universidade do minho escola de direito enda de bens de consumo · 2017-03-22 · outubro de 2014...
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outubro de 2014
Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo
Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo
Universidade do Minho
Escola de Direito
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Trabalho realizado sob a orientação do
Professor Doutor Fernando Gravato de Morais
outubro de 2014
Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo
Universidade do Minho
Escola de Direito
Dissertação de MestradoMestrado em Direito dos Contratos e da Empresa
Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo
DECLARAÇÃO
Nome
Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista Esteves Araújo
Endereço electrónico: [email protected]
Número do Bilhete de Identidade: 13506795
Título
Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo
Orientador(es):
Professor Doutor Fernando Gravato de Morais
Ano de conclusão: 2014
Designação do Mestrado:
Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;
Universidade do Minho, 31/10/2014 Assinatura: ________________________________________________
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço e dedico este trabalho à minha Mãe, por todo o apoio e ajuda ao longo da minha vida.
Agradeço e dedico à memória do meu Pai.
Ao Ícaro, pela inspiração e exemplo que é para mim.
Agradeço ao Exmo. Professor Doutor Fernando de Gravato Morais, orientador desta tese de
Mestrado, pela disponibilidade e contribuição dada para a conclusão da mesma.
iv
v
RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR NA VENDA DE
BENS DE CONSUMO
A presente dissertação dedica-se ao estudo da compra e venda de bens de consumo,
particularmente da responsabilidade do produtor perante o consumidor pela desconformidade
dos bens de consumo por si fabricados. A consagração de tal responsabilidade foi ponderada na
Diretiva de 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos
aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. No entanto, não foi
consagrada no texto comunitário, circunstância que não obstou à sua previsão pelo legislador
português, no Decreto –Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com a redação do Decreto – Lei n.º
84/2008, de 21 de Maio.
Este trabalho encontra-se estruturado em dois capítulos.
No primeiro capítulo, procedemos a uma breve análise do regime geral da compra e venda de
coisas defeituosas constante do código civil, analisamos a Diretiva 1999/44/CE, seus princípios
orientadores, bem como o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pela
redação do DL n.º 84/2008, de 21 de Maio, o qual constitui o regime especial, aplicável à
compra e venda de bens de consumo entre um vendedor profissional e um consumidor – e bem
ainda elencaremos os direitos e garantias conferidos ao consumidor por força dessa Diretiva.
No capítulo II, dedicamo-nos à análise do alcance da responsabilidade direta do produtor perante
o consumidor, bem como à forma como os princípios e objetivos da Diretiva 1999/44/CE foram
aplicados nos ordenamentos jurídicos de Espanha, França e Alemanha, designadamente quanto
à consagração do tipo de responsabilidade do produtor.
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vii
RESPONSIBILITY OF THE PRODUCER TO THE CONSUMER IN THE SALE OF
CONSUMER GOODS
This paper is dedicated to the study of the purchase and sale of consumer goods, particularly the
responsibility of the producer to the consumer by the inconsistency of consumer goods
manufactured by him. The consecration of such responsibility was weighted at 1999/44 / EC
Directive of the European Parliament and of the Council of 25 May, on certain aspects of the sale
of consumer goods and associated guarantees. However, it was not enshrined in the EC text, a
circumstance that has not altered its forecast for the Portuguese legislator in Decree-Law
67/2003, of April 8, with the wording of Decree - Law No. 84/2008 of 21 May.
This paper is structured in two chapters.
In the first chapter, we proceed to a brief analysis of the general scheme of the purchase and
sale of defective things contained in the civil code, analyzed the Directive 1999/44 / EC, its
guiding principles and DL 67/2003 of 8 April, as amended by the wording of Decree No.
84/2008, of 21 May, which is the special system for the purchase and sale of consumer goods
from a professional seller and a consumer - and still we will list the rights and guarantees granted
to the consumer under this special law.
In Chapter II, we dedicate to the analysis of the scope of the direct responsibility of the producer
to the consumer, as well as to how the principles and objectives of Directive 1999/44 / EC have
been implemented in the laws of Spain, France and Germany, particularly as the consecration of
the type of producer responsibility.
viii
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 15
CAPITULO I
A RELAÇÃO VENDEDOR-COMPRADOR/CONSUMIDOR
1- NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL ESTABELECIDA ENTRE VENDEDOR E CONSUMIDOR (REGIME GERAL DO
CÓDIGO CIVIL) ........................................................................................................................... 21
1.1 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - A ENTREGA DA COISA; ...................................................... 21
1.2 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - PAGAMENTO DO PREÇO DEVIDO .......................................... 22
1.3 -PARTICULARIDADES DOS CONTRATOS DE CONSUMO ................................................................. 23
1.3.1 - FORMAÇÃO DO CONTRATO .......................................................................................... 23
1.3.2 -FORMA DO CONTRATO ................................................................................................ 23
2 – CUMPRIMENTO DO CONTRATO – PRINCÍPIOS DA PONTUALIDADE E DA BOA-FÉ ................................... 24
3 – COMPRA E VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS NO REGIME GERAL (ARTIGOS 913.º E SEGUINTES DO CÓDIGO
CIVIL) ...................................................................................................................................... 25
3.1 -NOÇÃO DE DEFEITO .......................................................................................................... 26
3.1.1 -QUALIDADE NORMAL E QUALIDADE ACORDADA ................................................................. 26
3.1.2 -VALOR DA COISA ....................................................................................................... 27
3.2 -DEFEITO OCULTO, DEFEITO APARENTE E DEFEITO CONHECIDO .................................................... 27
3.3 – DIREITOS DO COMPRADOR PERANTE A COMPRA DE COISA DEFEITUOSA........................................ 28
3.3.1 -RESOLUÇÃO DO CONTRATO ......................................................................................... 28
3.3.2 - REPARAÇÃO DO DEFEITO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA ....................................................... 28
3.3.3 - REDUÇÃO DO PREÇO ................................................................................................. 29
3.4.4 -INDEMNIZAÇÃO ......................................................................................................... 29
3.5 -CONEXÃO ENTRE OS DIVERSOS DIREITOS DO COMPRADOR .......................................................... 30
3.6 -GARANTIA ...................................................................................................................... 30
3.7 -PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS .............................................................................. 31
4- DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONFERIDOS AO CONSUMIDOR ..................................................... 32
5 –A DIRETIVA 1999/44/CE DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 25 DE MAIO DE 1999 “ RELATIVA A
CERTOS ASPETOS DA VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS” ............................. 34
x
5.1 - OBJETIVOS DA DIRETIVA.................................................................................................... 36
5.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA ................................................................................... 37
5.3 – CONFORMIDADE DO BEM DE CONSUMO COM O CONTRATO ....................................................... 37
6 – DIREITOS DO CONSUMIDOR ..................................................................................................... 39
7 -PRAZOS ................................................................................................................................ 40
8- IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS RECONHECIDOS AOS CONSUMIDORES ........................................... 41
9 – COMPATIBILIDADE DAS DISPOSIÇÕES NACIONAIS COM O EXERCÍCIO DOS DIREITOS ATRIBUÍDOS PELA
DIRETIVA .................................................................................................................................. 42
10 – Transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico português (Pelo Decreto – Lei n.º
67/2003, de 8 de Abril com a redação do Decreto – Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) ........... 42
10.1 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO DECRETO - LEI 67/2003, DE 8 DE ABRIL (ALTERADO PELO DECRETO- LEI
N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO) ................................................................................................ 44
10.2 – DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR .......................................................................................... 44
10.3 – DEFINIÇÃO DE VENDEDOR .............................................................................................. 45
10.4 -DEFINIÇÃO DE BEM DE CONSUMO ...................................................................................... 46
10.5 - CONFORMIDADE COM O CONTRATO ................................................................................... 46
10.6 – PRESUNÇÕES DE CONFORMIDADE .................................................................................... 48
10.7 – NÃO CONFORMIDADE CONHECIDA DO CONSUMIDOR ............................................................. 50
10.8 – FALTA DE CONFORMIDADE RESULTANTE DE MÁ INSTALAÇÃO ................................................... 51
11 – DIREITOS DO CONSUMIDOR ................................................................................................... 52
11.1- HIERARQUIA DOS DIREITOS .............................................................................................. 53
11.2 – REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DO BEM ............................................................................. 54
11.3 – REDUÇÃO DO PREÇO OU RESOLUÇÃO DO CONTRATO ............................................................ 55
11.4- ESCOLHA DO CONSUMIDOR E ABUSO DE DIREITO ................................................................... 56
11.5 – PRAZOS PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR ...................................................... 56
11.6 – GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE ................................................................................ 57
11.7 - PRAZO PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS .............................................................................. 62
11.7.1 – PRAZO DE DENÚNCIA DA FALTA DE CONFORMIDADE ....................................................... 63
xi
11.7.2 – O PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO ........................................................................... 65
12 – BENS USADOS ................................................................................................................... 68
12.1 – PRAZO DE PRESCRIÇÃO ................................................................................................. 68
CAPÍTULO II
A RELAÇÃO PRODUTOR- CONSUMIDOR
1 – RELAÇÃO PRODUTOR - CONSUMIDOR ........................................................................................ 73
1.1 - DEFINIÇÃO DE PRODUTOR ................................................................................................. 73
1.1.1 -PRODUTOR REAL ...................................................................................................... 74
1.1.2 -PRODUTOR PRESUMIDO.............................................................................................. 74
1.1.3 -PRODUTOR APARENTE ................................................................................................ 75
2 - RESPONSABILIDADE DIRETA DO PRODUTOR................................................................................... 75
3- (IN) VIABILIDADE DE O CONSUMIDOR OBTER UMA INDEMNIZAÇÃO DO PRODUTOR ................................... 78
4- BENEFÍCIOS, PARA O CONSUMIDOR, DA CONSAGRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA ........................... 82
5 -A NÃO INCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA NO TEXTO DA DIRETIVA .............................................. 84
6 - AÇÃO DIRETA ........................................................................................................................ 87
6.1 -ÂMBITO SUBJETIVO DA AÇÃO DIRETA ..................................................................................... 90
6.2 – ÂMBITO OBJETIVO DA AÇÃO DIRETA .................................................................................... 91
7 - OPONIBILIDADE DO PRODUTOR AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR ....................................................... 92
7.1 – O PRODUTOR DE PARTE COMPONENTE DO PRODUTO .............................................................. 93
7.2 – DESCONFORMIDADE POR FORÇA DE NORMAS IMPERATIVAS ...................................................... 94
7.3 – A NÃO COLOCAÇÃO DO BEM EM CIRCULAÇÃO (AL. B)) ............................................................ 94
7.4 – PRODUÇÃO SEM FIM LUCRATIVO OU FORA DO ÂMBITO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (AL. D)) ............ 94
7.5 – A CADUCIDADE ( AL.E) ) .................................................................................................. 95
8 - DIREITO COMPARADO ............................................................................................................. 95
xii
8.1 - INTRODUÇÃO - LEY N.º23/2003, DE 10 DE JULIO, REVOGADA PELO REAL DECRETO LEGISLATIVO
N.º1/2007, DE 16 DE NOVIEMBRE ........................................................................................... 95
8.2 - ÂMBITO DE APLICAÇÃO ..................................................................................................... 96
8.3 -SUJEITOS ....................................................................................................................... 97
8.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO ...................................................................................... 98
8.5 -DIREITOS DO CONSUMIDOR PERANTE A FALTA DE CONFORMIDADE ............................................. 101
8.6 - PRAZOS ...................................................................................................................... 103
8.7 -RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR .................................................................................... 104
8.8 -Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro ........................................... 105
9 - ORDENAMENTO JURÍDICO FRANCÊS ......................................................................................... 107
9.1 – INTRODUÇÃO - ORDONNANCE N°2005-136 DU 17 FÉVRIER 2005........................................ 107
9.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO ................................................................................................. 109
9.3 - SUJEITOS .................................................................................................................... 109
9.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO .................................................................................... 110
9.5 -PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE DOS BENS COM O CONTRATO E GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE .. 110
9.6 – (IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO BEM 112
10 - ORDENAMENTO JURÍDICO ALEMÃO......................................................................................... 113
10.1 -INTRODUÇÃO – TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA 1999/44/CE ATRAVÉS DA REFORMA DO BGB (CÓDIGO
CIVIL ALEMÃO), PELA LEI 1/2002 ........................................................................................... 113
10.2 -ÂMBITO DE APLICAÇÃO .................................................................................................. 115
10.3 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO .................................................................................. 117
10.4 -DIREITOS DO COMPRADOR ............................................................................................. 118
10.5 –(IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO BEM
........................................................................................................................................ 119
CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 120
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................... 125
xiii
ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão
Anot.– Anotação
Art. (s) – Artigo(s)
Al – Alínea
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça
BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão)
C.C – Código Civil
CE – Comunidade Europeia
CEE – Comunidade Económica Europeia
Cit – Citada
Cfr – Confira
COM –Comissão das Comunidades Europeias
CJCE – Cour de Justice des Communautés Européennes
CPC – Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
CSC – Código das Sociedades Comerciais
DL – Decreto- Lei
Ed – Edição
EDC- Estudos de Direito do Consumidor
JOCE – Jornal Oficial da União Europeia
LDC – Lei da Defesa do Consumidor
LGDCU – Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios
LGVBC –Ley de garantías en la venta de bienes de consumo
LOCM – Ley de ordenación del comercio minorista
MEDEF –Mouvement des Enterprises de France
Proc. – Processo
RDL –Real Decreto Legislativo
RDP – Responsabilidade Direta do Produtor
SS – Seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
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T – Tomo
T.R.E. Tribunal da Relação de Évora
TRL –Tribunal da Relação de Lisboa
TRP –Tribunal da Relação do Porto
Vol – Volume
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INTRODUÇÃO
O presente estudo insere-se no âmbito do direito do consumo e tem por objetivo analisar a
responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, originada pela desconformidade do
bem por aquele produzido e por este adquirido.
Encontra-se estruturado em dois capítulos.
Ao longo do primeiro capítulo, percorreremos o regime geral da compra e venda de coisas
defeituosas constante do código civil, analisaremos a Diretiva 1999/44/CE, de 25 de Maio
referente a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, seus
princípios orientadores, bem como o diploma de transposição para o nosso ordenamento jurídico
dessa mesma Diretiva - o Decreto -Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações
introduzidas pela redação do Decreto -Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, o qual constitui o regime
especial, aplicável à compra e venda de bens de consumo entre um vendedor profissional e um
consumidor – e bem ainda elencaremos os direitos conferidos ao consumidor por força dessa
Diretiva.
Serão, igualmente, definidos conceitos “base”, no âmbito destes contratos, tais como
“consumidor”, “vendedor”, “produtor”, “conformidade do bem”, “bens de consumo”, dada a
pertinência da sua definição para melhor compreensão do que é abrangido por este regime.
Numa segunda fase, constante do segundo capítulo, dedicar-nos-emos ao tema que subjaz a
esta dissertação – qual a responsabilidade do produtor perante o consumidor relativamente aos
bens de consumo por si fabricados.
Por fim, terminaremos este capítulo com a análise de direito comparado, dos ordenamentos
jurídicos espanhol, francês e alemão, no sentido de apurar qual o método de transposição e de
que forma consagraram os princípios e objetivos da Diretiva nos respetivos ordenamentos, as
opções tomadas pelos legisladores desses ordenamentos no que à defesa do consumidor diz
respeito, comparando tal proteção com a vigente no nosso ordenamento jurídico.
Como nota introdutória é de esclarecer e definir o âmbito do presente trabalho.
Desta forma, apenas será analisada a responsabilidade do produtor pela desconformidade dos
bens de consumo, isto é, por possíveis vícios que estes possam apresentar após a sua
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colocação no mercado e posterior venda, não sendo objeto de análise a responsabilidade civil do
produtor por danos causados por produtos defeituosos por si fabricados (matéria regulada pelo
Decreto-Lei n.º 383/89, de 06 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de
Abril).
Antes de iniciarmos o estudo do atual regime, importa proceder a uma fugaz passagem pela
“história”, no sentido de expor o (longo) caminho percorrido até chegarmos a uma legislação
especificamente direcionada para a proteção do consumidor.
A responsabilidade civil do produtor perante o consumidor (seja pelos danos causados por
produtos defeituosos seja somente pelos defeitos dos produtos por si fabricados) começou a
suscitar interesse na doutrina dos EUA devido ao crescente aumento da produção, distribuição e
consumo massivo. Esta nova realidade (suscitada devido à Revolução Industrial) introduziu a
necessidade de se ponderar a hipótese do ressarcimento efetuado pelo produtor ou fabricante –
pelos produtos defeituosos por si produzidos e colocados no mercado – a indivíduos com os
quais não foi estabelecida nenhuma relação contratual direta.
A já referida Revolução Industrial veio alterar o modo e a escala em que a produção era
realizada. Tecnologicamente, houve uma grande evolução na produção de bens, surgindo a
crescente tendência para o homem ser substituído pela máquina. Este progresso tecnológico
tornou necessária a aplicação de um planeamento industrial para essa mesma produção, com
vista a um melhor e mais preciso resultado – o produto final- onde a organização das várias
fases de produção desempenha um papel fulcral.
Com esta revolução iniciou-se a introdução das máquinas nas linhas de produção das fábricas,
máquinas essas que com o avançar dos tempos se tornaram cada vez mais sofisticadas e
autónomas, tornando o processo de fabrico mais estável e seguro – não fazem greve, não
adoecem ou têm problemas pessoais – permitindo, também, tornar os preços do produto final
mais atrativos e acessíveis a um maior número de consumidores finais.
Ora, naturalmente, a consequência do supra referido foi a produção em série (por contraposição
aos longínquos tempos em que os produtos eram feitos unicamente pelo Homem e “à mão”,
tornando cada produto diferente, embora iguais na finalidade e propósito1), o que conduz a
1 Hoje em dia apenas os artesãos é que ainda fazem os seus produtos à mão, tornando-os únicos e até nalguns casos personalizáveis consoante o consumidor, sendo no entanto e infelizmente uma profissão e arte cada vez mais em vias de extinção;
17
centenas e centenas de produtos iguais a serem fabricados e “ largados” no mercado
diariamente.
Posto isto, colocamos a seguinte pergunta, a qual serve de mote para o tema da nossa
dissertação:
Que tipo de responsabilidade tem o produtor perante o consumidor na venda de bens de
consumo e qual o seu alcance?
18
19
CAPITULO I
20
21
1- NATUREZA DA RELAÇÃO CONTRATUAL ESTABELECIDA ENTRE VENDEDOR E CONSUMIDOR
(REGIME GERAL DO CÓDIGO CIVIL)
Antes de nos debruçarmos sobre a relação produtor – consumidor na venda de bens de
consumo (a que nos dedicaremos no segundo capitulo da presente dissertação), importa definir
e caracterizar a relação vendedor –comprador/consumidor, pois sem esta relação não se coloca
sequer em questão a outra, no sentido em que o denominador comum é o produto vendido por
este e produzido por aquele e cujo destinatário final é o consumidor.
Desta forma, a relação vendedor – consumidor, assenta num contrato de compra e venda2
através do qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço.
Portanto, deste contrato decorrem obrigações fundamentais para ambas as partes, a saber:
- A obrigação de transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito e de entrega da
coisa3 – relativamente ao vendedor;
- A obrigação de proceder ao pagamento do preço4 - quanto ao comprador/consumidor.
1.1 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - A ENTREGA DA COISA;
Quanto à obrigação de entrega da coisa, o vendedor deve empossar o comprador/consumidor
na posse efectiva da coisa, quer seja através da tradição material ou simbólica da coisa – art.
1263.º, al. b) do Código Civil – ou pelo constituto possessório – art. 1263.º, al. c) e art. 1264.º
do Código Civil.
Por forma a cumprir esta obrigação, o vendedor deverá investir o comprador na posse efetiva da
coisa adquirida, na colocação da coisa à disposição deste no local e na data acordados, ou
quando estes não sejam determinados, no local e data fixados por lei5 (art. 772.º e seguintes,
art. 777.º e seguintes, e art. 797.º, todos do Código Civil). O vendedor, cumprida que seja a
obrigação de entrega da coisa vendida, tem o direito de exigir a quitação ao comprador, ou
recusar a entrega enquanto essa mesma quitação não for facultada, de acordo com o disposto
no artigo 787.º do Código Civil.
2 Regulado nos artigos 874.º e seguintes do C.C; 3 Alíneas a) e b) do artigo 879.º do C.C; 4 Alínea c) do artigo 879.º do C.C; 5 Tal ato corresponde ao elemento negativo da traditio, que se traduz no abandono da coisa pelo antigo detentor;
22
No entanto, a obrigação de entrega da coisa, por parte do vendedor, não se esgota na
transferência da posse, tendo igualmente tanta ou mais relevância o estado em que se encontra
a mesma, pois terá de ser entregue conforme o contrato.
Nos termos do artigo 882.º, n.º 1 do Código Civil, “ A coisa deve ser entregue no estado em que
se encontrava ao tempo da venda”, sendo que o vendedor tem ainda a responsabilidade
acessória de a conservar, suportando as despesas necessárias para tal, entre o momento da
transferência da propriedade (desfecho da venda) e a entrega no prazo definido. Acresce o
número 2 do aludido artigo que a obrigação de entrega engloba, salvo estipulação em contrário,
as partes integrantes – cfr. art.204.º, n.º3 do Código Civil – mas não as partes acessórias – cfr.
210.º, n.º 2 Código Civil – os frutos pendentes – cfr. art. 213.º Código Civil – e os documentos
referentes à coisa ou direito.
Posto isto, a coisa entregue deve ser a prevista no contrato, de acordo com as especificações e
condições aceites pelas partes, isto é, se a coisa recebida não respeitar as especificidades, tais
como os atributos, a quantidade, natureza ou género previstas pelas partes existirá
desconformidade com o contrato, e o comprador não atingirá o “contentamento” pretendido.
1.2 – O CONTRATO DE COMPRA E VENDA - PAGAMENTO DO PREÇO DEVIDO
Relativamente à obrigação de pagamento do preço e por força do carácter bilateral e
sinalagmático do contrato de compra e venda esta deverá ser cumprida, na falta de convenção
ou usos em contrário, no momento e no lugar de entrega da coisa vendida, nos termos do artigo
885.º do Código Civil, podendo o vendedor suspender a entrega da coisa enquanto o preço não
lhe for pago ou oferecido em simultâneo – artigo 428.º do Código Civil.
Todavia, na circunstância da propriedade já ter sido transmitida e a entrega da coisa efetuada o
vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento do preço – artigo 886.º do Código
Civil.6
Na concretização da sua obrigação o vendedor/devedor deve respeitar rigorosamente os termos
do contrato (arts. 408.º e 763.º do Código Civil), entregando a coisa acordada, não podendo o
comprador ser forçado a receber coisa diferente da devida (art. 837.º do Código Civil).
6 Sem contudo esquecer que esta norma tem caracter excecional mas não imperativo, derrogando a regra de resolução por incumprimento prevista no n.º 2 do art. 801.º do Código Civil. O vendedor pode, no entanto e se assim entender, afastar esta impossibilidade de resolução – art.886.º do C.C - através da inclusão no contrato de uma cláusula resolutiva expressa, que permite resolver o contrato por falta de pagamento do preço.
23
Como contraposição a esta obrigação de entrega, o comprador tem a obrigação de receção da
coisa nos termos acordados7.
1.3 -PARTICULARIDADES DOS CONTRATOS DE CONSUMO
Podemos definir o contrato de consumo como “ o contrato que incide sobre uma coisa, um
serviço ou um direito destinado a uso não profissional de um dos contraentes, sempre que o
outro contraente atue no âmbito da sua atividade profissional.”8
Os intitulados contratos de consumo, não se resumem apenas aos contratos de compra e venda
de um bem de consumo (tema abordado na presente dissertação), podendo incidir em qualquer
outro dos contratos regulados no Código Civil, desde que as partes sejam um vendedor
profissional e um consumidor, a atuar nessas vestes, relevando para qualificar um contrato
como sendo de consumo a “qualidade” em que as partes intervêm nesse contrato (vendedor
profissional e consumidor).
1.3.1 - FORMAÇÃO DO CONTRATO
Este tipo de contratos, formam-se segundo as regras próprias dos contratos de consumo e
subsidiariamente de acordo com as regras do Código Civil.
1.3.2 -FORMA DO CONTRATO
O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da liberdade de forma (artigo 219.º do
Código Civil).
Deste modo e salvo quando a lei o exigir ou as partes convencionarem, a declaração negocial
não está sujeita a qualquer forma especial. Pelo que, os contratos, em regra formam-se por
mero consenso.
No entanto e particularmente no âmbito do direito do consumo, nota-se o ressurgimento do
formalismo9.
7 Consistindo este ato no elemento positivo da traditio , isto é, a apreensão da coisa, através da tomada de poder sobre a mesma; 8 Cfr Jorge Morais CARVALHO, Manual de direito do consumo, 1.ª edição, almedina,2013 p. 21. 9 Cfr. João Calvão da SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor, 1990, p. 78; Carlos Ferreira de ALMEIDA, Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 88;
24
Embora não esteja instituída uma regra geral para o direito do consumo, a imposição de forma
escrita10 encontra-se prevista nalguns diplomas (por exemplo, os contratos de crédito ao
consumo - art. 12.º, n.º 1 do DL 133/2009 - ou os contratos celebrados no domicilio e
equiparados - art. 16.º, n.º 1 do DL 143/2001).
2 – CUMPRIMENTO DO CONTRATO – PRINCÍPIOS DA PONTUALIDADE E DA BOA-FÉ
Todos os contratos devem respeitar e ter por base os princípios da pontualidade e da boa-fé.
Pontualidade na medida em que nos termos do artigo 406.º n,º 1 do Código Civil, “ O contrato
deve ser pontualmente cumprido, e só pode ser modificado ou extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”, isto é, os termos e cláusulas
previstas no contrato devem ser rigorosamente cumpridas, com as prestações a serem
realizadas integralmente e não por frações, com exceção dos casos em que as partes acordam
diferente ou a lei ou os usos assim o imponham,11 e o devedor não poderá dispensar-se
mediante prestação diferente da devida, a não ser que o credor assim o consinta12, como
também não poderá exigir a redução da sua prestação recorrendo à sua dificuldade em realizá-
la, efetuando apenas o que alega poder fazer.
O principio da boa-fé determina que “ no cumprimento da obrigação, assim como no exercício
do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”13. As partes neste caso, serão o
vendedor e o comprador/consumidor, que deverão atuar tendo por base a correção, sinceridade,
a franqueza e a seriedade inerentes a pessoas de bem, características estas intrínsecas à
cooperação e solidariedade contratual a que mutuamente se vincularam.
Caracterizado o tipo de contrato, que está na base da relação vendedor-comprador, surge agora
a seguinte questão – Que mecanismos se encontram à disposição do comprador quando o bem
adquirido não corresponde ao esperado ou demonstra defeitos ou problemas que impedem a
prossecução do fim a que se destina?
10 Para mais desenvolvimentos, Cfr Jorge Morais CARVALHO, Manual de direito do consumo, cit.,p. 22 e ss; 11 Cfr. Art. 763.º, n.º 1 do C.C; 12 Cfr. Art. 837.º do C.C; 13 Cfr. Art. 762.º, n.º 2 do C.C;
25
A esta pergunta responderemos nas secções seguintes, analisando os dois regimes em vigor
(geral e especial), apesar de, ao consumidor, se aplicar o especial, em tudo o que o geral não for
mais benéfico.
3 – COMPRA E VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS NO REGIME GERAL (ARTIGOS 913.º E SEGUINTES DO
CÓDIGO CIVIL)
Em primeiro lugar, vejamos o regime geral (aplicável a qualquer compra e venda, seja ela
efetuada entre sujeitos profissionais, sujeitos não profissionais e abrangendo qualquer bem
transacionável, seja ele considerado bem de consumo ou não), regime esse previsto e regulado
no Código Civil sob a secção intitulada Venda de Coisas Defeituosas e que se encontra nos seus
artigos 913.º e seguintes.
Iremos analisar este regime geral constante do Código Civil de forma breve, apenas por uma
lógica de sistematização de matérias, não sendo este o tema que nos propusemos analisar,
razão pela qual apenas nos iremos pronunciar acerca do mesmo de forma enunciativa e
descritiva.
Posto isto, o artigo 913.º do Código Civil determina: “ Se a coisa vendida sofrer de vício que a
desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades
asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as
devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo o que não seja modificado pelas
disposições dos artigos seguintes.14”
Quanto às aludidas categorias de vícios presentes e enunciadas no artigo 913.º elas são:
- Vicio que desvalorize a coisa;
- Vício que impeça a realização do fim a que se destina;
- Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
14 A Ratio desta remissão (ainda) efetuada pelo artigo 913.º para o instituto do erro e do dolo (que a nosso ver não faz atualmente qualquer sentido) entende-se se lermos o anteprojeto de Galvão Teles, onde era clara a corrente doutrinária dominante de outrora, acerca dos vícios redibitórios: “ os vícios da coisa, como os do direito, não constituem fundamento autónomo de anulação: integram-se nos institutos jurídicos do erro e do dolo.” A anulação do contrato só se justifica desde que o comprador, ao celebrá-lo, não estivesse convenientemente esclarecido. Por isso se mandou aplicar aos vícios da coisa o prescrito na Secção precedente.” – para mais desenvolvimentos, cfr MACHADO Baptista, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas”, BMJ, (1972), p.5ss;
26
- Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina15;
Ocorre venda de coisa defeituosa, quando a coisa devida é efetivamente entregue, mas possui
qualquer um dos vícios referidos no artigo 913.º que a desvalorizam ou impedem a realização
do propósito a que se destina.
3.1 -NOÇÃO DE DEFEITO
Nos já referidos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, figura uma definição ampla de coisa
defeituosa, abarcando o sentido objetivo e subjetivo de defeito16, uma vez que nesses artigos17
alude-se aos vícios e às qualidades asseguradas, devendo aqueles serem aferidos de acordo
com a normalidade.
3.1.1 -QUALIDADE NORMAL E QUALIDADE ACORDADA
A coisa é defeituosa se padecer de um vício ou revelar-se desconforme, considerando o que foi
acordado. O vício reporta-se a falhas quanto à qualidade normal das coisas daquele género,
sendo que a desconformidade reproduz uma discrepância relativamente ao fim acordado. Estes
são os dois elementos do conteúdo do defeito, sendo determinados através do contrato e da
interpretação do mesmo. Quando não for possível determinar o acordo específico das partes
quanto ao fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal das coisas da mesma
categoria, nos termos do n.º 2 do art. 913.º do C.C.
A regra assenta num modelo de normalidade, que se adequa ao tipo ideal.18
Mas não só através da qualidade normal das coisas se pode aferir a existência de um defeito.
Outro critério para tal avaliação passa pela qualidade assegurada da coisa. Este não afastará o
outro critério, mas completa-o. Por exemplo se foi assegurado que uma televisão tem certas
características ou que um automóvel tem características de qualidade superiores às qualidades
médias.
15 Para não surgirem dúvidas quanto ao fim a que a coisa vendida se destina o número 2 do artigo 913.º do C.C manda atender ao critério objetivo da função normal das coisas da mesma categoria. 16 Sobre esta matéria, vide Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Coimbra, Almedina, 1994 p. 181 e ss; 17 Bem como, no artigo 1218.º do C.C, referente ao contrato de empreitada; 18 Este modelo de normalidade é, em alguns casos, objeto de requisitos, quanto a critérios de qualidade e segurança mínima dos produtos, impostos por lei, particularmente com a aposição da marca “CE”. A titulo de exemplo cfr DL n.º 103/92, de 30 de Maio, quanto à marcação CE, DL n.º 237/92, de 27 de Outubro, quanto a brinquedos e DL n.º 130/92, de 6 de Julho, quanto a aquecedores. Sendo certo que, a questão da qualidade e segurança mínima dos produtos prende-se, também, com a defesa do consumidor, cfr. Lei da Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho);
27
3.1.2 -VALOR DA COISA
O critério de valor económico da coisa19, prende-se com uma questão de “presunção”, uma vez
que usualmente a qualidade da coisa está associada ao preço, do valor e utilidade da coisa, em
função do custo que ela teve para o comprador.
Isto é, se um bem tiver um custo bastante elevado, presume-se ser de qualidade elevada e por
isso ter um custo superior à média para produtos daquele género. Pelo contrário, se o bem tiver
um custo reduzido, as expectativas relativas a esse bem terão de ser mais baixas, em função do
seu preço reduzido.
3.2 -DEFEITO OCULTO, DEFEITO APARENTE E DEFEITO CONHECIDO
O legislador, no regime geral do CC, não refere essa distinção, no que à compra e venda diz
respeito, como o faz no caso do contrato de empreitada20.
No entanto, entende a jurisprudência e alguma doutrina21, que não pode ser comparado,
segundo o princípio da boa-fé e o regime da responsabilidade civil, equiparar o comprador que
desconhece o defeito àquele que tem consciência da existência desse defeito ou que dele não
conhece por negligência.
Pelo que, iremos de forma breve e por razões de interesse prático e doutrinal, definir cada um
destes defeitos22.
O defeito oculto é aquele, que o comprador desconhece, em virtude do facto de não ser
detetável através de um exame cuidadoso, sendo por isso aceite como legitimamente ignorado.
Por outro lado, sempre que o defeito possa ser descoberto através de um exame cuidadoso, o
defeito considera-se aparente.
19 O art. 913.º, n.º 1 do C.C refere-se a vício que desvalorize a coisa; 20 Contudo, no artigo 2.º, n.º 3 do DL 67/2003, o legislador parece querer fazer essa distinção ao dispor: “ Não se considera existir falta de conformidade, na aceção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la (...)” 21 Cfr. Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento defeituoso, cit. p. 201 e ss e direito das obrigações, parte especial, contratos, 2.ª edição, Almedina, 2010, p. 132 e ss; 22 Para mais desenvolvimentos, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento defeituoso, cit., p. 201 e ss e Direito das obrigações, parte especial, contratos, 2.ª Edição, Almedina, 2010, p. 132 e ss;
28
Por seu turno, o defeito conhecido, como o próprio nome indicia, será aquele que o comprador
tem consciência de existir, quer tenha sido por informações prestadas pelo vendedor, quer por
terceiro ou de que ele teve conhecimento pela sua capacidade.
3.3 – DIREITOS DO COMPRADOR PERANTE A COMPRA DE COISA DEFEITUOSA
Perante uma compra e venda de coisa defeituosa o comprador (não considerado consumidor e
portanto impedido de beneficiar do regime especial e mais benéfico do DL 67/2003 adiante
analisado) terá de fazer prova do defeito (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), presumindo-se a
culpa do devedor, se a coisa entregue sofrer de defeito ( art. 799.º, n.º 1 do Código Civil).
Feita a prova do defeito, quatro consequências23 advirão para o vendedor, em virtude de ter
alienado uma coisa defeituosa.
3.3.1 -RESOLUÇÃO DO CONTRATO
A primeira das consequências é o direito que o comprador tem de resolver o contrato.24
Pese embora, o artigo 913.º do Código Civil disponha: “(…)observar-se-á, com as devidas
adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas
disposições dos artigos seguintes., sufragamos o entendimento25, segundo o qual não é de
aplicar o regime da anulabilidade, mas sim da resolução.
3.3.2 - REPARAÇÃO DO DEFEITO OU SUBSTITUIÇÃO DA COISA
O artigo 914.º do Código Civil atribui, em primeiro lugar, ao comprador o direito a exigir do
vendedor a reparação da coisa, ou seja a eliminação do defeito26.
23 Para mais desenvolvimentos acerca dos direitos do comprador perante o vendedor, cfr. Pedro Romano MARTINEZ, Direito das Obrigações, Parte especial contratos, cit., p. 135 e ss; 24 A doutrina diverge quanto a este aspeto. Assim, por um lado Menezes Leitão considera aplicar-se o regime de anulabilidade do contrato, enquanto por outro lado Romano Martinez considera aplicar-se o regime da resolução do contrato. Pelos motivos expostos por este último somos de concordar com a posição defendida por este autor, pelo que será a posição assumida na presente dissertação. Para mais desenvolvimentos vide Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III- contratos em especial, 7.ª Edição, Almedina, 2010, p. 122 e ss e em sentido oposto Pedro Romano MARTINEZ, Direito das Obrigações, Parte especial contratos, cit., p. 125 e ss; 25 Sendo a posição da jurisprudência quase unânime no sentido de aplicar o regime do incumprimento dos contratos e não o da anulabilidade (AC. STJ de 15/3/1957, BMJ 65 (1957), pág. 454, AC. STJ de 21/5/1981, BMJ 307 (1981), pág. 250, AC. STJ de 3/4/1990, BMJ 396 (1990), pág. 376 e AC.STJ de 29/6/1995, CJ (STJ) III (1995), T.II, pág. 143; 26 Sobre esta matéria, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit. P. 369 e ss;
29
Entende-se no entanto e segundo o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, que a
reparação não será exigível ao vendedor se esta for demasiado onerosa para este, em
comparação com o ganho que o comprador terá.
Se tal não for possível, o comprador poderá exigir a substituição da coisa defeituosa27, sendo
certo que tal solução só será possível se se tratar de uma coisa fungível de acordo com o
definido pelo artigo 207.º do Código Civil.
Também neste caso, não será exigível ao vendedor a substituição da coisa, se esta se revelar
excessivamente onerosa para ele, tendo em conta o proveito que disso advirá para o comprador.
Caso o vendedor não cumpra a obrigação de reparar o defeito ou substituir o bem, será
responsabilizado pelo incumprimento desses deveres, responsabilidade essa apurada nos
termos do artigo 910.º, aplicável por força da remissão do artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código
Civil.
3.3.3 - REDUÇÃO DO PREÇO
Como terceira consequência da venda de coisa defeituosa, resulta a redução adequada do preço
fixado no contrato, previsto no supra referido artigo 911.º, aplicável por remissão do artigo
913.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Esta consequência é, aliás, imposta ao comprador sempre que se demonstre que ele teria
adquirido o bem, mesmo com os defeitos de que este padecia, somente o teria feito por um
preço mais reduzido. Isto é, quando se comprovar que os defeitos só influenciariam a sua
decisão de adquirir o bem, no sentido do preço disposto a pagar.
3.4.4 -INDEMNIZAÇÃO
Como última consequência, reportamo-nos ao direito de pedir uma indemnização, nos termos
gerais constantes dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. Tal indemnização funda-se na
culpa do vendedor, de acordo com o artigo 908.º, por remissão do artigo 913.º, n.º 1, ambos do
Código Civil.
27 Sobre esta matéria, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit. P. 392 e ss;
30
Na venda de coisas defeituosas, foi estabelecida uma responsabilidade subjetiva. O vendedor
responderá na medida da culpa que tiver, como se retira do artigo 915.º do Código Civil, onde se
determina não haver lugar a indeminização se não houver culpa do vendedor. No entanto, a
culpa do vendedor é presumida, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.
Foi, igualmente, estabelecida uma possível responsabilidade objetiva (portanto não sendo exigida
a culpa do vendedor), nos casos excecionais previstos no artigo 921.º do Código Civil, emergente
de uma cláusula contratual de garantia de bom funcionamento.
Esta indemnização não é autónoma das consequências supra indicadas, uma vez que está
submetida a pressupostos semelhantes, sendo antes suplementar destas.
Não pode, portanto, ser requerida em substituição de qualquer das outras consequências, mas
como complemento destas, com o objetivo de reparação do prejuízo remanescente.
3.5 -CONEXÃO ENTRE OS DIVERSOS DIREITOS DO COMPRADOR
Os supra aludidos direitos do comprador, quando deparado perante uma compra e venda de
coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa. Há uma hierarquia entre eles.
Assim, primeiro o vendedor terá de eliminar o defeito da coisa, caso não o consiga fazer ou se
revele extremamente onerosa tal solução, deverá substituir a coisa.
Somente, no caso, de tais soluções revelarem-se frustradas, poderá o comprador exigir a
redução do preço, e em ultima instância, o comprador poderá solicitar a resolução do contrato.
A indeminização é, portanto, cumulativa com qualquer uma das pretensões referidas do
comprador.
3.6 -GARANTIA
Nos termos do artigo 921.º do Código Civil, é possível o vendedor atribuir uma garantia de bom
funcionamento, o que irá originar a responsabilidade sem culpa do vendedor, pelo defeito da
coisa, mas unicamente quanto à reparação ou substituição da coisa (artigo 921.º, n.º 1 do
Código Civil).
31
3.7 -PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS
O comprador terá de denunciar o defeito ao vendedor, para ocorrer responsabilidade pelo
cumprimento defeituoso, nos termos do artigo 916.º do Código Civil.28 A denúncia trata-se de
uma declaração receptícia, não sujeita a forma especial de emissão, mediante a qual as partes
se comunicam, de forma clara e identificando os defeitos da coisa.
Já não terá, o comprador, este ónus quando o vendedor tenha atuado com dolo (n.º 1 do artigo
916.º do Código Civil) ou tenha reconhecido o defeito, após a entrega da coisa.
Tendo a denúncia o objetivo de informar o vendedor da existência do defeito, não faz qualquer
sentido informá-lo quando ele já sabe da sua existência, pois seria inútil essa comunicação.
A denúncia, no caso de bens móveis, deverá ser feita no prazo de trinta dias subsequentes ao
conhecimento do defeito pelo comprador, mas sempre dentro dos seis meses posteriores à
entrega da coisa, nos termos do n.º 2 do art. 916.º do Código Civil. O comprador terá de
“descobrir” o defeito no prazo de seis meses a contar da entrega da coisa e dispõe de trinta dias
para o comunicar ao vendedor. Ocorrendo a substituição da coisa defeituosa, reinicia-se a
contagem dos prazos referidos a partir da data de entrega da coisa29.
Quanto aos bens imóveis o prazo para denúncia aumenta para um ano, enquanto o prazo para
“descoberta” dos defeitos para cinco anos, nos termos do n.º 3 do art. 916.º do Código Civil.
O artigo 917.º do Código Civil determina um prazo para o comprador interpor a competente
ação judicial contra o vendedor.
Desta forma, caso o comprador não tenha denunciado o defeito ao vendedor, a ação judicial terá
de ser proposta nos prazos determinados para essa denúncia.
Na circunstância de já ter denunciado o defeito, terá de intentar a ação nos seis meses
posteriores a essa denúncia.
Assim, na realidade o prazo de garantia de bens móveis poderá alargar-se até um ano após a
entrega.
28 Quanto à denúncia, cfr Pedro Romano MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, cit., p. 368 e ss; 29 Cfr Pedro Romano MARTINEZ, Direito das obrigações, parte especial contratos, cit., p. 142 e ss;
32
No caso de bens imóveis, o prazo de garantia poderá ir até cinco anos e meio após a entrega da
coisa defeituosa, pois aos cinco anos para denúncia do defeito ( art. 916.º, n.º 3 do Código Civil)
acrescentam-se os seis meses para intentar a competente ação judicial ( art. 917.º do Código
Civil).
Feita esta pequena referência aos mecanismos, gerais, disponíveis aquando de uma compra e
venda de (qualquer) coisa que se revele não ser conforme ao contrato, de seguida analisaremos,
o regime especial instituído para a venda de bens de consumo, e no qual veremos que incide,
apenas, sobre bens móveis e imóveis quando transacionados no âmbito de uma relação entre
profissional e consumidor não profissional, como adiante iremos referir.
4- DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONFERIDOS AO CONSUMIDOR
A proteção do consumidor é desde logo conferida pela Constituição da República Portuguesa
através do n.º 1 do seu artigo 60.º, cuja epígrafe é Direitos dos Consumidores, que dispõe o
seguinte: “Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à
formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos,
bem como à reparação de danos.”
Em primeiro lugar o consumidor tem os seus direitos assegurados pela “guarida” constitucional,
tanto a nível da qualidade dos bens e serviços consumidos (isentos portanto de qualquer defeito)
como a nível dos danos que produtos defeituosos possam causar (situações que não são alvo de
estudo na presente dissertação e que são reguladas pelo Decreto -Lei n.º 383/89 de 6 de
Novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 131/2001, de 24 de Abril).
Deverá o consumidor considerar-se protegido quando adquire bens ou serviços fornecidos quer
por entidades privadas quer por entidades públicas (como os transportes públicos, serviços de
saúde, etc).
No texto originário da CRP, a proteção constitucional encontrava-se na parte da constituição
económica (Parte II da CRP), sendo que atualmente encontra-se situada em sede de direitos
fundamentais, tendo sido por isso, este direito, alvo de uma notória “promoção”.
33
Esta “promoção” justifica-se pela crescente importância dos consumidores30, a nível nacional e
da UE e bem ainda pelo desenvolvimento e codificação do Direito do consumo.
A grande maioria destes direitos revestem uma dupla natureza, no sentido em que têm dois
destinatários. Por um lado, os fornecedores de bens e serviços, determinando-lhes deveres e por
outro o Estado, impondo-lhe a obrigação de intervir a nível legislativo e de garantia dos direitos
dos consumidores.
Estes direitos são, portanto, igualáveis a direitos, liberdades e garantias, de conteúdo
determinável e imediatamente acionáveis.31
A defesa dos consumidores é regulada pela exigência europeia de elevado nível de defesa, o que
presume imposições cada vez maiores relativamente aos mecanismos de defesa.
Da leitura do transcrito n.º 1 do artigo 60.º, resulta uma clara divisão dos direitos dos
consumidores, em seis sub- categorias de direitos32:
1- Direito à qualidade de bens e serviços consumidos e a segurança dos produtos;
2- Direito à formação e informação do consumidor;
3- Direito à proteção da saúde;
4- Direito à proteção da segurança;
5 - Direito à proteção dos interesses económicos;
6 - Direito à reparação de danos;
Iremos, apenas, e por razões de interesse para o nosso estudo, abordar as sub categorias
primeira e sexta, as quais concretamente “protegem” o direito dos consumidores, relevantes,
por isso, para a presente dissertação.
O primeiro dos direitos sub categorizados, garante, por um lado a aptidão dos bens e serviços
para os fins a que são reservados, e por outro a inexistência de defeitos de funcionamento ou
deterioração dos seus atributos. No entanto, o direito à qualidade não garante o direito ao
acesso a bens e serviços de qualidade forçosamente elevada. Garante, sim, aos consumidores a
30
Que aliás nas palavras de John F. Kennedy, no discurso que proferiu no congresso dos Estados Unidos da América em 1962,: “ consumidores, por definição, somos todos nós.”; 31
Percetível no direito do consumidor quanto à reparação de danos, por exemplo; 32
Para mais desenvolvimentos, cfr. J.J. Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume
I, 4.ª Edição, Coimbra Editora,2007, p. 781 e ss;
34
“liberdade” de escolha entre bens ou serviços de maior ou menor qualidade, pagando o
respetivo custo, consoante a sua disponibilidade financeira, o que significa que o consumidor
pode adquirir um bem de fraca qualidade, desde que o preço pago corresponda a essa baixa
qualidade, sem contudo o vendedor ou produtor esteja a “violar” este direito do consumidor.
O que se pretende é que o consumidor não seja enganado aquando da aquisição de
determinado produto, tendo igualmente direito à informação acerca dos dados do produto que
pretende adquirir, tais como fiabilidade, durabilidade ou consumos.
Por seu turno, o último dos supra direitos sub categorizados, tutela o direito de indemnização
pelos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos e em geral pela
violação dos direitos do consumidor.
Este direito à indemnização não significa o afastamento geral do regime de responsabilidade
contratual de carater subjetivista, mas indica para uma eventual necessidade de a articular com,
por exemplo, a inversão do ónus da prova quanto à culpa e legitimando noutras situações uma
responsabilidade tendencialmente objetiva do produtor (independentemente de culpa, portanto),
como nos casos dos danos causados por defeitos do produto, por forma a ir ao encontro da
justa distribuição dos riscos intrínsecos ao consumo de bens fabricados de acordo com os atuais
esquemas técnicos e tecnológicos.
5 – A DIRETIVA 1999/44/CE DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 25 DE MAIO DE 1999 “
RELATIVA A CERTOS ASPETOS DA VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS”
Esta Diretiva foi publicada no JOCE de 7 de Julho de 1999 e deveria ser transposta para os
direitos nacionais até ao dia 1 de Janeiro de 200233. Esta introduz, antes de mais, uma
modernizada conceção dos contratos de consumo.
As Diretivas são atos sem paralelo no direito nacional, aplicando-se apenas aos Estados
Membros com o intuito de harmonizar e aproximar as legislações nacionais em torno de uma
33 A intenção da Comunidade Europeia foi a de fazer coincidir o dia em que se esgota o prazo para a transposição com o dia em
que entrariam em circulação as notas e moedas do Euro, tal como é referido no relatório da delegação do Parlamento Europeu sobre o projeto comum, aprovado pelo comité de conciliação, da diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, pág.5;
35
base comum determinada no plano comunitário, pelo que despontam em domínios nos quais os
Estados Membros mantêm a sua competência legislativa.
São caracterizadas por possuírem um carater próprio e concreto, na medida em que se dirigem
a determinados Estados Membros, por “exigir” apenas uma obrigatoriedade de resultado, no
sentido em que circunscrevem um objetivo geral a alcançar pelos Estados membros, facultando-
lhes a autonomia quanto aos meios e formas de conseguir esses objetivos (art. 249.º do Tratado
da Comunidade Europeia)34.
Quanto à forma de transposição das Diretivas, estas após serem fundamentadas e notificadas
(ou publicadas, como no caso e se dirigirem a todos os Estados Membros ou são adotadas pelo
processo legislativo ordinário) carecem necessariamente de um ato de receção interna.35
A transposição deve suceder num prazo fixado pela própria Diretiva, sob pena de dar-se um
incumprimento da obrigação de transposição, que acarreta as seguintes consequências:
- Quanto ao plano comunitário implicará entre os Estados Membros e a Comunidade, o
desencadeamento de uma Ação por Incumprimento;
- Relativamente ao plano nacional, originará, entre o Estado Membro e os particulares, um efeito
direto vertical, isto é, os particulares beneficiários da Diretiva poderão invoca-la contra o Estado
num tribunal nacional36, quando se trate de uma diretiva detalhada, clara, precisa e
incondicional.37 Mas não só. Se o atraso na transposição causar danos aos particulares, os
particulares poderão pedir uma indeminização a esse Estado Membro38, decorrente da
Responsabilidade Patrimonial do Estado por violação do direito comunitário.
Sendo certo, que mesmo após o decurso do prazo de transposição, os Estados Membros
continuam obrigados a proceder à transposição39, pese embora esta já vigore e possa ser
“usada” pelos seus beneficiários.
Posto isto passaremos à análise da Diretiva.
34 Pese embora, existam diretivas que fogem a esta noção, como as “diretivas detalhadas”, que são claras, precisas e incondicionais, e dispensam medidas de execução, dado que não é necessário interpretá-las para procurar soluções; 35 Segundo o AC. Comissão/ Itália, pode ser realizado por qualquer ato com exceção de um ato administrativo, sendo que no nosso caso e nos termos do artigo 112.º, n.º 8 da CRP pode ser realizado por Lei, Decreto Lei, Decreto Lei Regional. 36 Ac. Van Duyn e AC Ratti; 37 Para mais desenvolvimentos, cfr Sofia Oliveira Pais, Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, almedina, 2011; 38 Ac Francovich e AC Kobler; 39 AC Comissão contra a Bélgica;
36
5.1 - OBJETIVOS DA DIRETIVA
A Diretiva pretende, antes de mais, contribuir para a realização de um nível elevado de defesa
dos consumidores, nos termos do artigo 153.º, n.º 1 e 3 do Tratado (considerando 1).
Atento o facto de ser assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais,
dentro do mercado interno, e de esta livre circulação não se reportar unicamente ao comércio
profissional, mas também às transações realizadas pelos particulares, o que implicará a “
liberdade” de os consumidores poderem adquirir bens no território de outro Estado – Membro,
baseando-se num conjunto mínimo de regras equitativas que regulem a venda de bens de
consumo (considerando 2).
E ainda, tendo em conta o facto de as legislações dos Estados Membros relativas às vendas de
bens de consumo apresentarem diversas disparidades, o facto de o consumidor que procura
beneficiar das vantagens do grande mercado, adquirindo bens num Estado Membro diferente do
da sua residência, desempenha um papel crucial na realização do mercado interno e que a
criação de um corpo mínimo comum do direito do consumo, que vigore independentemente do
local de aquisição dos bens da Comunidade, permitirá o reforço da confiança dos consumidores
e permitirá que estes beneficiem mais das vantagens do mercado interno (Considerando 3 a 5),
foi emanada esta Diretiva.
Isto é, podemos afirmar que a Diretiva assenta sobretudo em três objetivos principais:
1- A criação de um conjunto mínimo de regras justas que regulem a venda de bens de
consumo, nas transações nacionais e internacionais;40
2- Eliminar disparidades na concorrência entre os vendedores41, impedir a criação artificial
de fronteiras e compartimentação dos mercados, facilitar e impulsionar o
desenvolvimento da venda de bens por via das novas tecnologias de comunicação à
distância42 e a criação de um corpo mínimo comum de direito do consumo com vista a
reforçar a confiança dos consumidores43;
3- Atualizar os Direitos nacionais no que diz respeito à garantia contra vícios na compra e
venda de bens móveis, adaptando-os às condições da sociedade consumista;
40 Considerando 2 da Diretiva; 41 Considerando 3 da Diretiva; 42 Considerando 4 da Diretiva; 43 Considerando 5 da Diretiva;
37
5.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA DIRETIVA
A Diretiva aplica-se aos contratos celebrados entre vendedor e consumidor (vide infra pág. 32), a
todos os bens de consumo que se consubstanciem em bens móveis corpóreos, com exceção44:
- Dos bens vendidos por via de penhora, ou qualquer outra forma de execução judicial;
- Da água e do gás, quando não forem postos à venda em volume delimitado, ou em quantidade
determinada;
- Da eletricidade;
A Diretiva prevê, ainda, a possibilidade de os Estados Membros excluírem da definição de bem
de consumo os bens comprados em segunda mão, por via de leilão, nos casos em que os
consumidores possam assistir pessoalmente à venda (n.º 3 do art. 1.º), bem como a inclusão
nos contratos de compra e venda, dos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar
ou produzir (n.º 4 do art. 1.º).
5.3 – CONFORMIDADE DO BEM DE CONSUMO COM O CONTRATO
A Diretiva45, no n.º1 do artigo 2.º, atribui ao vendedor a obrigação de entregar ao consumidor
bens conformes46 com o contrato de compra e venda.
Acrescentando, no n.º 2 do referido artigo, uma presunção de conformidade dos bens de
consumo, nos casos em que:
a) “Forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as
qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou
modelo;
b) Forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha
informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceite;
44 Cfr alínea b) do n.º 2, do art. 1.º da Diretiva; 45 Este critério de conformidade foi gradualmente adotado, para unificar a nível internacional, diferentes soluções existentes nos diversos ordenamentos jurídicos acerca da garantia edílica, presente tanto na Convenção de Haia de 1964 sobre a compra e venda internacional de mercadorias ( cfr. arts. 19.º, n.º 1 e 33.º e seguintes), como na Convenção de Viena de 1980 sobre a venda internacional de mercadorias ( arts. 35.º e seguintes). A Diretiva optou por adotar como critério de uniformização dos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros. Aliás, os trabalhos preparatórios da Diretiva comprovam que o art. 35.º da Convenção de Viena de 1980 foi a sua principal inspiração. Para mais desenvolvimentos quanto ao que afasta e aproxima a Diretiva da Convenção de Viena de 1980, vide VICENTE, Dário Moura,” Desconformidade e Garantias na Venda da Bens de consumo, a Diretiva 1999/44/CE e a Convenção de Viena de 1980”, Themis, n.º 4, ano II, 2001, pp. 121-144; 46 Indo ao encontro do teor do considerando 9 que prevê: “ (..) o vendedor deve ser diretamente responsável perante o consumidor pela conformidade dos bens com o contrato;”
38
c) Forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o
consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente às
declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor
ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
Não existindo falta de conformidade, para efeitos deste artigo, se no momento de celebração do
contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder
razoavelmente ignorá-la (n.º 3 do art. 2.º).
Por fim, institui uma presunção de falta de conformidade, resultante de má instalação do bem
de consumo, equiparando-a a uma falta de conformidade do bem, nos casos em que a
instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efetuada pelo vendedor, sob
sua responsabilidade ou quando o produto instalado o tiver sido feito segundo indicações de
montagem (n.º 5 do art. 2.º).
A preocupação de introduzir a obrigação, por parte do vendedor, de entrega de bens de
consumo conformes com o contrato, e de presunções de conformidade explica-se, atento o facto
de as principais dificuldades com que os consumidores se deparam, e a principal fonte de
conflitos com os vendedores, ser precisamente a desconformidade dos bens com os contratos, e
por isso pretendeu-se aproximar as legislações nacionais quanto à venda de bens de consumo
sob este aspeto (Considerando 6).
E vai ao encontro do espírito e objetivos da Diretiva na medida em que : “(..) os bens devem,
antes de mais, ser entregues conformes às cláusulas contratuais;"47 E ainda: “ (..) para facilitar
a aplicação do principio de conformidade com o contrato, é útil introduzir uma presunção ilidível
de conformidade com este, que abranja as situações mais correntes;” Sem contudo, que essa
presunção restrinja o principio da liberdade contratual. 48
47 Considerando 7, 48 Considerando 8;
39
6 – DIREITOS DO CONSUMIDOR
A Diretiva prevê, no artigo 3.º, quais os direitos que atribui ao consumidor em caso de
desconformidade, atribuindo ao vendedor a responsabilidade por qualquer falta de conformidade
que ocorra no momento em que o bem é entregue ao consumidor.
Esses direitos são a reparação ou substituição do bem (sem qualquer encargo para o
consumidor) a redução do preço ou a resolução do contrato (n.º 2 do artigo 3.º).
A Diretiva hierarquiza estes direitos, ao dispor no n.º 3 do artigo 3.º : “ Em primeiro lugar, o
consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou substituição do bem (..) “
Esta hierarquização vai ao encontro do preceituado no considerando 10: “ (..) em caso de não
conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os
bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou
a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato.”
Denota- se, desde logo, a preocupação do legislador em determinar que, não pode o consumidor
ser onerado com os custos da reparação ou substituição do bem desconforme com o contrato,
ao prever no n.º 3 do artigo 3.º: “ (..) em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso
seja impossível ou desproporcionado.”
Estabelecendo, igualmente, que uma solução é desproporcionada49 quando acarretar para o
vendedor custos que, comparados com a outra hipótese, não se revelem razoáveis atendendo ao
valor do bem se não ocorresse a falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de
a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
A reparação ou substituição deve ser efetuada num prazo razoável, e sem grande inconveniente
para o consumidor, considerando a natureza e o fim a que o consumidor destina o bem.
O legislador, porventura para evitar que se tornasse num conceito indeterminado, esclareceu o
significado da expressão “ sem encargos”. Esta reporta-se às despesas necessárias para repor a
conformidade do bem, nomeadamente as despesas de transporte, mão-de-obra e material (n.º 4
do artigo 3.º).
49 Considerando 11 : “ (..) que, a desproporção deve ser determinada objetivamente; que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação à outra solução; que para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo;
40
Como já referido o legislador europeu preocupou-se em hierarquizar os direitos, por forma a
evitar o abuso do direito ou a possível “confusão” entre a alternatividade, no que à escolha do
consumidor diz respeito, de qualquer dos quatro direitos.
Assim, o consumidor só pode lançar mão da redução adequada do preço ou da resolução do
contrato, nos casos em que a reparação ou substituição não seja possível, o vendedor não
encontre uma solução num prazo aceitável ou não tenha encontrado uma solução sem grave
inconveniente para o consumidor (n.º 5 do artigo 3.º).
No entanto, a resolução do contrato não é possível se a desconformidade for insignificante (n.º
6 do artigo 3.º). O legislador, com esta medida, preocupou-se com a preservação do negócio
jurídico, essencial para a segurança jurídica, e consequentemente para o funcionamento do
mercado interno.
7 -PRAZOS
A Diretiva consagrou um prazo de garantia de dois anos, a contar da entrega do bem, pela falta
de conformidade (n.º 1 do artigo 5.º).
Esta consagração, resulta, por um lado da necessidade de encurtar o prazo durante o qual o
vendedor é responsável por qualquer desconformidade existente no momento de entrega dos
bens, e por outro na imposição de tal prazo ser encurtado tendo como limite mínimo os dois
anos a contar da entrega do bem (Considerando 17).
É, também, consagrada a faculdade de os Estados Membros, estabelecerem um prazo de dois
meses de denúncia do consumidor ao vendedor da falta de conformidade, a contar da data em
que esta foi descoberta, sob pena de o consumidor perder a hipótese de beneficiar dos seus
direitos (n.º 2 do artigo 5.º).
Esta fixação de prazo não é obrigatória para os Estados Membros, que podem optar por
assegurar aos consumidores um nível de proteção mais elevado, através da não inclusão desta
obrigação. Todavia, caso decidam incluir esta obrigação, devem ter sempre em atenção o
respeito pelo prazo mínimo de dois meses para o consumidor informar o vendedor da
desconformidade (Considerando 19).
41
Portanto, a Diretiva deixa ao critério de cada Estado Membro a inclusão ou não de um prazo de
denúncia da desconformidade, sendo certo que tal prazo não pode ser inferior a dois meses.
Por fim, no n.º 3 do artigo 5.º, foi estabelecida uma presunção de falta de conformidade, quando
manifestada num prazo de seis meses a contar da entrega do bem, que se tem por existente à
data dessa entrega, exceto quando tal presunção for inconciliável com a natureza do bem ou
com as características da falta de conformidade.
8- IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS RECONHECIDOS AOS CONSUMIDORES
Os direitos concedidos pela Diretiva aos consumidores são irrenunciáveis por estes, mesmo se
tal renúncia resultar de um acordo mútuo entre as partes, uma vez que se o fizessem estariam a
adulterar a proteção jurídica atribuída.
Este princípio de irrenunciabilidade estende-se às cláusulas segundo as quais o consumidor teria
conhecimento de qualquer desconformidade dos bens de consumo no momento em que firmou
o contrato e bem ainda àqueles casos em que é escolhida como lei aplicável ao contrato a lei de
um Estado não membro, não sendo este, portanto, um fundamento aceitável para diminuição da
proteção reconhecida aos consumidores (Considerando 22).
Este caráter vinculativo é expressamente consagrado no artigo 7.º da Diretiva :
“1. As cláusulas contratuais e os acordos celebrados com o vendedor antes da falta de
conformidade lhe ser comunicada que, direta ou indiretamente, excluam ou limitem os direitos
resultantes da presente diretiva não vinculam, nos termos previstos na legislação nacional, o
consumidor.”
Completando o seu n.º 2:
“2. Os Estados Membros adotarão as medidas necessárias para que o consumidor não seja
privado da proteção resultante da presente diretiva pelo facto de ter escolhido, como direito
aplicável ao contrato, a legislação de um Estado não membro, quando o contrato apresente uma
conexão estreita com o território dos Estados- Membros.”
42
9 – COMPATIBILIDADE DAS DISPOSIÇÕES NACIONAIS COM O EXERCÍCIO DOS DIREITOS
ATRIBUÍDOS PELA DIRETIVA
A Diretiva, com a atribuição dos supra mencionados direitos ao consumidor, não pretendeu
afastar as já existentes disposições normativas de cada Estado Membro, designadamente no que
ao instituto da responsabilidade contratual e extracontratual diz respeito.
A compatibilidade entre o regime instituído pela Diretiva e os regimes de responsabilidade
contratual e extracontratual de cada Estado Membro, vem expressamente consagrada no n.º 1
do artigo 8.º: “O exercício dos direitos resultantes da presente diretiva não prejudica o exercício
de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais
relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.”
Acrescentando o n.º 2: “Os Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela
presente directiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objectivo de
garantir um nível mais elevado de protecção do consumidor.”
A redação do n.º 2, apenas dá “corpo” ao Considerando 24, cuja redação determinava que os
Estados Membros deviam dispor da liberdade de adotar ou manter, no âmbito de aplicação
desta diretiva, disposições mais restritas, por forma a garantir um nível mais elevado de proteção
dos consumidores.
Vejamos então de que forma foi transposta, para o nosso ordenamento jurídico, a diretiva e
alcançados os objetivos por ela delineados.
10 – Transposição da Diretiva para o ordenamento jurídico português (Pelo Decreto
– Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com a redação do Decreto – Lei n.º 84/2008, de
21 de Maio)
O supra referido decreto-lei50 procedeu à transposição da Diretiva n.º 1999/44/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, cujo objetivo era “a aproximação das
disposições dos Estados – Membros da União Europeia sobre certos aspetos da venda de bens
de consumo e das garantias a ela relativas”. 50 Anteriormente à transposição da referida diretiva, ou seja anteriormente à entrada em vigor deste Decreto- Lei em 2003, os direitos do consumidor eram protegidos através da lei da defesa do consumidor. Esta lei continua em vigor, sendo agora complementada e reforçada por este Decreto- Lei, sempre com o espetro principal de proteção, cada vez maior, do consumidor;
43
O Decreto-Lei n.º 67/2003, introduziu algumas inovações, à data, relevantes, tais como a
adoção expressa de uma noção de conformidade com o contrato, complementada com uma
presunção de não conformidade sempre que ocorrerem as situações, que adiante, iremos
referir. Para a aferição dessa desconformidade, foi determinado que relevaria o momento de
entrega do bem ao consumidor, prevendo-se, ainda, que as desconformidades manifestadas
num prazo de dois ou cinco anos a contar da data de entrega do bem, consoante se trate de
bem móvel ou imóvel, respetivamente, consideram-se existentes nessa data.
Este diploma teve como principal preocupação que a transposição da diretiva não afetasse os
direitos dos consumidores, no sentido de diminuição do seu grau de proteção já conferido entre
nós, pelo que os direitos previstos na Lei de defesa do consumidor se mantiveram.
Quanto aos prazos, estipulou um prazo de garantia (lapso de tempo durante o qual,
manifestando-se alguma desconformidade, o consumidor poderá exercer os direitos conferidos
pelo diploma). Este prazo é de dois ou cinco anos, a contar da receção da coisa pelo
consumidor, conforme o bem seja móvel ou imóvel, respetivamente.
Ao consumidor foi atribuída a obrigação de denunciar o defeito ao vendedor, no prazo de dois
meses a contar do conhecimento, no caso de venda bem móvel, e no prazo de um ano, no caso
de bens imóveis.
O regime de proteção do consumidor, consagrado por este diploma, é de natureza imperativa,
sendo no entanto possível, nos casos de venda de coisa móvel usada reduzir, por acordo das
partes, o prazo de garantia de dois para um ano.
Pela primeira vez, foram implementadas medidas jurídicas relativas às 'garantias'
voluntariamente oferecidas pelo vendedor, pelo fabricante ou por qualquer intermediário, com
vista ao reembolso do preço pago, à substituição, reparação do bem desconforme,
determinando-se o efeito vinculativo dessas declarações.
Foi introduzida a consagração da responsabilidade direta do produtor perante o consumidor,
pela reparação ou substituição de coisa defeituosa (inovação esta bastante significativa). Trata-
se, nesta solução, somente de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor
pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, com
um regime de proteção do comprador que já existe em vários países europeus e para que a
diretiva que ora se transpõe também já aponta.
44
Contudo, no nosso entendimento e salvo melhor opinião, tal responsabilidade direta apenas foi
consagrada com a redação do DL 84/2008 de 21/5, como adiante (no segundo capítulo da
presente dissertação) iremos demonstrar.
Feita esta introdução relativa ao diploma de transposição, importa fazer um enquadramento
acerca do alcance e espetro do decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (alterado pelo Decreto –
Lei nº 84/2008, de 21 de Maio51).
10.1 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO DECRETO - LEI 67/2003, DE 8 DE ABRIL (ALTERADO PELO
DECRETO- LEI N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO)
Nos termos do artigo 1.º - A, número 1 “ O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de
compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores”, acrescentando o seu número 2
“ O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de
consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços,
bem como à locação de bens de consumo”.
Portanto, como primeiro ponto a identificar neste diploma legal, temos que este só se aplicará
aos casos em que o vendedor seja um profissional, isto é, cuja profissão seja a venda de bens
de consumo, e o comprador seja um consumidor, ou seja, alguém que irá adquirir esses bens
de consumo para uso particular, pessoal e não para uso profissional.
10.2 – DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR
A noção de consumidor adotada é a mais generalizada e corrente na doutrina e nas Diretivas
comunitárias, isto é, a de consumidor em sentido estrito – pessoa singular que compra um bem
ou serviço para uso particular, seja ele pessoal, familiar ou doméstico52.
A definição de consumidor é-nos fornecida pela alínea a) do artigo 1.º- B e bem ainda pelo artigo
2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (Lei de defesa do consumidor) como“ aquele a quem
sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso
não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que
51 Todos os artigos referidos adiante corresponderão a este decreto-lei; 52 Aliás esta é a noção constante do art.2.º, al. a) da Convenção de Viena de 1980 sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias;
45
vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho”. Esta definição é também a adotada pela jurisprudência portuguesa53,
Desta definição ficam afastadas as pessoas singulares que adquiram bens de consumo para uso
profissional54, designadamente no seu negócio ou empresa bem como as pessoas coletivas, que
compram bens ou serviços no âmbito da sua atividade, segundo o princípio da especialidade do
escopo, para o prosseguimento dos seus fins, atividades ou objetos profissionais (arts. 160.º do
C.C e 6.º do C.S.C).
O conceito estrito de consumidor (pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou
serviços para uso não profissional) vai ao encontro do princípio da interpretação conforme à
Diretiva, onde é definido consumidor como “ qualquer pessoa singular que, nos contratos
abrangidos pela presente Diretiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou
profissional” (art. 1.º, n.º2 al. a) da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho).
10.3 – DEFINIÇÃO DE VENDEDOR
No sentido oposto temos o vendedor como tendo de ser profissional, isto é, a sua profissão terá
de ser a de venda ou prestação daqueles bens de consumo ou serviços, a sua especialidade, por
assim dizer, será essa.
Nos termos da alínea c) do artigo 1.º - B vendedor será “ qualquer pessoa singular ou colectiva
que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade
profissional”. Tal definição foi literalmente transposta conforme à Diretiva.
Desta forma não são abrangidos por este diploma legal os seguintes contratos:
53 Sendo exemplos disso o acórdão do STJ de 20/10/2011, processo 1097/04.0 TBLLE.E1.S1, relator Moreira Alves - “I - O conceito de consumidor, constante da Lei n.º 29/81, de 22-08, da Lei n.º 24/96, de 31-07, do DL n.º 359/91, de 21-09, da Diretiva 1999/44/CE, de 25-05, e do DL n.º 67/2003, de 08-04 (entretanto reformulado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05) tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos esses diplomas: consumidor é a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou coletiva) que exerça com carácter profissional um atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” – os acórdãos do TRP de 14/9/2009, processo 542/2001.P1, em que é relator Abílio Costa – “I - Consumidor é todo aquele a quem são fornecidos, prestados serviços ou transmitidos direitos destinados ao uso não profissional por quem exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” – e de 28/2/2008, processo 0737254, em que é relator Amaral Ferreira – “I – O DL nº 67/03, de 08.04, rege quanto à venda de bens de consumo a consumidor “stricto sensu”, como tal se considerando qualquer pessoa singular que atue com objetivos não respeitantes à sua atividade comercial ou profissional.” – e o acórdão do T.R.E de 31/3/2009, processo 1748/08-3, em que é relatora Maria Alexandra Santos – “V – No âmbito da Lei nº 24/96, de 31/07 – Lei de Defesa do Consumidor – tão somente são contemplados os negócios jurídicos cujo consumidor ou tomador de serviços recebam a coisa para seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico e não para a destinar à sua atividade profissional.”. 54 Cfr A.C do TRP de 28-02-2008, processo 0737254, relator Amaral Ferreira – neste acórdão os juízes desembargadores consideraram que não se aplicaria o DL n.º 67/2003 de 8 de Abril pelo simples facto de o autor ter adquirido o veiculo automóvel em discussão nos autos para uso profissional, pois este exercia a atividade profissional de perito averiguador de sinistros automóveis, sendo esta a sua única fonte de rendimento, o que implicava o uso de veiculo próprio e como tal não era considerado consumidor para efeitos do referido DL;
46
- Contrato de compra e venda ajustado entre vendedor profissional e comprador profissional,
designado correntemente como contrato mercantil;
- Contrato de compra e venda concretizado entre vendedor não profissional e comprador
profissional;
- Contrato de compra e venda celebrado entre vendedor e comprador não profissionais, pois
qualifica-se como contrato civil e não comercial (aplicando-se a estes casos o regime geral da
compra e venda de coisas defeituosas, constante do Código Civil).
10.4 -DEFINIÇÃO DE BEM DE CONSUMO
Nesta definição surge outro conceito, de extrema importância e relevância para o
enquadramento das situações abrangidas por este diploma legal, os bens de consumo. Tal
definição vem regulada n alínea b) do artigo 1.º- B como sendo “ qualquer bem imóvel ou móvel
corpóreo, incluindo os bens em segunda mão”.
O Decreto – Lei n.º 67/2003 na primeira redação incluiu na definição de bens de consumo
diversos tipos de bens excluídos pela Diretiva, nomeadamente:
- Bens imóveis;
- Bens vendidos por via de penhora ou outra forma de execução judicial; eletricidade, gás, água
não postos à venda em volume delimitado ou em quantidade delimitada (garrafas, botijas) ou
seja os casos de fornecimento contínuo de água e de gás.
10.5 - CONFORMIDADE COM O CONTRATO
O conceito de conformidade é descrito no artigo 2.º do DL 67/2003, de 8 de Abril (alterado pelo
DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).
O vendedor tem, então, a obrigação de entregar o bem em conformidade com o contrato, isto é,
de acordo com as características que descreveu aquando da venda, com as qualidades que por
si foram apresentadas, satisfazendo, assim, as expectativas e o interesse que o consumidor
adquiriu em virtude dessas declarações55.
55 Esta obrigação vai ao encontro da constante no artigo 35.º da Convenção de Viena de 1980 – “ o vendedor deve entregar mercadorias que, pela sua quantidade, qualidade e tipo correspondam às previstas no contrato.”
47
Esta “obrigação” não é nem um pouco inovadora, atento o (elementar) princípio da pontualidade
do cumprimento dos contratos (art. 406.º do C.C)56. Acresce, ainda, o regime da empreitada e
da compra e venda do C.C e da Lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96).
A nomenclatura utilizada também em nada é “revolucionária” atenta a redacção do art. 1207.º
do Código Civil: “ O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que for
convencionado e sem vícios.”, do art. 1043.º, n.º 1 do C.C : “ … o locatário é obrigado a manter
e restituir a coisa… em conformidade com os fins do contrato”, e ainda do art. 469.º do Código
Comercial: “ …cousa conforme à amostra…”, entre outros exemplos.
Esta obrigação, por força do princípio da pontualidade dos contratos e da boa-fé entre as partes,
já constava do nosso ordenamento jurídico, na medida em que o comprador tem direito ao
preciso cumprimento do contrato, no sentido de receber o que pretendeu comprar, e não
qualquer outro bem, com ou sem defeito.
De referir que, no nosso entender, e seguindo a posição de João Calvão da Silva57, a Diretiva,
bem como o legislador nacional, poderiam ter ido mais longe no sentido de abarcar os vícios do
direito, criando assim uma garantia única contra os vícios materiais (os defeitos da coisa) e os
vícios jurídicos (os ónus que recaiam sobre os bens). Isto, essencialmente por duas ordens de
razão.
A primeira porque o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa livre de vícios (sejam eles
quais forem), pois só desta forma pode o comprador usufruir plenamente do gozo da coisa
adquirida.
A segunda, porque não estando abrangidos os vícios jurídicos a proteção do consumidor não é
tao eficaz, ou não será plenamente eficaz, como preconiza e pretende a Diretiva.
Ou seja, se o consumidor estiver perante um vício material, tem a “ guarida” do DL 67/2003, de
8 de Abril (alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio).
Se, por outro lado, estiver a “braços” com um vício jurídico terá de socorrer-se do regime geral,
que não está especialmente vocacionado para a proteção especifica do consumidor, enquanto
parte mais débil de uma transação comercial.
56 Na realização da obrigação da entrega da coisa, o vendedor deve obedecer ao convencionado no contrato, não podendo o comprador ser “forçado” a receber coisa distinta da acordada e, portanto, desejada. 57 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de Bens de Consumo, 4.ª Edição, Almedina, 2010, p.80;
48
Temos assim dois pesos e duas medidas para dois problemas, que embora distintos nas
consequências sobre a fruição do bem, impedem ambos a utilização do bem de acordo com as
expectativas criadas pelo consumidor aquando da sua compra.
Pelo que julgamos que nesta última alteração, o legislador português poderia ter introduzido esta
inovação legislativa.
10.6 – PRESUNÇÕES DE CONFORMIDADE
O legislador europeu, tendo em conta “que nem sempre é possível confiar unicamente no
princípio de conformidade, em determinadas tradições jurídicas, por forma a garantir aos
consumidores um grau mínimo de proteção e que, particularmente, nessas tradições jurídicas
podem ser úteis disposições nacionais suplementares reservadas a assegurar a proteção dos
consumidores nos casos em que as partes não acordaram em cláusulas ou firmaram acordos
que direta ou indiretamente anulam ou restringem os direitos dos consumidores58, introduziu
presunções ilidíveis de conformidade no n.º 2 do mesmo art. 2.º, para facilitar a aplicação do
principio da conformidade com o contrato”59.
Parece-nos ser uma solução acertada e cautelosa (quanto à proteção do consumidor), visto que
com estas presunções, o julgador dispõe de conceitos objetivos ao invés de conceitos
indeterminados, que ficam “à mercê” do poder discricionário de quem avalia, no sentido de se
determinar a existência ou não da conformidade. E como se costuma dizer “cada cabeça sua
sentença”.
Com estas presunções ilidíveis (assegurando, portanto, o direito ao contraditório e à defesa ao
vendedor ou ao produtor) o julgador dispõe de um “guião” segundo o qual poderá,
objetivamente, determinar se o bem foi ou não entregue conforme ao contrato (isto sempre nos
casos em que não constam do contrato cláusulas especificas que determinem o que seria
contratualmente devido). Guião este que harmoniza, minimamente, os critérios, parâmetros e
soluções para ser apurado quando é que a coisa entregue era a contratualmente exigida.
De acordo com o art. 2.º, n.º 2 do DL “presume-se que os bens de consumo não são conformes
com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos”:
58 Considerando n.º 7 da Diretiva; 59 Considerando n.º 8 da Diretiva;
49
“a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as
qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha
informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o
consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às
declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor
ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
As presunções apresentadas podem ser divididas em dois grupos. As relacionadas com
informações pré-contratuais, e portanto determinantes na escolha do bem, pelo consumidor
(constantes das als. a) e b)) e as relacionadas com utilizações habituais, qualidades normais e
expectativas aceitáveis do consumidor, prendendo-se assim com expectativas legitimamente
criadas pelo consumidor.
Quanto ao primeiro grupo insere-se no âmbito da conduta pré-contratual, ou seja, no que induziu
o consumidor a escolher determinado bem. A descrição, apresentação do bem feita pelo
vendedor, a falta de correspondência com a amostra ou o modelo apresentado ao consumidor.
O que parece-nos ser de lógica perceção, pelo simples facto de o vendedor não poder descrever
por exemplo um aparelho televisivo como sendo uma “smart tv” e depois na altura de entrega
do bem, ser outro aparelho que apresenta ao consumidor. Ora, se ao consumidor foi descrito
esse bem como dispondo dessa tecnologia, e apresentado um aparelho com essas
caraterísticas, foi esse bem que ele quis adquirir, sendo que qualquer outro apresentado não é,
naturalmente, conforme ao contrato.60
Também a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96), “protege” o consumidor quando
confrontado com o teor de mensagens publicitárias de determinado bem ao estabelecer no seu
art. 7.º n.º 5 o seguinte:
60 Importa, também, ter presente a redação do artigo 21.º, al. C) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, a qual determina a nulidade das cláusulas contratuais que permitam a não correspondência entre as prestações a efetuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas nos contratos de adesão com consumidores finais;
50
“As informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado
bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a
celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”
Por seu turno, o segundo grupo prende-se com questões relacionadas com a categoria a que
pertence o bem adquirido. Tal presunção encontra paralelismo no artigo 913.º, n.º 2 do C.C e
no art. 4.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96.
O consumidor adquire “razoáveis expectativas”, dada a natureza do bem, e as declarações
públicas sobre as suas características reais feitas pelo vendedor, pelo produtor ou seu
representante, designadamente na publicidade ou na rotulagem.
Relativamente à natureza do bem importará a sua idade, o facto de ser novo ou usado, sendo
que, no que às declarações públicas concerne o legislador português revelou-se mais protetor do
consumidor do que a Diretiva, indo mais além do que esta prevê, visto que no seu art. 2.º, n.º 4
a Diretiva dispõe:
“ O vendedor não fica vinculado pelas declarações públicas a que se refere a alínea d) do n.º 2,
se:
Demonstrar que não tinha conhecimento nem podia razoavelmente ter conhecimento da
declaração em causa,
Demonstrar que, até ao momento da celebração do contrato, a declaração em causa fora
corrigida,
Demonstrar que a decisão de comprar o bem de consumo não poderia ter sido influenciada pela
declaração em causa.”
O legislador português fez uso da sua liberdade de que dispõe, em virtude de se tratar de uma
Diretiva de caráter mínimo, e protegeu o consumidor de eventuais “desordens “ existentes na
cadeia vendedora.
10.7 – NÃO CONFORMIDADE CONHECIDA DO CONSUMIDOR
O n.º 3 do art. 2.º do DL dispõe que, não pode o consumidor invocar a falta de conformidade se,
no momento de celebração do contrato, este tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou
51
não puder razoavelmente ignorá-la ou ainda se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo
consumidor.
Ora, tal solução, é perfeitamente aceitável e lógica. Se no momento da celebração do contrato o
consumidor sabia da existência da falta de conformidade e ainda assim quis adquirir o bem, é
sinal de que pretendia aquele bem no estado em que este se encontrava ou se essa falta de
conformidade era de tal forma latente que o consumidor médio não poderia ignorar, este não
pode vir alegar a falta de conformidade, quando a aceitou no momento da celebração do
contrato61. Pois a sua vontade foi declarada com base nessas circunstâncias.
Como também não pode vir alegar a falta de conformidade do bem, quando esta foi originada
pelo simples facto dos materiais por si fornecidos serem de fraca qualidade.62
Naturalmente, segundo a regra do art. 342.º, n.º 2 do C.C, é ao vendedor que compete o ónus
de provar que o comprador tinha conhecimento ou não podia razoavelmente desconhecer a falta
de conformidade do bem no momento de celebração do contrato, ou que a este se assaca a
falta de conformidade.
Esta circunstância já era contemplada no direito comum, tanto pelo C.C como pela LDC (art.
12.º, n.º 1).
10.8 – FALTA DE CONFORMIDADE RESULTANTE DE MÁ INSTALAÇÃO
Por fim o n.º 4 do art. 2.º do DL equipara a falta de conformidade consequente de má instalação
do bem de consumo a falta de conformidade.
Corresponde ao previsto no n.º 5 do art. 2.º da Diretiva, e alarga as normas da compra e venda
aos “serviços de instalação” dos bens de consumo vendidos, baseando-se “na ligação estreita
desta prestação de facere à obrigação de entrega de bem conforme ao contrato e na
necessidade de proteger de igual modo o consumidor63.”
61 Por exemplo, o consumidor pretende adquirir um determinado veículo automóvel que se encontra em muito mau estado, que necessi ta de ser restaurado. O consumidor quando o adquire tem conhecimento do estado desse veículo, bem como será de fácil perceção. Mas por variados motivos, como o gosto por aquele veiculo em particular ou o preço significativamente reduzido, poderão levar o consumidor a adquiri-lo nessas condições. Não pode, portanto, mais tarde este vir alegar que o bem padecia de falta de conformidade. O mesmo acontece se o consumidor adquire determinada peça de vestuário (um fato, uma camisa, umas calças) de “marca”, sabendo ou sendo informado de que esta padece de um defeito de fabrico. Ao aceitar esse defeito, não pode mais tarde vir invoca-lo como não estando conforme ao pretendido. 62 Por exemplo, numa empreitada de consumo, um consumidor pretende que um carpinteiro construa um armário com materiais fornecidos por ele. Se esse armário ficar mal construído ou a madeira ceder facilmente por força dos materiais fornecidos, o consumidor não pode invocar a falta de conformidade originada pela fraca qualidade dos seus materiais. 63 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, 4.ª edição, Almedina,2010 p. 94;
52
Este alargamento faz todo o sentido, tendo em conta o espirito e objetivo da Diretiva, pois se
após a instalação dos bens de consumo adquiridos, seja realizada pelo vendedor seja pelo
consumidor seguindo as instruções facultadas pelo vendedor, o consumidor não puder usufruir
do bem como ambicionaria em virtude de a instalação ter sido realizada de forma deficiente, tal
situação e respetivas consequências são em tudo semelhantes à desconformidade originária do
bem, quanto mais não seja pelo simples facto de o consumidor ficar impossibilitado de usar o
bem conforme pretendia e das qualidades que o fizeram adquiri-lo. Por exemplo, se por força de
uma má instalação de uns armários de cozinha, tanto os armários como a própria cozinha
ficarem inutilizados, o vendedor terá de ser “chamado” a reparar tal situação64. Ou no caso de
ser o consumidor a instalar o bem adquirido seguindo as instruções fornecidas pelo vendedor,
algo que acontece hoje em dia com muita frequência quando se adquire móveis numa famosa
cadeia sueca, o consumidor tem de estar protegido, como estaria se o bem originariamente não
fosse conforme ao contrato.
Assim, “o regime dos defeitos de conformidade é aplicado às situações de cumprimento
imperfeito pelo vendedor de um dever acessório ou dever lateral –o dever de instalação ou de
instrução de montagem em termos corretos do bem por si vendido – apesar desse defeito não
subsistir no momento da sua entrega65”.
Por outro lado não são abrangidos pela “guarida” da Diretiva as restantes prestações de serviço,
nomeadamente os serviços pós-venda e de assistência e manutenção após a conclusão do
contrato.
11 – DIREITOS DO CONSUMIDOR
O consumidor tem os seus direitos elencados nos artigos 4.º do DL 67/2003 de 8 de Abril, com
a redação do Dl 84/2008 de 21 de Maio, e 3.º da Diretiva, os quais lhe conferem, em caso de
falta de conformidade da coisa entregue66:
-O direito à reparação ou substituição da coisa;
-O direito à redução ou resolução do contrato;
64 AC T.R.P, de 28/11/2005, Proc. N.º 0554845; 65 Cfr João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 95; 66 Para os casos de falta de entrega aplicam-se o regime geral do não cumprimento;
53
Para exercer estes direitos não é requisito a culpa do vendedor na desconformidade do bem.
Logo o consumidor “apenas” tem de provar a falta de conformidade do bem na data de entrega
e não a culpa do vendedor nessa desconformidade, o que “facilita” imenso a posição do
consumidor.
Os mecanismos colocados à disposição do consumidor dividem-se em dois grupos – reparação
ou substituição do bem e redução do preço ou resolução do contrato – sendo que, existirá uma
hierarquia entre eles, no sentido em que o consumidor não poderá, desde logo, avançar para a
redução do preço ou resolução do contrato, sem antes ter exigido, ou pelo menos sem antes ser
“testada” a viabilidade da hipótese reparação ou substituição do bem.
Só na hipótese de nenhuma destas soluções ter surtido efeito, é que ele poderá avançar para
essas soluções mais “drásticas”.
Tais remédios já eram concedidos ao consumidor através do artigo 12.º da LDC (na redação
conferida pela Lei n.º 85/98 de 16/12, que previa:
“ O consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido
previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir,
independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a
redução do preço ou a resolução do contrato.”
O que demonstra que na consagração destes quatro direitos, a Diretiva em nada veio modernizar
o nosso ordenamento jurídico. “A Diretiva é revolucionária para muitos dos direitos dos Estados-
membros, entre os quais a Alemanha, a França, a Itália, a Inglaterra, a Bélgica e o Luxemburgo,
mas não, seguramente, para a ordem jurídica portuguesa.” 67
11.1- HIERARQUIA DOS DIREITOS
O legislador nacional, na transposição da Diretiva, optou por não reiterar os requisitos objetivos
(e por isso mais concretos e eficazes) indicados na Diretiva.
Isto porque, no artigo 3.º da Diretiva são incutidas alternativas de direitos, à escolha do
consumidor, alternativas essas que obedecem a predicados objetivos, enquanto no artigo 4.º, n.º
67 Cfr venda de bens de consumo, João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 105;
54
5 do Decreto-Lei n.º 67/2003 são expostas as alternativas do consumidor, sendo que o seu uso
fica limitado pelas regras do instituto de abuso de direito. Senão vejamos.
Da leitura integral do artigo 3.º da Diretiva resulta o seguinte:
- O n.º 3 dispõe: “ Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou
substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível
ou desproporcionado”
- Por seu turno o n.º 5 determina: “ O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço,
ou a rescisão do contrato:
- Se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou
- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou
- Se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor”.
Segundo a Diretiva, o consumidor só poderá exigir a redução do preço ou a resolução do
contrato em última instância, quando nenhuma das soluções supra citadas forem possíveis.
Se dúvidas restassem quanto a esta hierarquia de direitos, estas seriam dissipadas pelo
considerando 10 da Diretiva: “ em caso de não conformidade do bem com o contrato, os
consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem
encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a
redução do preço ou a rescisão do contrato”.
Portanto o consumidor deve sempre e preferencialmente, quando possível, optar pela reparação
ou substituição do bem, em “homenagem” à conservação do negócio jurídico, de importância
elevada numa economia de contratação em cadeia só partindo para a redução do preço ou
resolução do contrato subsidiariamente.
11.2 – REPARAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DO BEM
Pese embora a Diretiva tencione proteger o mais possível o consumidor, nem sempre este terá
direito a exigir do vendedor a reparação ou substituição do bem não conforme.
O vendedor poderá recusar-se, legitimamente, sempre que tal solução se revele impossível ou
desproporcionada.
55
Quando será então desproporcionada tal solução?
O considerando 11 da Diretiva determina que a desproporcionalidade deve ser apurada
objetivamente, “ que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação
à outra solução; que, para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais
elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo”.
Quanto a este direito é de referir que devido à natureza específica dos produtos em segunda
mão, revela-se, em regra, impossível a sua reposição e que, portanto, quanto a esses produtos o
consumidor não terá direito à sua substituição (considerando 16 da Diretiva).
Para além destas soluções, e visando a conciliação célere do “conflito” originado pela falta de
conformidade, o vendedor pode sempre oferecer ao consumidor, como solução, qualquer outra
forma de reparação possível, cabendo ao consumidor aceitar ou rejeitar essa proposta
(Considerando 12 da Diretiva).
Realce-se o facto de tais soluções terem de ser sempre oferecidas ao consumidor sem quaisquer
encargos para este (arts. 4.º, n.º 1 e 3 do Decreto – Lei n.º 67/2003 e 3.º, n.º 2 e 4 da
Diretiva).
Isto é as despesas de transporte, de mão-de-obra e de material são da exclusiva
responsabilidade do vendedor, não podendo ser imputadas ao consumidor.
Na redação introduzida pelo DL n.º 84/2008, impôs-se um prazo de reparação ou substituição
razoável, tendo em conta a natureza do defeito, para os bens imóveis e um prazo de 30 dias
para os bens móveis (art. 4.º, n.º 2), sendo esta uma das alterações que esta redação introduziu
face à anterior.
11.3 – REDUÇÃO DO PREÇO OU RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Neste conjunto de direitos importa, desde logo, evidenciar o seguinte:
- Nos termos do artigo 3.º, n.º 6 da Diretiva:“ O consumidor não tem direito à rescisão do
contrato se a falta de conformidade for insignificante.” 68
68 Aliás conforme a regra geral do direito à resolução – admite-se a resolução apenas nos casos de incumprimento significativo ou de não escassa importância – nos termos dos artigos 793.º e 802.º, n.º 2 do C.C;
56
- Na hipótese de restituição do preço ao consumidor por força da resolução potestativa do
contrato, o possível uso dado ao bem pelo consumidor poderá provocar uma redução do valor a
devolver69
Este já é o espirito do n.º 2 do artigo 434.º do Código Civil.
Esta responsabilização, porventura exagerada à primeira vista, do vendedor sustenta a sua razão
de ser no facto de o perecimento ou deterioração da coisa resultar da falta de conformidade
existente no momento da entrega, isto é, na não conformidade do bem com o contrato. 70
Esta disposição afasta, assim, o previsto no n.º 2 do artigo 432.º do Código Civil.
11.4- ESCOLHA DO CONSUMIDOR E ABUSO DE DIREITO
O legislador nacional não transpôs a hierarquização dos direitos do consumidor, deixando tal uso
subordinado aos deveres de boa-fé, subjacentes aliás a qualquer negócio jurídico.
Assim conferindo, igualmente, mais liberdade de escolha e porventura mais proteção ao
consumidor. Sendo certo que tal liberdade terminará no abuso de direito (art.º. 334.º do C.C).
O mesmo é dizer que essa liberdade de escolha do consumidor não está sujeita ao seu livre
arbítrio. O consumidor deverá privilegiar sempre que possível a manutenção do negócio jurídico
(isto é, optar sempre em primeiro lugar pela reparação ou substituição do bem) só devendo
avançar para a redução ou resolução do preço, quando outra situação não for possível.
Se assim não agir, estará sujeito a incorrer em abuso de direito.
11.5 – PRAZOS PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Esta temática foi sujeita a alterações durante o processo de aprovação da Diretiva,
principalmente, tendo a proposta de Diretiva da Comissão sido alterada pelo Parlamento
Europeu71 e não tendo sido estas modificações aceites pelo Conselho na posição comum.
69 Cfr – Considerando 15 da Diretiva; 70 Esta regra já constava do art. 12.º n.º 1 da Lei da defesa do consumidor, na redação originária de 31/07 : “O consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato.” 71 De facto, no Livro Verde sugeria-se não se consagrar qualquer obrigação especial de notificação do responsável e que se distinguisse o prazo de garantia, a contar do momento da entrega do produto e durante o qual a descoberta do defeito conduziria à hipótese de uma ação ser intentada com base nela, e o prazo de prescrição, que impediria a propositura de uma ação fundamentada na garantia e que começaria a partir do momento da descoberta do defeito. Sugeria, ainda, que o prazo de prescrição se suspendesse com a notificação do defeito até ao fim das
57
Os prazos72 existentes para o exercício, pelo consumidor, dos direitos conferidos pelo DL,
constitui a principal novidade e alteração introduzida pela redação do DL 84/2008, de 21 de
Maio.
De facto, na redação do DL 84/2008, de 21 de Maio, pode ler-se no preâmbulo “ (…) entendeu-
se dever estabelecer um prazo limite de 30 dias para a realização das operações de reparação
ou de substituição de um bem móvel, dado que a ausência de regulamentação atual tem tido
como consequência o prolongamento, por um tempo excessivo, das operações de substituição e
de reparação pouco complexas.”
Instituiu – se, ainda, com esta redação um novo prazo de dois anos, a contar da data de
denúncia, para a caducidade dos direitos dos consumidores, no caso de se tratar de bem móvel,
sendo esse prazo de três anos, quando esteja em causa um bem imóvel.
Introduziu-se, igualmente, um prazo de dois ou de cinco anos, consoante se trate,
respetivamente, de bem móvel ou imóvel, de garantia para o bem substituto.
Posto isto, a questão dos prazos era regulada integralmente pelo artigo 5.º da versão inicial do
DL 67/2003, tendo sido parte deste artigo revogado pelo DL 84/2008, a algumas das suas
normas transferidas para o aditado art. 5.º - A. Desta forma, o legislador dividiu, em dois artigos,
a matéria relativa aos prazos. No artigo 5.º está previsto o “prazo da garantia” enquanto no
artigo 5.º A o “prazo para exercício de direitos”.
Da conjugação destes dois artigos resultam os prazos para o consumidor fazer valer os seus
direitos.
11.6 – GARANTIA LEGAL DE CONFORMIDADE
Antes de mais, qualquer um dos prazos referidos nos supra citados artigos, começa a contar a
partir da data de entrega do bem de consumo.
negociações forçado por uma das partes, e que o prazo de garantia, suspenso durante a reparação do bem, iniciasse-se quer ocorresse substituição do bem quer ocorresse a sua substituição, no que concerne ao defeito concreto que motivou a reparação; 72 O legislador europeu, aquando da redação da Diretiva, deparou-se com alguns obstáculos à uniformização dos prazos, visto que eles era muito diferentes nas várias legislações europeias. Por exemplo, enquanto nos ordenamentos jurídicos da Alemanha, Áustria, Espanha, Portugal e Grécia era estipulado um prazo de caducidade de seis meses, o ordenamento jurídico da Dinamarca previa o prazo de um ano, o da Suécia dois anos, Inglaterra e Irlanda seis e o da França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Finlândia não estipulavam prazo de caducidade;
58
Segundo o espírito do diploma, o consumidor tem direito à entrega de um bem conforme ao
contrato, sendo o vendedor responsável por qualquer desconformidade, nos termos dos artigos
2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 1 do DL 67/2003.
Assim e de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º1 do DL 67/2003 quando o consumidor se
aperceber da falta de conformidade, dentro do prazo de dois ou cinco anos, caso esteja em
causa, respetivamente, um bem móvel ou imóvel, pode exercer os direitos supra mencionados.
O prazo legal de conformidade é, portanto, igualado ao prazo de presunção da anterioridade dos
defeitos, o que se traduz no facto de o prazo para o consumidor reagir a uma constatação de
desconformidade do bem coincidir com o prazo para a presunção de anterioridade dessa
desconformidade.
Significa isto, que não cabe ao consumidor o ónus da prova da existência da falta de
conformidade no momento da entrega, tendo apenas de demonstrar que essa falta de
conformidade se manifestou dentro do prazo de dois ou cinco anos, a contar da entrega,
consoante se trate, respetivamente, de bem móvel ou imóvel.
A Diretiva, neste aspeto, não é tao “benevolente” para o consumidor. No seu artigo 5.º, n.º3,
prevê uma presunção da falta de conformidade, quando esta se manifeste no prazo de seis
meses a contar da data de entrega do bem.
Isto é, face a Diretiva, o consumidor, decorrido esse prazo presuntivo de seis meses, poderá,
igualmente, exercer os seus direitos, tendo, no entanto, o “inconveniente” de provar que a falta
de conformidade já existia aquando do momento da entrega do bem.
O legislador português foi, portanto, mais “simpático” para o consumidor, ao estipular um
regime mais favorável do que o constante da Diretiva. Todavia, outra, não podia ter sido a opção
do legislador, devido ao facto de anteriormente à Diretiva, a Lei de Defesa do Consumidor já
prever uma garantia de bom estado e de bom funcionamento ao longo de um ano, abdicando da
condição da existência da falta de conformidade na data da entrega do bem. Se tivesse
estipulado uma presunção de seis meses, o legislador estaria a diminuir evidentemente a
proteção dos consumidores nacionais.
Uma vez que estamos perante uma diretiva de harmonização mínima (artigo 8.º da Diretiva), tal
opção não acarreta a sua deficiente transposição, parecendo mesmo a mais apropriada, tendo
em conta o espirito tanto da Diretiva como do DL n.º 67/2003.
59
Já referimos que o prazo da garantia legal de conformidade, para bens imóveis73, é de cinco
anos, contados a partir da data de entrega do bem. Surge, a este respeito, uma questão. E se o
contrato recair sobre uma fração autónoma de um imóvel constituído em propriedade
horizontal74. Quando começa a contar-se o prazo, no que concerne às partes comuns?
Sufragamos o entendimento75 segundo o qual tal prazo inicia-se a partir da data, em que se
verificou a última transferência pelo vendedor ou empreiteiro profissional.
Há, contudo, outro entendimento, o de relevar para este efeito o momento em que é
estabelecida a administração do condomínio. No entanto, não concordamos com tal
entendimento, pelo simples facto de a ser assim, qualquer consumidor que adquirisse uma
fração autónoma após essa constituição, ficaria desprotegido e em desvantagem perante os
restantes que adquiriram anteriormente, não podendo exercer os direitos atribuídos, pelo
diploma, aos casos de desconformidade do bem imóvel no referido prazo de cinco anos.
Para os bens móveis, o consumidor pode exercer os direitos conferidos pelo diploma, quando a
falta de conformidade se manifeste no prazo de dois anos a contar do momento de entrega do
bem. Prazo este que só pode ser reduzido, por acordo das partes, no caso de bens móveis
usados76, nos termos do artigo 5.º, n.º 2.
Esta redução para um ano, terá de resultar de uma efetiva negociação entre as partes e não de
uma cláusula contratual geral, caso em que não produz qualquer efeito (art.. 21.º, alínea d) do
DL 446/85).
O que não será possível é o consumidor prescindir deste prazo de garantia de dois anos na
totalidade.
De realçar o facto de este prazo suspender-se, a partir da data de denúncia e enquanto persistir
o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem (n.º 7 do art. 5.º do DL
67/2003).
Acrescentamos, ainda, e conforme supra mencionado, o facto de, por acordo das partes, e
tratando-se de coisa móvel usada, o aludido prazo de dois anos pode ser reduzido para metade
(n.º 2 do art. 5.º do DL 67/2003).
73 Sendo que os bens imóveis são matéria excluída do âmbito da Diretiva; 74 Situação, aliás, frequente, a de um consumidor adquirir uma fração autónoma para residir; 75 Cfr, Jorge Morais CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, cit., p. 218; 76 No caso de bem imóvel é irrelevante ser um bem usado, sendo sempre irredutível por acordo das partes, o prazo de cinco anos;
60
Complementando o artigo 5.º, foi aditado, pela redação do DL 84/2008, de 21 de Maio, o artigo
5.º A.
Este artigo determina, desde logo, a caducidade dos direitos do consumidor, quando não
exercidos nos referidos prazos de dois ou cinco anos (n.º 1 do art. 5.º A do DL 67/2003)
Acrescentando, ainda, que para exercer os seus direitos o consumidor terá de proceder à
denúncia da desconformidade, ao vendedor, no prazo de dois meses, no caso de se tratar de
bem móvel, ou de um ano, se estiver em causa um bem imóvel, ambos a contar da data em que
a detetou77 (n.º 2 do art. 5.º A do DL 67/2003).
O DL 84/2008 aditou o artigo 5.º, nº 6 que dispõe que em caso de substituição do bem, o bem
sucedâneo desfruta de um novo prazo de garantia legal de conformidade de dois ou cinco anos,
conforme se trate de bem móvel ou imóvel.
Acrescenta, ainda, o n.º 7 do referido artigo 5.º, a suspensão do prazo desde a data da denúncia
e durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.
O prazo suspende-se a partir do momento em que o consumidor denuncia ao vendedor a
desconformidade do bem, recomeçando a sua contagem somente na data em que o bem, já
conforme ao contrato, é novamente entregue ao consumidor.
Esta norma somente se aplica se o consumidor preferir exercer o direito à reparação do bem ou
à redução do preço. Caso escolha a substituição do bem, o exercício deste direito suspende o
decurso do prazo de caducidade, que se inicia de acordo com o já mencionado artigo 5.º, n.º 6.
Por outro lado, caso opte pela redução do preço, o prazo interrompe-se durante o período em
que o consumidor estiver privado do uso do bem, particularmente por ter sido entregue ao
vendedor para apreciação da falta de conformidade.
Nos casos de resolução do contrato e uma vez que as prestações são restituídas, a avaliação da
desconformidade não tem sentido.
Por força do artigo 298.º, n.º 2 do C.C78, tudo o que não estiver especificamente regulado no
artigo 5.º, no que aos prazos concerne, aplica-se as regras da caducidade.
77 No considerando 19 da Diretiva, é instituído, como prazo mínimo, dois meses para a denúncia da desconformidade; 78 “ Quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
61
Tal aplicação é, igualmente, determinada pelo artigo 5.º- A, n.º 1, o qual dispõe a caducidade do
direito do consumidor no término dos prazos previstos no artigo 5.º.
Pelo que, podemos concluir que os prazos para a reparação ou substituição dos bens
desconformes com o contrato, variam consoante esteja em causa um imóvel ou bem móvel. No
caso de se tratar de um bem imóvel, a lei exige que a reparação ou substituição se faça num
prazo razoável (utiliza portanto um critério subjetivo e lato, tendo portanto de ser aferido e
avaliado caso a caso, de acordo com o tipo de defeito ou vicio em causa e os critérios comuns
aplicados a casos semelhantes).
Por outro lado, no caso de se tratar de um bem móvel, a lei já determina um prazo imperativo
para se proceder à reparação ou substituição – no máximo de 30 dias (n.º 2, art. 4.º)
Em ambos os casos, sempre sem ocorrer grave inconveniente para o comprador.
O n.º 3 do supra citado artigo esclarece o sentido e alcance da expressão “ sem encargos” para
o consumidor, referida no n.º1 do mesmo artigo, quando se refere à reposição da conformidade
de um bem adquirido.
Assim, estes encargos traduzem-se nas “despesas necessárias para repor o bem em
conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-
de-obra e material.”
O consumidor nada terá de pagar pelo custo da reparação ou substituição do bem. O que faz
todo o sentido, visto que ele já pagou para o adquirir, em conformidade com o contrato, não
existindo qualquer lógica ou razão para pagar, novamente, o seu “reparo” que irá repor essa
conformidade que deveria existir desde logo aquando da compra.
Se assim não fosse o consumidor iria estar, de certa forma, a pagar duas vezes para obter o
mesmo resultado (a conformidade), resultado esse que deveria existir a partir do momento em
que foi adquirido o bem. O comprador apenas irá cumprir a sua obrigação (entregar um bem
conforme com o contrato) junto do consumidor.
Relativamente à redução do preço ou resolução do contrato, o consumidor não perderá estes
direitos no caso de o bem adquirido ter perecido ou deteriorado, desde que por motivo não
imputável a ele, naturalmente.79
79 N.º 4, artigo 4.º do Decreto- Lei 67/2003;
62
Parece-nos uma solução justa, uma vez que seria duplamente penalizador para o consumidor
(indo portanto contra o espirito e objetivos da Diretiva e do DL n.º 67/2003) se adquirido um
bem desconforme com o contrato, pago o preço deste, este por algum motivo alheio ao
consumidor, quiçá até causado pela desconformidade, se deteriorasse de tal forma que tornaria
o seu reparo impossível ou até bastante dispendioso para o vendedor, face ao valor do bem, e o
consumidor nada pudesse fazer a esse respeito.
Se assim fosse, o consumidor teria pago um preço (que em algumas situações seria de elevado
montante, como na compra de um televisor, de um relógio, dos tao vulgares, hoje em dia,
“smartphones”, de um veiculo automóvel, por exemplo) por um bem desconforme ao contrato e
às suas expectativas criadas com a sua compra e uso pretendido, no fim tendo deteriorado ou
perecido, e o consumidor teria de arcar com esse prejuízo todo, sem qualquer tipo de
mecanismo que tutelasse os seus legítimos interesses.
Ora, em primeiro plano até pelo (bom) senso comum tal situação seria terrivelmente injusta e
incorreta, e o Direito, antes de mais existe precisamente para “ combater” e resolver situações
dessas, tentando “proteger” sempre a parte mais fraca e a parte que fica “a perder” sem
qualquer justificação legal, claro está.
Em segundo plano, tal como já foi referido ao longo desta dissertação, o objetivo e um dos
principais princípios da Diretiva, um elevado nível de proteção do consumidor, tido como a parte
mais fraca, débil da relação jurídica estabelecida com o vendedor.
Esta solução, antes de mais é socialmente justa e correta, e vai ao encontro do objetivo da
Diretiva, e acima de tudo do Direito em si.
11.7 - PRAZO PARA EXERCÍCIO DOS DIREITOS
Como supra referido, o diploma prevê, no artigo 5.º, o prazo de garantia da conformidade do
bem com o contrato, sendo que o artigo 5.º - A, aditado pelo DL 84/2008, prevê dois prazos
complementares. Um relativo à denúncia da desconformidade do bem com o contrato, cujo
desrespeito conduz à caducidade deste direito, e um segundo relativo ao prazo para intentar a
competente ação destinada a fazer valer os direitos conferidos ao consumidor, que em caso de
não cumprimento conduzirá à caducidade da ação.
63
11.7.1 – PRAZO DE DENÚNCIA DA FALTA DE CONFORMIDADE
O consumidor dispõe de um prazo para denunciar ao vendedor a desconformidade do bem com
o contrato. Este prazo varia, igualmente, consoante se trate de bem móvel ou imóvel.
Desta forma, prevê o artigo 5.º - A, n.º 2 do Decreto -Lei: “ Para exercer os seus direitos, o
consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses,
caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que
a tenha detetado.”.
Se o consumidor não respeitar estes prazos para proceder à referida denuncia, os seus direitos
caducam, nos termos do artigo 5.º - A, n.º 1.
Tendo em conta o facto de a denúncia ter como objetivo dar conhecimento ao vendedor da falta
de conformidade do bem com o contrato, esta torna-se desnecessária, no nosso entendimento,
se o consumidor souber que o vendedor conhece essa falta de conformidade ou se este a
reconhecer.
De facto, atento o facto de se aplicar o regime da caducidade aos direitos conferidos pelo DL,
esta solução parece-nos ser a mais correta, dada a redação do artigo 331.º, n.º 2 do C.C: “
Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito
disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra
quem deva ser exercido”.
Pese embora este princípio não estar expressamente consagrado no DL n.º 67/2003, encontra-
se compreendido no espírito do regime e resulta da razão de ser da exigência da denúncia.
A razão de ser da consagração de um prazo curto para denúncia da desconformidade, prende-se
com questões relacionadas com a rápida resolução do problema, possibilitando às partes a
regularização da situação num curto espaço de tempo. Acresce, ainda, o facto de quanto mais
cedo o bem for alvo de uma intervenção, maiores são as hipóteses de sucesso.
Esta norma é criticada a nível europeu, no sentido em que limita a capacidade de intervenção do
consumidor.
64
O referido prazo inicia-se na data em que o consumidor detete a falta de conformidade, não
bastando a mera possibilidade de a conhecer para que o prazo comece a contar, sendo
necessário que este tenha o conhecimento suficiente da falta de conformidade.
Quanto à forma da denúncia, esta pode ser realizada oralmente, diretamente junto do vendedor,
não se exigindo, portanto, uma forma especial para que seja válida.
Pode ser feita, no caso de o vendedor ter um estabelecimento comercial aberto ao público, a
qualquer funcionário desse estabelecimento, não tendo o consumidor de saber qual a sua
função,80 como pode ser feita através de um número de telefone de contacto que o vendedor
disponha.
Esta denúncia tem de referir a falta de conformidade invocada pelo consumidor, não bastando
fazer comentários vagos sobre o estado do bem.81
Relativamente à hipótese de surgir uma desconformidade após a denúncia de uma anterior,
aquela não se encontra incluída, devendo o consumidor denunciar essa posterior
desconformidade, contactando o vendedor.
Com a primitiva redação do DL n.º 67/2003 surgia uma questão, já ultrapassada com a mais
recente redação, mas que iremos abordar por motivos meramente académicos.
E se a falta de conformidade, já denunciada, se agravasse. Será que esse agravamento se
encontra abrangido pela denúncia já realizada, ou será necessário voltar a contactar o vendedor
para proceder a uma nova denúncia?
Como já referido, esta questão era mais problemática com a primitiva versão do diploma, por
força do facto de o prazo de caducidade da ação se contar a partir da data de denúncia,
encurtando-o, portanto. Tendo este facto presente, parece-nos que seria mais apropriado pugnar
pela não abrangência da primeira denúncia, para desta forma, permitir ao consumidor dispor de
um novo prazo para, se assim quisesse, propor a competente ação judicial para defesa dos seus
direitos.
Com esta nova redação, e dado o facto de o prazo de caducidade nunca ser inferior ao da
garantia legal, parece-nos mais adequada a solução precisamente oposta, por duas razões.
80 Vide AC. do TRL, de 6/12/2011; 81 Vide AC do TRP, de 3/3/2008;
65
Primeira o consumidor não sairá prejudicado, pois o prazo de caducidade foi equiparado ao da
garantia legal e segundo porque não identificamos nenhuma vantagem ou utilidade em exigir
uma nova denúncia de uma desconformidade que, somente, resulta de um agravamento de uma
primeira, até porque possivelmente decorre da primeira e já denunciada desconformidade.
O Código Civil determina, na compra e venda de coisa defeituosa e em caso de dolo do
vendedor, que o comprador não tem o dever de denunciar o defeito82.
Consideramos ser de aplicar esta exceção à venda de bens de consumo, visto que se trata de
um regime mais favorável ao consumidor e o DL n.º 67/2003 não tem como objetivo restringir
os direitos dos consumidores. Acresce, ainda, o facto de o dolo reportar-se ao conhecimento do
defeito e à sua ocultação por parte do vendedor. Ora, se a denúncia tem em vista dar ao
vendedor conhecimento do defeito e se este, por ter usado de dolo, já o tem, não faz sentido
exigir-se informar o vendedor de algo que ele já sabe e ocultou do consumidor.
11.7.2 – O PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO
O consumidor dispõe de um prazo, após a denúncia da desconformidade, para poder intentar a
competente ação judicial para exercer os seus direitos, já supra mencionados, de reparação ou
substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato.
Este prazo é de dois ou três anos, consoante se trate de bem móvel ou imóvel, respetivamente,
e conta-se a partir da data de denúncia da desconformidade, nos termos do artigo 5.º-A, n.º 3 do
DL n.º 67/2003.
Na prática o consumidor pode dispor de um prazo, para fazer valer os seus direitos, superior ao
da garantia legal (de dois ou cinco anos, consoante seja, respetivamente, bem móvel ou imóvel),
atento a redação do referido artigo.
Senão vejamos. Por hipótese, no caso de um bem móvel, o consumidor deteta a falta de
conformidade, tendo já decorrido ano e meio após o momento em que o adquiriu. Como já
referimos, tem o prazo de dois meses para denunciar essa desconformidade. E poderá propor a
competente ação judicial até dois anos após essa denúncia. Tendo denunciado após ano e meio
da sua compra, e terminando o prazo de garantia legal ao fim de dois anos, ele poderá, contudo,
intentar ação judicial para defesa dos seus direitos até três anos e meio após a sua aquisição.
82 Art. 916.º, n.º 1 do Código Civil;
66
O mesmo ocorre, naturalmente, no caso de um bem imóvel, de acordo com os prazos de
garantia de cinco e o prazo de proposição da competente ação judicial de três anos após a
denúncia da desconformidade.
O referido prazo de propositura da ação judicial foi ampliado pela redação do DL 84/2008, visto
que o inicial prazo era de seis meses, de acordo com o revogado artigo 5.º, n.º 4,
independentemente de se tratar de bem móvel ou imóvel. Ora, este prazo configurava uma
transposição incorreta da Diretiva, relativamente aos bens móveis (dado que os imóveis não são
abrangidos por esta), uma vez que é determinado que o prazo de caducidade “ não pode ser
inferior a dois anos a contar da data de entrega”.83
Este prazo de seis meses era manifestamente curto e complicava o exercício dos direitos pelos
consumidores, não cumprindo, portanto, o objetivo da Diretiva, a proteção do consumidor.
Aplicando-se, como já referido, as regras gerais da caducidade, importa atentar no artigo 331.º
do CC, particularmente no seu n.º2 que determina: “ (...) impede também a caducidade o
reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.”
Pelo que, a falta de conformidade reconhecida pelo vendedor, seja de forma expressa ou tácita,
permite que o prazo de caducidade da ação judicial deixe de correr, facultando ao consumidor a
hipótese de exercer os seus direitos findo esse prazo.
Estes prazos de caducidade da ação encontram-se na disponibilidade das partes, no que ao seu
alargamento diz respeito, motivo pelo qual, nos termos do art. 332.º, n.º 2 do CC, o qual remete
para o art. 303.º do mesmo código, não é de conhecimento oficioso.84
O prazo de caducidade da ação pode, ainda, suspender-se em duas situações, elencadas no
artigo 5.º- a, n.º 4.
Na primeira situação, o prazo suspende-se “ “ (...) durante o período em que o consumidor
estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou
substituição (...)”. Enquanto o consumidor aguarda que o profissional resolva o problema, o
prazo de caducidade suspende-se, tal qual acontece com o prazo de garantia.
83 Vide considerando 17 e art. 5.º, n.º 1, ambos da Diretiva; 84 Vide sentença do Centro Nacional de Informação e arbitragem de conflitos de consumo de 22/11/2010, cujo árbitro único foi Carlos Ferreira de Almeida – “(…)atraso da denúncia ao vendedor teria como efeito a caducidade da ação (artigo 5º‐A, nº 1, do citado Decreto‐Lei) se tivesse sido invocada pela Requerida. Como tal não sucedeu, não pode o tribunal conhecer oficiosamente da exceção, porque a lide respeita a direitos disponíveis (artigo 303º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 333º, nº 2, do mesmo Código, e artigo 496º do Código do Processo Civil).”
67
Na segunda situação, o prazo suspende-se “ (...) durante o período em que durar a tentativa de
resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou produtor,
com exceção da arbitragem.”
Esta norma foi aditada pelo DL 84/2008, sendo muito útil, dado que possibilita que a tentativa
de resolução do litígio não “se sinta” pressionada pelo decorrer do prazo de caducidade, bem
como informa o consumidor da existência de formas mais rápidas e eficazes de resolução do
litígio comparativamente aos tribunais, tendo por isso um carater pedagógico.
A arbitragem é excluída, na parte final da norma, visto que se trata de uma forma de resolução
do litígio em que um terceiro toma uma decisão, decisão esta que tem o mesmo valor de uma
de um tribunal judicial. Pelo que, submetido o litigio a um tribunal arbitral dentro do prazo, o
direito foi exercido em tempo (art. 331.º, n.º 1 do Código Civil).
No n.º 5 do artigo 5.º A encontram-se elencadas as situações em que se considera iniciada a
tentativa de resolução extrajudicial do litígio: “ as partes acordem no sentido de submeter o
conflito a mediação ou conciliação”, “ a mediação ou conciliação seja determinada no âmbito de
processo judicial” e “ se constitua a obrigação de recorrer à mediação ou conciliação”.
Pode ser determinado pelo juiz o recurso à mediação no âmbito de um processo judicial.
Tendo em conta que um dos princípios elementares desta forma de resolução de litígios é a
voluntariedade, nos termos do artigo 4.º da Lei da Mediação (Lei n.º 29/2013 de 19 de abril),
esta “obrigatoriedade” da presença das partes por determinação judicial constitui uma solução
bastante discutível.
A suspensão da caducidade também pode ocorrer quando as partes assim o pretendam, através
de um acordo nesse sentido prévio ou posterior ao “ nascimento “ do conflito.
No entanto, a mediação de conflitos de consumo tem revelado conter características particulares
face à mediação em geral, visto que em regra não existe um acordo prévio de mediação. Assim,
deve aceitar-se que há acordo, nos termos e para os efeitos desta norma, nos casos em que o
consumidor sujeita o caso a uma entidade de resolução de conflitos e o profissional aceita de
forma tácita o processo, através de resposta a essa entidade.
68
12 – BENS USADOS
Os bens usados são, também, abrangidos pelo DL, sendo incluídos na definição de bem de
consumo constante da alínea b) do artigo 1.º B.
O que não é definido pelo DL, nem pela Diretiva, é o que é um bem usado, ou em segunda mão.
Esta definição pode aparentar ser de fácil perceção, e porventura na maioria dos casos será
(como um automóvel ou um relógio vendidos tendo já tido um proprietário, por exemplo). Mas
casos existem em que não será assim tão simples definir se será um bem usado ou não. Por
exemplo um cão, elemento de uma ninhada, que seja criado e tratado por alguém que pretende
comercializa-lo. Se o cão tiver já alguns meses ou até um ano ou dois será um bem novo ou
usado? Se for fêmea e já tiver tido crias, será que é um bem usado? 85
Esta questão surge, pois profissionais existem que se dedicam à criação e venda de animais
(cães, aves, cavalos, etc). As eventuais vendas que efetuem a consumidores enquadram-se no
âmbito da Diretiva. Difícil será definir se serão considerados bens novos ou usados.
Aquando da transposição da Diretiva, um dos problemas colocados, relativos à comercialização
de bens usados, foi o facto de se desconsiderar um mercado importante na venda de bens em
segunda mão, o da venda entre sujeitos não profissionais.86
Quanto a nós, e atento o espírito e objetivo da Diretiva - a proteção do consumidor, enquanto
parte débil e menos preparada em contraposição a um vendedor profissional - tal “problema”
colocado, salvo melhor opinião, é irrelevante, estando, apenas, de acordo com os propósitos da
Diretiva.
Estando em causa dois sujeitos profissionais ou não profissionais, estes encontram-se em “pé de
igualdade”, razão pela qual a Diretiva não “interfere” nessas relações.
12.1 – PRAZO DE PRESCRIÇÃO
A Diretiva afirma no seu Considerando 8: “ (..) que a qualidade e o comportamento que os
consumidores podem razoavelmente esperar dependerá, nomeadamente, do facto de os bens
serem em primeira ou em segunda mão” , e nesta sequência prevê, no seu artigo 7.º, a
85 Ana PRATA, “Venda de bens usados no Quadro da Diretiva 1999/44/CE”, Themis, ano II, n.º 4, (2001), p. 148; 86 Cfr, para mais desenvolvimentos, Ana PRATA, “Venda de bens usados no Quadro da Diretiva 1999/44/CE”, cit., p. 147;
69
possibilidade dos Estados Membros convencionarem, no regime de transposição, a fixação de
um prazo de garantia convencional mais curto do que o geral, mantendo-se o prazo de denúncia
nos dois meses após a “descoberta” da desconformidade, mas que nunca pode ser inferior a
um ano ( n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva).
Tal solução é consagrada, entre nós, no n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 67/2003, que dispõe:
“Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um
ano, por acordo das partes.”
No nosso entendimento, é favorável ao mercado de compra e venda de bens usados tal
possibilidade, pelo simples facto, de através da redução do prazo de garantia, o consumidor
poderá ter a oportunidade de adquirir o bem por um preço inferior ou com condições mais
vantajosas para este. Confere, por isso, ao consumidor um certo “ poder negocial” com vista a
fazer o melhor negócio possível para os seus interesses.
70
71
Capitulo II
72
73
1 – RELAÇÃO PRODUTOR - CONSUMIDOR
Feito este enquadramento e após a análise da relação vendedor- consumidor e dos objetivos e
princípios norteadores da Diretiva, é altura de examinar o tema específico da presente
dissertação – a relação produtor-consumidor e a responsabilidade que aquele tem perante este.
Assim, e em primeira instância não se trata de uma relação direta, no sentido em que o produtor
não firma ou estabelece qualquer contrato com o consumidor (pois essa relação, tal como já
supra referimos, é estabelecida entre vendedor- consumidor, sendo estes os principais sujeitos).
Assume, por isso, a qualidade de terceiro em relação ao negócio entre vendedor e consumidor,
surgindo apenas para “dar a cara” por produtos defeituosos que produziu e um intermediário (o
vendedor) alienou. Não existindo, portanto, qualquer tipo de contrato entre consumidor e
produtor.
Importa, no entanto à priori, aferir, para efeitos do diploma de transposição quem é considerado
produtor.
1.1 - DEFINIÇÃO DE PRODUTOR
Já definimos e caracterizamos os principais intervenientes da relação de compra e venda de um
bem de consumo, surgindo agora a necessidade de identificar quem é o produtor, o “criador” e
principal responsável pelos produtos por si fabricados e colocados no mercado e posteriormente
alienados por um intermediário já identificado e caracterizado (o vendedor).
Tal definição vem prevista na alínea d) do artigo 1.º- B do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, na
redação conferida pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio – “fabricante de um bem de consumo, o
importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa
que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal
identificador no produto”- definição essa que corresponde, na íntegra, à definição dada na
Diretiva 1999/44/CE, na alínea d) do n.º2 do art. 1.º.
Podemos, desde logo, retirar desta definição três diferentes “tipos” de produtor, a saber,
produtor real, produtor presumido e produtor aparente, que de seguida passaremos a definir.
74
1.1.1 -PRODUTOR REAL
Produtor Real é o fabricante de um bem de consumo,87 aquele empresário ou profissional que de
facto, na realidade, produz ou fabrica um bem de consumo ou as suas partes componentes.
Isto é, engloba-se na definição de produtor real, e consequentemente na de produtor em sentido
geral, todo o fabricante de peças componentes ou de matéria prima de um determinado bem de
consumo e não apenas o fabricante do produto acabado.
Como tal, tanto pode ser demandado na qualidade de produtor real, o fabricante de uma peça
específica que integra determinado produto (por exemplo um molde de um rádio de um
automóvel, se este apresentar algum defeito) como o fabricante de um produto acabado (por
exemplo o fabricante de um telemóvel ou televisão).
Isto significa que o produtor de uma parte componente, cujo defeito se refletiu no produto
acabado, pode ser demandado solidariamente, visando a reparação ou substituição da peça em
causa (através de uma ação direta) com o produtor do produto acabado, uma vez que foi
precisamente o defeito dessa parte componente que originou a não conformidade do bem de
consumo.
Para além deste argumento, é válido de igual forma o facto de tal situação só favorecer o
consumidor, para a eventualidade do “desaparecimento” do vendedor final e do produtor
acabado, indo, portanto ao encontro do espirito e do objetivo do legislador europeu e da Diretiva
n.º 1999/44/CE, ou seja, uma proteção o mais abrangente possível do consumidor.88
1.1.2 -PRODUTOR PRESUMIDO
O produtor presumido é “o importador do bem de consumo no território da Comunidade”.
Trata-se, portanto, do “importador profissional”, aquele que importa produtos oriundos de países
não pertencentes à Comunidade Europeia.
87 Com exceção do produtor de bens de consumo naturais, como produtos agrícolas do solo, da caça e da pesca. 88 Neste sentido João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p.73;
75
Mais uma vez pretende-se proteger o consumidor89, pois desta forma não é necessário a
propositura de uma ação direta contra um produtor extracomunitário (porventura até de um país
distante), evitando-se assim todas as dificuldades e custos associados a tal processo.
1.1.3 -PRODUTOR APARENTE
“Qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome,
marca ou outro sinal identificador no produto”, será então produtor aparente para efeitos do DL
supra referido.
Engloba, portanto, os distribuidores, grossistas, as cadeias comerciais que usando o seu nome
ou marca lançam no mercado produtos, nomeadamente bens fabricados em série e em grande
escala, produzidos, a grande maioria segundo as suas instruções por terceiros que são
desconhecidos aos olhos do consumidor. É, pois, devido a esta aparência de produção própria
que justifica e legitima a ampliação da noção de produtor a estas pessoas singulares ou
coletivas, visto que apresentam o produto como próprio, estas pessoas surgem perante o
consumidor como produtores reais desses mesmos produtos.
Posto isto, cumpre analisar o artigo 6.º do DL 67/2003 de 8 de Abril, com a alteração
introduzida pelo DL 84/2008 de 21 de Maio que “introduz” este terceiro (o produtor), numa
relação interligada entre produtor-vendedor-consumidor e que à primeira vista poderia aparentar
ser alheia àquele, por, em ocasião alguma, celebrar qualquer contrato com o consumidor.
2 - RESPONSABILIDADE DIRETA DO PRODUTOR
Pese embora, o texto da Diretiva não ter previsto a responsabilidade direta do produtor, deixou
em aberto tal possibilidade no considerando 23, bem como no artigo 12.º.
Uma vez que era uma Diretiva de transposição mínima, nada obstava aos legisladores dos
diversos Estados Membros de a consagrarem.
89 De facto com o Regulamento 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JOCE L12/1, de 16 de Janeiro de 2001), é simplificada a ação do consumidor contra o produtor instituído noutro Estado-Membro, permitindo a execução de uma sentença do tribunal do seu domicílio o Estado do fabricante de forma ágil, sem necessidade de revisão do mérito da sentença;
76
O legislador português não esperou pelo resultado do relatório90 elaborado no âmbito do referido
artigo 12.º, e consagrou desde logo, na redação do DL 67/2003, a responsabilidade direta do
produtor.
A redação originária dispunha:
“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha
adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste, a sua reparação ou
substituição.”
Ou seja, previa a possibilidade de o produtor ser demandado pelo consumidor, tendo este no
entanto um “entrave” quanto à escolha entre a reparação ou substituição do bem, na medida
em que cabia ao produtor a faculdade de escolher entre uma ou outra.
A redação atual (conferida pelo DL 84/2008) do artigo 6.º, n.º 1 prevê:
“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha
adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição,
salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem
teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução
alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor”.
O produtor, nos termos desta nova redação, é, portanto responsável perante o consumidor,
quando este adquire coisa defeituosa, por si produzida, podendo o consumidor optar por exigir a
reparação ou substituição do bem desconforme. E isto “sem prejuízo dos direitos que lhe
assistem perante o vendedor”.
Podemos tirar, desde já as primeiras conclusões. Face à originária redação do n.º 1 do artigo
6.º, o consumidor não tinha à disposição uma verdadeira alternatividade de direitos, uma vez
que o seu direito de escolha encontrava-se limitado (e quanto a nós de forma incompreensível).
Analisando comparativamente as duas redações, destacamos os seguintes aspetos:
- O consumidor, não dispunha de um “real” direito de escolha, quanto à alternatividade de
direitos, dado que cabia ao produtor a escolha entre a reparação ou substituição;
90 Relatório referido infra no ponto 5;
77
- No entanto o direito de escolha do consumidor, agora reforçado através da faculdade de
escolha entre a reparação ou substituição, “sofre” limitações: “salvo se tal se manifestar
impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de
conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada
sem grave inconveniente para o consumidor”;
No nosso entendimento, a consagração da responsabilidade direta do produtor é totalmente
fundamentada pela “ultrapassada” conceção tradicional (segundo a qual apenas o vendedor
“dava a cara” perante o consumidor) não condizer às atuais condições de produção e
comercialização dos bens de consumo, onde é o produtor, indiscutivelmente, quem pode
executar o melhor controlo sobre a qualidade dos produtos por si produzidos e, também, por ser
quem melhor pode exercer os trabalhos de reparação, ou prover pelas respetivas peças
sobressalentes.
Acresce, ainda, relativamente aos defeitos constantes em produtos pré-embalados não
deterioráveis, o argumento de que quanto a estes produtos a maioria das vezes o vendedor não
terá autorização para os abrir, tendo por essa razão, o defeito, origem no momento da sua
conceção.
E ainda o simples facto, de o vendedor em algumas ocasiões e por não dispor da técnica ou
conhecimento necessário para proceder à reparação do bem, enviar o mesmo para o produtor
para este o reparar.
Também não faria sentido ser, somente, o vendedor a suportar os custos decorrentes de
defeitos causados pelo produtor, sendo certo que nos dias de hoje a concorrência institui-se
fundamentalmente entre produtores e não entre vendedores, e seria excessivamente oneroso
para o vendedor responder, sozinho, por erros de produção do produtor.
No entanto, a consagração de uma responsabilidade direta do produtor por produtos por si
fabricados, não é novidade no nosso ordenamento jurídico, no sentido de tal responsabilidade já
ter sido prevista, quanto à segurança dos produtos, pelo DL n.º 383/89, de 6 de Novembro.
De facto e de forma muito acertada era referido no Livro verde91 sobre as garantias dos bens de
consumo e os serviços pós-venda: “é contraditório que o produtor seja responsável quando o
91 A Comissão, através do Segundo Plano de Ação Trienal sobre política dos consumidores, realizou um estudo acerca das garantias e serviços pós-venda, de 1993 a 1996, que consubstanciou-se no Livro Verde sobre as garantias e serviços pós- venda, em 15/11/1993, o qual tinha como objetivo a análise da situação nos diversos Estados Membros e a apresentação de algumas hipóteses de solução;
78
produto defeituoso provocar um prejuízo a pessoas ou (em certos casos) a outros bens e que
não tenha responsabilidade quando, muito simplesmente o produto não funcionar ou quando
um defeito de fabrico tiver provocado danos ao próprio produto”.
Foi no Livro Verde sugerido pela primeira vez, uma proposta de consagração da responsabilidade
direta do produtor.
O nosso legislador, seguindo o anteprojeto de Paulo Mota Pinto92, optou assim, e bem, por se
antecipar à solução da Diretiva, consagrando a responsabilidade direta do produtor (na primeira
redação do diploma de transposição de forma “limitada”, tendo suprido esse aspeto na mais
recente redação).
3- (IN) VIABILIDADE DE O CONSUMIDOR OBTER UMA INDEMNIZAÇÃO DO PRODUTOR
Deparamo-nos, agora, com a questão de apurar a eventual possibilidade de o produtor
indemnizar o consumidor pela desconformidade do bem de consumo, ou pelos custos que este
teve decorrentes da privação do seu uso.
Tendo em conta que a Diretiva permite ir mais além na proteção do consumidor, a indemnização
do produtor ao consumidor, pela desconformidade de um bem de consumo poderia ter sido
introduzida pelo legislador, como aliás já o foi relativamente, quanto à segurança dos produtos,
através do DL 383/89, de 6/11, alterado pelo DL 131/2001, de 24/04, transposto por força da
Diretiva n.º 85/374/CEE, de 25 de julho.
De facto, salvo melhor opinião, é incompreensível considerar-se o produtor responsável,
objetivamente, por danos noutros bens ou em terceiros em virtude de um bem defeituoso por si
produzido e colocado no mercado, e não o ser quando esse mesmo bem causa danos em si
próprio ou acarreta danos (por exemplo decorrentes da privação do seu uso) ao consumidor.
O DL 383/89, de 6/11, alterado pelo DL 131/2001, de 24/04, consagrou a responsabilidade
do produtor decorrente de produtos defeituosos, responsabilidade essa que é objetiva, nos
termos do artigo 1.º.
Nos termos deste diploma o produtor é responsável pelos “danos resultantes de morte ou lesão
pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente
92 PINTO, Paulo Mota, Anteprojeto de Diploma de Transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português, Exposição de Motivos e Articulado, Estudos de Direito do Consumidor, N.º 3 (2001), p. 165 e ss;
79
destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”
(artigo 8.º).
No entanto, apenas são ressarcidos os danos de valor superior a 500,00 euros (artigo 9.º).
Isto é, perante danos causadores de morte ou lesão corporal e danos em coisa diversa do
produto defeituoso, o consumidor poderá demandar o produtor a fim de obter uma
indemnização, se tais danos forem superiores a 500,00 euros.
Ou seja, pelos danos causados no próprio produto ou decorrentes da privação de uso desse
produto, o produtor não responde, perante o consumidor, a nível indemnizatório.
Pode ler-se no preâmbulo deste diploma: “No artigo 1.º consagra-se o princípio fundamental de
responsabilidade objectiva do produtor, desenvolvido nas normas sucessivas. É a solução
preconizada pela doutrina como a mais adequada à protecção do consumidor na produção
técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um
correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor”.
De facto, tal solução é a que melhor se adequa à forma como os produtos são fabricados hoje
em dia (em massa), não sendo incomum que numa linha de produção de 1000 produtos saiam
alguns com defeito.
Posto isto, pergunta-se, porque não alargar essa responsabilidade a todos os danos? Não seria a
melhor forma de proteger o consumidor e reforçar a sua confiança no mercado?
Entendemos que sim93, que deveria ser extensível ao produtor a obrigação de indemnizar o
consumidor pela desconformidade do bem. Defendemos que o legislador deveria ter em atenção
este aspeto e ter introduzido na alteração ao DL 67/2003 ou então proceder à unificação dos
regimes de segurança e conformidade dos produtos, por forma a reforçar e aumentar o nível de
proteção do consumidor, evitando até a coexistência de dois regimes (um quanto à segurança e
outro quanto à conformidade dos bens de consumo) que têm na sua génese o mesmo
pressuposto de aplicabilidade, um defeito no produto e a maior ou menor responsabilização do
produtor por esse facto, e que divergem no alcance dessa mesma responsabilidade, quanto a
nós de forma inexplicável.
93 Cfr neste sentido Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III – contratos em especial, cit. P. 164;
80
Ou então, pelo menos, ter assegurado o direito de exigir do produtor uma indeminização, na
eventualidade de o vendedor final apresentar-se à insolvência (algo infelizmente bastante comum
no nosso país) possibilitando assim ao consumidor ser indemnizado por este e prosseguindo
assim o espirito tanto da Diretiva como do Diploma, proporcionar um elevado nível de proteção
ao consumidor.
Pois de facto, caso o vendedor entre em insolvência e a desconformidade do bem de consumo
acarretar danos e custos para o consumidor, este não poderá exigir o seu ressarcimento ao
produtor.
O artigo 12.º, n.º 2 da LDC, limita a responsabilidade objetiva do produtor aos casos previstos na
lei e o DL 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo DL 131/2001, de 24 de Abril, o qual
somente prevê, no artigo 8.º, a responsabilidade do produtor em caso de morte ou lesão
corporal e por danos causados em coisa diferente do produto defeituoso, não abarcando assim
os danos causados no próprio produto defeituoso ou decorrentes da privação do seu uso.
Face a isto, o consumidor, se pretender exigir uma indemnização ao produtor, terá de o fazer
através do regime geral da responsabilidade extracontratual.
Ora, tendo em conta o objetivo da Diretiva 1999/44/CE (o elevado grau de proteção do
consumidor) entendemos ser inadequado deixar o consumidor “entregue” a uma ineficiente
responsabilidade extracontratual do produtor, na medida em que a grande maioria dos casos,
nada mais é do que uma ilusão, ponderando as dificuldades sérias de prova do preenchimento
dos pressupostos legais, como o ilícito, a culpa, o dano ou o nexo de causalidade, nos termos do
artigo 483.º do C.C94, o que inviabilizará a pretensão do consumidor, que só verá o seu prejuízo
aumentar com os custos de uma ação judicial (caso decida avançar com essa hipótese contra o
produtor) que, em princípio, estará condenada ao insucesso.
Pelo que, e em face do supra exposto, concluímos que a responsabilidade do produtor perante o
consumidor se cinge à reparação ou substituição do bem, não admitindo a indemnização pela
desconformidade do bem do consumo.
Ora se quanto ao direito à redução do preço ou à resolução do contrato, concordamos com a
sua não oponibilidade ao produtor, uma vez que estes direitos têm como destinatário o vendedor 94 José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Reimpressão da Ed. De Setembro de 2009, Almedina, 2011, p. 276, dá o exemplo do comprador que adquire um computador pessoal que explode durante o seu uso. Este dificilmente conseguirá responsabilizar o produtor, dado que para tal teria demonstrar qual o concreto defeito técnico do computador, que esse defeito foi causa adequada do acidente e dos danos sofridos e ainda que o produtor conhecia ou devia conhecer a existência desse defeito de forma a o mesmo ser-lhe imputável;
81
na sua qualidade de contraparte do contrato, não concordamos com a exclusão do direito de
indeminização contra o produtor, em regime de solidariedade com o vendedor.
Não concordamos com tal “obstáculo,” atentando o atual mercado caracterizado pela produção
em série de bens uniformes, pela distribuição comercial em cadeia e pela massificação do
consumo. O circuito económico é formado por um fracionamento cada vez mais complicado e
intensificado entre produção, distribuição e consumo.
De facto, quando um produto chega ao consumidor final, percorreu uma longa cadeia de
transmissão. José A. Engrácia Antunes dá o exemplo do “percurso” feito por um automóvel até
chegar ao consumidor final: “ o veiculo é criado, enquanto produto final ou acabado por uma
empresa dedicado ao fabrico de automóveis(…); tal empresa produtora viu-se forçada, para o
processo de fabrico e montagem, a recorrer aos produtos fabricados ou fornecidos por outras
empresas (…); uma vez pronto o automóvel, a empresa produtora raramente o venderá
diretamente ao cliente final, recorrendo então a uma cadeia mais ou menos longa de distribuição
comercial, que pode incluir uma ou mais grandes empresas de importação, as quais, por sua
vez, usualmente processam a comercialização dos veículos através de uma rede de
concessionários95 (…).”
Como podemos constatar o referido circuito económico devido à sua complexidade tornou o
tradicional modelo legal do cumprimento defeituoso desajustado face às características do atual
mercado.
Estas mudanças na forma de produção, distribuição e comercialização dos bens de consumo
justificaram a crescente substituição dos tradicionais meios de tutela jurídica, como o princípio
da relatividade dos contratos (artigo 406.º, n.º 2 do C.C), por regimes jurídicos especiais mais
capazes de responder às exigências atuais da sociedade de consumo, como a responsabilidade
objetiva ou pelo risco dos agentes económicos, nomeadamente do produtor.
Não obstante tratar-se de responsabilidade extracontratual do produtor, perfilhamos o
entendimento de José A. Engrácia Antunes96 no sentido de ser relevante a sua referência no
âmbito do cumprimento contratual defeituoso, tanto pela sua importância na economia da
contratação mercantil massificada, como pelo facto de ser um regime que pretende reconstituir
95 Vide José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, cit., p. 274 e ss; 96 Vide José A. Engrácia ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, cit., p. 278 e no mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes LEITÃO, Direito das Obrigações, volume III, contratos em especial, cit., p. 163;
82
juridicamente uma transação económica unitária, fragmentada numa cadeia de contratos
formalmente autónomos.
Aliás, como refere Calvão da Silva97: “ Responsabilizar diretamente o produtor é fazer deste a
contraparte jurídica do consumidor - a que se eximira pela cisão entre a produção e o comércio
– como que reconstituindo uma operação económica unitária, cujos verdadeiros e substanciais
pólos são o produtor e o consumidor, seccionados pela cadeia distributiva em vários estádios ou
relações sucessivas juridicamente autónomas.”
Pelo exposto, defendemos que o legislador deveria ter consagrado a hipótese de o consumidor
poder exigir do produtor uma indeminização pela desconformidade de um bem de consumo,
aproveitando para harmonizar os dois regimes da não conformidade e da falta de segurança dos
produtos num sistema unitário de tutela.
4- BENEFÍCIOS, PARA O CONSUMIDOR, DA CONSAGRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA
A generalidade da doutrina portuguesa é unânime nos benefícios que esta responsabilidade
direta confere ao consumidor.
As sociedades de consumo contemporâneas assentam em sistemas de produção e distribuição
em série, motivo pelo qual os consumidores criam uma relação de confiança mais com os
produtores, no sentido em que pretendem adquirir aquele determinado produto produzido por
aquele produtor em especial (seja pelo prestigio da marca ou a qualidade de produtos similares)
do que com os próprios vendedores (que muitas das vezes tornam-se somente o intermediário, a
“ponte” que liga a vontade do consumidor de adquirir aquele determinado produto fabricado por
certo produtor à concretização dessa compra), o que torna a opção de compra do consumidor
essencialmente “manipulada” pelas “marcas” dos produtos, pela forma como o produtor os
publicita no mercado. Como já supra referido a maioria das vezes, particularmente quando o
defeito é originário do processo de fabrico, o vendedor nem sequer desembala o produto que
recebe e posteriormente vende, ou seja, nem contacto direto com o estado em que este se
encontra tem, considerando-se assim, incompatível que o vendedor, o qual não teve qualquer
ação no processo de fabrico, seja o exclusivo responsável a quem o consumidor pode exigir a
97João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., pág. 93;
83
conformidade do bem, evidenciando-nos ser adequado que seja concedida ao consumidor a
oportunidade de demandar o individuo realmente responsável pela desconformidade.
Poderá invocar-se o argumento de que futuramente o vendedor terá a possibilidade de se dirigir,
através do exercício do direito de regresso, ao vendedor anterior ou produtor. Contudo, julgamos
este argumento não ser admissível, uma vez que em muitas situações este direito não poderá
ser exercido com sucesso, especialmente nos casos em que entre os profissionais exista uma
cláusula mais rígida de limitação ou exclusão de responsabilidade, e bem ainda, naqueles casos
em que o vendedor final demanda o vendedor antecedente na cadeia e este está insolvente.
A ação direta promove o princípio da economia processual, dado que o vendedor final
demandado poderá chamar a juízo os elementos anteriores da cadeia de distribuição, através da
figura da intervenção principal provocada, verificado o litisconsórcio voluntário (artigo 517.º do
C.C, artigo 32.º, n.º 2 do C.P.C), com o benefício da referida economia processual do
chamamento, possibilitar a condenação na satisfação do direito de regresso que eventualmente
lhe assista (conforme artigo 8.º, n.º 1 do DL 67/2003 e artigo 317.º, n.º 2 do C.P.C).
Acresce, ainda, que a responsabilidade direta do produtor, criador do bem, amplia a hipótese de
o consumidor ver o bem desconforme reparado ou substituído, uma vez que é quem pode e
sabe realizar a reparação ou substituição no menor espaço de tempo possível e dado os
recursos económicos do produtor serem, habitualmente, mais elevados do que os de um mero
vendedor. Também, por outro lado, assim se fomenta, o estímulo ao produtor de investir no
aperfeiçoamento da qualidade dos produtos, a fim de precaver prejuízos ulteriores mais
elevados.
Quanto às compras transfronteiriças dos consumidores, a responsabilidade direta permitir-lhes-á
usufruir de uma “segurança” ao nível destes negócios, uma vez que é mais simples o
consumidor demandar um produtor sediado no seu país do que “ir atrás” do vendedor sediado
no estrangeiro.
Nas vendas transfronteiriças, Carlos Ferreira Almeida98 suscita algumas dúvidas.
Na opinião deste autor, a invocabilidade perante fabricantes sediados no estrangeiro sem
representante em Portugal não se revela clara, quanto à determinação do âmbito de aplicação
territorial de uma norma portuguesa.
98Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., p. 186 e ss;
84
Acrescenta, ainda e, na hipótese de o direito ser invocável e processualmente exequível, o
problema em enfrentar possíveis reações por parte de sujeitos que não estão habituados a lidar
com regimes tão exigentes de responsabilidade do produtor pela conformidade de bens de
consumo.
5 -A NÃO INCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DIRETA NO TEXTO DA DIRETIVA
O legislador português, como já referido, foi mais além na proteção do consumidor do que a
Diretiva, no que toca à responsabilização do produtor de bem defeituoso.
Contudo, no Livro Verde sobre as garantias dos bens de consumo e os serviços pós-venda,
recomendava-se a introdução de uma responsabilidade conjunta e “quase subsidiária” do
fabricante pelos defeitos da coisa (no sentido em que o comprador poderia demandar o
produtor, caso a ação contra o vendedor fosse impossível ou excessivamente onerosa). Todavia,
tal responsabilização seria diversa da do vendedor, quanto à apreciação do defeito por um lado,
uma vez que apenas poderia ser oponível ao fabricante os elementos que fossem da sua
responsabilidade (o que excluiria as declarações do vendedor sobre as qualidades do bem e o
teor do contrato) e por outro quanto aos direitos do comprador que se resumiriam, pelo menos
num primeiro momento, à reparação ou substituição da coisa (sendo no entanto possível ao
consumidor exigir do produtor o preço pago ou a redução do valor do bem, caso a reparação ou
substituição não fosse possível).99
No entanto, a introdução da responsabilidade direta do produtor não foi pacífica nas instâncias
legislativas comunitárias, não tendo sido essa a solução aceite na proposta de diretiva e falhando
a tentativa do Parlamento Europeu de a incluir em primeira leitura.100
Ficou consagrado que o produtor apenas será responsável diretamente face ao comprador, se
existir uma garantia vinculativa do produtor, nos termos do artigo 6.º. A Diretiva optou, assim por
respeitar o princípio “vertical privity” do contrato de compra e venda.
99 Idêntica solução, embora no âmbito de uma responsabilidade solidária, incluindo o representante do produtor, era aceite no anteprojeto da diretiva; 100 Alteração 25 proposta pelo Parlamento Europeu (constante do JOCE C104, de 6 de Abril de 1998, p. 35), que não foi aceite na proposta modificada nem na posição comum, não tendo sido reformulada em 2.ª leitura;
85
Não obstante, e quiçá fruto da “má consciência” resultante da recusa da proposta do
Parlamento, a Diretiva deixou essa possibilidade em aberto ao prever no Considerando 23 : “que
atendendo a esta evolução e à experiência adquirida com a aplicação da presente diretiva,
poderá ser necessário considerar um grau mais elevado de harmonização e prever,
nomeadamente, a responsabilidade direta do produtor pelos defeitos de que é responsável.”
Bem como, e comprovando a importância da introdução desta responsabilidade para prosseguir
os objetivos e espirito da Diretiva, previu no seu artigo 12.º: “O mais tardar até 7 de Julho de
2006, a Comissão examinará a aplicação da presente diretiva e apresentará um relatório ao
Parlamento Europeu e ao Conselho. O relatório abordará, designadamente, a questão da
eventual introdução da responsabilidade direta do produtor e, se necessário, será acompanhado
de propostas.”
Este relatório101 foi elaborado através do resultado de questionários enviados pela Comissão aos
Estados- Membros, com o propósito de obter dados sobre as respetivas leis quanto a este tema.
Através destes questionários, a Comissão procurou obter os pareceres dos Estados- Membros
sobre o impacto que a responsabilidade direta do produtor (RDP) pode ter no nível de defesa do
consumidor e no mercado interno.
A este questionário responderam 17 Estados Membros. Bélgica, Finlândia, Letónia, Espanha,
Suécia e o nosso país introduziram várias formas de RDP. De acordo com o relatório, na
Finlândia e na Suécia o consumidor poderá dirigir-se a qualquer elemento da cadeia de
distribuição, na Letónia e em Espanha apenas poderá apresentar a sua reclamação ao produtor
ou ao importador e quanto a Portugal o produtor e os seus representantes são as entidades a
contactar.
Quanto aos direitos que o consumidor tem ao seu dispor face ao produtor, na Finlândia, Letónia
e Suécia, o consumidor poderá solicitar qualquer uma das soluções consagradas na diretiva.
Pelo contrário em Portugal e Espanha, as únicas soluções previstas são a reparação e a
substituição.
Relativamente à opinião manifestada pelos Estados Membros sobre o impacto da RDP no nível
de defesa do consumidor e no mercado interno, esta é divergente. A grande maioria dos Estados
Membros julgam que a RDP melhora, potencialmente o nível de defesa do consumidor, dado
101 Comissão das Comunidades Europeias, COM (2007) 210 final, Bruxelas, 24 de Abril de 2007.
86
que possibilita ao consumidor obter reparação nos casos em que o vendedor não o consiga, ou
não o queira fazer, consistindo assim numa importante segurança para o consumidor. Alguns
Estados Membros julgam, também, que o produtor está melhor colocado, do que o vendedor,
para repor a conformidade do bem.
Por outro lado, uma minoria dos Estados Membros considerou que a RDP não melhora a defesa
do consumidor, pois causa dúvidas quanto à lei aplicável e adia a resolução das queixas dos
consumidores.
Um número considerável de Estados Membros consideram que a RDP constituiria um encargo
significativo para as empresas, visto que os produtores teriam de desenvolver mecanismos para
o tratamento das queixas e antecipar disposições financeiras para a sujeição a esta
responsabilidade.
Todavia, os Estados-Membros que já introduziram a RDP discordam desta posição, indicando
que o artigo 4.º da diretiva já institui a RDP, bem como consideram que as situações em que a
RDP é colocada em prática são tão raros que não chegam a constituir um encargo para as
empresas.
A Comissão conclui não poder retirar, nesta fase, quaisquer conclusões definitivas, pelo facto de
não dispor de dados suficientes para determinar se a falta de regras comunitárias em matéria de
responsabilidade direta do produtor teria um efeito negativo na confiança do consumidor no
mercado interno. Pelo que optou por não apresentar qualquer proposta e aprofundar esta
matéria no âmbito do Livro Verde.
Tendo o legislador dado uso à prerrogativa constante no artigo 8.º da Diretiva e o facto de esta
ser uma Diretiva de transposição mínima, incluiu no diploma de transposição a responsabilidade
direta do produtor, permitindo ao consumidor “lançar mão” da ação direta, aumentando, assim,
o seu grau de proteção (que se assim não fosse, por exemplo, em caso de insolvência do
vendedor, ficaria totalmente desprotegido, no que aos seus legítimos interesses e direito de
adquirir um bem conforme ao contrato diz respeito).
Pelo que, no nosso entendimento, andou bem o legislador português ao consagrar, desde logo
na primitiva redação do DL 67/2003 e ainda que de forma condicionada, a responsabilidade
direta do produtor, porque só desta forma é possível garantir um elevado grau de proteção ao
87
consumidor, até pela época de crise económica mundial, em que cada dia se apresentam à
insolvência dezenas de empresas.
Aplaudimos a audácia do legislador ao introduzir a responsabilidade direta do produtor perante o
consumidor, quanto à reparação ou substituição do bem desconforme, indo mais longe que a
Diretiva.
6 - AÇÃO DIRETA
Permite-se, assim, ao consumidor “ação direta” contra o produtor ou contra o seu
representante102, sendo que quanto ao primeiro tal permissão vem consagrada diretamente no
n.º 1 do art. 6.º, e quanto ao segundo, tal resulta da responsabilidade solidária, prevista no n.º 3
do mesmo artigo.
O regime da responsabilidade solidária passiva, previsto nos arts. 512.º a 527.º do C.C, permite
ao consumidor exigir a qualquer um deles a totalidade da prestação, pelo que não é permitido ao
demandado “defender-se” através do beneficio da divisão.
A ação direta é usual na vida jurídica francesa, consistindo em acolher a transmissão da
garantia, por vícios provenientes desse contrato, aos consecutivos adquirentes de um bem
desconforme, de forma a permitir ao derradeiro adquirente escolher intentar a ação de garantia
contra os sujeitos, individual ou solidariamente, que integram a cadeia de comercialização e
portanto venderam o bem, quando o vicio ou defeito já existia. 103
Existindo o defeito no momento da entrada do bem em circulação, pode o
consumidor/comprador final intentar ação contra o produtor- vendedor final, não excluindo tal
ação uma possível ação contratual do lesado contra o vendedor a quem adquiriu o bem
desconforme.
A jurisprudência francesa delimitou, ao início, o alcance da ação direta à indeminização,
excluindo a possibilidade de resolução da venda, o que motivava a instauração, pelo adquirente,
de duas ações. A ação direta de indemnização contra o produtor e a ação de resolução contra o
102 Definições constantes nas alíneas d) e e), respetivamente, do art. 1.º -B, já referidas supra no ponto 6.5; 103 Cfr. João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., ponto 59, p. 316 e ss;
88
vendedor, sempre que os requisitos104 da action oblique ou action indirecte105 não estejam
reunidos.
No entanto, as criticas produzidas pela doutrina francesa, nomeadamente ao aresto da
Cassation de 27 de Fevereiro de 1973, conduziram esta mesma Cassation a sentenciar, em 17
de Maio de 1982, que a transmissão da garantia, nas vendas consecutivas, se alargava à action
rédhibitoire , na íntegra, abrangendo assim a resolução.
Após esta decisão, a ação de garantia transfere-se na totalidade ao sub- adquirente , que não
possa recorrer à ação aquiliana.
Esta ação direta constitui assim uma “desfiguração “ do princípio da relatividade dos contratos
106, ao permitir, ao consumidor, intentar uma ação de natureza contratual, contra o produtor, com
quem não celebrou qualquer contrato.
Tal “metamorfose “, foi objeto de divergência doutrinal107, muito por força de não se encontrar
prevista na lei.
Todavia, a ação direta surge, agora, introduzida nesta redação do artigo 6.º, tendo sido uma
opção livre do legislador português, dado que no texto da Proposta, da Proposta Alterada e da
Posição Comum a Diretiva 1999/44/CE não prevê a ação direta.
Esta introdução não foi, portanto, pacifica nas instâncias legislativas comunitárias, tendo sido
deixada, no entanto, “ a porta aberta” a tal possibilidade, nomeadamente através do seu
considerando n.º 23108.
Opção que merece o nosso total apoio e concordância109.
O conceito tradicional de que somente o vendedor será responsável perante o consumidor, já
não corresponde às atuais condições do mercado, nomeadamente de produção e
comercialização de bens, dado que vendedor e produtor, na grande maioria das situações não
são a mesma pessoa. E é por demais evidente, que ninguém melhor que o produtor para
executar um rigoroso e eficaz controlo sobre a qualidade dos seus produtos.
104 Cfr. Art. 1166.º do Código Civil Francês – “Néanmoins, les créanciers peuvent exercer tous les droits et actions de leur débiteur, à l'exception de ceux qui sont exclusivement attachés à la personne.” 105 A action oblique, consiste no exercício pelo credor dos direitos e ações do devedor, nos casos em que este não o faz em detrimento daquele; 106 Presente no art. 406.º, n.º2 do C.C português e no artigo 1165.º do C.C Francês; 107 Para maiores esclarecimentos, cfr João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., p. 319 e ss; 108 Já referido supra no ponto 5; 109 Pelos motivos expostos no ponto supra no ponto 4;
89
A isto acresce o facto de ser a pessoa mais qualificada para proceder à reparação ou para
facultar peças sobressalentes. Também importa não esquecer, que na maior parte dos casos, o
vendedor remeteria para o produtor / fabricante o bem defeituoso, por forma a ser reparado por
este. Desta forma, “saltando” um elo nesta cadeia de comercialização (o vendedor), consegue-se
poupar tempo e consequentemente dinheiro, pelo que é uma solução significativamente benéfica
para todas as partes envolvidas, simplificando a tarefa do consumidor, proporcionando-lhe um
grau de proteção mais elevado (sendo este o objetivo e espirito da Diretiva).
O alargamento da responsabilidade ao produtor aumenta as possibilidades de o consumidor
lesado, conseguir obter a reparação do prejuízo que o defeito lhe causa, nas situações em que
os meios financeiros do vendedor são insuficientes.
De facto, os produtores, ao oferecerem garantias comerciais aos consumidores, tornavam-se,
desde logo, responsáveis perante estes.
Esta solução já tinha sido refletida no Livro Verde sobre as Garantias dos Bens de Consumo e os
Serviços pós- venda110 : “ é contraditório que o produtor seja responsável quando o produto
defeituoso provocar um prejuízo a pessoas ou (em certos) casos, a outros bens e que não tenha
responsabilidade quando, muito simplesmente, o produto não funcionar ou quando um defeito
de fabrico tiver provocado danos ao próprio produto.”
No entanto, o legislador português não foi, desde início, tão “ousado”, na medida em que a
primitiva redação deste artigo 6.º não previa a responsabilidade direta do produtor111:
“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha
adquirido coisa defeituosa optar por exigir do produtor, à escolha deste112, a sua reparação ou
substituição.”
Como constatamos a nova redação introduz uma (significativa) alteração. De facto, apesar de a
epígrafe ter-se mantido inalterada, na nossa opinião, só com esta nova redação se pode falar,
plenamente, de responsabilidade direta do produtor, pois antes era permitido ao consumidor
demandar o produtor, mas com a (relevante) condicionante de aquele estar sujeito ao arbítrio
110 “O Livro Verde estuda os problemas enfrentados pelos consumidores no que diz respeito às garantias legais e comerciais e serviços pós-venda ao fazer compras transfronteiriças de bens.” E tem como objetivo:” … garantir condições equitativas para as aquisições transfronteiras por parte dos consumidores, desencadeando um debate sobre as garantias dos bens de consumo e serviços pós-venda”. 111 Vide supra ponto 2; 112 Sublinhado nosso.
90
deste nos mecanismos a adotar. (“(..) optar por exigir do produtor, à escolha deste, a sua
reparação ou substituição.”).
Ora era facultado ao consumidor uma ilusória alternatividade de direitos, perante o produtor, no
sentido em que aquele ficaria sujeito “à vontade” deste, na medida em que, salvo melhor
opinião, tal faculdade condicionada não se trata de uma verdadeira faculdade, pois era ao
produtor que era concedida a escolha do mecanismo a adotar, e não ao consumidor que era o
“lesado” nas expectativas criadas aquando da compra do bem de consumo e quem ficava
privado do uso pleno e de forma satisfatória do bem adquirido. Daquela forma, para além de ter
adquirido um produto defeituoso ou com alguns vícios, ainda tinha de se sujeitar ao mecanismo
escolhido pelo produtor para corrigir esses vícios ou defeitos (reparação ou substituição). Tal
solução adotada, à data, parece-nos por isso que não cumpre integralmente e de forma
satisfatória um dos princípios principais e basilares da Diretiva, a proteção máxima do
consumidor.
Desapareceu, assim, e bem a livre escolha do demandado, livre escolha essa que deve
pertencer ao consumidor, sujeito lesado pela desconformidade, e não ao originador dessa
desconformidade.
6.1 -ÂMBITO SUBJETIVO DA AÇÃO DIRETA
A ação direta é concedida ao consumidor/comprador final, nos casos em que o defeito subsistia
à data da entrada do produto em circulação, mas apenas contra o produtor- vendedor inicial.
Isto sem prejuízo de demandar o vendedor direto, isto é, pela redação da norma (sem prejuízo
dos direitos que lhe assistem perante o vendedor.”), parece-nos claro que uma eventual action
directe contra o produtor, não elimina uma ação contratual do consumidor contra o sujeito que
lhe vendeu, diretamente, o produto defeituoso.
Em qualquer uma das referidas ações, são as mesmas as condições e os prazos da
responsabilidade, quer do vendedor quer do produtor, podendo este invocar ainda o prazo
preclusivo previsto na al. E) do n.º2 do art. 6.º.113
No entanto, se estivermos perante uma venda efetuada, no âmbito de uma cadeia de
distribuição, e a desconformidade do bem tiver origem num segmento dessa cadeia, por
113 João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 128;
91
exemplo no vendedor inicial, o consumidor final já não poderá demandar, através da ação direta,
o produtor.114
6.2 – ÂMBITO OBJETIVO DA AÇÃO DIRETA
A ação direta115 circunscreve-se à reparação ou substituição da coisa defeituosa, o consumidor só
poderá propor, contra o produtor ou seu representante, ação destinada a exigir a reparação ou
substituição do bem desconforme.
A nova redação do artigo 6.º introduziu, ainda, outra novidade, a impossibilidade de, o
consumidor, lançar mão da ação direta sempre que : “.. tal se manifestar impossível ou
desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de
conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada
sem grave inconveniente para o consumidor.”
Quanto aos direitos à redução do preço ou à resolução do contrato, estes não se incluem no
âmbito da ação direta, compreensivamente dado que o preço a restituir foi pago pelo
consumidor ao seu vendedor direto e não ao produtor.
Pese embora, o produtor ser também o vendedor inicial (na cadeia de distribuição), recebendo
um preço como retribuição, pelo que numa possível ação de resolução que o consumidor
intentasse contra o produtor, este não teria de restituir, como efeito da retroatividade da
resolução, mais do que o preço por si recebido116 . Assim sendo, uma vez que a retribuição pela
entrega da coisa ao vendedor inicial (e produtor) seria a devolução do preço que este recebeu e
não o pago pelo consumidor ao seu vendedor direto, a ação direta de resolução contra o
produtor perdia o seu efeito útil, exceto nos casos em que o vendedor final ficou insolvente.
Atenta esta eventualidade (insolvência do vendedor final), questionamos se não seria do
interesse do consumidor uma mais ampla ação direta, que permitisse o direito à resolução do
contrato ou redução do preço ou, pelo menos, que fosse criado um regime excecional para estes
casos, por forma a assegurar plenamente a proteção do consumidor?
Parece-nos que sim, que o legislador poderia ter previsto esta situação e ido mais além do que o
que foi. No entanto, e uma vez que na primitiva redação do art. 6.º, a ação direta encontrava-se 114 Esta impossibilidade poderá criar ações em cascata, isto é, o consumidor age contra o vendedor imediato, que por sua vez irá agir, por força do direito de regresso, contra o vendedor precedente e assim sucessivamente. 115 Pelo contrário, em França a ação direta abarca a action rédhibitoire – cfr. vide supra ponto 6; 116 João Calvão da SILVA, Venda de bens de consumo, cit., p. 131;
92
limitada pela livre escolha, entre a reparação e a substituição, por parte do produtor,
esperaremos por uma eventual revisão deste diploma legal, onde o legislador possa então
“aprimorar” este mecanismo da ação direta, alcançando os fins da Diretiva, o elevado grau de
proteção do consumidor.
Note-se, ainda, que no nosso ordenamento jurídico a ação direta contra um produtor não é
novidade. É o caso do art. 1255.º do C.C, o qual acolheu a ação direta dos sucessivos
adquirentes de imóvel contra o empreiteiro: “(..) o empreiteiro é responsável pelo prejuízo
causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”
Refira-se, ainda, que é o produtor que se encontra na origem do defeito razão pela qual não deve
ficar, exclusivamente, a cargo do vendedor final a responsabilidade de “dar a cara” por esses
defeitos.
7 - OPONIBILIDADE DO PRODUTOR AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Muito embora o objetivo da Diretiva seja a proteção do consumidor, nem sempre este pode
lançar mão dos direitos conferidos pela mesma.
Situações há, em que o produtor pode mesmo opor-se à reparação ou substituição de um bem
de consumo defeituoso.117
Tais situações são verdadeiramente factos impeditivos do direito invocado pelo consumidor,
exceções perentórias, cuja demonstração conduzirá à absolvição total do pedido, nos termos dos
arts. 342.º, n.º 2 do C.C e 576.º, n.º 3 do C.P.C.
Essas exceções encontram-se previstas no n.º 2 do art. 6.º. São elas:
“a) Resultar o defeito exclusivamente de declarações do vendedor sobre a coisa e sua utilização,
ou de má utilização;
b) Não ter colocado a coisa em circulação;
117 Os defeitos de um bem de consumo dividem-se em – defeito de conceção ou design, defeito de fabrico, defeito de informação ou instrução, defeito ou risco do desenvolvimento (para estas definições de defeitos vide João Calvão da SILVA, Responsabilidade civil do produtor, cit., p. 655 e ss);
93
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento
em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com
fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional;
e) Terem decorrido mais de 10 anos sobre a colocação da coisa em circulação.”
Requisito da ação direta é o produtor colocar em circulação produto por si fabricado, pelo que
nada mais natural, o produtor poder invocar e demonstrar que o defeito não é de origem, logo
não sendo responsável pelo mesmo.
Pelo que, as alíneas a) e c) consagram uma presunção legal de imputabilidade, ao produtor, da
desconformidade provada pelo consumidor. No entanto tal presunção legal, pode ser ilidida por
qualquer uma das alíneas supra transcritas.
Na verdade, se o produtor demonstrar a ausência do defeito no momento em que colocou o bem
em circulação, a razoabilidade e probabilidade da inexistência da falta de conformidade no
momento em que o bem foi posto em circulação, atendendo às circunstâncias, demonstrar que
a desconformidade resultou de má utilização de terceiro ou do próprio consumidor lesado, ou de
declarações (erróneas) do vendedor acerca do bem e da forma de o utilizar, está a iludir a
referida presunção de imputabilidade do defeito.
7.1 – O PRODUTOR DE PARTE COMPONENTE DO PRODUTO
Imaginemos um produtor de moldes, a quem foi solicitado por um grande fabricante de
automóveis, por exemplo, um molde para uma determinada peça de um automóvel por si
fabricado. Continuemos a imaginar, que um certo automóvel produzido por esse grande
fabricante revela-se desconforme. Poderá o consumidor demandar o produtor do molde?
Não poderá, se o produtor do molde demonstrar que a desconformidade não resulta do seu
molde, da parte componente do produto final por si produzida.
Ou então se demonstrar que o defeito dessa parte componente se deve exclusivamente à
conceção do produto final, no qual foi integrada. Isto corresponde a demonstrar que essa peça
quando foi colocada em circulação (entregue ao produtor final, o grande fabricante de
94
automóveis referido a titulo de exemplo) não era defeituosa. Apenas se considerou defeituosa
quando integrada no produto final, e por esse facto.
7.2 – DESCONFORMIDADE POR FORÇA DE NORMAS IMPERATIVAS
O produtor poderá escusar-se à responsabilidade do defeito, se este se dever a normas
imperativas, apesar de tal exclusão não ser expressamente referida no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º
67/2003, na redação do DL n.º 84/2008.
Isto é, a desconformidade resulta do conteúdo imperativo da norma, que determinou ao produtor
um “modo de fabrico” que conduziu a essa desconformidade. O mesmo será dizer que o
produtor ao fabricar aquele produto, segundo aquelas normas estava de “mãos e pés atados”,
sem poder faze-lo de outra forma.
Se substituísse esse produto, seria por outro igualmente desconforme, dado o caracter
imperativo dessas normas de segurança, por exemplo.
7.3 – A NÃO COLOCAÇÃO DO BEM EM CIRCULAÇÃO (AL. B))
Nesta alínea b), deparamo-nos com outra presunção legal contra o produtor, a de que colocou
voluntaria e conscientemente o bem em circulação. E a forma que ele tem de ilidir tal presunção
é demonstrar que a entrada do bem em circulação se deveu a furto ou roubo, por exemplo.
Demonstrar, portanto, que não “lançou” no mercado, de livre e espontânea vontade esse
produto.
Sendo um dos pressupostos da responsabilidade do produtor a colocação consciente do produto
no mercado, faz todo o sentido o produtor não o tendo feito poder ilidir essa presunção,
demonstrando-o.
7.4 – PRODUÇÃO SEM FIM LUCRATIVO OU FORA DO ÂMBITO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL (AL. D))
Sendo o objeto da Diretiva e do Decreto – Lei a venda de bens de consumo celebrada entre um
vendedor profissional (um empresário) e um consumidor, ou seja no desempenho de uma
atividade profissional e lucrativa, tem toda a lógica que nos casos em que, cumulativamente, o
produto defeituoso não foi concebido para venda ou qualquer outro fim lucrativo, nem tão pouco
95
foi fabricado e distribuído no panorama da sua atividade profissional, o produtor não possa ser
responsabilizado.
7.5 – A CADUCIDADE ( AL.E) )
A última forma de desresponsabilização do produtor é o facto de terem decorrido dez anos
desde que colocou o bem em circulação, isto não obstante a sua responsabilidade expirar se o
consumidor não respeitar os prazos de denúncia aplicáveis ao vendedor final.
Neste caso, temos um prazo igual ao previsto no art. 12.º do, já mencionado, DL n.º 383/89.
8 - DIREITO COMPARADO
ORDENAMENTO JURÍDICO ESPANHOL
8.1 - INTRODUÇÃO - LEY N.º23/2003, DE 10 DE JULIO, REVOGADA PELO REAL DECRETO
LEGISLATIVO N.º1/2007, DE 16 DE NOVIEMBRE
A Diretiva 1999/44/CE foi transposta para o ordenamento jurídico espanhol através da Ley
23/2003, de 10 de julio118, de garantías en la venta de bienes de consumo (LGVBC)119. A
introdução desta diretiva no direito espanhol suscitou grandes expectativas, devido não só à
importância da matéria regulada nessa diretiva, mas também e principalmente dada a
inadequada e fragmentada legislação existente, sobre esta matéria, até então ( artigo 11 de la
Ley 26/1984, de 19 de julio, general para la defensa de los consumidores y usuarios – LGDCU-
e el artigo 1 de la Ley 47/2002, de 19 de diciembre, de reforma de la Ley 7/1996, de 15 de
enero, de Ordenación del Comercio Minorista, para la transposición al ordenamento jurídico
español de la diretiva 97/7/CE, em materia de contratos a distancia, y para la adaptación de la
Ley a diversas Directivas comunitarias). 120
118 Entretanto revogada pelo Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro. No entanto, e dado que este foi o diploma originário de transposição iremos analisa-lo, por ser o que demonstra as opções e “caminhos” seguidos pelo legislador espanhol aquando da transposição. Não obstante iremos analisar o RDL infra, no ponto 8.8; 119 Publicada em 11 de julho de 2003 no Boletin Oficial del Estado, tendo entrado em vigor nos termos da oitava disposição final, dois meses após a sua publicação; 120 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantias en la Venta de Bienes de Consumo, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004;
96
As hipóteses de transposição, ao dispor do legislador espanhol, eram diversas. Desde proceder à
reforma da LGDCU, coordenando a sua regulação com o disposto na LOCM, à inclusão no
Código Civil espanhol das normas constantes da Diretiva (solução adotada pelo legislador
alemão, conforme adiante será mencionado).
Contudo, a opção tomada foi pela promulgação da referida Ley de 23/2003, de 10 de Julio, a
qual foi, segundo a doutrina espanhola, classificada como dececionante.121
Dececionante, devido às contradições presentes em muitas das suas normas e ao facto de,
aquando da transposição, o legislador espanhol não ter tido em conta as já existentes normas.
Segundo Cristina Degeneffe122, a Diretiva tem “o propósito de incidir especialmente nas
regulações dos diversos ordenamentos europeus relativos à venda, ou seja, sobre os Códigos
Civis, onde tradicionalmente se regula a matéria de compra e venda”. Pelo que, o legislador
espanhol deveria ter optado por levar a cabo uma reforma profunda no Código civil espanhol,
acompanhando a tendência atual. Acrescenta, ainda, esta autora que o verdadeiro objetivo que a
Diretiva persegue consiste em tocar e afetar determinados aspetos do regime de compra e
venda nos variados Códigos Civis europeus, por forma a ser possível alcançar o tão desejado
Código Civil Europeu.
Acresce, ainda, o facto de na disposição final 4ª de la LGVBC se ter habilitado o Governo, no
prazo de três anos, a compilar num único diploma a LGDCU e as normas de transposição das
diretivas comunitárias sobre a proteção dos consumidores.
8.2 - ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Nos termos do artigo 1 da Lei n º23/2003, de 10 de julio, esta aplicava-se à venda de bens de
consumo, definindo-os como “ los bienes muebles corporales destinados al consumo privado”.
Javier Lete Achirica123 não entende a razão de ser desta vinculação finalista, não constante da
Diretiva, e que só causaria dúvidas quanto ao tipo de bens que constituem o objeto do contrato.
121 Cfr. Javier Lete ACHRICA, La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo 122 Cristina Fuenteseca DEGENEFFE, “La Venta de Bienes de Consumo y su Incidencia sobre la Legislación Española (Ley 23/2003, de 10 de julio)”, La Ley, Febrero 2007, Madrid, p.50; 123 Javier Lete ACHIRICA, “La Transposición de la Directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo” ”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago de Compostela sobre Garantias en la Venta de Bienes de Consumo, Universidad de Santiago Compostela Publicacións, enero 2004 p. 197;
97
Para este autor, o que torna um bem móvel num bem de consumo não é a sua qualidade
intrínseca, mas sim a sua aptidão para ser adquirido por um consumidor.
Pelo que, o legislador espanhol, tal como o comunitário e ao contrário do legislador português,
limitou o âmbito de aplicação da diretiva a bens móveis corpóreos.
Excluiu, ainda, certas categorias de bens móveis. Nos termos do artigo 2, parágrafo 1 da Lei n.º
23/2003, os bens adquiridos mediante venda judicial, a água e o gás, quando não forem
colocados à venda em volume ou quantidades determinadas e a eletricidade não se incluem no
âmbito deste diploma. Isto é, o legislador espanhol acolheu as três exclusões previstas na
Diretiva.
Os bens móveis em segunda mão são, igualmente, abrangidos por esta lei, tendo no entanto
algumas particularidades. Assim, a Lei não se aplica quando estes bens são adquiridos em leilão
e os consumidores tiveram oportunidade de assistir pessoalmente, nos termos do artigo 2,
parágrafo 1, parte final (opção conferida pelo artigo 1, n.º3 da Diretiva). Acresce que, existindo
falta de conformidade o consumidor não poderá exigir a substituição do bem, e o prazo mínimo
de garantia de dois anos pode ser reduzido, por acordo das partes, para um prazo nunca inferior
a um ano (artigo 9, parágrafo 1).
Por fim, são igualmente incluídos no âmbito de aplicação da Lei, os contratos de fornecimento
de bens de consumo a serem produzidos ou fabricados (artigo 2.º, parágrafo 2).
8.3 -SUJEITOS
Os sujeitos alvo da Ley 23/2003, de 10 de julio, são o vendedor e comprador, sendo que, para
estarem sob a alçada deste diploma o vendedor terá de ser um empresário e o comprador um
consumidor. Nos termos do artigo 1.º, parágrafo 2, vendedor será a pessoa física ou jurídica
que, no âmbito da sua atividade profissional venda bens de consumo.
Neste diploma de transposição o legislador não consagrou a definição de consumidor (tendo-o
feito posteriormente no diploma que o revogou) remetendo tal definição para a constante da Ley
n.º 26/1984, de 19 de julio (Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utentes), segundo a qual
consumidores são todas as pessoas físicas ou jurídicas que adquiram bens de consumo como
destinatários finais dos mesmos, ou seja, sem intenção de integra-los em processos de
98
produção, transformação ou revendê-los a terceiros( artigo 1, parágrafo 2 e 3 da Ley n.º
26/1984, de 19 de julio).
Segundo esta definição, a lei também protege o individuo que, embora não tenha sido o
comprador, é o destinatário final do bem (por exemplo, o terceiro, a quem é oferecido o bem
adquirido ao vendedor).
8.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO
O artigo 1.º, parágrafo 1 da Ley n.º 23/2003, de 10 de julio consagra o principio da
conformidade, segundo o qual: “el vendedor está obligado a entregar al consumidor un bien que
sea conforme com el contrato de compraventa en los términos establecidos en esta ley”.
Esta noção de princípio de conformidade do bem com o contrato superou largamente o regime
jurídico constante do código civil espanhol quanto ao regime dos vícios ocultos, permitindo
englobar todo um conjunto de problemas relativos ao exato cumprimento do contrato de compra
e venda. Pelo que este princípio de conformidade com o contrato engloba as noções de defeito,
vicio ou falta de qualidade da coisa vendida. A lei em análise apenas prevê o incumprimento do
contrato, deixando para o regime geral os problemas relativos à falta de entrega da coisa.124
Trata-se de uma noção que não é nova no ordenamento jurídico espanhol (tendo sido
incorporada em Espanha em 1991), uma vez que se baseia no artigo 35.º da Convenção de
Viena, Convenção esta ratificada, entre outros países, por Espanha.
O artigo 3.º da Ley n.º 23/2003, de 10 de julio, consagra uma presunção de conformidade:
“salvo prueba en contrario,se entenderá que los bienes son conformes con el contrato siempre
que cumplan todos los requisitos que se expresan a continuación, salvo que por las
circunstancias del caso alguno de ellos no resulte aplicable”.
Tais requisitos constam das alíneas A) a D) do referido artigo 3.º.
Desta forma, segundo a alínea A), o bem será conforme ao contrato se corresponder às
declarações prestadas pelo vendedor acerca do mesmo e possuir as características
apresentadas ao consumidor sob a forma de amostra ou modelo.
124 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 209;
99
Com esta alínea, pretende-se acautelar as situações em que existam disparidades entre os
produtos que são apresentados como amostras ou modelos pelo vendedor, nos casos em que o
vendedor os usa para estimular a venda, e os produtos que são efetivamente entregues ao
consumidor. Assim caso o vendedor tenha explicado ao consumidor que o bem servia para
determinadas funções ou que detinha certas qualidades e, na realidade tal não sucede, ocorrerá
falta de conformidade.
A prova de falta de conformidade cabe ao consumidor, nos termos do artigo 217.º da Ley
Enjuiciamento Civil 94 (Lei Processual Civil). Nestes casos, a dificuldade será o consumidor
provar as declarações feitas pelo vendedor uma vez que, tratando-se de uma compra e venda de
bens móveis, dificilmente estarão reduzidas a escrito.
Pela alínea B), os bens serão conformes ao contrato se forem aptos para o uso normalmente
dado a bens do mesmo género. Trata-se de acautelar a confiança do consumidor, na medida em
que este adquiriu o bem por esperar poder usufruir das aptidões normais de um bem desse
género.
Nos termos da alínea C), o bem entregue terá de corresponder aos usos específicos que o
consumidor tenha dado a conhecer ao vendedor aquando da celebração do contrato de compra
e venda e sempre que o vendedor tenha admitido que o bem poderia desempenhá-los. Tratando-
se, portanto, de dois requisitos cumulativos.
Neste caso, poderá ser de difícil prova, para o consumidor, demonstrar que informou o vendedor
de quais os usos específicos pretendidos e que este admitiu serem característicos desse bem.
Por último, a alínea D) refere-se ao desempenho habitual dos bens do mesmo género e que o
consumidor pode fundadamente esperar, tendo em conta a natureza do bem e, eventualmente
as declarações públicas sobre as suas concretas características feitas pelo vendedor, pelo
produtor ou pelo seu representante, designadamente na publicidade ou na rotulagem do
produto. Equipara-se, portanto, a informação publicitária à informação contratual.
Todavia, o vendedor não se encontra vinculado a certas declarações públicas se demonstrar que
não tinha conhecimento nem podia razoavelmente ter conhecimento da declaração em causa,
se demonstrar que a declaração foi corrigida no momento de celebração do contrato ou se
demonstrar que a declaração não pôde influenciar a decisão de comprar o bem de consumo em
crise (parte final da alínea D)).
100
O artigo 3.º, parágrafo 2, estende o conceito de falta de conformidade aos casos em que esta
decorre de uma incorreta instalação do bem, seja esta efetuada pelo próprio vendedor ou por
alguém que esteja sob a sua orientação, seja realizada pelo consumidor mas seguindo
instruções do vendedor (tal como o legislador português estabeleceu e conforme o artigo 2.º, n.º
5 da Diretiva prevê).
Desta forma, e quando as partes assim o acordarem, a instalação do bem torna-se acessória da
prestação de entrega deste. Estas duas prestações, entrega e instalação do bem são, assim,
indissociáveis no sentido de satisfação do interesse do consumidor de acordo com os termos do
contrato celebrado, pois a realização de ambas é imprescindível para a correta execução do
contrato.
De acordo com o artigo 3.º, parágrafo 3, o qual reproduz o disposto no artigo 2.º, n.º 3 da
Diretiva, o vendedor não terá responsabilidade por uma eventual falta de conformidade se o
consumidor a conhecia ou não a poderia fundadamente ignorar no momento de celebração do
contrato ou se esta for originada por materiais fornecidos pelo consumidor.
Trata-se de uma regra idêntica à estabelecida no artigo 35.º, n.º 3 da Convenção de Viena, o
qual impende sobre o comprador o dever de examinar as mercadorias, dever esse que não é
exigido pela Diretiva ou pela Lei espanhola.
O dever, previsto pela Diretiva e pela lei espanhola, é o de diligência do consumidor para apurar
a existência de eventuais faltas de conformidade que se manifestem aquando da sua entrega. É
um dever de diligência flexível que depende da real oportunidade do consumidor verificar as
características do bem antes da entrega, dado que muitas vezes o produto é entregue embalado
e selado, o que dificulta ou impedirá o seu exame, bem como dos conhecimentos e experiência
do consumidor quanto àquele bem.
Javier Lete Achirica125 julga o advérbio “fundadamente” um pouco confuso e poderá originar
interpretações tanto a favor como contra o consumidor.
M. Tenreiro e S. Gómez126, dão como exemplo o caso de um consumidor que coleciona aviões
em miniatura há muito tempo, e que por essa razão, não poderá razoavelmente ignorar uma
125 Javier Lete ACHIRICA, “La Transposición de la Directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 212. 126 M.TENREIRO e S. GÓMEZ, “La Directive 1999/44/CE sur certains aspects de la vente et de garanties des bienes de consommation”, Revue Européenne de droit de la consommation, 2000, p.17, nota 47;
101
falta de conformidade no momento da compra de um novo avião, o que já não acontecerá se um
consumidor pretender adquirir um desses aviões, pela primeira vez.
8.5 -DIREITOS DO CONSUMIDOR PERANTE A FALTA DE CONFORMIDADE
A lei espanhola, seguindo escrupulosamente o critério constante da Diretiva, confere ao
consumidor um conjunto de direitos com vista à reposição da conformidade do bem com o
contrato, a saber: reparação ou substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato.
No entanto, o consumidor não poderá optar livremente entre eles, tendo de respeitar a
“hierarquia” imposta no texto da lei. Aliás, pela redação dos artigos 5.º e 7.º denota-se uma
preferência pelas opções que permitam a manutenção do contrato (reparação ou substituição do
bem) e consequentemente a segurança jurídica das transações.
O artigo 5.º, n.º1 confere ao consumidor o direito à reparação ou substituição do bem, salvo
quando uma dessas opções se revele impossível ou desproporcionada. Nos termos do n.º 2 do
mesmo artigo uma solução será desproporcionada se impuser ao vendedor custos elevados em
comparação com a outra solução, tendo em conta o valor do bem se não existisse falta de
conformidade, a relevância dessa falta de conformidade e a forma alternativa de reposição da
conformidade poder ser realizada sem graves inconvenientes para o consumidor.
Daqui se pode concluir que a reparação ou substituição do bem apenas será exigível ao
vendedor se o seu custo for inferior ao valor de mercado do bem (valor esse que o bem teria se
não ocorresse a falta de conformidade), que a escolha do consumidor entre a reparação e
substituição do bem terá de ser aprovada pelo vendedor e que deverá ser avaliada a relevância
da falta de conformidade, de acordo com os critérios mencionados.
De qualquer forma, a reparação ou substituição do bem terão de ser conforme as regras
constantes no artigo 6.º o qual dispõe:
a) “Serán gratuitos para el consumidor, gratuidad que comprenderá los gastos necessarios
realizados para subsanar la falta de conformidad de los bienes com el contrato, especialmente
los gastos de envío, así como los costes relacionados con la mano de obra y los materiales;
b) Deberán llevarse a cabo en un plazo razonable y sin mayores inconvenientes para el
consumidor, de acuerdo com la naturaleza de los bienes y la finalidade que tuvieran para el
consumidor;
102
c) La reparación suspende el cómputo de los plazos a que se refiere el articulo 9 de esta
Ley. El período de suspensión comenzará desde que el consumidor ponga el bien a disposición
del vendedor y concluirá com la entrega al consumidor del bien ya reparado. Durante los seis
meses posteriores a la entrega del bien reparado, el vendedor responderá de las faltas de
conformidad que motivaron la reparación, presumiéndose que se trata de la misma falta de
conformidad cuando se reproduzcan en el bien defectos del mismo origen que los inicialmente
manifestados;
d) La sustitución suspende los plazos a que se refiere el artículo 9 desde el ejercicio de la
opción hasta la entrega del nuevo bien. Al bien substituto le será de aplicación, en todo caso, el
segundo párrafo del artículo 9.1;
e) Si concluida la reparación y entregado el bien, éste sigue siendo no conforme com el
contrato, el comprador podrá exigir la sustituición del bien, dentro de los limites estabelecidos en
el apartado 2 del artículo 5, o la rebaja del precio o la resolución del contrato en los términos de
los artículos 7 y 8 de esta Ley.
f) Si la sustitución no lograra poner el bien en conformidad com el contrato, el comprador
podrá exigir la reparación del bien, dentro de los limites estabelecidos en el apartado 2 del
artículo 5, o la rebaja del precio o la resolución del contrato en los términos de los artículos 7 y 8
de esta Ley.
g) El consumidor no podrá exigir la sustitución en el caso de bienes no fungibles, ni
tampoco cuando se trate de bienes de segunda mano”.
Podemos constatar, que qualquer uma dessas soluções terá de ser totalmente gratuitas para o
consumidor (alínea A)), terá de ser realizada num prazo razoável, conforme a natureza do bem
(alínea B)), suspenderá os prazos constantes do artigo 9.º relativos à denúncia do defeito e prazo
de garantia (alíneas C) e D)).
Se a reparação não sanar a desconformidade o comprador poderá exigir a substituição, dentro
dos limites constantes no artigo 5.º, n.º 2 ou a redução ou resolução do contrato nos termos dos
artigos 7.º e 8.º (alínea E)), sendo que se a substituição não corrigir a desconformidade
verificada o comprador poderá exigir a reparação nos termos do artigo 2.º, n.º 5, ou igualmente
a redução do preço ou resolução do contrato nos termos referidos (alínea F)).
103
Por fim, o consumidor não poderá exigir a substituição de bens não fungíveis ou de bens em
segunda mão (alínea G)).
Por sua vez, o artigo 7.º dispõe que o consumidor poderá optar pela redução do preço ou
resolução do contrato, quanto não for possível a reparação ou substituição do bem e quanto
estas operações não forem realizadas num prazo razoável ou sem graves inconvenientes para o
consumidor. Não obstante, a parte final deste artigo acrescenta que não será admitida a
resolução do contrato quando a falta de conformidade seja de escassa importância (conforme o
artigo 3.º, n.º 6 da Diretiva).
Por outro lado, o artigo 8.º dispõe que a redução do preço será feita de forma proporcional,
tendo em conta a diferença existente entre o valor que o bem teria no momento da entrega se
fosse conforme ao contrato e o valor que o bem efetivamente tinha aquando dessa entrega.
8.6 - PRAZOS
O artigo 9.º regula os prazos de garantia e de prescrição das ações referentes ao exercício dos
direitos conferidos ao consumidor. O n.º 1 deste artigo confere um prazo de garantia de dois
anos, a contar desde o momento de entrega do bem, o qual pode ser reduzido para um ano, no
caso de se tratar de bens em segunda mão e por acordo das partes.
Durante este prazo de dois anos, o vendedor responderá pela desconformidade que o bem
manifestar, sendo que decorrido este prazo qualquer defeito que o bem revele será
juridicamente irrelevante.
O parágrafo 2 do n.º 1 do artigo 9.º determina que a falta de conformidade que se manifeste no
prazo de seis meses a contar da data da entrega do bem, presume-se que já existiria aquando
da entrega, exceto quando tal presunção seja incompatível com a própria natureza do bem ou da
falta de conformidade (conforme artigo 5.º, n.º 3 da Diretiva).
Quanto à data de entrega do bem, esta tem-se por efetuada no dia que figure no talão de
compra, na fatura ou na nota de entrega se for posterior (n.º 2 do artigo 9.º).
O consumidor, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, dispõe do prazo de 3 anos, a contar da data da
entrega, para intentar a competente ação judicial com vista ao exercício dos seus direitos (prazo
104
idêntico ao aplicável às ações decorrentes de responsabilidade civil por danos causados por
produtos defeituosos127).
Por último, impende sobre o consumidor um dever de denúncia ao vendedor da falta de
conformidade no prazo de dois meses a contar da data em que teve conhecimento (n.º 4 do
artigo 9.º). Optou, assim, o legislador espanhol, tal como aconteceu em Portugal, por impor ao
consumidor o ónus de denúncia ao vendedor da desconformidade, faculdade esta deixada ao
critério dos legisladores dos Estados-Membros pelo artigo 5.º, n.º 2 da Diretiva.
Subjacente a esta regra está o interesse geral da segurança jurídica, o reconhecimento legal do
interesse particular do vendedor em não ser surpreendido por inesperadas ou intempestivas
reclamações, bem como evitar, que a possível indagação da existência do defeito no momento
da entrega, seja dificultada pelo decorrer do tempo entre o descobrimento do defeito e a sua
comunicação ao vendedor. Quanto à forma de denúncia, e dado que nada é indicado
relativamente a este aspeto, entende-se que bastará a simples comunicação verbal, não
obstante a dificuldade de prova que tal forma de comunicação acarreta128
8.7 -RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
O legislador espanhol optou, tal como o legislador nacional, por ir mais além do que a Diretiva ao
consagrar a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor. No entanto, sendo
menos benévolo do que o legislador nacional.
De facto, no artigo 10.º está prevista a possibilidade de o consumidor demandar o produtor, pela
desconformidade do bem, exigindo a reparação ou substituição do bem, não sendo admissível,
tal como em Portugal, a redução do preço ou resolução do contrato. O que nos parece
perfeitamente aceitável, dado que o produtor não é parte no contrato de compra e venda
celebrado entre vendedor e consumidor, não tendo participado nas negociações, ou tao pouco
recebido o preço pago pelo consumidor ao vendedor.
Contudo, para exercer tais direitos o consumidor terá de atentar em certos requisitos e
limitações.
127 Cfr. artigo 12.1 da Ley 22/1994, de 6 de julio, de Responsabilidad civil por daños causados por productos defectuosos; 128 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La trasnposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit., p. 217;
105
Em primeiro lugar e nos termos do artigo 10.º, primeiro parágrafo, trata-se de uma
responsabilidade “quase-subsidiária”, na medida em que só se aplicará quando se revele
impossível ou excessivamente oneroso para o consumidor demandar o vendedor. Logicamente
será mais simples para o consumidor dirigir-se a quem adquiriu o bem desconforme (o
vendedor), do que ao produtor desse mesmo bem, no que às compras internas diz respeito
(dado que nas vendas transfronteiriças sucederá precisamente o oposto).
O disposto no artigo 10.º, parágrafo 1 é uma repetição do critério estabelecido na primeira
versão da diretiva.
Para Javier Lete Achirica129 o consumidor poderá cumular à reparação ou substituição do bem, a
indemnização pelos danos e prejuízos causados. Quanto à redução do preço ou resolução do
contrato não são oponíveis ao produtor, uma vez que o preço foi negociado com o vendedor e
pago a este.
Nos termos do parágrafo 3 do artigo 10.º, é classificado como produtor o fabricante do bem de
consumo, o importador do bem no território da União Europeia ou qualquer pessoa que se
apresenta como tal ao indicar no bem o seu nome, marca ou outro sinal distintivo.
Pese embora não seja referido de forma expressa, é aceitável interpretar que o nome, marca ou
sinal distintivo, tanto pode ser indicado no próprio bem, como na embalagem do produto.
O produtor apenas responderá pela falta de conformidade relacionada com a origem, identidade
ou idoneidade dos bens de consumo (parágrafo 2, artigo 10.º). Por fim, os prazos e requisitos
para o consumidor demandar o produtor são iguais aos que dispõe para demandar o vendedor,
pelo que será de dois anos o prazo para manifestação da falta de conformidade e de três anos
para prescrição desses direitos, contados desde a entrega do bem, suspendendo-se, no entanto,
durante o lapso de tempo de reparação ou substituição.
8.8 -Real Decreto Legislativo n.º 1/2007, de 16 de novembro
Estava previsto, na quinta disposição final130 da Lei n.º 44/2006, de 29 de dezembro, sobre a
melhoria da proteção dos consumidores e usuários, a possibilidade de o Governo espanhol, no
129 Cfr. Javier Lete ACHRICA, “La transposición de la directiva 1999/44 en el Derecho español mediante la ley de 10 de julio de 2003 de garantias en la venta de bienes de consumo”, cit. p. 218; 130 “Se habilita al Gobierno para que en el plazo de 12 meses proceda a refundir en un único texto la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y las normas de transposición de las directivas comunitarias dictadas en materia de protección de los
106
prazo de doze meses consolidar num único texto a Lei n.º 26/1984, de 19 de julho, para a
Defesa dos Consumidores e Usuários e as normas de transposição de diretivas da União
Europeia emitidas para a proteção dos consumidores e usuários. Pretendia-se, portanto
harmonizar os diversos diplomas legais “dispersos” no ordenamento jurídico espanhol relativos
ao direito do consumo.
Naturalmente, a Ley n.º 23/2003, de 10 de julio, supra analisada, foi revogada pelo Real
Decreto Legislativo n.º1/2007131, o qual introduziu algumas alterações quanto à compra e venda
de bens de consumo, alterações essas não muito significativas no âmbito da análise supra
realizada, dado que relacionam-se mais com o âmbito de aplicação.
Quanto ao âmbito de aplicação subjetivo, o artigo 2.º do RDL determina que se aplicará às
relações entre consumidores ou usuários e empresários. Pelo que, o RDL simplifica o conceito
de consumidor que constava no artigo 1.º da Lei n.º 26/1984132, ao estabelecer que são
consumidores ou usuários as pessoas físicas ou jurídicas que atuam no âmbito estranho a uma
atividade profissional (artigo 3.º do RDL). A outra parte da compra e venda de bens de consumo
é o profissional ou empresário, o qual é definido como as pessoas físicas ou jurídicas que atuam
no âmbito da sua atividade profissional, seja ela pública ou privada (artigo 4.º do RDL).
Nos artigos 5.º e 7.º o RDL define produtor e distribuidor ou fornecedor do produto,
respetivamente.
Relativamente ao âmbito de aplicação objetivo, o artigo 6.º do RDL estabelece o conceito de
produto: “Sin perjuicio de lo establecido en el artículo 136, a los efectos de esta norma, es
producto todo bien mueble conforme a lo previsto en el artículo 335 del Código Civil.”
E, por sua vez, o artigo 335 do Código Civil espanhol define bem móvel como: “Se reputan
bienes muebles los susceptibles de apropiación no comprendidos en el capítulo anterior, y en
general todos los que se pueden transportar de un punto a otro sin menoscabo de la cosa
inmueble a que estuvieren unidos.”
Podemos observar que foi substituído o termo “bienes” por “producto” e que permaneceram
excluídos os bens imóveis. Mas não só estes. O artigo 115.º, n.º 2 do RDL manteve a exclusão
consumidores y usuarios, que inciden en los aspectos regulados en ella, regularizando, aclarando y armonizando los textos legales que tengan que ser refundidos”. 131 Tendo sido a mais recente atualização publicada em 28/3/2014; 132O artigo 1.º da Lei n.º 26/1984, considerava consumidores ou usuários "las personas físicas o jurídicas que adquieren, utilizan o disfrutan como destinatarios finales, bienes muebles o inmuebles, productos, servicios, actividades o funciones, cualquiera que sea la naturaleza pública o privada, individual o colectiva de quienes los producen, facilitan, suministran o expidan”.
107
dos bens adquiridos mediante venda judicial, a água e o gás quando não forem vendidos em
volume ou quantidade determinada, a eletricidade e os bens em segunda mão adquiridos em
leilão se o consumidor poder assistir pessoalmente, tal como acontecia na Ley.º 23/2003, de
10 de julio. Por fim, o RDL consagrou uma exclusão que a Ley n.º 23/2003, de 10 de julio não
o fez, uma vez que o artigo 115.º, n.º 1 exclui os contratos de fornecimento de produtos a serem
fabricados ou produzidos.
Por sua vez, o conceito de conformidade do bem com o contrato (artigos 114.º e 116.º do RDL)
e a responsabilidade do produtor pela conformidade do bem (artigo 124.º do RDL)
correspondem à já consagrada na Ley n.º 23/2003, de 10 de Julio, e analisada nos pontos
antecedentes.
Julgamos a opção do legislador espanhol acertada, ao consolidar a variada e dispersa legislação
espanhola referente ao direito do consumo, num só diploma, tornando assim mais simples a
aplicação dessas normas, o que favorecerá o consumidor. Todavia, poderia ter-se “atrevido “ a
reformar o regime da compra e venda constante do código civil espanhol, por forma a dar um
passo importantíssimo na harmonização legislativa europeia deste regime.
9 - ORDENAMENTO JURÍDICO FRANCÊS
9.1 – INTRODUÇÃO - ORDONNANCE N°2005-136 DU 17 FÉVRIER 2005
Em Janeiro de 2004, França ainda não tinha transposto a Diretiva133, desrespeitando assim, o
prazo imposto pela Comissão para o fazer, que fixou o fim do mês de Janeiro de 2002 para esse
efeito, o que desencadeou uma ação da Comissão contra a França.
No entanto, esta situação não é inédita, uma vez que a transposição da diretiva de 25 de Julho
de 1985, relativa à responsabilidade decorrente de produtos defeituosos, foi realizada em 19 de
maio de 1998, ou seja com dez anos de atraso e após uma condenação da CJCE134. Não
133 Tal como sucedeu com a Bélgica e o Luxemburgo, situação que não será fruto da coincidência. Com efeito, estes países dispõem, na origem, do mesmo Código Civil e por conseguinte das mesmas regras aplicáveis à compra e venda. Pelo que as regras que são inconciliáveis com as consagradas pela diretiva e provenientes de toda uma outra inspiração jurídica, necessitam de tempo para ultrapassar essas dificuldades e introduzir estas novidades nas respetivas ordens jurídicas; No entanto estes dois países depositaram no Parlamento um projeto de lei de transposição em 19.02.2003 e em 08.08.2003, respetivamente, numa altura em que a França não tinha sequer apresentado tal documento; 134 Cour de justice des Communautés européennes, 13 de Janeiro 1993, Commission c/ République Française, Rec.I, Pág. 5;
108
obstante, tal situação não impediu a França de ser de novo condenada por transposição
incorreta desta diretiva.
Em França gerou-se uma viva controvérsia acerca da forma como a transposição deveria ser
efetuada. Uma parte da doutrina defendia efetuar a transposição reformando o código civil na
parte relativa ao regime da compra e venda, enquanto outra parte defendia a transposição
mínima, aplicável só às relações comerciais entre os profissionais e os consumidores, à imagem
da própria diretiva, e a ser integrada no Código do consumo.
Em 13 de outubro de 2000, o Ministro da Justiça criou um grupo de trabalho, sob a direção do
professor GENEVIEVE VINEY para refletir sobre as modalidades de integração das normas da
diretiva no direito francês, o qual remeteu o seu relatório ao ministro pouco mais de um ano
depois, em 15 de Novembro de 2001.
Destaca-se desse relatório135 sobre o ponto essencial de apurar qual a melhor forma de
transposição, o facto de os membros do grupo de trabalho não terem hesitado e optarem em
unanimidade pela reforma do Código Civil, quer isto dizer, por uma alteração do regime da
compra e venda, e por conseguinte do direito aplicável a todas as vendas, de bens móveis e
imóveis, bem como de todas as relações contratuais, inclusive entre profissionais e,
naturalmente, entre profissionais e consumidores.
Contudo, desde que este relatório foi tornado público provocou a oposição de uma parte
significativa da doutrina, assim como das organizações representativas das empresas,
nomeadamente do MEDEF136, bem como das associações de defesa dos consumidores. O que
fez o Ministro da Justiça aperceber-se de que o ante-projeto VINEY não representava o caracter
consensual que a sua elaboração pretendia.
A doutrina contestatária argumentava que a Diretiva de 25 de maio de 1999 prosseguia
expressamente uma finalidade consumista e que, pelo respeito desta finalidade, convinha
realizar uma transposição mínima no Código do consumo sem que para isso fosse necessário
modificar o nosso Código Civil, o que resultaria na restrição, inoportuna, da liberdade contratual
das relações entre profissionais, particularmente.
O Ministro decidiu optar pelo sistema menos aventureiro e mais simples de aplicar, pondo de
parte o ante-projeto Viney. Um novo texto para transpor a diretiva, foi preparado sob a égide do 135 Relatório esse que se encontra disponível no site do Ministério da Justiça francês: www.justice.gouv.fr; 136 Mouvement des entreprises de France;
109
Ministério, destinado a ser integrado no Código do consumo e a aplicar-se, exclusivamente, às
relações entre profissionais-consumidores.
Assim, a 17 de Fevereiro de 2005 foi publicada a Ordonnance n.º2005-136137, relativa à garantia
de conformidade do bem com o contrato devida pelo vendedor ao consumidor, que integrou as
suas disposições no Código do Consumo, nos artigos L.211 e seguintes. A Ordonnance de 17 de
Fevereiro de 2005 introduziu, ainda, uma alteração ao artigo 1648.º do Código Civil Francês,
respeitante aos defeitos ocultos.
9.2 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO
A lei de transposição da Diretiva foi integrada no Código do Consumo, sob o título já consagrado,
Conformité, mais precisamente, substituiu no Capítulo I (Dispositions générales) que
reproduziam até então, de maneira curiosa e por falta de melhor, os artigos 1641.º a 1648.º do
Código Civil Francês, relativos à garantia dos vícios ocultos.
Esta escolha legislativa representou uma melhoria sensível do Código de consumo francês
conferindo-lhe uma maior lógica e completando o regime específico de proteção dos
consumidores.
Nos termos do artigo L211-1, este regime aplica-se aos bens móveis corpóreos, aos contratos de
fornecimento de bens móveis a fabricar ou produzir e aos contratos de fornecimento de água e
gás, quando são colocados no mercado em volume ou em quantidade limitada138
Excluídos estão os bens imóveis (tal como sucede em Espanha e contrariamente ao sucedido
em Portugal), bem como os bens vendidos por autoridade judicial e os vendidos em hasta
pública e ainda a eletricidade (artigo L211-2).
9.3 - SUJEITOS
O artigo L211-3 determina que este regime se aplica às relações contratuais estabelecidas entre
um vendedor profissional e um comprador que atue na veste de consumidor.
137 Entretanto retificada pela Lei n.º2006-406, de 5 de abril e mais recentemente alterada pela Lei n° 2014-344 de 17 Março 2014 ( sem contudo ter modificado os artigos respeitantes à análise); 138 Pelo que, a água canalizada e o gás natural são excluídos;
110
No entanto o legislador francês não define consumidor, pelo que a doutrina divide-se quanto a
esta questão. Alguns autores defendem a introdução de uma definição de consumidor, enquanto
outros alegaram não ter sentido criar uma definição dessas aquando da transposição da Diretiva.
Para Gilles Paisant139, o Código do Consumidor não define consumidor e se fosse introduzida
uma noção ao transpor a Diretiva, tal definição apenas teria aplicação no âmbito das garantias, e
não em relação aos outros.
Tradicionalmente no direito francês, a concretização da definição de consumidor caberá à
jurisprudência, pelo que, também neste caso, e perante uma situação de litígio sobre o âmbito
de aplicação, deverão ser os tribunais a pronunciarem-se.
9.4 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO
No ordenamento jurídico francês o regime geral da compra e venda consagra por um lado, a
obrigação de entrega de um bem conforme ao contrato (artigo 1614.º do Código Civil francês) e
por outro, uma garantia contra defeitos ocultos (artigo 1641.º do Código Civil francês).
Por seu turno, o artigo 1644.º do Código Civil Francês confere ao consumidor o direito à
resolução do contrato, através do recurso à “action rédhibitoire”, ou à redução do preço, através
da “action estimatoire”, redução essa avaliada por peritos. O comprador dispõe do prazo de dois
anos a contar da data da descoberta do defeito, para intentar a “action rédhibitoire” (artigo
1648.º do Código Civil Francês).
Percorridos os direitos que o comprador dispunha e dispõe (dado que o consumidor pode optar
livremente por qualquer um dos regimes, nos termos do artigo L211-13 do código do
consumidor) no âmbito do regime geral da compra e venda, analisaremos agora os artigos do
código do consumidor francês, os quais transpuseram a diretiva.
9.5 -PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE DOS BENS COM O CONTRATO E GARANTIA LEGAL DE
CONFORMIDADE
O artigo L211-4 do código do consumidor francês140 estabelece a noção de conformidade. Desta
forma, o vendedor deverá entregar um bem conforme ao contrato, respondendo pelos defeitos
139 Gilles PAISANT, “La Transposition de la Directive 25 du mai 1999 sur les garanties dans la vente de biens de consommation – Ordonnance du 17 février 2005”, JCP, n.ºI-146, 2005, p.1167; 140 Todos os artigos adiante referidos que não sejam identificados, reportar-se-ão a este código;
111
existentes aquando da entrega do bem. A garantia de conformidade presente no Código de
Consumo francês abrange, assim, as duas noções tradicionais constantes no Código Civil
francês (a definição de entrega conforme do bem e a garantia contra defeitos ocultos).
Complementado pelo artigo L211-5, o qual implementa uma presunção de conformidade do
bem. Assim, um bem presume-se conforme se for próprio para o uso habitual, tendo em conta
um bem análogo (n.º 1). Na falta de um bem análogo, um bem presumir-se-á conforme se
corresponder à descrição feita pelo vendedor e possuir as qualidades que este lhe apresenta sob
a forma de amostra ou modelo, se apresentar as qualidades que um adquirente pode
legitimamente esperar do bem, tendo em conta as declarações públicas feitas pelo vendedor,
pelo produtor ou por um seu representante, nomeadamente através de publicidade ou etiqueta
(n.º 1, segunda parte). Ou então, se apresentar as características definidas por acordo entres as
partes ou ser adequado a um uso especifico pretendido pelo comprador, se tiver disso sido
informado o vendedor e este aceite (n.º 2). Pelo que, nesta última hipótese é recomendável que
seja celebrado um contrato escrito com as cláusulas específicas, por forma a ficar esclarecido o
que é importante para o consumidor, sendo mais fácil para este fazer prova disso mesmo, caso
seja necessário.
O legislador francês optou por introduzir a presunção de conformidade, tal como o fez o
legislador comunitário no artigo 2.º da Diretiva, ao invés do legislador português, o qual
introduziu uma presunção de não conformidade.
O artigo L211-7 determina que as faltas de conformidade que surjam no prazo de seis meses
após a entrega do bem, presume-se que já existiam no momento da entrega, salvo prova em
contrário (n.º1). Trata-se, portanto, da consagração de uma presunção de desconformidade,
naturalmente a favor do consumidor, a qual pode, contudo, ser ilidida pelo vendedor se o vício
não for compatível com a natureza do bem ou com o defeito invocado (n.º 2). Esta presunção
corresponde ao n.º 3 do artigo 5.º da Diretiva.
Segundo o artigo L 211-8, o comprador tem o direito de exigir a conformidade do bem ao
contrato, salvo quando invocar um defeito de que ele tinha conhecimento ou que não podia
ignorar aquando da celebração do contrato, ou se o defeito for proveniente de materiais
fornecidos por ele.
112
Em caso de falta de conformidade, o comprador pode escolher entre a reparação ou substituição
do bem. Contudo, o vendedor pode não agir de acordo com a vontade do comprador se tal
escolha envolver um custo manifestamente desproporcional, perante uma outra modalidade,
tendo em conta o valor do bem ou a importância do defeito. Isto é, o vendedor deve então
proceder, salvo impossibilidade, segundo a escolha do comprador (artigo L211-9).
Caso a reparação e substituição do bem se revelem impossíveis, o consumidor pode optar pela
resolução do contrato ou pela redução do preço (artigo L211-10).
Poderá também fazê-lo se a reparação ou substituição do bem não poder ser cumprida no prazo
de um mês após a reclamação do consumidor ou se o exercício de qualquer dessas operações
envolver um inconveniente maior tendo em conta a natureza do bem e o uso a que se destina.
Todavia, a resolução do contrato será admitida se a desconformidade for de escassa importância
(última parte do artigo L211-10).
Todas as operações resultantes dos direitos conferidos ao consumidor, por via das normas dos
artigos L211-9 e L211-10, deverá suceder sem encargos para o consumidor (tal qual prevê o n.º
2 do artigo 3.º da Diretiva), sendo que a aplicação destas disposições não afasta o direito à
indeminização pelos danos (artigo L 211-11).
Por fim, o artigo L211-12 determina que o direito do consumidor de intentar a competente ação
judicial, resultante da desconformidade prescreve no prazo de dois anos a contar da entrega do
bem. Este prazo corresponde ao previsto no artigo 5.º, n.º 1 da Diretiva
No que aos prazos diz respeito, realça-se o facto de o legislador francês ter optado pela não
inclusão da imposição de um prazo de denúncia de dois meses após a descoberta ao
consumidor, hipótese que a Diretiva não previu mas deixou à consideração de cada Estado
Membro (artigo 5.º, n.º2). Ora, tal circunstância é claramente favorável ao consumidor.
9.6 – (IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE DO
BEM
O legislador francês, ao contrário do português e espanhol, optou por não incluir, na
transposição da diretiva, a possibilidade do consumidor demandar diretamente o produtor pela
desconformidade do bem, possibilidade essa conferida pelo facto de ser uma diretiva
113
transposição mínima. Limitou-se a prever, no artigo L211-14 do Código do Consumo, a ação de
regresso do vendedor final, segundo os princípios do Código Civil Francês.
Tal opção do legislador francês tem lógica no âmbito do direito francês, uma vez que este admite
uma ação direta de natureza contratual, a qual possibilita ao vendedor final reclamar junto dos
vendedores antecedentes, podendo desta forma chegar ao vendedor inicial, o produtor.
Quanto à garantia contra vícios ocultos, a jurisprudência francesa julga que a garantia legal é
intrínseca ao bem, pelo que se o comprador conseguir provar que o vício já existia à data da
venda do bem, poderá demandar o vendedor anterior, importador do bem e o próprio produtor.
Tal hipótese é conferida pela ação direta141.
Para Marín Lopez142, é de admitir que o consumidor de bens de consumo possa lançar mão da
ação direta, e que para beneficiar desta ação, o comprador deva interpor a ação com base nas
normas do direito comum e não segundo o Código do Consumidor.
Julgamos que a opção do legislador francês prendeu-se precisamente com este facto, o de se
encontrar tradicionalmente consagrada, há muito tempo, no ordenamento jurídico francês, a
“action directe”.
Pelo que, atendendo a esta circunstância, concordamos com o legislador francês ao não
transpor essa hipótese, dado que o consumidor já se encontrava protegido dessa forma, pese
embora a circunstância de ter de demonstrar a existência do defeito aquando do momento da
entrega do bem, poder revelar-se difícil.
10 - ORDENAMENTO JURÍDICO ALEMÃO
10.1 -INTRODUÇÃO – TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA 1999/44/CE ATRAVÉS DA REFORMA DO BGB
(CÓDIGO CIVIL ALEMÃO), PELA LEI 1/2002
A transposição para o ordenamento jurídico alemão da Diretiva 1999/44/CE, deu-se através da
introdução do direito do consumo no código civil alemão, ou seja, o legislador alemão optou pela
141 Vide supra ponto 6; 142 Manuel J. Marín LOPEZ, “Las Garantías en la Venta de Bienes de Consumo en la Unión Europea – La Directiva 99/44/CE y su incorporación en los Estados Miembros”, Ministério de Securidad y Consumo – Instituto Nacional del Consumo, octubre 2004, Madrid, p. 435.
114
“solução grande”143, e reformou, aquando da transposição, o regime da parte geral e do direito
das obrigações.
Esta Diretiva motivou a discussão sobre a modernização do código civil alemão e contribuiu para
a decisão do legislador de optar pela referida integração do direito do consumo no código civil
(solução aliás pretendida com a redação da Diretiva, apesar de não ter sido totalmente acolhida
pelos Estados Membros).
O movimento protetor dos consumidores é muito mais recente que o código civil alemão, tendo
surgido nos anos 50, período durante o qual se formou a sociedade de consumo na Alemanha.
Este movimento atingiu o seu auge e uma expressão significativa com a criação nos anos 70,
pelo Governo Federal, do programa de consumo. Deste programa destacam-se duas leis
substancialmente vocacionadas para a proteção do consumidor, a saber: a Lei sobre as
condições gerais de 1976 e a Lei sobre os contratos de viagem de 1979.
O Governo Alemão demonstrou sempre pouco interesse em transpor a diretiva fora do código
civil. Pelo que, retomou uma iniciativa do Ministério da Justiça, o qual tinha solicitado, no início
da década de 80, um parecer sobre as questões pertinentes do direito do consumo. O objetivo
era realizar o que Otto V. Gierke tinha pedido há cem anos (conferir um “toque social” ao código
civil alemão) 144.
Com a sua decisão de integrar o direito do consumo no código civil, o legislador alemão
revolucionou o direito civil. O vetusto código civil alemão “desapareceu”. A igualdade formal e a
liberdade contratual não são mais os únicos parâmetros do direito das obrigações. A justiça
social surge agora lado a lado com a igualdade formal e uma limitação de origem estatal ao lado
da liberdade contratual. O código civil alemão recebeu assim o seu “toque social”.
Com a opção da reforma do BGB, o legislador deparou-se com a mais complexa e ousada tarefa,
o que obrigou a um escrupuloso estudo, tendo concretizado a atualização dos princípios de
direito positivo, evitando a dispersão em leis avulsas ou num Código do Consumidor e concebido
um corpo único no direito civil.
A Diretiva serviu, assim, de modelo para a nova conceção de direito dos contratos de compra e
venda.
143 A qual consiste na inclusão das normas no âmbito do Código Civil, alterando o tratamento da compra e venda; 144 Cfr. Hans-W. MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, Ponencias de la Conferencia Internacional Santiago Compostela sobre Garantias en la venta de bienes de consumo Universidade de Santiago de Compostela, 2004, p. 261;
115
10.2 -ÂMBITO DE APLICAÇÃO
As regras especiais relativas à compra e venda de bens de consumo encontram-se reguladas sob
a secção dos bens de consumo, constante dos artigos 474.º a 479.º do código civil alemão.
O artigo 474.º determina o âmbito de aplicação destas normas, definindo que estas se aplicam
aos contratos de compra e venda de um bem móvel entre um consumidor e um vendedor
profissional, correspondendo ao âmbito de aplicação da Diretiva, remetendo para os artigos 13.º
e 14.º para definir estes sujeitos.
Nos termos do artigo 13.º do BGB, “consumidor é toda a pessoa física que celebra um contrato
com um fim que não se refere nem à sua atividade empresarial, nem à sua atividade profissional
autónoma”. Esta definição diverge da contida na Diretiva, no sentido em que a definição dada
por esta considera que não é consumidor aquele que adquire um bem para destinar a uma
atividade profissional (dependente ou independente), enquanto a norma alemã considera
consumidor mesmo que o bem adquirido seja para uso no âmbito de uma atividade profissional
dependente.
Pelo que, o ordenamento jurídico alemão amplia o conceito de consumidor, incluindo, no âmbito
de proteção da venda ao consumo, os sujeitos que adquirem um bem para um fim que pode ser
aproveitado para a sua atividade profissional dependente145.
Por outro lado, o artigo 14.º do BGB, define profissional como “qualquer pessoa singular ou
coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade
profissional”. Excluem-se, assim, as vendas efetuadas fora do âmbito da atividade profissional.
O legislador alemão cria um conceito mais rígido do que a Diretiva, na medida em que para o
direito alemão não será empresário o individuo que vende no exercício de uma atividade
profissional dependente, uma vez que o referido artigo 14.º “considera empresário toda a
pessoa física ou jurídica ou uma sociedade com personalidade jurídica que na conclusão de um
contrato atua no exercício da sua atividade empresarial ou profissional autónoma”.
O critério decisivo para a qualificação do consumidor e do empresário é a finalidade objetiva da
transação negocial.
145Hans-W MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, cit., p. 265, dá o exemplo do professor que compra um computador para poder delinear os testes ou a secretária que compra uma máquina de café para o escritório.
116
O âmbito de aplicação objetivo dos artigos 474.º e seguintes do Código Civil alemão só inclui a
venda de bens móveis, tal qual o artigo 1.º, n.º 2 alínea b) da diretiva, o qual exclui os bens
imóveis (tal como Espanha e França, e contrariamente a Portugal).
Tal como referido, o âmbito de aplicação objetivo dos artigos 474.º e seguintes do Código Civil
alemão, restringe-se à venda de bens móveis, conforme o artigo 1.º, n.º 2 alínea b) da Diretiva, o
qual exclui os bens imóveis. Também não se aplicará aos bens em segunda mão adquiridos em
leilões, quando o consumidor possa assistir pessoalmente à venda (exceção que a Diretiva
expressamente prevê no artigo 1.º, n.º 3).
As restantes exceções constantes do artigo 1.º, n.º2, alínea b) da Diretiva, são os bens vendidos
no âmbito de um processo judicial, a água e o gás, quando não forem postos à venda em
volume delimitado, ou em quantidade determinada, bem como a eletricidade. No entanto, para o
legislador alemão, não foi necessário prever estas exceções expressamente no artigo 474.º do
Código civil, uma vez que no caso de venda de bens no âmbito de um processo judicial, o artigo
860.º do Código de processo civil alemão exclui qualquer direito do consumidor à reparação.
Além disso e de acordo com o artigo 90.º do Código civil alemão deve ser possível determinar
fisicamente os bens, seja pela sua própria natureza, sua individualização numa caixa ou por
outros meios artificiais. Por conseguinte e atento este critério não são bens corpóreos, para o
direito alemão, o ar e a água corrente. Todavia, se a água ou o gás forem medidos por uma
certa quantidade ou um certo volume preciso, tornam-se bens móveis no sentido do artigo 1.º
n.º 2, alínea b) da Diretiva. Os artigos 474.º e seguintes do Código civil alemão aplicar-se-ão
então aos bens móveis tal qual a definição destes que nos é dada pela Diretiva. Por fim, o
ordenamento jurídico alemão não considera a eletricidade como um bem, pelo que é excluída,
tal como na Diretiva, da definição de bens de consumo.
O artigo 475.º do Código Civil alemão transpõe, para o ordenamento jurídico alemão, o artigo
7.º, n.º 1 da Diretiva. Isto é, este artigo torna inválidos quaisquer acordos que visem diminuir
excluir ou limitar os direitos do consumidor perante a desconformidade do bem, atribuídos pelos
artigos 433.º a 435.º, 437.º, 439.º a 443.º daquele código.
Por sua vez o artigo 476.º considera que o defeito detetado no prazo de seis meses após a
transferência do risco já existia na data de celebração do negócio, salvo se tal se revelar
incompatível com a natureza da coisa ou do defeito. Este artigo transpõe, assim, a presunção
constante do n.º 3 do artigo 5.º da Diretiva.
117
10.3 -CONFORMIDADE COM O CONTRATO
Como já foi mencionado, o legislador alemão revolucionou o código civil, usando o modelo da
Diretiva como base para todos os contratos de compra e venda. Assim, algumas definições e
princípios da Diretiva foram introduzidos no regime geral da compra e venda, presente nos
artigos 433.º e seguintes do BGB.
A referida revolução pretendeu apresentar um conceito unitário de defeito para todos os
contratos de compra e venda bem como de empreitada. Nos termos do artigo 433.º do BGB o
vendedor tem a obrigação de entregar a coisa vendida, bem como transmitir a sua propriedade,
livre de defeitos materiais e legais, ou seja consagra o princípio da conformidade presente no
artigo 2.º, n.º 1 da Diretiva.
O artigo 434.º, n.º 1 estabelece que um bem encontra-se livre de defeitos se após a
transferência do risco tiver as qualidades acordadas. Caso não tenham sido acordadas essas
qualidades, o bem estará livre de defeitos se for adequado para o uso pretendido nos termos do
contrato ou se for adequado para o uso habitual e tiver a qualidade usual para bens do mesmo
tipo e que o comprador pode esperar, tendo em conta o tipo de bem em causa.
Estes critérios abarcam tanto o conceito subjetivo do defeito (as qualidades acordadas expressa
ou tacitamente) como o conceito objetivo (o uso habitual e qualidade usual dos bens do mesmo
tipo).
O vendedor está, ainda, vinculado às suas declarações públicas ou às do produtor ou seu
representante sobre as características do bem, exceto quando o vendedor não conhecia essas
declarações ou não podia razoavelmente conhecer, quando a declaração foi corrigida até ao
momento de celebração do contrato ou quando essa declaração não tenha influenciado a
decisão de firmar o contrato (artigo 434.º, n.º 1 do BGB).
Nos termos do artigo 434.º, n.º2 a noção de defeito estende-se à instalação defeituosa do bem
vendido, realizada pelo vendedor ou por alguém sob a sua direção e às instruções de instalação
defeituosas fornecidas pelo vendedor tal qual o artigo 2.º, n.º5 da Diretiva prevê.
Por último, o n.º 3 do artigo 434.º equipara a entrega de coisa diferente e de coisa de
quantidade inferior à acordada à existência de um defeito material.
118
No entanto o artigo 442.º, n.º 1 limita a responsabilidade do vendedor, quando o comprador
tinha conhecimento do defeito aquando da celebração do contrato.
Caso o comprador desconheça o defeito por negligência sua, este só poderá exercer os seus
direitos quando o vendedor tenha agido de forma dolosa ou tenha dado uma garantia
relativamente às qualidades do bem (artigo 442.º, n.º1). O vendedor é ainda responsável pelos
ónus que se encontrem registados sobre o bem, mesmo se o comprador os conhecesse.
10.4 -DIREITOS DO COMPRADOR
Os direitos do comprador perante um bem desconforme, foram integrados nas normas gerais
sobre o incumprimento contratual.
A entrega de um bem conforme com o contrato é assim uma obrigação principal do vendedor,
tanto na compra e venda de coisa genérica como na compra e venda de coisa específica.
Em caso de incumprimento desta obrigação, a culpa do vendedor não é requisito. Mas já não
será assim, se o comprador pretender uma indemnização pelos danos, nos termos das normas
gerais de incumprimento contratual.
O legislador alemão diferenciou os defeitos pelos quais o vendedor responde com culpa, dos
defeitos pelos quais responde sem culpa, sendo que quanto aos primeiros o comprador pode
exigir uma indemnização, enquanto os segundos permitem-lhe exigir a reparação ou substituição
do bem, redução do preço ou resolução do contrato.
Relativamente a estes quatro “remédios” a Diretiva estabelece uma hierarquia entre eles.
Primeiro a reparação ou substituição do bem e segundo a redução do preço ou resolução do
contrato (artigo 3.º, n.º 3 e 5 e considerando 10). O legislador alemão adotou a graduação dos
direitos do consumidor, presentes na Diretiva.
Assim o artigo 439.º n.º1 estabelece a reparação ou substituição do bem como primeiro
remédio a ser acionado pelo consumidor, acrescentando o n.º 2 deste artigo que essas
operações devem ocorrer sem qualquer encargo para o vendedor.
Contudo, o artigo 275.º permite ao vendedor rejeitar a escolha do comprador quando se revelar
de todo impossível para si ou para terceiro (n.º 1), quando essa escolha tendo em conta o bem e
119
as exigências da boa-fé, é manifestamente desproporcional em comparação com a obrigação
(n.º2) e quando a escolha do comprador acarreta custos desproporcionais (n.º 3).
Em segundo plano, quando a reparação ou substituição não forem possíveis, surge a opção pela
redução do preço ou resolução do contrato, sendo que esta última encontra-se regulada no
regime geral das obrigações e não no regime geral da compra e venda e empreitada (artigos
437.º, n.º 2 e 323.º). No entanto, para lançar mão destas opções o comprador terá de conceder
ao vendedor um prazo para reparar ou substituir o bem. Não obstante, tal não será necessário
se o vendedor rejeitar a reparação ou substituição ou quando estas falharem ou se revelarem
irreclamáveis, casos em que o comprador poderá exigir a redução do preço ou a resolução do
contrato sem a concessão desse prazo. Acresce, ainda, que uma segunda tentativa de reparação
sem sucesso considera-se falhada, a menos que a natureza do bem, o próprio vício ou outros
motivos conduzam a uma diferente conclusão.
Por sua vez, a redução do preço, vem regulada no artigo 441.º e não exige a culpa do vendedor
para ser exigível.
Por fim, o artigo 437.º, n.º 3 confere ao comprador o direito a uma indemnização por danos e
prejuízos causados pelo incumprimento da obrigação de entrega, por parte do comprador, de
um bem conforme ao contrato.
10.5 –(IR)RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR PERANTE O CONSUMIDOR PELA DESCONFORMIDADE
DO BEM
Tal como já referido, ao longo desta dissertação, a Diretiva pese embora não tenha previsto
expressamente no seu texto, a responsabilização direta do produtor perante o consumidor,
deixou essa opção em aberto, no considerando 23.
No entanto, o legislador alemão optou por não incluir essa responsabilização.
Previu sim, no artigo 478.º do Código Civil alemão, o qual corresponde ao artigo 4.º da Diretiva,
o direito de regresso do vendedor final contra o anterior vendedor da cadeia contratual, na
compra e venda de bens de consumo.
120
Contudo, exige alguns requisitos, como o objeto vendido ser novo146, a existência do defeito no
bem vendido no momento em que o vendedor anterior vendeu ao vendedor final, bem como o
anterior vendedor na cadeia contratual ser um profissional.
Julgamos que a opção do legislador alemão de não incluir a responsabilização direta do produtor
perante o consumidor se prende com o pensamento jurídico tradicional alemão, designadamente
o apreço pela vertical privity, intrínseco ao princípio da relatividade dos contratos.
146 Hanz –W MICKLITZ, “La transposition de la directive 1999/44 em droit allemand”, cit., p. 275, destaca que a limitação a coisa nova, com exclusão da usada, é oposta ao artigo 4.º da Diretiva, o qual não distingue entre coisas novas e usadas;
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Diretiva 1999/44/CE constituiu uma das mais importantes Diretivas no âmbito da defesa dos
consumidores. Tinha como principal objetivo harmonizar os diversos ordenamentos jurídicos
europeus, na intenção de dar um importante passo na criação de um direito civil europeu.
Falhou nessa “missão”, na medida em que o método de transposição não foi igual nem tão
pouco o regime consagrado da mesma forma, pelos diferentes Estados Membros. Não foi
alcançado o propósito destes reformarem os seus códigos civis, por forma a dar-se um
importantíssimo passo na criação do tão desejado código civil europeu.
Esta disparidade justifica-se pelo facto de ser uma Diretiva de transposição mínima, que apenas
impõe aos Estados Membros assegurar os seus resultados, concedendo-lhes liberdade para a
forma e os meios como os vão implementar (artigo 249.º, parágrafo 3 do Tratado da União
Europeia).
Todavia, conseguiu-se a uniformização do aspeto nuclear da Diretiva, a consagração de uma
obrigação de conformidade do bem com o contrato, bem como a atribuição, ao consumidor, de
um conjunto mínimo de direitos.
Relativamente ao método de transposição, dos ordenamentos jurídicos estudados a Alemanha
foi a que foi mais longe e adotou a “solução grande”, ao revolucionar o seu código civil.
Não obstante, o legislador que mais beneficiou o consumidor foi o português, no sentido em que
foi mais além que a Diretiva, nalguns aspetos.
Destacamos, em primeiro lugar, o âmbito de aplicação uma vez que o alargou a todos os bens,
incluindo os imóveis, e não consagrou nenhuma das exceções presentes na Diretiva. Acresce,
ainda, a inovadora extensão do regime à locação de bens de consumo, algo fora das fronteiras
da Diretiva.
Em segundo lugar, incluiu a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor, algo que
apenas a Espanha acompanhou e de forma “quase-subsidiária”.
Relativamente ao regime mais benéfico existente em Portugal, em comparação com Espanha,
França e Alemanha, outra situação não poderia ocorrer, dado que Portugal dispunha de uma Lei
da Defesa do Consumidor que já perseguia alguns dos objetivos da Diretiva (por exemplo o
122
revogado artigo 12.º, n.º 1 o qual concedia ao consumidor os direitos previstos na Diretiva), pelo
que seguir as opções tomadas pelos legisladores desses ordenamentos jurídicos significaria,
incompreensivelmente, um retrocesso na defesa e proteção do consumidor.
Quanto às alterações introduzidas pela redação do DL n.º 84/2008 de 21 de Maio, salientamos
a reformulação da redação do artigo 6.º, a qual deixou “cair” a faculdade do produtor escolher
livremente entre reparação ou substituição do bem, deixando a cargo do consumidor tal escolha,
a imposição de um prazo de 30 dias para as operações de reparação ou substituição dos bens
de consumo móveis, necessidade que surgiu por força do prolongamento, por tempo exagerado,
dessas mesmas operações, a interrupção da prescrição no caso de substituição do bem
desconforme, com inicio de novo prazo de garantia e a caducidade da ação do consumidor,
volvidos dois ou três anos sobre a denúncia da desconformidade, consoante se esteja perante
um bem móvel ou imóvel, ao invés dos seis meses estabelecidos na anterior redação.
Aplaudimos, por isso, a audácia do legislador nacional ao ir mais além do que a Diretiva.
Contudo, não concordamos com a via da facilidade que o legislador seguiu para efetuar a
transposição – através de um diploma legal avulso. Porventura terá sido a mais atrativa em
termos políticos.
Defendemos147 que o legislador deveria ter optado pela “solução grande” e efetuar a transposição
para o código civil, com a extensão ao direito comum da compra e venda, adequando este
regime ao padrão do negócio na atualidade e às suas necessidades de regulamentação. Como
constatamos, o mesmo encontra-se desfasado com o mercado atual, já não correspondendo às
exigências do mesmo.
Caso o legislador não estivesse “preparado” para tamanha revolução, seria preferível, ao invés
da transposição em diploma avulso, a compilação de toda a matéria ligada à defesa do
consumidor num código de consumo (cujo anteprojeto foi realizado não tendo no entanto
passado disso mesmo, de um projeto), situação aliás muito mais favorável para o próprio
consumidor, o qual saberia onde estavam consagrados todos os seus direitos, podendo
“defender-se” melhor. Pois, da forma como está dispersa a legislação do consumo, dificilmente
o consumidor médio, razoavelmente informado, poderá ter conhecimento da plenitude dos
direitos que lhe assistem.
147
Seguindo a opinião da doutrina, nomeadamente de Pinto, Paulo Mota, “Anteprojeto de Diploma de Transposição da Diretiva 1999/44/CE para o Direito Português, Exposição de motivos e articulado” Instituto do Consumidor 2002;
123
Julgamos, igualmente, que aquando da transposição seria uma excelente oportunidade para
harmonizar os regimes da segurança e da conformidade num sistema unitário de tutela, pois
ambas as situações regulam as consequências de defeitos em bens de consumo, não fazendo
sentido continuarem afastados, quando na realidade andam “de mãos dadas”.
Por último e respondendo à pergunta formulada no início deste trabalho, o produtor, por força do
artigo 6.º do DL 67/2003 tem uma responsabilidade direta perante o consumidor,
responsabilidade essa que se encontra limitada à reparação ou substituição do bem, não
abrangendo a indemnização pela desconformidade do bem de consumo.
Entendemos que tal indemnização deveria ter sido consagrada pelo legislador, da mesma forma
que o foi no âmbito do diploma relativo à segurança dos produtos. Não obstante, deveria o
legislador, pelo menos, ter acautelado aquelas situações em que o vendedor final entra em
insolvência e, naturalmente, o consumidor não poderá exigir-lhe uma indemnização pela
desconformidade do bem, ficando assim o seu elevado grau de proteção bastante prejudicado.
Como tal sugerimos e defendemos que deveria ter sido, pelo menos na redação do DL
84/2008, previsto no artigo 6.º, um número no qual se permitisse ao consumidor, em caso de
insolvência do vendedor final, poder exigir do produtor uma indemnização pela desconformidade
do bem, alargando, nestes casos, a responsabilidade direta do produtor perante o consumidor à
indemnização resultante da desconformidade do bem.
124
125
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