fornecer as respostas ao problema já proposto.

d) Localização das fontes e obtenção do material: esta etapa é a busca

pelo material propriamente dito.

e) Leitura do material: durante a leitura deve-se identificar as informações

e dados do material, estabelecendo ligações entre as informações e os dados

obtidos com o problema proposto, bem como analisar a consistência das

informações e os dados trazidos pelos autores. Existem várias formas de leitura

que ocorrerão de acordo com o avanço da pesquisa: a exploratória, que visa

verificar se o material consultado interessa a pesquisa; a leitura seletiva, na qual o

pesquisador seleciona o material que de fato interessa a pesquisa; a analítica, que

se faz a leitura integral do material identificando as idéias chaves, selecionando

essas idéias por hierarquia e posteriormente sintetizando essas idéias; por último

se dá a leitura interpretativa, que objetiva relacionar as idéias trazidas pelo autor

com o problema ao qual se propõe solução.

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f) Tomada de apontamentos: esta é a próxima etapa a ser seguida, que

convém tomar notas do material lido.

g) Confecção de fichas: as fichas objetivam identificar as obras que foram

consultadas; registrar o conteúdo do material; registrar os comentários sobre as

obras e a ordenação dos registros.

h) Redação do trabalho: a última etapa da pesquisa bibliográfica é a

redação do relatório, que é apresentado geralmente por introdução, contexto e

conclusões. Este relatório deve ser impessoal, redigido na terceira pessoa; deve

ser claro; preciso e conciso, as frases devem ser simples e expostas em poucas

palavras.

Para análise dos dados da presente pesquisa, buscou-se, no referencial

teórico consultado, aspectos referentes ao processo de

adoecimento/hospitalização infantil nos diferentes contextos: paciente, família e

equipe de saúde, relacionando as significações e compreensões de todos os

envolvidos neste processo e não apenas da criança.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Psicologia Hospitalar Pediátrica é um campo interdisciplinar que estuda o

desenvolvimento infantil, saúde e doença que atingem as crianças, adolescentes e

seus familiares. No âmbito hospitalar, a Psicologia pretende compreender, avaliar

e intervir nos problemas comportamentais e emocionais durante o processo de

adoecimento; na promoção de saúde; no desenvolvimento infantil e familiar; bem

como na prevenção de doenças, compreendendo prevenção como intervenções,

buscando evitar patologias específicas, diminuindo a incidência e a prevalência de

doenças.

Por estes motivos se faz necessário um olhar global do processo de

hospitalização, compreendendo as inter-relações da equipe de saúde, família e

paciente.

Pôde-se perceber que a hospitalização infantil, a doença e todos os

aspectos inseridos nesta experiência sugerem seqüelas nas crianças. Estas

conseqüências emocionais e orgânicas podem ser diversas, como a ruptura nas

atividades cotidianas, uma quebra ou regressão no processo de desenvolvimento,

ansiedade, medo, estresse, angústia, culpa, sensação de abandono, medo,

tristeza, negativismo, transtornos psicológicos, agressividade, depressão,

variações de humor, incapacidade de brincar, sonolência ou insônia,

desadaptação, desorientação, hipoativismo, apatia, doenças psicossomáticas,

inapetência, perda de peso corporal, problemas digestivos, dermatoses, entre

outros. Porém, experienciar o enfrentamento desta enfermidade e internação não

causa somente conseqüências negativas, pois oportuniza à criança adquirir

padrões comportamentais mais adaptativos, sendo esta experiência estendida

para outras situações da vida da criança.

A hospitalização é uma experiência paradoxal, pois também pode levar as

crianças a obter sentimentos de esperança quanto à cura e ausência de dor,

representando o hospital como um lugar onde recebe atenção como cuidados com

higiene, alimentação e medicação. A hospitalização pode proporcionar ao paciente

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maiores conhecimentos sobre seu corpo e sua doença; conhecimentos sobre as

profissões da área da saúde; habilidade de enfrentamento; capacidade de

autonomia, sendo que desta forma participará de maneira mais ativa nas decisões

que o afetam.

De maneira geral, estas conseqüências vão depender de alguns fatores

como a maneira que a criança lida com situações novas e aversivas, sua idade,

seu nível de desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento psíquico, grau de apoio

familiar, tipo de doença, atitudes da equipe perante seu paciente, habilidades

sociais da criança, suas experiências anteriores de separação, as condições de

atendimento durante a hospitalização.

A reação que o paciente pediátrico demonstra em relação à doença e à

hospitalização dependerá de como ele compreende a realidade e da sua

capacidade cognitiva. De zero a três anos a ansiedade é, geralmente, ocorrência

da separação dos pais; dos três aos cinco anos, como a criança já compreende o

mundo de maneira concreta, pode se sentir culpada frente à hospitalização e/ou

doença; dos seis aos quatorze anos ainda pode se sentir culpada e quanto mais

velha maior a capacidade de abstrair informações. Na adolescência é difícil

experienciar danos no corpo, pois os adolescentes estão estruturando o esquema

de imagem corporal, porém, independentemente, da maturação biológica e

processual do pensamento se deve considerar o ambiente familiar, regras e

normas em que o paciente está inserido, bem como a instituição em que ocorreu a

internação. Estes fatores também exercerão influência na compreensão da criança

sobre sua doença e hospitalização.

Já sobre a representação que as crianças possuem sobre doença foi

possível observar que isto depende da natureza da sua doença, da idade, da

habilidade para compreender este processo, de suas experiências anteriores e a

situação familiar. Este conceito é formado juntamente com os pais a partir de tudo

que viram e ouviram, imagens e significações que acumularam sobre o

adoecimento. Foi possível perceber que crianças hospitalizadas obtêm um

conceito mais amplo do que é doença, pois crianças que estão saudáveis

acreditam que o conceito de doença está ligado apenas ao impedimento em

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realizar algo que gosta ou que faz parte do seu dia-a-dia. Já para as crianças

hospitalizadas a doença é algo que as separa de sua família, dos amigos,

ocasionando um rompimento repentino nas suas atividades cotidianas e que a

afasta de casa. As crianças não compreendem a saúde e a doença como um

processo, não percebem como multicausal, acreditam que é determinada por

causa e conseqüência e não por diversos fatores.

Observou-se que ao ocorrer adoecimento de um familiar o ciclo vital da

família se modifica, o que pode afetar o relacionamento, a comunicação entre os

familiares e uma ruptura no sistema familiar. Se o paciente for o filho, os pais

podem apresentar sintomas físicos como cefaléia, alteração da pressão arterial,

desconforto abdominal, inapetência e exaustão, o que pode aumentar a crise

familiar gerando sentimentos de fragilidade, impotência e culpa. Estes acreditam

que a causa da patologia pode ser por fatores endógenos (intrínsecos), exógenos

(origem fora do indivíduo) e aqueles ligados aos pais.

Quanto à hospitalização, os pais vivenciam uma etapa de ansiedades,

incertezas e ao mesmo tempo esperança, em que a família necessita estabelecer

estratégias de ação para sentirem-se mais seguros. Se a doença for grave ou

incurável os pais irão querer ter conhecimento, uma vez que, muitas vezes,

consideram ser menos doloroso saber a verdade do que não saber o que a

criança tem, pois a incerteza gera ansiedade.

Os pais são os principais moderadores sobre a saúde do filho, tanto pelas

suas atitudes quanto por suas diferentes significações nos diferentes contextos.

Em Psicologia Pediátrica, nas intervenções específicas para preparar a criança,

para lhe ensinar metodologias de confronto com tratamentos ou situações

aversivas, é reconhecido o papel central dos pais tanto na prevenção quanto no

tratamento da enfermidade do filho. Os pais que acompanham a criança precisam

ser auxiliados quanto às reações comuns desta em determinadas situações e de

que maneira podem auxiliar seus filhos.

Sobre os profissionais da área da saúde, foi possível constatar que lidar

com o sofrimento de seu paciente pode remeter a revivência de questões

pessoais, podendo o profissional se identificar e sofrer juntamente com o paciente.

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Os profissionais da área da saúde toleram e ultrapassam vários obstáculos, sendo

que seus pacientes fragilizados sempre cobram uma intervenção bem sucedida. A

equipe de saúde é solicitada para intervir, por exemplo, em casos de risco de vida,

o que gera uma exigência destes profissionais e da família de ser onipotente, de

salvar vidas e, quando o paciente morre ou realizam uma intervenção que não foi

perfeita, o profissional se sente frustrado, impotente e fracassado.

Apesar da equipe de saúde estar acostumada a conviver com o sofrimento

do paciente no contexto hospitalar, pelo motivo da sobrecarga no trabalho e os

sentimentos aos quais estes profissionais estão expostos no seu ambiente de

trabalho, pode-se perceber grandes índices de Burnout nessa categoria

profissional. A equipe permanece diariamente em contato com o sofrimento de

seus pacientes e isto pode fazer com que diminuam a sua sensibilidade em

relação ao sofrimento destes, de maneira que este mecanismo de defesa faz com

que estes profissionais sejam compreendidos como frios na sua relação com o

paciente, preocupando-se mais com a melhora orgânica do que com a totalidade

da saúde deste.

A fim de combater as conseqüências que a hospitalização causam nas

crianças e aumentar o vínculo entre equipe, paciente e família, foi levantado que a

humanização do atendimento pediátrico é um grande instrumento a ser utilizado.

Neste sentido, deve-se procurar resgatar o sentimento de controle na criança,

sendo importante incentivá-la a participar do planejamento de assistência,

estruturar o tempo na instituição, poder escolher alimentos de acordo com sua

preferência, poder utilizar roupas pessoais, ser chamada pelo nome, continuar

suas atividades pedagógicas, ter recreação, ser comunicada através de um

vocabulário apropriado ao desenvolvimento cognitivo de maneira que a

comunicação com crianças menores e mais imaturas, a fim de se explicar a

doença e seus respectivos tratamentos, deve ser feita de maneira simples e breve,

centrada nas sensações mais significantes. Desta forma, deve-se cuidar com a

linguagem utilizada já que as crianças, geralmente, interpretam literalmente o que

lhe é dito, porém se a criança já estiver na fase operatória as informações dadas a

ela devem ser mais realistas.

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Um dos pontos que a literatura apresenta sobre as estratégias de

enfrentamento da hospitalização é a atividade lúdica, sendo de extrema

importância considerar como o brincar favorece a criança hospitalizada a elaborar

questões advindas desta experiência. O brincar no âmbito hospitalar possibilita a

criança expressar seus sentimentos, preferências, receios e hábitos, isto é,

constitui uma maneira de mediação entre o mundo familiar e situações

desconhecidas ou ameaçadoras, permitindo o paciente elaborar suas experiências

desagradáveis ou novas. É brincando que a criança ultrapassa a situação,

buscando soluções pelo motivo de estar sendo avaliada ou punida.

Neste sentido, foi possível perceber a necessidade da Psicologia Pediátrica

nas instituições de saúde que atendem o público infantil, bem como de estudos,

principalmente pesquisas de campo que possam estar corroborando, divergindo

ou complementando este estudo bibliográfico.

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