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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE ARTES VISUAIS
MATHEUS ABEL LIMA DE BITENCOURT
ARTE EM VÍDEO: VIDEOARTE? – AS POSSÍVEIS DEFINIÇÕES DE VIDEOARTE
E VIDEOARTISTA NA CONTEMPORANEIDADE
CRICÍUMA
2015
MATHEUS ABEL LIMA DE BITENCOURT
ARTE EM VÍDEO: VIDEOARTE? – AS POSSÍVEIS DEFINIÇÕES DE VIDEOARTE
E VIDEOARTISTA NA CONTEMPORANEIDADE
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de bacharel no curso de Artes Visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientador: Prof. Me. Tiago da Silva Coelho
CRICÍUMA
2015
MATHEUS ABEL LIMA DE BITENCOURT
ARTE EM VÍDEO: VIDEOARTE? – AS POSSÍVEIS DEFINIÇÕES DE VIDEOARTE
E VIDEOARTISTA NA CONTEMPORANEIDADE
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de bacharel, no curso de Artes Visuais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Processos e Poéticas: Linguagens.
Criciúma, 24 de junho de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Tiago da Silva Coelho - Mestre - (UNESC) - Orientador
Prof. Alan Figueiredo Cichela - Especialista - (UNESC)
Profa. Leila Laís Gonçalves - Mestre - (UNESC)
Para meu tio-avô, grande amigo e
apaixonado pela Arte, Sérgio Abel, que
faleceu em decorrência do câncer poucos
dias antes desta pesquisa ser entregue.
AGRADECIMENTOS
Meu mais profundo sentimento de gratidão a minha grande família: minha
mãe, Heloisa Abel, que sempre apoiou minhas escolhas. É quem me fez quem sou
hoje, me ensinando a diferença entre o certo e o fácil, gritando comigo sempre que
necessário. Obrigado por tudo. És o maior exemplo que tenho e vou ter.
Meus avós, Gladis Abel e Edegar Lima, por todos os ensinamentos e
lições. Foram meus segundos pais. Obrigado por tudo.
Bruna, tu é quem sempre dá aquele empurrão que faltava. Sabendo de
todo meu pânico quando se trata de apresentar qualquer coisa ou de falar na frente
do menor grupo de pessoas, sempre me encorajou. Obrigado por ler e reler todas as
páginas seguintes, me apontando erros e me sugerindo mudanças. Não teria sido a
mesma coisa sem tua ajuda.
Meus poucos e raros amigos verdadeiros, que muitas vezes foram
madrugada adentro, me ouvindo e apoiando. Obrigado pelas palavras, vocês foram
essenciais. Não vou nomear ninguém: vocês sabem que foram vocês.
Meus cachorros, minha guitarra, meus lápis e meu chimarrão: vocês
aguentaram desabafos durante todo esse semestre.
Tiago Coelho, meu orientador e amigo, obrigado por fazer com que minha
ideia, que na minha cabeça era sem saída, encontrasse um rumo.
Leila e Alan, professores amigos que aceitaram fazer parte da minha
banca. Obrigado!
Amigo-artista Jonas Esteves, pelas referências que não pude encontrar
sozinho. Obrigado!
Um obrigado gigantesco a todos vocês.
“Se a Arte Contemporânea dá medo é por
ser abrangente demais e muito próxima da
vida.”
Fernando Cocchiarale
RESUMO
Intitulada “Arte em vídeo – videoarte? As possíveis definições de videoarte e videoartista na contemporaneidade”, este Trabalho de Conclusão de Curso encaixa-se na linha de pesquisa de Processos e Poéticas: Linguagens, inserida no Curso de Artes Visuais bacharelado. Tem-se como problema de pesquisa, o que impossibilitou a definição da videoarte na contemporaneidade?. Por meio desta questão central, busco possíveis causas que tenham provocado transtorno dentro do cenário de vídeo na Arte. Além deste problema, trago as seguintes questões norteadoras: “qual o espaço da videoarte dentro da Arte Contemporânea?” e “o que define um videoartista hoje e, logo, sua produção, como artista e arte contemporâneos, respectivamente?”. Com estas, busco situar o videoartista e sua produção dentro do período que conhecemos como Arte Contemporânea. Apoio-me em autores como RUSH (2006), SALLES (2009), FARTHING (2010), e FREIRE (2014). Desenvolvo uma produção em vídeo que dialoga com a escrita, e teve o artista americano John Baldessari como inspiração. Ao final, trago considerações que pude constatar durante todo o processo de pesquisa. Palavras-chave: Videoarte. Videoartista. Arte Conceitual. Mídias.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Estudos de anatomia feitos por Leonardo Da Vinci.................................. 17
Figura 2 – O Rapto de Sabina, Giambologna............................................................ 18
Figura 3 – Pastor tocando flauta para uma pastora, François Boucher. ................... 19
Figura 4 – Napoleão cruzando os Alpes, Jacques Louis David. ................................ 20
Figura 5 – Três de maio de 1808, Francisco de Goya .............................................. 21
Figura 6 – Pintura, Maria Leontina ............................................................................ 25
Figura 7 – Vista da janela em Le Gras, Joseph Nicéphore Niépce ........................... 27
Figura 8 – Cavalo andando, Eadweard Muybridge. .................................................. 28
Figura 9 – Thomas Edison e George Eastman com um cinematógrafo. ................... 29
Figura 10 – Jackson Pollock 51. ................................................................................ 30
Figura 11– “Magnet TV”, Nam June Paik. ................................................................. 31
Figura 12 – A fonte, Marcel Duchamp. ...................................................................... 31
Figura 13 – Inferno, Yael Bartana. ............................................................................ 33
Figura 14 – I am making art, John Baldessari. .......................................................... 34
Figura 15 – “I will make no more boring art”, John Baldessari. .................................. 36
Figura 16 – Sem titulo. .............................................................................................. 37
Figura 17 – Processo de filmagem. ........................................................................... 38
Figura 18 – Vidro scanneado. ................................................................................... 39
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense
TV Televison, televisão.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 ARTE E ARTISTA: DO RENASCIMENTO A CONTEMPORANEIDADE .............. 16
2.1 ENTRE O RENASCIMENTO E O MODERNO .................................................... 16
2.2 ARTE MODERNA ............................................................................................... 21
2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA ................................................................................. 22
3 PERCURSO ATÉ A VIDEOARTE ......................................................................... 27
4 "SEM TÍTULO" ...................................................................................................... 35
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 41
REFERÊNCIAS.........................................................................................................43
11
1 INTRODUÇÃO
Ainda criança, gostava muito mais de papel e giz de cera do que de
brinquedos: desenhava por horas, em papeis que minha mãe, professora, não
precisava mais. Ainda assim, nunca fui muito bom em desenhar, talvez por falta de
dedicação, algo que eu venho tentando melhorar nos últimos meses.
Voltando a infância, na escola, adorava as aulas de Arte, nas quais as
professoras mostravam obras como "os relógios derretidos1", que todos gostavam,
mesmo sem nem imaginar quem a tivesse pintado; ou a indispensável Mona Lisa2.
Nada muito além disso - apenas nos mostravam o que era a tal "Arte".
Logo, por algum motivo, a professora de Artes foi substituída. Com a nova
professora, fomos apresentados às produções do Romero Britto, as quais tomaram
conta das aulas desde o Ensino Fundamental ao final do Médio. Tais produções me
desapontaram um pouco: eu as considerei, desde o primeiro instante, de um
tremendo mau gosto. Não me sentia confortável com aquelas imagens sendo
chamadas de "obras de arte", tampouco com Britto sendo chamado de "artista".
Minhas notas baixaram, pois comecei a não dar tanta atenção para aquela matéria:
os deveres de casa passaram de escrever resumos sobre movimentos da Arte para
criar um desenho no estilo do Romero Britto. Sentindo falta do conteúdo que
primeiramente nos fora apresentado (por mais breve que isso tenha acontecido),
comecei a procurar livros e estudar por conta e interesse próprios, por volta de 2008.
Esse estudo trouxe finalmente a tona meus sentimentos diante das Artes. Hoje, paro
para pensar e percebo o quão irônico isso tudo foi: afinal, foi Britto quem me fez
gostar de Arte.
Ingressando no curso de Artes Visuais bacharelado em 2011, fui
apresentado a diversas técnicas as quais me apaixonei desde o primeiro instante:
monotipia foi, de longe, uma das que mais me chamou atenção, e foi a responsável
para que eu começasse a organizar um espaço na garagem para usar como ateliê.
Alguns semestres depois, na sétima fase, desenvolvi certo interesse no que diz
respeito a vídeo. Sempre fui um grande fã de cinema: não apenas o filme em si ou a
1 “A persistência da memória”, Salvador Dalí, 1931. Óleo sobre tela, 24cm x 33cm. Localizada no
Museu de Arte Moderna, em Nova Iorque, Estados Unidos. 2 Também chamada de “A Gioconda”, de Leonardo Da Vinci. Óleo sobre madeira, 77cm x 53cm.
Localizada no Museu do Louve, em Paris, França.
12
estória, mas questões de iluminação, figurino, colecionáveis; mas dessa vez, me
refiro a videoarte, com as que faziam críticas a televisão; as que zombavam da Arte,
como o vídeo I am making Art, de John Baldessari3 (Fig. 12), no qual o artista filmou-
se por vários minutos fazendo movimentos aleatórios com os braços enquanto
repetia a frase que dá título ao vídeo ("Eu estou fazendo Arte"); os vídeos de caráter
cinematográfico de Matthew Barney4; passando pelo vídeo-registro de um processo,
como podemos encontrar de Jackson Pollock5 (Fig. 8) e Salvador Dalí6 por exemplo,
que nos colocam "de frente" para o artista, nos mostrando sua expressão, em vários
dos sentidos que a palavra pode proporcionar, enquanto produzia.
Em alguns estudos, tanto feitos dentro da Universidade quanto em casa
por curiosidade, percebi uma grande modificação no cenário de videoarte. A
pesquisa a seguir deu-se, dentre outros motivos, a partir de uma citação encontrada
em um livro intitulado "Tudo Sobre Arte" (2010). O livro traz, de forma acessível e
ricamente ilustrada, um conteúdo que ouso chamar de "resumo" da história da arte,
desde a pré-história até os dias atuais. Podemos encontrar, na página 529: "Artistas
contemporâneos têm impossibilitado a definição de videoarte". Um ano antes,
Canton (2009 p.35) afirma que artistas contemporâneos buscam sentido. Surgiu-me
então, uma inquietação que deu origem a todas as páginas seguintes. Comecei
então a me questionar se toda a produção em vídeo pode ser uma videoarte
atualmente, levando em consideração sua trajetória desde o seu surgimento. O que
impossibilitou a definição da videoarte na contemporaneidade? Qual seu espaço
dentro da Arte Contemporânea? O que define um videoartista hoje e, logo, sua
produção, como artista e arte contemporâneos, respectivamente?
Busco, então, uma possível definição para o que é ser artista/videoartista
nos dias atuais. Estou ciente de que não conseguirei uma resposta específica, mas
sim alguns apontamentos. Substituo uma resposta por uma reflexão, e espero que
esta, por sua vez, possa mostrar uma direção a qual seguir.
3 John Anthony Baldessari, nascido em 17 de junho de 1931. Artista conceitual americano conhecido
por seus trabalhos com pintura, escultura, instalação, fotografia e vídeo. 4 Matthew Barney, nascido em 25 de março de 1967, reconhecido por seus trabalhos com escultura,
fotografia, desenho e vídeo. 5 Paul Jackson Pollock, nascido em 28 de janeiro de 1912 em Cody, nos Estados Unidos. Faleceu em
11 de agosto de 1956. Referência no Expressionismo Abstrato. Desenvolveu a técnica de gotejamento. 6 Salvador Domingo Felipe Jacinto Dalí i Domenech, nascido em 11 de maio de 1904. Faleceu em 23
de janeiro de 1989. Ícone do surrealismo, também tendo produções cubistas e dadaístas.
13
O campo que escolhi para realizar a minha pesquisa, mesmo sendo de
surgimento recente, trás infinitas possibilidades. Ainda assim, pouco foi discutido até
o momento: o que causou certa dificuldade para encontrar material para a pesquisa.
1.1 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS
No segundo capítulo, intitulado “Arte e artista: do Renascimento a
Contemporaneidade”, busco relatar as características da Arte e aqueles que a
criavam, passando por movimentos específicos, escolhidos pela sua importância.
Destaco FARTHING (2010), livro que trás uma linha do tempo da Arte (inclusive
desde muito antes do Renascimento). Pode-se perceber, ao traçarmos essa linha,
que a Arte até certo ponto era fortemente movida pela política, tendo o artista como
quem registraria feitos e acontecimentos de suas épocas. É perceptível também que
cada movimento se posicionava contra (em diversos aspectos) ao seu anterior:
diferente da Arte Moderna (em 2.2), na qual se abriu um leque de novos caminhos
paralelos e que por diversas vezes se cruzavam, mas sem se posicionar um contra o
outro.
Quando o capítulo se divide e inicia-se a escrita sobre Arte Contemporânea,
utilizo palavras de CAUQUELIN (1992), para tentar esboçar um caminho no qual
ainda estamos; e AGAMBEN (2006) para nos dizer o que é “ser contemporâneo”,
juntando sua definição com a de COCCHIARALE (2010), que nos diz o que é “ser
artista” atualmente.
O terceiro capítulo, intitulado “Percurso até a videoarte”, trás um breve
histórico do caminho percorrido para que se chegasse no vídeo. Para isso, trago
RUSH (2006), que nos conta sobre o surgimento da fotografia e como esta evoluiu,
nas mãos de Thomas Edison e seu assistente para o cinematógrafo, possibilitando
as primeiras filmagens. Após apresentar a história do vídeo, trago o surgimento da
videoarte, em 1965, com Nam June Paik e as primeiras câmeras de vídeo portáteis.
Seguindo a apresentação deste surgimento, aponto as portas abertas pela
videoarte, tais como a Arte Fílmica e os vídeos de registro de processos artísticos.
Essas ramificações se abriram de tal forma a ponto de colocar a sua origem como
algo menor.
14
O quarto capítulo trata sobre minha produção, desenvolvida para
complementar a escrita. Baseando-me na Arte Conceitual de John Baldessari,
especificamente em duas de suas obras, I am making art e I will make no more
boring art. Quando tratando brevemente sobre Arte Conceitual, trago FREIRE (2006)
e BATTCOCK (1975). Trago neste capítulo fotos do processo, e relato toda a
produção: uma videoarte, intitulada "Sem título" propositalmente. Falo também sobre
minhas referências e inspirações para realizar o vídeo.
No quinto e ultimo capítulo, trago minhas considerações finais: as direções
para um resultado que ainda há de ser escrito.
1.2 METODOLOGIA
Este Trabalho de Conclusão de Curso, requisitado no Curso de Artes Visuais
bacharelado da UNESC, tem como título Arte em vídeo – videoarte? As possíveis
definições de videoarte e videoartista na contemporaneidade, e trás como problema
de pesquisa o que impossibilitou a definição da videoarte na contemporaneidade?
Uma vez que se pode encontrar essa afirmação em FARTHING (2010).
Tendo esta pergunta como ponto de partida, faço um levantamento das
possíveis causas que tenham causado a perda de definição dita por Farthing em
Tudo Sobre Arte.
Além desta questão central, norteio-me também por outras perguntas, qual o
espaço da videoarte dentro da Arte Contemporânea? E o que define um videoartista
hoje e, logo, sua produção, como artista e arte contemporânea, respectivamente?
Com estas questões, busco situar a videoarte dentro do período atual da Arte,
tal como as formas as quais esta forma de produção se apresenta hoje. Procuro
também assinalar alguns pontos que podem definir o videoartista e sua produção
como Arte.
Este trabalho encaixa-se na linha de pesquisa de Processos e Poéticas:
Linguagens. De natureza básica, é de abordagem qualitativa, uma vez que seus
objetivos não podem ser traduzidos em números e seu foco não é a quantificação de
dados.
15
Minayo (2002, p. 22) nos diz que a pesquisa qualitativa é aquela que “trabalha
com o universo de significações, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”.
Trata-se também de uma pesquisa exploratória, na qual realizo um levantamento
bibliográfico com alguns autores que dialogam com o tema abordado.
Ciente de que não encerrarei o assunto em apenas uma pesquisa, dado o
fato de que o cenário ainda está se transformando, trago Rey (2002, p. 125),
afirmando que “para a pesquisa, muito mais importante do que achar respostas é
saber colocar questões. (...) A pesquisa faz avançar as questões da arte e da
cultura, reposicionando-as ou apresentando-as sob novos ângulos”.
Desenvolvo uma produção em vídeo que conversa com a escrita, utilizando
como referência e inspiração produções de videoarte das décadas de 1960 e 1970,
utilizando também como base produções conceituais de John Baldessari.
16
2 ARTE E ARTISTA: DO RENASCIMENTO A CONTEMPORANEIDADE
Sem fazer um mergulho profundo nas causas e fatores que fizeram com
que cada período citado surgisse – mesmo porque esse não é o intuito da pesquisa
–, trago, neste capítulo, características sobre as definições de Arte e artista de
alguns movimentos entre o Renascimento e a Arte Contemporânea.
Trago o recorte histórico para nos localizar no meio do mar de formatos e
funções (digamos assim), que a Arte já teve.
2.1 ENTRE O RENASCIMENTO E O MODERNO
Na Europa, entre 1300 e 1650 d.C., se desenvolveu o que hoje
conhecemos como o Renascimento. O período buscava a ressurreição consciente
do passado (daí o nome), trazendo a cultura greco-romana da Antiguidade de volta,
considerando-o agora como modelo de civilização: deve-se destacar, ainda assim,
que o Renascimento não tinha a intenção e nem o objetivo de "copiar as obras da
Antiguidade, mas o de igualá-la, e, se fosse possível, superá-la" (JANSON, 2001,
p.541). Buscando a valorização do homem e da natureza, o período opunha-se a
diversos conceitos que eram predominantes durante a Idade Média: na qual se
acreditava que “o homem ocupava hierarquicamente uma posição insignificante e
inalterável, imerso em um mundo repleto de tentações e pecado” (LEAL, 2003): o
teocentrismo medieval foi substituído pelo antropocentrismo, ainda que alguns
elementos tivessem sido preservados (WOODS, 2008), colocando o humanismo
como uma das principais marcas da identidade Renascentista. Para o historiador
Woods (2008), “é na Idade Média que encontramos as origens das técnicas
artísticas que viriam a ser aperfeiçoadas no período seguinte”.
Na pintura, a perspectiva e a proporção eram colocadas na tela de acordo
com princípios matemáticos e geométricos, cuidadosamente pensados. Tendo o
individualismo como uma das características do cenário pictórico da época, cada
pintor desenvolvia um estilo pessoal e único, ainda que com aspectos em comum
entre todos. Baseavam-se na observação do mundo, em princípios racionais, na
harmonia e no equilíbrio em suas pinturas e desenhos.
Um dos nomes que marca o Renascimento, sem dúvida, é o de Leonardo
17
di Ser Piero da Vinci7 - ou simplesmente Leonardo da Vinci, como mais o
conhecemos. Utilizo-me do nome e produção do artista para definir as obras do
período: jogos de luz e sombra impecáveis, tanto na pintura em óleo quanto em
simples desenhos de carvão e papel. Da Vinci, particularmente, estudou cada parte
do corpo humano, incluindo o esqueleto - cada osso, articulação e mínimo detalhe.
Figura 1 – Estudos de anatomia feitos por Leonardo Da Vinci
Fonte: http://www.leonardoda-vinci.org/Anatomical-studies-of-the-shoulder.html Acesso em 05/03/15
às 12h35
Anos depois, entramos na era do Maneirismo8, que por algum tempo foi
considerado como o período final e decadente do Renascimento: e que nos dias
atuais teve seus ideais revistos e repensados, passando a ser considerado como um
período autônomo.
Os artistas do Maneirismo em sua fase inicial eram ditos como “anti-
clássicos”: por terem suas obras feitas fora do estilo Renascentista. Havia, nas
pinturas e esculturas, efeitos distorcidos de luz e perspectiva, efeitos exagerados na
escala e proporção (quando se tratando da figura humana), o homem era colocado
em posição de esforço, se contorcendo, com a intenção de fazer com que a cena
7 Leonardo Da Vinci, nascido em 15 de abril de 1452, em Vinci, Itália. Faleceu em 2 de maio de 1519.
8 Do italiano “maniera”, significando “maneira”, “estilo”.
18
retratada se tornasse mais dramática: o que faz com que o período seja marcado
pelo artificialismo, rompendo a naturalidade do Renascimento.
Figura 2 – O Rapto de Sabina, Giambologna
Fonte: http://www.ateliearterestauracao.com.br/breve-cronologia-da-historia-da-escultura-maneirismo-
ao-neoclassico-parte-4/giambologna-o-rapto-da-sabina/ Acesso em 05/03/15 às 14h30
Na Itália, o Maneirismo entrou em declínio por volta de 1590. Nos
mesmos anos, Caravaggio9, juntamente de uma nova geração de artistas, buscava
trazer de volta o naturalismo que havia sido deixado de lado: o que nos introduz ao
Barroco, nos primeiros anos de 1600.
Por volta de 1700, o período Barroco diluiu-se enquanto na França o
Rococó10 entrava em cena: assim como o Maneirismo foi uma resposta ao
Renascimento, o mesmo aconteceu com o Rococó e o Barroco. Havia agora mais
9 Michelangelo Merisi da Caravaggio, nascido em 29 de setembro de 1571, em Milão, Itália. Faleceu
em 18 de julho de 1610. Primeiro grande pintor representante do Barroco. 10
Junção da palavra francesa “rocaille”, estilo de decoração extravagante com pedras e conchas, e da palavra italiana “barocco”. Criou-se então o termo “Rococó”, que zombava do estilo como sendo inferior ao seu anterior (Barroco).
19
delicadeza nas obras, mostrando linhas delicadas e cores suaves, sendo por vezes
julgada como indulgente e pretensiosa, uma vez que as obras do período eram
fortemente relacionadas a aristocracia francesa.
Figura 3 – Pastor tocando flauta para uma pastora11, François Boucher12
Fonte: FARTHING (2010)
Grandes partes das críticas feitas ao Rococó falavam da falta de
seriedade nas obras, uma vez que eram, muitas vezes, produzidas para decoração.
(FARTHING, 2010).
Novamente, temos uma reação contra o período anterior quando somos
apresentados ao Neoclassicismo na metade dos anos de 1760: vindo primeiramente
de pensadores, antes de artistas. Olhava-se novamente para a arte da Antiguidade
como um modelo. Farthing nos diz que “uma das principais críticas dos pensadores
era a de que a visão Rococó do mundo clássico se detinha em fantasias eróticas
envolvendo deusas nuas” (2010, p.261).
As obras mostravam imagens sérias, podendo ser consideradas o oposto
do Barroco e do Rococó. Trago como exemplo Jacques Louis David13, pintor oficial
da corte imperial, tendo pintado diversas telas sobre a vida de Napoleão
Bonaparte14.
11
Óleo sobre tela, 94 cm x 142cm. Localizada na Wallace Collection, em Londres, Reino Unido. 12
Nascido em 29 de setembro de 1703, em Paris, França. Faleceu em 30 de maio de 1770. Pintor. 13
Nascido em 30 de agosto de 1748 em Paris, França. Faleceu em 29 de dezembro de 1825. 14
Nascido em 15 de agosto de 1769. Faleceu em 5 de maio de 1821. Imperador da França entre 28 de maio de 1804 a 11 de abril do mesmo ano e 20 de março de 1815 a 22 de junho do mesmo ano.
20
Figura 4 – Napoleão cruzando os Alpes, Jacques Louis David
Fonte: http://www.jacqueslouisdavid.org/Napoleon-Crossing-the-Alps Acesso em 07/03/15 às 17h10
Por volta de 1770, desenvolveu-se o Romantismo. O movimento “surgiu,
em parte, como reação ao racionalismo iluminista do século XVIII” (FARTHING,
2010, p.267). Os filósofos alemães Georg Hegel, Immanuel Kant e Karl Schlegel
foram quem deram o pontapé inicial. Colocavam o mundo interior do artista como
centro do romantismo.
Após a Revolução Francesa (1789), crises políticas e outras revoluções
ocorreram na Europa. Para sintetizar a formação do movimento, trago Farthing, que
nos diz que
A desilusão com a racionalidade decorrente da não concretização desse mundo melhor [proposto por pensadores iluministas] e da persistência do caos e das guerras ajudou a fomentar o romantismo. (2010, p.267)
As pinturas do período Romântico nos trazem cenas fortes das guerras
que estavam acontecendo por toda a Europa. O espanhol Francisco de Goya15 nos
mostra o horror dos acontecimentos em uma série de gravuras e pinturas, tais como
“Três de maio de 1808”.
15
Francisco José de Goya y Lucientes, nascido em 30 de março de 1746 em Fuendetodos, Espanha. Faleceu em 16 de abril de 1828.
21
Figura 5 – Três de maio de 1808, Francisco de Goya
Fonte: http://www.franciscodegoya.net/May-3--1808.html Acesso em 08/03/15 às 2h45
A força da natureza também era um tema recorrente nas obras do
movimento: mostrando-se maior e imbatível.
2.2 ARTE MODERNA
Com Edouard Manet16 e os primeiros Impressionistas Franceses se deu o
primeiro passo da Arte Moderna, que teve seus artistas já apontando para a Arte
Contemporânea. Buscavam novos materiais e novas maneiras de usá-los, novas
técnicas, e repensavam seus papeis enquanto artistas.
Houve grande resistência dos críticos em aceitar as produções Modernas
como Arte, uma vez que estavam acostumados com os padrões até então
colocados. A Arte Moderna é dita por Favaretto (1999) como o "grande campo" da
Arte, o qual abriga "as mais variadas experimentações". Além do Impressionismo,
deu-se origem a diversos outros movimentos, tais como o aclamado Surrealismo,
com André Breton17; o Cubismo com Pablo Picasso18; e a Pop Arte, com Andy
16
Nascido em 23 de janeiro de 1832, em Paris, França. Faleceu em 30 de abril de 1883. 17
Nascido em 19 de fevereiro de 1896 em Tinchebray, França. Falaceu em 28 de setembro de 1966. 18
Nascido Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso em25 de outubro de 1881, em Málaga, na Espanha. Faleceu em 8 de abril de 1973.
22
Warhol19. Estes movimentos eram completamente novos, rompendo com o formato
de como surgiam até o Romantismo: a ideia de que um movimento surgia, diversas
vezes (mas não somente) opondo-se ao movimento anterior. Ao contrário, diversos
desses movimentos surgiam quando algo de novo era acrescentado ao anterior,
como é o caso do Expressionismo e o Expressionismo Abstrato, por exemplo, que
abriram caminho para o Suprematismo, Construtivismo e diversos outros.
Ainda em Favaretto (1999), afirma-se que "muita obra moderna é um belo
horror". Os artistas do Modernismo acreditavam que a Arte Clássica da Europa (o
que inclui todos os movimentos que citamos anteriormente) já não era relevante para
suas carreiras enquanto artistas, tampouco para seu processo criativo e por
consequência, de sua Arte. Acreditavam que a Arte tinha a função de dar um sentido
e um significado a vida (FAVARETTO, 1999).
Durante os anos de 1960, a Arte Moderna se dissolve por diversos
motivos: dentre eles, o de que os artistas modernos aos poucos perderam seu
otimismo em sua busca pelo significado da vida. Surge, gradualmente, o Pós-
Modernismo.
Artistas pós-modernos tinham uma visão diferente sobre a função da Arte:
rejeitavam a busca pelo significado. O foco deixou de ser o objeto final, seja este o
que for, e passa a ser a maneira como se chegou até ele - o processo. O artista
passa a ser aquele que tem um conceito, e não uma técnica.
2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA
As dificuldades apresentadas pela arte contemporânea ao espectador são imensas, pois as categorias que identificavam as obras e outras propostas artísticas, até mesmo nas vanguardas, são hoje aleatórias e ainda não definindo um regime básico de absorção e fruição. (FAVARETTO, 1999)
Mais de uma vez já ouvi comentários sobre Arte Contemporânea que
diziam "isso até eu faço!", "isso não faz sentido", e o clássico "isso é Arte?". De fato,
nos dias de hoje, o conceito de Arte se expandiu de tal forma que dificultou com que
se respondesse essa clássica pergunta. Rompendo com o Modernismo, a Arte
Contemporânea criou, em um primeiro momento (o qual ouso dizer que se estende
até hoje, de certa forma), um grande estranhamento por parte do público. Por essa
19
Nascido Andrej Varhola Jr., em 6 de agosto de 1928 em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Faleceu em 22 de fevereiro de 1987.
23
razão, abriu-se um vazio entre espectador e Arte: havia, como para alguns ainda há,
dificuldade para se compreender as obras.
Muitas pessoas ainda estão ligadas a noção de que Arte é feita apenas
de tinta e tela, mármore, pincéis e cavalete. Existe uma grande resistência em
aceitar a Arte Contemporânea, que substitui as telas e as esculturas por objetos
corriqueiros do dia-a-dia. Trago Cauquelin (1992) que nos diz que a obra "(...) pode
então ser qualquer coisa, mas numa determinada hora". Para observar uma
produção em Arte Contemporânea, dependemos de nossas experiências pessoais,
uma vez que o expectador passa a fazer parte (da maioria das) obras expostas. Não
existe apenas uma interpretação: muito pelo contrário. Cada expectador, tenha ele
algum conhecimento na área das Artes ou não, passa a ter seu próprio
entendimento, baseado na sua vida e em seu cotidiano. Tal entendimento e
interpretação (do expectador) não precisam condizer com o do artista, que por sua
vez produziu tendo como fonte e inspiração sua própria vivência e dia-a-dia. O
tempo em que vive, seu meio social e seu contexto, são refletidos na produção de
um artista. Para Canton,
Ela [a Arte] provoca, instiga e estimula nossos sentidos, descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma ordem preestabelecida e sugerindo ampliadas possibilidades de viver e de se organizar no mundo. (CANTON, 2009, p.12)
Logo, para compreender melhor tal "Arte", é necessário compreender o
tempo de quem a produziu. Em se tratando de Arte Contemporânea, possibilitaram-
se criações além do concreto, proporcionou-se aos artistas infinita possibilidade de
criação: saindo da tela, do papel e do plano bidimensional, pendurado na parede de
um cubo branco. Procuraram-se outros suportes: assim como Marcel Duchamp20,
voltando ao Dadaísmo e Arte Moderna, com "A Fonte" (1917, assinada como R.
Mutt), e Nam June Paik, com uma das primeiras câmeras filmadoras Portapak, em
1965: que veremos mais detalhadamente em breve.
O contemporâneo "deve manter o olhar fixo no seu tempo", afirma
Agamben (2006). O artista deve se adaptar a época em que vive: utilizando as
novas ferramentas que surgirem. Isso, por consequência (embora não
necessariamente), modifica o cenário da Arte. Projeções em vídeo substituem
20
Nascido em 28 de julho de 1887 em Blainville-Crevon, França. Falecido em 2 de outubro de 1968. Primeiro artista a trabalhar com o ready-made.
24
grandes molduras, e esculturas dão lugar a instalações das mais diversas formas.
Isso não significa que Arte clássica está perdendo seu espaço nas galerias: está
apenas dando espaço ao contemporâneo - a nova fase da Arte, na qual a ideia e o
conceito nem sempre estão implícitos na produção, mas que muitas vezes se tornam
mais importantes do que a produção em si. O imaterial se sobrepõe ao material. O
processo - o caminho - se torna tão importante quanto o que se vê exposto.
Salles (1998) nos diz que "por necessidade, o artista é impelido a agir", a
criar. Essa "necessidade" colocada pela autora, não é a de criar ou produzir Arte
propriamente dita - a conhecida Arte pela Arte. Aplica-se, na verdade, ao desejo de
expor seus pensamentos, suas críticas, seus sentimentos, e - porque não? - seus
devaneios. Agir no sentido de sentir como se fosse necessário fazer algo a favor ou
contra algo. Um protesto, uma inquietação ou uma mensagem que pode ter
centenas de significados: incluindo o de não ter nenhum.
Podemos dizer que, numa visão atual sobre diversos movimentos, o
artista era, a grosso modo, aquele que conhecia e dominava técnicas de pintura, por
exemplo (não negando a capacidade intelectual dos artistas do período,
obviamente). Já anos mais tarde, os suprematistas, como Malevich21 em meados de
1915, procuravam romper a ideia das três dimensões as quais o sentido humano
conhece: já indo para um patamar além da técnica. Com formas geométricas, o
artista afirmava representar uma quarta dimensão - um mundo por trás do que
vemos, afirmando ainda uma realidade, formada por energias invisíveis, mas não
menos reais. E hoje, um século depois de Malevich, o que forma um artista
contemporâneo e o que define sua produção?
O artista deixa de ser aquele que nos relata algum acontecimento,
vivenciado por ele ou não, e torna-se aquele que expõe suas próprias ideias, seus
pensamentos e suas experiências. Ao entrar em uma galeria, ou quaisquer outros
espaços expositivos nos dias de hoje, nos deparamos com as mais diversas formas,
materiais, e maneiras de se expor um objeto.
Favaretto (1999), que nos afirma que a palavra "obra" já não consegue
dar conta das transformações ocorridas nas Artes: as peças expostas passam a não
ter necessariamente um significado, como podemos observar em pinturas abstratas.
Trago como exemplo uma obra de Maria Leontina, que tem como título "Pintura", de
21
Kazimir Severinovich Malevich, nascido em 23 de fevereiro de 1879 em Kiev, Ucrânia. Faleceu em 15 de maio de 1935. Pintor.
25
1967, onde não há significado ou mensagem alguma: é apenas uma relação de cor
e forma - nada mais, contrapondo-se a Arte Romântica, por exemplo, na qual havia
uma história atual (para a época) sendo contada do ponto de vista do artista.
Figura 6 – Pintura, Maria Leontina
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8721/maria-leontina Acesso em 26/06/15 às 19h40
Ser artista é algo que desperta muitos questionamentos, tais como
quando alguém se torna artista? Ou o que define alguém como artista? Podemos
dizer que artista é aquele que cria - que produz algo com a intenção de que isso seja
aceito como Arte. Ainda assim, trago Duchamp, que nos diz que
(...) milhões de artistas criam, mas somente alguns poucos milhares são discutidos ou aceitos pelo público e muito menos ainda são os consagrados pela posteridade. (DUCHAMP apud BATTCOCK, 1973, p.72)
Com isso, podemos entender que para que alguém se torne (na falta de
uma palavra melhor) um artista, é necessária a intervenção do público, que é quem
define alguém como sendo tal. Contudo, Thornton nos lembra que "o status de
artista vem se transformando muito nas últimas décadas" (2014, p. 6). Tornou-se
quase impossível definirmos o artista hoje, por uma série de motivos. A noção que
26
se tinha no Renascimento, por exemplo, de que o artista é aquele que tem domínio
sobre técnicas de pintura, dissolveu-se quando "o artista não mais precisa,
necessariamente, fazer sua obra com as mãos" (Cocchiarale, 2007, p. 33).
O artista passa a ser aquele que cria o conceito. A partir dele, gera-se a
obra por meio de ready-mades, trazendo objetos comuns e muitas vezes produzidos
em série, para dentro da esfera da Arte. Há também aqueles que esboçam a ideia
no papel e a repassam para um ferreiro ou carpinteiro realizá-la: retomando a
citação de Cocchiarale, o artista (hoje) não precisa mais colocar suas mãos na obra,
apenas precisa conceitua-la.
Um artista é artista só num sentido figurado, ou de seus sentimentos. Mas um artista seria artista 24 por dia, quando namora, quando dá uma chinelada no filho ou sei lá o quê? Claro que não! A não ser que seja aquele ente que vive pensando que tudo é arte, tudo é maravilhoso, visão que não combina mais com a experiência que o nosso mundo fraturado nos proporciona, que é um mundo avesso à contemplação. (COCCHIARALE, 2007, p. 77)
O autor nos trás que aquele que é rotulado como artista não o é sempre.
Ele (o artista) é, antes de tudo, uma pessoa com deveres e direitos como quaisquer
outras: essa discussão poderia inclusive gerar muitas outras páginas, ao falarmos
sobre a inflação de um ícone.
A Arte é produzida por um artista. Encerro o capítulo deixando para a
reflexão: tudo o que um artista (após ser colocado como tal) produz é Arte?
27
3 PERCURSO ATÉ A VIDEOARTE
No final da década de 1820 (autores se divergem entre 1826 e 1827), foi
dado o primeiro passo para que, anos mais tarde, fossem produzidos os primeiros
filmes e vídeos: a fotografia. O francês Joseph Nicéphore Niépce22 é quem leva os
créditos pela primeira fotografia de que se tem registro (Fig. 7).
Figura 7 – Vista da janela em Le Gras, Joseph Nicéphore Niépce
Fonte: http://www.infoescola.com/artes/fotografia/ Acesso em 19/04/15 às 16h30
Ainda assim, somente no inicio do século XX que a fotografia passou a
ser considerada como sendo uma forma de Arte. Algumas fotos eram manipuladas
para fazer com que se parecessem pinturas, o que deu origem ao termo
“pictorialismo”.
Nos anos de 1870, Eadweard Muybridge23 inicia trabalhos com fotografia:
buscando capturar cada movimento, humano e animal. Uma das sequência de fotos
mais conhecidas de Muybridge foi feita em 1878 (Fig. 8), mostrando um cavalo
correndo. Doze máquinas fotográficas foram utilizadas, disparando em sequência
para registrar o movimento do animal, embora se tenha registro que foram feitas
tentativas com até 24 câmeras.
22
Nascido em 7 de março de 1765 em Chalon-sur-Saone, França. Faleceu em 5 de julho de 1833. 23
Nascido Edward James Muybridge, em 9 de abril de 1830 em Kingston Upon Thames, Reino Unido.
28
Figura 8 – Cavalo andando, Eadweard Muybridge
Fonte: http http://equineink.com/2008/07/22/the-horse-in-motion-courtesy-of-eadweard-muybridge-
and-occident/ Acesso em 20/04/15 às 4h55
O objetivo das fotografias, num primeiro momento, "era complementar
estudos científicos" (RUSH, 2006). No entanto, artistas (com destaque para os
futuristas) começaram a utilizar essas fotografias em seus estudos.
Se passarmos as imagens em sequência e em velocidade, temos o efeito
semelhante ao de um stop-motion. Podemos dizer que de certa forma (talvez até
inconscientemente) já havia uma necessidade por ver imagens animadas: o que foi
concretizado, alguns anos mais tarde Thomas Edison (Fig. 9) e seu assistente,
Kennedy Laurie Dickson criaram, em 1890, "uma máquina fotográfica de imagens
animadas" (RUSH, 2006): o cinematógrafo. O equipamento permitiu que fossem
gravados os primeiros vídeos da história.
29
Figura 9 – Thomas Edison24 e George Eastman25 com um cinematógrafo
Fonte: http://www.davinciinstitute.com/about/the-vault-artwork/george-eastman-and-thomas-edison/
Acesso em 20/04/15 às 13h30
Alguns nomes começaram a se destacar ao produzirem as primeiras
imagens filmadas: os irmãos Lumière26 são uns dos que alcançaram maior
destaque. O francês George Melies27 passou a ser chamado de "o primeiro artista da
tela", por utilizar técnicas que eram, afinal, a essência da cinematografia em si: foi
responsável pelos primeiros filmes de ficção científica, tais como Viagem à lua, em
1902.
Desde então, vídeos e filmes passaram a ser utilizados cada vez mais no
meio da Arte, registrando performances e happenings. Podemos citar Jackson
Pollock como exemplo - o artista foi filmado enquanto pintava utilizando sua técnica
de gotejamento e falava sobre seu processo de criação.
24
Nascido Thomas Alva Edison, em 11 de fevereiro de 1847 em Ohio, Estados Unidos. Faleceu em
18 de outubro de 1931. 25
Nascido em 12 de julho de 1854 em Waterville, Estados Unidos. Suicidou-se em 14 de março de 1932. Fundador da Kodak, foi um dos popularizadores da fotografia. 26
August Marie e Louis Nicholas Lumiere. Nascidos respectivamente em 19 de outubro de 1862 e 5 de outubro de 1864. Faleceram em 10 de abril de 1954 e 6 de junho de 1948. Filhos de Antoine Lumiere, fabricante de películas fotográficas. 27
Marie-Georges-Jean-Melies, nascido em 8 de dezembro de 1861 em Paris, França. Faleceu em 21 de janeiro de 1938.
30
Figura 10 – Jackson Pollock 5128
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=CrVE-WQBcYQ Acesso em 23/04/15 às 1h30
Tem-se como data do nascimento da videoarte em si, o ano de 1965, e o
sul-coreano Nam June Paik29 como seu criador. Já no Brasil, “é difícil quando
começa a história do vídeo” (MACHADO, 2007, p. 15).
Paik, com uma das primeiras Sony Portapak, o artista faz com que uma
filmagem que poderia ser considerada jornalística vire uma filmagem de seu ponto
de vista da situação: registrou a comitiva do Papa enquanto a mesma passava pela
Quinta Avenida naquela tarde. A noite, Paik apresentou o vídeo no Cafe à GoGo, um
ponto de encontro de artistas e apreciadores da Arte. Aconteceu então, segundo
Rush (2006), a primeira apresentação de uma videoarte. A pergunta óbvia seria "e
isso (o vídeo em questão) pode ser considerado arte?". Para responder a essa
questão, Rush nos diz:
Basicamente, considera-se que ela [a filmagem] seja arte porque um artista reconhecido (Paik), associado à performance e à musica experimental, fez o vídeo como uma extensão de sua prática artística. Ao contrário de um jornalista fazendo seu trabalho com o papa, Paik criou um produto tosco, não comercial, uma expressão pessoal. (2006, p. 76)
Ainda assim, diversos sites e autores defendem que a videoarte surgiu na
Exposition of music-eletronic television30, exposição na qual Paik espalhou diversos
aparelhos de televisão e usava imãs para distorcer as imagens: obra conhecida
simplesmente como "Magnet TV".
28
Fotogramas de 0:12s / 1m16s / 3m08s. 29
Nascido em 20 de julho de 1932, Seul, Coreia do Sul. Faleceu em 29 de janeiro de 2006. 30
“Exposição de musica eletrônica e televisão”.
31
Figura 11– “Magnet TV”, Nam June Paik
Fonte: RUSH (2006)
Penso que essa segunda teoria sobre o nascimento da videoarte tenha
surgido porque a obra em questão já estava dentro de uma galeria: o que nos
remete a ideia de que tudo que está dentro de uma galeria ou espaço voltado a
exposição de Arte é, indubitavelmente, Arte, o que por sua vez remete ao exemplo
que usei anteriormente: quando Duchamp assinou um urinol como "R. Mutt" e o
colocou dentro de uma galeria, na qual fazia parte da banca de curadores.
Figura 12 – A fonte, Marcel Duchamp
Fonte: www.marcelduchamp.net/duchamp-artworks/page/3 Acesso em 24/04/15 às 21h30
Rush defende que o que define a vídeoarte é a intenção do artista, que
32
seria o oposto da intenção "de um executivo da televisão, do cineasta comercial, ou
mesmo do videomaker" (2006, p. 76): a intenção de fazer Arte e a de fazer algo
artístico: dois termos distintos, que nos auxiliam a diferenciar o que pode ou não ser
considerado arte. Por exemplo, o uso de técnicas artísticas "pode dar vida à
televisão comercial, mas não são que normalmente chamaríamos de Arte" (RUSH,
2006, p. 79).
Segundo Rush (2006), os artistas reconhecidos no campo do vídeo
vieram, em quase todos os casos, de "meios de expressão estabelecidos: a pintura
e a escultura". Paik, que antes da videoarte era conhecido por fazer parte do grupo
Fluxus, criou como já foi aqui citado com as palavras de Rush (2006, p. 76), um
"produto tosco e não comercial". Embora o artista coreano tenha utilizado o vídeo
como uma extensão de sua produção - o que foi, afinal, muito comum inclusive entre
artistas brasileiros da década de 1970 - ele produziu, além de uma videoarte, uma
expressão pessoal. Tudo isso na metade da década de 1960: época na qual eram
poucos os que tinham acesso a equipamento de vídeo e nem todas as casas tinham
uma televisão. Com a facilidade cada vez maior de se fazer uma gravação, devido a
câmeras compactas, celulares, filmadoras de preço acessível; a internet e sites
como YouTube, o vídeo vem se tornando algo cada vez mais presente no dia-a-dia
de todos, sendo algo quase banal. Entretanto, um dos suportes mais utilizados
atualmente dentro da Arte é o vídeo: fortemente presente em grandes mostras de
Arte, tais como as Bienais de São Paulo e do Mercosul; na Bienal Internacional de
Arte e Tecnologia; as exposições da Emoção Art.ficial, dentre diversas outras, sendo
parte de uma instalação ou simplesmente exibido em um telão.
Como exemplo mais recente, podemos trazer a 31ª Bienal de São Paulo,
em 2014, na qual a obra que mais repercutiu foi a Inferno (Fig. 13), da israelita Yael
Bartana. A produção faz parte do projeto JRMiP (Jewish Renaissance Mouvement in
Poland31), uma série de três vídeos já produzidos, contando com a Inferno, que teve
repercussão mundial por se tratar da destruição de um grande templo religioso e até
ridicularizar os participantes do culto ao colocar como sacerdote uma drag queen: o
que não seria de acordo com a religião em questão. Inferno é dita por muitos como
uma videoinstalação, enquanto por outros, como Fábio Zuker, uma videoarte. Ou se
trataria, afinal, de uma Arte Fílmica?
31
Inglês para “Movimento Renascentista Judeu na Polônia”.
33
Figura 13 – Inferno32, Yael Bartana
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=1ozpjoFU-Ko Acesso em 25/04/15 às 1h15
Depois de diversas leituras feitas, sites visitados e entrevistas assistidas,
pude perceber que definição de videoarte em sua mais pura essência tem, de fato,
se diluído desde o início do século XXI. Os vídeos gravados de forma linear, sem
cortes, com nenhuma edição, e mostrados de maneira crua ao público, como é o
caso de I am making art (Fig. 14) de John Baldessari, que cito na introdução,
32
Fotogramas de 0:44s / 0:50s / 1m01s.
34
Figura 14 – I am making art33, John Baldessari
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=MOF3qhM6vIA Acesso em 08/04/15 às 23h30
vem sendo substituídos por vídeos perfeitamente editados, muitas vezes com efeitos
especiais (como é o caso de Inferno): as ditas videoartes cinematográficas, ou "Arte
fílmica", como foi chamada por muitos críticos: criando ainda mais dificuldades para
que possamos dizer o que é ou não uma videoarte, que por sua vez já passou a ser
uma subseção da Arte fílmica, segundo Rush, por se "encaixar melhor à atual
prática da maioria dos artistas midiáticos nos dias de hoje" (2006, p.80).
A videoarte deu origem a diversas outras práticas artísticas que utilizam o
vídeo como suporte: tantas que acabou se tornando pequena diante de todas elas.
O próprio videoartista passou ser, utilizando-me do termo de Rush, uma subseção
do artista contemporâneo: o que abrangeria todas as formas de se fazer arte hoje.
Pouco se usa hoje o título de videoartista: este, quando não por contemporâneo, foi
substituído por artista multimídia.
33
Fotogramas de 0:37s / 0:49s / 1m19s.
35
4 "SEM TÍTULO"
Muitos artistas descrevem a criação como um percurso do caos ao cosmos. Um acúmulo de ideias, planos e possibilidades, que vão sendo selecionados e combinados. As combinações são, por sua vez, testadas e assim opções são feitas e um objeto com organização própria vai surgindo. O objeto artístico é construído desse anseio por uma forma de organização. (SALLES, 2009, p. 37)
Devo admitir que minha produção não foi feita em conjunto com a escrita -
quero dizer, não foram ambas produzidas ao mesmo tempo. A produção ficou
apenas em pensamento até pouco mais da metade da escrita. Considerei diversas
ideias, umas durando mais tempo que a outra, mas acabava por não me decidir em
nenhuma, o que acabou gerando alguns dias de preocupação.
Lembrando-me então de uma das frases que deu o pontapé inicial34 na
pesquisa, decidi brincar com as palavras. Surgiu-me a ideia de gravar um vídeo de
caráter aleatório, como os movimentos de John Baldessari em I am making art.
Trata-se de um vídeo conceitual: “problematizando a concepção que se tem
de Arte” (FREIRE, 2006, p. 8). Enquanto galerias afirmavam que o que estava sendo
exposto lá dentro era Arte, artistas conceituais questionavam o que é Arte?
(FARTHING, 2010, p. 500). Baldessari foi um grande representante dentro da Arte
Conceitual, tornando isso visível em I am making art, que nos faz pensar mas afinal,
o que é Arte? Isso é Arte? Procuro entrar no mesmo caminho em minha produção,
questionando quem são os artistas contemporâneos / videoartistas? E o que é
videoarte?
Uso também como referência outra produção de Baldessari, intitulada I will
make no more boring art35. Em 1971, o artista foi convidado a realizar alguns
workshops na Nova Scotia College of Art and Design. No momento, Baldessari não
teve condições (financeiras) para viajar até Nova Escócia, então propôs aos alunos
que escrevessem a frase (que gerou o título) nas paredes. O artista conta que ficou
surpreso ao saber que os alunos cobriram completamente as paredes com a frase36.
34
“Artistas contemporâneos tem impossibilitado a definição de videoarte”. 35
Inglês para “não vou mais fazer Arte chata”. 36
Disponível em: https://www.moma.org/learn/moma_learning/john-baldessari-i-will-not-make-any-more-boring-art-1971.
36
Figura 15 – “I will make no more boring art”37, John Baldessari
Fonte: https://www.moma.org/learn/moma_learning/john-baldessari-i-will-not-make-any-more-boring-
art-1971 Acesso em 22/04/15 às 22h20
O vídeo feito por mim seria reproduzido em um televisor e teria sua
imagem indefinida por uma placa de vidro fosco colocado na frente da tela. Em
referência a Paik em Magnet TV, acrescentei um imã a ideia, colocado-o próximo a
tela da televisão - o que faz com que o campo magnético seja alterado e as imagens
fiquem distorcidas e as cores alteradas. Fiz alguns testes em casa para me certificar
se o imã iria funcionar. Utilizei uma antiga televisão de tubo 29' polegadas e um imã
grande e circular, que tirei de dentro de um falante de amplificador de guitarra.
Antes de colocar a ideia em prática, percebi que a placa de vidro (ainda
não adquirida) poderia caracterizar minha produção como uma instalação.
Procurando manter o foco diretamente na videoarte, decidi remover parte do projeto:
não utilizaria mais o vidro fosco que tornaria a imagem indefinida.
Após algumas horas pensando em uma solução, considerei a ideia de
desfocar o vídeo utilizando algum software de edição, mas logo descartei a
possibilidade: queria um vídeo cru, sem edição, que só precisasse ser rodado,
buscando a essência da videoarte. Softwares de edição fariam com que o foco que
procuro se perdesse novamente.
Procurando fazer tudo da maneira mais crua possível, afastando-me de
qualquer tipo de edição pós-filmagem, decidi voltar a utilizar a placa de vidro fosco:
37
Litografia feita pelos alunos no mesmo dia que ocorreria o workshop em Nova Escócia, também a pedido do artita; 57cm x 76.4cm.
37
mas dessa vez, não diante da tela da televisão, mas sim da lente da câmera: criando
o mesmo efeito.
O vídeo teve seu formato inspirado38 no de Baldessari, pela simplicidade:
o artista está vestido em “seu costumeiro estado de desalinho” (RUSH, 2006, p. 87).
Ambos tratam-se de um vídeo intencionalmente feito sem acabamento.
Figura 16 – Sem titulo39
Fonte: Acervo pessoal
Busquei transmitir no vídeo a sensação de agonia: que seria provocada
pelas imagens desfocadas. Essa parte da ideia remete ao momento em que li a
frase anteriormente citada, que desde o primeiro instante me deixou pensativo sobre
o que haveria impossibilitado a tal definição.
38
Fotogramas na página 29. 39
Fotogramas de 3m23s / 6m34s / 11m34s.
38
Toda a ideia do vídeo final se desenvolveu enquanto eu gravava. A placa de
vidro acabou por não ser fosca, mas transparente. Apenas a sujei para que a
imagem parecesse desfocada. Posicionei a câmera sobre uma mesa e prendi entre
alguns livros uma placa de vidro a alguns centímetros diante da lente.
Figura 17 – Processo de filmagem
Fonte: Acervo pessoal
Em algumas das tentativas, envolvi a câmera em plástico transparente,
buscando deixar a imagem o mais inquietante possível. Contudo, o plástico fazia
com que a imagem se tornasse apenas alguns borrões. Foram necessárias algumas
tentativas para que o vídeo saísse exatamente como eu queria: ajustando foco, o
plástico, o quinto vídeo foi escolhido, durando aproximadamente 14 minutos.
Durante a gravação, escrevi diversas vezes a frase "Artistas
contemporâneos tem impossibilitado a definição de videoarte". Quando cheguei ao
final do espaço, voltei ao topo e continuei escrevendo, sobrepondo as frases.
Quando percebi que já quase não era possível ler uma frase, troquei de caneta e
39
comecei a escrever outras frases: O que é videoarte? / O que é artista? / Videoarte
existe?
No vídeo, a escrita ficou ao contrário: da esquerda para a direita, como se
vista num espelho, para poder capturar o olhar de quem assiste enquanto este tenta
ler o que escrevo. Trago abaixo, scanneado, meu ponto de vista do vidro (inverso ao
mostrado no vídeo).
Figura 18 – Vidro scanneado
Fonte: Acervo pessoal
Procuro expressar e transmitir no vídeo minha inquietação sobre o que é ser
um videoartista hoje: considerando o vídeo como produção e não somente como
uma extensão de uma prática artística, como geralmente é dito.
Não levei muito tempo para decidir que o vídeo não teria título. Não porque
não consegui pensar em um, mas simplesmente porque julguei ser desnecessário.
Quis manter o foco diretamente no vídeo, sem nada que interfira - mesmo porque
todas as informações que quero passar já estão nele, então considerei que a falta de
um título mantenha esse foco com ainda mais firmeza.
Encontro em FREIRE (2006, p. 53) e uso para fundamentar minha
produção, “muitos dos vídeos de artista realizados nos anos 70 têm o caráter de um
diário intimista e solitário, uma espécie de articulação e encenação do privado com a
participação da câmera”. Aproprio-me desta citação para definir minha produção,
40
uma vez que utilizo a videoarte dos anos citados pela autora como base para a
criação.
Para FARIAS (2002, p. 14), "cada obra de arte traz embutida uma crítica a
própria noção de arte e pode mesmo modificar aquilo que entendemos por arte".
Arremato este capítulo criando um link entre a citação de Farias e a videoarte no
decorrer da história – juntamente com a Arte Conceitual em determinados pontos,
abriram novos caminhos e possibilidades, mesmo que estes tenham provocado
grandes transtornos dentro do campo do vídeo.
41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Busquei gerar uma reflexão sobre o lugar e a definição de videoartista em um
cenário contemporâneo, esperando que essas reflexões gerem outras, e que um dia,
elas possam levar a uma resposta. A videoarte completa, em 2015, cinquenta anos
desde sua primeira aparição: pouco tempo, e ainda assim, teve seu cenário
duramente modificado e retorcido, tornando difícil que se chegue a uma resposta
sobre seu espaço nos dias atuais.
Concluo a pesquisa por ora, sem chegar a uma conclusão ou resposta, pois
acredito que a discussão ainda tem muito caminho pela frente - caminhos estes que
talvez só se encerrem, ou encontrem uma bifurcação, quando a Arte
Contemporânea deixar de ser presente e aos poucos se torne passado.
Tive muitas dúvidas na hora de escolher o tema. Acabei fazendo minha
escolha depois de muito pensar sobre o termo frequentemente usado em sala de
aula, "artista em formação", além de outros motivos já ditos na introdução da
pesquisa.
É complicado chegarmos a um resultado que nos diga "o que é ser artista /
videoartista hoje", por mais autores que sejam usados ou por mais páginas que
sejam escritas. As definições destes dois termos mudam constantemente. O que
consegui, até o momento, foram apontamentos sobre o que é ser artista/videoartista
atualmente.
Ao tentar responder meu problema de pesquisa, que consta "o que
impossibilitou a indefinição da videoarte?" pude perceber que a tão aqui falada
"indefinição" deu-se possivelmente pela grande banalização do vídeo: qualquer um
pode gravar, com um celular, câmera, tablet ou uma infinidade de outros
dispositivos. A internet também tem sua participação: com seus infinitos recursos de
compartilhamento, enquanto por um lado nos ajuda a fazer com que um vídeo
circule o mundo em alguns segundos, por outro faz com que essa banalização seja
reforçada. Galerias virtuais de videoarte podem ser facilmente encontradas - muitas
delas independentes; quero dizer, criadas por apreciadores da Arte: o público.
Arrisco-me a dizer que não somente os artistas contemporâneos, mas a Arte
Contemporânea e Conceitual também provocaram, obviamente sem a intenção,
essa perda da definição. Uma vez que o conceito passa para o primeiro plano,
colocando a produção final em segundo, perde-se a essência. Um vídeo aleatório,
42
porém com um conceito trabalhado em sua frente, pode ser elevado ao patamar de
Arte - uma videoarte.
Assim como o artista deixou se der apenas o pintor ou escultor e passa a ser
aquele que produz com tudo o que se pode imaginar (objetos fabricados em série e
softwares, por exemplo, ainda que a pintura e escultura tenham seu espaço,
inseridos no contemporâneo), o termo "videoartista" também se expandiu: os que
produzem Arte em vídeo, hoje são referenciados como artistas contemporâneos.
John Baldessari e Nam June Paik foram videoartistas (embora anteriormente
dedicassem seu trabalho a fotografia, pintura [Baldessari], música experimental e
escultura [Paik]). Já Yael Bartana é colocada na posição de artista contemporânea.
Depois desta a pesquisa, me sinto confiante em dizer que toda videoarte é
Arte em vídeo (não confundir com Arte Fílmica), mas nem toda a Arte feita em vídeo
trata-se de uma videoarte.
Durante todo o processo de pesquisa, me deparei com dificuldades para
encontrar definições sobre os temas abordados, principalmente quando se tratando
de definir o que é artista hoje. Desdobramentos acontecem para todos os lados,
autores por muitas vezes se contradizem quando se trata dessa definição.
Talvez o vídeo que fiz perca seu significado e sua definição daqui alguns
anos, ou talvez passe a ter algum outro. Não porque eu queria: isso não cabe a mim,
mas a todos que o assistiram e assistirem, do momento em que o gravei até sabe-se
lá quando.
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6 REFERÊNCIAS
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