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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC CURSO DE HISTÓRIA ROSANA PERUCHI LUIZ IDENTIFICAÇÕES ÉTNICAS DE CRIANÇAS AFRO-DESCENDENTES NO BAIRRO SANTA BÁRBARA (1952-1964) CRICIÚMA, DEZEMBRO DE 2010

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Page 1: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE ndash UNESC

CURSO DE HISTOacuteRIA

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

CRICIUacuteMA DEZEMBRO DE 2010

1

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para obtenccedilatildeo do Grau de Bacharelado e Licenciatura no Curso de Histoacuteria da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC

Orientadora Prof(ordf) MSc Lucy Cristina Ostetto

CRICIUacuteMA DEZEMBRO DE 2010

2

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

Trabalho de Conclusatildeo de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenccedilatildeo do Grau de Bacharelado e Licenciatura no Curso de Histoacuteria da Universidade do Extremo Sul Catarinense ndash UNESC com Linha de Pesquisa em Histoacuteria Temaacutetica

Criciuacutema 09 de dezembro de 2010

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profordf Lucy Cristina Ostetto ndash MSc ndash (UNESC) ndash Orientadora

__________________________________________________

Prof Antocircnio Luiz Miranda ndash Dr ndash (UNESC)

___________________________________________________

Profordf Geoacutergia dos Passos Hilaacuterio ndash MSc ndash

3

Aos afro-descendentes de Criciuacutema

4

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave minha matildee Tereza Peruchi Luiz e ao meu pai Narciso Luiz

pelo constante apoio e dedicaccedilatildeo e agrave minha irmatilde Giovana Peruchi Luiz

Em especial agradeccedilo a todos os entrevistados para esta pesquisa

Antonio Casimiro Amadeu Fellipe Anaacutelia Joseacute Lima Maria dos Santos Lima Dalci

Daacuterio Maura Martins Vicecircncia Oneacutelia Alano da Rosa Sioni dos Passos Silva e

Sueli dos Passos Simatildeo

Agrave Lucy Cristina Ostetto pelas contribuiccedilotildees no desenvolvimento desta

pesquisa

Aos professores do curso de Histoacuteria em especial ao Dorval do

Nascimento pela oportunidade de participaccedilatildeo em dois projetos de pesquisa

Agradeccedilo imensamente a todos os meus amigos principalmente agrave Rute

Almeida da Silveira (e Silva) Jairto Vitto Juacutenior Jeacutessica Borges Motta e Rodrigo

Szymanski pelo apoio e permanente incentivo

E a todos os que contribuiacuteram no desenvolvimento e elaboraccedilatildeo deste

trabalho

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

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identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

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Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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1

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

Trabalho de Conclusatildeo de Curso apresentado para obtenccedilatildeo do Grau de Bacharelado e Licenciatura no Curso de Histoacuteria da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC

Orientadora Prof(ordf) MSc Lucy Cristina Ostetto

CRICIUacuteMA DEZEMBRO DE 2010

2

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

Trabalho de Conclusatildeo de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenccedilatildeo do Grau de Bacharelado e Licenciatura no Curso de Histoacuteria da Universidade do Extremo Sul Catarinense ndash UNESC com Linha de Pesquisa em Histoacuteria Temaacutetica

Criciuacutema 09 de dezembro de 2010

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profordf Lucy Cristina Ostetto ndash MSc ndash (UNESC) ndash Orientadora

__________________________________________________

Prof Antocircnio Luiz Miranda ndash Dr ndash (UNESC)

___________________________________________________

Profordf Geoacutergia dos Passos Hilaacuterio ndash MSc ndash

3

Aos afro-descendentes de Criciuacutema

4

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave minha matildee Tereza Peruchi Luiz e ao meu pai Narciso Luiz

pelo constante apoio e dedicaccedilatildeo e agrave minha irmatilde Giovana Peruchi Luiz

Em especial agradeccedilo a todos os entrevistados para esta pesquisa

Antonio Casimiro Amadeu Fellipe Anaacutelia Joseacute Lima Maria dos Santos Lima Dalci

Daacuterio Maura Martins Vicecircncia Oneacutelia Alano da Rosa Sioni dos Passos Silva e

Sueli dos Passos Simatildeo

Agrave Lucy Cristina Ostetto pelas contribuiccedilotildees no desenvolvimento desta

pesquisa

Aos professores do curso de Histoacuteria em especial ao Dorval do

Nascimento pela oportunidade de participaccedilatildeo em dois projetos de pesquisa

Agradeccedilo imensamente a todos os meus amigos principalmente agrave Rute

Almeida da Silveira (e Silva) Jairto Vitto Juacutenior Jeacutessica Borges Motta e Rodrigo

Szymanski pelo apoio e permanente incentivo

E a todos os que contribuiacuteram no desenvolvimento e elaboraccedilatildeo deste

trabalho

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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56

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SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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57

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

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experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

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TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

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2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 3: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

2

ROSANA PERUCHI LUIZ

IDENTIFICACcedilOtildeES EacuteTNICAS DE CRIANCcedilAS AFRO-DESCENDENTES

NO BAIRRO SANTA BAacuteRBARA (1952-1964)

Trabalho de Conclusatildeo de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenccedilatildeo do Grau de Bacharelado e Licenciatura no Curso de Histoacuteria da Universidade do Extremo Sul Catarinense ndash UNESC com Linha de Pesquisa em Histoacuteria Temaacutetica

Criciuacutema 09 de dezembro de 2010

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profordf Lucy Cristina Ostetto ndash MSc ndash (UNESC) ndash Orientadora

__________________________________________________

Prof Antocircnio Luiz Miranda ndash Dr ndash (UNESC)

___________________________________________________

Profordf Geoacutergia dos Passos Hilaacuterio ndash MSc ndash

3

Aos afro-descendentes de Criciuacutema

4

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave minha matildee Tereza Peruchi Luiz e ao meu pai Narciso Luiz

pelo constante apoio e dedicaccedilatildeo e agrave minha irmatilde Giovana Peruchi Luiz

Em especial agradeccedilo a todos os entrevistados para esta pesquisa

Antonio Casimiro Amadeu Fellipe Anaacutelia Joseacute Lima Maria dos Santos Lima Dalci

Daacuterio Maura Martins Vicecircncia Oneacutelia Alano da Rosa Sioni dos Passos Silva e

Sueli dos Passos Simatildeo

Agrave Lucy Cristina Ostetto pelas contribuiccedilotildees no desenvolvimento desta

pesquisa

Aos professores do curso de Histoacuteria em especial ao Dorval do

Nascimento pela oportunidade de participaccedilatildeo em dois projetos de pesquisa

Agradeccedilo imensamente a todos os meus amigos principalmente agrave Rute

Almeida da Silveira (e Silva) Jairto Vitto Juacutenior Jeacutessica Borges Motta e Rodrigo

Szymanski pelo apoio e permanente incentivo

E a todos os que contribuiacuteram no desenvolvimento e elaboraccedilatildeo deste

trabalho

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 4: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

3

Aos afro-descendentes de Criciuacutema

4

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave minha matildee Tereza Peruchi Luiz e ao meu pai Narciso Luiz

pelo constante apoio e dedicaccedilatildeo e agrave minha irmatilde Giovana Peruchi Luiz

Em especial agradeccedilo a todos os entrevistados para esta pesquisa

Antonio Casimiro Amadeu Fellipe Anaacutelia Joseacute Lima Maria dos Santos Lima Dalci

Daacuterio Maura Martins Vicecircncia Oneacutelia Alano da Rosa Sioni dos Passos Silva e

Sueli dos Passos Simatildeo

Agrave Lucy Cristina Ostetto pelas contribuiccedilotildees no desenvolvimento desta

pesquisa

Aos professores do curso de Histoacuteria em especial ao Dorval do

Nascimento pela oportunidade de participaccedilatildeo em dois projetos de pesquisa

Agradeccedilo imensamente a todos os meus amigos principalmente agrave Rute

Almeida da Silveira (e Silva) Jairto Vitto Juacutenior Jeacutessica Borges Motta e Rodrigo

Szymanski pelo apoio e permanente incentivo

E a todos os que contribuiacuteram no desenvolvimento e elaboraccedilatildeo deste

trabalho

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

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2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 5: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

4

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo agrave minha matildee Tereza Peruchi Luiz e ao meu pai Narciso Luiz

pelo constante apoio e dedicaccedilatildeo e agrave minha irmatilde Giovana Peruchi Luiz

Em especial agradeccedilo a todos os entrevistados para esta pesquisa

Antonio Casimiro Amadeu Fellipe Anaacutelia Joseacute Lima Maria dos Santos Lima Dalci

Daacuterio Maura Martins Vicecircncia Oneacutelia Alano da Rosa Sioni dos Passos Silva e

Sueli dos Passos Simatildeo

Agrave Lucy Cristina Ostetto pelas contribuiccedilotildees no desenvolvimento desta

pesquisa

Aos professores do curso de Histoacuteria em especial ao Dorval do

Nascimento pela oportunidade de participaccedilatildeo em dois projetos de pesquisa

Agradeccedilo imensamente a todos os meus amigos principalmente agrave Rute

Almeida da Silveira (e Silva) Jairto Vitto Juacutenior Jeacutessica Borges Motta e Rodrigo

Szymanski pelo apoio e permanente incentivo

E a todos os que contribuiacuteram no desenvolvimento e elaboraccedilatildeo deste

trabalho

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

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BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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56

CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

57

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 6: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

5

ldquoMas agora as sereias tecircm uma arma ainda mais

assustadora que o canto ndash o silecircnciordquo

Franz Kafka O silecircncio das sereias

ldquo e tu nunca lecirc isso em livro nenhumrdquo

Anaacutelia Joseacute Lima

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

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que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

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56

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SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

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2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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57

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

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experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

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signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

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Page 7: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

6

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo compreender o processo de construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara nos periacuteodos de 1952 a 1964 Atraveacutes da oralidade podem-se perceber esquemas de pertencimento e identificaccedilatildeo sendo desenvolvidos e manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas em meio agrave discriminaccedilatildeo A construccedilatildeo das identidades eacutetnicas estaacute diretamente vinculada agraves interaccedilotildees sociais entre grupos culturalmente distintos entender as particularidades existentes nestes relacionamentos contribui no desenvolvimento de subjetividades positivas Palavras-chave Afro-descendente Identidade eacutetnica Grupo eacutetnico Discriminaccedilatildeo

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 8: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

7

LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Futebol Clube em 195136

Figura 2 ndash A Vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara39

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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59

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TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 9: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CBCA ndash Companhia Brasileira Carboniacutefera de Araranguaacute

CELESC ndash Centrais Eleacutetricas de Santa Catarina

CNPq ndash Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico

Fig ndash Figura

IBGE ndash Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

IPAT ndash Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnoloacutegicas

IPTU ndash Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

PIBIC ndash Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

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BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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56

CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

57

LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

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experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 10: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

9

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO10

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA 12

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina 14

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA 20

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes

em Criciuacutema 24

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA 32

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola 43

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 51

Fontes Orais 53

REFEREcircNCIAS 55

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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56

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bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

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34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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57

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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58

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Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

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59

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Page 11: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

10

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho originalmente vinculado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico ndash CNPq em um projeto aprovado no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica ndash PIBIC destinava-se agrave

anaacutelise de constituiccedilotildees identitaacuterias de crianccedilas afro-descendentes no espaccedilo

escolar a partir do tema Escola e Identidade Eacutetnico-Racial investigando a

constituiccedilatildeo de sujeitos eacutetnicos em uma escola puacuteblica (Grupo Escolar Coelho Neto

CriciuacutemaSC 1952-1964) Em continuidade a presente pesquisa amplia a anaacutelise da

formaccedilatildeo das identidades eacutetnicas envolvendo natildeo apenas a escola mas tambeacutem o

bairro Santa Baacuterbara por caracterizar-se como um importante nuacutecleo de efetivas

relaccedilotildees e interaccedilotildees sociais

Na anaacutelise da construccedilatildeo da identidade eacutetnica de crianccedilas afro-

descendentes no bairro Santa Baacuterbara foram utilizadas fontes orais e referecircncias

bibliograacuteficas especiacuteficas e a partir do conceito de histoacuteria oral temaacutetica de Meihy

as informaccedilotildees relacionadas ao tema central da presente pesquisa foram articuladas

e confrontadas1 Nove pessoas foram entrevistadas sendo sete afro-descendentes

um descendente de italianos e um descendente de poloneses que no periacuteodo

estabelecido eram moradores do bairro Santa Baacuterbara e funcionaacuterios ou estudantes

no Grupo Escolar Coelho Neto Os relatos apresentados reportam memoacuterias

individuais que frequentimente evidenciam elementos comuns percebidos em vaacuterias

narrativas Em relaccedilatildeo agrave memoacuteria coletiva Halbwachs2 afirma

As memoacuterias satildeo construiacutedas por grupos sociais Satildeo os indiviacuteduos que lembram no sentido literal fiacutesico mas satildeo os grupos sociais que determinam o que eacute ldquomemoraacutevelrdquo e tambeacutem como seraacute lembrado Os indiviacuteduos se identificam com os acontecimentos puacuteblicos de importacircncia para seu grupo ldquoLembramrdquo muito o que natildeo viveram diretamente Um artigo de noticiaacuterio por exemplo agraves vezes se torna parte da vida de uma pessoa Daiacute pode-se descrever a memoacuteria como uma reconstruccedilatildeo do passado

As memoacuterias coletadas constantemente mesclam acontecimentos e

praacuteticas que relacionam a escola Grupo Escolar Coelho Neto e elementos do

cotidiano do bairro Santa Baacuterbara fazendo-se necessaacuterio para um maior

1 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo Paulo Loyola 2005 p 162-163 2 HALBWACHS apud BURKE Peter Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000 p 70

11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

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que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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56

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57

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Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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11

entendimento sobre o processo de constituiccedilatildeo identitaacuteria dos mesmos analisar

estes espaccedilos de convivecircncia

Entre as bibliografias utilizadas na construccedilatildeo da presente pesquisa a

discussatildeo conceitual foi principalmente embasada em Ecleacutea Bosi (1998) que

apresenta a memoacuteria individual recordando elementos significativos do passado e da

memoacuteria coletiva tendo como principal meio de desenvolvimento relaccedilotildees sociais

escolares familiares e profissionais Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998) que por meio da anaacutelise do desenvolvimento do conceito de etnicidade

evidenciaram como o mesmo se constitui historicamente Ricardo Franklin Ferreira

(2004) que analisa o processo de construccedilatildeo de uma identidade afro-centrada em

quatro estaacutegios sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e da

articulaccedilatildeo Stefacircnie Arca Garrido Loureiro (2004) que analisa a ressignificaccedilatildeo da

identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmicas de grupo Stuart Hall

(2005) que evidencia a identidade em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e processos histoacutericos

Este trabalho eacute composto por trecircs capiacutetulos no primeiro capiacutetulo ldquoA

invisibilidade das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarinardquo seraacute analisada

a invisibilidade e a homogeneidade atribuiacuteda aos afro-descendentes assim como

alguns dos aspectos culturais manifestados por estes grupos eacutetnicos no estado

No segundo capiacutetulo ldquoA invisibilidade dos afro-descendentes na

historiografia oficial de Criciuacutemardquo seratildeo analisados elementos da historiografia oficial

de Criciuacutema e produccedilotildees acadecircmicas evidenciando indiacutecios das trajetoacuterias dos

mesmos no decorrer da histoacuteria do municiacutepio

No terceiro capiacutetulo ldquoA constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas no bairro

Santa Baacuterbarardquo seraacute analisada a partir das entrevistas com moradores do bairro

Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 a constituiccedilatildeo de esquemas de identificaccedilatildeo e de

pertencimento baseados na etnicidade no bairro e no Grupo Escolar Coelho Neto

no periacuteodo estabelecido

A presente pesquisa tem como intuito visibilizar elementos das histoacuterias

trajetoacuterias e praacuteticas culturais dos afro-descendentes em Santa Catarina e em

Criciuacutema

12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

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macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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12

2 A INVISIBILIDADE DAS POPULACcedilOtildeES AFRO-DESCENDENTES EM SANTA

CATARINA

Este capiacutetulo tem por objetivo compreender os mecanismos que

invisibilizaram as trajetoacuterias dos africanos e de seus descendentes em Santa

Catarina bem como evidenciar algumas das manifestaccedilotildees culturais dos mesmos

A quase natildeo existecircncia de estudos destinados agrave visibilidade das

manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos afro-descendentes no estado contribui

para que os mesmos permaneccedilam na invisibilidade Entende-se que as

interpretaccedilotildees sobre o mundo os modos de agir a liacutengua o comportamento social

entre outras accedilotildees culturais satildeo manifestaccedilotildees aprendidas socialmente estando

sujeitas a constantes reelaboraccedilotildees3 Sendo que ldquoa participaccedilatildeo do indiviacuteduo em sua

cultura eacute sempre limitada nenhuma pessoa eacute capaz de participar de todos os

elementos de sua culturardquo4 assim sendo as manifestaccedilotildees culturais caracteriacutesticas

a um grupo eacutetnico natildeo satildeo constantes e homogecircneas

A cidade de Criciuacutema o bairro Santa Baacuterbara e a escola Grupo Escolar

Coelho Netto situam-se em uma regiatildeo do Brasil em que tradicionalmente a

presenccedila das populaccedilotildees africanas e de seus descendentes eacute negada ou

relativizada Segundo Boaventura a comparaccedilatildeo entre a quantidade de membros

dos grupos eacutetnicos percebidos em Santa Catarina nos uacuteltimos tempos tem

apresentado os afro-descendentes como minoritaacuterios5 considerados ldquoacutepouco

representativos‟ devido agrave ausecircncia de expressatildeo social poliacutetico-econocircmicordquo6

Esta invisibilidade dos grupos eacutetnicos afro-descendentes em territoacuterio

catarinense eacute apontada por Boaventura como resultado das perspectivas que

atribuem ao estado em comparaccedilatildeo com outras localidades brasileiras a ausecircncia

de um grande sistema escravista destinado agrave exportaccedilatildeo neste sentido

favorecendo a percepccedilatildeo de que ldquorelaccedilotildees mais democraacuteticas e igualitaacuteriasrdquo teriam

ocorrido devido a pouca expressividade do sistema escravista7 refletindo-se nas

3 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 p 68 4 Ibid p 80 5 BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 37 6 Ibid p 270 7 Ibid p 40

13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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57

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13

produccedilotildees cientiacuteficas que atestam a inexpressividade da participaccedilatildeo do afro-

descendente na formaccedilatildeo do estado8

Pode-se apontar que esta ideia de ldquopouca representatividaderdquo e

ldquoexpressatildeordquo das populaccedilotildees afro-descendentes em Santa Catarina atende aos

anseios ideoloacutegicos de branqueamento do estado9 pois ldquoos componentes da

identidade eacutetnica da regiatildeo sul no acircmbito da naccedilatildeo eacute a sua branquitude a sua

europeizaccedilatildeordquo10 Desta forma o desenvolvimento e a ocupaccedilatildeo do estado satildeo

atribuiacutedos agrave imigraccedilatildeo europeia enquanto os africanos e seus descendentes satildeo

percebidos como ldquoquase natildeo existentesrdquo11

Em decorrecircncia do forte incentivo que o governo brasileiro dedicou agrave

imigraccedilatildeo entre a segunda metade do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX variado

contingente eacutetnico adentrou o paiacutes no periacuteodo estabelecendo-se no sul e sudeste

do Brasil12 Os propoacutesitos poliacuteticos fundamentados na ldquosuposta bdquosuperioridade inata‟

de alguns povos europeus para o trabalhordquo situaram as perspectivas

governamentais de desenvolvimento ocupaccedilatildeo de espaccedilos geograacuteficos e

branqueamento da naccedilatildeo13

Como cita Pedro et al14

A migraccedilatildeo europeacuteia em especial aquela chegada a partir de meados do seacuteculo XIX foi realizada no bojo de um processo bastante complexo no qual se visavam entre outras coisas a substituiccedilatildeo da matildeo-de-obra escrava a regeneraccedilatildeo do valor simboacutelico do trabalho e mesmo um branqueamento da populaccedilatildeo brasileira No caso de Santa Catarina em particular a atraccedilatildeo de parte do contingente de imigrantes dirigido ao paiacutes visava tambeacutem agrave ocupaccedilatildeo e valorizaccedilatildeo de vastas aacutereas de terras virtualmente desabitadas bem como a fixar uma populaccedilatildeo capaz de amparar com homens e mantimentos eventuais movimentos de tropas militares de uma regiatildeo de fronteira um tanto agitada

O periacuteodo referido busca assegurar a manutenccedilatildeo de tropas militares

assim como a valorizaccedilatildeo do territoacuterio catarinense por meio da imigraccedilatildeo europeacuteia

mas principalmente apresenta evidentes propoacutesitos poliacuteticos articulados no sentido

de construccedilatildeo de uma identidade nacional orientada pelo padratildeo ldquobrancordquo

8 BOAVENTURA op cit 1996 p 40 9 Ibid p 41 10 Ibid p 50 11 Ibid p 40 12 KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 1 n 15 2001 p152 13 Ibid 14 PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 p 240

14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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14

considerado superior visando a sublimaccedilatildeo das variadas populaccedilotildees de origens

africanas e de seus descendentes no sul do Brasil e assim manterem-se as accedilotildees

ideoloacutegicas assentadas nas perspectivas de construccedilatildeo de um estado ldquobrancordquo

21 As visibilidades dos afro-descendentes em Santa Catarina

Grande parte das produccedilotildees sobre os africanos e seus descendentes no

estado refere-se agrave escravidatildeo e poucas satildeo destinadas agrave temaacutetica da discriminaccedilatildeo

e do preconceito sendo que as pesquisas referentes aos imigrantes europeus satildeo

bem mais expressivas15 Estas ausecircncias percebidas nas produccedilotildees cientiacuteficas e

historiograacuteficas tomam forma de ldquonegaccedilatildeo da existecircncia e da memoacuteriardquo16 dos afro-

brasileiros no estado condiccedilatildeo que pode ser atenuada ao tornar-se evidente a

importacircncia de

[] estudar a presenccedila dessas populaccedilotildees num passado recente posterior ao periacuteodo escravista Perceber por exemplo como se articulam as tentativas de ascensatildeo social quais as linguagens empregadas Historicizar a criaccedilatildeo de instituiccedilotildees e espaccedilos de sociabilidades Perceber a ressignificaccedilatildeo de valores ditos ldquobrancosrdquo Observar a construccedilatildeo de diferenciadas formas de resistecircncia articuladas nos embates do cotidiano Satildeo estas accedilotildees que ajudaratildeo a tirar as populaccedilotildees negras da invisibilidade e deixar de buscar num passado remoto a ldquoculpardquo pelas relaccedilotildees desiguais da atualidade

17

Ao se evidenciar pesquisas relacionadas agraves caracteriacutesticas da cultura

afro-brasileira em suas especificidades no decorrer do seacuteculo XX em Santa

Catarina estaacute-se contribuindo para a visibilidade dos espaccedilos ocupados por estes

grupos eacutetnicos

Boaventura ressalta que ldquoo territoacuterio negro aparece entatildeo como o

elemento de visibilidade a ser resgatado18rdquo pois o acesso a terra por estas

populaccedilotildees de origens africanas foi impossibilitado em muitos casos pela falta de

condiccedilotildees financeiras por muitos terem utilizado o que possuiacuteam comprando suas

alforrias ou impedimentos devido agrave legislaccedilatildeo restando como uacuteltima opccedilatildeo aacutereas

15 BOAVENTURA opcit1996 p 233 16 Ibid p 233 17 Ibid p 244 18 Ibid p 50

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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59

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Page 16: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

15

perifeacutericas e sem recursos em ocupaccedilotildees que em vaacuterias situaccedilotildees natildeo foram

legalizadas19

Aleacutem do caraacuteter de inexpressividade atribuiacutedo aos afrodescendentes em

Santa Catarina outro aspecto assumido pelas percepccedilotildees sobre os vaacuterios grupos

existentes eacute o de homogeneidade20 Se se considerar que ldquocrenccedilas valores

siacutembolos ritos liacutengua enfim traccedilos culturais sofrem variaccedilotildees dependendo de que

regiotildees africanas essas pessoas procedessemrdquo21 tem-se em Santa Catarina uma

infinidade de experiecircncias e conhecimentos orientando as interaccedilotildees e novas

relaccedilotildees que os provindos da Aacutefrica encontraram e manifestaram no estado

Entre as pesquisas que abordam a perspectiva dos grupos eacutetnicos afro-

descendentes em muacuteltiplas experiecircncias pode-se citar Wagner que a partir da

anaacutelise de registros de batismos casamentos e oacutebitos entre os seacuteculos XVI e XIX22

percebe que

[] evidencia-se pois a sociedade catarinense do iniacutecio seacuteculo XIX como uma sociedade plural estabelecida sobre relaccedilotildees entre grupos sociais diferentes Aleacutem disso apreende-se o quanto era amplo o campo de possibilidades abertas aos ex-escravos e o quanto poderiam ser diversificadas suas escolhas Variedade observada em dois instantes especiais Na escolha de um parceiro(a) para casar [] E no momento de escolher um padrinho para as crianccedilas []

23

As ldquopossibilidades abertasrdquo citadas correspondem agraves ocorrecircncias de

uniotildees entre libertos de libertos com escravas ou de africanos que possuiacuteam em

comum os paiacuteses de origem indicando segundo a autora uma forma de

ldquoestabelecer fronteiras entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo24 Em relaccedilatildeo aos batizados foram

percebidos padrinhos com situaccedilotildees juriacutedicas de livres cativos ou libertos

evidenciando que as trajetoacuterias de vidas destas pessoas em muitos casos seguiam

cursos diferentes em situaccedilotildees semelhantes25

19 BOAVENTURA Ilka Leite As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 20 CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 p 83 21 WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC 2004 p160 22 Ibid p 150 23 Ibid p 172 24 Ibid 25 Ibiacuted

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

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Page 17: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

16

Em Desterro (Florianoacutepolis) no seacuteculo XIX os africanos em grande parte

exerciam o trabalho nas quitandas como jornaleiros na iluminaccedilatildeo puacuteblica como

cozinheiras amas-de-leite entre outras funccedilotildees que segundo Cardoso e Mortari

indicam que os mesmos constantemente poderiam ser vistos circulando pela

cidade26 Buscava-se controlar estas transladaccedilotildees com o coacutedigo de posturas de

1845 proibindo ldquoo ajuntamento de negros escravos seja no jogo nas ruas e praccedilas

nas reuniotildees para as danccedilas nos alugueis de casas para morarem sozinhosrdquo entre

outras limitaccedilotildees que segundo jornais da eacutepoca eram constantemente

transgredidas com fugas e insubmissotildees 27

No seacuteculo XX tais funccedilotildees passaram a ser percebidas como sinocircnimo de

atraso sendo eliminadas28 Os ideais de modernizaccedilatildeo que envolveu Florianoacutepolis

afastaram tambeacutem do conviacutevio urbano a circulaccedilatildeo de escravos e seus

descendentes relegando-os a aacutereas com poucos recursos e de marginalidade

social29

A reelaboraccedilatildeo dos novos territoacuterios afrodescendentes a partir do seacuteculo

XX em Santa Catarina aproximou-se das accedilotildees destinadas agrave construccedilatildeo de

identidades positivas principalmente a partir da visibilidade proporcionada pelas

escolas de samba locais em que ldquoos descendentes de africanos ocuparatildeo o espaccedilo

das ruas de forma inexoraacutevel rompendo o silecircncio e o anonimato a que estavam

confinadosrdquo30 Segundo Cardoso e Mortari as escolas de samba a partir de 1940

apresentaram-se como importantes meios para busca de espaccedilo e visibilidades

puacuteblicas31

Entre os elementos culturais apresentados por Boaventura como

constantes em grupos afro-descendentes no estado encontram-se o cacumbi o

batuque o culto aos mortos e o carnaval entre muitas outras caracteriacutesticas32

Pode-se observar que fortemente buscou-se limitar grande parte destas

manifestaccedilotildees culturais populares principalmente a partir dos anseios de

modernidade observados no estado durante o seacuteculo XX por outro lado vaacuterias

26 CARDOSO MORTARI opcit p 88 27 Ibid p 88-89 28 Ibid 29 Ibid p 92 30 TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando signos identitaacuterios Disponiacutevel em lthttpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdfgt Acesso em 20 set 2010 p 3 31 CARDOSO MORTARI opcitp 96 32 BOAVENTURA op cit 2010

17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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17

praacuteticas culturais apresentaram-se nitidamente em sentido de resistecircncias

identitaacuterias

A partir de Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosaacuterio e de Satildeo

Benedito dos Homens Pretos surgidas em Desterro por volta de 1750 como um

meio em que expressotildees identitaacuterias de pessoas libertas ou cativas poderiam ser

exercidas em espaccedilos culturais que primavam pela solidariedade muitos

afrodescendentes puderam em constantes interaccedilotildees reelaborar aspectos de suas

culturas33 No Brasil segundo Silva em geral tais entidades exerciam accedilotildees

ldquocaritativas como compra de cartas de alforria para seus membros escravos

atraveacutes de sorteio cursos de alfabetizaccedilatildeo para os filhos dos membros da

Irmandade diaacuteria para enfermos e pensatildeo para invaacutelidosrdquo34

Em Santa Catarina o cacumbi elemento cultural afro-brasileiro aparece

vinculado agraves procissotildees em homenagem a Nossa Senhora do Rosaacuterio e Satildeo

Benedito Assim como em outras regiotildees do Brasil o cacumbi eacute envolvido pelo

ldquocatolicismo popular negrordquo que por meio de ldquotrovas bandeiras roupagens

tambores e espadas instrumentos presentes na danccedilardquo coroavam seus reis e

rainhas35

Satildeo poucas as pesquisas destinadas ao estudo do cacumbi mas pode-se

perceber nas danccedilas e festejos envolvendo as homenagens a Nossa Senhora do

Rosaacuterio e Satildeo Benedito aspectos da cultura africana presentes em praacuteticas

populares em Santa Catarina

Outro aspecto da cultura afro-brasileira ligado agraves irmandades refere-se

aos cuidados com os mortos em rituais de passagem na qual as irmandades

comprometiam-se em solidariedade natildeo importando de qual classe social os

mesmos provinham36 Em Desterro os sinos eram tocados em todas as ocasiotildees de

mortes com membros das irmandades participando em alguns casos na conduccedilatildeo

do corpo ou com tochas durante o enterro em cerimocircnias envolvidas por diversas

caracteriacutesticas de origens africanas aos ldquosons de tambores cantos danccedilas

33 CARDOSO MORTARI opcitp 89 34 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos aspectos da cultura popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 p 39 35 Ibid p 38 36 CARDOSO MORTARI opcit p 90

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

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luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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56

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34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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59

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TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 19: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

18

refeiccedilotildees copiosas declamaccedilotildeesrdquo entre outras manifestaccedilotildees que demonstram os

viacutenculos de solidariedade existentes dentro das comunidades afro-descendentes37

As religiotildees afro-brasileiras em Santa Catarina em grande parte satildeo

envolvidas por invisibilidades folclorizaccedilotildees preconceitos e repressotildees no sentido

de supressatildeo de suas manifestaccedilotildees e existecircncias Em DesterroFlorianoacutepolis

podem ser percebidas desde o seacuteculo XIX tendo como expressotildees iniciais

ldquobenzedeiras rezadeiras feiticeiras e curandeirosrdquo e a partir de 1940 terreiros

institucionalizados38

Tramonte evidencia que as religiotildees afro-brasileiras foram se

desenvolvendo ldquode maneira silenciosa e lenta intimista cuidadosa e habilidosa

enraizando-se profundamente passo a passo formando uma densa rede invisiacutevelrdquo

em disseminaccedilatildeo por toda Florianoacutepolis oferecendo curas psicoloacutegicas e fiacutesicas

inicialmente aos que possuiacuteam poucos recursos financeiros39

As religiotildees afro-brasileiras durante o seacuteculo XIX em Desterro eram

violentamente reprimidas por serem manifestadas por africanos que constituiacuteam um

grupo excluiacutedo e marginalizado socialmente40 e percebidas como manifestaccedilotildees de

ignoracircncia e charlatanismo41 Tramonte aponta que entre 1940 e 1960 ainda

envolvidas em batidas policiais perseguiccedilotildees e estigmatizaccedilotildees buscam maiores

espaccedilos em meio aos preconceitos existentes e somente a partir de 1970 e 1980 os

terreiros aparecem com maior visibilidade puacuteblica em Florianoacutepolis42

Nos dias atuais o assumir-se meacutedium e a autorrealizaccedilatildeo do

desenvolvimento espiritual ainda revela-se inicialmente um caminho difiacutecil aos

adeptos das religiotildees afro-brasileiras pois inclui oposiccedilotildees familiares e preconceitos

sociais43

Tramonte aponta alguns elementos importantes na motivaccedilatildeo para a

integraccedilatildeo na atualidade de novos meacutediuns agraves religiotildees afro-brasileiras tais como

percepccedilatildeo extrassensorial desenvolvida dificilmente encontrada em ldquopessoas

comunsrdquo44 o oferecimento de curas fiacutesicas e psicoloacutegicas45 a incorporaccedilatildeo suacutebita de

37 Ibid p 91 38 TRAMONTE opcit 2010 p 1 39 Ibid p 3 40 Ibid 41 Ibid p 4 42 Ibid p 7 43 TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 p 359 44 Ibid p 352

19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

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macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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19

guias espirituais nos corpos de determinadas pessoas indicando que os mesmos

foram escolhidos para a funccedilatildeo e em alguns casos o prosseguimento da tradiccedilatildeo

cultural religiosa na famiacutelia46

Em geral a anaacutelise de aspectos identitaacuterios da cultura afro-descendente

em Santa Catarina como o cacumbi a religiosidade as Irmandades e o carnaval

revela que satildeo poucas as pesquisas destinadas agraves evidecircncias destas caracteriacutesticas

culturais no estado Grande parte das informaccedilotildees encontradas refere-se agrave

DesterroFlorianoacutepolis limitando a percepccedilatildeo sobre estas manifestaccedilotildees identitaacuterias

tambeacutem em outras regiotildees de Santa Catarina fragmentando a visatildeo sobre os

aspectos culturais relacionados aos grupos eacutetnicos afro-descendentes

45 Ibid p 350 46 TRAMONTE opcit 2001 p 354

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 21: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

20

3 A INVISIBILIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES NA HISTORIOGRAFIA

OFICIAL DE CRICIUacuteMA

A historiografia de Criciuacutema se vinculada principalmente a narrativas que

ressaltam o progresso poliacutetico e econocircmico da cidade exaltando os feitos da

imigraccedilatildeo europeia sendo caracterizada por discursos tradicionais47 Este capiacutetulo

analisa de que forma o grupo afro-descendente foi visibilizado na historiografia da

cidade a partir da deacutecada de 1980 periacuteodo de reelaboraccedilatildeo identitaacuteria do municiacutepio

e como atualmente os mesmos satildeo retratados pela histoacuteria oficial e em pesquisas

acadecircmicas

A histoacuteria das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes na historiografia

oficial de Criciuacutema nos poucos momentos em que satildeo relatadas comumente refere-

se agrave ligaccedilatildeo com a mineraccedilatildeo de carvatildeo na cidade Pode-se constatar que as

manifestaccedilotildees culturais dos afro-descendentes foram diluiacutedas dos e nos discursos

oficiais favorecendo a exaltaccedilatildeo de outros grupos eacutetnicos e do histoacuterico ligado agrave

mineraccedilatildeo Praticamente natildeo existem registros escritos sobre o trabalho das

mulheres a constituiccedilatildeo das primeiras famiacutelias em geral as primeiras articulaccedilotildees e

manifestaccedilotildees dos afro-descendentes em Criciuacutema que natildeo estejam ligadas ao

carvatildeo48

O grupo eacutetnico italiano eacute apontado como fundador de Criciuacutema a partir de

trinta famiacutelias que em 06 de janeiro de 1880 se fixaram ao lado de um ldquobarracatildeo

erguido e abandonado por alguns sertanistasrdquo49 segundo consta no livro que relata

a histoacuteria dos grupos eacuteticos considerados formadores da cidade entre eles afro-

descendentes alematildees italianos poloneses e portugueses intitulado Criciuacutema

1880-1890 a semente deu bons frutos sob a coordenaccedilatildeo de Otiacutelia Arns e

publicado em 198550 A pesquisa foi encomendada devido ao centenaacuterio de

47 Sobre Histoacuteria Tradicional e Nova Histoacuteria conferir BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In BURKE Peter (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 48 MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema A implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 p 14 49 ARNS apud SPRIacuteCIGO Antocircnio Ceacutesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 p 57 50 Ibid

21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

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Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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21

Criciuacutema na deacutecada de 1980 e em geral cultua do imigrante europeu e o ldquoprogresso

do carvatildeordquo51

Segundo Arns os afro-descendentes estatildeo presentes em todas as

cidades que formam o sul catarinense52 e em Criciuacutema sua presenccedila inicialmente

destinava-se agrave busca por empregos nas minas de carvatildeo ou na estrada de ferro

Dona Teresa Cristina53 Oriundos de localidades vizinhas como Laguna Jaguaruna

Morro Grande entre outras54 estas primeiras presenccedilas na histoacuteria oficial da cidade

apontam que ldquoo primeiro pioneiro negro se fixou em Criciuacutema em 1905 um grupo de

sete chegou em 1910 um Manuel Estevatildeo em 1912 um em 1917 e mais dois

entre 1919 e 1921 outros penetraram em eacutepocas posterioresrdquo55

De fato a mineraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema atrai para a cidade grande

contingente populacional e podem-se incluir descendentes de escravos que

percebiam na nova atividade econocircmica a possibilidade de uma vida melhor56

Haacute evidecircncias de que antes da chegada dos italianos em Criciuacutema alguns

descendentes de portugueses possuidores de escravos habitavam a regiatildeo

segundo indiacutecios encontrados em inventaacuterios de post-mortem referentes agrave freguesia

do Araranguaacute por Spriacutecigo indicando que

Natildeo era difiacutecil nem improvaacutevel que famiacutelias estivem ocupando terras nas proximidades do local onde Criciuacutema fora edificada Poreacutem como jaacute mencionamos as habitaccedilotildees espalhadas esparsamente numa grande aacuterea natildeo tenham dado a conotaccedilatildeo de ocupaccedilatildeo que os imigrantes Italianos deram quando sua chegada criando um nuacutecleo inicial de colonizaccedilatildeo

57

Aleacutem das evidecircncias de outras populaccedilotildees na regiatildeo de Criciuacutema e locais

proacuteximos a existecircncia do barracatildeo encontrado pelas primeiras famiacutelias Italianas que

supostamente teria sido erguido por sertanistas abre a possibilidade para uma

interpretaccedilatildeo divergente da atestada por Arns como evidencia Spriacutecigo

O registro da presenccedila de um barracatildeo erguido por sertanistas proacuteximo a um riacho demonstra a presenccedila de populaccedilatildeo naquele local antes dos imigrantes Italianos e que essa construccedilatildeo no meio da mata talvez natildeo fosse obra de sertanista e sim de moradores que utilizaram aquela aacuterea para alguma finalidade Barracotildees eram utilizados como abrigo para

51 CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema SC UNESC 2003 p 18 52 ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos 1985 p 104 53 Ibid p 106 54 MANOEL opcit p 14 55 ARNS op cit p 105 56 SPRIacuteCIGO op cit p 63-64 57 Ibid p 59

22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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22

engenhocas de cana-de-accediluacutecar e farinha de mandioca A nosso ver dificilmente moradores do litoral construiriam barracotildees no interior da freguesia do Araranguaacute apenas como posto avanccedilado

58

Tanto nos discursos do centenaacuterio quando no livro escrito por Arns sobre

as etnias que contribuiacuteram na formaccedilatildeo de Criciuacutema os ldquoconflitos eacutetnicos as

relaccedilotildees de exploraccedilatildeo e dominaccedilatildeo natildeo aparecemrdquo59 poreacutem o que se pode

perceber na historiografia oficial eacute a exaltaccedilatildeo dos imigrantes europeus em

detrimento da invisibilidade de outros grupos eacutetnicos entre eles o grupo afro-

descendente que na cidade comumente ocupam as aacutereas perifeacutericas em geral com

poucos recursos

Os italianos satildeo tambeacutem apresentados pela histoacuteria oficial integrados em

todas as atividades produtivas que tiveram inicialmente certa relevacircncia em Criciuacutema

tais como a ldquoexecuccedilatildeo de trabalhos nas serrarias atafonas marcenarias olarias

alfaiatarias frigoriacuteficos entre outrasrdquo60 vinculando o desenvolvimento da cidade

principalmente agrave etnia italiana Em geral o imigrante de origem europeia foi

retratado como ldquosendo pioneiro desbravador dado ao trabalho religioso e com forte

espiacuterito de famiacuteliardquo61

No referido livro escrito por Arns a histoacuteria de quase todas as etnias tem

iniacutecio a partir do seacuteculo XIX com exceccedilotildees dos Carijoacutes Xokleng luso-brasileiros

afro-descendentes entre outros62 Os afro-descendentes tiveram sua histoacuteria

relatada apenas a partir do seacuteculo XX natildeo fornecendo nenhuma informaccedilatildeo

anterior sendo que segundo o historiador Spriacutecigo em sua dissertaccedilatildeo de

mestrado sobre a escravidatildeo em Araranguaacute no seacuteculo XIX sabe-se que a origem

dos mesmos vincula-se ldquoa algumas localidades de ocupaccedilatildeo muito antiga como

Urussanga Velha Morro dos Conventos Sombrio todas proacuteximas a Criciuacutemardquo63

sendo que de acordo com a produccedilatildeo de Arns os afro-descendentes teriam sido os

uacuteltimos a chegar agrave cidade enquanto que os Italianos os primeiros64

O discurso historiograacutefico tradicional de exaltaccedilatildeo ao imigrante de origem

europeia ainda manteacutem-se presente em algumas das publicaccedilotildees recentes sobre a

58 Ibid p 59 59 CAROLA op cit p 22 60 SPRIacuteCIGO op cit p 61 61 CAROLA op cit p10 62 Ibid 63 SPRIacuteCIGO op cit p 65 64 Ibid p 62

23

colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 24: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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colonizaccedilatildeo e formaccedilatildeo de Criciuacutema em que as contribuiccedilotildees dos vaacuterios grupos

eacutetnicos existentes no municiacutepio satildeo referenciadas como na obra lanccedilada em 2007

sob autoria de Archimedes Naspolini Filho intitulada De Cresciuma a Criciuacutema 1880-

1960 destinada segundo o autor principalmente ao uso escolar65

O livro escrito por Naspolini Filho dividido em dois volumes apresenta

basicamente a histoacuteria da imigraccedilatildeo italiana em Criciuacutema fortemente documentada

desde a partida dos imigrantes da Itaacutelia o desembarque no Brasil no Rio de Janeiro

as primeiras famiacutelias no municiacutepio a participaccedilatildeo inicial das mulheres italianas os

divertimentos entre outros elementos66 O autor destinou quatro paacuteginas no primeiro

volume para a histoacuteria dos grupos afro-descendentes alematildees espanhoacuteis e

poloneses no qual apresenta o periacuteodo de chegada dos afro-descendentes em

Criciuacutema determinado pelos periacuteodos entre 1905 a 1912 natildeo referenciando indiacutecios

destas presenccedilas em periacuteodos anteriores67

Naspolini Filho demarca a Operaacuteria Velha atual Santa Baacuterbara como

sendo a localidade em que primeiramente teriam se dirigido os afro-descendentes

em Criciuacutema motivados pela busca por empregos na construccedilatildeo da estrada de ferro

e nas minas de carvatildeo68 O autor inicia a discussatildeo sobre os afro-descendentes em

Criciuacutema referindo-se agrave miscigenaccedilatildeo na formaccedilatildeo eacutetnica da cidade comentando a

ldquoinjusticcedilardquo que paira sobre o grupo por natildeo se atribuir suas designaccedilotildees aos seus

paiacuteses de origem e natildeo apresenta outras informaccedilotildees sobre suas trajetoacuterias na

cidade69

No segundo volume Naspolini Filho se ateacutem ao que ldquoFaltou dizerrdquo70 no

primeiro volume mantendo a perspectiva dos apontamentos relacionados agrave histoacuteria

dos imigrantes Italianos e seus descendentes em Criciuacutema Em anaacutelise da obra

podem-se citar alguns outros elementos que ldquoFaltou dizerrdquo em relaccedilatildeo agrave histoacuteria das

mulheres e crianccedilas afro-descendentes a respeito da espiritualidade diversotildees e

espaccedilos de sociabilidades entre outras caracteriacutesticas especificas do grupo eacutetnico

afro-descendente em Criciuacutema a exemplo do que fortemente se percebem

referenciados em relaccedilatildeo agrave histoacuteria dos imigrantes europeus

65 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2007 p 11 66 Ibid 67 Ibid p 47-50 68 Ibid p 50 69 Ibid p 49 70 NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 p 17

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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58

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Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 25: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

24

De forma geral ldquoos iacutendios as mulheres os negros os accedilorianos os

brasileiros os(as) operaacuterios(as) ficaram marginalizados ou esquecidosrdquo71 na histoacuteria

oficial de Criciuacutema mas a quase natildeo ocorrecircncia de registros natildeo indica

necessariamente que tais articulaccedilotildees foram inexistentes mas que devem ser

visibilizadas nas proacuteximas pesquisas

31 Novas perspectivas para a visibilidade das populaccedilotildees afrodescendentes

em Criciuacutema

As discussotildees sobre os grupos eacutetnicos que possuem suas presenccedilas

percebidas em Criciuacutema foram ampliadas na deacutecada de 1980 devido agraves accedilotildees que

visaram agrave mudanccedila da identidade de Criciuacutema de ldquocapital do carvatildeordquo para ldquocidade

das etniasrdquo

Segundo o historiador Zampolli no centenaacuterio de Criciuacutema inaugura-se o

monumento em homenagem ldquoaos diferentes povos que construiacuteram a cidade

africanos alematildees Italianos poloneses e portuguesesrdquo na qual eacute evidenciada

tambeacutem ldquoa convivecircncia harmoniosa entre as etniasrdquo72 elemento que indica o mito da

democracia racial na cidade

Aleacutem das discussotildees sobre a mudanccedila da identidade que identifica

Criciuacutema em niacutevel nacional a abertura para a visibilidade eacutetnica de outros grupos

aleacutem dos evidenciados comumente pela historiografia vai de encontro com a criaccedilatildeo

do movimento negro no municiacutepio no fim da deacutecada de 1970 nomeado de

Associaccedilatildeo da Etnia Negra de Tradiccedilatildeo e Cultura por Clotilde Maria Martins Lalau e

Wilson Lalau73

Segundo Krauss a entidade ldquovisava a valorizaccedilatildeo da cultura africana e

afro-brasileira e denunciar as manifestaccedilotildees de racismo sem se envolver com a

poliacuteticardquo74 A partir da deacutecada de 1970 o movimento negro em Criciuacutema agia

valorizando e incentivando as manifestaccedilotildees culturais e discussotildees sobre a situaccedilatildeo

71 CAROLA op cit p 13 72 ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p 73 KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 p 21 74 Ibid p 21

25

do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 26: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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do afro-descendente na cidade contribuindo principalmente na construccedilatildeo de

identidades eacutetnicas positivas

Dentro deste contexto de visibilidade dos outros grupos eacutetnicos

formadores de Criciuacutema aleacutem dos constantemente evidenciados pela historiografia

tradicional devido agrave criaccedilatildeo do movimento negro e mudanccedila na identidade de

Criciuacutema novos estudos foram e tecircm sido realizados apontando elementos natildeo

referenciados pela histoacuteria oficial Em grande parte satildeo pesquisas acadecircmicas sobre

as invisibilidades percebidas nos relatos oficiais e mais recentemente estudos

envolvendo a lei 1063903 que estabelece o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura

afro-brasileira nas escolas neste sentido atraveacutes de pesquisas busca-se evidenciar

elementos culturais que envolvam o grupo eacutetnico afro-descendente na cidade como

religiosidade carnaval os trabalhos exercidos pelas mulheres afro-descendentes os

espaccedilos de sociabilidades entre outros

Nos uacuteltimos tempos o capiacutetulo referente agraves caracteriacutesticas culturais e a

contribuiccedilatildeo dos afro-descendentes no livro escrito por Arns tem recebido algumas

criacuteticas em pesquisas sobre a presenccedila dos mesmos na cidade Entre as pesquisas

que se destinam a evidenciar as variaacuteveis eacutetnicas na formaccedilatildeo de Criciuacutema pode-se

citar a monografia do historiador Ribeiro sobre a diversidade eacutetnica na cidade e

regiatildeo antes de 1880 ou seja da chegada dos imigrantes italianos e

posteriormente neste sentido o que foi registrado por Arns

Ribeiro considerando que oficialmente somente em 1925 Criciuacutema

acenderia a condiccedilatildeo de cidade emancipada ateacute o determinado periacuteodo manteve-se

distrito de Araranguaacute ou seja estando ldquoencravada entre dois distritos no caso

Araranguaacute e Laguna estava localizada numa regiatildeo com notoacuteria presenccedila de

populaccedilatildeo negra antes de 1880rdquo75

O mesmo autor ainda cita que apoacutes a Guerra do Paraguai (1865-1870)

alguns descendentes de africanos teriam permanecido na regiatildeo do sul de Santa

Catarina76 indicando que antes mesmo da chegada dos Italianos jaacute existiam afro-

descendentes nesta regiatildeo apresentando elementos da trajetoacuteria destas populaccedilotildees

ainda no seacuteculo XIX no sul de Santa Catarina indiacutecios que natildeo entraram na

historiografia oficial

75 RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior agrave sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 p 12 76 Ibid p 27

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Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

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na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

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Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

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exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

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mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

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4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

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Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

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partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

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macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

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57

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UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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26

Em geral Ribeiro critica a natildeo referecircncia aos criteacuterios de anaacutelise das

entrevistas obtidas com os membros do grupo eacutetnico afro-descendente77 a

folclorizaccedilatildeo quando Arns evidencia a muacutesica como principal contribuiccedilatildeo dos

mesmos78 a induccedilatildeo sobre a falta de interesse educacional destas populaccedilotildees e a

natildeo valorizaccedilatildeo da cultura devido a apenas um dos entrevistados ter se referido agrave

educaccedilatildeo o discurso das relaccedilotildees harmocircnicas entre os primeiros habitantes com

outros grupos eacutetnicos79 a atribuiccedilatildeo da religiatildeo catoacutelica aos afro-descendentes da

cidade e a referecircncia somente uma uacutenica vez agrave Umbanda e de forma superficial80

Entre as novas pesquisas destinadas agrave anaacutelise dos elementos natildeo

referenciados pela historiografia oficial de Criciuacutema pode-se citar tambeacutem o estudo

realizado pelos historiadores Mazzuchetti e Pavei publicado em artigo na Revista de

Histoacuteria ndash Tempos Acadecircmicos na qual satildeo apresentados outros indiacutecios obtidos

atraveacutes da oralidade apontando que na comunidade de Quarta Linha regiatildeo

considerada eminentemente colonizada por italianos antes da chegada dos

mesmos jaacute constava a presenccedila de alematildees81 que ldquoforam vendendo suas terras aos

italianos e saindo da Quarta Linhardquo82 No Morro Albino a oralidade tambeacutem indica

que aleacutem dos embates com os iacutendios da regiatildeo alguns accedilorianos ldquopodem ter sido

expulsos para que as empresas colonizadoras dispusessem das terras

desembargadas aos imigrantes que chegavamrdquo83

A presenccedila de ex-escravos em Criciuacutema antes da chegada dos italianos

segundo Mazzuchetti e Pavei aparece em relatos orais referentes agrave existecircncia de

um homem de nome Estevatildeo fugido da escravidatildeo de Jaguaruna que ldquoviveu como

eremita por muitos anos de caccedila coleta e plantios rudimentaresrdquo estabelecendo-se

no Morro Estevatildeo denominaccedilatildeo que segundo os mesmos relatos associa o nome

da localidade a este ex-habitante84

Em recente pesquisa sobre o perfil eacutetnico de Criciuacutema realizada em 2003

o historiador Carola objetivando perceber quais caracteriacutesticas eacutetnicas predominam

77 RIBEIRO opcit p 37 78 Ibid p 36 79 Ibid p 38 80 Ibid p 41 81 MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n 1 dez 2003 p 58-59 82 Ibid p 61 83 Ibid p 62 84 Ibid p 63-64

27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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27

na cidade e qual a frequecircncia de miscigenaccedilatildeo dos habitantes85 analisou os

sobrenomes cadastrados na CELESC chegando atraveacutes dos dados fornecidos pela

companhia ao total de 912 ocorrecircncias de sobrenomes alematildees 11 de origem

aacuterabe 349 espanhoacuteis 7075 italianos 252 poloneses e 20160 correspondentes agraves

etnias accedilorianas portuguesas e afro-descendentes a junccedilatildeo dos trecircs grupos

segundo o autor ocorre devido agraves semelhanccedilas dos sobrenomes totalizando em

29493 as citaccedilotildees dos sobrenomes analisados86

Apesar das dificuldades em se quantificar o nuacutemero de pessoas que

pertencem a cada grupo eacutetnico em Criciuacutema estes dados transmitem algumas

informaccedilotildees importantes sobre estas presenccedilas na cidade

A partir da anaacutelise dos dados da CELESC e da Prefeitura Municipal de

Criciuacutema atraveacutes do IPTU este uacuteltimo utilizado para a localizaccedilatildeo dos grupos

eacutetnicos em cada bairro o autor da pesquisa citada constata que 70 da populaccedilatildeo

criciumense satildeo de luso-brasileiros ou seja accedilorianos e afro-descendentes e natildeo

de predominacircncia italiana como apresenta a histoacuteria oficial87 Cabe lembrar que de

acordo com Boaventura88 os chamados ldquoluso-brasileirosrdquo assim como os afro-

descendentes em Santa Catarina tambeacutem satildeo percebidos como um grupo eacutetnico

minoritaacuterio em favorecimento das presenccedilas de descendentes de imigrantes

europeus

Desses 70 de luso-brasileiros segundo o IBGE (2000) 744 satildeo

referentes aos afro-descendentes89 Carola ainda cita que ldquoo percentual de negros

no municiacutepio pode ser maior e alguns militantes negros afirmam que eles satildeo de

20rdquo apresentando a hipoacutetese de que devido ao preacute-conceito existente muitos natildeo

se identificam como afro-descendentes90 De qualquer forma a pesquisa evidencia

que os descendentes de accedilorianos satildeo o grupo eacutetnico percebido como maioria Em

relaccedilatildeo agrave miscigenaccedilatildeo o estudo revelou atraveacutes da anaacutelise dos dados obtidos em

pesquisa de campo realizada pelo IPAT que a frequecircncia tem aumentado nos

uacuteltimos anos91

85 CAROLA op cit p 7-8 86 Ibid p 34 87 Ibid p 37 88 BOAVENTURA op cit 2010 p 38 89 Ibid p 38 90 Ibid p 45 91 Ibid p 58

28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

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28

Em estudo sobre os espaccedilos de visibilidade destinados agrave populaccedilatildeo afro-

descendente pela imprensa criciumense em termos de religiosidade carnaval e

movimento negro entre 1950 a 1980 Manenti percebe a partir da pesquisa e anaacutelise

de quatro perioacutedicos locais sendo eles Tribuna Criciumense O Independente

Jornal do Sul e O Crivo a falta de representatividade e cuidados no que tange a

abordagem dos assuntos referentes agrave cultura dos mesmos em jornais da cidade92

A uacutenica reportagem encontrada por Manenti envolvendo a religiosidade

no ano de 1956 destina-se originalmente apresentar o trabalho de um artista local

mostrando no escrito fortes tendecircncias depreciativas em relaccedilatildeo agrave Umbanda

religiatildeo de matriz africana classificando seus adeptos como ldquosectaacuterios da magia

negrardquo entre outros dizeres pejorativos93

As publicaccedilotildees envolvendo o samba e o carnaval apareceram em maior

quantidade sendo 271 encontradas em mateacuterias da Tribuna Criciumense e 4 no

jornal O Independente94 Satildeo publicaccedilotildees em grande parte focadas nas festas de

clubes realizadas pelas elites invisibilizando as manifestaccedilotildees culturais dos afro-

descendentes na cidade95

Atraveacutes do estudo de Manenti percebe-se que a ampliaccedilatildeo das

publicaccedilotildees referentes aos encontros culturais promovidos pelo movimento negro de

Criciuacutema acontece a partir da deacutecada de 1970 ainda em meio a colocaccedilotildees e

referecircncias depreciativas96 As publicaccedilotildees encontradas sobre o movimento negro e

negritude na Tribuna Criciumense foram de 74 no Jornal do Sul 4 e apenas 1 no O

Crivo somando ao todo 79 artigos publicados na imprensa de Criciuacutema envolvendo

o assunto nuacutemero bastante reduzido se se considerar que a delimitaccedilatildeo temporal

da pesquisa aborda 30 anos de artigos publicados97

Algumas monografias acadecircmicas se destinam agraves visibilidades das

mulheres afro-descendentes em Criciuacutema Dentro desta perspectiva Krauss

historiciza a trajetoacuteria de Clotilde Maria Martins Lalau citada anteriormente devido agrave

sua contribuiccedilatildeo na formaccedilatildeo do movimento negro na cidade objetivando a

visibilidade das mulheres dentro do movimento diante da grande importacircncia

92 MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC UNESC 2005 p 5-6 93 YEMANJAacute Pierre H Tribuna Criciumense Criciuacutema 08 out 1956 apud MANENTI op cit p 9 94 MANENTI opcit p 6 95 Ibid p 18 96 Ibid p 24 97 Ibid p 6

29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

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macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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29

exercida na denuacutencia do preconceito e da discriminaccedilatildeo em Criciuacutema por Clotilde

Maria Martins Lalau em muitas ocasiotildees sob o pseudocircnimo de tulipa negra

escrevendo artigos denunciando as situaccedilotildees em que o racismo era evidente98

contribuindo tambeacutem na educaccedilatildeo do municiacutepio como professora normalista ao

incentivar os afro-descendentes de Criciuacutema a estudar pois percebia a educaccedilatildeo

como um meio de ascensatildeo social99

Moraes Joseacute em monografia de conclusatildeo do curso de Histoacuteria

destinada agrave anaacutelise das trajetoacuterias de ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema nas deacutecadas de

1960 a 1980 evidencia a histoacuteria de duas mulheres afro-descendentes Maria

Aparecida da Rosa e Oneacutelia Alano da Rosa que em determinado momento de suas

vidas tiveram que sozinhas criar seus filhos e assegurar suas sobrevivecircncias em

trajetoacuterias que expressam a busca por melhores condiccedilotildees sem o auxilio de um

companheiro100

A partir do relato de Maria Aparecida da Rosa Moraes Joseacute percebe a

presenccedila de muitas mulheres afro-descendentes em cargos ldquoconsiderados

inferiores em trabalhos braccedilais e mal remuneradosrdquo101 como no caso citado o

trabalho domeacutestico que comumente fica a cargo de mulheres afro-descendentes

A trajetoacuteria de Oneacutelia Alano da Rosa assim como a de outras mulheres

de sua famiacutelia citadas pela mesma apresenta outros exemplos de luta para a

criaccedilatildeo e sustento de suas famiacutelias Em seu relato pode-se perceber tambeacutem a

dificuldade e o preconceito enfrentado por ldquomatildees solteirasrdquo em Criciuacutema quando a

mesma conta que ldquouma mulher separada natildeo ia a festas natildeo ia a natildeo ser

casamentos e aniversaacuterios de familiaresrdquo tendo suas vidas limitadas devido ao

conservadorismo existente na cidade no caso sendo acentuado devido a sua

condiccedilatildeo eacutetnica102

Em relaccedilatildeo agrave visibilidade das mulheres afro-descendentes em Criciuacutema

dentro da perspectiva das produccedilotildees destinadas ao ensino da cultura afro-brasileira

nas escolas a partir da implementaccedilatildeo da lei 1063903 no caderno pedagoacutegico

Negros e Negras em Criciuacutema a educadora Lima et al apresenta pesquisa realizada

sobre as ldquoprofessoras negras do bairro Pinheirinhordquo em vista da grande presenccedila de

98 KRAUSS opcit p 32 99 Ibid p 29 100 JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 101 Ibid p 29 102 Oneacutelia Alano da Rosa Apud JOSEacute op cit p 34

30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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30

mulheres de origem afro-descendente que exercem esta profissatildeo e discute a

formaccedilatildeo identitaacuteria das mesmas nas escolas puacuteblicas de Criciuacutema103

A oralidade evidencia que a profissatildeo em muitos casos apresenta-se

como uacutenica opccedilatildeo104 envolvendo constantemente a resistecircncia diante da

discriminaccedilatildeo e dificuldades na busca por empregos e tambeacutem nas situaccedilotildees de

preconceito proliferados muitas vezes nas proacuteprias instituiccedilotildees escolares em que

trabalham105 Outro elemento percebido nos relatos das professoras entrevistadas eacute

a presenccedila de professoras afro-descendentes em movimentos sociais tais como o

Movimento Negro e Sindicato dos Trabalhadores em Educaccedilatildeo106

Em artigo sobre o samba e a religiosidade afro-brasileira no bairro Santo

Antocircnio publicado no caderno pedagoacutegico citado anteriormente a educadora Lima

et al apresenta algumas informaccedilotildees sobre o carnaval de rua organizado na

localidade

Enquanto algumas festas aconteciam em clubes da cidade a exemplo do

clube Mampituba muitos dos descendentes de italianos que natildeo tinham grandes

ligaccedilotildees com a festa ali se reuniam107 jaacute no Santo Antocircnio os divertimentos

envolviam inicialmente blocos de rua As organizaccedilotildees das festas eram

extremamente cuidadosas pois os blocos existentes evitavam ter suas muacutesicas e

fantasias descobertas pelos blocos ldquorivaisrdquo108 Sob as cores amarela vermelha e

azul a criaccedilatildeo da primeira escola de samba de Criciuacutema envolveu essencialmente a

participaccedilatildeo de afro-descendentes batizada de Vila Isabel e originou-se na

Operaacuteria Nova sob a direccedilatildeo de Enedina Alano Joseacute Bento e Romeu109

Em relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees religiosas de matrizes africanas na cidade

natildeo existem registros precisos sobre ldquoa estruturaccedilatildeo do batuquerdquo mas existem

indiacutecios de que o iniacutecio teria ocorrido na deacutecada de 1950110 com a abertura no bairro

Santo Antocircnio pela matildee de santo Antoninha do primeiro terreiro de Umbanda que

por muito tempo foi alvo de constante preconceito111

103 MANOEL op cit p 86 104 Ibid p 90 105 Ibid p 92 106 Ibid p 93 107 Ibid p 49 108 Ibid p 49-50 109 Ibid p 50 110 Ibid p 76 111 Ibid p 61

31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

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partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

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quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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31

Em 1984 tambeacutem no bairro Santo Antocircnio aconteceu a primeira missa

afro contendo cantos e ritos entre outras manifestaccedilotildees caracteriacutesticas das

populaccedilotildees afro-descendentes realizada apoacutes o culto tradicional da igreja catoacutelica

por um padre afro de outra paroacutequia pois a sincronicidade entre os ritos ainda era

vista com desconfianccedila e natildeo muito bem aceitas112

Diante de todos estes elementos citados pode-se apontar que natildeo existiu

uma preocupaccedilatildeo historiograacutefica oficial em relatar os variados indiacutecios da existecircncia

das populaccedilotildees africanas e afro-descendentes ou dos que natildeo tivessem origem

europeia na regiatildeo localizada nas proximidades da cidade de Criciuacutema ou ateacute

mesmo o cuidado no sentido de registro das manifestaccedilotildees culturais das mesmas

coletivas ou individuais incluindo a histoacuteria das famiacutelias das mulheres e crianccedilas a

religiosidade os espaccedilos de lazer e sociabilidade entre outras expressotildees

112 MANOEL op cit p 54

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 33: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

32

4 A CONSTITUICcedilAtildeO DE IDENTIDADES EacuteTNICAS NO BAIRRO SANTA

BAacuteRBARA

A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas positivas estaacute profundamente

vinculada agrave visibilidade das manifestaccedilotildees culturais do grupo eacutetnico pertencente

No bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 periacuteodo temporal de

delimitaccedilatildeo desta pesquisa em muitas situaccedilotildees a manifestaccedilatildeo de accedilotildees

discriminatoacuterias e a proliferaccedilatildeo de referecircncias pejorativas eram evidentes Em um

periacuteodo em que as discussotildees sobre a construccedilatildeo de identidades eacutetnicas ainda natildeo

estavam difundidas em Criciuacutema esta pesquisa tem como problema compreender

como ocorriam as constituiccedilotildees e identificaccedilotildees identitaacuterias das crianccedilas moradoras

do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado a partir de suas interaccedilotildees sociais no

bairro e no grupo escolar Coelho Neto

A infacircncia apresenta-se como um periacuteodo em que as primeiras

identificaccedilotildees comeccedilam a ser elaboradas por meio de interaccedilotildees sociais nos

espaccedilos frequentados pela crianccedila Sarmento113 referindo-se agraves culturas da

infacircncia ressalta que nessa fase lhe eacute permitido

[] apropriar reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia numa relaccedilatildeo de convivecircncia que permite exorcizar medos construir fantasias e representar cenas do cotidiano que assim funcionam como terapias para lidar com experiecircncias negativas ao mesmo tempo em que se estabelecem fronteiras de inclusatildeo e exclusatildeo (de gecircnero de subgrupos etaacuterios de status etc) que estatildeo fortemente implicados nos processos de identificaccedilatildeo social

Os relatos orais aqui apresentados melhor evidenciaram elementos

constantes em todas as narrativas referentes agraves primeiras identificaccedilotildees e

elaboraccedilotildees vinculadas agrave etnicidade durante a infacircncia dessas pessoas em suas

interaccedilotildees sociais Segundo Bosi a memoacuteria pessoal ldquoeacute tambeacutem uma memoacuteria

social familiar e grupalrdquo114 Atraveacutes da anaacutelise das lembranccedilas de nove

entrevistados entre eles sete afrodescendentes um descendente de italianos e um

descendente de poloneses que entre 1952 a 1964 eram moradores do bairro Santa

113 SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 p 2 114 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 p 37

33

Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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Baacuterbara e estudantes no Grupo Escolar Coelho Neto ou funcionaacuterios do mesmo

busca-se analisar o processo de desenvolvimento da consciecircncia eacutetnica

A etnicidade enquanto organizaccedilatildeo social ordena as pessoas por meio de

sua ldquoorigem supostardquo em processos nos quais as mesmas ldquoidentificam-se e satildeo

identificadas pelos outrosrdquo por meio de ldquotraccedilos culturais que se supotildeem derivados de

uma origem comumrdquo e que a partir das relaccedilotildees sociais satildeo evidenciados115

Para compreender a formaccedilatildeo da identidade eacutetnica dos afrodescendentes

no bairro Santa Baacuterbara local profundamente envolvido pela mineraccedilatildeo torna-se

necessaacuteria uma breve contextualizaccedilatildeo do mesmo a partir de situaccedilotildees em que se

podem perceber manifestaccedilotildees eacutetnicas sendo articuladas e exercidas

A extraccedilatildeo de carvatildeo em Criciuacutema pela Companhia Brasileira Carboniacutefera

de Araranguaacute ndash CBCA ndash teve iniacutecio a partir de 1917 na ldquomina velhardquo localizada no

bairro Santo Antocircnio116 Em 1921 devido agrave necessidade de transporte do carvatildeo

extraiacutedo inicia-se a construccedilatildeo da extensatildeo da Estrada de Ferro Dona Tereza

Cristina ligando o porto de Imbituba ao municiacutepio de Araranguaacute passando por

Criciuacutema117 Este contexto eacute apontado pela historiografia oficial de Criciuacutema como

um periacuteodo de grande aumento populacional devido agrave ampliaccedilatildeo na oferta de

trabalho nas minas e na construccedilatildeo da estrada de ferro demarcando tambeacutem a

chegada dos afro-descendentes na cidade com maior expressividade118

A anteriormente denominada Operaacuteria Velha atual bairro Santa Baacuterbara

foi construiacuteda neste contexto de aumento populacional pela CBCA para abrigar os

mineiros e suas famiacutelias que chegavam a Criciuacutema provindos de outras cidades em

busca de empregos nas minas de carvatildeo119 Inicialmente localizada na Rua Rio do

Sul ou ldquopeixe fritordquo como eacute atualmente conhecida no bairro Santo Antocircnio fazia

ligaccedilatildeo entre o mesmo e o distrito de Rio Maina120

Em geral as vilas operaacuterias em Criciuacutema localizavam-se nas

proximidades das bocas de minas de carvatildeo com ldquocasas de madeiras de trecircs

cocircmodos quarto sala cozinha a bdquopatente‟ o fogatildeo a lenhardquo sendo aumentadas a

115 BARTH apud POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 141 116 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 31 117 Ibid p31 118 ARNS opcit p 106 119 COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 69 120 Ibid p 69

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

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quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

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Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

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criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

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que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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Page 35: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

34

partir das necessidades de cada famiacutelia121 As mineradoras construiacuteam nas vilas

operaacuterias espaccedilos de lazer farmaacutecias escolas padarias armazeacutens entre outros

elementos da estrutura fiacutesica122 No caso especiacutefico da Santa Baacuterbara entre as

vaacuterias transformaccedilotildees ocorridas na constituiccedilatildeo do bairro localizavam-se o escritoacuterio

central da CBCA a igreja de Santa Baacuterbara o coleacutegio Estadual Coelho Neto o

posto de sauacutede que atendia os moradores da regiatildeo proacutexima o clube Uniatildeo Mineira

o clube Uniatildeo Operaacuteria e o time de futebol Atleacutetico Operaacuterio entre outros

elementos123

Em todas as nove entrevistas apareceram evidecircncias de que entre os

grupos eacutetnicos existentes na Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 havia afro-

descendentes italianos portugueses e poloneses Em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo das

casas ocupadas pelos membros destes grupos Anaacutelia Joseacute Lima124 cita que

Noacutes moraacutevamos do lado dos Crispins que eram negros e dos Vicente que eram negros mas do lado dos Crispins moravam os Ronchi e do lado dos Vicente brancos tambeacutem entatildeo natildeo tinha separaccedilatildeo aqui eacute tudo negro e aqui eacute tudo branco era tudo misturado mesmo mas como predominava negros ali na nossa rua [] bem na frente da igreja era mais negros mas por fora tinha muito terreno de Italiano []

Segundo Costa125 no bairro Santa Baacuterbara moravam em grande

quantidade os afro-descendentes que trabalhavam na mineraccedilatildeo e no Santo

Antocircnio os descendentes de imigrantes italianos que se dedicavam agrave agricultura126

Sobre o relacionamento entre os grupos existentes Anaacutelia Joseacute Lima127 ainda

aponta que

Os Crispim eram pessoas maravilhosas eles tinham 12 filhos e eu me lembro que as feacuterias pra mim era a eacutepoca que noacutes iacuteamos para a aacuterea dos Crispim escutar histoacuteria e iam os Ronchi todo mundo ia para a aacuterea deles ai passava uma carroccedila de melancia seu Castorino Crispin comprava melancia pra todo mundo o problema era quando a coisa era mais ampla

121 BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 p 130 122 Ibid p130 123 ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Criciuacutema SC Monografia UNESC Criciuacutema 2001 p 12 124 Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente moradora do bairro Santa Baacuterbara no periacuteodo delimitado Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 tendo sido aluna do Grupo Escolar Coelho Neto nos anos de 1964 a 1968 Entrevista citada concedida em 06 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 125 COSTA opcit p 70 126 Ibid p 70 127 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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35

quando eu saiacute do Coelho Neto e fui para o Michel foi terriacutevel entatildeo percebi que existia discriminaccedilatildeo

Bosi em referecircncia agrave constituiccedilatildeo da memoacuteria familiar ressalta que ldquoa

crianccedila sente-se incluiacuteda no grupo familiar e no da vizinhanccedila suas lembranccedilas

brotam de um e outro dada agrave iacutentima vivecircncia com ambosrdquo128 Assim como na

entrevista de Anaacutelia Joseacute Lima em todas as outras o relacionamento entre os

vizinhos foi positivado

Sueli dos Passos Simatildeo129 cita que no bairro Santa Baacuterbara as

brincadeiras envolviam ldquocrianccedilas negrasrdquo e ldquocrianccedilas brancasrdquo Diz ela ldquoa gente

brincava muito brincava de reacute brincava de roda tinha o morro ali do Uniatildeo

Operaacuteria a gente descia e brincava naquele pasto ali a gente brincava contava

histoacuteria conversava cantavardquo e em referecircncia agrave convivecircncia entre vizinhos se

refere aos grupos de negros italianos e portugueses ao relatar como ocorria

Eacuteramos todos amigos tinha o time da CBCA era dos mineiros a gente ia ao jogo junto fazia festa mas o clube ali era diferenciado neacute Laacute embaixo no Uniatildeo Mineira era o clube dos brancos e noacutes em cima o Uniatildeo Operaacuteria era o clube dos negros [] no clube do Uniatildeo Mineira a gente natildeo entrava neacute Eu inclusive na minha festa de formatura eu natildeo consegui entrar no clube pra danccedilar junto com os meus amigos eu fui barrada na porta eu e a minha amiga na formatura do magisteacuterio em 1970 em 71 acho porque o presidente do clube falou que natildeo queria que entrasse negros negros natildeo poderiam entrar entatildeo isso aiacute me magoou muito eu levei anos e anos pra entrar laacute dentro de tatildeo magoada que eu fiquei []

Objetivando o controle dos operaacuterios mineiros em seus momentos de

lazer fora da empresa a fundaccedilatildeo de times de futebol era incentivada pelas

mineradoras130 Na vila Operaacuteria Velha o Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube (Fig1)

time de mineiros da CBCA foi fundado em 3 de maio de 1935 era conhecido como

o ldquotime dos pretosrdquo referecircncia sobre a formaccedilatildeo de o time envolver principalmente

mineiros afro-descendentes131

128 BOSI opcit p 431 129 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz 130 BERNARDO opcit p 134 131 Ibid p 134

36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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36

Figura 1 ndash Time Atleacutetico Operaacuterio Futebol Clube em 1951132

A utilizaccedilatildeo de referecircncias agrave cor da pele natildeo era destinada apenas ao

time de futebol do bairro mas tambeacutem ao clube Uniatildeo Operaacuteria popularmente

conhecido como o ldquoclube dos pretosrdquo ou ldquoclube dos negrosrdquo Segundo Ferreira133

comumente utiliza-se de forma reducionista os traccedilos fenoacutetipos afro-descendentes

ou seja a cor da pele para classificaacute-los em ldquonegrosrdquo e ldquobrancosrdquo Como relata

Oneacutelia Alano da Rosa134 a forma utilizada para identificaccedilatildeo dos afro-descendentes

no bairro ldquoera mesmo pela cor era branco e negrordquo

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria atualmente localizada entre a

igreja de Santa Baacuterbara e o Grupo Escolar Coelho Neto surgiu a partir da

necessidade de um espaccedilo em que os afro-descendentes no bairro Santa Baacuterbara

pudessem livremente exercer suas subjetividades pois eram impedidos de

frequentar o clube Uniatildeo Mineira popularmente conhecido como ldquoclube dos

brancosrdquo135 Na deacutecada de 1920 ainda no bairro Santo Antocircnio segundo relatos

orais evidenciados por Bernaldo136 tem-se iniacutecio as primeiras articulaccedilotildees para a

132 BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC 2005 [se] 133 FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 p 67 134 Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 135 BERNALDO opcit p 21 136 Ibid p 21

37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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37

criaccedilatildeo de um espaccedilo de lazer destinado aos afro-descendentes das proximidades

na casa de particulares com a realizaccedilatildeo de danccedilas aos domingos Mas eacute somente

em torno de 1946 que o estatuto do clube Uniatildeo Operaacuteria foi registrado no cartoacuterio

de Urussanga137

As sociedades recreativas construiacutedas nas vilas operaacuterias eram utilizadas

na realizaccedilatildeo de vaacuterios eventos principalmente bailes138 A partir destes espaccedilos de

socializaccedilatildeo pode-se perceber a segregaccedilatildeo eacutetnica existente em vaacuterias vilas

operaacuterias de Criciuacutema inclusive no bairro Santa Baacuterbara Em muitas vilas existiam

duas sedes uma frequentada exclusivamente por afro-descendentes e a outra por

ldquobrancosrdquo utilizando-se uma corda para separar os mesmos quando existia apenas

uma sede139 Muitos dos afro-descendentes que natildeo possuiacuteam em suas vilas clubes

proacuteprios deslocavam-se a outras vilas Segundo Bernardo a ldquoempresa mineradora

reforccedilava a divisatildeo eacutetnica quando construiacutea duas sedes recreativasrdquo140

A existecircncia destes dois clubes indica que fronteiras eacutetnicas existiam no

bairro Santa Baacuterbara Poutignat e Fenart141 fundamentados em Barth apontam que

o sentimento de pertencimento a determinados grupos ocorre principalmente por

meio da ldquodemarcaccedilatildeo entre os membros e natildeo-membrosrdquo e da dicotomizaccedilatildeo

NoacutesEles Tambeacutem em relaccedilatildeo agraves fronteiras eacutetnicas Boaventura142 pontua que

Os negros isolados pelo preconceito racial procuraram reconstruir uma tradiccedilatildeo centrada no parentesco na religiatildeo na terra e nos valores morais cultivados ao longo de sua descendecircncia A tradiccedilatildeo negra tem sido comprovadamente o proacuteprio enfrentamento a resistecircncia cotidiana a luta pela recuperaccedilatildeo da auto-estima Tanto nas aacutereas rurais como nas perifeacutericas e urbanas os negros consolidaram sua identidade social atraveacutes da demarcaccedilatildeo simboacutelica expressa por uma fronteira eacutetnica que eacute construiacuteda ao longo de anos de resistecircncia e em especiacuteficos e diversos contextos na casa na vila no bairro no clube na rua no bar

No Clube Uniatildeo Operaacuteria segundo Anaacutelia em relaccedilatildeo aos

frequentadores diz que eram ldquofamiacutelias inteiras nos domingos agrave tarde dois suares e

agrave noite tambeacutem famiacutelias inteiras era muita genterdquo Todos os entrevistados para esta

pesquisa utilizaram a existecircncia do Clube Uniatildeo Operaacuteria e do Clube Uniatildeo Mineira

para especificar como a discriminaccedilatildeo e o preconceito eram manifestados enquanto

137 BERNALDO op cit p 23 138 BERNARDO opcit p 139 139 Ibid p 140 140 Ibid p 140 141 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 142 BOAVENTURA op cit 1996 p 50

38

que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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que os entrevistados afro-descendentes constantemente evidenciaram em suas

narrativas o sentimento de pertencimento a qual se sentiam envolvidos ao

frequentarem o Uniatildeo Operaacuteria apresentando elementos que indicam o processo de

formaccedilatildeo da consciecircncia dos mesmos enquanto grupo eacutetnico

Segundo Barth143 os grupos eacutetnicos satildeo constituiacutedos por uma populaccedilatildeo

que

1)- perpetua-se biologicamente de modo amplo 2)- compartilha valores culturais fundamentais realizados em patente

unidade nas formas culturais 3)- constitui um campo de comunicaccedilatildeo e de interaccedilatildeo 4)- possui um grupo de membros que se identifica e eacute identificado por

outros como se constituiacutesse uma categoria diferenciaacutevel de outras categorias do mesmo tipo

A partir do conceito de grupo eacutetnico definido por Barth o

compartilhamento cultural de elementos em comum eacute apontado por Oliveira como

tendo importacircncia fundamental144 As fronteiras eacutetnicas entre grupos natildeo se

encontram rigidamente solidificadas ao longo dos tempos ldquopodem manter-se

reforccedilar-se Apagar-se ou desaparecerrdquo145 como se pode perceber em relaccedilatildeo aos

clubes Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria que atualmente podem ser frequentados por

pessoas de vaacuterios grupos eacutetnicos A identidade eacutetnica eacute construiacuteda a partir das

interaccedilotildees com os membros de outros grupos eacutetnicos por meio de identificaccedilotildees e

ldquodefiniccedilotildees exoacutegenasrdquo ou seja o preconceito manifestado pelos grupos dominantes

em relaccedilatildeo aos afro-descendentes natildeo eacute ignorado pelos mesmos e as articulaccedilotildees

de resistecircncia e a luta contra a discriminaccedilatildeo social soacute tem sentido a partir destes

estigmas externos146

Estes elementos reforccedilam a mobilidade atribuiacuteda agrave identidade Segundo

Hall147 a identidade estaacute em constante processo de constituiccedilatildeo sendo

transformada a partir das interaccedilotildees sociais e por meio das mudanccedilas ocorridas na

sociedade como um todo definindo o sujeito poacutes-moderno

143 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p152 144 OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo Pioneira 1976 p 2 145 POUTIGNAT STREIFF-FENART BARTH opcit p 154 146 Ibid p 142-143 147 HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro DPampA 2005 p 13

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[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

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identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

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muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

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macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

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54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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58

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Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 40: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

39

[] como natildeo tendo uma identidade fixa essencial ou permanente A identidade torna-se uma ldquocelebraccedilatildeo moacutevelrdquo formada e transformada continuamente em relaccedilatildeo a formas pelas quais somos representado ou interpretado nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall 1987) Eacute definida historicamente e natildeo biologicamente O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos identidades que natildeo satildeo unificadas ao redor de um ldquoeurdquo coerente Dentro de noacutes haacute identidades contraditoacuterias empurrando em diferentes direccedilotildees de tal modo que nossas identificaccedilotildees estatildeo sendo continuamente deslocadas

148

Essencialmente envolvido pela mineraccedilatildeo e religiosidade a nomeaccedilatildeo do

bairro Santa Baacuterbara aconteceu em virtude da forte ligaccedilatildeo existente entre os

trabalhadores das minas de carvatildeo e a santa ldquocultuada como protetora dos

mineirosrdquo149 que ldquosegundo a feacute catoacutelica atende aos pedidos dos fieacuteis em dias de

temporais e trovoadasrdquo150

Figura 2 ndash A vila e ao fundo a antiga capela de Santa Baacuterbara (sem data)151

A primeira capela de Santa Baacuterbara foi construiacuteda no bairro Santo

Antocircnio na rua Rio do Sul em 1920152 Em decorrecircncia dos riscos que a localizaccedilatildeo

da capela oferecia aos fieacuteis em 1934 eacute transferida para a vila Operaacuteria Velha e em

148 HALL op citp13 149 COSTA opcit p 70 150 BERNALDO opcit p 20 151 FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema 2009 47 p 152 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 p 20

40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

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40

1950 a igreja de Santa Baacuterbara eacute construiacuteda no mesmo local153 As festas e

procissotildees em honra agrave Santa Baacuterbara que ainda acontecem eram nestes periacuteodos

ldquopalco de devoccedilatildeo e distraccedilatildeo para a comunidade de fieacuteis e curiososrdquo154 Segundo

Anaacutelia Joseacute Lima ldquotodo mundo se preparava o ano inteiro em conjunto para a festa

de Santa Baacuterbara padroeira dos mineiros aiacute havia misturardquo ocorrendo a integraccedilatildeo

entre pessoas etnicamente diferentes algo que natildeo acontecia em algumas outras

situaccedilotildees a exemplo da existecircncia das duas sociedades recreativas Anaacutelia Joseacute

Lima155 ainda ressalta a importacircncia e grandiosidade da festa de Santa Baacuterbara

A festa era grandiosa tanto eacute que noacutes em crianccedila natildeo ganhaacutevamos roupas para o natal a roupa era para a festa de Santa Baacuterbara a gente usava na festa e depois no natal Era feriado em toda a regiatildeo aonde tinha mineraccedilatildeo os parentes vinham de longe na veacutespera para as casas As casas da comunidade enchiam de gente enchiam as ruas a igreja o lado do paacutetio onde era antigamente o campo do atleacutetico tinha barraca por todo lugar naquela parte era uma festa muito grande mesmo

O catolicismo natildeo era a uacutenica religiosidade expressa nas proximidades do

bairro no que diz respeito agraves praacuteticas e manifestaccedilotildees religiosas afro-brasileiras

Anaacutelia Joseacute Lima156 a partir de lembranccedilas individuais tambeacutem encontradas em

outros relatos cita que

[] alguns frequumlentavam os centros escondidos devido agrave questatildeo histoacuterica de que a religiatildeo afro era feia era pecado era errada e chegavam a proibir Tinha o centro no Santo Antocircnio neacute Da dona Antoninha que eacute o mais antigo da regiatildeo e eu sei que tinha culto afro laacute tinha gente dali que ia mas eles natildeo contavam tanto eacute que eu tinha curiosidade de saber porque tinha batuque eu fui ver um e procurar entender depois que eu comecei a estudar a cultura afro porque as famiacutelias a minha matildee a minha avoacute eram bem catoacutelicas neacute De filha de Maria entatildeo nem falava e aqueles que iam iam escondidos e tinham vergonha de comentar de crianccedila eu lembro que eles comentavam assim bdquohoje tem batuque na Antoninha‟ mas eles declararem que iam natildeo porque tinha esta questatildeo de que para eles era vergonhoso neacute Era bem mal visto resultado das questotildees histoacutericas

Eacute interessante observar a resistecircncia diante do preconceito que envolvia o

centro de dona Antoninha pois mesmo escondidas algumas pessoas natildeo deixavam

de frequentaacute-lo A existecircncia de um centro de Umbanda sendo frequentado por

moradores do bairro Santa Baacuterbara apresenta outro local de pertencimento e

153 OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo opcit p 20 -21 154 PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 p 24 155 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 156 Idem 2010

41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

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41

identificaccedilatildeo no qual estas pessoas se sentiam incluiacutedas aleacutem do clube Uniatildeo

Operaacuteria neste caso a manifestaccedilatildeo da religiosidade caracteriacutestica da cultura afro-

brasileira era por opccedilatildeo dos adeptos

Em relaccedilatildeo a festas e ao lazer nas entrevistas podem-se perceber alguns

aspectos da cultura afro-brasileira no Bairro Santa Baacuterbara a partir da memoacuteria de

Anaacutelia Joseacute Lima157 que mais evidenciou estas manifestaccedilotildees

Que eu lembre eu jaacute peguei os dois clubes o clube de branco e o clube de negros Uniatildeo Mineira e Uniatildeo Operaacuteria tinha bastante festa na eacutepoca bailes e danccedilas suares nos domingos [] carnaval tinha a escola de samba basicamente liderada por negros [] esta escola de samba ensaiava ali na rua da igreja a sede era perto de onde agora eacute o Uniatildeo Mineira tinha um barraco uma sala entatildeo os negros da redondeza saiam todos nesta escola de samba dava muito movimento o transito chegava a parar porque o pessoal ensaiava andando na rua danccedilando na rua saia na rua de Santa Baacuterbara entrava na Henrique Lage subia pelo lado do Coelho Neto e saiacutea de novo laacute na Santa Baacuterbara e todos iam pelos lados acompanhando e era muito bom tambeacutem e depois nos dias de carnaval mesmo os negros iam para o Uniatildeo Operaacuteria e os brancos para o Uniatildeo Mineira

Ferreira158 pontua que com o desenvolvimento das escolas de samba no

Brasil o afro-descendente ldquodurante quatro dias apoderava-se das cidades Um

momento de afirmaccedilatildeo social cultural e eacutetnicardquo No bairro Santa Baacuterbara natildeo era

diferente Anaacutelia evidencia em sua narrativa elementos da cultura afro-brasileira no

cotidiano do bairro indicando o desenvolvimento da consciecircncia do afrodescendente

como um grupo eacutetnico em processos de identificaccedilotildees essencialmente sendo

manifestados pelos afro-descendentes da localidade em meio a manifestaccedilotildees

culturais e tambeacutem religiosas

O relato de Anaacutelia Joseacute Lima159 ainda evidencia alguns outros elementos

relacionados ao carnaval da Santa Baacuterbara

Uma das coisas que a minha avoacute contava muito tinha muito orgulho de falar era dos blocos que ela era uma das costureiras e que eles provavam a fantasia embaixo da mina para o outro grupo natildeo ver a fantasia olha que coisa mais linda embaixo da mina e quem ia provar a fantasia tinha que colocar uma venda nos olhos tu natildeo sabia a roupa que tu ia usar que era para natildeo vazar soacute quem sabia eram os coordenadores e as costureiras E tu nunca lecirc isso em livro nenhum eram bloquinhos [] e no dia de carnaval era organizado que um grupo visitava o bairro do outro grupo e eram vaacuterios entatildeo tinha um grupo da Operaacuteria Velha outro laacute da Mina do Mato um grupo do Santo Antocircnio e um grupo visitava o outro no carnaval era

157 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010 158 FERREIRA opcit p 124 159 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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42

muito diferente e esses grupos entatildeo perante a sociedade natildeo existiam porque a sociedade fazia carnaval no salatildeo chiqui ali no salatildeo neacute Depois que apareceram entatildeo os Embaixadores do ritmo a Vila Isabel bem depois

Em relaccedilatildeo agraves lembranccedilas de famiacutelia Bosi ressalta que comumente entre

os familiares citados nas lembranccedilas encontram-se referecircncias agrave figura da avoacute e do

avocirc160 Anaacutelia cita o orgulho percebido em sua avoacute ao referir-se ao tempo em que

era a costureira das fantasias dos blocos de carnaval na Santa Baacuterbara na qual

tambeacutem se percebe a positividade atribuiacuteda a estas manifestaccedilotildees culturais por

Anaacutelia Pode-se apontar que sua avoacute contribuiu de forma positiva para a visibilidade

de aspectos da cultura afro-brasileira no bairro Santa Baacuterbara ao contar sua ligaccedilatildeo

com o carnaval refletindo-se em Anaacutelia

Outro depoimento que tambeacutem ressalta o papel do avocirc positivando

manifestaccedilotildees culturais afro-brasileiras eacute narrado por Sueli dos passos Simatildeo161

quando conta que

O meu avocirc o pai da minha matildee ele usava muito o tambor e este lado foi o que mais me chamava atenccedilatildeo era o tambor eu ateacute hoje eu tenho tambor em casa eu toco tambor eu toco chocalho pandeiro eu tenho meus netos tocam tambor tocam pandeiro tocam chocalho eu ensino neacute O meu avocirc tocava tambor tinha a eacutepoca do boi de mamatildeo entatildeo era aquela festa neacute A gente se divertia muito a gente era muito feliz apesar de tudo Existia o preconceito forte mas a gente agraves vezes nem notava de tatildeo feliz que eacuteramos porque eram todos pobres eram quase todos do mesmo niacutevel a gente se amava demais nos daacutevamos bem

No relato acima se percebe a figura do avocirc e da avoacute em duas situaccedilotildees

quando Sueli era crianccedila e ouvia o avocirc tocar tambor e sentia-se positivamente

contagiada e atualmente quando a mesma transmite aos seus netos a ligaccedilatildeo natildeo

apenas com o tambor mas tambeacutem com o pandeiro e o chocalho Contribuindo para

a constituiccedilatildeo da identidade de seus netos

Em geral observa-se que apesar da evidente fronteira eacutetnica existente no

bairro Santa Baacuterbara agindo em sentido de demarcaccedilatildeo de diferenccedilas eacutetnicas os

afro-descendentes da localidade se aproximavam e se identificavam com elementos

da cultura afro-brasileira em situaccedilotildees que ressaltam o sentimento de

pertencimento

160 BOSI opcit p 429 161 Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista citada concedida em 01 de setembro de 2010 realizada por Rosana Peruchi Luiz

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

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Page 44: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

43

41 A constituiccedilatildeo de identidades eacutetnicas na escola

Segundo o histoacuterico escolar do Grupo Escolar Coelho Neto inicialmente

denominada de Escola Isolada Estadual Dr Paulo de Frontin fundada em 1925

ainda no bairro Santo Antocircnio sendo transferida posteriormente para a vila Operaacuteria

Velha apoacutes as solicitaccedilotildees de operaacuterios que tambeacutem haviam sido transferidos para

a localidade Na vila Operaacuteria foi construiacuteda proacutexima agrave capela da Santa Baacuterbara

com duas classes recebendo 41 alunos cada passando a denominar-se Escola

Desdobrada de Vila Operaacuteria Em 1948 com trecircs classes passou a chamar-se

Escola Reunida Professor Otto de Souza Dreer Em 1949 passa a ser denominada

Escola Reunida Ondina Silva em novo preacutedio com quatro classes em terreno doado

pela CBCA Entre as vaacuterias mudanccedilas ocorridas na escola durante o periacuteodo que se

estende agrave deacutecada de 1952 a 1964 delimitaccedilatildeo temporal desta pesquisa consta a

passagem agrave categoria de Grupo Escolar Coelho Neto162

Entre os documentos coletados na escola natildeo consta a relaccedilatildeo numeacuterica

de professores e alunos que atuaram na unidade dificultando que se saiba a

quantidade de membros e quais grupos eacutetnicos existiam no Grupo Escolar Coelho

Neto

Em relaccedilatildeo ao grupo eacutetnico que os alunos pertenciam Anaacutelia Joseacute

Lima163 relata que

Naquela eacutepoca a gente natildeo sabia diferenciar o grupo eacutetnico neacute Entatildeo se dizia fulano eacute branco cicrano eacute negro hoje eu sei quem eacute e a que grupo pertence mas naquela eacutepoca a gente natildeo tinha esta preocupaccedilatildeo ateacute porque este trabalho comeccedilou a ser feito na eacutepoca do centenaacuterio de Criciuacutema [] tinha uma famiacutelia onde agora eacute o Uniatildeo Mineira bem grande que todo mundo chamava eles de portuguecircs neacute Entatildeo tinha crianccedilas que eram dali bdquoah era filho do Manuel portuguecircs‟ bdquoera filha do Lopes portuguecircs‟ mas a gente nem sabia porque chamavam assim porque na realidade eles eram portugueses mesmo entatildeo tinha filhos deste pessoal ali na escola e tinha bastante gente ali dos Socircnego e depois igual a mim que eram filhos de mineiros soacute que a minha matildee era professora ali neacute no Coelho Neto tambeacutem tinha a dona Maura tambeacutem que era professora a dona Leacuteia e os filhos estudavam tudo ali na escola tambeacutem mas a gente natildeo via assim como um todo era crianccedila negra e crianccedila branca e nas brincadeiras assim a gente sentia o preconceito neacute Aquela coisa assim como tem hoje ainda como eu era filha de professora elas tinham um certo cuidado tinha a dona Maura que tinha os filhos entatildeo com os filhos da D Maura eles tinha certo cuidado de natildeo chamar de negro de natildeo chamar de

162 Informaccedilotildees encontradas no histoacuterico do Grupo Escolar Coelho Neto 163 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2009

44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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44

macaco e tal mas com os outros o bicho pegava de vez enquanto tinha brigas discussatildeo xingamentos e como eacute que se diz agressatildeo ateacute porque quando chamava de macaco uma vez tambeacutem peguei uma garota e bati

Observa-se aqui a memoacuteria em reconstruccedilatildeo Anaacutelia Joseacute Lima ao citar

que na eacutepoca natildeo se utilizavam classificaccedilotildees em grupos eacutetnicos apenas em

ldquobrancosrdquo e ldquonegrosrdquo atribui ao passado conhecimentos adquiridos posteriormente

Segundo Bosi ldquoa memoacuteria permite a relaccedilatildeo do corpo presente com o passado e ao

mesmo tempo interfere no processo bdquoatual‟ das representaccedilotildeesrdquo164 Pode-se

perceber ainda que se evitavam os ldquoxingamentosrdquo aos filhos dos professores afro-

descendentes mas natildeo de todo E brigas em sentido de defesa aconteciam

Eram vaacuterios os professores afro-descendentes atuantes no Grupo Escolar

Coelho Neto Maria dos Santos Lima165 cita que ldquonegros eacuteramos uns oito Peleacute de

educaccedilatildeo fiacutesica Dona Maura Terezinha Tomaacutes Mariacutelia Leacuteia e outras que

substituiacuteamrdquo complementando que ldquoos negros eram oacutetimos professores Maura e a

Leacuteia de matemaacutetica a Mariacutelia que em julho toda a classe jaacute estava lendo assim os

pais faziam questatildeo que seus filhos ficassem com esses professoresrdquo A existecircncia

dos mesmos na unidade escolar serviu de referecircncia aos alunos afro-descendentes

como modelos positivos

Sobre a visibilidade agrave cultura afro-brasileira no grupo Escolar Coelho

Neto Anaacutelia Joseacute Lima166 ainda cita que

A questatildeo ser negro nas escolas na eacutepoca natildeo se trabalhava o que se ouvia era que a Princesa Isabel libertou os escravos Entatildeo a crianccedila negra tinha vergonha que fosse falado sobre isso ela tinha vergonha de escutar e natildeo era colocado escravizaccedilatildeo era colocado a escravidatildeo na cabeccedila da gente o que a gente entendia Que o negro era submisso deixou-se escravizar e natildeo fez nada quando tu natildeo tens identidade tu natildeo conhece a realidade do que aconteceu tu tem vergonha O meu povo laacute atraacutes deixou os outros bater aceitou a submissatildeo era isso que eu pensava escutaacutevamos que os italianos vieram pra caacute lutaram com os iacutendios pegaram a terra trabalharam a gente achava ateacute bonito depois que fui entender o que aconteceu realmente Ateacute ter a visatildeo do que aconteceu realmente quantos negros morreram lutando por natildeo aceitar a escravizaccedilatildeo [] eu soacute fui saber depois de adulta hoje se tem outra visatildeo das coisas hoje se algueacutem falar nem falam perto de mim neacute (risos) [] eu queria saber o que eu sei hoje quando eu tinha uns 14 anos (sic)

164 BOSI opcit p 46 165 Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista citada concedida em 05 de fevereiro de 2009 realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 166 Anaacutelia Joseacute Lima Entrevista citada 2010

45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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45

Eacute interessante observar no relato de Anaacutelia Joseacute Lima aspectos do

desenvolvimento de sua identidade e a ecircnfase dada principalmente agrave importacircncia do

estudo da cultura afro-brasileira e a visibilidade das manifestaccedilotildees do grupo eacutetnico

do qual se sente incluiacuteda O processo se inicia com a ldquovergonhardquo ao se deparar com

uma histoacuteria europeizada na qual o africano e seus descendentes satildeo retratados

como passivos enquanto que o italiano como desbravador Aos momentos na qual a

mesma ressalta a importacircncia da descoberta da histoacuteria de resistecircncia das

populaccedilotildees escravizadas demarcando os 14 anos provavelmente o periacuteodo de

discriminaccedilatildeo mais evidente como um momento em que a mesma gostaria de saber

o que sabe hoje para com argumentaccedilotildees se defender

Sobre a escola Loureiro167 ressalta sua funccedilatildeo na formaccedilatildeo de

identidades positivas ou negativas

Eacute importante ressaltar a importacircncia que a escola tem no desenvolvimento da vida afetiva emocional e psicoloacutegica das crianccedilas A dinacircmica escolar pode ser desastrosa ao individuo e agrave sociedade democraacutetica como um todo quando barra ou dificulta por vaacuterios mecanismos de discriminaccedilatildeo o sucesso ou mesmo a continuidade da vida escolar (do processo de aprendizagem) de algumas crianccedilas Pois em uma sociedade em que alguns grupos eacutetnico-raciais satildeo discriminados as crianccedilas submetidas a essa ideologia de desqualificaccedilatildeo passam a se sentir ldquoinabilitadasrdquo para a participaccedilatildeo livre no mundo das edificaccedilotildees Natildeo dispondo de meios para avaliar as contradiccedilotildees existentes na ideologia vigente e assim desconhecendo os reais motivos de seu aparente ldquoinsucessordquo desenvolvendo um sentimento de menos valia

Ferreira aponta quatro estaacutegios no processo de desenvolvimento de uma

identidade afrocentrada sendo eles o estaacutegio da submissatildeo impacto militacircncia e

da articulaccedilatildeo na qual o indiviacuteduo a partir de interaccedilotildees sociais desenvolve algumas

concepccedilotildees ldquosobre si mesmo sobre outras pessoas e sobre seu mundordquo168 No

estaacutegio da submissatildeo o afro-descendente se submete ao padratildeo cultural

dominante podendo absorver noccedilotildees negativas sobre o grupo eacutetnico afro-

descendente169 No estaacutegio do impacto a partir de suas relaccedilotildees sociais o afro-

descendente depara-se com situaccedilotildees em que fica evidente a existecircncia do

preconceito ou da discriminaccedilatildeo170 No estaacutegio da militacircncia segundo Ferreira ldquoeacute

comum o afro-descendente apegar-se de forma obsessiva a siacutembolos da nova

167 LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 p 24 168 FERREIRA opcit p 69 169 Ibid p 70 170 Ibid p 77

46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

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56

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ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

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Paulo Loyola 2005 291 p

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do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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46

identidade em processo de constituiccedilatildeordquo encerrando-se nestas novas referecircncias171

A partir do estaacutegio da articulaccedilatildeo o afro-descendente referencia-se em um grupo

eacutetnico e desenvolve viacutenculos de pertencimento baseando-se principalmente nas

relaccedilotildees desenvolvidas dentro do grupo e natildeo mais em situaccedilotildees exoacutegenas172

Lembrando que este processo de desenvolvimento natildeo ocorre necessariamente de

forma linear

Todos os entrevistados citaram o incentivo ao estudo recebido na famiacutelia

como Sioni dos Passos Silva173 ldquomeu pai fazia noacutes tiacutenhamos que estudarrdquo No

entanto Sueli dos Passos Simatildeo174 comenta que ldquona nossa eacutepoca poucas famiacutelias

de negros estudavamrdquo Como Maria dos Santos Lima175 complementa em relaccedilatildeo agrave

evasatildeo escolar no Coelho Neto

[] havia sim principalmente dos negros mal chegavam agrave quarta seacuterie Repetiam o ano ficavam grandes e saiam para trabalhar Por vaacuterios motivos falta de incentivo jaacute que os pais tambeacutem natildeo estudaram Pouco acompanhamento com as tarefas diaacuterias e o preconceito de que os negros natildeo teriam um bom emprego A situaccedilatildeo financeira tambeacutem contribuiacutea

Em relaccedilatildeo agraves identificaccedilotildees eacutetnicas percebidas entre os alunos do

Coelho Neto Maria dos Santos Lima176 cita ainda que

[] os proacuteprios alunos negros agrupavam-se quase todos moravam nas casas da CBCA uma ao lado da outra eram parentes e visinhos Nos primeiros dias de aula observava-se grupos que eram separados sem que notassem nos trabalho de equipe por exemplo Natildeo havia esta consciecircncia eacutetnica porque eram crianccedilas e os pais tambeacutem natildeo tinham

Eacute importante ressaltar que identidade e identificaccedilatildeo natildeo possuem o

mesmo significado Segundo Loureiro177 ldquoa identificaccedilatildeo eacute fundamental no processo

de construccedilatildeo da identidade reflete a identidade em processordquo Maria dos Santos

Lima observa que entre os alunos afro-descendentes do Coelho Neto existia a

identificaccedilatildeo de uns com os outros indicando que mesmo sem terem consciecircncia

elementos de identificaccedilatildeo eacutetnica jaacute se estavam presentes durante a infacircncia

171 FERREIRA opcit p 80 172 Ibid p 83 173 Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Iniciou na escola em 1957 174 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada concedida em 01092010 175 Maria dos Santos Lima Entrevista citada 2009 176 Idem 2009 177 LOUREIRO opcit p 66

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

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Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

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56

CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

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57

LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

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58

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Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

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na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

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Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 48: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

47

Em relaccedilatildeo agrave ocorrecircncia de atitudes discriminatoacuterias direcionadas a

alunos ou professores Dalci Daacuterio178 diz que

Existia o racismo mas tambeacutem existia o respeito porque os pais da gente apesar de serem racistas obrigavam a gente a respeitar porque se houvesse alguma reclamaccedilatildeo alguma coisa natildeo provocava natildeo Natildeo se misturava natildeo se dizia piada mas tambeacutem natildeo se convidava para brincadeira

No depoimento de Dalci Daacuterio179 podem-se observar elementos que

indicam certa segregaccedilatildeo entre os alunos baseada no preconceito eacutetnico embora se

evitassem os insultos ldquoraciaisrdquo pelo receio das consequecircncias Ainda assim eacute

evidente a existecircncia de accedilotildees discriminatoacuterias A discriminaccedilatildeo neste caso pode

ser entendida como

[] separar distinguir e estabelecer diferenccedilas A discriminaccedilatildeo racial corresponde ao ato de apartar separar segregar pessoas de origens raciais diferentes Partindo do princiacutepio de que existem raccedilas inferiores a outras

180

Assim sendo o racismo eacute entendido como a ldquoa teoria que sustenta a

superioridade de certas raccedilas em ralaccedilatildeo a outrasrdquo181 enquanto o preconceito eacute ldquoo

conceito ou opiniatildeo formada antecipadamente sem maior ponderaccedilatildeo ou

conhecimento dos fatosrdquo182 O uso do termo ldquoraccedilardquo tem sido rediscutido pois como

afirma Guimaratildees183

1) no tocante agrave espeacutecie humana natildeo existem ldquoraccedilasrdquo bioloacutegicas ou seja natildeo haacute no mundo fiacutesico e material nada que possa ser corretamente classificado como ldquoraccedilardquo 2) o conceito de ldquoraccedilardquo eacute parte de um discurso cientiacutefico errocircneo e de um discurso poliacutetico racista autoritaacuterio antigualitaacuterio e antidemocraacutetico 3) o uso do termo ldquoraccedilardquo apenas retifica uma categoria poliacutetica abusiva

Desse modo o termo raccedila nesta pesquisa foi substituiacutedo pelo termo etnia

por se referir ldquoagraves caracteriacutesticas culturais liacutengua religiatildeo costume tradiccedilotildees

sentimento de ldquolugarrdquo que satildeo partilhadas por um povordquo184

178 Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 179 Idem 2009 180 BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 p 10 181 Ibid p 11 182 Ibid p 9 183 GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo 34 2002 p 48-49 184 HALL op cit p 62

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

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Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

56

CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

57

LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 49: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

48

Grande parte dos alunos do Coelho Neto eram filhos mineiros e

moradores do bairro Santa Baacuterbara Dalci Daacuterio185 em referecircncia agraves disparidades

econocircmicas entre os alunos cita que natildeo havia expressiva diferenccedila na situaccedilatildeo

econocircmica dos mesmos pois era uma eacutepoca em que

Todo mundo era simples neacute O que eu posso dizer a maioria ia descalccedilo os que iam de tecircnis era um ou outro senatildeo era todos de peacute no chatildeo e aquelas mesmas classes se equiparavam neacute Pra dizer rico rico natildeo existia a natildeo ser no centro Agora aqui no bairro neacute

Segundo Volpato ateacute a deacutecada de 1980 o salaacuterio dos mineiros da CBCA

natildeo era fixo mas definido a partir da quantidade de carvatildeo produzida186 Este

elemento permite considerar que o preconceito existente no bairro natildeo era baseado

na classe mas sim nas caracteriacutesticas fenotiacutepicas e culturais dos afro-

descendentes Oliveira187 ressalta que atribuir o preconceito ao afro-descendente a

uma questatildeo de classe social significa reduzir e limitar o entendimento sobre a

relaccedilatildeo entre diferentes grupos eacutetnicos

Para Guimaratildees188 a expressatildeo da discriminaccedilatildeo baseada no fenoacutetipo e

natildeo na condiccedilatildeo social pode ter como uacutenica evidecircncia a proliferaccedilatildeo de insultos e

ofensas verbais O mesmo autor utilizando o conceito de insulto de Flynn

caracteriza as ofensas verbais como ldquoum ato observaccedilatildeo ou gesto que expressa

uma opiniatildeo bastante negativa de uma pessoa ou grupordquo189middot As variaacuteveis que

ordenam as praacuteticas estigmatizantes atribuiacutedas a grupos considerados com prestiacutegio

social menor satildeo expostas por Guimaratildees190

O primeiro modo de estigmatizar eacute a pobreza Para utilizaacute-lo o grupo dominante precisa monopolizar as melhores posiccedilotildees sociais em termos de poder prestiacutegio social e vantagens materiais Apenas nesta situaccedilatildeo a pobreza pode entatildeo ser vista como decorrecircncia da inferioridade natural dos excluiacutedos O segundo modo de estigmatizar eacute atribuir como caracteriacutesticas definidoras do outro grupo a anomia (a desorganizaccedilatildeo social e familiar) e a delinquumlecircncia o natildeo cumprimento das leis O terceiro eacute atribuir ao outro haacutebitos deficientes de limpeza e higiene O quarto e uacuteltimo eacute tratar e ver os dominados como animais quase-animais ou natildeo inteiramente pertencentes agrave ordem social

185 Dalci Daacuterio Entrevista citada 186 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema Florianoacutepolis UFSC 1984 p 56 187 OLIVEIRA Roberto Cardoso prefaacutecio XIX 188 GUIMARAtildeES opcit p 169 189 Ibid p 171 190 Elias e Scot (apud GUIMARAtildeES op cit p 172)

49

Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

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Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 50: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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Percebe-se no relato dos entrevistados a ocorrecircncia de duas das praacuteticas

estigmatizantes citadas quando Sioni cita que as ofensas ocorridas com frequecircncia

era o insulto de ldquonegro e macacordquo aleacutem de existirem situaccedilotildees em que a mesma e

sua irmatilde foram chamadas de ldquonegras catinguentas de mijo191rdquo

Em muitos casos a designaccedilatildeo ldquonegrordquo pode abarcar em sua referecircncia

toda uma carga pejorativa resultando em situaccedilotildees de conflito como no relato de

Maura Martins Vicecircncia192 ao referir-se sobre as formas em que o preconceito se

manifestava neste caso envolvendo tambeacutem uma professora

Era assim como tudo no Brasil de uma maneira meio velada mas eu vou contar uma histoacuteria para vocecircs de uma maneira que natildeo foi nada velada Um aluno se apresenta porque eu era secretaacuteria da escola um aluno negro porque a professora mandou reclamar dele entatildeo ele ia receber uma reprimenda laacute da direccedilatildeo aiacute ele disse bdquonatildeo mas eu briguei com o outro porque ele me chamou de negro‟ aiacute eu mandei ele buscar o outro aluno aiacute o aluno branco veio e disse bdquoEu chamei ele de negro mas a professora tambeacutem chamou‟

Outra situaccedilatildeo relatada nas entrevistas com os ex-alunos em que a

designaccedilatildeo negro foi utilizada de forma pejorativa eacute encontrada no relato de Sueli

dos Passos Simatildeo193 na qual fica evidente a admiraccedilatildeo inspirada por Clotilde Maria

Lalau ao mencionar a chegada da professora que teve grande atuaccedilatildeo no

movimento negro de Criciuacutema no Grupo Escolar Coelho Neto

Noacutes estaacutevamos ali no patiozinho da escola velha aiacute vinha aquela professora negra bem possante neacute Vinha vindo com o material na matildeo Aquela ali natildeo soacute fez o trabalho com os negros Mas ela aceitava a todos ela era uma pessoa muito amada ela fazia o trabalho com o negro como se faz hoje mas natildeo deixou de amar os brancos como um monte de gente natildeo deixou de amar as outras etnias ela casou com o seu Wilson Lalau e a primeira escola que ela veio dar aula foi o Coelho Neto entatildeo ela vinha vindo toda de branco daquele jeito dela ela tinha uma postura aiacute a servente rindo debochando bdquooh vem uma professora negra para dar aula aqui no Coelho Neto‟ e eu nunca esqueci o fato entatildeo eu notei assim como existia preconceito ali eu notei

Aleacutem de serem manifestados durante uma situaccedilatildeo de conflito os insultos

ainda podem ocasionaacute-lo194 Como relata Sueli dos Passos Silva195 ao contar que

191 Sioni dos Passos Silva Entrevista citada 2008 192 Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz 193 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista concedida em 10 dez 2008 194 GUIMARAtildeES opcit p 181 195 Sueli dos Passos Simatildeo Entrevista citada 2008

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seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

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Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 51: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

50

seu irmatildeo era quem a defendia em tais casos pois ldquoquem me defendia era o Joi

neacute Eu acho que jaacute na eacutepoca me chamavam de negra porque quem me defendia era

o Joi bdquoeu vou chamar o Joi‟ o Joi eacute meu irmatildeo mais velho ele eacute que me defendiardquo

Todas estas situaccedilotildees em que se percebe a ocorrecircncia do preconceito e

da discriminaccedilatildeo satildeo processos de interaccedilatildeo social entre grupos eacutetnicos distintos

Estes conflitos ocasionados nestes contatos em alguns casos favorecem com que

a negatividade de tais atribuiccedilotildees seja incorporada a identidade eacutetnica produzindo

identificaccedilotildees ligadas a elementos estigmatizantes196 Implicando que de forma

pouco reflexiva muitos afro-descendentes assimilem as ideias negativas

relacionadas ao seu grupo eacutetnico buscando aproximar-se dos ldquovalores da cultura

branca dominanterdquo197

Atraveacutes da oralidade podem-se perceber elementos culturais especiacuteficos

da cultura afro-brasileira no cotidiano do bairro Santa Baacuterbara entre 1952 a 1964 na

qual os afro-descendentes sentiam-se identificados e incluiacutedos As falas dos

entrevistados revelam o aspecto moacutevel do processo de construccedilatildeo de suas

identidades encaminhando-se para a visibilidade e positividade devido a

resistecircncias individuais e o desenvolvimento de estrateacutegias de luta contra o

preconceito eacutetnico Na deacutecada de 1980 com a abertura das discussotildees sobre grupos

eacutetnicos praticamente todos os entrevistados afro-descendentes envolveram-se em

grupos ligados agrave cultura afro-brasileira em Criciuacutema

Apesar da evidente discriminaccedilatildeo e do preconceito o Clube e o time

Uniatildeo Operaacuteria o carnaval o centro de Umbanda da dona Antoninha entre outros

espaccedilos apresentaram-se como locais de pertencimento A construccedilatildeo da

identidade eacutetnica do afro-descendente natildeo foi apenas vinculada agraves definiccedilotildees

exoacutegenas mas tambeacutem a partir de identificaccedilotildees e ligaccedilotildees individuais em

constantes articulaccedilotildees

196 FERREIRA opcit p 19 197 Ibid p 70

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

54

______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

55

REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

56

CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

57

LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

59

TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 52: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

51

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

O desenvolvimento da consciecircncia dos afro-descendentes enquanto

grupo eacutetnico eacute constantemente apontado pela oralidade nesta pesquisa tendo iniacutecio

na deacutecada de 1980 devido agrave mudanccedila na identidade do municiacutepio para ldquocidade das

etniasrdquo maquiando o passado de ldquocapital do carvatildeordquo em vista da visibilidade dada

agraves manifestaccedilotildees culturais dos grupos eacutetnicos percebidos como existentes em

Criciuacutema

Como se pode perceber na presente pesquisa entre 1952 a 1964 o

desenvolvimento de esquemas de identificaccedilotildees eacutetnicas jaacute estava sendo articulado

no bairro Santa Baacuterbara em periacuteodos anteriores agrave difusatildeo das visibilidades puacuteblicas

aos grupos eacutetnicos

A existecircncia de espaccedilos frequentados apenas por determinados grupos

e a proliferaccedilatildeo de insultos referentes aos traccedilos fenoacutetipos dos afro-descendentes

demarcavam as diferenccedilas entre os mesmos e outros grupos Neste sentido

elaborando tambeacutem o desenvolvimento de resistecircncias e afirmaccedilotildees identitaacuterias

A Sociedade Recreativa Uniatildeo Operaacuteria foi construiacuteda como um espaccedilo

de socializaccedilatildeo e era frequentada por famiacutelias afro-descendentes moradoras do

bairro transformando-se em um local de pertencimento em que elementos em

comum poderiam ser compartilhados As professoras afro-descendentes do Grupo

Escolar Coelho Neto apresentaram-se como exemplos positivos agraves crianccedilas que

com elas se identificavam O centro de Umbanda da dona Antoninha e seus

frequumlentadores resistiram e continuaram exercendo suas manifestaccedilotildees religiosas

No carnaval buscava-se a visibilidade puacuteblica das ruas do bairro Santa Baacuterbara em

afirmaccedilotildees culturais Em vaacuterias situaccedilotildees os afro-descendentes da localidade

desenvolveram resistecircncias e estrateacutegias de enfrentamento agrave discriminaccedilatildeo e ao

preconceito existente

Atraveacutes das entrevistas percebem-se elementos que indicam a

ocorrecircncia do desenvolvimento de esquemas de identificaccedilatildeo e de pertencimento

baseados na etnicidade no bairro Santa Baacuterbara e do Grupo Escolar Coelho Neto A

presente pesquisa buscou principalmente contribuir para a visibilidade dos afro-

descendentes em Criciuacutema A quase natildeo existecircncia de estudos destinados ao

desenvolvimento da cultura afro-brasileira em Santa Catarina e em Criciuacutema

52

contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

53

Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 53: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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contribui para a manutenccedilatildeo da inexpressividade atribuiacuteda aos afro-descendentes e

o desenvolvimento de identidades inicialmente vinculadas a elementos negativos A

existecircncia ainda nos dias atuais do mito da democracia racial dificulta as lutas pela

igualdade de condiccedilotildees entre os vaacuterios grupos eacutetnicos existentes no Brasil

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Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 54: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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Fontes Orais

Anaacutelia Joseacute Lima Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de marccedilo de 1958 Foi aluna da escola nos anos de 1964 a 1968 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz ______ Entrevista concedida em 06 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz Dalci Daacuterio Descendente de Italianos estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e morador do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 19 de junho de 1943 Foi aluno da escola nos anos de 1951 a 1954 Entrevista concedida em 10 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maria dos Santos Lima Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 01 de outubro de 1931 Foi professora da escola nos anos de 1963 a 1978 Entrevista concedida em 05 de fevereiro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Maura Martins Vivencia Afro-descendente secretaacuteria e professora no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 15 de maio de 1935 Iniciou na escola em 1958 Entrevista concedida em 11 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Oneacutelia Alano da Rosa Afro-descendente professora do Grupo Escolar Coelho Neto Nasceu em 10 de janeiro de 1942 Foi professora substituta na escola em 1953 Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sioni dos Passos Silva Afro-descendente estudante no Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 16 de junho de 1950 Iniciou na escola em 1957 Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2008 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz Sueli dos Passos Simatildeo Afro-descendente estudante do Grupo Escolar Coelho Neto e moradora do bairro Santa Baacuterbara Nasceu em 27 de marccedilo de 1946 Iniciou na escola em 1953 Entrevista concedida em 01 de setembro de 2010 Realizada por Rosana Peruchi Luiz

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

58

OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 55: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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______ Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2009 Realizada por Gabriela Colonetti e Rosana Peruchi Luiz

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 56: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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REFEREcircNCIAS

ARNS Otiacutelia Criciuacutema 1880-1980 a semente deu bons frutos Florianoacutepolis SC

1985 260 p ATAS da caixa escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1950-1967

BERND Zilaacute Racismo e anti-racismo Satildeo Paulo Ed Moderna 1994 63 p BERNALDO Pedro Paulo Sociedade recreativa uniatildeo operaacuteria um espaccedilo de

luta lazer identidade e resistecircncia da comunidade negra criciumense (1950-1970) Monografia UNESC Criciuacutema 2005 53 p BERNARDO Terezinha Roseli O Tempo e os espaccedilos de entretenimento das famiacutelias operaacuterias mineiras In GOULARTI FILHO Alcides (Org) Memoacuteria e cultura do carvatildeo em Santa Catarina Florianoacutepolis Cidade Futura 2004 129-179p BOAVENTURA Ilka Leite Descendentes de africanos em Santa Cataria invisibilidade histoacuterica e segregaccedilatildeo In ______ Negros no sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 33-53 p

______ As classificaccedilotildees eacutetnicas Disponiacutevel em httpwwwnuerufscbrasclassificacoesetnicashtml Acesso em 10 set 2010 BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas de velhos 6 ed Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 484 p BURKE Peter Abertura A Nova Histoacuteria seu passado e seu futuro In _____ (org) A Escrita da histoacuteria novas perspectivas Satildeo Paulo Editora da

Universidade Estadual Paulista 1992 p 7-37 _____ Variedades de histoacuteria cultural Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2000

318 p CARDOSO Paulino de Jesus MORTARI Claudia Territoacuterios negros em Santa Catarina In BRANCHER Ana Lice (Org) Estudos Contemporacircneos Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1999 83-101 p

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 57: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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CAROLA Carlos Renato et al Perfil eacutetnico no municiacutepio de Criciuacutema Criciuacutema

SC UNESC 2003 50 f COSTA Marli de Oliveira Tudo isso eles contavam memoacuterias dos moradores do

bairro Santo Antocircnio - Criciuacutema - SC 18802000 Criciuacutema SC Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo 2000 128 p FERREIRA Ricardo Franklin Afro-descendente identidade em construccedilatildeo Rio de Janeiro FAPESP 2004 186 p FRANCESCONI Gabriela Colonetti dos Reis Relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Grupo Escolar Coelho Neto CriciuacutemaSC (1952-1964) Monografia UNESC Criciuacutema

2009 47 p GUIMARAtildeES Antonio Seacutergio Alfredo Classes Raccedilas e Democracia Satildeo Paulo

34 2002 231 p HALL Stuart A identidade cultural na poacutes-modernidade 10 ed Rio de Janeiro

DPampA 2005 102 p HISTOacuteRICO escolar Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC JOSEacute Samira de Moraes Maria Aparecida e Oneacutelia reflexotildees de ser mulher negra matildee e sozinha em Criciuacutema nas deacutecadas de 1960 a 1980 Monografia UNESC Criciuacutema 2006 42 p KRAUSS Juliana de Souza Clotilde Lalau reflexotildees sobre a presenccedila feminina no

movimento negro em Criciuacutema (1970-1985) Monografia UNESC Criciuacutema 2007 39 p KREUTZ Luacutecio Escolas comunitaacuterias de imigrantes no Brasil instacircncias de coordenaccedilatildeo e estruturas de apoio Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de

Janeiro v 1 n 15 p 159-177 2001 LARAIA Roque de Barros Cultura um conceito antropoloacutegico 11 ed Rio de

Janeiro Jorge Zahar 1997 116 p

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 58: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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LIMA Adilis et al Samba e Sincretismos Religioso no Santo Antocircnio um bairro Carnavalesco e de Resistecircncia In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 45-64 p ______ Professoras Negras do Bairro Pinheirinho O Giz em Movimento In MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 85-106 p LOUREIRO Stefacircnie Arca Garrido Identidade eacutetnica em re-construccedilatildeo a

ressignificaccedilatildeo da identidade eacutetnica de adolescentes negros em dinacircmica de grupos na perspectiva existencial humanista Belo Horizonte Lutador 2004 220 p MANENTI Tamara Domingos Religiosidade carnaval e movimento negro em Criciuacutema (1950-1980) o que a imprensa local tem a dizer sobre isso Criciuacutema SC

UNESC 2005 20 p MANOEL Iolanda Romeli Lima (Org) CRICIUacuteMA (SC) Prefeitura Municipal Secretaria da Educaccedilatildeo Negros e negras em Criciuacutema a implementaccedilatildeo da Lei 1063903 e as personagens de uma histoacuteria desconhecida Itajaiacute SC Maria do Cais 2008 171 p MAZZUCHETTI Fernando PAVEI Dalana Outros sujeitos na colonizaccedilatildeo de Criciuacutema Tempos Acadecircmicos Criciuacutema SC v1 n1 p57-65 dez 2003 MEIHY Joseacute Carlos Sebe Bom Manual de histoacuteria oral 5 ed rev e ampl Satildeo

Paulo Loyola 2005 291 p

NASPOLINI FILHO Archimedes De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema

do Autor 2007 228 p _____ De Cresciuma a Criciuacutema 1880-1960 Criciuacutema do Autor 2008 223 p

OLIVEIRA Cleimar Arauacutejo A festa e a Santa recordaccedilotildees em honra agrave festa de Santa Baacuterbara em CriciuacutemaSC Monografia UNESC Criciuacutema 2005 40 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

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OLIVEIRA Roberto Cardoso de Identidade etnia e estrutura social Satildeo Paulo

Pioneira 1976 118 p PEDRO Joana Maria et al Escravidatildeo e preconceito em Santa Catarina Histoacuteria e Historiografia In BOAVENTURA Ilka Leite (Org) Negros no Sul do Brasil invisibilidade e territorialidade Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 1996 229-245p PERITO Solange Maria Dias A santa e os mineiros igreja Santa Baacuterbara de Criciuacutema In OSTETTO Lucy Cristina COSTA Marli de Oliveira (Orgs) Circulando por lugares sagrados reconhecendo a memoacuteria religiosa de Criciuacutema

Criciuacutema SC UNESC 2001 POUTIGNAT Philippe STREIFF-FENART Jocelyne BARTH Fredrik Teorias da etnicidade Satildeo Paulo UNESP 1998 250 p RIBEIRO Ivan de Souza Presenccedila e invisibilidade da populaccedilatildeo negra em Criciuacutema e regiatildeo do periacuteodo anterior e posterior aacute sua fundaccedilatildeo (1880) e o contexto histoacuterico relativo no Brasil Monografia (Especializaccedilatildeo em Histoacuteria

Social e Cultura) UNESC Criciuacutema 2005 48 p ROMANSINI Sandra Regina Medeiros As mulheres e os filhos dos eacutebrios a

experiecircncia da Vila Operaacuteria Nova ndash 1960-1970 Monografia UNESC Criciuacutema 2001 39 p SARMENTO Jacinto Manuel Imaginaacuterio e culturas da infacircncia Disponiacutevel em httpwwwcceudescbrtitosenaArquivosArtigos_infanciaCultura20na20Infanciapdf Acesso em 25 set 2010 SILVA Jaime Joseacute Santos Danccedilas tambores e festejos Aspectos da cultura

popular negra em Florianoacutepolis do final do seacuteculo XIX ao seacuteculo XX Disponiacutevel em httpseercfhufscbrindexphpsceharticledownloadSuppFile3810 Acesso em 20 set 2010 SPRIacuteCIGO Antocircnio Cesar Sujeitos esquecidos sujeitos lembrados escravidatildeo

na freguesia do Araranguaacute no Seacuteculo XIX Caxias do Sul RS 2007 189 p TAKANO CIDADANIA Racismos contemporacircneos Satildeo Paulo Takano Cidadania

2003 216 p

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p

Page 60: UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESCrepositorio.unesc.net/bitstream/1/737/1/Rosana Peruchi Luiz.pdf · 50. 11 Ibid., p. 40. 12 KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de

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TERMOS de visita Grupo Escolar Coelho Neto Criciuacutema-SC 1951-1971

TRAMONTE Cristina Com a Bandeira de Oxalaacute Trajetoacuteria praacuteticas e concepccedilotildees das religiotildees afro-brasileiras da Grande Florianoacutepolis ItajaiacuteFlorianoacutepolis UnivaliLunardelli 2001 511 p TRAMONTE Cristina Brasilidade e Umbanda em Santa Catarina confrontando

signos identitaacuterios Disponiacutevel em httpwwwielaufscbrcd2008artigosJornadasBolivarianas_Brasilidade_e_umbanda_2008pdf Acesso em 20 set 2010 VOLPATO Terezinha Gascho A pirita humana os mineiros de Criciuacutema

Florianoacutepolis UFSC 1984 159 p WAGNER Ana Paula Uma vida em comum Africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro (1800-1819) In BRANCHER Ana Lice AREND Silvia Maria Faacutevero (Org) Histoacuteria de Santa Catarina seacuteculos XVI a XIX Florianoacutepolis UFSC

2004 149-173 p ZAMPOLLI Faacutebio Alexandre Belloli Nos festejos do centenaacuterio a cidade das etnias In GONCcedilALVES Gesiel S (Org) Aconteceu no Seacuteculo XX momentos que movimentaram Criciuacutema Criciuacutema do Autor 2003 129-138 p