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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ BRUNA ROBERTA GONÇALVES O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DA TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE PETER HÄBERLE: Uma análise das manifestações do Ministro Gilmar Mendes em julgamentos emblemáticos do Supremo Tribunal Federal São José 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

BRUNA ROBERTA GONÇALVES

O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DA TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE PETER HÄBERLE:

Uma análise das manifestações do Ministro Gilmar Mendes em julgamentos emblemáticos do Supremo Tribunal Federal

São José

2010

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BRUNA ROBERTA GONÇALVES

O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DA TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE PETER HÄBERLE:

Uma análise das manifestações do Ministro Gilmar Mendes em julgamentos emblemáticos do Supremo Tribunal Federal

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior.

São José

2010

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BRUNA ROBERTA GONÇALVES

O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS AO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO A LUZ DA TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE PETER HÄBERLE:

Uma análise da jurisprudência produzida pelo Ministro Gilmar Mendes

em julgamentos emblemáticos do Supremo Tribunal Federal

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

Local, dia de mês de ano.

Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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Dedico este trabalho a minha alma, que concretiza mais uma etapa de sua evolução, e que deve a todos que eu amo – e até aos que eu não aprecio tanto – o caminho que a trouxe até aqui.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que conhece mais de mim do que qualquer um, sem nunca me questionar,

sem nunca me dar as costas. Mais, principalmente, por ter deixado em minha vida

muitas pegadas na areia.

À Ana Carolina Gonçalves, a quem eu me desculpo pelo silêncio que se criará

quanto ao seu significado ou participação. Não há minha querida, estrutura

morfológica ou projeção racional que definam, mesmo que eu tentasse por todas as

folhas deste trabalho, o quanto meu coração sorri diante de ti. Você é,

essencialmente, minha melhor definição de amor.

Ao meu querido pai, por zelar permanentemente pela minha existência e à minha

maravilhosa mãe, por significar tudo que sei de importante. As lições de vocês foram

aquelas que, com certeza, me ensinaram tudo o que eu precisava saber.

A meus amados avós Ana, Rogério e Fabiano, fonte basilar da minha história e

autores da primeira oportunidade que a vida pode conceder a alguém: a família.

Especialmente à Maria Kniess Martins, anjo de luz mais cativante que cruzou o meu

caminho. Obrigado por ser aquela que, acima de tudo, me ensinou a forma mais

pura e verdadeira de amar.

Ao tio Zezinho e a tia Lédia, pelo amor e pela certeza inabalável na minha força

interior, mesmo quando eu não acreditei na sua existência. Obrigado, por todas as

vezes que me deram as mãos, mostrando o quanto o sonho ainda era possível.

À Bete e Bel, que significam muito mais do que o termo tias podem definir, por

estarem presentes em todos (e todos) os momentos e por fazer das pequenas

coisas grandes conquistas.

A meus primeiros paradigmas: tio Fernando, por personificar a primeira referência

profissional que me fez querer viver o Direito; e tia Kamilla, especialmente, por ter

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acompanhado de perto os avanços acadêmicos, determinada a mostrar que meu

futuro iria muito além do que qualquer um poderia esperar.

Aos tios Chico’s, tia Tânia, tio Gustavo, tio Ricardo e tia Helena, além dos primos

Fernando, Fran, Kamilla e Fabiana (ainda que do seu jeitinho de criança), por darem

significado a momentos simples.

À Renata Schmidt Silvano, a quem eu chamo de irmã, que mesmo a distância foi um

pilar indispensável na construção deste sonho, além de grande parceira e maior

incentivadora de todo e qualquer sucesso.

À Marcos Júnior, por preferir ficar quando tanto o impulsionava a ir. Você representa

meu bem, tudo que faltava em minha vida. I’m yours.

à família Figueiró, pela comemoração de todas as vitórias de nosso ainda curto

período de convivência, mais especialmente aos queridos Marcos (pai) e Marly, que

me adotaram como filha e não medem esforços, em nenhuma oportunidade, para

me fazer sentir como se estivesse em casa.

aos meus queridos amigos de jornada: Álika, Bru, Cris, Gabi, Jo, Mari, Nany, Tatá,

Dan, Felipe, Rui e Thiago, por representarem a força que motivou as manhãs, tardes

e noites em que estivemos juntos durante esta conquista. Mas, especialmente, por

serem a maior recompensa da minha graduação.

ao estimado Edson, que mesmo à distância soube fazer tanta diferença.

aos pólens Ana, Bella, Leandro, Nesca, Poke, Leandro, André, Bia e Maikon, por

tantos momentos especiais.

ao meu estimado mentor e orientador, professor Luiz Magno, pelo apoio de todo o

período da academia. Obrigado por representar este indefinível exemplo de

magnitude acadêmica e, especialmente, por acreditar na minha capacidade pessoal

de vencer este desafio.

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aos professores Marcelo Alves, Rodrigo Mioto, Jádel da Silva, Caroline Ferri, Camila

Prando, Samantha Buglione, Flaviano Tauscheck, Luiz Magno, Paulo Emílio,

Emanuel Dal´toé, Carlos Gonçalves, Claúdio Cathcart, Marcelo Dantas, Ricardo

Anderle, Roberta Westphal, Gilberto Callado e Helena Pitsica, por representarem,

acima de tudo, a melhor definição da palavra mestre. Vocês são, sem dúvida, a

causa de tudo que a Universidade me ensinou.

à Anderson Bäctold, um dos homens mais inteligentes que já conheci (ainda que só

ele não acredite nisso), por ter sido um anjo sem assas em um período em que

minha alma estava perdida.

à Durval da Silva Amorim, por oportunizar que eu apresentasse todos os meus

pensamentos, apoiar meu direcionamento profissional e, principalmente, por me

ensinar a forma mais generosa e gratificante de construir uma carreira.

à Ronaldo Maurer, pelas inúmeras vezes em que me fez recuperar o bom humor.

Seu apoio, meu caro, foi de suprema importância.

aos não nomeados, por serem parte fundamental na construção do meu mundo.

Suas idéias, ainda que abstratamente, correm em meu sangue. Nada seria sem a

existência, ou a passagem, de vocês em minha vida.

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“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

Livro dos Conselhos

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 3 novembro de 2010.

Bruna Roberta Gonçalves

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RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de conhecer e analisar a teoria do Estado Constitucional Cooperativo de Peter Häberle, bem como o processo de integração e aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro para, após, determinar o grau de adequação dos votos declarados pelo Ministro Gilmar Mendes em recentes julgamentos no âmbito do Supremo Tribunal Federal que versaram, principal ou subsidiariamente, sobre a incorporação daqueles tratados em relação a teoria original do autor alemão. Para a concretização do objetivo dividiu-se este estudo em três etapas: Inicialmente, propôs-se a análise do pensamento evolutivo do professor Peter Häberle, que acabou por culminar na identificação do conceito de Estado Constitucional Cooperativo. Abordou-se, para tanto, a teoria constitucional como elemento da ciência cultural, o paradigma dos níveis textuais e a identificação do arquétipo constitucional, bem como a proposta de instituição da sociedade aberta dos intérpretes constitucionais, todas compreendidas como características que, identificadas no plano interno dos Estados, expandiram-se à comunidade internacional e constituem, atualmente, as premissas teóricas que envolvem a teoria do Estado Constitucional Cooperativo; Em um segundo momento, para melhor compreensão da questão pertinente aos tratados internacionais de direitos humanos, tendo-se analisado sua evolução histórica, o processo de internalização destas normas e a hierarquia a si atribuídas no ordenamento jurídico brasileiro e, por fim, o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a temática. A última etapa, por sua vez, dedicou-se totalmente ao processo de análise combinada das decisões prolatadas pelo Ministro Gilmar Mendes em processos de incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos e a teoria do Estado Constitucional Cooperativo, a fim de definir qual o grau de compatibilidade entre ambas. Apontou-se, assim, exatamente em que momentos e em que medida o julgador, de fato, implementou aos casos concretos os elementos que compõe o modelo teórico ou de que forma, efetivamente, os desvirtuou.

Palavra-chave: tratados internacionais, direitos humanos, cooperação internacional,

efetividade jurisprudencial, referencial teórico, Estado Constitucional Cooperativo.

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ABSTRACT

The present study intends to know and analyze Peter Häberle’s Constitutional Cooperative State theory, as well as the integration process and the enforcement of international human rights treaties in the Brazilian’s legal system to afterwards determine the adequateness level of the votes declared by Minister Gilmar Mendes in recent trials at the Superior Court of Justice that discussed, mainly or subsidiarily, the incorporation of those treaties in relation to the original theory of the German author. For the realization of this purpose, this study was divided into three stages: firstly, it was proposed an analysis of Peter Härbele’s evolutionary thought, which culminated in the identification of the concept of Constitutional Cooperative State. To this intent this study addressed the constitutional theory as an element of the cultural science, the paradigm of the textual levels and the identification of the constitutional archetype, as well as the proposal of the institution of the open society of constitutional interpreters, all of them understood as characteristics that, identified in the internal plane of the State, have expanded to the international community and currently constitute the theoretical premises that involve the Constitutional Cooperative State. On a second moment, for better understanding of the question regarding the international human rights treaties, it is analyzed its historical evolution, the internalization process of these norms, the self-assigned hierarchy in the Brazilian’s legal system and, finally, the current position of the Superior Court of Justice on this subject. The last stage is entirely devoted to the combined analysis of the decisions made by Minister Gilmar Mendes in the incorporation lawsuits of the international human rights treaties and the Constitutional Cooperative State theory in order to define the compatibility degree between them. It was thus indicated exactly in which moments and to which extent the judge did in fact implement in real cases the elements that are part of the theoretical model or in which way he effectively misused them.

key-words: International treaties, human rights, international cooperation, judicial effectiveness, theoretical e Constitutional State Cooperative

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1. ELEMENTOS DO PENSAMENTO DE PETER HÄBERLE .................................. 16

1.1. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO COMO CIÊNCIA CULTURAL ............................. 16

1.2. PARADIGMA DOS NÍVEIS TEXTUAIS E ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL .... 22

1.3. SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES CONSTITUCIONAIS .................. 25

1.4. ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO ................................................. 29

2. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ............................... 38

2.1. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ................................. 38

2.2. PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL E A

QUESTÃO DO CONFLITO ENTRE NORMAS. ......................................................... 46

2.3. PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL COMO UM

DEBATE SOBRE HIERARQUIA DAS LEIS .............................................................. 56

2.4. EVOLUÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ... 63

2.5. O PROBLEMA DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO COMO PANO

DE FUNDO PARA A DISCUSSÃO SOBRE O TEMA NO BRASIL (RE N. 466.343-1

E HC N. 88.585-8) ..................................................................................................... 66

2.6. EXISTE UM POSICIONAMENTO UNÍVOCO NO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL EM FACE DESTA MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL?

.................................................................................................................................. 72

3. ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL À TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE

PETER HÄBERLE .................................................................................................... 74

3.1. ELEMENTOS DO CONCEITO DE ESTADO CONSTITUCIONAL

COOPERATIVO ........................................................................................................ 74

3.2. CASOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL .................... 78

3.2.1. Prisão Civil do Depositário Infiel (RE 466.343-1/SP) ....................................... 78

3.2.2. Exigibilidade do Diploma de Jornalista (RE 511.961/SP) ................................ 83

3.2.3. Não Recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130) ............................................. 88

3.2.4. Pedido de Revogação de Prisão Preventiva em caso de Extradição (HC

91.657-1/SP) ............................................................................................................. 91

3.3. GRAU DE ADEGUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PRODUZIDA PELO MIN.

GILMAR MENDES A TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO . 96

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 104

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INTRODUÇÃO

A discussão acerca da hierarquia dos tratados internacionais no

ordenamento jurídico brasileiro a muito é suscitada no plenário do Supremo Tribunal

Federal. Inúmeros casos já haviam sido debatidos e confirmavam, sem exceção, o

posicionamento daquela corte em afirmar que qualquer norma internacional, seja

qual for sua matéria de regulamentação, teria status de norma infraconstitucional e

estaria vinculado aos princípios norteadores do conflito de normas (anterioridade ou

especialidade).

Em recente julgamento, a Suprema Corte brasileira, enfrentando uma vez

mais a discussão sobre a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, deliberou

expressamente no sentido de rever sua jurisprudência, passando a manifestar-se

pela incompatibilidade dos entendimentos anteriormente sustentados em face,

especialmente, da importância de tutela de direitos e garantias fundamentais.

Ocorre que, não obstante este fato, surge uma estreita discussão acerca

da hierarquia que deve ser atribuída as normas internacionais que versem sobre

direitos fundamentais, oportunidade em que se colocou a proposta de caráter

supralegal e constitucional destes diplomas legais. Estas teses foram defendidas,

respectivamente, pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello.

O Ministro Gilmar Mendes, em caráter mais específico, ao proferir voto no

recurso extraordinário n. 466.343-1/SP, apresenta, entre outros tantos argumentos,

a proposta de adequação do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal

Federal à teoria do Estado Constitucional Cooperativo de Peter Häberle. Indica, para

tanto, que o Estado já não se concebe voltado apenas para si, mas que deve se

abrir a cooperação com os demais membros da comunidade mundial, onde os

direitos humanos guardam estrita relevância.

Continua sustentando, desta forma, que a evidente especialidade das

normas que versem sobre direitos humanos, diante das disposições expressas de

abertura da Constituição da República, não poderiam ser renegadas a mera

hierarquia de norma infraconstitucional, devendo, para tanto, classificarem-se como

superiores as leis comuns, ainda que inferiores a Constituição.

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O status de supralegalidade atribuído pelo Ministro aos tratados

internacionais de direitos humanos se justifica ainda, senão principalmente, pela

supremacia inerente a Carta Magna que, conforme seu entendimento, não precisa

ser reafirmada, vez que está insculpida em preceitos intrínsecos seus.Tratava-se,

portanto, não de um conflito evidente entre norma constitucional e disposição do

tratado internacional, mas sim de vedação pelo tratado de que o legislador derivado

regulamentasse o instituto da prisão civil por dívidas em caso de depósito.

Como dito acima, a categoria do jurista alemão “Estado Constitucional

Cooperativo” foi apresentada na forma de um fragmento que, juntamente com outras

razões concorrentes, pretendiam “persuadir” a corte sobre a necessidade de

mudança do posicionamento até então prevalente (status de legalidade dos tratados

em matéria de direitos humanos).

No entanto, ao se debruçar sobre esta proposta teórica podem ser

identificados os seguintes elementos constitutivos: efetiva abertura do Estado

soberano à proposta de realização conjunta de tarefas; disponibilização solidária aos

Estados estrangeiros; ainda, reconhecimento e efetivação de critérios claros de

abertura normativa e jurisdicional ao plano internacional; e, por fim, formalização da

importância e irrestrita aplicabilidade de formas de tutela dos direitos humanos e

fundamentais.

Pareceu-nos, diante deste quadro, que a teoria proposta pelo professor

Peter Häberle iria, naturalmente, muito além à hierarquização dos tratados

internacionais de direitos humanos. No entanto, a lógica contraria esta conclusão,

afinal, dada a expressa vinculação posta pelo Magistrado à proposta de Estado

Constitucional Cooperativo, não seria no mínimo desejável que a resolução final do

caso fosse, igualmente, adequada ao conceito do teórico alemão?

A referida percepção ensejou, portanto, a proposta objetiva deste

estudo em avaliar se as decisões proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes para a

questão da internalização e aplicação das normas oriundas dos tratados

internacionais de direitos humanos implementam, de fato, os já indicados elementos

da teoria do Estado Constitucional Cooperativo.

Utilizou-se, para tanto, o método dedutivo, uma vez que, após identificar

as premissas teóricas que informam o conceito de Estado Constitucional

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Cooperativo e os seus elementos constitutivos, pretende-se analisar o grau de

adequação das manifestações proferidas pelo Ministro Gilmar Mendes (pelos seus

fundamentos e resultados obtidos) em relação ao fundamento teórico invocado (a

teoria häberliana).

Para devida análise da questão se propôs, então, o detido estudo da

teoria original do Estado Constitucional Cooperativo, para que, ampliando o rol de

análise, fosse colocada não só em face deste julgado (relativo a prisão civil do

depositário infiel) como também em demais manifestações do Ministro Gilmar

Mendes acerca da incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos.

O primeiro capítulo abarca, exclusivamente, os elementos do pensamento

de Peter Häberle com o fim de subsidiar a compreensão da teoria em apreço. Ou

seja, parte-se de sua concepção da teoria da constituição como ciência cultura;

após, ao desenvolvimento de sua percepção analítica com o fim de identificar o

arquétipo constitucional que dá forma a teoria do paradigma dos níveis textuais;

ainda, tratou-se sobre a pretensão de formalização da sociedade aberta dos

intérpretes da Constituição para, por fim, dar-se verdadeira forma ao conceito de

Estado Constitucional Cooperativo. Ressalte-se oportunamente que, salvo

raríssimas exceções, o estudo se desenvolveu com utilização exclusiva de obras do

referido teórico.

O segundo capítulo, por sua vez, dedica-se a exploração das teorias que

norteiam o processo de internacionalização das normas relativas aos direitos

humanos, bem como aqueles que tratam, propriamente, sobre os critérios de

incorporação destas normas ao ordenamento jurídico brasileiro. Coloca-se, ainda, a

questão da proposta de hierarquização promovida pelas jurisdições particulares aos

tratados internacionais de direitos humanos; e, finalmente, para desfecho da

proposta, abordou-se com mais precisão os argumentos e fatos peculiares que

nortearam o julgamento da causa relativa à possibilidade de prisão civil do

depositário infiel no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

No terceiro capítulo, em conclusão, propõe-se a resposta à questão que

deu azo ao presente estudo, mais propriamente a partir da descrição de julgados

que versaram sobre a incorporação e aplicação de tratados internacionais de direitos

humanos, mais especificamente os casos relativos à: prisão civil do depositário infiel,

exigibilidade do diploma de jornalista, não recepção da lei de imprensa e, por fim,

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obrigatoriedade de decretação da prisão preventiva em processo de extradição.

Pretende-se, desta forma, a busca pelo apontamento dos elementos que compõem

o conceito de Estado Constitucional Cooperativo no corpo dos votos proferidos pelo

Ministro Gilmar Mendes, a fim de perceber se suas decisões e os fundamentos que

a subsidiam se compatibilizam com o preceito teórico proposto pelo professor Peter

Häberle.

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1. ELEMENTOS DO PENSAMENTO DE PETER HÄBERLE

1.1. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO COMO CIÊNCIA CULTURAL

A concepção clássica do Estado reconhece sua existência a partir da

presença de três elementos essenciais:1 território, povo e poder.2 O teórico alemão

Peter Häberle, no entanto, acredita que esta concepção é insuficiente para

compreensão do modelo de Estado moderno.3

Nasceria, neste particular, a teoria da Constituição, que teria a

incumbência de acrescer aos elementos essenciais do Estado à própria

Constituição, transformando o já estabelecido Estado moderno em um Estado

verdadeiramente constitucional.4 A Constituição, por sua vez, seria um pressuposto

do Estado democrático, enquanto diretriz necessária para construção da sociedade

aberta e a tutela de direitos fundamentais. A Constituição seria, neste sentido, senão

o primeiro elemento essencial do Estado, pelo menos o quarto, compondo o quadro

que permeia a existência legítima do atual modelo de Estado soberano.

A pretensão do autor, não obstante essas determinações, é demonstrar

que a Constituição, enquanto elemento que deve ser considerado essencial para

existência do Estado soberano, possui um base elementar, que determina seu

direcionamento e, como se verá, funda todos os seus critérios: a cultura.

A Constituição seria o produto do desenvolvimento cultural de um

Estado.5 Afirma-se, para tanto, que o texto constitucional fornece um primeiro

parâmetro para uma avaliação do grau do desenvolvimento cultural deste, servindo,

inclusive, como instrumento social de reconhecimento do estágio de afirmação

cultural do Estado soberano, principalmente por meio da tutela que oferece aos bens

1 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad

Nacional Autónoma de México, 2001, p. 21. 2 Como também apontado, por exemplo, nas obras de Hans Kelsen (Teoria geral do direito e do

Estado. 4ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2005) e Dalmo de Abreu Dallari (Elementos da teoria Geral do Estado. 20ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2002). 33

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 21. 4 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad

Nacional Autónoma de México, 2001, p. 1. 5 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad

Nacional Autónoma de México, 2001, p. 5.

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culturais e a preservação dos direitos fundamentais do cidadão.6 Nestes termos, a

constituição representaria, propriamente, o espelho cultural de um povo que, vivendo

num mesmo território, concretiza de forma expressa o poder conferido ao Estado

que o representa, ou seja, fala-se concretamente na expressão combinada de todos

os pressupostos do Estado.

Diante disso, a integração natural entre os seres humanos, o

compartilhamento de informações entre os povos, multiplicado pela globalização

mundial, bem como a inter-relação entre as gerações de um determinado grupo

social faz parte do ideal de Häberle na efetivação dos ditames constitucionais,7 como

garantia não só da validade ou perpetuidade da Constituição escrita, mas como

forma efetiva da perpetuação do próprio Estado.8

Aliás, ao tratar dos elementos essenciais do Estado, o teórico afirma,

inclusive, que a cultura seria pressuposto, também, daqueles elementos

tradicionalmente reconhecidos pelos autores clássicos, dado que perpassa todos à

medida que cada um destes é constituído a partir de um determinado contexto

cultural.9

Tem-se, desta forma, que os elementos reconhecidos como essenciais à

formação do Estado, inclusive a Constituição, não são independentes, mas se

completam na medida em que constituem verdadeiras derivações e representações

materiais da cultura – local, regional, de um povo ou, até mesmo, da própria

humanidade.

Neste contexto, é preciso conceber a cultura de forma ampla, ou seja,

como atividade humana. Trata-se, assim, de forma de interação humana que, no

6 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad

Nacional Autónoma de México, 2001, p. 5. 7 Trata-se, especialmente, do reconhecimento de elementos culturais que são vividos, debatidos e/ou

identificados entre gerações distintas, que perpassam umas as outras os critérios para evolução ou aprimoramento de determinados aspectos da vida social. Este processo pode ser direto, como pelo compartilhamento de premissas históricas, concretizado no reconhecimento de experiências concretas dos antepassados – suas conquistas, derrotas e ascensão no que tange a efetivação dos direitos humanos; ou ainda de forma indireta, com a herança deixada pelos presentes às futuras gerações, sempre presente na literatura, arte, arquitetura e outros, que os servirão, em momento próprio, da mesma forma que a cultura passada, hoje, nos serve. 8 A preocupação parece diretamente ligada a possibilidade do conflito cultural, que funda todos os

elementos que sustentam o Estado soberano, inviabilizar a convivência pacífica, a interação entre os povos ou, até mesmo, a preservação plena de condições que assegurem a dignidade da pessoa humana. 9 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad

Nacional Autónoma de México, 2001, p. 21.

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curso do tempo ou dos embates filosóficos, constrói ou desenvolve um modelo ideal

de vivência e valores.10

Pode-se dizer, portanto, que a conjugação da cultura com o “elemento

povo” deriva, propriamente, do conceito de cultura, pois esta nasce das interações

sociais, ou seja, da participação e convivência efetiva da comunidade – povo – na

construção do Estado.11

Há, ainda, a relação com o “elemento território”, que deve ser concebido,

no modelo atual, como valor constitucional.12 Esta definição é perceptível, por

exemplo, quando o Estado soberano se abre à tutela de direitos fundamentais dos

estrangeiros, vez que se transforma, concretamente, em ferramenta de tutela de

direitos fundamentais do homem.13 Afirma-se, neste sentido, que se trata de

verdadeiro espaço para o reconhecimento da identidade e manifestação da história

de um povo, tornando-se, portanto, elemento permanente da cultura.14

O “elemento poder”, finalmente, quando avaliado a partir da perspectiva

do Estado constitucional, deve ser visualizado como própria manifestação de

determinações culturais, pois o Estado, nesta concepção, encontra-se limitado e

direcionado a atuar a serviço da dignidade humana, especialmente, da liberdade

cultural.15 Torna-se, portanto, verdadeiro elemento de tutela da diversidade cultural,

assegurando, acima de tudo, sua manifestação plena.

A cultura se transforma, portanto, no elemento verdadeiramente essencial

do Estado, vez que funda, cria ou sustenta em absoluto todos os já reconhecidos

elementos que constituem, em especial, o Estado constitucional.

O modelo atual de Estado constitucional, no entanto, vive a era do

desenvolvimento tecnológico, com o inevitável reconhecimento do intenso

compartilhamento cultural operado entre Estados soberanos, principalmente pelos

10

BASTOS Jr., Luiz Magno Pinto. Constituição como Processo – Categoria Central da Teoria Constitucional de Peter Häberle. Florianópolis, 2001, pg. 24-26. 11

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 242. 12

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 23. 13

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 24. 14

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 23. 15

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 22.

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19

novos fenômenos relacionais e as novas formas de interações sociais. Ocorre que,

diante destes fatos, impera a instituição de uma nova premissa teórica para essa

intensa comunicação cultural que vem se expandindo progressivamente, que se

formaliza para o autor na idéia do Estado Constitucional Cooperativo.

Este, como se verá mais adiante, resulta da interação direta entre os

Estados, propriamente, de um compartilhamento progressivo de diversas culturas

sociais – principalmente quando se analisam os modelos de Estado, as relações

internacionais ou, fundamentalmente, os direitos e garantias individuais “nacionais”.

Há, nestes termos, o progressivo desenvolvimento de uma cultura mundial16 que

garanta e efetive as formas de proteção da dignidade humana.

A partir desta premissa, a primeira função do Estado seria estabelecer um

coeficiente de coexistência pacífica entre as diversas culturas, que futuramente se

estenderá para o âmbito mundial, vez que o objetivo central é, indispensavelmente,

a tutela das liberdades culturais, combinadas com a necessidade de proteção da

dignidade humana. Trata-se, em verdade, da chamada tolerância constitucional, que

é exemplificada pelo autor da seguinte maneira:

Na etapa atual de desenvolvimento é preciso que todos os Estados constitucionais, independentemente de mono ou multiculturais, concebam-se em todos os sentidos como pluralistas: inclusive a França, que encontra sua identidade cultural e política na “República”, deve encontrar um refugio

tolerante para o Islã, que já é a segunda religião em importância no país.17

Inicialmente, para compreensão absoluta do termo, faz-se necessária a

análise mais profunda do modelo de Estado constitucional enquanto forma de

determinação de elementos ideais e reais, ou seja, as possibilidades existentes e as

esperadas. Combinação esta que, concretamente, nenhum Estado alcançou, mas

que relaciona, objetivamente, as possibilidades ideais com as concretizações reais.18

16

Compreendida como a identificação de ações humanas comuns a diversas sociedades, ou seja, o efetivo compartilhamento de preceitos culturais entre as sociedades soberanas que fazem parte da comunidade internacional de Estados. 17

“En la etapa actual de desarrollo es preciso que todos los Estados constitucionales independientemente de lo mono o pluriculturales que puedan ser en la realidad, se conciban em todos sentidos como pluralistas: incluso Francia, que encuentra su identidad cultural y política en la “República”, debe encontrar un refugio tolerante para el Islam, que ya es la segunda religión en importancia en el país.” (HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 28-29). 18

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 1.

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20

Desta forma, pode-se dizer que o modelo de Estado constitucional

preconizado por Häberle possui, como qualquer teorização, elementos essenciais,

que transcendem em muito a tríade clássica (poder-povo-território), são eles:

A dignidade da pessoa humana [...]; o princípio da soberania popular [...]; a Constituição como contrato [...]; o princípio da divisão de poderes [...]; os princípios do Estado de direito e do Estado social [...]; a garantia de direitos fundamentais; a independência da jurisdição.

19

Neste momento é imprescindível considerar, para uma adequada

compreensão do tema, a mencionada concepção da Constituição como contrato

promovido pela teoria constitucional.20 A aceitação deste preceito remete à realidade

constitucional da participação necessária da sociedade, mais propriamente a partir

de suas manifestações e desenvolvimento culturais.

Propõe-se, para tanto, a constituição de uma “mesa de negociação”, que

garantiria a legitimidade e maior eficácia das normas constitucionais a partir da

participação, ainda que parcial, de representantes da sociedade em geral.21 Trata-

se, em verdade, de forma garantidora de integração, reconhecimento e discussão da

percepção geral da cultura socialmente proposta, seja ela regional, nacional,

mundial ou, ainda, histórica.22

Está-se diante, portanto, da perpetuação dos pressupostos culturais que,

historicamente, são enraizados pela sociedade e compreendidos, neste momento,

como verdades23 que, ainda que não sejam absolutas,24 guardam os melhores

19

“la dignidad humana […]; el principio de la soberanía popular […]; la Constituición como contrato […]; el principio de la división de poderes […]; los principios del Estado de derecho y el Estado social […]; las garantías de los derechos fundamentales; la independencia de la jurisdición.” (HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 1-2). 20

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 14. 21

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 15. 22

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 14. 23

Verdade esta que constitui uma aceitação prática de determinados modos ou premissas que se impõe a partir identificação racional, ou seja, com fundamento no método de tentativa e de erro. Ou seja, não se trata de uma determinação absoluta da realidade, mas do alcance da maior possibilidade de acerto e da possibilidade de reconhecer que é possível estar errado. “O apelo à razão deve conjugar o realismo (como pressuposto epistemológico – problema) ao racionalismo (como atitude prática ao diálogo), uma vez que o racionalismo consiste em uma atitude de disposição a ouvir argumentos críticos e a aprender com a experiência [...que resulta em...] admitir que eu posso estar errado e vós podeis estar certo, e, por um esforço, poderemos aproximar-nos da verdade.” (BASTOS Jr., Luiz Magno Pinto. Constituição como Processo: Categoria Central da Teoria Constitucional de Peter Häberle. Florianópolis, 2001, p. 92).

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21

elementos de validade25. Esta cristalização cultural26, porém, não implica em uma

intangibilidade da própria constituição. Pelo contrário, a teoria häberliana concebe

ser ínsita à constituição, em face de sua característica de manifestação cultural, a

sua abertura estrutural e semântica27 às transformações decorrentes da

mutabilidade das relações sociais.

Concebe-se, neste particular, que na medida em que se transforma a

sociedade e se estabelecem novos traços culturais, transformam-se também os

temas essenciais que compõem o texto constitucional. A complementação se dará,

futuramente, por normas escritas (reformas constitucionais) ou não escritas

(interpretação constitucional). De acordo com o autor, a teoria constitucional assume

igualmente a obrigação de observar tais alterações e estabelecer, concretamente,

suas relações com o propósito específico de identificar as etapas textuais acrescidas

ao texto constitucional. Nas palavras do autor:

Em resumo: em um mundo em transformação mudam também os temas constitucionais. Enquanto mais antigas as Constituições, tanto mais a ciência e a prática complementam os textos escritos por meio de regras não escritas, o que pode ser motivo, mais tarde, para que outros constituintes, próximos ou distantes, traduzam sua “quinta essência” em novos textos, e a teoria constitucional pode acompanhar estes processos, descobrir suas inter-relações e inclusive reforçá-las (de maneira limitada). Assim lido, o paradigma dos níveis textuais não superestima nem subestima os textos

constitucionais.28

24

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 31. 25

Considera-se, nesta perspectiva, que a integração entre os seres, povos e sociedades, em um contexto geral, consiste, necessariamente, o mecanismo de legitimação do texto constitucional. Justifica-se: Häberle compreende a Constituição enquanto concretização dos pressupostos sociais necessários a manutenção da sociedade – efetivação de direitos e garantias fundamentais, forma de governo, determinação do território, entre outros –, nestes termos, enquanto forma de regulamentação e considerando, principalmente, que a Constituição é uma construção cultural, quanto maior a participação dos agentes em sua formulação, maior a abrangência de suas determinações. Como não se concebe na teoria constitucional, propriamente dita, a coerção ao Estado para que atenda a determinados pressupostos doutrinários na construção interna de seus textos constitucionais, o teórico se utiliza, sempre, da verificação da validade da norma, considerando que é mais válida aquela que, necessariamente, reconhece o pluralismo intrínseco ao Estado e agrega, de forma mais efetiva, as diversas culturas que visa tutelar. 26

Processo de solidificação dos preceitos culturais considerados verdadeiros pela sociedade negociante que são, consequentemente, inscritos nas Constituições dos Estados. 27

Estando a Constituição aberta a alterações formais, como as provenientes da promulgação de emendas constitucionais ou, até mesmo, hermenêuticas, concretizadas pela inovação do processo de interpretação e aplicação das normas postas pelo constituinte originário. 28

“En resumen: en un mundo en transformación cambian también los temas constitucionales. Mientras más antiguas las Constituciones, tanto más la ciencia y la práctica complementan los textos escritos mediante reglas no escritas, lo que puede ser motivo, más tarde, para que otros constituyentes, próximos o lejanos, traduzcan su “quintaesencia” en nuevos textos, y la teoría constitucional puede acompañar estos procesos, descubrir sus interrelaciones e incluso reforzarlas (de manera limitada). Así leído, el paradigma de las etapas textuales no sobrestima su subestima los

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22

Tal perspectiva – de relação entre os preceitos atuais, estabelecidos nas

Constituições escritas, e as concepções futuras, originárias das novas relações

sociais – trata-se, em verdade, do que o autor chama de “pacto das gerações”.29

Representando, neste sentido, a interação cultural efetivada por meio da formulação

e interpretação das diretrizes constitucionais, como verdadeiro meio de perpetuação,

compartilhamento e evolução das formas de interações sociais, das garantias

fundamentais e dos modelos sociais filosóficos.

Ou seja, diz-se que o contrato social se apresenta como “pacto das

gerações” quando analisado a partir do elemento temporal.30 A Constituição não

poderia ser definida, meramente, como elemento do Estado, mas, com fulcro nesta

análise, como resultado do processo de integração e socialização que tem a

pretensão de servir, não somente ao momento, mas também à existência pacífica e

regular das gerações futuras.31 Tem-se, neste sentido, que a Constituição, enquanto

parte da cultura social construída e posteriormente cristalizada,32 acaba por

caracterizar o direito como verdadeira derivação das manifestações culturais.33

1.2. PARADIGMA DOS NÍVEIS TEXTUAIS E ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL

A partir da perspectiva da Constituição como expressão cultural

anteriormente abordada, Häberle passa a análise da individualidade de cada Estado

no que tange à concretização de suas premissas constitucionais, declarando, por

assim dizer, que não obstante a construção universal do tipo de “Estado

Constitucional”, sua evolução se dá, particularmente, no âmbito privado de cada

Estado.34

textos constitucionales.” (HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 7). 29

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 15. 30

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 15. 31

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 15-16. 32

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 21. 33

HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Estudios de Teoría Constitucional de la sociedad abierta. Madrid: Editorial Tecnos, 2002, p. 44. 34

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 2

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23

Para tanto, o autor propõe a construção de um modelo teórico que

permite a análise dos textos constitucionais de cada Estado a partir de uma espécie

de decomposição analítica das influências (do passado e de outras experiências

estrangeiras) 35 no seu texto atual, aquilo que ele denomina de paradigma dos níveis

textuais. Assim, ao mesmo tempo em que se coaduna com a idéia de que a

constituição é fruto do exercício pleno da soberania dos Estados, revelando, pois,

suas próprias características culturais e históricas; permite a identificação de

estágios evolutivos do desenvolvimento da democracia e da institucionalização de

formas de proteção da dignidade humana.

A análise dos níveis textuais de um texto constitucional permite a

construção de um modelo constitucional ideal, chamado de “Arquétipo

Constitucional”. Estes tipos-ideais seriam resultado direto do exercício de direito

comparado, já que seus elementos seriam recolhidos das diversas experiências

constitucionais concretas, os quais constituiriam uma espécie de standards mínimos

de proteção tanto de direitos fundamentais quanto de prerrogativas institucionais.

Pode-se falar, assim, na busca da teoria constitucional pelo “Espírito das

Constituições”36, que seria, necessariamente, a medida da evolução das

Constituições estatais, que quanto mais absorvesse o espírito constitucional, mais

avançada estaria.37 Este elemento permite, em síntese, que o texto constitucional

abra-se ao futuro, com perspectivas de desenvolvimento próprio ou comum, seja por

agregação cultural nacional ou percepção universal da evolução histórica da

humanidade.38

35

Estruturada a partir desta conexão de fundo, a teoria da recepção jurídica, tal qual formulada pelo autor, pode ser topicamente reproduzida tanto em vista sues pressupostos, características e conseqüências, nos seguintes termos: a) os textos constitucionais são resultado da conjugação de elementos da sua experiência pretérita de um povo (diacrônica) e da experiência atual compartilhada pelas diferentes nações (sincrônica), e reproduzem (e abrem-se a novas) expectativas (auto-reprodução das expectativas culturais). (BASTOS Jr., Luiz Magno Pinto. Constituição como Processo: Categoria Central da Teoria Constitucional de Peter Häberle. Florianópolis, 2001, p. 92). 36

Trata-se, assim, da expressão (explícita ou implícita) do sentimento de sociedade que norteia as normas constitucionais necessárias a Nação a qual ela se direciona com o fim de, principalmente, regular as relações culturais. Häberle trata, neste sentido, que é possível conceber um Espírito da Constituição universal, que faz a presença de preceitos como separação dos poderes, direitos e garantias fundamentais e estrutura democrática, bem como ao Espírito da Constituição regional, que incorpora a si, além daquelas características, parâmetros culturais da sociedade que regula. 37

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 2. 38

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 4.

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24

Tal absorção concretiza-se, realmente, a partir da comunicação entre os

Estados Soberanos de seus aspectos culturais próprios. Nasce deste preceito, um

mecanismo intenso de envio e recepção de paradigmas textuais pré-estabelecidos.

Explica-se:

Um texto formalizado no âmbito de uma Nação passa,

necessariamente, por uma construção que combina referências

universais mínimas – constantes do modelo de Arquétipo

Constitucional –, com prioridades específicas próprias, que derivam

de concepções particulares ou momentos históricos vividos;

Quando formalizadas, tais disposições permitem seu

compartilhamento universal, ou seja, compartilhadas com outros

Estados – inclusive suas aplicações práticas, interpretação própria

e recepção das normas pelo povo que a absorve.

Estes, por sua vez, recepcionam parcialmente as diretrizes

apresentadas, visível tanto por manifestações formais – como texto

reescrito com novas premissas –, como materiais – pela

compreensão interpretativa particular de cada intérprete nacional;

A partir desta integração de pressupostos, o Estado receptor

acaba, naturalmente, oferecendo aos demais países sua própria

percepção da teoria que lhe foi oferecida, agregando a estas

particularidades culturais e elementos históricos que lhe são

relevantes.

Trata-se, portanto, de um verdadeiro mecanismo de (re-)envio e recepção

de preceitos legais ou experiências institucionais concretamente vivenciados em

determinadas sociedades, os quais acabam por atingir, em maior ou menor medida,

todos os Estados constituídos. Isto permite a interação e integração entre Estados e,

sobretudo, da própria cultura constitucional, como resultado do compartilhamento (e

interpenetração) de diferentes modelos Constitucionais.

Os níveis textuais seriam próprios, neste contexto, da percepção de

absorção, pelo Estado Soberano, dos princípios universais mínimos estabelecidos,

percebendo-se, inclusive, no âmbito privado dos Estados, sua evolução própria –

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25

que atenta sempre as suas perspectivas cultuais particulares – de Constituições com

uma abrangência protetiva menor até uma maior.

Este critério determina, definitivamente, a característica de fenômeno

cultural das Constituições colocadas, demonstrando que elas não servem apenas

para a manifestação da cultura de uma sociedade em especial como, de fato,

contribuem para que as particularidades sociais postas sob sua jurisdição possam,

inclusive, ser compartilhadas com os demais Estados.

1.3. SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES CONSTITUCIONAIS

A partir do tema abordado, concretizada a idéia da Constituição como

fenômeno cultural, passa-se a análise própria da interpretação das normas

constitucionais.

Impera afirmar, neste ponto, que a interpretação constitucional, em parte

ignorando as inovações sociais, estava demasiadamente centrada no corpo jurídico

próprio, e caminhava a um estreitamento progressivo, vez que se atribuía, quase

que integralmente, à visão dos juízes constitucionais e do procedimento

formalizado.39

Afirma o autor, ainda, que a mera independência funcional combinada

com a imparcialidade conferida aos julgadores não constitui elementos suficientes

para efetivação da garantia de produção do significado pleno do dispositivo

normativo interpretado. Na verdade, tal liberdade funcional assenta-se nas

instituições estatais, enquanto estas, por sua vez, retiram sua legitimidade de

atuação do corpo social que, de fato, fornece o substrato material ao

estabelecimento e consequente aplicação das leis.40

Veja-se, diante de tudo que se disse anteriormente, que as diretrizes

culturais sustentam os elementos essenciais do Estado e fundamentam,

prioritariamente, a ordem constitucional imposta. Nada mais lógico, portanto, que a

39

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 149. 40

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 156.

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26

incorporação dos agentes produtores de cultura – autênticos co-autores das normas

– ao grupo dos legítimos intérpretes das normas.

Neste contexto, Häberle prevê que o monopólio desenfreado dos meios

de interpretação das normas seja relativizado por novas formas de produção de

sentido normativo, que integre, necessariamente, o posicionamento das forças

públicas, como autoridades interpretativas em sentido amplo.41

Relevante frisar, ainda, que embora o preceito de vivência e construção

da norma se aplique a todo e qualquer instrumento normativo, sua importância no

que tange à interpretação das diretrizes constitucionais é especialmente mais

expressiva. O autor demonstra, neste particular, a expressão da força cultural que

atua diretamente nas disposições constitucionais:

Aqui se produzem movimentos, inovações, trocas, porém também “confirmações”, que são mais que um mero “material objetivo” para a interpretação constitucional (futura); são um pedaço de interpretação da Constituição, porque em seu marco se cria uma realidade pública e em ocasiões se modifica inadvertidamente.

42

Continua afirmando, inclusive, que o referido processo interessa a todos,

em medida que interfere e representa, propriamente, a vida em comunidade.43

Podendo-se dizer, por tais razões, que dados os fatos não se poderia tratar a

interpretação constitucional, nem em tese e muito menos na prática, como questão

sujeita a um monopólio estatal. Atua (e deve atuar em escala ampliada), em

verdade, toda comunidade política.44

O presente capítulo da história constitucional, especialmente no que

tange à derivação cultural da Constituição, bem como a questão relativa às suas

percepções ideais combinadas com a sua aplicação real ensejam a compreensão de

que a norma é, necessariamente, vivida por uma parcela significativa de um todo

41

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 162. 42

“Aquí se producen movimientos, innovaciones, cambios, pero también “confirmaciones”, que son más que un mero “material objetivo” para la interpretación constitucional (futura); son un pedazo de interpretación de la Constitución, porque en su marco se crea una realidad pública y en ocasiones se modifica inadvertidamente.” (HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 154). 43

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 153-154. 44

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 153.

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27

que, naturalmente, atua na caracterização de seus preceitos.45 É preciso, portanto,

reconhecer aqueles que integram essa realidade constitucional.46

Há mencionar, especialmente neste momento, que o reconhecimento da

sociedade aberta dos interpretes constitucionais constitui uma das bases essenciais

ao estabelecimento pleno do Estado Constitucional Cooperativo, tendo em vista que

a legitimidade dos processos institucionalizados de interpretação da constituição, a

partir de uma perspectiva cidadã, deriva da incorporação de múltiplas análises e

vivências “sobre a constituição”. Necessário, portanto, abandonar a forma

centralizadora da construção jurídica da Constituição, avançando à concepção

desenvolvida pela sociedade pluralista.47

Importante estabelecer, no entanto, que a mencionada interpretação (em

sentido amplo), não afasta, necessariamente, a interpretação legal formulada por

aqueles expressamente legitimados pelo texto constitucional. Ocorre que, na nova

formulação, torna-se indispensável a abertura da interpretação à realidade social, o

que enseja, necessariamente, a agregação daqueles que, viventes daquela

realidade, são parte integrante de seu desenvolvimento pluralista.48

Vale mencionar, não obstante, que o afastamento da concentração

interpretativa busca, por assim dizer, a democratização da interpretação

constitucional, na medida em que esta tenha que buscar legitimação na teoria

democrática e vice-versa.49 Democracia implica, no seu entender, abertura aos

setores sociais. É evidente frisar que não se faz um Estado dito democrático com

canalização de responsabilidades, irrestritas e exclusivas aos órgãos estatais,

reconhecendo-se entre elas a interpretação constitucional.50

Assim, diante da proposta de reconhecimento da cultura como

pressuposto do Estado Constitucional, que caminha paulatinamente rumo ao

45

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 150. 46

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 149. 47

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 150. 48

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 156. 49

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 151. 50

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 158.

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28

compartilhamento externo de preceitos basilares e estruturais das Cartas

Constitucionais, nada mais claro que atribuir a toda a sociedade – que constrói e

vive a cultura – a legitimidade para atuar na interpretação das normas

constitucionais. Aliás, impera reconhecer que é a abertura à sociedade pluralista

para participação interpretativa que legitima o sentido real da norma, tendo-se,

principalmente, que aqueles que moldam e a quem se dirigem os preceitos são,

naturalmente, os mais indicados a definirem seu sentido e abrangência.

Resta abordar, por fim, que a questão relativa à abertura progressiva da

interpretação a toda sociedade51 exige a complementação dos métodos

interpretativos. Inclusive, esta abertura, nos moldes do Estado Constitucional

Cooperativo, estende-se à comunidade internacional das diferentes tradições

constitucionais.

Häberle pretende, neste contexto, identificar como quinto método de

interpretação – que se soma aos clássicos pré-estabelecidos52 – a comparação.53

Determina, para tanto, que não há nada mais adequado que esta técnica para

identificação e difusão dos direitos fundamentais, bem como para o fornecimento de

alternativas que potencializem a aplicação de preceitos compartilhados entre as

diversas sociedades pluralistas. Afirma, inclusive, que:

Em minha opinião, a “canonização” da comparação jurídica como “quinto” método de interpretação, ao menos no direito constitucional do tipo de “Estado da doutrina da interpretação jurídica.

54

Assim, a partir do método comparado de interpretação, combinado com o

reconhecimento definitivo da participação social na atuação concreta que molda e

define o sentido e aplicação de tais preceitos, e não só na formação efetiva das

normas constitucionais por meio da formação cultural, têm-se a primeira

manifestação do Estado Constitucional Cooperativo.

51

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 163. 52

Histórico, gramatical, sistemático, teleológico. (BARROSO, Luís Roberto. “Princípios de Interpretação Especificamente Constitucional”, trecho de Interpretação e Aplicação da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 119-133) 53

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 162. 54

“Em mi opinión, la “canonización” de la comparación jurídica como “quinto” método de la interpretación, al menos en el derecho constitucional del tipo del “Estado constitucional”, no seíará sino consecuente con la historia de la doctrina de la interpretación jurídica.” (HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 164).

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29

O aspecto surpreendente da teoria reside, principalmente, na forma em

que a sociedade aberta dos interpretes constitucionais se constrói a partir da referida

combinação, através da qual a identidade nacional/regional/local se mantém mesmo

em face da sua abertura à crítica formulada a partir das experiências constitucionais

compartilhadas pela comunidade internacional.55

1.4. ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO

O ponto de partida da concepção do Estado Constitucional Cooperativo,

como mencionado no início deste estudo, esta no reconhecimento de que a

evolução das relações inter-estatais é um fenômeno que, no decorrer dos anos, vem

se expandindo de forma acelerada. Desenvolvendo-se acentuadamente pela

necessidade de cooperação econômica, social e humanitária entre os Estados.56 Tal

evolução tem sido auxiliada – ou agravada –, ainda, pelo avanço ininterrupto das

tecnologias de telecomunicações, que acabam por integrar, cada vez mais, os

agentes sociais que vivem em espaços geográficos absolutamente distintos do globo

terrestre.57

Esta interação tem como consequência natural, como já debatido, a

integração de aspectos culturais distintos e/ou anteriormente desconhecidos. O

resultado deste processo é um envio e recepção de informações sociais que

acabam por interferir, a longo prazo, nas modalidades de vivências da comunidade

do Estado soberano que vivia, por assim dizer, isolado. Estas alterações culminam,

nestes termos, em uma reformulação gradativa dos critérios constitucionais de cada

Estado, que constituem, como já referido, verdadeiro reflexo cultural da sociedade a

qual se submete.

Nestes termos, acompanhando esse desenvolvimento de relações,

surgem novos aspectos na escala de direitos que, consideradas as exceções, têm

um grau de importância nos ordenamentos internos que transcende a idéia de

55

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Traducción Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 163-164. 56

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 19. 57

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 44.

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Estado Constitucional Soberano, constituindo verdadeiro meio de integração entre

as diferentes Nações e povos. Determinados bens passam a constituir-se, em

verdade, como objeto de uma tutela comum de matiz mundial – ou ainda regional,58

compondo o modelo ideal de arquétipo constitucional desenvolvido pelo autor. É o

caso, por exemplo, da necessidade de proteção dos recursos naturais ou dos

direitos humanos.59

Percebeu-se, nessa perspectiva, que a crescente integração entre os

Estados Soberanos e o grau de importância atribuído a determinadas classes de

direitos internamente já tutelados (ou ao menos reconhecidos) desembocaria no que

se pode chamar de “direito comum”.60 Tais aspectos, vistos desta forma, não

poderiam ter resultado diverso, que não a integração destes Estados na busca das

melhores formas e condições de assegurar o desenvolvimento comum das Nações

ou, mais concretamente, a efetivação das garantias fundamentais conjuntamente

compreendidas. O preceito central da cooperação é, sem dúvida, a solidariedade.61

Assim, a teoria do Estado Constitucional Cooperativo, nas definições de

seu propositor, nada mais é que a concretização dessa evolução das interações

sociais que acaba convergindo ao compartilhamento de questões jurídicas

basilares.62 Trata-se, em verdade, da forma mais legitima de se compreender o novo

Estado Constitucional, que tem avançado de forma inevitável, e necessária, à

integração entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional.63

A citada cooperação seria precedida, certamente, de duas propensões

estatais essenciais: a disposição para uma ação comum e o compartilhamento de

objetivos solidários realistas.64 Tais requisitos, por assim dizer, seriam a condição

58

HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001, p. 71. 59

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 3. 60

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 38-41. 61

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 4. 62

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 2. 63

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 5. 64

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 8.

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inicial para participação do Estado Soberano na constituição interna do Estado

Constitucional Cooperativo.

A cooperação surge, nesse ínterim, da disposição para o diálogo, da

consciência de sua necessidade, e se concretiza na disponibilidade de auxílio. Nas

palavras do Professor Häberle resulta em “’um estar à disposição do outro’”.65 Trata-

se, concretamente, da abertura interna do Estado ao plano internacional. É

imprescindível, nesse sentido, que esta idéia de abertura se efetive internamente,

apresentando-se, preferencialmente, expressamente nas Cartas Constitucionais66.

A concretização do Estado Constitucional Cooperativo se constituiria,

assim, em questão constitucional interna que legitima, especificamente, a integração

de direitos que surjam no âmbito internacional e que tenham um fim determinado,

quais sejam: a integração entre os povos, a paz das nações, a proteção dos

cidadãos – incluídos os apátridas e estrangeiros – e a solidariedade entre os

Estados.67

Esta abertura está presente, materialmente falando, de forma

absolutamente diversa nas constituições dos Estados soberanos. Estes textos

apresentam a disposição para cooperação, às vezes de forma mais enfática e

expressiva (dando mais validade ou dispondo sobra mais formas solidárias), por

vezes de forma mais branda e analítica (com expressões que dêem margem a

interpretação e em situações mais limitadas).68 Importa, no entanto, que não

obstante a diversidade de fórmulas, todas pretendem o mesmo objeto: aceitar as

perspectivas de outros países e/ou Instituições internacionais sobre a importância

dos direitos fundamentais ou suas formas de tutela.

Vale ressaltar neste momento, apenas, que independente do grau de

abertura formalizado pelos Estados soberanos, qualquer menção – direta ou indireta

– às relações internacionais, às proteções integrais e ao reconhecimento das

conclusões oriundas de debates exteriores serão consideradas pelo Estado como

65

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 9. 66

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 3. 67

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 4/8. 68

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 13-14.

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instrumento para a busca do “bem comum” em concreto – paz mundial,

reconhecimento das Nações, concretização da igualdade, etc.69

O fato atual é que este Estado Constitucional, reconhecidamente aberto,

não mais se legitimará, se não na forma de Estado Constitucional Cooperativo,70

fazendo-se requisito para tal a sua disposição à integração, que se dá pela

compreensão e participação concreta das comunidades individuas nesta realidade

evolutiva.

O Estado Constitucional Cooperativo resolve-se, portanto, no aspecto

relativo à efetivação, pelo reconhecimento das Nações Soberanas de que é

necessário estabelecer uma forma comum de buscar uma sociedade mais justa e

igualitária, independente dos direitos que ela, particularmente, tutele em seu texto

constitucional. Os aspectos de abertura declaram, nesse sentido, que qualquer

direito reconhecido que vise aos objetivos anteriormente descritos serão

compreendidos, no âmbito interno, como verdadeira norma constitucional.

Resta dizer, ainda, que a idéia de paralelismo entre o Direito Internacional

e o Direito Constitucional Interno71, estabelecida pelo Estado Constitucional

Cooperativo, não pretende, de forma alguma, identificar o titular da convergência ou

aquele que estabeleceu a primazia da tutela. O importante é reconhecer, nesse

contexto, a real combinação de pressupostos. Um não sobrepõe ou antecede o

outro, eles pretendem, unicamente, unir-se, combinar-se,72 e assim atingir os

objetivos que lhes são comuns.73

Por esses motivos, chega-se à conclusão que os objetos de tutela do

Estado Constitucional Cooperativo devem ser compreendidos, certamente, para

além dos limites formais de cada Estado Soberano, visto como um direito que, a

despeito de sua instituição – interna ou internacional – faz parte de um rol de

69

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 23-60. 70

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 11. 71

MALISKA, Marcos Augusto. A cooperação internacional para os direitos humanos entre o direito constitucional e o direito internacional. Desafios ao Estado Constitucional Cooperativo. Revista Forense (Impresso), v. 391, 2007, p. 627-635. 72

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 65. 73

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 10-11.

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proteção que se tornou, pelos contornos históricos e humanitários, um mínimo

indisponível. Esta seria a verdadeira incorporação estatal do arquétipo

constitucional.

A presente conceituação, nos termos expostos, acaba por formar uma

teoria supranacional, que transcende a idéia de Estados Constitucionais e induz ao

reconhecimento de um compromisso compartilhado destes na busca pela igualdade

de condições e efetivação de direitos.74 É a resposta legítima do Estado

Constitucional ao desenvolvimento iminente do direito internacional.75

Poderia se compreender, assim, que seu objetivo primordial seria a

integração dos próprios Estados, em prol de um desenvolvimento econômico

conjunto. Além, é claro, do compartilhamento dos mecanismos internos de tutela dos

direitos fundamentais comunitariamente reconhecidos, que seriam igualmente

direcionados, mesmo no plano interno, aos indivíduos nacionais, estrangeiros e, até

mesmo, apátridas. E é dessa forma que a comunidade internacional, conjuntamente,

estabeleceria melhores formas de proteção e desenvolvimento da sociedade

mundial. Legitima-se, assim, a atuação conjunta das nações, no que seria “a nova

interpretação da clássica idéia de bem estar social”.76

Quanto, especificamente, aos mecanismos de implementação das

garantias internacionalmente instituídas, poder-se-ia citar o aparecimento das

instituições internacionais de proteção e, em alguns Estados, o crescimento do

reconhecimento interno do direito internacional. Seria o caso, por exemplo, da Cruz

Vermelha, sujeito de direito internacional que, na forma de sua constituição, atua de

maneira a efetivar o acesso comum aos meios primordiais de vida.77 Ou ainda,

citando-se agora um exemplo do ponto de vista estatal propriamente dito, seria o

caso da Constituição Alemã que determina suas relações com o Direito Internacional

Privado de forma a possibilitar aos juízes nacionais a aplicação de uma norma

74

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 6. 75

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 10. 76

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 44. 77

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 45.

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estrangeira78. Não há, na visão de Häberle mais demonstração da cooperação

internacional que esta.79

Postas todas estas questões, ver-se-ia que o Estado Constitucional

Cooperativo não seria, efetivamente, uma criação do teórico alemão, mas a

identificação de um fenômeno cultural que se apresenta hoje80 de maneira bem

mais evidente. Que tem, da mesma forma, crescido e se difundido no âmbito de

sociedades nada semelhantes – países desenvolvidos e subdesenvolvidos, por

exemplo.

Há uma percepção de que o Estado Constitucional do Direito Internacional entrou em uma nova fase: o entrelaçamento das relações internacionais [...] ganhou intensidade, extensão e profundidade, de forma que o Estado Constitucional ocidental precisa reagir adequadamente. Nesse sentido é

proposto o conceito Estado Constitucional Cooperativo.81

Um exemplo concreto da questão está na formação da União Européia

que nasce de uma necessidade concreta de desenvolvimento e apoio recíproco

entre os países que a constituem, ou até mesmo, do reconhecimento das

Organizações das Nações Unidas que, enquanto entidade internacional, tem a

mesma perspectiva de cooperação que os Estados Nacionais e, praticamente, a

mesma pretensão ideológica.82

Não se trata, portanto, de uma situação ideal projetada para o futuro, mas

de verdadeira espécie de teorização sobre as tendências que podem ser

concretamente identificadas nos dias atuais. Especialmente quanto se trata das

tendências de abertura à proposta de participação dos Estados no processo de

cooperação internacional, especialmente por dizer respeito a questões comuns que

são afetas a um grupo considerável de Estados – no plano econômico –, ou à

totalidade dos cidadãos – quando se fala em garantia de direitos fundamentais.

78

Há previsão com o mesmo objetivo na Constituição Federal de 1988: art. 5º, §2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm, em 23-6-2010, 15:50) 79

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 59. 80

Ressalte-se que a teoria analisada data, originalmente, de meados de 1977-1978. 81

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 2. 82

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 43-44.

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Questiona-se a partir disso, portanto, a soberania absoluta e o

individualismo dos Estados, vez que o novo ideal busca, ao mesmo tempo, as

melhores formas de efetivação dos direitos mencionados, sendo responsabilidade

da comunidade internacional a obrigação comum de protegê-los.83

Cabe mencionar, no entanto, que a concretização desses não tem

suporte de qualquer forma efetiva que resguardasse os preceitos instituídos, ou seja,

a teoria carece de certo aspecto coercitivo, que são possíveis apenas no âmbito

individual dos Estados. As imposições internacionais em vista da preservação da

manutenção dos preceitos inerentes à teoria do Estado Constitucional Cooperativo

não tem, portanto, outra possibilidade que não a de estabelecer certo

constrangimento de coerção moral, mais propriamente entre os Estados aderentes.

Os Estados soberanos agiriam, assim, como verdadeiros fiscalizadores, restringindo

relações em caso de violações evidentes de direitos humanos, seja por ação ou

omissão.

O elemento relevante neste contexto é justamente, como já apontado, o

direcionamento dos Estados signatários à abertura das Constituições as normas

oriundas do direito internacional, em especial às relativas aos direitos humanos, bem

como a atenção destes com aqueles que, displicentemente, pretendem sua violação.

Vislumbra-se claramente, nesta questão, o grau de importância atribuído a estas

normas.

É a maior demonstração, portanto, de que a teoria constitucional

internacional indica que não há, por nenhuma outra forma, a possibilidade de se

conceber um Estado Democrático com decisões e manifestações legítimas no plano

internacional que não aquele que atenda às expectativas econômicas solidárias,

humanitárias e sociais, conjuntamente estabelecidas no plano das relações

internacionais.

A despeito da constituição de uma espécie supranacional de direitos (que

por sua produção contratualmente estabelecida entre os Estados soberanos teria

ainda mais legitimidade que as normas internas destes), como acima disposta,

percebe-se que, nas definições do Professor Häberle, este aspecto tem como

83

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 27-28.

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conseqüência certa a integração entre os Estados e a busca compartilhada de

melhores condições de convivência, concretizados a partir da identificação de

critérios mínimos de proteção (quer seja através do trabalho juscomparativo, quer

seja através da formalização de declarações de direitos).

É a identificação própria da complementaridade do Direito Interno e do

Direito Internacional, que não pretendem a colisão ou o embate, mas a construção

de um quadro jurídico mais legitimado, tendo em vista a maior participação,

especialmente no que tange à tutela de direitos essenciais como os ligados à

garantia de preservação da dignidade da pessoa humana.84 Pode-se dizer, assim,

que o compromisso com a garantia de determinado conjunto de direitos, de forma

geral, sempre foi fator de legitimação externa de um estado constitucional. Mas que

hoje, ante as novas formulações das relações internacionais e a relativização das

fronteiras sociais, expandiu-se para uma “realização cooperativa dos direitos

fundamentais”.85

Para demonstração da afirmação apresentada, o autor propõe, inclusive,

que os direitos oriundos desta construção comum e internacional seriam

interpretados, no âmbito interno dos Estados, como se norma constitucional fossem,

ou seja, possuem o mesmo grau de importância – entenda-se, dessa forma, como

direitos equivalentes – das normas constantes da Constituição interna de cada

Estado.

O Estado Constitucional Cooperativo não conhece alternativas de uma “primazia” do Direito Constitucional ou do Direito Internacional; ele considera tão seriamente o observado efeito recíproco entre as relações externas ou Direito Internacional, e a ordem constitucional interna (nacional), que partes do Direito Internacional e do direito constitucional interno crescem juntas num todo. Assim, também não é completamente bem lograda a idéia de caracterizar tratados internacionais de direitos humanos em relação à Lei Fundamental como direito internacional paraconstitucional (völkerrchtliche Nebenverfassung). A rigor, essa Constituição paralela (Neben-Verfassung) é parte integrante da Constituição estatal da Lei Fundamental e, portanto, não se encontra apenas “ao lado” da Constituição.

86

Esta questão implica diretamente, como se verá em oportunidade própria,

na reformulação necessária da compreensão jurídica interna de um Estado das

84

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 11. 85

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 65. 86

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 12.

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fontes e formas de aplicação do direito internacional. Cresce necessariamente, nesta

hipótese, a idéia de vinculação material no seio dos Estados constitucionais à

definição internacional de direitos. Eis que a legitimação de uma decisão seria

aferida, em situações concretas, a partir da avaliação do seu grau de observância às

interpretações concorrentes da norma propostas conjuntamente pelos agentes que

compõem a comunidade mundial.

Vale dizer, assim, que estas considerações têm ligação direta com as

definições da interpretação dessa norma que é, verdadeiramente, comum. Neste

campo, da mesma forma, prima-se pelo respeito das concepções dos Estados que,

considera o professor, não poderiam ter seus costumes, concepções internas e

realidade momentânea desconsiderado pelos demais. 87 No entanto, também não

poderia, ou melhor, nenhum Estado Constitucional Cooperativo poderá, por

fundamentações exclusivamente internas, relativizar a interpretação comum dos

direitos concretizados no âmbito internacional. Trata-se, na verdade, de troca, onde

um “possa aprender com o outro”, sem que se possa estabelecer critérios internos e

exclusivos de aplicação destas normas. 88

O autor delimita resumidamente, por fim, que a constituição do Estado

Constitucional Cooperativo pressupõe a abertura para as relações internacionais, a

concretização de normas constitucionais voltadas ao objetivo de trabalho conjunto

entre os Estados, bem como a solidariedade entre estes, enquanto disposição para

cooperação. Transformando-se, assim, as relações internacionais do direito de

coexistência em verdadeiro direito internacional de cooperação.89

Ocorre que, de forma específica, tal questão compreende o cerne central

do presente trabalho, mais precisamente no que tange aos critérios que o Supremo

Tribunal Federal (leia-se, o Ministro Gilmar Mendes) tem utilizado, em vista da

referida teoria, para julgar as questões relativas à internalização e aplicação das

normas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos, razão pela qual

será, em breve, individual e detalhadamente explorada.

87

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 60. 88

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 69. 89

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 70-72.

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2. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

2.1. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Os tratados internacionais de direitos humanos, contemporaneamente,

são fonte de disseminação de direitos e garantias individuais que buscam,

precipuamente, a efetividade de formas de proteção da dignidade da pessoa

humana.

Entretanto, no período que compreende meados do século XIX e início do

século XX, não se tinha conhecimento de qualquer forma de tutela específica90 ou

envolvimento público amplo com as causas relativas aos direitos humanos.91 A

defesa dos cidadãos restringia-se, basicamente, a preocupação por parte de países

europeus com o tratamento recebido por seus nacionais no estrangeiro.92

André Ramos Carvalho destaca, sobre o tema, que as notícias de ações

de proteção por violações de direitos humanos direcionavam-se, exclusivamente, a

estrangeiros por meio do instituto da proteção diplomática93. Parece-nos, assim, que

a aplicação da concepção de soberania dos Estados legitimava qualquer tratamento

que estes dessem aos seus nacionais, inviabilizando intervenções externas em prol

destes.

Apesar desta realidade, há que se reconhecer que o instituto da proteção

diplomática, ainda que de forma embrionária, pode ser considerado o primeiro passo

na busca efetiva pela proteção das condições humanas no plano internacional.

90

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 51. 91

No plano internacional, as questões de proteção a direitos humanos poderiam encontrar respaldo, tão somente, nas Constituições de cada Estado, oponíveis, portanto, apenas no plano interno. (AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 440) 92

RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 20. 93

“A proteção diplomática é um instituto de Direito Internacional no qual o Estado cujo nacional sofreu danos por conduta imputada a outro Estado, considera tal dano como dano próprio e pleiteia reparação ao Estado responsável pelo ato lesivo. [...] Ou seja, protegia-se o ser humano, desde que estrangeiro e somente no caso de ser de interesse do Estado de sua nacionalidade.” (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 21)

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A evolução natural desta garantia revelou-se no surgimento dos

chamados “partidários do padrão mínimo ou internacional” para o tratamento de

estrangeiros, que defendiam a existência e observância pelos Estados de um

catálogo pré-existente de direitos que garantiriam as condições mínimas de

existência de seus nacionais quando em territórios de jurisdição diversa.94 Ou seja,

abandonava-se a defesa individual dos nacionais com direitos humanos violados por

seu Estado perante o Estado estrangeiro, para chegar-se a um padrão de

tratamento que deveria ser garantido a todo e qualquer estrangeiro.

As críticas iniciais a estas ideologias de externalização das normas de

proteção versaram, especialmente, sobre a total inexistência de mecanismos

externos de mediação internacional. Diante deste quadro, temia-se pelo surgimento

de intervenções temerárias e o posicionamento arbitrário de um Estado sobre o

outro, dados, especialmente, os testemunhos de evidentes abusos na prática

diplomática do século XIX e início do século XX. 95

Tais aspectos, no entanto, não foram suficientes para barrar a evolução

dos direitos humanos, que se estendeu gradualmente até meados do século XX.

Pode-se mencionar, como primeiro avanço significativo, a expansão da possibilidade

de tutela de direitos das minorias que, mesmo que não oponíveis por qualquer

nacional, davam margem a garantias fundamentais;96 ou ainda, a representação

direta destas minorias quanto às violações internacionais de direitos humanos,97 que

resultou no afastamento definitivo da obrigatoriedade, antes imposta, de intervenção

dos Estados ao qual estivessem ligadas.98

94

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 52. 95

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 53. 96

Neste contexto, pode-se citar como exemplo a instituição do Capítulo XIII do Tratado de Versailles, de 1919, que cria a Organização Internacional do Trabalho e visa a instituição de um catálogo de direitos mínimos para os trabalhados, de qualquer nacionalidade. (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 21). 97

O Tratado germanopolonês de 1923 trata, especificamente, sobre a proteção de minorias, dispondo ainda de um rol específico de petições individuais para casos de violações de direitos humanos. (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 21). 98

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 53-55.

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40

Contudo, ainda que diante de tantos avanços, é após o advento da

Segunda Guerra Mundial onde se pode observar sua mudança mais expressiva,

dando-se neste momento a grande fase de sua disseminação, fundada

especialmente no reconhecimento do seu valor ético e moral no plano internacional.

Diante das lástimas causadas à população mundial pelos conflitos

gerados no plano internacional nasce uma nova perspectiva da necessidade de

efetivação da proteção da pessoa humana. Flávia Piovesan descreve

significativamente este momento:

Com efeitos, no momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que é cruelmente abolido o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável.

99

Pode-se dizer, assim, que a internacionalização definitiva dos direitos

humanos constituiu, de forma mais significativa, a reação da comunidade mundial às

barbáries operadas à época, especialmente diante da demonstração, pelo nazismo,

da possibilidade de construção do Estado como maior violador das prerrogativas

inerentes a condição humana.100

Tem-se, portanto, o momento em que os direitos humanos começam a

assumir, no plano internacional, verdadeira forma de princípios gerais do direito

internacional ou, até mesmo, costume internacional,101 vez que a construção legal

de cada Estado, em particular, havia se mostrado insuficiente para garantia, seja na

ordem interna ou externa, da condição de existência dos indivíduos.102

Assim, diante da mobilização internacional em alterar o quadro histórico

que se impunha, editou-se a Carta de São Francisco, em 1945, criando a

Organização das Nações Unidas, cujos objetivos versavam, também, sobre “a

vontade da comunidade internacional em reconhecer e fazer respeitar os direitos

99

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9. 100

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8. 101

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 21-22 102

Especialmente com o repúdio aos atos fascistas e nazistas que, na época, colocaram-se ao poder e subjugaram os indivíduos com o maior genocídio que o mundo presenciou, mas, sempre, dentro dos ditames legais que guardavam seu Estado. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 9-10)

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41

humanos no mundo”.103 Este tratado é concebido por André Ramos Carvalho como

marco histórico na consolidação da vontade internacional de reconhecimento dos

direitos humanos como imposições gerais e amplamente oponíveis.

Há quem diga, no entanto, que o efetivo marco legislativo fora a edição,

alguns anos depois, no âmbito daquela Instituição Internacional, da chamada

Declaração Universal de Direitos Humanos (1948).104 Pode-se mencionar, entre

estes partidários, a doutrina do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, que

assim se manifesta sobre o tema: “A Declaração Universal afigura-se, assim, como a

fonte de inspiração e um ponto de irradiação e convergência dos instrumentos sobre

direitos humanos em níveis tanto global como regional.”105

Independente de qualquer pretensão de demarcação histórica, pode-se

dizer que a Declaração supramencionada foi a primeira norma internacional

específica quanto a matéria de proteção dos direitos humanos, sob a nova ótica

protetora, tendo como característica mais importante a implementação prática do

caráter universal e indivisível destes direitos.106

Continuamente, dado o significativo impacto daquela norma, bem como o

avanço dos debates teóricos acerca do tema, desencadeou-se um expressivo

avanço intelectual no plano da reafirmação do indivíduo e da necessidade de tutela

de suas condições de existência. Logo, ainda que em meio a intensos debates

ideológicos promovidos pela Guerra Fria, foram promulgados dois Pactos de Direitos

Humanos, que, somados àquela Declaração, formaram a Carta Internacional de

Direitos Humanos.107

Este documento revestiu-se, neste momento de complementação, de

marco definitivo entre os momentos de produção legislativa e o de efetiva

implementação de direitos e garantias fundamentais do homem.108 A partir dai, sem

103

RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 50. 104

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 57-58. 105

Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 65. 106

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 13. 107

TRINDADE, Antônio Augusto Caçando. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 60. 108

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 62..

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abordar detalhadamente as particularidades cronológicas, abriu-se um intenso

processo de produção legislativa protecionista, cuja função primordial era a tutela da

condição humana.109

Multiplicaram-se, neste contexto, os tratados internacionais de direitos

humanos, que passaram a tratar, agora, não só de aspectos gerais de proteção

(vida, integridade física e psicológica), como também se voltaram a setores

especiais da sociedade (Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Racial, e de Todas as Formas de Discriminação

contra a Mulher, por exemplo).110

Importa mencionar, ainda, neste momento marcante de expansão, o

avanço das discussões pertinentes a proteção dos direitos humanos no âmbito

regional. Estas ensejaram a promulgação de diversos tratados que versam tanto

sobre direitos humanos gerais como do protecionismo das classes, mas aplicavam-

se apenas a determinadas áreas geográficas.111

Percebe-se, nestes temos, que a evolução dos direitos humanos

ramificou-se ao plano mundial (com aspectos gerais e especiais de proteção), bem

como ao plano regional (onde se encontra um apelo mais expressivo quanto as

particularidades da região onde o diploma poderá ser aplicado). Vale dizer, neste

momento, que a existência de sistemas mundiais e regionais não tem a pretensão

de oposição, ao contrário, complementam-se na medida em que abarcam cada vez

mais prerrogativas as condições de existência humana.112

O grande tema a ser extraído deste quadro evolutivo é que o tempo

apenas consolida, até os dias atuais, os requisitos de essencialidade da efetiva

109

Nos moldes iniciais percebia-se a busca, principalmente, pelos direitos coletivos de determinadas categorias. Nas palavras de Augusto Antônio Cançado Trindade “[...] proteção de minorias, de habitantes de determinados territórios sob mandado, de trabalhadores sob as primeiras convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de refugiados e apátridas, etc.”. (Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 63). 110

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 64-65. 111

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 27-28. 112

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14.

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tutela dos “atributos da pessoa humana”,113 sendo estes direitos e garantias, desde

sua construção, reafirmados e desenvolvidos constantemente pelas Cartas,

Convenções ou Tratados sobre o tema que se seguiram na história.

No entanto, ainda que diante de toda evolução histórica exposta, bem

como a evolução teórica apresentada e reafirmada nos últimos tempos, pesa sobre

a doutrina a discussão acerca do caráter objetivo destas normas, bem como da

vinculação direta dos Estados sobre as regras de proteção, independente da

existência de reciprocidade entre os contratantes.

Explica-se: os tratados internacionais de caráter geral (cooperação,

econômicos, etc.), subsistem sobre o requisito essencial da reciprocidade.114 Assim,

um Estado é liberado do cumprimento de suas obrigações internacionais, desde que

o outro Estado contratante não cumpra com sua parte. Faz-se, neste caso, clara

analogia com as regras de um contrato.

Os tratados internacionais de direitos humanos, no entanto, diferem

daqueles no que tange a este requisito. Quando um Estado soberano adere a um

pacto internacional sobre o tema, dada qualquer razão que o motive,115 este fica

obrigado à proteção irrestrita dos direitos fundamentais da pessoa humana, sem

qualquer contraprestação.116 Não lhe é lícito, por este motivo, vincular sua

observância ao já denominado requisito da reciprocidade, ou seja, ao cumprimento

mútuo das disposições por todos os Estados aderentes.117

Trata-se, como já mencionado, do caráter objetivo das normas

internacionais que versem sobre a proteção dos direitos humanos.118 Os dispositivos

inscritos nesses tratados são considerados, assim, valores essenciais para a

113

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 66. 114

RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 68. 115

André Ramos Carvalho indica como possíveis fatores que influenciam a ratificação dos tratados internacionais de direitos humanos a busca: por diálogo entre os povos, de cooperação internacional, de favorecimentos econômicos, por legitimidade política, entre outros. (Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 60-67) 116

RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 60. 117

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33. 118

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 27-28.

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coexistência humana, e por isso são irrestritamente tutelados,119 não havendo

qualquer justificativa para sua violação e podendo qualquer Estado, aderente ou não

do pacto, demandar internacionalmente em face de sua violação.120

Denominando-se, portanto, a obrigação de observância destas normas

como obrigações erga omnes,121 sendo possível dizer, logo, que sua vinculação se

opera tanto em face dos Estados, das instituições internacionais, bem como dos

particulares, tendo todos estes o dever de observância das normas impostas.122

Cabe mencionar neste momento, inclusive, que tem crescido

consideravelmente a busca pela efetividade processual desta categoria de normas

no plano externo, ainda que iniciada a passos curtos como a própria teoria

material,123 por meio de sistema de implantação proporcionado pelos atuais órgãos

internacionais de supervisão. Estes têm atuado diretamente nos casos de violação

dos direitos humanos, considerando-se que sua intervenção é independente do

ambiente de violação, ou seja, a intervenção pode ser legítima no plano interno ou

externo do Estado soberano.

Estes órgãos agiriam, prioritariamente, como fiscalizadores,

acompanhando o Estado, detentor do legítimo poder de polícia, na implantação das

garantias relativas aos direitos fundamentais do ser humano. No entanto, verificada

sua inércia ou ineficácia, e sendo as violações devidamente comprovadas, agiria a

119

RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 73. 120

Clara exceção ao princípio da reciprocidade, onde o Estado carece de legitimidade para demandar internacionalmente quando não tem direitos afetados. No caso da violação de normas relativas a proteção de direitos humanos, toda a humanidade é afetada. (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33-34). 121

Compreende-se, como já mencionado, que a atenção as disposições internacionais que versem sobre direitos humanos tem aplicação imediata, não podendo o Estado aderente (e não contratante como nos tratados em geral) alegar causas diversas para escusar sua violação. Há, por óbvio, uma obrigação irrestrita, um dever de agir imediato e inescusável. (RAMOS, André Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 72) 122

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 345. 123

É imprescindível considerar aqui a complexidade do sistema em que estes direitos envolvem-se, relevando sempre a necessidade de integração de diversas classes, culturas, origens e ordens jurídicas na busca, sempre, de um bem comum que é único e, muitas vezes, não faz parte de um plano ideológico compartilhados por toda a comunidade mundial. (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 71).

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Organização Internacional, em nome da comunidade internacional, pelas formas que

lhe couberem.124

Cumpre dizer, para finalização do tema, que a imposição da mencionada

superação do requisito da reciprocidade, bem como sua caracterização como norma

de caráter objetivo, nos tratados internacionais de direitos humanos, ocorreu pela

especial influência das normas de direitos humanitário.125 Estas deram os primeiros

passos e antecederam aqueles no que tange à característica clara da

unilateralidade, onde todos os Estados obrigam-se, irrestritamente, pelas normas

impostas.126

A distinção clara entre as categorias “direitos humanos” e “direito

humanitário” está, basicamente, em suas áreas de atuação: enquanto o primeiro

emerge do direito constitucional e se expande para o plano externo a fim de garantir

as condições de existência humana em caráter geral; o segundo nasce no plano

internacional com o fim de coibir os conflitos armados e proteger os indivíduos que

habitam as áreas de risco, enquanto pretensas vítimas daqueles.127

As convergências entre as referidas categorias, no entanto, mostram-se

muito mais evidentes que, efetivamente, suas diferenças. Veja-se, ambos os

institutos servem, não obstante a situação concreta em que se apliquem, para

prevenção e garantia de direitos de existência pacífica e digna, tanto em tempo de

guerra, quanto em tempos de paz.128 Ou seja, se prestam absolutamente a

salvaguarda do ser humano.129

A única consequência aceitável, nestes termos, é o compartilhamento

efetivo das teorias normativas relativas à interpretação e implementação daquelas

124

Tem-se, a título exemplificativo, as ações promovidas pelas subcomissões da Organização das Nações Unidas que, no entanto, permanecem confidenciais as medida tomadas. (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 73-74). 125

Corroborada pela Convenção de Viena Sobre Direitos dos Tratados. (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 352) 126

RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 29. 127

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 346. 128

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 358-360. 129

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 341-343.

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disposições, que em muito se integram e se influenciam.130 Tem-se, portanto, que os

debates e evoluções teóricas iniciados em um instituto têm influência decisiva nas

discussões operadas em sede do outro e contribuirão em muito, também, para o

avanço deste.

Pode-se perceber, inclusive, a fim de determinar a concreta relação entre

as categorias, a existência de normas de direitos humanos em tratados

internacionais de direitos humanitários, bem como a incidência de princípios do

direito humanitário em conflitos não armados. 131

Constata-se, portanto, que existe um verdadeiro aspecto de

complementação entre aquelas categorias,132 tendo-se a efetiva construção de um

sistema normativo internacional que busca, em toda e qualquer situação (seja

durante conflitos armados ou em causas civis cotidianas) a tutela e proteção das

condições de existência dos indivíduos, somando e criando novas formas e

perspectivas de efetivação que poderão ser, futuramente, aplicadas por ambas.133

2.2. PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL E A

QUESTÃO DO CONFLITO ENTRE NORMAS.

As normas de cada Estado soberano costumam dispor sobre as formas

próprias de internalização de tratados internacionais ao seu plano jurídico interno.

Essas diretrizes estão previstas em leis ou nas Cartas constitucionais, como no caso

do Brasil.134

A primeira questão a ser suscitada, quanto ao ordenamento brasileiro,

versa sobre a competência para elaboração e participação destes acordos

internacionais. Encontra-se, neste tema, a primeira impressão relevante dos

equívocos terminológicos postos pelo constituinte brasileiro ao tentar regular a

130

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 351. 131

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 342. 132

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 389. 133

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 354-355. 134

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 295.

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matéria. Vejamos: a Constituição, em seu artigo 21, inciso I,135 determina ser a

União competente para manter relações com os Estados estrangeiros.

Esta afirmação, a priori, faz induzir que a União seria a única habilitada

para participar de tratados internacionais. No entanto, José Afonso da Silva136 e

Valério de Oliveira Mazzuoli137 criticam a opção ao afirmar que, na verdade, a

República Federativa do Brasil é a única com personalidade jurídica de direito

público, e por isso capaz de manter relações internacionais e celebrar tratados.

Nestes temos, colocada tal questão como exemplo da problemática que

se verá a seguir, pode-se passar a elaboração concreta dos tratados. Há,

inicialmente, a estrita necessidade de que o Estado esteja representado por quem,

de direito, possa assumir obrigação internacional em nome de sua Nação, no nosso

caso, pela República Federativa do Brasil.

Enquanto no plano internacional esta legitimação se regula pela

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados,138 no Brasil ainda que a

Constituição da República disponha expressamente sobre a competência do

Presidente da República para a celebração de tratados e acordos internacionais,139

o costume, no entanto, legitimou ainda para estes atos: o chefe de Estado; o

135

Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, em 25-8-2010, às 7:30). 136

Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 402. 137

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 307. 138

Artigo 7 1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se: a) apresentar plenos poderes apropriados; ou b) a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses fins e dispensar os plenos poderes. 2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado: a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado; b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados; c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão. (Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>, em 25-8-2010, às 8:15). 139

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, em 2-11-2010, às 21:48).

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Ministro das Relações exteriores; ou, ainda, terceiro munido de carta de plenos

poderes, autorizando este a representar o país na negociação internacional.140

Posta a questão, inicializa-se o processo de formalização com a

negociação internacional, que formará o texto definitivo do tratado internacional, seja

qual for sua matéria, sendo após subscrito pelos participantes.

Há, a partir desta concretização, uma particularidade a ser considerada.

Enquanto no plano internacional a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados

afirma que o tratado proposto pelas partes poderá prever que a mera assinatura do

texto finalizado constitui requisito de validade das normas por si instituídas,141 alguns

Estados possuem normas internas que regulamentam o procedimento de ratificação

e validação interna dos tratados internacionais, vinculando a vigência destas normas

ao cumprimento das formalidades internas.142

Desta forma, é evidente que, em que pese as previsões interna de cada

Estado, aqueles que aderiram à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados143

podem, em alguns casos, obrigar-se no plano internacional pela mera assinatura do

termo. Tal evidência constituiria, inclusive, requisito hábil para ensejar

responsabilização internacional em caso de descumprimento das disposições

acordadas.

O caso do Brasil, em particular, agrava a problemática do conflito antes

demonstrado, vez que há, em nossa Constituição, um complexo sistema de

incorporação da legislação internacional, que inclui discussões a cerca da

140

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 402. 141

Artigo 12 Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Assinatura 1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela assinatura do representante desse Estado: a) quando o tratado dispõe que a assinatura terá esse efeito; b) quando se estabeleça, de outra forma, que os Estados negociadores acordaram em dar à assinatura esse efeito; ou c) quando a intenção do Estado interessado em dar esse efeito à assinatura decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação. 2. Para os efeitos do parágrafo 1: a) a rubrica de um texto tem o valor de assinatura do tratado, quando ficar estabelecido que os Estados negociadores nisso concordaram; b) a assinatura ad referendum de um tratado pelo representante de um Estado, quando confirmada por esse Estado, vale como assinatura definitiva do tratado.(Disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>, 25-8-2010, as 8:15). 142

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 295. 143

Como é o caso do Brasil, que internalizou definitivamente o tratado internacional por meio do Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009.

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necessidade de participação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo,144 bem

como da definição do ato que efetivamente dá vigência à norma no plano interno.145

Os primeiros embates versam basicamente sobre a particularidade da

competência efetiva para apreciação, aprovação, ratificação e determinação de

vigência das normas oriundas do plano internacional ao ordenamento jurídico

brasileiro. A Constituição da República, neste sentido, apresenta apenas dois

dispositivos específicos que tratam sobre a matéria, sendo eles:

Art. 49 É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

[...]

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

146

A pergunta, diante desses dispositivos, é a seguinte: há a efetiva

necessidade de participação do Congresso Nacional no processo de internalização

de todos os tratados internacionais?

Persistem, sobre o tema, dois posicionamentos básicos:147 enquanto

alguns autores entendem que todos os tratados internacionais do qual o Brasil

pretenda ser signatário devem ser apreciados pelo Poder Legislativo;148 outros

afirmam que meros acordos executivos, desde que reversíveis e com prévia

144

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 402. 145

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 69-70. 146

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, em 25-8-2010, às 7:45. 147

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 52. 148

Há, aqui, duas vertentes doutrinárias: alguns interpretam restritivamente a parte final do art. 49, inc, I, da Constituição da República, entendendo que não é possível conceber um tratado internacional que não acarrete ônus ao patrimônio nacional (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 403), enquanto outros afirmam que ainda que o legislador tenha optado pela infeliz menção daquele artigo (“[...] que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”), a disposição do artigo 84 (“[...] sujeitos a referendo do Congresso Nacional”) amplia o rol de vinculação para apreciação dos tratados internacionais pelo Poder Legislativo. (VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47).

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50

disponibilidade orçamentária, poderiam ser formalizados apenas pelo Poder

Executivo.149

Sem razão para pormenorizar a discussão acima, cabe-nos apenas a

análise das etapas previstas pela legislação e/ou pelo costume interno para o

procedimento completo de internalização. Ou seja, será abordado aqui o caso em

que é colocada a indispensabilidade do referendo do Congresso Nacional,150 tendo

em vista que os supostos casos de atribuição exclusiva do Poder Executivo não

compõem uma sistemática tão densa.

Marcelo Dias Varella descreve este processo da seguinte forma:

o Ministério das Relações Exteriores traduz o texto negociado para o português, prepara uma minuta da Mensagem Presidencial, faz a análise jurídica da legalidade do texto e encaminha ao Presidente da República;

a Casa Civil da Presidência da República faz uma análise da legalidade e do mérito do trabalho, tecendo suas considerações;

o Presidente, estando de acordo, envia a Mensagem, acompanhada da Exposição de Motivos à Câmara dos Deputados;

a Câmara aprova o tratado, remete em seguida ao Senado Federal;

o Senado aprova o tratado;

o Presidente do Senado promulga, então, um Decreto Legislativo. [...]151

Este decreto legislativo é o documento que dá publicidade a decisão do

Congresso Nacional e autoriza o Presidente da República a proceder à devida

ratificação internacional do diploma normativo em apreço. Há dizer, no entanto, que

caso o projeto seja rejeitado pelo Poder Legislativo, não caberá ao Executivo

qualquer procedimento, sendo ele definitivamente rejeitado. 152

Vale citar, neste momento, a construção de Valério de Oliveira Mazzuoli,

que acredita que o verdadeiro poder de resolução definitiva sobre acordos

internacionais inscrita na Constituição da República está, especialmente, na

149

Nesta hipótese o Chefe do Executivo estaria tacitamente autorizado a acrescer a responsabilidade do Estado brasileiro em alguns aspectos, ou seja, quando o novo acordo: pretende interpretar a norma de algum tratado já vigente; complementam um tratado já vigente; ou que pretendam reforçar a relação entre os Estados e favorecer negociações futuras. Diz-se, assim, que estas autorizações estariam tacitamente incluídas na própria ratificação do tratado principal. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 304-305) 150

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 402. 151

Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47-48 152

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 402.

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51

possibilidade do Congresso Nacional decidir pele rejeição do projeto, seja pela

Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal.153

Assim, superada tal etapa – seja ela estritamente necessária a todo

tratado celebrado, ou não – é de responsabilidade definitiva do Presidente da

República a devida ratificação do instrumento no plano internacional, bem como a

edição de decreto executivo que, segundo alguns, dá efetiva validade à norma no

ordenamento jurídico interno.154

Têm-se, neste particular, novo impasse quanto à suposta obrigatoriedade

de ratificação do texto aprovado no Congresso Nacional pelo Presidente da

República: uma vertente doutrinária afirma categoricamente que não há razão para o

Presidente negar-se aos ditames impostos pelo Poder Legislativo, já que compete a

este, exclusivamente, decidir sobre aqueles tradados; outros afirmam que não há

qualquer previsão de obrigatoriedade, sendo que está a si adstrita a obrigação de

manutenção das relações do país com Estados estrangeiros, podendo este,

portanto, simplesmente optar por ratificar, fazer reservas, ou até mesmo arquivar a

referida proposta.155

A prática mostra, no entanto, que o Presidente pode abandonar projetos

de tratados internacionais que retornam do Poder Legislativo, de forma que,

simplesmente, opta por não formalizar a sua ratificação.

Não obstante, abre-se, ainda, novo impasse da doutrina quanto à

necessidade da edição do decreto executivo após o efetivo ato de ratificação do

tratado (quando este acontece), vez que aquele citado decreto legislativo já serviria

para a publicidade determinante à validação das normas no âmbito interno,156

concretizando, por si só, a vigência interna do tratado internacional. 157

153

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 314-315. 154

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 403. 155

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2ª ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Renovar, 2000, p. 280. 156

Neste aspecto, cita-se que a Constituição é absolutamente omissa quanto ao ato que dará efetiva vigência da norma internacional no país. Nesses termos, sendo o texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo e emitido o decreto respectivo, dando publicidade ao aceite do Congresso Nacional, restaria apenas o depósito ou a troca das notas diplomáticas para a imediata aplicação das normas no plano interno. A questão relativa a exigência de promulgação por decreto executivo, portanto, no entender destes teóricos, não guarda qualquer respaldo legal e, por constituir mero costume burocrático, não teria o condão de vincular a ordem interna. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso

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Impera mencionar, neste particular, que ainda que não haja qualquer

disposição constitucional ao respeito da matéria, o Supremo Tribunal Federal já se

manifestou expressamente sobre o tema, afirmando que o tratado internacional

passa a ter validade e a ser oponível no ordenamento jurídico interno apenas com a

promulgação do respectivo decreto executivo.158

Contudo, afastando-se mais uma vez os debates terminológicos e a

complexa sistemática posta pela doutrina pátria, tem-se resumidamente que:

havendo deliberação sobre o texto proposto no Congresso Nacional e sendo este

aprovado pelos membros da casa é publicado decreto legislativo que autoriza o

Presidente da República a ratificar o tratado no plano internacional e legitimar a

aplicação interna da norma proposta.

Ainda sobre o tema, independente dos entendimentos expostos, observa-

se que a maior parte dos teóricos afirma que o ato que dá efetiva validação a norma

internacional é a obrigação no plano internacional, ou seja, o ato de ratificação.159

Nestes termos, tendo em vista a atribuição do Chefe do Poder Executivo para

formalização definitiva dos tratados, pode-se dizer que cabe a este, de qualquer

forma, os trâmites finais de internalização.160

Há o óbice claro na referida questão, para os tratados internacionais de

direitos humanos, que interessam particularmente ao objeto em análise. A doutrina

trata, neste aspecto, uma particularidade ligada à espécie de direito tutelado por este

diploma internacional,161 bem como às disposições da Constituição da República

sobre o tema dos direitos humanos.

de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 326-330). 157

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47-48 158

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 69. 159

Fica evidente, inclusive no posicionamento do Executivo brasileiro, que a pretensão de vigência da norma internacional ocorre a partir da ratificação no plano externo, tanto que os decretos executivos promulgados pelo Governo Federal datam a validade da norma internacional ao tempo do depósito ou da troca de notas diplomáticas. A ratificação é, portanto, o ato perfeito que formaliza a obrigação do Estado brasileiro. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 326-327) 160

Seja necessária (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 403) ou não a promulgação do decreto executivo (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 326). 161

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 403.

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Valério de Oliveira Mazzuoli,162 por exemplo, posiciona-se pela absoluta

desnecessidade de promulgação interna do ato de aprovação do tratado sobre o

referido tema, vez que o caráter essencial da norma vincula o Estado diretamente, a

partir da ratificação. Ou seja, sendo ratificado o tratado seria plenamente aplicável, a

despeito da publicação ou não de ato do Presidente da República. 163

Flávia Piovesan, por sua vez, justifica a diferenciação com a conclusão de

adoção, pelo Brasil, de um sistema misto de regulamentação das normas

internacionais, formalizando de forma distinta os tratados internacionais de direitos

humanos e os tratados internacionais em geral.164

A impressão que se extraí da formulação desses autores, ainda que

independentes e desconexas, é que o interesse na tutela pelos direitos humanos,

posta no aspecto mundial, transcende a qualquer problemática interna quanto a

aprovações, ratificações ou pressupostos de validade daquelas normas.

Os autores preferem, talvez para não especificar demais o tema, tratar

sobre aspectos pontuais de diferenciação (como a própria dispensabilidade do

decreto executivo para vigência), mas dão idéia da dimensão e importância que

deve ser assegurada a estas normas. Talvez com o intuito de construir, no futuro,

um processo absolutamente independente e sem qualquer formalidade demasiada

para integração destes tratados, como aparentemente julgam que já deveria ser.

Posta toda esta questão concernente ao processo de internalização dos

tratados, resta tratar, finalmente, sobre o conflito de normas no âmbito interno dos

Estados soberanos. Ante o fato de que este ato (de internalização) projeta a eficácia

dos diplomas internacionais no ordenamento jurídico interno, faz-se necessário lidar

com a questão da interação entre tais ordens normativas, questão esta que divide os

autores em duas grandes correntes teóricas: monismo e dualismo.165

162

Ainda que esta questão também seja posta na temática dos tratados internacionais em matéria geral, a característica objetiva dos tratados internacionais de direitos humanos e sua auto aplicabilidade consistiriam os fundamentos essenciais da dispensabilidade que agora se alega (Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 317/324). 163

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 88. 164

Esta questão será melhor explorada a seguir. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 67). 165

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 66.

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Os denominados dualistas, originalmente vinculados à idéia de soberania

do Estado,166 compreendem que o sistema jurídico interno dos Estados e o plano

internacional constituem ordens jurídicas diversas.167 Esta construção pretende

demonstrar, basicamente, que estes sistemas normativos não guardam qualquer

relação entre si, sendo absolutamente independentes.168

Assim, para que uma norma internacional tenha aplicabilidade no âmbito

dos Estado, faz-se necessário um processo de internalização próprio, que (a

despeito de sua formação no plano externo) transformaria a norma analisada em

legislação propriamente nacional.169

Estes doutrinadores estabelecem, ainda, a diferenciação de fonte e

conteúdo entre o direito internacional e o direito interno. Afirma-se, por este

aspecto, que os planos jurídicos distinguem-se, em verdade, pelos seus objetos de

regulamentação: enquanto o direito internacional regularia apenas a relação entre os

Estados, o direito interno regularia a sua relação com o indivíduo, bem como destes

entre eles. Não haveria, nestes termos, qualquer possibilidade de conflito entre as

normas internas e internacionais, vez que as normas servem para propósitos

absolutamente diversos.170

Os denominados monistas, por sua vez, visualizam apenas uma ordem

jurídica, sem diferenciação substantiva entre o direito internacional e nacional.171

Estes institutos constituiriam, assim, ramos direito, mas que se integram e se

aplicam no sistema normativo.172

Tem-se, no âmbito desta teoria, a efetiva possibilidade de existência de

conflitos entre normas. Aqui, em flagrante oposição aos dualistas, vê-se

absolutamente possível a constatação de incompatibilidade entre aqueles diplomas

166

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 16. 167

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65. 168

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 121. 169

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 67-68. 170

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 69-70. 171

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 123. 172

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 72-73.

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normativos, que podem, por exemplo, regular a mesma matéria de forma distinta.

Seria imprescindível, nestes termos, que os Estados, entre si ou individualmente,

criassem mecanismos eficazes de interação, definindo expressamente qual direito

prevaleceria em caso de conflito.173

Surge, a partir dessa questão, uma divisão entre os autores que adoram

esta teoria, que passam a debater acerca da prevalência normativa das normas, ou

seja, em caso de conflito, qual norma será aplicada? Ramificam-se, assim, entre os

partidários do “monismo internacionalista” e do “monismo nacionalista”.174

O monismo nacionalista, por óbvio, é marcado pela determinação da

sobreposição das normas internas em relação às internacionais. Tal definição

encontra fundamento, especialmente, na soberania do Estado. Os autores afirmam,

assim, que o Estado é o único detentor do poder de normatização e que o direito

internacional tira seu fundamento de validade do direito interno175 de cada Estado

soberano, razão pela qual este deve prevalecer.176

Os monistas internacionalistas, por outro lado, determinam que, em

verdade, o direito interno deriva do direito internacional, que seria uma ordem

jurídica superior. Tem-se, nessa concepção, a aceitação de que o plano mundial

constituí uma verdadeira sociedade, sendo os planos de soberania dos Estados

relativizados em face do interesse maior da coletividade mundial.177

Releva-se, nesses termos, a integração absoluta dos Estados em caso de

convenção. Ou seja, seria inconcebível que uma norma multilateral pudesse ser

revogada ou deixasse de ser aplicada em face de uma norma unilateral de um

Estado, considerada aqui de menor importância. Pode-se dizer, assim, que este

173

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 16. 174

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 73-74. 175

Sobre este aspecto, o tratado internacional só é internamente obrigatório porque o direito interno, no exercício de sua discricionariedade nas relações internacionais, assim o dispuser. É a determinação máxima do princípio da supremacia da Constituição (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 78-79). 176

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 123. 177

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 73-75.

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entendimento está ligado a idéia de que a própria soberania dos Estados encontra

legitimidade, necessariamente, no direito internacional.178

2.3. PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL COMO UM

DEBATE SOBRE HIERARQUIA DAS LEIS

Importa, agora, a análise da questão relativa à peculiaridade da hierarquia

atribuída às normas oriundas de tratados internacionais de direitos humanos, que,

exatamente como a questão da própria internalização vista anteriormente, guarda

relevantes peculiaridades no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim que passa a integrar o ordenamento jurídico interno, como já

anteriormente mencionado, o tratado internacional precisaria se estabelecer como

norma interna, para que então fosse considerado e aplicado no âmbito interno.

Nestes termos, quando aos tratados internacionais em matéria geral,

existem duas correntes doutrinárias dominantes: parte dos teóricos, como Marcelo

Dias Varella, compreende que o tratado incorporado torna-se paradigma da

legislação infraconstitucional;179 enquanto outros se posicionam pela

supralegalidade das normas internacionais, tendo em vista o caráter contratual da

norma internacional, que impossibilitaria que norma interna do Estado inviabilizasse

a aplicação do tratado.180

Assim, poder-se-ia dizer, em suma, que os tratados internacionais em

matéria geral serão, ou equivalentes a legislação infraconstitucional, ou

subordinados à Constituição, mais superiores às leis internas, revogando as que o

tivessem precedidos e não sendo alterados ou inaplicáveis pelas que sobrevirem.181

178

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 124. 179

Atentando-se aqui para a fórmula legal necessária para regulamentação da matéria. Exemplo: se a matéria deverá ser regulamentada no país por lei complementar, o tratado será recepcionado como lei complementar; se a norma exigir edição de lei ordinária, o tratado será concebido como lei ordinária.(Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 67) 180

Afirma-se, nesta formulação, que apenas a efetiva denúncia internacional é apta para fundamentar a inaplicabilidade de um tratado internacional, seja qual for sua matéria. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 344-347). 181

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 103-105.

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57

Independente de todos os argumentos fáticos e legislativos que

fundamentam estas opções teóricas, importa mais a este estudo a abertura da

questão, não obstante a infindável contribuição destas referências teóricas, à

questão da incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos,

fundamentadas pelas disposições dos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição da

República.

No que tange aos tratados internacionais de direitos humanos, além das

mencionadas teses da supralegalidade e da infraconstitucionalidade, acresce-se ao

tema as possibilidades de colocação das normas internacionais acima da

Constituição (denominada supraconstitucionalidade182), ou em condição equivalente

as próprias normas constitucionais (denominada constitucionalidade183).

A doutrina trata deste tema como delimitação de categorias184 onde os

tratados poderiam, necessariamente, ser enquadrados. Enquanto alguns autores,

como Flávia Piovesan,185 debatem as quatro linhas teóricas e apresentam toda

discussão posta por constitucionalistas e internacionalistas, outros, como Valério de

Oliveira Mazzuoli,186 preferem abarcar apenas a causa relativa aos mais impactantes

debates, relevando apenas o reconhecimento de algumas das teorias apresentadas.

Ressalte-se, antes da abertura determinante da matéria, que a questão

abarcada neste tópico versará exclusivamente sobre a visão doutrinária do tema,

reservando-se o entendimento jurisprudencial, particularmente relativo à visão do

Supremo Tribunal Federal sobre o tema, para o tópico que se seguirá.

Os debates, neste sentido, residem basicamente, como já apontado, na

interpretação de dois dispositivos inseridos na Constituição da República de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

182

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. O art. 5º da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Logo (org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, p. 25/26. 183

DALLARI, Pedro B. A. Constituição e Tratados Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 32/34. 184

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 342. 185

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. 186

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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58

[...]

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

187

O início da discussão remota a própria promulgação da Constituição,

momento em que existia tão somente o §2º supracitado. Naquela ocasião, além das

já aventadas construções da equiparação infraconstitucional e da preservação do

princípio contratual pela supralegalidade,188 como exposto em acerca dos tratados

internacionais em geral, abriu-se fortemente a concepção de que a disposição

constitucional em apreço dava aos tratados internacionais de direitos humanos

status constitucional.

Vale mencionar, inicialmente, que a tese da supraconstitucionalidade foi

brevemente considerada no plano interno do Estado brasileiro, tendo em vista,

principalmente, o reconhecimento irrestrito da supremacia da Constituição da

República, o que inviabilizaria considerar que os tratados internacionais, ainda que

sobre matéria tão relevante como os direitos humanos, se sobreporiam aquela

norma. Ainda assim, os partidários da tese abordam a questão com fulcro no

supremacia incondicional do plano internacional sobre a ordem jurídica interna dos

Estados Soberanos.189

A tese da equiparação constitucional, contudo, ganhou grande relevância

em face da considerada abertura da Carta Magna aos direitos e garantias oriundos

do plano externo. Trata-se, em verdade, da reafirmação do caráter materialmente

constitucional dos direitos fundamentais, estejam eles inscritos ou não na

Constituição da República.190 Neste aspecto, quando a Carta afirma que o texto não

187

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>, em 25-8-2010, às 17:50. 188

DALLARI, Pedro B. A. Constituição e Tratados Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 29/32. 189

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 68-70. 190

Diz-se, aqui, que a Constituição da República cuidou de assegurar condição especial as normas que dessem ensejo a preservação de direitos e garantias fundamentais, considerando-os como componentes materialmente legítimos da própria Constituição. Assim, um direito fundamental insculpido no art. 5º da Constituição da República teria tanta aplicabilidade quanto um insculpido, por exemplo, num tratado internacional de direitos humanos. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o

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59

exclui os direitos e garantias oriundos dos tratados internacionais ele, tacitamente,

os inclui.191

Assim, o quadro geral promovido pelo referido dispositivo constitucional

possibilitaria a concepção de algumas formas distintas de apresentação dos direitos

e garantias fundamentais da pessoa humana, sendo eles: os expressos na

Constituição; os implícitos;192 e aqueles oriundos dos tratados internacionais de que

o Brasil seja signatário.193

A conclusão extraída da questão é simples: os direitos insculpidos nos

tratados internacionais de direitos humanos aderem ao bloco de constitucionalidade,

como forma de intensificar e complementar o caráter de proteção dos direitos

fundamentais já posto na Constituição da República.194 Afirmam os teóricos, ainda,

que a questão principal está em por em relação duas fontes legítimas de normas195

que, por versarem sobre temas conexos,196 integram-se de forma completa.

Nestes termos, tendo em vista a evidente convergência entre os

ordenamentos internos e externos no que tange à efetividade dos direitos humanos

não há fundamentação razoável para que elas entrem em conflito ou se anulem,

devendo-se ser concebidas como normas de hierarquia equivalente, aplicando-se

em caso de conflito a norma mais favorável ao indivíduo, seja ela interna ou

internacional.197

A teoria da supralegalidade, por sua vez, evoluiu com o tempo e o debate

acerca da pregoada elevação dos tratados internacionais de direitos humanos ao

nível constitucional. Assim, aqueles que pretendiam a preservação irrestrita da

Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 54). 191

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 52. 192

Aqueles derivados das próprias disposições colocadas na Constituição da República, bem como do regime ou dos princípios adotados por esta norma. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 174). 193

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 765-766. 194

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 54-55. 195

Constituição e tratados internacionais de direitos humanos. 196

Direitos e garantias fundamentais. 197

O objetivo de ambas as normas e acrescer a lista de direitos e garantias fundamentais do ser humano que, por isso, não devem buscar o conflito, mas a complementação. O resultado é a garantia de maior efetividade aos seus termos, aplicando-se, portanto, a norma mais favorável. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 765-766).

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60

soberania constitucional, passaram a estabelecer o caráter supralegal daquelas

normas não mais pela questão contratual dos tratados internacionais, mas pelo

efetivo caráter de especialidade das normas relativas aos direitos humanos.198

Explica-se: ainda que as normas em apreço sejam oriundas de acordos

externos, e por isso tenham a já concedida prevalência contratual, no que tange aos

tratados internacionais de direitos humanos é imperativo reconhecer: a) a relevância

a si atribuídas pelos artigos da Constituição da República; e b) a essencialidade

destas normas para a preservação do indivíduo em sua melhor condição de

exercício da cidadania.

O importante seria considerar, nestes termos, que ainda que a legislação

oriunda do plano externo, no estender destes doutrinadores, não fosse hábil a

interferir nas disposições constitucionais, ela suspenderia a eficácia de qualquer

norma infraconstitucional que fosse com ela conflitante.199

A tese da infraconstitucionalidade foi, ainda, cada vez mais afastada nas

determinações doutrinárias, restando apenas, como se verá, por um determinado

prazo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De qualquer forma, impera

dizer que a concepção versava exatamente sobre os argumentos relativos aos

tratados de caráter geral: a norma não poderia ser Constitucional, dada sua

soberania, seria portanto infraconstitucional, como qualquer outro tratado.200

A controvérsia pretendeu ser superada, aparentemente, pela

promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04, que agregou ao texto

constitucional o já citado §3º ao então vigente art. 5º. Ocorre que, não obstante a

plausível intenção do legislados, os termos superficiais e a delimitação deficitária da

questão acabaram por abarcar inúmeras novas justificativas para sustentação das já

mencionadas teses teóricas.

198

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 515. 199

Veja-se que não há revogação. O tratado internacional de direitos humanos não revogaria a lei antiga e não seria revogado pela lei nova, ele simplesmente inviabilizaria sua aplicação ao atuar como uma verdadeira peneira entre a disposição constitucional e a regulamentação infraconstitucional, tornado esta verdadeira letra morta, ainda que sem interferir em sua efetiva vigência. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, j. em 22-11-2006, p. 28). 200

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 62-64.

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Pode-se citar, inicialmente, os partidários da tese da

infraconstitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos, os quais

argumentam que o constituinte derivado estabeleceu uma forma específica de

elevação daquelas normas ao status constitucional,201 vez que elas só poderiam,

portanto, constituir legislação ordinária quando integradas da forma originalmente

prevista pela Carta de 1988.202

Aqueles que defendiam a mencionada tese da constitucionalidade, por

sua vez, desenvolvem ferrenha crítica ao enunciado do dispositivo, afirmando que

seria tanto melhor se o artigo dissesse, expressamente, que os direitos oriundos dos

tratados internacionais de direitos humanos integram o texto constitucional.203

Afirma-se, inclusive, que a incongruência é ainda mais clara quando são

estabelecidas formas distintas de incorporação de tratados de mesma identidade.

Ou seja, dois tratados internacionais, em que pesem serem ambos protetores dos

direitos humanos, podem ter caráter diverso no ordenamento pátrio (sendo um

equivalente as normas constitucionais e o outro não), em flagrante ofensa ao

princípio da isonomia.204

Estes teóricos ainda, com o fim de superar definitivamente a questão e

reafirmar o caráter inegavelmente constitucional dos direitos oriundos dos tratados

internacionais de direitos humanos, declaram que a consequência mais expressiva

da EC n. 45/04 é a possibilidade de formalização da equiparação constitucional.

Nestes termos, todos os tratados internacionais de direitos humanos já seriam, como

já dito, materialmente constitucionais, facultando-se ao legislador pátrio a concessão

do caráter formalmente constitucional a estes mesmos dispositivos com a aprovação

201

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 72. 202

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 297. 203

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 71. 204

Agrava-se a situação quando se concebe a possibilidade de um tratado secundário, interpretativo ou complementar de um principal já ratificado, puder obter a equivalência as normas constitucionais e seu principal não, tendo em vista a distinção do quorum de aprovação no Poder Legislativo. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 772).

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pelo quorum qualificado disposto no §3º do art. 5º daquela norma.205 Busca-se, de

qualquer forma, a predominância da substância sobre a forma.206

Entre os adeptos da categoria da supralegalidade, por fim, em grande

semelhança com a argumentação suscitada pelos partidários da

infraconstitucionalidade, estabeleceu-se que a edição da emenda mencionada

confirma a pretensão da Carta de manutenção de seu status exclusivo de norma

suprema.207 Tanto que não bastaria a mera incorporação dos tratados internacionais

para que estes aderissem a Constituição, mas sua votação especial e aprovação

por, no mínimo, três quintos dos membros das respectivas casas.208 Afirma-se, neste

sentido, que não é preciso que a Constituição se diga superior aos tratados, sejam

eles relativos a direitos humanos ou não.209

No entanto, como já fundamentado por estes teóricos antes do advento

da emenda constitucional em análise, os tratados internacionais de direitos humanos

guardam relevância tamanha em relação a matéria que tutelam que seria

incongruente, dados os aspectos do expansão destes direitos no plano internacional,

dar primazia as normas infraconstitucionais em prejuízo daquelas normas.210

Vale mencionar, por fim, que problemática se estende além, abarcando

agora a colocação hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos que

foram aprovados antes do advento da Emenda Constitucional 45/04.

Cita-se, quanto à questão, apenas duas perspectivas: a) os tratados já

aprovados foram recepcionados pela nova disposição constitucional, aderindo assim

à nova normatização, ou seja, possuem inequívoca equivalência as normas

205

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 72. 206

Entende-se que a preservação destes direitos é muito mais relevante do que o aspecto formal de enquadramento dos dispositivos jurídicos no plano hierárquico interno. (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 74). 207

SILVA, José Afonso da. Comentários Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 403. 208

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 10. 209

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 5. 210

Como se aprovados pelo quorum especial. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 28).

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constitucionais;211 e b) a legislação internacional já possui, naturalmente, o caráter

de norma constitucional, integrando o bloco de constitucionalidade, assim, de acordo

com a vontade do legislador, fica autorizada a nova votação do tratado internacional

de direitos humanos para que este se torne, enfim, formalmente constitucional.212

Inobstante toda construção doutrinária aqui colocada, é possível observar

no âmbito do Supremo Tribunal Federal uma forma peculiar de interpretação das

normas constitucionais e do ordenamento jurídico interno e externo, que ensejou

uma conturbada e complexa evolução jurisprudencial naquela corte no que tange a

recepção dos tratados internacionais. Esta questão será posta, desta forma, no

próximo tópico, a garantir-lhe a devida relevância, bem como para o melhor

desenvolvimento do tema.

2.4. EVOLUÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

É imprescindível para a conclusão deste estudo a análise do

desenvolvimento histórico da questão de internalização dos tratados internacionais

de direitos humanos no âmbito do Supremo Tribunal Federal que, como dito

anteriormente: a) tratam de diversos casos; b) datam de muitos anos; e c)

apresentam profunda divergência em suas razões de decidir.

A construção que se dará nas próximas linhas, face esparsa abordagem

do tema na doutrina, terá como material básico de acompanhamento as construções

e indicações do Ministro Gilmar Mendes em seu voto-vista proferido para julgamento

do Recurso Extraordinário n. 466.343-1/SP. Trata-se, efetivamente, do melhor

material de análise que trate sobre a integralidade do tema proposto.213

O primeiro caso a suscitar o tema se deu com o julgamento do Pedido de

Extradição n. 07, entre 1913 e 1914, onde se estabeleceu a prevalência do direito

211

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 72. 212

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 790-791. 213

Esta linha de análise se justifica pela existência descompassada de referências históricas em obras como de Flávia Piovesan, Valério Mazzuoli ou André Ramos. Enquanto estes doutrinadores documentam apenas de forma parcial a evolução do tema da internalização dos tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico brasileiro no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes aborda detalhadamente os julgamentos que antecederam a presente análise e as teorias que prevaleceram em cada oportunidade.

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internacional sobre a legislação interna.214 Nesta ocasião, prevaleceu entre os

julgadores o entendimento de que o tratado internacional, ao aderirem ao

ordenamento jurídico nacional, tem o poder de revogar a legislação nacional que

seja com ele conflitante. No entanto, dada sua integração e a subsistência do pacto

contratual internacional, após a internalização este guardaria o aspecto de legislação

supralegal, não podendo ser revogado por lei brasileira nova,215 salvo em caso de

efetiva denúncia.216

Tal precedente foi citado e seguido, posteriormente, nos anos de 1943 e

1951 (Apelação Cível n. 7.872 e Apelação Cível n. 9.587, respectivamente), em

julgamento de casos análogos.217 Têm-se, nestes termos, que a Suprema Corte

esteve, por em média 50 anos, inclinada ao reconhecimento da superioridade do

ordenamento internacional à legislação ordinária do país, reafirmado nas duas

ocasiões que o caráter contratual dos tratados internacionais, bem como seu caráter

especial de regulamentação, deveriam prevalecer à mera produção do Poder

Legislativo brasileiro.218

Contudo, exatamente no ano de 1977, por ocasião do julgamento do

Recurso Extraordinário n. 80.004/SE, que tratava sobre a aplicabilidade da

Convenção de Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas

Promissórias, este posicionamento se deslocou. A Corte passou, naquela

oportunidade, ao entendimento de que o tratado integrado ao ordenamento jurídico

interno tem status de legislação infraconstitucional, revogando as leis que o

precederam, mas, naturalmente, sendo revogados por aquelas que o sucederam.219

Fortemente criticada pelos internacionalistas, esta teoria teria marcado,

na visão de alguns, um retrocesso lamentável na colocação do Brasil no que tange a

preservação dos acordos internacionais e a atenção do país a estas disposições

214

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 130. 215

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 62. 216

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 26. 217

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 23-24. 218

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 24-27. 219

O início da vigência do princípio lex posterior derrogat legi priori no âmbito do Supremo Tribunal Federal no que tange a integração dos tratados internacionais. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 11-12)

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normativas.220 Enfim, ainda que colocada a mencionada problemática, a nova

perspectiva subsistiu com o fundamento no sentido de que a norma oriunda dos

tratados internacionais, como qualquer outra vigente no país, estava sujeita ao

princípio da anterioridade.221

Continuamente, após o advento da Constituição da República no ano de

1988, passado razoável período de tempo desde o último pronunciamento, mais

precisamente no ano de 1995, o Supremo Tribunal Federal volta a debater a

questão dos tratados internacionais em plenário.222 Nesta oportunidade o caso em

apreço já versava, especificamente, sobre tratados internacionais de direitos

humanos e a questão da prisão civil do depositário infiel.223 Tratava-se, neste caso,

da possibilidade da prisão do devedor fiduciário, em atendimento a determinação

constitucional,224 em face da disposição do Pacto de São José da Costa Rica, que

admitiria apenas a prisão civil do devedor de alimentos.225

A resolução se deu, no entanto, sem enfrentar a questão do conflito entre

aquelas normas, vez que nesta ocasião tornou a prevalecer o entendimento da

incidência da legislação interna em detrimento do tratado internacional. A

justificativa, no entanto, difere-se significativamente daquela formalizada no ano de

1977. Nesta oportunidade os Ministros determinaram que a existência de Decreto

Lei n. 911/69, que regulamentava o instituto, ou seja, uma legislação especial que

garantisse sua incidência, prevaleceria em face da legislação geral e aberta

apresentada pelo Pacto de São José da Costa Rica.226

220

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed. 1º vol. Rio de Janeiro: Renova, 2004, p. 131. 221

É a supremacia da última vontade do Poder Legislativo, que ao promulgar lei nova entende que o texto anterior já não serve a regulamentação daquelas situações. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 11-12). 222

Mais exatamente no julgamento do HC n. 72.131/RJ. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 13). 223

HC n. 72.131/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1º-8-2003. 224

Art. 5, inc. LXVII, da Constituição da República: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, em 6-10-2010, às 7:30). 225

Art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento

de obrigação alimentar.” (Disponível em

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>, em 6-10-2010, às 7:35) 226

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 13-14.

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A tese da infraconstitucionalidade das normas oriundas de tratados

internacionais foi novamente mencionada, ainda, no julgamento da medida cautelar

na ADI n. 1.480-3/DF, prevalecendo o entendimento de que estes diplomas

equiparam-se, sem ressalva, à legislação ordinária. Tal entendimento foi

reafirmando ainda, por fim, nos julgamentos do RHC n. 79.785, do RE n. 206.482-

3/SP e do HC n. 81.319-4/GO, mantendo-se a tão mencionada tese da

infraconstitucionalidade.227

No entanto, como se verá, o grande avanço da matéria naquela Corte se

deu, efetivamente, no julgamento dos RE n. 466.343-1 e HC n. 88.585-8, onde as

teses de prevalência daqueles diplomas sobre a legislação interna foram

expressamente declaradas. Esta alteração significativa da perspectiva teórica será

analisada, com maiores detalhes, no próximo tópico, onde se objetivará a

apresentação clara dos motivos que levaram os Ministros ao reconhecimento de

caráter especial das normas oriundas do plano internacional no que tange à matéria

de diretos humanos.

2.5. O PROBLEMA DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIÁRIO COMO PANO

DE FUNDO PARA A DISCUSSÃO SOBRE O TEMA NO BRASIL (RE N. 466.343-1

E HC N. 87.858-8)

A controvérsia acerca da prisão civil do depositário infiel está sediada,

como já brevemente apontado, na discrepância entre as disposições da Constituição

da República e do Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional de

direitos humanos do qual o Brasil é signatário. Enquanto aquele prevê a

possibilidade de prisão do depositário infiel, este admite apenas o cerceamento de

liberdade do devedor de alimentos.

Há, ainda, para construção do caso, a vigência do Decreto Lei n. 911/69,

que equipara o devedor fiduciário ao depositário infiel, viabilizando assim a

decretação de prisão do indivíduo pelo mero inadimplemento de dívida civil.

227

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 14.

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As mais recentes e significantes abordagens do tema da incorporação

dos tratados internacionais de direitos humanos conjugados à possibilidade da

decretação da prisão do depositário infiel se deram no âmbito do Supremo Tribunal

Federal, em relação à possibilidade da prisão civil do depositário infiel, mais

especificamente no recente julgamento dos RE n. 466.343-1 e HC n. 88.585-8.

Como visto anteriormente, oportunizada a colocação desta problemática

naquela Corte, em meados dos anos 1995 (HC 72.131/RJ), teve-se a inevitável

conclusão pela declaração de paridade normativa entre os tratados internacionais de

direitos humanos e a legislação ordinária pátria.228

Este posicionamento obteve sua primeira manifestação de discordância

em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, após o advento da

Constituição da República, quando no ano de 2000, proferindo voto nos autos do HC

79.758/RJ, o Ministro Sepúlveda Pertence apresenta a primeira manifestação

voltada ao reconhecimento do caráter especial daquelas normas e a sua

superioridade à legislação ordinária.229

A mais recente manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema

abarca exatamente esta questão, a superação da antiga tese da legalidade

enquanto equiparação entre leis ordinárias e tratados internacionais de direitos

humanos, bem como o embate entre supralegalidade vs. constitucionalidade.

O primeiro voto publicado no julgamento daqueles recursos, foi aquele

proferido pelo Ministro Gilmar Mendes no RE n. 466.343-1/STF em 22 de dezembro

de 2006. Nesta oportunidade, ao analisar a possibilidade de prisão civil em

alienação fiduciária, o magistrado apresenta toda evolução histórica da temática,

como já exposta anteriormente neste estudo.

O primeiro caminho traçado pelo julgador, além da apresentação do tema

e da colocação das quatro teorias que versam sobre a hierarquia das normas

oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos (supraconstitucionalidade,

228

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 63-64. 229

Nesta oportunidade, ainda que tenha prevalecido a tese da equiparação a lei ordinária, o Ministro sustenta que especialidade das normas relativas a proteção da pessoa humana merecem, face a redação do art. 5º, §2º, da Constituição da República, proteção especial. (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 21-22).

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constitucionalidade, supralegalidade e infraconstitucionalidade) foi o afastamento da

possibilidade de equiparação destas normas às disposições constitucionais.

Veja-se, neste sentido, que na sua interpretação as próprias disposições

da Constituição da República resultam na inevitável conclusão de que a Carta impõe

a preservação de sua soberania, por razões lógicas. Tal questão é reafirmada,

inclusive, pela exigência de que: a) o tratado atenda as formalidades exigidas no

processo constitucional de incorporação das normas internacionais; e b) as normas

oriundas dos tratados não ofendam a ordem constitucional vigente, sob pena de

inconstitucionalidade.230

Na visão do Ministro esta tese seria confirmada, ainda, pela Emenda

Constitucional 45/04, que concretizou a concepção de que aqueles diplomas

normativos precisam, necessariamente, da aprovação especial pelo Poder

Legislativo para comporem o catálogo constitucional de direitos e garantias

fundamentais,231 sob pena de se caracterizarem como legislação infraconstitucional.

A questão se pôs, então, da seguinte forma: ao mesmo tempo que não

era possível conceber a equiparação dos tratados internacionais de direitos

humanos fora do cumprimento das disposições do §3º do art. 5º da Constituição da

República, tornava-se incongruente manter o antigo entendimento da menor

importância destas normas internacionais, que dado o caráter especial de seu objeto

de tutela mereciam reconhecimento e garantia de eficácia no plano interno dos

Estados Soberanos, especialmente, in casu, o Brasil.

É neste contexto que o Ministro resgata o antigo posicionamento, já

mencionado, do Ministro Sepúlveda Pertence, relativo à supralegalidade dos

tratados internacionais de direitos humanos, a fim de aplicá-los, nesta oportunidade,

aos diplomas normativos que integram o ordenamento jurídico brasileiro, mas que

foram aprovados fora do quorum qualificado instituído pela Emenda Constitucional n.

45/04.

Fundamenta-se, em síntese, que da mesma forma que esta reforma

constitucional demonstra claramente a não adequação da tese da

230

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 5. 231

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 10-11.

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constitucionalidade daquelas normas, por outro lado demonstra a efetiva

especialidade daqueles diplomas. Diz-se, assim, que sua importância fica evidente a

partir do momento que resta possível transformá-los, concretamente, em normas

equivalentes as disposições da Constituição da República.232

Some-se a este fato, ainda, a expressiva expansão do tema no plano

externo, com o paulatino reconhecimento, no âmbito do direito comparado, da

essencialidade da abertura dos Estados soberanos a toda forma de tutela da pessoa

humana. Citou-se, ainda que passageiramente, por fim, o tema que nos é tão caro

neste estudo: o Estado Constitucional Cooperativo, de Peter Häberle, que

fundamentaria a inovação jurisprudencial da Suprema Corte brasileiro no que tange

a integração com a comunidade internacional, especialmente quanto a proteção dos

direitos humanos.233

Nestes temos, a aventada tese da supralegalidade teria, nos moldes

estabelecidos pelo Ministro Gilmar Mendes, o condão de possibilitar a aplicação do

tratado ao passo que, a despeito de não interferir nas disposições da Constituição

da República, paralisa a norma infraconstitucional que regulamenta uma situação de

ofensa aos direitos humanos.234

Ou seja, no caso em concreto, relativo à prisão civil do depositário infiel,

ainda que o tratado não tivesse o condão de atingir a disposição constitucional

inscrita no art. 5º, LXVII, ele seria hábil para paralisar a incidência do Decreto 911/69

ao caso, o que impossibilitaria a equiparação do devedor fiduciário ao depositário

infiel, inviabilizando, logicamente, seu cerceamento de liberdade.235

Contudo, em contraponto à referida construção lógica manifesta-se

expressamente o Ministro Celso de Mello, em julgamento nos autos do HC n.

88.585-8. Sua análise inicia com a colocação clara da relevância e do grau de

importância que deve ser conferido aos tratados internacionais de direitos humanos,

232

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, p. 11-12. 233

A menção do Ministro a teoria é absolutamente insuficiente a qualquer comentário mais pormenorizado, ele trata de indicar o instituto e declarar que, por conta dele, os Estados já não se voltam apenas para si, passando a voltar-se para os demais Estados enquanto participante de uma comunidade mundial (STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, p. 14). 234

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 28-29. 235

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 60-61.

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especialmente no que tange aos pontos específicos de tutela da dignidade da

pessoa humana, a fim de assegurar, irrestritamente, o pleno exercício da cidadania

a qualquer indivíduo.236

Abre-se, no voto em apreço, a particularidade de seu posicionamento no

que tange à reconstrução histórica do fundamento da prisão civil por dívida,237 que

não constitui pena, mas mera forma de coerção jurídico processual que objetiva a

tendência de motivação do devedor ao adimplemento da dívida.238 Paralelamente,

argumenta o magistrado que a normatização brasileira a respeito da prisão civil do

depositário infiel guarda a seguinte particularidade: a Constituição da República não

instituí definitivamente o procedimento, mas possibilita que o legislador derivado o

faça, por ato próprio e discricionário.239

Esta brecha legislativa, que o Ministro opta por denominar “espaço de

autonomia decisória”, poderia ser naturalmente ocupada pelos tratados

internacionais de direitos humanos, ainda mais se lhes atribuírem o caráter já

suscitado de supralegalidade. Tal perspectiva enfatizaria mais uma vez, de qualquer

forma, a prevalência hierárquica daquelas normas em face da legislação ordinária.240

A seguir, estabelecida a importância das normas relativas à proteção

humana provenientes do plano internacional e devidamente incorporadas pelo

Estado brasileiro, reconhecendo-se assim a impossibilidade de caracterização da

infraconstitucionalidade daquelas, o Ministro trata de abarcar toda a teoria

doutrinária relativa à configuração da elevação de status constitucional aos tratados

internacionais de direitos humanos, com o fim de superar a já acatada

supralegalidade.

Nestes termos, estabelece-se todo embasamento teórico relativo à

caracterização do aspecto materialmente constitucional dos tratados internacionais

236

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 4-13. 237

Cita o magistrado a espécie de tratamento que se dava ao devedor civil na Roma antiga, mais especificamente no período do sec. V a.c. (STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 2-3) 238

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 13-14. 239

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 15-18. 240

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 18.

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de direitos humanos, como já delimitado por Flávia Piovesan, bem como a idéia de

incorporação destas normas ao bloco de constitucionalidade.241 Estas colocações

são acrescidas, ainda, pela evidente percepção de que o magistrado inclina-se,

determinantemente, a concepção formulada pela citada constitucionalista de que

passam a existir, após a Emenda Constitucional 45/04, os tratados internacionais de

direitos humanos: a) com caráter materialmente constitucional (aprovados pelo rito

comum); ou b) com caráter formal e materialmente constitucional (aprovados com

quorum qualificado).242

O argumento que concretiza o posicionamento do Ministro acerca da

constitucionalidade dos tratados internacionais de direitos humanos encontra-se, no

entanto, na certeza de que a proposta do §3º do art. 5º da Constituição da República

era, efetivamente, a concretização do status constitucional daquelas normas,

independente de seu quorum de aprovação na época do processo de internalização,

vez que partiu de si a proposta ao Congresso Nacional para a referida reforma.243

Há que se relevar, finalmente, a sua afirmação que considera, inobstante

a elevação dos tratados internacionais de direitos humanos ao status de norma

constitucional, que este entendimento não ofende, de forma alguma, a soberania da

Constituição, vez que todo o ordenamento pátrio está adstrito as normas ali

instituídas. Esta característica possibilitaria, inclusive, sua decretação de

inconstitucionalidade.244

Estes são os termos em que se encontra, portanto, o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal no que tange à hierarquia dos tratados internacionais de

direitos humanos, prevalecendo (com apertada maioria245) a teoria da

supralegalidade das normas internacionais de direitos humanos.

241

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 23-25. 242

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 27-28. 243

STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 37-38. 244

O Ministro cita, para tanto, Pontes de Miranda, afirmando que “Também ao tratado, como a qualquer lei, se exige ser constitucional”. (STF, HC 87.858-8/TO. Rel. Min. Marco Aurélio. Voto-Vogal Min. Celso de Mello, j. em 12-3-2008, p. 44-46/51). 245

Cinco Ministros se posicionaram pela supralegalidade (Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito), três pela constitucionalidade (Celso de Mello, Cezar Peluso e Eros Grau), tendo os demais não se determinado acerca do tema específico (Marco Aurélio, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa).

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Não obstante tal controvérsia, no entanto, impera dizer que ambos

posicionamento tenderam a impossibilidade da decretação da prisão civil do

alienante fiduciário, seja por inaplicabilidade de disposição constitucional ou da

própria legislação ordinária regulamentar do instituto.

2.6. EXISTE UM POSICIONAMENTO UNÍVOCO NO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL EM FACE DESTA MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL?

Posta toda a questão abordada no presente capítulo, resta delinear o

resultado da conclusão final do Supremo Tribunal Federal no que tange à

incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, independente da

questão posta a respeito da possibilidade da prisão civil do devedor fiduciário.

Não é de difícil percepção que, não obstante o afastamento da

possibilidade de cerceamento de liberdade daquela modalidade de devedor civil, a

jurisprudência da Suprema Corte se estabelece, aparentemente, de forma

absolutamente distinta quanto o assunto versa sobre a hierarquia dos tratados

internacionais de direitos humanos (ora pendendo para supralegalidade, ora para a

constitucionalidade).

Há de relevante nesta característica, no entanto, que ainda que as

conclusões finais dos Ministros direcionem-se a teorias objetivamente diversas, os

fundamentos que o levaram até aquelas conclusões em muito se coincidem. Cabe

dizer, acerca desta afirmação, que não há um grande rol de fundamentação nas

decisões em comento, vez que se mencionam, de fato, poucos temas para subsidiar

a decisão final e, dada cada interpretação, justificar a adoção do posicionamento

colocado ao pleno do Supremo Tribunal.

Veja-se, como exemplo, que ambos convergem expressamente quanto ao

reconhecimento da relevância dos direitos oriundos daqueles tratados, bem como ao

grau de importância que o ordenamento jurídico brasileiro deve conceder a eles,

tendo em vista, especialmente, a especialidade do tema que regulamentam.

Afirmam, neste sentido, que normas internacionais que tenham o condão de instituir

direitos e garantias fundamentais, a fim de dar mais ênfase a tutela da dignidade da

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pessoa humana, já não podem ser concebidas como uma norma qualquer, estando

o Estado obrigado a desenvolver melhores mecanismos de implementação.

Pode-se mencionar, ainda, a questão do absoluto conflito entre as razões

expostas pelos Ministros que, mesmo em face do reconhecimento mútuo da

supremacia da Constituição, atribuem a esta característica uma conotação

interpretativa diversa. Vê-se, em confirmação, que enquanto o Ministro Gilmar

Mendes acredita que tal requisito (supremacia) reafirma a impossibilidade de

equiparação entre os tratados internacionais de direitos humanos e as disposições

constitucionais, o Ministro Celso de Mello afirma que mesmo diante da disposição da

Constituição da República, cuja redação faz presumir que a Carta pretendia a

elevação destes ao patamar de norma constitucional, ficará o tratado, de qualquer

forma, adstrito à possibilidade de controle constitucional.

Parece, diante destes fatos, que a resposta à pergunta proposta no título

deste subitem, não seria, portanto, de todo exata e conclusiva, vez que a resposta

ao questionamento pode se dar de maneira diversa, deste que delimitado

distintamente o objeto de análise.

Diz-se, desta forma, que há, de fato, um posicionamento unívoco no

âmbito do Supremo Tribunal no que tange a afirmação de conceitos como:

supremacia da Constituição, afirmação de direitos fundamentais, necessidade de

abertura do plano interno ao plano internacional e, especialmente, necessidade de

alteração da jurisprudência recorrente da Corte acerca da hierarquia atribuída aos

tratados internacionais de direitos humanos.

Em contrapartida, ao observar apenas a decisão final dos Ministros, assim

determinando qual o efetivo status dos tratados internacionais de direitos humanos

no ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a bifurcação da jurisprudência, que pende

tanto à supralegalidade quanto à constitucionalidade, não havendo, desta forma

uniformidade.

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3. ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL À TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO DE

PETER HÄBERLE

Este capítulo tem por finalidade a análise do grau de adequação das

decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal à teoria do Estado

Constitucional Cooperativo de Peter Häberle. Optou-se, no entanto, para a restrição

da análise a votos proferidos exclusivamente pelo Ministro Gilmar Mendes em casos

que versaram sobre a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos

e sua aplicabilidade no plano jurídico interno.

A justificativa a restrição é simples: como demonstrado no capítulo

anterior, o referido magistrado não só conhece a concepção do Estado

Constitucional Cooperativo como a invocou expressamente para fundamentar a

postura adotada relativa ao status de supralegalidade dos tratados internacionais de

direitos humanos. Nestes termos, dada a particularidade de sua menção, pretende-

se avaliar se o julgador, efetivamente teria se valido dos pressupostos da teoria

originalmente concebida por Häberle no julgamento dos recursos extraordinários n.

466.343/SP e n. 511.961/SP, além da arguição de descumprimento de preceito

fundamental n. 130 e do Habeas Corpus n. 91.657/SP.

3.1. ELEMENTOS DO CONCEITO DE ESTADO CONSTITUCIONAL

COOPERATIVO

Para melhor aferição do grau de compatibilidade das decisões a serem

analisadas a luz da teoria do Estado Constitucional Cooperativo se faz necessário,

ainda que resumidamente, identificar alguns elementos da proposta do professor

Peter Häberle na identificação do conceito de Estado Constitucional Cooperativo.

Diz-se, assim, que o modelo de Estado constitucional na sua feição

clássica já reconhecia a possibilidade (e a desejabilidade) de que os Estados

atuassem em cooperação. Portanto, desde os primórdios do direito internacional

moderno que as relações internacionais são forjadas por uma comunidade mundial

de Estados. Comunidade esta que, a partir da segunda metade do século XX, forja

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inúmeros pontos de convergência, em especial, no tocante à tutela dos direitos

humanos246.

Ocorre que, como foi discutido no capítulo de abertura deste trabalho, a

noção de “estado constitucional cooperativo” pressupõe a presença de determinados

elementos que, em conjunto, postulam o desenvolvimento de um direito

internacional de cooperação que transcende o interno dos Estados soberanos,

superando definitivamente a visão consolidada em torno de uma certa idéia de

convivência pacífica entre os Estados.247

Esta proposta teórica está interligada, conforme construções do autor, a

presença de quatro elementos constitutivos: (a) presença de critérios institucionais de

solidariedade; (b) disponibilização para a realização conjunta de objetivos comuns; (c) o

reconhecimento da importância da tutela de direitos humanos/fundamentais; e (d)

predisposição à abertura ao plano internacional, que deveriam para melhor aplicação estar

previstas nas Cartas Constitucionais de cada Estado.

Pode-se abordar, inicialmente, os critérios institucionais de pretensão

teórica, norteados mais propriamente pela exigibilidade do reconhecimento de que a

condição de sociedade internacionalmente formada implica a “realização

internacional 'conjunta' das tarefas como sendo da comunidade dos Estados”,248

bem como a necessidade destes, enquanto membros igualitários de uma mesma

comunidade, estarem à disposição uns dos outros, estabelecendo critérios concretos

de solidariedade na busca de uma evolução social conjunta.249

Vale dizer, neste momento, que estes critérios de cooperação dificilmente

serão identificados em decisões judiciais, pois, como já apontado, a abertura ao

plano externo em termos de disponibilidade e propostas comuns são possíveis,

quase que absolutamente, se analisadas do ponto de vista Institucional. Ou seja,

trata-se de verdadeira atuação das instituições que compõe uma Nação de abertura

246

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 69. 247

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 6-7. 248

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 70-72. 249

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 9.

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e compartilhamento de propostas de desenvolvimento comum entre os demais

Estados da já apresentada comunidade internacional.

Veja-se, no entanto, que não se tratam de institucionalização limitada de

cooperação, como dizer que apenas o Poder Executivo, por exemplo, por atuar em

nome do Estado, estaria apto a promover estas relações, mas de verdadeira

integração disseminada, estando as Instituições aptas a promover a integração

nacional no tocante as suas atividades típicas.

Cite-se, como exemplo, a proposta do próprio Supremo Tribunal Federal

em formalizar um padrão de cooperação internacional entre as cortes jurisdicionais.

250 Estas relações tem a pretensão mínima de compartilhar modelos e experiências

jurisdicionais entre os Estados soberanos, a fim de proporcionar um diálogo

permanente em busca da conciliação de preceitos ou formas que trabalhem a

atuação conjunta na busca da evolução permanente da ordem jurídica internacional

e, consequentemente, interna. Trata-se da própria materialização da proposta do

teórico alemão.

Superada esta questão se faz necessário apontar, ainda, o elemento que

determina que a busca da cooperação passa, objetivamente, pela efetiva abertura

dos Estados soberanos ao plano internacional. Abertura esta que é de tal

importância que constitui, definitivamente, o elemento básico de identificação da

pretensão de um Estado em adotar o modelo cooperativo às suas relações externas.

Este elemento constitutivo se relaciona, por sua vez, diretamente com o

maior pressuposto de legitimação de um Estado e, como aqui considerado,

elemento implícito do conceito de Estado Constitucional Cooperativo. Diz-se, desta

forma, que o maior elemento de convergência entre as Nações é, atualmente, a

objetividade de compartilhamento dos critérios materiais de proteção da dignidade

da pessoa humana, enquanto forma de tutelar não só os cidadãos em suas nações,

250

Exemplos de propostas da qual a Corte brasileira é membro: Permanent Forum of the Supreme Courts of MERCOSUR, Conference of Constitutional Jurisdictions of Portuguese Speaking Countries – CPLP, BRIC - Brazil, Russia, India and China, entre outros. Disponível em <http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfCooperacao_en_us&idConteudo=160010>, em 28-10-2010.

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mas também os estrangeiros e apátridas em qualquer lugar em que se encontrem.

Esta é, verdadeiramente, a identificação do arquétipo constitucional.251

Instituí-se exatamente neste ponto a essencialidade de que o Estado

soberano esteja aberto não só ao direito, mas também a interpretação das normas

instituídas no plano internacional. Fundamentalmente porque o arquétipo

constitucional se desenvolve a partir do processo de recepção e envio de normas e

interpretações normativas estabelecidas pelos Estados soberanos em relação aos

direitos humanos ou fundamentais. É este processo, principalmente, que possibilita

a troca de experiências e a evolução das formas de proteção, com o propósito de

garantir a cooperação não só no plano normativo, mas especialmente quanto a

forma de aplicação efetiva destes preceitos ao caso concreto. É, definitivamente, a

expansão da sociedade aberta dos interpretes constitucionais ao plano mundial,

como proposta do tipo ideal de Estado do ponto de vista do Direito Internacional

Comunitário.252

Pode-se esperar, nestes termos, que a decisão proferida pelo Ministro

Gilmar Mendes em seu voto-vogal hora em análise deveria, pensamos, estar de

acordo com as disposições da teoria ora exposta, vez que o Magistrado se refere

expressamente a esta, bem como a utiliza como razão de decidir. No entanto, do

que se infere das disposições utilizadas no julgado, pode-se perceber alguns

aspectos de discrepância entre os argumentos gerais do julgador e as construções

originais do professor Peter Häberle, especialmente quando nos atentamos à

solução proposta em relação hierarquia atribuída aos tratados internacionais de

direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio.

251

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 19. 252

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 5.

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3.2. CASOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

3.2.1. Prisão Civil do Depositário Infiel (RE 466.343-1/SP)

Este recurso, como já apontado no capítulo anterior, versava sobre a

possibilidade de prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária. Pesava

sobre o caso a disposição do art. 5º, LXII, da Constituição da República, que

possibilita o cerceamento de liberdade por dívida oriunda de depósito, bem como do

Decreto n. 911/69, que equipara o devedor fiduciário ao depositário infiel.

Em contrapartida, o Pacto de São José da Costa Rica, tratado

internacional de direitos humanos devidamente internalizado ao ordenamento

jurídico brasileiro no ano de 1992, reconhece como única exceção à proibição da

prisão civil a do devedor de alimentos. Argumenta-se, portanto, que dado os termos

do art. 5º, §2º, da Constituição da República “os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil

seja parte”,253 razão pela qual não haveria critérios no ordenamento jurídico pátrio

para manutenção do instituto da prisão civil por dívida em caso de depósito.

Ocorre que, a despeito da discussão central do feito, abriu-se no âmbito

do Supremo Tribunal Federal uma questão de adequação dos tratados

internacionais de direitos humanos ao plano jurídico nacional, ou seja, travou-se um

intenso debate, como já analisado, acerca da questão da colocação hierárquica

destas normas.

Neste contexto, o Ministro Gilmar Mendes, em oportunidade própria,

proferiu voto-vogal nestes autos e utilizou como base de sustentação de seu voto,

entre outros aspectos, a necessidade de atenção à teoria do Estado Constitucional

Cooperativo, de Peter Häberle, nestes exatos termos:

Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um “Estado Constitucional Cooperativo”, identificado pelo Professor Peter Häberle como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que disponibiliza como referência para os outros

253

Disponível em< www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>, em 9-10-2010, às 15:30.

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Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual ganha relevo o papel dos direitos humanos e fundamentais.

254

Vale mencionar, inicialmente, que não é possível estabelecer relação

entre as considerações do Ministro e os critérios de disponibilidade objetiva dos

Estados à realização conjunta de tarefas ou a qualquer abertura solidária255 aos

demais participantes da referida comunidade mundial. Entretanto, parece que a

caracterização destes elementos para a construção do voto em apreço seria, por

hora, irrelevante, vez que a decisão a ser estabelecida pela Corte nesta

oportunidade não abarcava, de fato, tal questão.

Em contrapartida, quanto aos demais elementos, aponta-se, em primeiro

lugar, a possível verificação de reconhecimento pelo Magistrado da existência do rol

de direitos que, como no caso dos direitos humanos, transcendem a questão da

nacionalidade da norma. Este chega a mencionar, neste ponto, a irrelevância de

persistirem os debates acerca da relação entre o Direito Interno e o Direito

Internacional (mencionadas as teorias monistas e dualistas) quando estiverem em

questão lides que tratem sobre direitos fundamentais.256

Parece, neste aspecto em particular, que o Ministro reconhece um

elemento substancial à construção do tipo de Estado Constitucional Cooperativo,

vez que coloca os direitos humanos entre os direitos presentes no arquétipo

constitucional, reconhecidos internacionalmente e imperativos diante de sua

relevância e que, especialmente neste caso, fornecem subsídios que asseguram a

proteção da dignidade da pessoa humana.

Aparentemente continua a atender a teoria, ainda, quando determina que

o desenvolvimento das relações sociais já não se supre meramente pelo Estado

Constitucional, pois este já não pode se reconhecer sozinho, devendo participar e

dar efetividade a preceitos internacionalmente consagrados em matéria de direitos

humanos. Ou seja, refere-se expressamente, como apontado na citação supra, à

abertura constitucional que os Estados soberanos devem promover em face do

desenvolvimento internacional de preceitos fundamentais.

254

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 14-15. 255

Enquanto desenvolvimento de ações objetivas que fornecessem auxílio específico a Estados necessitados. Não se trata de uma solidariedade abstrata, mas de tarefas efetivas que promovam mais igualdade e desenvolvimento comum. 256

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 2.

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No entanto, quanto aos critérios efetivamente utilizados, impera

mencionar que a construção do elemento cooperativo formulada pelo Magistrado

não atende, salvo o critério apontado anteriormente, a determinados aspectos

teórico construídos pelo autor alemão. O critério de abertura ao plano internacional

é, inclusive, desvirtuado, principalmente quando aquele cita que “ainda que, numa

perspectiva internacional, muitas vezes a cooperação entre os Estados ocupe o

lugar de mera coordenação e de simples ordenamento para a coexistência pacífica

(ou seja, de mera delimitação dos âmbitos das soberanias nacionais) [...]”.257

Explica-se: este breve trecho, extraído do voto do Ministro Gilmar

Mendes, constituí uma transcrição literal da obra de Peter Häberle.258 No entanto, é

preciso considerar que o autor se refere a esta questão enquanto colocação do

quadro atual de relações desenvolvidas internacionalmente entre os Estados

soberanos.259 A aderência a idéia de Estado Constitucional Cooperativo, entretanto,

constitui exatamente o oposto, como se pode inferir da redação da obra do autor ao

determinar que “O Estado constitucional cooperativo se coloca no lugar do Estado

constitucional nacional. Ele é a resposta jurídico-constitucional à mudança do Direito

Internacional de direito de coexistência para o direito de cooperação na comunidade

de Estados [...]”.260

É certo, e não se afirmará o contrário, que o quadro mundial de

cooperação ainda reflete em larga medida a relação de coexistência citada pelo

Ministro. Não se nega, igualmente, que a postura frente a esta questão também

pode ser alterada ou relativizada no âmbito interno de cada Estado, proporcionando

paulatinamente a adequação aos critérios de cooperação. Entretanto, é imperioso

colocar a questão de que a aderência e aplicação da teoria do Estado Constitucional

Cooperativo constitui, efetivamente, o avanço definitivo da idéia de coexistência

257

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 15. 258

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 47. 259

Trata-se, em verdade, do paradigma dos Estados soberanos. Com dito anteriormente, este trecho constituí uma parte da obra do autor alemão, onde se delimita que a relação internacional entre os Estados apresenta-se, de fato, como elemento de coordenação ou com a função de assegurar a mera coexistência pacífica entre aqueles. Pode-se, por óbvio, que a transcrição se refere a introdução da obra “Estado Constitucional Cooperativo”, onde se pretende demonstrar em que aspectos há o abandono do modelo atual e de que forma se estabelece a evolução teórica. 260

HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução do original em alemão por Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 71.

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pacífica para critérios materiais de reconhecimento e cooperação internacional no

desenvolvimento comum dos Estados. Trata-se de um engajamento mais enfático

em torno do ideal de cooperação, algo que o Ministro parece não assumir,

sobretudo, quando transcreve trecho que não versa sobre o estágio atual defendido

pelo jurista de Bayreuth.

Veja-se que esta teoria não se importa, propriamente, com qualquer

espécie de hierarquia de normas, seja no âmbito interno, seja no âmbito

internacional. Häberle atribui, de fato, maior legitimidade a norma instituída no plano

internacional dada a oportunidade de expansão dos aportes teóricos e,

especialmente, culturais na formulação daqueles dispositivos, vez que a participação

na construção dos elementos normativos estaria expandida ao plano mundial. Ou

seja, a maior participação social, na sua concepção, atribuiria mais legitimidade às

diretrizes normativas, exatamente como no plano da teoria constitucional do Estado

soberano.

Considera-se, no entanto, que seu maior elemento de verificação de

legitimidade de atos estatais é a preservação irrestrita da dignidade da pessoa

humana, por conseguinte, um critério de natureza eminentemente substantiva.

Coloque-se, nestes termos, que o autor parece deixar implícito que a negação a um

tratado internacional de direitos humanos seria irrelevante em casos em que o

Estado negasse aplicação a esta norma para aplicar outra, interna, mais benéfica ao

indivíduo. O critério de proteção estaria, neste caso, absolutamente acatado.

Aliás, esta justificativa resolveria a problemática posta como temerária

pelo Ministro a irrestrita elevação dos tratados internacionais de direitos humanos ao

grau de normas constitucionais. Na concepção deste, não seria recomendável

estabelecer que estas normas tivessem hierarquia constitucional, vez que poderiam

conter, localizadamente, normas de caráter estranho aos direitos humanos, ou seja:

“o risco de normatizações camufladas seria permanente”.261

A colocação do critério material de legitimidade proposto por Häberle a

esta questão seria facilmente superado, portanto, pela adoção do critério de

aplicação da norma mais favorável ao indivíduo. Apontados inclusive por juristas

261

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 6.

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como, por exemplo, Valério de Oliveira Mazzuoli,262 este princípio interpretativo não

iria contra os elementos do Estado Constitucional Cooperativo e, ainda, superaria

definitivamente a discussão acerca da hierarquia entre as normas internas e os

tratados internacionais de direitos humanos. Todavia, esta não foi a opção tomada

pelo Magistrado. Tento ele a oportunidade de engajar-se em uma cooperação mais

estreita acaba por recuar e defender a tese da supralegalidade, invocando, para

tanto, a existência de riscos e supostas inseguranças correlatas.

Cumpre dizer, portanto, que apesar de considerar que, entre as teses

colocadas pelo julgamento em apreço a tesa da constitucionalidade seria aquela que

mais se compatibilizaria com o conceito de Estado Constitucional Cooperativo. Faz-

se questão de afirmar, no entanto, que parece mais imperioso deixar claro que os

tratados internacionais de direitos humanos não precisam, na concepção de

Häberle, ser mais que isso. Ou seja, sua característica de norma internacional que

versa sobre direitos e garantias fundamentais bastaria, por si só, como pressupostos

de aplicação imediata, restando absolutamente desnecessária qualquer abordagem

acerca de colocação hierárquica.

Ocorre que, diante de todo este contexto posto pelo voto proferido pelo

Ministro Gilmar Mendes, fica evidente a particularidade sensível de que a maior

pretensão do julgador parece ser, de fato, conciliar a preservação e efetividade dos

direitos fundamentais oriundos dos tratados internacionais de direitos humanos sem

que se coloque em xeque a noção de soberania da própria constituição brasileira.263

A teoria do Estado Constitucional Cooperativo presta-se para o Magistrado, nestes

termos, a mera justificativa para reconhecimento do grau de importância dos

tratados internacionais de direitos humanos, legitimada por uma abertura ao plano

internacional que, a despeito de mencionada, não se adéqua propriamente a

formulação do autor alemão.

Impera dizer, finalmente, que o voto proferido pelo Ministro nestes autos

restringiu-se, especificamente, a uma discussão posta exclusivamente no plano

interno brasileiro, ou seja, tratou-se sobre uma questão de hierarquia das normas,

enquanto Peter Häberle teria se atentado, ao que parece, a consideração de

262

. Curso de direito internacional público. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 765-766 263

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 5.

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efetivação dos preceitos fundamentais em comento de forma que se garantisse os

maiores elementos de implementação dos direitos humanos.

Nestes termos, define-se a questão de uma forma peculiar e

absolutamente restrita ao caso em concreto. Diz-se que, como se verá, a despeito

da referida decisão ter servido ao propósito da revogação da possibilidade da prisão

civil do depositário infiel, outros casos de violação de normas internacionais que

versem sobre direitos humanos podem não se resolver tão claramente,

especialmente quando se colocar a supralegalidade dos tratados internacionais em

matéria de direitos humanos em face a um conflito de normas que oponha,

exclusivamente, a Constituição e o Tratado (quando não houver, como neste caso

em concreto, norma infraconstitucional regulamentadora que possa ter seus efeitos

“paralisados” pelos tratados264).

Importa-nos definir, que dada toda a questão apresentada pode-se dizer

que a definição do grau de adequação da decisão à teoria do Estado Constitucional

Cooperativo é parcial, ainda que a conclusão final do julgador induzisse uma

colocação diferente,265 faz-se necessário afirmar que os fundamentos que norteiam

o julgado não estariam, totalmente, ligados a concepção original do teórico alemão.

3.2.2. Exigibilidade do Diploma de Jornalista (RE 511.961/SP)

O presente recurso versava sobre a incompatibilidade do Decreto-Lei n.

972/69 em relação à Constituição da República, vez que aquele exigia a devida

264

STF, RE 466.343-1/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, Voto-Vogal Min. Gilmar Mendes, em 22-11-2006, p. 28. 265

Apresentou-se aqui, fora do objeto próprio de análise e por isso não abordado no curso do trabalho, que o Ministro Gilmar Mendes compreende, efetivamente, que a atenção ao Estado Constitucional Cooperativo se resolve pela colocação supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos. Veja-se em suas palavras: “Não há dúvida de que, no Estado constitucional cooperativo, é mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não podem afrontar a supremacia da Constituição, mas têm lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária significa subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.” (sem grifo no original) (MENDES, Gilmar Ferreira; e RUFINO, André. A Influência do Pensamento de Peter Häberle no STF. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal?pagina=12>, em 3-10-2010, às 8:47).

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comprovação de formação acadêmica em curso específico para o exercício da

profissão de jornalista.266 Argumentou-se, para tanto, que o decreto não fora

recepcionado pela Constituição da República, tendo em vista que violava direitos

fundamentais como a liberdade de expressão267 e o livre exercício de atividade

profissional.268

Na mesma linha de raciocínio, apontou-se como argumento,

subsidiariamente, a afronta do Decreto em questão à disposição do Pacto de São

José da Costa Rica, vez que este também guardava proteção à liberdade de

expressão,269 em termos estritamente semelhantes ao da Constituição brasileira.

Pleiteou-se, nestes termos, que independente da colocação hierárquica deste

tratado (constitucional ou supralegal), o dispositivo que regulamenta o exercício da

profissão de jornalista estaria irremediavelmente revogado.270

Diante deste quadro, na condição de relator do recurso em comento, o

Ministro Gilmar Mendes, após breve síntese dos fatos e argumentos postos à Corte,

determinou em longo voto que a interpretação dos dispositivos constitucionais

266

STF, RE 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19-7-2009, p. 696-967. 267

Art. 5º da Constituição da República: incisos IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm, em 25-10-2010, às 7:30) 268

Art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República: “XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” ((http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm, em 25-10-2010, às 7:35). Tratou-se, nesta oportunidade, sobre a impossibilidade de o Estado estabelecer restrições legais ao exercício da profissão de jornalista, vez que a atividade não exigiria, como alegado pelos recorrentes, conhecimento técnico específico. 269

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão. 1. Toda pessoa tem o direito à

liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.(Disponível em

<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>, em 25-10-2010, às 8:25) 270

STF, RE 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19-7-2009, p. 706.

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suscitados impediam, especialmente diante dos princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, a regulamentação infraconstitucional do exercício da profissão de

jornalista no que tange à exigibilidade de formação superior.

Esta impossibilidade estaria ligada, especialmente, ao princípio do livre

exercício profissional. Veja-se, conforme sua construção, que a Constituição da

República assegura a todos o livre exercício de ofício, ressalvada a possibilidade de

regulamentação estatal por meio de lei, como já apontado. Ocorre que, ao seu ver, o

cabimento de regulamentação (imposição de restrição por meio do Estado) estaria

vinculado, obrigatoriamente, à existência de necessidades técnicas para a devida

prestação de serviço, bem como de risco à sociedade em estar diante de um

profissional que não fosse devidamente qualificado para a profissão como, por

exemplo, o desempenho da função de médico.

Avaliando-se, portanto, que inexistem conhecimentos técnicos e

específicos para desempenho da profissão de jornalista, o atendimento aos

princípios constitucionais em vigência impediriam o Estado, expressamente, de

exercer qualquer tipo de restrição ao exercício daquela profissão.

Não se quis dizer, conforme aponta claramente o Magistrado, que os

contratantes estariam impedidos de requerer comprovação de formação específica

de seus contratados ou, sequer, que não se mostrava razoável a um candidato a

profissão especializar-se por meio da formação acadêmica, mas que representa

clara ofensa à Constituição da República a instituição por parte do poder legislativo

de restrição direta ao exercício desta função.

Sustentou-se, igualmente, que a irregularidade da imposição estaria

expressa, ainda, pela ofensa ao princípio da liberdade de expressão, vez que o

desempenho da atividade estaria diretamente ligado a este direito fundamental. Ou

seja, na medida em que o Estado exige requisito específico para o desempenho

desta função ele estaria, ao mesmo tempo, não só dificultando o acesso à

informação pela população como estabelecendo critérios infraconstitucionais para o

efetivo exercício do direito de liberdade de expressão.

Nestes termos, dada todas as peculiaridades da profissão em apreço e

considerando a necessidade da máxima eficácia das normas constitucionais,

reconheceu o julgador que o art. 4º do Decreto-Lei n. 972/69, conforme requerimento

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dos recorrentes, não fora recepcionado pela Constituição da República, restando

afastada a necessidade de comprovação da formação superior para o exercício da

profissão de jornalista. 271

Não obstante a toda construção teórica colocada pelo julgador, importa

realmente a temática deste estudo uma peculiaridade que se estendeu por diversas

páginas de seu voto, relativa propriamente a análise da compatibilidade do

dispositivo brasileiro infraconstitucional com o Pacto de São José da Costa Rica.

Ao colocar a questão em análise o Ministro faz considerações que se

aproximam a parte de suas razões de decidir já colocadas, em especial no que

tange ao exercício pleno do direito de livre expressão, vez que há significativa

semelhança entre os dispositivos aventados (o Pacto de São José da Costa Rica e a

Constituição da República) sobre este tema.

Guarda significativa relevância, no entanto, a citação promovida pelo

Ministro de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos em oportunidade

em que o Governo da Costa Rica propôs a sua jurisdição caso idêntico ao tema

levado ao Supremo Tribunal federal, ou seja, questionou a compatibilidade da

exigência de diploma de nível superior para o exercício da função de jornalista em

face à previsão do pacto de São José da Costa Rica acerca da liberdade de

expressão.272

Veja-se que, como no caso anterior, não poderá se inferir qualquer

menção à busca objetiva de realização de tarefas concretas entre os Estados

membros da comunidade internacional, bem como ao aspecto de solidariedade em

busca da evolução conjunta destes, vez que, novamente, são absolutamente

estranhos à resolução prática do caso concreto, que não propõe qualquer interação

institucional específica.

No entanto, no que se refere ao reconhecimento do direito fundamental à

liberdade de expressão ou ao grau de abertura do Estado brasileiro às fontes

normativas internacionais, bem como à interpretação dada no plano externo a estas

disposições, pode-se observar, de plano, relevante avanço em face da análise

anterior.

271

STF, RE 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19-7-2009, p. 713-769. 272

STF, RE 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19-7-2009, p. 767-784.

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Restou absolutamente claro, neste caso, que o Magistrado não só

considerou os direitos oriundos do referido tratado como atribuiu significativa

relevância ao julgamento promovido no âmbito da Corte Interamericana de Direitos

Humanos supracitada. Pode-se dizer, inclusive, que não há como não perceber que

o Ministro reproduz razões de decidir em seu voto que foram concebidas,

originalmente, por aquela Corte, ainda que o faça antes de citar expressamente o

acórdão correspondente.

Fica evidente, neste sentido, que o julgador expande os horizontes de

análise da norma, abrindo-se claramente ao posicionamento adotado no plano

internacional para a resolução de casos concretos que são, como no presente,

idênticos ao debate proposto ao Supremo Tribunal Federal. Como já abordado no

capítulo de abertura deste trabalho, a consideração do Estado soberano das

perspectivas interpretativas colocadas no plano internacional é de especial

relevância a concretização dos objetivos da teoria do Estado Constitucional

Cooperativo.

A combinação de fatores que determina a integração dos Estados

participantes da comunidade mundial pode se dar, como visto, de várias formas.

Considera-se, no entanto, que o reconhecimento do plano normativo internacional e

a construção de formas concretas de tutela de direitos fundamentais constituem a

maior forma de verificação da abertura do Estado soberano ao plano externo.

Há, nestes termos, na presente decisão, uma verdadeira convergência

entre a interpretação dada pelo julgador nacional e a decisão da Corte internacional

a respeito da matéria aventada. Ou seja, é impossível não considerar que, neste

caso, o grau de adequação da decisão do Ministro Gilmar Mendes à teoria do

Estado Constitucional Cooperativo seria, de fato, máxima, vez que garantiu-se a

soberania do direito fundamental ao mesmo tempo que o Poder Judiciário brasileiro

se abriu ao plano externo para buscar formas de interpretação e razões de decidir.

Cabe considerar, no entanto, que não obstante esta evidente

compatibilidade de idéias, o caso guarda uma latente peculiaridade. Viu-se, quando

analisado o julgado anterior, que havia um conflito evidente entre as disposições da

Constituição da República e o Pacto de São José da Corta Rica, ocasião em que os

argumentos propostos pelo Ministro Gilmar Mendes acerca da abertura

constitucional ao plano normativo internacional serviram a sua decisão final, mas

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foram significativamente incongruentes em relação à teoria do Estado Constitucional

Cooperativo.

Neste julgado, em particular, em que pese a significativa expansão da

análise promovida pelo Magistrado e a louvável aceitação de determinadas

premissas postas internacionalmente, impera mencionar que havia, da mesma

forma, evidente compatibilidade entre os dispositivos analisados.

Pode-se considerar, nestes termos, que a interpretação da norma

internacional, ainda que totalmente adequada ao conceito de Estado Constitucional

Cooperativo, foi de fácil aceitação, ao passo que não houve a necessidade, como se

verificou no caso anterior, de supostamente assegurar a soberania da Constituição

brasileira. Ou seja, tratou-se de uma combinação de dispositivos que, exatamente

nos mesmos termos das interpretações colocadas, apontavam para a mesma

direção.

3.2.3. Não Recepção da Lei de Imprensa (ADPF 130)

A ação de descumprimento de preceito fundamental hora em apreço

versava sobre a suposta inadequação da chamada Lei de Imprensa (Lei federal n.

5.250/67) à ordem constitucional vigente em linhas muito semelhantes à

impugnação proposta no recurso extraordinário anteriormente analisado

(exigibilidade de diploma de jornalista). Suscitava-se neste caso, em especial, a não

recepção daquela norma pela Constituição da República, tendo em vista à afronta

de seus dispositivos aos direitos fundamentais insculpidos no art. 5º, incisos IV, V,

IX, X, XIII e XIV, além das disposições dos artigos 220 e 223, todos da Constituição

da República.273

O relator do caso, Ministro Carlos Ayres Britto, dispensadas as

peculiaridades de seu decisum, concedeu procedência total a ação, declarando que

a lei impugnada não fora, de fato, recepcionado pela ordem constitucional vigente.274

No entanto, conforme delimitação da temática proposta anteriormente,

importa a presente análise a manifestação do Ministro Gilmar Mendes que, após

273

STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. em 30-5-2009, p. 14. 274

STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. em 30-5-2009, p. 21-77.

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formulação de longo voto, diferiu-se da decisão posta pelo relator para declarar

procedência parcial ao pedido inicial, considerando devidamente recepcionados os

dispositivos insculpidos na Lei 5.250/67 que versassem sobre o direito de respostas,

mais especificamente seus artigos 29 à 36.275

Esta construção se deu de duas formas distintas.

Em um primeiro momento o julgador reconhece que o direito à liberdade

de imprensa é indispensável para a manutenção da democracia, vez que a

disseminação da informação e abertura de questões ao debate social reforçam as

diretrizes do exercício do poder popular. Utiliza-se, para tanto, de relevantes

julgamentos ocorridos no âmbito das Supremas Cortes dos Estados Unidos da

América e Alemanha, transcrevendo, debatendo e reafirmando os argumentos

postos nestes julgamentos.

Assim, dada sua fundamentação e o respaldo da interpretação obtida no

direito comparado, o Ministro reconhece que, como nos termos do voto do relator,

determinadas disposições da Lei n. 5.250/67 ofendem o princípio constitucional da

liberdade de expressão, razão pela qual não seriam, de fato, recepcionadas pela

ordem constitucional posta.276

Por outro lado, reconhece que exercício do ofício de jornalista exige, de

certa forma, determinada precaução quanto às matérias por ele difundidas. Veja-se

que a relevância da mídia determina, de certa forma, possíveis desvirtuamentos de

seu poder de influência, tendo em vista principalmente a violência que pode exercer

na medida em que se abre a notícias e informações temerárias, por exemplo. Nestes

termos, em que pese a essencialidade da liberdade de expressão acima exposta,

faz-se necessário reconhecer que a imprensa pode, indevidamente, atingir a honra,

imagem ou privacidade de terceiros (seja pessoa física ou jurídica).

Impera ao ordenamento pátrio, portanto, identificar a possibilidade

eminente de conflito entre os preceitos fundamentais de liberdade e direitos a honra,

privacidade e imagem e regulamentar esta situação de tal forma que, na condição

275

STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, voto Min. Gilmar Mendes, j. em 30-5-2009, p. 267-268. 276

STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, voto Min. Gilmar Mendes, j. em 30-5-2009, p. 207-225.

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de princípios que são, estes sejam sopesados a fim de haver não uma determinação

de um sobre o outro, mas uma adequação razoável à aplicação de ambos.

Diante desta argumentação o Ministro Gilmar Mendes define que, dado o

quadro fático, deve o Estado ser responsável pela regulamentação ao exercício da

liberdade de imprensa, garantindo que as atividades desproporcionais da mídia

possam, ao menos, serem abrandadas (moral e pecuniarimente, quando for o caso).

É exatamente nessa medida que se propõe a manutenção dos dispositivos relativos

ao direito de resposta, que constituem, no mínimo, uma forma de dar amplo

conhecimento ao erro ou má-fé do divulgador irresponsável.277

Para respaldar sua construção teórica o julgador faz, mais uma vez,

menção clara e extensa de normas e pareceres internacionais acerca do tema.

Aponta, para melhor debate sobre o tema, que diversos Estados estrangeiros não

apenas regulamentam o instituto da liberdade de imprensa como estabelecem

limites específicos para atuação quando há violação de direitos fundamentais de

indivíduos estranhos à atividade.

Nestes termos, dada toda colocação teórica do caso, importa

substancialmente mencionar que a despeito da decisão formalizada pela Corte,278

salta aos olhos o grau de importância conferido pelo Ministro Gilmar Mendes ao

direito internacional, mais especialmente ao direito comparado. O Magistrado não se

limita a citar, meramente, disposições normativas de outros Estados, mas amplia a

discussão com uma abertura a significativa descrição de julgamentos de Cortes

Superiores estrangeiras que abarcaram a necessidade de garantia da livre

expressão, além da legitimidade de uma regulamentação à liberdade de imprensa.

Trata-se, em verdade, de uma verdadeira e completa abertura do

ordenamento jurídico brasileiro ao plano normativo internacional, que nesta

oportunidade não se limitou a abarcar o entendimento proposto por uma corte

internacional, mas sim a diversas Cortes Constitucionais soberanas em atuação

absolutamente particular, tendo em vista que interpretavam, naquela oportunidade,

normas próprias de seu Estado.

277

STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, voto Min. Gilmar Mendes, j. em 30-5-2009, p. 226-266. 278

Que acabou seguindo, por maioria, o voto do Relator e declarou não recepcionada pela Constituição da República a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67).

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Há, assim, uma expressiva abertura ao plano internacional para

conhecimento da forma optada por diversos Estados para “viver” as normas

constitucionalmente colocadas. A análise da concepção interpretativa não se

restringiu a um caso ou a uma corte, mas se tratou de efetiva análise internacional

de aplicação das normas relativas a liberdade de expressão. O grau de adequação

desta decisão e de seus fundamentos ao conceito de Estado Constitucional

Cooperativo se apresenta, portanto, novamente completo e nesta oportunidade

ainda mais expressivo que no julgamento do RE 511.961/SP.

Pode-se dizer, por óbvio, que talvez ele não tenha se deparado, como no

caso anterior, com tão vasta jurisprudência sobre o tema da exigibilidade do diploma

de jornalista. Ainda assim, diante dos preceitos postos por Peter Häberle no

reconhecimento da evolução da teoria do Estado Constitucional Cooperativo,

este julgamento guarda significativa relevância em relação à efetiva proposta de

abertura concreta da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição ao plano

mundial.

No entanto, mais uma vez impera mencionar, como nas críticas e

possibilidades colocadas no caso anterior, que a abertura do julgado aos

pressupostos da teoria do professor Peter Häberle mais uma vez não ofendem, de

qualquer forma, a Constituição da República, sendo as normas em comento, ao

contrário, absolutamente convergentes. Ou seja, a despeito da absoluta adequação

da teoria aos critérios de verificação da adequação do julgado aos termos do Estado

Constitucional Cooperativo, faz-se necessário apontar que não houve qualquer

possibilidade de ofensa a soberania da Constituição brasileira, o que, novamente,

deve ter facilitado a interpretação proposta pelo Ministro Gilmar Mendes.

3.2.4. Pedido de Revogação de Prisão Preventiva em caso de Extradição (HC

91.657-1/SP)

Finalmente, para conclusão do processo aqui proposto, resta a análise do

presente Habeas Corpus, cujo objeto consistia na impugnação à decretação de

prisão preventiva pelo Ministro Ricardo Lewandowski em ação de extradição movida

pelo Panamá em face de cidadão colombiano domiciliado no Brasil. Alegava-se,

assim, além de vícios formais na decisão que determinou a prisão, que o paciente

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não oferecia riscos ao devido andamento da instrução do processo relativo à

extradição, vez que possuía emprego, residência fixa e, principalmente, não havia

oferecido qualquer resistência para se apresentar em juízo.279 Ou seja,

concretamente, não atendia aos requisitos da prisão preventiva vigente no

ordenamento jurídico brasileiro.

O Ministro Gilmar Mendes, enquanto relator do feito, proferiu seu voto no

sentido de, inicialmente, afastar de plano todas as preliminares apontadas pelo

impetrante. Em relação à análise de mérito, no entanto, antes de considerar a

ponderação imposta no remédio constitucional, suscitou uma questão prejudicial à

causa.

Apresentou, para tanto, a controvérsia já suscitada no âmbito da corte

acerca da disposição do parágrafo único do art. 84 da Lei n. 6.815/80,280 cuja

redação determina a imposição de prisão em caso de requerimento de extradição,

devendo o processado ser mantido em cárcere até o devido trâmite do pedido.

Ocorre que, conforme fundamentação apresentada pelo julgador, esta

imposição ofenderia, inegavelmente, o direito à liberdade, vez que impõe

possibilidade de restrição de direito fundamental que não se coaduna com a ordem

constitucional em vigor desde 1988. Continua sua exposição, ainda, afirmando que o

instituto se trata de meio ilegítimo e desproporcional de lesionar direitos

fundamentais como a liberdade de locomoção e a presunção de inocência, a fim de,

unicamente, assegurar uma possível obrigação de entrega do extraditando ao

Estado estrangeiro requerente.

Cabe dizer, da mesma forma, que esta restrição de liberdade que seria,

conforme a norma em apreço, imperativa, vez que inconfundível com o instituto da

prisão preventiva instituída no processo penal pátrio. Ou seja, não se exige qualquer

critério para a decretação da prisão preventiva neste caso além da condição de

extraditando, permanecendo o agente nesta condição até a resolução final do

caso.281 Cabe mencionar, inclusive, que este cerceamento costuma perdurar por

279

STF, HC 9.657-1/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 13-9-2007, p. 295-300. 280

Art. 84. Efetivada a prisão do extraditando (artigo 81), o pedido será encaminhado ao Supremo

Tribunal Federal. Parágrafo único. A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue. (Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6815.htm>, em 26-10-2010, às 13:47). 281

STF, HC 9.657-1/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 13-9-2007, p. 305-306.

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tempo desproporcional a qualquer prisão brasileira, dadas as peculiaridades do

processo de extradição e a natural formalidade que se impõe às relações com

corpos diplomáticos estrangeiros.

Após estes apontamentos o Ministro desenvolve seu pensamento em

relação ao inevitável direcionamento da Constituição da República à tutela dos

direitos fundamentais, afirmando que diante da ordem constitucional vigente no

ordenamento jurídico brasileiro esta forma de restrição não pode ser admitida,

representando inegável retrocesso do Estado Democrático de Direito.282

Conclui, nestes termos, que “[e]m nosso Estado de Direito, a prisão é uma

medida excepcional e, por esta razão, não pode utilizada como meio generalizado

de limitação das liberdades dos cidadãos.”283 Já não existiria, portanto, seja na

Constituição da República, seja nos tratados internacionais do qual o Brasil seja

signatário, justificativa para a manutenção da aplicabilidade da disposição inscrita no

art. 84, parágrafo único da Lei n. 6.815/80.

Continua, particularmente a esta questão, afirmando que deve se

considerar, especialmente, que o Pacto de São José da Costa Rica, tratado

internacional de direitos humanos devidamente internalizado ao ordenamento

jurídico pátrio, eleva o direito a liberdade provisória a categoria de direito

fundamental.284

282

STF, HC 9.657-1/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 13-9-2007, p. 309-311. 283

STF, HC 9.657-1/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 13-9-2007, p. 312. 284

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Disponível em < http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>, em 28-10-2010, às 21:58.

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Assim, dada a decisão do RE 466.343/SP, já analisado por esta pesquisa,

afirma o Ministro que restou absolutamente definida a importância dos direitos

humanos no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em face da nova

realidade mundial dos Estados soberanos, que não se podem permanecer isolados,

mas ligam-se aos outros em verdadeira pretensão de evolução conjunta segundo a

concepção da teoria do Estado Constitucional Cooperativo, de Peter Häberle.

Aliás, diante da já definida supralegalidade destas normas, não há outra

conclusão se não a de revogação do dispositivo infraconstitucional que

regulamentava o instituto da prisão ligada ao processo de extradição em trâmite,285 a

não ser, por óbvio, que face ao princípio da isonomia possa o julgador do caso em

concreto identificar razões penais que exijam o cerceamento de liberdade do

indivíduo. Como a hipótese aqui colocada não se aplicava aos autos, tendo o

investigado emprego e residência fixas, além de colaborar com trâmite do processo

de extradição, impor-se-ia sua imediata colocação em liberdade.

No que tange, especificamente, ao grau de compatibilidade dos

argumentos utilizados pelo julgador para resolução da causa com a teoria do Estado

Constitucional Cooperativo é preciso considerar, inicialmente, que o caso apresenta

o primeiro registro de formas de cooperação que pretendem a realização conjunta

de tarefas objetivas e, mais concretamente, de solidariedade entre os Estados

estrangeiros.

Parece, neste momento, que a disponibilidade de cooperação em face do

processo de extradição que, no presente caso, baseia-se em tratados internacionais

além da promessa de reciprocidade entre os Estados do Panamá e do Brasil se

apresenta, de fato, como uma proposta de um estar, efetivamente, à disposição do

outro, buscando a realização de tarefas conjuntas que parecem ser atribuídas muito

mais a comunidade de Estados que a um membro, propriamente dito.

Este critério, a muito existente no ordenamento jurídico pátrio a fim de

assegurar a já tratada coexistência pacífica dos Estados soberanos passa, agora, a

estabelecer-se com fundamento direto em normas de caráter internacional,

285 STF, HC 9.657-1/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 13-9-2007, p. 313-316.

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representando, neste momento, muito mais uma prestação cooperativa que uma

mera troca de favores entre entes independentes.

No que tange aos demais elementos (reconhecimento do arquétipo

constitucional e abertura do Estado ao plano externo), por sua vez, cabe se atentar,

diante das análises anteriores, da peculiaridade presente no julgado. Uma visão até

mesmo superficial poderia apontar que o presente caso mescla, de forma rápida e

genérica, toda a análise operada em face dos demais julgamentos.

Veja-se, em primeiro lugar, que conforme o julgamento do Recurso

Extraordinário que abordava a possibilidade de prisão civil do depositário infiel o

Ministro, novamente, reconhece o expressivo grau de importância das normas

produzidas para garantia da proteção da dignidade da pessoa humana,

determinados como direitos humanos ou fundamentais. Afirma, ainda, que impera ao

Estado brasileiro reconhecer que diante do fenômeno do Estado Constitucional

Cooperativo impõe-se a abertura do Estado soberano ao plano internacional.

Não obstante estas considerações, conforme disposição transcrita do

acórdão por si redigido na oportunidade de manifestação no recurso extraordinário

466.343-1/SP, o Magistrado novamente contrapõe-se a teoria do professor Peter

Häberle ao abordar, mais uma vez, uma concepção teórica que só tem o condão de,

face à proposta doutrinária, manter a soberania da Constituição.

Nesta oportunidade o Ministro volta a se referir à tese da supralegalidade

das normas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos como forma

de fundamentar a paralisação proposta pelo Pacto de São José da Costa Rica ao

art. 84 da Lei n. 6.815/80.

Importa dizer que esta consideração seria irrelevante para o desfecho

pretendido pelo teórico, vez que as disposições em apreço (constante do tratado

internacional e da Constituição da República) são, como no caso do RE 511.961/SP

e da ADPF 130, absolutamente convergentes, fato este que, a partir desta

perspectiva, não ensejaria qualquer manifestação acerca da hierarquia dos tratados

internacionais de direitos humanos.

Parece, portanto, que a despeito da inédita menção aos critérios objetivos

de cooperação relativos à proposta de realização conjunta de atividades comuns,

bem como a disponibilização solidária entre os Estados, a questão do

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desvirtuamento da proposta de abertura ao plano externo denota, mais uma vez, a

adequação parcial do julgado a teoria do Estado Constitucional Cooperativo, ainda

que esta pudesse ter se dado de forma absolutamente diversa, tendo-se em vista

que as disposições normativas aqui interpretadas eram, absolutamente,

convergentes.

3.3. GRAU DE ADEGUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PRODUZIDA PELO MIN.

GILMAR MENDES A TEORIA DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO

Após as análises feitas neste capítulo é possível definir que o Ministro

Gilmar Mendes estabelece, em absolutamente todos os casos, significativa

importância à incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao

ordenamento jurídico brasileiro, fundando-se, propriamente, no grau de relevância

que a própria Constituição confere a estas normas.

Diz-se, em verdade, que a Constituição da República fornece todos os

parâmetros necessários a demonstração de sua intenção da garantia e efetivação

dos direitos fundamentais, seja pela abertura proporcionada pela Carta, seja pelo

extenso rol que se alarga pelos setenta e oito incisos do art. 5º.

Além de considerar, ainda, que o Estado brasileiro não poderia ficar inerte

ao expansivo desenvolvimento de teoria internacional de tutela dos direitos

humanos, que tem se disseminado na forma mais clara de cooperação entre os

Estados. Percebe-se, neste sentido, que o julgador apresenta critérios específicos

de abertura legislativa ao plano internacional, momento este em que, inclusive, cita

expressamente a teoria do Estado Constitucional Cooperativo.

A análise combinada dos julgados acima demonstra, no entanto, que a

utilização dos elementos teóricos postos pelo professor Häberle não é tão

concretamente afirmada pelo Magistrado quanto sua aparência parece transparecer.

Vejamos: ao declarar votos nos casos pertinentes à lei de imprensa e à

necessidade de diploma de jornalista para efetivo exercício da profissão há,

claramente, a fiel atenção do julgador a proposta do conceito de Estado

Constitucional Cooperativo. Seja pelo concreto reconhecimento do arquétipo, seja

pela fiel demonstração de atenção não apenas as normas internacionais sobre o

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tema, mas especialmente pela fidelidade à interpretação concedida a elas pelos

Órgãos Judiciais Internacionais (como, por exemplo, Corte Interamericana de

Direitos Humanos e/ou Suprema Corte dos Estados Unidos da América).

Ocorre que, como visto durante a análise individual de cada caso

concreto, em que pese a absoluta compatibilidade da proposta argumentativa e do

desfecho do caso à proposta do Estado Constitucional Cooperativo, foi

absolutamente inevitável perceber que as normas postas em análise (inscritas na

Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos) eram

absolutamente compatíveis. Parece conveniente, portanto, que se dê a estes

dispositivos ou pareceres judiciais tanta relevância.

Esta convencionalidade resta absolutamente evidenciada quando se

atenta aos critérios de julgamento utilizados pelo Ministro para a definição da

impossibilidade de prisão civil do depositário infiel. Nesta oportunidade, apesar de

reconhecer relativas à proteção dos direitos humanos, o Magistrado estabelece

critérios desconexos aos critérios de cooperação para aplicabilidade destes tratados

internacionais, vez que vincula sua aplicabilidade ao estabelecimento da hierarquia

supralegal destas normas.

Neste exato momento, ao sopesar questões hierárquicas para resolução

do feito, o Ministro não apenas relativiza a aplicabilidade das normas internacionais

de direitos humanos como se estende a critérios que não parecem ter outro fim que

não o de garantir, injustificadamente, a soberania da Constituição brasileira a toda e

qualquer previsão normativa.

A abertura colocada como elemento de verificação da adesão do Estado

soberano ao conceito de Estado Constitucional Cooperativo não pode ser limitada a,

por exemplo, critérios de reafirmação da soberania Constitucional. Um Estado

particular que pretende a intangibilidade de sua Carta Magna não estaria disposto,

completamente, a reconhecer a legitimidade oriunda do compartilhamento legislativo

e interpretativo oriundo da comunidade internacional de Estados. Ou seja, nega-se

parcialmente, nestes termos, a proposta do direito internacional de cooperação.

A conclusão mais concreta extraída da composição desta análise,

portanto, é que o critério de abertura é claro e atende a proposta de abertura ao

plano externo colocada por Häberle no conceito de Estado Constitucional

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Cooperativo quando o caso apresenta convergência entre as disposições da

Constituição e do tratado internacional, especificamente. É o caso, propriamente, da

abordagem do RE 511.961/SP e da ADPF 130, onde a previsão ao direito de

liberdade de imprensa e de expressão estava presente em ambos os textos

normativos. Nestas propostas a adequação é evidente.

No entanto, quando se propõe o embate entre a Carta Magna e os

tratados internacionais de direitos humanos, como apontado no RE 466.343/SP, a

discussão se esvazia em uma tentativa de determinar qual a hierarquia destas

normas ao serem incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro. A questão do

embate entre as teses postas neste julgamento, ou seja, a tentativa de opção entre

supralegalidade e constitucionalidade não atende a qualquer colocação da proposta

de Estado Constitucional Cooperativo.

Parece, neste sentido, que apesar do parcial grau de adequação entre o

conceito proposto pelo Professor Peter Häberle e a posição adotada pelo Ministro

Gilmar Mendes quando fundamenta suas decisões acerca da incorporação e

aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos, a conclusão posta por si

no Supremo Tribunal Federal encontra respaldo parcial naquele aporte teórico.

Esta verificação fica devidamente comprovada quando, na oportunidade

de julgamento do HC 91.657-1/SP as premissas confundem-se. Neste caso em

particular se apresenta uma hipótese de clara convergência entre os direitos

fundamentais assegurados pela Constituição da República e pelo tratado

internacional de direitos humanos invocado (Pacto de São José da Costa Rica),

ocorre que, não obstante esta realidade que, como visto, facilita e muito a utilização

da norma externa para fundamentação da decisão final, o Magistrado faz questão de

reafirmar o caráter supralegal destas normas.

A presente característica não teria outro condão que não o de demonstrar

que, efetivamente, o Ministro Gilmar Mendes acredita que a melhor adequação do

Estado brasileiro à teoria do Estado Constitucional Cooperativo é atribuir aos

tratados internacionais de direitos humanos este “grau de especialidade”, opinião

que, de forma alguma, compartilhamos.

O critério de garantia da supremacia das Cartas Constitucionais dos

Estados soberanos é absolutamente estranho à proposta do teórico alemão, para o

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mesmo toda e qualquer contradição entre as normas fundamentais deve ser

resolvido por meio da aplicação da norma mais favorável ao indivíduo, quer oriunda

do ordenamento interno, quer proveniente de tratados internacionais de direitos

humanos.

A adequação da jurisprudência produzida pelo Ministro Gilmar Mendes a

teoria do Estado Constitucional Cooperativo só pode ser considerada, portanto,

absolutamente parcial, vez que dos dois critérios a serem sopesados atende-se a

um e se desvirtualiza o outro.

Vale registrar, por fim, que não se inferiu nesta análise final qualquer

proposta relativa a realização objetiva de tarefas comuns entre os Estados membros

da comunidade mundial ou critérios de solidariedade vez que estes elementos são,

quase que absolutamente, institucionais, oportunidade em que seria incongruente

pretender sua afirmação por parte das decisões postas pelo Ministro Gilmar Mendes

a casos emblemáticos levados ao Supremo Tribunal Federal.

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CONCLUSÃO

As premissas teóricas do pensamento do Professor Peter Häberle foram

abordadas no primeiro capítulo a partir da apresentação de seus critérios de

concepção da teoria do estado constitucional como ciência cultural. Aponta-se, desta

forma, que todos os elementos que subsidiam a Constituição dos Estados

constituem, necessariamente, manifestações culturais que emanam da sociedade

que aquele documento normativo pretende regulamentar.

Estas características culturais de que se reveste a Carta Magna, quando

analisadas pelo viés do direito comparado, podem compor um modelo ideal de

Estado, ou seja, identifica-se os critérios de tutela compartilhado pelas sociedades e

inscritos em suas Constituições com o fim de definir os elementos do arquétipo

constitucional. Este modelo, por sua vez, representa a consolidação de um conjunto

mínimo de standards que servirão de parâmetro para que, conforme a presença de

seus pressupostos em determinada Constituição, sejam avaliados os diferentes

níveis textuais que se fazem presentes neste texto.

Ainda no primeiro capítulo se estabeleceram as formulações do teórico

alemão acerca da sociedade aberta dos intérpretes constitucionais. Nesta seara,

dados os apontamentos anteriores, chega-se a seguinte conclusão: se a

Constituição de um Estado se funda, basicamente, na concretização de premissas

culturais que podem, inclusive, servir de parâmetro para estabelecer um rol de

conceitos que estaria, regra geral, disseminado e/ou reconhecido mundialmente,

nada mais natural que se abra a toda sociedade que, diretamente, constrói as

normas constitucionais a possibilidade de participar de sua interpretação prática.

Aliás, trata-se aqui de uma concepção de mera aceitação do conceito

atribuído a estas normas pela sociedade em geral, pois ainda que sua concepção

não seja formalizada, faz parte do pensamento teórico do professor Peter Häberle a

consideração de que, faticamente, todo indivíduo que vive a norma constitucional é

interprete seu.

Por fim, abordaram-se concretamente os elementos que constituem a teoria

do Estado Constitucional Cooperativo. Nesta oportunidade é fundamental proceder à

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expansão das premissas anteriormente abordadas ao plano internacional, ou seja,

os critérios culturais que identificam as previsões constitucionais partiriam, agora, ao

plano mundial, concretizando-se de forma específica no reconhecimento do

arquétipo constitucional e implementando-o concretamente ao plano interno dos

estados a partir de critérios próprios de abertura constitucional. Seria imprescindível

também, naturalmente, que a sociedade aberta dos interpretes constitucional se

expandisse ao plano internacional.

Estes critérios seriam reforçados pela eminente expansão dos meios de

comunicação que, de fato, expandiram de forma expressiva a integração entre os

diferentes povos que compões as Nações existentes. Estas relações, impulsionadas

por uma troca constante de culturas e, por suposto, de normas concretas, não pode

mais se restringir a normatização interna que limita as relações internacionais ao

direito de coexistência pacífica.

É imperioso que, no novo quadro de inter-relações avançadas da

comunidade mundial de Estados, as proposições colocadas nas Constituições para

abertura dos Estados Nacionais ao plano externo fundem, concretamente, um direito

internacional de cooperação que se edificará expressamente, por hora, na proposta

de reafirmação da necessidade de tutela da pessoa humana.

O segundo capítulo, por sua vez, prestou-se à identificação dos critérios de

tutela dos direitos humanos. Para tanto, abordou-se inicialmente a evolução do

processo de internacionalização dos direitos humanos, oportunidade em que os

pressupostos já inscritos nas Constituições expandiram-se para o plano

internacional e passaram a fazer parte de acordos multilaterias formalizados entre os

Estados soberanos.

A partir desta realidade foram definidos no âmbito dos ordenamentos

jurídicos nacionais critérios para a internalização dos tratados internacionais ao

plano interno. Estes critérios, no caso brasileiro em particular, geraram a colocação

de uma questão acerca da hierarquia das normas oriundas no plano internacional

para sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

O debate relativo aos critérios de incorporação e colocação hierárquica dos

tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro se

deu, mais propriamente, a partir dos apontamentos formulados pelos Ministros do

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Supremo Tribunal Federal acerca da prisão civil do depositário infiel. Esta recente

(re)discussão teve a pretensão de restringir o tema ao estabelecimento do status

constitucional ou supralegal para incorporação dos tratados internacionais de

direitos humanos, sendo imprescindível ressaltar que, ainda que os julgadores não

sejam convergentes em sua decisão sobre a hierarquia das normas (pois se dividem

entre a colocação supralegal e constitucional), convergem praticamente em

absolutamente todos os argumentos que fundamentam a sua opção pelas teorias

adotadas.

Não obstante todas estas considerações, importa realmente ao estudo o

momento emblemático em que o Ministro Gilmar Mendes cita expressamente a

observância do Estado Constitucional Cooperativo como forma de subsidiar o

estabelecimento do status supralegal das normas internacionais de direitos

humanos.

Este critério, em particular, subsidia a proposta deste trabalho que é

estabelecer se o posicionamento do referido julgador acerca da internalização e

aplicação das normas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos

atende à teoria do Estado Constitucional Cooperativo de Peter Häberle.

A partir desta delimitação passasse, já no terceiro capítulo, a análise dos

julgados que contaram com a participação ativa do Ministro Gilmar Mendes em

casos emblemáticos postos ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente os

casos relativos à prisão civil do depositário infiel (RE n. 466.343-1/SP), ao diploma

de jornalista (RE n. 511.961/SP), à lei de imprensa (ADPF n. 130) e à prisão

preventiva em caso de extradição (HC 91.657-1/SP).

Como detalhadamente demonstrado no terceiro capítulo, verificou-se

efetivamente nestes julgados que, ainda que a verificação dos critérios utilizados

pelo Magistrado induzisse à percepção de que este se atenta aos elementos que

compõe a teoria do Estado Constitucional Cooperativo, sua adequação ao conceito

proposto por Peter Häberle se percebeu, efetivamente, apenas parcial.

Afinal, em que pese a relevância atribuída pelo julgador a manutenção e

expansão da tutela dos direitos humanos, o critério material de abertura do plano

nacional as diretrizes estrangeiras (normativas e interpretativas) proposto pelo

teórico alemão é paulatinamente desvirtuado pela necessidade clara do Magistrado

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em assegurar, especialmente por meio da sustentada teoria da supralegalidade das

normas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos, a soberania da

Constituição da República.

A colocação do status supralegal destas normas, inclusive, problematiza a

proposta de abertura de tal forma que, como apontado no corpo deste estudo, não é

possível vislumbrar o desfecho de uma causa em que o conflito seja exclusivamente

entre as normas constitucionais e o tratado internacional, sem que haja, como no

caso do depositário infiel, qualquer lei infraconstitucional a ser paralisada.

Cumpre dizer, de qualquer forma, que no âmbito da discussão

(supralegalidade vs. Constitucionalidade) posta no âmbito do Supremo Tribunal

Federal, a proposta que mais se adequaria ao conceito de Estado Constitucional

Cooperativo seria, de fato, a colocação da equiparação material entre disposições

constitucionais e normas internacionais de direitos humanos.

No entanto, parece-nos que para o professor Peter Häberle a aplicabilidade

dos preceitos fundamentais independem de qualquer perspectiva de colocação

hierárquica de normas. Ou seja, tratados internacionais de direitos humanos não

precisam ser mais do que, propriamente, tratados internacionais de direitos

humanos, reconhecidos como tal no ordenamento jurídico pátrio e aplicados

conforme o princípio de aplicação da norma mais benéfica ao indivíduo.

Assim, como devidamente abordado no desfecho do terceiro capítulo,

parece-nos claro afirmar que a utilização da concepção teórica de Peter Häberle se

apresentou para o Ministro Gilmar Mendes como mero pressuposto de legitimação

da decisão, sem que, efetivamente, se atentasse aos elementos constitutivos da

referida teoria. Vale dizer, portanto, que seu apontamento teria apenas a pretensão

de demonstrar um determinado “grau de especialidade” das normas internacionais

de direitos humanos, dedução esta que, sem dúvida, não atende completamente a

proposta de Estado Constitucional Cooperativo.

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 511.961/SP, pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 19-7-2009. Disponível em

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