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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO A FOTOGRAFIA COMO LINGUAGEM ARTÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR: UMA ABORDAGEM DE REEDUCAÇÃO DA VISÃO JANIZE SCUSSIATO Joaçaba 2005

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

A FOTOGRAFIA COMO LINGUAGEM ARTÍSTICA NO CONTEXTO E SCOLAR:

UMA ABORDAGEM DE REEDUCAÇÃO DA VISÃO

JANIZE SCUSSIATO

Joaçaba

2005

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

A FOTOGRAFIA COMO LINGUAGEM ARTÍSTICA NO CONTEXTO E SCOLAR:

UMA ABORDAGEM DE REEDUCAÇÃO DA VISÃO

JANIZE SCUSSIATO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de Joaçaba, para obtenção do grau de Mestre em Educação, sob orientação da Profª Dra. Graciela Ormezzano

Joaçaba

2005

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Ao meu esposo e minha família pela compreensão e

incentivo à realização desta caminhada.

Aos educandos que sempre com entusiasmo permitiram

muitas trocas de conhecimentos, sentimentos e valores.

À Professora Dr. Graciella Ormezzano pelas orientações

e contribuições a esta pesquisa.

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MENSAGEM

Eu aprendi

... que ser gentil é mais importante do que estar certo;

Eu aprendi

... que eu sempre posso fazer uma prece por alguém quando não tenho a força

para ajudá-lo de alguma outra forma,

Eu aprendi

... que não importa quanta seriedade a vida exija de você, cada um de nós

precisa de um amigo brincalhão para se divertir juntos;

Eu aprendi

... que algumas vezes tudo o que precisamos é de uma mão para segurar e um

coração para nos entender;

Eu aprendi

... que deveríamos ser gratos a Deus por não nos dar tudo que lhe pedimos,

Eu aprendi

... que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular;

Eu aprendi

... que o amor, e não o tempo, é que cura todas as feridas,

Eu aprendi

... que não posso escolher como me sinto mas posso escolher o que fazer a

respeito,

Eu aprendi

... que todos querem viver no topo da montanha, mas toda a felicidade e

crescimento ocorre quando você está escalando-a.

William Shaskeapeare

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RESUMO

As obras de arte apresentam um aglomerado de significações e estímulos através de gestos, cores, texturas, linhas, sons e formas, que penetram nos nossos sentidos chegando ao universo imaginário. A construção de um leitor de arte é fundamental para a transformação das fragilidades do sistema educacional e dos métodos pedagógicos, pois através dela conseguimos nos compreender enquanto ser sensível, desnaturalizando as tensões violentas que cercam o cotidiano. Acreditando que a leitura de imagens pode promover uma reeducação da visão para os alunos dos alunos iniciais, esta pesquisa investiga como as fotografias de Salgado, Rio Branco e Achutti relacionam-se com as crianças e seu cotidiano através de atividades propostas numa oficina de fotografia. Também foram relacionadas as informações coletadas à leitura transtextual de imagens, fazendo emergir mitos, contos e símbolos referentes ao universo imaginário e emocional, proporcionando o conhecimento mais profundo acerca das crianças observadas e a compreensão das transformações ocorridas através desta vivência estética que utilizou a fotografia como linguagem artística no contexto escolar. Palavras-chave: Ensino da Arte, Leitura de Imagem, Fotografia.

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ABSTRACT

The works of art present an accumulation of significações and stimulatons through gestures, colors, textures, lines, sounds and forms, that penetrate in our directions arriving at the imaginary universe. The construction of an art reader is basic for the transformation of the fragilities of the educational system and the pedagogical methods, therefore through it we obtain in understanding them while to be sensible, disnaturalizing the violent tensions that surround the daily one. Believing that the reading of images can promote a re-education of the vision for the pupils of the initial pupils, this research investigates as photographs of Salty, Rio Branco and Achutti become related with the children and its daily through activities proposals in a photograph workshop. Also the information collected to the transtextual reading of images had been related, making to emerge referring myths, stories and symbols to the imaginary and emotional universe, providing to the knowledge deepest concerning the observed children and the understanding of the occured transformations through this aesthetic experience that used the photograph as artistic language in the pertaining to school context. Keywords: Teaching of Art; Reading of Images; Photographs.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS........................ .............................................8

CAPÍTULO I – ARTE E EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UM LEITOR ATIVO...........25

1.1 O ensino da arte no cotidiano escolar ................................................................25

1.2 A leitura de imagens - textos ..............................................................................31

1.3 A força da imagem no ensino da arte.................................................................36

1.4 Fotografia: uma proposta de reeducação do olhar.............................................43

CAPÍTULO II - A FOTOGRAFIA: UMA FORMA DE REEDUCAÇÃO DO OLHAR.47

2.1 História da fotografia ..........................................................................................47

2.2 Pequena biografia de Sebastião Salgado ..........................................................52

2.2.1 Êxodos Sebastião Salgado .............................................................................54

2.2.2 Cultura visual x mudança educativa................................................................56

2.3 Miguel Rio Branco: vida e obra ..........................................................................58

2.4 Fotoetnografia: sob um olhar de Luiz Eduardo Robinson Achutti.......................63

CAPÍTULO III - ESTÉTICA E IMAGINÁRIO: INGREDIENTES PARA A

RECONSTRUÇÃO DE VALORES ............................ ..............................................66

3.1 O belo e o feio ....................................................................................................66

3.2 Um hóspede oculto: o imaginário na perspectiva de Durand .............................70

3.2.1 O regime diurno...............................................................................................72

3.2.2 O regime noturno da imagem..........................................................................76

3.3 Interferências midiáticas na construção de um leitor consciente........................77

3.4 O olhar e a crise do processo de criação ...........................................................79

CAPÍTULO IV - RELATÓRIO DA OFICINA DE FOTOGRAFIA... ...........................84

4.1 Relatório dos encontros......................................................................................86

4.1.1 Primeiro encontro - 1º ano inicial - Dia 28/06/04 .............................................86

4.1.2 Primeiro encontro - 4º ano inicial - Dia 25/06/04 .............................................91

4.1.3 Segundo encontro - 1º ano inicial - Dia 29/06/04 ...........................................98

4.1.4 Segundo encontro - 4º ano inicial - Dia 28/06/04 ..........................................102

4.1.5 Terceiro encontro - 1º ano inicial - Dia 30/06/04............................................108

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4.1.6 Terceiro encontro - 4º ano inicial - Dia 29/06/04............................................114

4.1.7 Quarto encontro - 1º ano inicial - Dia 01/07/04..............................................119

4.1.8 Quarto encontro - 4º ano inicial - Dia 30/06/04..............................................123

4.1.9 Quinto encontro - 1º ano inicial - Dia 02/07/04 ..............................................126

4.1.10 Quinto encontro - 4º ano inicial - Dia 01/07/04 ............................................128

4.1.11 Sexto encontro - 1º ano inicial - Dia 05/07/04 .............................................129

4.1.12 Sexto encontro - 4º ano inicial - Dia 02/07/04 .............................................130

CAPÍTULO V - LEITURA TRANSTEXTUAL DE IMAGENS....... ...........................133

5.1 Primeiro ano do ensino fundamental................................................................133

5.2 Quarto ano do ensino fundamental ..................................................................153

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................... ....................................................175

REFERÊNCIAS......................................................................................................178

ANEXOS ................................................................................................................183

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Sempre fui uma pessoa diferente. Ao completar meu primeiro ano ganhei uma

coleção de livros de contos de fadas de uma tia, cujas páginas eram bem resistentes

aos riscos de caneta que já produzia. Com os livros recebi um poema que relatava

meu olhar meigo e extrovertido. Aprendi a subir e a descer escadas muito cedo,

ficava imaginando ser a Cinderela, que perdia seu sapatinho de cristal nelas.

Lembrava as imagens do livro, as pedrinhas, o vestido da Cinderela, o colar de

pérolas, a carruagem...

Quando ingressei no jardim de infância, por volta de 1983, minha mãe teve de

cortar meus cabelos bem curtos, por causa de um problema de visão. Então, as

outras crianças não queriam brincar comigo porque eu era feia. A única vez que

consegui sua atenção foi quando pintei no livro didático uma cadeira já desenhada

da cor laranja. Foi a maior emoção, todos os meus colegas ao meu redor só para ver

minha cadeira! Nessa época eu era muito tímida, falava raramente e, quando

tínhamos de tirar fotografias na escola, eu me trancava no banheiro e ficava bem

escondida até tudo acabar. Tinha medo de ver os outros, tinha um certo pânico das

pessoas. Inclusive, desisti da pré-escola no último ano.

Por esse motivo fui cursar a primeira série com seis anos de idade. A escola

ficava longe e eu sempre andava a pé, observando as pessoas, o formato das

casas, as formas engraçadas que as nuvens desenhavam no céu, os traços que os

raios construíam com sua luminosidade na imensidão azul. Adorava meu guarda-

chuva, cuja estampa do Mickey conversava comigo. Lembro-me bem duma foto que

meu pai tirou: eu em frente ao portão de casa, num dia ensolarado, agarrada ao meu

guarda-chuva. Neste ano a professora Ermelinda, uma senhora muito doce, fez um

sorteio de alguns cadernos de desenho e foi nessa oportunidade que ganhei meu

primeiro suporte para viajar pelo mundo da fantasia.

Aos oito anos eu adorava vestir uma camisola branca de minha mamãe, sua

grinalda e seu buquê de casamento, colocar seus sapatos de salto e fingir ser a

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noiva, a Cinderela à espera do príncipe encantado. Mais tarde aprendi a brincar de

ser artista de novela. Então vestia seus sapatos, colares e pijamas de cetim,

sonhava, fantasiava... E meu pai, como sempre, fotografava todas as minhas

proezas. Como nunca tive muitos amigos, adotava animais como companheiros:

tinha meu “totó”, um cachorro pequinês, um frango e aproximadamente dez gatos.

Ainda na infância, deixava meu avô Fiorindo maluco, pois queria jogar bocha

na sua cancha, mas ele me dizia que era um jogo somente para homens. Então eu

colocava um chapéu de palha, com carvão, pintava bigodes e barba e me

apresentava a ele, que continuava a me impedir de tentar a carreira de atleta.

Contudo, lembro-me que foram muitas as tentativas e muitos personagens! Nessas

minhas performances, eu ficava bem parecida com o retrato de meu bisavô

pendurado na parede da sala, com a única diferença de que ele tinha um olhar meio

assustador.

Com nove anos de idade decidi que seria estilista e desenhava em tudo

quanto era papel esqueletos de vestidos. Observava as fotos de revistas, recortava

modelos, recriava personagens e fazia a maior bagunça.

Durante a adolescência, por volta dos onze anos, fui estudar na Escola de

Artes de Chapecó, no curso gráfico-plástico. Mais tarde ingressei no curso de

desenho, no de pintura e também no de história da arte. Em 1997 passei no

vestibular de Educação Artística na Unochapecó, onde, após quatro anos, concluí o

curso. Na universidade tive contato com a disciplina de fotografia e me apaixonei

pelo assunto. Sempre soube o que queria ser.

No início foram muitas as dificuldades na construção dos objetivos, na

definição do tema, mas sempre com a compreensão do professor Valdir. Lembro-me

de que, quando tudo estava encaminhado, enviei o texto para a digitação, mas,

como uma pesquisadora ingênua, deixei meu caderno e todas as anotações com o

digitador, que sumiu. Nunca consegui reavê-lo e tive de refazer tudo e, o pior,

explicar ao professor essa história absurda!

Numa aula, resolvi apresentar o livro Êxodos, de Salgado, aos meus alunos

do 2º grau, turno noturno, do Colégio Zélia Scharf. Contextualizei o fotógrafo,

realizamos uma roda de apreciação, porém no decorrer da atividade a turma

“ferveu”, os alunos indignaram-se com as imagens, o massacre social e com as

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cenas de dor e sofrimento, que lhes despertaram sensações e sentimentos que os

fizeram pensar... E percebendo que a fotografia não era trabalhada na escola, que

as transformações sociais e tecnológicas não eram abordadas nas aulas de artes

pelos demais professores, resolvi continuar...

Com o passar do tempo, meu interesse pela investigação da desnaturalização

do olhar através da fotografia cresceu... A sedução das imagens, os apelos

sentimentais que norteiam as formas, luzes e sombras e o fascínio gerado pelos

olhares atentos dos educandos merecem um grau de importância saliente no ensino

da arte. Desde então, venho me familiarizando com esse tema, vivenciando

experiências estéticas, observando reações.

O motivo que me impulsionou a realizar esta pesquisa é o desejo de

despertar nos seres humanos uma forma de ver mais singular, compreendendo

através do olhar seus desejos, percebendo a manipulação que a mídia capitalista

implanta no interior do ser através da rede tecnológica que fragmenta a alma, destrói

os sentidos e distorce nossa sensibilidade.

Sendo a fotografia um objeto do cotidiano, através de revistas, fôlders,

outdoor, registros familiares... e, ao mesmo tempo, algo pouco explorado nas aulas

de artes, torna-se um ótimo ponto de partida para o desenvolvimento de atividades

que estimulem a percepção crítica e a criatividade. A fotografia proporciona ao

ambiente escolar um contato com as cores, as formas e os objetos que são

atraentes e utópicos, ou, ainda, com aqueles que são totalmente distanciaddos do

belo.

Geralmente, o professor de arte associa a fotografia ao ato de fotografar e

revelar a imagem, considerando um processo pouco viável para a sala de aula. Com

isso, não explora a leitura de imagens, a colagem, a interferência plástica nas

imagens já produzidas, a sonorização de uma imagem, entre outros aspectos que

podem estar relacionados ao fazer e ao analisar.

Existe uma falsa compreensão da idéia da fotografia como linguagem artística

e suas possibilidades de exploração no contexto escolar. A fotografia fica presa a um

conceito estereotipado, ao belo, a uma forma de registro ou de publicidade. Nesse

contexto, torna-se evidente a necessidade da construção de instrumentos para que

o educador, em sua formação acadêmica, seja capaz de compreender a fotografia

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como meio de reeducação da visão, levando para a escola uma contextualização

mais significativa, que proporcione a compreensão e a possibilidade de discussões

críticas acerca do consumismo desenfreado e da estética do descartável.

A escola tem de competir com um eclético leque de interesses que visam à

sua falência; sempre se submetendo às leis da linearidade e do drama psicológico,

pouco dizem acerca da estética do cotidiano. Esses enquadramentos tradicionais

constroem limites na aproximação da experiência estética com o desenvolvimento

da criatividade consciente do sujeito. Segundo Moreira e Silva (1995, p. 34),

“desnaturalizar e historicizar o currículo existente é um passo importante na tarefa

política de estabelecer objetos alternativos e arranjos curriculares que sejam

transgressivos da ordem curricular existente” (MOREIRA e SILVA, 1995, p. 31).

Repensar o currículo significa fazer uma análise dos momentos históricos em

que os elementos visuais foram concebidos socialmente e tornaram-se “naturais”,

para que o educador possa atuar no cerne da questão, realizando um processo

contínuo de identificação e análise das relações de poder envolvidas nas

experiências do próprio cotidiano. A percepção do real depende de uma atividade

consciente e, estando o currículo dividido em disciplinas, priorizam-se algumas

áreas em detrimento de outras. Especificamente quanto ao ensino da arte, sempre

foi marginalizado e suprimido nas escolas, acarretando prejuízos aos alunos, que

acabam por não compreender a importância da arte na vida humana. Conforme

Ormezzano e Torres:

Uma concepção de educação estética global implica que estejam relacionadas todas as linguagens expressivas: corporal, poética, vocal, coreografia, plástica, instrumental, interrelacionando-se num movimento permanente de percepção e tradução das emoções (2002, p. 71).

Um leitor ativo é aquele que sente o texto, que corporifica as emoções

fazendo ebulir um processo de significações. Compreender esse processo significa

educar a sensibilidade a respeito das diferentes perspectivas intelectuais e racionais.

Essas manifestações ocorrem quando a experiência, o educando e o currículo estão

voltados para as vivências socioculturais e para o desenvolvimento do processo

criativo. A formação de um leitor de arte é também a formação de um pensamento

complexo, ou seja, a capacidade de compreender as diversas partes de um conjunto

que compõe um texto.

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A leitura estética contribui para a percepção da complexibilidade da vida, do

cotidiano, para a capacidade de resolver problemas, de criar novas formas de

sobrevivência. Pensar em rede conduz a que o sujeito assegure seu lugar no meio

social e político, voltando-se para novas possibilidades e para a humanização do

viver (STRIEDER, 2002).

Na objetivação transparece, pois a responsabilidade histórica do sujeito: ao reproduzi-la criticamente, o homem se reconhece como sujeito que elabora o mundo: nele, no mundo, efetua-se a necessária mediação do auto-reconhecimento que o personaliza e o conscientiza como autor responsável de sua própria história. O mundo conscientiza-se como projeto humano: o homem faz-se livre. O que pareceria ser apenas visão, é, efetivamente, “provocação”; o espetáculo, em verdade, é compromisso (FREIRE, 2002, p. 17).

O sujeito, ao reconhecer seu contexto histórico e cultural dentro de uma

pedagogia artística transformadora, sente-se provocado a sentir, a apropriar-se, a

dialogar e a refletir sobre seu próprio lugar no mundo. Portanto, justifica-se este

estudo em virtude da necessidade de construção de um leitor de arte, o que precisa

ser iniciado ainda na infância, relacionando a realidade, o lúdico, o prazer e o

brincar. Compreender aquilo que vemos torna-se fundamental para o exercício diário

da cidadania; para isso, a reeducação da visão deve tornar-se hábito nas aulas de

artes, possibilitando um fazer artístico voltado para uma ressignificação do saber e

do próprio papel da escola na vida do educando.

Tentando compreender as transformações ocorridas através de uma vivência

estética que trabalha a fotografia como uma linguagem artística no contexto escolar,

buscamos analisar de que modo a leitura das imagens fotográficas e a produção

artística das crianças poderão influenciar no desenvolvimento do imaginário. Qual

seria a significação de uma vivência estética sustentada pelos ensaios fotográficos

de Sebastião Salgado, Miguel Rio Branco e Achutti para os alunos dos anos iniciais?

Acreditando que a leitura de imagens pode promover uma reeducação da

visão para os alunos dos anos iniciais, esta pesquisa investiga como as fotografias

de Salgado, Rio Branco e Achutti relacionam-se com as crianças e seu cotidiano.

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RECURSOS METODOLÓGICOS

Campo de estudo:

Este trabalho foi realizado na Escola de Educação Básica Professora Zélia

Scharf, em Chapecó, SC, pertencente à rede estadual da educação. A escola foi

escolhida por ser o local de trabalho da pesquisadora, o que facilitou os primeiros

contatos com a direção para a organização da oficina.

A Escola de Ensino Básico Professora Zélia Scharf atende aproximadamente

dois mil alunos e conta com três diretores, quarenta professores, dez serventes, dois

orientadores pedagógicos e oito estagiários; possui sala de vídeo, ginásio de

esportes com sala de ginástica, sala de artes, sala de informática, ainda que com

equipamentos precários, uma área coberta com palco e duas salas de professores,

numa das quais funciona todas as quartas-feiras à tarde o Clube de Mães.

Possui também equipamento de som, DVD, data show, um computador com

internet para pesquisa do professor e xerox gratuito para material didático. É uma

escola antiga e necessita de muitas reformas;80% dos alunos são pertencentes às

classes média e baixa, 20% são muito pobres, não tendo materiais básicos, como

caderno, lápis, borracha, nem condições mínimas de higiene.

Os alunos, em sua maioria, são filhos de comerciantes, funcionários de

indústrias e empresários, entre outros, cujas famílias são instruídas e alfabetizadas,

auxiliando-os nas tarefas de casa.

Entretanto, existem inúmeros problemas de violência entre os próprios alunos

e entre os professores; a convivência é difícil, pois existe um clima de reclamações e

desilusões.

Seleção das fotografias:

Foram escolhidas oito imagens de cada fotógrafo, conforme descritas a

seguir, na ordem em que foram apresentadas as crianças:

SALGADO, Sebastião. Retratos de crianças do êxodo. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000.

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1- Acampamento de sem-terra em Rosa do Prado, Itamaraju. Bahia, Brasil, 1996.

2- Campo de Kamaz, em Mazar-e-Scharif, para afeganes deslocados. Afeganistão,

1996.

3- Crianças deslocadas que perderam suas famílias, em Mopéia. Província de

Zambeze, Moçambique, 1994.

4- Acampamento de sem-terra em Rio Bonito do Iguaçu. Paraná, Brasil, 1996.

5- Criança Ianomâmi em Lafakabuco, na serra dos surucucus. Roraima, Brasil, 1996.

6- Campo Quilômetro 42 de Biaro para refugiados Hutu ruandeses, entre Ubundu e

Kisangani. Zaire, 1997.

7- Campo Nasir Bagh, em Peshaurar, para refugiados afeganes. Paquistão, 1996.

8- Acampamento de sem-terra em Rosa do Prado, em Itamaraju. Bahia, Brasil,

1996.

Foram utilizadas primeiro as imagens da obra de Salgado por serem retratos

de crianças e permitirem estabelecer um elo maior com os educandos, e também

pela cor, por ser utilizada na produção das crianças, ou seja, carvão e sulfite branco.

RIO BRANCO, Miguel. Entre os olhos, o deserto. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

(Conceito original a partir da instalação entre os olhos, o deserto).

Este livro não contém paginação nem título nas fotografias, que foram

selecionadas de forma aleatória.

Em seguida, como um dos objetivos da oficina era despertar para a

observação minuciosa e, ao mesmo tempo, estimular o imaginário, trabalhamos com

as imagens de Rio Branco, estas coloridas, que também motivaram a pintura a

guache, realizada após a leitura de imagens.

ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia

visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Palmarinca, 1997.

1- Sem título p. XLV (A vila).

2- Sem título p. LXXXV (retratos).

3- Sem título p. XLI (A vila).

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4- Sem título p. LXI (O trabalho e o lixo).

5- Sem título p. LXVIII (O trabalho e o lixo).

6- Sem título p. XLIII (A vila).

7- Sem título p. LXXXIX (Retratos).

8- Sem título p. CXXIII (Imagens dentro da imagem).

Na seqüência realizamos a leitura das imagens da obra de Achutti, que se

tornou a mola motivadora para a criação dos fotogramas, pois revelaram um pouco

da história de cada indivíduo e sua relação com o cotidiano.

Preparação da sala

A sala de artes precisou ser adaptada para a realização das atividades, sendo

necessária a construção da câmara escura. Nesta etapa, foram utilizados

compensado e lona preta e, em seguida, adquiriram-se extensão e lâmpada

vermelha, bandejas e papel fotográfico. Ao lado da câmara escura foi montado um

palco com materiais já existentes na sala para que as crianças pudessem realizar a

brincadeira da estátua. Próximo ao palco e à janela foi construído um varal onde os

fotogramas seriam postos para secar.

Coleta das informações

O diário de aula foi utilizado para organizar e registrar as atividades e as falas

das crianças. Este instrumento ajuda-nos a perceber as questões subjetivas e a

observar minuciosamente os detalhes de cada atividade.

A entrevista iconográfica (ORMEZZANO, 2001) foi realizada no último

encontro através de um desenho por meio da qual cada criança respondeu à

pergunta: “O que significou para você ter participado da oficina de fotografia?”

Os participantes da investigação e seus textos icon ográficos

Foram selecionadas seis crianças de cada turma, sendo três meninos e três

meninas, de acordo com a freqüência em todos os encontros e a diversidade dos

textos iconográficos, totalizando doze amostras. Os nomes dos participantes da

oficina foram trocados por nomes fictícios a fim de preservar a identidade da criança.

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Os participantes do primeiro ano do ensino fundamen tal

Gustavo: sete anos de idade, é uma criança bem extrovertida e brincalhona,

que conversa bastante durante as atividades, tem dificuldade em permanecer

sentado e adora contar novidades sobre sua casa. Criou sua imagem dentro de um

jogo repleto de fantasias, no qual a bruxa montada em sua vassoura segura uma

varinha de condão. Ela parece se dirigir a um castelo mágico onde um guardião

voador a espera. Acredito que para ele a parte mais significativa da oficina tenha

sido a brincadeira de estátua com as fantasias e fotos da professora, momento em

que ele conseguiu fantasiar-se, criando um mundo imaginário divertido e singular.

Jonas: sete anos, descendente de italianos, natural de Chapecó. Sua mãe é

jovem e viúva. É uma criança muito sentimental, que adora chamar a atenção.

Realiza as atividades com entusiasmo, mas, às vezes, demonstra insegurança em

tomar decisões. Seu desenho também se relaciona à brincadeira de estátua:

desenhou-se como sendo o Harry Pother, espalhando seu pó mágico junto com uma

princesa no dia do seu casamento. A chuva aparece dividida em uma parte amarela

e outra azul. Com certeza, para este menino a brincadeira permitiu que sua

imaginação flutuasse em meio aos personagens criando um lindo conto, no qual o

protagonista podia ditar as regras.

Luciano: é um menino tímido e novo na turma, pois mudou de turno

recentemente. Demonstra interesse, é uma criança sensível, às vezes com um olhar

triste; é calmo e costuma receber a professora com um beijo todos os dias. Tem sete

anos. Seu desenho relatou o dia em que realizamos os fotogramas. Desenhou um

varal com muitas fotos de mão, a câmara escura, as crianças observando as fotos

de Achutti e uma chuva de flores caindo sobre os alunos.

Ane: sete anos, tem dificuldade em se concentrar e não tem um bom

relacionamento com os colegas. Em seu desenho aparecem muitas estrelas,

corações, dois sóis, uma casa onde os móveis parecem estar no sótão e, neste, uma

flor laranja bem maior do que as cadeiras. Também aparecem sete crianças

brincando entre flores e árvores. Nenhuma das crianças tem mãos. Acredito que

este desenho se relacione também à brincadeira de estátua.

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Ana Paula: sete anos, é uma criança fechada, que tem dificuldade em

relacionar-se com os colegas, pois constantemente entra em atritos. Conversa

bastante durante as atividades. Seu desenho apresenta um vasto espaço verde com

muitos corações e flores. Duas pessoas estão saindo da câmara escura. Para a

aluna o momento mais significativo deve ter sido a confecção dos fotogramas.

Cláudia: sete anos, é uma criança agitada, que apresenta dificuldade em

relacionar-se com as outras; tem um temperamento forte. Em seu desenho uma

imensidão ocre protege um triângulo, que parece ser uma casa com três pessoas,

entre elas uma fada e uma que está deitada no topo deste triângulo. No céu, nuvens

azuis e o sol aprisionado num quadrado são envolvidos pela cor violeta. Este

desenho relaciona-se à brincadeira de estátua.

Os participantes do quarto ano do ensino fundamenta l

Welison: dez anos, tem um relacionamento complicado com a família, às

vezes apresenta um comportamento agressivo. Seu relacionamento com os colegas

é difícil devido ao seu temperamento. Gosta de desenhar. Seu desenho mostra a

câmara escura, a lâmpada vermelha, os líquidos para revelação, a pia e fora, da

câmara, no lado esquerdo da folha, aparece a professora; no lado direito, ele mesmo

com um aspecto maroto. Considero que para ele os momentos mais significativos

foram a foto na lata e a confecção dos fotogramas.

Juliano: dez anos, brincalhão; gosta de conversar durante as atividades,

costuma contar novidades sobre acontecimentos fora da escola. Realiza as

atividades com dedicação e entusiasmo. Desenhou a brincadeira da estátua, onde

apresentou uma breve história de luta.

Luan Felipe: dez anos, é uma criança bem agitada; não gosta de ficar sentado

e conversa muito durante as atividades, porém é bastante sensível; não costuma

brigar ou discutir com os colegas. Está sempre rindo. Seu desenho mostra um sol

tórrido, um céu laranja e um fotógrafo tirando uma foto, este está vestindo uma

camisa azul e tendo brincos nas orelhas. Para este aluno o momento mais

significativo foi o da foto na lata.

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Laura: dez anos, uma menina delicada, doce e meiga. Desenhou-se com

cabelos presos e seu cérebro na testa indica inteligência. Segundo ela, como a

oficina despertou-lhe muitas idéias e novidades, as lâmpadas estão presentes uma

de cada lado da cabeça. O fundo aparece preenchido pela cor violeta. “Para mim

toda a oficina foi importante, não tem como escolher um pedaço, por isso desenhei o

meu retrato com as coisas que mudaram em mim”. Talvez nem os fotógrafos

estudados na oficina tivessem noção do que suas imagens poderiam provocar no

observador no momento em que estavam fazendo-as!

Vanusa: dez anos, uma criança calma, serena e tranqüila; desenhou a

câmara escura, os fotogramas pendurados na varal, ela entre a pia e a mesa, tendo

uma idéia do que fazer, ao lado uma colega. Também aqui o momento preferido foi a

confecção dos fotogramas.

Cristina: dez anos, uma criança sempre feliz, doce, meiga e curiosa. Gosta de

participar ativamente das atividades e de contar novidades; está sempre disposta a

ajudar os colegas ou a realizar tarefas extraclasse. Seu desenho está dividido em

quatro partes: a primeira com uma menina vestindo uniforme e realizando a foto na

lata; a segunda com cinco meninas na brincadeira de estátua; a terceira com a

revelação das fotos e a quarta com o fotograma da mão.

Acredito que para Cristina, assim como para a turma da quarta série, a oficina

como um todo foi significativa; foi uma experiência positiva e divertida pela qual

conseguimos juntos construir experiências e novos conceitos sobre as imagens e

sobre a própria vida.

Oficina de fotografia: cronograma das atividades

A oficina teve como objetivo geral analisar as imagens produzidas pelos

fotógrafos Sebastião Salgado, Miguel Rio Branco e Luiz Eduardo Robinson Achutti,

percebendo a significação de uma vivência estética sustentada por estes ensaios

para os alunos da 1ª e 4ª série do ensino fundamental.

Para a seleção das imagens utilizei como critério que todas fossem do corpo

humano. Com relação ao ensaio Êxodos de Sebastião Salgado, escolhi apenas as

fotografias de crianças por dois motivos essenciais: primeiro, porque trabalharia com

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duas turmas de crianças e, por isso, as imagens estabelecem maior relação com os

alunos; segundo, para não causar um impacto violento, pois as cenas com adultos

apresentam imagens muito fortes, que poderiam desnortear o trabalho com a

primeira série.

Após a seleção das imagens, o segundo passo foi negociar com as

professoras regentes das turmas envolvidas e propor um horário especial de seis

dias para as duas. Para que isso fosse possível, precisei negociar também com a

direção, pois as outras turmas da escola não poderiam ficar sem aula. Expliquei aos

diretores os benefícios da oficina para as turmas, pois os alunos teriam uma semana

diferente, com materiais e atividades inovadoras. Além disso, as aulas das outras

turmas estariam sendo ministradas por uma professora substituta, tudo custeado

por mim, sem que a escola tivesse prejuízos.

Com as professoras de primeira e quarta séries a negociação foi bem fácil

porque todas aprovaram a idéia de terem alguns horários a mais para planejar e

concretizar atividades que normalmente precisam levar para casa.

Acordos estabelecidos, era hora de oficinar. Organizei, então, seis encontros

por turma, um a cada dia, a primeira série pela manhã e a quarta série à tarde. As

atividades desenvolvidas foram iguais para as duas turmas.

1º Encontro: Sebastião Salgado

Objetivo: Conhecer a vida e a obra de Sebastião Salgado e, através da

leitura de imagens, refletir sobre o tema do ensaio fotográfico.

Atividade: Introduzir a oficina, explicando que teríamos encontros diferentes

e, nesses dias, horários diferentes.

Questionamentos: Quando tiramos fotografias? Em que ocasiões? Elas só

registram momentos agradáveis? O que sabemos sobre fotografia?

Vamos observar se as imagens que a professora trouxe representam os

momentos citados pelos alunos.

* Contar uma breve história para que os alunos compreendam Sebastião

Salgado. Em seguida, as crianças deveriam observar oito imagens retiradas do livro

Êxodos (crianças) e realizar uma leitura; após, passariam a realizar um desenho

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com carvão sobre o que haviam sentido em relação às imagens observadas.

Materiais necessários: oito cópias reprográficas do livro Crianças do Êxodo,

de Sebastião Salgado, carvão, spray fixador para cabelos, folhas de ofício.

2º Encontro: Miguel Rio Branco

Objetivo: Observar as imagens retiradas do ensaio fotográfico “Entre os

olhos, o deserto”, de Miguel Rio Branco, e realizar uma atividade de leitura de

imagens estimulando o imaginário das crianças.

Atividade: Contar uma pequena história para as crianças sobre a vida de Rio

Branco; em seguida, apresentar oito imagens para que observem e realizem uma

leitura.

Questionar sobre: Como é o fundo da fotografia? Onde parece que esta

pessoa está olhando? Como são as linhas? O que está acontecendo? Como são as

cores? E as formas? Aparece toda a cena ou apenas um detalhe?

Após a leitura os alunos deveriam realizar uma pintura sobre uma imagem

que foi escolhida por eles e imaginar o que estaria acontecendo naquela cena.

Materiais: oito cópias reprográficas coloridas sobre o ensaio de Miguel Rio

Branco, tinta guache, pincel e folhas de ofício.

3º Encontro: Luiz Robinson Eduardo Achutti

Objetivo: Conhecer um pouco sobre o que é fotoetnografia e, através de

fotogramas, descobrir o que é uma câmara escura e como ocorrem os processos

químicos da revelação, estimulando, assim, a observação e a percepção do aluno.

Atividade: Contar uma breve história sobre Luiz Robinson Eduardo Achutti e

seu trabalho de fotoetnografia em Porto Alegre. Apresentar oito imagens retiradas do

livro de Achutti para que os alunos realizem uma leitura. Estimulá-los com questões

sobre as formas, o fundo, as cores, as linhas, o local onde as pessoas estão... Em

seguida, em grupos de cinco crianças, realizar na câmara escura os fotogramas de

uma parte do corpo. Conversar sobre revelação, o que sentiram, como ocorre.

Materiais: câmara escura, lâmpada vermelha, revelador, fixador, duas bacias,

duas pinças, varal, grampos de roupa, papel fotográfico, oito cópias reprográficas

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coloridas do livro Fotoetnografia de Achutti.

4º Encontro: Fantasias e fotos da professora com dramatização

Objetivo: Estimular a criatividade e o imaginário através da brincadeira

denominada “estátua”.

Atividade: As crianças foram avisadas, ainda no terceiro encontro, para

trazerem fantasias, maquiagens, enfeites, enfim, tudo o que tivessem de diferente.

Inicialmente, dá-se um tempo para que as crianças se troquem e se enfeitem;

em seguida, elas devem formar grupos de cincos e inventar uma história que

envolva os cinco personagens que escolheram para se caracterizar.

Após terem concluído essa etapa, um grupo por vez sobe ao palco e

dramatiza sua história em três minutos; ao final, devem congelar numa posição

como se fossem estátuas, situação que a professora fotografa.

Materiais: fantasias diversas, maquiagem, enfeites, como flor artificial,

purpurina, laços..., uma máquina fotográfica.

5º Encontro: Fotografia a partir das leituras de imagem

Objetivo: Apreender como se constrói a máquina da latinha e, através dela,

estimular a observação desenvolvendo noções de composição.

Atividade: Confeccionar a máquina da latinha forrando-a e furando-a; colocar

na câmara escura e papel fotográfico na lata e fotografar tema livre; em seguida

revelar.

Materiais: lata, papel preto, fita adesiva, prego, papel fotográfico, revelador,

fixador e a câmara escura.

6º Encontro: Coleta das informações

Objetivo: Coletar informações e construir com os alunos uma avaliação sobre

a oficina.

Atividade: Montagem da exposição dos fotogramas, interferência na cópia

reprográfica que eles trouxeram do seu rosto em tamanho ampliado. Aqui cada

criança modifica na sua imagem o que gostaria de ter diferente, como a cor do

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cabelo, o comprimento, a cor dos olhos, o lugar onde se encontra...

Em seguida coletaram-se as informações através de um desenho com o qual

cada criança irá responder: “O que significou para você participar da oficina de

fotografia?” Ao final cada criança falará sobre o seu desenho.

Materiais: um mural, fita adesiva, trabalhos das crianças, tinta guache,

canetinha, lápis de cor, papel, cópia reprográfica do rosto.

Processo de leitura singular transtextual de imagen s

No processo cria-se um vínculo entre semiótica e iconologia, possibilitando

adentrar em universos cíclicos, abertos e intuitivos baseados nos estudos e nas

propostas de Ormezzano (2001). Nesse contexto observamos um elo entre o

imaterial, o sentir e a energia psíquica que permeiam as ações da consciência e do

pensamento (pensamento, sentimento, sensações e intuições).

Como critérios para a leitura transtextual singular dos textos iconográficos

utilizei aqueles sugeridos pela proposta de Ormezzano (2001).

O suporte e o material do desenho

As crianças utilizaram sulfite e lápis de cor por ser um material simples, barato

e parte do cotidiano. Mesmo sendo um material induzido pela professora, a

linguagem visual possibilita uma comunicação interna com elementos da

criatividade, do sentir e da comunicação de idéias, caracterizando, assim, uma

atividade de mobilização.

Aspectos compositivos da linguagem visual

Cada elemento é disposto intencionalmente pela criança de acordo com seu

sentir; a organização espacial produz um contexto gráfico singular em cada

indivíduo. Essa organização contribui para a leitura, a observação intuitiva e

subjetiva das formas, cores e elementos gráficos, como linhas, pontos, texturas,

sugerindo e revelando novos elementos intrínsecos e muitas vezes não observados

formalmente. “Existem três fatores envolvidos na atividade artística da criança, a

organização de suas experiências, a auto-compreensão e o relacionamento com os

outros por meio de seu trabalho” (DUARTE JR., 1998, p. 113).

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Simbologia espacial

Foi utilizado o esquema interpretativo elaborado por Grünwald e fornecido por

Franz Jans, docente do Instituto C. G. Jung, em Zurique (ZIMMERMANN, 1992, p.

95).

Projeção do eu

I IV VI

EIXO DO

CRESCIMENTO II VII

III VIII Realização do eu

EIXO DO TEMPO

I- Imaginação, arquétipo do pai, pai impessoal, luz, vazio, ar, saudade.

II- Realidade interior, passado, introversão, mãe, feminino, emoção, Eu.

III- Inconsciente, origem, arquétipo da mãe, conflitos, regressão, o que foi

superado, o criativo.

IV- Mundo do espírito, intelecto, razão, desenvolvimento espiritual, fogo, pai,

céu.

V- Mundo corporal, das sensações, matéria, mãe, terra, natureza, instinto.

VI- Consciência, fogo, claridade, o final configurado, morte, objetivo, projeções.

VII- Realidade exterior, futuro, extroversão, pai, masculino, ação exterior, tu.

VIII- Vida instintiva, mãe pessoal, terra, decadência, demônios.

Simbologia das cores

Constitui-se na observação e interpretação das cores. Portal (1996) utiliza três

linguagens das cores: a divina, a sagrada e a profana. O simbolismo das cores

auxilia na interpretação do imaginário universal.

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Referências do imaginário

Para a concretização desta etapa a teoria de Durand (1997, 1998) nos auxilia

nas investigações acerca do imaginário, de suas relações com o inconsciente

coletivo e o processo de criação. Utilizaremos também o Dicionário de Símbolos

para a interpretação dos desenhos.

Síntese do pesquisador

São as leituras que permeiam diversas áreas do contexto artístico construindo

significados. A leitura de imagens mobiliza, além das operações de pensamento, as

emoções, as quais se ligam não só à corporeidade, mas também às energias

psíquicas. A comunicação de uma idéia, segundo Duarte Jr. (1998), sempre carrega

os tons afetivos daquele que a emprega. E desvelar esses tons é parte de um jogo

entre o pesquisador e a pesquisa, ou seja, ao se interpretar um signo expressivo,

estamos lhe emprestando uma significação que nos remete às intenções de sua

fonte ou criação.

Buscando organizar e relacionar as informações coletadas, esta dissertação

conta com três partes fundamentais, a primeira, segunda e terceira referem-se aos

subsídios teóricos que constituem a base para a compreensão da atual situação da

arte e educação nas escolas públicas, as questões pertinentes à leitura de imagens,

à fotografia e às relações sobre estética e às teorias do imaginário. A quarta

relaciona-se à organização e seleção de imagens e ao relatório das atividades. A

quinta é composta pela leitura transtextual singular das imagens segundo

Ormezzano (2001). Finalmente, as considerações finais, referências e anexos.

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CAPÍTULO I

ARTE E EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UM LEITOR ATIVO

1.1 O ensino da arte no cotidiano escolar

Sabe-se que a educação deve ser uma totalidade, assim como o ser humano,

o ato de fragmentar é uma forma de desprezar o indivíduo. E a totalidade

educacional é um processo amplo e complexo. Trabalham-se as diferenças, a

inclusão, mas esquece-se de perceber quais são essas diferenças. De que somos

excluídos?

O ensino da arte hoje sofre inúmeras transformações e talvez esteja se

iniciando sua libertação das ideologias que permeiam o cotidiano. Lembra-se que a

mídia e as imagens apeladoras conferem autoridade às elites dominantes para a

imposição de significados e valores sobre os outros seres humanos... E o professor

de arte pode e deve abordar em suas práticas pedagógicas questões que

desmistifiquem a rotina do ser. O educador não deve apenas se restringir a mostrar

caminhos, mas, sim, ensinar o educando a caminhar, a buscar, a ser sujeito.

Ainda se percebe no cotidiano escolar a utilização de mecanismos ideológicos

que, na prática, consciente ou inconsciente, acobertam a injustiça, mantendo

intactas as dinâmicas opressoras de uma globalização, onde o currículo apresenta

saberes que têm o efeito de ocultar as graves desigualdades, provocando uma

exclusão em diversas áreas do conhecimento. O fato de a naturalização dos

símbolos, códigos, paradigmas, imagens, provérbios estar presente nos planos

pedagógicos acaba por impedir o desenvolvimento de conhecimentos que façam

frente às desigualdades e ao controle dos significados dominantes (STRIEDER,

2000).

Os educadores precisam admitir sua capacidade de fomentar saberes,

impulsionando a reconstituição da sensibilidade humana, tendo a responsabilidade

de se questionar, de se auto-avaliar, buscando contribuir para a construção de seres

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humanos como autores de uma sociedade comprometida com a justiça social,

econômica.

Se o aluno assume uma identidade, a sua subjetividade, perante a

naturalização de algo, e se observarmos a fundo o significado disso para o aluno,

sempre mediando quando necessário, estaremos produzindo significados para o

conhecimento (OSTROWER, 1996). O aluno tem de se reconhecer como autor,

como sujeito, constituindo-se como um todo, organizando-se, tomando contato com

seus limites, recriando e reapropriando conceitos. É na relação com o outro que o

sujeito se constitui. Necessitamos dialogar com as formas, as cores, conhecer,

mastigar, construir através dos meios artísticos um novo significado. “Não é à força

que as coisas mudam, mas com encantamento, prazer e novidade” (MARQUES,

2002, p. 84).

O ensino da arte deve privilegiar a construção de conhecimento e apresentar

consistência pedagógica pelo desenvolvimento de alternativas inovadoras do ponto

de vista metodológico; propor estratégias que busquem o enriquecimento

sociocultural e a construção da cidadania. Desse modo, a articulação da apreciação,

da contextualização e do fazer artístico conduzem à transformação de atitudes, de

valores, do contexto cultural, como uma conseqüência do processo, rompendo com

um passado repleto de repressões e homogeneidades.

“O passado recente tem demonstrado uma ênfase na diferença e

descontinuidade após um regime de universalismo” (HARRISON; WOOD, 1998, p.

254).

Na produção do educando, seja num texto, seja numa interferência, num

desenho..., são várias vozes: a voz dos momentos vivenciados no passado; às

vezes, dos autores conhecidos, das experiências. E o aluno se faz autor enquanto

organizador dessas vozes. Portanto, conseguimos perceber que, como mediadores,

somos uma dessas vozes que permeiam a mente do indivíduo, subsidiando a sua

formação, desafiando limites, e uma relação de fragmentos com a totalidade dos

acontecimentos.

Quando se opta por ler uma imagem, em nenhum caso ela é uma obra à

parte, uma obra em si, fechada e valorada de uma forma estética predeterminada,

mas, sim, uma imagem que vai transitar perante um indicador carregado de vozes.

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Essas vão mediar sinais, signos e significados num sistema sintáxico, o próprio

observar manifesta essa sintaxe pelo seu posicionamento. A linguagem é interação

e a imagem, como forma de expressão, vem ao encontro das vozes que integram as

vivências do observador (ECKERT, s.d.).

As práticas culturais exibem numerosas diferenças, que, em parte, se devem

a questões socioculturais. São muitos os processos vividos que fazem parte das

diferentes manifestações das experiências e reações de diferentes grupos perante

vida cotidiana. Esse aglomerado de vivências reflete-se nas possibilidades de ver o

mundo, de pensar sobre a cultura a qual estamos inseridos, o que se torna

fundamental para a criação de uma identidade individual e cultural. O aprendizado

de valores e sentimentos nos dá alicerces para analisar criticamente a realidade à

qual pertencemos, os princípios que nos regem e nos integram mutuamente, e para

criar novas formas de mudanças (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977).

As obras de arte apresentam um aglomerado de significações construídas por

meio de composições de imagens que revelam possibilidades de existência de

comunicação que transcendem os espaços reais, os meios sociopolíticos e os

sentidos. Não provocam um sentir linear sobre a visão; as imagens provocam nos

seres humanos reações que questionam, identificam, ordenam ou desordenam as

leis da lógica interna. Despertam um ser intrínseco, morador do imaginário, que

costumeiramente denominamos “ato criador”.

Ao criar uma forma para ser percebida, o artista constrói com ela uma visão diferente dos sentimentos. [...] a arte não significa, exprime; não diz, mostra. E o que ela mostra, que ela nos permite, é uma visão direta dos sentimentos; nunca um significativo conceitual (DUARTE JÚNIOR, 1998, p. 83).

Atualmente vivemos em meio a grandes crises sociais e econômicas, com um

enorme leque de tensões direcionando a vida humana. A humanidade torna-se cada

vez mais violenta e menos sensível. Nesse contexto, a construção de um leitor de

arte implica reconhecer as fragilidades do sistema educacional e dos métodos

pedagógicos e perceber o surgimento de uma cultura transdisciplinar, na qual a

escola necessita criar instrumentos que valorizem os seres humanos, a

sensibilidade, a vida, fatores que refletem diretamente no processo de ensino-

aprendizagem.

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Apenas um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, divertir-se brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas (BRASIL, 1997, p. 35).

Desse modo, o ensino da arte auxilia o educando a compreender as crises de

valores, o avanço frenético de um consumismo violento, a depredação do meio e de

sua cultura. Estabelecer uma cadeia interativa com o cotidiano produzindo

experiências visuais marca significativamente o aprendizado do aluno, despertando-

lhe uma nova forma de olhar e sentir o universo que o circunda.

O ensino da arte deve despertar para os problemas sociais, para a falta de

criatividade, de compreensão dos desejos internos dos seres humanos, suas

fantasias, seus medos. A leitura de imagens promove a curiosidade e uma

inquietação indagadora, com o que o esclarecimento e uma visão mais profunda do

meio brotam naturalmente. Ao trabalhar com a leitura de imagens, o educador

proporciona um momento de desenvolvimento da percepção e da imaginação

criadora do educando, ampliando as dimensões de contato com a estética da arte e

também com o universo cotidiano que a cerca. A contextualização, a leitura e o fazer

são os ensaios norteadores das aulas de arte, apontando que o ensino já não se

restringe apenas à confecção de artesanato, formando alunos “tarefeiros”.

O fazer só apresenta sentido para o aluno quando recheado de reflexões

sobre o próprio mundo e também sobre a construção histórico-social da arte, pois o

diálogo com diferentes linguagens construídas pelo ser humano amplia o

crescimento do potencial de observação.

Todo texto visual faz referência a objetos sentimentos, idéias, ao mesmo tempo em que expressa a própria visão de mundo do produtor da imagem. Assim, tanto as imagens produzidas pelas crianças quanto aquelas produzidas pelo artista plástico devem ser apresentadas como um texto que comunica uma idéia (BUORO, 1998, p. 248).

Nosso cotidiano está repleto de aspectos visuais e comerciais. É essencial

que a escola contribua para o exercício da criatividade visual. A sensibilidade no

olhar é insuficiente para acelerar o processo de reflexão, visto que a construção de

um leitor visual transformador requer algumas habilidades e métodos permeando o

processo de ensino-aprendizagem.

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Percebem-se alguns problemas nas relações entre mídia e educação. Ao

observar as estratégias de linguagem da mídia, a forma como constrói a imagem de

seus produtos e ao comparar as estratégias de leituras de imagens empregadas até

então nas escolas, podemos perceber por que os alunos não gostam de freqüentá-

la.

A constituição da mídia como lugar de verdade, nela, a relevância dos temas do corpo, da sexualidade e da juventude, o elogio do efêmero e do presente sem história, o excesso de informação multiplicada ao infinito e sem hierarquização, a publicação da vida privada, por exemplo, são questões que nos interessam aqui na exata medida em que são vistas a partir de um olhar sobre a própria materialidade dos materiais midiáticos (FISCHER, 2000, p. 75).

A escola precisa considerar a centralidade da linguagem, o duplo sentido das

imagens, formas, cores e métodos. A estética oculta do cotidiano tem força

manipuladora, amplia desejos, destrói valores, altera estilos, forma um olhar

desvinculado de valores sociais, morais, críticos ou religiosos.

O complexo dos fenômenos que provocam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural... (KOSIK, 1995, p. 11).

Essa naturalização provoca o fato de, numa percepção imediata, não se

conseguir captar a coisa em si, a essência do fenômeno, o pano de fundo. Inúmeras

vezes o educador critica seus alunos afirmando que são incapazes de retirar ou de

descobrir a essência dos textos, “não sabem interpretar o problema”. Será que os

educadores atuais são capazes de ler (e extrair dessas leituras a essência) as

imagens cotidianas, os comerciais carregados de ideologias e as deturpações

midiáticas? Torna-se cômico cobrar aquilo do qual não se tem consciência.

A escola necessita encontrar caminhos que levem ao exercício real da

criatividade, promovendo experiências significativas que ocorram continuamente,

pois a interação do ser humano com o meio que o circunda implica um processo de

reconhecimento da própria vida. Nesse processo surgem momentos de resistência,

conflitos e prazeres, aspectos e elementos do “eu e do mundo”, que, implicados

nesse diálogo, qualificam as experiências com emoções e idéias de maneira que a

intenção consciente desvele a essência do ato ou da coisa em si.

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A distinção entre representação e conceito, entre o mundo da aparência e o mundo da realidade, entre a práxis utilitária cotidiana dos homens e a práxis revolucionária da humanidade ou, numa palavra, a “cisão do único” é o modo pelo qual o pensamento capta “coisa em si” (KOSIK, 1995, p. 15).

Um dos problemas do ensino da arte atualmente é a experiência incompleta e

insignificante; o próprio fazer é experienciado, mas não de tal modo que se exerça

um ato crítico e significante. Existe um certo distanciamento entre o que se observa

e o que se pensa. O ato de olhar é tão mecânico que não se consegue chegar a

perceber a essência do que se observa. Afirma Dewey:

Os inimigos do estético não são nem o prático nem o intelectual. São o monótono; a lassidão dos fins indefinidos; a submissão à convenção nos procedimentos práticos e intelectuais. Abstinência rígida pela força, tensão por um lado e dissipação, incoerência e indulgência sem objetivo, por outro são desvios, em sentidos opostos, da unidade da experiência (1974, p. 251).

A experiência artística requer qualidades tanto quanto o pensar em termos

simbólicos verbais, escritos ou matemáticos; exige um pensar aguçado e penetrante,

que direcione a intencionalidade da execução; busca o ponto de vista do consumidor

com maior ênfase do que o do produtor. Assim como o jardineiro que prepara o

terreno para que seja apreciado, existe uma distinção na experiência de quem planta

e do contemplador que absorve o jardim florido.

O acesso mais imediato à cultura visual não se dá através de museus e

galerias, mas, sim, pelas correntes da moda, da tecnologia digital, das revistas

populares, da televisão... O prazer físico do consumo está impregnado até mesmo

nos materiais escolares, a corporificação dos modismos avança aceleradamente

pelas instituições de ensino. E a escola, com suas paredes cinza descascadas, não

alimenta esse vigor visual.

A fotografia investiga, congela, sente, pensa, discursa, fala por si só, através

de uma linguagem estética e não-verbal. Existem aspectos relevantes que são

capazes de ligar o presente ao futuro, de montar e desmontar, de construir e

desconstruir. Um ensaio revela-nos detalhes de um meio, de uma bagagem cultural

que o fotógrafo carrega a cada click, oportunizando ao espectador a revelação de

uma aprendizagem nas entrelinhas, utilizando suas próprias idéias.

É cada vez maior a evidência de que a porção do conhecimento que cada um

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pode alcançar é insignificante diante da realidade a ser conhecida, é significante e

marcante para o observador perceber uma imagem e identificar-se com ela,

relacionando-se com a sua individualidade, sensibilizando-se para receber

informações e uni-las àquelas já existentes. Assim, o observador torna-se o condutor

do processo de captação e decodificação, desenvolvendo a percepção visual,

recriando seu mundo particular, ampliando uma formação crítica e exercitando,

assim, sua própria cidadania (OSTROWER, 1996).

Através das percepções e interpretações, a realidade externa é inserida no

interior do ser humano, o qual começa a desenvolver um sistema de apropriação e

leitura capaz de construir imagens, aguça sua sensibilidade, amplia sua memória e

capacidade de tomar decisões. O ser humano está carregado de influências

psicológicas, sociais e culturais, que despertam através do olhar. É por meio dessas

influências que o ser humano foi se relacionando com a natureza e com o mundo ao

seu redor, construindo as possibilidades de sua sobrevivência e desenvolvimento. A

arte, como linguagem, interpretação e representação do mundo, é também parte

dessa junção de influência, sendo um instrumento essencial para o desenvolvimento

da consciência, por propiciar ao ser humano um contato com a sua singularidade e

com o universo. A arte é uma forma de o ser humano entender a si mesmo e

relacionar-se com a sociedade. O conhecimento do meio sociocultural é fundamental

para a sobrevivência, e representá-lo é parte do próprio processo pelo qual o ser

humano amplia sua capacidade de olhá-lo (BARBOSA, 1995).

1.2 A leitura de imagens – textos

A sociedade tornou-se opaca aos sentidos porque a escola contenta-se com o

desenvolvimento da competência da memorização, aceitando respostas prontas,

mecânicas e decoradas. A reflexão acerca das informações aceitas pelo aluno

inexiste. Criamos seres que apenas armazenam por um curto tempo alguns

fragmentos escolhidos nos livros considerados didáticos. O ensino da arte possibilita

uma reação a essa apatia, estimulando sensações e emoções. Para Barbosa,

[...] todo o grande artista é intrinsecamente um educador. Através da arte, não só revela mas também afeta o mundo ao redor dele. Através de sua obra prepara seu público para a aceitação de uma nova estética, de um novo pensamento visual, e isto é função educacional (1995, p. 160).

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Encontrar sentido e relação com a vida cotidiana nos textos explorados,

compreender e ser capaz de analisar criticamente o que se lê, é uma condição para

reverter a sobrevivência para um viver ativo. A arte possibilita um aprendizado

através de experiências, porém essas precisam interagir com o meio sociocultural

para se tornarem significativos, caso contrário a experiência se tornará mais um

fragmento vazio. A conscientização dos sentidos humanos ocorre com o

desenvolvimento da sensibilidade, criando significados que são interiorizados pelo

sentir, fazendo com que realmente ocorra a apropriação do que foi conhecido; mais

do que se apropriar, o aluno consegue refletir sobre a experiência e fazer relações.

A imagem sobrevive autônoma às tendências e práticas do ensino da arte, ou,

ainda, aos meios socioculturais nos quais o indivíduo se encontra. Em razão do

consumismo crescente e do sentido externo que ela própria cria, hoje é impossível

ignorar que a tecnologia expande elementos visuais que muitas vezes não são parte

do cotidiano. Por isso, em alguns casos perde-se a referência cultural para que

ocorra uma apropriação dos modismos do outro, dos costumes do outro, das

imagens do outro...

Adoramos olhar o que fazem os outros, os espionamos quando estamos entediados, quando estamos desconfiados, quando estamos surpresos, ansiosos, curiosos... Há um voyeur oculto em cada um de nós e um voyeur integralmente assumido em cada fotógrafo, videomaker e cineasta (BALOGH, 2003, p. 26).

O desafio ao educador hoje é reconstruir novas totalidades, novos valores,

que permitam encontrar sentido, apropriando-se de valores estéticos preexistentes,

recriando-os, reordenando-os. Faz-se importante perceber que no universo artístico

vivemos um momento de mudanças, onde coexistem vários estilos. Não buscamos

aqui trabalhar a fotografia como mero instrumento ornamental, porque nesse

contexto o que predomina é a sobrevivência do vazio, da técnica pela técnica. Nem

estamos falando de um contexto vazio, como o que predominou no movimento

Dadá, no qual ocorria uma intencionalidade estética. Vivemos na realidade da

repetição, da cultura industrial; é preciso acabar com a síndrome da cegueira que se

instalou nas mentes desta geração, que pouco observa e pouco pensa. Procura-se

tudo pronto, receitas de como fazer ou pensar sobre algo.

Segundo Benjamin (1993), existe uma correspondência das imagens

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conscientes coletivas nas quais o novo é misturado ao velho. Essas imagens são

imagens de desejos e delas surge um esforço positivo para separar-se do que se

tornou antiquado. Explica-nos Aragon:

Eu comecei a perceber que o reino [desses objetos novos] estava construído sobre sua novidade, e que o seu futuro brilhava uma estrela moral. Eles se revelavam a mim, então, como tiranos transitórios, como os agentes do destino de alguma maneira ligados à minha sensibilidade. Finalmente eu me dei conta de que eu possuía a intoxicação do moderno (2002, p. 310).

Atualmente, percebemos a dificuldade existente no cotidiano de criar algo

novo, seja para criar soluções, seja, mesmo, uma imagem. Essa dificuldade está

intimamente ligada à escola e à forma como ela trabalha.

A idéia de que o único ser criador é o artista surge para mascarar a

necessidade das demais disciplinas em desenvolver a criatividade. Se existe um

mural a ser preenchido, “jogam” a tarefa ao professor de artes; se precisam de idéias

para mudar algo, pedem ao professor de artes. Esse círculo vicioso de “empurrar”

tudo o que é relacionado à prática e ao ato criador cria um muro cristalizado num

fazer sem sentido, não possibilitando a exploração dos espaços escolares pelas

demais áreas do conhecimento.

Por que os professores de matemática, história, geografia, português não

utilizam os espaços da escola para expor curiosidades, interferir nas reações

comportamentais com instalações, performances, estimulando o interesse e a

criatividade? Preferem aceitar a estética desbotada da escola trabalhando com

fragmentos e desconhecendo as inúmeras possibilidades de interdisciplinaridade, as

quais poderiam mexer com o interesse do aluno, despertando-o do sono profundo e

mobilizando-o pela emoção.

A atividade criativa consiste em transpor certas possibilidades latentes para o real. As várias ações, frutos recentes de opções anteriores, já vão ao encontro de novas opções, propostas surgidas no trabalho, tanto assim que continuamente se recria no próprio trabalho uma mobilização interior, de considerável intensidade emocional (OSTROWER, 1996, p. 71).

A criatividade não é algo que se desenvolve rapidamente ou isoladamente,

pois ninguém cria do nada. Ela se relaciona aos estímulos e conceitos apropriados

do passado e aliados com os do presente, não é algo mecânico ou estático. O fato

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de observarmos pouco, de não estimularmos nossa percepção através de leituras

críticas e pensadas, de aceitarmos um universo pronto e estagnado oferecido pelo

comodismo consumista nos torna seres incapazes de estabelecer um processo

cognitivo voltado para a criatividade.

É nesse contexto mecanizado que podemos perceber mercadorias

produzidas em massa, experiências e idéias individuais infinitamente reproduzidas e

expostas. O universo pedagógico que vem ignorando ou vivendo no faz-de-conta

deve buscar formas de perceber esses novos “textos” e de fazer emergir leituras

desse novo contexto. A criatividade desenvolve-se também por meio da leitura de

imagens e da apreciação estética reflexiva. O universo divide-se em questões

políticas e sociais de sobrevivência, porém a escola não estimula o aluno a ler e

compreender a realidade de seu meio para, então, conseguir transformá-la. A

experiência estética pode ser um caminho para o conhecimento do próprio ser e do

mundo. “Na experiência estética os meus sentimentos descobrem-se nas formas

que lhes são dadas, como eu me descubro no espelho. Através dos sentimentos

identificamo-nos com o objeto estético, e com ele nos tornamos um” (DUARTE

JÚNIOR, 1998, p. 93).

Nesse jogo de leituras e descobertas estéticas, de admirações e vivências é

que o sujeito se constrói, compreendendo seu contexto, as relações com o mundo,

desfrutando prazeres e desvelando ideologias.

Em meio a tanta tecnologia, a tantas imagens oníricas, belas e luxuosas, há o

contraste da necessidade: vemos ruas servindo de dormitório, de banheiro, com atos

íntimos que ficam à mostra de olhares de estranhos, onde existir em espaços

públicos é estar sob a vigilância de olhares censuradores, repreensivos... Tudo isso

convive com as imagens publicitárias no mundo dos objetos, dos desejos e dos

sonhos, produzindo nos seres humanos sentimentos latentes e pulsantes que

alimentam, ao mesmo tempo, fantasias e contradições.

Se o modernismo expressa uma nostalgia utópica que antecipa a reconciliação da função social com a forma estética, o pós-modernismo reconhece sua falta de identidade e mantém viva a fantasia. Cada postura representa portanto uma verdade parcial; cada um recorre “novamente”, enquanto perdurem as contradições da sociedade de consumo (BUCK-MORSS, 2002, p. 425).

Todo mundo é um consumidor em potencial, seja através do olhar, seja do

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sonho; cada indivíduo é capaz de lançar um significado totalmente novo a uma

mesma imagem, eternizando potenciais, fazendo aflorar novas experiências e

preservando as já existentes. O comportamento midiático criou uma certa

colonização dos cérebros, de tal modo que os educandos nascem observando cores

e fundos voltados às ideologias dominantes através da TV, do cinema, dos

videogames, e raciocinam através de um discurso que lhes é transmitido pela

imagem.

A escola ainda se constitui com características formatadas e autoritárias, ao

passo que as informações midiáticas aparecem num contexto entusiasmante,

fascinante e colorido, num jogo de realidade e ficção. As instituições escolares

pouco trabalham o lúdico, o imaginário, as representações; portanto, deixam uma

lacuna na formação da identidade. Não queremos aqui criticar a importância dos

“conteúdos escolares”, mas o modo de propô-los.

A relação de identificação conceitual através de uma experiência de leitura de

imagem significativa leva a sentimentos criados pela singularidade individual do

aluno. Dessa experiência podem surgir inúmeras formas de expressão artística que

formarão a atitude de ser sensível, que poderão se desenvolver a partir de

potencialidades estimuladas pelas experiências, transformando-se em significações

marcantes do conhecimento.

Crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma necessidade interna. É algo tão profundo, tão nas entranhas do ser, que a pessoa nem saberia explicar o que é, mas sente que existe nela e está buscando o tempo todo e das mais variadas maneiras, a fim de poder identificar-se na identificação de suas potencialidades (OSTROWER, 1990, p. 6).

Existe uma ampla relação entre as experiências, a sensibilidade e a

criatividade. Nessa rede as vivências levam nossa imaginação a intuir, ou seja, a

despertar um momento luminoso no qual o senso da realidade é transformado em

idéias. A fusão entre a razão e a sensibilidade para o despertar da emoção leva a

um instante em que a sensação de satisfação é indiscutível; o aluno ganha um brilho

inquietante e motivador que o impulsiona a querer mais, a vivenciar situações

prazerosas na escola. É um despertar para a participação ativa cativada pela

experiência, esta capaz de resgatar a auto-estima trilhando novos caminhos

educacionais.

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1.3 A força da imagem no ensino da arte

Toda leitura ocorre dentro de um contexto social, cultural e estético, que

configura sentidos e provoca significados. Percebemos que através das imagens é

possível desenvolver um sistema educacional que permita à criança, ao adolescente

ou ao adulto o ato de exercer uma consciência interrogante.

Os padrões de certo e errado, a lógica social e as regras que permeiam o

meio sociocultural do indivíduo são ditados muito cedo pela família, pela escola e

pela própria sociedade. As crianças sempre buscam estar de acordo com os

padrões dos adultos, por não terem meios para conhecer e entender seu próprio

mundo. Faz-se necessário que o educando, ainda nas séries iniciais, tenha

possibilidades de brincar, de conhecer a si próprio, de desenvolver aptidões, de

sonhar e recriar seu mundo, fantasiando e expressando suas angústias. Ele precisa

construir de forma significativa uma reflexão sobre si próprio, como nos explica

Humberto:

Atuando como força mobilizadora de encantadas descobertas a serem partilhadas e de surpresas que irão nos permitir novas formas de ver e sentir, a arte trabalha com a invenção de sonhos, intransferíveis, mas deflagradores de outros sonhos, animadores da aventura de viver a imaginação (2000, p. 28).

Cada indivíduo possui particularidades. É preciso que se construam espaços

onde ele possa se questionar sobre o que gostaria de ser, que ele possa imaginar e

sonhar com as coisas que poderiam ser diferentes, embarcar nas histórias

construindo um mundo lúdico. Todavia, a criança hoje quer ser como o adulto, adota

padrões de beleza, sonha com roupas e maquiagens que não condizem com sua

idade. E os adultos não se encontram preparados para trabalhar com a reflexão

sobre os apelos consumistas existentes.

O indivíduo acaba preso aos padrões rígidos do certo e do errado, do belo e

do feio, e a realidade rígida e dura fica preestabelecida. Não percebemos que

necessitamos abrir janelas, olhar por diversos ângulos para compreender o que nos

norteia, ou até nós mesmos. A curiosidade e a investigação propostas de forma

interessante nas aulas de artes levam o indivíduo ao autoconhecimento e ao

rompimento desses padrões.

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Para nós, seres humanos irremediavelmente destinados à curiosidade, experimentar significa investigar, testar possibilidades, cotejar resultados, conhecer os limites de nosso universo sensível, na busca de sua ampliação. Significa, também, autoconhecimento e procura incessante de espaços mais arejados e generosos para a criação (HUMBERTO, 2000, p. 29).

Muitas vezes a socialização e o processo escolar acabam sufocando a

imaginação, pois a criança, ao chegar à instituição de ensino, encontra um olhar

absolutamente adulto. Inúmeras vezes não encontra educadores sensíveis ao

mundo infantil, os quais se esquecem de que a imaginação e a fantasia são os

alicerces que formam o potencial criativo. No ensino da arte devem ser abordadas

inúmeras formas de linguagem, para que o indivíduo consiga, ao menos, conhecer

diferentes elementos que permeiam o universo artístico. Porém, muitas vezes o

fazer torna-se vazio, sem contextualização ou ligação com o cotidiano do indivíduo.

O desenvolvimento de um pensamento que se relaciona com essas

linguagens cria um discurso verbal e imaginativo que se liga como uma rede ao

pensamento científico relacionado à própria lógica. Esse desenvolvimento ocorre no

ensino da arte através da captação e da leitura de imagens. Segundo Barbosa

(1997), a produção de arte faz a criança pensar inteligentemente acerca da criação

de imagens visuais, juntamente com a contextualização e a leitura de imagens,

relacionando-as tanto ao cotidiano quanto à produção dos grandes artistas,

produzindo um indivíduo consciente e crítico. Estando a aprendizagem ligada ao

processo visual é indiscutível a formação de leitores sensíveis, capazes de perceber

as diferenças, as ideologias e o seu próprio contexto.

Este mundo cotidiano está cada vez mais sendo dominado pela imagem. Há uma pesquisa na França mostrando que 82% da nossa aprendizagem informal se faz através da imagem e 55% desta aprendizagem é feita inconscientemente (BARBOSA, 1997, p. 34).

Com a leitura de imagens abordadas como um exercício constante,

estaremos recriando a alfabetização visual, preparando o indivíduo conscientemente

para a decodificação dos elementos formais que estão relacionados à gramática

visual. Essas leituras devem fazer revisitas ao passado, observando a qualidade e a

tecnologia atual e suas relações com momentos anteriores.

Quando falamos da imagem no ensino da arte, normalmente a associamos a

um quadro emoldurado ou a uma escultura. Mas devemos abordar em nossa prática

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também as imagens vindas da televisão e do cinema, ou seja, não trabalhar apenas

com a imagem fixa, mas relacionar a gramática da imagem em movimento. Com

isso, podemos estabelecer ligações e criar novas leituras, como, por exemplo: como

será essa imagem sem o som? Ou, ainda, cobrindo a tela e ocultando a imagem,

imaginar a que sons estão relacionadas às cenas escondidas; quando retiramos o

que cobre a tela, as reações dos educandos são diferentes e a leitura que irão

realizar será diferente da anterior. Conforme Buoro:

A imagem da arte requer, portanto, o cultivo de um olhar sensível, que desvele no educador a possibilidade do conhecimento igualmente sensível, a fim de que esse sujeito possa fazer-se agente mediador que trabalha com arte, utilizando, para isso, os modos de aprender pela via da sensibilidade que constrói um saber; ao fazê-lo, também instaura uma consciência visual mais aguçada em seus alunos (2002, p. 64).

O currículo não pode ser simplesmente lindo na teoria e simplório e pobre na

prática. É preciso ousar, criar, através de experiências, leituras de imagens que não

sejam massantes e desinteressantes aos educandos, respeitando suas

necessidades, seus interesses e seu desenvolvimento, os quais são diferentes em

cada indivíduo, conforme os estímulos relacionados ao meio sociocultural em que

estão inseridos. Desenvolve-se, dessa forma, um modo integrado de experiências e

sensações.

O objetivo da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência, com sua correspondente disposição física “sintônica”, em que o “pensamento” sempre tem seu correlato na visualização concreta – em que a percepção e o sentimento se movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão mais completa e mais livre da realidade (READ, 2001, p. 116).

Sabe-se que cada disciplina precisa ser abordada com integridade a ser

preservada e respeitada e que a arte-educação foi e é muito discriminada. Muitas

vezes, no ensino fundamental a arte é considerada ilustração para as outras

disciplinas. Cabe ao educador mostrar sua autonomia, revelando aos educandos

que as informações científicas sobre o ver e o pensar contribuem para o

desenvolvimento da própria personalidade transformando a formação do ser. O

produto e a própria consciência do olhar são fruto de uma postura coerente perante

à cultura e os meios socioculturais adotados pelo orientador.

Para que ocorra uma apropriação significativa das leituras de imagens é

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necessário relacioná-las ao contexto no qual foram construídas. É nessa hora que a

história da arte liga-se à situação abordada. Nenhuma imagem parte do nada, ou

permeia sem objetivo. Assim, concretizamos a simultaneidade de diversas formas de

pensar num mesmo ato de conhecimento, sem preconceitos ou restrições. A análise

crítica da materialidade da obra, os princípios estéticos e semiológicos, gestálticos

ou iconográficos devem ser selecionados conforme o momento, o local e a imagem

selecionada. Segundo Barbosa:

A metodologia de análise é de escolha do professor, o importante é que obras de arte sejam analisadas para que se aprenda a ler a imagem e avaliá-la, esta leitura é enriquecida pela informação histórica e ambas partem ou desembocam no fazer artístico (1997, p. 37).

Existe uma grande integração entre a busca de significados pelo educando e

a atração provocada pela imagem e, neste caso, o educador deve ser a ponte que

irá concretizar a leitura da imagem, ligando a descrição e a subjetividade,

conhecendo características das classificações de estilo e as relações que estas

exercem com o tempo, a economia e o desenvolvimento tecnológico, pois a

psicologia social sempre interfere na valoração ou no julgamento das qualidades

formais do objeto. “Cada geração tem direito de olhar e interpretar a história de uma

maneira própria, dando um significado à história que não tem significação em si

mesma” (BARBOSA, 1997, p. 39).

As imagens provocam nos observadores reações singulares, diferentes, de

acordo com o envolvimento existencial e sentimental do aluno. Elaborando uma

intuição estética na primeira impressão em relação ao objeto e, conseqüentemente,

uma reação, essas devem ser objeto de discussão. Uma prática problematizadora

proporciona um entendimento crítico dos conceitos visuais e formais, provocando

novos significados, reapropriando-se da primeira impressão, porém retrabalhando-a.

O processo de fruição está interiorizado na apreciação consciente.

Mejorar y dignificar la vida en todas sus manifestaciones, es compromiso de todos es de cada uno de los seres humanos. Esto presupone por parte del docente, investigar, conocer y utilizar, metodologías y recursos incentivadores; teniendo en cuenta el perfil del grupo destinatario y de los individuos que lo integran; para despertar en ellos el deseo de aprender y de pensar (MELCHIORE, 2004, p. 154).

Nos últimos anos, o que ocorreu foi uma falsa educação do olhar, a livre

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expressão sem contextualização, o fazer por fazer sem um objetivo concreto, o que

acarretou falhas no desenvolvimento da capacidade crítica de avaliar a própria

produção do educando e isso não ocorreu apenas no ensino da arte, mas estendeu-

se às demais disciplinas, que continuam a aplicar conteúdos fragmentados sem

interdisciplinaridade ou relação com o meio sociocultural do aluno. Criou-se um

consumidor ávido e acrítico de imagens, impregnado de necessidades fúteis e sem

padrões avaliativos para a transformação consciente de sua realidade. Fica

evidente, portanto, a necessidade de educarmos para um olhar sensível e

transformador, que possa interagir com o universo interior e exterior do ser.

À medida que a visibilidade ativa um repertório construído e captado por um olhar sensível, configurado pela obra de arte, ela abandona a mera condição de atributo do mundo externo e passa a existir na interação entre realidade interior versus realidade exterior, participando como competência incorporada pelo sujeito em seu contato com o mundo. A ampliação da consciência visual possibilita a construção de um repertório de imagens significativas para o sujeito, capacitando-o a imaginar, criar, compreender, ressignificar, criticar, escolher entre uma infinidade de ações possíveis (BUORO, 2002, p. 73).

Na escola aprende-se muito pouco acerca de nossas emoções, tensões, as

quais podem se revelar em múltiplas reações tanto na vida escolar como na própria

sociedade. Há um ambiente hostil e agressivo, no qual a violência, tanto na escola

quanto nas ruas, domina a mentalidade dos alunos desde as séries iniciais até na

própria graduação. Não se deve apenas culpar o sistema, a falta de recursos

básicos para sobrevivência, porque existem inúmeras pessoas que encontram na

dificuldade a felicidade e a maturidade para sobreviver. As instituições de ensino

devem se tornar mais humanas, ressaltar menos os erros, aprender a elogiar e

resgatar a auto-estima. Questiono você educador: quantas vezes recebeu um elogio

pelo seu trabalho ou por alguma experiência positiva realizada pelos seus colegas

ou superiores durante o último ano? E quantas vezes você elogiou algum aluno em

sala?

A arte tem a função de relacionar-se com o universo emocional, porém educar

a emoção é um processo multicultural ligado à família, a toda escola e a todas as

disciplinas. Mas quando falamos da educação do olhar não podemos deixar de

ressaltar que também se constrói na escola uma imagem acerca do mundo, dos

outros e de si mesmo, e essa construção da imagem também vem sendo esquecida.

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O desenvolvimento da capacidade criadora também está no ato do

entendimento global de si e do meio sociocultural em que estamos inseridos, através

da decodificação das múltiplas significações. Portanto, o hábito de utilizar as

diferentes linguagens estéticas favorece a formação de um conjunto de valores

equilibrados para a construção de uma sociedade mais solidária, digna e consciente.

El uso de los lenguajes estéticos, de sus expresiones y de sus contenidos, favorece la formación de una personalidad multilateral, que encuentra en el propio sensus aestheticus un posicionamiento equilibrado entre la parte y el todo, entre yo y el otro, entre objeto y sujeto, entre realidad e imagen, entre desarrollo y paralización. El arte es capaz de establecer uno de los equilibrios más convincentes respecto a la persona en proceso de formación; puede incluso convertir-se en un modo de ser, en un paradigma vital, en un corroborador de experiencias enriquecedoras en el nivel del inconsciente y del consciente, en un canal para la expresividad, la creatividad o la actitud crítica (GENNARI, 1997, p. 76).

Quando nos colocamos frente a uma imagem desconhecida, seja uma obra

de arte, seja uma propaganda, sentimos um certo grau de originalidade, de

criatividade do objeto frente aos valores preestabelecidos e tentamos adivinhar o

que o artista quer nos dizer. Esse primeiro contato nos leva a essa atitude

naturalizada pelo ensino tradicional, porém não devemos perguntar o que o autor

quis dizer, pois ele não é o único dono da verdade ou da interpretação absoluta.

Devemos, sim, questionar sobre o que ela nos provoca, pois não somos detetives,

ou adivinhos, à procura de respostas prontas e iguais. Essa não seria uma

pedagogia que trabalha com as diferenças. A criatividade e a emoção crescem à

medida que compreendemos os efeitos produzidos pelo corpo, pela razão e pelo

espírito perante o estímulo.

El paradigma de la creatividad, repleto de cognitividad y emotividad, sustentado por el bios y el logos, abierto a la recepción de la información icónica y a la generación de la información semántica, dirige la practica de la mirada y la conduce desde los mundos reales a los imperios de la ficción, desde los reinos de la imagen a los universos de lo imaginario (GENNARI, 1997, p. 83).

Ao falarmos do multicultural, do aprender com as diferenças, logo nos vêm à

mente as questões sociais e raciais, porém esquecemos que as diferenças estão

também nas respostas, nos meios de sentir, de interpretar ou provocar. Inúmeras

instituições de ensino insistem em dizer que trabalham e aprendem com elas, mas

cobram do aluno respostas idênticas às dos livros didáticos. O choque de

reconhecimento elimina a obviedade do observador-leitor e afirma o seu poder de

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redimensionar a maneira convencional de ver e pensar as coisas. A expressividade

da apreensão e decodificação torna-se mais ampla, singular e consciente à medida

que eu não me preocupo em responder àquilo que o educador quer ouvir, e, sim, o

que senti em relação ao objeto.

Criando uma espécie de satisfação pessoal pela valorização da

individualidade, verificando onde e como o educando chegou a certo resultado,

estamos recriando um contexto que se apropria da sensibilidade de um tempo e

espaço próprio do lugar onde está sendo observada. Cria-se um conhecimento

híbrido que contempla o contexto da criação através da história da arte e as

sensações individuais que o observador cria à medida que assimila o objeto e

insere-o no seu mundo cognoscível. “[...] a satisfação do objeto demonstra a

adequação ao mundo conhecido do observador, obrigando-o a tomar consciência

deste mundo” (BARBOSA, 1997, p. 42).

Não se deve suprimir a imagem, mas provocar a possibilidade do observador

de exercitar sua capacidade de criar e recriar múltiplas interpretações. Também nas

rodas de apreciação das produções de sala, o exercício da capacidade dos

educandos de observarem conscientemente seus trabalhos é muito importante para

a formação de uma nova consciência, explorando novos significados que surgem da

junção de diferentes olhares.

Para Feldman (1999), a compreensão da linguagem artística implica o

desenvolvimento das técnicas, das críticas e dos processos de criação e, portanto,

das relações sociais, culturais, criativas, psicológicas e antropológicas que permeiam

os seres humanos em seu cotidiano. Entendemos que somente concretizaremos o

desenvolvimento ativo da leitura da imagem quando pararmos de negar a sua

relação com o meio sociocultural em que o educando está inserido, pois a

capacidade de sonhar, de interagir e vivenciar desenvolve-se através do ato de ver,

de sentir e refletir. Essa junção de elementos está diretamente ligada à rede dos

princípios estéticos, éticos e históricos, os quais o indivíduo vivencia tanto na

instituição de ensino quanto fora dela.

Naturalizamos o ato de não prestar atenção no que vemos, ou, quando o

fazemos, estamos simplesmente ligando o olhar à descrição. Não que esta última

não seja importante, mas devemos ir além. Observar o nosso comportamento

enquanto olhamos talvez seja o primeiro passo; buscar entender o meu significado

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em relação à impressão obtida através do olhar fornece subsídios para que a

argumentação em relação a outros momentos do ensino da arte possa ser mais

enriquecida pelas experiências já apropriadas.

A leitura de imagem orienta a produção como um instrumento de ensino, não

como um mero fazer; trabalha a educação estética, a percepção visual, as

simbologias, as relações espaciais, a relação de aproximação ou distanciamento

com o objeto, a criação de significados através da orientação visual. Por isso não

pode mais ser ignorada pela escola. À medida que amadurecemos, vamos fazendo,

através de repetidos encontros com o objeto, diferentes leituras e novos

julgamentos; nosso próprio conceito de belo vai se reconfigurando.

São inúmeras as necessidades de mudança no processo de ensino da arte,

mas pouco tem se discutido acerca da aprendizagem sensório-perceptual. Sabemos

que os processos de criação estão diretamente ligados aos estímulos visuais.

O importante não é ensinar estética, história e crítica da arte, mas desenvolver a capacidade de formular hipóteses, julgar, justificar e contextualizar julgamentos acerca de imagens e de arte. Para isso usa-se conhecimentos de história, de estética e de crítica de arte (BARBOSA, 1997, p. 64).

As imagens conseguem expressar desejos, sensações e sentimentos que as

palavras usuais não dão conta de explicar, através de uma complexidade de

elementos, como a variação de linhas, cores, texturas, espaços, ritmos, movimentos,

equilíbrio, enfim, uma infinita gama de apelos capazes de nos influenciar tanto

consciente quanto inconscientemente no cotidiano. Devemos deixar a imaginação

visual explorar as imagens guiadas pela estética empírica, não apenas ficar restritos

ou presos a roteiros ou métodos preestabelecidos, explorando as mutações, as

aparências, os diferentes pontos de vista sobre o material. O ato da observação é

um suporte interpretativo, de modo que o observador possa recriar mentalmente ou

plasticamente a sua posição em relação a ela.

1.4 Fotografia: uma proposta de reeducação do olhar

O fotógrafo consegue transpor suas ideologias através da imagem; valendo-

se de sua intencionalidade, tem em suas mãos o poder de dar ênfase a detalhes, de

recriar situações, formando e reformulando opiniões. Muitas vezes o observador não

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está apto a perceber essa manipulação, não desvenda a intencionalidade e

tampouco explora o potencial da cena exposta. As “ilustrações” servem apenas

como um atrativo visual, e as informações contidas nas entrelinhas não são

decodificadas, como assinala Kossoy:

Equívocos ocorrem pela desinformação conceitual quanto aos fundamentos que regem a expressão fotográfica, o que os leva a estacionarem apenas no plano iconográfico, sem perceberem a ambigüidade das informações contidas nas representações fotográficas (2002, p. 20).

A extensão da abrangência de uma imagem é incalculável, e considerá-la

como algo esgotável em si é algo tão ingênuo que não cabe mais nesse circuito de

sobrevivência. Nesse contexto, o ser humano passa a ser escravizado pelos apelos

visuais, como um ser alienado pela sua criação.

O observador comporta-se como um animal faminto, que persegue

vorazmente seus desejos de contemplação. Nesse jogo, seu olhar caminha num

sentido espiral, sempre retornando aos detalhes que para ele são mais atraentes;

seu olho permanece vagando pelas formas, cores e planos, afasta-se e retorna

numa dança sincrônica com o real e o imaginário.

No entanto, se o observador ingênuo percorrer o universo fotográfico que o cerca, não poderá deixar de ficar perturbado... Era de se esperar: o universo fotográfico representa o mundo lá fora através deste universo, o mundo. A vantagem é permitir que se vejam as cenas inacessíveis e preservar as passageiras (FLUSSER, 2002, p. 37).

A imagem é capaz de difundir falsos valores e referenciais fragmentados; a

velocidade com que exercemos nosso ato de olhar, de ver e sentir não nos

proporciona oportunidade de reflexão; esgotamo-nos pela repetição, acreditamos na

sua insistência e digerimos falsos conceitos; viciamo-nos a contemplar, criando um

muro que reduz nosso espaço de expressão para ampliar o espaço do outro, espaço

este que surge de acordo com interesses, alianças e valores manipulados. Criamos

uma expectativa pouco saudável acerca desse acolhimento alimentando desejos

fúteis, ampliando nossa solidão.

Existe, na verdade, um gerenciamento internacional da cultura, orientador de parâmetros a serem seguidos que, se obedecidos, iriam nos aproximar de um gosto predeterminado, mas este realizar-nos como autores, pela expectativa criada em torno de nosso possível acolhimento. Estaríamos negociando nossa sensibilidade no varejo (HUMBERTO, 2000, p. 14).

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As imagens não podem ser aceitas como um espelho real da verdade; sua

ambigüidade precisa ser desvelada pela contextualização, que está ligada ao

contexto sociocultural tanto do observador quanto do seu produto. A ausência de

uma contextualização, da provocação de confrontos, cria uma estagnação mental e,

por conseqüência, o congelamento da criatividade.

A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência... A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes “leituras” que cada receptor dela faz num dado momento... (KOSSOY, 2002, p. 38).

Emancipar o observador é parte de uma tarefa de reeducação social, pois

esse comportamento apático enraizou-se como um ritual macabro e acrítico que

permeia naturalmente o cotidiano. Quebrar o paradigma da estagnação mental

equivale ao redimensionamento educacional, resgatando o leitor do absurdo abismo

criado pela ausência de contextualização e reflexão.

A poluição visual torna-se um hábito natural, que encobre, distorce, mascara.

A implantação da invisibilidade vai impregnando-se na capacidade de percepção, vai

encobrindo nossa personalidade; por conseqüência, a singularidade do gosto torna-

se vulnerável a sistemas publicitários ordenados que, automaticamente,

redimensionam nossa valoração acerca dos valores e do próprio universo.

As imagens assimiladas deixam de ser estáticas para se tornar parte de um

conjunto dinâmico, o imaginário. Sonhamos com elas, recriamos, experimentamos

novos desejos; ficamos encantados, hipnotizados, criamos um gosto estranho pelos

noticiários violentos, que cotidianamente formam um ciclo vicioso. Estamos, enfim,

enfeitiçados pela poluição visual.

A imagem... é na origem e por função, mediadora entre os vivos e os mortos, os seres humanos e os deuses; entre uma comunidade e uma cosmologia; entre uma sociedade de sujeitos visíveis e a sociedade das forças invisíveis que os subjulgam. Essa imagem não é um fim em si, mas um meio de adivinhação, defesa, enfeitiçamento, cura, iniciação (DEBRAY, 1994, p. 35).

Essa veiculação de imagens não apresenta uma preocupação com as

conseqüências reais da cultura humana. A supervalorização dos bens materiais está

comercializando almas, destituindo o ser humano em suas qualidades humanas.

Esse desgaste da sensibilidade naturaliza a frieza dos acontecimentos, tornando

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natural conviver com a fome, a violência, a dominação...

Essas imagens, entretanto, uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se dinâmicas e fluídas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. Nosso imaginário reage diante das imagens visuais de acordo com nossas concepções de vida, situação sócio-econômica, ideologia, conceitos e pré-conceitos (KOSSOY, 2002, p. 45).

Portanto, essa capacidade de receber e guardar imagens, sons e sentimentos

interfere na formação da personalidade, dos sentimentos que preservamos em

relação à vida e ao universo. Precisamos nos reciclar, aprender a reeducar a visão

em busca dos valores perdidos; abrir espaço para sensações prazerosas que

podemos observar nas pequenas coisas, no sentir a brisa, no som das ondas do

mar, numa pequena flor. Não precisamos ficar algemados ao consumismo e à

poluição sentimental.

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CAPÍTULO II

A FOTOGRAFIA: UMA FORMA DE REEDUCAÇÃO DO OLHAR

2.1 História da fotografia

A fotografia surgiu no contexto da Revolução Industrial, quando se sucedeu

uma série de invenções que interferiram na história moderna. Com a imensa

procura, ocorreu o gradativo aperfeiçoamento da técnica fotográfica.

A partir de 1860, surgiram grandes impérios industriais e comerciais na

produção de equipamentos e materiais fotossensíveis. A câmara teve, então, uma

função documental, visto que eram registrados grandes acontecimentos, costumes,

monumentos, entre outros, proporcionando ao homem obter um conhecimento mais

amplo das diferentes realidades que até então lhe eram transmitidas pela escrita ou

pela fala. Surgiu aí um novo processo de conhecimento do mundo. Foi nessa época

que a imagem ganhou força através da indústria, com a possibilidade de

multiplicação de imagens, de difusão de hábitos e fatos de povos distantes.

Uma fotografia é o testemunho de algo extinto, mas permanece como portadora de possibilidades de múltiplas leituras, principalmente quando foi produzida com apaixonado empenho, guiada por olhos informados e pela percepção sensível da vida (HUMBERTO, 2000, p. 41).

O mundo tornou-se ilustrável com a capacidade de recordação e de criação e

abriram-se novos caminhos para a própria história da arte. Eram registros precisos

de aparências e fatos absorvidos como verdade absoluta, não questionadas. Foram

as imagens produzidas a partir de 1840 captadas como documentos visuais, cuja

função era revelar informações, congelar existências, que naturalmente já estavam

carregadas de emoções.

Nessa época a fotografia ainda não tinha um pleno reconhecimento como

elemento documental, fonte de investigação e pesquisa científica. Embora já

existisse uma certa conscientização em relação à importância da imagem como

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fonte de informação histórica, um certo preconceito ainda permeava a sociedade da

época.

Sua importância enquanto artefatos de época, repletos de informações de arte e técnica, ainda não foi devidamente percebida: as múltiplas informações de seus conteúdos enquanto meios de conhecimento tem sido timidamente empregadas no trabalho histórico (KOSSOY, 2001, p. 28).

Deve-se lembrar que, no século XIX, uma parcela considerável da população

era analfabeta; por isso, a necessidade de informação visual era cada vez maior,

tanto para a propaganda política como para a comercial. Então, começaram a ser

estabelecidas diferenças crescentes entre as modalidades e os ritmos da produção

de imagens. Nesse contexto surgiram novas exigências para a sua produção:

rapidez na execução, baixo custo, qualidade e alta capacidade de reprodutilidade.

Desde a criação do processo litográfico em 1797 por Alois Senefelder, que

determinou um ponto culminante na definição da importância da reprodução da

imagem, surgindo os retratos em miniatura, a rapidez de execução, preço razoável e

produção em série, é importante perceber que muitas pessoas interessaram-se pelo

processo. É claro que os pesquisadores químicos começaram a buscar soluções

que ampliassem as novas possibilidades de consumo.

Para que fosse possível obtermos imagens através da luz, foram necessários muitos anos, muitas descobertas e invenções. Descobertas óticas e químicas. Invenções de artefatos e mecanismos. A primeira destas invenções foi sem dúvida a Câmera Escura (CAMARGO, 1999, p. 56).

No final do século XVIII surgiram na França e na Inglaterra inúmeras

experiências à procura de superfícies sensíveis à luz e para fixar as imagens, com a

utilização de sais de prata. Começou-se a relacionar esses processos à câmara

escura, onde os princípios da fotografia começaram a engatinhar. Nessa sucessão

de experiências surgiu a daguerreotipia.

O daguerreótipo ganhou muita aceitação, pois proporcionou uma

representação precisa e fiel da realidade, produzindo uma imagem mais nítida e

detalhada; sendo um procedimento simples e acessível, possibilitou-se sua grande

difusão.

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Rouillé analisa o entusiasmo despertado pelo daguerreótipo em termos de lógica industrial. O procedimento permite a decomposição e a racionalização da produção das imagens numa série de operações técnicas ordenadas, sucessivas, obrigatórias e simples. O ato quase místico e totalizador da criação manual da imagem cede lugar a uma sucessão de gestos mecânicos e químicos parcelados. O fotógrafo não é o autor de um trabalho minucioso, e sim o espectador da “aparição autônoma e mágica de uma imagem química” (FABRIS, 1998, p. 14).

Pode-se classificar em três momentos importantes a descoberta do processo

fotográfico: as primeiras experiências, o colódio úmido e a gelatina – bromuro –, que

acabaram por levar à criação da primeira câmara portátil. Nesta pesquisa não

aprofundaremos como esses processos ocorreram, pois nosso objeto de estudo é o

modo como criaram o mito da fotografia como registro.

Inicialmente, a fotografia era considerada uma obra de arte, cujo preço era

alto e, por isso, não ostentada por muitos. Mas por volta de 1880 a fotografia tornou-

se um fenômeno comercial, inúmeros truques seduziam a clientela e surgiu uma

relação mais fria e consumista entre o homem e a máquina. Paralelo a esse

processo, por volta da década de 60, a fotografia pintada garantiu ao artista

fotógrafo a sua consagração, retratando a fidelidade do retrato e criando uma

fisionomia agradável.

A obra fotográfica passou de súbito a ser adquirida como objeto de coleção: criava-se, por fim, um mercado e fotografias de épocas mais afastadas, assim como as contemporâneas, passaram a ser vistas com maior atenção e renovado respeito (KOSSOY, 2001, p. 126).

Disdéri, nesta época, fotografou seus clientes de corpo inteiro e os cercou de

elementos imaginários, compondo um novo espaço e mascarando situações. Houve

uma certa idealização, criando-se padrões de beleza para o indivíduo. Nos ateliês

surgiram telões pintados, decorações exóticas, enfim, alguns aparatos que exalavam

status.

Nesse momento, a fotografia criou em torno da imagem um mito, um registro

do belo, de um momento mágico, e com a criação da reprodução em massa, ela

passou a freqüentar o cotidiano do povo através das ilustrações em jornais, revistas,

auxiliando o processo industrial. Quanto mais inovações técnicas surgiam, mais o

ser humano naturalizava seu olhar, digerindo e ostentando tudo, numa falsa

necessidade de consumo criada pelo seu inconsciente.

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O universo fotográfico está em constante flutuação e uma fotografia é constantemente substituída por outra. Novos cartazes vão aparecendo semanalmente sobre os muros, novas fotografias publicitárias nas vitrines, novos jornais ilustrados diariamente nas bancas. Não é a determinadas fotografias, mas justamente a alteração constante de fotografias que estamos habituados. Trata-se de novo hábito: o universo fotográfico nos habitua ao progresso. Não mais o percebemos. O progresso se tornou ordinário e costumeiro; a informação e a aventura seriam a paralisação e o repouso (FLUSSER, 2002, p. 61).

Além de influenciar a opinião pública em julgamentos criminais, a fotografia

começou a ser utilizada nas expedições para documentar vestígios das civilizações

passadas. Porém, nem sempre o objetivo das expedições fotográficas era apenas

informativo ou documental, pois começou a haver um intuito propagandista,

tornando-se aliada da expansão colonialista.

A fotografia apresenta uma forma híbrida: é uma arte exata e, ao mesmo

tempo, uma ciência artística. Os primeiros fotógrafos retrataram em seus ensaios a

tradição pictórica, com retratos, paisagens, naturezas-mortas, evidenciando uma

dimensão ilusória, por contemplar imagens apenas relacionadas à natureza.

Por volta de 1865, a fotografia confrontou-se com a gravura, que se

demonstrou incapaz de traduzir a fidelidade dos retratos com a mesma exatidão

dessa nova arte mecânica. Surgiram inúmeros preconceitos, manifestos e críticas ao

negativo, discutindo-se a sua legitimidade artística.

A fotografia não possibilitaria apenas a decodificação das obras dos grandes mestres. Permitiria rivalizar com elas e até mesmo superá-las por proporcionar uma nova percepção da natureza e em seus aspectos cambiantes e fugidios. E ainda mais: contribuindo para a educação visual do público, a fotografia propiciaria o estabelecimento de uma escala de valores entre os artistas, graças a qual os profissionais se distinguiriam dos amadores... (FABRIS, 1998, p. 184).

Em seguida surgiu a fotomontagem, que utiliza alguns truques para evitar o

feio, o desagradável, corrigindo detalhes, e assim, tornando as imagens mais belas,

misturando realidade e técnicas. No século XIX, Degas foi um dos artistas que

utilizaram a nova visão que a fotografia proporciona, recriando composições com

contornos sintéticos, cortando figuras, alterando angulações, trabalhando-as com giz

pastel...

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O percurso para a automação da fotografia começa a se tornar visível a partir da segunda década do século XIX, quando são descobertos os produtos químicos e processos para a retenção de imagens luminosas e seu registro. A partir daí, a associação entre o invento da câmera escura e a descoberta da química sensível à luz, possibilitaram o surgimento da fotografia como a conhecemos hoje (CAMARGO, 1999, p. 66).

O nascimento da fotografia num ambiente que valoriza o mundano, o

fragmentário, as aparências, num contexto moral em transição, provocou conflitos,

colocando em crise os valores tradicionais da pintura, da gravura e da escultura. A

Revolução Industrial transformou os hábitos do consumidor, que exige uma visão

mais imediata dos fatos, exatidão e fidelidade nas imagens; conduzindo a uma

grande procura da técnica fotográfica, pois ela respondia ao império dos fatos.

A grande exigência visual no século XIX colocou num turbilhão de conflitos o

conceito da própria arte. Quando a fotografia brasileira ganhou ênfase, algumas

questões estéticas começaram a ser formuladas sobre as qualidades formais da

obra, tentando separar a fotografia artística da fotografia comercial. Questionavam-

se a liberdade e a inventividade do artista, o que nos leva a perceber algumas

mudanças nos valores tradicionais da história da arte.

Assim, se por um lado à obra de arte era vista sem nenhuma articulação com a estrutura social, um setor significativo da historiografia ligada ao materialismo procurava interpretar a produção artística como determinação de fatores sócio-econômicos. A dicotomia superestruturada (infra-estrutura) negava a autonomia da obra de arte para reduzi-la a um simples reflexo de fenômenos históricos produzidos a sua revelia (FABRIS, 1998, p. 200).

Faz-se necessário compreender os conflitos que nortearam a evolução da

fotografia para perceber como ela se instaurou no cotidiano tão fortemente ligada ao

belo, aos padrões e ideais de beleza. Sabe-se que a apropriação do olhar em

relação à imagem cria suportes para representações individuais que se relacionam

ao meio sociocultural do indivíduo, onde recriam a ordem do imaginário, na qual a

análise e a compreensão consciente estão inseridas.

Percebe-se que, no Brasil do século XIX, os padrões europeus eram a base

de referências para as criações e valorações na arte. Por outro lado, a fotografia não

tem a função de simples registro que não levanta nenhum tipo de reflexão sobre

suas fontes e qualidades visuais, que se correlacionam às transformações da

produção econômica. “As análises de fenômenos de caráter sócio-econômico e

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político não parecem dar conta dos processos responsáveis pela formação de novos

padrões de visualidade no final do século XIX” (FABRIS, 1998, p. 201).

Surgem as necessidades relacionadas aos resultados plásticos das imagens,

à escolha da composição, ao enquadramento, à criação de motivos e às variedades

de técnicas e tratamento. A imagem é um conjunto de categorias e esquemas de

percepção, sendo viva e ativa, produzindo representações que são o reflexo da

mentalidade capitalista.

2.2 Pequena biografia de Sebastião Salgado

Sebastião Ribeiro Salgado Junior nasceu em Aimorés, Minas Gerais, em 8 de

fevereiro de 1944. De uma família com oito filhos, ele é o único homem.

No lugarejo de 200 habitantes onde nasceu, perto da pequena Aimorés, cidade interiorana de Minas Gerais, não havia câmaras fotográficas. O pai era criador de gado em uma fazenda de 700 hectares, hoje propriedade do casal. Criança, passou 30 horas dentro de um trem para chegar a capital do Estado. A sofrida paisagem admirada à janela do vagão marcaria Salgado e estaria presente em um de seus primeiros ensaios fotográficos: os trabalhadores das indústrias do Vale do Aço, recorrentes às margens de toda a estrada de ferro (PAES; DUARTE e VANNUCHI, 2000, p. 29).

Em 1964 começou a estudar economia em Vitória, capital do Espírito Santo, e

terminou o curso em 1967, coincidentemente no mesmo ano em que foi realizado o

primeiro transplante de coração. Em 16 de dezembro desse mesmo ano casou-se

com Lélia Deluiz Wanick. No ano seguinte, cursou pós-graduação em Economia pela

Universidade de São Paulo (USP) e até julho do ano seguinte trabalhou na

Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Já em 1969, quando o homem pisou na Lua, Sebastião seguiu os cursos de

preparação para doutorado em Economia na Universidade de Paris, Panthéon, até

1971 (mesmo ano em que foi fundado o Greenpeace para protestar contra testes

nucleares no Alasca). Entre 1971 e 1973 trabalhou em Londres para a Organização

Internacional do Café, na área de investimentos, onde participou da diversificação de

plantações de café na África. Em 1973, começou sua carreira como repórter

fotográfico, interessando-se, num primeiro momento, pela seca no Sahel (África) e,

em seguida, pelos trabalhadores imigrantes na Europa.

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Salgado tirou seu primeiro retrato em 1971, aos 27 anos. Nessa ocasião, vivia em Paris com sua mulher, a arquiteta Leila Wanick Salgado, que fora obrigada a comprar uma câmera Pentax para fotografar apartamentos. Seu marido “roubou-lhe” a câmera por um instante e tirou um retrato seu, sentada no parapeito da janela, em um dia de sol (PAES; DUARTE e VANNUCHI, 2000, p. 30)

No ano de 1974 trabalhou para a agência Sygma, em Paris, e viajou para

Portugal, Angola e Moçambique. Em fevereiro desse ano nasceu seu primeiro filho,

Juliano; no ano seguinte entrou para a agência Gamma.

No período de 1977 a 1983, pesquisou as dificuldades da vida dos

camponeses, índios e seus descendentes na América Latina, trabalhando em nove

países, desde o México ao Brasil. Este projeto resultou no Ensaio “Outras Américas”.

Durante todos estes anos, Salgado fotografou, no Brasil, os Garimpeiros de Serra Pelada, os cortadores de cana do Nordeste, os poucos Ianomâmi que ainda sobrevivem no sul da Amazônia e os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) (PAES; DUARTE e VANNUCHI, 2000, p. 31).

Em 1979 trabalhou para a agência Magnum, continuando seu trabalho sobre

os vários níveis de integração dos imigrantes no círculo social europeu, onde

ressaltou principalmente a França, Holanda, Alemanha, Portugal e Itália. Em agosto

deste ano, nasceu seu segundo filho, Rodrigo.

Em 1982 recebeu pelo Ministério da Cultura da França o Prêmio Eugene

Smith da Fotografia Humanitária, como recompensa do seu trabalho de pesquisa

com os camponeses na América Latina. Entre 84 e 85, em conjunto com a

organização humanitária Médecins Sans Frontiéres, fotografou o efeito arrasador da

seca na região de Sahel na África. Ainda em 1984, recebeu o Prêmio Paris

Audivisuel e Kodak pela publicação do primeiro livro de fotografia; no ano seguinte,

recebeu o prêmio World Press Photo, Holanda, e o Oskar Barnack, na Alemanha,

pelos registros da seca em Sahel.

Os princípios resultantes dessas análises despertaram Salgado para algumas dezenas de reportagens, realizadas durante sete anos em 45 países. Uma pequena amostra do universo de milhares de imagens conservadas pelo fotógrafo pode ser observada na exposição Êxodos e nos dois livros que acompanham a exposição (PAES; DUARTE e VANNUCHI, 2000, p. 32).

Em 1986, como conseqüência das publicações sobre seu trabalho na América

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Latina e no Sahel, Salgado recebeu inúmeros outros prêmios e, a cada ano

seguinte, novos troféus e condecorações, tornando-se um fotógrafo respeitado no

mundo todo.

No Brasil, em 1977, no mesmo ano em que nasceu a ovelha Dolly na Escócia,

o primeiro animal clonado em laboratório, Sebastião recebeu o prêmio Nacional de

Fotografia, Ministério da Cultura, Funarte, e o prêmio A Luta Pela Terra,

Personalidade de Reforma Agrária, Movimentos dos Sem-Terra.

2.2.1 Êxodos: uma das principais obras de Salgado

Sebastião Salgado apresenta em suas imagens-textos elementos que

representam os deslocamentos populacionais de risco, entre eles os refugiados de

guerras ou perseguidos por problemas políticos e os deslocamentos familiares, por

motivos econômicos, desempregados, sem terra, sem teto, populações indígenas

suprimidas pela carência de políticas públicas e uma acelerada exploração

predatória de florestas e áreas de preservação. Aponta o ato predatório do homem

para consigo mesmo, a expansão de um submundo violento, um ambiente de

exclusão.

Salgado faz o retrato de uma época antropofágica, na qual a depredação do

corpo e da alma é impulsionada pela globalização, ou seja, uma parcela significativa

da população planetária que é excluída socialmente e economicamente, sendo

obrigada a abandonar seus direitos à cidadania, suprimidos em prol do consumismo

desenfreado.

Por identificar-me com as imagens e realidades apresentadas no livro Êxodos

e acreditando que esse capital cultural seja pertinente à realidade dos educandos,

optei por limitar meus comentários a essa edição. No primeiro capítulo desse livro, o

fotógrafo aborda questões pertinentes à fronteira entre o México e os Estados

Unidos, onde inúmeras pessoas provindas de diferentes nacionalidades arriscam-se

no intuito de atingir dentro do território americano condições financeiras e sociais

mais respeitáveis. Também registra o estreito de Gibraltar, através do qual muitos

imigrantes deixam a África e tentam, atravessando o Marrocos e a Espanha, chegar

à Europa. Ainda, no leste da Europa aparecem judeus russos tentando chegar a

Nova York.

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Outro lugar com intensos deslocamentos populacionais reflexos de intensos

conflitos é o Oriente Médio, como os afegãos e palestinos, os curdos, sem território

pátrio, sem Estado ou elos que lhes permitam uma identidade singular, e os

refugiados de guerra da Ex-Iugoslávia.

No segundo capítulo tematiza visualmente as tragédias do continente

africano, que priorizam a banalização do viver, o gosto do azedo, a negação da

infância, a miséria, epidemias, o desejo da apropriação de riquezas e a exploração

natural e territorial. Surgem aqui imagens de campos minados, de corpos mutilados,

da expansão do terror. E o terceiro capítulo reflete sobre a globalização, a

hegemonia cultural, as migrações rurais/urbanas, o esmagamento de povos

indígenas, o movimento sem-terra...

Percebe-se que o livro tem como objetivo atingir os formadores de opinião,

buscando a sensibilização para um movimento em defesa da vida e da preservação

da humanidade. A rotina acelerada dos trabalhadores, as ideologias neoliberais, as

crises econômicas e políticas acabam mascarando a necessidade de criação de

novas solidariedades e formas de organização voltadas à ética e à cidadania. A

garantia de um futuro que projeta os direitos mínimos de sobrevivência de todos

aqueles que vivem em condições menos favorecidas no meio sociocultural atual

deve ser assegurada. “O olhar dessas crianças estimula nosso sentimento de

urgência na construção de outro modo de ser” (IOKOI, 2000, p. 11).

Os migrantes clandestinos buscam superar, nas fronteiras México/EUA,

câmeras vigilantes capacitadas para iluminação noturna, rádios de alta potência e

equipamentos de identificação biométrica, além de um grande aparato militar. O

sonho de uma vida melhor, economicamente farta, com garantias de consumo

asseguradas pelas propagandas midiáticas, compensa os riscos. Uma pesquisa

elaborada pela Universidade de Huston aponta que, entre 1993 e 1997, o número de

mortos na fronteira foi de 1.183 homens. Um deles foi um brasileiro de 26 anos, que

se afogou ao tentar atravessar o rio Laredo/Texas.

Também os afegãos, pelos inúmeros conflitos, somam mais de 4,5 milhões de

refugiados, a maioria no Irã. Com o surgimento em 1995, no sul do país, de um

grupo armado denominado Taliban, que pretendia a criação de um governo islâmico

unificado e a imposição das leis do Corão, que excluem as mulheres da vida pública,

do sistema educacional, proíbem cinema, teatro e inúmeras formas de lazer,

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espalhou-se o terror, ampliando-se os grupos armados e atentados violentos.

Salgado reflete a perseguição no Oriente Médio, os refugiados palestinos, o

terrorismo, a dor, o sabor do veneno, a mutilação.

Aos formadores de opinião fica o questionamento: saber qual é o olhar do

aluno com o qual trabalhamos sobre essas questões? Sobre essas imagens?

Estamos apenas trabalhando para sobreviver ou suportar a rotina da sala de aula? É

preciso levar em conta tanto a necessidade de estímulos dos alunos quanto dos

professores.

Os conflitos sangrentos prosseguem, faltando com respeito aos acordos de

paz. A mídia entra em nossas casas todos os dias arrancando-nos momentos de

diálogos; refeições em família são feitas em silêncio para que a atenção se volte ao

noticiário que anuncia retaliações corporais.

2.2.2 Cultura visual x mudança educativa

O caráter da não-identidade é impregnado na vida humana muito cedo, pois

já as atitudes comportamentais de bebês são influenciadas pela televisão, através

de atrativas imagens em movimento. Os fetiches que pregam uma falsa liberdade

são inculcados pela indústria cultural no cotidiano, produzindo um caráter de

negatividade do eu e do meio sociocultural.

Os produtos culturais veiculados no contexto da sociedade de massa, embora contenham elementos de cultura, não é essa a finalidade ou função que os constitui. O cerne, isto é, o núcleo que dá sustentação a essa forma cultural apropriada ideologicamente é a dinâmica consumista consolidada pelo processo industrial como universo social unidimensionalizado (FABIANO, 2003, p. 497).

A mídia volta-se exclusivamente para os aspectos tecnocomerciais em

detrimento do desenvolvimento social e humano. Nesse contexto, as imagens

movimentam a consciência levando-a a um estado de inversão de valores morais e

sociais. Esse sistema industrial formula conceitos e cristaliza ideologias que impõem

modelos de verdade, gerando uma realidade virtual e comercial. Esse

embrutecimento dos sentidos humanos ocorre em virtude da interferência dos

processos de produção e reprodução de imagens, voltadas a um sistema social que

vai destituindo a subjetividade enquanto característica humana.

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A leitura de imagens pode ser uma possibilidade de um resgate significativo

da percepção dos sentidos. Assim, a fotografia apresentada num ensaio singular

não estabelece uma identificação imediata, mas se constitui num elemento capaz de

mediar a imagem com a realidade social que a produziu, alimentando a dimensão

estética e articulando percepções.

E se a dimensão estética da obra artística por si só não se constitui como determinante de mudança das condições sociais, nela está contida pelo menos a possibilidade de articular tais mudanças, tornando-se por base a mediação com a realidade histórico-social que a produziu, sem contudo ser a sua afirmação (FABIANO, 2003, p. 497).

A nova realidade cultural da sociedade contemporânea requer um leque de

atividades educativas voltadas a uma educação para a imagem e com a utilização

desta como recurso. Percebemos uma falha no sistema educacional que ignora esse

desenvolvimento das técnicas de informação; por conseqüência, surge uma

escravidão mental implantada pelos meios de comunicação de massa, que se

tornam ícones alienantes e desinformantes que só podem ser revertidos na medida

em que forem lidos, ultrapassando a muralha dos contextos inadvertidos e não

selecionados pelo observador.

Educar para a imagem (e a isso se acrescenta hoje, de maneira sempre mais imprescindível, o educar com a imagem) significa praticamente educar a “ler” a imagem; isto é, não só a captar a informação material (ou narrativa) que ela contém, mas a captar o pensamento direto ou indireto (fundos mentais) do autor da imagem, o que significa libertar da massificação e da conseqüente instrumentalização (TADDEI, 1981, p. 8).

Antigamente, a comunicação dava-se muito mais por conceitos do que por

imagens; por isso, a maneira tradicional de comunicar corre um alto risco de não

conseguir as interpretações desejadas. A era da imagem relaciona-se às metáforas

sensuais dos moldes padronizados pela sociedade de consumo, e a escola deve

estar atenta a essa mudança para propor soluções. Portanto, é visível a

necessidade de adoção de métodos que utilizem a imagem em suas obras de

formação voltados à criticidade e ao contexto social da escola. Educar com a

imagem significa fazer dela uma forma de expressão significativa; logo, a fotografia é

um ótimo instrumento para a sensibilização e conscientização.

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Felizmente ainda existem pessoas que acreditam que educar o olhar é possível, buscando divulgar com maior extensão o livro Êxodos de Salgado. Em 2000 é publicado o projeto educativo com três volumes que além das narrativas fotográficas selecionadas da obra original, foram criadas narrativas literárias, resumos históricos e conceituais para a compreensão dos processos registrados. Assim como bibliografias de referência e indicações de filmes, um conjunto de mapas e uma leitura poética das imagens enquanto textos emotivos e intencionais. Ao atingir os formadores de opinião, pretende-se que o drama apresentado sensibilize aos adultos e as crianças de todos os lugares, criando um movimento em defesa da vida e da preservação da humanidade do homem (IOKI, 2000, p. 11).

Entretanto, muitos educadores não tiveram acesso ao material, por falta de

divulgação do projeto, pelo desinteresse das autoridades, pela inexistência de

políticas públicas voltadas a uma reeducação cultural e emocional. Tudo isso conduz

a que a educação ignore cotidianamente a brutalidade com que a humanidade vem

destruindo suas próprias características humanas. Assim é que uma gigantesca

porcentagem dos brasileiros não conhece um dos maiores fotógrafos do país, nem

sequer ouviram seu nome ou observaram uma de suas fotografias.

Como educadora, acredito que um novo sentido de futuro deve ser concebido

para as gerações que estão em processo de alfabetização do olhar

(independentemente da idade); um novo sentido de ser e sentir o outro e a si

mesmas precisa ser construído no processo educacional. E o trabalho de Salgado,

com sua objetividade, provoca sensações, estimula reações que podem ser

trabalhadas nessa construção do novo. É um conhecer a realidade do outro criada

pela intencionalidade do fotógrafo na busca de um despertar mais significativo do

próprio sentido da vida.

2.3 Miguel Rio Branco: vida e obra

Miguel da Silvas Paranhos do Rio Branco nasceu em Las Palmas de Gran

Canária, na Espanha, em 1946. Atualmente mora e trabalha no Rio de Janeiro,

sendo fotógrafo, pintor, artista multimídia e diretor e fotógrafo de cinema.

Iniciou sua carreira profissional em 1964 através de uma exposição de pintura

em Berna, na Suíça. Em 1966, optou por estudar na New York Institute of

Photography e, em 1968, na Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de

Janeiro. Na década de 1970, trabalhou como fotógrafo e diretor de filmes

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experimentais em Nova York e já em 1972 começou a expor seus trabalhos de

fotografia e cinema. Todavia, mas sempre paralelo à fotografia, continuou a dirigir

filmes de curta e de longa metragem durante os nove anos seguintes.

Entre os inúmeros prêmios de fotografia de Miguel Rio Branco destacam-se o

Grande Prêmio da Primeira Trienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São

Paulo (1980) e o Prix Kodak de La Critique Photographique, Paris (1982). Entre suas

exposições individuais e coletivas ressaltam-se as seguintes: Centre Georges

Pompidou, Paris, 1982 e 1983; XVII Bienal de São Paulo, 1983; Stedelijk Museum,

Amsterdam, 1989; Palazzo Fortuny, Veneza, 1988; Funarte, do Rio de Janeiro,

1988; Frankfurter Kunstverein Frankfurt, 1996; Museu de Arte Moderna do Rio de

Janeiro, 1996.

As fotografias de Miguel Rio Branco traduzem a riqueza, a complexidade e a sensualidade da América Latina contemporânea. A tensão entre manhã e noite, terra e mar, mulheres e homens, dor e prazer é sutil mas poderosamente retratada. As fotos de toureiros, capoeiristas, boxeadores e prostitutas estão carregadas de intensa paixão humana. Rio Branco expõe os elementos velados e proibidos do mundo à sua volta, iluminando assim, o poder intrínseco de seus objetos (SALGADO; SALGADO apud BRANCO, 1998, posfácio).

As fotografias de Miguel Rio Branco abordadas no estudo estão relacionadas

aos processos de criação contidos no ensaio denominado Entre os olhos, o deserto,

publicado em 2001.

Neste livro, as imagens são recheadas de mistério; as formas insinuam,

escondem, revelam; as cores tornam-se personagens vivas, relatam histórias,

aguçam nossos sentidos, passeiam livremente pelos períodos mais fascinantes do

dia. O nascer e o pôr-do-sol, períodos extremos que iluminam, refletem suas formas,

combinam extremos, oscilando entre a aflição, a exaltação e a banalização. A

diversidade e a pluralidade retratam a singularidade de janelas que nos dão a

sensação de continuidade, como se do movimento rotatório do ciclo vital congelado

pelo olhar emergisse a vitalidade complexa do homem, propondo, intencionalmente

ou não, uma nova forma de olhar o mundo, recriando-o, vigoroso, quente e perplexo.

Criar é formar algo novo. O ato criador relaciona-se com a capacidade de

compreender, pois relacionamos, ordenamos e configuramos os significados

provocados pelo ato de olhar. Lembramos aqui de um velho ditado popular: “O que

os olhos não vêem o coração não sente”. O ser humano, enquanto formador de

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sentidos, configura através da experiência do olhar um aprendizado empírico e

significativo; por meio dos estímulos captados no cotidiano, como a luz, os sons, os

cheiros, as cores..., vamos associando-os e ordenando-os mentalmente.

Inconscientemente, acabamos nos apropriando desses estímulos para

solucionar situações de desejos, medos, angústias ou qualquer desafio encontrado

para criar uma nova forma de resolução. Ao transformar o nosso meio, também nos

transformamos.

Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é uma realidade nova que adquire dimensões novas pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos (OSTROWER, 1987, p. 28).

As fotografias de Miguel Rio Branco relacionam-se diretamente, enquanto

estímulos, ao processo criador; são elementos que nos levam a viajar, a intuir,

observar e estão carregadas de conflitos emocionais; argumentam através dos

elementos formais, pondo à prova nossa vulnerabilidade ao toque pelo olhar;

penetram no corpo e na mente como se tocassem a epiderme da alma através do

calor das cores. Cada observador vai senti-las diferentemente, de acordo com suas

afinidades e seus íntimos interesses; cada pessoa sente em si uma reação singular,

desenvolvendo seu discurso de análise de acordo com suas potencialidades e

experiências preexistentes, que constituirão sua motivação para a concretização da

desnaturalização de sua forma de olhar.

O ser humano elabora e recria seu potencial criador por meio do olhar; não

que ele seja a exclusiva fonte de transmissão de significados, mas, em meio aos

apelos da sociedade capitalista, é, sem dúvida, a fonte mais provocante. O ato de

olhar é uma experiência vital, na qual o ser humano encontra a realização de seus

desejos mais íntimos e profundos, realizando através da observação tarefas mentais

e emotivas. Assim, à medida que sentimos a necessidade de encontrar soluções

criativas perante as dificuldades, apropriamo-nos das ordenações de vivências para

que ocorram algumas recordações de imagens que nos servirão de estímulos.

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O artista não se define apenas pela habilidade em seu artesanato, mas por sua capacidade no manejo de uma linguagem e pela força inovadora no rearranjo constante de seus elementos, capaz de levar à revelação da coisa surpreendente. Assumir-se como artista não significa admitir-se como um indivíduo especialmente esplendoroso, mas como alguém que atribui a seu ofício um compromisso de transformação (HUMBERTO, 2000, p. 18).

A invenção é o auge de um processo somatório de experiências e resulta de

acertos e erros, escolhas e julgamentos que fazemos em nossas vivências e as

transformamos. Criamos uma busca por algo indeterminado, o qual se torna

misterioso e empolgante na medida em que traz a satisfação do desvendar através

do fazer artístico; torna-se a solução resultante da insistência, trabalhamos com a

representação de nossos signos mais íntimos.

A leitura das fotografias de Rio Branco pode instigar o processo criativo de tal

forma que o observador fique sensibilizado a analisar criticamente não somente os

elementos formais, mas também as reações provocadas pela sua contemplação

consciente. Em todos os campos que o ser humano percorre através de seu

pensamento, seja na ciência, na saúde, nas artes ou nos campos tecnológicos, no

cotidiano de suas produções, ele cria soluções pela sua sensibilidade, pelo equilíbrio

entre a emoção e a lógica.

O ato de ler as fotografias como texto conduz à percepção de certas

possibilidades ignoradas atualmente pelas instituições de ensino. A leitura de

imagem deve ser reconhecida como um percurso orientador, visto que, dentro de

nossas limitações na forma de olhar, criamos estereótipos que nos impedem de

compreender e responder às camadas dominantes do nosso meio sociocultural. A

fotografia liga-se em rede a inúmeros ramos sensíveis, provoca sensações que

atuam diretamente na imaginação criativa, vinculando-se às experiências adquiridas

e levantando novas hipóteses sobre certas configurações naturalizadas. “Assim, o

imaginar seria um pensar específico sobre um fazer concreto” (OSTROWER, 1996,

p. 32).

A fotografia é uma linguagem sedutora, cheia de luz e imagens; torna-se

menos abstrata do que a língua escrita ou falada; seleciona ícones do mundo das

aparências e lhes dá um toque próprio de acordo com o olho do fotógrafo.

O olho-câmera não pensa: ele reconhece. Mostra-nos o que já sabemos mas sem saber que sabemos. Sua sintaxe é menos contida que a sua gramática, e por isso é importante a maneira como as imagens se combinam (STRAUSS, 1998, p. 7).

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O que está entre os olhos hoje quase sempre esteve despercebido antes. As

imagens com que nos deparamos no cotidiano são veladas pela nossa

irracionalidade perante os apelos conquistadores. Estamos vivendo sem perceber

que a televisão naturaliza a violência, pois nos mostra cenas destruidoras; não

reagimos, estamos apáticos aos problemas sociais e pessoais; vivemos entre dois

mundos distintos sem perceber o real e o imaginário.

As fotografias de Rio Branco tornam-se a ponte entre o visível e o invisível,

entre a leitura e o descaso. O olhar torna-se a morada da alma à medida que vamos

lendo e compreendendo nossa própria forma de olhar. Os olhos devem pôr à prova

as aparências, deixando o corpo encher-se de sensações agradáveis ou não, e

nisso a luz tem um papel revelador, encantador. A luz tem o poder de desestabilizar

o ser pela sua capacidade de nascer e morrer muitas vezes durante o dia, e Miguel

consegue captá-la de forma a aquecer e resfriar o ser humano simultaneamente.

Nas mãos de Miguel Rio Branco, a montagem se torna poesia – mais especificamente, poesia trágica. Como toda tragédia, ela se concentra em dois pontos essenciais: a coragem e a inelutabilidade da derrota. Isso é representado pelas imagens, mais do que ilustrado por elas (STRAUSS, 1998, p. 7).

Ao retratar o nascer ou o pôr-do-sol, o fotógrafo expressa o sofrimento da luz,

oscilando entre a exaltação e a banalização, produzindo novos significados,

transmitidos pela sensação de calor ou frio. Com isso, o observador acolhe tanto o

entusiasmo obtido pela cor quanto a rejeição ferozmente produzida pelos temas. A

câmera amplia o universo expressivo, proporcionando através da tecnologia novos

intermediários entre a sensibilidade humana e o processo criativo, modificando

fronteiras, ampliando janelas, que fazem brotar uma nova forma de sentir a estética.

Nessa poética permeia o cotidiano, alimentando possibilidades de discussões. Aqui

já começamos a perceber que a fotografia, como texto, pode conter tantas leituras

quantas o observador for capaz de fazer ao viajar no mundo da imaginação.

O fotógrafo modifica intencionalmente os dados da realidade com o desejo de

alcançar um determinado equilíbrio, que se faz imaginado durante a escolha do

ângulo a ser retratado. Essa intencionalidade age diretamente na sensibilidade, que

é variável em cada indivíduo, na estrutura única de uma individualidade; a

imaginação e a linguagem adquirem formas pessoais e objetivas que acabam por

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reordenar as experiências, produzindo novos significados, tanto para o fotógrafo

quanto para o observador.

Sendo a linguagem um referencial básico para a comunicação, a fotografia

torna-se um referencial para a elaboração de critérios de valor. As fotografias de Rio

Branco iluminam o olhar no “como ocorre essa comunicação”, no “quê expressam

através dos elementos formais” e no modo como esse conteúdo expressivo na forma

objetivada caracteriza a extensão do sujeito que retransforma o seu próprio olhar.

A imagem objetivando uma forma de linguagem é uma condição

indispensável para a concretização de diagnósticos no ensino da arte, pois, uma vez

que nos tornamos indiferentes à nossa realidade, necessitamos de uma atitude

básica. Por isso, cabe ao orientador propor uma forma carregada de qualificações

criativas para que o educando reintere sua imaginação, o que ocorre do interesse,

do entusiasmo de um indivíduo pelas crescentes possibilidades em determinados

assuntos ou em certas realidades.

2.4 Fotoetnografia: sob um olhar de Luiz Eduardo Ro binson Achutti

Achutti é gaúcho, nascido em Porto Alegre no dia 4 de janeiro de 1959.

Começou a trabalhar como jornalista em 1979 e realizou trabalhos para diversos

jornais e revistas, entre eles Zero Hora, Folha de S. Paulo e Revista IstoÉ. É

formado em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social; atualmente é

professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul1.

É autor do livro Fotoetnografia, resultado de sua pesquisa visual na Vila Dique

em Porto Alegre, uma comunidade que retira seu sustento da separação do lixo. Em

sua obra, o autor levanta questões relacionadas à antropologia do olhar,

considerando o texto escrito uma forma de ilustração para suas imagens textos, as

fotografias. Provoca discursos dentro da interioridade de cada observador,

contaminando com emoções o pensamento, que por alguns instantes fica congelado

numa viagem questionadora acerca da própria imagem.

1 Dados retirados do livro Fotoetnografia de Luiz E. R. Achutti, 1997.

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Pequena queimadura de luz sobre uma superfície sensível (como uma alma) – os nitratos de prata, pele e película ao mesmo tempo – a fotografia é, na sua materialidade, tanto uma ferida como uma cicatriz, uma fenda aberta no tempo, uma rachadura do espaço, uma marca, um rastro, um indício... As fotografias são tecidos, malhas de silêncio e de ruídos, os envelopes que guardam nossos segredos, as pequenas peles, as películas de nossas vivências. As fotografias são memórias e confidências (SAMAIN apud ACHUTTI, 1997, p. XIX).

Achutti propõe um ângulo a mais para o olhar: mergulhar na realidade do

outro para interpretar valores, experienciar sentimentos. Ao tratar de um tema do

cotidiano tão polêmico, pesado e mal cheiroso como o lixo, provoca um certo

estranhamento; com sua câmera desconstrói, percebe particularidades nas pessoas,

no espaço, nos objetos. “Ciente de estar de certa maneira ousando, desenvolvo, em

termos de ênfase descritiva, uma forma narrativa – foto – etnografia – de relatar a

vivência cultural de um determinado grupo” (ACHUTTI, 1997, p. XXIV).

Considera a fotografia como espelho ideal, mágico, espelho que evoca

memórias, que faz através dela uma espécie de coleta visual, explorando ângulos,

planos, texturas, cores, volumes, linhas, compondo esteticamente com o sentir.

Dessa forma, faz conexões entre fotografia e etnografia; os textos fotográficos são

mais do que cópias da realidade, são recortes de afirmações e de interpretações

sobre o real. Nesse contexto, as imagens apresentam um potencial psicológico e

sentimental capaz de provocar estímulos, reações, de gerar funções, adquirindo

características diferentes de acordo com as vivências do próprio observador.

Nenhuma imagem é inata, inocente ou inadvertidamente lida, ela se insere num contexto, num amplo sistema de significação composto por estruturas de sentido e semiótica próprias e é sob este ponto de vista que deve ser lida: como um processo contínuo, um refletir e refratar simbólico de um espelho: o que ele absorve do mundo e o que ele devolve, o que ele mostra e o que nós vemos (CAMARGO, 1999, p. 34).

Esses espelhos, cuja moldura é determinada pelo fotógrafo, apresentam uma

carga emotiva acumulada pelos inúmeros recortes de olhares anteriores que

caracterizam a bagagem sociocultural do próprio fotógrafo. Acabam criando

conexões com o observador e suas leituras, alterando configurações, construindo

conteúdos, comunicando, mobilizando cognitivamente novas sinapses. “Informação

visual não se resume na confirmação do óbvio, mas pode ser uma porta de entrada

para reflexões renovadas, a partir de indicativos oferecidos por um momento real

roubado ao tempo” (HUMBERTO, 2000, p. 41).

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Essas leituras acabam sendo significativas na medida em que estabelecem

relações com princípios ou identidades com o mundo natural e real ao qual nos

referenciamos cotidianamente. Portanto, as imagens criam novas fontes de

referenciais.

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CAPÍTULO III

ESTÉTICA E IMAGINÁRIO: INGREDIENTES PARA A

RECONSTRUÇÃO DE VALORES

3.1 O belo e o feio

O juízo do gosto não é cognitivo. Sendo estético, está ligado às sensações,

às emoções, que resultam em relações empíricas por meio das quais o sujeito

percebe o que o objeto pode provocar nele. A questão em discussão aqui é perceber

como aflorar no educando o que o objeto provoca dentro dele, não a importância de

sua existência, ou simplesmente abordar a questão do gosto. “Não se pode ser

minimamente influenciado pela existência da coisa, mas antes a este respeito de se

estar completamente indiferente, para se desempenhar o papel de juiz em coisas do

gosto” (PINA, 1982, p. 15).

Mesmo que o objeto que observamos não nos seja agradável aos sentidos,

devemos perceber o que ele nos provoca, a intencionalidade com que foi elaborado.

É por meio de sentidos que buscamos conhecer a representação dos objetos, aquilo

que tende a permanecer no sujeito.

Um exemplo desse contraste entre o gosto do observador e o sentido que a

imagem apresenta para o criador são as pinturas de Francis Bacon, que utilizam a

distorção da forma, cores fortes e marcantes, assim como temas relacionados à

crucificação, à deformação da carne, entre outros. Para muitos chega a ser

considerada uma arte trágica e violenta, mas para o artista é apenas uma forma de

expressão de elementos que para ele apresentam um significado muito forte.

Se você for a um desses grandes depósitos e andar por aqueles salões enormes, cheios de cadáveres, encontrará carne, peixe, aves, tudo ali morto esticado. E, como, pintor, você não pode deixar de perceber toda a beleza do colorido da carne (BACON, 1995, p. 46).

O juízo que elaboramos sobre uma coisa, o sentimento agradável que

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expressamos frente a ela, está ligado a um interesse preexistente consciente ou

não; portanto, a satisfação está ligada a um certo apetite pelo assunto abordado.

Então percebemos que o agradável contenta, elabora a fruição, à medida que revela

a intimidade do contentamento. Mas como elaborar e provocar nos educandos a

fruição a partir do feio, do diferente?

O agradável e o bem têm ambos uma referência ao poder de desejar e trazem consigo, nessa medida, aquele uma satisfação patologicamente condicionada (por estímulos), este uma pura satisfação prática, em ambos os casos uma satisfação que não é determinada apenas pela representação do objeto, mas ao mesmo tempo pela ligação representada do sujeito com a existência daquele. Não agrada apenas o objeto, mas também a sua existência (PINA, 1982, p. 19).

A representação do sentimento de prazer e desprazer a que nos referimos

deve ser constantemente questionada e relacionada à existência do objeto, quanto à

valoração pessoal, ao contentamento, ao interesse que ele desperta. A imagem

original do gosto, que está relacionada à idéia da razão, não pode ser representada

por meio de conceitos, mas, sim, por representações singulares e individuais que,

por razões socioculturais, produzimos em nós; é um ideal de imaginação que se

sustenta na representação, pelo qual formulamos o nosso próprio ideal de beleza.

Portanto, o educador convive com diferenças no próprio conceito do belo e deve

partir delas para propor julgamentos, leituras e análises.

[...] A idéia estética normal, que é uma contemplação singular (da imaginação), a qual representa à medida de orientação do seu julgamento, como de uma coisa própria de uma espécie particular de animal; segundo, a idéia da razão, a qual torna os fins da humanidade, na medida em que estes não podem ser representados sensivelmente, em princípio do julgamento de uma figura por meio do qual, como seu efeito no fenômeno, aqueles se revelam (PINHA, 1982, p. 25).

A idéia do belo ou do feio surge da experiência do olhar, de elementos

particulares na construção de sua relação com a figura. A imaginação evoca sinais

para conceitos, reproduz imagens e as figuras de objetos observados; compara e

recria segundo a consciência, criando uma analogia óptica; relaciona o espaço e o

tempo em que o objeto foi percebido, criando, assim, um significado. A múltipla

concepção e capacitação de elementos e figuras, levando-as para um órgão de

sentido interior, cria condições empíricas de desenvolvimento do senso crítico,

através de uma idéia normal de beleza pré-relacionada, capaz de interagir com

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elementos visuais do cotidiano. Assim, podemos afirmar que a imaginação interage

no olhar, permitindo um desenvolvimento sensível e crítico. É nessa fase do

desenvolvimento do olhar que ocorre a desnaturalização, ou seja, a reeducação do

modo simples e pacato de ver, ou melhor, de digerir as imagens.

Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas ou encenadas –, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para um antes e um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam de amor ou de ódio), conferimos à imagem imutável uma vida infinita e inesgotável (MANGUEL, 2001, p. 27).

É na imaginação que a imagem cria vida, germina e se desdobra, formulando

uma teia de relações com outras imagens e informações. Essas relações recriam

histórias, sentimentos e estímulos, visto que cada imagem, com suas singularidades,

aciona operações de pensamentos. Nesse ciclo construímos nossas narrativas por

meio de um espectro de circunstâncias íntimas e sociais, prazeres ou devaneios que

pontuam nosso imaginário e, por sua vez, nosso ato de gostar ou não.

As imagens existem e flutuam em meio a diferentes percepções: aquelas que

motivaram seu criador a formulá-las e aquelas que podemos nomear ou lembrar;

ainda, aquelas que habitam o abismo de nossa incompreensão. Inquietações, vozes,

formas, luzes são artifícios para representações, as quais são exatamente aquilo

que queremos ser, que almejamos ver, mas jamais serão algo fechado, acabado ou

pontuado. Cada olhar tem seu leque de vivências, relações e sinapses, portanto

diferente em cada instante, em cada piscar.

O ser humano limita-se pela sua determinação na medida em que seu

pensamento se acomoda à rotina íntima e sua disposição estética estaciona. Assim

como o desenho, que é a primeira linguagem da criança, se atrofia no adulto e

estaciona nos estereótipos, pois a maioria dos adultos desenha como uma criança

de sete anos, o olhar, a percepção e a capacidade de observação também param no

tempo. Quem dera o ser humano adulto observasse o mundo como uma criança! O

que ocorre com a percepção e a absorção do olhar é muito mais cruel do que com o

desenho. A criança percebe quando a professora, ou um coleguinha, corta o cabelo,

usa uma meia nova, pinta os olhos, porém muitas vezes um familiar próximo não

percebe essas diferenças. É muito comum o marido comprar um presente para o

aniversário de sua esposa, como uma roupa, extremamente grande, ou de uma cor

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que ela detesta e jamais usou. O olhar da criança é verdadeiro, puro, curioso, mas, à

medida que a escola deixa de instigá-lo, ele começa um processo de naturalização.

No estado estético o ser humano é, portanto, zero na medida em que se atende a um resultado singular, e não ao poder na sua totalidade, e se torna em consideração nele a falta de toda determinação particular. Por isso se tem de dar plenamente razão àqueles que explicam o belo e a disposição em que coloca o nosso espírito como completamente indiferentes e infecundos no que concerne ao conhecimento e à maneira de pensar (PINA, 1982, p. 32).

Se a beleza não produz resultados para o entendimento, não possui

finalidades intelectuais, não nos possibilita criar alicerces no conhecimento científico

porque já se naturalizou como padrão de consumo; não provoca reações além de

desejo de posse. Então, questionamos: por que os educadores ignoram o feio? Por

que ele incomoda tanto?

A deformidade causa uma sensação de repulsa, provoca e consegue

desenvolver a liberação de sentimentos que normalmente são reprimidos; reorganiza

a razão do pensar sobre uma nova disposição estética. Se buscamos uma

pedagogia que valorize as diferenças, não podemos ficar somente dependentes do

belo, do trivial. Precisamos criar um novo apetite, que não seja o da comodidade,

para que possamos caminhar conscientes, sendo capazes de decidir, analisar e

interferir.

Espectadores freqüentemente passivos, temos por hábito consumir toda e qualquer produção imagética, sem tempo para deter sobre ela um olhar mais reflexivo, o qual inclua e considere como texto visual visível e, portanto, como linguagem significante. Somos submetidos as imagens, possuídos por elas, e sequer contamos com elementos para questionar esse intricado processo de enredamento e submissão (BUORO, 2002, p. 35).

Muitas pessoas ainda não vivenciaram experiências voltadas para a

educação do olhar, nem experienciaram momentos de um desenvolvimento

evolutivo de processos perceptuais e conceituais. Essas pessoas confrontam-se

diariamente com as expressões imagéticas contemporâneas que são digeridas por

elas. Experiências progressivas e diárias proporcionam uma falsa aceitação natural;

no caos do consumismo, aceitam cores, formas, atitudes, interiorizando coisas e

valores que não pertencem a sua singularidade.

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Se o homem sente um prazer sensorial direto com o mundo que o cerca, ele procura identificar-se com os objetos desse mundo, e no próprio ato da percepção ele descobre no objeto qualidades emotivas correspondentes a seus próprios sentimentos psíquicos... se o sentimento que descobrimos no objeto nos dá prazer e o aceitamos como parte da realidade objetiva de nosso meio, então nos sentiremos em harmonia com o objeto e o acharemos belo (READ, 2001, p. 96).

Portanto, cabe ao educador promover um planejar responsável, com a

criticidade mental e emocional voltadas a ações que livrem o ser humano dos

grilhões que os prendem a essa confusão caótica das impressões visuais. Muitas

vezes as imagens nos despertam o desejo de substituir a realidade pela aparência,

fantasiando uma verdade consumista que sugere ser agradável. “A aparência

estética não pode nunca tornar-se perigosa para a verdade de costumes, e onde

encontrarmos algo diferente sem dificuldade se demonstrará que a aparência não

era estética” (PINA, 1982, p. 37).

Precisamos estar preparados, como educadores, para ampliar as discussões

sobre o belo e os “ideais” padrões de beleza. A idéia deve estar determinada como

totalidade concreta, para que tenha em si mesma uma particularidade; à medida que

é incorporada e assimilada, deixará de ser abstrata, pois estará envolvida a um

conceito geral, particular e individual.

O significado é o valor de um conceito dentro de um sistema global, formando

uma rede de ligações e relações estruturais nas quais as diferenças estão revestidas

de valores estéticos. Sabe-se que o olhar é um processo comunicativo, tanto que na

infância se compreende muitas vezes a repreensão de nossos pais simplesmente

por uma expressão do olhar. A imagem é, portanto, um texto, que possui uma

totalidade na qual se manifestam as estruturas apropriadas através de elementos

socioculturais. Um processo analítico deve reagrupar esses elementos em classes

de acordo com suas possibilidades combinatórias e, a partir dessas, estabelecer

ligações com o elaborar e reelaborar conceitos e valores. Essas relações entre as

redes de ligações são pontos do estudo relacionadas aos processos semióticos e

não devem ser ignoradas pelas instituições educacionais.

3.2 Um hóspede oculto: o imaginário na perspectiva de Durand

A inflação de imagens explode no cotidiano com uma velocidade

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preocupante, pois são absorvidas e aceitas como verdades absolutas, sem reflexão.

Adentrando no imaginário, elas perpassam pelos desejos, sonhos e medos,

influenciando modos de agir e pensar.

A enorme produção obsessiva de imagens encontra-se delimitada ao campo do “distrair”. Todavia, as difusoras de imagens – digamos a “mídia” – encontram-se onipresentes em todos os níveis de representação e da psique do homem ocidental ou ocidentalizado. A imagem midiática está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas tipológicas... (DURAND, 2001, p. 33).

A manipulação icônica tornou-se um fenômeno capaz de provocar revoluções

comportamentais e culturais, algo que não foi medido ou pesquisado, mas que cria

valores do imaginário e para o imaginário. O imaginário humano articula-se por meio

de estruturas plurais que podem distribuir e articular as imagens de elementos ou

momentos significativos ao longo do tempo. Essas imagens podem atuar como

anticorpos ou agentes patogênicos da psique.

Por muito tempo, a imaginação foi reduzida pelos clássicos a uma

desvalorizada sensação estática, na qual as imagens eram frutos equívocos da

memória. Considerando-se a imaginação uma espontaneidade vácua e a imagem,

um objeto fantasma inofensivo e sem conseqüência, mais tarde rebaixada a uma

influência sobrenatural demoníaca, ambas tiveram suas essências qualitativas

reduzidas a um nada imensurável. Com certeza, nenhum teórico da época podia

“imaginar” que a era da imagem tomaria proporções gigantescas no cotidiano dos

seres humanos e que essas desempenhariam muitos papéis na construção emotiva

e psicológica do homem pós-moderno.

Muitas foram as tentativas para explicar ou classificar as motivações

simbólicas e o próprio conceito de símbolo, porém a maioria é reducionista, linear e

unidimensional; baseadas nos estudos fenomenológicos, confundiam e misturavam

os próprios conceitos. Durand (1997) considera como a essência da estrutura do

imaginário o caráter pluridimensional e espacial do mundo simbólico e a capacidade

bivalente de cada elemento, entendendo a percepção humana como rica em

composições que ultrapassam as classificações consideradas pela física aristotélica.

Segundo Durand (1997), é possível agrupar as ações humanas em dois

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regimes do simbolismo, definidos como diurno e noturno. O noturno liga-se às

pulsões digestivas e às sexuais, à libido, e subdivide-se nas dominantes digestivas e

cíclicas. A digestiva engloba as técnicas do continente e do habitat, os valores

alimentares e digestivos, a sociologia matrística e alimentadora. A cíclica agrupa

técnicas do ciclo, do calendário agrícola e da indústria têxtil, os símbolos naturais ou

artificiais do retorno, os mitos e os dramas antrobiológicos. Por sua vez, o diurno

envolve a postura humana, o regime das armas, a sociologia do soberano mago e

guerreiro, os rituais de elevação e purificação; vincula-se às manifestações manuais

e visuais e a alguns aspectos da agressividade.

Partindo de uma concepção simbólica da imaginação, não considera que as

imagens sejam apenas signos, mas, sim, que cada uma delas aprisiona

materialmente o seu sentido. Considerando que o esquema seja uma generalização

dinâmica e afetiva da imagem, fazendo a junção entre os gestos inconscientes e as

representações, o autor divide o gesto postural em dois esquemas: o da

verticalização ascendente e o da divisão visual e manual.

Com efeito, os arquétipos ligam-se a imagens muito diferenciadas pelas culturas e nas quais vários esquemas se vêm imbricar. Encontramo-nos então em presença do símbolo em sentido estrito, símbolos que assumem tanto mais importância quanto são ricos em sentidos diferentes (DURAND, 1997, p. 62).

3.2.1 O regime diurno

Neste regime encontramos símbolos teriomórficos, entre eles o simbolismo

animal, que pode agregar valores positivos, como a pomba, o cordeiro, o cão,

quanto negativos, como aranhas, morcegos, répteis, ratos... Desde a infância o

homem convive com representações animais em brinquedos, desenhos animados,

contos de fadas, entre outros.

Para além da sua significação arquétipica e geral, o animal é suscetível de ser sobredeterminado por características particulares que não se ligam diretamente à animalidade. Por exemplo, a serpente e o pássaro, só são, por assim dizer, animais em segunda instância. O que neles prima são as qualidades não propriamente animais: o enterramento e a mudança de pele que a serpente partilha com o grão, a ascensão e o vôo que o pássaro partilha com a flecha (DURAND, 1997, p. 71).

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Segundo Durand (1997), o aparecimento da animalidade na consciência é um

sintoma de uma depressão até os limites da ansiedade. Considera, ainda, o

formigamento e o fervilhar da larva semelhantes às reações humanas perante

situações dolorosas, como o nascimento e o choro do bebê. Muitos são os

elementos animais que refletem o medo diante da fuga do tempo, simbolizada pela

mudança e pelo ruído.

Inúmeros mitos utilizam o animal para sustentar sinais e símbolos ligados a

morte, a violência, a punição e a sexualidade. O Apocalipse relata um cavalo da

morte com cabeça de leão, cujo poder reside na boca e na cauda, assemelhando-se

às serpentes. Os signos zodíacos dão exemplos de cavalos solares; personagens da

mitologia grega ligam-se a inúmeras formas animais; todas as culturas paleorientais

simbolizam a potência meteorológica e destruidora pelo touro.

Verificamos o estreito parentesco dos simbolismos taurino e eqüestre. É sempre uma angústia que motiva um e outro, e especialmente uma angústia diante da mudança, diante da fuga do tempo como diante do mau tempo meteorológico. Esta angústia é sobredeterminada por todos os perigos acidentais: a morte, a guerra, as inundações, a fuga dos astros e dos dias, o ribombar do trovão e o furacão... O seu vetor essencial é o esquema da animação. Cavalo e Touro são apenas símbolos, culturalmente evidentes, que reenviam para o alerta e para a fuga do animal humano diante do animado em geral (DURAND, 1997, p. 83).

Segundo Bachelard (1994), muitos sonhos relacionam-se a imagens semi-

humanas, com gritos aterrorizantes, uivos e grunhidos. A boca animal concentra

muitos fantasmas terrenos da animalidade: agitação, mastigação violenta e ruídos

sinistros são alguns elementos que permeiam o imaginário e o ato de sonhar.

Poderia lembrar aqui os sonhos de criança, quando, ao entardecer, embalada

pela doce história de Chapeuzinho Vermelho, adormecia no colo do meu pai.

Lembro-me bem de algumas vezes em que acordava assustada com o lobo

devorando a vovozinha, que gritava por socorro em sua barriga.

El paso de la imaginación a lo imaginario no se produce únicamente en el interior del sujeto. El esfuerzo imaginativo que éste emprende, si en ciertos aspectos se aproxima y alcanza el imaginario personal, es decir, el lugar donde se agrupan y concentran los productos de la fantasía del sujeto –, también es capaz de penetrar en el imaginario colectivo, universo que encierra todo un patrimonio de fantasías e imágenes sobre la historia de la humanidad y sus mitos (GENNARI, 1997, p. 66).

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De modo geral, o animal liga-se a agitação, a fuga, aos elementos e situações

que não podemos apanhar, podendo ser considerado também um símbolo

devorador.

Também os símbolos nictomórficos fazem parte dessa classificação e estão

relacionados à cor negra, o sinistro, a noite, a trevas, a barulho, ao Ogro, ao Diabo, a

cegueira, a mutilação, a loucura, a morte, ao dragão sustentado pelos esquemas da

noite e da água em conjunto, a lágrimas, cabelos longos e seu movimento ondular, a

sombra, ao movimento da água, a água negra, a espelho, a água e a lua, a ciclos, a

lua negra, a lua da morte, a menstruação, a fios, a teia e aranha, a polvo, laços,

cordas e nós.

É neste isomorfismo que se deve considerar o símbolo que os psicanalistas ligam a uma exasperação do Édipo, a imagem da mãe terrível, ogra que o interdito sexual vem fortificar... Esta Mãe terrível é o modelo inconsciente de todas as feiticeiras, velhas, feias e zarolhas, fadas corcundas que povoam o folclore e a iconografia (DURAND, 1997, p. 104).

Os símbolos catamórficos remetem a queda, a vertigem, a gravidade e a

esmagamento; ligam-se às experiências vividas, ao aprender a andar, às primeiras

mudanças desniveladas e rápidas. O mal, pela queda e suas variantes morais, pode

também se apresentar como um auxiliar do bem. A queda é simbolizada pela carne

como alimento e objeto sexual, unificadas pela mitologia do sangue, e transforma-se

em apelo ao abismo moral. Segundo Bachelard (1990), os atributos desagradáveis e

repugnantes do objeto surgem à imaginação relacionados a culpa, a

constrangimento moral pelo sexo, a consciência tardia, a queda interior.

Os símbolos ascensionais pertencem ao esquema de elevação, e os símbolos

verticalizantes relacionam-se à espiritualidade e postura humana, às religiões, às

escadarias das igrejas, a subidas difíceis, ao caminho do céu. Aparecem aqui as

montanhas, pedras não polidas, o pássaro, borboletas, a potência, a pureza,

substâncias celestes por excelência. O arquétipo das fantasias do vôo, o anjo,

símbolo da purificação moral, a flecha, a sabedoria, o totem, o talismã.

Os símbolos ascensionais, segundo Durand (1997), aparecem-nos marcados

pela preocupação da reconquista de uma potência perdida. Pode ser a ascensão

rumo à dimensão metafísica, para além do tempo; também pode concretizar-se pelo

símbolo da flecha e da asa, onde a imaginação tinge-se de um matiz ascético,

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sublimando a carne e o elemento fundamental de uma meditação de pureza. O anjo

é o eufemismo, quase a antífrase, da sexualidade; através da reconquista, o poder

vem orientar as imagens viris: realeza, o padre, o guerreiro, as cabeças e chifres

fálicos.

Segundo Jung (1977), o pensamento simbólico relaciona-se ao conhecimento

e à consciência dos grandes símbolos da humanidade, os quais organiza através

dos elementos da natureza: o fogo, a água, o ar e a terra. Reconhecendo a

bivalência de cada elemento, sugere-se uma visão com múltiplos significados.

Considera o sentido metafórico o semantismo da imaginação, fundamentando

os arquétipos na visão simbólica.

Num encantado momento em que desempenhamos o papel de atenta ao universo, emitimos a depuração de nossas influências, de nossas particularidades, de nossas vacilações, de nossas tênues certezas, de nossa ousadia em transgredir e de nossa coragem em abandoar, quando necessário, o conforto de nossa aceitação (HUMBERTO, 2000, p. 18).

Os símbolos espetaculares são referentes à luz, à iluminação celestial, à

auréola, ao luminoso solar, ao branco, ao real e ao vertical. O azul celeste, a luz

dourada, o sol, o olhar, o julgamento moral, a transcendência, a vidência, os

mantras. O Gládio reforça o Cetro e os esquemas diairéticos consolidam a

verticalidade. Os esquemas e arquétipos de transcendência se opõem

dialeticamente aos seus contrários. A ascensão é o oposto da queda; a luz é o

elemento que pode vencer um adversário, ressaltando o herói frente ao abismo. “A

transcendência está sempre, portanto, armada, e já encontramos esta arma

transcendente por excelência que é a flecha, e já tínhamos reconhecido que o Cetro

de justiça traz a fulgurância dos raios e o executivo do Gládio ou do machado”

(DURAND, 1997, p. 159).

As armas de que os heróis se encontram munidos são símbolos de pureza e

potência; apresentam um caráter intelectual, de elevação espiritual. A espada, raios

cósmicos, o disco solar, a lança, o príncipe encantado, o fogo, o ar, a translucidez,

detergentes, o tira-manchas, o policial, o justiceiro, a espada de fogo são símbolos

diairéticos que a imaginação utiliza para cortar, salvar, separar e distinguir das trevas

o valor luminoso. Portanto, o regime Diurno consiste na antítese constante dos

elementos e de seus significados.

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3.2.2 O regime noturno da imagem

Neste regime predomina o signo da conversão e do eufemismo. No primeiro

grupo estão as inversões do valor afetivo, o processo de eufemização do destino e

da morte; o segundo sintetiza as aspirações de transcendência ao além e às

intuições.

Os símbolos da inversão estão constituídos por vários elementos, entre os

quais a descida agradável, o calor prazeroso, os segredos do devir, a intimidade, o

macio. Diferentemente da queda e do esmagamento, a descida é prazerosa;

relaciona-se ao ventre, ao digestivo e à libido. A noite tem um caráter agradável, é o

retorno ao lar materno, um momento de comunhão. As cores apresentam uma

riqueza de matizes e, por sua vez, constituem também os elementos minerais e as

pedras preciosas. O verde acalma a alma, lembra a profundidade materna. A

melodia musical é o tema de uma regressão às aspirações mais primitivas. A

Grande Mãe, o peixe, o encaixe, as ondas, o engolimento são alguns elementos

dessa classificação.

Si la imagen es el lugar en el que el sentido toma forma, lo imaginario se describe como el espacio fantástico donde la imagen vuelve a representarse a la mirada por medio de posibilidades infinitas, en formas y contenidos divergentes, según una lógica de la ficción totalmente imprevisible (GENNARI, 1997, p. 80).

Os símbolos da intimidade ligam-se às fantasias do enterramento, do

repouso, considerando a morte um retorno a casa; a terra torna-se um berço mágico.

O ritual mortuário e a antítese da morte. Um dos modelos considerados em nossos

contos é a Bela Adormecida, no qual o sono, o despertar para a intimidade são

elementos confortáveis. A casa torna-se a ponte entre o corpo e o cosmo, a imagem

da intimidade repousante. A floresta, a mandala, o círculo, os alimentos e bebidas

são elementos cíclicos de renovação.

Na linguagem mística tudo se eufemiza: a queda torna-se descida, a manducação engolimento, as trevas adoçam-se em noite, a matéria em mãe e os túmulos em moradas bem-aventuradas e em berços. É assim que para os grandes místicos a linguagem da carne recobre a semântica da salvação, é o mesmo verbo que exprime o pecado e a redenção (DURAND, 1997, p. 273).

Podemos classificar através dos elementos iconográficos as culturas de

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predominância diurna, pois apresentam uma exaltação à figura humana e tendem a

gigantizar os heróis e suas ações, ao passo que as culturas que se constituem

ligadas ao misticismo, ao sentimento cósmico, privilegiam o naturalismo, tanto a

solidez da rocha quanto a leveza da onda. O símbolo da taça, o ciclo, o retorno, o

agradável são elementos noturnos.

Existe uma constelação de símbolos que giram em torno do domínio do

tempo, classificados como “cíclicos”. O tarô, o denário e o pau, o calendário, a lua,

os astros simbolizam um eterno retorno. A frutificação, a árvore, o batismo, as

cerimônias iniciativas, os sacrifícios, os símbolos botânicos (arquétipos da paixão do

filho) são elementos que compõem a classificação cíclica.

Segundo Durand (1997), na animalidade, a imaginação do devir cíclico vai

procurar um triplo simbolismo: o do renascimento periódico, o da imortalidade ou da

inesgotável fecundidade e, ainda, a troca pelo sacrifício. O ciclo agrolunar possui um

esquema dinâmico de manifestações iconográficas. No Bestiário da lua classificam-

se animais heteróclitos, como o dragão, o caracol, o urso, a aranha, a cigarra, o

cordeiro e a serpente. Também os instrumentos e os produtos da tecedura e da

fiação são universalmente símbolos do devir, em razão do movimento rítmico e do

esquema da circularidade.

Durand (1997) enfatiza que o regime noturno do imaginário agrupa as

imagens em torno dos arquétipos do “denário” e do “pau” revelando a própria

tentativa sintética: a estrutura de harmonização de gesto erótico é a dominante,

relaciona as imagens ao grande universo musical e a astrobiologia. Na estrutura

dialética que tende a conservar os contrários no centro da harmonia cósmica, o

sistema assume a forma de um drama, onde as paixões são modelos. A estrutura

histórica não objetiva esquecer o tempo, mas antecipá-lo, prevalecendo a noção de

síntese.

3.3 Interferências midiáticas na construção de um l eitor consciente

Atualmente a mídia constitui uma fonte dominante de informação social,

seletividade de desejo, sentimentos e valores. O pensamento visual mobiliza as

imagens num ritual sedutor e dinâmico, criando estereótipos e regras de consumo

voltadas às ideologias capitalistas. A escola, com suas paredes frias, saliva, quadro

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e giz, acalenta a passividade diante da velocidade com que os acontecimentos

explodem na vida cotidiana.

Há um conflito cultural entre o saber escolar e o saber de apelo imediato da televisão. A escola não tem enfrentado o conflito, e o adversário sai ganhando. Pouco interessada em cultural, a escola busca o conhecimento de conteúdos, a acumulação de informação, a cognição neutra e inimaginativa (BARBOSA, 1995, p. 148).

Nesse contexto, a educação emocional ocorre através dos meios de

comunicação de massa, uma vez que a família tem uma carga horária de trabalho

que não deixa espaço para diálogos e a escola acaba se omitindo por abolir de seu

contexto a fantasia, as brincadeiras, as leituras de imagens... Assim, a educação do

sentir fica à mercê das novelas, dos filmes, das minisséries, que criam uma

linguagem comum, um conjunto de valores impostos pela realidade virtual que

banaliza a vida, os sentimentos humanos e a solidariedade.

A reconstrução da linguagem escolar pode instigar a criança a criar suas

próprias imagens, a refletir sobre comportamentos e estimular leituras críticas e

conscientes sobre as informações visuais. A possibilidade de fazer escolhas amplia

a significação da experiência, tornando a mímese imagética um meio para ver onde

os outros não o fizeram. Apreendendo imagens em movimento, reorganizando-as,

incluindo experiências pessoais, fantasias, recriando a cena, estamos exprimindo

reflexões que podem direcionar o visual para o exercício da cidadania.

O discurso das culturas vividas torna-se um instrumento de questionamento para professores, a fim de esclarecer não somente como o poder e o conhecimento se cruzam para negar a capital cultural dos estudantes de grupos subordinados, mas também como essa interação (entre conhecimento e poder) pode ser traduzida para uma linguagem de possibilidade (GIROUX, 1998, p. 96).

Essa linguagem de possibilidade, entretanto, só ocorre na medida em que a

construção de um leitor de arte se revela importante e significativa ao cotidiano

escolar, proporcionando novas visões de mundo, novos meios de pensar e sentir.

Neste contexto a sensibilidade torna-se instrumento para, uma ação que viabilize a reeducação da visão, proporcionado um sentido mais amplo para uma pedagogia do ensino da arte que busca na estética do cotidiano uma possibilidade de ensino. Esta não se constitui enquanto tarefa simples ao educador, mas uma roda viva e ativa de valores que se recria a cada instante, sendo capaz de resignificar o gosto, o cheiro, o tato, o sentir e a própria maneira de viver (BARBOSA, 1995, p. 153).

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3.4 O olhar e a crise do processo de criação

O processo de criação não é um dom divino, restrito a poucos privilegiados,

mas uma habilidade que se desenvolve conforme a relação sociocultural que o

indivíduo exerce com o seu meio, ou seja, é preciso que tanto os educadores quanto

os educandos procurem se situar mediante os conflitos políticos, econômicos e

sociais a fim de perceberem as dificuldades do país no qual estão inseridos. Afinal,

que sociedade estamos formando? E qual é o objetivo dessa formação? Quais

seriam nossas limitações e a que elas se relacionam? Necessitamos, urgentemente,

modificar a hostilidade naturalizada tanto no nosso comportamento quanto no nosso

modo de ver e pensar.

Estamos em meio a um processo de transição violento, sangrento, no qual

nos deparamos com o medo, com novos atentados terroristas, a fome, a

globalização; criamos uma guerra pela sobrevivência buscando desenvolver novos

projetos, inteligência artificial, clones e experiências, contudo percebemos a falta de

respeito e valorização da sensibilidade.

É chegada a hora de perceber o homem como um ser plural, capaz de, a

cada minuto, criar, reciclar e reinventar, sonhando e construindo caminhos rumo a

um novo projeto de desenvolvimento sustentável; criando sua interdependência

através de uma visão crítica e consciente, que lhe possibilita reinventar a vida ao seu

modo, desacostumando-se da violência, da crueldade, dos abusos dos predadores

de sua própria espécie.

Podemos enumerar fatores que levam o homem a reforçar o comodismo e a

naturalização dos fatos. A escola que suprime e fragmenta saberes exaltando uma

determinada área em detrimento de outra é um deles, assim como a própria

televisão, que tem sido usada para manipular através de imagens em movimento, de

apelos consumistas que acabam por ampliar as barreiras, dividindo os indivíduos por

classes sociais e não dando margem ao conhecimento ou à reflexão.

Suas possibilidades tecnológicas lhe permitem um alcance planetário. Esgota pela repetição, ocupa o imaginário de milhões de pessoas, atribui credibilidade a falsos referenciais e funciona como deflagrador de um processo de consumo escapista (HUMBERTO, 2000, p. 14).

A não-valorização de programas educativos, de documentários, e a falta de

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investimentos em projetos culturais tornam o homem uma marionete de sua própria

espécie. “Pelo controle imposto por seus proprietários, que, no interesse de suas

alianças, manipulam a informação, camufla a gravidade de uma crise sem

precedentes” (HUMBERTO, 2000, p. 14).

Acabamos, pois, suprimindo nossa própria identidade à medida que nos são

injetados valores estranhos, os quais são absorvidos como verdades absolutas e

ramificados como uma substância letal. Acabamos perdendo a nossa visibilidade

sobre o nosso cotidiano, criando parâmetros comparativos com a excelência do

outro e refutando nossa singularidade e o nosso próprio meio de expressão,

enterrando nossa auto-estima num jazigo onde não existe a originalidade ou a livre

circulação de informação, trocas de experiências ou incentivo à diversidade.

Sabemos que a identidade cultural é construída em torno das evidências das diferenças. Se as diferenças culturais são embaçadas, o ego cultural desaparece. Portanto, a procura por uma identidade cultural e a educação multicultural não são operações em diálogo, mas um inter-relacionamento complexo e dialético (BARBOSA, 1998, p. 80).

A desvalorização da nossa produção expressiva leva-nos a crer em padrões

estéticos predeterminados, com o que negociamos no brique ou no brechó a nossa

criatividade, esterilizando nossos valores pela exaltação da internacionalidade.

Devemos aprender a aprender, trabalhar sem discriminar ou radicalizar com o

isolamento ou a negação de uma cultura universal; saber reconhecer o nosso valor e

aprender com as diferenças faz parte do processo crítico-criativo com o qual

sonhamos. “Somos aceitos em momentos de excepcionalidade ou pelo caráter

exótico de uma produção. Não existem olhos com disponibilidade para nos enxergar,

nem gosto pela descoberta ou possível surpresa” (HUMBERTO, 2000, p. 15).

As autoridades competentes de nosso estado e país estão aflitas com

problemas ditos “urgentes”, como a falta de moradia, a fome, menosprezando a

educação do olhar, falhando na falta de ações possivelmente estimuladoras dos

processos de criação. E quando abordo o termo “criação”, penso não somente na

criação de imagens, quadros ou esculturas, mas na criação de soluções. Que tipo de

conhecimento seria compatível com uma sociedade cheia de necessidades e

urgências?

Numa noite, em meio a uma palestra na instituição de ensino na qual leciono,

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ouvi um relato de um morador de uma cidade vizinha sobre seu prefeito, que havia

retirado algumas famílias do lixão e dado-lhes casa própria, imaginando assim ter

solucionado o problema. Contudo, “essa gente”, após alguns meses, vendeu sua

casa e voltou ao lixão. Refletindo sobre os problemas sociais do nosso povo, percebi

o quão despreparado era esse governo, que, ao invés de oferecer um programa de

empregos, ou uma cooperativa de trabalhos, dera-lhes somente uma casa, a qual

venderam para comprar comida, retornando ao lixão, sua fonte de renda! Não

estamos mais na época em que pão e circo nos eram suficientes. A crise da

economia brasileira permeia todos os setores e só poderá ser revertida se

observada por diversos ângulos, valorizando todos os setores.

A questão cultural e os meios de implementação e aplicação de um processo

criativo real são tratados segundo a visão das classes dominantes, que selecionam

da cultura aquilo que lhes convém e massacram o popular, discriminando o ponto de

vista do outro.

Não há por que ter pudor em cobrar do Estado o cumprimento de seus compromissos. Ele deve ser o mantenedor de uma política de apoio que viabilize uma produção inovadora, mesmo quando rejeitada pelo mercado, por não se encaixar em seus objetivos de lucro. A ele cabe preservar os resíduos de nosso passado, agregá-los todos a um sistema de bases referenciais que, junto com o estímulo à experimentação, irão se constituir em informadores e revitalizadores de um processo de criação (HUMBERTO, 2000, p. 15).

Um ser humano exerce sua cidadania ao ter acesso ao ato de criar, observar,

sentir e refletir. Quando negamos ao seu processo de crescimento essas

oportunidades, estamos fragmentando sua formação, contribuindo para a

continuação de um processo arcaico, que trata o homem como um ser abstrato,

insensível, que sobrevive das migalhas e ideais de seus “superiores”. Reinventam-

se, desse modo, as necessidades aplicadas em função dos interesses comerciais

momentâneos. “O cotidiano é enlouquecedor, pontuado por uma sucessão de

absurdos e desnecessários dramas e tragédias”.

Você já percebeu como almoça?

Geralmente quem manda na televisão é o pai de família. Então, sentamo-nos

à mesa e o som da TV predomina sobre o dos talheres, pois ele quer ouvir o jornal.

Seus filhos não contam sobre a escola ou jogo de futebol, porque ele quer estar por

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dentro das notícias. Comemos ouvindo sobre o João que foi esfaqueado numa briga

de botecos, assistimos à carnificina das guerras, escutamos sobre tiros, inflação,

aumento do combustível, e não conversamos. Desenvolvemos, dia após dia, o gosto

pela destruição, a morbidez de mastigar ouvindo prazerosamente o noticiário policial;

simpatizamos com as cenas de suicídio e nos naturalizamos com uma realidade

demolidora. Acostumamo-nos, portanto, a ser nojentos e nem percebemos.

Tornamo-nos pouco a pouco depressivos, carentes e frustrados. Ficamos

incapazes de nos compreender, de rir ou nos encantar com a simplicidade da vida,

com o pôr-do-sol ou com qualquer manifestação de inteligência externa a nós.

A educação do olhar é uma ação pedagógica consistente que extravasa as molduras da sala de aula para instalar-se como essência na vida do sujeito, seja ele o educador, seja aluno ou qualquer outro indivíduo captado por essa órbita, levando-o a romper as teias do automatismo e da massificação e a instaurar uma nova ordem de percepção, e, portanto, de significação, em suas relações com a realidade (BUORO, 2002, p. 236).

Somos a única espécie autodestrutiva, sem estabilidade emocional;

sonhamos com a felicidade, mas às vezes passamos a vida procurando sem a

encontrar. Tornamo-nos seres destrutivos, perigosos, viciados ao nosso egoísmo e

incapazes de criar; fruto da falência educacional, adorador da doença, prisioneiro da

reclamação, o homem torna-se um ser atormentado.

Nesse conflito existencial, entretanto, ainda existem aqueles que lutam para a

transformação da realidade, ampliando seu acervo de visões de vida, adquirindo

com as experiências efetuadas nas mais variadas linguagens. Esses assumem o

papel de informadores, produzindo generosas sementes, pequenas idéias próprias

de suas análises críticas do meio sociocultural ao qual pertencem, deixando uma

herança de recados sensíveis que têm por finalidade despertar o olhar adormecido

de cada um de nós, para que sejamos sobreviventes ao caos e consigamos

transmitir às gerações futuras o equilíbrio suficiente para a análise da nossa própria

realidade.

Contido dentro de sua casca, confinado nos limites de sua mesquinharia – ao mesmo tempo em que se desespera e luta contra eles –, o homem consegue, ao trilhar seus caminhos de expressão, enxergar a grandeza, voar pela imaginação. Viaja por universos paralelos, abre janelas e descobre novas paisagens (HUMBERTO, 2000, p. 17).

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A reeducação do olhar liberta através do conhecimento estético, do

conhecimento individual e singular de nossa essência, na medida em que nos

permite ampliar nossa percepção, compreendendo novos modos de investigação,

alcançando e experimentando novos caminhos, recriando outros sentidos e

significados para a própria vida. Assim, balançamos entre a busca da superação de

paradigmas e o retorno às barreiras de nossos medos.

Fazer desse processo um elemento concreto exige-nos ter acesso aos

nossos referenciais histórico-culturais, para que a mobilização na prática possa ser

sensível aceitando elementos novos à medida que avançamos expressivamente em

busca de uma poética singular e significativa, nascida através dos frutos envolvidos

na cumplicidade de nossos erros e acertos, buscando um resultado ativo no

processo de criação, a fim de que ocorra uma organização intencional dos

elementos da linguagem apropriada.

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CAPÍTULO IV

RELATÓRIO DA OFICINA DE FOTOGRAFIA

O presente relatório foi organizado de acordo com a ordem dos encontros

pela manhã, com a turma do primeiro ano primário e, à tarde, com a turma do quarto

ano primário. Para facilitar o acompanhamento das atividades, as imagens

trabalhadas em cada encontro estarão dispostas no início do dia descrito; em

seguida, descreveram-se os encaminhamentos didáticos feitos e alguns comentários

das crianças.

Imagens do primeiro encontro:

Imagem 1 - Campo de Nasir Bagh, 1996

Fonte: SALGADO, 2000.

Imagem 2 - Campo de Kamaz, 1996

Fonte: SALGADO, 2000.

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Imagem 3 - Crianças deslocadas que perderam

suas família, 1994 Fonte: SALGADO, 2000.

Imagem 4 - Acampamento de Sem-terra em Rio

Bonito do Iguaçu, 1996. Fonte: SALGADO, 2000.

Imagem 5 - Criança ianomâmi em Lafakabuco,

1996 Fonte: SALGADO, 2000

Imagem 6 - Campo Quilômetro 42 de Biaro, 1997

Fonte: SALGADO, 2000.

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Imagem 7 - Campo de Kamaz, 1996

Fonte: SALGADO, 2000.

Imagem 8 - Acampamento do sem-terra em Rosa

Prado, 1996 Fonte: SALGADO, 2000.

4.1 Relatório dos encontros

4.1.1 Primeiro encontro – 1º ano inicial – Dia 28/0 6/04

Entramos na sala com muita euforia, pois os alunos não esperavam pela aula

de artes, que não estava prevista no horário. Expliquei-lhes que iríamos fazer uma

oficina de fotografia e, por isso, teríamos aulas de artes todos os dias, com o que

eles gritaram e vibraram com a notícia. Também os informei que a oficina seria uma

parte da pesquisa desenvolvida pela professora para o mestrado em Educação na

Unoesc Joaçaba e, por isso, seria anotado e gravado tudo o que fizessem.

Comecei falando sobre a fotografia, e perguntei-lhes sobre quando

fotografavam. Eles responderam: “Quando vamos na praia”; “Em casa”; “Quando

meu irmãozinho faz alguma coisa engraçada”; “Quando vamos no rio”; “Da vó e da

mãe!”; “Nas festas de São João”; “Quando andamos de barco”; “Dos animais de

estimação”; “Quando vamos no zoológico”; “Quando somos bebê”; “Quando vamos

pro centro!”; “De aniversário...”

Perguntei se alguém conhecia a história de Sebastião Salgado, ou se já

haviam escutado algo dobre ele. As crianças responderam: “Ele devia ser um

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menino que comia muito salgadinho”; “Acho que ele caiu no mar! Porque a água do

mar é salgada”. Então contei-lhes a mesma história que havia relatado para o 4º ano

inicial, informando-os sobre Sebastião Salgado. Após, perguntei-lhes: “Vamos ver

quem adivinha qual era a profissão do pai de Sebastião Salgado?”. Eles

responderam: “Fotógrafo”; “Pintor”; “Vendia salgadinho”; “Pegava milho”; “Jogador

de futebol”; “Agricultor...”

Continuando a história, falei sobre a profissão do pai de Salgado e que o

fotógrafo estudara economia, fazendo mestrado e doutorado nessa área. Após

perguntei-lhes: “- O que faz um economista?”. Eles responderam: “Economiza água”;

“E luz”; “Economiza dinheiro nas empresas”; “Trabalha com os números”.

Terminei a história relatando que Salgado se casara com Lélia, trabalhara

como fotojornalista e viajando por 41 países para realizar uma pesquisa sobre os

trabalhadores e as pessoas que migram em busca de uma vida melhor. Relatei-lhes

que essa pesquisa resultara num livro chamado Êxodos, cujas imagens iria mostrar-

lhes (SALGADO, 2000). Em seguida mostrei-lhes a primeira fotografia, realizada em

Peshawar, campo para refugiados afeganes, no Paquistão.

Sobre o fato, eles falaram: “É uma velha”; “Roubou a roupa de sua avó”; “Está

perto de uma cabana”; “Ela foi no chiqueiro, se sujou e teve que pegar uma roupa de

sua avó”; “É feia”; “O tecido é liso”; “Tem um lenço na cabeça”; “Atrás dela tem uma

casa”; “Ela cabe num retângulo”.

Observando a segunda fotografia, realizada em Mazar-e-Sharif, para

afeganes deslocados no Afeganistão, pedi a eles que ficassem atentos aos detalhes,

à composição, à textura, aos sentimentos que a imagem provocava. Em seguida,

eles expressaram: “Acho que eles estão num buraco”; “Estão molhados”; “Devem ter

caído no buraco”; “É um menino e uma menina”; “Eles estão tristes e com fome”; “O

tecido da roupa é áspero”; “Acho que o tecido é liso”; “Aparece mais uma luz na

cabeça”; “E na perna”; “Acho que o fotógrafo ficou na frente deles”.

Antes de apresentar a imagem seguinte, solicitei-lhes que tentassem se

lembrar das aulas em que a professora explicara a composição, as formas, as linhas

e que relacionassem isso à fotografia que iríamos ver. Com relação à imagem três,

fotografada em Mapeia, província de Zambeze, em Moçambique, eles falaram: “Ele

está preso”; “Está sem as pernas”; “É um menino”; “Tem as roupas rasgadas”; “Está

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sujo”; “Bravo”; “Está bravo porque o pai trabalha muito”; “Ele cabe num triângulo”;

“Tem mais luz na cabeça”; “Ele está numa casa de castigo”; “O pai deve estar

desempregado”.

Conseguimos aqui perceber que, nesta faixa de idade, as questões subjetivas

e emocionais são mais relevantes para a criança. Em seguida, mostrei-lhes a

imagem quatro feita no Paraná, Brasil. A essa altura, os alunos estavam bastante

eufóricos, quase todos falavam ao mesmo tempo e queriam participar. Disseram: “É

um menino”; “Ela está perto da casa”; “Está no mato fechado”; “Está na praia”; “Está

triste”; “Está descabelada”; “Atrás dele tem uma cabana”; “Não, atrás dele tem uma

roupa”; “Tem um monte de manto atrás dele”; “Tem muita solidão nesta foto”; “Ele,

apanhou do pai! Apanhou porque não obedeceu!”; “O pai dele deve ser bravo!...”

Nessa etapa do trabalho percebi que a primeira série, a partir da imagem,

imaginara muitas histórias acerca da família do menino, talvez algumas relacionadas

as suas vivências, já que nessa fase a criança se considera como referente em

relação ao meio. Também verifiquei que foi a primeira vez que observaram

atentamente o fundo, não só a figura, percebendo o todo da composição.

A imagem cinco corresponde à realizada na Serra dos Surucucus, Roraima,

Brasil. Sugeri que as crianças tentassem colocar a figura dentro de uma forma

geométrica e também buscassem imaginar como o fotógrafo agira para obtê-la.

Sobre essa imagem as crianças gritavam: “Ah, meu Deus! Como ele é bravo!”; “É

um índio eu sei!”; “Tem os dentes feios”; “Tá espetado! Tem palitos espetados nele”;

“É muito gordo! Tem que fazer regime”; “Está triste”; “Tem muita sombra, deve ser

de noite!”; “Ele tá na floresta, tem árvores, por isso está escuro”; “O fotógrafo deve

ter ficado com medo”; “Ele está pintado”; “Não está, é sangue na barriga!”; “Tem luz

na barriga e no rosto!”; “Acho que o fotógrafo ficou bem longe para tirar a foto”; “Ele

não cabe num quadrado porque é gordo”; “Nem num retângulo!”; “Ele não cabe nas

formas!”; “É porque não fez regime”.

As crianças continuavam eufóricas e queriam tocar as imagens, olhá-las bem

de perto. Sobre a foto número seis, de refugiados hutu, ruandeses, entre Ubundu e

Kisangani, no Zaire, os alunos relataram: “Tá triste”; “Foi jogado no mato, dentro

dum saco”; “Tá magro, não tem comida”; “A mãe dele jogou ele no lixo”; “Ele foi

trocado no hospital por isso que a mãe jogou ele no mato”; “É porque ele era negro e

ela era branca, daí descobriram a troca”; “Ele cabe num triângulo. É bem magro e

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aparecem os ossos”; “Tem luz na testa, no mato, no nariz...”; “Eu sei de uma mulher

que também jogou o filho no lixo, daí a vó é a mãe”; “O saco é a roupa, deve ser

bem áspero”.

Com essa imagem eles ficaram impressionados e estavam curiosos para ver

mais. Então, começaram a relacionar fatos corriqueiros, histórias que tinham ouvido

falar, e a euforia foi surpreendente. Continuavam atentos, mas sempre dando ênfase

às questões emocionais. Sobre a imagem número sete, de afeganes deslocados no

Afeganistão, os alunos exclamaram: “Tem uma mochila”; “Deve estar indo pro

colégio”; “Ele é branco”; “Ele está usando uma blusa branca”; “Ele foi trocado na

maternidade”; “Ele está feliz”; “Tá feliz porque se livrou da mãe”; “Ele cabe num

retângulo”.

A essa altura ficava difícil sugerir a observação de detalhes, porque todos

queriam falar e de alguma forma relacionar a imagem a sua realidade. Alguns diziam

conhecer a criança, outros continuavam expressando seus conflitos pessoais na

história que fantasiavam para a imagem.

Sobre a foto número oito, realizada em Itamaraju, Bahia, fiz um suspense

antes de mostrá-la a fim de retomar a ordem. Com um olhar malandro, sussurrei que

essa imagem também era muito interessante e que deveríamos observar a luz, as

sombras, a organização, as formas... Sobre a foto os alunos falaram: “Ele cabe num

triângulo”; “Tem luz no fundo; “É um menino triste”; “Está de castigo”; “Aprontou e tá

olhando a bagunça que fez”; “Está apoiado numa madeira”; “Ela é áspera porque

espeta”; “Tem os olhos tristes”; “Não quer ir pra escola”; “Está pensando”; “É um

fantasma”; “Tomou banho, penteou os cabelos e tem cheiro bom”.

Observei que as crianças tinham ficado surpresas com as imagens e, de

alguma forma, sentiram-se tocadas com o que viam. Alguns, inclusive, chegaram a

se questionar se aquilo era “de verdade”, ou seja, real, reflexão que demonstra um

distanciamento da realidade daquele outro com o seu modo de vida. Ao mesmo

tempo, criavam histórias com elementos de seu cotidiano, deixando transparecer

alguns conflitos.

Sabemos que, nessa fase, a criança brinca e fantasia muito, ainda se

considerando o centro das atenções. Por isso, refletir sobre os outros, as

dificuldades de sobrevivência, tanto do ser humano quanto do planeta, é um dos

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caminhos para uma educação solidária.

Ter um estado de espírito tranqüilo ou calmo não significa ser completamente desligado ou ter a mente totalmente vazia. A paz de espírito ou a serenidade têm como origem o afeto e a compaixão. Nisso há um nível muito alto de sensibilidade e sentimento (LAMA e CUTLER, 2000, p. 28).

Despertar a sensibilidade é um sentir sobre aquilo que vemos não é uma

tarefa fácil, pois a apatia é algo que interessa a muitos; a insensibilidade e a

naturalização da violência são algo cotidiano e tão comum que já são concebidas

como normais. Por isso, é interessante estimular reflexões desde os primeiros

momentos da criança na escola para que ela se construa como um ser pensante,

sereno e capaz de sentir compaixão.

Lama e Cutler (2000) afirmam que, sem adquirirmos a disciplina interior que

traz a serenidade mental, não importa quais sejam nossos sonhos, conquistas e

recursos externos que consideramos necessários para a felicidade, eles nunca nos

darão a sensação de alegria e felicidade que buscamos. Nós, educadores, temos a

função de possibilitar para nós mesmos e para as crianças oportunidades para que

essa serenidade interior possa se desenvolver. Para isso, temos de parar de negar a

intuição, os sentimentos e as sensações cotidianas e apreender a trabalhar com

elas, a desenvolvê-las.

Um dos agravantes maiores para esta degradação é a estonteante ausência de condições relacionais entre os humanos capazes de propiciar comportamentos solidários. Nem a solidariedade e nem a responsabilidade são resultados de extorsões, mas sim de um profundo sentimento de aceitabilidade e de significação do outro (STRIEDER, 2002, p. 183).

Desenvolver a sensibilidade e a compaixão pode ser responsabilidade de

todas as disciplinas, mas, sendo o ensino da arte uma janela aberta para sentir,

tocar, fazer arte e ler imagens, não pode de maneira alguma se eximir desse

processo de alfabetização visual.

Em seguida encaminhei a atividade na qual os alunos desenharam o que

haviam sentido em relação às fotografias de Salgado. Como materiais foram

utilizados carvão, lápis de cor, folhas de ofício e fixador (Anexo 1).

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4.1.2 Primeiro encontro – 4º ano inicial – Dia 25/0 6/04

A oficina iniciou no dia 25 de junho com a turma 43, da 4ª série, no turno

vespertino. As crianças não sabiam que seria uma aula diferente, mas o encontro

estava previsto no horário normal da escola. Chegando à sala, acomodei os alunos

e solicitei a sua atenção para um recado, todos me olharam com aquela cara que

parecia dizer: “Que saco!”

Expliquei-lhes, então, que havia feito um acordo com as outras professoras da

turma para trocar com elas por uma semana todo o horário, pois gostaria de realizar

uma oficina de fotografia. Para isso, precisava realizar um encontro por dia; portanto,

durante uma semana ocorreriam aulas de artes todos os dias. Nesse instante, houve

tumulto e todos gritavam: “Oba!, Eh!, Viva!...” Demoramos alguns minutos para

retomar o assunto.

Logo surgiram as primeiras perguntas: “Vamos trabalhar com tinta?”; “Vamos

estudar fotografia? Temos que comprar uma máquina?”; “Tem que pagar para fazer

a oficina?”. Expliquei-lhes, então, que a oficina era uma parte da pesquisa que eu

estava desenvolvendo no meu curso de mestrado, razão pela qual eu também tinha

uma professora bem curiosa, que gostaria de saber como aconteceria essa oficina;

por isso, eu iria gravar as nossas conversas e fotografar os trabalhos. Eles

concordaram e logo um dos meninos questionou: “Você vai mostrar tudo para ela?

Então vamos virar uma celebridade?” (risadas da turma).

Começando a conversar sobre fotografia, perguntei-lhes: “O que é um

retrato?”. A turma respondeu: “É uma lembrança”; “Uma lembrança do passado. De

muito tempo”; “Uma recordação”; “São emoções, passagens pelo tempo, assim

quando a gente tira uma foto de uma pessoa e depois de muito tempo você acha

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aquela foto, quando você olha dá uma emoção, saudade daquele tempo”; “Acho que

é por isso que minha mãe vive dizendo que no meu tempo não era assim...”; “Vai vê

ela tirou um retrato!”; “Hi, acho que naquele tempo nem existia fotografia”.

Continuando nossa conversa questionei-os: “O que precisamos para tirar uma

fotografia?”. Eles responderam: “Uma máquina”; “Filme”; “Pessoas”; “Um lugar”;

“Mas poderia ser uma máquina digital, daí não vai filme”. Então perguntei-lhes:

“Como é uma máquina digital?”. Obtive em resposta: “Ela é parecida com as outras,

só que no lugar do filme tem uma memória que grava tudo o que a gente bate. Daí

tem um fio que você liga no computador e a foto vai parar dentro dele, depois você

imprime”; “Ah, então tem um outro tipo aquela que sai na hora, vai filme e não é

digital eu vi na televisão”.

Questionei-os, após: “Como revelamos um filme?”. O aluno Diego deu um

show na sua explicação: “Primeiro nós levamos para a loja, que leva a máquina para

um quarto escuro, depois ascende uma luz vermelha e tiram o filme, colocam num

aparelho e esse aparelho amplia, tudo no escuro. Depois, deixam uma luz e a foto

grava num papel que é colocado num líquido e, depois de seco, a gente paga e leva

para casa”.

Conversamos um pouco sobre a revelação. Em seguida, expliquei-lhes que o

papel sensibiliza-se com a luz, por isso existe a câmara escura; os líquidos são o

revelador e o fixador. Também falamos sobre a possibilidade de tirar fotografia sem

máquina e sobre o que é um ensaio fotográfico. Os alunos mostraram-se curiosos e

interessados. Após, contei-lhes uma pequena história sobre Sebastião Salgado,

adaptada por mim para a compreensão das crianças.

Relatei-lhes que Sebastião tinha sete irmãos, que havia nascido no interior de

Minas Gerais no ano de 1944. Perguntei-lhes: “Que profissão o pai de Sebastião

Salgado exercia?”. Eles responderam: “Ele devia ser ferreiro”; “Acho que ele era

fotógrafo. Devia ser uma tradição”; “Não, ele era motorista!”; “Cantor”; “Professor”;

“Pescador!”; “Agricultor! Tinha muitas vacas”.

Continuando a história, contei-lhes que seu pai era pecuarista e que

Sebastião havia estudado Economia, inclusive mestrado e doutorado na área.

Casara-se com Lélia e trabalhara como fotojornalista, sempre se interessando por

temas sociais. Pesquisou em 41 países os trabalhadores e o movimento de

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migração, construindo um ensaio denominado Êxodos.

Perguntei se eles sabiam o que era o êxodo rural, ao que eles responderam:

“Estudamos isso o ano passado”; “As pessoas vivem no campo sem conforto, sem

dinheiro e trabalham muito. Então, cansam dessa vida e vão para a cidade”; “E nas

cidades formam as áreas de riscos, as favelas nos morros que podem desabar,

podem queimar, eles não têm luz elétrica e, quando tem, é roubada, sem

segurança”; “Eles não têm educação, morrem de anemia, não têm saneamento

básico e nem higiênico”; “E nas favelas, dormem numa casa de cinco ou seis

pessoas é tão pequeno que não tem quarto”; “E o prefeito e a polícia não podem

tirar eles dali sem dar um outro lugar para eles morar”; “Acho que eles são sem

terra”.

A essa altura, todos queriam falar e estavam no auge do barulho. Então

perguntei-lhes: “Quando tiramos fotografias?”. Eles responderam: “Nos casamentos”;

“Em aniversários”; “No ano novo, Natal, Páscoa e formatura”; “É, vamos tirar na

formatura do Proerd2”; “De lugares bonitos, viagens, cruzeiros, festas juninas,

momentos emocionantes, de eclipses e dos planetas, andando de trem...”

Expliquei-lhes que iríamos realizar uma leitura da imagem a partir das cópias

das fotografias de Sebastião Salgado e solicitei-lhes que observassem os tipos de

linhas (retas, curvas e mistas), onde a fotografia acontece, o que aparece ao fundo,

onde há mais luz, o que está acontecendo, quais são os sentimentos que desperta.

Como critério de seleção das fotografias escolhi aquelas que apresentavam

figuras humanas. Expliquei-lhes que se tratavam de imagens em preto e branco.

Houve um comentário bem espontâneo: “Acho que ele não tinha dinheiro para

fotografar coloridas”. Em seguida outro revidou: “Não, é porque não existiam fotos

coloridas, naquela época”; “Ele fotografava em preto e branco porque dava mais

emoção!”

As crianças adoraram a história de Salgado, estavam encantadas e

buscavam descobrir um universo misterioso acerca de sua vida. Seus olhos

brilhavam a cada pergunta, ficaram eufóricos, participaram muito buscando

respostas, sentiam-se mais íntimos do fotógrafo a cada passo, pois estavam criando

2 O Proerd é um programa que a Polícia Militar desenvolve em parceria com as escolas com o objetivo de prevenir a violência e o consumo de drogas. Neste programa policiais ministram aulas e finalizam as atividades com formatura e certificado.

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um laço afetivo, ampliando significados.

Educar é contar histórias. Contar histórias é transformar a vida na brincadeira mais séria da sociedade... Dentro de cada ser humano, mesmo dos mais formais há um palhaço que quer respirar, brincar e relaxar. Deixe-o viver. Surpreenda os jovens. Nossos filhos precisam de uma educação séria, mas também agradável. Abra um sorriso, abrace os jovens, conte-lhes histórias (CURY, 2003, p. 73).

Então mostrei-lhes a primeira imagem: Campo de Nasir Bagh, em Peshawar,

para refugiados afegãs (Paquistão, 1996). A respeito, eles declararam: “É um

menino assustado”; “Tem um lenço na cabeça. Ele mora numa barraca”; “É pobre,

está triste”; “Deve ser árabe”; “Está na guerra. Está triste”; “Está passando fome”;

“Aparecem linhas curvas no lenço”; “Aparecem linhas retas na barraca”; “Acho que é

uma menina de saia, tem flores na saia”; “Ela está com fome no deserto”; “Deve

estar com frio”; “O fotógrafo deve ter ido bem na frente dela para tirar a foto”.

Apresentei-lhes, após, a imagem dois: Campo de Kamaz, em Mazar-e-Sharif,

para afeganes deslocados (Afeganistão, 1996). Sobre a foto as crianças falaram:

“São duas pessoas tristes”; “Deve ser dois irmãos”; “São podres e sujos”; “Eles são

sozinhos e não têm pai. Um cuida do outro”; “Um está descabelado”; “Acho que os

pais morreram na guerra”; “Ele não gosta de pentear os cabelos”; “Tem mais luz no

rosto deles”; “E no joelhos”; “O muro é de cimento e tijolo”; “Mas tem argila, eles

estão perto do murro porque são mendigos”; “As rachaduras do muro são linhas

curvas”; “Não! São mistas”; “A roupa é áspera está suja”; “Acho que eles caberiam

num quadrado”.

Observando a imagem três, Crianças deslocadas quando perderam suas

famílias em Mopéia, Província de Lambeze (Moçambique, 1994), as crianças

falaram: “Ele é negro”; “Está furioso”; “Ele não tem pernas”; “Usa roupas velhas e

rasgadas”; “Ele é mal-humorado”; “Deve trabalhar na lavoura”; “Foi escravizado”; “É!

Ele foi escravizado porque era preto”; “Acho que quando bateram a foto ele estava

chorando”; “Não! Ele estava chorando porque bateram nele quando foi escravizado”;

“Está bravo porque está usando um vestido, ele é um menino”; “Essa roupa é

áspera, tem umas pintinhas, não são bolinhas”; “Deve ter um machucado na perna”;

“Aparece luz no muro, na testa, no nariz e na mão”; “A figura cabe num triângulo”.

Podemos perceber pela empolgação das crianças como a observação e a

leitura de imagens são experiências significativas. Todos se sentem felizes ao

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participar, imaginando situações.

[...] a contemplação – estranho poder da alma humana capaz de ressuscitar seus devaneios, de recomeçar seus sonhos, de reconstruir, apesar dos acidentes da vida sensível, sua vida imaginária. A contemplação une mais ainda lembranças que sensações. É mais ainda história que espetáculo. É quando acreditamos contemplar um espetáculo prodigioso de riqueza que o enriquecemos com as lembranças mais diversas (BACHELARD, 1990, p. 169).

Nessa contemplação das fotografias e da própria turma em si, a atividade

segue como um brincar suavemente encantado.

Sobre imagem quatro, Acampamento de sem terra em Rio Bonito do Iguaçu,

Paraná (Brasil, 1996), as crianças falaram: “É uma menina triste”; “Foi escravizada”;

“Tem a cara deformada”; “Perdeu os pais”; “É mal-humorada”; “Está suja e brava”; “É

descabelada”; “Mora numa favela”; “A bochecha está suja”; “É sozinha no mundo”;

“O fotógrafo devia estar na sua frente”; “Acho que ele tinha aquela coisa que

aproxima a imagem”; “Um zoom?”; “É um zoom”; “Ela tem luz no rosto”; “Ela acabe

num círculo porque a cabeça é redonda”; “Não ela cabe num triângulo”; “Ela tem a

cara deformada porque apanhou. Deve ter tirado nota baixa”; “Tem uma luz dentro

do olho...”

Sobre a imagem cinco, Criança ianomâmi em Lafakabuco, na serra dos

Surucucus, Roraima (Brasil, 1996), elas declararam: “É um índio fumando”; “Está

gordo e sem camisa”; “Na barriga tem mais luz”; “Tem pedaços de estacas no rosto”;

“Tem cara de maluco”; “É um canibal”; “É da tribo kayagangui”; “Parece um indígena

japonês”; “Está numa prisão muito escura”; “Ele quis colocar um piercing”; “Está na

noite, zangado”; “Está machucado”; “Deve ter cocais de pena”; “Acho que ele usa

uma coroa”; “Foi amarrado com as mãos para trás dentro de sua toca”; “Olha!

Aparecem as tetas”; “Ele usa um colar”; “Tem bastante escuro”; “A figura não é

definida. Tem mistério”; “Ele cabe num triângulo”; “É mas tem que ser um triângulo

gordo”; “Ele cabe num retângulo”; “Ele está morto”; “Parece que o fotógrafo tava

meio abaixado”; “Devia ser de medo, ele era um canibal que tava preso”; “Foi

escravizado”.

Com relação à imagem seis, Campo Quilômetro 42 de Biaro para refugiados

Hutu Ruandeses, entre Ubundu e Kisangani (Zaire, 1997), os alunos disseram: “É

um negro”; “Mendigo”; “Seus pais foram escravizados”; “Tá sentado na grama”; “É

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muito magro, não se alimenta bem”; “A roupa está rasgada, suja ele é desnutrido”;

“Ele cabe num triângulo”; “Ele foi jogado na grama está fraco”; “Tem luz na grama e

na testa”; “Tem os olhos tristes, o tecido é áspero”.

A foto sete, Campo de Kamaz, em Mazar-e-Sharif para afeganes deslocados

(Afeganistão, 1996), provocou os alunos a falarem: “É feliz”; “É um carteiro”; “A alça

da mochila é uma linha inclinada”; “Está indo para a aula”; “É branco”; “É um

estudante, o rosto está mais iluminado”; “Não, ele está indo num curso de

bombeiros”; “Deve estar indo na festa junina”; “Ele vende jornais!”; “É noite”; “Ele tem

um brilho nos olhos”; “Ele cabe num retângulo”.

Sobre a foto oito Acampamento de Sem Terra em Rosa do Prado, em

Itamaraju – Bahia (Brasil, 1996), declararam: “Ele é triste. Cabe num triângulo”; “É

um estudante, o uniforme é branco”; “Tá prestando atenção em algo”; “Perdeu os

pais”; “Está de castigo, está triste porque ficou de castigo, queria estar brincando

com as outras crianças, é para elas que ele está olhando”; “Tem um rio atrás dele”;

“Tem linhas curvas na camiseta”.

A turma com a qual desenvolvi o trabalho sempre foi muito ativa, crítica e

dinâmica. Um dos elementos que a caracterizam é a curiosidade, pois eles sempre

perguntam muito, às vezes todos ao mesmo tempo. Todavia, quando começam a

desenhar, mergulham numa viagem interior encantadora, organizam-se buscando

criar sua composição rumo à qualidade estética; porém, já não estão tão presos ao

certo e errado, agora experimentam a liberdade de sensações; procuram em seu

trabalho o que cada linha, cada forma, provoca em seu interior. “Quando a mente

pode invocar imagens à vontade (e suprimi-las à vontade), consegue representar as

coisas como elas se mostram aos sentidos” (READ, 2001, p. 146).

Em seguida encaminhei a atividade, na qual os alunos deveriam desenhar o

que haviam sentido em relação às fotografias de Salgado. Como materiais foram

utilizados carvão, lápis de cor, folhas de ofício e fixados.

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Imagens do segundo encontro:

Imagem 1 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.].

Imagem 2 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.].

Imagem 3 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.].

Imagem 4 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.].

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Imagem 5 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.]

Imagem 6 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001 [s.p.]

Imagem 7 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.]

Imagem 8 - Sem título

Fonte: RIO BRANCO, 2001, [s.p.]

4.1.3 Segundo encontro – 1º ano inicial – Dia 29/06 /04

As crianças entraram na sala, acomodaram seus materiais e ocuparam seus

lugares. Estavam, neste dia, bastante agitadas. Então estabeleci um acordo com a

turma da seguinte forma: primeiro, a professora iria contar uma história “bem legal”;

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depois, iríamos observar umas imagens e, em seguida, trabalharíamos com tinta.

Contei-lhes que Miguel da Silva Paranhod do Rio Branco nasceu em Las

Palmas de Gran Canária, na Espanha, em 1946. Atualmente com 58 anos, mora e

trabalha no Rio de Janeiro. Perguntei quais seriam as profissões de Rio Branco, ao

que eles responderam: “Fotógrafo”; “Pintor”; “Desenhista”; “Artista de TV”; “Vendedor

de revista”; “Agricultor”; “Pedreiro”; “Era rico e comprou um carro porque estamos

estudando ele”; “Vendedor de jornal”; “Vendedor de carros”; “Vendedor de cachorro

quente”; “Jogador de futebol...”

A essa altura todos estavam muito curiosos para saber quem era Miguel Rio

Branco e o que ele fazia. Continuei contando que ele havia iniciado sua carreira

profissional em 1964 com uma exposição de pintura na Suíça. Na década de 1970,

trabalhou como fotógrafo e diretor de cinema com filmes experimentais em Nova

York. Ganhou muitos prêmios de fotografia no Brasil e no exterior.

Como os alunos estavam bem curiosos para ver as fotografias, iniciamos o

processo de descrição. Apresentei-lhes a imagem número um, que foi considerada

muito estranha: “É um rosto”; “Não! É a metade de um rosto”; “É uma boca cheia de

risquinhos”; “É uma boca e um nariz”; “Esse nariz é um triângulo”; “É uma mulher só

aparece um olho”; “Ao redor da foto tem linhas retas”; “Sim a forma da foto é um

quadrado”; “No nariz tem mais luz”; “Perto da bochecha tem luz”; “Ela está no

cinema”; “Ela está dormindo”; “Ela está fazendo cinema”; “É uma artista, tem um

dente”.

Elogiei a primeira descrição e pedi que continuassem observando os

elementos da composição. Muito eufóricos, uns apontando o dedo e pulando ao lado

da carteira, impacientes para falar, observaram sobre a imagem dois os seguintes

itens: “É um olho, está piscando”; “É a mesma mulher da outra foto”; “Usa

maquiagem”; “Tem um olho fechado e outro meio aberto”; “Na testa, na bochecha e

no nariz tem luz”; “Está acordado”; “É uma mulher”; “Aparecem linhas retas nas

madeiras”.

Continuei elogiando os comentários, porém pedi que observassem que

sentimentos a imagem provocava em cada um.

Sobre a foto três os alunos falaram: “Ela está acordada”; “Está bravo, é um

homem”; “Tem a cara feia”; “O nariz é muito grande”; “Tem a sobrancelha muito

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grande”; “O nariz é vermelho”; “Aparece a cor roxa”; “A pele é vermelha”; “A

sobrancelha é preta”; “Tem um branquinho no olho”; “E também tem um roxo no

olho”; “A testa é branca e está cheia de luz”; “Tem os olhos grandes”.

Percebi que, nesse contexto, as crianças gostavam mais de observar as

características formais e fantasiavam menos.

Observando a imagem quatro, os alunos ficaram bem impressionados com a

cor, elemento que chamou a atenção de todos sem exceções: “Tá montando um

quebra-cabeça”; “É da cor do sol”; “É laranja”; “E tem um pouco de vermelho”; “É um

pouco amarelo”; “É todo riscado”; “A sobrancelha é muito grande”; “Tá muito

arranhado”; “Tá machucado por isso tem um lado mais vermelho”.

Já, com relação à imagem cinco, o aspecto mais importante para os alunos foi

a idade do personagem da foto.

Si la imagen es el lugar en el que el sentido toma forma, lo imaginario se describe como el espacio fantástico donde la imagen vuelve a representarse a la mirada por médio de posibilidades infinitas, en formas y contenidos divergentes, según una lógica de la ficción totalmente imprevisible (GENNARI, 1997, p. 80).

A capacidade de imaginação nessa fase da criança é ilimitada; assim, a cada

característica observada surgiam novas histórias: “É um velho, bem noninho

mesmo”; “Não! Eu acho que é uma velha, ela tem muitos netos”; “Aparecem muitas

rugas”; “Estas rugas são linhas”; “É só um pedaço da velha”; “Parece o diretor!”; “Ele

está bravo”; “Parece uma cobra”; “Vai ver porque ele tem um veneno. Um veneno

escondido”; “O nariz é muito grande”; “É feio”; “Só aparece um pedaço do nariz”;

“Tem linhas na testa e no olho”; “O cabelo é cinza”; “As cores que aparecem são

branco, preto, cinza e marrom...”; “O olho é grande”; “A testa é grande”; “É bonita”;

“Tem pintinhas na pele”; “É muito marrom”; “Um lado tem mais sombra e o outro,

mais luz”; “Parece uma velha, ela é triste”; “Na testa tem linha reta”.

Sobre a foto número seis os alunos observaram: “É uma mulher”; “Tá

dormindo”; “Parece um homem”; “Tem um nariz pequeno, só aparece a metade”; “Só

aparece a metade do rosto”; “Tem roxo”; “Ela está dormindo na cama”; “Tá morta”;

“Não está morta, está bêbada”; “Tá machucada”; “Ela desmaiou”; “Tem mais na

bochecha”; “O nariz é mais vermelho”; “Tem linhas no olho”; “Ela usa maquiagem”;

“É um pedaço, um detalhe”.

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101

Como todas as fotos anteriores haviam sido de um rosto, eles já estavam

esperando outro, mas, ao se depararem com uma fotografia que não apresentava o

esperado, eles exclamaram formando um coro: “Oh! Olha!”; “São duas mãos com

um papel”; “Não é colorida!”; “São mãos de um homem”; “São mãos de um macaco”;

“É uma mulher lavando roupa”; “É um homem fazendo uma escultura”; “São mãos

de uma criança”; “Tá fazendo sabão”; “Está trabalhando com gesso”; “Está fazendo

o sabonete”; “Tá descascando batata”; “É triste porque é um trabalhador”; “Aparece

o preto e o branco”.

O foco de interesse da turma eram as questões subjetivas e emocionais, os

elementos formais eram percebidos, mas para os alunos não eram elementos

interessantes. Eles pareciam estar fascinados pelas cenas, queriam imaginar,

fantasiar situações. Sobre a imagem número oito expressaram: “É um homem dentro

de um barco”; “Ele está andando de skate”; “É um pedreiro”; “Caminha pela

calçada”; “Tem uma piscina atrás dele”; “Está em casa”; “Tem a calça suja”; “Tá

esperando o ônibus”; “O sapato é preto”; “A calça tá suja, deveria ser branca”; “Tem

um rio atrás dele”; “Tem mais luz atrás”.

As fotografias de Miguel Rio Branco levaram as crianças a imaginar muitas

coisas, às vezes voltadas as suas realidades, às vezes fantasiosas; o exercício

permitiu-lhes uma viagem pelo mundo da imaginação, possibilitando-lhes criar

muitas histórias acerca dos detalhes visuais percebidos. Buscamos estimular o

imaginário através da leitura das imagens.

A criança é um ser em contínuo movimento; são as transformações físicas, de

percepção, psíquico-emocional que promovem na criança um espírito curioso; seu

olhar aventureiro desvenda, considera e descarta de acordo com a sua vivência.

Podemos afirmar que diante das imagens surge um estado coletivo de

encantamento, e a descoberta une-se ao desejo de relação com o objeto observado,

como se quisessem tomar posse, o que ocorre à medida que a criança cria uma

fantasia sobre a imagem.

O que caracteriza os processos intuitivos e os torna expressivos é a qualidade nova da percepção. É a maneira pela qual a intuição se interliga com os processos de percepção e nessa interligação reformula os dados circunstanciais, do mundo externo e interno, a um novo grau de essencialidade estrutural, de dados circunstanciais tornam-se dados significativos (OSTROWER, 1996, p. 57).

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102

A percepção amplia sua qualidade à medida que leituras conscientes e

dinâmicas acerca de imagens atrativas para a série trabalhada são feitas

regularmente.

Em seguida os alunos realizaram uma pintura com guache sobre onde

imaginavam que as cenas fotografadas por Rio Branco estavam acontecendo.

Através da pintura todo o corpo participa do processo de criação e

imaginação; os movimentos do braço, os olhares atentos vão criando um clima

calmo, harmoniosamente prazeroso. Do papel brotam histórias coloridas que vão

dando forma às pinceladas; alguns pintam o rosto ou o braço, são tatuagens

solúveis que retratam o toque, um contato direto com o material.

4.1.4 Segundo encontro – 4º ano inicial – Dia 28/06 /04

Inicialmente, relembramos o encontro passado e as características das

fotografias de Salgado. Perguntei-lhes, então, se conheciam Miguel Rio Branco, ao

que eles responderam que não. Contei-lhes, após, uma pequena história adaptada

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por mim para que compreendessem um pouco da vida de Rio Branco.

Miguel da Silva Paranhos do Rio Branco nasceu em Las Palmas de Gran

Canária em 1946. Atualmente com 58 anos, mora e trabalha no Rio de Janeiro.

Perguntei-lhes: Além de ser fotógrafo, o que será que Rio Branco faz? Eles

responderam: “É arquiteto”; “Pintor”; “Escultor”; “E faz filmes experimentais, assim

como arte em multimídia”.

Iniciou sua carreira profissional em 1964 através de uma exposição de pintura

na Suíça. Na década de 1970, trabalhou como fotógrafo e diretor de filmes em Nova

York; em 1972, começou a expor seus trabalhos de fotografia e cinema. Ganhou

muitos prêmios de fotografia no Brasil e no exterior.

Em seguida falei de suas fotografias, que às vezes apresentam cenas de uma

composição, outras, detalhes de um objeto. Começamos, então, a observar as

imagens.

Sobre a imagem um, os alunos falaram: “É um rosto”; “Tem mais luz perto dos

olhos”; “Aparece uma linha reta na bochecha, nos dentes”; “A boca é vermelha”;

“Parece triste, num lugar azul”; “A figura parece meio triangular”; “Está dormindo”; “É

um detalhe”; “As cores são fortes”; “Está usando batom”; “Tem linhas nos lábios”; “O

nariz é um triângulo”.

Sobre a foto número dois, solicitei que as crianças observassem o que

parecia, onde apareciam linhas retas, onde surgiam linhas curvas, se existia textura,

como era a composição, as cores... Elas observaram: “É um outro rosto”; “Tem mais

luz perto dos olhos”; “Tem linhas curvas no nariz”; “Parece um quadrado”; “Tem luz

na testa”; “Não tem fundo”; “Está com sono”; “É um homem”; “Parece cansada. O

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olho tem linhas curvas, a pálpebra é cansada”; “Estava de lado quando bateram a

foto”; “Não tem fundo, é um olho e meio num quadrado. Também é um detalhe”.

Sobre a figura três as crianças já começaram a imaginar onde a pessoa

estaria, deixando uma brecha à criatividade: “Está barbudo, é um homem”; “Os olhos

estão meio abertos, parece cansado”; “O nariz tá vermelho, deve ser de raiva”;

“Aparecem linhas curvas em cima do nariz, está com raiva”; “Ele está em casa com

raiva do sofá”; “Não ele está gritando com os filhos porque trocaram o canal”; “Ele

está mal-humorado porque está acordando e, por isso, está vermelho”; “O nariz está

triangular, não tem fundo, é um detalhe do rosto”; “Tem rugas e na frente dele devia

estar o fotógrafo”; “Ele usou o zoom, para aproximar”; “O fotógrafo estava perto

dele”.

Sobre a foto número 4 as crianças enfatizaram: “Aparece madeira, um

quadro, é esquisito”; “Tem alguma coisa escrita no rosto”; “Ao redor do olho está

vermelho, parece um quebra-cabeça”; “Ele estava de lado quando tirou a fato”; “A

bochecha tem mais luz, parece que ele foi machucado”; “Tem muita sobrancelha,

parece que fizeram uma pirâmide de palitos”; “Não tem fundo, tem mais linhas retas

nas madeiras”; “Parece um outdoor, e tem um olho inchado, e grandes”; “Parece um

navio, uma caravana, é bem diferente”.

Sobre a foto número cinco pudemos perceber que as crianças estavam bem

atentas: “É um velho, com o olho preto”; “É narigudo, a testa é mais clara”; “Aparece

o cabelo, é um velho”; “Está olhando para um campo ou um parque”; “Não! Ele está

olhando para uma praça porque está trabalhando na guerra”; “Parece que ele está

confuso numa cidade”; “Está triste e cansado”.

As crianças começam a fantasiar sobre o personagem da foto e fugiram das

questões formais para relatar as subjetivas. Sobre a foto número seis elas

comentaram: “Tá dormindo. É uma mulher”; “Tem sombra nos olhos, está piscando”;

“Também é um quadrado”; “Nos cantos da figura está mais escuro”; “Está dormindo

no sofá ou na cama. É um detalhe”; “A foto foi tirada de lado”; “Ela está sonhando

com o namorado, longe da família”; “O fotógrafo usou zoom, ela está calma,

tranqüila”; “Parece pensativa, tem muitas cores, vermelho, roxo, amarelo, cor de

pele”.

Já esperando outro detalhe do rosto, as crianças foram surpreendidas com a

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foto número sete: “É preta e branca”; “É uma mulher lavando a mão”; “Está com a

mão machucada”; “Está suja, na cozinha”; “Está esculpindo um brinquedo ou

cortando alguma coisa”; “Está fora de casa fazendo uma máscara”; “Está fazendo

chocolate, suja de farinha”; “Está com as unhas sujas”; “É uma mulher por causa das

unhas”; “Está concentrada no que faz”.

Sobre a foto número oito as crianças foram bastante detalhistas: “Parece um

homem, tem fundo”; “Um homem escorado na parede e a parte mais clara é atrás

dos pés. Está na rua”; “Tiraram a foto de cima para baixo”; “Está na prisão”; “Está

tocando uma campainha”; “Acho que está esperando o ônibus, indo para o trabalho”;

“Trabalhando como pintor no corredor de um apartamento”; “Parece que colocou um

pijama para dormir”; “É tranqüilo, o corredor está em forma de triângulo”; “No chão

tem linhas retas, ele tá abrindo uma porta”; “Tem os pés cruzados conversando com

alguém”; “Parece cansado, com sono”.

Percebemos que também nesta turma as questões subjetivas foram o foco do

interesse, fazendo-os fantasiar sobre o personagem observado. Em seguida, os

alunos realizaram uma pintura com guache sobre o que imaginavam acerca de uma

das fotografias escolhidas por eles: para onde a pessoa estava olhando, o que

estava fazendo... (Anexo 2). Colocamos, nesse momento, som e incenso para criar

um ar místico, mais concentrado e profundo.

Segundo Ostrower (1996), a imaginação criativa nasce do interesse, do

entusiasmo de um indivíduo pelas possibilidades maiores de certas realidades ou

experiências: surge da capacidade de estabelecer relações com as experiências e

com o sentir. As indagações constituem formas de relacionamentos afetivos, formas

de expressar a essência de um fenômeno e de uma ação. A afetividade vincula-se

ao interesse, que transcende o fazer.

Essa atenção e interesse foram verificados durante as atividades, pois o

entusiasmo e a expectativa aos poucos foram criando novas formas de ver e pensar

o mundo e os próprios seres humanos.

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Imagens do terceiro encontro:

Imagem 1 - Sem título

Fonte: ACHUTTI, 1997.

Imagem 2 - Sem título

Fonte: ACHUTTI, 1997.

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