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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARA REGINA LEMOS DA SILVA FELDMANN INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR Palhoça 2010

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARA REGINA LEMOS DA SILVA FELDMANN

INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV

DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO

DA VIOLÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Palhoça

2010

MARA REGINA LEMOS DA SILVA FELDMANN

INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV

DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO

DA VIOLÊNCIA DOS ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de graduada.

Orientadora: Ivana Marcomim

Palhoça

2010

MARA REGINA LEMOS DA SILVA FELDMANN

INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV DO MUNICIPIO DE

FLORIANOPOLIS/SC NA PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLENCIA DOS

ADOLESCENTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social, aprovado em sua forma final pelo curso de Serviço Social da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça (SC), 25 de novembro de 2010.

__________________________________________

Profª e Orientadora Ivana Marcomim

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________

Profª Vera Nìcia Fortkamp de Araújo, Msc

Universidade do Sul de Santa Catarina

__________________________________________

Kelly Aparecida dos Santos

Assistente Social

AGRADECIMENTOS

Quero fazer um agradecimento especial à minha professora, orientadora

e amiga ou companheira Ivana Marcomim, pois esteve ao longo da minha

caminhada dissertativa com muito comprometimento e atenção.

À Professora Vera Nìcia Fortkamp por aceitar o convite para fazer parte

da minha Banca, de forma muito prestativa e com carinho contagiante, obrigada pelo

carinho.

À Karolina de Souza, por ser minha orientadora de estágio, sempre muito

comprometida e dedicada.

À Kelly Aparecida dos Santos, pelo carinho e apoio, aceitando o convite

de participar da minha Banca.

Agradeço à Direção, Equipe Pedagógica e aos alunos da Escola de

Educação Básica Ildefonso Linhares, pelo apoio ao projeto e pela contribuição para

o desenvolvimento.

À minha Família, pelos momentos em que estive ausente por conta dos

estudos, obrigado por fazerem parte da minha vida e da minha trajetória.

Aos colegas do curso do Serviço Social.

A todos os professores, por dividirem seus conhecimentos e por

contribuírem para a minha formação, obrigada pelo carinho.

À Gabriela Jacinto, por estar sempre ao meu lado, por me fazer acreditar

no meu potencial e prosseguir nos caminhos do conhecimento, obrigada

E principalmente a Deus, por estar sempre ao meu lado .

É Tempo...

É tempo... Sentir o rugir do vento

Sentir a brisa tocar Deixar a ironia de lado

Deixar o pensamento voar É tempo...

De ver a flor florescer De ver o mundo mudar

De ver o homem crescer É tempo de acreditar

É tempo... De amarmos de mãos dadas

De cantar a mesma canção Andarmos pela mesma estrada

Construindo um mundo irmão É tempo...

De plantar a semente De colher a esperança

É tempo de paz na terra De respeito às crianças

É tempo... Tempo de paz...

Tempo de igualdade Tempo de Luz

Tempo de fraternidade É tempo... É tempo...

Simone de Jesus

RESUMO

O presente trabalho resulta da experiência de estágio curricular em Serviço Social,

sendo seu objetivo analisar a contribuição desta profissão junto ao Centro de

Atendimento à Vítima de Crime (CEAV) do município de Florianópolis (SC), nas

estratégias de prevenção à reprodução da violência dos adolescentes no contexto

escolar. O problema investigativo que o origina volta-se a compreender como se

processa tal contribuição. Reflete a questão da violência, considerando-se sua

representação e tipologia, bem como a caracterização da adolescência e as

atribuições das famílias, da escola e sociedade na constituição de relações sociais

reprodutoras ou inibidoras do contexto da violência. Apresentam-se as previsões

jurídicas instituídas a partir da Constituição Federal (1988), do Estatuto da Criança e

do Adolescente (1990) e do Sistema Único da Assistência Social, para prevenir e

gerenciar tal expressão da questão social. Pontua-se a atuação do CEAV, refletindo-

se sobre a especificidade dos domínios do Serviço Social para a prevenção à

reprodução deste fenômeno, tendo por base os resultados obtidos com as ações

sócio-educativas realizadas na Escola Estadual Ildefonso Linhares. A capacidade

contributiva do serviço social ao processo de sensibilização e ampliação do saber é

evidenciada no contexto final do estudo.

Palavras-chave: Adolescente. Violência. Prevenção. Direitos da criança/adolescente.

Serviço Social.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1 – Fachada da Escola Educação Básica Ildefonso Linhares

Fotografia 2 – Corredor da Escola.

Fotografia 3 – Local onde os alunos fazem as refeições.

Fotografia 4 – Corredor entre as salas de aula, biblioteca e sala de informática.

LISTA DE SIGLAS

ASSIM – Associação Instituto Movimento

CAV em Alagoas – Centro de atendimento a vitima de Alagoas

CCEA – Centro Cultural Escrava Anastácia

CEAV – Centro de Atendimento à Vítima de Crime

CEAV GO – CEAV Goiás

CEAV PB – CEAV Paraíba

CEAV PE – CEAV Pernambuco

CEAVE ES – CEAV Espírito Santo

CF – Constituição Federal

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COAV RJ – Centro de Orientação e atendimento a vitima do Rio de Janeiro

CPPDH/SERTE – Centro de Promoção, Proteção e Defesa de Direitos Humanos da

SERTE

CRAV SP – Centro de Reabilitação a Vitima de São Paulo

CRM – Centro de Referência à Mulher

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EMA – Escritório Modelo de Advocacia

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

IPC – Incubadora Popular de Cooperativas

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

NAV Pará – Núcleo de Atendimento a vitima do Pará

NAVCV – Núcleo de atendimento a Vitima de crime e violência

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONG – Organização Não-Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PNABEM – Política Nacional do Bem Estar do Menor

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

RAIVVS – Rede de Atenção Integral às Vitimas de Violência Sexual

SERTE – Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 O PROCESSO DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE CIDADANIA DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: DO CÓDIGO DE MENORES AO

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.............................................. 12

2.1 A QUESTÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA:

ASPECTOS DESCRITOS ..................................................................................... 12

2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A CONSOLIDAÇÃO DE

POLÍTICAS DE DIREITOS A ESTE SEGMENTO: UM FORTE ALIADO ÀS

ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA. .................................................... 21

2.3 AS ESPECIFICIDADES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:

COMPREENDENDO AS EXIGÊNCIAS DESTA FASE EVOLUTIVA E SUA

SUJEIÇÃO À VIOLÊNCIA ..................................................................................... 29

3 A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO INFANTO-JUVENIL:

UM DESAFIO SOCIETÁRIO ................................................................................ 41

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS E DESCRITIVOS ACERCA DA VIOLÊNCIA E O

PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA NO CONTEXTO DE SUA PREVENÇÃO E

CONTROLE .......................................................................................................... 41

3.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PERSPECTIVA DE NÃO-VIOLÊNCIA NO

MEIO SOCIAL: DESAFIOS AO PROCESSO DE TRABALHO DO

SERVIÇO SOCIAL JUNTO AO CEAV .................................................................. 52

3.3 SENSIBILIZAÇÃO DE DOCENTES E DISCENTES COMO ESTRATÉGIA À

PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR:

POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS À PRÁTICA PROFISSIONAL

EM SERVIÇO SOCIAL.......................................................................................... 57

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 63

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 66

ANEXO...................................................................................................................... 70

1 INTRODUÇÃO

Na tentativa de compreender e adentrar na esfera que trabalha com

questões que envolvem violência e sua prevenção, optamos por desenvolver a

experiência de estágio curricular em serviço social no Centro de Atendimento à

Vítima de Crime (CEAV). Neste contexto, podemos identificar o quanto a violência

tem se apresentado como fenômeno complexo, mas cotidiano à grande parte dos

grupos familiares ou de convívio. Diferentes tipos de violência apresentam-se nos

noticiários e a tendência a sua aceitação, como expressão rotineira das relações,

tem limitado o seu processo de enfrentamento.

Ao longo da história, a violência e seus diferentes tipos de manifestação

fazem parte do convívio humano e societário. Todavia, na medida em que há

evolução do reconhecimento dos direitos humanos e que se consolidam legislações

específicas para defesa de tais direitos, passa-se a exigir novas relações de convívio

que sejam capazes de manter a dignidade, a autonomia e a cidadania dos sujeitos.

A Constituição Federal de 19881 prescreve, como principio da igualdade,

em seu artigo 5º caput que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Neste contexto, há que se considerar as especificidades dos sujeitos e

suas diferentes demandas como as que são próprias da adolescência. Nessa fase, o

processo de desenvolvimento e convívio são determinantes do sujeito do futuro.

Neste processo, família e escola exercem intransferível papel.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990)

indica, em seu art. 4º, que:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

1 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

10

Ou seja, a proteção aos direitos da criança e adolescente não é

centralizado em uma só pessoa ou instituição, mas sim de todos aqueles elencados

pelo ECA, em que se deve tratar com prioridade.

Quanto à escola, o Estatuto prevê que:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes; I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Assim, diante do artigo do ECA citado acima, as ações preventivas que

sejam capazes de coibir a reprodução da violência no contexto dos adolescentes

pode caracterizar uma iniciativa representativa no âmbito da consolidação dos

direitos dos adolescentes e suas famílias.

O serviço social pode inserir-se como agente estratégico no processo de

mediação de iniciativas que configurem uma nova forma de compreender as

relações humanas e sociais, que sejam capazes de identificar e compreender a

violência em suas múltiplas formas e manifestações, considerando suas condições

de reordenamento.

Tais aspectos expressam algumas reflexões produzidas ao longo do

estágio curricular em serviço social, das quais se originam o presente trabalho

monográfico. Este tem, como problema central de estudo, compreender como o

Serviço Social contribui junto ao CEAV do município de Florianópolis, na prevenção

da reprodução da violência junto aos adolescentes, considerando o contexto escolar

onde se inserem. Seu objetivo central é analisar como se desenvolveu tal prática.

Sendo seus objetivos específicos: demonstrar a atuação do CEAV junto ao

fenômeno da violência; refletir sobre o papel da escola, da sociedade e da família na

prevenção e na reprodução da violência; evidenciar o significado, a tipologia e os

efeitos da violência sobre a vida humana; refletir sobre a atuação do Serviço Social,

a partir da prática profissional, na prevenção da reprodução da violência na Escola

de Educação Básica Ildefonso Linhares.

11

Para cumprimento destes objetivos, desenvolve-se a discussão em quatro

capítulos. Assim, o primeiro capítulo é destinado à presente introdução. O segundo

capítulo volta-se a compreender o desenvolvimento histórico da questão da

adolescência a partir do Código de Menores, que deu um tratamento punitivo e

repressivo aos adolescentes. Analisaremos, também, o Estatuto da Criança e do

Adolescente e sua forma de proteção.

O terceiro capítulo faz uma abordagem aos variados tipos de violência,

suas consequências e suas possíveis prevenções. Com destaque ao fenômeno do

bullyng, que será analisado ao longo do trabalho a partir da prática interventiva na

escola junto aos adolescentes e educadores. Visa ainda demonstrar a realidade a

partir do campo de estágio. Ainda, apontaremos perspectivas e formas de prevenção

dentro deste contexto, levantando reflexões para amenizarmos os índices de

violência, principalmente nas escolas, que é o foco deste trabalho.

O quarto capítulo configura-se como a conclusão do trabalho.

Pretende-se que as reflexões aqui produzidas contribuam para que se

possa evidenciar a significação e importância de se investir em estratégias

diferenciadas de prevenção a redução da violência, especialmente se considerarmos

o cenário atual e, por outro lado, a capacidade contributiva e não devidamente

explorada do serviço social no âmbito escolar para mediação de direitos e deveres.

2 O PROCESSO DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE CIDADANIA DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: DO CÓDIGO DE MENORES AO ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2.1 A QUESTÃO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA:

ASPECTOS DESCRITOS

A infância foi reconhecida como sendo algo diferente do mundo dos

adultos somente no final do século XIV, embora só no século XV a sua evolução

começou a ser percebida pela história da arte e pela iconografia. Até esse período, a

criança era vista como um adulto miniaturizado, que usava as mesmas roupas do

adulto e participava ao seu lado dos mesmos jogos e brincadeiras.

As representações de crianças até o final do século XIII são bem distantes da realidade infantil. A criança era representada como um homem, em tamanho menor, com músculos e sem nenhuma expressão particular [...] a infância era apenas considerada uma etapa para vida adulta, logo superada. [...] só no final desse século surgiu na iconografia uma representação mais realista da criança, como é o caso das pinturas em que aparecem anjos, o menino Jesus e a criança nua. (SANTA CATARINA, 1999, p. 9-10).

Nos séculos XV e XVI a criança passou a ser representada nas obras de

arte, sempre acompanhada por sua família ou por seus amigos de brincadeira,

participando de festas e na escola. No entanto, ainda não se acreditava que a

criança possuísse uma personalidade. Logo, elas morriam aos montes sem que

nada fosse feito para evitar. (SANTA CATARINA, 1999).

Somente a partir do século XVII é que se começou atribuir à criança uma

alma, uma personalidade. Nessa época, os trajes infantis deixaram de ser cópia das

roupas adultas, tornando-se mais folgados e confortáveis para os pequenos.

Todavia, a vida social das crianças continuava a ser igual a dos adultos, de modo

que elas participavam, ativamente, de jogos de cartas e jogos de rifa (IDEM, 1999).

A noção de sexualidade infantil era totalmente desconsiderada até o

século XVI, vindo a mudar somente com a reforma moral e religiosa do final século

XVII.

13

Até o final do século XVI havia uma prática familiar de associar a criança

a brincadeiras sexuais dos adultos. Acreditava-se que a criança fosse alheia e

indiferente à sexualidade e que, portanto, os gostos e as alusões não tinham

consequência sobre ela (SANTA CATARINA, 1999, p. 12).

No que diz respeito ao sentimento de família, observa-se que esse

“brotou” somente no século XVIII, quando a instituição passou a ser considerada

responsável pela formação dos corpos e das almas de seus filhos.

Os pais não deveriam só colocar o filho no mundo, mas prepará-los para a vida e enviá-los à escola. Este cuidado especial com as crianças favoreceu o aparecimento de sentimentos novos dentro da família, uma afetividade exacerbada. (SANTA CATARINA, 1999, p.13).

Já no século XX, na esfera internacional, se deu o reconhecimento da

necessidade de prestar proteção especial às crianças e aos adolescentes. Assim, as

bases do ordenamento jurídico internacional sobre o respeito aos direitos das

crianças fundaram-se na Convenção de Genebra, em 1924, que determinou a

necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

Segundo Schmikler (s/ano), em 1946, na primeira sessão da Assembleia

das Nações Unidas foi criado o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),

reconhecendo que a criança não estava devidamente protegida pelos trabalhos de

assistência no período pós-guerra.

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a

comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), vem

celebrando uma série de convenções internacionais. Estabelecem estatutos comuns

de cooperação mútua e mecanismos de controle, que garantam a não violação e o

exercício, pelo cidadão, de um elenco de direitos considerados básicos à vida digna,

os chamados direitos humanos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Em 1952, em Viena, ocorreu uma reunião internacional que tratou sobre o

bem-estar infantil, sendo a data de 01 de junho proclamada o Dia Internacional da

Criança. Nessa reunião, o objetivo inicial da UNICEF foi ampliado, abarcando o

apoio à sobrevivência e ao desenvolvimento da criança. (SCHMIKLER, s/ano).

Buscando a concretização dos direitos fundamentais do homem,

observou-se a necessidade de medidas específicas dirigidas a segmentos mais

vulneráveis às violações de seus direitos para a garantia da igualdade concebida.

Desse modo, seguindo a mesma filosofia da Declaração Universal dos Direitos do

14

Homem, foi criada, em 1952, a Declaração Universal dos Direitos da Criança,

passando a criança a ser reconhecida como sujeito no direito internacional. De

acordo com Schmikler (s/ano), essa Declaração é uma referência ética e política

para o cuidado da educação e do bem-estar da criança no mundo.

Em 1989 foi aprovada a Convenção dos Direitos da Criança, que em 14

de setembro de1990, pelo Decreto-lei nº 28, foi aprovada e em novembro do mesmo

ano ratificada pelo Brasil. Esse documento internacional é constituído tecnicamente

de princípios e não de obrigações para os Estados signatários e estabelece que os

Estados implementem políticas que considerem as peculiaridades das crianças e

adolescentes, as vulnerabilidades desses sujeitos de direito no contexto social, com

vistas à redução da desigualdade e a promoção de uma vida digna. (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2005).

Nessa ótica, Schmikler (s/ano) afirma que o texto concentra os seguintes

princípios: proteção especial para o desenvolvimento físico, mental e espiritual da

criança; direito ao nome e à nacionalidade; direito à alimentação, moradia e

assistência médica, adequadas à criança e à mãe; direito à educação e a cuidados

especiais para a criança, física ou mentalmente deficiente; direito à convivência em

ambiente de afeto e segurança material e espiritual; direito à educação gratuita e ao

lazer; direito à prioridade de socorro e proteção; direito à proteção contra o

abandono e a exploração no trabalho; direito à proteção contra atos de

discriminação de qualquer natureza.

Em 1989, a Convenção Sobre os Direitos da Criança recomendou que a

infância deveria ser considerada prioridade imediata e absoluta, necessitando de

consideração especial, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes

econômicos, sendo universalmente salvaguardados seus direitos fundamentais.

(PEREIRA, 1999).

Além disso, segundo Pereira (1999), essa Convenção marcou o

reconhecimento pelas Nações Unidas da criança e do adolescente como sujeitos

sociais, portadores de direitos e garantias próprias, independentes de seus pais ou

familiares e do próprio Estado. Essa foi a grande mudança de paradigma que

estabeleceu obrigações diferenciadas para o Estado, para as famílias e para a

sociedade em geral.

Essa Convenção enfatizou a importância de se respeitar os direitos

inerentes a todas as crianças e adolescentes de possuírem características

15

específicas devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento em

que se encontram, de modo que as políticas básicas voltadas para a juventude

devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado. (SILVA,

1996).

Vale dizer que o conteúdo desses documentos está inteiramente

incorporado aos textos da Constituição Federal (1988) e das leis, mormente o

Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que esses consagram a chamada

doutrina ou teoria da proteção integral, estabelecendo, também, que essa proteção

(integral) à criança e ao adolescente deve ser levada a efeito com absoluta

prioridade.

Assim, no que diz respeito à promoção e defesa dos direitos da criança e

do adolescente, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma legislação

bem construída nesta área. Entretanto, certas falhas existiram no passado, havendo

uma evolução legislativa gradual através das diversas Constituições que se

sucederam. (SILVA, 1996).

De acordo com Tavares (2000), no período do Brasil colônia, a criança e

o adolescente serviam de mão de obra para o dono da propriedade onde moravam

(senhores de engenho). Logo, eram vistos como uma oportunidade de lucro, um

bom negócio.

Constatou-se que o Brasil - colônia e o Império foram os pioneiros em

recolher crianças e adolescentes carentes e órfãs e, como justificativas para o

recolhimento, tinham a caridade, o interesse público e o mais comum: a utilidade

senhorial. (TAVARES, 2000, p. 53).

Corroborando com essa visão, a Carta Régia de 1693 dispôs que o

Governador da Capitania do Rio de Janeiro haveria de recolher crianças e

adolescentes desamparados e direcioná-los para a Câmara e para os bens do

Conselho, onde eram abrigados e recebiam o tratamento adequado. Cumpre

ressaltar que nesta Instituição o índice de mortalidade chegava a 90%, de 12 (doze)

mil crianças internadas, apenas mil sobreviviam. (TAVARES, 2000).

Segundo Veronese (2006), em 1823, na Constituição do Império, José

Bonifácio apresentou um projeto para proteção da criança e do adolescente carente.

No entanto, ele não estava interessado no bem-estar ou na proteção infantil, mas

sim em garantir a mão de obra escrava, o trabalho gratuito da criança negra. Porém,

16

esse trabalho foi desconsiderado por D. Pedro I, ao sancionar a primeira Carta

Política no ano de 1824.

Em 28 de fevereiro de 1871 surgiu a Lei nº 2.040, denominada a Lei do

Ventre Livre ou Lei Rio Branco, que foi promulgada pela Princesa Isabel. Essa lei

pretendia acabar gradativamente com a escravidão infantil, pois conferia liberdade

às crianças nascidas de mães escravas. (VERONESE, 2006).

A Lei do Ventre Livre concedia que:

[...] o filho da escrava deveria permanecer sob a autoridade de sua mãe e do proprietário de escravos, que, juntos, deveriam educá-lo até a idade de oito anos. Depois dessa idade, o proprietário da mãe escrava teria duas opções: poderia receber do Estado uma indenização de 600 mil réis pagos em títulos do Estado, com juros de até 6%, no prazo de trinta anos, ou utilizar-se dos serviços da criança, até que essa completasse vinte e um anos. Quase sempre, o senhor preferia ficar com a criança negra, porque a Lei não estabelecia qualquer controle sobre o número de horas de trabalho, sobre o regime sanitário ou sobre a alimentação que deveriam receber esses escravos livres. (LIBERATI, 2002, p. 27).

Cabe lembra que, nessa época, a criança carente era encarada como um

elemento passível de receber caridade, não havendo uma preocupação específica

com ela, como ser humano. (VERONESE, 2006).

Com o advento da República, as transformações sociais, políticas e

econômicas também se refletiram sobre a prestação de assistência. Portanto, o

problema da criança e do adolescente carente exigia providências oficiais por parte

dos organismos governamentais.

A mentalidade repressora começa a dar espaço para uma concepção de reeducação, de tratamento na assistência ao menor. Verifica-se o surgimento de um novo modelo de assistência à infância, fundada não mais somente nas palavras da fé, mas também da ciência, basicamente médica, jurídica e pedagógica. A assistência caritativa, religiosa, começa a ceder espaço a um modelo de assistência calcado na racionalidade científica onde o método, a sistematização e a disciplina têm prioridade sobre a piedade e o amor cristãos. (VERONESE, 2006, p.22-23).

Destaca-se, desse modo que o histórico brasileiro das legislações, das

políticas e das instituições para a infância e adolescência aponta a existência de

uma divisão conceitual que se consolidou entre duas categorias: a criança e o

adolescente desamparado e o menor infrator. Nesse sentido, a primeira era alvo de

políticas de assistência social, educação e saúde, enquanto que para a segunda as

políticas eram repressivas e reeducativas.

17

Conforme Rizzini (1995, p. 18), “as políticas de proteção e de repressão,

de caráter mais terapêutico, tinham como alvo o menor, e as de prevenção ao

abandono e ao delito, tiveram como alvo as famílias desagregadas ou em risco”.

Com a necessidade de evitar a delinquência da criança e do adolescente,

em 20 de dezembro de 1923 surgiu o Decreto de nº 16.272, criando um Juizado

Privativo de Menores. Todavia, este Juizado somente foi implementado no ano de

1924, no Rio de Janeiro, pelo Juiz José Cândido Albuquerque MelIo Mattos

(CAVALLIERI, 1978).

MelIo Mattos foi o primeiro juiz de menores da América Latina,[...]. Seu espírito humanístico levou-o a tentar preencher as lacunas existentes nos anos vinte, na área do amparo às crianças. [...] O primeiro juiz menorista, de tal modo se dedicou ao amparo direto que ganhou o apodo carinhoso de “Mellinho das crianças. MelIo Mattos instituiu vários estabelecimentos de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente. (CAVALLIERI, 1978, p.14).

Em 1926, o Poder Executivo consolidou as leis sobre as crianças e

adolescentes em forma de código, mas esse somente entrou em vigor em 12 de

outubro de 1927, por meio do Decreto nº 17.943-A. Foi uma inovação, comparado

com o Código Civil, Penal e Comercial, devido aos seus dispositivos avançados para

a época. Esse diploma também ficou conhecido como Código MelIo Mattos

(SILVEIRA; PAULA, 2006).

Segundo Seda (1999), esse Código só se preocupava com a criança em

situação irregular (meninos de rua, trombadinha, mendigos, órfãos, etc.), pois essas

crianças se tornavam uma ameaça à sociedade, já que colocava em risco a

propriedade alheia. O Código de Menores gerava uma discriminação que provocava

um tratamento diferente entre as crianças. Se a criança nascia em família com

recursos financeiros, eram tratadas como crianças e adolescentes; se fossem

pobres, sem famílias, eram MENORES, que podiam ser objeto de intervenção e de

repressão do Estado.

De acordo com Seda (1999), a antiga política social voltada à proteção da

criança e do adolescente era fundamentada no Código de Menores, que definia a

criança e o adolescente como indivíduos absolutamente incapazes, ou seja, eram

vistos como extensões da vontade dos adultos ou das autoridades.

Nessa perspectiva, Veronese (2006) destaca que a tônica predominante

dessa legislação menorista era corretiva, isto é, fazia-se necessário educar,

18

disciplinar, física, moral e civilmente as crianças oriundas de famílias desajustadas

ou da orfandade. Nesse contexto, era dado ao Juiz de Menores o direito de

pronunciar sobre a condição jurídica da criança, que nessa época era considerada

abandonada ou delinquente.

[...] o “juiz de menores” que tinha poder arbitrário para dizer qual o melhor interesse das crianças e dos adolescentes (menores). O juiz de menores aplicava medidas jurídicas. Já as autoridades, os funcionários e técnicos ligados às políticas sociais de proteção à criança e ao adolescente aplicavam medidas assistenciais, no entanto somente quando estas fossem determinadas pelo juiz ou aceitas por ele. (SEDA, 1999, p.47).

De acordo com Silveira e Paula (2006), o poder de decisão concentrava-

se na figura do juiz de menores, que por sua vez se baseava na boa ou má índole

da criança e do adolescente e de suas famílias para definir suas trajetórias

institucionais. Com a criação do Código Penal no ano de 1940, a idade para

inimputabilidade penal foi fixada em 18 anos, ocorrendo, por isso, a necessidade de

adaptar o Código MelIo Mattos, no qual a idade penal era de 14 anos.

Já em 1964 foi instituída a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM), através Lei nº 4.513, de 1° de dezembro. Este diploma também deu

origem à Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNABEM), que objetivava a

implementação de novas políticas assistenciais, estabelecendo a centralização de

programas e iniciativas em favor da criança e do adolescente nas mãos do governo.

(VERONESE, 2006).

A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor veio responder a uma

definição política nacional, no qual:

[...] a criança, então, não mais era simples responsabilidade de entidades privadas e de alguns organismos estatais, que atuavam de acordo com seus preceitos regionais, passando a ser enquadrada aos objetivos de uma política do bem-estar do menor, cuja responsabilidade seria da FUNABEM. (SILVEIRA; PAULA, 2006, p. 31).

Apesar do funcionamento ineficiente, incapaz de trazer a reeducação para

a criança e para o adolescente, a FUNABEM foi acolhida pelo novo Código de

Menores de 1979. Este documento foi editado em 10 de outubro de 1979, por meio

da Lei nº 6.697. Ele adotou a doutrina de proteção à criança e ao adolescente em

situação irregular. (SILVEIRA; PAULA, 2006).

19

Cumpre salientar que para Cavallieri (1978, p. 27) a expressão “situação

irregular” foi “escolhida por nós para abranger os estados que caracterizam o

destinatário primário das normas de Direito do Menor”.

Já para Veronese (2006, p. 40), a situação irregular embasa-se em um

“conjunto de regras jurídicas que se dirigiam a um tipo de criança ou adolescente

específico, aqueles que estavam inseridos num quadro de patologia social,

elencados no art. 2º do referido Código”.

Ressalta-se que até a Constituição Federal do Brasil de 1988, as

Constituições brasileiras garantiam pouquíssimos direitos às crianças e aos

adolescentes. No atual diploma foram garantidos direitos na área da infância e da

juventude, já assegurados nas Convenções Internacionais. (VERONESE, 2006).

Assim, segundo Fajardo (1999), as crianças e os adolescentes, com suas

demandas de problemas sociais, desde muito tempo são alvos de práticas mais ou

menos estruturadas de proteção ou repressão. Pode-se considerar que, atualmente,

o que se outorga às crianças são as mesmas garantias e liberdades formais de que

gozam os adultos, acrescidas da proteção contra ameaças em função de sua

vulnerabilidade própria da idade. Dessa maneira, percebe-se que a criança e o

adolescente, em condição de sujeito de direitos, não são isentos da condição de

objeto de proteção.

Essa autora destaca que a proteção sempre supõe uma desigualdade de

condições entre protetor e protegido. Esta desigualdade se reforça a partir da

ideologia da incapacidade ou se tenta superar a partir de uma racionalidade que se

pode chamar de autonomia, sem que se prescinda das ações necessárias para

sanar a violação de direitos. Ao apoiar-se na ideologia da incapacidade, a proteção

incorre na violação do direito à autonomia ou autodeterminação. (FAJARDO, 1999).

Assim, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 preconiza que é

dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Segundo Veronese (2006, p. 100), a Constituição Federal do Brasil de

1988 abandonou a doutrina da situação irregular, visto que passou para a de

proteção integral, que possui uma nova postura fundada na premissa de que a

20

criança e o adolescente carecem de direitos próprios e especiais, pois são pessoas

em desenvolvimento. Logo, necessitam “de uma proteção especializada,

diferenciada e integral”.

Nesse sentido, observa-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988,

pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade

absoluta, deixando claro que a sua proteção é dever da família, da sociedade e do

Estado. Além disso, ela também serviu de alicerce para o ECA.

Essa legislação é considerada moderna e comprometida com os mais

importantes princípios do Direito moderno, já que dentre outras disposições leva em

conta a necessidade de preparar, por meio de cursos e treinamentos profissionais, o

adolescente, de modo que ele possa se reintegrar à sociedade como cidadão ativo e

responsável.

Ao enfocar a trajetória dos direitos da criança e do adolescente,

considera-se esta uma discussão essencial para se poder ligar a questão da

prevenção e controle da violência a este segmento. Ao inserir-se em uma realidade

onde o que fomenta o processo de convívio é a violência, as crianças e

adolescentes, tendem a ser cooptadores de modo de relacionamento e, do mesmo

modo, tende a reproduzi-lo em suas mais diversas relações. Neste contexto, não se

pode negar que há certa prioridade em se trabalhar a temática da violência,

naturalmente em seu contexto familiar, mas de modo mais pontual trazendo a

discussão próxima a estes sujeitos em seus diferentes cenários e contextos de vida.

Assim, escola e família, além da própria sociedade como um todo, hoje tem suas

responsabilidades, direitos e deveres considerados a partir do reconhecimento da

condição de cidadania destas crianças e adolescentes. Retomar tal trajetória situa a

importância de priorizarem-se processos interventivos que qualificam os direitos que

devem ser assegurados à população infanto-juvenil. O enfrentamento à questão da

violência é um desafio nestes contextos, especialmente se busca em sua forma

preventiva.

Na sequência desse estudo, o próximo tópico focaliza a Lei nº 8.069/90,

que criou o ECA e, por conseguinte, deu cumprimento aos compromissos

internacionais assumidos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança das

Nações Unidas e regulamentou o art. 227 da Constituição Federal de 1988.

21

2.2 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A CONSOLIDAÇÃO DE

POLÍTICAS DE DIREITOS A ESTE SEGMENTO: UM FORTE ALIADO ÀS

ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA.

Atualmente observa-se que, em termos formais, há uma unanimidade

nacional no que diz respeito à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes,

tornando-se essa uma prioridade absoluta. Em face disso, programas são

implementados e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 foi criada, introduzindo no

ordenamento jurídico brasileiro, o ECA, com o fim de proteger e direcionar as

políticas de atendimento a estes.

Entretanto, ao considerar o contexto real, constata-se que muito ainda

precisa ser feito para resgatar a dignidade com que devem ser tratadas as crianças

e adolescentes brasileiros. Em especial no tocante à violência, há que se considerar

sua significação, tipologia e as diferentes formas em que esta se manifesta na vida

cotidiana deste segmento e suas famílias.

Ressalta-se que, de acordo com artigo 2º do ECA, como criança

compreende-se a pessoa menor de 12 anos de idade e como adolescente a pessoa

entre 12 e 18 anos. Todavia, o parágrafo único desse artigo dispõe que: “Nos casos

expressos em Lei, aplica-se excepcionalmente esse Estatuto às pessoas entre 18 e

21 anos de idade”.

Demonstrando essa preocupação com a criança e o adolescente, a

Constituição Federal (CF) de 1988 determinou que é dever da família, do Estado e

da sociedade dar proteção a esses:

Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Salienta-se que a palavra proteção é originaria do latim protectio, de

protegere, que significa cobrir, amparar, abrigar. Segundo Silva (1999), por esse

vocábulo entende-se toda espécie de assistência ou de auxílio prestado às coisas

ou às pessoas, a fim de que se resguardem contra os males que lhes possam advir.

22

Nessa esteira, o ECA, em seu artigo 4º estabeleceu, expressamente, a

prioridade da proteção à criança e ao adolescente:

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.

Nesse contexto, percebe-se que a importância da família é fundamental

para criança e para o adolescente, vez que é a partir dela que esses adquirem os

seus primeiros conceitos que formarão, ao longo do tempo, a sua identidade,

servindo de orientação para sua trajetória de vida.

No que tange ao dever do Poder Público em relação à criança e ao

adolescente, o Estatuto quer referir-se ao Estado, em todas as suas expressões.

Sob esse aspecto, Cury (2006, p. 12) explica que “evidentemente, não é possível

atribuir responsabilidade, por meio de lei, a uma entidade que não tivesse

competência constitucional para tratar do assunto”.

No âmbito da sociedade civil, observa-se um reconhecimento crescente,

pelas instituições civis, da necessidade de ampliar o escopo de ação para proteger

as crianças e adolescentes, principalmente das camadas populares da sociedade.

Assim, é possível perceber a complexidade desse tema, tendo em vista

que a legislação contempla a matéria. No entanto, no dia a dia nota-se que a criança

e o adolescente ainda, efetivamente, não têm seus direitos respeitados.

A proteção integral à criança e ao adolescente, prevista pelo ECA, tem

suas bases mais próximas na Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989.

Assim, esse diploma veio corrigir as arbitrariedades do Código de Menores, abolindo

logo de início a expressão: “crianças e adolescentes em situação irregular”, embora

se observe que alguns continuam a tratar a matéria da mesma forma que antes,

retorcendo as normas atuais e mantendo os velhos hábitos, usos e costumes.

(SILVA, 1996).

O ECA aponta os direitos e deveres da criança e do adolescente e os

deveres e direitos da família, da sociedade e do Estado para com esta criança e

para com este adolescente.

Como já mencionado, a CF de 1988 prevê que é dever da família, da

sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

23

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, a família deve ser vista como garantidora da integridade física e

moral, a sociedade como adequada para a convivência grupal, e o Estado como

propulsor da atualização das potencialidades dos cidadãos. (GONZÁLEZ, 1995).

Segundo Fajardo (1999), atualmente a consolidação formal do Estado

Democrático de Direito, a partir da Constituição de 1988 e do ECA expressam um

processo de democratização das políticas para a infância e adolescência, por meio

da parceria entre Estado e a sociedade, com a redução da atuação federal e a maior

descentralização, até a municipalização das ações.

As principais garantias à própria vigência previstas pelo ECA são o

Conselho Tutelar e o Conselho Municipal, sendo que o primeiro é um órgão

permanente, autônomo, não partidário, apesar de exercer papel fiscalizador e ter

poder de aplicar medidas de proteção à criança e ao adolescente. Embora não

pertencendo ao Poder Judiciário, é encarregado pela sociedade civil, de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos no ECA. (SILVA,

1996).

De acordo com González (1995), o Conselho Tutelar tem por objetivo,

atender, na própria comunidade, por intermédio de pessoas e programas de

entidades de atendimento, as crianças e adolescentes, cujas situações exijam sua

efetiva intervenção, desempenhando o importante papel de proteger, em nome de

todos, os direitos consolidados no ECA.

O Conselho Municipal tem a função de definir e controlar a política de

atendimento à criança e ao adolescente, como também de fiscalizar o cumprimento

do plano de ação proposto para o município e o destino das verbas. Também de se

incumbir de cadastrar as entidades de atendimento e gerenciar o fundo financeiro

vindo de verbas públicas, de doações subsidiadas, de multas e do imposto de renda

de pessoa física e jurídica. (GONZÁLEZ, 1995).

De acordo com D. Luciano Mendes de Almeida, membro da Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), (apud SILVA, 1996) o ECA tem por objetivo a

proteção integral da criança e do adolescente, de tal forma que todo brasileiro que

nasça tenha assegurado seu pleno desenvolvimento físico, moral e religioso.

24

Com o Estatuto, as crianças e os adolescentes devem ser atendidos em

seus direitos. Ao considerar o sistema de proteção integral deverão ser incluídas a

família e a comunidade, o acesso à cultura, à escola, ao trabalho, à diversão e à

segurança pública. (SILVA, 1996, p. 28).

Segundo Cury (2006), as medidas de proteção previstas no ECA têm

caráter pedagógico e são aplicadas pela autoridade competente (juiz, promotor,

conselheiro tutelar) às crianças e adolescentes que tiverem seus direitos

fundamentais violados ou ameaçados. Assim, sempre que as crianças e

adolescentes se encontrarem em situação de risco pessoal ou social – quer por

ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou ainda na hipótese de falta, omissão

ou abuso dos pais ou responsável, na forma do disposto no artigo 98 do ECA –,

serão passíveis de proteção.

Art. 98: As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos por Lei forem ameaçados ou violados: I Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III Em razão de sua conduta.

Dentre os direitos fundamentais garantidos pelo ECA, observa-se a

imposição à preferência na formulação e execução de políticas sociais públicas e

destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção

à infância e à juventude. (Artigo 4°, caput e parágrafo único, alíneas "c" e "d" do

ECA).

Art. 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo Único: A garantia de prioridade compreende: Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; Precedência dos atendimentos nos serviços públicos ou de relevância pública; Preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas; Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Dessa maneira, observa-se que no artigo 4º, § único, o ECA procura

explicitar o que se deve envolver na garantia de prioridade preconizada pelo caput

do mesmo dispositivo, que por sua vez, praticamente é a reprodução do artigo 227

25

da Constituição Federal de 1988, com o acréscimo de que também é dever da

comunidade em que vive a criança ou adolescente a garantia de seus direitos

fundamentais.

Para dissertar sobre as políticas sociais de proteção social à criança e ao

adolescente, é necessário, primeiramente definir política social. Segundo Costa et al

(1990, p. 71), “política social é um conjunto de leis, instituições e programas criados

pelo Poder Público para a distribuição de bens e serviços destinados a promover e

garantir os direitos sociais dos cidadãos”. Além das políticas sociais básicas,

expressas através dos serviços de saúde, habitação, educação, abastecimento,

transportes, esporte e meio ambiente, a política social se materializa em programas

e ações de assistência social.

Nesse sentido, a política social se alicerça na constatação da existência

da desigualdade social. Dessa forma, suas ações são voltadas para pessoas e

coletividades, privadas das condições de acesso às condições mínimas de bem-

estar e dignidade.

Para Fajardo (1999), os sujeitos das políticas sociais para a infância e

adolescência são, por um lado, os receptores, os protegidos, em sentido amplo as

crianças e adolescentes desamparados em perigo ou perigosos, e com as famílias

genericamente taxadas de “desestruturadas ou carentes”. Do outro lado, estão os

autores, os protetores, aqueles que são visualizados a partir das relações entre o

público e o privado no contexto do Estado social.

A intervenção do Estado ou da sociedade civil se traduz em práticas

concretas, mais ou menos organizadas, planejadas, normatizadas e controladas,

sendo que essas atividades vinculam, diretamente, protegidos e protetores,

mediante as quais se realizam as estratégias de enfrentamento da questão da

infância e da adolescência desamparada. (MEZINSKI, 2007).

Essas práticas geralmente são viabilizadas por meio de atividades mais

ou menos profissionais ou técnicas de apoio, tais como entrevistas, pesquisas

sociais (que servem tanto para informar estratégias como para justificá-las), estudos

sociais de casos específicos, laudos dos especialistas, exames, diagnósticos,

fiscalização de entidades de atendimento, visitas domiciliares, controle de locais de

risco para a infância, etc. (MEZINSKI, 2007).

A partir desse enfoque, Fajardo (1999) classifica as práticas sociais em

três tipos básicos:

26

Orientadas a intervir em situações de pobreza e exclusão social;

Orientadas a intervir em situações de violência ou violação de direitos;

Orientadas a vulnerabilidades e potencialidades coletivas, isto é, práticas

voltadas à promoção de condições objetivas e subjetivas de exercício

destes direitos.

Conforme Costa et al (1990), não existem programas de assistência

social preventivos à situação de risco para crianças e adolescentes. Segundo esses

autores, o que seria necessário é a inclusão de toda a população na cobertura das

políticas sociais básicas.

Neste contexto, situa-se o desafio de instituir políticas e programas

efetivos que consolidem a prevenção e controle a violência, por exemplo. Desafio

maximizado, uma vez que a realidade societária tende a aceitar ou produzir a

violência em diferentes dimensões, sendo para muitos uma condição cotidiana de

vida e convívio familiar e societário. Isto não se restringe à condição

socioeconômica, mas a um contexto de vida, educação e cultura que levam famílias

a reproduzir cenários societários e vice-versa.

Todavia, a questão da prevenção à reprodução da violência desafia a

todos, com especial destaque a família e a escola, que são mais direta e

cotidianamente responsáveis pela formação destes sujeitos. Assim, considera-se

necessário discutir tais atribuições uma vez que estas estão legitimadas pelo ECA,

mas devem ligar-se ao aspecto concreto das práticas de violência no cotidiano.

No art. 24 da Constituição Brasileira está prevista a competência da

União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre

"proteção à infância e à juventude". Esse dispositivo não se refere aos cuidados e à

proteção da infância e da juventude, mas apenas à legislação, não ficando excluída

a possibilidade de leis municipais sobre a matéria, visto que a própria Constituição,

no art. 30, estabelece que compete aos Municípios suplementar a legislação federal

e estadual.

Na realidade, não existe qualquer disposição constitucional reservando à

União, aos Estados ou aos Municípios a competência para a prestação de serviços

visando, especificamente, à garantia dos direitos ou à proteção da infância e da

juventude. Pelo art. 23 da Constituição de 1988, que enumera as matérias para as

quais a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são conjuntamente

27

competentes, encontram-se vários incisos que incluem os cuidados de crianças e

adolescentes. (CURY, 2006).

Nesse sentido, podem ser referidos, especialmente, os incisos II e V,

sendo que o primeiro cuida da saúde e assistência pública, e o segundo manda

proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Destaca-se

também o inc. X, a competência comum para combater as causas da pobreza e os

fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores

desfavorecidos. Naturalmente, não se desassocia deste contexto a questão da

violência em suas diferentes tipologias e manifestações.

Dessa forma, responsabilizam-se todos os setores da organização pública

pela adoção de providências que ajudem as crianças e os adolescentes a terem

acesso aos seus direitos, recebendo a necessária proteção.

Ainda a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) determina que a

camada mais miserável da população tenha acesso aos direitos sociais. São direitos

sociais, por exemplo, a educação, a saúde, a previdência, a habitação popular, o

trabalho, o lazer. Enfim, uma série de serviços públicos necessários a toda a

sociedade, mas de que apenas parte dela tem condições de usufruir. (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2005).

A LOAS cria um tipo de seguridade social não-contributiva, ou seja, não é

necessário pagar para ter acesso aos serviços sociais. Além disso, ela prevê a

garantia das condições mínimas de existência para crianças, adolescentes, idosos,

gestantes e deficientes físicos e mentais. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

A miséria não é reproduzida pela concessão de renda, mas pela

discriminação social, pelo desemprego, pela impossibilidade de acesso de grande

parte da população aos bens sociais e culturais. Os países desenvolvidos têm

programas de renda mínima, porque eles sabem que essa é uma forma de conter o

processo de aprofundamento da miséria. Segundo Castro (1997), a miséria não gera

consciência e solidariedade, como alguns autores acreditam. Ela gera mais miséria,

irracionalismo, violência e individualismo exacerbado.

A Constituição Brasileira, de 1988, trouxe avanços ao estabelecer o

conjunto dos direitos civis, políticos e sociais. Todavia, a efetivação desses direitos

exige a mobilização da sociedade, já que é ela que precisa conquistar os direitos

sociais.

28

As ações públicas se concentram sobre famílias sem condições de

proverem sua sobrevivência financeira e afetiva, bem como a socialização de suas

crianças e adolescentes. Esta impossibilidade é compreendida como resultado da

incapacidade das próprias famílias. Assim, as ações que lhes são destinadas têm o

objetivo de “capacitá-las” para que elas voltem a cumprir seu papel sem

comprometer a estabilidade social. (BARBOSA, 1998).

Um dos fatores que devem dirigir as práticas de assistência à família é a

consciência de que quanto mais expostas estão as famílias a situações de exclusão,

mais expostas ficam suas crianças e seus idosos ao abandono. No entanto, esta

relação não se resume somente na satisfação das necessidades básicas da família

(alimento, cobertor, médico): ela precisa ser assistida em todas as suas

vulnerabilidades, inclusive no respeito a seus direitos e deveres enquanto cidadão.

(FALEIROS, 1999).

Segundo Kaloustian (1994), as necessidades básicas das famílias pobres

devem suplantar a visão biológica, incluindo também os fatores psicológicos, sociais

e éticos de auto-estima e de crescimento da própria competência.

Observa-se que famílias que contam com uma estratégia coletiva de

enfrentamento das condições de mercado e da conjuntura econômica tendem a ter

melhores chances de superar a instabilidade e o patamar da pobreza. (FALEIROS,

1999), o que evidencia que a família, a comunidade e a sociedade civil devem

participar amplamente da elaboração de alternativas, priorizando o apoio à família

para que essa possa cumprir com suas funções.

Diante desse cenário, o que se observa é que o Estado, embora tenha

elaborado “novas leis de proteção à criança e ao adolescente”, na realidade, ainda

atua como no tempo do Código de Menores. Isto é, em vez dele prover programas

preventivos de apoio às famílias, tendo em vista a importância desta na formação

física, moral e religiosa da criança e do adolescente, ele somente aparece no

momento de punir o “menor infrator”, esquecendo que simplesmente este é fruto de

seu próprio desamparo. (FALEIROS, 1999).

Hoje, é muito mais comum constatar movimentos civis ligados a religiosos

ou não, desenvolvendo programas comunitários com as famílias carentes,

oferecendo não tão-somente uma “cesta básica”, mas também assistência médica,

jurídica e psicológica... enfim, dando condições a essas famílias de proverem o

sustento financeiro e moral de suas crianças e adolescentes, ressaltando que muitas

29

entidades ainda desenvolvem trabalhos com as próprias crianças e adolescentes,

onde são enfatizados a profissionalização, a educação, a saúde (prevenção contra

as drogas, AIDS, etc.), o esporte e a cidadania. (DEMO, 2003).

Além disso, González (1995) afirma que o que se percebe, também, é

uma amplitude demasiada nas leis constitucionais brasileiras e no próprio ECA, visto

que em nenhuma delas é especificado “quem” (Federação, Estado, Município), fará

“o quê” para proteger a criança e/ou adolescente, salientando ainda que, quando o

Estado proporciona assistência à criança ou à sua família, esta é temporária, isto é,

perdura enquanto não mudar o dirigente (secretário, prefeito, governados, etc.) que

a implantou.

No tocante às famílias, observa-se que em sua grande maioria,

independentemente de seu arranjo, procura fazer seu papel, ou seja, cuidar da

criança e do adolescente suprindo suas necessidades básicas (alimentação,

vestuário, etc.), com respeito e amor. Em alguns casos, quando estas famílias não

conseguem suprir estas necessidades, preferem “dar” estas crianças e adolescentes

para outras famílias (parentes, amigos, patrões) para que elas tenham uma vida

melhor. Nesse sentido, percebe-se a ausência do Estado na efetiva proteção da

criança e do adolescente, já que não supre as necessidades básicas da família.

Finalizando esse tópico, observa-se que a criação do ECA objetivou a

regulamentação da premissa constitucional que enfatiza a importância de se

proteger e de se garantir os direitos das crianças e dos adolescentes, estendendo

essa responsabilidade para a família, para a sociedade e para o Estado. Nessa

perspectiva, o próximo tópico aborda as especificidades dessas faixas etárias e a

importância de se implementar políticas sociais que auxiliem no desenvolvimento

pleno da criança e do adolescente.

2.3 AS ESPECIFICIDADES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:

COMPREENDENDO AS EXIGÊNCIAS DESTA FASE EVOLUTIVA E SUA

SUJEIÇÃO À VIOLÊNCIA

A incapacidade infantil se expressa, às vezes, por meio do conceito de

discernimento associado à idade, como um critério para restrição de direitos. A esse

30

conceito se pode contrapor a noção de plena realização do potencial da criança,

como critério para o alargamento máximo das possibilidades de exercício de direitos,

sendo que a incapacidade infantil justifica as medidas de proteção tutelar, enquanto

a plena realização justifica as medidas de facilitação e de incentivo à autonomia.

Sob essa ótica, o Ministério da Saúde (2005) explica que a adoção do

critério cronológico, objetiva a identificação de requisitos que orientem a

investigação epidemiológica, as estratégias de elaboração das políticas de

desenvolvimento coletivo e as programações de serviços sociais e de saúde pública,

porém ignora as características individuais.

Dessa maneira, é relevante considerar os critérios biológicos, psicológicos

e sociais nas abordagens sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Inicialmente, cabe esclarecer que, embora a legislação nacional adote a

idade de 12 anos completos como o critério para distinguir a criança do adolescente,

a Organização Mundial de Saúde (OMS) circunscreve a adolescência à segunda

década da vida, ou seja, de 10 a 19 anos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

De acordo com o critério biológico e universal, a adolescência se inicia

com a puberdade, caracterizada pela aceleração e desaceleração do crescimento

físico, mudança na composição corporal, eclosão hormonal, evolução da maturação

sexual. No entanto, o Ministério da Saúde (2005) ressalta a importância de se levar

em conta as influências socioculturais que vão se concretizando na adolescência,

por meio de constantes reformulações de caráter social, sexual e de gênero, além

das tendências ideológicas e vocacionais.

No tocante às etapas do desenvolvimento psicológico e mental da

criança, Piaget (1978) identifica quatro períodos: (1) período sensório-motor, de 0 a

2 anos; (2) período pré-operacional, de 2 a 7 anos; (3) período das operações

concretas, de 7 a 12 anos; e (4) período das operações formais, de 12 anos em

diante, até o final da adolescência.

Nessa perspectiva, observa-se que o conhecimento pode ser entendido

de três formas:

[...] conhecimento físico, lógico – matemático e social – arbitrário. Acredita-se que cada um desses conhecimentos depende das ações da criança. Conhecimento físico – abstraído diretamente dos objetos; lógico – matemático – abstraído das ações da criança sobre os objetos e não dos objetos em si mesmos; social – arbitrário – abstraído das interações da criança com outras pessoas. (WADSWORTH, 1997, p. 66).

31

Nesse sentido, percebe-se que o conhecimento não ocorre somente por

meio dos sentidos, mas sim pela a ação e interação da criança. Para o referido

autor, a quantidade de significados da informação escrita e falada de uma criança

depende das ações que ela viveu, de modo que o desenvolvimento é a experiência

ativa da criança. Sem ações sobre os objetos, as crianças podem não desenvolver o

conhecimento físico e intelectual, além do lógico matemático. Logo, a criança

aprende, desenvolve estruturas mentais novas ou modifica as que estão presentes

nela, quando age espontaneamente sobre o ambiente, no qual ela está inserida,

resultando na assimilação de objetos e acontecimentos. (WADSWORTH, 1997).

Para Salvador (1994, p. 154),

[...] isto quer dizer que o sentido que as crianças atribuem a uma tarefa escolar e, consequentemente, os significados que podem contribuir a respeito, não estão determinados apenas por seus conhecimentos, habilidades, capacidades ou experiências prévias, mas também pela complexa dinâmica de intercâmbios comunicativos que se estabelecem a múltiplos níveis entre os participantes, entre as próprias crianças e, muito especialmente, entre o professor e os alunos.

Nesse contexto, observa-se que a experiência social também afeta esse

desenvolvimento (linguagens, conceitos morais, valores, entre outros). Assim como

a maturação, considerada por Piaget (1978), dependente de fatores genéticos, ela

também é influenciada por fatores da experiência como a nutrição e a atividade da

criança (exercícios físicos, brincadeiras). Um ritmo de maturação mais lento do que o

normal pode prejudicar seu desenvolvimento físico e intelectual.

Além disso, Wadsworth (1997, p.70) enfatiza a importância do

desenvolvimento sensorial motor para a criança:

[...] uma vez que ela pode colher informações do ambiente: sistema visual e auditivo, do paladar (gosto), do olfato (cheiro), do tato (sentido háptico ou tátil) e os sentidos sinestésico e proprioceptivo. Os educadores dão mais atenção para o desenvolvimento visual e auditivo na pré-escola e primeira série do Ensino Fundamental, sendo que dessa forma o aspecto motor – sinestésico acabam recebendo pouca atenção.

Dessa maneira, verifica-se que a criança deve e precisa ser estimulada

para o desenvolvimento sensorial e motor.

No que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo, Wadsworth (1997)

argumenta que para ocorrer aprendizagem e desenvolvimento, a atividade pode ser

32

física ou mental, desde que os objetos relacionados a acontecimentos possam ser

manipulados, trabalhados e transformados.

Mediante as expectativas que são geradas, dos comportamentos a que

estas dão lugar, do intercâmbio de informações, do estabelecimento mais ou menos

explícito e do consenso de regras ou normas de atuação, em suma, mediante o jogo

dos processos psicosociológicos presentes na situação de ensino, vai se definindo

progressiva e conjuntamente o contexto. Em cujo âmbito o aluno atribui um sentido

ao que faz e constrói alguns significados, isto é, realiza algumas aprendizagens com

um determinado grau de significância. (SALVADOR, 1994, p. 155).

No entanto, o desenvolvimento cognitivo, atualmente, fundamenta-se na

noção de inteligências múltiplas, que, de acordo com Gardner (1994, p. 51),

[...] as inteligências deveriam ser pensadas como entidade num determinado nível de generalidade, mais amplas do que mecanismos computacionais altamente específicos (como detecção de linha), embora mais estreitas do que a maioria das capacidades gerais como análise, síntese ou um senso de “eu” (caso se possa mostrar que algum destes existe independentemente de combinações de inteligências específicas). Mesmo assim, está na própria natureza das inteligências que cada uma opere de acordo com seus próprios procedimentos e possua suas próprias bases biológicas. Assim, é um erro tentar comparar inteligências em todos os detalhes; cada uma deve ser pensada como um sistema próprio e com suas próprias regras. Aqui, uma analogia biológica pode mostrar-se útil. Embora o olho, o coração e os rins sejam todos os órgãos do corpo, é um erro tentar comparar estes órgãos em cada detalhe: a mesma restrição deveria ser observada no caso das inteligências.

Assim, de acordo com Freitas (1996), o processo do conhecimento é, na

realidade, o resultado do relacionamento do sujeito com o evento, com o fato, com o

objeto que o meio se lhe apresenta, resultando daí a aquisição de uma

representação intelectual daquele evento ou objeto, que em seguida passa a

pertencer ao seu acervo próprio.

Pino (1997, p. 6), ao discorrer sobre os processos cognitivos, alerta que o

conhecer humano é uma atividade que pressupõe uma relação que “envolve três

elementos, não apenas dois: o sujeito que conhece, a coisa a conhecer e o

elemento mediador que torna possível o conhecimento”. O autor explica que:

[...] embora a atividade de conhecer pressuponha a existência no sujeito de determinadas propriedades que o habilitam a captar as características dos objetos, há fortes razões para pensar que o ato de conhecer não é obra exclusiva nem do sujeito, nem do objeto, nem mesmo da sua interação [direta], mas da ação do elemento mediador, sem o qual não existe nem sujeito nem objeto de conhecimento. (PINO, 1997, p.2).

33

Nessa visão, Klein (1996, p.94) explica que o objeto de conhecimento não

existe fora das relações humanas. “De fato, para chegar ao objeto, é necessário que

o sujeito entre em relação com outros sujeitos que estão, pela função social que lhe

atribuem, constituindo esse objeto enquanto tal”. Nesse sentido, são as relações

humanas que formam a essência do objeto de conhecimento, pois este só existe a

partir de seu uso social. Portanto, é a partir de um intenso processo de interação

com o meio social, através da mediação feita pelo outro, que se dá a apropriação

dos objetos culturais, ou seja, o objeto de conhecimento ganha significado e sentido.

Na verdade, são as experiências vivenciadas com outras pessoas que

irão marcar e conferir aos objetos um sentido afetivo, determinando, dessa forma, a

qualidade do objeto internalizado. Logo, é possível perceber que, no processo de

internalização, estão envolvidos não só os aspectos cognitivos, mas também os

afetivos.

Assim, segundo Wallon (1978), a relação, que caracteriza o ensinar e o

aprender, transcorre a partir de vínculos entre as pessoas e inicia-se no âmbito

familiar, sendo que a base dessa relação é afetiva, desde os primeiros meses de

vida. Ao entrar na escola, essa criança, a partir da relação com o outro, por meio do

vínculo afetivo com a professora e os colegas, vai tendo acesso ao mundo

simbólico, conquistando avanços significativos no âmbito cognitivo.

Os fenômenos afetivos representam a maneira como os acontecimentos

repercutem na natureza sensível do ser humano, produzindo nele um elenco de

reações matizadas que definem seu modo de ser-no-mundo. Dentre esses

acontecimentos, as atitudes e as reações dos seus semelhantes a seu respeito são,

sem sombra de dúvida, os mais importantes, imprimindo às relações humanas um

tom de dramaticidade. Assim sendo, parece mais adequado entender o afetivo como

uma qualidade das relações humanas e das experiências que elas evocam [...]. São

as relações sociais, com efeito, as que marcam a vida humana, conferindo ao

conjunto da realidade que forma seu contexto (coisas, lugares, situações, etc.) um

sentido afetivo. (PINO, 1997, p. 130-131).

Nesse sentido, observa-se que para a criança torna-se importante e

fundamental o papel do vínculo afetivo, que inicialmente apresenta-se na relação

pai-mãe-filho e, muitas vezes, irmãos, ampliando-se com a figura do professor e dos

colegas. Fernandez (1991, p. 47) acrescenta que: “[...] para aprender, necessitam-se

dois personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre

34

ambos. [...] Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem

outorgamos confiança e direito de ensinar”.

Cabe lembrar que o desenvolvimento da criança se processa por etapas,

cuja instalação obedece a certa ordem sequencial idêntica para todos os indivíduos.

Esta sequência tem caráter somatório. Em contrapartida, Vygotsky (1981) alerta que

existe um ritmo nesta ordenação, que varia de acordo com a densidade de

estimulações que o ambiente oferece. Quanto mais frequentes e quanto mais

adequadas forem estas estimulações, mais acelerado será o ritmo do

desenvolvimento.

Vygotsky (1981) fala da origem da estrutura psíquica do indivíduo,

ressaltando que tudo que é individualizado nasceu na interação com o social:

Qualquer função presente no desenvolvimento cultural das pessoas aparece em dois planos distintos: em primeiro lugar, aparece no plano social, para, logo em seguida, fazê-lo no plano psicológico. A princípio, aparece entre as pessoas como uma categoria "interpsicológica", para, logo depois, surgir em cada um como uma categoria "intrapsicológica". Isso é válido para atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento da vontade [...] a internalização transforma o próprio processo e muda sua estrutura e funções. As relações sociais ou relações entre as pessoas estão na origem de todas as funções psíquicas superiores. (VYGOTSKY, 1981, p.163).

Assim, percebe-se que é na troca com outros sujeitos e consigo próprio

que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a

constituição do conhecimento e da própria consciência.

Este processo reforça o quanto é essencial o tipo de vivência nesta fase

evolutiva para o processo de reprodução da violência. Na medida em que crianças e

adolescentes passam a ter esta com referência em seus contextos de vida, tendem

a reproduzi-las em suas relações.

Para Smolka (1999), diante da concepção de ser humano como sujeito

histórico, a exigência para o desenvolvimento sadio de uma criança e de um

adolescente situa-se nas interações estabelecidas entre as categorias: cidadania,

trabalho e educação, que devem ocorrer de maneira interligada, onde cada uma

delas contenha necessariamente as demais.

Reafirmando essa posição, Vygotsky (1978, apud SMOLKA, 1999, p. 65)

acrescenta que:

35

[...] o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem.

Nesse contexto, atualmente observa-se que a adoção de concepções e

práticas pedagógicas, que visem o desenvolvimento pleno, é fruto das inovadoras

formas de ver a criança como ser ativo e social, inserido numa sociedade. Dessa

maneira, Mazzilli et al (2001, p.1) enfatizam que:

A educação de nossas crianças e jovens é responsabilidade social, problema da sociedade como um todo e não apenas daqueles que se utilizam da escola ou nela exercem suas funções profissionais. Nesse sentido, a educação, como patrimônio público, constitui-se em responsabilidade social, independente de sua forma jurídica de manutenção.

Além disso, deve-se levar em conta a complexidade do fenômeno

educativo, buscando explicações em várias áreas do conhecimento, respeitando a

pluralidade do homem, o que demonstra a perspectiva interdisciplinar defendida por

Vygotsky.

Nessa visão, Freitas (1996, p. 41) preconiza que:

[...] as teorias de Vygotsky e Bakhtin por considerarem o homem como um ser essencialmente social e histórico que, na relação com o outro, em uma atividade prática comum intermediada pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito, talvez tenham condições de apontar um novo caminho para as relações entre Psicologia e Educação. Um caminho em que o homem, à medida que constrói sua singularidade, atua sobre as condições objetivas da sociedade, transformando-as.

Portanto, a escola deverá ser a instância onde as crianças possam

socializar suas experiências anteriores, sistematizando-as e organizando-as para,

num segundo momento, aprofundá-las e, dependendo da sua consistência,

modificar seus conhecimentos. (LORENZETTI, 2000).

Entretanto, percebe-se que a falta de infra-estrutura escolar e de um

desempenho do professor em condições adequadas tem desmistificado a escola

como uma instituição socialmente incumbida de ensinar todas as crianças e

consequentemente assumir uma postura psicopedagógica que garanta espaços de

atenção individualizada, onde se fizer necessário.

36

Para Soares (1985), um dos entraves do desenvolvimento pleno de

crianças e dos adolescentes situa-se na precariedade não só da escola, como

estrutura física, mas como instituição formada por educadores que devem primar por

esse desenvolvimento.

[...] a formação do professor deve seguir uma grande especificidade e exigindo uma preparação contínua que o leve a compreender todas as facetas (psicológicas, psicolinguística, sociolinguística e linguística) e todos os condicionantes (sociais, culturais, políticos) do processo de aprendizagem, que o leve a saber operacionalizar estas diversas facetas (SOARES, 1985, p. 24).

Assim, verifica-se que é de suma importância o papel do professor em

todo processo de aprendizagem e na formação acadêmica da criança e do

adolescente. Todavia, a principal característica que focaliza esse processo deve

priorizar o entendimento do contexto social no qual o individuo se insere.

Cabe destacar que, segundo Martins e Paiva (2003), o movimento social

que se adensou no país, no final da década de 1980, em prol dos direitos

fundamentais da criança e do adolescente, e que culminou com a promulgação do

ECA, não tem sido suficiente para romper com a situação de pobreza e exclusão

social que atinge grande parte da infância e juventude das classes trabalhadoras.

Durante a década de 1980, a proporção de famílias em condições de

extrema pobreza aumentou. Na década de 1990, dados da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio (PNAD) indicam que 32 milhões de crianças e adolescentes

encontram-se em situação de pobreza e miséria, num universo que, hoje, alcança 52

milhões de pessoas que vivem com renda de até metade de um dólar ao dia.

(MARTINS; PAIVA, 2003, p. 60).

Logo, é possível perceber que o desenvolvimento intelectual e emocional

de crianças e adolescentes tende a ficar comprometido, uma vez que, na maioria

dos casos, o ensino fundamental na rede pública apresenta desde falta de carteiras

escolares até de professores, o que, consequentemente demonstra a ausência de

condições favoráveis para o desenvolvimento pleno desses brasileiros.

Além disso, Célia (1997) explica que existem outros fatores, considerados

de risco e que assombram o desenvolvimento pleno das crianças e dos

adolescentes brasileiros, dentre eles a pobreza e os maus-tratos.

37

O problema acaba acarretando dificuldades na frequência e no aproveitamento escolar, nas condições de saúde de forma geral e nas relações afetivas consigo mesmo, com sua família e com o mundo, tendo como consequências a exposição a um circuito de sociabilidade marcado pela violência, pelo uso de drogas e pelos conflitos com a lei. Muitas vezes estas experiências de vida facilitam dinâmicas expulsivas da família nuclear e da casa e o ingresso no circuito da rua e das instituições de abrigamento. (CELIA, 1997, p. 85).

Destaca-se que as crianças que vivenciam fatores de risco em seu

ambiente e desenvolvem distúrbios evolutivos, problemas de conduta e/ou

desequilíbrio emocional são chamadas vulneráveis. As crianças mostram, a seu

modo, a sua situação de vulnerabilidade individual e social, enquanto suscetíveis a

uma série de questões: a convivência com o cigarro, com o álcool e com a droga no

seio da própria família; a disponibilidade de drogas; as situações de violência que

circundam seu ambiente de vida; a dificuldade nas relações interpessoais; a

desconfiança nas relações que exigem graus de hierarquia, tais como escola-aluno,

projeto-criança/adolescente; suas demandas por melhores condições de vida e

opções de lazer. (CELIA, 1997).

Sob essa ótica, Koller (1999, p. 28) defende que a vulnerabilidade amplia

a probabilidade de um resultado negativo.

[...] a criança é como uma planta. A criança é como uma semente, que lançada a terra, pode transformar-se em uma planta saudável. No entanto, necessita de cuidados para crescer, pois é um ser biológico que vive em um ambiente ecológico e complexo. Portanto, numa abordagem ecológica do desenvolvimento, ainda que vulnerável e lançada a uma terra árida, se encontrar algum auxílio, poderá ser uma sementinha que irá se desenvolver.

O autor complementa que, diante de um cenário de vulnerabilidade, é

necessário desenvolver a adaptabilidade, a segurança, a autonomia e a criatividade

da criança e do adolescente, o que pode ser realizado por meio de mecanismos de

proteção e da alocação honesta de recursos, (KOLLER, 1999).

Hutz, Koller e Bandeira (1996) explicam que para que os fatores de risco

possam ser mais bem compreendidos, é interessante compreender a resiliência, ou

seja, a capacidade dos indivíduos em superar os fatores de risco aos quais são

expostos, desenvolvendo comportamentos adaptativos e adequados. São

observados três tipos de resiliência: a social, a acadêmica e a emocional. Para

esses autores,

38

[...] crianças resilientes são aquelas que, não apenas evitam os efeitos negativos associados aos fatores de risco, mas que desenvolvem competência social, acadêmica e vocacional. Intrinsecamente, essas crianças apresentam um temperamento mais flexível, senso que são capazes de modificar seu ambiente e acreditam que as novas situações ou mudanças representam uma oportunidade para melhorarem e se adaptarem, ao invés de perderem a esperança e expectativa. (HUTZ; KOLLER; BANDEIRA, 1996, p. 42).

Nessa perspectiva, Koller (1999) salienta que no desenvolvimento da

resiliência emocional, as crianças e adolescentes precisam relembrar experiências

positivas que as levem a sentimentos de auto-eficácia, autonomia e auto-estima,

precisam exercitar sua capacidade para lidar com mudanças e adaptações, além de

adquirir um repertório amplo de abordagens para solução de problemas. No que

tange á resiliência acadêmica, a escola pode e deve propiciar o aumento e o

fortalecimento de habilidades de resolução de problemas e a aprendizagem de

novas estratégias, bem como capacitar professores para auxiliar estudantes com

dificuldades.

Segundo Fuentes et al (1988), a resiliência social apresenta como fatores

protetivos o não envolvimento em delinquência, isto é, a criança e o adolescente

precisam ter um grupo de amigos e, principalmente, o sentimento de pertencimento

ao mesmo. Além disso, necessitam ter relacionamentos íntimos (adolescentes), bom

vínculo com a escola, serem supervisionados pelos pais e familiares, precisam de

uma estrutura familiar, bem como modelos sociais que promovam uma

aprendizagem construtiva nas situações (familiares, escolares) e o equilíbrio entre

as responsabilidades sociais e as exigências por obter determinados benefícios.

Ainda cabe lembrar que, embora crianças e adolescentes em situação de

risco façam parte de um grupo com muitas necessidades, por suas condições de

vida acabam tendo dificuldades de acesso aos serviços públicos existentes em seus

bairros de origem, agravando a vulnerabilidade em que se encontram. (FUENTES et

al, 1988). Ressalta-se que, de acordo com o Levantamento da Subsecretaria de

Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizado em janeiro de 2004,

há, no Brasil, 25.001.051 adolescentes. (BRASIL, 2005).

São garotos e garotas com idade entre 12 e 18 incompletos, que vivem

um momento especial do seu desenvolvimento. Um tempo de crises e conflitos

próprios, mas também de um imenso conjunto de possibilidades de mudanças e de

39

questionamentos fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade.

(UNICEF, 2002, p.7).

Nesse sentido, importa compreender que as características da própria

adolescência, como fase do desenvolvimento humano, geram desafios constantes

que exigem disponibilidade e competências específicas. No entanto, conforme o

Relatório sobre a Situação Mundial da Infância (UNICEF, 2002), hoje, no Brasil

existe uma lacuna nesse sentido.

Segundo a UNICEF (2002, p.7), 1,2 milhão de crianças brasileiras

abandonam as salas de aula anualmente. "A maioria porque precisa trabalhar ou por

problemas familiares".

Outro problema que tem servido constantemente de justificativa para a

evasão escolar é a qualidade do ensino oferecido pelas escolas. Atualmente, o que

se tem verificado é que a escola vem adotando um sistema pedagógico clássico que

não atende aos anseios das classes populares, por não se adequarem ao seu

cotidiano e sua vivência prática, e por não vislumbrarem uma educação voltada para

outro modelo de sociedade. (PAIM, 2005).

Assim, conforme Paim (2005), por não atender às reais necessidades da

população, a consequência natural é o aumento do número de evasão e repetência

escolar das classes públicas. O motivo apregoado, erroneamente, é a de que os

alunos têm dificuldades de aprendizado, mas a verdade é que o atual sistema de

ensino não tem interesse em dar às crianças uma aplicação prática do

conhecimento.

Dessa forma, a escola não fornece aos alunos nenhum instrumento para

que possam transformar a sociedade, restando aos mesmos, como profissionais, o

subemprego, a informalidade e a marginalidade para a sobrevivência.

As políticas públicas têm dedicado pouca atenção a essa significativa

parcela da população e não conseguiram ainda assegurar o atendimento com

absoluta prioridade a crianças e adolescentes, profetizado tanto na Convenção

sobre os Direitos da Criança, aprovada em 1989 pela Assembleia das Nações

Unidas, quanto na Constituição Federal e no ECA. (UNICEF, 2002, p.7).

Logo, verifica-se a necessidade de se promover programas para crianças

e adolescentes objetivando a inclusão desses brasileiros, de forma igualitária, na

sociedade. Para tanto, é preciso que sejam desenvolvidas habilidades e

competências que facilitem esta inserção.

40

Corroborando com essa perspectiva, a UNICEF (2002, p. 8) destaca que:

[...] um dos pontos de partida possíveis para políticas voltadas à adolescência implica na criação de oportunidades para as quais o adolescente possa canalizar positivamente toda sua energia, sua capacidade crítica e seu desejo de promover a justiça social. Logo, os adolescentes devem ser apoiados em suas capacidades de sujeito transformador e de promotor de mudanças construtivas.

A escola precisa ser um ambiente democrático, de socialização, em que o

aluno se sinta seguro para dizer ao educador o que pensa e o que sente. (RAUPP,

2005).

É fundamental, portanto, que se compreenda que a sala de aula é o ponto

de partida da informação, mas o ponto de chegada é o conhecimento. Desse modo

a escola se torna atrativa, pois o aluno percebe que pode chegar a algum lugar mais

promissor. Ele vê a perspectiva de uma vida melhor. Todavia, na realidade isso

ainda é uma utopia.

Criar, nos diferentes espaços de convívio e aprendizagem como na

família e na escola, condições adequadas para que não se aprenda a violência, mas

que se institua a sua prevenção, é um desafio societário. E dada às características

desta fase evolutiva, este momento é essencial e determinante de como os sujeitos

compreenderão e construirão suas histórias de vida. A reprodução da violência pode

ser, portanto, algo plenamente (re) ordenável e, mais do que isso, essencial para

estes sujeitos.

3 A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO INFANTO-JUVENIL: UM DESAFIO SOCIETÁRIO

3.1 ASPECTOS CONCEITUAIS E DESCRITIVOS ACERCA DA VIOLÊNCIA E O

PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA NO CONTEXTO DE SUA PREVENÇÃO E

CONTROLE

A violência é uma das questões sociais que mais se tem discutido nas

variadas esferas do saber, a fim de procurar meios e soluções para este problema,

que parece crescer de forma significativa cada vez mais.

Para tanto, é necessário direcionar o presente texto, que terá o propósito

de entender/compreender a questão da adolescência paralelamente com a violência,

para depois agir e pensar formas de intervenções, que seriam propostas de ação

para possíveis prevenções.

Andrade (2007, p. 58) irá elucidar que:

O universo da violência é, antes de mais nada, um universo de dor, e que, se enfrentá-lo como objeto teórico e de reflexão implica necessariamente um esforço de suspensão da dor, colocá-la em suspenso não implica, em momento algum perdê-la de vista ou divorciar-se dela. Porque é a solidariedade para com a dor e o propósito de contribuir para superá-la que motiva nossa tentativa de resgatar, para o problema, a voz dos saberes emancipatórios.

Assim, falar de violência é adentrar num universo de dor e sofrimento, que

não atinge somente a pessoa diretamente afetada e sim todos aqueles

indiretamente envolvidos (família, amigos, entre outros), inclusive aquele que

praticou o ato de violência.

Algumas correntes entendem ser a violência não uma coisa una, e sim

pluralizada, ou seja, há diversas formas de violência, como física, psicológica,

familiar, institucional, moral, doméstica, negligenciada, gênero, patrimonial e social.

Porém, há três grandes tipos de violência que permeiam mais fortemente as

crianças e os adolescentes, que são: violência familiar; social e institucional.

Tomemos como explicação as três formas, à luz dos ensinamentos de

Gonzáles (1995, p.17):

42

A violência familiar pode se dar por ação ou omissão. A primeira irá ser

percebida quando há espancamentos ou abusos sexuais cometidos por algum

membro da família (pais, irmãos, parentes). Já a segunda (omissão), se dá através

da negação do sustento material e intelectual.

A violência doméstica é aquela praticada dentro de casa, usualmente

entre parentes, principalmente entre marido e mulher, embora possa ocorrer contra

uma criança (filho ou enteado) ou com os idosos da família. Esta violência. pode ser

explícita ou velada, podendo incluir diversas práticas, como o abuso sexual e os

maus tratos.

Ballone (2006) alerta que a violência doméstica é considerada um dos

fatores que mais estimula crianças e adolescentes a fugir de casa. Pesquisas

realizadas nas ruas de São Paulo constataram que as crianças de rua apontam

maus-tratos corporais, castigos físicos, violência sexual e conflitos domésticos como

motivo para sair de casa.

Segundo Ballone (2006), a vítima de violência doméstica, geralmente, tem

pouca auto-estima e se encontra atada na relação com quem agride, seja por

dependência emocional ou material.

O agressor geralmente acusa a vítima de ser responsável pela agressão,

a qual acaba sofrendo uma grande culpa e vergonha. A vítima também se sente

violada e traída, já que o agressor promete, depois do ato agressor, que nunca mais

vai repetir este tipo de comportamento, para depois repeti-lo. (BALLONE, 2006, p.

2).

Além disso, ainda é observado que a violência doméstica pode perpetuar-

se mediante ameaças de "ser pior" se a vítima reclamar às autoridades ou parentes,

uma vez que, muitas vezes, as autoridades se omitem ou tornam complicadas as

intervenções corretivas.

Veremos que a violência sexual atinge todas as classes e esferas

sociais, em que acontece rotineiramente no âmbito familiar uma prática que muitas

vezes se esconde, não fazendo com que chegue até ao judiciário ou ao

conhecimento dos programas de proteção. Segundo a autora Ana Beatriz Barbosa

Silva (2010, p. 24), a violência sexual é um tipo de comportamento desprezível, que

ocorre entre meninos e meninos ou até mesmo meninas com meninos. Assim, o

estudante indefeso é assediado por vários colegas ao mesmo tempo, caracterizando

a violência.

43

Alguns especialistas também destacam a existência da violência sócio-

econômica, quando há o controle da vida social da vítima ou de seus recursos

econômicos.

Um elemento comum na maioria das mulheres é o medo de não ter

condição financeira para se manter ou aos filhos, se saírem da relação. O dinheiro

entra aí como fator de controle sobre a mulher. Esta atitude pode criar tanta

insegurança na mulher, ao ponto de ela se sentir incapaz de resolver a questão.

(BALLONE, 2006, p. 9).

No âmbito familiar, encontramos além da violência própria, outro tipo de

violência que não está somente dentro deste espaço, mais que também existe nele:

a violência sexual.

A violência sexual é caracterizada pela conduta violenta que obriga à

prática ou à participação ativa em relação sexual não desejada, além daquelas que

provocam o constrangimento à vítima em presenciar, contra seu desejo, relação

sexual entre terceiros. Da mesma forma, também é considerado como violência

sexual o induzimento ao sexo comercial ou a práticas que contrariem a livre

expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas que não

lhe tragam prazer sexual. (HERMANN, 2008).

De acordo com Cavalcanti (2008), a violência sexual merece destaque em

razão da sua grande incidência. Esta conduta está tipificada como crime e disposta

no Código Penal no Capítulo referente aos crimes contra a liberdade sexual. Ainda a

Lei n° 8.072/90 considera o estupro e o atentado violento ao pudor como crimes

hediondos.

A prática reiterada de abuso sexual paterno, de padrasto ou de irmão,

muitas vezes com a cumplicidade de outros membros da família (inclusive da própria

mãe) implica igualmente em sofrimento psicológico, às vezes até físico, quando

conjugado com submissão física forçada e dano moral à vítima. (HERMANN, 2008).

A violência, que afeta muito os membros da periferia, chama-se a

violência institucional. A violência policial é uma das formas mais visíveis deste

tipo de violência, em que esses funcionários do Estado exercem a repressão em

nome dele. Além da violência policial há também outras formas de violência

consideradas institucionais, que exercem muitas vezes violência cotidiana.

Já a violência social é bem difícil de ser definida, pois é mais ampla e

seu combate mais difícil, pois se manifesta nas desigualdades, na negação de

44

cidadania, dos direitos à saúde, educação, cultura, dignidade. Também se

caracteriza pela discriminação de raça e sexo.

É importante descriminar outros tipo de violência, que fazem parte do dia

a dia das delegacias, de algumas famílias, de crianças, de adolescentes, etc, como

a violência psicológica e física.

Silva irá falar da violência psicológica, de forma que nos faz repensar o

dia a dia familiar:

[...] a violência psicológica não afeta somente a vitima de forma direta. Ela atinge a todos que presenciaram ou convivem com a situação de violência. Por exemplo, os filhos que testemunham a violência psicológica entre os pais podem passar a reproduzi-la por identificação ou mimetismo, passando a agir de forma semelhante com a irmã, colegas de escola e, futuramente, com a namorada e esposa/companheira. (SILVA,2007, p.04).

A violência, segundo o autor ora citado, se inicia de forma lenta e

silenciosa, progredindo em intensidade e em consequências, e que a psicológica

decorre de palavras, gestos, olhares, sem necessariamente ocorrer o contato físico.

A violência psicológica, no âmbito familiar, alcança todos daquele ambiente. Porém

tem um impacto muito considerável naquela criança que está em fase de

desenvolvimento e aprendizado, que pode assimilar determinadas situações e

reproduzi-las ao longo de sua vida.

Segundo Cunha e Pinto (2007), a violência psicológica ou a agressão

emocional abrange a agressão verbal, as ameaças, os gestos e posturas

agressivas. Verifica-se que algumas vezes este tipo de violência é tão ou mais

prejudicial que a física. Ela também pode ser caracterizada por rejeição,

depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas.

A violência física ocorre quando não há ou se esgota o diálogo. Este

tipo de violência deixa sequelas não só físicas como também psicológicas, que se

estende às pessoas próximas daquela agredida.

A agressão, principalmente no meio familiar, pode ser evitada. Se isso

ocorre, é possível estabelecer uma vivência de paz. Alguns estudos da pedagogia

mostram a importância de se evitar uma palmada em criança. Ao invés de bater

(para tentar educar), se estabelecer uma conversa/diálogo. Pois segundo

Deslandes:

45

Nem sempre sabemos as melhores respostas e o que é o melhor para que nossos filhos cresçam e se tornem adultos com mais chances de serem pessoas felizes. Então precisamos dividir nossas dúvidas e experiências, precisamos também conversar com outros pais. Pais que conversam e negociam as normas da família com os filhos fazem com que elas se tornem mais claras e mais fáceis de serem cumpridas por todos. (DESLANDES, 2005, p.66).

Vislumbra-se, então, que a violência pode afetar a vida dos adolescentes

de variadas maneiras, e que tal fenômeno tem seus efeitos também futuros. Daí a

necessidade de se buscar meios e estabelecer diálogos que amenizem tais

violências.

Neste processo, há que se considerar que todos os agentes que se

vinculam ao universo da criança e do adolescente têm sua atribuição, seja para

coibir ou reproduzir a violência. Não obstante as limitações de diferentes ordens que

caracterizam a relação entre adultos e infantes, é necessário que se reflita acerca da

constituição e significação do que vem a ser a violência em si, bem como da ação

destes agentes no contexto da educação formal e não-formal. Isto porque família e

escola tendem a ser os agentes mais diretamente responsáveis pelos cuidados e

formação destes sujeitos.

Na relação familiar, muitas vezes os membros não conseguem

estabelecer um diálogo ou até mesmo relações de respeito um com outro, além de

hoje em dia não existir mais aquele modelo familiar, que de certo modo vigorava no

imaginário social, composto por pai, mãe e filhos. É necessário trabalhar com

variações de composições familiares, e buscar um diálogo neste âmbito. Além disso,

“a tarefa de criar e educar os filhos pode ficar ainda mais difícil quando a pessoa tem

que ser mãe e pai ao mesmo tempo”. (DESLANDES, 2005, p.12).

Com um diálogo pré-estabelecido, de forma democrática, no cerne da

família, é possível tentar estabelecer uma relação de não-violência, que poderá surtir

efeitos futuros.

As crianças e adolescentes que apanham costumam mentir mais,

escondendo seus erros, porque sentem medo de serem castigados fisicamente.

Outros querem escapar da violência da família, e fogem de casa. [...]. Os filhos que

sofrem agressões físicas aprendem a se comunicar pela violência. Quando eles têm

o corpo agredido dessa forma, também se sentem machucados na alma. Eles se

sentem pouco amados. Aprendem que as coisas se resolvem na força bruta.

(DESLANDES, 2005, p. 17).

46

O serviço social pode contribuir para prevenir e reordenar as relações

sociais para que não se reproduza violência, informando, sensibilizando, fazendo

com que as relações possam ser mediadas pelo diálogo e pela compreensão.

Conforme entendimento de Deslandes (2005, p.70) “A assistente social pode

identificar formas de apoio social e maneiras para que a criança, o adolescente e os

familiares tenham acesso a certos direitos, ajudando a que se estabeleça um ente

mais saudável”.

Naturalmente, as mediações a serem estabelecidas pelo serviço social no

âmbito da reflexão e revisão do cenário da violência não pode se restringir à família,

mas deve considerar o conjunto de sujeitos e organismos a ela vinculados, como é o

caso das escolas.

A escola tem uma função muito importante na vida dos adolescentes que

acolhem, que ensinam e formam, pois os alunos convivem boa parte de seu dia,

tempo e vida nas instituições de ensino. A comunicação não pode faltar entre a

escola e os alunos, entre as famílias e a escola, e entre os três (escola, alunos e

família).

A escola tem que aproximar cada vez mais os membros da família dos

alunos para atraí-lo, para unir forças nesse processo de diminuir ou prevenir os tipos

de violência. Com isso, é preciso conversar sempre com a família, alertando as

necessidades da criança e do adolescente, e não os tratando com diligência,

deixando-os viver por conta própria, e sim, mostrar e ter cuidado, pois além de tudo

precisam de carinho.

Algumas famílias, que nunca acompanham a rotina escolar dos filhos, às

vezes também cometem outras violências que prejudicam ainda mais a vida de

crianças e adolescentes. Por exemplo, é considerada negligência quando os pais

deixam de cuidar da higiene, de dar alimentação, de levar para tomar as vacinas, de

cuidar da segurança, de colocar a roupa certa para cada tipo de clima, de dar lazer

para seus filhos. (DESLANDES, 2005, p.36).

Sabemos as dificuldades que as famílias encontram para educar seus

filhos, porém a escola pode orientá-las. Sabemos, ainda, que muitos pais, avós, tios

e tias, e irmãos, trabalham e não têm tempo para atender as necessidades dos

adolescentes: acham que já são “grandinhos” e podem “se virar”. Esse imaginário

precisa mudar, pois é necessária uma união e cooperação da família para a

formação dos adolescentes.

47

A escola pode estar diagnosticando violências individuais entre os

próprios alunos, e trabalhar com eles tais comportamentos, pois encontramos

diferentes tipos de violências entre eles. Conforme Mezinski,

[...] agressões verbais – que tomam a forma de insultos e apelidos ofensivos – ou agressões físicas, que se traduzem por socos e tapas. Um modo não exclui o outro, como em casos de extorsão, trote ou agressão sexual. Essas formas de abuso de poder entre jovens – sobretudo no ambiente escolar – são conhecidas hoje como bullying. (MEZINSKI, 2007, 85).

O adolescente agressivo pode ser rotulado como causador de bullying.

Este é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou

psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ("valentão") ou

grupo de indivíduos, com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo

de indivíduos) incapaz(es) de se defender. Este processo tem sido uma tendência

nos dias atuais e cada vez mais tem ocorrido casos de bullyng em escolas de

diferentes contextos socioeconômicos e culturais. Naturalmente, esta é uma

expressão de aspectos de vida e convívio, que se manifestam na escola, mas

perpassam por diferentes dimensões de convívio.

Este contexto desafia profissionais e responsáveis a pensar estratégias

diferenciadas para se rever a questão da violência e sua reprodução nas relações

sociais, sejam elas estabelecidas no âmbito doméstico ou escolar. Assim, o serviço

social pode atuar em suas dimensões sócio-educativas, sócio-assistenciais ou

mediadoras, para instituir mecanismos capazes de fomentar a revisão das condutas

adotadas e mediar os processos interativos pelos quais os sujeitos possam construir

novos formatos de convívio.

Ao dirigir sua prática nestas dimensões e atentar para a ênfase preventiva

do fenômeno da violência, o serviço social se coloca como agente estratégico na

consolidação de direitos e deveres da criança e do adolescente já preconizados pelo

ECA e pelas demais políticas de direitos sociais e humanos.

Deste modo, segundo Silva, pode-se descrever o bullyng como:

O bullyng ocorre em todas as escolas, independentemente de sua tradição, localização ou poder aquisitivo dos alunos. Pode-se afirmar que está presente, de forma democrática, em 100% das escolas em todo o mundo, públicas ou particulares. O que pode variar são os índices encontrados em cada realidade escolar. Isso decorre do conhecimento da situação e da postura que cada instituição de ensino adota, ao se deparar com casos de violência entre alunos. (SILVA, 2010, p. 117).

48

Assim, podemos afirmar que o bullyng é algo destruidor e se expande de

forma rápida, uma vez que está presente em todas as escolas, fazendo com que se

dissemine cada vez mais. A autora acima descreve que, no entanto, um dado chama

atenção: quase a totalidade das denúncias é relativa a agressões ocorridas em

escolas públicas, onde a tutela do Estado é direta. Isso aponta para uma realidade

preocupante: muitas escolas particulares abafam os casos de bullyng em suas

dependências com receio de perderem “clientes”. (SILVA, 2010, p. 118).

O silêncio e a omissão frente ao fenômeno do bullyng são extremamente

danosos, pois não geram discussão ou solução para o problema, mais sim, acabam

dificultando o enfrentamento dessa questão social, e o modo de trabalhar a

prevenção para coibir a reprodução.

Enfrentando o bullyng, estaremos também enfrentando a violência, pois

“inúmeros suicídios, assassinatos e lesões corporais graves poderiam ser evitados

entre adolescentes, se houvesse uma política séria de enfrentamentos. (SILVA,

2010, p. 118). Com isso, vislumbramos a necessidade de construção e discussão de

uma política eficaz, que seja capaz de diminuir os índices desse fenômeno.

Muito se estuda ou se comenta em diversas áreas do saber, em esferas

sociais e institucionais sobre a violência juvenil, o aumento de ocorrências criminais

que envolvem adolescentes. Porém, ao mesmo tempo, é importantíssimo que se

pense a adolescência roubada pela própria violência, de meninos e meninas com

idade inferior a 18 anos que vivem à margem da sociedade, em situação de

vulnerabilidade e risco.

Trabalhar com esse público (adolescentes), no âmbito da sensibilização e

como fomento a um futuro mais próspero e de mudança, é um desafio de todos.

Segundo Volpi (1999, p. 14), “é responsabilidade do Estado, da sociedade e da

família garantir o desenvolvimento integral da criança e do adolescente”, ou seja, a

família tem um papel essencial na formação dos adolescentes.

Os adolescentes precisam ser vistos e ouvidos. O olhar alheio é

necessário para eles se sentirem importantes, pois algumas vezes são tratados e

rotulados como “aborrecentes”. Aqueles adolescentes, em conflito com a lei,

recebem, como resposta de suas práticas violentas, a repressão. Portanto, “a ação

do governo e da sociedade não deve ser direcionada exclusivamente para o controle

e repressão dessa parcela da população, mas para a garantia de condições de vida

com dignidade”. (VOLPI, 1999, p.48).

49

Buscar um tratamento digno para os adolescentes, para que eles se

posicionem, opinem e escutem, é uma meta importante na construção de uma

política de paz, que propague a não-violência, devendo eles sentir-se inseridos,

pertencentes à sociedade, aos lugares em que circulam ou que frequentam.

Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. (GALEANO, 1999, p.11).

Os valores capitalistas, anunciados pelo marketing, fazem com que os

meninos pobres ostentem aquilo que infelizmente só alguns podem consumir. O

estado de lixo os fazem, algumas vezes, buscar, por meio ilegais, aquilo que

almejam. Neste caso, existem vários tipos de violência. Citaremos apenas duas:

aquela que ele usa para alcançar um determinado bem e a outra que o faz ser um

indivíduo desprovido de capital, para adquirir aquilo que é anunciado a todos, e que

somente alguns possuem meios para tanto.

A educação é um meio para minimizar as desigualdades berrantes que se

vê e se assiste todos os dias em nosso país. O professor tem um papel belíssimo

enquanto leciona o saber. Além disso, ele pode agir como um instrumento de

prevenção e redução dos possíveis danos causados pela violência.

De acordo com Silva, entre as inúmeras funções da educação de nossas

crianças e adolescentes está a de ensinar o respeito pelas diferenças. Educar para o

convívio harmonioso entre as diversidades é obrigação de todas as instituições de

ensino. O despreparo e o preconceito dos adultos no ambiente escolar e / ou familiar

tendem a perpetuar e agravar o problema, além de contribuir para ocorrência de

suas cruéis e indesejáveis consequências. (SILVA, 2010, p. 149).

E, também, repensando práticas cotidianas: com relação à sala de aula,

os alunos são diferentes entre si, com personalidades e vivências diferentes,

ocorrendo uma diferenciação entre os sujeitos, como: os alunos bons, que seriam os

considerados exemplares e que tiram boas notas; e os alunos ruins, que

incomodam, fazem bagunça, tiram notas vermelhas.

Essa rotulação é altamente perigosa, uma vez que os alunos,

considerados problemas, acabam internalizando isso, e ao vestir essa manta,

50

incorporam tais características. O trabalho do professor, como qualquer outro, se

torna rotineiro, ao ponto de não repensar as práticas. Assim, um projeto, que

trabalhe com a conscientização dos adolescentes e familiares e com a participação

e formação dos professores, se torna necessário, pois estes podem estar

diagnosticando a violência, encaminhando ou acionando a rede quando for preciso e

ainda não se colocarem, mesmo que inconscientemente, como agentes

estimuladores desse processo.

O ECA denota o dever ao cuidado a todos, taxando as prioridades:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O fortalecimento da educação para não-violência deve ser tratado de

modo em que sensibilize o público-alvo para o alcance de sua prevenção,

amenizando-a como o meio e eliminando-a como um fim. Desse modo, é possível

visualizar a importância de desafiar o bullyng, buscando tratar, de forma séria e

ética, um fenômeno complexo e estrutural, como este, em questão da violência,

principalmente com foco no âmbito escolar.

Conforme Silva, hoje é preciso dar destaque à escola como um ambiente

no qual as relações interpessoais são fundamentais para o crescimento dos jovens,

contribuindo para educá-los para a vida adulta por meio de estímulos que

ultrapassam as avaliações acadêmicas tradicionais. Para que haja um

amadurecimento adequado, os jovens necessitam que profundas transformações

ocorram no âmbito escolar e familiar. Essas mudanças devem redefinir papéis,

funções e expectativas de todas as partes envolvidas no contexto educacional.

(SILVA, 2010).

A escola é uma das bases para a educação e mudança futura. Diante

disso, precisa de especial atenção e prevenção. Pois o bullyng “(...) expõe não

somente a intolerância e as diferenças como também dissemina os mais diversos

preconceitos e a covardia nas relações interpessoais dentro e fora dos muros

escolares”. (SILVA, 2010, p. 64).

Contudo, Paulo Freire nos relembra que:

51

A primeira condição para que eu possa assumir um ato comprometido é estar em ser capaz de agir e refletir. É preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz, sem dúvida de ter consciência esta consciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, que condiciona a sua consciência de estar. (FREIRE, 2010, p. 16).

Portanto, é evidente que o fenômeno do bullyng deve ser trabalhado de

modo a criar as condições para despertar a consciência do adolescente sobre suas

práticas e ações que envolvem algum tipo de violência, pois muitas vezes o

adolescente pratica a violência sem ao menos refletir sobre seus atos e sobre ela.

O adolescente, quando consciente das suas ações ou dos riscos e danos

que pode ocasionar, pensará um pouco antes de agir ou se envolver em atos que

exprimam violência. Pois, o que penso sobre mim está vinculado em minhas ações.

Assim, se o adolescente que pratica atos violentos reverter todo seu

empoderamento para outro lado, um lado acolhedor de negação da violência, estará

também refletindo e agindo conforme seu pensamento.

Segundo Freire:

Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias. O homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos. Cultura é tudo que é criado pelo homem. (...) e consiste em recriar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo. (FREIRE, 2010, p. 30-31).

Assim, a compreensão dos diversos tipos de violência por parte dos

adolescentes irá proporcionar uma maior compreensão do fenômeno, e ainda uma

consciência dos danos gerados por essa prática, e que também podem ser

reproduzidas e voltadas para si mesmos, pois, quem recebe algum ato violento,

muitas vezes reage também com violência, gerando, cada vez mais, danos e

destruição, pois a violência é capaz de se expandir de forma estrondosa. Despertar

para esta realidade pode fomentar uma mudança para nova cultura, buscando um

novo paradigma, que seja capaz de negar qualquer tipo de violência.

52

3.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PERSPECTIVA DE NÃO-VIOLÊNCIA NO

MEIO SOCIAL: DESAFIOS AO PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL

JUNTO AO CEAV

O Centro de Atendimento à Vítima de Crime (CEAV) nasceu de uma

parceria entre o Governo Federal, por meio da Secretaria Especial dos Direitos

Humanos e Gerência de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçada – e o

Governo do Estado de Santa Catarina, junto com a Secretaria do Estado da

Segurança Pública e Defesa do Cidadão. O objetivo é o de implementação de

políticas públicas de assistência às vítimas de crimes.

A implantação do CEAV fundou-se no art. 245 da Constituição Federal de

1988, que por sua vez determina que: “A lei disporá sobre as hipóteses e condições

em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de

pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor

do ilícito”.

Além disso, a implantação deste Centro de Atendimento segue a

Resolução nº 40/34 da ONU, aprovada em 1985, que previa a Declaração dos

Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Delitos e Abuso de Poder, com

detalhamentos sobre os procedimentos a serem adotados no âmbito internacional e

regional para garantir direitos às vítimas de delitos.

No Brasil, existem diversos centros que acolhem as vítimas de violências

e crimes, como por exemplo: CEAV PB, CEAV ES, CEAV PE, NAVCV, CEAV GO,

COAV RJ, NAV Pará, CRAV SP e CAV em Alagoas2. Santa Catarina possui três

unidades do Centro de Atendimento a Vítima de Crime nas cidades de Lages,

Joinvile e Florianópolis.

Em Florianópolis, o CEAV iniciou suas atividades em 31 de março de

1997, com o nome PRÓ-CEVIC, sendo administrado pelo próprio Estado, vinculado

à diretoria de Justiça e Cidadania do Estado e situado à Rua Artista Bittencourt, n°

174, edifício Alcides Abreu, 3° andar, no Centro.

2 As siglas significam respectivamente: CEAV Paraíba, CEAV Espírito Santo, CEAV Pernambuco,

Núcleo de atendimento a Vítima de crime e violência, CEAV Goiás, Centro de Orientação e atendimento a vítima do Rio de Janeiro, Núcleo de Atendimento a vítima do Pára, Centro de Reabilitação a Vítima de São Paulo e Centro de atendimento a vítima de Alagoas.

53

Em 2004, a Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação

(SERTE) passou a gerenciar o CEVIC, em parceria com a Secretaria de Segurança

Pública e Defesa do Cidadão. Em 2005, a administração da instituição passou a ser

de responsabilidade do Centro de Promoção, Proteção e Defesa de Direitos

Humanos da SERTE (CPPDH/SERTE).

Em dezembro de 2008, o Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA)

assumiu o CEAV, por ser uma Organização Não-Governamental (ONG), sem fins

lucrativos, fundada em 7 de junho de 1994, na Capela do Mont Serrat, registrada

oficialmente em 25 de maio de 1998. Foi a escolhida para continuar o trabalho, até

então feito no centro de atendimento.

O CCEA nasceu de uma iniciativa das mulheres da comunidade local, que

buscavam proteger seus filhos do tráfico de drogas. Ressalta-se que esta ONG é

responsável por diversos programas. Dentre eles: Aroeira, Incubadora Popular de

Cooperativas (IPC), Jovem Aprendiz, Frutos do Aroeira, Procurando Caminho,

Prestação de Serviços Comunitários, Grupo Rosário da Luz e Apoio ao

Desenvolvimento Escolar.

Além desses programas citados anteriormente, o CCEA já está a dois

anos administrando os CEAV´s de Santa Catarina. Estes centros destinam-se a

garantir a assistência multidisciplinar, contando com o atendimento psicológico,

social e jurídico às vitimas de crimes de maior potencial ofensivo3, seus familiares e

pessoas que direta ou indiretamente estejam ligados a vitima ou a situação do fato.

Salienta-se que, embora a prioridade do Centro seja atender os crimes de maior

potencial ofensivo (dolosos), o atendimento poderá ser estendido a vitimas de

crimes de menor potencial ofensivo, porém deverá ser devidamente justificado.

Um aspecto importante que deveria ser exposto seria a especial atenção

voltada as camadas mais vulneráveis, cuja previsão de encontra no próprio termo

em que o CEAV deve-se orientar, prestando serviços prioritariamente aos idosos,

homossexuais, mulheres e negros vitimas de crime.

Antes da gestão do CCEA a demanda que chegava até o CEAV era de

quase 90% de vítimas de violência doméstica, já que não havia um Centro de

Referência à Mulher (CRM). Porém, com a Lei Maria da Penha (nº 11.340\06), a

3 Segundo o Termo de Referência do Centro de Atendimento a vítima de crime nome são

especialmente nomeados os crimes de homicídio, tentativa de homicídio, latrocínio, estupro, tortura, entre outros, considerados de maior potencial ofensivo.

54

cidade de Florianópolis passou a ter um CRM, mas que atende somente a demanda

local, já o CEAV atende a Grande Florianópolis. Diante disso, o CEAV continua

atendendo as vitimas de violência doméstica, exceto as da Capital, pois são

encaminhadas para o CRM.

O CEAV atende todas as pessoas que chegam até o Centro. Caso não

sejam o foco do programa, serão orientadas e prestadas as devidas informações,

como também orientam e encaminham as vítimas para serviços específicos. Assim,

elas são devidamente encaminhadas para as redes parceiras do Programa, dentre

elas: a Associação Instituto Movimento (ASSIM), o Programa Sentinela, o Escritório

Modelo de Advocacia (EMA) e a Rede de Atenção Integral às Vitimas de Violência

Sexual (RAIVVS).

De natureza pública, o CEAV é fomentado por verba estatal, proveniente

da União, representada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, que a

repassa para Secretaria de Segurança Pública.

Os objetivos do CEAV são:

Atender ás vítima de atos de violência, com extensão aos seus familiares;

Proporcionar atendimento gratuito a vítima de crime;

Desenvolver políticas preventivas e melhoria da qualidade no atendimento à

clientela;

Realizar palestras informativas e educativas junto à comunidade;

Atender às vítimas de crimes, em parceria com outras instituições que

também trabalham para minimizar os efeitos da violência;

Formar, capacitar e assessorar equipes técnicas para atuar na área de

atendimento ás vítimas de crime;

Consolidar a metodologia de atendimento;

Divulgar ações educacionais de prevenção;

Permitir a apuração de crimes na esfera policial e/ou judicial de forma a

combater a impunidade;

Possibilitar a reestruturação da vítima, atuando de forma multidisciplinar na

área social, psicológica e jurídica no combate a impunidade. ^

(TERMO DE REFERÊNCIA DO CEAV, p. 3).

55

De uma maneira geral, o CEAV tem como finalidade de amenizar diversas

mazelas, o exercício da cidadania e a busca pelos direitos humanos, pautando-se na

garantia desses direitos. Deste modo, orienta as vitimas no que diz respeito a seus

direitos e na superação do fato ocorrido, buscando a superação da situação de

vitimização e assegurando o exercício dos direitos e da cidadania, bem como

contribuindo no combate da impunidade e na diminuição dos índices de violência4.

Assim, uma das finalidades do CEAV fundamenta-se no compromisso de

sistematizar e promover a integração da vítima em seu contexto social. Para tanto,

buscar orientar e promover sua própria superação pessoal, psíquica, moral e social.

O CEAV conta com uma equipe local multidisciplinar, composta por:

Coordenador, Advogado, Assistente Social, Psicóloga, Estagiária de Serviço Social,

Estagiária de Psicologia e Secretaria.

Além da equipe local5, há também uma equipe estadual, que administra

os três CEAV’s, cuja sede fica localizada em Florianópolis no Bairro Mont Serrat,

conhecido também como “Morro Da Caixa”. A equipe estadual conta com o apoio de

um Coordenador Geral, uma Pedagoga, uma Secretária Geral e um Tesoureiro.

Na equipe local, o setor de Serviço Social é responsável pelo acolhimento

da vítima, sendo o primeiro profissional a recebê-la6.

Neste contexto, a função principal do assistente social é acolher a vítima

para identificar a situação problema na qual está inserida, para que possa

encaminhá-la ao setor psicológico e/ou jurídico do CEAV, dependendo da situação,

concluindo o trabalho multiprofissional.

Segundo o termo de referência7 do CEAV, cabe à assistente social entrar

em contato com os demais recursos da sociedade que possam ser úteis, resolvendo

as demandas mais urgentes, tais como: informar o Conselho Tutelar quando há

criança ou adolescente em situação de risco; encaminhar a vítima e/ou sua família

4 Informação retirada do site da instituição que administra o CEAV:

http://ccea.org.br/blog/?page_id=1896. 5 A equipe local diz respeito à composição dos membros de casa CEAV de Santa Catarina.

6 Geralmente o primeiro atendimento é feito pela Assistente Social. Porém, há uma política em que se

pretende fazer o primeiro atendimento interdisciplinar, apesar que nem sempre é possível, por conta das agendas dos técnicos, pois eles muitas vezes estão atendendo alguma vítima no momento em que chega outra para atendimento inicial. 7 O termo de referência ora citado é documento da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e está

disponível no CEAV, localizada à Rua Trajano, nº 152, 4º andar, Centro – Florianópolis/SC.

56

para casas de abrigo ou acolhimento, retirando-os do ambiente familiar até cessar a

situação de violência; encaminhar a vítima para a divisão de assistência pública da

Prefeitura Municipal, para que pleiteie cestas básicas; encaminhar a vítima e

familiares para tratamento de saúde, sempre que se fizer necessário; encaminhar

familiares, e também o agressor se este tiver interesse, para o tratamento ou

internação, quando se tratam de pessoas usuárias de entorpecente; realização de

visitas domiciliares, sempre que o caso exigir, para melhor diagnosticar a situação, e

ainda acompanhamento sistemático da situação junto à família da vítima.

Desde a constituição do Programa, o Serviço Social encontra-se inserido,

contribuindo para seu regimento e desenvolvimento, o que demonstra a importância

do Serviço Social atuando na realidade.

O serviço psicológico tem um papel muito importante, pois visa efetivar o

apoio regular a vitima de crime ou seus familiares, realizando acolhimento e coleta

de dados das vítimas, além de realizar encaminhamentos para a psicoterapia e

saúde mental, quando existir necessidade. Quando houver solicitação, o setor

psicológico elabora relatório para o Tribunal, realizando também acompanhamento

pessoal da vitima em diligências variadas ou visitas domiciliares.

Já ao setor jurídico cabe defender os interesses da vítima e seus

familiares, em juízo, propondo as medidas judiciais cabíveis, elaborando relatórios e

informações auxiliares para Tribunais e instituições, além de acompanhar a vitima na

audiências e zelar pela boa conduta do processo.

Diante disso, é possível perceber que o CEAV tem uma importância

significativa dentro do contexto da expressão social, vez que já se caracterizou como

um programa de prioridade dentro da Rede, pois contribui de forma significativa para

prevenção da violência e também ao atendimento as vitimas, acolhendo-as e

empoderando-as. Neste contexto, o exercício de estágio curricular em serviço social

apontou para necessidade de ampliar uma das frentes de trabalho do CEAV voltada

à prevenção da violência. Entende-se que tal iniciativa é essencial e estratégica,

pois se pode coibir a reprodução da violência antes de sua manifestação. Trabalhar

tal aspecto no contexto escolar e para o enfoque do público adolescente é prioritário,

em função da caracterização desta fase evolutiva, da evolução dos indicadores do

bullying e da representação e atribuição do espaço escolar. A configuração deste

processo foi diagnosticada e gerida pela apreensão da especificidade dos domínios

do serviço social.

57

3.3 SENSIBILIZAÇÃO DE DOCENTES E DISCENTES COMO ESTRATÉGIA À

PREVENÇÃO DA REPRODUÇÃO DA VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR:

POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS À PRÁTICA PROFISSIONAL EM SERVIÇO

SOCIAL

Muito se estuda ou se comenta em diversas áreas do saber, em esferas

sociais e institucionais sobre a violência juvenil, o aumento de ocorrências criminais

que envolvem adolescentes. Porém, ao mesmo tempo, é importantíssimo que se

pense a adolescência roubada pela própria violência, de meninos e meninas com

idade inferior a 18 anos, que vivem margem da sociedade, em situação de

vulnerabilidade e risco.

A partir da intervenção do Serviço Social junto ao CEAV de Florianópolis,

na prevenção da reprodução d Para se delimita da violência envolvendo

adolescentes no contexto escolar, podemos fazer uma análise da real situação, da

necessidade de mudança e de maiores intervenções.

Para se delimitar o público-alvo ora tratado, remetemo-nos ao ECA, que

trata sobre a idade correspondente ao período de adolescência, que reporta, em seu

Art. 2° que,”Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos

de idade, e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (grifo nosso).

Trabalhar com esse público (adolescentes), no âmbito da conscientização

e como fomento a um futuro mais próspero e de mudança, é um desafio de todos.

Segundo Volpi (1999, p.14), “é responsabilidade do Estado, da sociedade e da

família garantir o desenvolvimento integral da criança e do adolescente”, ou seja, a

família tem um papel essencial na formação dos adolescentes.

Buscar um tratamento digno para os adolescentes para que eles se

posicionem, opinem e escutem, é uma meta importante na construção de uma

política de paz, que propague a não violência, devendo eles sentir-se inseridos,

pertencentes à sociedade, nos lugares em que circulam ou que frequentam.

Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se

58

acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo. (GALEANO, 1999, p.11)

A escola tem um papel de diagnosticar e prevenir a violência, acionando

os órgãos vinculados à rede de proteção. É perceptível que, nas escolas públicas

que não há serviço social especializado, muitas vezes as coordenadoras, com

formação em pedagogia, acabam fazendo o papel que seria da assistente social por

conta da deficiência do Estado. Precisamos demonstrar que a assistência social não

trabalha sozinha, mas sim em conjunto com a equipe multidisciplinar no contexto

escolar.

A contribuição do serviço social poderá ser significativa, pois seu trabalho se caracteriza em articular estas diferentes formas de organização e ter sempre presente uma leitura/diagnóstico do contexto social, levantando suas dificuldades ou necessidades. O serviço social poderá trazer para o espaço interno da escola elementos da comunidade em que estas estejam inseridas. (DOCUMENTO CFESS, 2001, p. 14).

Assim, seria um acréscimo ao contexto escolar a inclusão do serviço

social no mesmo. A informação e conhecimento são fatores de grande relevância,

pois fazem com que as pessoas possam sair de uma alienação para ingressar no

âmago de questionamentos, entendimentos, tanto na esfera social como na política

e privada. Sem conhecimento e informações, tanto dos seus direitos como de seus

deveres, as pessoas ficam impossibilitadas de atuar e fazer valer os seus direitos.

Outro desafio a ser enfrentado é a inclusão social especificamente da

escola pública, em que ela seja um meio para alcançar a inclusão, erradicando as

diversas formas de exclusão. Isso significa que a escola, enquanto equipamento

social, tem que estar atenta às diferentes formas de manifestação, de exclusão que

possa estar ocorrendo, desde questões que envolvem violência até como atitudes

discriminatórias. (DOCUMENTO CFESS, 2001, p.14). Deste modo, o ECA denota o

dever do cuidado a todos, taxando as prioridades, e a escola está inserida neste

preceito.

Devido aos inúmeros casos de violência, percebemos a necessidade de

intervir em alguma esfera a fim de coibir a reprodução e produção da violência. Para

tanto, delimitamos o foco e buscamos auxílio nos locais em que temos vínculo

acadêmico e social.

59

Tivemos, como referência, o CEAV, para escolha do local de intervenção.

A partir disso, juntamente com a assistente social do CEAV, chegamos à conclusão

que é de suma importância trabalhar com os adolescentes, pois estes estão em fase

de mudança tanto física como psicológica. O CEAV, a partir da sua demanda,

contribuiu para identificar contextos mais urgentes a serem trabalhados na forma de

intervenção, pois é um programa que está há muito tempo em funcionamento direto

com a questão da violência.

Aproveitamos para contribuir em duas esferas (escola e CEAV), pois com

a intervenção na Escola de Educação Básica Ildelfonso Linhares atuamos na

dimensão de ações educacionais de prevenção, proporcionando aos adolescentes a

possibilidade de uma nova visão de questões que os envolvem, como o aspecto da

violência..

Com a intervenção iniciada, conseguimos identificar algumas situações

que precisam de atenção redobrada, pois os adolescentes podem promover a

mudança, mas precisam ser orientados, vez que estão numa fase de transição,

saindo de uma fase infantil e entrando num mundo de responsabilidades (vida

adulta). Assim, podemos dizer que são eles a nova geração/futuro e, por isso,

precisam de apoio e direcionamento para suas eventuais escolhas e atitudes.

A escolha do local para intervenção foi, como já mencionado

anteriormente, a Escola de Educação Básica Ildelfonso Linhares, pois se verificou

que na sua localização ou seu contexto espacial (bairro e proximidades) existe um

significativo índice de violência. É importante ressaltar que a violência está em todo

lugar, em muitos outros espaços, inclusive em outros bairros, onde existem escolas.

Porém, outro fator para a escolha da escola que acolheu a intervenção foi a

acessibilidade, pois os componentes dela mostraram-se muito interessados no

projeto, desde a recepção que foi muito acolhedora à administração da escola, que

apoiou a intervenção de forma integral.

A metodologia utilizada na intervenção se fundou na execução de ações

de cunho sócio-educativo, caracterizadas em oficinas realizadas por encontros

grupais, que foram desenvolvidas em dois âmbitos, que são distintos, mas ao

mesmo tempo vinculados: (1) Âmbito educativo e preventivo junto aos adolescentes:

foram constituídas ações de cunho informativo, com foco a disseminar ao público-

alvo os seus direitos e deveres, bem como informações sobre o fenômeno de

violência e suas implicações. As oficinas temáticas foram definidas e apresentadas

60

para a direção da escola Ildefonso Linhares, com cronogramas previamente

negociados. Reunimo-nos com os adolescentes para articular conversas abertas,

estimulando-os a falar de seus anseios, vontades, questionamentos, para um

diálogo produtivo; (2) Âmbito da categoria profissional de educadores, foi de modo

muito específico que tentamos quebrar paradigmas conservadores na educação.

Foram aproveitados os momentos em que os professores\educadores se reuniram,

para adentrarmos nesse contexto, divulgando e articulando a intervenção.

Reunimos em torno de 400 alunos do ensino fundamental e médio. Para

melhor compreensão do tema para os adolescentes, utilizamos, no momento da

apresentação, materiais como: notebook, data-show, folders sobre violência,

cartazes dos locais de atendimento e debate. Eles trouxeram suas dúvidas, anseios

e vivências, que acrescentou, de forma significativa, no desenvolvimento do

trabalho.

Conforme o andamento da intervenção, os alunos(as) se mostraram muito

participativos. Houve relatos em que conseguimos diagnosticar o bullyng como, por

exemplo, no momento em que um adolescente apontou um situação de violência a

partir da convivência com seus colegas da escola, dizendo sofrer preconceito, pois

alguns colegas o chamavam de “narigudo”. Ele mesmo conseguiu visualizar que

está sofrendo violência e cobrando dos colegas mais respeito, dizendo em público

que aquilo que ele sofria na escola por parte dos colegas era bullyng.

Outra situação que exemplifica o processo mediado: um dos adolescentes

estava conversando muito, tirando a atenção dos demais. Não estava prestando

atenção, estava extremamente agitado, até ao ponto que ele mesmo disse que iria

se retirar da sala, pois aquela temática não importava a ele, diferente de outros

alunos que se mostraram muito receptivos, agradecendo pelas informações

transmitidas. Tal conduta mereceria ser investigada e mediada de modo continuado,

o que não foi possível em função da dinâmica adotada.

Realmente podemos identificar os diversos tipos de violência vivenciados

pelos adolescentes, pois estes relataram, no momento da intervenção, violências

sofridas, casos em que tiveram conhecimento que houve algum tipo de violência;

foram receptores e reprodutores de informações transmitidas, acrescentaram

saberes e colocaram suas dúvidas. Houve relatos que diziam se identificar com as

questões apresentadas na intervenção, principalmente aquelas violências

vivenciadas entre os próprios colegas, com brincadeiras preconceituosas e

61

discriminatórias. Neste processo, a metodologia dialogal e participativa se mostrou a

mais adequada a este público, que é ansioso à manifestação, mesmo diante de uma

temática tal complexa.

Ressaltamos, ainda, que eles têm potencial para mudar o que ainda tem

para vir: o futuro. Pois eles são a nova geração, e se começarem hoje fazendo

diferente, ou seja, agindo sem violência, poderiam mudar o amanhã, construir um

amanhã sem violência, propagando a diferença: a não-violência.

Percebemos que não há na escola o serviço social atuando nela, o que

de certa forma é um problema, uma vez que os orientadores, coordenadores e

direção têm formação em pedagogia, com sua competência focada na educação.

Como a escola tem inúmeros problemas, muitas vezes as pessoas responsáveis por

ela não conseguem participar de reuniões com a rede, por falta de tempo e também

por não ter ninguém especializado em serviço social.

Não queremos dizer que uma assistente social no colégio irá resolver

todos os problemas que envolvem violência na escola, mas que pode mediar muitos

aspectos não atendidos no âmbito da educação, pois poderá fazer intervenção junto

à família, com o apoio das redes de garantia de direitos Muitas vezes, a escola

aciona a rede após o danos, quando já ocorreu a violência, acionado-a em casos

extremos, por exemplo, quando um aluno bate no professor, como já ocorreram

inúmeros casos expostos pela mídia.

A assistente social, na escola, não irá trabalhar só, mas em parcerias com

a equipe multidisciplinar, com pais, alunos, professores, pois precisa também de “[...]

ação conjunta com outras formas de organização existente na comunidade, como

conselhos comunitários, organização não governamentais e outros”. (CFESS, 2001).

Dentro do panorama da violência, o Serviço Social pode contribuir para

prevenir e reordenar as relações sociais, para que não se reproduza violência. Neste

sentido, ele trabalhará informando, sensibilizando, fazendo com que as pessoas

envolvidas compreendam o fenômeno da violência. Conforme Deslandes (2005, p.

18), “a assistente social pode identificar formas de apoio social e maneiras para que

a criança, o adolescente e os familiares tenham acesso a certos direitos, ajudando a

que se estabeleça um ente mais saudável”.

Naturalmente, as mediações a serem estabelecidas pelo Serviço Social,

no âmbito da reflexão e da revisão do cenário da violência, não pode se restringir à

família, mas deve considerar o conjunto de sujeitos e organismos a ela vinculados,

62

como é caso das escolas. Este contexto desafia profissionais e pais a buscar

estratégias diferenciadas que reflitam sobre a questão da violência e sua reprodução

nas relações sociais, sejam essas no âmbito doméstico ou escolar.

O Serviço Social pode atuar em suas dimensões sócio-educativa, sócio-

assistencial ou mediadora, para instituir mecanismos capazes de fomentar a revisão

das condutas adotadas e mediar os processos interativos pelos quais os sujeitos

possam construir novos formatos de convívio. Ao dirigir sua prática nestas

dimensões e atentar para a ênfase preventiva do fenômeno da violência, o Serviço

Social se coloca como agente estratégico na consolidação de direitos e deveres da

criança e do adolescente, já preconizados pelo ECA, e nas demais políticas de

direitos sociais e humanos.

Destacando a função do papel da mediação, é indiscutível a sua eficácia,

principalmente no âmbito escolar, pois além de resolver o conflito, irá procurar fazer

com que as partes envolvidas entrem em acordo e resolvam os seus problemas de

comum acordo. Lógico que cada um irá ter que ceder em alguns pontos para, só

assim, chegar a um ponto de acordo.

Em virtude dos aspectos mencionados, podemos afirmar que todos têm

um papel a zelar, e que trabalhando juntos iremos avançar muito na tentativa de

eliminar atos de violência, começando pelos adolescentes, com o apoio dos pais,

professores e da rede que está nesse processo para acolher e buscar soluções. A

escola tem um papel fundamental na educação, mais precisa de acolhimento, pois a

educação faz parte de um todo, como a família. Implementar mecanismos que

podem abrir um diálogo, é peça fundamental para fazer com que o adolescente

aprenda a se expressar através da conversa e não com violência. Para deixar como

reflexão, que exemplo nós damos a esses adolescentes? Pois somos nós o reflexo

desta sociedade e o exemplo que eles têm.

CONCLUSÃO

Concluímos este trabalho identificando a importância de se lançar um

olhar sobre questões que envolvam a violência e o momento efêmero da

adolescência, percebendo que esses adolescentes precisam de um apoio, de

informações, de caminhos que levam para uma não-violência e principalmente para

um novo olhar sobre as formas de se relacionar e conviver.

Durante a vigência do Código de Menores, o tratamento aos adolescentes

era de punição, não de proteção como o Estatuto da Criança e do Adolescente traz

em seus princípios. Hoje, é dever de todos assegurar a proteção e desenvolvimento

saudável às crianças e adolescentes.

Vimos que a escola é um local que lida com grupos, e que os alunos

podem ser instruídos de forma conjunta, pois quando identificamos um foco

predominante de violência nesse espaço, como no caso exposto ao longo do

trabalho, o bullyng, precisamos de alternativas (como a mediação) para

erradicarmos a violência. Ou pelo mesmo fazer com que haja uma reflexão crítica

sobre este contexto.

Verificamos, também, a crescente onda de delitos envolvendo

adolescentes, tanto como vítimas quanto como agentes, o que tem suscitado

inúmeras discussões sobre a redução da maioridade penal, a eficácia das medidas

sócio-educativas e o protecionismo do Estatuto da Criança e do Adolescente, no

tocante à prática de atos infracionais.

Cumpre, então, enfatizar o caminho da prevenção, para evitar que se

chegue ao ponto da necessidade de cumprimento de medida sócio-educativa de

internação, pois a legislação não compactua com a impunidade do jovem que

comete um ato infracional, uma vez que este responde ao delito de acordo com a

legislação especial.

Entretanto, percebe-se que a aplicação destas medidas sócio-educativas

nem sempre tem alcançado a efetividade esperada. Logo, parece mais sensato

atuar na prevenção da violência, por meio de trabalhos desenvolvidos nos espaços

em que se encontram esses adolescentes, e um desses espaços é a escola, com a

ajuda da rede e seus educadores e família, principalmente na conscientização dos

64

adolescentes, mostrando a eles os efeitos da violência em suas vidas, nas suas

famílias e nas comunidades.

O trabalho, feito através do CEAV, é um dos caminhos para um evento

sério e comprometido com a vida não só dos adolescentes, mas de todos os

humanos, zelando pela efetividade de seus direitos, pois a atuação deste centro de

atendimento se constitui também na prevenção de possíveis futuros danos. Ao

instituir as ações socioeducativas de prevenção junto à escola, o CEAV cumpre um

importante papel no contexto do processo de problematização das relações que

aceitam e reproduzem a violência. Com a intervenção do serviço social,

fundamentada em processo de esclarecimento, informação, diálogo, debate, troca

de experiência e reflexão, com análise de situações concretas e vivências trocadas,

abriu-se espaço para que os sujeitos se colocassem e refletissem sobre sua

realidade e suas condutas. Alguns, ao se posicionarem, expressaram o modelo de

relação que vinham fomentando e manifestaram sua insatisfação com este

processo. Compreender, refletir, ouvir, ser ouvido são aspectos simples de uma

intervenção metodológica, mas que fazem toda diferença no contexto educacional

em questão. O que evidenciou foi a capacidade teórico-metodológica, ético-política

e técnico-operativa do serviço social, especialmente diante da mediação de

processos que sejam capazes de consolidar estratégias de viabilização de direitos e

deveres.

Para Machado (2009), na educação a proposta de inserção do serviço

social está diretamente voltada às relações sociais e a compreensão das

necessidades expressas pelas diversas demandas nelas contidas, diferenciando-se

dos demais profissionais da área educacional através de um processo de trabalho

específico, porém interdisciplinar, que caracterizam a atuação nesta área. Neste

sentido, acreditamos que quanto maior o investimento governamental em políticas

públicas voltadas à educação, com ênfase ao envolvimento e permanência dos

adolescentes na escola, de forma a evidenciar suas potencialidades expressas

através das várias manifestações culturais, – menores serão os índices de violência,

mortalidade, tráfico, pobreza, marginalidade. E menores serão as chances de ele se

evadir da escola por não se identificar com ela e/ou ser estimulado a reproduzir a

violência até então observada no seu dia a dia.

65

Compreender a complexa relação entre família e escola é um dos desafios a ser vencido neste processo, e representa um dos campos onde a profissão efetivamente institui seus domínios: o campo das relações sociais. Acreditar que estas podem produzir dinâmicas de convívio e desenvolvimento mais qualificadas aos interesses humanos e sociais é parte da ação estratégica dos profissionais de serviço social. (MACHADO, 2009, p. 72).

Analisando os resultados obtidos com a intervenção, considera-se

importante que a instituição CEAV prossiga com as estratégias preventivas,

especialmente que consolide modos diferenciados de interagir no âmbito educativo,

e que estenda tais intervenções ao contexto familiar. A formação de multiplicadores

para disseminação destes conhecimentos pode contribuir para que consolidem

novas visões e discussões acerca da violência, no âmbito da formação escolar.

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ANEXO

71

Fotografia 1 – Fachada da Escola Educação Básica Ildefonso Linhares.

Fotografia 2 – Corredor da Escola.

72

Fotografia 3 – Local onde os alunos fazem as refeições.

Fotografia 4 – Corredor entre as salas de aula, biblioteca e sala de informática.