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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE DOUTORADO ANDREYA MENDES DE ALMEIDA SCHERER NAVARRO A CULTURA DA INDIFERENÇA Ground Zero da Barbárie Rio de Janeiro Outubro, 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE DOUTORADO

ANDREYA MENDES DE ALMEIDA SCHERER NAVARRO

A CULTURA DA INDIFERENÇA

Ground Zero da Barbárie

Rio de Janeiro

Outubro, 2009

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE DOUTORADO

ANDREYA MENDES DE ALMEIDA SCHERER NAVARRO

A CULTURA DA INDIFERENÇA

Ground Zero da Barbárie

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do Título de Doutor em Psicologia Social.

Orientador: Prof. Dra. Regina Gloria Nunes Andrade

Rio de Janeiro

Outubro, 2009

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

NAVARRO, Andreya Mendes de Almeida Scherer.

A Cultura da Indiferença / Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro, 2009 - 236 f.

Orientadora: Regina Gloria Andrade. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio

de Janeiro. Instituto de Psicologia.Bibliografia: f 213 -226 1. Psicologia Social – Teses. 2.Social – Teses. 3. Cultura da Indiferença – Teses. I. Andrade, Regina Gloria. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.

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NAVARRO, Andreya Mendes de Almeida Scherer. A cultura da indiferença (Ground Zero da Barbárie). Tese de Doutorado em Psicologia Social, UERJ, Departamento de Pós-Graduação em Psicologia Social, novembro, 2009. 249 f.

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________ Profª. Drª. REGINA GLÓRIA NUNES ANDRADE

ORIENTADORA (UERJ)

_______________________________________________________ Prof. Dr. MUNIZ SODRÉ DE ARAÚJO CABRAL

(ECO /UFRJ)

___________________________________________________________ Prof. Dr. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES

(DIREITO/UFMG)

___________________________________________________________ Prof. Dr. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO

(DIREITO/UFRJ)

______________________________________________________________ Profª. Drª. TANIA MARIA DE FREITAS BARROS MACIEL

(EICOS/UNESCO) UFRJ

Examinada em: 13 de Novembro de 2009 Conceito: APROVADA

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A todos os Pais

A todos os Filhos

que perderam seus entes queridos

vitimados pela indiferença das guerras

e do terrorismo em todas as suas formas.

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas me acompanharam no trajeto do Curso de Doutorado e, em especial, no

processo desta tese. Gostaria, neste momento, não só de agradecer-lhes a solidariedade e os

incentivos, como também de prestar-lhes homenagem.

Profª. Drª. REGINA GLÓRIA NUNES ANDRADE, por abrir meus olhos para um mundo

novo e plural, por sua disponibilidade irrestrita, imensa generosidade, orientação exigente e

criativa e pelo privilégio de grandes e inesquecíveis encontros.

Profª. Drª. SUELENA WERNECK PEREIRA, por me compreender além das palavras. Asas

que me erguem.

Prof. Dr. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES, por suas ideias sempre brilhantes e

inquietantes, pelo carinho calado e pelo jeito simples de ser genial.

SONIA BAHIA, o olhar mais atento .Os heróis da Resistência, por permanecerem ao meu

lado nas horas mais escuras antes do amanhecer.

Meus pais, ANTONIO LUIZ e SUELY, cujos exemplos de vida permitiram que eu

convivesse com a busca incansável da justiça, com alteridade radical e jamais fugisse ao bom

combate. A vocês, minha gratidão maior e afeto infinito.

Meu tio, DOM LUCIANO PEDRO MENDES DE ALMEIDA (in memoriam), a bondade que

desarma o preconceito e a indiferença.

Meu marido, CARLOS ALBERTO, em quem reconheço minha verdadeira face.

Meus filhos, KAROL e RAPHAEL, eternidade e amor incondicional.

Meus irmãos, FLAVYA e ANTONIO LUIZ JR, força e incentivo.

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Meus ALUNOS, fé e esperança de um mundo melhor.

Meus “anjos da guarda”: MARCO ANTÔNIO DA SILVA, MONIQUE IMPIERI e ANÍBAL

WERNECK e aos demais membros do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social -

PPGPS - da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, pela competência, cuidado e

colaboração especial.

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, que me concedeu

uma bolsa durante a realização deste doutorado.

“Pois aqui está a minha vida.

Pronta para ser usada (...)

Não tenho caminho novo.

O que tenho de novo é o jeito de caminhar.

Aprendi (o caminho me ensinou)

a caminhar cantando como convém a mim

e aos que vão comigo.

Pois já não vou sozinho”.

Thiago de Mello.

Santiago do Chile 1964.

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Ai miserável de mim e infeliz! Apurar, ó céus, pretendo,

já que me tratais assim, que delito cometi

contra vós outros, nascendo; que, se nasci, já entendo qual delito hei cometido: bastante causa há servido

vossa justiça e rigor, pois que o delito maior

do homem é ter nascido. E só quisera saber,

para apurar males meus deixando de parte, ó céus,

o delito de nascer, em que vos pude ofender por me castigardes mais?

Não nasceram os demais? Pois se eles também nasceram,

que privilégios tiveram como eu não gozei jamais?

Nasce a ave, e com as graças que lhe dão beleza suma,

apenas é flor de pluma, ou ramalhete com asas,

quando as etéreas plagas corta com velocidade, negando-se à piedade

do ninho que deixa em calma: só eu, que tenho mais alma,

tenho menos liberdade? Nasce a fera, e com a pele

que desenham manchas belas, apenas signo é de estrelas

graças ao douto pincel, quando atrevida e cruel,

a humana necessidade lhe ensina a ter crueldade, monstro de seu labirinto:

só eu, com melhor instinto, tenho menos liberdade?

Nasce o peixe, e não respira, aborto de ovas e lamas,

e apenas barco de escamas por sobre as ondas se mira, quando a toda a parte gira, num medir da imensidade

com a tanta capacidade

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que lhe dá o centro frio: só eu, com mais alvedrio,

tenho menos liberdade? Nasce o arroio, uma cobra

que entre as flores se desata, e apenas, serpente de prata,

por entre as flores se desdobra, já, cantor, celebra a obra

da natura em piedade que lhe dá a majestade

do campo aberto à descida: só eu que tenho mais vida,

tenho menos liberdade? Em chegando a esta paixão um vulcão, um Etna feito, quisera arrancar do peito

pedaços do coração. Que lei, justiça, ou razão,

nega aos homens - ó céu grave! privilégio tão suave,

exceção tão principal, que Deus a deu a um cristal,

ao peixe, à fera, e a uma ave?

MONÓLOGO DE SEGISMUNDO (LA VIDA ES SUEÑO, Ato I, Cena I)

de Pedro Calderón de la Barca

1635

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RESUMO A presente TESE DE DOUTORADO teve como objetos de investigação a cultura da indiferença na contemporaneidade, os múltiplos reflexos dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e o terrorismo global. O acontecimento de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América, revelou-se como o marco inicial da barbárie atual, expondo as fraturas de um mundo desigual e ferido mortalmente pela indiferença moral. Minha primeira hipótese sobre a cultura da indiferença reside na percepção de que o terrorismo, a intolerância, o medo e a indiferença constituem os sintomas atuais do mal estar na civilização, tal como definido por Freud em sua obra homônima “O mal estar da civilização”, de 1929, na qual ele evidencia o sofrimento humano diante da apatia, das guerras e da violência social. Numa segunda hipótese, viso a confirmar que, dentre os sintomas citados, a indiferença é uma patologia social e a marca de uma sociedade consumista e predatória, na qual seus sujeitos manifestam alheamento em relação ao outro, isto é, atitudes de distanciamento, na qual a hostilidade ou o vivido persecutório são substituídos pela desqualificação do sujeito como ser moral, gerando violência e mais indiferença. Utilizamos, como método de investigação bibliográfica, a pesquisa analítica transdiciplinar, apoiada no pensamento complexo. A fundamentação teórica baseou-se em ampla bibliografia, onde figuram autores como Zizek, Lévinas, Baudrillard, Badiou, Sontag, Lipovetsky, Derrida, Morin., Bauman, Levi, entre outros teóricos das ciências sociais. Quatro conceitos-chave foram articulados ao longo do trabalho e nortearam a análise criteriosa e interpretativa de livros, periódicos, textos legais, documentos, constituições, sites, estatutos, normas, filmes e documentários: a cultura da indiferença; o acontecimento de 11 de setembro de 2001 e seus efeitos sócio-políticos; e o terrorismo global. Palavras chave: Cultura; Indiferença; Terrorismo; 11 de setembro; Ética.

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ABSTRACT

The following Ph.D. thesis points up the culture of indifference in contemporary times, the multiple reflections of the terrorist attacks of September 11th, 2001 and the global terrorism as objects of research. The September 11th event, has proved to be the landmark for the current barbarism, exposing therefore the fractures of an unequal and mortally wounded by the moral indifference world. My first hypothesis related to the culture of indifference is based on the perception that terrorism, intolerance, fear and indifference consist in the current symptoms of malaise present in the human civilization, as defined by Freud in his 1929’s "Civilization and its discontents”, in which he successfully shows the human suffering regarding the apathy, wars and social violence. Another view would refer to the acceptance of indifference, among the symptoms above, as a social pathology as well as the prove of a purchaser and predatory society, in which the authors express their "alienation in relation to the others, as moral beings i.e. attitudes of detachment, whose experienced hostility or persecution are replaced by the disqualification of the author, resulting in more violence and indifference. This study was conducted at the Social Psychology Pos-Graduate Center, in the State University of Rio de Janeiro. The investigation method used is based on the literature search-analytical transdisciplinary supported by complexity. The theoretical foundation was based on extensive bibliography, featuring authors such as Zizek, Lévinas, Baudrillard, Badiou, Sontag, Lipovetsky, Derrida, Morin, Bauman, Levi and other theorists of social sciences. Four key concepts were articulated throughout the work and guided the theoretical aspects as well as the careful analysis and interpretation of books, periodicals, legal texts, documents, constitutions, sites, statutes, laws, films and documentaries: the culture of indifference, the event of September 11th, 2001 as well as its socio-political effects and the global terrorism. Keywords: Culture; Indifference; Terrorism; September 11th.; Ethic.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................

CAPÍTULO I – GROUND ZERO DA INDIFERENÇA...............................

1.1 11 de Setembro de 2001: Além do Princípio da Realidade....................

1.2 Ideologia e Indiferença..............................................................................

1.3 Sentidos da Indiferença.............................................................................

1.3.1 O Sentido Real....................................................................................

1.3.2 O Sentido Político e Econômico.........................................................

1.3.3 O Sentido Histórico.............................................................................

1.4 A Indiferença do Terrorismo....................................................................

CAPÍTULO II – TERROR E BARBÁRIE....................................................

2.1 A História do Terror..................................................................................

2.2 Do Direito e da Justiça...............................................................................

2.3 Geopolitica do Terrorismo Global............................................................

2.4 Terrorismo Cotidiano................................................................................

CAPÍTULO III – FRAGMENTOS DA INDIFERENÇA SOCIAL............

3.1 Muito Além do Mal-Estar.........................................................................

3.2 Sob o Olhar de Eros ou Sobre a Dificuldade de Amar o

Próximo.............................................................................................................

3.3 Alienação do Consumo e o Marketing da Indiferença...........................

3.4 Internet: Fuga e Fascínio...........................................................................

CAPÍTULO IV – ESTRATÉGIAS DA DESUMANIZAÇÃO.....................

4.1 Memória, Reconstrução e Literatura.......................................................

4.2 Indiferença e Esquecimento Humano......................................................

4.3 Terror, Cinema e Ideologia.......................................................................

4.4: Olhar Indiferente e Reumanização.........................................................

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CAPÍTULO V – ÉTICA DA RESISTÊNCIA...............................................

5.1 O Sujeito Pós-11 de Setembro...................................................................

5.2 Da Tolerância à Indiferença......................................................................

5.3 O Resgate Ético...........................................................................................

5.4 Vulnerabilidades da Autonomia...............................................................

CAPÍTULO VI – A CULTURA DA INDIFERENÇA..................................

6.1 Frágeis entre os Frágeis..............................................................................

6.2 A Totalidade do Eu Definindo Identidade, Alteridade e

Singularidade.....................................................................................................

6.3 O Poder da Impotência..............................................................................

6.3.1 O Poder................................................................................................

6.3.2 A Impotência.......................................................................................

6.4 Barack Obama: Muito Além da Indiferença...........................................

6.4.1 Os Anos da Faculdade.........................................................................

6.4.2 Carreira Política...................................................................................

CONCLUSÃO..................................................................................................

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................

HEMEROGRAFIA..........................................................................................

FILMOGRAFIA...............................................................................................

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INTRODUÇÃO

O objeto de estudo principal desta tese é a Cultura da Indiferença como Ground Zero

da barbárie humana. Há anos tenho refletido sobre os efeitos que o despedaçamento da

sociedade atual tem provocado, levando o ser humano a produzir uma cultura da indiferença,

identificada não só em certos tipos de atitude, mas também pela expressão de ideias e posturas

que nos afastam das verdadeiras questões nas quais estamos submersos.

Como jurista, assisto a absurdos sociais, sintetizados na citação do historiador francês

Lucien Febvre (1942), no Avant la guerre: “pour toujours, peur par tous” (para sempre,

medo em toda parte), que me mobiliza profundamente a procurar respostas às minhas

indagações. Como pesquisadora de psicologia social, discuto a problemática da passagem do

registro da natureza para o da cultura, tratada no discurso freudiano como fundamental para o

surgimento do sujeito social Partindo da análise preliminar da entrada de Freud na discussão

da filogênese, passo por uma discussão da teoria do narcisismo e através desta entra em cena a

pulsão de morte. Analiso esse conceito em sua dimensão essencial: a agressividade.

Considerando o contexto de reformulações no aparelho psíquico, vemos no discurso freudiano

o sujeito como "inimigo em potencial da civilização”, a cultura como produzida por conflitos

inconscientes e inconciliáveis e as psicologias individual e social como inseparáveis.

Minha trajetória acadêmica foi permeada pelo questionamento ontológico, jurídico e

ético sobre a paradoxal natureza humana diante das atrocidades das guerras, em especial, do

horror nazista da Segunda Grande Guerra Mundial. “Crimes contra a humanidade: A criação

do tribunal Penal Internacional” foi o tema de minha monografia de conclusão do curso de

graduação em Direito, em 1989. Desde então, venho pesquisando o tema, sobretudo como

docente de Filosofia do Direito, Direitos Humanos e Direito e Psicanálise.

A mesma motivação também me levou a produzir uma dissertação de mestrado em

Direito, em 2002, intitulada “Obscuro objeto do poder: Ética e Direito na sociedade

biotecnológica”, orientada pelo Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães, da UFMG.

Quando me candidatei à seleção para o Doutorado no Programa de Psicologia Social da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a intenção era encontrar um espaço franco e aberto

que me permitisse ampliar o campo de conhecimento, aliando investigações acadêmicas aos

conceitos da Psicologia Social, no desenvolvimento de um pensamento complexo, com base

no referencial teórico da Psicanálise.

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Ao longo dos últimos quatro anos de preparação e pesquisa, com minha orientadora,

Profa. Dra. Regina Glória Nunes Andrade, e outros mestres, dividi descobertas, dúvidas e

confrontos pertinentes à produção de uma tese de doutorado múltipla, materializada neste

trabalho.

Sob o meu olhar, o acontecimento trágico de 11 de setembro de 2001, nos Estados

Unidos da América, revelou-se, como o marco inicial da barbárie atual, expondo as fraturas de

um mundo contemporâneo desigual, mortalmente ferido pela indiferença moral. Entendo que

as ilusões prometidas pela globalização neoliberal de um mundo pacífico, harmônico e

integrado, com o fim da Guerra Fria, diluíram-se no ambiente de pânico e insegurança,

generalizado após aquele evento.

Minha primeira hipótese sobre a cultura da indiferença reside na percepção de que o

terrorismo, a intolerância, o medo e a indiferença constituem os sintomas contemporâneos do

mal-estar na civilização, tal como definido por Freud (1856-1939), em sua obra O mal estar

da civilização (1930), na qual evidencia o sofrimento humano diante da apatia e da violência

social.

Pretendo, como segunda hipótese, investigar se dentre os sintomas supracitados, a

indiferença é uma patologia social e a marca de uma sociedade consumista e predatória, na

qual seus sujeitos manifestam “alheamento em relação ao outro”, isto é, “atitudes de

distanciamento, na qual a hostilidade ou o vivido persecutório são substituídos pela

desqualificação do sujeito como ser moral”, gerando violência e mais indiferença (COSTA,

1997, p.67).

Entendo a indiferença como a não sensibilidade ou apatia em relação a algo ou

alguém, o que significa “ausência de afetos e paixões, falta absoluta de energia”. Dessa forma,

desenha-se um amálgama entre alienação (falta de afetos e paixões) e inação (falta de

energia), resultando na insensibilidade frente ao outro, que leva à inércia e à anestesia – estado

de não dor, de não sentir, diferente de neutralidade e de abstinência.

A terceira hipótese presente é a de que o homem contemporâneo é potencialmente

perigoso para si mesmo, constituindo-se em seu próprio risco absoluto. Esse fato instaura um

claro paradoxo na atualidade: ao mesmo tempo em que a sociedade atual se liberta dos seus

valores de referência, surge a crescente demanda por ética e preceitos morais. Para lidar com

tal desafio, utilizo os conceitos de autonomia, tolerância, vulnerabilidade e justiça, para

construir uma ética da resistência à cultura da indiferença.

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O pensamento complexo é a tônica do meu estudo, fruto da forte influência do

pensamento de Edgard Morin (1921) e de outros pensadores, que forjaram em mim a urgente

necessidade de contrapor-nos à cultura da indiferença, através do resgate da Ética como

racionalidade primeira. Para tanto, serviu-me de inspiração a notável obra de Emmanuel

Lévinas (1906-1995).

A questão nuclear defendida por Lévinas consiste na tese de que, se nossas interações

sociais não forem sustentadas pelas relações éticas de uns para com os outros seres humanos,

o pior poderá advir, ou seja, o desconhecimento da humanidade do outro. Para Lévinas, foi o

que aconteceu no Holocausto e em outras inúmeras barbáries do século XX: o ser humano

tornou-se apenas um rosto sem face na multidão, alguém por quem simplesmente passamos,

como um transeunte, um turista, alguém cuja vida ou cuja morte não nos importa. Uma

relação ética pressupõe que, quando deparo com outro indivíduo, o reconheço em sua

humanidade e guardo distância, porque distância significa respeito.

Encontrei duas outras fontes de inspiração em Jean Baudrillard (1929-2007) e

Zygmunt Bauman (1925), notadamente por suas perspectivas face ao terror global, a

fragmentação e “liquefação” da sociedade pós-moderna, marcada pela discriminação e pela

exclusão.

Uma inspiração metodológico-analítica, fundamental em todo o estudo, provém de

Jacques Derrida (1930-2004), com sua marcante posição sobre a diferença que o conduziu à

indagação sobre fragilidade e exclusão humana. Derrida elaborou o hoje chamado “método de

desconstrução” e formulou a ética como uma experiência original, o núcleo

“ïndesconstrutível” da desconstrução. Reconheço que encontrei neste pensador e em suas

obras – Ética e desconstrução: Justiça e linguagem (2002); Force de loi: Le fondement

mystique de l‘autorité (1990) – uma chave de acesso à compreensão da cultura da indiferença.

Não posso deixar de citar que minha formação jurídica incitou-me a trabalhar com

Jurgen Habermas (1929), valendo-me de sua teoria discursiva, aplicada à filosofia do direito

em prol da integração social e, como consequência, da democracia e da cidadania. No que

concerne à vulnerabilidade humana e ao principio da responsabilidade para construção de uma

ética plural, valho-me dos ensinamentos de Hans Jonas (1903-1993).

O corpus do meu trabalho refere-se às obras de Gilles Lipovetsky (1944) e Pierre Levy

(1956), no que tange à sociedade do hiperconsumo e à indiferença cibernética, e às de Slavoj

Žižek (1949), cuja “Visão em Paralax” foi tomada como modelo de pensamento.

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A metodologia utilizada constitui-se da leitura, análise e correlação da bibliografia

selecionada. Portanto, foi tecida uma investigação bibliográfica correlativo-analítica. No que

diz respeito à abrangência, a metodologia proposta contemplou leitura criteriosa e

interpretação de livros, periódicos, textos legais, documentos, artigos, Constituições, sítios da

internet, estatutos, normas, filmes, documentários. Todo o material que recolhi foi submetido

a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura e de análise.

A composição da minha tese estrutura-se em três focos, distribuídos em seis capítulos:

Os dois primeiros – Ground Zero da Indiferença e Terrorismo e Barbárie – compõem o

primeiro foco, que trata dos conceitos centrais e subjetivações derivadas do terror global, em

suas diversas formas de demonstração e questionamentos jurídicos.

O primeiro capítulo trata da relação intrínseca entre o poder, a ideologia e a

indiferença, ressaltando os sentidos da indiferença aplicados ao real, ao simbólico e ao

imaginário. O segundo investiga a história do terrorismo, suas tipificações e implicações

jurídicas, assim como a geopolítica do terrorismo global e suas manifestações no cotidiano

das diversas sociedades.

O segundo foco compreende o terceiro e o quarto capítulos – Fragmentos da

Indiferença Social e Estratégias da Desumanização, respectivamente –, com uma abordagem

sobre o mal-estar na atualidade, as dificuldades de amar ao próximo e os efeitos alienantes do

hiperconsumo, revelando os novos hábitos da sociedade contemporânea, o fascínio da

internet, e a exclusão social, fomentada pelas novas tecnologias.

O quarto capítulo pretende utilizar a memória para a reconstrução do humano,

evidenciando a indiferença e o esquecimento sustentados em produções cinematográficas,

criticando os acontecimentos pós-11 de setembro, em “Leões e cordeiros” (2007), e revelando

as complexidades humanas, diante do choque de civilizações e da cultura da indiferença, em

“Ensaio sobre a cegueira” (2008) e “Babel” (2007).

Finalmente, o terceiro e último foco desenvolve-se ao longo dos capítulos quinto –

Ética da Resistência – e sexto – A Cultura da Indiferença. É o foco das interações humanas,

dos modos de subjetivação, da construção da ética através do reconhecimento do outro.

Dediquei especial atenção para a eleição de Barack Obama para a presidência dos

Estados Unidos da América, em 2008, com todas as mudanças que a quebra de paradigmas

promete trazer para a comunidade mundial. Sirvo-me de fragmentos do discurso por ele

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proferido na Universidade do Cairo, em 4 de junho de 2009, como epígrafes de todos os

capítulos de minha tese.

A conclusão segue uma perspectiva pluralista, segundo a qual o debate ético

contempla múltiplas moralidades.

Esta tese ainda propõe ao leitor uma visão alternativa sobre as possíveis motivações

ocultas por trás de comportamentos massificados de revolta, medo e indiferença. Coloco em

discussão o desinteresse pelos problemas vizinhos e distantes como eco do sentimento de

desamparo e da falta de solidariedade humana. Questiono a ausência de voluntariado em

países onde há flagrantes desigualdades sociais, a restrição de acesso a produtos fármacos

para populações devastadas por epidemias, entre outras contradições que agridem o valor da

mensagem de amor ao próximo. Como catalisador da Cultura da indiferença no século XXI,

encontrei, no espetáculo visual da desintegração das torres gêmeas em Nova Iorque, uma

mensagem de descrédito para o modelo ocidental de economia de mercado, de liberdade de

pensamento e de comportamento.

Procurei elos de ligação entre as reações em cadeia mundial de medo e insegurança,

transmitida pelo atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, com o temor provocado pelos

regimes autoritários do século XX. Procuro traçar paralelos entre a desintegração da União

Soviética, o fim da guerra fria, e a consequente inutilidade de inúmeros projetos

armamentistas, com o ressurgimento de um inimigo poderoso, onipresente e capaz de

provocar tragédias em qualquer cidade global, como Londres, Madri, Tel Aviv, Bali,

Islamabad, entre outras.

O terrorismo global é gerado pela indiferença social, mantendo o ser humano refém do

medo e da desconfiança e retroalimenta-se da indiferença de indivíduos isolados, grupos

sociais, grupos religiosos, empresas e governos. A eleição de Barack Obama como presidente

americano surge como um farol no cenário geopolítico atual, a serviço do diálogo e dos

direitos humanos entre as nações.

Entendo que este trabalho terá cumprido seu papel se atrair novos pesquisadores em

busca do aperfeiçoamento das relações entre indivíduos, povos, nações e culturas, se despertar

a consciência daqueles que detêm poder de minimizar o sofrimento dos seus governados, se

lembrar aos meus leitores que compaixão não é um tributo imposto aos mais afortunados e se

aumentar a compreensão de que todos podemos ampliar nossas opções ao decidir fazer a

diferença.

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CAPÍTULO I – GROUND ZERO DA INDIFERENÇA

(...) Além disso, as rápidas mudanças trazidas pela modernidade e pela globalização levaram muitos muçulmanos a ver o ocidente como hostil às tradições do Islã. Extremistas violentos exploraram essas tensões em potentes minorias e muçulmanos. Os ataques de 11/9/2001 e os continuados esforços daqueles extremistas em ações de violência contra civis levaram alguns, no meu país, a ver o Islã como inevitavelmente hostil, não só aos EUA e aos países ocidentais, mas hostil também aos direitos humanos. O que alimenta mais medo e desconfiança.

Barack Hussein Obama, 4 de Junho de 2009.

1.1 11 DE SETEMBRO DE 2001: ALÉM DO PRINCÍPIO DA REALIDADE

No início da manhã nova-iorquina de 11 de setembro de 2001, os americanos

contabilizavam seus milhares de mortos, assassinados de uma vez só, gratuitamente, sem

nenhum motivo. Brancos, negros, amarelos, cristão, nacionais, estrangeiros, judeus,

mulçumanos, ricos ou pobres, funcionários da limpeza ou banqueiros, todos que se

encontravam naquela cidade, fosse no shopping center, na estação do metrô, no trabalho ou no

restaurante, subitamente converteram-se em vítimas de um desejo de matar indiscriminado e

inexorável.

Em estado de choque e aturdidos, os cidadãos dos Estados Unidos da América ficaram

ainda mais estupefatos ao constatarem que um número considerável de cidadãos do mundo

inteiro manifestava complacente compreensão pelos perpetradores da tragédia criminosa.

Provavelmente, apenas um resquício de pseudomoralidade impediu que alguns aplaudissem

abertamente o evento macabro. Outros demonstraram nitidamente sua alegria. Alguns fizeram

comentários sobre a pirotecnia que mal acabava de consumir seus semelhantes.

Por que tanta indiferença diante da dor dos Outros?

Infelizmente, oito anos depois e uma guerra civil no Iraque, os próprios americanos

descobriram, por intermédio de fotos, que alguns dos seus soldados não mais conseguiam

dissimular prazer e indiferença ao infligirem humilhações e sevícias a prisioneiros indefesos,

inferiorizados no interior da prisão militar de Abu Grabi, sob a complacência de escalões

superiores que, no mínimo, toleraram e encorajaram o crime de tortura.

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A crueldade revelada abertamente no interior das prisões militares nada tem de

excepcional, além da indignação que desperta em alguns não contaminados pela cultura da

indiferença.

Sem ser exclusivamente de natureza bélica ou de nacionalidade especifica, em regiões

distantes dali, de forma equitativa, insidiosa e obscura a indiferença dialoga conosco todos os

dias. A atualidade anuncia-se impiedosa: os poderes da cultura da indiferença, aliados à

cultura da violência e do medo, provocam perigosa mutação no sentimento de humanidade.

As tramas da história contemporânea se efetivam em meio a rupturas inesperadas. O

11 de setembro é apenas o mais recente dos eventos inquietantes e questionadores para o

pensamento ético e moral – novo abismo a interrogar nossa condição humana.

Se, durante a Segunda Guerra Mundial, existisse a cobertura televisiva em candeia

mundial, os horrores do nazismo hitlerista não perdurariam por tanto tempo. Provavelmente, a

opinião pública mundial teria apoiado uma ação militar veemente contra o nazismo alemão. A

ausência da televisão em cadeia mundial retardou o esforço gigantesco e a união de forças

para vencer o avanço do totalitarismo.

Hoje, assistimos, passivamente, ao terrorismo global, porque vivemos imersos na

cultura da indiferença. Segundo o educador e economista Cristovam Buarque (1944), há

tempos somos testemunhas apáticas dos genocídios de etnias inteiras que ocorrem na África,

no Oriente Médio e na Europa Oriental, anestesiados pela indiferença.

No Oriente Médio, há anos assistimos, pela televisão, ao momento quase exato em que jovens palestinos se suicidam assassinando jovens israelenses e em que soldados israelenses se embrutecem matando jovens palestinos. Cada qual, dizendo defender sua própria terra, sacrificam e se sacrificam diante da indiferença do mundo, porque o mundo vem treinando há décadas para ficar indiferente (BUARQUE, 2008, p. 105).

Há apenas cinquenta anos, as fotos dos campos nazistas de concentração, publicadas

em jornais e revistas, horrorizavam o mundo mesmo anos depois de terem sido registradas.

Atualmente, assistimos, no conforto do nosso lar, ao vivo e em cores, através de televisores de

última geração, a cenas ainda mais chocantes e dramáticas dos atuais campos de concentração

e extermínio contemporâneos, sem muros, cercas de arame farpado ou guardas fardados.

E deparamos com o nosso silencioso olhar, apático, alheio ao sentimento de

indignação e horror, e tacitamente aceitamos os fatos e acontecimentos mais cruéis.

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Os filmes sobre os horrores nazitas, stalinistas, sobre a resistência do Gueto de

Varsóvia, atrocidades racistas cometidas no apartheid da Africa do Sul e nos estados do sul

americano pelos terroristas da Ku Kux Klan, chocam até hoje. Paradoxalmente, não nos

sensibilizam mais cenas reais como a dos favelados pobres, miseráveis e excluídos de todo o

mundo (guetos modernos), crianças morrendo de fome num mundo com excedente de

alimentos, milhares de africanos morrendo de AIDS, quando a ciência já é capaz de oferecer

medicamentos que a torne, ao menos, uma doença crônica.

Testemunhamos impassíveis a crianças “trabalhando” nos sinais de trânsito das

grandes cidades, nos canaviais da agroindústria, nos porões das fábricas da globalização, a

violência urbana das balas perdidas, ao extermínio de menores abandonados na porta das

catedrais, nas esquinas de um mundo consumista e consumido pela corrupção; a um mundo de

adultos desempregados, famílias sem atendimento médico ou acesso a educação e a justiça –

tudo isto diante da indiferença dos organismos internacionais, dos governos e da opinião

pública. Só não podemos alegar desconhecer o que está acontecendo, tal como a população à

época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Vivemos a “Era dos Extremos Morais”, diante de todas as formas de perversão que

caracterizam a sociedade contemporânea, na sua extrema riqueza e extrema pobreza, no seu

fantástico avanço técnico e científico somado a assombrosa marginalização dos excluidos do

progresso. Como salienta Buarque:

A revolução econômica, científica e tecnológica das últimas décadas criou as condições para resolver os problemas de todos os excluídos, criar uma globalização includente, capaz de incorporar toda a humanidade no acesso ao essencial, mas isso não foi feito. No lugar de usar recursos – econômicos, cientificos e tecnológicos – disponíveis para incluir, os recursos são usados para garantir a exclusão. No lugar de investir na solução de problemas sociais básicos dos países da África e da América Latina, usam-se vastos recursos para que países europeus e os EUA impeçam a imigração dos pobres. Porque a indiferença domina as relações sociais, nesta Era da Indiferença (ibidem, p. 108).

Percebemo-nos, dessa forma, vitimados pela cultura da indiferença, que nos

transforma em seres sem indignação, sem conseguir deter a trágedia dos nossos dias;

consumimos, em cadeia internacional, imagens de ataques terroristas, explosões, massacres,

torturas, tiros, destruição e morte, porque fomos absorvidos pela cultura da indiferença,

treinados por ela como espectadores inertes.

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1.2 IDEOLOGIA E INDIFERENÇA

A palavra ideologia poderia, durante os últimos vinte anos, ser compreendida como a

relação do homem (produtivo-explorador) com a natureza e seus recursos. Essa relação é uma

matriz inváriavel, a despeito das construções da filosofia política acerca de distintas formas de

organização social da produção, da distribuição de rendas e do comércio de bens. Para o

pensador esloveno Žižek (1949),

(...) pode-se afirmar categoricamente a existência da ideologia, qual matriz geradora que regula a relação entre o visível e o invisível, o imaginável e o inimaginável, bem como as mudanças. Nesta relação, é fácil discernir essa matriz na dialética do “velho” e do “novo”, quando um evento que anuncia uma dimensão ou época inteiramente novas é (des)apreendido como uma continuação do passado ou um retorno a ele, ou, no caso inverso, quando um acontecimento inteiramente inscrito na ordem existente é (des)apreendido como uma ruptura radical (ŽIŽEK, 2004, p. 7).

Os ataques terroristas ao World Trade Center, de acordo com Žižek, coloca o homem

na difícil tarefa de resistir aos julgamentos ideológicos, fazendo-o ver que, se não for

“neutro”, corre o risco de ora apoiar a ideologia imperialista americana, ora endossar ataques

terroristas como o do 11 de setembro. O que existe, na verdade, é que estamos de fato apenas

diante de um choque de fundamentalismos.

(...) se nos limitarmos a simplesmente condená-los incondicionalmente, estaremos dando a impressão clara de que o endossamos a espalhafatosamente ideológica posição de inocência americana sob o ataque do mal que vem do Terceiro Mundo; se chamarmos a atenção para as causas sócio-políticas mais profundas do extremismo árabe, poderá parecer que nos limitamos a lançar a culpa sobre as vítimas, que afinal receberam apenas o que mereciam... A única solução possível é rejeitar exatamente essa oposição e adotar simultaneamente as duas posições, o que somente poderá ser feito se nos valermos da categoria dialética da totalidade: não existe escolha entre as duas posições; cada uma é tendenciosa e falsa. Longe de oferecer um caso em relação ao qual podemos adotar uma clara posição ética, encontramos aqui o limite da razão moral: do ponto de vista moral, as vítimas são inocentes e o ato um crime abominável, mas essa inocência não é em si inocente – adotar essa posição de “inocente” no universo do capitalismo global é em si uma falsa abstração (idem, 2002, p. 66, 67).

Žižek (2002), em sua coletânea “Bem vindo ao deserto do real”, aborda os

acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e suas consequências, valendo-se de uma

interrogação – “Com essa esquerda, quem precisa de direita?” – para criticar a atuação da

esquerda nos períodos posteriores aos ataques terroristas de 11 de setembro. Tal atuação,

segundo ele, permitiu que uma ideologia hegemônica se apropriasse da tragédia e impusesse a

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mensagem de que é necessário escolher um lado na “guerra contra o terrorismo”. Dessa

forma, reforça que a tentação de escolher um dos lados deve ser evitada, uma vez que as

escolhas, quando parecem muito claras, permitem que a ideologia se apresente em seu estado

mais letal, ocultando as verdadeiras opções.

O terrorismo atual é alimentando pela cultura da indiferença, age como uma força

consciente; é poderoso ímã que atrai a indiferença e a converte em oposição. O indiferente se

torna o inimigo.

Por exemplo: durante a Revolução Francesa (1789-1799), quem não era partidário da

Revolução nem contra revolucionário (ou seja, indiferente em relação à revolução) era visto

como inimigo. O terrorismo global atual convida ao questionamento desse modelo, através do

consenso ou da censura. Para desvendar as articulações desses novos tempos de indiferença e

de ameaças do terrorismo ideológico, Žižek denuncia que a busca de uma realidade pura e

objetiva da compreensão sobre o que há por trás das aparências é falsa, é apenas um

“estratagema definitivo para evitar o confronto com o real”. Suas conclusões vão além de um

simples diagnóstico sobre as razões da tragédia de 11 de setembro e suas consequências

aparentes.

O estado que vivemos hoje, da “guerra ao terror”, é o estado da ameaça terrorista eternamente suspensa: a catástrofe (o novo ataque terrorista) é considerada certa, mas ela é indefinidamente adiada – o que vier a acontecer, ainda que seja um ataque muito mais horrível do que o de 11 de setembro, não será “aquele”. E aqui é crucial que se entenda que a verdadeira catástrofe já é esta vida sob a sombra da ameaça permanente de uma catástrofe (ibidem, p. 12).

Žižek, na verdade, chama atenção para um fato devastador: o terrorismo é basicamente

uma estratégia de luta que consiste em usar a violência para causar um efeito psicológico

intimidador. O objetivo não é provocar estrago militar no inimigo, mas assustar quem vê de

fora o atentado – pela televisão, por exemplo. O efeito disso na população costuma ser maior

do que o ato em si. O terrorista é, em geral, um inimigo mais fraco que as forças de segurança

nacionais e, por isso, precisa esconder-se para atingir seu objetivo de destruição.

Falar desses novos tempos de indiferença não remete imediatamente a radicalismos ou

a guerras de extermínio e destruição em massa, mas a uma contaminação lenta e silenciosa no

âmago da sociedade atual, um câncer devastador e insidioso que invade e cria metástases no

organismo da nova ordem social.

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Ver impõe uma dor insuportável e, através dos mecanismos naturais de defesa,

preferimos substituir o real pela fantasia, o consenso pela ideologia, ainda que percebamos o

terrível engano, exemplificado pelo holocausto de seis milhões de judeus e outras vítimas da

máquina de extermínio nazista (1939-1945). Testemunhamos os julgamentos de Nuremberg

(1945) e aceitamos o pressuposto de Hannah Arendt (1906-1975) de que há uma conexão

entre a banalidade do mal e a falta de imaginação como explicação para um indivíduo ser

capaz de executar crimes atrozes sem pensar, sem julgar seus próprios atos. O álibi da

“ausência de imaginação do oficial nazista”, capaz de transformar a perversão em regra,

condiciona-se a um contexto. O sistema nazista lhe outorgava reconhecimento e prestígio por

seus resultados obtidos. Este oficial não deveria questionar, apenas obedecer à cadeia de

comando, com rigor e disciplina. Não basta sabermos que nossa consciência e “ausência de

imaginação” entregaram-se à impotência, como se estivéssemos condenados a um destino de

indiferença inexorável. Desvendar os trajetos e os desvios no plano da Ética, da compaixão e

da responsabilidade sócio-moral é dever que nossa ainda humanidade nos impõe.

Após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), o mundo viveu grandes transformações,

de ordem social, econômica e política. Um novo contexto mundial, caracterizado por

fragmentações territoriais e agrupamento de países em função de seus interesses políticos e

econômicos, marcou a metade do século XX. A partir de 1947, um novo sistema de relações

internacionais começou a vigorar. O embate político-ideológico entre Estados Unidos da

América (EUA) e União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), duas nações

consideradas superpotências mundiais, colocou em confronto dois sistemas políticos -

capitalismo e socialismo.

Um dos efeitos dessa situação foi o controle da Alemanha pelos países vencedores da

Grande Guerra, como Estados Unidos, Reino Unido e Grã-Bretanha, além da França. A região

controlada pelas forças militares dos países capitalistas se uniu e formou a Alemanha

Ocidental. Em contrapartida a esta situação, a região controlada pelos soviéticos transformou-

se na Alemanha Oriental. O antagonismo ideológico foi traduzido em alterações na estrutura

de uma nação, conforme interesses, principalmente dos EUA e da URSS.

A rivalidade entre americanos e soviéticos ganhava um novo nome: Guerra Fria. O

panorama político dividiu diferentes regiões do planeta, principalmente na Europa. Por parte

dos Estados Unidos da América, surgiu a Organização do Tratado do Atlântico Norte

(OTAN), que reuniu, inicialmente, os países da Europa Ocidental, como Espanha, França,

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Grã-Bretanha, Suécia, Irlanda, Finlândia, Noruega, Bélgica, Países Baixos e Alemanha

Ocidental. Por outro lado, a União Soviética fez uma aliança militar com os países sob sua

influência política, definido como Pacto de Varsóvia: Polônia, Alemanha Oriental,

Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária.

A partir da década de 50, os conflitos armados em diferentes locais do mundo (Guerra

da Coreia, Guerra do Vietnã, descolonização da Ásia e África e guerras civis), a corrida

espacial, a construção do Muro de Berlim, a expansão do arsenal de armas nucleares e a

criação do bloco dos países não alinhados definem as características da geopolítica mundial,

influenciadas pelo confronto EUA-URSS. Contudo, com as reformas econômicas e políticas

realizadas na URSS, na segunda metade da década de 80, grandes mudanças aconteceram na

Europa Oriental. A Glasnost, de 1988, foi uma medida política implementada, juntamente

com a Perestroika, na URSS, durante o governo de Mikhail Gorbachov (1931).

A Glasnost contribuiu em grande parte para a intensificação de um clima de

instabilidade, causado por agitações nacionalistas, conflitos étnicos e regionais e por uma

agravada insatisfação económica, sendo um dos fatores para o fim do controle soviético nos

países satélites estimulando as ondas de liberação política na Tchecoslováquia, Hungria,

Polônia, Bulgária e Romênia. A palavra Glasnost em russo significa “transparência”1.

Outro importante efeito da “transparência russa” foi o estímulo da queda do Muro de

Berlim, em 9 de novembro de 1989, e a reunificação alemã. Tais acontecimentos levaram o

mundo a uma grande transformação na ordem econômica, social e política, pondo fim à

Guerra Fria.

Como afirma Hobsbawn (2007), o século XX foi a era mais extraordinária da história

da humanidade, combinando catástrofes humanas de dimensões inéditas, conquistas materiais

substanciais e um aumento sem precedentes da capacidade de transformação e, talvez, de

destruição do planeta (HOBSBAWN, 2007, p. 9).

Mais uma vez, a percepção do mundo foi violentamente alterada pós-11 de setembro

de 2001. Realidade, crenças, valores morais, ideias e representações simbólicas mudaram, e os

princípios éticos não deram conta da complexidade na qual estamos imersos. As contradições

e ambiguidades morais que cercam a análise dos atos terroristas cometidos em New York e

Washington, no dia 11 de setembro de 2001, traduzem os limites da reflexão sobre a cultura, a

civilização, o mal, a barbárie, a indiferença e a ética nas relações humanas. Os aviões civis

1 Disponível em: http://www.diario-universal.com/2007/04/aconteceu/a-glasnost/. Acesso em março de 2009.

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sequestrados por terroristas radicais islâmicos atingiram o World Trade Center e o Pentágono,

matando milhares de pessoas e provocando graves repercussões na sociedade global.

Pode-se perceber que uma das vítimas do 11 de setembro é a moral liberal das

sociedades ocidentais. Acrescente-se a isso o tom apocalíptico em que as dimensões ainda

cartesianas da moral se chocam na contemporaneidade.

Houve a retificação da consciência ao reducionismo extremo, adensado sobre toda a

transparência das representações da realidade. A catástrofe extirpa do homem todo o seu

contexto cultural, enquanto o coloca no “tudo aqui, agora e ao mesmo tempo”. Baudrillard

(2003) denunciou o excesso de informação no impacto da queda das torres gêmeas. Segundo

ele, a simetria da figuração interferiu na queda do World Trade Center e isso deu origem à

"civilização do medo", inaugurando o abate ao outro, num terrorismo sem face. Esse gestual

cego só pode ser o da violência irrecorrível, como o protesto à expropriação definitiva das

subjetividades, em face ao mundo hegemônico da razão. Os pactos de sobrevivência

evidenciam que os jogos sociais estão em fase terminal em sua dinâmica de progresso.

A mídia americana dedicou imensa cobertura aos ataques e às suas nefastas

consequências; porém, omitiu-se a um debate crítico sobre o contexto em que os fatos

ocorreram. Em seu artigo “Otros efectos colaterales del 11-S”, publicado na obra coletiva La

television em tiempos de guerra (2002), o jornalista espanhol Ferrand (1940) afirma que os

atentados de 11 de setembro, em seu elemento dramático, batizou o século XXI, inaugurando

uma época regida pela destruição.

Próxima das Torres Gêmeas, em pleno World Trade Center, havia a sede de outro símbolo ainda mais representativo do império mundial dos Estados Unidos: The wall Street Journal, o jornal de economia (...) mais influente do mundo. Suas instalações foram completamente destruídas pelo atentado. No dia 12 de setembro, em Nova Jersey, do outro lado do rio Hudson, continuou a publicar sobre a tragédia, levado pela onda da mídia expansiva do atentado. Não deixou de circular um só dia, apesar da adversidade da situação (...) Porém o mal – “efeito colateral” da ação terrorista – havia excitado aos responsáveis do jornal e já se encontrava em marcha uma superação do passado. Diante das anteriores 80 páginas, o jornal apareceu com 96 páginas redesenhado e disposto a (voltar a) ser um dos maiores do mundo dentro de poucos dias (FERRAND, 2002, p. 22-23).

O fato acima narrado é extremamente simbólico, em função da localização do jornal

próxima ao epicentro dos atentados e à sua rápida capacidade de regeneração. As

circunstâncias do acontecimento 11 de setembro definem o ritmo da globalização midiática.

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A análise de um acontecimento midiático instiga a indagar sobre o significado do que

seja um acontecimento: muito além de um evento factual trata-se de um fenômeno de sentido

que rompe com a continuidade esperada e afeta aqueles que o vivenciam. Como define o

filósofo francês Claude Romano (1967), um acontecimento é “radicalmente imprevisível,

pois, antes de tudo, fundamentalmente inexplicável (...); o acontecimento dilacera a trama de

nossas expectativas e transtorna o desenho de nossos projetos” (ROMANO, 1999, p. 164).

Durante o século XX, havíamos nos acostumado a morrer de fome, a morrer de

doenças, de miséria, de raiva, de indignação. Os atentados de 11 de setembro demonstraram

que é tão possível e simples morreremos vitimados por balas perdidas, por bombas terroristas

e por indiferença quanto por as razões rotineiras e clássicas.

A familiaridade com a morte tornou-se corriqueira. Nos últimos anos, os telejornais e

jornais impressos de todo o mundo, a exemplo do que ocorreu com a impressa ao final da

Primeira Grande Guerra, estampavam “La sangre a la primera página”, ou seja, “Sangue na

primeira página” (idem, p. 23).

Durante muitas horas e por dias, fomos capturados por transmissões que

“hipnotizavam” com notícias incompletas e inacabadas, devido à ausência de muitos

elementos – quem, como e por quê. Também em função de um obrigatório “código moral”,

foram censuradas as informações e imagens mais dolorosas. Sabíamos que milhares de

pessoas haviam sido mortas, porém não vimos um só cadáver.

Quais seriam as razões para que a mídia mundial proporcionasse uma perspectiva tão

limitada, imprecisa e acrítica?

Quando o presidente norte americano George W. Bush (1946) declarou que “a

América foi alvo desse ataque porque somos o farol mais luminoso da liberdade e da

oportunidade em todo o mundo”, a maioria da mídia ocidental limitou-se a fazer eco a essas

palavras. Uma análise no New York Times afirmava que os criminosos haviam agido por “ódio

aos valores nutridos no ocidente como liberdade, tolerância, prosperidade, pluralismo

religioso e sufrágio universal” (CHOMSKY, 2005, p.13).

A cobertura da mídia ocidental em sua maioria absteve-se de buscar uma explicação

completa e realista das possíveis razões que motivaram os atentados em 11 de setembro no

solo americano e fazer uma reflexão critica e imparcial sobre a política externa americana e

seus efeitos em todo o mundo.

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Entretanto, alguns meios intelectuais e midiáticos ocidentais valeram-se dos atentados

de 11 de setembro para ressaltarem uma pretensa mensagem terrorista, a mensagem

antiimperialista; nesse sentido, foram chocantes e surpreendentes os comentários políticos

proferidos – e que persistem numa crítica obstinada aos Estados Unidos da América –, como

se esse país encarnasse o próprio Demônio, como foi propagandeado pelos terroristas radicais

da Al-Qaeda2.

O fator ideológico é flagrante nas posições antiamericanas de regozijo aos ataques ao

World Trade Center ou às criticas indiscriminadas às ações de guerra americana no

Afeganistão. O assassinato em massa de 3.000 civis, com um saldo de 1.500 crianças órfãs,

foi rapidamente relegado a um segundo plano, em nome de supostas lutas ideológicas contra

os símbolos do capitalismo mundial.

Quando os bombardeios legalmente anunciados pelos americanos começaram,

dirigidos a alvos militares, dentro da tática militar de destruição dos centros de comando e

sustentação do terrorismo, uma outra versão da mesma vertente ideológica antiamericanista

surgiu, alardeando que os Estados Unidos estariam suprimindo as liberdades civis. Como

assinala o filósofo brasileiro Rosenfield:

Um Estado em alerta máximo, numa situação de guerra não clássica, deve tomar medidas excepcionais de defesa de seus cidadãos contra um inimigo esquivo, que não mostra sua face. A lógica do velamento está precisamente inscrita na orfandade em que ficou a esquerda depois da queda do muro de Berlim; o antiamericanismo, substituindo as posições, consideradas “exemplares”, da União Soviética, da China, da Albânia e de Cuba. Durante décadas, a esquerda ocidental teve nesses países “ícones”, modelos de “boa” sociedade. Quando esta representação se esfacelou em termos mundiais, houve uma desorientação em termos ideológicos, que procura, agora, orientar-se, retomando a bandeira da luta antiimperialista. Face ao estiolamento ideológico, surge um modelo negativo, unindo setores de esquerda à representação fanática do “Grande Satã” (ROSENFIELD, 2002, p. 28).

No período subsequente aos ataques, vários acadêmicos e chefes de Estado

argumentaram que os dezenove terroristas identificados inauguraram uma forma inédita de

terrorismo: sem causa, que não faz exigências nem permite acordos. Radicalmente diferente

dos terroristas tradicionais, cuja tática de sequestros de aviões tinha por objetivo forçar os

Estados a abrirem negociações, como, por exemplo, para liberarem aliados presos em troca de

2 Al-Qaeda é uma organização fundamentalista islâmica internacional, e sua sigla significa, em árabe, “a fundação ou a base”.

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reféns, essa mutação de terroristas se apresenta como máquina de destruição em massa,

utilizando ataques violentos como um fim em si mesmo.

Apesar de ser uma forma nova de terrorismo, os genocídios nazistas do século XX e os

proponentes da Jihad3 internacional do século XXI, que louvam um retorno ao Estado

islâmico medieval, têm muito mais em comum do que aparentam: ambos são violentamente

utópicos. Os adeptos desses movimentos acreditam, fervorosamente, em sua virtude, mesmo

que seja preciso quebrarem as leis morais da compaixão para atingirem seus fins.

Smeser, professor de sociologia da Universidade de Berkeley, na Califórnia, afirmou

que a resposta americana ao terrorismo, logo após o 11 de setembro, “foi realmente algo

monolítico (...), entendendo o terrorismo como um mal antiamericano, mais do que um

fenômeno a ser compreendido” (SMESER, 2002, p. 29). Seu relatório também sugere que

intervenções eficazes do governo, tal como as ações terroristas o fazem para ganhar a simpatia

dos islâmicos moderados, devem tentar atingir grandes plateias, ao drenar o suprimento de

novos adeptos do terrorismo islâmico radical e combater a propaganda ideológica

antiamericana.

O relatório constatou que uma ação militar é capaz de desencorajar o terrorismo,

afirmando que houve um verdadeiro retrocesso em relação ao impasse vivido durante a

Guerra Fria, baseado no fato de ter de cada lado oponentes de força comparável e que tinham

algo a perder. Se Guerra Fria possuía um acordo implícito entre os antagonistas, algo similar à

confiança, essa condição não está presente quando se trata de grupos terroristas sob a proteção

de Estados, pois que representam vasta gama de ideologias, estratégias e forças.

Quando falamos de terrorismo islâmico contra o Ocidente, falamos de desconfiança

mútua e pode ser difícil para o Ocidente fazer ameaças reais a grupos profundamente

radicalizados, sem direitos e alienados dentro de seus próprios países. O relatório de Smeser

afirma ainda que é “tentador para os Estados Unidos assumirem principalmente uma postura

ameaçadora ou punitiva diante desses Estados, uma abordagem mais realista utilizaria a

influência que os Estados protetores têm contra grupos terroristas” (idem, p. 14-15).

Outro ponto importante é ressaltado pelo autor: a necessidade de encontrarem-se

formas de trazer os movimentos terroristas para a corrente da vida democrática e, dessa

maneira, abortar na fonte as causas que alicerçam o terrorismo.

3 Jihad é um conceito essencial da religião islâmica e pode ser entendida como uma luta, mediante vontade pessoal, para se buscar e conquistar a fé perfeita.

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Os Estados Unidos, ao lidarem com regimes de países onde se desenvolveu o terrorismo, têm de trabalhar o mais perto possível desses regimes, mas deve resistir à tentação - forte, dada à ameaça terrorista - de reprimir simplesmente os grupos radicais terroristas, por causa da contraprodutividade de uma repressão simples e brutal (ibidem, p. 28).

Intolerância, ideologia e ignorância são aliadas indissolúveis em um cenário de

mudanças, medo e ressentimento. A construção de uma paz possível, de uma reconciliação da

humanidade com o gênero humano, perpassa pelo (re)conhecimento e aceitação da

diversidade cultural das nações. Apesar de vivermos a era da informação, estamos muito

longe de compreender o Outro, somos vitimas de uma avalanche de imagens, relatos, dados,

propagandas, lendas urbanas que mais obliteram do que permitem uma visão lúcida do mundo

complexo em que vivemos. As consequencias negativas da globalização reforçaram a

obsessão das nações em defender suas identidades individuais. Em outras palavras: o mundo

multiculural, interdependente e imerso em complexidades, não proporciona facilmente a

compreensão das diferenças entres os seres; pelo contrário, inibe o reconhecimento delas,

numa tentativa de torná-los uma massa disforme e indiferente.

Nosso planeta experimenta a superpopulação; nunca fomos tão numerosos, variados e

diferentes em estilos de vida e valores e, ao mesmo tempo, acorrentados por circunstâncias

políticas, econômicas e sociais em comum. É bastante sedutor buscar uma fuga para tanta

complexidade, optando por ser indiferente a ela. Dessa forma, religiões fundamentalistas e

ideologias extremistas tornam-se muito atraentes, visto ambas reduzirem a complexidade do

mundo à simplicidade medíocre de palavras de ordem, slogans de propaganda e frases de

impacto.

A compreensão cultural e histórica das diferenças e similaridades do Outro constitui a

base essencial para um mundo mais tolerante. Se o conhecimento e o entendimento mínimo

do Outro são fundamentais, o autoconhecimento também o é; afinal, somente sociedades que

estão livres em âmbito interno são capazes de construir relações saudáveis entre si.

“O mundo nunca mais será o mesmo” – ouviu-se repetidas vezes depois do atentado,

como representação de uma fratura. Com as Torres, caiu também o centro simbólico do(a)

maior poder/potência mundial. Primeiro, caiu a torre norte e, depois, a torre sul. Tudo

transmitido em tempo real em emissões mundiais para todos os países. Sobre o

acontecimento, o filósofo francês Baudrillard (1929-2007) argumenta:

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O desabamento das torres é o acontecimento simbólico maior. Imaginem se não tivessem desabado, ou que apenas uma delas desabasse, o efeito da fragilidade da potência mundial não teria sido a mesma. As torres, que eram o emblema dessa potência, ainda a encarnam nesse fim dramático, que lembra um suicídio. (BAUDRILLARD, 2003, p.14)

O inesperado ataque fez com que os meios de comunicação provocassem uma

repetição eletrônica exaustiva. Houve como uma ilusão de ótica, uma embriaguez na

simulação de imaginários. Todos viram mais do que viram na realidade.

Quando a segunda torre foi atingida confirmou-se o ato terrorista. Encerrou-se a ilusão

do acidente e fez com que o mundo ocidental duvidasse de sua poderosa potência. A

angustiante questão sobre o possível triunfo do Mal levou Baudrillard a inspirar-se na

“Genealogia da moral”, de Nietzsche (1887), para proferir que:

O raciocínio da consciência moral é este: dado que somos o Bem, quem nos ataca só pode ser o Mal. Mas se, para esses que pretendem a encarnação do Bem, o mal é inimaginável, então só pode ser Deus quem os ataca. Para puni-los, no fundo, pelo que por um excesso de virtude e de poder e por essa falta de cabimento, que é a divisão do Bem e do Poder (idem, p. 32).

O Mal tem muitas faces e várias hipóteses surgirão para explicar o terrorismo.

Baudrillard circula por pontos de vista específicos porque pensa o objeto pelo deslocamento

em perspectiva ao Sujeito. O pensamento radical do qual é intérprete pretende levar a ideia ao

extremo, e se traduz no seguinte conceito:

O 11 de setembro levantou com violência a questão da realidade, cuja hipótese fantasiosa do complô é subproduto do imaginário (...) Deve-se, antes de tudo, salvar o princípio de realidade. O negacionismo é o inimigo público número um. Ora, na verdade, vivemos já amplamente numa sociedade negacionista. Mais nenhum acontecimento é real. Atentados, processos, guerra, corrupção: nada mais escapa aos truques e tudo está fora da possibilidade de decisão. O poder, as autoridades, as instituições são as primeiras vítimas dessa desgraça dos princípios de verdade e realidade (idem, p. 46-47).

Na visão de Derrida (1930-2004), filósofo francês de origem argelina, o 11 de

setembro é o sintoma de uma crise autoimune, ocorrida dentro do sistema que a deveria ter

previsto. Condições autoimunes consistem no suicídio espontâneo do próprio mecanismo de

defesa que deveria proteger o organismo da agressão externa. Como ele descreve: “Um

organismo vivo trabalha para destruir sua própria proteção, para se imunizar contra sua

própria imunidade” (DERRIDA, 2003, p 14).

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Para Derrida, a crise autoimune se divide em três fases, e o sintoma é o 11 de

setembro. O sintoma aqui tem a compreensão lacaniana, ou seja, a marca daquilo que se

mostra, que aparece e que pode ser visto ou percebido. A primeira fase é a Guerra Fria (1945-

1989) – conflito combatido no sentido psicológico mais do que em campo ou no ar, tecido de

ameaças silenciosas, exibições ostensivas de poder bélico e previsões catastróficas de uma

guerra nuclear entre superpotências que aniquilaria o mundo. “Possivelmente, o 11 de

setembro poderia ser interpretado como o final implosivo da Guerra Fria, assassinada por suas

próprias circunvoluções e contradições” (ibidem, p.16).

A segunda fase da crise autoimune é o que Derrida denomina de “pior do que a Guerra

Fria” e que se refere a eventos tanto de natureza psicológica quanto histórica.

Enquanto a Guerra Fria se caracterizava pela possibilidade de equilíbrio entre duas

superpotências, esta segunda fase caracteriza-se pela impossibilidade em construir um

equilíbrio por causa do terrorismo, visto que a ameaça não vem de um Estado, mas de forças e

de responsabilidades incalculáveis. Na condição de total insegurança, a disseminação do

arsenal nuclear e a relativa disponibilidade de armas químicas e bacteriológicas são partes da

realidade sob a qual o terrorismo se impõe. Do ponto de vista psicológico, esta fase traz, em

primeiro plano, a temporalidade do trauma, que se desdobrada para o futuro. Jogando com a

palavra francesa a tradução de “futuro”, “avenir”, Derrida utiliza as homofonias e homogenias

lacanianas para alegar que, uma vez que a ameaça assola o futuro, o sentido desta ameaça

ainda está por vir, ou seja, “a venir”.

A ênfase na temporalidade do trauma, tão defendida por Derrida, é uma sequência

direta da discussão sobre o significado da escolha de 11 de setembro como nome para os

ataques. Como o 4 de julho, reconhecido como o Dia da Independência Americana,

(Independence Day), ou o 1 de maio, reconhecido como o Dia do Trabalho na Europa e na

maioria do mundo, assim é que o 11 de setembro tem o objetivo de monumentalizar os

ataques terroristas.

Ainda na segunda fase da crise autoimune, a monumentalização será responsável por

outra característica fundamental: a de ser um ato findo – ali começou, ali terminou. Pura

ficção da esperança: apesar da data de 11 de setembro ser reconhecida como sendo a data dos

ataques terroristas, é também ilusoriamente a data de que eles acabaram com a fase “o que é

pior do que a Guerra Fria”. O pior não foram os ataques terroristas, mas a possibilidade real

da ameaça futura, de que o pior ainda esteja por vir.

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A terceira e última fase da crise autoimune denomina-se “o circulo vicioso da

repressão”, por ser a mais evidente e mortal de todas. Nessa fase, descreve-se que, ao declarar

guerra contra o terrorismo, a colisão ocidental engendra uma guerra contra si mesma.

Num comentário lacônico e breve, penso que Derrida foi sombrio quanto à dificuldade

de vencer a dinâmica perversa da autoimunidade. Nenhuma das partes envolvidas no combate

ao terrorismo pode evitar falar sobre ele e, agindo assim, mais reforçam sua causa,

conferindo-lhe, por mínimo que seja, a visibilidade. Dessa forma, tanto o sistema de

informação como o sistema político, que a rigor deveriam proteger o cidadão, se enfraquecem

diante da ameaça do terrorismo global. A necessidade de que tanto a liderança política como a

mídia ajam responsavelmente irá se intensificar diante do que Derrida teme ser o futuro do

terrorismo: os ataques virtuais. Sob seu ponto de vista, a “tecnociência” transformou a relação

entre terror, terrorismo e território, três termos que compartilham da mesma raiz – a palavra

latina terra. Deste ângulo, exclamou Derrida: “O 11 de setembro ainda é parte do arcaico

teatro da violência destinado a chocar a imaginação (...) um dia pode se dizer: 11 de setembro

– aqueles foram os (bons) e velhos tempos da última guerra. As coisas ainda estavam na

ordem do gigantesco: visíveis e enormes!” (ibidem, p.163).

O sinistro pensamento de Derrida é que a virtualização do terrorismo venha a apagar

as fronteiras de distinção entre terrorismo e guerra e entre guerra e paz. Ele vislumbra

cenários mais catastróficos do que dois aviões comerciais se chocando contra arranha-céus e

causando sua destruição.

Pelo menos, os ataques de 11 de setembro foram realizados contra determinados

lugares, em determinados tempos. Sabemos exatamente quando começaram e quando

terminaram. Em contrapartida, o bioterrorismo é muito mais devastador, invisível e poderoso,

com capacidade de infiltrar-se por toda parte.

Habermas (1929), filósofo e sociólogo alemão, herdeiro da Escola de Frankfurt,

salientou que o 11 de setembro foi o “primeiro acontecimento histórico mundial”:

Talvez, o 11 de setembro pudesse ser chamado de o primeiro acontecimento histórico mundial no sentido mais estrito: o impacto, a explosão, o lento colapso – tudo o que não era mais Hollywood, mas, na verdade, era uma realidade medonha, teve lugar literalmente diante da “testemunha ocular universal”, composta de um público global (HABERMAS, 2004, p. 61).

Fomos convidados a assistir uma construção da mídia, em 11 de setembro fomos

“testemunhas oculares da história”. O pedido de apoio feito pelo governo americano, não só

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para seus aliados, mas também para todo o “mundo civilizado” é, para Habermas, uma

característica do mundo pós-11 de setembro. Outra é que a ameaça real do terrorismo global

acelerou a necessidade de uma transformação da lei internacional clássica numa nova ordem

mundial.

A noção de patriotismo nacional é um conceito chave para entender a visão de

Habermas de uma nova ordem mundial, que ele vislumbra como o desafio mais urgente com

que confrontamos após os ataques de 11 de setembro. Para ele, a política é apenas uma troca

comunicativa cuja exigência máxima é chegar a um acordo mediado pela razão sobre o que

realmente queremos dizer quando falamos com o Outro, ou seja, a política é parte

indistinguível da modalidade comunicativa; dessa forma, tanto na política quanto na fala

cotidiana, manipulações e mentiras não podem dominar, sob pena de inviabilizar a

comunicação.

Objetivamente, o terrorismo só pode adquirir conteúdo político se tiver metas políticas

realistas, de outra forma é mera atividade criminosa.

Para Habermas (2003), vincular a prática do terrorismo às suas metas cria a

possibilidade de classificá-lo em três tipos, a saber:

1- O primeiro é representado pelo terrorismo palestino, em que o assassinato é

praticado por um militante suicida; seria a guerra de guerrilha.

2- O segundo é a guerra de guerrilha paramilitar, característico dos movimentos

de libertação nacional e legitimado pela formação de um Estado.

3- O terceiro é o terrorismo global, que não possui metas políticas realistas, a não

ser explorar a vulnerabilidade dos sistemas complexos. A fugacidade e a

intangibilidade representam o terrorismo global, a total indiferença e apatia

em relação ao sofrimento humano.

Habermas enxerga claramente que o terrorismo global engendra a deslegitimação dos

governos democráticos, haja vista o risco latente de que uma reação exagerada por parte dos

Estados Unidos pudesse trazer implicação paradoxal e trágica: a deslegitimação da

democracia.

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O terrorismo é um efeito colateral da globalização negativa, já que a globalização dos

danos e prejuízos resulta na globalização do ressentimento e da vingança. Para o sociólogo

polonês Bauman, a vulnerabilidade humana é a tônica do mundo negativamente globalizado:

O espectro da vulnerabilidade paira sobre o planeta negativamente globalizado. Estamos todos em perigo, e todos somos perigosos uns para os outros. Há apenas três papéis a desempenhar – perpetradores, vítimas e baixas colaterais (...) Aqueles de nós que já se encontram na extremidade receptiva da globalização negativa buscam freneticamente fugir e procurar vingança (BAUMAM, 2006, p.129).

O que torna o mundo atual tão vulnerável são os perigos de probabilidade não

calculável que aparecem num ambiente irregular onde as anormalidades se tornam regra. As

raízes de nossa vulnerabilidade são de natureza política e ética.

O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) apresenta, em Princípio da

responsabilidade (1979), a clássica teoria da ética da responsabilidade, onde resta claro que a

ética não conseguiu e ainda não consegue dar conta do rápido avanço das responsabilidades.

A intensa rede de intercomunicação e interdependência sócio-econômica de um mundo

globalizado torna todos objetivamente responsáveis; portanto, se agirmos ou não, se

desejamos ou não esta responsabilidade, estamos incondicionalmente subjugados a ela. A

ética ensina que somos responsáveis pelo sofrimento de todos, e este é o ponto crucial da

Ética da Alteridade.

O gap entre a responsabilidade objetiva e a responsabilidade aceita e praticada vem

aumentando em função do que o matemático e filósofo francês Dupuy (1941) apontou como a

tendência tradicionalmente autorrestritiva da fórmula ortodoxa da responsabilidade normativa,

que consiste em se basear nos conceitos de intenção e motivo, completamente inadequados

para lidar com o desafio de um mundo globalizado.

A distinção entre um assassinato por ação individual intencional e um assassinato em resultado de cidadãos egoístas de países ricos que concentram suas preocupações no seu próprio bem-estar enquanto os outros morrem de fome se torna cada vez menos defensável (DUPUY, 2002, p.154).

A busca desesperada dos motivos para determinar os responsáveis por um crime de

nada valerá enquanto não entendermos os códigos morais e as tramas sócio-político-

econômicas que originaram o atual estado de vulnerabilidade e medo em que vivemos.

Estamos diante do assombro e da impotência, do vácuo ético. No dizer de Hans Jonas:

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Trata-se de saber se, sem restabelecer a categoria do sagrado (...), é possível ter uma ética que possa controlar os poderes extremos que hoje possuímos. (...) Diante de ameaças iminentes cujos efeitos ainda podem nos atingir, frequentemente o medo constitui o melhor substituto para a verdadeira virtude e a sabedoria (JONAS, 1979, p. 65).

Os ataques terroristas de 11 de setembro representam a profanação do sagrado, a

quebra de todo raciocino lógico de causa e efeito. A semente do terror germina no vazio ético

que não pensa a diferença e o agir humano. Diante da maior profanação ao sagrado direito a

vida, instaura-se, como necessidade, a busca por uma cultura da ética da alteridade, visto sua

existência ser tão ou mais necessária quanto maiores forem os poderes de agir que ela precise

regular. Com isso se inicia a tarefa propriamente dita de buscar uma resposta, uma cura para o

mal da indiferença em uma sociedade global.

1.3 SENTIDOS DA INDIFERENÇA

1.3.1 O Sentido Real

Em 11 de setembro de 2006, foram apresentadas duas produções cinematográficas

americanas em memória das vítimas dos atentados terroristas do 11 de setembro de 2001.

Exatamente cinco anos após a tragédia, as duas produções procuraram distanciar-se ao

máximo do modelo de cinema em Hollywood: United 93 (2006), em português Vôo 93, de

Paul Greengrass, e World Trade Center (2006), em português As torres gêmeas, de Oliver

Stone, centram-se na coragem das pessoas simples, sem recorrer às grandes estrelas, aos

efeitos especiais ou a atos heróicos, oferecendo uma representação realista e lacônica dos que

vivenciaram uma situação extraordinária.

Nessas produções, há um toque de autenticidade, e a maioria da crítica celebrou a

sobriedade e a medida de seu estilo, principalmente o fato de haver renunciado a todo

sensacionalismo. Com certeza, essa presença do realismo autêntico suscita algumas questões

controversas, já que, ambas as produções não só impedem que adotemos um ponto de vista

político sobre os fatos que narram, como também que possamos descobrir o contexto mais

amplo em que se situam os fatos.

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Os passageiros de United 93 e os policiais e bombeiros de World Trade Center não

possuem uma visão global do acontecimento; eles estão repentinamente imersos numa

situação de horror e buscam enfrentá-la da melhor maneira possível. A ausência de

“cartografia cognitiva” é crucial. As produções representam pessoas comuns, afetadas pela

intrusão brutal e repentina da História como causa ausente, afetadas pelo impacto do real

invisível. A mensagem política das duas películas reside no fato de se absterem de dar uma

mensagem política explícita; o que transmitem é uma confiança tácita no Governo: “Quando

nos atacam, só temos que cumprir com nosso dever” – esclarece o Chefe dos Bombeiros no

filme World Trade Center.

Tal fala assinala o verdadeiro problema: a ameaça invisível e onipresente do terror

legitima as medidas defensivas demasiadamente visíveis. A guerra contra o terror se distingue

das precedentes lutas mundiais do século XX, pelo fato de que nestas o inimigo estava

claramente identificado com o império comunista existente, ou seja, a ameaça terrorista é

constitutivamente espectral, está desprovida de um centro visível.

A potência que se apresenta como estando continuamente ameaçada e que afirma estar

defendendo-se de um inimigo invisível corre o risco de converter-se num poder manipulador.

Podemos realmente confiar nessa potência ou ela só apela a essa ameaça para impor-nos uma

disciplina e para exercer o poder de controle. A lição que emerge é de que no combate contra

o terror, é mais indispensável que nunca que a política de Estado seja democraticamente

transparente. Infelizmente, estamos hoje vivendo sob os efeitos negativos da globalização

tecnoeconômica em descompasso com a globalização humanista, como afirma o sociólogo

francês Edgard Morin (1921):

Não é a globalização da economia que deve ser lamentada, mas, pelo contrário, o fato de ela não estar institucionalmente regulada. É preciso, portanto, que haja uma autoridade reguladora legítima de alcance planetário... Dessa forma, desenvolve-se a dialógica entre globalização econômica e globalização humanista (MORIN, 2005, p. 68-69).

1.3.2 O Sentido Político e Econômico

Atualmente, pagamos o preço das manipulações dos governos neoliberais, do consumo

diário da mídia sensacionalista e, principalmente, de nossa indiferença narcísica, alimentada

pela sociedade do consumo global e cujo ponto máximo vem com a especulação/afirmação

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sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque (março de 2002). Vivemos

sobre o alarme de novos atentados terroristas e tragédias anunciadas, pandemias e catástrofes

naturais. Sem dúvida, o alarme é real, afirmar o contrário seria excessivamente paranóico.

Não podemos evitar pensarmos que todo esse assunto é um espetáculo posto em cena sobre a

consciência, para acostumar-nos ao estado de emergência permanente, ao estado de exceção

como estilo de vida. Podemos indagar que margem oferece esses acontecimentos à

manipulação política e econômica, quando as únicas coisas publicamente visíveis são as

próprias medidas antiterroristas.

O sociólogo polonês Bauman afirma que o ser humano vive hoje em meio a uma

ansiedade constante. Temos medo de perder o emprego, medo da violência urbana, do

terrorismo, medo de ficar sem o amor do parceiro, da exclusão sócio-econômica. As certezas

da modernidade sólida se foram e, com isso, a utopia do controle sobre os mundos social,

econômico e natural desmoronou. “Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo

que inclui a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente à sensação de medo,

mesmo na ausência de ameaça genuína” (BAUMAN, 2006, p. 9).

Essa sensação de constante ameaça é bastante lucrativa para determinados Estados e

setores das sociedades capitalistas, que mercanciam valores como segurança, ordem, justiça e

direitos humanos.

Os direitos humanos continuam na primeira linha da estratégia pedagógica e retórica

dos ideais democráticos, contrapondo que o terrorismo é um crime contra a humanidade. Ao

perseguir o terrorismo islâmico como a depravação da violência sem razão, as democracias

ocidentais pretendem responder através da vigilância, da sofisticação dos serviços secretos, do

controle dos movimentos das forças que ameaçam, procedendo a escutas, destruindo alvos,

infiltrando as células terroristas. Mas a pergunta maior continua sem resposta: de que maneira

será possível ultrapassar o terrorismo e consolidar os direitos humanos?

O filósofo americano Louis Pojman (1935-2005) pretendeu responder a este fenômeno

e ao desafio que ele significa, ao defender, no livro Terrorismo, direitos humanos e a

apologia do governo mundial (2007), a tese de que o terrorismo emergiu com a globalização

e o cosmopolitismo e só poderá ser debelado através da cooperação internacional, com a

consolidação de um cosmopolitismo democrático e com um governo mundial limitado. Na sua

argumentação, o filósofo distingue o terrorismo antigo do terrorismo moderno, sugere formas

de combater o radicalismo, mostra-se favorável à compatibilidade entre o nacionalismo

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moderado e o cosmopolitismo democrático e defende contratos mundiais que permitam um

desenvolvimento dos direitos humanos à escala mundial.

O terrorismo atual não está confinado a alvos específicos, são-lhe indiferentes pessoas

inocentes e prega uma violência horrífica que não poupa civis. Invoca sempre a autoridade de

Deus e oferece recompensas de felicidade interna. Joga com a insatisfação cultural ou a falta

de pátria dos prosélitos que se sacrificam à morte, muitas vezes sob a forma de homens-

bomba. Estes terroristas dividem o mundo entre estados islâmicos e não islâmicos. Este

terrorismo moderno usa tecnologias avançadas e o seu objetivo é a destruição ilimitada. Entre

as muitas diferenças entre terrorismo antigo e o moderno, temos o armamento, já que agora o

que interessa é qualquer arma que mate o maior número de inimigos possível.

Já antes, em 2006, em sua obra Democracia, Pojman afirma a necessidade de

existirem formas políticas e morais. As políticas passam por quatro princípios: não fazer

concessões nem fazer acordos com os terroristas; levá-los aos tribunais; isolar os Estados que

apoiam o terrorismo; estabelecer alianças com todos aqueles que precisam de ajuda na luta

contra o terrorismo. Dentre as respostas morais, a mais urgente é abandonar o apoio aos

golpistas não democratas, corruptos e inimigos dos direitos humanos. Sem essa estratégia

claramente assumida, nunca se chegará a um contrato mundial moralmente responsável. Diz o

filósofo: “O nacionalismo é a tese de que devemos ser primariamente leais ao nosso Estado-

Nação”, enquanto “o cosmopolitismo é a tese de que devemos ser primariamente leais com a

humanidade no seu todo” (POJMAN, 2006, p. 67). O nacionalismo é uma extensão do

particularismo moral. Está enraizado nas nossas relações íntimas com a família, com os

amigos e a comunidade, “indo, no entanto, além dessas relações de modo a incluir todos os

que pertencem ao mesmo grupo político e cultural que nós” (idem, p. 69). Não podemos viver

sem a força poderosa do nacionalismo, a matriz da nossa identidade, a proteção da nossa

cultura e o Estado-Nação.

O cosmopolitismo não é em si o oposto do nacionalismo, mas, sim, de cidadania

mundial; funciona acima da raça, da classe ou do Estado-Nação. Este fenômeno decorre das

forças globais, do peso das multinacionais, do mercado mundial, das novas correntes

migratórias, da aceleração das comunicações, das ameaças ambientais globais, do perigo da

guerra química e biológica, entre outros. A lei internacional tem permitido o funcionamento

desta globalização tecnoeconômica, mediante as forças policiais e militares e os tratados sobre

armamentos e segurança.

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Há, pois, vantagens numa contratação mundial para evitar a deflagração de riscos e

prevenir ameaças: criar uma agência central para manter a paz, ter uma força policial

permanente, que se caminhe para uma paz positiva, que Pojman define como a que “ocorre

onde existem mecanismos para resolverem-se conflitos de interesses através de negociação ou

da Lei”. Tais mecanismos existem entre as nações da União Europeia e entre os vários estados

dos Estados Unidos (ibidem, p. 55).

Este cosmopolitismo poderá ser defensável se garantir a igualdade moral das pessoas,

a igualdade das oportunidades e a melhoria da qualidade de vida. Põe-se agora a equação qual

seria a natureza do governo mundial mais adequado, e o filósofo sugere um governo mundial

mínimo cujos Estados, ao mesmo tempo, renunciem à soberania no que diz respeito às

relações externas, mas retêm a completa soberania sobre assuntos internos. No momento em

que se gerar em nível de escala mundial, essa confiança poderia passar a uma etapa posterior:

a de um governo mundial moderado.

Por último, o filósofo disserta sobre a matriz do governo mundial – a Declaração

Universal dos Direitos do Homem. Convém enfatizar que a Declaração Universal dos Direitos

do Homem foi associada, nos Estados Unidos da América, às quatro liberdades universais do

Presidente Roosevelt (liberdade de expressão e de religião, direito à satisfação das

necessidades básicas e à ausência de ameaças). Tais direitos são construções sociais que

visam a produzir um mundo melhor.

A humanidade avançou em termos morais pós-1948, mas continua sem uma

teoria/prática ética adequada: um quinto da humanidade continua a viver na pobreza extrema,

ainda é constrangedora e profundamente imoral a insatisfação das necessidades básicas, da

justiça, da habitação e da educação, que vertiginosamente escasseiam em diversas partes do

planeta. Esta a grande promessa para quem decididamente quer apostar na derrota do

terrorismo internacional, do obscurantismo e nas profundas deficiências do desenvolvimento

humano. Interessa agora saber se os políticos estão dispostos a perceber que o terrorismo

internacional não se resolve só com vigilância e policiamento.

Uma pequena peça de teatro de Oswald de Andrade (1890-1954), intitulada

Panorama do fascismo (1937), possui uma cena alegórica em que o Chefe, personagem

emblemática, discursa ante uma multidão. Ele, um ditador pintado como um palhaço,

lembrando "O grande ditador", de Charles Chaplin, depois de propor "matar todos os

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desafetos" e ser ovacionado, completa: "Os indiferentes também!", sendo novamente

aclamado pela multidão4.

A cena parece estar muito menos relacionada a um fato histórico específico do que a

uma força latente e sempre presente na política: ao retomar a peça em 1945, logo após o fim

da Segunda Grande Guerra, Oswald de Andrade argumentou que ela continuava "mais que

oportuna, pois hoje o fascismo não anda às claras como em 1937, quando a publiquei, mas

parece oculto e camuflado nas roupagens mais inesperadas" (ibidem). Do mesmo modo, no

seu discurso de encerramento ao I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado no mesmo

ano, uma advertência análoga é feita a respeito do perigo da ocultação do fascismo, este

"conúbio do Capital, do Oportunismo e do Terror" (ibidem). De algum modo, poderia dizer-se

que a curta passagem que citamos parece conter a quintessência de um fenômeno que

ultrapassa a mera circunstância histórica e que, aceitando a sugestão do autor, chamaremos de

terrorismo.

1.3.3 O Sentido Histórico

Doze anos antes, aos nove de novembro de 1989, caía o muro de Berlim. A derrocada

do comunismo era vista em todas as partes como o fracasso das utopias políticas: hoje, depois

de se ter aprendido, não sem dor, que as utopias políticas nobres se convertem em terror

totalitário, vivemos numa época pós-ideológica de administração pragmática. É preciso

assinalar que a este suposto fracasso das utopias sucedeu o reinado, durante uma década, da

última grande utopia: a utopia da democracia liberal capitalista em escala global.

O nove de novembro de 1989 anunciava os felizes anos 90, o sonho do fim da história,

previsto pelo filósofo e economista americano Francis Fukuyama (1952). Ele, em 1989,

observou que os movimentos reformistas emergentes na então União Soviética e na Europa

Oriental, além de propagarem a cultura do consumo em escala mundial, são a marca da vitória

do mundo capitalista. Os resultados do que Fukuyama percebera começaram a mostrar-se

corretos. O 11 de setembro é o grande símbolo do fim desta utopia, uma volta à História Real.

Anuncia-se uma época na qual se levantam novos muros por todas as partes: entre Israel e a

faixa de Gaza, ao redor da União Europeia, na fronteira entre Estados Unidos e México, entre

Espanha e Marrocos. Uma época com novas formas de apartheid e de tortura “legal”.

4 Disponível em: www.culturaebarbarie.org/cg. Acesso em: janeiro de 2009.

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Tal como afirmou o presidente George W. Bush imediatamente após o 11 de setembro,

os Estados Unidos estão em guerra. O problema está precisamente no fato de os Estados

Unidos evidentemente não estarem em guerra, ao menos não no sentido convencional do

termo – para a maioria da população, a vida cotidiana segue seu curso, e a guerra é assunto

exclusivo do âmbito estatal. Desse modo, a própria distinção entre o estado de guerra e o de

paz fica alterada, a ponto de configurar-se uma época na qual a própria paz pode coincidir

com o estado de exceção.

Em sua glorificação do desejo de liberdade nos países pós-comunistas, George W.

Bush o comparou a um “fogo dos espíritos”. A ironia involuntária da afirmação está em que

utilizou uma frase de “Os demônios” (1872), do escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-

1881), na qual este qualifica de impiedosa a ação dos anarquistas radicais que incendiaram um

povoado. Sobre essa comparação do presidente americano George W. Bush, Slavoj comenta

em artigo publicado no jornal El País, Madrid, Espanha, de 20-9-2006: “O fogo está nos

espíritos, e não nas casas”. O momento exige cautela e lucidez, não podemos permitir que a

cultura da indiferença dominada por discursos ideológicos acenda as fogueiras de uma

inquisição maniqueísta pós-11 de setembro.

1.4 A INDIFERENÇA DO TERRORISMO

A simples aceitação da sociedade em que vivemos, sem críticas, questionamentos

internos, análises políticas, econômicas e sociais e, especificamente, sem o desejo de que ela

possa ser diferente, transmite a falsa imagem de que tudo está bem com o projeto

civilizacional. Tal fato remete a outro: aceitar que vivemos “apaticamente” num ambiente de

terror e miséria pressupõe que fomos “anestesiados” pelo medo paralisante de estarmos

cercados por todos os males.

A cultura da indiferença está presente na sociedade alimentada por ideologias,

preconceitos e interesses políticos e econômicos. O crescente desamparo, bem como toda

forma e espécie de corrupção, anarquia e criminalidade, torna imperativa a construção de uma

consciência ética plural, como um farol para sociedade global.

O sofrimento do 11 de setembro abateu-se sobre todos nós, sobre as pessoas de muitos

credos e muitas nações. Todas as vítimas, inclusive muçulmanas, foram mortas com a mesma

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indiferença pelo terrorismo global. Os terroristas violaram os princípios de todas as religiões,

inclusive daquela que dizem seguir. É necessário refletirmos sobre as possíveis razões por trás

das discrepantes reações vivenciadas na sociedade atual. Os atos terroristas que deram origem

a milhares de vítimas inocentes e deixaram um rastro assustador de sofrimento e de destruição

não geraram um sentimento universal de indignação e consternação, mas sentimentos

contraditórios de “celebração” por parte dos que se julgam oprimidos pela política externa

norte-americana e total indiferença diante do sofrimento e morte de inocentes.

Quando a indiferença é a principal reação a uma catástrofe que acontece aos Outros

que não compartilham nossa cultura e raça, e que não pertencem a nossa esfera de influência

social e política, percebemos que nossas várias diferenças abrem um abismo entre nós,

tornando os Outros tão estrangeiros que tendem a desaparecer por completo como entidades

de nossa própria consciência. A capacidade de empatia para com os sofrimentos alheios e a

responsabilização pelos crimes cometidos contra eles se tornam parcialmente obliteradas.

Alguns de nós sentiram com toda a força o impacto dos ataques terroristas em 11 de setembro,

porém nem todos tiveram o mesmo sentimento de indignação e assombro em relação às mais

de cinco mil vítimas civis dos bombardeios aéreos no Afeganistão.

Percebemos que a obliteração da noção e da percepção do sofrimento do Outro está na

raiz da indiferença. As mídias globais, sem dúvida, desempenham fundamental papel para

influenciar e sustentar operações psicológicas. Os meios de comunicação social e as elites

políticas estão bem conscientes do imenso poder das imagens. Jamais vamos esquecer as

imagens chocantes dos aviões guiados para as torres gêmeas e a consequente tragédia

humana, mostrado repetidamente, dia após dia, em nossas telas de televisão. Em

contrapartida, é bastante reduzido o número de imagens de mães enlutadas por seus filhos e

maridos que morrem no Iraque, no Sudão, no Afeganistão, na Bielo Rússia.

A cobertura mediática reforça a negação e a indiferença, que permitem apagar a

consciência de que, no final dos bombardeios de alta precisão, guiados a laser, restarão apenas

os restos de seres humanos que foram um dia de carne e osso. É relevante destacar que as

pessoas tocadas diretamente pela tragédia de ataques terroristas, que perderam seus entes

queridos, resistem corajosamente a serem capturados pela cultura da indiferença, como os pais

de Greg Rodriguez, um jovem que morreu no ataque terrorista ao World Trade Center. No

artigo “Terrorismo e vitimização”, de Sverre Varvin, ela relata o que os pais disseram:

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Não basta ler a notícia de que o nosso governo está avançando em direção a uma violenta retaliação; temos certeza de que a perspectiva de filhos, filhas, pais e amigos morrendo em terras distantes só acarretará mais sofrimento e mais queixas contra nós. Este não é o caminho a percorrer – não em nome do nosso filho. Para esses pais enlutados, a guerra de retaliação a uma distância asséptica, sem suscitar defesas, é considerada como um crime (VARVIN, 2008, p. 51).

A filósofa alemã e judia Hannah Arendt (1906-1975), em sua obra Eichmann em

Jerusalém, de 1963, determinou que o mal seria o problema fundamental a ser estudado na

sociedade após os horrores nazistas da Segunda Grande Guerra. Infelizmente, poucos autores,

com exceção dela mesma, publicaram obras de reflexão sobre o tema. Diante de Auschwitz,

os filósofos permaneceram, em sua maioria, em silêncio, provavelmente porque os

acontecimentos ocorridos nos campos de extermínio nazistas desafiaram a própria capacidade

de compreensão humana. Hannah Arendt teorizou sobre a incapacidade de a Humanidade

julgar os crimes da Segunda Guerra Mundial, por estarmos lidando com uma nova forma de

mal sem precedentes, e estarmos diante da ausência absoluta de conceitos históricos acerca de

tamanha barbárie.

O ser humano, privado do conhecimento de conceitos históricos capazes de dar

significado a tais eventos, viu-se impossibilitado de fazer juízos de valor e de identificá-los

com o mal. Para Arendt, alguns dos fatores que acarretaram a gradativa banalização do Mal: a

necessidade de realizar punições no período do pós-guerra e de acalmar a comunidade

mundial, a indiferença sobre as razões desse novo agir maléfico.

Arendt (1963), utilizando como ferramenta para a compreensão das novas formas do

Mal a noção kantiana de “Mal Radical” – “A deflexão moral do homem fundamenta a sua

máxima moral no ‘amor de si’. A máxima moral que traz o amor de si como móbil tem a

humanidade como meio e nunca como fim moral” (KANT, I., 1992, p. 339) –, criou um novo

esboço do conceito de natureza humana. Na descrição feita pela filósofa sobre o julgamento

de Adolf Karl Eichmann, ela apresenta uma forma diferente de vê-lo.

Eichmann era oficial da Alemanha nazista, membro da Schutzstaffel (em português,

“tropas de proteção”), abreviada como SS ou , em alfabético rúnico, pertencia a uma

organização paramilitar ligada ao partido nazista alemão. Seu lema era "Mein Ehre heißt

Treue" ("Minha honra é a lealdade"). Inicialmente, a força paramilitar nazista era a

"Sturmabteilung", ou "Divisões de Assalto", que utilizava o terror junto aos inimigos do

nazismo, por meio da tortura e do assassinato. O grupo quase saiu do controle dos líderes e

precisou ser transformado numa nova instituição. A Schutzstafell compunha-se de um grupo

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de elite, que contava com homens racialmente selecionados e disciplinados. Eichman era parte

dessa elite responsável pela chamada “lógica do extermínio”; cabia-lha organizar o transporte

dos judeus para os diferentes campos de concentração.

Arendt argumenta que Eichmann não pode ser visto como um pobre coitado que

apenas cumpria ordens, mas como um homem que fazia parte de um sistema e que se omitiu

da sua capacidade de julgar. Essa mesma crítica ela fez à comunidade mundial e à

comunidade judaica, que, durante a Segunda Guerra Mundial, cometeram o mesmo erro. Para

ela, a omissão acontece quando o ser humano abre mão da sua capacidade de julgar, não por

ignorância, mas, sim, por interesses. Segundo sua interpretação, a banalização do mal é a

própria banalização da humanidade, que se torna meio para fins e não um fim moral em si

mesma. Os seres humanos se omitem dos seus julgamentos morais em troca de benefícios

pessoais. Assim, a comunidade mundial abriu mão do ousar pensar e, num momento posterior,

procurou punir os culpados para esquecer os próprios crimes, sem imaginar que tal evento

apresentasse mais uma nova forma de mal.

Quando Arendt acompanhou o julgamento de Eichmann, em Jerusalém, em 1961, ela

foi tomada por uma dúvida: “Como se dá a relação entre o pensamento e a moralidade?” O

que mais a assustou foi a superficialidade da figura de Eichmann, o que tornou difícil

identificá-lo como o grande monstro capaz de cometer crimes tão bárbaros. Para ela, o

pensamento tem o poder de nos abster de cometer grandes males à sociedade e seu objeto

maior é a experiência e nada mais. Assim, o pensamento precisa estar enraizado na

experiência e só tem algo a dizer sobre o mundo se permanece nessa condição; portanto, só

faz sentido se não se desvincula das experiências que o desencadearam. Não só: o pensamento

precisa sempre ser repensado e é simplesmente inconcebível sem o discurso, pois precisa dele

para entrar em atividade, numa relação de interdependência.

A linguagem é o veículo e a forma do pensamento. A ausência de pensamento com

que Arendt se defrontou no julgamento de Eichmann não vinha nem do esquecimento de boas

maneiras e dos bons hábitos, nem da estupidez ou “insanidade moral”. Em sua obra “A vida

do espírito”, ela afirma que a ausência de pensamento “era igualmente notória nos casos que

nada tinham a ver com as assim chamadas decisões éticas ou os assuntos de consciência”

(ARENDT, 1993, p. 6). O que pode nos privar de cometer o mal é o pensamento, o qual tem a

habilidade de distinguir o certo do errado. “Deveríamos exigir de toda pessoa sã o exercício

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do pensamento, não importando quão erudita ou ignorante, inteligente ou estúpida essa pessoa

seja” (idem, p. 12).

Tal assertiva contradiz a afirmação kantiana de que “a estupidez é fruto de um coração

perverso”, uma vez que pode ser comum em pessoas muito inteligentes, e “a causa disso não é

um coração perverso; pode ser justo o oposto; é mais provável que a perversidade seja

provocada pela ausência de pensamento” (idem, p. 13).

Hannah Arendt foi severamente criticada por intelectuais judeus por não “demonizar”

Eichmann e ao contrario, não ser indiferente a “sua “condição humana”, por pensar além das

aparências e evidencias e denunciar que a verdadeira compreensão dos fenômenos como o

totalitarismo deveria levar em consideração a complexidade da natureza e da motivação

humana. Uma gradativa banalização do Mal, importando então manter permanente vigilância

em prol da nossa segurança e da defesa das liberdades individuais.

As atrocidades praticadas no último quartil do século XX contra a minoria mulçumana

na ex-Iugoslávia, os massacres de Ruanda e o sangrento início do milênio com os atentados

terroristas em Nova York, Washington, Bali, Madrid ou Londres exemplificam a falta da

valoração moral ou de sentido de culpa por parte de fanáticos partidários dos mais diversos

extremismos.

Para Baudrillard, “o terrorismo, sob todas as suas formas, é o espelho transpolítico do

mal” (BAUDRILLARD, 1990, p. 89). E prossegue, colocando que a grande questão é

sabermos para onde foi a maldade, o grande Mal: “a anamorfose das formas contemporâneas

do Mal é infinita” em nossa sociedade hedonista, consumista e fragmentada:

Numa sociedade em que à força de profilaxia, de extinção das referências naturais, de embranquecimento da violência, de exterminação dos germes e de todas as partes malditas, de cirurgia estética do negativo, só se quer tratar com a gestão calculada e com o discurso do Bem, numa sociedade em que já não há possibilidades de enunciar o Mal; este se metamorfoseou em todas as formas virais e terroristas que nos obsessionam (idem).

Baudrillard (1990) afirma que numa relação de forças políticas, militares e econômicas

negativas, a recusa dos valores ocidentais de progresso, racionalidade moral política e,

democrática e a negativa em construir um consenso universal sobre o Bem confere ao

islamismo radical a energia do Mal:

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A energia satânica do reprovado, o fulgor da parte maldita. Só ele detém a palavra, porque só ele a assume contra todos a posição maniqueísta do principio do Mal, só ele (O Islã radical) assume pronunciar o mal e exorcizá-lo, só ele aceita encarná-lo pelo terror. O que leva a isso é para nós ininteligível. (...) Pois o poder só existe por força simbólica de designar o Outro, o inimigo, o desafio, a ameaça, o Mal (ibidem, p. 90).

Diante da denúncia de nossa vulnerabilidade e impotência pela palavra negada, não

podemos mais enunciar o Mal. O terrorismo global nos roubou o poder simbólico da palavra,

deixando-nos condenados às fraquezas do Bem, à deficiência dos direitos humanos, à exibição

débil de nosso arsenal bélico e às flutuações “tsunâmicas” de mercados globalizados de

capital. “O poder simbólico é sempre superior ao das armas e do dinheiro” (ibidem, p. 91).

No próximo capítulo, trataremos da história do terrorismo e do direito aplicado, bem

como analisaremos as relações estabelecidas entre os sistemas coletivos e os individuais de

intolerância e indiferença.

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CAPÍTULO 2 - TERROR E BARBÁRIE

Por fim, assim como os EUA jamais tolerarão a violência dos extremistas, jamais alteraremos nossos princípios. O 11/9 foi enorme trauma para nosso país. O medo e a ira que provocou foi compreensível, mas em alguns casos levou-nos a agir ao contrário de nossos ideais. Tomamos ações concretas para mudar de curso. Proibi inequivocamente o uso de tortura pelos EUA, e ordenei que a prisão da baía de Guantânamo seja fechada até o início do próximo ano. Portanto, os EUA defender-se-ão, respeitando a soberania das nações e sob o império da lei. E o faremos em parceria com comunidades muçulmanas que também são ameaçadas. Quanto antes os extremistas sejam isolados e não se sintam bem-vindos nas comunidades muçulmanas, mais rapidamente todos teremos mais segurança.

Barack Hussein Obama, 4 de junho de 2009.

2.1 A HISTÓRIA DO TERROR

A ação terrorista é um fato inscrito na era atual, mas sempre esteve, infelizmente,

presente na história da humanidade. Muito antes que ataques militares premeditados contra

civis fossem chamados de terrorismo, a tática recebeu vários outros nomes e tem como

método afetar o comportamento de nações e líderes.

Do tempo da república romana até o final do século XVIII, a frase mais utilizada era

guerra destrutiva ou punitiva, desde que muitas campanhas militares romanas fossem, de fato,

empreendidas como punição, por traição ou rebelião; sua origem emanava do simples desejo

de impactar os povos recém conquistados com o temível poder de Roma, a fim de minarem

possíveis líderes de resistência locais.

O exemplo de Roma incorpora quase todas as possibilidades de operações de guerra

contra civis. O maior Estado da Antiguidade forneceu um imenso número de precedentes para

muitas repúblicas e impérios que, mais tarde, surgiram no Ocidente. Para o historiador

americano Carr (1955), há dois grandes legados de Roma para o mundo:

As ideias de que as guerras não exigiam maiores justificativas que a exaltação do poder, e de que não havia nenhuma razão para tratar não combatentes com menos rigor do que os guerreiros, confirmando, assim, e até mesmo legitimando o comportamento que já caracterizava a maioria dos Estados e tribos não romanas, colocava essas tradições amorais bem no centro de quase todos os conflitos internacionais que se seguiram à dissolução e ao colapso o império (CARR, 2002, p. 46).

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O colapso do Império Romano do ocidente ocorreu em 476 d.C., com as invasões

bárbaras e a derrocada final do Estado Romano. Ao tomar conhecimento do saque à cidade de

Roma, em 410 d.C., por Alarico (395-415 d.C.), rei dos Godos, cujo exército, em sua maioria,

era constituído por bárbaros do exército romano, o bispo e filósofo cristão Agostinho de

Hipona (354-430 d.C.) escreveu um tratado que enumeraria as terríveis discrepâncias entre as

“cidades dos homens” e a “cidade de Deus”. Suas reflexões abrangiam a condução da guerra

internacional e apresentavam um dos mais conceituados preceitos da história da filosofia

militar, o da “guerra justa”. Para que uma guerra fosse considerada “justa”, não poderia ser

fruto dos caprichos e dos interesses particulares de impérios e seus governantes. O filósofo

afirmava o seguinte sobre a “cidade dos homens”:

É uma cidade de disputas, com as opiniões divididas por guerras externas e discussões domésticas e pelas exigências de vitórias que ou terminavam em mortes ou são apenas pausas temporárias para guerras futuras (...) É errado, porém, negar que os objetivos da civilização humana sejam bons, pois este é o fim mais elevado que o homem pode atingir (...) O propósito da guerra é a paz. Mesmo quando os homens tramam para perturbar a paz, é apenas para moldar uma nova paz mais próxima dos desejos do coração. Quando a vitória vai para o lado cuja causa era mais justa, certamente é motivo de júbilo, e a paz deve ser bem vinda (SANTO AGOSTINHO, 1990, p. 35-36).

Dessa forma, o primeiro requisito de uma guerra justa é trazer a paz em vez de

perpetuar o ciclo de vandalismos, violência e pilhagem, o qual beneficia alguns enquanto

destrói a vida de milhões. Quanto às razões para as guerras serem travadas, Agostinho

apresentava apenas uma:

Uma guerra justa (...) só é justificada pela injustiça de um agressor; e essa injustiça deve ser fonte de pesar para todo o homem de ‘bem’, porque é injustiça humana. (...) A injustiça é qualquer coisa que obstrui a vontade de Deus de que as pessoas vivam em “confraternização controlada” (idem, p. 47-48).

Esta “confraternização controlada “quer dizer que os homens deveriam evitar o

derramamento de sangue descontrolado e a desordem caótica nas instituições” (idem).

Infelizmente, Agostinho morreu em 430 d.C., sem vislumbrar nenhuma cidade de Deus na

terra, mas a semente de suas ideias pacifistas – noção de que as guerras deveriam ter causas

justas e de que os homens deveriam controlar a brutalidade de seus comportamentos, tanto por

razões práticas quanto idealistas – mostrar-se-ia resistente e germinaria no mundo cristão nos

séculos seguintes.

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A teoria da guerra justa, contudo, teve um nefasto efeito colateral: quando Agostinho

falava em restaurar a paz, referia-se à paz de Deus, do Deus cristão; contudo, a violência

perpetrada em nome da fé cristã, implicitamente justa, tornou-se uma das razões para o início

de outras guerras contra os infiéis.

Enquanto isso, a segunda mais poderosa religião mundial desenvolvia-se na Península

Arábica. Sua doutrina também ensinava vigorosas lições sobre como a guerra deveria ser

conduzida e sobre como os civis deveriam ser tratados no decorrer dela. A dificuldade era, e

continua sendo até os dias atuais, que, desde o início do movimento no século VII, o profeta

Maomé e seus seguidores precisaram lutar por sua fé e também por um território onde

pudessem viver e praticá-la. Esse sentido de conveniência momentânea confere ao seu texto

sagrado, o Corão (século XII), um caráter especial, um tom geralmente marcial, necessário

para a época.

Tal fato cria uma singular discrepância com seu igualmente apelo à compaixão. Por

exemplo, como o Islã compartilha muitos profetas e tradições sagradas com o judaísmo e o

cristianismo, os membros desses credos deveriam ser alvo de misericórdia e de tolerância por

parte dos mulçumanos (isto é, quando fosse possível); mas, quanto aos pagãos, aos politeístas

idólatras e aos gentios, a ordem era clara: “Mate-os onde quer que estejam”. O mesmo

capítulo do livro sagrado, entretanto, parecia, ao mesmo tempo, restringir um pouco essa

crueldade: “Lutai por amor a Deus contra aqueles que lutam contra vós”, dizia, “mas não os

ataqueis primeiro. Deus não ama agressores” (Corão, apud CARR, 2002, p. 51).

Como o cristianismo, o islamismo não nasceu em um vácuo cultural ou histórico; tinha

raízes em territórios e sociedades acostumados a longos séculos de guerras destrutivas. Os

conflitos tribais da Arábia, do norte da África e do Oriente Médio não eram livres das práticas

de aterrorizar e saquear civis. Quaisquer que sejam as exortações, tanto do Islã quanto da

cultura ocidental cristã, desde o início e por muito tempo, foram tradições militares de

combate que não podiam ser erradicadas apenas por boas intenções.

Mesmo depois de o cristianismo se ter tornado a fé oficial do império romano e de

Estados limítrofes, as desenfreadas tendências belicosas desses Estados pouco diminuíram, e

as guerras tribais continuaram a caracterizar as terras incorporadas ao império islâmico.

Nas palavras de Carr:

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Passaram a ser coerentes e cruentas as hostilidades entre várias facções mulçumanas rivais – sunitas, xiitas, abássidas, umaiades, fatímidas, entre outras – para não dizer da periódica matança dos gentios. Os hábitos de guerra destrutiva teimavam em persistir – na verdade, nunca deixaram de existir – e, com o passar do tempo, cada um desses mundos, o cristão e o mulçumano, tornou-se tão atormentado pelas consequências desses costumes que seus líderes começaram a procurar com afinco meios de, se não erradicar o conflito, pelo menos de redirecioná-lo. Infelizmente, ambos chegaram à mesma solução (ibidem, p. 53).

O vertiginoso crescimento das práticas terroristas aponta para a mais violenta

expressão de barbárie e criminalidade no globalizado mundo atual.

A palavra terror já existia em latim, derivada do verbo terreo, terrere, com o sentindo

de fazer tremer, atemorizar. Mas como estratégia de ação política teria suas raízes na

Renascença italiana, quando surgiram atividades capazes de justificar atentados contra tiranos.

Na clássica obra O príncipe, de Maquiavel (1469-1527), está presente a completa indiferença

moral: em nome do patriotismo, os caminhos e meios de adquirir e conservar o poder político

se justificavam, assim como seus riscos.

A expressão "terrorismo" surgiu, pela primeira vez, no Suplemento do Dicionário da

Academia Francesa, de 1798, e remonta à Revolução Francesa, resultado da ditadura

jacobina que dominou pelo terror, executando 17.000 pessoas, no período entre setembro de

1793 a julho de 1794. No tribunal, os acusados não tinham direito de defesa, porque, segundo

se dizia na época, tal direito não se aplicava aos conspiradores e, sim, aos patriotas caluniados.

A questão fundamental que se coloca é saber o que se entende por terrorismo e se será

possível encontrar uma definição global precisa do fenômeno, que permita classificá-lo. Qual

será o melhor enquadramento: o jurídico, o político, o social ou o híbrido? A Organização das

Nações Unidas (ONU) ainda hoje não chegou a uma definição do terrorismo que fosse de

aceitação universal.

Terrorismo é notoriamente um conceito de difícil definição. De fato, corre-se o

risco de agregar sobre um mesmo nome naturezas distintas, impossibilitando a

análise, a identificação de alternativas adequadas para se lidar com o fenômeno,

induzindo ao erro quanto à avaliação da eficácia dessas alternativas. Sob o mesmo

nome de “terrorismo”, há a análise da eficácia que também manifestará a mesma

confusão, condenando equivocadamente alternativas razoáveis. Uma das

dificuldades do termo “terrorismo” é que seu uso é marcado por tentativas de

desqualificar politicamente o adversário. Como diz o cientista político Adolf Gibbs, “o

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terrorismo é, ao mesmo tempo, um fenômeno político, um termo depreciativo”

(GIBBS, 1989, p. 329).

Sem dúvida, o "atentado terrorista" caracteriza-se por criar um estado de

alerta e terror e pelo emprego de meios aptos a produzirem um estado geral de

perigo e insegurança. Fatos como acontecimento de 11 de setembro e o atentado

bioterrorista com o veneno Sarin5, no metrô de Tóquio, fizeram o jurista Jimenez de

Asúa afirmar que “o terrorismo é um crime ou uma série de crimes que se tipificam

pelo alarma que produzem” (ASÚA, 1951, v.9, p. 53).

Alguns autores destacam que o terrorismo tem a marca de um fim político-

social. Ele seria um meio de afirmação política vêem no terrorismo um crime de

intimidação, praticado através de meios desleais, odiosos e vandálicos, para obter

vantagens políticas. Esta exigência política não está em todos os doutrinadores, pois

muitos se contentam com a provocação do terror e intimidação, acrescida de danos

consideráveis. O projeto da Comissão Jurídica Interamericana, aprovado no Rio de

Janeiro, em 1970, omite esse fim político.

Os autores que o negam ressaltam que, ao lado do terrorismo político, há o

terrorismo de direito comum, criminoso, cometido para fins patrimoniais, às vezes

mascarado de político. Oportuno é lembrar o terrorismo de Estado, praticado através

de agentes ou grupos que recebem proteção e financiamento de Estados,

empregando meios insidiosos, como incêndios e explosões, ou a prática da tortura

sistemática, sequestro e desaparecimento de pessoas. Podemos afirmar que, em

parte, o sucesso do terrorismo no século XX está ligado ao fato de que muitos

países que sofreram ações terroristas haviam lançado mãos desses métodos no

passado.

Na verdade, não existe uma figura típica penal específica denominada

"TERRORISMO". O penalista Heleno Cláudio Fragoso entende que não existe um

terrorismo de direito comum, pois se trata de fato político, pois que seus autores

sempre se dirigem contra a ordem política e social vigente. Acrescenta que os

atentados e extorsões praticados pelas organizações do tipo máfias constituem-se

em crimes comuns e só impropriamente podem ser chamados de terroristas.

5 O sarin é um gás desenvolvido na Alemanha, em 1938. Ao ser inalado, ele age rapidamente sobre o sistema nervoso, levando à paralisia muscular e à cessação da respiração, até a morte. Seu nome deriva dos nomes dos cientistas que o desenvolveram: Schrader, Ambrose, Rudriger e van der Linde (1997).

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O terrorismo internacional foi objeto de amplo debate em Siracusa, no III

Simpósio Internacional, realizado em 1973, pelo Instituto Superior Internacional de

Ciências Criminais, tendo sido elaborado um documento conceituador dessa espécie

de terrorismo, tido como uma conduta coercitiva individual ou coletiva, com emprego

de estratégias de violência e terror, dirigidas contra alvos internacionalmente

protegidos, visando a um resultado de poder (atos contra civis inocentes, civis

internacionais, diplomatas, membros de forças armadas não beligerantes etc.).

Segundo a consideração de Thomas Schelling, “meu dicionário define

terrorismo como (...) o emprego de terror, violência e intimidação para obter um fim.

E aterrorizar é coagir por intimidação ou medo” (SCHELLING, 1982, p.66). A partir

daí, torna-se complexo fazer a distinção entre um ato terrorista e um ato criminoso

qualquer, uma vez que o termo, em si, depende sempre do ponto-de-vista pessoal,

imprimindo-lhe um caráter inevitavelmente subjetivo.

A título de exemplo, apontar uma arma para alguém e obrigá-lo a entregar

sua carteira pode ser considerado coação por intimidação ou medo, visando a atingir

“um fim”; no caso, obter dinheiro, pura e simplesmente. No caso de um sequestro-

relâmpago para obrigar alguém a sacar dinheiro de um caixa eletrônico e entregá-lo

ao sequestrador, também seria coagir por intimidação ou medo para atingir um fim.

Ou, ainda, para atingirmos o paroxismo: como distinguir entre um ato terrorista e um

sistema legal, cuja eficácia assenta, em última análise, sobre o emprego da

intimidação contra eventuais transgressores. Poderíamos também identificar

qualquer sistema jurídico com o terrorismo.

Uma forma clássica de definir terrorismo foi adotada pela Rand Corporation,

instituição americana sem fins lucrativos dedicada aos estudos e à análise crítica dos

principais desafios da atualidade, no campo do Direito, da Educação e da Economia e que, ao

longo dos seus quase sessenta anos de pesquisa sobre o assunto, estudou o terrorismo. Em um

trabalho recente, Jenkins assim expôs o entendimento de terrorismo ali prevalecente:

(...) era necessário definir terrorismo de acordo com a qualidade do ato, não a identidade do perpetrador ou a natureza da causa. (...) Concluímos que um ato de terrorismo era, antes de mais nada, um crime no sentido clássico, como homicídio ou sequestro, embora por motivos políticos. Mesmo que aceitássemos a alegação de vários terroristas de que eles travavam uma guerra e eram, portanto, soldados – ou seja, combatentes reconhecidos no sentido estritamente legal –, táticas terroristas, na maioria dos casos, violavam as regras que governavam o conflito armado, como, por exemplo, tomar civis deliberadamente como alvo ou agir contra reféns.

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Reconhecíamos que o terrorismo continha uma componente psicológica: dirigia-se às pessoas que observavam. As identidades dos alvos ou vítimas concretos do ataque frequentemente eram secundários ou irrelevantes para o objetivo dos terroristas de disseminar o medo e o alarme ou garantir concessões. Essa separação entre as vítimas concretas da violência e o alvo do efeito psicológico pretendido era a característica definidora do terrorismo (JENKINS, 1999, p. 5).

Há claramente alguns avanços. Em primeiro lugar, há uma restrição em termos de

finalidades: os motivos são políticos. Portanto, motivações estritamente econômicas,

desvinculadas de um determinado propósito político, estariam excluídas. Da mesma forma,

ficam automaticamente excluídos propósitos apocalípticos, uma vez que sua meta é a

destruição pura e simples. O principal exemplo desse fato é a seita japonesa Aun Shinrikyo,

responsável por atentados com as substâncias tóxicas dos produtos Antraz6 e o Sarin7. Por

outro lado, ao circunscrever o terrorismo como um comportamento criminoso, o entendimento

exposto acima permite excluir os sistemas judiciais da definição de terrorismo.

Infelizmente, essa caracterização também não serve. Ao contrário do que

Jenkins afirma, ela não circunscreve o fenômeno terrorista a partir da natureza do

ato, mas, sim, a partir de uma definição normativa prévia, que é a do ato criminoso, e

que está longe de ser universal e permanente. De acordo com esse entendimento,

uma mera mudança na legislação poderia subitamente transformar determinado ato

de não terrorista para terrorista, ou vice-versa. Como comparar atos e processos que

ocorrem em situações jurídicas, políticas, históricas distintas a partir desse

entendimento? Quais serão as implicações em termos de atuação acerca do

fenômeno terrorista?

Embora construída com mais cuidado, com uma perspectiva teórica mais ampla, a

tentativa de definição feita por Gibbs padece de problemas semelhantes. Segundo ele, uma

definição satisfatória de terrorismo deveria responder a cinco questões básicas:

· Primeira, o terrorismo é necessariamente ilegal (crime)? Segunda, o terrorismo

é necessariamente empregado para se realizar algum tipo particular de objetivo

e, se sim, qual? Terceira, como o terrorismo necessariamente se distingue de

operações militares convencionais numa guerra, numa guerra civil, ou da assim

chamada guerra de guerrilha? Quarta, necessariamente apenas oponentes de

6 Antraz é uma infecção aguda causada por uma bactéria que forma esporos, o Bacillus anthracis. 7 Sarin é uma substância tóxica que atua essencialmente sobre o sistema nervoso. Muito utilizada em guerra química.

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um governo empregam o terrorismo? Quinta, o terrorismo é necessariamente

uma estratégia distinta de emprego da violência e, se sim, qual é essa

estratégia?” (GIBBS, 1989, p. 330).

Na tentativa de respondê-las, Gibbs apresenta a seguinte definição: “Terrorismo é o

emprego ou a ameaça de emprego ilegal de violência contra objetivos humanos ou não, desde

que”; apresentando cinco condições:

(1) seja utilizado ou ordenado com vistas a alterar ou a manter ao menos uma norma

presumida, em pelos uma unidade territorial ou população particular;

(2) tenha características de sigilo, furtividade e/ou clandestinidade, esperadas pelos

participantes, de modo a camuflar suas identidades pessoais ou sua localização futura;

(3) não seja utilizado ou ordenado para propiciar a defesa permanente de alguma área;

(4) não seja uma guerra convencional e, em função do mascaramento de suas

identidades pessoais, sua localização futura, ameaças e/ou mobilidade espacial, os

participantes se percebam como menos vulneráveis à ação militar convencional.

(5) seja percebido pelos participantes como contribuindo para o objetivo normativo

descrito anteriormente (supra), através da disseminação do medo da violência em indivíduos

(possivelmente uma categoria indefinida deles) que não os alvos imediatos da violência

concreta ou ameaçada e/ou pela publicização de alguma causa (ibidem, p. 330).

Vejamos os problemas de tal definição. Em primeiro lugar, ela padece do problema já

apontado anteriormente: a definição depende de um critério normativo variável (a

ilegalidade), que lhe antecede logicamente. A rigor, a primeira pergunta colocada por Gibbs

não pertence à definição propriamente dita; de fato, embora legítima, a resposta à pergunta

sobre a legalidade ou ilegalidade (necessária ou não) do terrorismo deveria ser possibilitada

pela definição de terrorismo. Essa seria até mesmo uma das funções da definição de um

fenômeno – a não ser, claro, que se tratasse simplesmente da tipificação de um delito, o que

não é nosso propósito aqui.

Naturalmente, o ponto (2) da definição acima só faz sentido se decorrer

basicamente dessa pressuposição de ilegalidade. Do contrário, tratar-se-á apenas

de uma generalização empírica, inteiramente dispensável para a definição.

Para Gibbs, os pontos (2), (3) e (4) de sua definição permitiriam distinguir o

terrorismo de operações militares convencionais (idem, p. 332), ou seja, responder à

sua terceira pergunta formulada anteriormente. Um exame mais detido mostrará que

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essa alegação é improcedente, já que a parte (2) da definição também é

improcedente ou dispensável.

Em segundo lugar, o ponto (4) da definição é de uma tautologia inacreditável quando

faz incluir na própria definição de terrorismo que “não é guerra convencional”. Por outro lado,

Gibbs não pode se furtar a essa tautologia, pois: a) afirmou anteriormente que era

indispensável, para uma definição adequada do terrorismo, mostrar como este difere

necessariamente de operações convencionais; b) afirma posteriormente que:

A questão [como o terrorismo necessariamente se distingue, se é que se distingue, de operações militares convencionais numa guerra, guerra civil ou na assim chamada guerra de guerrilha] não pode ser respondida prontamente porque não há definições claramente aceitas de operação militar convencional, guerra, guerra civil e guerra de guerrilha (ibidem, p. 332).

Naturalmente, sua única saída é, portanto, resolver a questão por decreto. Para

suavizar a brutalidade da tautologia, temos ao menos o ponto (3) da definição, que,

infelizmente, é inútil. Afinal, são legião as situações em que guerras foram travadas e

territórios inteiros ou parte deles foram ocupados apenas para forçar uma situação mais

favorável em negociações posteriores, sem nenhuma intenção de defendê-los

permanentemente. Assim, o ponto (3) também não ajuda em nada a distinguir o terrorismo de

“operações convencionais”, guerra, guerra civil ou guerra de guerrilha.

Sobram-nos os pontos (1) e (5) para os quais faremos uma argumentação especial. O

ponto (1) tem o mérito de restringir o escopo da definição, ao vincular o terrorismo a fins

políticos. O problema aí é que ele restringe demais. O que dizer, por exemplo, quando o

propósito de determinado ato (digamos, um sequestro de avião) é simplesmente tornar

conhecido um determinado grupo, cujo objetivo final fosse simplesmente modificar uma

correlação de forças políticas? Se o entendimento constante do ponto (1) contempla essa

possibilidade, menos mal, embora isso não esteja imediatamente claro e seja mais uma falha

da definição.

Por fim, em terceiro lugar, quanto ao ponto (5), temos uma série de problemas. Um

deles é a alternativa colocada: “contribuir para o objetivo normativo” do ponto (1), através da

“inculcação do medo da violência em pessoas (talvez uma categoria indefinida delas) que não

os alvos imediatos da violência concreta ou ameaçada e/ou pela publicização de uma causa”.

Ora, publicizar uma causa não caracteriza o terrorismo, a não ser quando essa publicização é

feita a partir da disseminação do medo da violência; aqui a condição se torna abrangente

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demais, e sem necessidade. Além disso, não há, em tese, por que excluir os “alvos imediatos

da violência concreta ou ameaçada” de também sofrerem a inculcação do medo da violência;

aqui a condição se torna excessivamente restritiva, e não dá conta do fenômeno. Por fim,

como saber de fato se um determinado ato foi ou não “percebido pelos participantes como

contribuindo para aquele objetivo normativo” – a não ser que presumamos, de antemão, que,

se a violência foi cometida ou ameaçada por um determinado grupo, ela deve contribuir de

alguma maneira para o objetivo do grupo; aqui a condição se torna simplesmente prolixa.

2.2 DO DIREITO E DA JUSTIÇA

Vários países elaboraram leis novas e mais severas para a punição do terrorismo,

embora os juristas ainda não tenham conseguido estabelecer uma conceituação geral que

permita uma tipicidade clara desta modalidade criminosa. Esta atitude abrangeu tanto países

dominados por ditaduras, como aqueles em que a democracia vige e que, para sua proteção, se

viram compelidos a restringir o exercício de certos direitos e garantias individuais, por

favorecerem a proliferação das ações terroristas.

A expressão "terrorismo" é utilizada para significar determinada figura delituosa. No

Brasil, a Lei de Segurança Nacional (Lei 6.620/78) já se referia a "praticar terrorismo"

(art.26). A atual legislação, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem

política e social, Lei 7.170, de 14/12/83, repete a dogmática, mencionando "atos de

terrorismo" no seu artigo 20. Contudo, essas leis jamais definiram o que significa "atos de

terrorismo".

No direito penal brasileiro, vige o princípio do "nullum crimen nulla poena sine lege",

ou da reserva legal. Segundo os melhores doutrinadores, para que esse princípio seja

respeitado, não basta a existência prévia de uma lei ou a mera denominação do crime. É

indispensável que a lei descreva concretamente uma ação, criando a figura típica penal e

permitindo que se conheça claramente a conduta proibida por lei e a não compreendida na

proibição, sendo certo que o princípio afasta a incriminação vaga, que, na afirmação de muitos

tratadistas, é defeito tão grave quanto o emprego da analogia no direito penal.

A atual Constituição brasileira, no seu artigo 5º, item XLIII, considera o terrorismo

como um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Essa menção, no entanto, em

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nada concorre para o esclarecimento doutrinário do tema, pois que a dificuldade dos

tratadistas está na conceituação doutrinária do que seja terrorismo. Certo, portanto, que

enquanto não for obtida uma definição teórica, dificilmente o legislativo brasileiro conseguirá

formular um projeto de lei que o tipifique, dando efetividade à norma constitucional

ressaltada.

Existe um esforço mundial no sentido de firmar o terrorismo na órbita dos

crimes comuns, o que impedirá lhe conceder os privilégios conferidos à criminalidade

política, caminho adequado à realidade atual do mundo. Com efeito, a noção de

crime político não é uniforme, tanto que, em caso de pedido de asilo político, o

conceito será firmado pelo país concedente, podendo não se coadunar com a

repercussão do atentado terrorista no país vitimado.

O terrorismo, consistindo-se sempre em ações que causam grande mal à

sociedade organizada como um todo, retirando a paz, a segurança e a tranquilidade

de que ela necessita para viver e progredir, não deve merecer privilégios. Contudo,

se o terrorismo for conceituado no campo penal, continuará a gramar as dificuldades

do cumprimento das noções do direito penal internacional.

No Brasil, parece ainda não haver urgência na edição de legislação

específica, porque não tivemos em nossa história problemas consideráveis em face

de ações que pudessem ser consideradas como terroristas. A discussão do tema

entre nós está sendo provocada por fatos vindos do exterior. Trata-se de

preocupação real, que deve servir de alerta, até porque os movimentos sociais e

políticos não são previsíveis a ponto de podermos determinar com precisão as suas

deflagrações, e os sinais exteriores podem e devam ser percebidos pelos órgãos

governamentais. Muitos desses fatos, em razão da enorme facilidade das

comunicações internacionais, acabam sendo aprendidos e praticados por mera cópia

e repetição, sem que na prática estejam presentes motivos idênticos.

O resultado nefasto provocado pela ação terrorista, em termos de vidas

humanas, patrimônio e sentimento de insegurança, bem justifica uma nova tomada

de posição, não só em relação à modificação de certas leis, mas na forma do

exercício de certos direitos, realidade que está sendo vivenciada pelos Estados

Unidos da América (USA), após o atentado de setembro de 2001 em Nova Iorque.

Nesse ponto, é valioso relembrar a declaração dos direitos do homem, advinda da

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Revolução Francesa, onde se afirmou textualmente que o direito à liberdade só

poderia ser exercido se não causasse prejuízo a outros, pois ao cidadão não era

permitido desobedecer ao estabelecido nas leis, que estavam acima dos direitos.

É fato que ações normalmente tidas como terroristas poderão ser

enquadradas no Código Penal Brasileiro. Com efeito, o evento morte será

considerado homicídio qualificado, e as agressões à saúde constituem-se em lesões

corporais. No capítulo dos crimes contra a liberdade individual, estão as figuras do

constrangimento ilegal, da ameaça e do sequestro; no artigo 159, pune-se a

extorsão mediante sequestro, crime considerado hediondo, e, no artigo 163, o dano,

este com penas ridículas e ação penal inadequada. Nos crimes contra a

incolumidade pública, está prevista a punição das figuras delituosas do incêndio, da

explosão, fabrico, posse e transporte de explosivos ou gás tóxico, inundação e

desabamento.

No capítulo dos crimes contra a segurança dos meios de comunicação e

transportes, punem-se o desastre ferroviário e os atentados contra o transporte

marítimo, fluvial e aéreo; no capítulo dos crimes contra a saúde pública, as figuras da

epidemia e do envenenamento de água potável, todos com penas que não estão

adequadas à gravidade do terrorismo, sobretudo porque foram ditadas em época

que o flagelo não tinha significação; no capítulo dos crimes contra a paz pública,

estão a incitação ao crime e a formação de quadrilha ou bando, assim como os

sequestros. Dependendo do dolo dos agentes e da interpretação do STF sobre sua

constitucionalidade, a lei de segurança nacional permitirá a repressão dos crimes

que atentarem contra o Estado e a ordem social.

Em termos doutrinários, muito dependeremos da conceituação que dermos ao

chamado terrorismo. Será que deveremos vê-lo somente como crime praticado

contra o Estado e a ordem social? Neste caso, estaremos reconhecendo que na sua

prática sempre existirá um fim político, o que traz consequências: aceitaremos que

poderá igualmente existir o terrorismo comum, praticado sem intenções políticas e

tenderemos a reconhecer que a prática terrorista poderá também ser utilizada por

criminosos comuns, com o fim de lucro. Dar permanente tratamento político a esse

crime dificultaria a adequada repulsa, face aos privilégios que seus autores

reivindicarão, muita vez incompatíveis com a ofensa causada, ao ver das vítimas.

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A questão, contudo, está em aberto às diversas colocações doutrinárias.

Correto será afirmar que, no combate penal às ações de cunho terrorista, não

estamos descobertos em matéria de lei. Mesmo assim, uma vez firmado o conceito

jurídico dessas ações, algumas inovações deverão surgir na legislação.

No campo penal, haverá a criação de novas figuras típicas, a alteração do

montante das penas de crimes já tipificados e a mudança radical no regime do

cumprimento das penas, considerando-se hediondas todas as infrações do gênero.

No tocante ao terrorismo comum ou político, a ação deverá ser pública, inexistindo

ação penal privada, senão aquela subsidiária, motivada pela teórica inação do

Ministério Público. Na hipótese do terrorismo comum, o seu julgamento deverá caber

à justiça comum.

A melhor definição sobre terrorismo fornecerá critérios que permitam avaliar a

designação de um ou outro agente como terrorista, funcionando também como uma forma de

analisar criticamente discursos enviesados.

2.3 GEOPOLÍTICA DO TERRORISMO GLOBAL

Após a Primeira Guerra Mundial, algumas nações começaram a ajudar grupos

revolucionários de outros países. A Itália e a Hungria, por exemplo, apoiaram, nessa época, os

revolucionários croatas. Em 1920, um dos expoentes da revolução russa, Leon Trotski,

preconizava que o terror era a "continuação natural da insurreição armada", e que a

intimidação era o "mais poderoso meio de ação política".

Depois da Segunda Guerra Mundial, particularmente a partir dos anos 60, o

financiamento estrangeiro ao terrorismo tornou-se regra.

União Soviética, Argélia e Líbia, entre outros, fomentaram o terrorismo no mundo, a

fim de que fosse feito o "trabalho sujo" da política internacional. A década de 70 registrou o

apogeu das grandes organizações terroristas de cunho eminentemente político, como as

"Brigadas Vermelhas", na Itália, a "Ação Direta", na França, e o "Baader Meinhof", na

Alemanha.

Sequestros e grandes atentados à bomba foram a marca registrada desses grupos.

Nas décadas de 80 e 90, o terrorismo disseminou-se em inúmeras organizações espalhadas

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pelo mundo, todas elas tendo como objetivo último a destruição. No próprio Oriente Médio,

que sempre esteve mergulhado em violência e sangue desde o final da Segunda Guerra, os

atos terroristas eram acontecimentos esporádicos durante as décadas de 50 e 60; porém, a

partir da década de 80, espalhou-se na região como um câncer incontrolável, atingindo tanto o

bloco muçulmano como o israelita.

Há hoje várias dezenas, talvez centenas, de grupos terroristas atuando em todos os

cantos do planeta. Algumas dessas organizações ostentam nomes absurdos, quando

comparados às suas formas de ação e seus objetivos: Grupo Antiterrorista de Libertação

(Espanha – anos 80), Partidários do Direito e da Liberdade (França – anos 80), Grupo da

Justiça Internacional (Egito – 1995), Hezbollah – Partido de Deus (Israel – anos 80 e 90).

A tônica dos atentados terroristas são os carros-bombas e os "mártires" suicidas, que,

com explosivos presos a seus corpos, procuram causar o maior número possível de mortes e

destruição, geralmente em locais com grande concentração de pessoas, como a saída de uma

escola, um ônibus lotado etc.

Mas as novidades no campo do terror não se restringem apenas à explosão de

"idealistas kamikases". Já há, pois, quem alerte contra possíveis atentados com armas

nucleares, químicas e biológicas, além de sabotagens cibernéticas. Em relação à primeira

possibilidade, só podemos acrescentar que é cada vez maior o número de apreensões em

vários países de material radioativo roubado.

A título de ilustração, indicam-se abaixo os dados coletados na internet, seja em sites

da anistia internacional8, seja nos de debates filosóficos9, abrangendo as ações terroristas de

grande porte no mundo:

A maior parte dos atentados terroristas dos últimos anos foi praticados com carros-

bombas ou caminhões-bombas, detonados por controle remoto, e também através de

motoristas suicidas, como foi o atentado contra a força multinacional estacionada em Beirute,

em 1983 – o pior até hoje registrado (março de 1997) –, onde morreram 241 americanos e 58

franceses.

As embaixadas americanas nessa região do mundo são hoje verdadeiras fortalezas,

com portas de aço de 30 cm de espessura e vidros à prova de bala. Os atentados suicidas

praticados com carros, e também aqueles onde o terrorista explode bombas presas em seu

próprio corpo, são, em sua quase totalidade, consumados por fanáticos religiosos. Esses 8 Disponível em: www.amnesty.org. Acesso em: junho de 2009. 9 Disponível em: http://www.library.com.br/Filosofia/terroris.htm. Acesso em: junho de 2009.

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extremistas acreditam estar participando de uma "guerra santa", e assim nada mais fazem

senão executar uma determinação divina quando exterminam os infiéis, isto é, todos os que

não professam a mesma crença.

Os extremistas muçulmanos que praticam atentados suicidas acreditam que suas ações

lhes garantem o direito de ingressar no Paraíso, onde terão dezenas de virgens à sua

disposição para satisfazê-los sexualmente. Também lhes é assegurado que suas famílias farão

jus a vagas já lá reservadas. Talvez seja por isso que a família de um terrorista suicida colocou

na entrada da casa, para recepcionar as pessoas que foram oferecer condolências, pequenos

cartazes com os dizeres: "Não aceitamos pêsames e, sim, congratulações".

Na Argélia, o Grupo Islâmico Armado (GIA) – ala radical da insurreição islâmica,

especializada em terrorismo urbano – invoca a prática do Mut'a (casamento temporário), para

abordar as famílias e exigir suas filhas. Às vezes, quando não as consegue, o grupo corta a

garganta das moças em represália. Em seis anos, as ações terroristas do GIA deixaram o país

mergulhado na guerra civil, com mais de 65 mil mortes.

Os terroristas argelinos chegaram ao requinte de criar uma máquina de degolar: uma

espécie de guilhotina rudimentar, transportada em caminhão e utilizada inclusive em mulheres

e crianças. Em alguns casos, as mulheres têm o couro cabeludo arrancado e o ventre aberto a

facadas antes de serem degoladas, para que não possam gritar o nome de Alá e, dessa forma,

ficarem impedidas de ingressar no Paraíso.

Todas as formas de ódio alimentadas continuamente pelos povos da região ajudam a

manter o terrorismo sempre atuante.

No mundo palestino, as letras de rock do grupo Hamas, incentivando à guerra santa e

aos ataques suicidas contra os israelenses, vendem mais do que qualquer outro gênero nas

lojas de disco. No Egito, mulheres muçulmanas que se convertem ao cristianismo são

violentadas e os homens assassinados.

O assassinato do presidente egípcio Anuar Sadat (1918-1983) foi “comemorado” com

um selo postal e virou nome de rua no Irã. Nesse ponto, é importante esclarecer que a

insanidade religiosa, utilizada como justificativa para atos terroristas, não é exclusividade de

extremistas muçulmanos.

Em fevereiro de 1994, o extremista judeu Baruch Goldstein entrou na mesquita da

cidade de Hebron, onde uma multidão de fiéis árabes estava reunida para a oração da sexta-

feira, e disparou diversas rajadas de fuzil, matando 29 pessoas e deixando 125 feridas, antes

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de ser morto pelos sobreviventes. No seu túmulo, onde foi construída uma espécie de templo,

está escrito: "O santo Dr. Baruch Goldstein, morto quando santificava o nome de Deus".

Logo após o assassinato do primeiro ministro de Israel, Yitzhak Rabin, por um

terrorista judeu, em novembro de 1995, apareceram nos noticiários televisivos cenas

inconcebíveis: extremistas judeus, de um lado, e árabes, de outro, festejando com o mesmo

ardor aquele assassinato. Ambos os grupos estavam satisfeitos por poderem continuar com a

sua justa "guerra santa". O jornalista Issa Goraieb comentou assim o espetáculo dantesco:

Os ‘ultras’ judeus e os ‘ultras’ muçulmanos celebrando com a mesma alegria o trágico acontecimento. (…) Os loucos de Jeová revelando-se aliados objetivos dos loucos de Alá, já que uns e outros se opõem violentamente a uma paz de compromisso e desejam perpetuar uma guerra a que chamam de ‘santa’, convencidos de que ela é comandada de fato pelo Criador10.

Constata-se, de forma muito nítida, que na década de 90 o terrorismo político foi

sobrepujado pelo religioso.

A diferença agora é que os crimes são cometidos sob a invocação do Criador, assim

como já ocorrera na época da Inquisição. Essa circunstância bizarra não escapa ao

questionamento de muitos, que não encontram resposta para tal inversão de conceitos e

valores.

Não é possível descrever todo o horror que o terrorismo já proporcionou ao mundo

desde o século passado. Uma breve sinopse de alguns fatos mais relevantes, porém, servem

para dar uma ideia do ponto a que já chegou essa materialização do ódio humano:

Uma estatística demonstra que houve apenas um grande atentado no século XIX nos

Estados Unidos, quando, em 4 de maio de 1886, um grupo de anarquistas fez explodir uma

bomba durante uma passeata de sindicalistas em Chicago, matando 11 pessoas e ferindo mais

de cem. Já na segunda metade do século XX, os atos terroristas se foram sucedendo

ininterruptamente e, somente no período compreendido de 1989 a 1993, o FBI qualificou 32

atentados como sendo produtos do terrorismo em solo americano.

Nos Estados Unidos, um terrorista desconhecido enviou cartas-bombas pelo correio

desde 1978, na tentativa de combater a "revolução industrial". Até agosto de 1995, ele já havia

matado 3 pessoas e ferido outras 235. Em 15 anos de atividades, o grupo terrorista peruano

"Sendero Luminoso" provocou 25 mil mortes e danos de mais de 22 bilhões de dólares. Em

1986, um terrorista árabe explodiu o Boeing em que viajava, matando 166 pessoas. Em

10 Disponível em: http://www.library.com.br/Filosofia/terroris.htm. Acesso em: junho de 2009.

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dezembro de 1988, uma bomba fez um avião explodir sobre a cidade escocesa de Lockerbie,

matando 270 pessoas. O atentado foi atribuído a terroristas líbios. Em julho de 1994, um

carro-bomba destruiu o prédio de uma entidade israelita na Argentina, matando 98 pessoas.

Nos Estados Unidos, no ano de 1994, a Ku Klux Klan, uma das 17 mil organizações

racistas atuantes no país, cometeu 18 assassinatos, 146 agressões, 228 atos de vandalismo e

provocou 12 incêndios. Em março de 1995, uma seita apocalíptica japonesa, intitulada

"Ensino da Verdade Suprema" cometeu um atentado com gás venenoso no metrô de Tóquio,

matando 12 pessoas e intoxicando cerca de cinco mil. Em abril de 1995, um grupo terrorista

americano de extrema direita destruiu, com um carro-bomba, um prédio federal na cidade de

Oklahoma, nos Estados Unidos, matando 168 pessoas e ferindo 460.

Mais de cem pessoas morreram em vários ataques suicidas em Israel, desde setembro

de 1993, com explosões dentro de ônibus. Testemunhas falaram de cabeças e membros

voando pelas janelas dos coletivos. Uma dessas explosões foi tão poderosa que restos

humanos foram encontrados nos andares superiores de edifícios das redondezas. O Hamas

prometeu suspender as ações contra Israel se o governo daquele país "parasse com o

terrorismo contra o grupo".

Em setembro de 1995, as "Forças de Libertação do Calistão" explodiram duas bombas

na Índia, ferindo 50 pessoas, com o objetivo manifesto de "pôr um fim às atrocidades

cometidas pelas autoridades contra a minoria sikh". De janeiro a julho de 1995 a Colômbia

registrou 592 sequestros, repartidos entre quatro organizações terroristas que atuam no país; já

em dezembro de 1996, 600 municípios do país, de um total de 1024, haviam registrado ações

terroristas contra 173 municípios nesta situação em 1985.

Nos meses de setembro e outubro de 1995 a França sofreu seis atentados terroristas,

um por semana. Em janeiro de 1996, a explosão de uma bomba no prédio do Banco Central

do Sri Lanka matou cem pessoas. Em março de 1997, dois terroristas suicidas, cada qual

transportando 10 quilos de trinitrotolueno (TNT, um explosivo), misturados com pregos,

explodiram seus corpos num mercado de Jerusalém, matando 13 pessoas e ferindo 170 – de

acordo com especialistas em explosivos, 100 gramas de TNT são suficientes para provocar a

ruptura de uma tonelada de rocha.

Em abril de 1997, num massacre de 31 civis na Argélia, três mulheres grávidas

tiveram o ventre aberto e os fetos arrancados; em agosto de 1997, entre 100 e 300 pessoas

foram degoladas ou queimadas vivas pelo GIA. Em setembro de 1997, um atentado suicida

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triplo matou quatro pessoas e feriu 192 em Jerusalém. Uma testemunha conta que a medula

espinhal de um dos terroristas entrou dentro da sua loja e a cabeça parou diante da porta de

entrada. Ainda em setembro, 252 pessoas foram degoladas ou executadas a tiros pelo GIA.

Um repórter da agência France Presse descreveu dessa forma o local da tragédia: "É um

cenário de horror. Corpos de adultos e crianças mutilados e carbonizados, casas fumegando..."

O primeiro ataque ocorreu um dia depois de o chefe do governo argelino ter ocupado a

televisão para anunciar que "o terrorismo residual estava praticamente extinto". Uma

sobrevivente do segundo ataque contou que os terroristas jogavam bebês dos terraços das

casas e os despedaçavam com machadadas. O mês terminou com os terroristas degolando 11

professoras de uma escola rural diante dos olhares apavorados dos alunos. Os que

conseguiram escapar disseram que durante a ação os extremistas gritavam: "Sangue! Sangue!

Destruição! Destruição!"

Em outubro de 1997, uma bomba matou 15 pessoas no Sri Lanka e feriu pelo menos

110, no que foi considerado "um dos mais graves episódios de violência nos 14 anos de guerra

étnica". Em novembro de 1997, um ataque de integristas islâmicos a um grupo de turistas no

Egito deixou um saldo de 57 mortos. Uma sobrevivente disse que os terroristas dançavam

entre os cadáveres gritando: "Alá! Alá!" O Ministro do Turismo, procurando minimizar o

acontecimento, declarou o seguinte: "É um fato da vida que estejamos num mundo violento".

O ano de 1998 começou com algumas centenas de argelinos queimados vivos e 117 degolados

em mais dois ataques do GIA em janeiro.

De acordo com o psicanalista alemão H. Shmuel Erlich (1939), em seu artigo

“Reflexões sobre a mente terrorista”, o argumento de que os homens-bombas suicidas são

incitados por desespero pessoal ou pela pobreza é totalmente rejeitado pelos ativistas do

Hámas entrevistados. Um deles diz:

Quando eu vi crianças que atiravam pedras nos tanques serem mortas, quando meus amigos na universidade foram mortos (...) eu decidi afiliar-me. Não sabia como segurar uma arma nem como usá-la. Fui movido por um sentimento de vingança para defender a pátria (...) É a emoção o que incentiva alguém como eu, e a fé de que Deus irá protegê-lo e ajudá-lo a conquistar a vitória (ERLICH, 2008, p. 144).

O maior trabalho dos governos ocidentais, nos próximos anos, deverá ser a luta sem

piedade contra todas as formas imagináveis de terrorismo. “Se perderem essa luta, nossa

civilização corre o risco de sofrer ferimentos irreparáveis" – disse o jornalista francês Gilles

Lapouge, num desabafo quase sem esperança, e compreensível, em vista da situação caótica

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provocada pelo terrorismo no mundo. A solução, contudo, não está nas mãos dos homens.

Nenhuma autoridade constituída teve o poder de eliminar essa doença do século XX, pois ela

fez parte do processo de fermentação e depuração por que atravessa a humanidade.

Oito anos se passaram desde o 11 de setembro e tudo que se previa saiu ao contrário:

herdamos a patologia do terrorismo dos séculos passados com uma mutação mais letal: a

indiferença. As mudanças que se esperavam não surtiram efeitos fundamentais para combater

o mal da cultura da indiferença aliada ao terrorismo global.

Com 3000 vítimas mortas num só dia, em frente à mídia mundial, os Estados Unidos

sofreram, revoltaram-se, foram para as duas invasões, desrespeitaram direitos humanos.

Contudo, como é próprio dos grandes, autocriticaram-se e agora, com a eleição do presidente

Barack Hussein Obama, prometem mudar o curso dessa história de horror e barbárie.

2.4 TERRORISMO COTIDIANO

11 de setembro de 2001 (Nova Iorque e Washinton, EUA), 12 de outubro de 2002

(Bali, Indonésia), 16 de maio de 2003 (Casablanca, Marrocos), 11 de março de 2004 (Madrid,

Espanha), 7 de julho de 2005 (Londres, Inglaterra)... Desde 2001, o mundo depara com, pelo

menos, um grande atentado terrorista por ano, em que os alvos são meros cidadãos, a caminho

de mais um dia de trabalho ou até em plenas férias. E eles (terroristas) se riem de nós, pelo

menos uma vez por ano, e tendo uma grande aliada: a indiferença.

As autoridades britânicas têm gerido a informação dos atentados de forma inteligente.

Nada de muitos pormenores; imagens, só as suficientes para mostrar ao mundo como existem

mentes tão sujas a ponto de planearem a morte de inocentes, que têm mãe, pai, irmãos, filhos,

vidas.

Houve pessoas que desceram as escadas do metrô com o intuito de matar. Houve

alguém que subiu para um ônibus e que até deixou transparecer o nervosismo (segundo relato

de uma testemunha). Alguém comprou explosivos (a polícia diz que não eram de fabricação

artesanal), alguém alugou uma casa nos arredores de Londres, há pouco tempo e por pouco

tempo. Sem dúvida alguém deixou escapar alguma palavra, em algum momento. E se tivesse

existido alguém mais atento e sem receio de dar um alerta? E se alguém, sem medo de poder

estar enganado, sem medo de comentar com os vizinhos e parecer ridículo, tivesse alertado as

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autoridades? Se esse alguém existiu, em qualquer uma das fases de planejamento de mais um

macabro atentado, será que tudo isto não podia ter sido evitado?

Os terroristas conhecem as fraquezas humanas; sabem que a segurança no metrô, nos

trens ou nas grandes cidades é imperfeita, e, às vezes, conivente com pequenas contravenções.

Mas sabem também que vivemos com indiferença em relação aos outros. Não falamos com os

vizinhos, não queremos saber quem são ou o que fazem. Não reclamamos. Não denunciamos.

Não agimos. Não gritamos. Não queremos saber. Se a pequena Tilly Smith, com a inocência

de uma criança, não tivesse dado o alerta de tsunami naquela manhã de 26 de dezembro, não

teria salvo a família e outras cem pessoas que estavam na praia de Maikhao, em Phuket, na

Tailândia. De nada lhe teria servido a aula de geografia que tinha tido duas semanas antes da

tragédia se não tivesse a coragem de avisar.

Não teve medo do descaso das pessoas. Não foi indiferente. E salvou vidas. Se todos

pensássemos sobre isso, se uma reflexão servisse para "mover consciências", se todos

fizéssemos um esforço para estarmos mais vigilantes, será que provocaríamos uma mudança,

uma revolução ética de resistência à cultura da indiferença? Algo precisa ser pensando,

repensado, construído para que, um dia, a notícia de abertura dos "telejornais" não seja um 11

de setembro, um 12 de outubro, um 16 de maio, um 11 de março, um 7 de julho. Mais uma

bala perdida vitimando crianças nos subúrbios do terceiro mundo, mais terríveis cenas do

terrorismo cotidiano da faixa de Gaza, mais assombrosas cenas de guerras étnicas na África –

que morre de AIDS e do desamparo mundial –, mais soldados mortos em nome de ideais de

nacionalismo exacerbado, mais crianças mortas pela fome, miséria, abandono violência e

indiferença de nosso mundo globalizado.

No ano passado, o número de atos de terrorismo internacional diminuiu em

comparação com 2004, com 266 incidentes que fizeram 443 vítimas fatais, contra 393

incidentes e 733 vítimas há dois anos. Já o terrorismo caracterizado por ser da autoria

de cidadãos de um país contra alvos nesse mesmo país conheceu forte aumento entre 2004 e

2005, tendo o número de incidentes e de vítimas aumentado, respectivamente, 90 por cento e

60 por cento. O conflito no Iraque, apresentado como um elemento da guerra contra o terror,

contribuiu para fazer do país o epicentro, hoje, do terrorismo global. O estudo baseia-se em

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dados da Rand Corporation e do Instituto Memorial Nacional para a Prevenção do

Terrorismo, dos Estados Unidos11.

A dolorosa questão do terrorismo no Oriente Médio, que há muitas décadas constitui

real ameaça à paz universal, está sempre presente nos noticiários; é uma guerra cotidiana, que,

às vezes, desperta reações no Ocidente.

Por ocasião do sequestro de dois soldados israelenses, em 17 de julho de 2006, houve

o consequente ataque de Israel ao Líbano, que, praticamente um país desarmado, tem tido

baixas em quantidades surpreendentes, sendo um terço de crianças12.

As reações variaram em todas as partes do mundo. O escritor e jornalista uruguaio

Eduardo Galeano (1940), famoso socialista latino americano, autor de As veias abertas da

América Latina (1972), pronunciou-se da seguinte maneira sobre o ocorrido:

Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia ser assombrosa, se não fosse costumeira. Alguns tímidos protestos dizem que houve erros. Até quanto os horrores continuarão sendo chamados de erros? Esta carnificina de civis começou a partir do sequestro de um soldado. Até quando o sequestro de um soldado israelense poderá justificar o sequestro da soberania palestina? Até quando o sequestro de dois soldados israelenses poderá justificar o sequestro de todo o Líbano? A caça aos judeus foi, durante séculos, o esporte preferido dos europeus. Em Auschwitz, desembocou um antigo rio de espantos, que havia atravessado toda a Europa. Até quando palestinos e outros árabes continuarão pagando por crimes que não cometeram? O Hezbollah não existia quando Israel arrasou o Líbano em suas invasões anteriores. Até quando continuaremos acreditando no conto do agressor agredido, que pratica o terrorismo porque tem direito de se defender do terrorismo? Iraque, Afeganistão, Palestina, Líbano... Até quando se poderá continuar exterminando países impunemente?13

O jornalista Mauro Wainstock, diretor do jornal virtual ALEF, por outro lado, protesta:

Chega de nos acusarem de atingirmos civis, notoriamente utilizados pelos terroristas como escudos humanos, quando foram eles mesmos que treinaram os homens-bombas que, em nome de Alá, destruíram a vida de quase 4 mil inocentes no World Trade Center, que jogam a todo momento bombas em shoppings, pizzarias e no meio de cerimônias de casamentos em Israel; que mataram até mesmo uma brasileira... São estes mesmos covardes que atacam cidadãos em pleno metrô na Europa e que, na quarta-feira (dia 02 de agosto), explodiram sem piedade, e propositadamente, um campo de futebol no Iraque, matando 12 crianças que apenas disputavam uma despretensiosa pelada. É evidente que a morte de civis comprovadamente inocentes

11 Disponível em: http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=537433. Acesso em: dezembro de 2008. 12 Disponível em:pt.wikinews.org/.../Conflito_entre_Israel_e_Hizbollah_aumenta_a_tensão_no_Oriente_Médio. Acesso em: dezembro de 2008. 13 Disponível em: venus.rdc.puc-rio.br/agape/vida_academica/.../orientesolucoes.doc. Acesso em: janeiro de 2009.

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não justifica uma reação que tenha a mesma consequência do outro lado. Mas, infelizmente, as guerras não podem ser controladas, nem mesmo nos mais avançados videogames. As eventuais desobediências e excessos é que podem e devem ser averiguados, reprimidos e condenados. Enquanto crianças judias aprendem o significado da palavra ‘Shalom’, crianças árabes aprendem em livros escolares a ‘varrer Israel do mapa’. Esta é a proporcionalidade sugerida pela mídia? Chega de vítimas de um só lado. E as crianças israelenses que estão traumatizadas, vivendo em bunkers e aprendendo os horrores da guerra quando a elas deveria ser ensinado o significado da palavra Shalom? Não podemos esquecer que foram as “crianças” judias que ganharam 30% dos “Prêmios Nobel de Medicina”. Foram as “crianças” judias que se transformaram em Einsteins, Sabins, Freuds, Marxs, Spielbergs e Wiesels. Isso considerando que somos apenas 0,3% da população mundial... Por outro lado, crianças árabes aprendem em livros escolares que morrer é a única forma de ser "alguém", de virar herói, de ajudar a fazer com que o Estado Judeu seja “varrido do mapa”14.

Enquanto isso, na web, recebemos mensagens diariamente sobre os conflitos. Uma das

mais famosas que circulam na internet exibe crianças israelenses de Kyriat Shmona, perto da

fronteira do Líbano, escrevendo mensagens com canetinhas coloridas nos mísseis israelenses

que, quase seguramente, serão usados para bombardear o território libanês. O lugar onde as

fotos foram feitas é um posto avançado de artilharia e a entrada de crianças em tal lugar só

pode ter se realizado com uma autorização especial do exército.

De fato, em uma das fotos, vê-se um soldado em cima de um tanque olhando

placidamente as crianças escrevendo seus recados endereçados ao lado de lá do conflito.

Alguns dos recados estão em inglês e, nas fotos em power point que compõem a mensagem,

pode-se ler o que várias crianças escreveram: “De Israel, com amor”.

A mensagem afirma que as crianças estão sendo ensinadas a aceitarem com

naturalidade o fato de que seu país bombardeie outros quando consideram seu território

ameaçado. O fato de serem estimuladas a escrever recados nos mísseis seria uma das técnicas

pedagógicas usadas com esse fim. Parece-me uma autêntica barbaridade que tudo isso seja

parte de uma estratégia montada para fazer a cabeça das crianças, no sentido de uma visão

banalizada da violência.

Todos os episódios dessas guerras cruéis e sangrentas, orquestradas pelo terrorismo

global, são absurdos e sem sentido. Tão brutal quanto o Estado de Israel bombardear com seu

poderoso arsenal um país quase desarmado é o fato de que os países árabes não aceitam a

existência do Estado de Israel e o consequente direito de o povo israelense ter uma terra.

14 Disponível em: www.conib.org.br/site/?p=218. Acesso em janeiro de 2009.

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Ambas as intolerâncias estão na raiz do absurdo e cruel conflito, do qual as vítimas mais fatais

acabam sendo as crianças. A solução para o problema aparentemente sem solução está em dar

passos concretos em direção ao diálogo e à paz. É necessário que os envolvidos exercitem a

ética da alteridade e, ao invés de buscarem apenas os próprios interesses, pensem no bem de

toda a humanidade.

Depois da Guerra do Golfo, em 1991, os árabes sentiram-se excluídos do mundo

ocidental, como se aos olhos do Ocidente todos eles, da Argélia ao Iraque, fossem iguais; após

o 11 de setembro, todos os mulçumanos sentiram-se excluídos do mundo de modo geral,

como se todos eles fossem terroristas em potencial.

Não resta dúvida de que os mulçumanos sofrem segregação política, racial, social,

sexual, cultural e urbana. Nas palavras do cientista político e jurista francês Dominique Moïsi

(1946), especialista em política internacional e geopolítica:

(...) havia o sentimento de que, enquanto os ataques de 11 de setembro fossem condenáveis e talvez tivessem consequências negativas para as comunidades mulçumanas no mundo inteiro, seriam, portanto, compreensíveis. A arrogância dos Estados Unidos precisava ser punida. Os mulçumanos não eram os únicos a terem esses pensamentos (...) alguns intelectuais como Jean Baudrillard, na França, expressaram sentimentos similares em seus escritos depois de 11 de setembro. e nenhuma simplificação é mais danosa – ou perigosa – do que a identificação do islamismo ou até mesmo dos islamitas com o terrorismo. Essa identificação faz o jogo dos islâmicos, que argumentam que a frase “guerra ao terror” é apenas um eufemismo ocidental para o que é realmente: “guerra ao islamismo” (MOÏSI, 2009, p. 80).

Enquanto o então Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, atônito, falava do

combate entre as forças do Bem contra as forças do Mal, diversos pensadores começaram a

observar e a questionar a natureza da resposta democrática aos métodos terroristas, que

passavam a tratar os alvos civis como se fossem alvos militares. O terrorismo islâmico

acabava por se assumir como uma ausência de valores, um niilismo indiferente a qualquer

dignidade humana.

O fundamento da civilização contemporânea está assentado nos direitos do Homem,

no pluralismo e na Justiça para todos. No polo oposto, a comunidade dos fundamentalistas

declara uma “guerra santa” em que as convicções religiosas se sobrepõem aos direitos

humanos ou justificam o massacre indiscriminado de vítimas. A escritora feminista holandesa

Ayaan Hirsi Ali (1969), nascida na Somália, em seu ensaio The Gaged Virgin (2006),

denuncia que os problemas são inerentes ao islamismo. Em suas palavras: “o relacionamento

mulçumano com seu Deus é de medo”. O segundo elemento do problema, prossegue, “é que o

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islamismo conhece apenas uma fonte de moral, o profeta Maomé”, enquanto que o terceiro

está no fato de que “o Irã é fortemente dominado por uma moralidade sexual proveniente de

valores árabes tribais que datam da época em que o profeta recebeu os mandamento de Alá”.

Por esta razão a presença de mulheres nos exército americano estacionado em território

islâmico pode ser visto como uma forma de agressiva humilhação. Para Ali, esses

componentes explicam porque as nações mulçumanas estão ultrapassadas em relação ao

Ocidente.

Da mesma forma, por ocasião da visita do presidente do Irã, Ahmadinejad, à Columbia

University, em sua viagem para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, em

setembro de 2007, enfatizou, contra todas as evidências, que as condições das mulheres no Irã

eram as melhores do mundo. Também declarou que lá não havia homossexuais, levantando a

questão da razão pela qual seria necessário prescrever o enforcamento como punição para um

crime que evidentemente não existe15.

Infelizmente, nem todas as democracias do mundo respeitam os direitos humanos, e a

prova disso são os conflitos que ocorreram no Kosovo, na Chechénia, no Sinkiang, no Tibete,

na fronteira Israel-Palestina, no Afeganistão, no Iraque, na Somália, em Drafur ou em Ruanda.

Os democratas estabeleceram suas prioridades e desrespeitam flagrantemente os direitos

humanos e, quando lhes convém, protegem terroristas, golpistas ou fascistas, seja em qual

continente for, desde que o pretexto seja conter uma ameaça maior.

É claro que o Islã radical não tem como prosperar nos dias atuais, ao procurar

subordinar os direitos humanos à vontade de Deus, não reconhecendo a liberdade de

consciência nem, tampouco, a religiosa. O seu fanatismo mobiliza os “condenados da terra”,

teme a igualdade de oportunidades, persegue mesmo aqueles que, no mundo árabe, são a favor

do modelo da secularização, em nome da modernização nacional. O islamismo extremado

encontrou as suas próprias finalidades e legitimação para a “guerra total”: através da

globalização perversa da ocidentalização. Moïsi (2009) salienta que:

A mesma cultura da humilhação é subjacente à atração de muitos mulçumanos à violência do terrorismo. Sem a cultura da humilhação, como poderiam os fundamentalistas manipular e empurrar um jovem bretão mulçumano educado para matar colegas bretões num ataque suicida no metrô de Londres? Como poderiam jovens alemães, convertidos ao islamismo, conspirar ataques assassinos a seu próprio país? Esses instintos autodestrutivos surgem com a combinação de condições

15 Artigo publicado no NEW YORK Free Press, em 2007.

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psicológicas, culturais e socioeconômicas, que levam da humilhação à violência (ibidem, p. 74).

O “Relatório Árabe do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas”, publicado em

2002, constituiu uma espécie de difícil despertar para os líderes árabes. Nele estava contida

uma série de estatísticas alarmantes, que variava de um nível muito baixo de investimento em

educação e pesquisa, com a exceção dos países do Golfo, à falta de competitividade

econômica, à ausência de progresso democrático e ao aprofundamento das desigualdades. A

propagação do islamismo além das fronteiras tradicionais é reação à desvantagem dos

mulçumanos num mundo globalizado e competitivo.

Outro relatório também impressiona: o do diretor do Escritório Europeu de Polícia

(Europol), Max-Peter Ratzel, para o Parlamento Europeu, em abril de 2007, conforme

informações vinculadas pelo jornal Gazeta do Povo16. Tendo como base estudo elaborado

com informações fornecidas por diversos países do continente, Ratzel alerta para o fato de que

a União Europeia sofreu quase 500 ataques terroristas durante 2006, em sua maioria de cunho

independentista, e dirigidos, principalmente, contra a França (294) e contra a Espanha (145).

Sempre dando ênfase às estatísticas, a reportagem também destaca que:

A França foi o país europeu onde ocorreram mais atentados em 2006, com 283 atentados dos independentistas córsicos e outros onze cuja origem não se sabe, num total de 294. A Espanha é o segundo membro da UE mais afetado pelo terrorismo. "Apesar do cessar-fogo declarado pelo ETA", o país sofreu 136 ataques de separatistas e mais oito da extrema-esquerda e um de origem "não especificada", somando um total de 145 – destaca o relatório. Em seguida, estão, entre outros, a Grécia, onde a extrema-esquerda provocou 25 atentados no ano passado, a Alemanha (dez de extrema-esquerda e dois não especificados), a Itália (onze de extrema-esquerda) e o Reino Unido (quatro de separatistas e um não especificado). Os ataques foram cometidos por separatistas (424), organizações de extrema-esquerda (55), grupos não especificados (17), pela extrema-direita (1) e por islâmicos (a tentativa fracassada contra dois trens em Colônia). No total, foram detidos 706 indivíduos suspeitos em 15 Estados-membros durante o ano passado. Apesar de nenhum ataque islamita ter obtido êxito em 2006, a metade das detenções está relacionada a grupos fundamentalistas (257), seguidos de separatistas (226). A grande maioria das detenções aconteceu na França (342), no Reino Unido (156) e na

16 Reportagem publicada pelo jornal Gazeta do Povo, com acesso em setembro de 2009. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/mundo/conteudo.phtml?id=651822.

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Espanha (85). Para o Europol, o alto número de detenções de islâmicos demonstra que esse tipo de terrorismo é "a prioridade clara dos Estados-membros". A Espanha é a primeira em número de condenações por terrorismo (205 de 303) e no tempo de prisão para esses crimes: 8.236 anos. (...) O estudo da polícia europeia conclui que a França, a Espanha e o Reino Unido são os países "mais severamente afetados pelo terrorismo", quando se leva em conta tanto o número de ataques como o de detenções e de penas de prisão.

Em resposta a esses índices, os europeus, em sua maioria, estão olhando para a

conjuntura interna para explicar por que os extremistas islâmicos fizeram do continente um

alvo preferido, enquanto os Estados Unidos vêm sendo poupados, apesar do ódio que o

governo daquele país provocou ao fazer guerras em dois países muçulmanos.

Nesse processo, estão vindo à tona questões a respeito de como populações

minoritárias de muçulmanos estão integradas ao cotidiano da Europa, bem como dúvidas

referentes ao próprio islamismo.

Diante da constatação francesa de que, mesmo antes do 11 de setembro de 2001,

houve 11 tentativas por parte de jihadistas islâmicos de explodirem alvos nos últimos dez

anos, isso demonstra que o fato de a França ter criticado o governo Bush e se mantido distante

do Iraque não conferiu-lhe imunidade contra o terrorismo.

Mas são os espanhóis que enxergam maiores riscos em cooperar com a política norte-

americana. Juan Aviles, professor de história contemporânea da Universidade Nacional de

Educação à Distância de Madri, observa importante dado: a maioria dos espanhóis acredita

que, se Jose Maria Aznar não tivesse enviado tropas espanholas ao Iraque em uma aliança

com os norte-americanos quando era primeiro-ministro, o ataque contra os trens de

passageiros, em março de 2004, não teria ocorrido17.

Mas ele diz que uma pesquisa feita em 2005, pelo Instituto Royal Elcano, uma

instituição de pesquisas de Madri, revelou que 63% dos entrevistados acham que o terrorismo

islâmico é principalmente um resultado do fanatismo religioso, e somente 17% afirmaram que

tal fenômeno é primordialmente uma reação à política norte-americana.

Por todo o mundo ocidental, prevalece uma profunda intranquilidade quanto à

disseminação do islamismo radical, afirma Christoph Bertram, ex-diretor do Instituto de

Questões de Segurança Internacional, na Alemanha.

17 Disponível em: controversia.com.br/.../em-busca-de-respostas-para-o-terrorismo-europa-olha-para-a-sua-conjuntura-interna. Acesso em março de 2009.

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Existe, nas nossas sociedades, a sensação de que o radicalismo não foi criado pelos Estados Unidos e, sim, que foi provocado pela falta de integração. Um dos pontos que todos reconhecemos é que tem sido extremamente difícil integrar os muçulmanos de terceira geração18.

É importante ressaltar que cada país do ocidente está descobrindo o seu próprio

conjunto de problemas e de soluções ao tentar lidar com o terrorismo cotidiano e a população

muçulmana excluída e, por vezes, humilhada.

Na França, por exemplo, as rebeliões de 2005, em Paris, entre indivíduos que eram, em

sua maioria, imigrantes norte-africanos, muitos deles muçulmanos, foram motivadas

principalmente pela discriminação econômica. No Reino Unido, a população muçulmana é,

em sua maioria, paquistanesa, e está razoavelmente bem integrada sob o ponto de vista

econômico, mas muitos deles possuem laços culturais mais intensos com o islamismo e com o

Paquistão do que com a Grã-Bretanha.

Em resposta aos ataques de 2005 contra o sistema de transporte público de Londres,

realizado por quatro homens-bomba suicidas, e antes do ataque frustrado na Alemanha, em

Colômbia, os governos britânico e alemão estavam procurando maneiras de integrar melhor as

suas populações muçulmanas.

Constanze Stelzenmuller, a diretora do Fundo Marshall Alemão dos Estados Unidos,

em Berlim, diz que as atitudes de governos anteriores de “indiferença mascarada de

tolerância” foram colocadas de lado. Segundo ela, agora cursos de alemão são fornecidos a

imigrantes turcos, particularmente às mulheres, a fim de integrar melhor os indivíduos que se

encontram nas margens da população de origem turca na Alemanha, cujo total é de 2,7

milhões19.

Em resumo, o terrorismo é um fenômeno típico do século XX. Não que crimes e

guerras sempre tenham existido na história da humanidade, mas os atos terroristas, que, em

violência, podem ser situados entre esses dois, é uma característica do século passado. É

verdade que em séculos anteriores houve atentados contra autoridades e órgãos públicos, mas

quase sempre resultaram da ação deliberada de uma pessoa ou, no máximo, de um grupo

formando um complô, montado exclusivamente com aquele objetivo e que, depois de

consumado o atentado, se dissolvia.

18 Idem. 19 Ibidem.

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O terrorismo é diferente. Trata-se de grupos organizados que agem sob uma bandeira

qualquer, sempre com o objetivo de destruição, sem comprometimento com os códigos éticos

e morais vigentes, num total desrespeito às legislações internacionais. Amparados por

recursos tecnológicos sofisticados e acobertados por fanatismo religioso, seus integrantes são

capazes de agir em qualquer lugar dos continentes – devido à sua capacidade de infiltrar-se

naquele meio –, não importando que seus atos atinjam civis. Nenhuma nação pode, assim,

desprezá-lo, pois, a qualquer momento, pode virar um alvo em potencial.

Capítulo a parte mereceria o chamado "terrorismo de estado". Nesse caso, a violência

dos governantes em relação à população se estende, geralmente, durante vários anos, e as

vítimas são contadas em dezenas de milhões. Seria mais apropriado denominar esses

acontecimentos de genocídios ou guerras civis abertas, invariavelmente desencadeadas "em

nome do estado", "da segurança nacional", "contra revolucionários", "contra subversivos" etc.

Em todos os casos, a motivação é política.

Considerado também como um fenômeno social, o terrorismo será igualmente assim

tratado nesta tese, e não apenas como uma questão jurídica.

E a melhor maneira de fazê-lo é definindo-o com relação a seus fins e a seus meios. A

consideração dos meios guiará a distinção entre a ação terrorista e outras ações cujas

finalidades sejam igualmente violentas; e a consideração dos fins ajudará a distinguir a ação

terrorista de outras ações que empreguem meios similares.

Os diversos entendimentos sobre o terrorismo relacionam-no com o emprego ou a

ameaça de emprego da força física. Entretanto, esse emprego ou ameaça tem uma

característica específica: sua indiscriminação, ou seja, qualquer pessoa que tenha algum tipo

de ligação, por mais frágil e distante, com o alvo último de um grupo terrorista pode ser alvo

imediato de uma ação do terror, sem que tenha o menor indício prévio sobre isto.

Assim, é possível deparar com um atentado numa discoteca (Bali, 2002) ou num

shopping center (New York, 1993), sem que estejam ocorrendo bombardeios próximos. Basta

que alguém telefone para a polícia ou para o estabelecimento e diga que há uma bomba em

determinado lugar, programada para explodir em determinadas condições. A polícia ou a

segurança do local o esvaziará e encontrará ou não o artefato.

Quando isso acontece e as pessoas ficam sabendo, generaliza-se o pânico. E o efeito é

muito maior que o da destruição efetivamente causada.

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E quanto mais pessoas ficam sabendo, maior é o efeito. Na verdade, o efeito advém

exatamente de as pessoas estarem cientes; é seu efeito psicológico que importa.

A importância do efeito psicológico e do emprego da força foi salientada por diversos

comandantes de atentados e por escritores, tendo sido incorporada teoricamente no estudo

sobre as guerras pelo general prussiano Carl von Clausewitz. (1780-1831).

Ao longo da sua principal obra, Da guerra (1996), o general salienta não só a

existência, mas também a preponderância dos “fatores morais” sobre a mera superioridade ou

inferioridade numérica. Quanto a isso, não há novidade. O que parece ser específico do terror,

não necessariamente do terrorismo, é a virtual irrelevância, “para a relação numérica ou

material de forças, da destruição material (pessoas, equipamentos, suprimentos causada)”

(CLAUSEWITZ, 1996, p. 27).

Nesse sentido, um reconhecimento importante para uma circunscrição mais precisa do

fenômeno é que seu meio não é o emprego ou a ameaça de emprego da força, mas o emprego

ou ameaça de emprego da força de uma maneira específica, o terror. Algumas consequências

teóricas relevantes já podem ser extraídas dessa simples consideração.

Por exemplo, não há mais como confundir conceitualmente um sistema

jurídico, que emprega a força para intimidar e coagir, com o terrorismo. Afinal, o

sistema penal está longe de ser indiscriminado: age sobre indivíduos que se

supõem, a partir de procedimentos investigativos e judiciários, diretamente

relacionados a determinados acontecimentos, sendo que os indivíduos em questão

terão conhecimento dos processos, poderão defender-se e estarão cientes dos

acontecimentos que os envolvem. Nenhum dos elementos do terror está presente.

O entendimento de que é o emprego do terror e não o da força o que imprime caráter

ao terrorismo permite-nos também distingui-lo de outras formas de luta mais tradicionais, que

também empregam a força.

Comecemos pela guerrilha. Guerrilheiros agem fundamentalmente sobre outras forças

combatentes, visando a diminuir-lhes o impacto e miná-las psicologicamente, para,

eventualmente, aumentar sua própria força à custa dos inimigos. Mas esse emprego da força

nada tem de indiscriminado nem de irrelevante em termos materiais; apenas aposta num

horizonte de tempo diferenciado, manifestando sua disposição de lutar e, a partir daí, fazer

variar em seu favor a correlação de forças, psicológica e material, inclusive atraindo, a partir

de seus sucessos pontuais, mais gente para a sua causa.

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O mesmo vale para operações ditas convencionais. Se, por exemplo, um governo

bombardeia diretamente as forças do inimigo, seu interesse mais palpável é reduzir-lhe

imediatamente a capacidade material de continuar lutando. Embora isso produza um efeito

psicológico ou moral, espera-se que o efeito material seja significativo. Bombardear uma

fábrica de munições ou de equipamento bélico, por exemplo, reduz a disponibilidade efetiva

de recursos combatentes do inimigo. O fato de civis morrerem não deve ofuscar o fato de que

não se trata de alvos indiscriminados, sem relação com o efeito material na capacidade de

combater do inimigo. Indo mais longe, se bombardeiam as instalações elétricas que permitem

a um conjunto de fábricas continuar produzindo, visa-se ao mesmo efeito: reduzir a

capacidade material de combater do inimigo, ainda que isso produza efeitos colaterais na

população civil. Por mais doloroso que seja, não se trata de emprego do difuso do terror.

A caracterização dos meios, aliada à semelhança dos termos, possibilita definir o

terrorismo como sendo, pura e simplesmente, o emprego do terror. Porém isso é insuficiente.

Por exemplo: se um grupo de pessoas armadas invade agências bancárias e faz os clientes e

funcionários de reféns, eventualmente assassinando alguns com o propósito de viabilizar sua

fuga e apropriar-se do dinheiro, esses fatos se sucedem com alguma frequência e são

amplamente repercutidos pela mídia, gerando uma relutância de os cidadãos irem a agências

bancárias. Trata-se de uma situação em que os elementos envolvidos dificilmente poderão ser

considerados como “terrorismo”, embora sejam claramente empregados como terror.

É preciso, portanto, considerar os fins. É um entendimento comum que o terrorismo

tem motivações políticas. Por mais que o termo “políticas” possa estar carregado de

ambiguidade, restringir essa motivação última do terrorismo provoca mais prejuízos que

vantagens, pois estaríamos diante de uma enumeração exaustiva das motivações ideológicas,

excluindo arbitrariamente outras possibilidades que venham a surgir no futuro; com isso,

outros fenômenos ficam claramente excluídos da caracterização de terrorismo, mesmo

levando-se em conta a ambiguidade do que seja “motivação política”. O exemplo dado logo

acima é um caso evidente: o emprego do terror exclusivamente para ganho privado não

configura um grupo como terrorista.

Um caso menos evidente de exclusão, por exemplo, é o da seita japonesa Aun

Shinrikyo, que ficou famosa após a utilização de sarin no metrô de Tóquio. Ao que tudo

indica, trata-se de uma seita apocalíptica, cujos propósitos são a destruição e a morte em si

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mesmas, para que uma nova sociedade possa surgir da eliminação de uma suposta ordem

corrupta existente.

Poderíamos, portanto, definir o terrorismo como “o emprego do terror para fins

políticos” ou, mais simplesmente, “o emprego político do terror”; entretanto, esse uso não só

forçaria demais o uso corrente do vocábulo “terrorismo” como o colocaria sob o mesmo

rótulo fenômenos diferentes, com características distintas. Uma doença social percorre a

Terra, contaminando as nações com a pestilência da morte. “O terror colhe sua safra sinistra

em todas as partes do planeta” – este o início de um dos muitos editoriais de jornais

publicados nos últimos tempos sobre o terrorismo no mundo.

As nações assistem, perplexas, ao aumento quase inacreditável desse tipo de violência

que, com carros-bombas, cartas-bombas e até homens-bombas, dilacera cidadãos e abala

governos, em nome de causas religiosas, políticas, econômicas, sociais e étnicas.

O jornalista Luis Carlos Lisboa resumiu desta forma a sua visão do fenômeno que

estamos enfrentando cotidianamente: "Entre os horrores de um final de século apocalíptico,

que incluem a corrupção moral generalizada e a indiferença diante da pobreza absoluta, surge

da sombra o terrorismo para mostrar ao mundo o lado mais cruel do homem20".

De fato, o terrorismo global, sem fronteiras, sem razões políticas, sem negociações,

sem ideais, sem defesa, apresenta-se como um fenômeno ampliado pela cultura da

indiferença, que condena todos ao clima de medo e ao sentimento apocalíptico de que seremos

vitimados pela patologia da insensibilidade moral.

No próximo capítulo, abordaremos os sintomas do mal-estar contemporâneo, as

dificuldades de amar ao próximo e os efeitos alienantes do hiperconsumo, revelando os novos

hábitos da sociedade atual, o fascínio da internet e a exclusão social, fomentada por novas

tecnologias.

20 Disponível em: www.library.com.br/Filosofia/terroris.htm. Acesso em: maio de 2009.

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CAPÍTULO 3 – FRAGMENTOS DA INDIFERENÇA

SOCIAL

Sei que, para muitos, a face da globalização é contraditória. A internet e a televisão podem trazer conhecimento e informação, mas também sexualidade ofensiva e violência a mais absurda. O comércio pode trazer riqueza e oportunidades, mas também enormes rupturas e mudanças nas comunidades. Em todas as nações, também na minha, essa mudança pode provocar medo. Medo de que, por causa da modernidade, percamos o controle sobre nossas escolhas econômicas, nossas políticas e, mais importante, sobre nossa identidade – tudo o que mais prezamos nas nossas comunidades, nossas famílias, nossas tradições e nossa fé.

Barack Hussein Obama, 4 de junho de 2009.

3.1 MUITO ALÉM DO MAL-ESTAR

Indiferença, violência, miséria, intolerância e exclusão são males definitivamente

inscritos na sociedade atual. Quando caminhamos pelas grandes metrópoles do globo

terrestre, somos invadidos por desalentadoras imagens dos miseráveis, dos dependentes

de drogas, das crianças abandonadas nos sinais de trânsito, dos famintos do olhar

humano; essas imagens provocam sentimentos contraditórios e diversos: medo, angústia,

nojo, culpa, indiferença ou revolta. A presença desses excluídos não só perturba a

consciência como também os ideais sociais, já que o narcisismo nos leva a imaginar que

vivemos numa sociedade fundada sobre a justiça e a racionalidade.

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Em especial, a indiferença e a incapacidade de indignação, somadas à falta de

projetos pessoais ou coletivos, parecem ser a tônica desse amargo início de século. No

momento de globalização das economias e da crise daí advinda, estamos assistindo a um

vertiginoso aumento da intolerância religiosa e da violência em todas as suas

manifestações.

A psicanalista francesa de origem iugoslava, Zygouris (1998), adverte que esse

cenário é o ideal para o aumento do sentimento de insegurança, acarretando terríveis

efeitos colaterais, como a intolerância e o fundamentalismo:

(...) quando seu tempo subjetivo não pode ser projetado num futuro, o projeto sendo aquilo que se vem interpor entre o tempo presente e a morte certa, em que discursos racistas, fundamentalistas, vêm inserir-se onde faltam projetos de vida capazes de enlaçar o singular e o social (ZYGOURIS, 1998, p. 17).

Indiferença, em todas as suas formas, e intolerância são os maiores sintomas

contemporâneos do mal-estar na civilização atual, tal qual definido por Freud, em sua

obra O mal-estar da civilização (1930), onde revela que a finalidade da civilização não é a

felicidade humana, bem como defende a tese de que o mal-estar infligido aos homens

advém das pressões sócio culturais, do projeto civilizacional, as quais devem limitar a

agressividade humana e reduzir suas manifestações com a ajuda de reações psicológicas

de ordem ética. Freud salienta que:

Voltar-nos-emos, portanto, para uma questão menos ambiciosa, a que se refere àquilo que os próprios homens, por seu comportamento, mostram ser o propósito e a intenção de suas vidas. (...) Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. A felicidade apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa: por um lado, visa à ausência de sofrimento e de desprazer, por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra “felicidade” só se relaciona a esses últimos. (...) Como vemos, o que decide o propósito da vida é simplesmente o programa do principio do prazer (...) o que chamamos de felicidade (...) provém da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau (FREUD, 1930, p. 24).

E que o conceito de felicidade é personalíssimo e constitutivo do próprio

indivíduo na forma que este administra a satisfação de seus desejos:

A felicidade, no sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que

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se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo (idem, p. 33).

Na impossibilidade de uma fórmula geral de felicidade, pode-se deduzir que ela

consistiria num ideal ético singular, isto é, num valor relativo e diferencial, que

remeteria o sujeito às suas exigências pulsionais, de forma a extrair prazer tanto das

coisas como das suas relações com os demais sujeitos.

Uma vez constatada a impossibilidade de se conceber uma bem-sucedida

economia de prazeres e gozos, somos constrangidos a reconhecer a existência de algo no

psiquismo humano que inviabiliza a real construção do ideal ético da sociedade. Freud

afirma que: “A questão fatídica para a espécie humana parece-me saber se, e até que

ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida

comunal, causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição” (idem, p. 90).

Dessa forma, o que inviabiliza o projeto civilizacional ético universalista é a

existência do narcisismo e da pulsão de morte. É na dinâmica desses dois elementos que

se funda o debate freudiano sobre do mal-estar na civilização.

(...) o decisivo passo à frente consistiu na introdução do conceito de narcisismo, isto é, a descoberta de que o próprio ego se acha cataxizado pela libido, de que o ego, na verdade, constitui o reduto original dela e continua a ser, até certo ponto, seu quartel-general. Essa libido narcísica se volta para os objetos, tornando-se assim libido objetal, e podendo transformar-se novamente em libido narcísica. O conceito de narcisimo possibilitou a obtenção de uma compreensão analítica das neuroses traumáticas, de várias das afecções fronteiriças às psicoses, bem como destas últimas” (ibidem, p. 76).

Freud chegou à conclusão de que as pulsões não poderiam ser todas da mesma

espécie. Em Além do princípio do prazer (1920), definiu que, ao lado da pulsão que

buscava preservar a vida para reuni-la em unidades crescentes, seria necessário que

houvesse uma força contrária, que tendesse a dissolver essas unidades para remetê-las a

seu estado inorgânico original, sendo que os fenômenos da vida poderiam ser explicados

pela ação concorrente dessas duas pulsões. A partir daí, apresentou a enunciação do

conceito de pulsão de morte:

(...) uma parte da pulsão é desviada no sentido do mundo externo e vem à luz como uma pulsão de agressividade e destrutividade. Dessa maneira, a própria pulsão podia ser compelida para o serviço de Eros, no caso de o organismo destruir alguma coisa, inanimada ou animada, em vez de destruir o seu próprio eu. Inversamente, qualquer restrição dessa agressividade dirigida para fora

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estaria fadada a aumentar a autodestruição (...). Ao mesmo tempo, pode-se suspeitar, por exemplo, que os dois tipos de pulsão raramente - talvez nunca - aparecem isolados um do outro, mas que estão mutuamente mesclados em proporções variadas e muito diferentes ( FREUD, 1930, p.78 ).

Entretanto, esse é o espaço possível para as tentativas de construção de um

projeto comum que, acomodando interesses, torne possível a alteridade.

Etimologicamente, “interesse” é estar entre, estar em e tomar parte; portanto, pressupõe

uma relação entre o indivíduo e a sociedade, corresponde a um estado interno que

depende da satisfação e excitação, tensão e distensão. A indiferença opõe-se ao interesse,

a forma latina acédia, derivada do grego, significa apatia e prostração, cuja conotação

ética é entendida como “o homem que não cuida do seu dever”. A despreocupação com o

destino social leva o indivíduo a transformar-se em um estranho entre seus pares,

motivado pela ameaça e pela violência, frutos do individualismo e da busca exclusiva por

satisfação plena de todos os desejos, sem respeitar interditos proibitórios.

Para lidar com essa tendência humana potencial de destruição e de indiferença

social, a teoria freudiana compactua com o pensamento do filósofo político inglês

Thomas Hobbes (1588- 1679), que identifica no medo da morte violenta o impulso

humano para a vida social. Há uma renúncia parcial do direito ao pleno gozo e a

imposição de um limite para as exigências das forças pulsionais, em prol da possibilidade

de um diálogo que construa as relações políticas e sociais; enfim, um contrato social que

nos “proteja” de nossas pulsões autodestrutivas.

(...) apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo – Homo hominis lúpus. Quem, em face de toda sua experiência da vida e da história, terá coragem de discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo objetivo também poderia ter sido alcançado por medidas mais brandas, (...) Os horrores da recente Guerra Mundial, quem quer que relembre tais coisas terá de se curvar humildemente ante a verdade dessa opinião (ibidem, p. 68).

Em função do bem-estar social e da preservação da própria espécie, torna-se

mandatório a renúncia à plena satisfação de todos os desejos singulares em função da

necessidade da segurança coletiva.

Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. (...) O homem civilizado trocou uma

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parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança (ibidem, p. 72).

Para Freud, o medo da morte se traduzirá como a ameaça da desintegração do

corpo, onde o narcisismo encontra lugar de sobrevivência. A própria filosofia cristã que

preconiza “o amor ao próximo na mesma intensidade e forma com que nos amamos”,

seria emblemática da civilização, à medida que exibe a total antítese entre os interesses

desta com as do sujeito narcísico: nada seria mais contrário à natureza deste que

semelhante proposição. No entanto, a única forma do ser humano garantir minimamente

sua integridade física, e consequentemente, narcísica, seria colaborando na manutenção

e conservação do narcisismo do outro.

Freud salienta que todo indivíduo pode tornar-se um potencial inimigo da

civilização, uma vez que em todos os homens existem tendências destrutivas, antissociais

e anticulturais. A civilização, que engloba tanto o controle do homem perante a Natureza

como o conjunto de regulamentos que regem os relacionamentos humanos, está em

constante estado de tensão quanto ao homem isolado e à sua liberdade singular.

Aconselha também cautela nessa irrefreável necessidade imediata de satisfação de

desejos pessoais:

Uma satisfação irrestrita de todas as necessidades apresenta-se como o método mais tentador de conduzir nossas vidas; isso, porém, significa colocar o gozo antes da cautela, acarretando logo o seu próprio castigo (ibidem, 60).

Freud ainda chama a atenção para o fato de que, no âmago do desejo humano, reside

algo de agressivo e desestabilizador. Não é apenas um simples instinto de defesa diante

de um perigo iminente, mas é um instrumento e a causa de seu gozo. Diz ele:

(...) essa tendência à agressão, que podemos perceber em nós mesmos e cuja existência supomos também nos outros, constitui o fator principal da perturbação em nossas relações com o próximo; é ela que impõe tantos esforços à civilização (ibidem, 65).

Em O mal-estar na civilização, Freud retoma seu texto Totem e tabu (1912-13), ao

descrever a passagem da natureza à cultura. Segundo o mito da “horda primeva”,

existiria, inicialmente, um pai onipotente, possuidor de todas as mulheres e de uma

vontade arbitrária e absoluta. Esse pai seria assassinado pelos filhos e, a partir disso, um

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contrato social seria estabelecido para garantir que nenhum deles tomasse o lugar do

pai. Após o parricídio, uma nova organização social seria constituída e marcaria a

origem da civilização. A proibição do incesto surge como a primeira lei que fundamenta

uma sociedade.

A catástrofe não pertence somente ao passado ancestral, mas persevera nos dias

de hoje, no âmago da complexidade humana, acentuando-se em virtude dos avanços

tecnológicos a serviço da guerra e que são infinitamente mais poderosos e destrutivos

que aqueles dos quais dispunham nossos antepassados.

Esse primeiro conflito fratricida, seja qual for seu caráter mítico, longe de estar

resolvido ou esquecido, continua em ação. Para Freud, a humanidade nasce de um

assassinato e este crime a caracteriza; a violência, pois, está no cerne do humano, e cada

um de nós carrega potencialmente em si o vírus letal da guerra e da rebelião.

Em Reflexões para os tempos de guerra e de morte, de 1915, escrito enquanto seus

dois filhos se encontravam na frente de batalha, Freud recorre à metapsicologia para

refletir sobre os horrores da Primeira Guerra Mundial – catástrofe que, de fato,

inaugurou o século XX – e se pergunta se a humanidade constituída no crime e através

do crime tem como não se dirigir inevitavelmente para a destruição.

Constata que o homem, desde que existe, nunca cessou de fazer guerras e de

exterminar seu próximo e, como ele mesmo aponta, a motivação seria “a satisfação

narcísica de se poder pensar que se é melhor do que os outros” (FREUD, 1930, p. 109).

O homem primitivo, diz ele, levava a morte tão a sério que, quando se tratava do

estrangeiro inimigo, a morte era bem-vinda e desejava-se provocá-la. Pior e mais cruel

que os animais, nada o impedia de matar e devorar outros seres da sua espécie. Quanto a

nós, somos descendentes de ancestrais sanguinários e, se renunciamos a tais pendores, foi

única e exclusivamente porque fomos forçados pela civilização, cujos valores morais

devem lembrar a verdadeira natureza do homem: a de que o ser humano não é nem bom

nem ruim; é ambivalente, coabitando nele ódio e amor, altruísmo e egoísmo.

O que não impede de perguntarmos por que, em certos momentos da história,

prevalecem momentos de amor e altruísmo e, em outros, de ódio e egoísmo. E é

justamente isso que ocorre. Por exemplo: se, diante desse ser humano excluído e

miserável, morador nas ruas, temos duas opções, a de estender-lhe a mão ou a de subir o

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vidro do carro e agredi-lo, por que, cada vez mais, a segunda opção vem generalizando-

se e a primeira desaparecendo?

Freud apresenta uma resposta, em seu livro Luto e melancolia, de 1915, ao

chamar atenção para o fato de que tanto o luto quanto a melancolia têm sua origem

numa perda sofrida pelo indivíduo. A diferença entre eles reside no fato de que,

enquanto o enlutado paulatinamente assimila a ausência do objeto amado e retorna à

conduta normal, o melancólico é incapaz de livrar-se de seu tormento.

Comentando a indiferença que caracteriza nosso final de século, Caterina Koltai

ressalta que “pode ser uma manifestação melancólica da impossibilidade de fazer o luto

de certas ideologias e sonhos de fraternidade que alimentaram, em parte, o homem do

século XX” (KOLTAI, C., 1999, p. 76-80).

Essa manifestação melancólica, representada pela indiferença diante dos

atentados terroristas, das cruas manchetes diárias sobre crimes violentos e do consumo

abusivo de drogas, avaliza a exploração econômica, o uso indiscriminado do próprio

corpo e do alheio, e a pedofilia na internet. A cultura da Indiferença é um sintoma

melancólico do sonho perdido, da promessa de igualdade, liberdade e fraternidade em

um mundo sem fronteiras.

Será que ainda é possível unir os homens uns aos outros pelo amor? Será que,

para isso, seja preciso que alguns fiquem de fora, para receberem as manifestações de

agressividade e serem julgados e punidos, a fim de “aprenderem” a merecer afeto? Essa

proposição é uma crítica severa de Freud ao mandamento cristão do “Ama a teu

próximo como a ti mesmo”, que ele confessa não entender e afirma ser estranha aos

primitivos.

Meu amor é algo infinitamente precioso que não tenho o direito de desperdiçar sem prestar contas (...) Se amo um outro ser, de alguma forma, ele tem que merecê-lo (...) Ele o merece se é tão melhor que eu que me oferece a possibilidade de amar nele meu próprio ideal. Mas, se me é desconhecido, se não me atrai por nenhuma qualidade pessoal e ainda não desempenhou nenhum papel em minha vida afetiva, me é bastante difícil ter por ele a menor afeição (...) E, olhando mais de perto, esse estrangeiro não apenas não é digno de amor como, na maioria das vezes, para ser sincero, devo reconhecer que ele pode ser alvo da minha hostilidade e até de meu ódio. Ele não parece ter por mim a menor afeição. Quando lhe é útil, não hesita em me prejudicar (...) pior ainda, mesmo que não lhe seja útil, desde que encontre aí algum prazer, não tem o menor escrúpulo em me ofender, em me caluniar (ibidem, 62-63).

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Já em 1927, O futuro de uma ilusão, Freud afirma que a cultura e a civilização

preenchem uma função primária de interdições que se exercem de maneira privilegiada

sobre três desejos instintivos: assassinato, canibalismo e incesto. Tais imposições são

progressivamente internalizadas, o que não impede que os desejos oriundos desses três

instintos sejam sempre suscetíveis de obter realização. O mal-estar na civilização começa

onde o anterior terminou, com uma discussão com Romain Rolland em torno do

sentimento religioso. Logo a seguir, Freud se pergunta o que querem, afinal, os homens.

Eles aspiram à felicidade, embora tudo pareça se opor a tal programa, embora a

infelicidade seja muito mais frequente, devido à dor do corpo, à hostilidade do mundo

exterior e, principalmente, à insatisfação decorrente do relacionamento com os outros.

Ele não se contenta com a simples constatação e tenta analisar as mediações que o

esforço humano elaborou coletivamente para compensar o desamparo, “Hilflosigskeit”.

A função de tais mediações, entre elas o trabalho, a magia, a arte, a religião e o

conhecimento científico, é assegurar a regulamentação da relação do homem com a

natureza e com seus semelhantes.

Freud aprofunda uma das três fontes do sofrimento humano: aquela que nasce

do caráter insatisfatório das relações humanas, em virtude da universalidade da

hostilidade dos homens uns em relação aos outros e da crueldade inerente ao ser

humano.

Para isso, levanta a hipótese de que o sofrimento humano poderia derivar, em

geral, da insuficiência dos dispositivos que regulamentam a relação dos homens entre si.

Coloca, assim, o problema do sofrimento humano frente a frente com o conjunto do

campo simbólico. A insuficiência dos dispositivos não decorre da imperfeição de uma

faculdade que figuraria no inventário humano, mas da ambivalência inerente ao campo

simbólico. Mais que tais dispositivos, o que está em jogo é a própria necessidade de os

humanos recorrerem a eles.

No campo dos fenômenos de civilização, é essa ambivalência que sugere a Freud

(1930) a formulação de que, em decorrência de suas próprias invenções, o homem

contemporâneo vê-se às voltas com uma extrema dependência e com um perigo

ameaçador. Parece que o sujeito humano é incapaz de inventar dispositivos que aliviem

seu sofrimento. O mal-estar no plano coletivo é o resultado da ambivalência dos sujeitos

com relação àquilo que os humaniza. “Nunca o destino do gênero humano esteve tão

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ameaçado, na medida em que jamais os indivíduos estiveram tão aptos a se

exterminarem uns aos outros” (idem, p .67).

3.2 SOB O OLHAR DE EROS OU SOBRE A DIFICULDADE DE AMAR O PRÓXIMO

A invocação cristã de “amar o próximo como a si mesmo”, segundo Freud, é um

dos preceitos fundamentais para o convívio na sociedade civilizada e, ao mesmo tempo, o

que mais contraria a racionalidade civilizacional, o que promove a busca da própria

felicidade e a satisfação dos interesses pessoais.

A questão natural “por que devo amar ao próximo?” convida a refletir sobre o

valor do afeto e seu merecimento. Bauman (2003) pondera:

(...) Eles o merecem se são tão parecidos comigo de tantas maneiras importantes que neles posso amar a mim mesmo; e se são tão perfeitos, mais perfeitos do eu que posso amar neles o ideal de mim mesmo (...) Mas, se ele é um estranho para mim e se não pode me atrair por qualquer valor próprio ou significação que possa ter adquirido em minha vida emocional, será difícil amá-lo (BAUMAN, 2003, p. 97).

A condição preliminar dos afetos torna-se ainda mais desconfortável e vazia pelo

fato de que, com bastante frequência, não encontramos evidencias suficientes de que o

Outro, estranho a mim e a quem devo amar, me ama ou, ao menos, demonstra por mim

a mínima consideração. Como garantir a reciprocidade dos afetos, quando estamos

cientes, alertados por Freud, de que os indivíduos, quando os convêm, não hesitarão em

injuriar, caluniar e difamar apenas para sua satisfação pessoal e demonstração de poder

superior? Segundo Bauman, o amor ao próximo:

É um mandamento que, na verdade, se justifica pelo fato de que nada mais contraria tão fortemente a natureza original do homem. Quanto menor a probabilidade de uma norma ser obedecida, maior a obstinação com que tenderá a ser reafirmada (idem, p. 98).

Provavelmente, nenhuma outra obrigação ou lei tenha maior possibilidade de ser

desobedecida do que esta, no que a mesma possui de contrário à natureza humana.

Aceitar a condição de amar ao próximo é a norma fundamental da humanidade.

Bauman diz que “amar o próximo pode exigir um salto de fé. O resultado, porém, e o ato

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fundador da humanidade, também é a passagem decisiva do instinto de sobrevivência

para a moralidade” (idem, p. 98).

Esse movimento, essa travessia, confere à moralidade uma categoria de condição sine

quo non da sobrevivência. Com esse elemento, a sobrevivência de um único ser humano

se torna a sobrevivência da humanidade no humano. “Amar ao próximo como a si

mesmo” como uma cláusula pétria, indiscutível, convida a mais uma investigação sobre a

natureza do amor-próprio. O amor-próprio pode ser entendido como um estímulo para

nos mantermos vivos e capazes de resistir e enfrentar o que ameace a vida. Bauman,

porém, adverte que:

Os caminhos dos instintos de sobrevivência e do amor próprio podem correr paralelamente, mas também em direções opostas (...) o amor-próprio pode rebelar-se contra a continuação da Vida. Ele nos estimula a convidar o perigo e dar boas-vindas à ameaça (idem, p. 100).

Visto que o que amamos em nosso amor-próprio é a possibilidade de nos

apropriarmos de muitos “eus” para serem amados, amamos o encantamento e a

esperança de sermos amados, dignos de afeto e de sermos reconhecidos como tais. Em

síntese, para termos amor-próprio precisamos receber amor a priori. Como postula

Bauman, “a negação do status de objeto digno do amor alimenta a auto-aversão. O

amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros (...). Outros

devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos” (ibidem, p. 100).

Como podemos saber que não fomos desmerecidos do afeto? Quando o Outro me

oferece seu olhar atento e me respeita em minha singularidade. O respeito é um

movimento, não um mero movimento mecânico, como um deslocamento de um lugar

para outro. A noção de movimento, que serve para definir o respeito, é mais profunda,

ampla e também imprecisa do que a mecanicista e se aproxima do que Aristóteles

chamava dýnamis. Essa ideia incluiria os “movimentos da vida”; dessa forma, por

exemplo, Eros é um movimento que não apenas faz com que os amantes se unam

fisicamente, como também dialoguem.

O conceito de respeito pode parecer um tanto paradoxal e, ao mesmo tempo,

extremamente significativo. Como um elemento importante da condição humana, o

movimento do respeito é um aproximar-se que guarda a distância, uma aproximação

que se mantêm à distância. Sobre a atitude moral, a atitude ética, o filósofo espanhol

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Esquirol afirma que ela que nos vincula diretamente com as coisas, com o mundo, “e o

que é essencial do respeito é dado pelo olhar” (ESQUIROL, 2006, p. 8).

O olhar tem algo de paradoxal: a total facilidade de olhar contrasta com a

dificuldade de ver. Se há luz, só de abrir os olhos e as coisas que nos rodeiam se

apresentam; porém, é preciso querer ver, prestar atenção para perceber, conforme os

aspectos da realidade, o que realmente as coisas são. “O olhar ético é o olhar atento”,

como definido por Sócrates (470-399 a.C.).

Na maioria das vezes, negamos esse olhar atento, tratamos os outros e as coisas

automaticamente, seguindo normas de conduta, geralmente assumidas sem maiores

reflexões.

O movimento da atenção não é apenas para resgatar o sentido do outro, mas

também de si mesmo, diante da repetição de discursos, da aceitação de esquemas

ideológicos de que nos servimos para justificar opiniões ou as ações e inações que as

seguem. O olhar atento se converte em uma tarefa ética do sujeito responsável e

convocado a assumir sua autenticidade no mundo. Como assinala Esquirol:

E ninguém se engane pensando que somente as “massas” são manipuladas pelos slogans da propaganda e pelos preconceitos ideológicos; também os intelectuais e os políticos e os cientistas (...) repetem os tópicos, só que, às vezes, adornados com uma retórica um pouco mais refinada (idem, p. 12).

O olhar é empregado aqui num sentido mais amplo, em que o ato de baixar ou de

afastar o olhar pode ser uma atitude de respeito. Essas situações ilustram bem o quanto

há de paradoxal na natureza humana, pois quem afasta o olhar é quem melhor vê, e

também existe aquele que não afasta o olhar porque, como não soube olhar bem, não

percebeu, o que, por respeito, mereceria distanciamento. Por outro lado, isso ensina que

o olhar atento não é precisamente o olhar insistente e indiscreto, mas o que sabe ver com

discrição.

A ação de afastar o olhar, além de mostrar que o mais lúcido dos olhares não é o

dos olhos, começa ainda a ensinar algo muito mais importante: a dimensão ético-moral

do olhar atento. Olhar atento começa a ser sinônimo de olhar ético. A importância de

falar do olhar ético também se manifesta se recordamos que, nas relações interpessoais.

Para Esquirol, “a ignorância ou a indiferença que um pode exibir em relação ao outro já

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tem significação moral” (ESQUIROL, op. cit., p.13). Nesse sentido, a atenção é o

primeiro movimento com significação ética.

O respeito é uma aprendizagem de como olhar e manter a devida distância. A

supressão da distância pode ter significados muito distintos: em um extremo, a união

amorosa, em outro, a violência. Ao manter-se o respeito, a distância se diferencia em

ambas, mas, não, da mesma maneira. A violência é antípoda do respeito, não deixa de

ser significativo que a violência coincida precisamente com a supressão de toda a

distância. Há muitos tipos de violência, mas o denominador comum a todas consiste na

existência de um tipo de força física ou psicológica que se exerce sobre alguém.

Violação tem a mesma raiz que violência. A violência é a violação do outro, da

pessoa do outro, em cada uma de suas dimensões: sobre o corpo, sobre a presença social,

sobre o espaço íntimo, sobre ideias ou crenças. “A violência máxima é o homicídio e, na

realidade, toda forma de violência é uma variação sobre esse tema (...) se trata sempre de

anular o outro, de diminuí-lo, de aniquilá-lo de mil formas e maneiras” (idem, p. 50).

Quando olho para alguém de quem me aproximo é mais esse outro que atua

sobre mim do que eu atuo sobre esse outro; aproximar-se é encontra-se comprometido, e

este movimento traz consigo um aumento de vulnerabilidade e real afetação. O filósofo

francês Lévinas aborda brilhantemente esse aspecto, ao descrever o que acontece

quando o outro me olha: “Na proximidade do outro, seu olhar cai em mim

imperiosamente” (LÉVINAS, 1991, p. 92).

A distância que se guarda opõe respeito à violência, porém também distingue

entre o amor e o respeito. No respeito se exclui o solipsismo e a totalidade, em invasão do

outro, nem dissolução em um outro ou no outro. Pode-se chamar esse outro de

sociedade, cultura ou natureza. Respeitar o outro é assumir a própria finitude; por essa

razão, ele é um elemento integrante da condição humana, e a ideia que melhor esclarece

seu sentido é o olhar atento.

O ataque de 11 de setembro reúne todos os elementos de violência capazes de

fascinar todos os olhares. Repentinamente, em uma fração de segundos, diante de

televisores de todo o mundo ou in loco, as camadas de cultura se esgotam frente à

violência inaudita; o respeito e a civilidade de regras de interação são substituídos pela

visão brutal do assassinato em massa.

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O que impulsiona um indivíduo ou determinado grupo a se arrogar num acesso

de fúria de tamanha onipotência? A investigação psicológica mostra claramente que

uma concentração ambivalente no movimento do indivíduo e da multidão, em simbiose

de amor e ódio, é capaz de converter o egoísmo em altruísmo e a perversidade em

compaixão. Segundo o psicólogo Goldberg (1937):

A idolatria da massa pelo carisma, numa antítese sentimental, não raras vezes desvia para a mesma pessoa um ódio descontrolado, desenvolvido a partir de um estado infantil cujas raízes mergulham na necrofilia, no amor à morte. Para este reduto hostil, o sorriso é provocação, a alegria é insulto e o sucesso é o pecado (GOLDBERG, 2004, p. 110).

A civilização convida, implicitamente, à boa ação, ao respeito, ao olhar ético; porém,

quando essa comunhão exclui certos indivíduos ou grupos, e a exigência, em si, é imposta,

apenas o recalque de impulsos destrutivos não é capaz de impedir manifestações e

compensações instintivas, descontroladas e devastadoras da alma coletiva.

3.3. ALIENAÇÃO DO CONSUMO E O MARKETING DA INDIFERENÇA

A grande filosofia moral da atualidade preconiza que cada ser humano deveria

encontrar, em seu meio, aquilo com o que se satisfazer plenamente.

A impossibilidade de satisfação plena acarreta um déficit, um dolo, um dano, e

qualquer reivindicação nesse sentido encontra-se legitimada pelo direito de ser satisfeita. O

psicanalista francês Charles Melman (1933) identifica uma nova “economia psíquica” a reger

comportamentos:

Essa nova economia psíquica revela uma mutação que nos fez passar de uma economia organizada pelo recalque a uma economia organizada pela exibição do gozo. A sociedade moderna tem, na liberdade, na autonomia individual e na valorização narcísica do indivíduo seus grandes ideais, pilares de novas formas de alienação, direcionados para o gozo e para o consumo (MELMAN, 2003, p. 56).

A crise atual agravou-se nas últimas décadas do século XX, com o declínio da era

industrial e da ética do sacrifício, cuja crença católica tomista preconiza que vale a pena ser

bom. O resultado imediato é que a nova economia do desejo gera parte das atitudes de

consumo, cujos maiores lucros provêm a partir do boom da informática e, em consequência,

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da indústria tecnológica das comunicações virtuais. O consumo desenfreado de bens

supérfluos, de serviços e de lazer ocupa o lugar do desejo, do prazer e do gozo, ultrapassando

as margens do suficiente.

Acima de tudo, verifica-se que a produção de grandes e rápidas concentrações de

riqueza se alimenta de um tipo de bem que exclui enormes fatias da população mundial.

Apesar de a globalização ter desenhado um novo mapa mundi, no qual empresas

multinacionais representam interesses milionários, mais da metade da humanidade encontra-

se marginalizada, fora do mapeamento.

No quadro de exclusão, os indivíduos não se tornaram indiferentes à Lei, mas, esta, em

contraposição, rígida e implacável, perdeu sua sustentação na cultura. A plena satisfação dos

desejos é tão excludente e impossível de realizar-se quanto a renúncia absoluta a qualquer

forma de prazer. O fato de vivermos sob o imperativo dos desejos, talvez sem Lei, não

significa que estejamos libertos de outra Lei maior: a que impõe certa renúncia.

Se a violência contemporânea parece ser efeito da falta de identificação com o outro,

com a família, com a comunidade, conferindo lugar privilegiado aos atos destrutivos e às

demonstrações de onipotência, tornando-os irrefutáveis, o aumento efetivo da delinquência,

que tanto ameaça a sociedade, pode ser uma espécie ambígua de autorização implícita dos

códigos morais contemporâneos, que se confundem com a privação e a castração.

Os atos de barbárie estarão assim autorizados pela falta de identificação, que será

consequência também do prazer e do gozo na sociedade pós-moderna, uma vez que:

As formações imaginárias organizam-se em torno do Eu narcísico, das identificações e das demandas de amor e reconhecimento. Existir por intermédio da imagem torna insuportável qualquer forma de exclusão. Diante deste fato, qualquer forma de alteridade se torna ameaçadora. Há quem se autorize a tirar a vida alheia ou mesmo prefira pagar com a própria vida o preço de quinze minutos de fama, aos quais supostamente teríamos direito, já que a “fama” é o substituto da cidadania na cultura da imagem (KHEL, 2002, p. 23).

Um dos trágicos sinais da barbárie está aliado à cultura da imagem, faz parte da

descoberta dos ativistas do terror global: sempre há um vulto suficiente para aparecer nas telas

do mundo em que se vê o assassinato em massa de homens, de mulheres e de crianças, quer

em lugares públicos, quer em lugares privados, como os atentados em escolas americanas.

Quanto mais intensos forem, mais valor possuem como provocadores de manchetes

sensacionais. Os alvos de bombas das cidades atacadas, como é o caso do Iraque, nada mais

são do que atrativos morteiros de acertos.

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A barbárie espalha-se também sobre as formas de exclusão e de formações imaginárias

na indústria das comunicações, por um paradoxo inexplicável: ocupam um espaço que, a

princípio, deveria ser preenchido pela “instituição pública”. A interface entre o imaginário

social, a “realidade” e as fantasias compartilhadas com o “mundo que deve ser” é viabilizada

pelo funcionamento abrangente das telecomunicações e suas mensagens subliminares, que

insistem em gerar uma nova ética:

(...) a linguagem televisiva predomina na organização das informações a que temos acesso. São colagens de elementos imaginários que remetem os telespectadores a um mundo de fantasia no qual, ainda que sejam fantasias de horror, somos todos poupados da dúvida e da incerteza, dispensados da necessidade de pensar. A linguagem televisiva nos infantiliza a todos, pois o impacto das imagens produz a falsa certeza de que as coisas “são como são” (ibidem, p. 32).

A opinião pública torna-se refém e participante de uma cena totalitária, cujas

alternativas estão contidas nos termos que a imagem comporta, dispensando a capacidade

humana de questionar as versões oficiais, criar fatos novos e inventar soluções para as grandes

crises sociais.

A sociedade de consumo, que gera o individualismo selvagem, acrescido do desejo

obsessivo de riqueza, remete ao “discurso do capitalismo” lacaniano. Como ressalta Souza

(2003), ao analisar os conceitos que Lacan apresenta sobre os discursos, no Seminário XVII,

“foram produzidos, primeiramente, o discurso do mestre, o discurso do histórico, o discurso

do universitário e o discurso do analista”, para, a seguir, ser concebido “o do capitalismo”.

É o discurso capitalista que, segundo compilação de Souza, “passa a se constituir num

dispositivo que procura dar conta de alguns sintomas da contemporaneidade e busca

determinar uma sujeição do objeto mais-de-gozar à tecnologia e às leis de mercado” (SOUZA,

2003, p. 10).

Na contemporaneidade vão surgir questões da identidade, outrora organizada a partir

de um reconhecimento de si pelo Outro; logo, por uma figura diferente do semelhante, uma

figura que representa uma alteridade radical. Os traços específicos que hoje permitem a

identificação fundamentavam-se em caracteres éticos marcados pela dignidade, honra,

coragem, sacrifício, dom de si e interferências culturais e sociais. Antigamente, conhecia-se o

“ideal do cavalheiro” que, a partir do século XIX, com o crescimento do capitalismo, veio

chocar-se com o “ideal do financista”. O único reconhecimento de si para o capitalista, e para

todo sujeito inserido nesse “regime”, é a acumulação do capital.

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O reconhecimento social que provocava a identidade de acordo com o “modelo

antigo” era adquirido quando o sujeito se fizesse reconhecer por coadunar qualidades e

atributos, quando sua “passagem” para determinado estatuto fosse admitida e definitiva. Já o

“sujeito capitalista” contemporâneo busca ansiosamente esse reconhecimento, expondo-se a

todos os acasos do futuro econômico, arriscando-se à ruína, à prisão e podendo até sucumbir

na trajetória.

São duas lógicas completamente diferentes: uma fundada na assunção do traço que

assegura a identidade e a outra organizada pela busca incessante das marcas de uma

identidade, apenas reconhecida pelo olhar do semelhante e que só pode ser validada por um

efeito de massa e do reconhecimento público, midiático – como o desejo, ela nunca será

definitivamente realizada.

Passamos de um regime organizado pelo recalque do desejo para outro em que o

desejo não é mais recalcado e as manifestações do gozo dominam. A participação da vida na

sociedade, o laço social, não passa mais pelo compartilhar de um recalque coletivo,

denominado “usos e costumes”, mas, ao contrário, por uma reunião, uma espécie de festa

permanente, para a qual cada um é convidado. O atual encargo do sujeito é manter-se na

corrida pela satisfação imediata dos desejos. Condenado à juventude eterna, ele se ressente de

certo desamparo e sofre de uma falta de referências, o que se traduz, entre outras coisas, pelo

cansaço, pela carência e pela ansiedade.

Na sociedade do hiperconsumo, prevalece a confusão entre desejo e gozo. Hoje o

sujeito não está mais ávido de preservar sua singularidade, muito pelo contrário: está em

busca de todas as identificações coletivas onde se poderá dissolver. A preocupação em ser

cuidado, em confiar em sistemas religiosos, culturais e políticos para dar uma direção a sua

existência é mais evidente que nunca, evidenciando um estado letárgico e indiferente.

Esse é o dispositivo que subverte a mutação cultural introduzida pelo liberalismo

econômico, ao encorajar um hedonismo sem rédeas. Não se trata mais da avaliação de uma

economia psíquica centrada no objeto perdido e em seus representantes; ao contrário, é uma

economia psíquica organizada pela apresentação de um objeto doravante acessível pelo

cumprimento, até seu termo, do gozo. Daí, lidarmos constantemente com a barbárie ou com a

exclusão.

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O que é “real ou não” tornou-se uma dimensão tão improvável que não sabemos mais

o que é realidade e o que é virtualidade. Como saber se estamos na verdade ou na

representação?

É uma questão que não data de ontem, mas que tomou, hoje em dia, uma feição totalmente diferente, pois não temos mais os meios de saber o que é real e o que é virtual, sendo dado que, eu diria, o que funda o campo da realidade é que este seja bordejado por um real; ora, se esse campo da realidade não é mais bordejado por um real, como o liberalismo nos propõe, ao mesmo tempo não podemos mais saber se estamos ali verdadeiramente, nem mesmo o que fazemos ali (SOUZA, op. cit., p. 180).

O indivíduo, assim solicitado pela economia de mercado, não tem nada a ver com

alguma exigência singular real do sujeito. Essa economia apenas interpela um consumidor

abstrato, que deve adaptar-se às ofertas mirabolantes que lhe são feitas: são elas, agora, que o

subjetivam. E, por girarem em torno do objeto disponível e descartável, os próprios indivíduos

se transformam em objetos, já que não é a identidade específica do desejo deles que impõe a

escolha de objeto, mas, inversamente, é a promoção midiática que lhes impõe um objeto, o

qual induz a um apetite identificável pela marca do produto.

Os primeiros a identificarem o número crescente desses “novos homens” foram os

publicitários. Em função da busca incessante do esteticismo, os profissionais do marketing,

para aumentarem a eficácia de suas mensagens independente da natureza do objeto – por

exemplo, um carro, uma margarina ou uma campanha de prevenção da AIDS –, buscam

validar um único sentido: “é belo e desejável, então é bom”.

Os jornalistas seguiram essa tendência de reconhecimento, as cifras das vendas

confirmaram, e vimos crescer, nos jornais, as páginas de catálogos das grandes marcas, bem

como as dos lazeres, diversões, viagens, conselhos sexuais, suplementos vitamínicos e

fórmulas “milagrosas” de embelezamento. Em contrapartida, a parte informativa diminuiu

consideravelmente quanto às notícias “da atualidade”; só interessa ao leitor o que o toca

diretamente ou por participação afetiva. Os políticos tiveram de aprender a reter a atenção do

eleitor de outro modo, já que a imagem passou a constituir a mensagem. Eles precisaram,

inclusive, ficar atentos para que o conjunto de traços que constituem sua imagem seja coerente

e sedutor.

A questão é saber se esse novo homem trará consigo a perempção do modelo antigo,

ou seja, se esse “homem liberal pós-moderno”, seguro da legitimidade de seu desejo, vai

definitivamente dominar o sujeito “falante”, aquele a que Lacan chamou de parlêtre, sempre

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obrigado a pagar o preço de seu desejo. Esse sujeito, submetido às leis da linguagem, vai

definitivamente deixar-se submergir na busca do gozo imediato? O sujeito, advindo da

“Sociedade do Desejo”, encontrará com que se sustentar ou só se poderá cumprir na

autodestruição? Os shoppings são ilhas da fantasia, de sonhos e ilusões, onde tudo é muito

lindo, com vitrines apelativas, perfazendo um clima totalmente criado, inventado, com o

objetivo de assimilar o consumidor como parte, nem que seja por algumas horas, de um

mundo, onde as coisas funcionam, são aparentemente perfeitas e nada de mal acontece. A

população estaria protegida com seus seguranças fardados, dando a impressão de que ali

estaríamos fora de perigo. Como Lipovetsky argumenta:

O grande magazine não vende apenas mercadorias, consagra-se a estimular a necessidade de consumir, a excitar o gosto pelas novidades e pela moda, por meio de estratégias de sedução que prefiguram as técnicas modernas do marketing: impressionar a imaginação, despertar o desejo, apresentar a compra como um prazer. Os grandes magazines foram, com a publicidade, os principais instrumentos da elevação do consumo à arte de viver, e emblema da felicidade moderna (LIPOVETSKY, 2007, p. 31).

Sabemos que os ditos especialistas costumam legitimar o discurso do marketing.

Fazem-nos acreditar em verdades absolutas, valem-se do saber lapidado pela ciência. Um bom

exemplo é o produto “café”: quando se deseja que este produto seja mais consumido, pode

surgir uma propaganda, embalada por teorias científicas, afirmando que a bebida faz bem à

saúde e, para estimular seu consumo, enumeram-se os benefícios que o café poderá trazer para

o organismo se consumido no dia a dia.

Se, pelo contrário, for preciso tirar de linha outro produto, seja por necessidade

econômica ou porque a matéria-prima está em falta, acena-se com uma explicação científica

“fundamentada” para que as pessoas deixem de usá-lo. Como a manipulação torna-se notória,

é preciso refletir sobre o verdadeiro objetivo da “jogada”: o aumento do consumo.

Wolfgang F. Haug, professor de filosofia da Universidade de Berlim, ilustra com

vários exemplos como a sociedade do hiperconsumo se revela. Ele observa que a mercadoria

está condicionada a uma forma estética, para que o comprador a deseje e se sinta motivado a

consumir. Por exemplo, o carro é um meio de transporte eficaz. A mensagem subentendida,

porém, é que o veículo é um símbolo de status, de poder e de força, capaz de nos fazer atingir

o sucesso. Para estimular o consumo, faz-se uma associação de mensagens implícitas,

sensualizando e subjetivando mercadorias, que deveriam apenas valer por sua utilidade.

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Com isso, surge novo conceito: a tecnocracia da sensualidade, definida como “o

domínio sobre as pessoas, exercido em virtude de sua fascinação pelas aparências artificiais

tecnicamente produzidas” (HAUG, 1997, p. 67).

Marcas são criadas e se distinguem apenas por um rótulo, não importando o conteúdo.

É o consumo desenfreado, razão de existir do capitalismo, que cria mecanismos de ordem

estética ou cientificista ou ambas que, em última instância, informam-nos o que, como e por

que comprar.

Haug traz um exemplo fantástico, que ilustra bem o processo de transformação da

simples mercadoria em objeto de desejo:

Quando o truste Oetker lançou uma nova marca de cerveja no mercado, o comentarista do caderno econômico do Frankfurter Allgemeine Zeitung analisou: ‘E mais uma vez fica claro para nós em que mundo vivemos. Hoje, uma cerveja é projetada em uma prancheta e construída como sabão em pó ou um rádio. Acabou-se o tempo em que o bravo mestre cervejeiro fabricava, de acordo com as normas dos antigos mestres, nada mais que suco de cevada’ (idem, p. 84).

A sociedade inventa nossas necessidades e oferece produtos feitos em pranchetas. Os

sujeitos estão sendo absorvidos por estes mecanismos, como aponta Lipovetsky:

Exaltando os ideais da felicidade privada, os lazeres, as publicidades e as mídias favoreceram condutas de consumo menos sujeitas ao primado do julgamento do outro. Viver melhor, gozar os prazeres da vida, não se privar, dispor do ‘supérfluo’ apareceram, cada vez mais, como comportamentos legítimos, finalidades em si (LIPOVETSKY, op.cit., p.39).

A sociedade legitima e faz tornar tais comportamentos naturais, a ponto de que, quem

não se comportar dessa forma, será visto como fugitivo do comportamento adequado, como

um desviante.

Outro ponto relevante remete ao fato de que não existem mais as culturas de classes

claramente diferenciadas, como antes observadas. O chique e o vulgar, o alto e o baixo

tendem a se tornar indiscerníveis, ou categorias sem sentido. O autor descreve que “o culto às

marcas é o eco do movimento de destradicionalização, do impulso do princípio de

individualidade, da incerteza hipermoderna posta em marcha pela dissolução das coordenadas

e atributos das culturas de classe” (ibidem, p. 50).

Evidencia-se, assim, a necessidade de o sujeito aparecer com marcas valorizadas pela

sociedade, como forma de inserção no mundo a que diz pertencer. O mesmo se dá com a

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hipervalorização das viagens de férias, como “meio” de inclusão numa parcela da sociedade,

sob pena de virem à tona sentimentos de inferioridade: “À hora do hiperconsumo, é preciso

apreender esse fenômeno como uma das manifestações do individualismo igualitário, que

conseguiu estender suas exigências até o universo imaginário dos jovens” (ibidem, p. 51).

Por trás da aparente autonomia e independência, ocorre com o sujeito a infelicidade da

solidão que está sendo suprida com o ato de comprar, numa tentativa de proteção contra a

angústia, a falta. Mas, naquele momento, extremamente breve, tem-se certa compensação,

que, infelizmente, só dura apenas segundos, sendo, logo depois, seguida pelo vazio.

Ir ao shopping passou a ser uma saída, uma espécie de válvula de escape, um paliativo

para aplacar, momentaneamente, os sentimentos. “Sofro, logo, compro: quanto mais o

indivíduo está isolado ou frustrado, mais busca consolos nas felicidades imediatas da

mercadoria” (ibidem, p.60).

Na atualidade, vemos, de forma crescente, o aumento do consumo em forma de

lazeres. O que vale, agora, são as experiências vividas, as experiências emocionais, o que

imprime, por exemplo, um fascínio a músicas e a viagens “especiais”. O foco do consumo

passa a ser atrelado ao divertimento e às mercadorias culturais. Lipovetsky aponta o aumento

dos orçamentos e do tempo consagrados aos lazeres e o marketing como os elementos que

“fornecem cada vez mais uma apresentação experiencial à oferta hedônica” (ibidem, p.62).

A busca pela felicidade em pequenas experiências e momentos emocionais traduz a

mais recente conduta do hiperconsumidor, que está em busca de prazeres novos, sentimentos e

experiências estéticas diferenciadas; e, quanto mais alto for o poder aquisitivo, maior será a

demanda pelas novidades.

Numa época evidenciada pelo consumo emocional, devemos deixar clara a

importância do tempo existencial – a intensificação do presente vivido.

O sujeito busca o bem-estar, deixando-se seduzir pelo marketing que o aterroriza com

o fato de envelhecer e a possibilidade de morrer. Isso significa a hipervalorização do tempo

presente: tudo que está ao nosso alcance deve ser aproveitado, não se pode deixar nada para

depois e é preciso sentir-se mais vivo e mais jovem. Lipovetsky afirma:

O hiperconsumo, este tem a cargo ‘rejuvenescer’ incessantemente o vivido pela animação de si por experiências novas; é um hedonismo dos começos perpétuos que alimentem o frenesi das compras (ibidem, p. 70).

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Na sociedade do hiperconsumo, o lema principal é a consagração social da juventude

como ideal da existência de todos. Observa-se a impaciência dos jovens em se tornarem

adultos (embora não queiram envelhecer) e a busca de sensações de prazer vividas na

infância, estimulando-se a compra de mercadorias que estejam ligadas à infância. Adultos

comprando cadernos de bichinhos, canetas em forma de bonecas e os próprios bichinhos de

pelúcia são produtos que jogam com a nostalgia dos consumidores, ligadas aos apelos afetivos

infantis.

Em um texto já antigo, Lévi-Strauss notava que o consumo moderno fazia dos americanos uma espécie de crianças sempre à espreita de novidades. A se observar os parques de lazer, os jogos de vídeo e televisuais, os produtos que parecem brinquedos, é forçoso reconhecer que a hipótese se confirma cada vez mais a cada dia. De um lado, a Arcádia da mercadoria impele os sujeitos a responsabilizarem-se por si, informarem-se, tornarem-se gestores adultos de sua vida. Do outro, ela funciona como um agente de “infantilização” dos adultos. Uma das propensões do hiperconsumidor é menos para impor-se como “gente grande” diante do outro que para voltar a ser “pequeno” (LIPOVETSKY, op. cit., p. 71).

Nossa sociedade hoje depara com um fenômeno da hipermodernidade, notando-se que

encontramos em todos os setores um consumo frenético, o que só fez aumentar absurdamente

o consumo.

Em 1954, 8% das famílias operárias possuíam um automóvel, 0,8%, uma televisão, 3%, um refrigerador, 8% uma máquina de lavar. Em 1975, essas porcentagens elevaram-se respectivamente a 73%, 86%, 91%, 77%. No fim da década, mais de dois terços dos lares estão bem ou muito bem equipados de linha branca. Nesses mercados, o consumo atinge seu ponto de saturação (idem, p. 98).

Observamos a transformação do consumo que entra na era da individualização e da

psicologização de massa, ou seja, impera o domínio do consumo determinante em todas as

camadas da população. Há uma exacerbação do desejo e, por isso, todos aspiram aos

supérfluos, modas, lazeres e férias.

Surge, neste momento, o autosserviço, que funciona com um consumidor que não

precisa do vendedor, pois por si mesmo consome. Isso gera a despersonalização da relação

comercial; o contato entre oferta e procura é direto, uma lógica de despersonalização que

funciona igualmente como meio de autonomização do consumidor.

O sujeito da própria satisfação é livre para escolher; a venda torna-se independente e

auto suficiente. A nova sociedade, dominada pela cultura do desejo e da felicidade, promove a

satisfação tida como imediata, o “aproveitar a vida”; é um momento de euforia consumista,

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relacionado com as aparentes alegrias de bem estar material. Espalha-se toda uma cultura que

convida a apreciar os prazeres do instante, a gozar a felicidade aqui e agora, a viver para si

mesmo. Nasce não só uma paixão pelas férias, como também o endividamento das famílias,

comprometidas no orçamento doméstico com vários cartões de crédito, cheques especiais,

empréstimos.

Lipovetsky diagnostica um novo tipo de consumidor

Um hiperindividualismo consumidor concretizado em atividades dessincronizadas, práticas domésticas diferenciadas, usos personalizados do espaço, do tempo e dos objetos, e isso em todas as idades e em todos os meios (ibidem, p. 105).

Na verdade, observa-se que a hiperindividualização gera uma maneira independente de

criar o próprio espaço-tempo do indivíduo. Ele decide o que vai fazer, o que quer fazer, se vai

consumir ou não, na hora que bem entender, como se fosse totalmente livre e independente de

outras células sociais. É o momento do não-encontro, do afastamento dos relacionamentos e

de viver na solidão, cada um com sua própria satisfação, com seus objetos, seu uso e ritmo

próprio de vida, com a contínua negação do olhar ético, da aproximação do outro.

Há um novo ritmo de vida ligado ao novo espaço-tempo de consumo. Onde quer que

estejamos, o espaço transformou-se em espaço de consumo. Todos os lugares se tornaram

zonas comerciais; visa-se a não parar de se consumir. Consumiremos também nossas

angústias, questionamentos e valores e seremos sempre levados a comprar e a nos dissolver na

alienação do consumo.

Tudo isso leva a crer que vivemos um tempo comercial, que defrontamos com um

universo de alto consumo que funciona de maneira sem limites: não existem mais feriados,

não existe mais descanso aos domingos, todos os dias parecem iguais, tudo funciona 24 horas.

Há uma generalização comportamental. Mudamos de país e, cada vez menos, o

diferencial é sentido como “experiência do estrangeiro”. Existem, sim, diferenças culturais,

mas, quanto ao aspecto comercial, o exterior já não apresenta tantas novidades, sem falar na

possibilidade de compras pela internet.

3.4 INTERNET: FUGA E FASCÍNIO

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Hoje, tudo se faz pela internet, sempre com esse movimento individual, cada um

buscando satisfazer-se sozinho. Pode-se comprar a qualquer hora do dia ou da noite, há

informação em tempo real sobre aquilo que se deseja, sem a pressão do tempo, porque a loja

não vai fechar. Não somos mais obrigados a estar fisicamente num lugar para conhecê-lo ou

ter acesso aos seus serviços – esse espaço foi abolido.

Outro aspecto marcante é a preocupação excessiva de não perder tempo; as coisas

precisam ser resolvidas quase que instantaneamente, quase on-line. De acordo com

Lipovetsky:

Nesse contexto de estilhaçamento dos enquadramentos espaço-temporais do consumo, afirmam-se novos comportamentos, marcados pela exigência de eficácia e de rapidez, pela preocupação obsessiva de ganhar tempo (LIPOVETSKY, 2007, p. 111).

O indivíduo torna-se acelerado, e o fator tempo é um referencial importante,

ordenando a organização do cotidiano.

Hoje podemos dizer que nosso tempo se tornou quase que instantâneo. Tudo é

ultrarrápido; cada momento pode ser crucial.

A velocidade das trocas é absurda. Quase ninguém tem paciência para esperar. A

época do “saber esperar”, em que a experiência da espera era um elemento de felicidade,

recua em favor de uma cultura da impaciência e da satisfação imediata dos desejos:

A obstinação em comprimir o tempo foi interpretada como um dos signos do advento de uma nova condição temporal do homem, marcada pela sacralização do presente, por um presente absoluto, autossuficiente, cada vez mais desligado do passado e do futuro (idem, p.112).

Aproveitar ao máximo a vida no tempo instantâneo é quase uma imposição para ser

feliz; ganhar tempo para aproveitar melhor os instantes vivenciais parece ser a tônica

hedonística existencial da sociedade. Na sociedade do hiperconsumo, há o estímulo da

individualidade à aquisição de objetos pessoais – telefone celular, laptop, i-pod, i-touch,

máquina digital –, que, a princípio, deveriam garantir uma condição de autonomia e

independência, com o forte motivo de facilitar o ganho de tempo e ter maior controle do

universo, em geral.

No entanto, as mensagens instantâneas de texto, através do celular, do Orkut e do

MSN (messenger short notification), funcionam como um tipo de comunicação entre as

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pessoas, por meio da qual lhes bastam teclar o computador, mas, paradoxalmente, são também

formas de não-encontros. O indivíduo fica paralisado nas telas do computador e cada vez mais

isolado e sozinho com seus aparelhos, subtraindo-se à obrigação de cumprir determinadas

regras sociais.

Onde começa a tecnologia e onde começa o ser humano?

As novas tecnologias da comunicação não excluem nem concorrem com as formas

genuínas de contato humano. O filósofo da informação Pierre Lévy (1956) afirma que as

pessoas que mais as utilizam são também as que mais buscam o contato presencial. A solidão,

o individualismo e a precariedade dos laços fraternos são questões inerentes a uma sociedade

que se organiza a partir do modo de produção da economia capitalista. Segundo Lévy:

A humanidade nunca consagrou tantos recursos a não estar lá. Metade da atividade econômica mundial baseia-se nos serviços de transporte, e a atividade que apresenta mais lucros é o turismo. No entanto, não é apenas a desterritorialização que marca presença na virtualização da economia. Existem invenções ou mecanismos que acentuam a virtualização da economia: os bancos on-line, por exemplo. Também a informação e o conhecimento passaram a ter uma nova relevância na nova economia após a Segunda Guerra Mundial: tornaram-se bens primordiais. São importantes, pois assistimos a uma “emergência de uma economia de abundância” (LÉVY, 1996, p. 160).

Porém, é interessante observar como, além das trocas econômicas, se estabelecem as

interações sociais. É importante ressaltar que o virtual e a realidade se diferenciam entre si

quanto à natureza das experiências que oportunizam aos sujeitos que delas participam.

Reconhecidas as diferenças entre os dois meios ou realidades, caberia perguntar: por que não

é possível a transposição dos fenômenos observados nas relações virtuais para as presenciais?

Como a sociedade do hiperconsumo nos transforma em sujeitos alienados da alteridade,

embora, através da web, possamos exercer o poder de sedução e consumo, completamente

alheios e indiferentes às realidades sociais e econômicas que nos cercam?

O que representam as salas de bate-papo na internet: seriam como os antigos Bailes de

Máscaras? Como os bailes de Carnaval? Que tipo de relação se estabelece no meio virtual?

Por que exerce tanto fascínio sobre os participantes? Qual o sentido da personagem construída

para se apresentar aos outros?

Nos bailes medievais, damas e cavalheiros, no anonimato garantido pelas vestes

festivas, abandonavam-se a toda sorte de extravagâncias, a tudo o que não seria permitido se

identificados estivessem. Nas relações virtuais, consideradas aqui como aquelas formas de

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relacionamento que prescindem da presença física dos participantes, só é possível conhecer o

outro a partir daquilo que sua mensagem comunica. Logo, a Internet, assim como o baile de

máscaras, possibilita aos internautas o anonimato.

A máscara é a metáfora do anonimato; ela dificulta o olhar social que reconhece e

amarra cada um ao seu próprio lugar, à sua própria identidade e ao que dela se espera. A

suspensão do olhar coletivo, a ausência de censura, autoriza a fala do indizível; faz surgir

outra palavra, outra ação e, por que não dizer, outros habitantes da nossa subjetividade.

Este é um exemplo do não-lugar abordado por Marc Auger (1998) para dizer que, de

fato, qualquer lugar é um lugar. A recíproca também é verdadeira, um lugar é qualquer lugar.

Mas é essa questão do espaço que vai modificar a subjetividade e criar novos paradigmas.

Se os templos do consumo, os shopping, os serviços de Unidade Intensiva (UTI) e os

aeroportos modelam uma subjetividade subjacente ao sujeito, são os teóricos dos Estudos

Culturais, como o argentino Nestor Canclini (1939), que vêm discutir a subjetividade, a

identidade e as questões de globalização e de cultura. Canclini sustenta que os processos

culturais na interação com os câmbios econômicos e sociais conduzem à reformulação da

questão da identidade. Em seu livro Diferentes, desiguais e desconectados, Canclini (2005)

afirma que:

A reconstrução mais radical da subjetividade vem sendo realizada por procedimentos genéticos e sócio-comunicacionais, que favorecem a invenção e a simulação dos sujeitos (CANCLINI, 2005, p. 184).

Mas, nem mesmo a fantasia de estarmos em total liberdade – “a ilusão de sermos

sujeitos inteiramente livres, que poderíamos mudar de identidade nacional, de classe e de

gênero, facilitada pelo anonimato e pela distância das interações virtuais” (idem, p. 197) –

modificaria nossa identidade; somos sujeitos interculturais que se formam em processos

interétnicos e internacionais.

No ciberespaço, o internauta tem total liberdade para construir a imagem com a qual

deseja apresentar-se e que poderá estar desvinculada da realidade do organismo. É possível

modificar o gênero, a idade, os atributos físicos, o nome, entre outras características.

Além disso, em segundo lugar, existe uma consciente intencionalidade na adoção da

personagem, mesmo que as escolhas realizadas sejam determinadas por forças inconscientes.

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A rede da internet exerce fascínio sobre as pessoas justamente porque instaura uma

nova forma de relação do sujeito com sua fantasia. O sujeito deixa o silêncio da imaginação e

passa a compartilhar socialmente essas fantasias. A rede, espaço lúdico de puro exercício da

criatividade, é o meio pelo qual podemos dar asas à imaginação, onde é possível brincar com

a possibilidade de ter um corpo sem órgãos, liberto das determinações (de gênero, raça,

classe).

O internauta, quando constrói para si uma personagem, muitas vezes dotada de

atributos físicos e de uma história de vida, aproxima-se da posição ocupada pelo escritor

criativo. Dele, porém, se diferencia por não ser aqui sua produção subjetiva página morta de

um livro, mas, sim, algo que se constrói em interação com muitas outras personagens.

A ocasional ilusão de fama no e-mundo e o ritmo imposto pelo local de trabalho geram

necessidades de relacionamentos externos diferentes ou de mudanças em sua natureza. Há

muita ilusão a ser criada. Muitas decisões em relação ao que é ou não importante. Escolhas

demais. Pessoas e coisas demais a levar-se em conta. Como decidir o que é importante?

Segundo Canclini, as redes virtuais alteraram todas as formas de comunicação e de

expressões afetivas, bem como as maneiras de ler e ver, de reunir-se, falar e escrever, de amar

e saber-se amado a distância e possibilitaram:

Outras formas de ser sociedade e de fazer política emergem das “mobilizações-relâmpago” ou flash Mobs (Rheingold), convocadas por e-mail ou por celular, reivindicações não ouvidas por organismos internacionais, governos e partidos políticos conseguem coordenação e eloquência fora da mídia (...) também servem para causar transtorno e destruição, como a circulação maciça do spam .,o uso de celulares para realizar ataques terroristas islâmicos em capitais ocidentais e para que as máfias planejem e ordenem da prisão, sequestros ou tomadas de cidades na America Latina (CANCLINI, 2008, p. 54-55).

Com certeza, o consumo de relacionamentos e a satisfação imediata de desejos nos

tornarão cada vez mais dependentes da mídia eletrônica, camuflando o perigo de nossa

passividade, pois os métodos refinados de marketing e a força de organizações influentes

provocam uma intensificação no comportamento alienado de consumir.

O indivíduo é abastecido com informações: a oferta de programas variados é imensa; a

tentação de entregar-se a essas influências faz-se sentir no dia a dia. Tem-se a impressão de

que a maioria de nós é um rebanho dócil de usuários de alguns poucos produtos de sucesso,

guiados por seus espertos produtores que objetivam provocar a dependência da tecnologia da

informação.

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Antes se podiam esperar dias, talvez meses, por uma carta; com o aparecimento do

correio-expresso, esse tempo foi reduzido a 24 horas, no máximo. Com o e-mail, tudo tem de

estar imediatamente à disposição. A internet e as comunidades virtuais permitem não apenas

assumir muitos papéis e identidades, mas também ocasionam o “vício computacional”, a

dependência de computadores, que se mostra mais forte entre usuários esquizóides e com

inibições sociais.

Apesar do fascínio total, há o risco da perda da identidade. O ser humano está situado

em duas realidades – a real e a virtual – e nelas permanece. Sofre pela omissão, pela

supressão, pela perda da realidade tal como fosse a amputação de um membro. Há o perigo de

que se consolide uma nova forma de esquizofrenia, de dissociação da personalidade. Com a

internet é possível produzir muitas realidades; cada um cria, concebe sua própria realidade.

Essas múltiplas realidades permitem a cada um assumir muitas faces, mascarar-se,

desempenhar vários papéis, mudar de sexo, raça, idade, voz, humor e atitudes, apresentar

muitas identidades, identidades falsas, mutantes. A identidade, os papéis e as aparências

masculina e feminina passam a ser intercambiáveis, e os joguetes com a identidade,

numerosos. A internet torna-se, em parte, substituto dos parceiros reais.

O “cibersexo” toma cada vez mais o lugar do sexo real, da proximidade, do calor, do

tato, e torna supérflua a pessoa. Estamos fazendo de nós mesmos elementos supérfluos, como

acontece nas fertilizações in vitro e na clonagem de seres. O perigo torna-se maior ainda

quando a manipulação da informação genética associa-se às manipulações da informação

sobre a sociedade.

Tudo isso significa a dissolução da identidade, da pessoa, do eu, da essência humana,

do gênero, e cria anonimato e distância. A interface ameaça a identidade, a existência, a

qualidade de vida, a dignidade, a liberdade e o semblante do ser humano. Podemos listar

sintomas desse fenômeno:

1- O favorecimento das soluções fáceis, da religião à alimentação;

2- O temor e o culto à internet;

3- A confusão entre o real e o falso;

4- A banalização da violência;

5- A vida distanciada, indiferente e distraída.

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O título do livro do artista britânico Damien Hirst21, Quero passar o resto dos meus

dias em todos os lugares, com todas as pessoas. Um a um. Para sempre, é a perfeita

metáfora para a internet e para a maneira como sentimos quando estamos conectados por meio

de telefones celulares, e-mails e modens. A internet está cheia de milhões de websites

pessoais, pessoas compartilhando suas vidas privadas com todos, expondo-se em todos os

lugares, agora e para sempre. Sentar-se sozinho num quarto, falando numa sala de bate papos

pela internet é um novo fenômeno social, mas não constitui uma comunidade. Hoje, estamos

vivendo juntos em isolamento. Estamos indiferentemente vivendo sob a égide do terror global

e do vácuo ético.

No próximo capítulo, trataremos das estratégias da desumanização da memória, como

resistência à indiferença do esquecimento, e do cinema, como processo de reumanização e

questionamento moral.

21 O texto original é I Want To Spend The Rest Of My Life Everywhere, With Everyone. One to One. Always Forever, Now.

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CAPÍTULO 4 – ESTRATÉGIAS DE DESUMANIZAÇÃO

Em todo o mundo, o povo judeu foi perseguido, e o antissemitismo na Europa culminou num Holocausto sem precedentes. Amanhã visitarei Buchenwald, um dos campos da rede de campos nos quais os judeus foram escravizados, torturados, executados a tiros e em câmaras de gás pelo Terceiro Reich. Seis milhões de judeus foram mortos (...). Negar esses fatos é pensamento sem fundamento, é ignorância e é manifestação de ódio. Ameaçar Israel de destruição – ou repetir estereótipos vis sobre os judeus – é erro grave e só serve para evocar, na mente dos israelenses, suas memórias mais dolorosas, impedindo que haja a paz que o povo daquela região merece. Por outro lado, é inegável o sofrimento dos palestinos – muçulmanos e cristãos – em busca de uma pátria. Há mais de 60 anos sofrem a dor do deslocamento. Muitos esperam, em campos de refugiados na Cisjordânia, em Gaza e em terras próximas, por uma vida de paz e segurança que jamais puderam ter. Sofrem humilhações diárias – maiores e menores – resultado da ocupação. Aí, tampouco, não cabem dúvidas: a situação do povo palestino é intolerável. Os EUA não darão as costas às legítimas aspirações dos palestinos, por dignidade, oportunidades e um Estado seu.

Barack Hussein Obama, 6 de junho de 2009.

4.1 MEMÓRIA, RECONSTRUÇÃO E LITERATURA

Num sábado de primavera de 1987, a opinião pública mundial foi acordada com a

notícia da morte violenta do escritor italiano Primo Levi (1919-1987), conhecido por seu

trabalho sobre o Holocausto e, em particular, por ter sido um prisioneiro de Auschwitz-

Birkenau (1945). Seu livro, Se isto é um homem, de 1947, é considerado um dos mais

importantes trabalhos memorialísticos do século XX.

A morte de Levi, sobrevivente do famoso e cruel campo de extermínio, embora

inesperada, parecia, a posteriori, explicável, como consequência do peso insuportável das

recordações do Holocausto.

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Porém, seu suicídio contradizia e questionava a mensagem central de sua obra e de sua

própria vida, como testemunho positivo de um sobrevivente do horror nazista, que tinha

dedicado sua existência a manter viva a memória do Holocausto.

Levi morreu em 11 de abril de 1987, depois de cair no vão da escada interna do prédio

de três andares onde vivia. Especula-se, até hoje, a natureza de sua morte, se ele teria

cometido suicídio ou não. À época, Elie Wiesel disse que “Primo Levi morreu em Auschwitz,

quarenta anos depois”22.

Embora muitos parentes argumentassem que a queda foi acidental, os biográfos mais

conhecidos de Primo Levi, entre os quais a escritora suiça Myriam Anissimov (1943), que

dedicou-lhe um livro, Primo Levi ou a tragédia de um otimista (1997), aceitam tacitamente a

hipótese de suicídio. Anissimiov encontra um paragráfo no livro Se isso é um homem (1947),

que faz pensar que a a ideia de suicídio, atirando-se do terceiro andar, não era estranha para

Levi:

Ninguém, nem nós nem eles, pensava que a promiscuidade inevidavél com os nossos doentes tornasse muito perigosa a estada no nosso quarto, e que adoecer com difetria naquelas consdições era sem dúvuda mais mortal do que se atirar de um terceiro andar (LEVI apud ANISSIMOV, 1997, p. 51).

Em 27 de janeiro de 2005, celebrou-se o aniversário de sessenta anos da liberação do

campo de extermínio nazista de Auschwitz, na Polônia, pelo exército soviético, tal como

relembra a historiadora Irene Pimental.

Os soviéticos, quando chegaram depararam com um grupo de cerca de 7.500 prisioneiros, formado basicamente por aqueles que estavam demasiado doentes para imcorporarem as tristemente famosas “marchas da morte”, em que os naziastas, perante a iminente chegada das tropas soviéticas, tentamvam arrastar os prisioneiros para o oeste, para os campos de extermínio, localizados em território alemão, como Bergen-Belsen, Buchenwald e Dachau. Um dos prisioneiros, nesse dia frio de 1945 (...), foi o químico italiano Primo Levi (PIMENTEL, 2005, p.24).

Durante sua estada no campo de exterminio Primo Levi, como o nomeia Anisissimov,

em Auschwitz, Levi observava e registrava tudo; nada lhe fugia. Analisava os

comportamentos mais anódinos, as reações mais aparentemente insignificantes, que lhe

revelavam os abismos do comportamento humano (ANISISSIMOV, op. cit., p. 142).

22 Disponível em: www.mgrande.com/weblog/index.php/.../07/. Acesso em abril de 2009.

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Numa fase inicial de adaptação à liberdade, Levi sofreu os sintomas habituais de stress

pós-traumático: pesadelos durante a noite e pensamentos e imagens invasivas durante o dia,

misturados aos sentimentos de culpabilidade por haver sobrevivido.

A poesia “O sobrevivente”, escrita em 1984, descreve as imagens que o atormentavam

continuamente e a terrível sensação de culpa por ter sobrevivido.

Uma hora incerta Desde então, à hora incerta, / aquela pena regressa. E se não encontra quem a escute. / Queime no peito o coração. / Olha de novo os rostos dos companheiros, lívidos na primeira luz, / Cinzentos do pó de cimento, imperceptíveis na bruma. / Os seus sonhos manchados de morte e angústia. / À noite apertam as suas mandíbulas / e sob o peso longo dos sonhos ruminam invisíveis nabos. / Não usurpei o pão de Ninguém, / ninguém morreu em meu lugar. Ninguém. Retornem às suas brumas. / Não é a minha culpa se vivo e respiro / Se como e se bebo. / Se durmo e estou vestido.

PRIMO LEVI (2005, p. 142).

Levi foi impelido, segundo suas próprias palavras, “pela necessidade de contar aos

outros, de tornar os outros conscientes”. Segundo um mandamento ético interior, Levi começa

a escrever o que seria seu primeiro livro testemunho, na tentativa de evitar que o acontecido

tornasse a acontecer. A este primeiro livro seguiram outras duas obras que formaram a trilogia

de Auschwitz: Se isso é um homem (1947), A trégua (1963), e Os afogados e os

sobreviventes (1986). Para a sua obra decidiu escolher, como explica no apêndice do

primeiro livro, “a linguagem mensurada e sóbria da testemunha, não a lamurienta de vítima,

nem a iracunda do vingador” (LEVI, 2005, p 164). O seu papel de testemunha não se limitou

apenas à escrita, interveio também em várias palestras em escolas, com o objetivo declarado

de evitar que a História do Holocausto caísse no esquecimento. Uma das grandes obsessões de

sua vida, talvez fruto de seus sentimentos de culpa por ter sobrevivido, era a sua consciência

de que nos campos de extermínio desapareceram os melhores; para ele, tinham sobrevivido

“os mais aptos”, isto é, “os piores, os egoístas, os violentos, os insensíveis, os colaboradores

da zona cinzenta, os espias” (LEVI, 2005, p. 466).

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Apesar dessa reflexão crua do terror, a mensagem final de Levi é de esperança. No

início de seu primeiro livro, faz-nos saber sobre o que aprendeu acerca da sobrevivência

humana:

Também neste lugar pode-se sobreviver, e por isso é preciso querer sobreviver, para contar, para testemunhar. E que para viver é importante esforçarmo-nos para salvar, pelo menos, o esqueleto, os pilares, a forma da nossa civilização (...) Temos, portanto, sem dúvida, de lavar a cara sem sabão, na água suja, e limparmo-nos ao cansaço. Temos de engraxar os sapatos, não porque tal obriga o regulamento, mas por dignidade e propriedade. Temos de caminhar direitos, sem arrastar as socas, certamente não em homenagem à disciplina prussiana, mas para nos mantermos vivos, para não começarmos a morrer (LEVI, 2001, p. 40).

Para o médico psiquiatra português Adrian Gramacy (2006), Primo Levi aprendeu que

“era necessário manter o rito da higiene pessoal para conservar a sua dignidade como pessoa e

manter viva a sua rejeição à barbárie. A sua foi uma luta contra a decisão alheia de o anula-lo

como homem para depois matá-lo lentamente” (GRAMACY, 2006, p. 54).

A luta de Primo Levi contra a decisão alheia de anulá-lo como homem para depois

matá-lo é exatamente o que propomos como a Ética da Resistência em face à Cultura da

Indiferença, presente em nossa sociedade atual globalizada e refém do terror global.

A partir daí, seguem-se algumas reflexões, científicas e psicológicas sobre o poder da

memória como resistência e do esquecimento como indiferença.

O conceito generalista da memória pressupõe registro – ainda que tal registro seja

realizado em nosso próprio corpo. Ela é, por excelência, seletiva; por isso, reúne as

experiências, os saberes, as sensações, as emoções, os sentimentos que, por um motivo ou

outro, escolhemos arquivar. A psicanalista Sonia Alberti associa memória à identidade, pelo

que afirma: “A memória é essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua

identidade. Ela é o resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante

para o sentimento de unidade, de continuidade e de experiência, isto é, de identidade”

(ALBERTI, 2005, p. 167).

A memória constrói-se continuamente e particulariza-se em duas categorias bastante

marcadas em sua origem que terminam por se diluir em uma nova reconstrução de sentido e

registro. Convivemos com nossa memória individual, que cada indivíduo carrega dentro de si

através de suas próprias experiências de vida, impressões, aprendizagens. Não é possível

arquivarmos todas as vivências, visto que uma das características da memória é a sua natureza

seletiva. Vale ressaltar que os critérios que definem o que é significativo ou não estão

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condicionados ao tempo e ao espaço em que a experiência foi vivida. A história de cada um

contém a história de um tempo, dos grupos a que pertence das culturas em quem esta imersa e

as pessoas com que se relaciona.

Ao lado da memória personalíssima, construímos e somos construídos pela memória

coletiva ou social – vista aqui como o conjunto de registros eleitos pelo grupo como

significativos e formadores de sua identidade, o jeito próprio de ser e compreender o mundo

que decorre de parâmetros culturais e históricos. A possibilidade de compartilhar essa

memória é o que estabelece no sujeito o sentimento de pertencimento e dinamiza suas trocas

criativas o grupo. É mister fazer uma dissociação entre memória e história, com base no fato

de que a memória está imersa no vivido enquanto os “acontecimentos históricos

desempenham o mesmo papel que as divisões do tempo marcadas sobre um relógio ou

determinadas pelo calendário” (HALBWACHS, 1977, p. 101).

A história está sempre detida e circunscrita a uma temporalidade, é uma narrativa

organizada por alguém em determinado tempo e implica uma seleção de acontecimentos

cronológicos. Essa construção ocorre num tempo fora, puramente exterior ao vivido

existencialmente ao passo que a memória é interna, sólida, concreta e pode ser experimentada

diversas vezes no tempo e no espaço pelo seu protagonista, é atemporal como o conceito

freudiano de inconsciente. A construção histórica ocorre invariavelmente no presente por um

ou mais autores. Segundo o historiador francês Jacques Le Goff (1924):

A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações que ele representa como passadas. Deste ponto de vista, o estudo da memória abarca a psicologia, a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto às perturbações da memória, das quais, a amnésia é a principal, a psiquiatria (LE GOFF, 2003, p.419).

A memória é provavelmente uma das funções psicológicas que mais define o ser como

indivíduo. Nossas lembranças traduzem experiências no mundo real e são elementos

formadores de nossa identidade. Entender os mecanismos de funcionamento da memória

humana constitui um dos grandes desafios da ciência atual e a simples tentativa de

conceituação a cerca do tema demonstra sua complexidade. Isso porque o conceito de

memória varia de acordo com a especialidade no qual será aplicado. No entanto, uma das

definições mais usadas é a de memória como capacidade de reter e manipular informações

adquiridas anteriormente. Segundo o filósofo e professor de psicobiologia da Universidade de

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São Paulo, José Lino Bueno: “A memória é um conjunto de procedimentos que permite

manipular e compreender o mundo, levando em conta o contexto atual e as experiências

individuais, recriando esse mundo por meio de ações da imaginação” (BUENO, 2007, p. 147-

160). Diante da complexidade desse fenômeno, tanto em linguagem coloquial como na

linguagem erudita, lançamos mão de analogias e metáforas para descrever nossas

experiências, na tentativa de preservá-las no tempo.

Segundo os psicólogos da cognição, a mente equipara-se a um computador com dois

tipos fundamentais de memória: uma de curto prazo, que elabora informações temporárias e

uma de longo prazo que conserva dados por longo tempo com uma enorme capacidade de

armazenamento. Com relação à memória de longo prazo os psicólogos do conhecimento

propõem importantes distinções:

A distinção mais relevante é entre a memória declarativa e a memória processual. Por memória declarativa, entende-se todas aquelas informações que uma pessoa consegue descrever e sobre as quais é capaz de refletir (...). Por memória processual, entende-se aquelas informações que a pessoa não é capaz de descrever e que não é objeto de sua reflexão, por exemplo, algumas habilidades que possui (LONGONI, 2003, p. 17).

A memória declarativa subdivide-se em memória episódica e memória semântica. A

primeira refere-se a eventos com um contexto espaço-temporal preciso e a segunda contém o

conhecimento geral que possuímos do mundo: regras, leis, linguagens, filosofias, conceitos. A

sua principal característica é que podemos utilizar os conhecimentos nela contidos sem nos

referir às circunstâncias em que foram adquiridos. Ambas possuem em comum o fato de

serem acessíveis à consciência e de poderem ser comunicadas a terceiros.

Em situações cotidianas de vida os diversos tipos de memória interagem entre si

construindo comportamentos que se modificam no tempo.

Uma outra distinção é feita entre a memória implícita e a memória explícita, baseando-

se na relação entre consciência e memória. “Por memória implícita entende-se aquelas

situações nas quais o comportamento de uma pessoa é influenciado por um evento passado,

sem que ela tenha consciência disso” (idem, p. 20).

O ato de lembrar consiste em uma busca na memória de longo prazo através da qual as

informações coligadas a um evento são localizadas e reportadas à consciência. Esse ato não

requer apenas a procura, mais a reconstruções de acontecimentos passados, que são

suscetíveis às mudanças que se verificam durante a existência e ao contexto social atuante.

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O fato de lembrar ser um processo de reconstrução abre espaço para especulações sobre a

veracidade e exatidão das lembranças e para o poder de influência das circunstâncias na

recriação. A psicóloga Ana Cecília Carvalho salienta que:

Quando nos lembramos de algo, vem à tona apenas uma parte de uma quantidade muito maior de elementos que provavelmente estão submetidos aos diferentes graus da censura que existe entre o inconsciente e a consciência (CARVALHO, 1999, p. 10-11).

Os estudos da Psicanálise possuem uma contribuição fundamental para o estudo da

memória porque em seu modelo teórico opera uma inversão do objeto de estudo ao invés de

privilegiar o que é lembrado, prioriza, ao contrário, o que é esquecido (não lembrado), e que

fica retido no inconsciente. Para a teoria psicanalítica o mais importante é justamente o que se

gostaria de esquecer.

Muitas memórias “esquecidas” estão na verdade reprimidas no inconsciente por se

tratarem de lembranças passíveis de acarretar sofrimento para nós. Em alguns momentos ditos

como “lapsos de memória”, em sonhos ou através de um tratamento psicanalítico, essas

memórias seriam recuperadas e voltariam para o consciente. Também existiriam

características relacionadas à nossa formação e experimentação individual, que influenciam na

capacidade ou facilidade com que memorizamos as informações. “Parece que acontecimentos

conscientemente percebidos precisam assumir algum tipo de dimensão afetiva” (BUENO, op.

cit., p. 147).

A memória para a psicanálise é um campo no qual as significações feitas por alguém, a partir das suas experiências vividas ou imaginadas, articulam-se em uma linha de continuidade que pode estar interrompida em alguns pontos pela ação de certos processos defensivos (CARVALHO, op. cit., p. 11).

Algumas lembranças emergem com mais facilidade do que outras bem como algumas

condições são mais propícias do que outras para a recuperação mnemônica. Lembrar, pois é

um processo no qual a informação disponível no momento da lembrança interage com aquela

armazenada na memória. Quanto mais semelhantes forem as duas informações, tanto maior

será a probabilidade de lembrar-se delas corretamente.

Os estudiosos do assunto distinguem três maneiras de lembrar: através da reevocação

livre, como, por exemplo, pedir ao indivíduo que repita as palavras de uma lista, em ordem

aleatória; através da reevocação sugerida, são fornecidas dicas que possibilitem uma

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associação e, através do reconhecimento, os termos que fazem parte da lista de palavras

prévias são misturados a outros termos novos e pede-se ao indivíduo que indique quais faziam

parte da primeira lista. Os melhores resultados dos testes para medição da capacidade de

memória apontam melhor desempenho através do teste de reconhecimento e o pior através do

teste de reevocação livre.

No caso do reconhecimento, há sobreposição absoluta entre duas informações,

enquanto na reevocação livre há uma sobreposição parcial da informação fornecida no

momento da recuperação coincidir com a que já está previamente armazenada. A sugestão não

exerce grande influência se a informação nela contida não fizer parte das lembranças.

Nessa abordagem, a noção de contexto exerce papel preponderante, se conceituarmos

contexto como todas as informações que são associadas a uma lembrança específica e que a

diferencia das outras. Não podemos deixar de mencionar o mecanismo inconsciente das

lembranças encobridoras, a ideia de lembrança encobridora remonta às memórias esquecidas,

que se originaram com o objetivo de deslocar ou substituir uma lembrança em detrimento de

outra. É um processo substitutivo, de fluxo temporal regressivo ou progressivo, que surge

como método involuntário de esquecimento ou bloqueio mental às situações que geraram

trauma, desprazer, angústia, medo, etc.

Faz-se necessário, para uma melhor abordagem do termo lembrança encobridora, fazer

uma breve referência sobre a ideia de funcionalidade das Lembranças encobridoras, de

Freud (1899). O pensamento freudiano ocupa-se da forma como a lembrança de eventos

passados, sobretudo ocorridos durante a infância, ficaram marcados na memória é são trazidos

à tona pelos elementos não essenciais. Desde os primeiros tratamentos psicanalíticos Freud

observou um paradoxo da memória relativa aos acontecimentos da infância: fatos importantes

não são armazenados, enquanto outros aparentemente banais são conservados como

lembranças. Fenomenologicamente, algumas lembranças apresentam-se tão nítidas que

contrastam com a inocência de seu conteúdo.

Para a psicanálise freudiana essas lembranças são encobridoras na medida em que

camuflam experiências sexuais recalcadas ou fantasias. “Trata-se de um caso de deslocamento

para alguma coisa associada por continuidade ou examinando-se o processo como um todo, de

um caso de recalcamento acompanhado de substituição por algo próximo” (quer seja no

espaço ou no tempo). (idem, p. 291).

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Trata-se, portanto, da repressão de conteúdos da memória, que pode ter natureza tanto

regressiva, quanto progressiva, dependendo da relação temporal que se estabeleça entre o

encobrimento e a coisa encoberta. Além disso, tal tipo de lembrança é promovido por dois

tipos de forças do psiquismo que se opõem entre a importância de lembrar um fato relevante e

a resistência devida para impedi-lo de vir à tona. O que é registrado como força resultante

desta interação não é a imagem mnêmica da experiência principal e sim, prevalecendo à

resistência, registra-se o elemento de importância secundária.

Freud (idem) traz à tona a existência de uma lembrança periférica que visa encobrir,

involuntariamente, fato que tenha trazido dor, trauma, desprazer, tristeza ou qualquer outro

sentimento negativo no passado que queira ser esquecido pelo indivíduo.

É uma forma de deslocamento da lembrança, em que a pessoa encobre o que é

negativo, emergindo as informações que não provoquem sensações similares às da causa de

seu encobrimento.

O fenômeno está longe de restringir-se aos seus aspectos fisiológicos. Freud o trata

como um conjunto de informações que está suscetível ao fluxo e ao percurso temporais, vale

relembrar, de forma progressiva ou regressiva. “Quando consigo relembrar um acontecimento,

por muito tempo após sua ocorrência, encaro o fato de tê-lo retido na memória como uma

prova de que ele causou em mim, na época, uma profunda impressão” (FREUD, 1899, p.

287).

Fica evidente, também, a relação temporal entre o armazenamento da informação e a

recordação de uma experiência anterior por analogia. “Eis, então dois efeitos da memória: um

deles é uma sensação que volta tão vivamente como se estivesse se exercendo sobre o próprio

órgão; outro é uma sensação da qual resta apenas uma ligeira lembrança” (CONDILLAC,

1993, p. 74).

Freud diferencia várias espécies de lembranças encobridoras: positivas ou negativas

conforme seu conteúdo esteja ou não numa relação de oposição com seu conteúdo recalcado;

com significação retrogressiva ou prospectiva conforme se deva relacionar a cena manifesta

que elas figuram com elementos que lhe são anteriores ou posteriores.

A psicanálise confere à lembrança encobridora imensa importância, na medida em que

condensa expressivo número de elementos infantis reais ou fantasiosos.

As lembranças encobridoras contêm não só alguns elementos essenciais da vida infantil, mas verdadeiramente todo o essencial. Basta saber apenas explicitá-lo com o

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auxílio da análise. Representam os anos esquecidos da infância tão corretamente como o conteúdo manifesto dos sonhos representa os seus pensamentos (FREUD, idem, p. 307).

A partir das considerações sobre a memória, feitas pela Psicanálise, a própria História,

por incorporar a influência dupla da Psicanálise e da Teoria da Literatura, passa a ser também

considerada como ficção de forma positiva. A historiadora Marialva Barbosa diz que:

E a memória, por articular-se, em liame social, com as fantasias imaginárias, deve, principalmente no Brasil, ser crivada pelas agudas e simbólicas lentes das identificações: narcísica, à função paterna e seu traço unário, e histérica, bem como pela interpretação ficcional de nossa história cotidiana (BARBOSA, 1996, p. 77).

Essa interpretação, ainda que “ficcional, de nossa história cotidiana, revelada por

Marialva Barbosa, pode ser entendida como um método para melhor compreender o que

vivemos, organizar os pensamentos, as ideias e compreender o sentido das coisas para

memorizar, persuadir, para manipular e comandar. A escrita comporta múltiplos poderes,

pode nos conscientizar e despertar para ação, solidária, como também pode nos envenenar

com preconceitos e ideologias totalitárias.

Quando Anne Frank (1929-1945), a mais famosa diarista do século XX, morreu no

campo de concentração de Bergen-Belsen, em março de 1945, ela ainda uma total

desconhecida, tendo sua individualidade arrancada pelo governo nazista e reduzida a

simplesmente a mais uma entre os seis milhões de judeus, homens, mulheres e crianças,

levados à morte durante o Holocausto. Mas seu diário venceu o esquecimento e combateu a

indiferença. Seu diário exclama, a cada página, que Anne Frank não era apenas mais uma

judia; como todos os seres humanos, fez-se conhecer como uma tapeçaria de desejos,

sentimentos, defeitos e qualidades, pois possuía todos os tons complexos de uma vida.

Ela desejava tornar-se escritora, era apaixonada por um garoto chamado Peter, tinha

uma melhor amiga, chamada Hannah, e amava a mãe na mesma medida que sentia raiva dela.

Relata seu sonho, sua esperança de um dia ela e sua família pudessem ser “pessoas

novamente” e não apenas judeus.

Toneladas de documentos foram redigidos durante os anos do nazismo, e os nazistas,

cientes da probabilidade de perderem a guerra, dedicaram-se à destruição dos artigos que os

condenariam com a mesma sistematicidade com que apagavam as vidas daqueles que não

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faziam parte de sua visão do Estado Alemão perfeito. Os nazistas eram a perfeita encarnação

da indiferença em sua forma mais letal.

Nesse cenário, podemos imaginar a população judia da Europa lendo, pela primeira

vez, as restrições que o governo alemão impôs a ela. Ou as jovens mulheres do Afeganistão

lendo as leis determinadas pelo Talibã, durante os anos 1990, que restringiam dramaticamente

suas vidas e o seu direito à educação.

Stalin assinou milhares de sentenças de morte durante os expurgos comunistas (1936-

1938). Um simples gesto indiferente bastava para exterminar a vida de uma pessoa cujo rosto

não vira e cuja voz jamais ouvira.

Contra esse abuso da escrita surge uma resistência da palavra, da memória. Nos

pedaços rasgados de papel, em meio à escuridão das celas, em velhos cadernos de caligrafia

nos porões à luz de velas, em blocos num campo de batalha, jovens voltam seus olhares para

dentro, para observar os efeitos que as horríveis circunstâncias têm sobre suas personalidades,

e para fora, para registrar e denunciar o fardo e a indiferença das guerras, e dos ataques

terroristas.

A poetisa e artista inglesa Melanie Challenger e a escritora, natural da Bósnia,

Herzegovina Zlata Filipvic (1980) resgataram catorze diários de conflitos, todos escritos por

crianças ou jovens, da Primeira Guerra Mundial a mais recente invasão do Iraque, passando

pelo Vietnã, pela Intifada e por diversos momentos da Segunda Guerra Mundial.Em destaque,

alguns casos: o da jovem russa, que ingressa no front em 1940 atrás de um grande amor. O do

rapaz nipoamericano, colocado com a família num campo de concentração em pleno Estados

Unidos, para depois se alistar no Exército americano e ainda assim defender os aliados. Ou da

menina de Cingapura, que narra as agruras de sua vida numa prisão japonesa.

Esses diversos pontos de vista compõem um mosaico dos conflitos que abalaram o

século XX e o XXI. No Oriente Médio, por exemplo, acompanhamos tanto o dia-a-dia de uma

garota palestina durante a ocupação como o de uma jovem judia, vivendo sob o pavor dos

ataques terroristas. Sem se ater a lados políticos ou visões específicas, Zlata e Challenger dão

voz àqueles que a guerra procurou, direta e indiretamente, calar. Challenger comenta:

Como poeta, fiquei especialmente marcada pelo caso de uma revista de poesia fundada secretamente por alguns jovens em meio aos horrores do campo de concentração de Terezin, que sobreviveu à guerra. Através de Vedem, que significa “Na vanguarda”, os adolescentes expressavam sua ira, estupefação e esperança numa série de poemas surpreendentes. Esses poemas servem de testemunho do extraordinário valor da escrita enquanto instrumento de expressão humana nas

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circunstâncias mais proibitivas e adversas. Através da obstinação de sua escrita, as vozes desses jovens indivíduos sobreviveram até muito depois de os nazistas terem sepultado prematuramente os autores numa vala comum (CHALLENGER, 2008, p. 24).

Os conflitos e genocídios ecoaram por todo o século XX e numa sequencia de sinos

lúgubres batendo sem interrupção desde a primeira Grande Guerra Mundial da história

humana, ressoando desoladoramente no século XXI.

Os diários de guerra são poderosos instrumentos de resistência e sobrevivência.

Apresentam ao mesmo tempo um sentido de individualidade e a universalidade de nossas

vivências, desmascarando a verdade de que os seres humanos são inerentemente similares

através das nações e das culturas assim negando o mortífero sistema de crenças que imaginam

alguns indivíduos como o Outro, uma raça alienígena e inferior, algo para ser apagado e

esquecido.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos da América, o

presidente George W. Bush descreveu os regimes que promoviam o terror como “o eixo do

Mal”. Tal generalização incluía o Iraque, que acabou por ser definido como uma ameaça à

paz, principalmente em ralação ao seu suposto acervo de armas de destruição em massa.

Mísseis americanos atingiram os primeiros alvos em Bagdá nas primeiras horas do dia

20 de março de 2003, sinalizando o inicio de uma campanha militar, cujo objetivo era a

remoção do líder iraquiano. O regime de Saddam Hussein (1937-2006) caiu em abril de 2003,

três semanas após o início da campanha militar americana. Em terra, as forças de coalizão

lideradas pelos Estados Unidos enfrentaram rebeliões armadas e ataques de guerrilha.

Terroristas suicidas usaram como alvos as agências internacionais e civis que trabalhavam

para a colisão23.

A transferência da soberania para o governo interino deu-se em 28 de junho de 2004.

Os principais desafios do Iraque pós-guerra são a restauração da ordem civil, a criação de um

sistema político estável e a reconstrução do país24.

Hoda Thamir Jehad é uma jovem de 18 anos, iraquiana, filha de advogados e

professores, que vive em Bagdá. Iniciado em 2003, seu diário relata o desenvolvimento da

guerra no Iraque com a chegada das tropas americanas e inglesas para depor o regime de

Saddam Hussein. Passaremos a transcrever alguns fragmentos de seu diário:

23 Disponível em: www.tempopresente.org/index.php. Acesso em agosto de 2009. 24 Disponível em: www.tempopresente.org/index.php. Acesso em agosto de 2009.

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20 de março de 2003 – Uma impressão dos dias de guerra... Nestes dias difíceis pelos quais estamos passando, gostaria de expressar meus sentimentos. O que escrevo agora é a maneira como me sinto, mas não sei como os outros enxergam esta guerra. Já que hoje é o primeiro dia. (...) Está não foi uma manhã comum, porque o cantar dos pássaros estava misturado ao tiroteio (...) Este é o último estágio da minha escola, quando o meu destino será decidido; não pode imaginar o otimismo que sentia ou a felicidade que eu tanto queria alcançar (CHALLENGER& FILIPOVIC, 2008, p. 326-327).

A guerra do Iraque começa e arrasta com ela os sonhos, desejos e expectativas de uma

nação marcada pela indiferença de seus governantes e a brutalidade de várias guerras.

5 de abril de 2003 – De manhã cedo, enquanto eu estava no jardim da casa, ouvi um barulho do lado de fora e descobri que o distúrbio foi causado pela chegada de um grande carro que trazia muitas cebolas. De repente, a maioria dos filhos da vizinhança na qual moro se reuniu ao redor do carro, deleitados com aquilo que havia chegado até eles. Um desses jovens era o meu irmão, que é dois anos mais velho do que eu, e ele nos comprou um monte de cebolas. Então uma pergunta me veio à mente: será que a felicidade dos iraquianos depende de um punhado de cebolas ou foi a necessidade que nos levou a esse Estado? Mas, lá no fundo, eu me recuso totalmente a acreditar nisso, porque as esperanças e anseios dos iraquianos vão muito além (...) e, portando, o desespero jamais poderá nos dominar, desde que haja esperança de que um dia viveremos num país governado pela democracia (ibidem, p. 336).

Apesar do desencanto, medo e a necessidade de sobreviver em trágicas circunstâncias,

o ser humano é capaz de manter seu poder de observação e reflexão e a fé em um bem maior,

a esperança nada indiferente ao futuro de uma nação.

6 de abril de 2003 – E a cidade desperta para mais um dia de miséria e crise, e as pessoas estão divididas em dois lados, um deles procurando abrigo e proteção do medo e o outro procurando uma solução para sua situação financeira. (...) Você poderia perguntar que tipo de tragédia uma garota da minha idade poderia estar sofrendo. É claro que esses seriam assuntos triviais para uma menina vivendo em qualquer parte do mundo, fora do Iraque, assuntos como, por exemplo, viver num país onde a paz, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento contínuo são dominantes, bem como o acesso a boas escolas e às faculdades que eu gostaria de cursar (ibidem, p. 337).

A consciência de nossa alteridade radical, das diferenças entre nós mais nos

aproximam do que nos afastam. Não somos tão estrangeiros como imaginávamos nossos

anseios e medos nos igualam.

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15 de dezembro de 2003 – É o maior dia na História do Iraque, mesmo na História dos árabes. Não, é o maior dia na História de toda a Nação Árabe! É um dia que acho muito difícil de compreender quando penso a respeito dele. (...) É o dia em que Saddam foi preso. É de fato um sentimento difícil de expressar; injustiça que emana de sua tirania me deixa perplexa e triste; e o mais difícil é expor a verdade àqueles que não conhecem, aos árabes que nos condenam na maneira como falam a nosso respeito e a respeito daquilo que nos aconteceu. E quanto ao que fizeram os americanos, foi um ato testemunhado por toda a nação. Hoje é realmente o dia do nascimento do Iraque verdadeiro. Parabéns a todos nós (ibidem, p. 342).

A chama da esperança ilumina a possibilidade de um futuro, denuncia a indiferença

entre as nações que compartilham a mesma etnia.

A consciência da complexidade do momento em que se vive e da imensa dificuldade

em compreendê-lo não nos isenta da responsabilidade diante dos fatos que vivemos, como

autores, vitimas ou algozes.

20 de dezembro de 2003 – Não resta nada além de esperanças frustradas, o que, do meu ponto de vista, são apenas expectativas desenganadas. Nossa vida tornou-se uma coleção de manchas de sangue espelhadas por cada rua e esquina, e nos limitamos a torcer para que o dia termine sem o desperdício de vidas (,,,). Chegamos ao ponto de evitar um ao outro de toda a forma para nos proteger. (..) Mesmo as leis comuns que governam o mundo, como a dignidade e o respeito (...) estão hoje transformadas, quando todos atacam a todos (ibidem, p. 343).

Esse relato sensível, comprometido, e ferido de mortal realidade, nos convida a

questionar até onde a humanidade é capaz de esquecer seus valores e princípios mais sagrados

como dignidade e respeito à vida humana.

20 de janeiro de 2004 – O mundo me parece sombrio e deserto e as pessoas parecem apenas monstros esperando para devorar sua presa e fugir. Eu sou essa presa, perdida entre a multidão, assustada e com medo e sem saber como fugir. Devo ficar aqui bem quieta até ser devorada e feita em pedaços? Ou devo fugir deste mundo alienígena? Seria fraqueza minha? Mas a minha fuga não seria uma demonstração de fraqueza; em vez disso, seria a canção de minha injustiça. (...) Mas estou sempre pensando nos eventos que fizeram de mim um ser humano tão devastado, fugindo do tempo e da verdade (ibidem, p. 345-346).

Enquanto nossa memória e consciência persistirem será possível construir uma ética

de resistência à cultura da Indiferença.

4.2 INDIFERENÇA E ESQUECIMENTO HUMANO

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O esquecimento do sujeito sob o véu obscuro das guerras, dos ataques terroristas, e os

olhares vazios eivados de indiferença diante das tragédias que ocorrem na vida dos Outros é

combatido pela defesa escrita, através da exploração de si e das estórias cotidianas de suas

nações, povos, religiões e culturas, reveladas pelos autores em seus diários de guerra, em suas

fotos, mensagens na internet, torpedos nos celulares, fragmentos de papel em garrafas atiradas

ao mar da esperança em um futuro melhor. Como salienta Challenger, esses relatos entalham:

Indelevelmente, as minúcias mais profundas e íntimas da vida na sepultura dos desconhecidos detalhes da vida que são a um só tempo pessoais e coletivos em sua abrangência. Apesar de empunharem suas penas em tempos de guerra, quando o ar estala com a ameaça de remoção dos vestígios de seus corpos suas existências e seus países, os escritores contemplam e observam toda a glória da vida (CHALLENGER & FILIPOVIC, 2008, p. 26).

Ao adentrarmos no século XXI, fechamos nossos olhos para os milhares de conflitos e

ataques terroristas esquecidos, negligenciados pelos livros de História. Existem vários países

no mundo onde a população sofreu atrocidades no mais completo silêncio e indiferença das

demais nações do planeta.

Lévi-Strauss (1908) analisa a força motivacional do esquecimento sob dois aspectos:

como defeito da comunicação para outrem, referindo-se ao mal entendido e como excesso de

comunicação para outrem, referindo-se a indiscrição.

Exemplos da mitologia grega reforçam a hipótese de que o esquecimento ocupa lugar

no mesmo campo semântico do mal-entendido. O motivo do esquecimento fundamenta

interdições, prescrições e transforma o estado das coisas:

(...) Ora, se o motivo do esquecimento, tal como aparece nos mitos, assinala uma falta de comunicação consigo próprio e se em sociedade e em épocas diferentes, esse motivo serve, sobretudo para fundar práticas rituais, daí resta que a função do ritual é exatamente preservar a continuidade do vivido (LÉVI-STRAUSS, 1981, p. 67).

Dessa forma, o esquecimento seria responsável pela continuidade da memória e pela

lembrança. Segundo Lévi-Strauss é justamente o esquecimento que vem quebrar a

continuidade na ordem mental, possibilitando a criação de uma nova ordem. Apresenta-se,

portanto a noção da quebra, da queda, para reconstruções como uma morte provisória que se

faria seguir da ressurreição. Nos mitos antigos, estão presentes o duplo sentido simbólico de

morte e o retorno à vida.

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Em Tradição e esquecimento (1997), o medievalista e poeta Paul Zunthor (1915)

afirma que a memória alia-se a tradição no sentido de que ambas são coletivas e instauram

padrões que arquivam experiências do grupo social desta forma a “Memória do grupo tende

assegurar a coerência de um sujeito na apropriação de sua duração: gera a perspectiva em que

se ordena uma existência e, nesta medida, permite que se mantenha a vida” (ZUNTHOR,

1997, p. 13-14).

O tema da memória está presente desde a antiguidade clássica e ocupa lugar de

destaque na mitologia grega e romana. A deusa Mnemosyne, ou Memória, amada de Júpiter e

mãe das nove musas, é representada como uma mulher que apoia o queixo na mão, numa

atitude de meditação; ostenta um penteado enriquecido por pedras preciosas e pérolas e segura

a ponta da orelha com os primeiros dois dedos da mão direita.

Calíope (nome de origem grega que significa um belo rosto) é a musa inspiradora da

poesia heróica e da eloquência. Ë representada como uma moça de ar majestoso traz à testa

uma coroa de ouro, emblema que segundo Hesíodo, indica sua supremacia sobre as outras

musas. É enfeitada por guirlandas e carrega em das mãos uma trombeta e na outra um poema

épico. Calíope é mãe do herói Orfeu.

As sereias (...) eram filhas do rio Aquelóo e da musa Calíope. O oráculo predissera às sereias que elas viveriam enquanto pudessem deter os viajantes à sua passagem, mas que tão logo um só passasse sem ser detido para sempre pelo encanto das suas vozes e de suas palavras, elas pereceriam. Por isso, essas encantadoras criaturas, sempre despertas, não deixavam de deter com sua harmonia todos os que chegavam perto delas e que tinham a imprudência de ouvir seus cantos. Elas os enfeitiçavam, os encantavam a tal ponto que eles não pensavam mais em seu país, em sua família, em si mesmos; esqueciam-se de beber e de comer e morriam por falta de alimento. (...) No entanto, quando os Argonautas passaram por suas paragens, elas fizeram esforços inúteis para atraí-los. De pé no barco Orfeu pegou sua lira e encantou-as, a tal ponto que permaneceram mudas e jogaram seus instrumentos no mar (COMMELIN, 2008, p. 123).

O historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant (1914–2007), especialista em

mitologia grega, em seu estudo “Aspectos míticos da memória” (1973), analisa o papel das

divindades na antiguidade e revela o relacionamento estreito da memória com as intervenções

sobrenaturais, onde a poesia é vista como uma forma de possessão e de delírio divino

(VERNANT, 1973, p. 71-97).

Possessão divina que resgata da memória afetos e lembranças de tempos perdidos,

trava a batalha da palavra contra o esquecimento, contra o silêncio, o desamparo e a fria

marca da indiferença.

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A primeira pesquisa científica sobre o esquecimento foi realizada há mais de um

século e seus resultados ainda são utilizados nos livros de psicologia sob a forma de curva do

esquecimento que descreve o quanto somos ou não capazes de reter informações recém

adquiridas. No âmbito da pesquisa psicológica, foram propostas diversas teorias sobre as

causas do esquecimento.

Algumas foram particularmente influentes como a que remonta 1920 e preconizava

que o ritmo do esquecimento seguiria uma lei do desuso, que definiria a deterioração natural

das lembranças, com o passar do tempo, se não forem reutilizadas. Portanto, o esquecimento

era conceituado como um processo natural, fisiológico e inexorável.

Trata-se de uma teoria difícil de ser verificada no plano experimental, era e ainda é

atualmente, complexo isolar a influencia do tempo sobre as lembranças independente de

outros fatores. Se o intervalo temporal entre aprender e testar a lembrança for longo, o que

acontece nesse meio tempo não é passível de ser analisado em laboratório. Provavelmente

outras variáveis atuam além do tempo no que tange a conservação ou não das lembranças.

Uma explicação alternativa sobre a qual os psicólogos têm se concentrado por muitas

décadas é a da interferência. Segundo essa teoria, o tempo não é o principal agente para o

esquecimento, mas sim, a interferência que ocorre quando lembranças diversas são associadas

a um mesmo elemento, que pode ser uma palavra, um conceito, um objeto físico ou uma

situação.

Na vida cotidiana é possível detectar situações em que se pode reconhecer a ação da

interferência. Por exemplo, quando trocamos de carro mecânico para automático temos que

nos adaptar a novos mecanismos e esquecer os antigos, temos de mudar o modo de raciocínio

do cambio de marchas.

Em termos simples, a teoria da interferência apresenta, em sua base, a hipótese de que

todo o aprendizado consiste em formação de associação. A interferência pode agir de dois

modos: em um deles – interferência pró-ativa –, a associação anterior interfere diminuindo o

aprendizado da nova (freadas espetaculares, quando se buscava arrancar), isto é, há um

distúrbio por parte do que foi aprendido sobre aquilo que se deve aprender; em outro, a nova

associação interfere na antiga – interferência retroativa –, caracterizando-se como um tipo de

interferência que atua conforme o tempo passa enfraquecendo a lembrança do que foi

aprendido a priori.

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Ainda que o fenômeno da interferência seja evidente e esteja demonstrado não é capaz

de esclarecer todo ou grande parte do ato de esquecer. “O limite maior da explicação do

esquecimento como efeito de interferência está no fato de se basear numa concepção de que o

conhecimento humano é um aglomerado de simples associações” (LONGONI, op.cit, p. 32).

Outra explicação para o ato do esquecimento é a do armazenamento falho, que

defende a teoria de algumas informações são esquecidas porque nunca foram transmitidas

para a memória de longo prazo.

Na base dessa explicação está o conceito de consolidação, segundo o qual existem

processos biológicos que tornam estáveis um traço da memória. Quando esses processos

biológicos são de alguma maneira contrastados, por exemplo, pelo uso de medicamentos a

informação ainda presente na memória de trabalho não passa para a memória de longo prazo e

se perde.

Nesse momento utilizamos a metáfora espacial das lembranças no “lugar–memória”,

várias pesquisas revelam que, quando o contexto da recuperação é semelhante àquele em que

se deu o aprendizado, a lembrança é mais forte do que quando existem dois contextos

diversos. Contexto é definido como: “O conjunto de informações que são associadas a uma

lembrança específica e que o tornam distinguível dos outros” (ibidem, p. 33).

Basicamente, existem quatro formas de esquecimento, duas delas consistem em tornar

as memórias menos acessíveis, geralmente sem perdê-las totalmente: a extinção e a repressão.

As outras duas consistem em perdas reais de informação: uma por bloqueio de sua aquisição,

e a outra por deterioração e perda da informação. O esquecimento real não é uma cura para

memórias dolorosas, mas um acontecimento geralmente não voluntário. O esquecimento não é

resultante de um componente bioquímico, ou de uma misteriosa formula de secreções neuro-

humorais. “A maior parte dos esquecimentos resulta da falta de uso das sinapses; ou seja, das

conexões entre as células nervosas” (IZQUIERDO, 2004, p. 46).

Acredita-se que grande parte das memórias é perdida, ao longo do tempo pelas

sinapses que as carregavam, entretanto muitas memórias são perdidas pelo efetivo

desaparecimento das sinapses, devido à morte celular. O esquecimento real ocorre por desuso

ou desaparecimento das células nervosas e/ou de suas sinapses. “O esquecimento (...) não

constitui uma arte; a arte radica principalmente na prática da memória para impedir o

esquecimento” (idem, p. 51).

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O radical latino da palavra esquecimento é excadescere que significa cair, perder,

deixar sair. A humanidade através das artes e da literatura sempre lutou contra a “queda”,

contra o supremo esquecimento: a morte. Contra essa “queda” no esquecimento resistimos

pela palavra.

Os trechos que se seguem abaixo foram extraídos do diário virtual de dois irmãos

Harry de nove anos e Sam de 12 anos que testemunharam o dia 11 de setembro de 2001 em

Nova York e possuem uma história sobre o 11 de setembro e as mudanças em suas vidas no

ano que se seguiu. Pretendem, com esse registro eletrônico na web, não deixar que as pessoas

esqueçam o que aconteceu.

Harry e Sam vivem apenas 5 quadras de onde estava o World Trade Center, em

Manhattan. Sua mãe trabalhava em um prédio conhecido como World Trade Center, e a

escola de Harry também está a poucos quarteirões de distância.

Ambos os irmãos relatam:

Harry (9 anos): Naquela manhã, minha mãe foi trabalhar e eu fui para a escola. Um dos meus colegas entrou e disse à minha professora o que aconteceu, e meu professor disse à turma. Então, o diretor falou pelo alto-falante e disse que cada sala de aula que tinha uma janela voltada para o World Trade Center devia fechar suas cortinas, era o caso da nossa classe. Eu senti muito medo, porque eu sabia que minha mãe trabalhava muito perto. Sam (12 anos): Os pais dos meus amigos começaram a aparecer na minha escola para buscar seus filhos, mesmo que algumas crianças não tivessem ainda sido informadas do que tinha acontecido. Eu me senti estranho. Todos nós sabíamos que algo estava errado, mas não conseguimos descobrir o que era. Assim que eu ouvi, eu comecei I a chorar, porque eu sabia que minha mãe trabalhava no sétimo andar do World Trade Center, e ela já trabalhava no World Trade Center em 1993 (quando sofreu o primeiro ataque terrorista), e eu estava com muito medo do que poderia acontecer com minha mãe, comigo e meu irmão Harry: Eu fiquei muito feliz quando minha mãe chegou à escola, junto com um monte de outros pais, para me pegar. Voltamos para nossa casa, e foi aí que ouvimos o colapso da primeira torre. Eu não sabia o que estava acontecendo e eu estava ouvindo aquela explosão gigante. Eu perguntei a minha mãe se íamos morrer, e ela apenas disse que tudo ia ficar bem. Deixamos nosso apartamento e fomos até a casa de um amigo, assim que tocamos a campainha a a segunda torre desmoronou. Então o seu apartamento e o nosso tiveram de ser evacuados, e fomos para a escola do meu irmão. Quando estávamos andando lá, vimos um homem que tinha um cartaz que dizia: "Free Hugs!" (Abraços de Graça). Sam: Eu recebi uma mensagem da minha mãe dizendo que ela estava bem, e os pais dos meus amigos não deixar a escola até que ela chegou lá, o que realmente me ajudou a passar por esse estágio de manhã. Minha mãe e meu irmão levaram uma hora e meia para chegar até a minha escola por causa de todo o tráfego em Manhattan.

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Harry: Depois que estávamos longe de nosso bairro e não podia ver o que estava acontecendo, e peguei meu irmão e eu ouvi a voz do meu pai ao telefone, e aí eu soube que tudo ficaria bem. Sam: Reunimo-nos com algumas pessoas que conhecíamos e só começamos a andar e ai descobrimos onde estávamos indo para dormir naquela noite. Eu me senti muito diferente, andando pela rua. Havia tantas pessoas correndo em todas as direções. Alguns estavam com raiva, alguns estavam dando abraços grátis. Todos tiveram uma emoção diferente em seu rosto, e basicamente mostrou a diversidade de todos. Naquela noite, eu fiquei tão irritado, porque o WTC tinha ido embora e de repente minha vida era tão diferente. Eu disse para minha mãe: "Gostaria que as torres fossem reconstruídas exatamente da mesma maneira assim como vida poderia voltar a ser da mesma maneira que foi". E ela disse: "Isso é o que muita gente estava pensando, e provavelmente não vai ser exatamente o mesmo, mas será reconstruída e vai ficar melhor". Harry: A primeira coisa que realmente me incomodou foi que todos os dias, todos os canais que não costumam mostrar notícias, estavam todos mostrando a tragédia Eu só queria saber quando eles parariam com as notícias. Eu só queria minha vida de volta. Sam: Foram dois dias e meio antes que pudéssemos voltar para nossa casa. Nós tivemos que esperar na fila por duas horas por uma escolta policial para nos levar ao nosso apartamento, e então tivemos apenas dez minutos para pegar as nossas coisas! Nós já sabíamos o que tínhamos de pegar. Pegamos nossa roupa, o meu piano e teclado para que eu pudesse praticar e o meu material escolar. Harry: A nossa escola foi fechada porque estava muito perto de Ground Zero, então primeiro nós tivemos que ir para uma escola diferente por duas semanas, e depois tivemos que partilhar uma outra escola com outras classes. Nós ficamos em salas minúsculas, mas depois mudamos para nossa escola que foi reconstruída e é aí que nós sentimos como se fôssemos capazes de sermos normais de novo. Ficamos na outra escola por cinco meses. Sam: Enquanto eu estava me sentido deslocado o que ajudou a me sentir melhor foi o fato de que em minha escola por cerca de três meses, havia uma pessoa especial lá e, se você precisasse falar com alguém sobre o que tinha acontecido, ela estava lá para te dar suporte. Minha escola é centrada em torno da ideia de que a escola deve ser a sua segunda casa, e sempre haverá alguém lá para cuidar de você. Harry: A nossa escola recebeu tem um monte de pacotes “Take Care” (cuide-se) enviados por pessoas de todo, o mundo com uma bandeira americana. Um pacote tinha 3.000 pombas feitas de papel de origami, e nós penduramos cerca de 1.000 em um só lugar. Recebemos s coisas individuais como lápis e borrachas também. Foi muito saber que as pessoas se importavam com a gente. Sam: Quando finalmente voltamos para casa depois de dois meses, foi muito difícil dormir. Nós pensamos sobre comprar cortinas blackout, porque as luzes da cidade ficaram muito fortes e brilhantes [no local de recuperação]. Nos acostumamos com o cheiro diferente que saia do Ground Zero. Eu não sinto medo de viver no meu bairro, mas ele definitivamente mudou. Um monte de coisas mudou; as pessoas estão mais preocupadas com a família. Acho que isso é uma coisa boa. Harry: No ano após 11 de setembro, nós fomos viajar de férias divertidas. Fomos para a Itália. A primeira vez que eu estava em um avião, senti medo e pensei que algo estava para acontecer, mas quando cheguei ao aeroporto e vi o quanto havia de segurança, eu me senti melhor.

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Sam: Quando estávamos na Itália, as pessoas perguntavam-nos sobre as nossas experiências, mas eu não acho que eles entenderam o que realmente se passou. Eles sabiam o que tinha acontecido, mas não podiam imaginar o quão ruim era. . Harry: Espero que o próximo ano letivo seja apenas um ano normal. Sam: Minha esperança para o próximo ano é que as pessoas superem o 11 de setembro, em vez de viver falando sobre ele. Minhas experiências têm tido muito impacto sobre mim, mas há um monte de coisas que eu achava erradas mesmo antes de 11 de setembro que não foram alteradas. A única coisa que mudou é que agora eu realmente entendo o que é terrorismo. O que não mudou são as coisas básicas, como a importância da minha família, a importância da minha religião, e de manter uma vida normal. Aprendi também que mesmo quando as coisas parecem piores, há também um lado bom para ser aprendido. Ainda naquele dia, quando tudo parecia perdido e eu pensava que minha mãe poderia estar morta, aprendi a valorizar cada minuto da minha vida ao lado dela, tem sempre uma coisa boa que você pode tirar de uma coisa ruim coisa, aprendi a importância de ter minha família junto de mim25..

Naquele dia 11 de setembro de 2001, todos nós experimentamos uma profusão de

sentimentos complexos e contraditórios, a felicidade quase obscena de estarmos seguros, a

empatia com a dor das vitimas, a indiferença em relação ao evidente choque de civilizações, a

perplexidade diante do inexorável, do evento, da possibilidade real de uma catástrofe

apocalíptica após a barbárie e a tragédia. Fomos confrontados com nossa própria humanidade

e nossos limites éticos e morais.

Segundo o mito grego, depois de séculos passados no Inferno, as almas dos justos e

dos maus que expiaram seus pecados aspiravam a uma nova vida e obtinham o favor de voltar

à terra para habitar um corpo e se associar ao destino deste. Contudo, antes de sair das

moradas infernais, precisavam perder as lembranças da vida anterior e, para isso, beber as

águas do Lete, o rio do esquecimento.

A porta do Tártaro que abria para esse rio era oposta à que dava para o Cocito. Lá as

almas puras, sutis e leves, bebiam com avidez essas águas cuja propriedade era apagar da

memória toda sombra do passado. Tornadas aptas a voltar à vida e a suportar suas provações,

eram chamadas pelos deuses para sua nova encarnação.

O Lete corria com lentidão e silêncio. Era, “dizem os poetas, o rio de azeite, cujo curso

tranquilo não fazia ouvir nenhum murmúrio” (COMMELIN, op. cit., p. 203).

Separava o Inferno deste mundo externo do lado da vida, do mesmo modo que o

Estige e o Aqueronte separavam-no do lado da Morte. O Lete costuma ser representado pela

figura de um ancião que segura com uma das mãos uma urna e, com a outra, a taça do

esquecimento. Uma das razoes de ser desta tese é combater com as palavras a indiferença que 25 Disponível em: www.pbkids.org. Acesso em março de 2009.

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se instala na sociedade acometida pelo mal da indiferença diante do Outro, aprisionada pelo

medo provocado pelo terror global. No decorrer do meu trabalho, senti-me como Caronte, o

barqueiro dos Infernos, que tem como ofício a difícil travessia do rio Lete: o desafio de

enfrentar a memória e o esquecimento, o mistério da vida que nos assombra e escapa

diariamente no passar dos dias, das horas.

A barca de Caronte é imensa e desafiadora em suas cores negro e ocre. Grande objeto

que cinge o rio da memória é a faca sutil da diferença que desenha nas águas do Lete as

diversas formas do esquecimento. A tragédia da memória não vivida, as conquistas da

lembrança como onipresença vigilante, a nos afastar, por algum tempo da Indiferença, do

Medo, da Morte e do esquecimento.

4.3 TERROR, CINEMA E IDEOLOGIA

Diante de breve análise das produções de cinema americanas, vamos perceber que há

uma diferença entre aquelas feitas antes e depois dos atentados terroristas às torres gêmeas,

em Nova York.

Antes de setembro de 2001, eram comuns filmes no estilo catástrofe/atentado

terrorista; a lista é longa: - “Nova Iorque sitiada” (The Siege, 1998): um agente do FBI

(Denzel Washington), uma oficial da CIA (Annette Bening) e um general (Bruce Willis)

unem forças para capturar perigoso grupo de terroristas que plantam bombas em diversos

lugares de Nova York; - “Força aérea Um” (Air Force One, 1997): o avião do presidente dos

EUA (Harrison Ford) é sequestrado por terroristas (russos, diga-se); - “Inimigo íntimo” (The

Devil’s Own, 1997): um jovem terrorista do IRA (Brad Pitt), que precisa realizar uma missão

nos Estados Unidos, hospeda-se sem revelar sua identidade na casa de um policial local

(Harrison Ford). – “O pacificador” (The Peacemaker, 1997): uma cientista nuclear (Nicole

Kidman) e um tenente-coronel (George Clooney) investigam o possível roubo de ogivas

nucleares, que pode trazer resultados catastróficos para a paz mundial.

Depois dos terríveis atentados, a tônica no cinema mudou. As salas foram inundadas

de produções do gênero ficção e fantasia, como “Quarteto Fantástico”, “A era do gelo”, “As

crônicas de Nárnia”, “Harry Potter”, “King Kong”, “Shrek”, “Homem-Aranha”, “Demolidor”,

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“Mulher-Gato”, “Batman Begins”, “Electra”, “Superman” e “Piratas do Caribe”. O importante

é que a fantasia substitua ao máximo a realidade durante o maior tempo possível26.

Um outro aspecto a se considerar foram os remakes. Nunca se produziu tanta

refilmagem quanto nos últimos anos: “A fantástica fábrica de chocolate” (Charlie and the

Chocolate Factory, 2005), “O destino do Poseidon” (Poseidon, 2006), “Assalto à 13ª DP”

(Assault on Precint 13, 2005), “A feiticeira” (Bewitched, 2005), “Os produtores” (The

Producers, 2005), “King Kong” (King Kong, 2005), “Guerra dos mundos” (War of the

Worlds, 2005). E ainda apareceram aqueles personagens que ressurgiram de filmes da Disney

dos anos 70: “Herbie, o fusca” (Herbie: Fully Loaded, 2005), “O exorcista” (Exorcist: The

Beginning. EUA, 2004), “O exterminador do futuro” e “Rocky”, ambos a caminho27.

A impressão é a de que, se há um porto seguro, pode-se refazer o que deu certo no

passado, sem correr mais riscos. Produções de guerra foram praticamente abolidas, atentados

terroristas, bombas explodindo, tudo isso saiu de cena. Steven Spielberg filmou Munique

(Munich, 2005), porém voltou o foco para o conflito ético “do bom moço que é assassino por

uma boa causa judia”, além de o fato histórico ter mais de 30 anos.

Fecha-se uma porta, abre-se uma janela: filmes sobre a intolerância racial, antes só

restrito aos afrodescendentes, tornam-se mais comuns e incluem todas as minorias. “Crash”,

produção de 2004, recebeu Oscar de melhor filme, melhor roteiro original e melhor montagem

(em 2006) e retrata muito bem a intolerância; sutilmente, o filme explora a questão do

preconceito racial generalizado, inclusive entre as próprias minorias. “Plano perfeito” (Inside

Man, 2006) também aborda a questão étnica de forma sutil, porém contundente. “Paradise

Now” (2005) acompanha a trajetória de dois amigos palestinos, Khaled (Ali Suliman) e Said

(Kais Nashef), que são recrutados para serem homens-bombas num atentado. Entretanto, a

operação dá errado, e eles se separam, sendo obrigados a lidar com o fato de terem bombas

presas ao corpo. O filme é despido de preconceitos e apresenta a versão dos homens-bomba.

Com boa repercussão de crítica, foi o vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme

Estrangeiro (2006) e recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

“Syriana, a indústria do petróleo” (Syriana, 2005), com George Clooney e Matt

Daemon, também aborda a questão do terrorismo árabe. Aos poucos, Hollywood vai

26 Disponível em: www.cinemaemcena.com.br/. Acesso em: junho de 2009. 27 Idem.

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formando um amplo retrato das relações sociais entre os países envolvidos diretamente com o

assunto28.

“Vôo 93” (United 93, 2006) e “As torres gêmeas” (World Trade Center, 2006) vão

direto na ferida. “Brigada 49” (Ladder 49, 2004) conta a história dos bombeiros heróis. Aliás,

terror a bordo de aviões pode não ficar só a cargo de terroristas no cinema: “Serpentes a

bordo” (Snakes on a Plane, 2006), “Vôo noturno” (Red Eye, 2005) e “Plano de vôo”

(Flightplan, 2005) são formas diferentes de representar ameaças dentro de um avião.

Um pouco além das aeronaves, um exemplo mais sensível de como os atentados

mudaram o rumo das produções cinematográficas, a Disney voltou a investir

consideravelmente em produções cinematográficas29. Em cinco anos, foi lançada uma enorme

quantidade de produções como “A lenda do tesouro perdido” (National Treasure, 2004),

“Operação babá” (The Pacifier, 2005), “Pooh e o efalante” (Pooh’s Heffalump Movie, 2005),

“As crônicas de Nárnia: O leão, a feiticeira e o guarda-roupa” (The Chronicles of Narnia: The

Lion, the Witch and the Warbrobe, 2006), “Resgate abaixo de zero” (Eight Below, 2006), “O

galinho Chicken Little” (Chicken Little, 2005), “Irmão urso selvagem” (The Wild, 2006),

“Carros” (Cars, 2006) e o já citado “Herbie”. E o mais impressionante: um dos grandes

sucessos das minisséries de tv é Lost, com igual produção da Disney. Eles também fizeram

uma parceria bilionária com o Pixar.

Não há como negar que um novo filão surgiu dentro dos filmes de ação: as tramas

sobre terrorismo. Lógico que, depois do 11 de setembro, seria um caminho mais que natural

procurar entender como funciona a mente das pessoas que promovem verdadeiros massacres

em nome da religião. No entanto, há que se questionar uma coisa: por que todas essas

produções se parecem tanto e apresentam o mesmo discurso de fanatismo islâmico e

destruição total, como em “Rede de mentiras” (Body of Lies, EUA, 2008), de Ridley Scott,

protagonizado por Leonardo di Caprio e Russel Crowe, e em “O traidor” (Traitor, 2008),

dirigido por Jeffrey Nachmanoff e estrelado por Don Cheadle. Entre os dois, há semelhanças

como o vilão (normalmente um senil fundamentalista), a câmera com movimentos agitados,

as cores saturadas e muitas explosões30.

28 Ibidem. 29 Disponível em: www.guiademidia.com.br/SITES/cinema.ht. Acesso em junho de 2009. 30 Disponível em: www.cinemaemcena.com.br/. Acesso em: junho de 2009.

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“Rede de mentiras” conta a história de um agente da CIA infiltrado no Iraque e na

Jordânia que tenta desmantelar células do terror. No entanto, ao mesmo tempo em que tem

que atender ao chefe (Russel Crowe) precisa negociar com líderes islâmicos.

O filósofo e crítico cultural Slavoj Žižek, em seu livro Em defesa das causas perdidas

(2008), faz o seguinte comentário em relação à ideologia atual americana e aos thrilers de

espionagem produzidos pelo cinema americano:

Em contraste com a oposição simplista entre bons e maus, thrilers de espionagem, com pretensões artísticas que buscam exibir todas as “complexas realidades psicológicas” dos personagens do “nosso” lado. Bom. Longe de sinalizar uma perspectiva equilibrada, no entanto, este "honesto" aviso do nosso próprio "lado negro" significa muito para o seu oposto, para a afirmação da nossa supremacia escondida: somos "psicologicamente complexos", cheios de dúvidas, enquanto que os adversários estão de uma forma dimensional e fanática matando como máquinas (ŽIŽEK, 2008, p. 16).

Em “Batman – O cavaleiro das trevas” (The Dark Knight, 2008), de Christopher

Nolan, aparecem todos os tons da complexidade psicológica da luta entre o “Bem” e o “Mal”

que há em todos nós, devido ao conflito ético que se instala num mundo de medo e incertezas.

Esta a tônica do filme: um mergulho em direção aos medos de cada ser humano, que é

obrigado a imaginar como reagiria às situações extremas provocadas pelo Coringa.

Essencialmente, é a jornada do próprio Batman, desde a traumática morte dos pais até a

sequência de relacionamentos infrutíferos. Agora, o Homem-Morcego coloca sua moral e seus

conceitos em xeque, em função de seu novo inimigo. Como enfrentar alguém sem limites e

manter sua própria sanidade? O coringa, em suas próprias palavras, é "um cachorro

perseguindo carros", ele é o mal e a violência pelo simples fato de ser mau e violento;

promove o caos por causa do caos. O Joker não tem complexidade psicológica, não trava uma

luta moral interna, é uma "fanática máquina assassina".

O Batman da turbulência interna funciona como um sinal de sua supremacia sobre as

forças a que ele resiste, personificada no Joker. Batman movimenta-se entre o reino do herói e

do anti-herói, e é nesse lugar que ele se faz verdadeiro, ele sempre pertenceu ao “entre

mundos”, inscrito na complexidade das relações éticas.

Žižek refere-se, em suas observações, sobre o “nosso lado”: a ideologia liberal

democrática do Ocidente, e dos Estados Unidos, em particular.

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The Dark Knight atua como poderoso espetáculo em defesa da América no mundo de hoje (pós-11 de setembro): na impossibilidade de manter suas heróicas pretensões e nobres liberdades, é legitimo, diante da complexidade do terror global, que os Estados Unidos da América travem uma guerra ilegal, rompendo com cláusulas da ONU e pactos internacionais de não agressão e segurança mundial? É lícito recusa-se a respeitar decisões tomadas pelo Tribunal internacional? A América já não pode ser sustentada com histórias de inocência, e heroísmo, e ficções sobre cowboys e selvagens. Essa inocência foi perdida, e muitas das ações americanas em resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro podem parecer moralmente ambíguas (ŽIŽEK, 2008, p. 27).

De acordo com a ideologia militar americana contemporânea, eles estão conscientes

do seu dever moralmente ambíguo e serão injustamente julgados por engajarem-se em ações

violentas, porém necessárias para o bem-estar de todos (como ir para a guerra para salvar o

mundo do terror), ainda que os outros não desejem sua própria salvação. Dessa forma, os

Estados Unidos tornaram-se anti-heróis.

Batman exemplifica isso bem: é um vigilante, realizando ações ilegais que

condenamos, em prol de um bem maior; representaria os Estados Unidos e os seus aliados,

enquanto o Joker representa todas as forças do terror que os Estados Unidos precisam

enfrentar.

Há cenas bastante semelhantes com o terror vivido em 11 de setembro, em Nova York:

quando Batman está de pé no local de uma explosão devastadora, em meio à imensa nuvem de

pó e destroços retorcidos, à semelhança do “Ground Zero”, ou quando o Batman decide usar,

de forma dissimulada, tecnologias ilegais de espionagem e invasão de privacidade para vigiar

e “controlar” possíveis criminosos – ato lamentável, mas necessário, visto a existência do

Joker ser o álibi para o "estado de exceção”. A presença do 11 de setembro também é evidente

na forma como o filme foi comercializado. Num dos cartazes publicitários, Batman aparece

embaixo de um edifício de escritórios; algumas das janelas do edifício foram arrancadas para

fora, e estão em chamas. Bruce Wayne, o Batman na sua “identidade real”, é retratado como

um dos homens mais ricos do mundo – fato de significativa importância, não só porque

permite que ele tenha a melhor tecnologia para seus carros e outros brinquedos, como também

o evidencia como um ser sem necessidades materiais, ressaltando sua natureza altruísta. Os

atos de Bruce Wayne não visam ao próprio bem, ou à autodefesa, mas à dos outros,

especialmente daqueles que não podem defender-se. A par do seu altruísmo, das boas ações e

intenções, Batman é injustamente proscrito e banido, tornando-se um mártir para o bem das

massas a que tanto ama. Žižek faz a seguinte comparação: “Os Estados Unidos podem ser

identificados com o Batman, e aqueles que lutam violentamente contra Os Estados Unidos e

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seus interesses - nomeadamente grupos que estão marcados como jihadistas fanáticos - não

deveriam ser identificados com o Coringa” (ibidem, p. 45).

Žižek defende a importância de explorar as crenças ideológicas ocultas que inspiram e

sustentam as ações que realizamos. É necessário expormos essas ideologias e indagarmos “por

que ela é especialmente atraente para determinada pessoa. Existe, talvez, alguma boa ou

compreensível razão pela qual essa pessoa detém certa crença digamos, por exemplo, a

resistência ao comunismo” (ibidem, p. 49). No entanto, esse é precisamente o tipo de

discussão que os Estados Unidos não pretendem envolver-se. É mais seguro e melhor

promover a ideia de que os terroristas são loucos, adoradores da morte e do caos, que operam

fora do estritamente inexplicável, simples loucura e ódio. Assim, o Joker representa

perfeitamente o “inimigo” terrorista a ser combatido e exterminado, e a atitude política de

mentir e enganar é justificada.

The Dark Kinght demonstra que toda a vez que o povo tem de lidar com conflitos,

estes rapidamente se transformam em violência anárquica e em caos autodestrutivo. A única

forma de manter a Ordem é, paradoxalmente, pela transgressão da Ordem (estado de exceção,

novamente). Mas isso tem um preço: "O preço que pagamos por isso é que a Ordem, assim

que sobrevive, é uma paródia de si mesmo, uma imitação, uma blasfêmia ao Direito" (ibidem,

p. 53).

Tornamo-nos incapazes de ver que esse tipo de ordem é realmente desordem, e que

esse tipo de estrutura é apenas a sistematização do caos - a mesma coisa a que alega ser

contrária ela perpetua: a América é sempre uma nação em guerra, de forma direta ou indireta

incentivando, fornecendo, financiando as guerras dos outros. Segundo Žižek, os Estados

Unidos e The Dark Knight gostariam de nos fazer acreditar que precisamos ser salvos de nós

mesmos. Consequentemente, eles retratam a si próprios como salvadores e, nesse ato,

continuam a exercer o controle indistintamente sobre todos.

4.4 O OLHAR INDIFERENTE E A REUMANIZAÇÃO

Neste tópico da tese, três filmes serão analisados – três olhares sobre o que estamos

vivendo em sociedade pós-11 de setembro, anestesiados pela cultura da indiferença e

aprisionados pelo medo que o terror global representa.

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O primeiro filme, “Leões e cordeiros” (Lions for Lambs, EUA, 2007), de Robert

Redford, é um drama político que ataca a política externa beligerante americana. O filme

convida setores apolíticos a assumirem uma postura crítica diante do assunto, e denuncia

abertamente a juventude e a mídia, chamando-os, respectivamente, de indiferente e covarde.

“Leões e cordeiros” é cinema de engajamento do explícito. O cineasta entende que é

preciso despertar a juventude indiferente para a situação lamentável em que se encontra o

mundo, em especial os Estados Unidos, enfrentando uma guerra contra o terror global. Deixa

bem claro que os Estados Unidos é atualmente governado por demagogos e políticos sem

escrúpulos, que endossam qualquer aventura bélica que gere lucros para quem os financia, e

arrastam a opinião pública, valendo-se de distorções publicadas na imprensa. Para isso,

Redford constrói um roteiro que divide a ação em três tempos narrativos que não se cruzam,

mas se relacionam tematicamente.

Em Washington, um jovem e ambicioso senador republicano (Tom Cruise) tenta

convencer uma repórter veterana (Meryl Streep) a publicar matéria sobre a nova estratégia dos

militares norte-americanos no Afeganistão. Ao mesmo tempo, nas montanhas geladas afegãs,

Ernest (Michael Peña) e Arian (Derek Luke) são soldados que estão lutando de acordo com

essa estratégia. No mesmo horário, do outro lado do país, um professor universitário (Robert

Redford) tenta convencer um aluno promissor (Andrew Garfield) a se aplicar mais nos

estudos. Cada dupla em um ponto diferente, e as histórias são sutilmente interligadas:

enquanto o senador ressalta as qualidades da "estratégia bélica", os soldados feridos expõem o

seu fracasso – os dois foram alunos do professor e se alistaram para fazer “diferença” e dar

um novo sentido à vida; o professor tenta convencer o aluno brilhante a continuar nas aulas; o

aluno brilhante expõe as feridas políticas dos EUA e do Senado.

No contraponto entre a fala do Senador e os acontecimentos no campo de batalha, fica

óbvia a inutilidade da guerra e seu uso eleitoreiro.

O filme não fica só nas acusações. Somos convocados a despertar do comodismo

indiferente diário e a indagar sobre como fazer diferença. "Leões e cordeiros" possui enfoque

no discurso antibélico, ocupando um vácuo deixado pela imprensa: a de superego da nação.

No primeiro foco, a experiente jornalista da imprensa corporativa, interpretada por

Meryl Streep (Janine), é convidada a visitar um jovem senador republicano, Tom Cruise,

conservador e moralista. O político deseja passar a ela, em primeira mão, informações vagas

sobre a nova tática de guerra implantada pelo exército americano, sob ordens diretas dele,

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"para vencer o “mal" no Afeganistão. A jornalista, que vê semelhanças trágicas com a guerra

do Vietnã e percebe tratar-se apenas de outra jogada de marketing para tirar o foco do fracasso

no Iraque, tenta em vão extrair mais informações do senador. O Senador segue lhe expondo a

"nova estratégia", mas ela percebe os furos no discurso que sustenta a "guerra contra o terror".

A sensação é confirmada depois que Janine se recusa a contribuir para a propaganda pró-

guerra. Nesse diálogo, a conivência entre a imprensa e o governo é apontada com palavras

inteiras.

A imprensa não só podia como devia opor-se aos absurdos da guerra. Mas se calou,

indiferente. E continua calando-se, mesmo com a indignação de Janine. São exemplares os

discursos hipócritas e falso-moralistas e as ameaças veladas que o senador republicano usa

para tentar convencê-la a divulgar a notícia mentirosa, só para ajudá-lo a preparar terreno

numa possível disputa pela presidência da república. Nesse ponto, o filme é preciso ao

mostrar como jornalistas da imprensa corporativa se deixam usar por políticos cujos interesses

coincidem com os dos donos da mídia, que pagam seus salários. Uma das cenas mais fortes e

esclarecedoras é a de Janine (Maryl Streep), em Washington, passando de táxi por

monumentos em homenagem aos mortos em guerras anteriores e pelo cemitério de

Harlington, onde vários soldados estão enterrados. Tudo é uma grande repetição, reedição do

Vietnã. Tudo será reduzido a pó!

No segundo foco, acompanhamos o início da inútil operação militar no Afeganistão,

onde recebem destaque um militar americano negro (Derek Luke) e outro latino (Michael

Pena), que caem para fora do helicóptero depois de um ataque surpresa em pleno ar; ambos

passam o resto da narração lutando para sobreviver à medida que os soldados afegãos se

aproximam, numa montanha, na linha de tiro dos talibãs. Tudo isso é acompanhado, via

satélite, pelos oficiais que comandam a operação e são incapazes de engendrar um resgate

adequado. É comovente a relação entre os dois soldados, feridos, deitados na neve, usando as

últimas balas contra o inimigo e expondo o sofrimento e a solidariedade entre cidadãos

patriotas que jamais foram indiferentes.

O terceiro foco narrativo mostra uma reunião entre o professor universitário (Robert

Redford) e um de seus alunos (Andrew Garfield), cujo potencial para o debate político ele

tenta despertar novamente depois que o jovem perde o interesse pelo tema. É nesse momento,

em especial, que “Leões e cordeiros” revela seu discurso ético.

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No confronto entre aluno e professor, o lado humano, íntimo dos sofrimentos

provocados pela guerra, é apresentado de forma mais explícita. É admirável o discurso do

mestre convocando os jovens de seu país para que se engajem politicamente, ao invés de se

renderem ao discurso “antipolítica”, vendido pela mídia corporativa com o objetivo de deixar

as futuras gerações alienadas e alijadas do processo, o que interessa aos conservadores e

reacionários em geral a serviço das elites oligárquicas.

A construção narrativa de “Leões e Cordeiros” tem o propósito de nos deixar

angustiados. Ao intercalar as duas conversas de gabinete com as cenas de guerra, Redford cria

uma sensação de tensão que vai aumentando na medida em que piora a situação dos soldados

- dois de seus ex-alunos que optaram, para desgosto do professor, em se alistar no exército

para ingenuamente tentar fazer alguma diferença. Não por acaso, os protagonistas olham

constantemente para seus relógios e a alegoria é novamente clara: “enquanto jogamos

conversa fora, a vida de pessoas está em perigo”.

Há muito de verdade e inteligência na análise política levada a cabo por Robert

Redford. Embora seja curto e direto, com poucas cenas de ação, o filme é, em grande parte,

construído com base em longos diálogos inteligentes, espirituosos e bem construídos, a cargo

do roteirista Matthew Michael Carnahan. Dois terços do enredo se passam dentro de gabinetes

e consistem em personagens conversando. A estrutura narrativa é compacta.

São três histórias aparentemente independentes e, embora simultâneas, vão sendo

contadas de forma alternada, numa montagem paralela. Aos poucos, o espectador vai

descobrindo as ligações entre elas. Assumindo sem medo um tom panfletário, Redford

constrói um drama com a tensão de relógio, o andamento em tempo real, e o clima de

urgência se estabelece igualmente nas três frentes distintas. O diretor demonstra coragem ao

afirmar que a mídia, os grandes jornais e as redes de TV têm parte da culpa do fracasso

americano no Iraque, por ter apoiado (ou, no mínimo, se esquivado de criticar) os planos da

invasão ocorrida em 2003.

“Leões e cordeiros” contribui para adicionar duas novas abordagens críticas ao

contexto social em que aconteceram as reações dos EUA à agressão terrorista de 2001. Por

um lado, faz críticas abertas aos bastidores da política externa, assumindo que ambições

individuais e partidárias sempre estiveram acima do conceito de nação e, por outro, tem o

mérito de abrir um debate político sério sobre a política americana de combate ao terror

global, denunciando a indiferença de sua juventude.

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O segundo filme aqui analisado é “Ensaio sobre a cegueira” (2008), co-produção entre

Canadá, Japão e Brasil, baseado no livro homônimo de José Saramago (1998). "Se podes

olhar, vê. Se podes ver, repara" – palavras de José Saramago, na apresentação pública do seu

romance.

A estória do escritor português José Saramago (1922) gira em torno de uma misteriosa

epidemia de cegueira que domina a população de uma cidade não identificada, causando caos,

tumulto e violência. Como, a princípio, acredita-se que a cegueira é contagiosa, os doentes são

trancafiados num sanatório, onde precisam aprender a sobreviver e a superar diversas

limitações existenciais e psicológicas.

O imagético de uma epidemia de indiferença abate-se sobre a humanidade e contamina

todas as relações sociais, econômicas e jurídicas. A estória se dá em grande centro

cosmopolita – espaço sem localização, análogo a qualquer grande e indistinta cidade do globo

terrestre.

A atemporalidade se faz presente no romance e é enfatizada na produção

cinematográfica cujas referências típicas de lugar são desconstruídas. Ao criar um texto em

que as marcas de identificação espacial-temporal revelam-se enfraquecidas, Saramago faz

dele um espelho onde o leitor poderá mirar-se e refletir sobre o seu papel, enquanto cidadão

do mundo, na construção da história da humanidade.

A supressão da identidade a partir do nome está associada à cegueira indiferente que se

espalha. As personagens são identificadas por outros meios: pelas profissões que exerciam

antes de ficarem cegas, pelas relações de parentesco ou por traços físicos marcantes. Ao

assumirem que os nomes são desnecessários ao seu relacionamento no confinamento imposto,

as personagens deixam implícita a trajetória que terão de seguir na descoberta assombrosa de

si e do Outro.

Dessa forma, o lugar antropológico – cultural, temporal e espacialmente definido – é

substituído pelo não lugar, pela redução dos códigos de convivência social a um estado de

barbárie, em que será preciso reaprender a viver, instituindo novos regulamentos para os

relacionamentos sociais, e parâmetros para as identidades. Do ponto de vista histórico e dos

três conceitos fundamentais à compreensão histórica, o tempo, o espaço e a identidade, tanto o

romance quanto a produção cinematográfica lidam com a impossibilidade de situar sua

narrativa em tais categorias. É essa impossibilidade que faz da obra um espelho visceral da

condição humana.

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Em Não-lugares, ensaio do antropólogo e etnólogo francês Marc Augé (1935), é

analisada a relação do sujeito com o espaço, a identidade e a coletividade. Ele designa "não-

lugar" todos os dispositivos e métodos que visam à circulação de pessoas, em oposição à

noção sociológica de "lugar", isto é, à ideia de uma cultura localizada no tempo e no espaço.

Segundo Augé, os espaços necessitam de uma reavaliação, pois "vivemos num mundo que

ainda não aprendemos a olhar" (AUGÉ, 1994, p. 16).

É fácil perceber a analogia entre a afirmação desse antropólogo e a epígrafe escolhida

por Saramago: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".

A cegueira branca é descentralizadora; indiferente, não privilegia classes sócio-

econômicas:

Aqui não há só gente discreta e bem educada, alguns são uns mal desbastados que se aliviam matinalmente de escarros e ventosidades sem olhar a quem está, verdade seja que no mais do dia obram pela mesma conformidade, por isto a atmosfera vai se tornando cada vez mais pesada... (SARAMAGO, 1995, p. 99).

A babel de indivíduos de naturezas tão distintas quanto às suas origens dá à mulher do

médico a impressão de que as distâncias que separam os seres no mundo exterior se

encurtaram, e a diversidade de problemas que aflige os homens se limita ao instinto de

sobrevivência. Essa impressão se resume numa frase: "O mundo está todo aqui dentro"

(ibidem, p. 102).

A narrativa cinematográfica inicia-se com um motorista parado no sinal de trânsito e

que se descobre subitamente cego, mergulhando em névoa assustadora e inquietante. De cada

um dos seus encontros, produz-se o fenômeno do mal indiferente da cegueira contagiosa.

Uma a uma, cada pessoa com quem ele encontra – sua esposa, seu médico os pacientes

do médico – se acomete da mesma doença. Chamada de cegueira branca, a doença se espalha

pela cidade ou pelo país... Os vertiginosos acontecimentos, desde os primeiros contágios ao

encarceramento dos acometidos pelo mal, são apresentados em toda a crueza da sua

indiferença. Os personagens são mantidos em seu anonimato; além de cegos, são invisíveis

socialmente, conhecidos apenas como "a mulher do médico", "o homem da venda preta", "a

mulher dos óculos escuros" ou "o cão das lágrimas”.

À medida que a doença se espalha, o terror e a paranoia dominam a cidade. As novas

vítimas da “cegueira branca” são cercadas e colocadas num hospício abandonado em

quarentena. A exclusão do grupo infectado é extremamente relevante como denúncia social e

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política: a sociedade civil e o poder público segregam os diferentes, os dissonantes, os

potencialmente “perigosos”, os estranhos, quando os teme e não sabem o que fazer com eles,

confinando-os aos sanatórios e prisões.

Frente ao desconhecido, desmascaram-se o abandono, a indiferença, o desrespeito, a

intolerância, o preconceito e a brutalidade humana.

Em suas diversas éticas e estranhamentos morais apresentados no filme, a abordagem

contundente da complexidade humana coloca o indivíduo no centro dos processos de

desumanização pós-11 de setembro. A prisão de Guantánamo, base americana na Baía de

Guantánamo, ilha de Cuba, foi criada para manter suspeitos de terrorismo capturados

principalmente no Afeganistão. Suspeitas de maus tratos a presos no local contribuíram para

prejudicar a imagem dos EUA no exterior.

O cientista político, advogado, catedrático em Direito Constitucional da Universidade

de Harvard e atual presidente norte americano, Barack Hussein Obama (1961), afirmou, em

entrevista coletiva (21 de maio de 2009), que a criação e a manutenção da prisão de

Guantánamo foi um duro golpe à reputação dos Estados Unidos, pois, em vez de servir como

um instrumento contra terroristas, o local se tornou "um símbolo" que ajudou a Al-Qaeda a

recrutar terroristas para sua causa. "A existência de Guantánamo provavelmente criou mais

terroristas pelo mundo"31. Uma das primeiras determinações do Presidente Obama, nos

primeiros dias de seu mandato, em janeiro de 2009, foi a desativação da Prisão de

Guantánamo, cujo complexo abriga atualmente 240 prisioneiros de 30 países suspeitos de ter

praticado supostos atos terroristas contra alvos americanos.

A cegueira indiferente e contagiosa do temor ao terrorismo, bem como a cegueira

ideológica fanática e destrutiva dos terroristas, abateu-se sobre a humanidade como uma

epidemia.

Análogos à personagem “a mulher do médico”, que estranhamente não foi

contaminada pela epidemia, somos testemunhas oculares, secretas e podemos ver as

aterrorizantes e belas imagens narradas, como a dos cachorros que devoram cadáveres nas

ruas e a do abençoado banho de chuva das mulheres na varanda.

Não sabemos se somos abençoados ou amaldiçoados por podermos enxergar numa

terra de cegos. É uma fábula que nos confronta com a nossa própria natureza humana, frente a

uma situação de caos, terror, abandono e indiferença. Paulatinamente, todos se tornaram cegos

31 Disponível em: www. ultimosegundo.ig.com.br/mundo. Acesso em maio de 2009.

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e reduzidos a meros seres lutando por suas necessidades vitais, seguindo seus instintos mais

primitivos e ancestrais.

Os cegos da epidemia inexoravelmente adaptam-se à nova condição, num convite à

reflexão sobre a própria atitude frente ao desespero de estar cego, “estar sem ver”. O

personagem “o homem da venda preta”, em determinado momento, assinala que “a cegueira

espalhou o pânico ou o pânico espalhou a cegueira”.

Chama a atenção o comportamento amoral de um cego de nascença que está menos

vulnerável que os demais – a cegueira natural lhe confere autonomia e poder frente à

fragilidade e ao desamparo dos outros.

O foco do filme, no entanto, não é desvendar a causa da doença ou sua cura, mas

mostrar o desmoronar completo da sociedade que perde tudo aquilo que considera civilizado.

Ao mesmo tempo em que vemos o colapso da civilização, há o descortinar de como as

autoridades agiriam, em uma situação como essa, e de como o medo tem capacidade de fazer

vir à tona os instintos mais escondidos dos homens.

Trata-se da “cegueira” do ser humano em relação ao outro; vemos, porém não

enxergamos. Se, de repente, parássemos de ver o que aconteceria? As coisas perdem o seu

sentido. Quando não se vê, desfaz-se o senso estético, acabam-se as diferenças, perde-se a

identidade, a possibilidade de viver-se dignamente. O grotesco dessa trajetória é exatamente o

fato de sermos o que somos, quando nos encontramos longe das regras da civilização.

Outro ponto fundamental é quanto à fragilidade da civilização; de acordo com o

personagem “o velho da venda preta”, quando uma coisa cai, tudo desmorona. Estamos cada

vez mais vulneráveis a situações de risco. O sociólogo francês Peretti Watel (2000) afirma que

estamos sujeitos a riscos a que antes não tínhamos a menor percepção de estarmos

subjugados; esses riscos não são apenas relativos às forças da natureza, mas também aos

aspectos da barbárie humana.

A história representa um registro da sobrevivência física das multidões cegas, dos seus

mundos emocionais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no

outro. Só dessa forma o homem se humanizará novamente. É assim que os homens

verdadeiramente são? É preciso cegarem-se todos para que enxerguemos a essência de cada

um?

O terceiro filme que analisaremos é “Babel” é uma co-produção dos Estados Unidos

e México, de 2006, do gênero drama, dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu e

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com roteiro do premiado escritor mexicano Guillermo Arriaga. O roteirista foi premiado pelos

fimes “Amores Brutos” (2000), “21 Gramas” (2003) e concorreu com “Babel” ao Oscar de

melhor roteiro original em 2007. Este filme é a terceira parte da "trilogia da morte", de

Iñarritu, iniciada pelos demais já citados. As três produções cinematográficas apresentam o

estilo marcante do roteirista na construção de um grande novelo de personagens

desconhecidas que se encontram ao longo dos seus percursos.

A trilogia sublinha a fragilidade das escolhas, a vulnerabilidade dos vínculos afetivos

das personagens e, em última análise, da nossa própria vida assombrada pelo medo simbólico,

terror imaginário e indiferença real.

O modelo labiríntico do diretor soma-se a uma disposição sociológica de denunciar a

banalidade do mal, o abandono, a indiferença e a condição humana através de histórias

paralelas e de seus entrelaces e inter-relações.

“Babel” denuncia os efeitos negativos da globalização num mundo pós-traumático.

Três histórias distintas, em quatro continentes (EUA, Marrocos, México e Japão), cujos

fragmentos narrativos compõem um drama, tendo uma arma de fogo como ponto de

convergência. A primeira ponta da pirâmide está no Marrocos, onde dois adolescentes

camponeses recebem de seu pai um rifle para matar chacais e proteger o rebanho de cabras.

Tomados pelo súbito de testar a nova aquisição da família, os jovens pastores testam a

potência da arma tomando por alvos os carros que passam na estrada. Atirando num ônibus de

turismo, eles atingem Susan (Cate Blanchett), casada com Richard (Brad Pitt) que, ao ver sua

esposa gravemente ferida, faz o ônibus mudar seu rumo e parar num povoado, até que outra

condução os leve a um hospital.

Na segunda ponta da pirâmide, está Amélia (Adriana Barraza), que, amavelmente,

cuida das crianças do casal. Imigrante ilegal, que mora há dezesseis anos nos Estados Unidos

da América, Amélia, às voltas com o casamento de seu filho no México e sem ter com quem

deixar as crianças, resolve levá-las consigo sem a autorização dos pais. Na volta, as coisas

complicam-se na fronteira, e ela e as duas crianças ficam perdidas no deserto após perigosa

fuga.

Na terceira ponta da pirâmide, e a mais distante, está Chieko (Rinko Kikuchi), uma

jovem adolescente japonesa que perdeu a mãe num suicídio e parece rumar para o mesmo

caminho. Surda e muda, lança-se numa saga para transar pela primeira vez. Seu pai Yasujiro

(Kôji Yakusho), um homem permanentemente ocupado com o trabalho, foi quem levou o rifle

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para o Marrocos numa viagem de turismo e deu-o como presente de agradecimento ao seu

guia marroquino de caçadas.

É marcante a forma como são retratadas as diferentes manifestações culturais.

Abordando temas polêmicos, como a pobreza e exclusão de alguns países e a riqueza e

políticas sociais de outros, o filme traz a globalização refletida em todas as culturas, como

uma colcha de retalho que a todos envolve e sufoca. O roteiro destaca, em especial, a

“eficiência” da cultura americana. Os EUA são retratados como um país onde tudo funciona

de maneira organizada e eficaz, uma nação produtora de bens de qualidade e o grande centro

gerador de tecnologia, modelo de bem-estar social.

Analisamos a transversalidade de fenômenos presentes na trama do filme enfocando os

aspectos culturais, políticos e econômicos em cada história.

O filme possui este título em referência à Torre de Babel, relatada na Bíblia como uma

construção bem alta cujo objetivo era alcançar o céu. Deus, irritado com a ousadia humana,

criou diversas línguas para que as pessoas não pudessem comunicar-se, tendo de parar a obra

para, por fim, se dispersarem pelo mundo inteiro. E assim é o filme, múltiplo nas linguagens,

nas culturas e na geografia. A questão comunicacional é o tema central do filme. Como diz

Edgar Morin (1997), “nós somos sistemas fechados do ponto de vista comunicacional, pois

temos dificuldades de nos comunicarmos inclusive dentro de um mesmo contexto cultural”.

São dificuldades que tendem a se exacerbar diante de culturas distintas cujos códigos

desconhecemos. Sob este aspecto, o filme aponta para um paradoxo: vivemos em culturas tão

distintas e, ao mesmo tempo, interconectadas por um mundo globalizado.

A coexistência cultural é um desafio para o nosso século, claramente evidenciado no

filme, numa época em que as fronteiras são cada vez mais tênues e difusas. O tema da

globalização aparece através do que Peter Singer (2002) coloca como sendo um dos signos

que apontam para o fato de vivermos numa só comunidade: o terrorismo. A trama começa

com um tiro disparado acidentalmente, e de imediato traduzido como “ataque terrorista”, por

ter atingido uma jovem senhora que viajava com o marido. O grupo de americanos viaja ao

Marrocos a turismo – um país muçulmano do norte da África – mantendo-se, entretanto,

amedrontados e fechados frente à cultura desconhecida.

O tiro disparado traz à tona a paranoia coletiva vivenciada pelos americanos, ao

subverter a relação de arrogância tão própria de sua cultura: aquelas pessoas ricas, viajando

em ônibus com ar-condicionado e sem contato real com as pessoas do local, “protegidas” do

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olhar do outro, vêem-se reféns do medo, sentindo-se impedidas de demonstrarem

solidariedade com o drama do casal atingido dentro do mesmo veículo onde se encontram.

Aliás, o tema do estranhamento entre culturas perpassa o filme em diversos momentos. Susan

e Richard, completamente entregues à boa vontade das pessoas da comunidade local e ainda

mergulhados no medo e no preconceito, surpreendem-se com a disponibilidade dos

marroquinos em ajudá-los.

O casal tem de decidir, ao serem confrontados por uma situação limite, entre confiar

no desconhecido ou nos seus próprios códigos de referência. A arma que foi utilizada no

disparo do tiro evidencia outro paradoxo. A mesma arma que foi dada à família marroquina, e

que acaba sendo usada contra os turistas americanos, é fabricada pela poderosa indústria

bélica mundial, da qual os Estados Unidos é o principal fabricante.

O filme, do ponto de vista político, também retrata a desigualdade social entre países e

a cultura da indiferença – marca do processo de globalização econômica –, refletindo o outro

lado da moeda: o aspecto sombrio da economia capitalista contemporânea, que cria abismos

entre as camadas sociais de um mesmo país e profundas desigualdades entre países ricos e

pobres. Metafórica e propositadamente, são as famílias do terceiro mundo as mais penalizadas

na trama do filme.

A própria polícia marroquina se submete à soberania americana, conduzindo uma

investigação com violência e desrespeito aos direitos humanos de sua própria população, para

mostrar aos que comandam as relações internacionais que o Marrocos não é um país de

bárbaros.

Ao analisar a história de Amélia, o acontecimento que recai com maior intensidade

sobre o expectador é a constante ameaça de degradação e humilhação pela qual continuam

passando os mexicanos que tentam cruzar “La linea”.

O filme também propõe reflexões acerca das relações humanas, evidenciando

situações que mobilizam sentimentos inerentes ao ser humano, que sofre com a solidão,

apesar de estar vivendo na era da comunicação.

O deserto do México parece o deserto do Marrocos que, por sua vez, se assemelha com

o “deserto” de Tóquio, traduzindo o “deserto afetivo” em que vivem as pessoas das grandes

metrópoles.

O casal americano só encontra solidariedade real numa pequena aldeia e, ainda assim,

tem dificuldade de distinguir entre o que é ajuda humanitária e troca de serviços.

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O surgimento do inesperado marca rupturas nos padrões inter-relacionais e afetivos em que

estavam aprisionadas. O inusitado se revela quando as situações estão aparentemente estáveis.

No Japão, o mundo que Chieko percebe é um mundo atual: cheio de estímulos, mas

vazio de conteúdos. Sente-se perdida e incompreendida no isolamento comunicacional em que

vive, tentando desesperadamente transpor a barreira entre ela e os outros.

Ao final do filme, Cheiko consegue aproximar-se de seu pai. No Marrocos, o casal de

americanos passa por uma situação limite entre a vida e a morte, que os leva finalmente a

conseguir falar sobre o sofrimento pela morte de um filho. E, no México, Amélia, deportada

dos EUA, é confortada nos braços do filho quando retorna ao país. O filme revela que as

situações de perda ou da sua iminência acabam por aproximar as pessoas, devolvendo-lhes

sua humanidade.

Conforme afirma Hellinger (1998), “o processo de aceitar perdas opera na alma e pode

trazer algo de positivo num nível completamente diverso” (HELLINGER, 1998, p. 90).

As histórias se desenrolam paralelas, como se fossem filmes diferentes; no entanto, a

desconexão é apenas aparente. Mesmo que eles nunca venham a se conhecer, as vidas dos

personagens estão interligadas em diversos aspectos, dentre eles a relação forte e intensa entre

pais e filhos, de todas as famílias. Além disso, surge sempre algo inerente à condição humana:

o sofrimento. Ele está igualmente presente em todas as histórias.

Os personagens se conectam pela dor e mostram-se extremamente humanos, ao

remeterem ao espectador um sentimento que lhe é familiar, não importando as diferenças

geográficas, culturais, econômicas, religiosas ou raciais. A análise do filme remete, assim, aos

três pilares fundamentais do pensamento sistêmico, de acordo com Vasconcellos (2002):

complexidade, instabilidade, intersubjetividade. O pressuposto da instabilidade reconhece que

o mundo está em processo de tornar-se; portanto, a indeterminação, a imprevisibilidade e a

incontrolabilidade dos fenômenos presentificam-se na trajetória humana, independente de

fatores quaisquer.

O pressuposto da intersubjetividade remete ao fato de que cada um percebe a realidade

a sua maneira e, se queremos construir um mundo junto, necessitamos do diálogo. O

pressuposto da complexidade remete à inter-relação e à interdependência de todos os

fenômenos e à necessidade de se fazer referência ao contexto. “Babel”, dessa forma, consegue

traduzir com muita riqueza uma nova forma de conceber os fatos, dentro do chamado novo

paradigma da ciência.

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O pensamento sistêmico mostra o que descortina o filme: situações e pessoas não são

lineares. Não podemos prever os acontecimentos em relações de causa-efeito; as causas se

transformam em efeitos e vice-versa.

As vidas estão interligadas, mesmo que não o saibamos, e o acontecimento mais

anódino tem repercussões totalmente imprevisíveis. Como sugere o filme “Efeito borboleta”

(1989), o bater de asas de uma borboleta pode provocar um tufão do outro lado do mundo. A

chamada de “Babel” faz uma reflexão: “Se você quer ser entendido, escute”.

Após essa interconexão de histórias, o filme apresenta uma finalização bastante

sugestiva, pois coloca em xeque as possibilidades de segregação das culturas existentes, ou

mesmo das sociedades: todas as histórias relatadas permanecem interdependentes antes,

durante e ao final do filme.

Finalizando, é possível perceber, por meio de um dos maiores ícones americanos – as

produções cinematográficas –, focos de resistência ética, autocrítica e engajamento político e

social para pensar em uma sociedade reumanizada e solidária.

No próximo capítulo, trataremos do sujeito pós-11 de setembro, da tolerância, do

resgate ético como elementos para a construção de uma ética da resistência à cultura da

Indiferença e falaremos ainda sobre as vulnerabilidades da autonomia.

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CAPÍTULO 5 – ÉTICA DA RESISTÊNCIA

(...) Enquanto nossas relações forem definidas por nossas diferenças, mais força daremos aos que semeiam ódio, não a paz; e aos que promovem conflitos, não a cooperação, que pode ajudar nosso povo a alcançar justiça e prosperidade. Esse ciclo de suspeitas e discórdia tem de acabar. Vim até aqui em busca de um recomeço entre os EUA e os muçulmanos de todo o mundo; recomeço baseado em interesse mútuo e mútuo respeito; e baseado na verdade de que os EUA e o Islã não são excludentes e não precisam viver em competição. Em vez disso, somam-se e partilham princípios comuns – princípios de justiça e de progresso; de tolerância e de respeito à dignidade de todos os seres humanos.

Barack Hussein Obama, 4 de junho de 2009.

5.1 O SUJEITO PÓS-11 DE SETEMBRO

Usado em várias acepções, o conceito de sujeito de Aristóteles (384 a.C. - 321 a.C.)

traduz “aquilo que está sob”. É empregado tanto para falar do gênero sujeito “ou daquilo de

que as coisas são predicados” como também como um modo de designar a matéria e a

substância como o “sujeito primeiro ou aqueles seres que são denominados substâncias

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porque não são predicados de um sujeito, mas tudo o mais é predicado deles”

(ARISTÓTELES, 2006, p. 14).

Com Descartes (1596-1650), o sujeito foi identificado primeiro como o EU consciente

de si próprio, revelado pelo cogito ergo sum “Penso, logo existo”, embasando, assim, a

fundamentação da predicação.

Kant (1724-1804) aceitava o conceito de sujeito como EU, por ser uma condição

lógica e formal da experiência. Afirmava que todos os juízos, sejam eles sintéticos ou

analíticos, constituem modos de pensar a relação de um sujeito com um predicado. No juízo

analítico, todos os corpos são extensos; no juízo a priori sintético, todos os corpos são

pesados.

O conceito de corpo é o sujeito, os conceitos de extensão e de peso são os predicados

do juízo. Kant postulava que o EU consciente de si é o próprio sujeito do conhecimento e da

ação, porém relutava em conceder a este sujeito qualquer existência substancial:

O EU como sujeito absoluto é uma função lógica e não um ser existente. Assim, conquanto seja possível representar-me algo que só pode existir como sujeito e nunca como predicado (...) ignoro, porém, quaisquer condições pelas quais esse privilégio lógico possa convir com qualquer coisa. Por conseguinte, ignora-se se alguma vez esse conceito significa qualquer coisa (KANT, 1985, p. 10).

Portanto, para Kant (ibidem, p. 11), o sujeito é apenas um mero prefixo ou uma

representação vazia, o que aponta para o fato de esse autor ser extremamente cauteloso em

relação ao perigo de converter o sujeito lógico e seus predicados na substância e acidentes da

ontologia. O sujeito lógico do conhecimento é aquilo que permanece depois de eliminados

todos os acidentes e predicados (ibidem, p. 46). Kant aceita o cogito do “eu penso” como a

proposição de um EU absoluto ou sujeito, mais resiste ao ergo sum de que esse sujeito é um

ser substancial. O sujeito em Kant é, acima de tudo, o do conhecimento:

Até hoje, admitia-se que o nosso conhecimento devia ser regulado pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir a priori, mediante conceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento malogravam-se estes pressupostos. Tentemos, pois, uma vez, experimentar, se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos deveriam se regular pelo nosso conhecimento [...] (ibidem, p. 57).

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Kant, dessa forma, colocará o sujeito do conhecimento no centro da questão sobre a

epistemologia, e não a realidade ou objetos e predicados que o cercam. Uma coisa existe

quando pode ser compreendida pelo sujeito que a conhece, e este é entendido não como um

ser individual, mas como sujeito universal ou estrutura a priori universal da razão humana – o

Sujeito Transcendental.

Kant transfere a responsabilidade e o cuidado com o mundo como objeto do

conhecimento para o homem, enquanto este é capaz de realizar a ciência no mundo. Ao buscar

e explicar a capacidade do entendimento humano, ele cria uma simbiose entre o homem e o

mundo no processo de conhecimento. As condições humanas a priori estão vinculadas à

experiência, o que inibe que o sujeito do conhecimento se esquive de conhecer e, dessa forma,

anule-se existencialmente em relação ao objeto que deve ser conhecido. É fundamental para a

construção do conhecimento a ação consciente do sujeito no processo de conhecer, desvendar,

decifrar o objeto do conhecimento.

É inaceitável uma postura de indiferença perante o objeto ou o predicado, sob pena de

o homem perder sua condição de sujeito. O sujeito atuante ocupa o domínio inteligível da

Liberdade. E é um ser transcendente, uma vez que o termo transcendental, para Kant, significa

uma forma de conhecimento, não dos próprios objetos, mas dos modos como somos capazes

de conhecê-los, ou seja, as condições da experiência possível. Kant distingue transcendental

de transcendente, contrastando os princípios transcendentes que “nos convidam a derrubar

todas as barreiras e passar a um terreno novo que não reconhece, em parte alguma, limites de

demarcação com o abuso transcendental das categorias que estendem sua aplicação para além

dos limites de experiência possível e é meramente um erro da faculdade de julgar” (ibidem, p.

352). Transcendente é o termo usado para descrever aqueles princípios que “reconhecem

transpor os limites da experiência em oposição aos princípios inerentes cuja aplicação está

inteiramente dentro da experiência possível” (idem, ibidem). Tais princípios incluem as ideias

psicológicas, teológicas e cosmológicas.

Longe de fazer do EU um simples sujeito do pensamento e da ação, Kant insistiu em

que seu caráter nunca pode ser conhecido, exceto por analogias. Os seus sucessores imediatos

foram muito menos inflexíveis em converter o EU num sujeito transcendental cujo caráter e

modos de agir eram, em princípio, cognoscíveis.

Idealistas transcendentais, sobretudo Fichte (1794) e Schelling (1800), fizeram do Eu

transcendental todo o conhecimento e a ação. Hegel (1807) criticou Kant por formular uma

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distinção formal dentro do EU da consciência de Si, e Ficht e Schelling por dissolverem todas

as distinções do Eu transcendental. Em vez disso, por meio da fenomenologia, Hegel

descreveu as formas históricas assumidas pelo desmembramento do EU, pensando o sujeito

como substância. Feuerbach (1830) e Marx (1843) procuraram subsequentemente unificar o

Eu transcendental e o Eu empírico num sujeito humano, desenvolvimento este que teve

enorme influência e poder de persuasão através dos existencialistas, como Sartre (1960), ao

longo de todo o período após Segunda Guerra Mundial. Entretanto, em décadas recentes, a

identificação de sujeitos empíricos e transcendentais no sujeito humano foi questionada por

estudos estimulados principalmente por Nietzsche (1844-1900) e Freud (1856-1939). Estes

Estudos separaram, uma vez mais, o Eu Transcendental (do inconsciente) do Eu empírico e

resistiram à tentação de atribuir um sujeito último, humano ou não, à capacidade de

pensamento e ação.

O que o filósofo francês existencialista Jean Paul Sartre, em 1960, e a fenomenologia

criticaram na teoria psicanalítica é o fato de ela não ser suficientemente compreensiva.

Compreender um homem, segundo eles, é colocar-se no interior de suas vivências, é aprender

a maneira como sente o mundo, como vive as suas relações com o Outro e como estrutura

suas angústias, frustrações e paixões. Diante desse ideal, a insuficiência da psicanálise reside

no fato de ela fazer referências aos fatos psíquicos não como maneiras de viver o mundo, mas

como coisas no interior do sujeito. A psicanálise comete o engano, entre os outros, de

transformar o sujeito em objeto.

O próprio projeto da metapsicologia freudiana, estudando a estrutura do psiquismo,

revela o desconhecimento da realidade humana como “ser no mundo”. Dessa falta de

compreensão decorre, para a psicanálise, a incapacidade de conceber que os comportamentos

humanos possam referir-se a uma liberdade primordial (MOUSSEAU, 1984, p.75).

Para os fenomenólogos, a vida é uma série de soluções para problemas concretos,

impostos pelas circunstâncias, e, em sentido amplo, uma solução para o próprio problema da

vida. Soluções a cada momento construídas pelo sujeito, e que ele não experimenta no

exterior. Para a psicanálise, ao contrário, o homem parece sempre suportar a sua vida, sendo

manipulado por forças que não domina. A psicanálise serve-lhe, então, de álibi para

desvencilhar-se das suas responsabilidades, para lhe fazer acreditar,, que ele não é o senhor de

seu destino ou, ainda, que é apenas um objeto.

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A psicanálise, ainda para a fenomenologia, teve o enorme mérito de compreender que

todos os atos humanos possuíam uma significação e que todos os comportamentos eram

reveladores da personalidade. Entretanto, atribuiu essas significações a uma força exterior ao

sujeito, que o dominaria: o inconsciente – o que ininteligível, pois toda a significação supõe a

consciência. De fato, para compreender-se um ser humano, é necessário admitir que ele não é

manipulado por uma força exterior e reconhecê-lo plenamente responsável por todos os seus

comportamentos, escolhidos por ele e existentes através deles.

Na segunda tópica de Freud (1920) da estrutura do inconsciente, o EU assume o lugar

que a consciência ocupava na primeira tópica (1915). Há, porém, uma diferença relevante,

pois em vez de se encontrar face a um inconsciente global, o EU estava agora situado entre

duas estruturas de exigências contraditórias: por um lado, o ID, onde estão as pulsões; por

outro, o SUPEREGO e tudo que este acarreta de moral, de interditos e de lei parental.

Entre ambas, o EU é a instância onde reina o princípio da realidade e onde se

delineiam os processos secundários (tempo e lógica). Uma outra diferença separa-o da

consciência da primeira tópica: os mecanismos de defesa são, eles próprios, em grande parte

inconscientes. Agora, o EU é o termo que designa a pessoa humana, como consciente de si, e

o objeto do pensamento. Designando, num primeiro momento, a sede da consciência, o ego

foi delimitado na primeira tópica como um sistema, que abrangia o consciente, o pré-

consciente e inconsciente.

A partir de 1920, o termo mudou de estatuto, sendo conceituado por Freud como uma

instância psíquica, no contexto de uma segunda tópica que abrangia outras duas instâncias: o

superego e o id. O ego tornou-se, então, em parte, inconsciente.

Depois de Freud, toda uma tendência da psicanálise orientar-se-á para a psicologia do

eu; todo o problema da cura estará em constituir um eu forte, e a cura será uma adaptação

(idem, p. 177). O EU tornou-se um agente da adaptação e, como Freud concluiu que o ID é

completamente amoral, o EU tende para ser moral, enquanto o SUPEREGO pode revelar-se

hipermoral e cruel, portador do sentimento de culpa. Uma culpabilidade que leva a refletir no

mais profundo de nós mesmos, como Franz Kafka (1833-1924) expôs, ao observar que “não

se encontra nenhuma diferença entre um assassinato projetado e um assassinato cometido”

(KAFKA, 1999).

Nesta tese, estamos à procura do sujeito da ética, não apenas daquele vitimado pelo

seu superego cultural, mas, sobretudo, do sujeito muito além do jurídico “de direito e de

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deveres”, na medida em que, como pontua Badiou (2002), procuramos definir para ele uma

nova categoria filosófica, tendo em vista o sujeito construído a partir do evento trágico de 11

de setembro de 2001.

Segundo Badiou (2002), o sujeito é raro, tão raro quanto as verdades. Em outras

palavras, o sujeito:

1) Não é uma substância, um ser, uma alma, uma “coisa pensante”, como diz

Descartes. Ele depende de um processo e acaba;

2) Não é, tampouco, um nada, um vazio, um intervalo; podem-se determinar seus

componentes;

3) Não é uma consciência, uma experiência, nem uma fonte de sentido; de fato, é

constituído por uma verdade, e não por fonte da verdade;

4) Não é invariante ou necessário. Nem sempre há sujeito ou sujeitos. É preciso

para isso condições complexas e, particularmente, eventos, que são frutos do

acaso;

5) Não é uma origem. Não é por haver sujeito que há verdade; pelo contrário:

porque há verdade há sujeito (idem, p. 42).

Para falar de sujeito, é preciso partir de uma teoria da verdade, uma vez que “o sujeito

não é outra coisa senão um ponto de verdade ou dimensão puramente local do processo de

uma verdade” (idem, p. 44). O pensamento contemporâneo se afirma como uma critica da

verdade como adequação, como uma forma limitada de juízo; para Hegel (1770-1830), a

verdade é um percurso. Uma vez que o conhecimento é dado através da consciência e por sua

particularidade, ele não é um produto imediato e instantâneo e, sim, um processo. Portanto, a

verdade deve ser compreendida como um sujeito e não como uma substância imóvel. Uma

maneira de entender a filosofia hegeliana é exatamente através de sua afirmação de que a

verdade é um sujeito e não uma substância, conforme acentua Silveira (2001, p. 27).

Badiou (2002) parte da seguinte ideia: uma verdade é, primeiramente, uma novidade;

o que se transmite, o que se repete, é um saber, sendo fundamental a distinção entre ambos.

Se toda a verdade é uma novidade, precisamos pensá-la como um dever, como uma aparição.

Necessário é, pois, entender-se uma verdade como um processo real e não como um juízo.

Para que comece o processo de uma verdade, é preciso que alguma coisa aconteça.

Pois o que há – a situação do saber tal como é – só proporciona a repetição.

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Para que uma verdade afirme, sua novidade deve haver um suplemento entregue ao

acaso. “Ele é imprevisível, incalculável. Ele está além daquilo que é. Eu o chamo de um

evento” (BADIOU,2002, p. 44).

Um evento está ligado à ideia do que não pode ser decidido, do que não pode ser

calculável ou controlável e é por esta razão que o axioma de verdade de Badiou se inicia pela

decisão de afirmar que um evento teve lugar. O fato de não termos controle sobre a aparição

do evento nos torna um sujeito do evento e este sujeito é constituído pelo seguinte enunciado:

“Isso teve lugar, não o posso calcular nem mostrar, mas lhe serei fiel. Um sujeito é, antes de

tudo, aquilo que fixa um evento indecidível porque assume o risco de decidi-lo” (ibidem, p.

45).

Žižek (1998) critica a imagem de subjugação e desamparo que Badiou teria feito do

sujeito. Para ele, o filósofo francês denunciou as teorias da subjetividade, principalmente a

psicanalítica, como incapazes de diferenciar o Evento do Ser. O Evento constitui um sujeito e,

dessa forma, revela uma verdade, aparece como princípio criador e inesperado. Segundo ainda

Žižek, a teoria do sujeito de Badiou propõe uma retificação na ênfase dada por Lacan ao

sujeito do desejo como o sujeito da Lei. “Badiou opõe a este sujeito comprometido com a

necessidade a permanência e a moralidade do Ser e da Lei, o sujeito do Evento caracterizado

pela ‘raridade’, pela ‘emergência local-transitiva-frágil-contingente’” (ŽIŽEK, 1998, p. 257).

Žižek alerta que Badiou cometeu um equívoco ao alegar que Lacan distinguiu sujeito e

subjetivação, ou seja, o que Badiou idealizou como sujeito no vazio da estrutura não é o que

Lacan define como sujeito. Žižek prossegue, ressaltando que, para Lacan, “o sujeito anterior à

subjetivação é pura negatividade da pulsão de morte, anterior à sua identificação com algum

significante-mestre” (idem, p. 257). O sujeito proposto por Lacan estaria presente no intervalo

da estrutura, mas não pertenceria à estrutura nem seria estruturado por ela.

O sujeito é, ao mesmo tempo, a lacuna ontológica (...) entre o Ser e o Evento e o gesto de subjetivação que a fecha (...) Subjetividade é o nome dessa irredutível circularidade, desse poder que não luta contra uma força externa ou resistente (digamos, a inércia de uma dada Ordem substancial), mas que é um obstáculo absolutamente inerente, que, em última instância, é o sujeito ele mesmo (idem, p. 258).

Žižek identifica o poder negativo da pulsão de morte com o sujeito, como uma

irrupção criativa do Real na ordem ontológica estabelecida. O trauma do Evento (Badiou) ou a

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emergência do sujeito do Real (Žižek) não são análogos a uma entidade ontologicamente

impotente:

Se existe uma lição ético-política a ser ensinada pela psicanálise, ela consiste no insight que as grandes calamidades de nosso século (do Holocausto ao desastre stalinista) resultaram, não do fato de termos sucumbido à mórbida atração pelo vazio, mas, ao contrário, do fato de termos nos esforçado em evitar a confrontação com ele e impor regras diretas de Verdade e/ou de Bem (idem, p. 258).

O vazio, o real e o nada “não são as causas do desamparo e da indiferença”. O

desamparo se interpõe quando lidamos com o vazio e as consequências do Evento, a

indiferença quando por medo, negação ou mecanismos inconscientes de defesa fugimos ao

risco de tomar decisões, de agir e recorremos ao saber totalitário que se expressa na Lei. O

sentimento de desamparo e a indiferença poderiam conduzir a uma visão do Bem ou de uma

Verdade que terminam em discriminação, opressão, terrorismo e destruição.

A ética da resistência refere-se ao agir ou ao omitir; ela valoriza o fazer, independente

da moral social. Quem é o sujeito que age ou se omite, que valoriza o fazer nesses tempos

dominados pela cultura da indiferença? Sem dúvida, um sujeito construído e marcado pela

alteridade, um eu estruturado e pensado a partir e além dos conceitos ontológicos gerais das

instituições, da sociedade, da cultura, da religião e das ideologias. De certa forma, é um

sujeito universal que se manifesta num discurso ético conforme as regras da filosofia

transcendental que se ergue sobre as experiências singulares e constrói-se conforme estruturas

abstratas.

O eu torna-se sujeito quando seus conceitos ocupam o transcendental no qual é aceito,

de acordo com os postulados formais da razão, e quando suas operações seguem a

generalidade ou a objetividade. Por esse viés, o sujeito transcendental alcança sua

autonomia pela sua natureza intersubjetiva abstrata. O caráter abstrato permanece na

passagem do conceito para a realidade, ao se pensar em instituições que garantam objetiva e

universalmente a instância ética.

O sujeito transcendental, no processo do conhecimento, identifica tudo com que se

relaciona, sem de sua parte nada interpor nem sofrer. A objetividade requer tal atitude e

procedimento. Saber equivale a ser neutro e a poder dominar o outro de tal forma que este se

torne objeto. A correlação entre objetividade e saber requer que ao sujeito transcendental nada

se oponha na ordem do conhecer e, consequentemente, possa vislumbrar o Outro como a si

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mesmo. Em se pensar o Outro, neste sentido, Bruseke (2009), em seu texto Mística, moral

social e a ética da resistência, diz que:

O homem começou cedo a refletir sobre os outros e sentiu cedo a ambivalência da sua presença. Os outros eram fonte do calor humano que amenizava o frio das noites escuras nos longos invernos. Os outros eram proteção, durante o sonho, contra os perigos fora da caverna. Também sabiam detalhes importantes sobre como viver na selva, dividida como habitat e sem grade de ferro no meio com animais ferozes. Os outros eram também fonte dos prazeres sexuais, e cedo acompanharam o moribundo nas suas últimas horas devidas. Os outros também eram aqueles que viveram na memória dos mais velhos, que apareceram nos sonhos e falaram palavras enigmáticas em momentos difíceis momentos difíceis32.

A partir do novo milênio, os eventos que o homem vivencia trazem a necessidade de

construir-se um novo sujeito capaz de assumir os riscos de suas escolhas, de tomar decisões,

de estabelecer regras, juízos e valores sobre a nossa sociedade global após o 11 de setembro.

A sociedade apresenta-se fragmentada, caótica, acelerada e onipresente espacialmente.

A complexidade dos eventos da nossa era tem levado à perda ou ao deslocamento do sentido

de quem somos e provocando uma "descentração do sujeito". Tal fenômeno conduz a uma

metamorfose do paradigma transcendental, no qual o sujeito pode vislumbrar o outro como a

si mesmo. Essas mudanças provocaram uma crise de identidade, visto que, como diz Hall, “as

velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio,

fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como

um sujeito unificado” (HALL, 1999, p.7).

O surgimento do conceito do sujeito fractal de Baudrillard (1990) caracteriza-se por

múltiplas identidades culturais, que podem ser contraditórias, ou não, provisórias, variáveis e,

muitas vezes, problemáticas. O indivíduo pós-moderno assume uma identidade "móvel" e

"temporária" – possibilidade dentre as múltiplas possíveis –, de acordo com o momento e o

local. Isso ocorre porque a construção da identidade se dá na interação com os outros e “pelas

formas através das quais nos imaginamos ser vistos por outros, ao longo da vida, constituindo

um processo em constante mudança e formação” (idem, 1990, p. 39). Essa "mobilidade" na

identidade, segundo Turkle (1997), torna-se mais latente e perceptível no espaço cyber

cultural visualizado, sobretudo, na Internet. A linha tênue entre o real e o virtual é esmaecida,

de forma que as "janelas", acionadas através de softwares, possibilitam à pessoa "estar" em

vários contextos simultaneamente, ou seja, a tecnologia possibilita a configuração de uma 32 Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/ETICA7.PRN.pdf. Acesso em janeiro de 2009.

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identidade formada pela onipresença no ciberespaço. Turkle completa seu raciocínio dizendo

que esta estrutura encoraja o ser humano a se perceber como fluido, descentralizado, flexível,

múltiplo e em constante mutação.

Baudrillard (1991), em Simulacros e simulação, afirma que “o sujeito não mais

possui transcendência”:

Como fragmentos de um holograma, cada parte contém o universo inteiro. A característica do objeto fractal é que toda a informação relativa ao objeto está contida nos mínimos detalhes. Da mesma maneira, podemos falar hoje em dia de um sujeito fractal que se desfragmenta em uma multidão de egos miniaturizados, todos parecidos uns com os outros, se dividindo segundo um modelo embrionário como uma cultura biológica, que satura seu meio por simples divisões até o infinito. Como o objeto fractal se assemelha parte por parte a seus componentes elementares, o sujeito fractal não deseja mais do que se assemelhar com cada uma de suas frações. [...] Distribuído em todos os lugares, presente em todas as telas, mas em todos os lugares fiel à sua própria fórmula, a seu próprio modelo. [...] Já não é a diferença entre o sujeito e o outro, é a diferenciação interna do mesmo sujeito ao infinito. [...] É como dizer que já não estamos por inteiro... O sujeito atual já não está alienado, nem dividido, nem lacerado (BAUDRILLARD, 1991, p. 27).

Mais tarde, Bauman vai propor as definições deste sujeito pós-moderno e

fragmentado, que ele nomeia como turistas e vagabundos (BAUMAN, 1998, p. 114). Os

turistas são defendidos como sujeitos que ligam e desligam o mundo, sem deixarem nele

qualquer marca duradoura. Para os turistas, as chaves do mundo funcionam com tanta

facilidade que tornam o mundo “flexível, dócil, esborrável”. Na formulação de turistas

encontra-se uma analogia com computadores, com máquinas frias e indiferentes: “É

improvável manter-se qualquer configuração por muito tempo” (idem, p. 115). Para explicar

os vagabundos, Bauman os contrapõem aos turistas e os define como seres que “se movem

porque acham o mundo insuportavelmente inóspito” (idem, p. 118). A interseção entre os

turistas e os vagabundos encontra-se, justamente, neste ponto de movimento permanente,

apontando para a incapacidade de fixar raízes e construir vínculos: “O eixo da estratégia de

vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se, mas evitar que se fixe” (idem, 114).

Essa conceituação de sujeito pós-moderno, fractal ou fragmentado vai percorrer os

novos caminhos do pensamento social, filosófico e cultural. Despido dos mais sólidos

arcabouços, compartilhado com valores que orientavam seus antepassados, este sujeito é

sujeitado. Agora, tudo está em risco, tudo é provisório, tudo é questionável, tudo é paradoxal.

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5.2 DA TOLERÂNCIA À INDIFERENÇA

Historicamente, a noção de tolerância surgiu nos séculos XVI e XVII, devido a

conflitos religiosos. No que se refere às religiões, a sociedade de hoje é muito tolerante, mas

nem sempre foi assim. Durante os séculos XVI e XVII, a Europa tornou-se o palco de

diversas guerras entre católicos e protestantes. Desesperados com esses sangrentos conflitos,

desencadeados pela Reforma e pela Contrarreforma, os filósofos europeus da segunda metade

do século XVII, como Baruch Spinoza (1632-1677) e John Locke (1632-1704), procuravam

encontrar uma alternativa ao fanatismo religioso. Estabeleceram, então, os “fundamentos

teóricos para a prática da tolerância”, em vez do uso da força bruta contra cada igreja que

consideravam herege A exposição dessas doutrinas, que defendiam a compreensão mútua e o

entendimento entre os cristãos, abriram caminho para que, no século seguinte, o chamado

Século das Luzes, a implantação do Estado laico – não religioso, desligado de qualquer igreja

– ganhasse força. Isso permitiria a existência e a convivência, debaixo do mesmo governo, das

diversas igrejas e credos. Em caso de problemas, um magistrado civil entraria em ação para

evitar agressões ou mesmo o arrastamento do conflito.

Locke pode ser considerado como o primeiro teórico moderno da separação entre

Igreja e Estado. As funções do mundo sacerdotal e as do mundo civil ficaram demarcadas por

lei, de maneira definitiva, a fim de evitar-se a confusão existente entre o que concerne à Igreja

e o que se refere à comunidade, ou seja, a mistura entre “salvação das almas” e “segurança da

comunidade e do Estado que a representa”.

Definindo a comunidade como uma sociedade de homens constituída para a

preservação e melhoria dos bens civis (a vida, a liberdade, a saúde, a libertação da dor e a

posse de terra, dinheiro e móveis), Locke declara que o magistrado civil (o representante do

Estado) deve assegurar e determinar leis uniformes e a posse justa das coisas. Além disso,

deve reprimir os violadores e impedir a espoliação dos bens, da liberdade e da vida, como

fazia a Inquisição. Em hipótese nenhuma, cabia ao Estado intrometer-se na salvação das almas

ou legislar ou prescrever artigos de fé, muito menos fixar e aplicar punições e castigos físicos

motivados por tais questões.

Se a essência da religião é a persuasão, não cabe ao Estado assumir tarefas coercitivas. Se cada príncipe acredita ter o seu próprio portão para o céu, como alguém, em seu nome, poderá determinar qual deles é o certo? Que a Igreja cuide das almas e as proteja contra os pecados, e que o Estado preserve os bens e as vidas, afastando os ladrões e os predadores (LOCKE, J., 1999 p 67).

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A palavra tolerância nasceu dos conflitos religiosos, no séc.XVI, na época das guerras

religiosas entre católicos e protestantes. O filósofo francês André Lalande (1867-1963), em

seu livro Vocabulário técnico e crítico da Filosofia, diz que “os católicos acabaram por

tolerar os protestantes, e reciprocamente. Depois foi reclamada a tolerância em face de todas

as religiões e de todas às crenças” (LALANDE, 1993, p. 172).

A partir do século XIX, o conceito de tolerância estendeu-se ao livre pensamento e, no

século XX, passou a ser objeto de acordos internacionais com intenção realmente de ser

exercida, através da Carta aos Direitos Humanos, em 1948, e através de algumas ONGs e de

governos não totalitários. O conceito de tolerância, a partir de então, foi automaticamente

associado à democracia. Desvinculada de um contexto geográfico, jurídico ou histórico, a

noção de tolerância é aceita de modo mais universal do que o conceito de direitos humanos,

excluindo-se daí as conotações que remetem a uma atitude de condenação moral, à capacidade

fisiológica de suportar determinados medicamentos ou a uma decisão dos poderes públicos

tomada com base em considerações de ordem política, teológica ou jurídica.

A análise filosófica inclui, em qualquer definição contemporânea de tolerância,

determinado número de elementos. A tolerância é, essencialmente, uma virtude pessoal que

reflete a atitude e a conduta social de um indivíduo ou um comportamento de um grupo. Pode

ser a ideia, a capacidade ou o gesto de voltar-se para uma realidade diferente de sua própria

maneira de ser, de agir ou de pensar. Pode ser uma postura indiferente ou voluntariamente

neutra de reconhecimento da existência da diferença ou, então, uma atitude de resistência

paciente, mesclada de desaprovação. Pode também consistir em aceitar a diferença, vendo

nela uma fonte de enriquecimento, em vez de demonstrar permissividade em relação às coisas,

boas ou más, sem julgá-las.

Graças à tolerância, diz-se que se podem evitar o ódio e os conflitos e recorrer a

métodos não violentos para resolver controvérsias; entretanto, é forçoso reconhecer que, na

natureza, a agressividade e a violência são rotineiras no processo de sobrevivência e que,

provavelmente, são reflexos atávicos que subsistem no ser humano.

A democracia identificada com a tolerância, segundo o jurista indiano Andhra

Chelikani (1940), é:

O compromisso assumido por determinado número de pessoas de viverem juntas pacificamente e de guiarem-se em função de certos valores, tendo em vista a

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satisfação de suas necessidades e aspirações individuais e coletivas (CHELIKANI, 1995, p. 35).

Para serem universais, os valores propostos deveriam ser o denominador comum dos

valores divergentes, ou até mesmo antagônicos, aos quais aderem todas as etnias, culturas e

religiões presentes na sociedade; para serem pertinentes, é necessário que esses valores

correspondam à evolução histórica das sociedades consideradas. Em um mundo ligado pela

grande rede, interdependente e extremamente mutável, é ainda possível acelerar essa

evolução, a fim de se chegar a um consenso sobre determinados valores comuns. Chelikani

salienta que, observando de perto, as democracias atuais parecem ter alguns problemas

estruturais.

O aparelho de Estado Moderno, em particular o Exército e a burocracia, não mudou de filosofia, ainda que as formas de governo tenham evoluído. Mesmos nos Estados nos quais os ritos mais democráticos são praticados, parecem existir três setores com interesses distintos e contraditórios (ibidem, p. 37).

O autor refere-se, especificamente, a três setores:

1) Razão de Estado – Os interesses de Estado são ditados por obrigações políticas,

diplomáticas e históricas e por imperativos de segurança interna, se necessário

aos seus interesses os Estados estabelecem relações profundas com redes de

tráfico de drogas, armas ou contrabando e colaboram até com governos

terroristas, fanáticos e antidemocráticos, com o pretexto de troca de

informações.

2) Interesses financeiros e comerciais do complexo militar e industrial, inclusive

de empresas multinacionais – Os atores desse setor intervêm tanto fora quanto

dentro da estrutura política: financiam partidos políticos, corrompem o governo

nacional ou os governos estrangeiros, vedem armas proibidas, substâncias

nucleares, projetos ou obras impossíveis de gerir.

3) Considerações humanitárias – O governo pode oferece ajuda ao

desenvolvimento e auxilio dos países mais pobres em situações de emergências

através de ONGS/ONCIPS nacionais ou por intermédio de organismos

intergovernamentais do sistema das Nações Unidas.

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Esses três setores de interesse atuam de forma independente, conhecem-se

mutuamente, sabem que representam interesses diferentes, porém trabalham juntos, a serviço

da segurança, da prosperidade e da boa consciência da nação. Graças à liberdade de expressão

de que a impressa escrita e audiovisual desfrutam, a opinião pública exerce pressão crítica

sobre eles (quando não é indiferente).

A tolerância é, sem dúvida, uma questão de postura individual, porém de postura em

relação ao outro, comportando, em consequência, uma dimensão social. Segundo Chelikani:

Nenhum governo pode ensinar a tolerância; pode, no máximo, dotar-se de direito civil e penal que iniba expressões de intolerância excessivas. Mas nas relações sociais entre os diversos grupos religiosos, étnicos, culturais e linguísticos, os valores democráticos desenvolveram-se apenas entre indivíduos que adotam uma postura de tolerância. Assim, a tolerância é o fundamento necessário da democracia social (CHELIKANI, 1995, p. 45).

O mundo entra em uma fase de metamorfose acelerada, o processo de globalização

provocou inúmeras modificações em nível mundial, sobretudo quanto à tolerância. Houve um

inegável avanço tecnológico e científico, em setores como medicina, administração, telefonia,

informática, comunicação e outros. O mundo sem a conexão planetária não pode mais ser

concebido e, além disso, a conexão global pode ser é uma das fontes da tolerância social.

Segundo definição de Pierre Lévy:

O imenso hiperdocumento planetário da web integrará progressivamente o conjunto das obras do espírito. Se somamos a isso o correio eletrônico e os grupos de discussão, a interconexão mundial de computadores passa a adquirir um sentido diante dos nossos olhos: ela materializa (...) o contexto vivo, mutante, em contínua expansão da comunicação humana. O mesmo quanto à cultura (...) observemos: a aparição do hiperdocumento produzido e lido virtualmente por todos, a emergência de um metatexto que contém potencialmente todas as mensagens e os entretecidos.(...) E a web opera pela primeira vez na escala da espécie, uma meditação no conjunto do sujeitos. O grande tecido do sentido se materializa sob os nossos olhos (LÉVY, 2001, p. 140).

Infelizmente, o fato de estarmos conectados numa meditação em conjunto não garante

que sejamos tolerantes uns com os outros. Os sinais de esquizofrenia coletiva multiplicam-se.

Com efeito, assiste-se a incidentes que testemunham reações irracionais, cruéis, imprevisíveis,

nas quais não nos podemos reconhecer como humanos.

Para a promoção da tolerância, precisamos nos examinar constantemente, para

assegurarmo-nos até que ponto somos toleráveis aos hábitos de vida, ao vestuário, à

alimentação, a expressões físicas e emocionais, às palavras e escritos, às crenças, às práticas

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religiosas, culturais e sociais dos que são diferentes de nós. A ausência de tal sensibilidade por

parte dos governos e da maioria de uma comunidade conduz a muita opressão, sofrimento e

frustração e, por parte dos mais fracos e das minorias, gera conflitos e violência.

Em outros termos, a intolerância origina-se, de fato, de duas fontes: de indivíduos

fracos, infelizes e sofredores e de indivíduos poderosos e dominadores.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001 e a invasão anglo-americana ao Iraque, o

filósofo Žižek analisa o paradoxo da tolerância numa democracia, ou seja, uma democracia

deve ou não impor limites de tolerância, tendo em vista a ânsia dos intolerantes pelo poder?

Seria possível ser tolerante para com um partido antidemocrático, vencedor das eleições livres, com a plataforma de abolição da democracia formal? (como já aconteceu na Argélia). Seria possível ser tolerante para com uma invasão militar, com a justificativa de derrubar um ditador sanguinário para impor a democracia? É possível confiar numa democracia imposta? Democracia é um regime que se impõe autoritariamente, ou acontece segundo determinantes específicos e temporais da cultura? (ŽIŽEK, Folha de S. Paulo, cad. Mais! 20/04/2003).

Em trabalho mais recente, Žižek dá uma significação à tolerância como vista hoje:

Vamos tolerar o outro desde que “ele fique a uma distância segura”. O que não quer dizer outra coisa além de: “Eu realmente não tolero sua proximidade, não chegue muito perto de mim". Tolerância, no multiculturalismo, é apenas o outro nome da intolerância (ŽIŽEK, 2008, p. 55).

O multiculturalismo ocidental, em sua tentativa de reconhecer diferentes culturas,

estilos de vida, identidades sexuais, étnicas e religiosas, procura levar em conta apenas a

lógica do reconhecimento própria ao multiculturalismo e esta tenta simplesmente obliterar a

lógica dos conflitos político-econômicos.

O fundamento de tais conflitos é deslocado para o terreno da cultura, a fim de esvaziá-

lo. O autor não acredita que o reconhecimento das diferenças seja suficiente para

enfrentarmos as complexidades sócio-políticas atuais: “Para reconhecer você como diferente,

nós devemos partilhar um campo mínimo de solidariedade. Sem isso, a diferença não é

interessante para o pensamento. A diferença não vem primeiro” (idem, p. 71).

O grau de tolerância que prevalece em uma sociedade depende de seu nível de

civilização. As formas de intolerância são, sobretudo, expressões de insensibilidade moral e

indiferença. O que deve ser tolerado é decidido pelo indivíduo e o que não deve sê-lo é

decidido pela coletividade, em especial numa democracia. A intolerância é da alçada,

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portanto, da manutenção da ordem, quando atenta contra a liberdade e a dignidade de todo

indivíduo que pertença a essa sociedade.

5.3 O RESGATE ÉTICO

O pensamento do filósofo francês de origem lituânia Emmanuel Lévinas (1906-1995) é

de fundamental importância, em função da contemporaneidade de suas teorias, sempre

alicerçadas na construção de um homem eticamente responsável, resistente à cultura da

indiferença. A base epistemológica do seu pensamento parte da ideia de que a ética, e não a

ontologia, é a filosofia primeira. É no face a face humano que se constroi todo o sentido; diante

do rosto do Outro, o Sujeito descobre-se responsável e lhe vem a ideia da transcendência e do

infinito. Lévinas resgata o “Rosto” do homem que, por diversas vezes, está desfigurado,

ultrajado e maltratado pela situação de dor, morte, abandono e ignorância intelectual, sem falar

da ausência de trabalho com justa remuneração que dignifique a sua pessoa e lhe garanta, em

consequência, a própria sua dignidade.

O que Lévinas apresenta na sua obra é uma chamada de atenção sobre a situação

lastimável e deplorável em que se encontram milhões de seres humanos excluídos, que têm

olhos, mas não vêem: são cegos para o mundo, para a vida e para a história. Para ele, a ética

presentifica-se, antes de tudo, no encontro com o outro, que nos constitui como unidade, a

unidade da condição humana:

Ser eu ético significa não se poder fintar à responsabilidade, como se todo o edifício da criação repousasse sobre meus ombros. Mas responsabilidade que esvazia o EU de seu imperialismo e de seu egoísmo, seja ele egoísmo da solução não transformada em momento da ordem universal, porém confirma a unidade do Eu (LÉVINAS, 1980, p. 61).

A relação ética com outrem não é um ato ontológico que compreende o interlocutor a

partir de um horizonte do ser, nem é orientada pela ontologia, ou seja, no outro ser humano

anuncia-se algo que não pode ser captado nas malhas do saber ontológico. O outro está

sempre para além de qualquer ideia que possamos ter sobre ele. O modo do outro em mim,

Lévinas denomina de: “o rosto” (idem, p. 21).

Nesse sentido, a face humana é um termo-chave; contudo, não em sentido fisiológico,

nem mesmo psicológico, mas algo que transcende à simples fenomenalidade da face humana.

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O ser humano é o rosto enquanto transcende o meramente fenomenal. A transcendência divina

insinua-se na face do outro. A epifania do infinito no rosto humano não se deixa desvelar nem

ontológica, nem fenomenologicamente, mas na sua eticidade. A ética nos põe em contato com

o sentido cuja origem escapa. O rosto não é desvelado por nós, mas nos é revelado. A

experiência absoluta não é desvelamento, mas revelação (idem, p. 37).

A relação ética realiza uma verdadeira transcendência, um salto para a exterioridade,

para a alteridade, por excelência: aquilo que a razão não pode prever nem antecipar. É no

contexto ético que “o transcendente, infinitamente Outro, nos solicita... o outro não é a

encarnação de Deus, mas precisamente por seu rosto em que está desencarnado a

manifestação da altura em que Deus se revela” (ibidem, p. 51).

Apenas a partir da ética o mundo poderá tornar-se tema de humanização e receber,

objetivamente, uma relação dialogal e igualitária do eu e do outro (ibidem, p. 57). A relação

ética realiza nossa condição de criaturas, e o relacionamento ético implica que estamos

realmente separados e independentes do outro, embora o outro me comprometa, e dele minha

liberdade deve receber a “investidura” – completa o filósofo (idem).

A ética em Lévinas é uma relação entre termos, os quais, ao mesmo tempo,

permanecem absolutamente separados. O fato de o homem constituir-se um ser temporal

exige maior aplicação pelo zelo do outro. A filosofia leviniana presta muita atenção à

condição do indivíduo como único, enquanto meu próximo, sem deixar, contudo, de ter um

ponto de vista mais amplo, que se estende até o social. Nesse âmbito, é preciso perceber o

outro como ele é apresentado, na epifania do rosto, do nosso reconhecimento no rosto do

outro que me olha, interroga e desconstroi: “O que funda a eminência e a transcendência do

outro é o fato de ele englobar a miséria e o expatriamento do pobre, da viúva e do estrangeiro”

(ibidem, p. 229). E, mais adiante, prossegue: “O outro, enquanto outro, tem a face de pobre,

de estrangeiro, da viúva e do órfão” (ibidem, p. 230); por que, então, não dizer de

desempregado, de excluído, de miserável,de terrorista ? E no meu olhar, resplandece os olhos

deles.

Contudo, a categoria do pobre e do estrangeiro, do órfão e da viúva retorna, mais uma

vez, soando como um refrão impregnado do significado bíblico, mas ao qual Lévinas quer dar

um significado muito concreto. A alteridade exprime-se na pobreza, na ignorância intelectual,

no despojamento e na miséria de não ter consciência de que é consciente, de que tem

potencial, mas só depende de ter oportunidades para desabrochar-se como pessoa humana e

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como cidadão. Com isso, surge uma pergunta: quem é o pobre, o órfão, a viúva e o

estrangeiro, o excluído na nossa sociedade de hoje? Por tratar-se de uma situação de

marginalização social e intelectual, que na cultura hebraica, a qual Lévinas fora educado, era

simbolizada por tais categorias que representam os marginalizados de hoje, são os excluídos

da globalização, sujeitos a pressões e manipulações sociais, à indiferença e à guerra. São seres

invisíveis, espectros da condição humana, que, expatriados pela cultura da indiferença, sofrem

os efeitos do desamparo e da intolerância, os que não têm voz nem vez.

O Outro é uma alteridade que não é formal, de uma alteridade que não é um simples

inverso da identidade, nem de uma alteridade feita de resistência ao Mesmo, mas de uma

alteridade anterior a toda a iniciativa, a todo o imperialismo do Mesmo; outro de uma

alteridade que não limita o Mesmo, porque, nesse caso, o Outro não seria rigorosamente

Outro: pela comunidade da fronteira, seria, dentro do sistema, ainda o Mesmo. O

absolutamente Outro é Outrem; não faz número comigo. A coletividade em que eu digo ‘tu’

ou ‘nós’ não é um plural de ‘eu’. Eu e tu não são indivíduos de um conceito comum (ibidem,

p. 26).

Quando Lévinas fala da pobreza do rosto, podemos, num sentido mais radical, referir-

nos à pobreza dos marginalizados da globalização, dos refugiados da miséria, das vítimas

inocentes das guerras, da indiferença, do terrorismo global.

A epifania do rosto enquanto rosto é referente à ofensa feita a milhões de homens,

mulheres e crianças que levam uma vida subumana por lhes tirarem os direitos fundamentais.

O fato de este refrão ser repetido várias vezes afirma a escolha de Lévinas por uma condição

social, que precisa estar sempre presente, implícita ou explicitamente: a que faz do meu

próximo qualquer homem, como exemplificada na parábola bíblica do Bom Samaritano.

A principal característica do rosto parece estar no servir ao outro, no de que outro

assim necessita – o que está implícito no seu rosto – e, neste sentido, faz-se dele o próximo,

embora ele seja, em geral, desconhecido. Eticamente, trata-se do sentir-se responsável pelo

outro, pela alteridade, pelo Rosto do próximo, personalizado nos homens, mulheres e crianças

que são diariamente vitimados pela Cultura da Indiferença. Portanto, para Lévinas, o sentido

do humano está implícito na dimensão da ética como expressão de todo relacionamento com a

alteridade.

O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a ideia do Outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o

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meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam uma imagem. O rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a ideia à minha medida e à medida do seu ideatum – a ideia adequada (ibidem, p. 38).

Lévinas não concebe a subjetividade sem a alteridade; é necessário ao eu que tenha o

outro: devo ser para o outro aquele que se preocupa e está aberto para o relacionamento, para

acolher a alteridade que vem a mim. A ética resgata aquilo que é singular e próprio tanto da

alteridade quanto da subjetividade: a sua dignidade, o ROSTO.

Para haver uma verdadeira transcendência, a relação entre eu e o outro não pode abolir

a distância entre ambos. A transcendência realiza-se como uma relação entre termos que

permanecem absolutamente separados e exteriores um ao outro, ou seja, “a partir de um ponto

separado da exterioridade tão radicalmente, que se mantém por si mesmo, é o eu” (ibidem, p.

266).

De forma subliminar, Lévinas aponta para o fato de que só quem se torna SUJEITO do

seu agir e de sua própria história será protagonista da própria vida. A constituição da vida

interior do eu separado é como o primeiro momento da relação ética que produzirá a

transcendência; é nesse compromisso interminável que se realiza a transcendência do infinito,

o EU só tem existência por causa do TU; se eu me fecho em mim mesmo, não tem sentido a

ontologia do Ego, porque o EU é solidão, não há diálogo: a pessoa só escuta o eco de suas

próprias palavras. O outro é real, não apenas o eco do eu, um alterego (ibidem, 267).

Baudrillard questiona-se sobre a possibilidade de já termos sido capazes de

experimentar a alteridade radical proposta por Lévinas.

Não sei se tivemos relação de alteridade radical (...). Tenho a impressão de que o estado em que estamos seria antes o da metamorfose e de que a natureza não existe como tal. Existem animais, plantas, mas isso está no mesmo ciclo da metamorfose, e aí não há, portanto, identidade verdadeira, portanto também não há alteridade, não há eu e um outro, há fases sucessivas33.

Baudrillard fundamenta nossa resistência ao Outro porque tememos o encontro com a

finitude individual, com a inescapável certeza da morte. Isso está no ciclo da metamorfose,

onde todos nos situamos. Em um dado momento, o medo advém porque é preciso encontrar

uma individualidade e, portanto, resistir a isso por meio da morte individual. Se há um

indivíduo que morre, todo o resto torna-se o Outro. Há outra coisa que não morrerá ao mesmo

33 Entrevista ECO 92. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult90u69174.shtml.

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tempo em que ele, o outro é aquele que não sou eu, certamente, mas é, sobretudo, aquele que

não morre comigo; daí, sou forçado a considerar que o que sobrevive, o mundo, é

radicalmente diferente porque não vai morrer, é outra vida. A revolução biocientífica vem

para reinventar o humano e a natureza, com a total indiferença às escolhas pessoais, às

identidades culturais; indiferentemente, somos apenas objetos artificiais (idem).

Pela primeira vez, podemos conceber que a espécie humana é mortal e apreender todo

o contexto que a envolve. Ela não possui privilégios, ela compartilha da mesma mortalidade

que a natureza; é preciso sobreviver enquanto espécie não-natural, artificial, é preciso criar

uma espécie-artefato em simulação. É o que estamos fazendo através da genética, da biologia.

É a substituição de uma espécie humana não-natural por uma espécie humana natural, e tudo

isso pode desaparecer porque não há, justamente, o ciclo da metamorfose (ibidem).

Antigamente, não experimentávamos o medo da morte real, tangível em qualquer

esquina, fruto de ataques terroristas de todas as ordens: havia apenas o ciclo da natureza no

seu eterno e contínuo movimento de nascimento, vida, juventude, idade madura, velhice e

morte. Não havia o medo da morte porque tudo era transferido de uns aos outros. Um ciclo

sem interrupção simbólica. Hoje há a possibilidade da morte. É preciso, portanto, escapar

dela, por uma espécie de prótese, de projeção sob a forma de clone, de máquina (ibidem).

Impõe-se, dessa forma, o grande desafio de construir uma ética de resistência à

indiferença que habita em nós. Já sabemos que somos vulneraveis a nossa própria

humanidade, que a morte nos espreita com a marca fria da banalidade. O Outro não é

somente meu colaborador, meu conhecido, meu amigo, meu objeto de adimiração ou fonte de

compaixão.

Se as nossas relações interpessoais e sociais não forem sustentadas por relações éticas

com as outras pessoas corremos o sério risco de fracassar em reconhecer a humanidade do

Outro. Para Lévinas, foi exatamente isso que ocrreu durante o Holocausto, quando a outra

pessoa “tornou-se um rosto sem face na multidão; o transeunte simplesmente passa, alguém

cuja vida ou morte é para mim um problema indiferente (HADDOCK-LOBO, 2006, p.18).

Precisamos criar a consciência de que exixte algo na outra pessoa, um código, um segredo,

uma subjetivação que precisa ser desvendado e que escapa a nosso compreensão. “Isso que

excede os limites do meu conhecimento demanda reconhecimento” (idem, p.18).

Precisamos portanto aprender a reconhecer o que não se pode saber e à respeitar o que

nos separa do Outro, podemos ser estranhos morais,mais estamos eticamente ligados.

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Para Lévinas, se o Outro se perde na multidão,a transcendência se esvai,Uma relação

ética é a Relação em que eu encaro a outra pessoa e quardo distância, porque distância implica

respeito. É essa relação ética com a outra pessoa que se perdeu no antissemitismo do

nacional-socialismo e em suas apologias filosoficas (idem, p. 19).

Para construirmos uma ética restente à cultura da indiferença, é preciso reconhecer o

estranhamento moral e a irmandade ética na codição de seres humanos jamais excluídos do

diálogo.

O senso comum entende a Ética como o estudo dos princípios e do comportamento

moral e da natureza do bem. O termo provém do radical grego ethos, que significa “costume”

e “caráter”. Subdivide-se a ética em ética normativa e metaética; a primeira propõe os

princípios da conduta correta, e a segunda investiga o uso e a fundamentação de conceitos

como certo e errado, bem e mal.

Quando se fala em ética, geralmente se refere à ética normativa. Na maioria dos

sistemas, a conduta ética é interpretada em termos de realização pessoal (a procura do bem) e

de obrigação para com os outros ou para com certos princípios aceitos, como a preocupação

com a justiça, por exemplo. A realização pessoal pode ter origem na felicidade ou no prazer,

na luta por um ideal, o bem em si, ou num potencial totalmente concretizado.

A obrigação é não só respeitar o próximo e as normas estabelecidas, mas também a

responsabilidade perante Deus, cujos mandamentos constituem a autoridade suprema para a

maioria dos sistemas morais de todo o mundo.

A metaética tem sua raiz no pensamento de Sócrates (469-399 a.C.) e de Platão (428-

347 a.C.), que investigaram a natureza da bondade como distinta de qualquer bem. Na

tradição grega, as questões da ética giraram em torno do problema geral sobre o que constitui

uma vida bem vivida, em vez de questões específicas com relação ao certo e ao errado.

Os estóicos (155 a.C.) foram os primeiros a analisarem decisões éticas em termos de

adequação à harmonia universal e à vontade divina, que também é o método fundamental no

sistema de valores judaico-cristãos.

No século XVIII, Immanuel Kant ampliou a metaética, com sua tese do imperativo

categórico – princípio ético absoluto e universal, que trouxe novo alicerce para a legitimidade

da moralidade. As teorias metaéticas contemporâneas negam a validade ética da moralidade

convencional. A noção marxista (1872) de “moralidade burguesa” afirma que a classe

dominante impõe seus valores a toda a sociedade. Outros teóricos descobriram a garantia da

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validade ética na interação social, substituindo a vontade de Deus. Jurgen Habermas (1991),

por exemplo, acredita que é possível resolver questões morais através do discurso livre e

racional.

A maioria dos filósofos distingue ética de moral, argumentando que a primeira é fruto

da cultura social, da prática, enquanto a segunda parte de uma reflexão filosófica. Os

problemas éticos são caracterizados por sua generalidade, enquanto os morais reportam-se à

vida cotidiana com fins de regularem ações humanas e de permitirem uma visão total do

homem como ser social, histórico, transformador, inovador, destrutivo, operando vários

conceitos: liberdade, necessidade, valor, consciência, responsabilidade. Uma teoria ética da

resistência deveria atender à pretensão da universalidade, respeitando as características

próprias das diversas formações culturais e históricas.

Importante notar que, ao interagir com o ambiente interno-biológico e externo-social,

o homem cria e transforma culturas, revolucionando a sua própria história e a da humanidade.

Não podemos fugir da necessidade do outro para nos conferir existência.

A globalização é de mercados e, não, de um consenso ético de resistência à cultura da

indiferença. Tal crise ética é alimentada pelas demandas crescentes do capital e pelo desprezo

às condições de acesso ao capital.

Há um perverso sistema: sem ações políticas pluralistas, não há autônima ética, e sem

esta não é viável a construção de uma política no plural. Tanto uma quanto a outra se tornam

inimagináveis. Questionar as verdadeiras causas por trás desse trágico fim da alteridade,

absorvida pela cultura da indiferença é o dever que a condição humana atual impõe. Se, no

passado, a força revolucionária da modernidade residia na constatação de que tudo era fruto

do trabalho racional e instrumental e de que este trabalho era capaz de produzir o bem e o mal,

a verdade e a mentira, hoje somos foi obrigados a lidar com a mudança radical de paradigmas

e valores e com a intrínseca conexão entre a contemporaneidade e a violência, entre

racionalidade e a indiferença.

Os ataques de 11 de setembro, um dos acontecimentos mais documentados pela mídia,

são exemplares neste sentido. Ficamos fascinados, capturados pelo horror daquelas cenas

chocantes e não encontrávamos palavras para explicar o inexplicável, até restar a indiferença e

o silêncio. Vencido o impacto da tragédia, a mídia mundial, encarregando-se de manipular os

ânimos e transformando o horror num grande espetáculo, reduziu-o à tradicional disputa entre

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o Bem e o Mal, cujo nome passou a ser plural: cultura da indiferença, terrorismo global,

racismo, intolerância religiosa e exclusão sócio-econômica.

Freud já havia refletindo sobre o totalitarismo que assombrava o mundo, culminando

com o nazifascismo; contundo, absteve-se de emitir julgamentos morais, mesmo ao responder

uma carta de Einstein, em Por que a guerra (1933). O filósofo francês de origem marroquina

Alain Badiou (1937), referenciado em Freud, salienta que “toda vontade coletiva de Bem faz

o Mal” (BADIOU, A., 1995, p. 28).

As guerras são geradas no vazio ético e nutridas pela indiferença e alienação, pelo

desconhecimento de si na face do Outro. Quando somos incapazes de aceitar e conviver com

as diferenças entre nós – essenciais, inclusive, para construção da própria identidade –, o

Outro é transformado em inimigo a ser destruído.

Somente na alteridade é possível o esquecimento de si mesmo em prol do coletivo.

Vencer a guerra contra o terrorismo com o terrorismo não é uma vitória e, sim, a afirmação

dele. Assistimos o retorno desse paradoxo no conflito do Oriente Médio, nas guerras urbanas

do terceiro mundo, nas guerras étnicas da África, na guerra do Iraque e também na guerra

contra o terrorismo global.

5.4 VULNERABILIDADES DA AUTONOMIA

Para Beauchamp e Childress (2002), a palavra autonomia deriva do grego “autos”

(próprio) e “nomos” (regra, governo ou lei). O ser autônomo é aquele que possui a capacidade

de autogoverno, o que inclui a compreensão, o raciocínio, a deliberação e a escolha

independente. Contudo, nossas escolhas são influenciadas por vários fatores, sejam eles de

ordem social, cultural, econômica e moral. Podemos considerar que as decisões são

determinadas por diversos fatores externos e internos à individualidade. O termo

“vulnerabilidade” é empregado em diferentes contextos, com diversos significados, podendo

ser entendido como: redução da voluntariedade, espontaneidade, liberdade, autonomia,

capacidade e autodeterminação, suscetibilidade, fragilidade, desigualdade, compartilhamento

de responsabilidade e solidariedade (GOLDIM, 2004).

Vulnerabilidade é uma palavra de origem latina, derivada de vulnus (eris), que

significa “ferida”. Dessa forma, a vulnerabilidade pode ser compreendida como

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suscetibilidade de ser ferido. Contudo, na década de 1980, o desenvolvimento da bioética na

Europa determinou uma alteração substancial no entendimento da noção de vulnerabilidade,

influenciada pelos filósofos Emmanuel Lévinas e Hans Jonas. A vulnerabilidade é

reconhecida como constitutiva do humano, entendida como condição universal do vivente.

Seu conceito surge como substantivo e não como adjetivo. Por isso, não pode ser

compreendida ou utilizada como um fator de diferenciação entre pessoas e populações.

A condição humana é marcada por um extenso grau de fragilidade, devido às

características temporal e finita de toda vida humana. Só se pode aprender a viver em

segurança quando se reconhece a própria vulnerabilidade e a do outro, protegendo-as e

sabendo conviver com elas. O respeito pela dignidade da pessoa humana significa, acima de

tudo, a promoção da sua capacidade de pensar, decidir e agir. Portanto, respeitar a autonomia

de outrem não é apenas recorrer a sua autodeterminação, mas ajudar essa pessoa a ir ao limite

de si mesma, ajudá-la a descobrir e a escolher o que está de acordo com o sentido do respeito

à dignidade humana (DURAND, 2003).

Existem pessoas com redução de autonomia temporária ou definitiva. Crianças,

adolescentes, enfermos, prisioneiros têm redução temporária da autonomia porque estão

impedidos de manifestar sua vontade e, espera-se que, cessado o impedimento, possam fazê-lo

de maneira inequívoca. Mas há seres para os quais não existe possibilidade de reversão do seu

estado e, por isso, são considerados como tendo redução definitiva da autonomia.

Para algumas delas, a abdicação da autonomia foi voluntária, como acontece com as

pertencentes a ordens religiosas ou militares. Muitas outras, entretanto, não são capazes de

manifestar sua vontade por doença física grave ou mental. De qualquer modo, quando se fala

de pessoa com autonomia reduzida, fala-se por decorrência de alguém que possa representá-

la, pai ou representante legal, em todos os seus impedimentos.

A autonomia está ligada à pessoa e não é extensível para um grupo ou população, pois

a expressão da liberdade de conseguir concretiza-se no consentimento informado, e este é

dado por cada sujeito, individualmente. O consentimento deve ser dado por cada sujeito,

individualmente, pois ninguém pode consentir por outro dotado de autonomia plena. E este

conceito é de natureza ética.

Quem são, então, os sujeitos vulneráveis pós-11 de setembro? São pessoas que, por

condições sociais, culturais, étnicas, religiosas, políticas, econômicas, educacionais e de

saúde, têm as diferenças estabelecidas entre eles e a sociedade envolvente transformadas em

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desigualdade. A desigualdade, entre outras coisas, os torna incapazes ou, pelo menos,

dificulta-lhes a capacidade de livremente expressar-se.

A condição de autonomia reduzida pode ser transitória; porém, para eliminar a

vulnerabilidade é necessário que as consequências das privações sofridas pelo sujeito ou

grupo social sejam ultrapassadas e que haja mudanças drásticas na relação que mantém com o

grupo social mais amplo onde estão inseridas.

A exacerbação da vulnerabilidade leva à redução ou à perda total da liberdade

individual – os mesmos fatores que conduzem à vulnerabilidade contribuem para impedir a

livre escolha. Por outro lado, a necessidade de sobreviver cotidianamente supera as

possibilidades das conquistas democráticas e dos processos de decisão que não estejam

imediatamente ligados à estratégia de sobrevivência.

Mecanismos éticos devem ser desenvolvidos, a fim de assegurar os direitos humanos

aos sujeitos pós-11 de setembro, ainda que eles não tenham plena consciência de seus direitos.

É condição maior que os sujeitos sejam informados sobre o real estado quanto ao que se está

pedindo a eles e que sejam deixados livres para decidir.

O discurso do Presidente norte americano Barack Hussein Obama, na Universidade do

Cairo, no dia de 4 de junho de 2009, convida os mulçumanos, transitoriamente vulneráveis e

marcados pela cultura da humilhação, ao diálogo, para que juntos – ocidente e ocidente

(igualmente vulneráveis) diante dos ataques do terrorismo global – construam uma ética de

resistência à cultura da indiferença.

Antes de sermos sujeitos das religiões, das etnias, das nacionalidades de origem, das

políticas econômicas e sociais, somos, acima de tudo, sujeitos da condição humana, que nos

iguala e irmana.

A redução da autonomia e a vulnerabilidade são fenômenos que podem estar ou não

associados. A autonomia é um conceito ético e individual, enquanto a vulnerabilidade

pressupõe o estabelecimento de relações desiguais entre indivíduos ou grupos. Ela se

manifesta quando as relações estabelecidas entre indivíduos ou entre um grupo minoritário e

outro, além de diferentes, são desiguais.

A autonomia de muitos sujeitos não é, pois, tão ampla quanto a exposta acima, por

causas temporárias ou definitivas de ordem biológica (crianças ou menores de idade, pessoas

hospitalizadas), social (pessoas pertencentes a ordens religiosas de clausura, membros das

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Forças Armadas, prisioneiros, políticos ou não) ou política (imigrantes ilegais, refugiados

políticos).

A autonomia está ligada a cada pessoa e não é extensível a um grupo ou população. A

expressão da autonomia do sujeito, da sua liberdade para consentir, se concretiza no

consentimento após-informação e esta permissão é dada por cada sujeito, individualmente.

Ninguém pode, eticamente, consentir por outro que possua autonomia plena e, quando isto se

faz, a decisão é nula e eticamente incorreta. É importante lembrar que nos casos de autonomia

reduzida, quando o responsável ou tutor legal decide pelo outro, a decisão deve ser respeitada

mesmo quando, no entender de um observador neutro, possa estar errada.

Pessoas vulneráveis podem sê-lo mantendo sua autonomia, pessoas de autonomia

reduzida podem não ser vulneráveis, pessoas podem ser, ao mesmo tempo, vulneráveis e

terem autonomia reduzida. Em outras palavras: não há uma clara relação entre ausência de

autonomia e vulnerabilidade. A diferença muito significativa entre elas é que a autonomia é

individual, diz respeito à pessoa enquanto indivíduo, e a vulnerabilidade é decorrência de uma

relação histórica entre segmentos sociais diferenciados, cuja diferença entre eles se transforma

em desigualdade. Enquanto, em muitos casos, a condição de autonomia reduzida pode ser

passageira, a eliminação da vulnerabilidade necessita que as consequências das privações

sofridas por uma pessoa ou grupo, nos âmbitos social, político, educacional ou econômico,

sejam ultrapassadas. Por outro lado, pessoas, grupos ou populações são vulneráveis e

continuarão a sê-lo, se não houver mudanças drásticas na relação que mantêm com o grupo

social mais amplo em que estão inseridas.

O sujeito vulnerável é alguém que possui uma cidadania frágil, que ignora a relevância

do direito à integridade física, como condição de acesso aos direitos sociais, econômicos,

políticos e trabalhistas. Dito assim, a primeira condição para que um sujeito vulnerável

abandone esta condição parece ser o investimento do Estado naquilo que constrói e constitui a

cidadania, naqueles atributos que transformam o indivíduo em cidadão, que transformam o

animal laborans em homem político. Para Hannah Arendt, essa transformação é “um

pressuposto da democracia, pois permite ao animal laborans ir do reino da necessidade para o

reino da liberdade” (ARENDT, H., 2000, p. 37).

Ficar à espera de que as condições econômicas de um país se transformem para que as

sociais também sejam transformadas e, com isso, obter-se o fortalecimento da cidadania, é

perigoso porque a cidadania frágil pode significar que "pode estar em curso nesta sociedade

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um processo coletivo de desativação dos mecanismos de autocontrole moral e que, também,

as desigualdades econômicas, sociais e políticas afetam a capacidade legal dos indivíduos e

garantem a desigualdade perante a lei” (idem, p. 42).

Sobre o medo e a ocultação da vulnerabilidade, o bioeticista Márcio dos Anjos salienta

que:

É importante ter presente que atualmente, em nossa cultura Entusiástica do poder, tem-se certo medo da vulnerabilidade e Se procura ocultá-la,Há o medo das imperfeições (...) e lidamos com certa dificuldade ;com a tolerância à imperfeições funcionais perdeu-se sobretudo a experiência de lidar com a morte(...) É certo que nossa participação nesta cultura de poder e medo é variável mas há de que se ter em conta de que a cultura é um grande ambiente que nos possibilita a afirmação de significados e em grande parte, também nos condiciona, A ocultação da vulnerabilidade aparece também por meio da ficção de autonomia.Afirma-se a capacidade de livre escolha,quando esta na verdade não existe ou é bastante limitada (ANJOS, M. F., 2006, p. 182).

A consciência de nossa vulnerabilidade como sujeitos autônomos é fundamental para

que se compreenda o próprio exercício da autonomia. A vulnerabilidade e a autonomia,

embora sejam epistemologicamente distintas, precisam ser entendidas como complementares,

isto é, como condição estrutural do sujeito transcendental, consciente dos eventos e filiado à

ética da resistência.

O sentimento de poder e de autonomia, com uma correspondente diminuição de

espaço para se admitir a fragilidade e a vulnerabilidade, aumenta a susceptibilidade à cultura

da indiferença.

Os cenários da vulnerabilidade que permeiam o mundo globalizado, inflado de poder,

podem ser, entretanto, evidenciados por uma consistente reflexão ética, visto que poder e

vulnerabilidade caminham juntos.

Um primeiro cenário destaca-se no próprio fascínio pelo poder tecnológico. O termo

fascínio visa aqui sugerir uma empolgação que dificulta a percepção dos limites e o

reconhecimento das vulnerabilidades. Com a perda dos limites, emerge uma “sociedade de

riscos”. A humanidade, inebriada de Poder, não mede os riscos que corre. Para Cárdia, o

risco:

Não cristaliza mais – ou cada vez menos – uma concepção ontológica da incompletude humana. Ele não é mais o sinal irredutível da impotência fundamental do homem em face de um mundo que o ultrapassa: ele é, ao contrário, percebido como o preço a pagar do poder sobre este mundo (CARDIA, 1994, 15-58.).

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Um segundo, que vem exemplificar a vulnerabilidade desse momento sócio-cultural,

transparece nas formas como se distribuem sociologicamente o poder de produção e de

consumo no mundo globalizado. Vivemos hoje a maior das concentrações de poder

conhecidas na história da humanidade, tanto em termos de produção como de consumo. Ao

lado do desenvolvimento vertiginoso, experimentamos enormes iniquidades. Assim, existem

nações, e quase que continentes inteiros, extremamente pobres, populações famintas e

morrendo antes do tempo por baixíssimas condições de vida, enquanto ao lado pode estar

outra com índice altíssimo de qualidade de vida.

Essas assimetrias de poder instalam-se na estruturação da sociedade e dificultam o

vigor da reflexão ética, pois significam, de algum modo, a legitimação das iniquidades. As

dívidas (internas e externas) dos países é um bom exemplo.

Assim como Copérnico rompeu com a arrogância de conceber a Terra como centro do

cosmo, também Freud colocou em crise as suposições em torno de tomadas livres de decisões.

O domínio científico sobre as vulnerabilidades, além de permitir enfrentá-las, presta-se, ao

mesmo tempo, a explorá-las por quem tem o poder. Em síntese, o próprio avanço das ciências

sugere contar sempre com a dúvida sobre a situação real de autonomias.

Márcio dos Anjos (2006) pondera que alguns filósofos contemporâneos entendem que

a liberdade e a autonomia consistem, antes, em se ter controle sobre as emoções e os desejos,

e não de raciocinar independentemente deles. Mas, contrapõe o autor, persiste a questão mais

profunda do entrelaçamento entre razão e motivação moral: “quando agimos, procuramos

produzir um resultado com nossa ação. Nosso desejo ou interesse num resultado explica

porque agimos. Sem o desejo, interesse ou intenção, fica difícil ver porque a ação é racional”

(ANJOS, 2006, p. 179).

Em outros termos, na racionalidade estão os desejos e interesses. Uma saída para este

problema, é denominada autonomia procedimental (FRANKFURT apud ANJOS, p. 180). Tal

posição diverge de Kant quando este coloca a existência da autonomia só quando o raciocínio

do sujeito é imparcial e independente de desejos, emoções e inclinações. Anjos afirma, ao

contrário, que se dá uma autonomia procedimental quando a pessoa avalia criticamente suas

crenças e desejos, e os endossa sem excessiva interferência de autoridade externa. Embora

essa proposta procure compatibilizar a autonomia com as motivações morais, “falha em

garantir algum conteúdo para a moralidade, ou requer tais motivos”. A autonomia relacional é

uma proposta alternativa, que associa o fato de sermos seres sociais e, como tais,

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desenvolvemos a capacidade para a autonomia por meio de interações sociais. Entende-se a

autonomia no sentido de que nossa capacidade, no exercício da autonomia, depende da

habilidade em entrar na variedade de relações e mantê-las. A proposta realça dois tipos de

relações importantes para a construção da autonomia:

a) as relações interpessoais, que se tornam educativas para a ação independente e

adulta, bem como as relações institucionais, que garantem liberdade política, informação,

educação, saúde, recursos econômicos e uma proteção básica contra uma variedade de

ameaças;

b) o contexto sócio-cultural, enquanto ajuda a construir o modo atual de definirmos a

autonomia e o valor que ela tem para nós. Nossa autonomia é, de algum modo, paradoxal,

pois, pensada em sua construção social, a independência se faz por intermédio da

interdependência com outras pessoas.

Outro aspecto está numa espécie de autocrítica kantiana, resgatada por Bruno Forte,

(2006), que enfatiza as dificuldades de Kant em combinar a autonomia da razão com o

problema do mal. Em sua análise, admite no próprio ser humano um princípio de bem e um

princípio de mal, em relação aos quais se exige a luta pela “libertação do domínio do princípio

mal”: “(...) Todavia, o ser humano permanece sempre exposto aos ataques do princípio mal e,

para conservar a própria liberdade, constantemente ameaçada, é necessário que se mantenha

sempre e pronto para a luta” (KANT, I., apud FORTE, B., 2006, p. 66).

O que aqui se aponta como mais importante é que Kant admite, dessa forma, a

vulnerabilidade ética da autonomia na sua própria condição:

Assim como nos é impossível apontar a causa de uma propriedade fundamental pertinente à nossa natureza, do mesmo modo somos absolutamente incapazes de explicar porque em nós este mal corrompeu diretamente a máxima suprema, embora este mal seja um ato totalmente nosso (ibidem, p. 71).

Podemos acrescentar a estas considerações um aspecto que menos tem a ver com a

autonomia, no sentido kantiano, e mais com o uso que dela se faz. Na verdade, trata-se de uma

distorção do pensamento kantiano, ao transformar o exercício da autonomia numa decisão

sem necessidade de racionalidade crítica. Entende-se a liberdade para decisões morais

autônomas simplesmente como liberdade de tomar decisões. Em tal contexto, o pretenso

diálogo das razões de cada um não passa de mera curiosidade sobre os sentimentos uns dos

outros. Anjos acentua que “o individualismo parece estar na base desta concepção. Leva a

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esquecer que a subjetividade é, diante da razão, a ‘mediação do encontro’ com outras

subjetividades” (ANJOS, op. cit., p. 129).

É um pressuposto para o diálogo e não o simples refúgio intocável do sujeito Sob a

concepção de autonomia se subentende frequentemente o direito de as pessoas tomarem

decisões simplesmente embasadas em suas subjetividades.

No máximo, é exigido que as decisões não molestem a tranquilidade do outro. A

sociedade passa a viver um ethos do individualismo que pulveriza a razão da responsabilidade

interpessoal: domestica a capacidade de indignação diante das iniquidades, reduz a ética a

aspectos defensivos e inibe seu dinamismo afirmativo e criativo.

O termo vulnerabilidade é derivado do Latim (vulnus: ferida) e, de modo geral,

expressa, ao referir-se a pessoas, a possibilidade de alguém ser ferido. Em sua conceituação

ampla, a vulnerabilidade pode ser entendida como condição humana persistente (enquanto

somos limitados e mortais), e como situação dada (nas quais limites e “feridas” se verificam

concretamente). A vulnerabilidade pode referir-se a toda humanidade, a grupos sociais

concretos e a indivíduos. Por referência à ação, pode, simplesmente, estar assimilada na vida

relacional ou estar exposta e, neste caso, estar sendo defendida ou explorada nas relações

(quando a vulnerabilidade se torna vulneração). Por sua qualidade, pode ser moral, ética ou

operacional, quando se refere à falta não deliberada de condições pessoais ou ambientais para

o viver como sujeitos.

Como se percebe, o termo torna-se útil para salientar a “possibilidade de ser ferido”,

para provocar a identificação das situações em que isso se dá e para chamar atenção sobre o

modo como lidamos eticamente com tais situações.

A ocultação da vulnerabilidade aparece por meio de uma ficção de autonomia. Afirma-

se a capacidade de livre escolha, quando esta, na verdade, não existe, ou é bastante limitada. A

ilusão da autonomia desafia, particularmente, a formação de uma consciência crítica. Por ela

se podem discernir os processos individuais e sociais pelos quais se dá a construção de

sujeitos livres.

A ocultação da vulnerabilidade é igualmente perversa na ocultação de suas causas

sociais. De fato, expressa-se em vítimas e, por isso mesmo, pode transformar-se muito

rapidamente em acusação das injustiças no uso do poder. A tentativa de ocultar as causas da

vulnerabilidade leva a fazer da autonomia um discurso de responsabilização das vítimas por

suas próprias tragédias.

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Em escala política, o discurso da autonomia aprisiona grupos-sociais e nações inteiras

às suas próprias condições de pobreza. Como dos Anjos sustenta, “a vulnerabilidade é

suspeita da própria autonomia” (ibidem, p. 173).

A vulnerabilidade é um conceito necessário para que o próprio conceito de autonomia

possa se dar sob ótica da razão crítica. Em outros termos, somos seres sociais por condição e,

isoladamente, não subsistimos – afirmação desdobrada por dois filósofos franceses

agnósticos, que vêem nela as exigências de um pensamento ético: “O respeito ao Outro é,

dessa forma, um valor absoluto, e não relativo. É até mesmo um valor ontológico, pois eu

tenho necessidade do Outro para eu ser eu mesmo, e ele tem necessidade de mim para ser ele”

(KAHN & LECOURT, 2004, p. 38.). E Dominique Lecourt completa dizendo:

O que importa é que cada um reconheça em si mesmo a parte que pertence aos outros. Tudo o que vai no sentido deste reconhecimento favorece, na prática e na teoria, a dinâmica transindividual – não digo inter-individual – que, unicamente, pode contrabalançar hoje os efeitos deletérios do isolamento dos indivíduos (idem, p. 40).

O reconhecimento da própria vulnerabilidade é ponto de partida para uma construção

maior, possibilitando o encontro construtivo com o Outro e os primeiros passos em busca da

superação das fragilidades. Nesse reconhecimento, dar-se-á uma realidade aparentemente

paradoxal, formulada por Paulo de Tarso, na segunda carta aos Coríntios (12,9-10): “Quando

sou fraco, então é que sou forte”.

No próximo capítulo, faremos considerações sobre o sujeito fundado pós o evento de

11 de setembro, suas interações sociais e enfrentamento dos estigmas e das fragilidades

humanas diante da indiferença. Analisaremos o poder da impotência, circunscrevendo os

reflexos do 11 de setembro na sociedade global. E traçaremos um perfil biográfico, político e

filosófico do atual presidente norte americano Barack Hussein Obama.

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CAPÍTULO 6 – A CULTURA DA INDIFERENÇA

Mas é nossa responsabilidade nos reunirmos em nome do mundo que buscamos – um mundo no qual os extremistas não ameacem nosso povo; (...) um mundo no qual israelenses e palestinos vivam seguros em seu próprio Estado; (...) um mundo no qual os governos sirvam aos cidadãos, e os direitos de todos os filhos de Deus sejam respeitados. Esses são interesses mútuos. Esse é o mundo que buscamos. Mas só o poderemos alcançar juntos. (...) Todos partilhamos esse mundo apenas por pequena fatia de tempo. A questão é se consumiremos esse tempo dedicados ao que nos mantém separados, ou se nos comprometeremos, num esforço sustentado, para encontrar uma base comum a todos. (...) É mais fácil começar guerras do que pôr-lhes ponto final. Mais fácil culpar os outros, do que olhar para dentro; ver o que é diferente em alguém, do que ver o que temos em comum. (...) Há regras que regem, no coração de todas as religiões, que façamos aos outros como queremos que nos façam a nós. Essa verdade transcende nações e povos – uma crença que não é nova; que não é nem branca nem negra nem mulata; que não é cristã, muçulmana ou judia. Uma crença que pulsava no berço da civilização, e que ainda pulsa no coração de bilhões. É uma fé em outro povo, e é o que me trouxe hoje aqui. Temos o poder para fazer o mundo que buscamos, mas só se tivermos coragem para produzir um novo começo, sem perder de vista o que está escrito. O Santo Alcorão diz: “O humanidade! Homem e mulher te criamos; e em nações e tribos, para que se conheçam uns os outros”. O Talmud diz: “A Torá promove a paz”. A Bíblia Sagrada diz: “Abençoados os que fazem a paz, pois serão chamados filhos de Deus”. Os povos do mundo podem viver juntos e em paz. Essa é a visão de Deus. Agora, esse tem de ser nosso trabalho aqui na Terra. Obrigado. Que a paz de Deus esteja com vocês. Em árabe, no orig.: “Que a paz esteja contigo”.

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Barack Hussein Obama, Discurso na Universidade do Cairo, 4/6/20/09.

6.1 FRÁGEIS ENTRE OS FRÁGEIS

Circunscrever uma ideia do humano, em termos analíticos, é condição necessária para

dizer daquilo que nos destroi, daquilo que nos mantêm vivo, daquilo que nos irmana e separa.

No primeiro capítulo de sua obra intitulada Política, publicada originalmente em 1603,

Johanes Althussius, ao falar das acepções gerais da política, apresenta uma contundente

concepção da condição humana.

(...) O Homem nasce privado de toda assistência, desnudo e inerme, como se houvesse perdido todos os seus bens em um naufrágio, fosse lançado nas desgraças dessa vida e não se sentisse capaz de, por seus próprios meios, alcançar o seio da mãe, suportar a inclemência do tempo, nem mover-se do lugar aonde foi arremessado. Sozinho nesse começo de vida terrível, com tanto pranto e lágrimas, seu futuro se afigura uma ingente e miserável infelicidade. Carente de todo o conselho e auxílio de que, não obstante, precisa, ele não tem como ajudar a si próprio senão com a intervenção e o socorro de ambos (ALTHUSSIUS, 2003, p. 103-104)

O autor associa a viabilidade existencial dos náufragos-humanos à necessidade do

outro, do olhar ético do outro. Claramente, o laço social é apresentado como um resgate dos

naufrágios da vida.

A escritora e crítica cultural americana Susan Sontag (1933-2004), em seu livro Diante

da dor dos outros (2003), levanta questionamentos sobre a representação de imagens de

violência e reflete sobre os meios de difusão e recepção das imagens de guerra e do

sofrimento a que somos submetidos diariamente pela mídia cultural. A autora investiga o uso

e as funções que as imagens de guerra desempenham em diferentes meios e analisa suas

possíveis significações. O entrelaçamento desses aspectos leva à compreensão de como as

imagens podem denunciar as mais variadas formas de sensações, incluindo violência,

desprezo, apatia, medo, insensibilidade e indiferença.

A obra incita a descobrir quais sentimentos e sensações os seres humanos podem

vivenciar através das imagens de fotos de guerra, que mostram corpos lacerados de adultos e

crianças, e que despertam repugnância, a ponto de sentirmos vontade de não vê-las, de as

rejeitarmos. As fotos mostram “como a guerra despovoa, despedaça, separa, arrasa o mundo

construído” (SONTAG, S., 2003, p.12).

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As imagens de 11 de setembro, por exemplo, são cenas chocantes que mobilizaram

milhões de espectadores. O ataque terrorista foi impactante e representativo por atingir a

nação mais forte e invunerável, sob o ponto de vista militar e econômico, expondo as

fragilidades da maior democracia do planeta. Pessoas do mundo todo ficaram estarrecidas

diante das notícias e imagens transmitidas ao vivo, procurando entender quais os motivos para

tanto horror.

Dentro do Word Trade Center, o desespero tomou conta de muitas pessoas; algumas

que estavam nas proximidades dos primeiros andares atacados se jogaram pelas janelas, na

tentativa de escaparem de uma morte dolorosa. Entre as chamas e a fumaça, corpos caíam a

todo instante, diante da impotência de milhares de presentes no local e de milhões de

expectadores televisivos.

As câmeras mostravam os prédios pegando fogo, e os apresentadores das emissoras de

televisão tentavam explicar o que parecia inexplicável. A cidade foi tomada por espessa

nuvem de poeira, houve grande alvoroço e pessoas corriam para fugirem da catástrofe

tramada pelo terrorista fundamentalista saudita Osama Bin Laden (BURKE, 2007, p. 40), que

revelou ao mundo a fragilidade do mais poderoso de todos os países.

As cenas jamais poderão ser esquecidas; foram por demais chocantes e repudiadas

pelos principais governantes, de diversas nações. As mortes de milhares de civis, as pessoas

jogando-se das janelas, o fogo tomando conta rapidamente das torres gêmeas, os rostos

cobertos pela poeira, num ataque como aquele, reforçaram o sentimento de solidariedade, ao

mesmo tempo em que causaram repúdio quanto às atrocidade praticadas; enfim, dentro de

cada um de nós, formou-se um repertório das cenas visuais mais horrendas.

As imagens mostradas em tempo real captaram todo o drama que as pessoas estavam

sofrendo: as imagens de destruição – retratadas, seja pelas cenas dos edifícios em chamas, seja

pela fumaça de contornos satânicos, seja pelos corpos irreconhecíveis no chão – mostraram,

por um lado, a realidade nua e crua, sem máscaras, do que o ser humano é capaz de fazer

quando assim o deseja e, por outro, sua fragilidade e fraqueza ou “sua essência de vidro”, nas

palavras do escritor francês Jean-Claude Carrière (1942) (CARRIÈRE, 2007, p. 10).

O atentado ao World Trade Center, no dia 11 de setembro de 2001, foi classificado de

“irreal”, “surreal”, “como um filme”, em muitos dos primeiros depoimentos das pessoas que

escaparam das torres ou que viram o desastre por perto. Sontag (2003) indaga sobre o sentido

e a finalidade dessas imagens, fazendo uma análise sobre as motivações dos conflitos e

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questionando o comportamento individual e coletivo da população diante de certas

barbaridades, e a ligação entre todos os que foram testemunhas do evento. Aquelas imagens,

através das quais são passados os horrores dos conflitos, de tal forma se presentificaram que

atingem o ethos humano.

A falsa sensação de segurança, incluindo-se a ideia sobre o que é real ou não, fica

abalada diante da avalanche de imagens chocantes, que coloca o homem diante dos seus

medos, preconceitos e estigmas. Porém, essa visão distanciada dos fatos não nos exime de

saber de sua existência, como afirma Sontag:

De fato, há muitos usos para as inúmeras oportunidades oferecidas pela vida moderna de ver – a distância, por meio da fotografia – a dor de outras pessoas. Fotos de uma atrocidade podem suscitar reações opostas. Um apelo em favor da paz. Um clamor de vingança. Ou apenas a atordoada consciência, continuamente reabastecida por informações fotográficas, de que coisas terríveis acontecem (SONTAG, 2003, p. 16).

De acordo com o filósofo brasileiro Lima Lins (1955), em sua obra A indiferença pós-

moderna (2006), a época atual é marcada pela busca de um sonho revolucionário que traga

modificações e mude a fisionomia do planeta; porém, nosso mundo globalizado está

vinculado à ideia de inércia, apatia, insensibilidade moral, e o autor usaram o termo “dar os

ombros”, para representar a marca gestual dos nossos tempos de indiferença. O próprio

conceito de tempo foi modificado, o que importa é o tempo presente e, mais ainda, a rapidez e

fluidez do momento. Durante o século XX as atividades econômicas de produção tornaram-se

o centro de nossos esforços; consequentemente, estabeleceu-se um distanciamento de nós

mesmos, o que refletiu diretamente nos relacionamentos sociais, despersonificando o homem,

naquele momento os seres humanos eram considerados pelo que produziam e não por quem

realmente eram.

Hoje, o indivíduo está naufragando em si mesmo, chegando ao ápice de seu

individualismo.

Um indivíduo indiferente não sairia de seus embaraços para olhar e interferir no exterior. Voltado para um “eu” que só se dobraria ao peso da angustia, não possuiria disposição para mergulhar nas dificuldades alheias, por mais agudas que se mostrassem. A tal ponto permaneceria anestesiado que não perceberia aquilo que o ameaça em família, na pracinha ou no meio da multidão, partindo de um conhecido ou de um estranho (LINS, 2006, p.8).

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Quem seria esse novo indivíduo? Um indivíduo incapaz de sentir e de ser sentido?

Que homem surgiu no mundo contemporâneo, cujo olhar estaria focado em si próprio e traria

em si a marca desse novo tempo: a indiferença do outro? Além de não sentir, ele não vê, não

enxerga o que está em sua presença, como pontua o autor:

Ver impõe, às vezes, uma dor insuportável. Por instinto de defesa, preferimos substituir a realidade pela fantasia, o balanço pela versão ideológica, mesmo quando sentimos que se trata de um fragoroso engano, vide, novamente, a sociedade alemã e o holocausto (idem, p. 17).

Quando cita o holocausto como uma forma de entender as atrocidades, o autor assinala

que o indivíduo é capaz de cometer crimes sem pensar. E como o próprio mesmo coloca:

O resultado se reflete no olhar, num exercício do ver sem enxergar, como se um dispositivo da lucidez abrisse e fechasse as comportas da emoção de acordo com as circunstâncias (ibidem, p.112).

Indivíduos perdidos no tempo, vagando em um cotidiano célere e caótico, aos poucos

vão tornando-se alheios ao presente, como que desconectados de si mesmos, náufragos de si.

Para o filósofo Lima Lins,

Sem um futuro onde fixar os desejos, ficamos com os resíduos do passado. Com ele recuperamos fragmentos de esperança, mas também as formas de opressão que, congeladas, cristalizam as formas da experiência. Um processo de acomodação toma conta dos hábitos. Sem notar, a impressão de que usufruímos o possível, embora não o ideal, neutraliza a rebeldia no nascedouro, mesmo onde deveríamos conservá-los. O resultado ergue um ingrediente de frieza com que, nos atritos do cotidiano, levamos para casa a imagem de nossos semelhantes (LINS, op.. cit., p. 11).

Como o mundo e os acontecimentos são maiores do que as pessoas, o ritmo da

existência se consagra, supera as opiniões. De um modo ou de outro, imagina-se, a maioria

concorda com o status quo e não deseja mudá-lo.

O que dizer, no entanto, das sociedades atraentes, aquelas nas quais o insatisfatório se

equilibra com o sedutor e não estremece, não abala ideologias? O espírito de acomodação daí

proveniente aceita sem reclamar pressões que, por outro lado, em outros tempos, explodiriam

em conduta.

Note-se que deixar de perceber a crueldade é deixar de denunciá-la, aceitando-a como

uma das (inelutáveis) condições. Estamos a um passo, agindo assim, do holocausto,

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experimentado antes e anunciado (uma vez que dele fomos capazes) em proporções maiores,

se não terminais.

A indiferença: aquela insensibilidade frente a algo que nos deixa parados, em estado de não-dor, de não-sentir. Falar em indiferença não remete a extremos, a uma guerra, maremoto social. Enquanto estado d’alma, passa-se no interior de um tecido, como uma doença que invadisse e consumisse o organismo (ibidem, p.17).

Saber que coisas horríveis acontecem em várias partes do planeta e que ninguém fez

nada para impedir ou minimizar a dor dos outros revela a face mais cruel da cultura da

indiferença: o aumento das distâncias entre nós, o afrouxamento do ethos e a pérfida criação

de estigmas sociais.

Já faz tempo que os instrumentos utilizados nas guerras deixaram de ser apenas

“aparatos bélicos”; hoje, são empregadas técnicas de propaganda e guerras psicológicas que

visam ao controle do pensamento dos povos.

E é relativamente fácil inculcar “pré-conceitos” nas pessoas, basta espalhar o medo e

manipular o inconsciente social da população mundial (FROMM, 1992, p. 15).

A manipulação, que atualmente parece ser a mais perigosa é a que associa a ideia de

terrorista ao povo do Oriente Médio, estigmatizando todos os mulçumanos. Também na

Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler utilizou-se de técnicas da propaganda, com tamanha

maestria macabra, que foi capaz de convencer o seu povo de que os judeus, os ciganos e

outros eram uma espécie de subraça que não merecia permanecer sobre a terra e que nem

mesmo algum sentimento de piedade lhe era cabível.

Será que não aprendemos a lição? A mensagem que a mídia passa é a de que a maioria

do povo do Oriente Médio é extremamente violento, inculto, composto de fanáticos religiosos,

mas isso é, no mínimo, irresponsável, e estigmatizante.

O termo “estigma” indica um atributo depreciativo, que pode ser visível ou imputado

ao outro pelos que se consideram “normais”. Em casos como raça, religião, postura político-

ideológica, classe social etc., o estigma expressa uma postura não apenas de animosidade, mas

também de percepção ideológica valorativa de quem se considera superior ou normal. O outro

é categorizado como não natural, fora do comum.

O estigma também pode ser uma defesa assumida pelo estigmatizado, caso ele adote a

postura de vítima e procure, até, tirar vantagens da situação. Muitas vezes, o estigma funciona

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como um elemento subjetivo que protege o indivíduo e justifica seus fracassos pessoais,

determinados não necessariamente pela condição pela qual o estigmatizam.

Outros adotam o estigma: assumem-se como normais; os outros é que não seriam

plenamente humanos. Para Goffman, “esta possibilidade é celebrada em lendas exemplares

sobre os menonistas, os ciganos, os canalhas impunes e os judeus ortodoxos” (GOFFMAN,

1982, p. 16).

Em muitos casos, a tendência é que os estigmatizados agrupem-se, o que lhes dá o

sentimento de pertencimento a uma comunidade; os iguais defendem-se e estabelecem formas

de reação. Por compartilharem o estigma, apoiam-se uns nos outros. Mas, há também a

possibilidade de esse apoio vir dos “informados”, que, na definição de Goffman, são:

Os que são normais, mas cuja situação especial levou a privar intimamente da vida secreta do indivíduo estigmatizado e a simpatizar com ela, e que gozam, ao mesmo tempo, de uma certa aceitação, uma certa pertinência cortês ao clã. Os “informados” são os homens marginais diante dos quais o indivíduo que tem defeito não precisa se envergonhar nem se autocontrolar, porque sabe que será considerado como uma pessoa comum (idem., p. 37).

Os informados são as pessoas que trabalham diretamente com os estigmatizados:

enfermeiras, psicólogos, funcionários treinados para agir diante de determinados públicos etc.

Um segundo grupo de informados é composto por aqueles que se relacionam intimamente

com o que sofre o estigma: amigos mais próximos, família, prestadores de serviços etc.

O informado aparece como o normal na relação, ainda que compartilhe o estigma. O

problema é que esta relação é complexa, tanto do ponto de vista do normal quanto do

estigmatizado. O primeiro poderá não conseguir superar a difícil tarefa de ver o outro como

uma pessoa tão comum quanto ele, de forma que o estigma não lhe tire o caráter de humano e

o diferencie do gênero. Por outro lado, ao compartilhar o estigma, no caso da família, por

exemplo, o sujeito pode não suportar as consequências de também ser estigmatizado.

Quem sofre o estigma também terá a difícil tarefa de evitar o isolamento autoprotetor e

não adotar uma postura agressiva e sectária diante do outro que o estigmatiza. Como lembra

Goffman:

O estigmatizado pode, também, questionar abertamente a desaprovação semioculta com a qual ele é tratado pelos normais, e esperar até apanhar o “informado”, que se autodesignou, como tal, “em falta”, isto é, continuar a examinar as ações e as palavras dos outros até obter um sinal fugaz de que as suas demonstrações de aceitação do estigmatizado são apenas na aparência (ibidem, p. 125).

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Toda vez que a possibilidade do estigma se faz presente, isto é, quando o indivíduo se

encontra numa situação em que sua aceitação social não é plena, a relação de alteridade é

complexa. Pode ocorrer, por exemplo, que não lhe imputemos o estigma. Mas não nos

iludamos: o signo que tal pessoa incorpora, como sua condição étnica, induz à estigmatização

social, ainda que na relação individual isto não ocorra.

Quando ocorre o estigma, existe um paradoxo: ao mesmo tempo em que

estigmatizamos, exigimos do estigmatizado que se comporte de maneira a demonstrar que o

atributo originário do estigma não significa uma carga pesada nem que o torna diferente de

nós. Por outro lado, impomos um distanciamento que assegure que isto é verdadeiro:

Em outras palavras, ele é aconselhado a corresponder naturalmente, aceitando com naturalidade si mesmo e aos outros, uma aceitação de si mesmo que nós fomos os primeiros a lhe dar. Assim, permite-se que uma aceitação-fantasma forneça a base para uma normalidade-fantasma (ibidem, p. 133).

Em suma, por mais que os normais ou informados se recusem a ver no outro um ser

cuja humanidade se diferencie por algum atributo qualquer, isto não anula o estigma, que se

manifesta em relações intraindivíduos, marcadas pelo preconceito e descrédito em relação ao

outro. Segundo Goffman:

A situação especial do estigmatizado é que a sociedade lhe diz que ele é um membro do grupo mais amplo, o que significa que ele é um ser humano normal, mas também que ele é, até certo ponto, “diferente”, e que seria absurdo negar essa diferença. A diferença, em si, deriva da sociedade, porque, em geral, antes que uma diferença seja importante ela deve ser coletivamente conceptualizada pela sociedade como um todo (ibidem, p. 134).

Ainda que o fato de uma pessoa ser negra ou pertença à religião judaica ou muçulmana

não tenha a menor importância em si, no sentido que a vemos como um ser humano igual, o

estigma já está socialmente dado e não podemos desconsiderá-lo. O mesmo vale para o

estigmatizado. A alteridade intra e extragrupo é uma componente da sua identidade.

Em geral, adotamos estigmas. Assim, alienamos o humano do seu SER e definimo-lo

pela sua identidade/singularidade. Se o estigma se manifesta nas relações entre os indivíduos,

resta-nos analisar a relação entre os indivíduos e os grupos, ou seja, os indivíduos reagem ao

grupo e vice-versa. Se há uma interação entre ambas as esferas e se o indivíduo consegue

manter sua autonomia em relação ao grupo ou é submetido a este.

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Goffman ajuda a responder estas questões. Seu ponto de partida é o conceito de face:

O termo face pode ser definido como o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada durante um contato específico. Face é uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados (ibidem, p. 76).

Vivemos como se fôssemos atores cujo palco é a vida. O objetivo é obter efeito sobre

os outros, resguardar-se nas relações, controlar o ambiente, não colocar a face em risco.

Tendemos à construção de imagens (papéis) que se adaptem aos diferentes contextos. Na

esfera pública representamos vários papéis conforme as necessidades circunstanciais. Na

esfera privada é como se fôssemos outra pessoa, outro EU. Em ambas dissimulamos. O

indivíduo é cindido de acordo com as esferas da sua atuação.

Em outras palavras, não podemos ser o EU genuíno sob pena de sermos ridicularizado

ou cairmos em desgraça no grupo, ou seja, de perdermos a face. Há certas regras e

procedimentos que devemos seguir: para salvar a face é preciso adequar-se à formalidade e à

informalidade do grupo. Nos termos de Goffman, na ânsia da segurança, de salvar a face,

representamos o tempo todo.

Essas dinâmicas não dependem apenas da vontade individual; resultam de

determinações sociais:

A face dos outros e a própria face são construtos da mesma ordem; são regras do grupo e a definição da situação que determinam a quantidade de sentimento ligado à face e como esse sentimento deve ser distribuído entre as faces envolvidas (ibidem, p. 76-77).

Se, como afirma Goffman, estamos submetidos à coerção do grupo, o que ocorre

quando nos rebelamos ou não nos identificamos com o grupo ou não obedecemos a suas

regras? No extremo, corremos o risco do isolamento, da exclusão do grupo. É simples: o

grupo também tem determinadas expectativas quanto aos seus membros, e caso esses não

correspondam às expectativas, descarta-os. Os atributos do grupo e sua relação com a face

transformam seus membros nos próprios carcereiros.

“Trata-se de uma coerção social fundamental, mesmo que todo homem goste de sua

cela”, afirma Goffman (ibidem, p. 81). O fundamento para o autoaprisionamento em torno de

uma imagem determinada pelo grupo e pela necessidade de salvar a face está na própria

estrutura da sociedade atual, cada vez mais competitiva. Submeter-se ao grupo é essencial

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para a sobrevivência e/ou ascensão social. Talvez esta seja a melhor forma de definir o que

Goffman chama de face positiva.

Ao longo da sua exposição, Goffman deixa subentendida a ideia de que, ainda que

existam diferenças culturais, todos são iguais em todos os lugares, sobretudo, porque temos a

mesma natureza humana universal. Se somos tão iguais, também nos igualamos na

necessidade de dissimular, de adotar e representar papéis conforme as circunstâncias e as

exigências do grupo. Isso seria uma deformação do indivíduo; afinal, como explicar os

preconceitos, a submissão dos indivíduos à coerção do grupo, se somos todos membros de

uma mesma natureza humana universal?

O fato de sermos negros ou não, feminino ou masculino, heterossexual ou

homossexual, judeus ou cristãos, não deveria ter tanto peso nas relações dos indivíduos entre

si e perante os grupos sociais.

Se as pessoas têm uma natureza humana universal, não é a elas que se deve observar para explicá-la. Deve-se, em vez disso, observar o fato de que qualquer sociedade, se quiser ser uma sociedade, deve mobilizar seus membros como participantes auto-reguladores em encontros sociais. O ritual é uma forma através da qual se pode mobilizar o indivíduo para este propósito. Ensina-se o indivíduo a ser perceptivo, a ter seus sentimentos ligados ao self através da face, a ter orgulho, honra e dignidade, consideração, tato e uma certa aplomb. Estes são alguns dos elementos de comportamento que devem ser embutidos na pessoa, caso se queira fazer qualquer uso da mesma como um integrante, e são esses elementos a que as pessoas, em parte, se referem quando falam de uma natureza humana universal (ibidem, p. 107).

O desconhecido é o estrangeiro de outro país, de outra língua, de outra religião; é o

outro que está também em nós. A psicanalista búlgaro-francesa Julia Kristeva (1941) salienta

que o estrangeiro é, na verdade, o outro que habita em nós, um duplo de nós mesmos. Em suas

palavras: “O estrangeiro habita em nós, ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que

arruína a nossa morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia”

(KRISTEVA, 1994, p. 9).

É uma resposta possível que levanta novas questões e indica novos caminhos.

6.2 A TOTALIDADE DO EU DEFININDO IDENTIDADE, ALTERIDADE E

SINGULARIDADE

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É na relação entre o EU e o OUTRO que se constrói a identidade do EU, isto é, cada

indivíduo se completa e se efetiva no relacionamento com os que estão a sua volta, em seu

convívio. Segundo o psicanalista escocês Ronald Laing (1927-1989), “não podemos fazer o

relato fiel de uma pessoa sem falar do seu relacionamento com os outros” (LAING, 1986, p.

78).

Mas não se trata de indivíduos abstratos, isolados do contexto social; há uma estrutura

sócio-político-econômica que interage e influencia a efetivação da identidade. O filósofo

francês Pierre Felix Guattari (1930-1992) e a psicanalista brasileira Suely Rolnik (1947), ao

deslocarem o foco da sua análise para a micropolítica, oferecem uma contribuição importante

para a compreensão das relações entre os indivíduos e as estruturas sócio-econômicas. De

início, os autores diferenciam identidade e singularidade, conferindo à primeira um conceito

existencial e à segunda um conceito de referenciação, de circunscrição da realidade a quadros

de referência, que podem ser imaginários (GUATARRI & ROLNIK, 1986, p. 68).

Enquanto a identidade diz respeito ao reconhecimento, a singularidade articula todos

os elementos que costumeiramente constatamos quando definimos a identidade do indivíduo:

sentimentos, desejos, atitudes, considerando-se determinados contextos.

A singularidade não é vista apenas como “sinônima” de “diferente”; é mais ampla. Se

afirmo “sou fulano e estou aqui”, apenas me identifico. A singularidade é muito mais

complexa do que a afirmação de “quem sou eu”; ela resulta do cruzamento das várias formas

do meu SER, em relação às pessoas e às estruturas que me cercam. Nas palavras de Guattari

& Rolnik, “a identidade é aquilo que faz passar a singularidade de diferentes maneiras de

existir por um só e mesmo quadro de referência identificável” (ibidem, p. 68-69).

É interessante observar que a identidade está relacionada a processos de identificação,

a partir da simples afirmação do nome próprio até a sujeição a procedimentos policiais,

burocráticos, documentais etc.

Tais formulações são um convite à reflexão crítica sobre a complexidade do real e do

lugar da subjetividade, por se referirem tanto à dimensão sócio-econômica, quanto à das

relações entre os indivíduos, ou seja, dizem respeito a processos de singularização, marcados

e consubstanciados na subjetividade capitalista. Temos ainda de considerar a relação entre os

sujeitos e as instituições, cujo caráter capitalista permeia a singularidade e determina a

subjetividade. Com efeito, a subjetividade burguesa envolve todos os aspectos da vida social,

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em suas esferas econômicas, sociológicas, antropológicas, privada e pública, individual e

coletiva.

Até que ponto é possível escapar da subjetividade capitalista, arraigada no ser

humano? Se o “inimigo” se infiltra em todos os interstícios da sociedade, até que ponto a

crítica ao status quo não se resume à retórica? Qual a exata medida da coerência se

escondemos, no e pelo discurso pretensamente revolucionário, o mais desvairado e pervertido

desejo de dominar, de controlar o poder, de submeter coisas e pessoas aos desígnios

burocráticos e particularistas? Em suma, será possível escapar à subjetividade capitalista?

São perguntas necessárias para delimitar claramente o ser contraditório que somos na

pós-modernidade. Se tivermos consciência de que somos incompletos, justamente pela

condição humana (só os deuses não erram e, mesmo assim, temos divindades que representam

o bem e o mal), o risco da apologia ou do maniqueísmo é menor.

Essa reflexão teórica permite relacionar o indivíduo e as instituições que compõem a

estrutura sócio-econômica da sociedade, além de pensar o micro e sua relação com o macro.

Se, como afirmam Guattari & Rolnik, “a questão da micropolítica é a de como reproduzimos

(ou não) os modos de subjetividade capitalista”, torna-se possível apreender as diversas

formas de ser do indivíduo tanto no nível macro quanto no micro (ibidem, p. 21).

Somos determinados pela relação com o meio: transformamos e somos transformados

através da interação; daí, tomarmos como dialética a relação entre o indivíduo e as

instituições. É verdade que a subjetividade capitalista (em outras palavras, seus valores,

ideologia etc.), submete singularidades e influencia práxis; no entanto, não somos apenas

reflexo do meio. Aliás, a capacidade de interação com o meio possibilita condições de

compreendê-lo criticamente e também de transformação e de libertação das suas amarras.

É certo que esse poder é relativo: não escapamos de forma absoluta às artimanhas do

“inimigo”. Do ponto de vista da subjetividade, somos todos burgueses: pensamos e agimos de

acordo com os valores ideológicos que predominam na sociedade e dos quais estamos

imbuídos.

Mais uma vez, o conceito de identidade vem reforçar a teoria: “A primeira identidade

social da pessoa lhe é conferida pelos demais. Aprendemos a ser quem nos dizem que somos”

(LAING, op. cit., p. 90).

Se concordarmos com Laing, devemos indagar sobre quem é o OUTRO que determina

identidades. À primeira vista, parece absurdo determinar-se o EU pelo que o OUTRO pensa

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dele. De fato, nossas ações são determinadas na relação com os outros, os quais nos

influenciam ao ponto de desempenhamos papéis diferenciados. Assim, nossa autoidentidade é

fortemente sugestionada pelo que pensamos sobre o que o outro pensa sobre nós. É só na

relação com o outro que pode ocorrer a complementaridade.

Essa complementaridade, contudo, nem sempre é genuína. Ela pode ser negativa, no

sentido da anulação do EU em função do OUTRO. Como escreve Laing, “o OUTRO, por

intermédio de suas ações, pode impor ao self uma identidade indesejada” (idem, p. 78).

Guattari & Rolnik (ibidem) vão além; para eles, “identificar” as pessoas pelas

características que as diferenciam é como colocá-las em oposição aos demais.

Terminamos por construir dualidades que se excluem. Assim, definir os indivíduos

pela cor, opção sexual, etnia etc. significa afirmar identidades não necessariamente

complementares (Laing) ou singulares (Guattari & Rolnik).

Assim, é mais apropriado a referência às singularidades, no sentido de que há

processos diferentes (GUATTARI & ROLNIK, op. cit., p. 79).

Afirmar as singularidades implica a ideia de um devir, ou seja, “a possibilidade ou não

de um processo se singularizar” (idem, p.74).

A afirmação étnica, de gênero, opção sexual etc., não é, para eles, “uma questão de

identidade cultural, de retorno ao idêntico”, mas, sim, “uma problemática da multiplicidade e

da pluralidade”. Só pelo processo de singularização será possível as chamadas minorias

romperem com as “estratificações dominantes”: “Toda vez que uma problemática da

identidade ou do reconhecimento aparece em determinado lugar, no mínimo estamos diante de

uma ameaça de bloqueio e de paralisação do processo” (ibidem., p. 77).

Uma forma capaz de evitar esse bloqueio e de impedir que a afirmação da

singularidade, sob determinadas circunstâncias, resulte na “retificação de um devir individual”

seria a micropolítica. “Esta forma singular de conceber a política, a partir das microrrelações,

sem descartar a esfera macroestrutural”, consiste precisamente em “criar um agenciamento

que permita, ao contrário, que esses processos (de singularização) se apoiem uns aos outros,

de modo a intensificar-se” (ibidem, p.79).

Buscamos nos ver como iguais, como portadores de uma mesma identidade humana.

Contudo, por mais que reconheçamos esse ideal igualitário, a problemática se mantém. O que

é ser negro, judeu, mulher ou homossexual, numa sociedade excludente? O negro reconhece-

se como negro, o judeu enquanto tal e assim sucessivamente. Nesse ponto, coloca-se uma

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questão: se é possível ver o outro apenas como uma singularidade – em detrimento de vê-lo

simplesmente como mais um membro da espécie humana – e se tal reconhecimento evita que

ele se veja como uma singularidade. O não reconhecimento de que o Outro é uma alteridade

singular que se diferencia de mim por diversas características culturais não deveria impedir

que eu o veja como um igual, no sentido de que pertencemos à mesma humanidade.

Na vida real, as respostas nem sempre são positivas. Goffman (1982) mostra como as

pessoas são categorizadas de acordo com atributos que a sociedade estabelece e reconhece

como válidos para que sejamos identificados como normais. Se temos alguma característica

considerada incomum ou antinatural, imputam-nos um estigma.

O negro, o judeu, o pobre, o homossexual, a prostituta, o que tem deficiência corporal

etc. sabem e sentem o que é ser estigmatizado. Com efeito, a palavra “estigma” tem sua

origem entre os gregos, na Antiguidade. O povo que legou à cultura ocidental a filosofia e a

ideia de política democrática usava este termo quando se referia a:

(...) sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, criminoso ou traidor – uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada, especialmente em lugares públicos (GOFFMAN, op. cit., p. 11).

Na Era Cristã, o estigma se expressa através de sinais corporais, indicativos da graça

divina no indivíduo ou, simplesmente, da presença de um distúrbio físico. A verdade é que a

anomalia corporal, ou uma característica qualquer que o categorize entre os que não são

normais, induz ao estigma. Mas, como escreve Goffman, o termo estigma “é mais aplicado à

própria desgraça do que à sua evidência corporal” (ibidem, p. 13).

6.3 O PODER DA IMPOTÊNCIA

6.3.1 O Poder

Vivemos numa época complexa e paradoxal, onde o desenvolvimento tecnológico de

última geração faz o homem sentir-se onipotente, a priori, para, a seguir, torná-lo impotente.

Instaura-se, dessa forma, o domínio do vazio e da impotência – um viver à beira da

insuficiência e da incerteza.

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A insuficiência que acompanha o desamparo também é constitutiva da condição

humana. Estamos cientes de que nunca teremos ou saberemos tudo, que algo sempre escapará

do poder de apreensão e compreensão. Informações sobre uma outra “versão” dos atentados

de 11 de setembro, em documentários independentes, assombram na internet, por exemplo,

não importando a veracidade dos fatos, coloca o sujeito diante da impotência de que nunca

saberá toda a verdade; nesse momento, a escolha ética é preciosa, sob pena da indiferença e da

concordância com o jogo brutal da manipulação dos fatos e da opinião pública, para servir a

interesses escusos de um poder avassalador e invisível. Procurar respostas para as motivações

que levaram aos ataques terroristas nas últimas duas décadas impõe um questionamento sobre

as raízes desta ameaça. O habitual pragmatismo norte-americano, abraçado por algumas

nações europeias, prefere “cortar o mal pela raiz”, ainda que isto custe um desmatamento

linear de arbustos, coníferas e de extensas áreas de lavoura. Tudo se justifica para impedir que

algumas plantas carnívoras, escondidas na mata, possam causar mais danos aos povos

“civilizados” do mundo.

O jornalista americano Jason Burke (1967) usa um termo do ex-presidente George W.

Bush que, em resposta ao atentado de 11 de setembro, conclamou a nação dos homens livres a

encurralar esta “gangue de malfeitores” e, para alcançar êxito, usou a propaganda com toda a

sua força. “Políticos dos EUA e do Reino Unido, funcionários do FBI e da CIA, divulgaram

relatórios sobre as responsabilidades pelas atrocidades terroristas nos Estados Unidos em 11

de setembro de 2001, visando a preparar um público relutante para a guerra contra o Iraque”

(BURKE, 2007, p. 36).

Para vencer o medo do desconhecido tribos ancestrais já sabiam que era preciso

nomear o inimigo, desta forma foi atribuído um poder ímpar de organização e logística a Al-

Qaeda, que passou a ser o inimigo público número um de todos os países que precisassem de

alguma justificativa para obter apoio político, financeiro ou militar dos EUA.

Diversos crimes passaram, a partir de 2001, a ser atribuídos a Al-Qaeda e a Bin

Laden, mentor, financiador e estrategista desta rede de terroristas internacionais, dispostos a

destruir a confiança de países invasores no Afeganistão, Arábia Saudita, Bósnia, Argélia e

demais nações muçulmanas que são ou foram alvo de alguma intervenção militar, política ou

cultural nas últimas décadas. Guardando as devidas proporções, há semelhanças entre a

propaganda nazista contra o judaísmo que lhe imputou responsabilidade por inúmeras mazelas

da sociedade alemã, e o papel atribuído a Al-Qaeda pelos países aliados aos EUA no século

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XXI. Ambas visaram mudar o foco da sociedade dos seus verdadeiros problemas como falta

de empregos, moradia, mobilidade social, acesso a educação, corrupção, etc.

Segundo Burke, Al-Qaeda, que significa entre outras coisas: base, fundações,

princípios, não é uma organização terrorista pronta para atacar em qualquer parte, comandada

por um líder rico e religioso que, se for eliminado estaremos vivendo em um mundo melhor,

mas sim, um sistema de crenças, uma forma de pensar e interpretar o mundo e seus eventos, a

partir de experiências vividas pelos participantes da militância islâmica, baseada em tradições

que remetem aos primórdios da fé muçulmana.

O crédito de diversas ações terroristas atribuído a Bin-Laden estaria longe de ser

merecido, apesar da sua participação na vitória dos Mujahedin afegãos sobre os invasores

soviéticos, houve, entre seus pares e colaboradores importantes divergências sobre métodos,

crenças políticas e religiosas. O que a sua personalidade enigmática tentou a partir de 1996 foi

cooptar os inúmeros movimentos independentes pela liberdade das nações islâmicas, em uma

força única, a partir de sua base de operações oferecida pelos Talibãs no Afeganistão. Muitos

líderes muçulmanos, responsáveis ou não por ações terroristas, preferiram evitar aproximar-se

de Bin-Laden ou vincularem-se à Al-Qaeda, visando a manter sua autonomia e a atuar

somente na luta de seus próprios países, ignorando por completo objetivos políticos ou ações

de repercussão internacional (idem, p. 31).

Há uma referência na obra de Burke (idem, p. 32), que chama atenção para o perigo

crescente que a influência de Bin Laden exerceu entre 1996 e 2001, pelas inúmeras

solicitações de jovens suficientemente motivados para devotar suas vidas e energia em favor

da face mais extrema da militância islâmica. Pedidos de apoio “logístico” vindos desde o

Marrocos até a Malásia, para ataques-bombas, assassinatos e execuções em grande escala.

Difícil imaginar que as agências de informação ocidentais não tenham tido

conhecimento deste tipo de ameaça, de uso de violência contra alvos simbólicos das nações

que representam uma afronta à militância islâmica. Mais difícil talvez seja compreender que o

argumento utilizado para iniciar uma guerra contra um inimigo identificado voltou-se contra

seu idealizador, pois como explicar que a maior potência militar do planeta, apoiada ou não

por um mandado das Nações Unidas, não conseguisse localizar e neutralizar um grupo de

fanáticos, dispersos num país pobre e desprovidos da tecnologia e de um exército? Os

recursos aliados parecem insuficientes para vencer uma mentalidade intolerante, dissuadir

uma convicção fundamentada em crenças religiosas e sobrepor-se à ignorância e indiferença

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de uma miríade de grupos e indivíduos movidos por um orgulho ferido que remonta aos

tempos bíblicos.

Burke comenta que os terroristas vêem-se engajados numa guerra cósmica entre o bem

e o mal, entre crença e descrença, cuja participação enche de orgulho e prestígio aqueles

guerreiros que se dispõem a lutar. Como em todas as guerras, está implícita a possibilidade de

vitória que pode ser entendida como uma ascensão social ou espiritual, caminho para

transposição das atuais limitações terrenas. Como citado pelo intelectual e sociólogo Mark

Juergensmeyer: “Ficar sem estas imagens de guerra é quase como ficar sem a própria

esperança”. O Islã por ser uma religião politizada, potencializa as possibilidades de

interpretação de justificativas para “salvar o mundo” e utilizar meios (tecnologias) que lhes

pareçam instruções do profeta Maomé para viver neste mundo. Cabe citar que o próprio

Maomé, além de profeta, foi guerreiro, mercador, filósofo, juiz e reformador social radical

(BURKE, p. 45).

“Enfrentai e matai os pagãos onde os encontrardes e capturai-os, cercai-os e deitai à

espera deles” – Versículo (9:5) do Corão, conhecido como versículo da espada, citado por

Bin-Laden para explicar o significado da verdadeira Jihad e lutar em nome de Alá.

Os verdadeiros crentes nunca se desviarão desta tarefa “A suprema Jihad é ter o seu

sangue derramado”. A luta cósmica entre o bem e mal, conforme explicada pelo pensador

radical egípcio Syed Qutb, visa a abolir os sistemas políticos opressivos afirmando que:

“Depois de aniquilar as forças tirânicas, seja de ordem política ou racial, seja a dominação de

uma classe sobre a outra dentro da mesma raça, o Islã estabelece um novo sistema social e

econômico em que todos os homens gozam da verdadeira liberdade”. Numa versão mais

radical da percepção generalizada no Oriente Médio, o Ocidente nunca desistiu do projeto das

cruzadas e, portanto, representa uma ameaça para a comunidade muçulmana.

Atos de terror espetaculares, principalmente envolvendo o suicídio dos terroristas não

devem ser vistos como a realização de um objetivo mundano. São antes uma demonstração de

fé realizada diante de Deus por um indivíduo. Os objetivos ou inimigos locais diretamente

afetados são irrelevantes, demonstrando, que, segundo Burke (p. 50), a Jihad não espera um

resultado ou vitória imediata com seus atos, pelo contrário, o escopo desta luta não se limita

ao plano terreno ou ao período de uma vida, aumentando ainda mais o aspecto de indiferença

para com o outro e para consigo próprio.

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6.3.2 A Impotência

As terríveis evidências, relatos de testemunhas e ausência de respostas convincentes

por parte das autoridades norte-americanas têm provocado crescente clamor de parentes das

vítimas do atentado terrorista nos EUA34. Críticos do relatório 9/11, publicado, em 2004, pela

comissão de investigação oficial do governo Bush, e a maioria da população do Estado de

Nova Iorque35 reivindicam a instalação de uma nova comissão independente, para averiguar

os fatos ocorridos naquele fatídico episódio.

As fotos liberadas pelas agências autorizadas a reportarem os danos causados no

Pentágono não mostram destroços de aeronaves. Por sua vez, o desaparecimento das quatro

caixas-pretas dos aviões envolvidos no ataque e a forma como as torres gêmeas

desmoronaram têm sido questionados, em entrevistas e nos sites de discussão relacionados36,

sobre a capacidade destrutiva provocada pelo impacto daquelas aeronaves.

Críticos da versão oficial, como Hufschmid (2002) e Sonnenfeld (2009), levantam

dúvidas sobre as causas do desabamento do edifício no.7, que pertence ao complexo do World

Trade Center37, que não foi diretamente atingido pelos aviões envolvidos no atentado e, no

entanto, mais de 6 horas após o ataque, ruiu como um castelo de cartas, como costumam

desmoronar os edifícios que têm seus alicerces implodidos para desabarem de forma ordenada

e simultânea.

A relutância do governo americano em divulgar imagens gravadas pelas câmeras dos

edifícios próximos ao Pentágono, que revelariam altitude, rota e características da aeronave

que atingiu o prédio, impede esclarecer as reduzidas dimensões dos estragos causados,

consideradas incompatíveis com os danos que provocariam um avião do porte do voo da

AA7738.

Documentaristas americanos internacionalmente conhecidos, como Michael Moore39,

questionaram a indiferença do governo Bush ao risco de ataques terroristas. Outras produções

investigativas procuraram analisar o conjunto de fatos os quais antecederam e sucederam o 34 Sites relacionados: WWW.911forum.org.uk; WWW.truthforum.co.uk ; WWW.911review.com; WWW.reopen911.org ; WWW.HugeQuestions.com. Acesso em setembro de 2009. 35 Pesquisa de opinião: “Reopen 9/11 Investigation, publicado no sítio WWW.zogby.com em 2 de setembro de 2004 acessado em 20 de setembro de 2009. 36 “El camarógrafo de USA que podria probar que el atentado al WTC fue un trabajo interno”, publicado no sítio WWW.urgente24.com em 12/6/2009, acessado em 20 de setembro de 2009. 37 Vídeo “El edifício WTC7” URL: http://youtube.com/watch?v=OT9PoG7zusO, acessado em 20/9/09. 38 Vídeo “Misterios del 9-11” URL: HTTP://www.youtube.com/watch?v=P6JLjcxDEns, idem. 39 Vídeo “Fahrenheit 9/11” lançado no Brasil em 30/7/2004.

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atentado de 11/9/2001, como: “WTC 7 - Evacuation came BEFORE WTC COLLAPSE”,

publicado pelo History Channel40; investigações de outros jornalistas e escritores, dentre elas

o comportamento anormal na Bolsa de Valores de Nova Iorque, com extraordinária

negociação de ações das companhias United Airlines e American Airlines, nos dias que

antecederam os ataques, comentados por Dylan Ratigan, da Bloomberg Business News41, e

por John Kinnucan, da Broadband Research42.

Parte da sociedade norte-americana tem manifestado suspeitas quanto à omissão do

governo Bush nos atentados de 11/9/2001, questionando o conhecimento prévio do serviço

secreto dos EUA e, possivelmente, de países aliados, de que a Al-Qaeda estaria planejando

um ataque com uso de aeronaves a pontos estratégicos dos EUA. Tomando por base que o

governo americano vem seguindo os passos de Bin Laden desde o governo Clinton, não é

exagero supor que a CIA, agência de informações dos EUA, e o FBI estivessem a par de um

ataque de tamanha complexidade.

Os autores e os sítios de discussão supracitados, que pedem a reabertura das

investigações, sugerem que o governo Bush teria planejado o uso político do ataque terrorista

como pretexto para obter apoio popular para uma intervenção, a título de retaliação, nos

países que apoiam a Al-Qaeda, o Iraque e o Afeganistão.

Supostos interesses econômicos da indústria armamentista, das empresas de

reconstrução de infraestrutura de países destruídos por guerras e de países produtores de

petróleo, inimigos de Sadam Hussein, poderiam ter apoiado uma intervenção militar para

depor o regime ditatorial iraquiano, sob alegações de que este estaria produzindo armas de

destruição em massa, como alegado pelo Secretário de Estado à época, General Colin Powell.

Imaginar que os Estados Unidos da América seriam capazes de cometerem um crime

tão brutal contra sua população e contra a própria humanidade vai muito além da mera

compreensão humana sobre fenômenos extremos.

Nesse ponto, é preciso ressaltar que incluímos essas informações sobre o que circula

nos meios de comunicação mundial, numa tentativa de exemplificar o caos do terror, o

terrorismo virtual, o terrorismo das teorias de conspiração. A cultura do medo, aliada à cultura

da indiferença, não nos permitirá a audácia da esperança?

40 URL: HTTP://www.youtube.com/watch?v=Wf52SayA1w8 , acessado em 20 de setembro de 2009. 41 ABC News em 20 de setembro de 2001. 42 Associated Press 18-9-2001 e San Francisco Chronicle de 19-9-2001.

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6.4 BARACK OBAMA: MUITO ALÉM DA INDIFERENÇA

Eu aprendi a ir e a vir entre o meu mundo branco e o meu mundo negro (...), certo de que, com um pouco de tradução da minha parte, os dois, no final, entrariam em convergência.

Barack Hussein Obama, A Origem dos meus Sonhos 2008.

Barack Obama (1961) assume a presidência dos Estados Unidos da America num

momento em que a globalização enfrenta os terríveis efeitos de sua primeira guerra, os

imensos desafios da economia global sustentável e do desenvolvimento humano. O momento

pode ter convocado Obama, mas este momento comporta grandes responsabilidades e

dificuldades. Entramos em uma recessão mundial de confiança, de solidariedade, de respeito e

tolerância entre os povos. A chegada de Obama ao poder sinaliza a derrota de uma política

militar, agressiva e desumana. Depois do 11 de setembro, o governo do presidente George W.

Bush (de 2001 a 2009) impôs ao mundo uma dolorosa agenda bélica com conotações racistas

que feriram mortalmente os direitos humanos.

Portanto a chegada de Barack Obama a presidência americana é uma resposta contra

este modelo e a esperança para um novo mundo, menos indiferente É um momento histórico e

um indício de que o mundo está entrando em uma nova era.

Barack Hussein Obama II nasceu no Havaí, em 04 de agosto de 1961. Seu pai, Barack

Obama pai, nasceu e se criou num pequeno vilarejo do Quênia, onde cresceu cuidando de

cabras ao lado do próprio pai, que era um empregado doméstico de ingleses.

Ann Dunhham, a mãe de Barack, cresceu numa pequena cidade do Kansas. O pai de

Ann trabalhou com equipamentos de petróleo durante a Depressão, e, depois de Pearl Harbor,

alistou-se para a II Guerra Mundial, quando cruzou a Europa no exército do General Patton.

Sua mãe foi trabalhar numa linha de montagem de bombas e, depois da guerra, eles estudaram

no G. I. Bill, compraram uma casa por meio de um programa imobiliário federal e mudaram-

se para o Havaí. “Eu sei que ela foi a alma mais doce e generosa que eu conheci na vida, e que

devo a ela as melhores coisas que tenho na vida” (OBAMA, 2008, p. 9).

Foi na Universidade do Havaí, que os pais de Barack se conheceram. Sua mãe

estudava lá e seu pai tinha ganhado uma bolsa de estudos que lhe permitia deixar o Quênia e

correr atrás de seus sonhos na América. O pai de Barack, posteriormente, retornou ao Quênia,

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e Barack cresceu com a mãe no Havaí, viveu por poucos anos na Indonésia, mudou-se mais

tarde para Nova York, onde se graduou na Columbia University, em 198343.

6.4.1 Os Anos da Faculdade

Relembrando os valores da empatia e do trabalho, ensinados por sua mãe, Barack foi

morar em Chicago, em 1985, onde se tornou um agente comunitário de um grupo baseado em

uma igreja que procurava melhorar as condições de vida da vizinhança, afligida pelo crime e

alto desemprego.

O grupo teve algum sucesso, mas Barack observou que, se ele quisesse

verdadeiramente melhorar a vida das pessoas daquela comunidade e de outras comunidades,

não deveria conseguir apenas uma mudança de padrões locais, mas outra bem maior: a das

leis e da política. Com isso, ele concluiu o curso de advocacia em Harvard, em 1991, onde se

tornou o primeiro presidente afro-americano da Revista de Direito de Harvard. Pouco depois,

retornou para Chicago para praticar como advogado de causas civis e ensinar Direito

Constitucional, onde prestou serviços pro oito anos. Em 2004, tornou-se o terceiro afro-

americano, desde a Reconstrução, a ser eleito Senador dos Estados Unidos.

6.4.2 A Carreira Política

As experiências políticas da vida de Barack Obama têm sido ricas e variadas; crescer

em diferentes lugares, deu-lhe a chance de conviver com pessoas que possuíam ideias

diferentes e animaram sua jornada política. Entre o partidarismo e a briga do debate público,

ele ainda acredita na capacidade de unir as pessoas em torno de um objetivo político maior,

que busca a solução dos desafios diários do cidadão à frente dos planos partidários e de

ganhos políticos. “Existe um determinado tom para se expressar na política – ao qual eu

aspiro – que me permite discordar das pessoas sem ser desagradável” (OBAMA, 2004).

No Senado do Estado de Illinois, independente do partido pelo qual foi eleito, resolveu

trabalhar tanto com Democratas quanto com Republicanos para ajudar famílias de

trabalhadores a terem êxito. Sua meta foi a criação de programas como o Crédito do Imposto

43 Disponível em: http://www.barackobama.com/index.php.

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de Renda sobre ganho estatal que, em três anos, forneceu mais de 100 milhões de dólares em

cortes fiscais para famílias de baixa renda.

Como afirma o Jornal The New York Times:

Os políticos mais promissores não circulam pelos corredores acadêmicos, e poucos jovens que se dedicam à teoria do Direito são vistos na legislatura pública. O Sr, Obama firmou um pé em cada lado, dividindo sua semanas entre uma faculdade de Direito de elite e a atmosfera muito menos rarefeita do Senado Estadual De Illinois44.

Ele também expandiu o período de educação da pré-escolar e, depois que certo

número de prisioneiros na fila da morte foram descobertos como inocentes, o Senador Obama

trabalhou junto com funcionários de execuções legais para requerer gravações em vídeo de

interrogações e confissões em todos os casos de pena capital.

Ainda no Senado, concentrou-se em atacar os desafios do século XXI, num mundo

globalizado, com uma nova maneira de pensar e com ações políticas que não mais se baseiem

em denominador comum muito baixo. Sua primeira lei aprovada com o Republicano Tom

Coburn foi uma medida para restabelecer a confiança no governo, permitindo que cada

americano possa ver on line como e onde é gasto cada centavo dos impostos que pagam. Ele

também foi a principal voz em patrocinar uma reforma de ética que extirparia a corrupção no

Congresso45.

Como membro do Comitê de Assuntos de Veteranos, o Senador Obama lutou para

ajudar os veteranos de Illinois a conseguirem o pagamento da pensão por invalidez que lhes

foi prometida. Reconhecendo a ameaça terrorista imposta por armas da destruição de massa,

viajou à Rússia, para iniciar uma nova geração de esforços despendidos para evitar a

proliferação de armas mortais ao redor do mundo e também para torná-las seguras.

Quantas barreiras e fronteiras interiores Obama teve de superar para atingir seus

objetivos? Ele não foi indiferente aos outros. Seu caráter, essência, temperamento e atributos,

no decorrer de sua trajetória, foram sendo apurados e lapidados, fazendo-o eclodir como um

meteoro ao ser eleito Presidente dos EUA, para cumprir mandato desde 20 de janeiro de 2009.

Sua trajetória demonstra que o menino Barack Obama enfrentou dificuldades, desde a

infância, na década de 60, com a separação de seus pais; mesmo num país democrático como

44 Extraído de “Dando aulas de Direito e testando ideias: Obama ganha destaque”, por Jodi Kantor, The New York Times, 30 de julho de 2008. 45 Disponível em: http://www.barackobama.com/index.php. Acesso em julho de 2009.

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os EUA, em plena era dos “Anos Dourados”, não se pode negar a existência de tabus, de

preconceitos e do “ranço” do tradicionalismo e das convenções.

No seu discurso observa-se sua proveniência de uma minoria étnica, Obama tornou-se

ainda mais diferente porque passara à condição de filho de pais separados, de um lar

desfeito.Vejamos o que diz em 18 de marco de 2008:

Se trabalharmos juntos podemos ir além de algumas de nossas antigas feridas raciais. (...) Não podemos solucionar os desafios de nosso tempo a não ser que os solucionemos juntos (OBAMA, 18 de março de 2008).

Já como jovem, ele depara com a tragédia de perder repentinamente o pai num

acidente automobilístico, tornando-se órfão, criado por avós – fato que reforçou a sua enorme

discrepância com o “normal”, preestabelecido pelas convenções da década de 60.

Barack Obama, desde muito cedo, fortaleceu-se na diferença. A crise também abre

portas para o ser humano repensar suas escolhas e aproveitar oportunidades para transcender e

desvencilhar-se de antigos padrões, passando, muitas vezes, a assumir postura “visionária”

quanto à própria vida e à humanidade. Cabe ressaltar que ele viveu sua juventude permeada

por “drogas, sexo e rock-and-roll”, mas, apesar de tudo, não sucumbiu.

Provavelmente, desse meio adquiriu forte tendência a uma abordagem liberada e a

uma busca por inovações e por assuntos diferentes, já que é irrefutável ter ele atitudes não

convencionais no universo político. Em sua próprias palavras, “sempre que as pessoas agiam

com simpatia, indiferença e, às vezes, até com hostilidade, eu me esforçava ao máximo para

ficar de boca fechada e ouvir o que elas tinham a dizer” (OBAMA, 2007, p. 55).

Com determinação ilimitada, quando tem certeza de suas ideias, agarra-se

teimosamente a elas, sendo capaz de derrubar tudo aquilo que não convém ao momento,

correndo, inclusive, o risco de ser destrutivo. Basta lembrar o episódio da disputa acirrada

para vencer Hillary Clinton, em que quase arruinou seu próprio partido, o Democrata.

Também vivenciou a época dos maiores avanços tecnológicos e das reivindicações de

oportunidades iguais pelas minorias raciais. Obama não se deixa pressionar. Com seu espírito

analítico e técnico, sugere um determinismo que beira ao perfeccionismo sendo, por vezes,

demasiadamente crítico.

De modo geral, entretanto, o equilibrio entre valores conflitantes é dificil. As tensões surgem não por termos tomado o curso errado, mas simplesmente porque vivemos em um mundo complexo e contraditório. Acredito veementemente, por exemplo, que,

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desde 11 de setembro, fomos negligentes com os princípios constitucionais na luta contra o terrorismo. Mas reconheço que mesmo o presidente mais sábio e o Congresso mais prudente lutariam para equilibrar as exigências críticas da nossa segurança coletiva e igualmente premente necessidade de garantir as liberdades civis. Acredito que nossas políticas econômicas dão muito pouca atenção ao desemprego de trabalhadores da indústria e à destruição de nossas industrias, mas não posso deixar de levar em conta as frequentemente conflitantes exigências da segurança da competitividade econômica (Idem, p. 67).

Durante seu discurso de posse, em 20 de janeiro de 2009, discorreu com entusiasmo

exacerbado, típico de um líder natural, com autoconfiança e postura digna, sempre ativo,

generoso, jovial e otimista, sem abrir mão, quando necessário, de uma abordagem dramática

da situação mundial. Prendeu a atenção do público interno e do exterior. Em quase 20 minutos

de pronunciamento, prometeu reconduzir os Estados Unidos à liderança mundial e anunciou

uma nova era de responsabilidade, com vistas a resolver alguns dos principais problemas que

vai enfrentar: crise econômica, pobreza no mundo e terrorismo. Seu discurso foi ouvido com

atenção pelos dois milhões de pessoas que compareceram à cerimônia46.

Obama acentuou que os países ricos não podem mais aceitar com indiferença o

sofrimento dos países pobres e que agora se inicia um novo capítulo na história americana. O

discurso pedia mudança na relação do país com o resto do mundo:

Lembremos as antigas gerações que venceram o fascismo e o comunismo não só com armas, mas com alianças e convicções duradouras. Eles entendiam que nosso poder apenas não pode nos proteger, nem deixar que façamos o que bem quisermos47.

Reconheceu, com isso, a necessidade de dialogar com os países islâmicos. Ele

confirmou a promessa feita de campanha para a retirada das tropas no Iraque. “Para o mundo

muçulmano, nós buscamos uma nova alternativa baseada em interesse e respeito mútuos.

Vamos começar a deixar, com responsabilidade, o Iraque para o seu povo”. Quanto à

economia, reconheceu os problemas financeiros do país, num ano em que o déficit no

orçamento passou de um trilhão de dólares.

Citou Deus e a Bíblia e pediu o fim das atitudes infantis que dividem o país e o

Congresso Americano, impedindo a tomada de decisões rápidas. Na parte que mais

emocionou a multidão, falou que esses são tempos de mudança. Lembrou que, no passado,

seu pai não podia frequentar os mesmos lugares que os brancos, mas que hoje impera a

46 Disponível em: www.band.com.br. Acesso em fevereiro de 2009. 47 Idem.

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igualdade e o respeito entre as pessoas, a ponto de o filho de um negro ser eleito Presidente

dos Estados Unidos.

Suas máximas bíblicas foram empregadas num estilo de prosa que lembra a tradição

retórica protestante, particularmente na forma de evocar exemplos de virtudes para o

governante e seus súditos, de definir ameaças a serem superadas e de desafios em face ao

futuro incerto. No entanto, desde o início, essa tradição retórica é preenchida,

semanticamente, com imagens canônicas da história dos EUA que possam servir como

inspiração para a unidade do povo e para a cobrança de persistência em enfrentar dificuldades,

sem abrir mão dos “preceitos de liberdade”, dos “Pais Fundadores” da nação norte americana

e da Constituição.

É também possível perceber que o primeiro presidente negro dos EUA – filho de

americana branca, protestante, e de pai queniano, muçulmano, como se enfatizou tantas vezes

durante a campanha presidencial – escolhe temas da história do seu povo, a fim de figurar-se

como “autêntico americano” e “vencedor”, por meio das “virtudes caras à América” – em sua

visão, seu país é forte justamente por ser obra de uma imigração multicultural de pessoas

laboriosas e crentes.

Afro-americanos choraram e dançaram nas ruas na terça-feira, dizendo que uma nação outrora relutante por fim revelou a promessa democrática. Pessoas de todas as cores vibraram nas pequenas cidades e metrópoles. E eleitores brancos maravilharam-se com o que haviam feito ao virar a página de uma história racial pungente (The New York Times 5 de novembro de 2008).

Obama olha para o passado para legitimar parte de sua própria história pessoal e criar

ganchos conciliatórios para a nação, num momento de alta rejeição à gestão Bush – cujas

ações puseram em risco os “princípios fundamentais” da pátria.

Nesse sentido, as lembranças das dificuldades e sacrifícios do “passado” – luta pela

independência, guerra civil, segregação racial – são bastante instrutivas no seu discurso e

devem servir como inspiração para o enfrentamento dos problemas atuais, dentre eles o que

envolve a imigração ilegal, o terrorismo, a recessão, o desemprego e a pobreza, ainda

racialmente circunstanciada.

Outro ponto marcante é sua tentativa de distinguir-se da gestão de George W. Bush,

sem, contudo, demonstrar fraqueza no que tange aos desafios da política de segurança e da

liderança mundial. Os “valores da terra da liberdade” devem permanecer caros e inspirar o

mundo, pois é o seu destino, definido por Deus, levar a liberdade, a segurança e a

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prosperidade para o mundo através da economia de mercado. Em todo caso, parte de seu

discurso quer demonstrar que é possível enfrentar os problemas internos e externos de forma

distinta daquela adotada pelo governo Bush.

No campo das relações internacionais é perigoso fazer generalizações a partir da realidade de um único país. Cada nação é única, com sua História, geografia, culturas e seus conflitos. (...) Um mundo no qual a globalização e o sectarismo, a pobreza e a abundância, a modernidade e a antiguidade colidem constantemente (OBAMA, 2007, p. 296).

A estratégia preventiva e o unilateralismo da gestão Bush que restringiram, por

exemplo, direitos civis dentro dos próprios EUA e em bases militares no exterior – com

escandalosos casos de restrição à imprensa americana e de tortura e estupro em Guantánamo,

Iraque e Afeganistão –, mostraram-se ineficazes para construir qualquer estabilidade ou

legitimidade para as suas matérias políticas e econômicas no mundo, evidenciando a

necessidade de ações coletivas com efetiva cooperação e consenso com outros países.

Por isso, esta estratégia preventiva e o unilateralismo da gestão Bush são apresentados

pelo novo Presidente como a escolha equivocada (“velho dogma”) para se conseguir a paz, a

segurança, a defesa dos interesses estratégicos e a prosperidade; tal política teria criado uma

equação perigosa: para aumentar a segurança era necessário diminuir os direitos civis

fundamentais, o que ameaçava os “princípios fundamentais” da Constituição/Fundação dos

EUA e aumentava a maré antiamericana pelo mundo, tornando vazia a retórica “livre-

mundista”. A recorrência das imagens canônicas da Constituição e da Independência no

discurso de Obama teria por objetivo demonstrar que Bush foi, efetivamente, “menos

americano” do que ele.

Dentro dessa avaliação, outro equívoco estratégico teria sido o fato de o governo Bush

portar-se como o herói do “livre-mundismo” nos termos seletivos dos interesses do lobby do

petróleo, o que, além dos desgastes materiais, humanos e emocionais no Iraque e Afeganistão,

criou uma onda interna de perda de confiança quanto às instituições públicas, particularmente

depois das eleições de 2004. Ademais, como a gestão Bush suscitou uma maré mundial de

rejeição antiamericana, isso aumentava o risco de novos ataques terroristas que, por sua vez,

serviam para justificar restrições seletivas a direitos civis e humanos dentro e fora do país.

Portanto, esse ciclo vicioso ou “velho dogma” deveria ser rompido.

A vinculação da política externa norte-americana aos interesses do lobby do petróleo

representou um retrocesso nas metas de redução de emissão de gás carbônico na atmosfera, na

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política de preservação do meio-ambiente e na busca de fontes de energia alternativas limpas,

renováveis e sustentáveis. Por outro lado, o aumento do orçamento militar – que beneficiou os

complexos industriais e de serviços que se vinculavam em contratos com o Ministério de

Defesa – significou uma transferência de renda pública para os setores A e B da população,

que viveu uma onda especulativa desregulada de prosperidade nos mercados financeiros, de

crédito e imobiliário, enquanto os setores C, D e E da população sentiam os efeitos imediatos

do aumento da desigualdade social e da redução com os gastos sociais, que se refletiam na

precarização do acesso a hospitais e escolas públicas de qualidade e livres da violência

urbana.

Ora, tudo isso explica a recorrência das “máximas de virtude” que Barack explora em

seu discurso para demonstrar que pretende romper o ciclo vicioso da gestão Bush, pois esta

estaria na contramão da herança dos “Pais Fundadores” que, de forma exemplar, mesmo

estando em meio às ameaças tangíveis da Guerra de Independência, ofereceram ao seu povo a

Constituição, em vez da restrição dos direitos civis. Ora, lembrar isso significava demonstrar

que todas as consequências jurídicas, civis e ideológicas da “estratégia preventiva” eram

traições evidentes aos ideais da Nação.

“Ao reafirma a grandeza de nossa Nação, compreendemos que grandeza jamais é algo

dado. Precisa ser conquistada” (OBAMA, Discurso de Posse, 20 de janeiro de 2009).

Ao colocar-se como o defensor efetivo dos “fundamentos americanos do livre-

mundismo”, o governo de Barack Obama propõe um ciclo de redenção para a América e para

o mundo. Os trechos abaixo48 resumem, de modo geral, as mudanças de rumo político a serem

adotadas pela América do Norte e estão aqui expostos com o fim de estabelecerem uma

comparação entre a nova era e a antiga.

· Se, durante o governo Bush, houve a invasão do Iraque e do Afeganistão, com

o consequente desrespeito à soberania de seu povo e a indistinção entre alvos

civis e militares, a alternativa a isso seria devolver, de forma responsável,

ambos os países a seus povos, assegurando uma paz duradoura, a soberania, os

canais de diálogo e o interesse mútuo com o mundo muçulmano, em geral.

· Se, durante o governo Bush, houve a arrogância em relação aos fóruns

mundiais, e a indiferença aos problemas sociais, econômicos e ambientais das

15 Disponível em: http://www.cpgss.ucg.br/ Acesso em abril de 2009.

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nações mais pobres, a alternativa a isso seria que todas as nações ricas, em

cooperação, investissem nos países pobres de forma responsável, para que uma

ampla parcela da população mundial pudesse sair do risco social, ter emprego

assegurado e frequentar boas escolas. Deste modo, poder-se-ia evitar que os

jovens fossem recrutados por grupos integristas, pelo narcotráfico, por

guerrilhas ou que se envolvessem em empreitadas arriscadas de imigração e

trabalho ilegais, prostituição ou tráfico de mulheres, crianças e órgãos.

· Se, durante o governo Bush, houve negligência em relação ao protocolo de

Kioto, a alternativa a isso seria conseguir dos governos dos países ricos o

compromisso de uma prática de consumo responsável, para não se esgotar os

recursos ou a sustentabilidade econômica e ambiental do planeta.

· Se, durante o governo Bush, o interesse do lobby do petróleo teria aumentado a

dependência dos EUA aos inimigos que, supostamente, estaria combatendo, a

alternativa a isso seria justamente valorizar a pesquisa de outras fontes de

energia que possibilitassem a autonomia na matriz energética e a

sustentabilidade e preservação do meio-ambiente, pois isso diminuiria a

dependência dos EUA em relação ao Oriente Médio, Venezuela/Colômbia e

Ásia Central – o suposto “eixo do terrorismo”, definido desde a presidência de

Bill Clinton.

· Se, durante o governo Bush, a especulação financeira e os gastos com

segurança teriam aumentado a desigualdade social e o desemprego nos EUA, a

alternativa a isso seria aumentar o controle sobre os usos das reservas do país e

sobre o sistema de crédito bancário e as práticas financeiras, além de se

valorizar a parte “mais laboriosa” da população, como as pessoas de formação

média e os cientistas, através de investimentos em pesquisa, educação e

construção civil, pois isso não apenas geraria empregos imediatos, mas

também criaria infra-estrutura para investimentos produtivos futuros – o que

Obama chama de “novos fundamentos para o crescimento econômico”.

Para Obama, o “livre empreendedorismo” dos homens anônimos e comuns – aqueles

que efetivamente “fizeram a América” – seria algo importante a ser lembrado no presente,

pois contrasta, tipológica e moralmente, com aqueles que buscam riqueza e fama fáceis. No

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discurso presidencial, a exploração de tais retóricas representa o uso estratégico de emblemas

éticos nostálgicos, que se reportam, na verdade, às noções artesanais oitocentistas da

“respeitabilidade social” do “trabalhador honrado”. Aliás, é digno de nota o fato de esse texto

recorrer a metáforas e expressões “artesanais rancheiras” para expressar conceitos ou ideias

políticas elaboradas.

Ao proceder assim, o objetivo de seu discurso é construir um senso de empatia com o

“homem médio”, desempregado, ou com aquele que virtuosamente aceita reduzir os seus

salários ou turnos de trabalho para não ver um “companheiro de labuta” perder o emprego.

Em outras palavras, é uma exortação aos homens anônimos e comuns – as principais vítimas

da recessão e do mercado livre da especulação financeira dos ricos nas bolsas de valores –

para terem paciência, continuarem a ser laboriosos e voltarem a confiar no País e nas

instituições que o representam.

Além disso, Barack Obama apela, paradoxalmente, para noções da tradição democrata

de resgate da América pela cooperação entre classes, sem questionar um mecanismo cruel da

desregulamentação econômica, pela qual as grandes empresas pressionam politicamente o

governo com a ameaça do desemprego em massa porque não querem reduzir as margens de

lucro; com isso, esperam conseguir algum tipo de subsídio (empréstimos a juros baixos),

proteção fiscal-alfandegária ou redução de encargos trabalhistas e fiscais, para, no final das

contas, quando muito, manterem os trabalhadores com salários baixos, turnos reduzidos e sem

plano de saúde.

Como pretende conciliar forças sociais contraditórias num momento de crise, Obama

não questiona as virtudes do mercado e seu poder de gerar riqueza e expandir a liberdade, mas

é taxativo em afirmar que suas operações não podem acontecer sem nenhum controle e que é

importante pensar em investimentos ou subsídios que se revertam para o trabalhador médio na

forma de emprego. Por isso mesmo, o horizonte de nacionalismo econômico é combinado

estrategicamente com apelos de sacrifício, confiança e paciência; enfim, o status quo não é

questionável, mas sim alguns detalhes de estilo na forma de geri-lo.

No final das contas, a forma de Obama pensar “novos fundamentos para o crescimento

econômico” significa, na prática, transferir dinheiro público para outros nichos de

investimentos prioritariamente produtivos, em vez de especulativos, mas beneficiando os

mesmos setores sociais (A e B), que mais concentraram renda entre 1975 e 2005, na esperança

de que criem ou mantenham empregos em solo americano.

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Enfim, a conciliação da Nação e a restauração da confiança no governo ocorreriam

através de incentivos públicos para investimentos produtivos que pudessem criar empregos

para homens e mulheres comuns – anônimos que “fazem a América”.

Quando Obama afirma, evocando a Bíblia, que é “tempo de crescer”, de abandonar as

“coisas infantis”, isso significa: tomar para si as responsabilidades dos efeitos das escolhas

equivocadas do passado recente e tentar corrigi-los; estar preparado para fazer escolhas

difíceis que não firam os princípios constitucionais; ter maturidade para estender a mão ao

inimigo, propondo paz e prosperidade e dando exemplo de superioridade moral e fortaleza

d’alma; evitar novas escaladas militares e aumentar investimentos socioculturais; estar

disposto ao diálogo para resolver antigas diferenças antes de colocar civis em risco de ataques

militares e/ou terroristas; agir com transparência no uso do dinheiro público para que as

famílias em necessidade possam ser ajudadas a encontrar empregos; ser capaz de expressar

atos de autocontenção, humildade, cooperação, solidariedade e tolerância.

E, então, no dia 11 de setembro de 2001, o mundo partiu. (...) Não finjo compreender o niilismo absoluto que dirigiu os atos terroristas daquele dia e que dirigi seus irmãos desde então. Minha capacidade de empatia, minha habilidade para alcançar o coração dos meus semelhantes, não consegue penetrar o olhar vazio daqueles que assassinam inocentes com uma obscura e serena satisfação (OBAMA, 2008, p. 12).

O discurso de Obama aponta para um ciclo global e moral de redenção e superação da

“era Bush”. “Esta é a Promessa dos Estados Unidos - a ideia de que somos responsáveis por

nós mesmos, mas que também ascendemos e decaímos como nação” (OBAMA, 2009, p.129).

No entanto, podemos questionar se, para além da retórica, seu governo poderá, de fato,

distinguir-se dentro de uma configuração institucional que vive, paradoxalmente, da

especulação financeira, do complexo industrial-militar flexível, de um protecionismo

econômico seletivo, da matriz energética do petróleo, da corrosão crescente do emprego como

agente de integração social, do mito do “destino manifesto” e da saga “livre-mundista” que

têm justificado a escalada de investimentos em segurança à custa da seguridade social e da

soberania de outros países.

Afinal, as tópicas religiosas da paciência, do sacrifício e da conciliação/expiação

comunal precisam de uma base social, econômica e política efetiva para não desembocarem

numa nova crise de confiança.

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Eu sei, eu vi o desespero e a confusão dos menos favorecidos: como se arruína a vida das crianças em Jacarta, na Indonésia, ou em Nairóbi, da mesma maneira, que se faz com as crianças na zona sul de Chicago; como é difícil o caminho para elas entre a humilhação e a fúria sem limites; como facilmente elas deslizam para a violência e a desesperança. Sei que a resposta dos poderosos a essa desordem – alternando, como de costume, complacência indiferente e, quando a desordem extrapola os limites impostos, a aplicação dura e irrefletida da força, de longas sentenças de prisão e de equipamentos militares mais sofisticados – é inadequado à tarefa. Sei que o endurecimento das políticas, o acolhimento do fundamentalismo e das tribos condenam a todos nós (OBAMA, 2008, p. 13).

Em política, a esperança é uma matéria volátil que deve ser manipulada com muito

cuidado, pois a não realização de seu horizonte de expectativa cria um “pântano de

desespero”, cujos gases fétidos podem ter consequências destrutivas duradouras para a ética

intersubjetiva e para a confiança no aparato parlamentar-constitucional de representação

política. Quando isso ocorre, a arena política pode ficar polarizada entre a absoluta apatia do

indivíduo e as reações violentas esporádicas de indivíduos e grupos.

Como disse o presidente americano em seu discurso de posse:

“Estamos reunidos neste dia porque optamos pela esperança em lugar do medo,

pela concordância de objetivos em lugar do conflito e da discórdia” (OBAMA, 2009,

Washington D.C.).

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CONCLUSÃO

Vivemos um período em que a noção de “indiferença” parece ter extrapolado os

campos da filosofia e da subjetividade para se implantar solidamente no domínio do real. Se

até a pouco era possível circunscrever os questionamentos à razão iluminista, hoje, na linha

traçada premonitoriamente por Nietzsche, a desconstrução do sujeito, gradativamente sugerida

nas obras de teóricos como Baudrillard, Morin, Derrida, Zizek, Habermans, Badiou, dentre

outros pensadores, pode ser evidenciada, tanto no Ocidente quanto no Oriente, em

manifestações concretas da história, que se assemelham no redespertar de mitologias,

crendices e ódios ancestrais, como se o racionalismo não tivesse passado de um sonho.

A contemporaneidade abraça o efêmero, o fragmentário, o descontínuo e o caótico.

Portanto, na medida em que não tenta legitimar-se pela referência ao passado, o momento

pós-11 de setembro enfatiza o profundo caos da vida moderna e a impossibilidade de lidar-se

com ele através da racionalidade. Na base da ética pós-11 de setembro, jaz uma crise de

autoridade que envolve todos os setores da sociedade: família, Estado, Justiça, religião,

educação e segurança.

Vivemos uma sociedade que idolatra a juventude, o momento presente e o consumo;

“ser” consiste em “consumir, usar e desperdiçar”. A época atual, refém da cultura do medo,

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estabeleceu o individualismo, a desvalorização de causas humanitárias e a indiferença quanto

ao bem público e aos direitos e deveres da cidadania, como comportamentos sociavelmente

aceitos. Tudo isso tem lugar na conjuntura de um axioma aplicado a todos nós: minimizar a

austeridade e maximizar o desejo.

Ao mesmo tempo, os meios de comunicação são os principais formadores da opinião

pública, ditam as normas do comportamento e do consumo e fazem interpretações éticas e

religiosas, construindo “verdades” muito além dos conceitos do Bem e do Mal. Construir uma

ética que dê conta da idolatria do EU, em tempos de terror globalizado e indiferença

endêmica, é o desafio de cada dia. Temos de domar nossas “inclinações naturais” (a lei da

selva), em favor do bem estar comum, da qualidade da convivência humana e do resgate de

um Ethos que nos devolva a humanidade sacrificada pela libido econômica.

Assim é que a desconstrução do Eu em favor do nós é fruto da alteridade – a marca

da ética da resistência. É nesse contexto que o Outro é a fonte na qual o Eu pode se alimentar

para restabelecer seus humores vitais ou, na pior das hipóteses, para impedir a sua

constituição como Eu isolado. Entrar nos tempos de terror global pós-11 de setembro é

encontrar o Outro, o guardião de nossa própria humanidade.

Ao discutir a questão da alteridade, Baumam (1997) vem referenciar Lévinas,

afirmando que o nó da subjetividade consiste em se relacionar com o Outro, sem se importar

com seu relacionamento em qualquer direção: Eu e Outro, ou Outro e Eu. Ou, mais

precisamente, consiste em se aproximar do Outro, de tal sorte que, acima e além de todas as

relações recíprocas que não deixam de se estabelecer entre mim e o próximo, eu tenha dado

sempre um passo a mais rumo a ele.

Invertendo os princípios da ética moderna, Lévinas concede ao Outro a prioridade que

se atribuiu antigamente ao Eu. Ontologicamente, cada um de nós estáa separado um do outro

e, no máximo, estamos unidos através dos laços afetivos e interesses sociais “um com o

outro”. Dois seres separados e fechados em si, cada um existindo para guardar sua ipseité

(Paul Ricoeur,1990), sua identidade consigo mesmo, seu próprio espaço e território.

Estabelece-se, então, um paradoxo: estar com significa estar separado. O Outro não é senão o

“não-Eu”, o lugar que o Outro ocupa é um lugar onde não estou. A distância entre nós jamais

será vencida sob pena de se perder a identidade do Eu. No entanto, podemos lançar uma ponte

de conexão com o Outro para meu conhecimento; porém, as pontes são frágeis e precisam ser

protegidas e vigiadas através da Lei ou da Ética. A ética, como uma filosofia primeira, vem

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antes da condição moral; o Eu se torna moral pela escolha do “face a face” do sujeito com o

Outro.

Na dimensão individual, a ética filosófica ocidental propõe, na base, a idéia de luta

por: sobrevivência na satisfação das necessidades básicas, impondo-se ao peso do existir; um

“lugar ao sol”, na esfera da economia e da sociedade, rompendo o cerco da solidão e da

evasão; emancipação e autonomia na esfera educativo-política; possibilidade de ser contra a

angústia da morte sempre iminente; sobrevida na perspectiva da imortalidade, contra a queda

na impessoalidade ou no nada. Na base de toda essa inspiração está a concepção da ordem do

ser como expansão em todas as dimensões ou como essência.

O existencialismo designa várias tendências filosóficas que enfatizam temas comuns,

como o indivíduo, a experiência da escolha e a ausência de uma compreensão racional do

universo – com o conseqüente temor ou sentimento do absurdo da vida humana.

As lutas que se processaram por milênios, em que os homens faziam sua história, iam

tecendo sua própria imagem, moldando sua sociedade e perfaziam sua realização, ensejaram

variadas formas de organização e estruturas culturais, codificações de ética em leis civis e

penais, traduziram suas aspirações em cultos e símbolos variados, procurando diminuir os

resíduos de arbitrariedade e rumando na perspectiva de um bem viver.

As experiências por que passou a humanidade no século XX estão a confirmar que a

ética que se instaurou, mesmo com foros universais, a partir das instituições que têm por base

a velha ordem do ser, não consegue ter validade para nortear a sociedade atual sem uma

ruptura profunda desta mesma e velha ordem do ser diante da nova ordem ser-poder-saber.

Tudo que é real e nada do que é irreal pertencem ao domínio do Ser, esse conceito ocupa um

lugar central na filosofia de Parmênides a Heidegger. A questão que se coloca é: por que há

algo e não nada? Este pensamento suscitou uma reflexão lógica sobre a questão de saber em

que consiste o era que é, o que existe e permanece/ ser-em-si / para-si.

O fiasco humano de que dão testemunho as crises éticas e morais do nosso tempo parte

do princípio de que o homem só existe através do olhar do outro, da sua relação com o

próximo.

Várias teses afirmam a singularidade irredutível de cada homem, com seu valor único,

que precede sua universalização no saber e na política; a ética instaura-se na relação inter-

humana; a ética é o sentido profundo do humano e precede à ontologia.

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Em 12 de abril de 1999, o intelectual judeu sobrevivente do holocausto nazista e

Prêmio Nobel da Paz em 1986, ELIE WIESEL, fez uma palestra na Casa Branca para

convidados especiais do Presidente Clinton. O tema foi "O que é a Indiferença". Em sua

palestra (Los Discursos del Poder -página 233- Ed. Belacqua), Wiesel diz que “para a pessoa

que é indiferente, seu vizinho não tem nenhuma consequência, e, portanto, sua vida carece de

sentido. Suas preocupações, ou inclusive, suas angústias visíveis não têm qualquer interesse.

A indiferença reduz o outro a uma abstração".

Além disso, afirmou que a indiferença, além de tudo, é mais perigosa que a raiva e o

ódio, uma vez que estes podem, inclusive, ocasionalmente inspirar alguma veia criativa,

quando se escreve um grande poema ou uma grande sinfonia.

A indiferença, contudo, nunca é criativa. Da indiferença não se obtém resposta

alguma. A indiferença não é um principio, é um fim em si mesmo.

E, como tal, retroalimenta-se da apatia, alienação, cansaço, covardia ou do simples

primário mecanismo de defesa daqueles que ainda não fizeram a escolha por uma vida mais

ética, segundo Zizek. Mas, para que tal escolha seja feita, precisaríamos encontrar em nós

mesmos o que ele chama de “Coragem Ética” – uma nova coragem, que, em última

instância, é a de questionar a sua própria posição.

É preciso muita consciência de que, ao assumir uma posição, cada sujeito sabe da

relatividade de todas as posições, e que estas são condicionadas por constelações históricas

contingentes e, por conseguinte, ninguém está na posse de uma solução definitiva, mas apenas

de soluções temporárias e pragmáticas. Basta comparar o combate e o sofrimento do

fundamentalista radical com a paz do democrata liberal que, protegido na sua posição

indiferente, rejeita qualquer comprometimento ético, qualquer defesa sob o ponto de vista da

alteridade, como aponta Zizek.

Nesse caso, deveríamos completar a citação judia, evocada muitas vezes a propósito

do Holocausto (“Quando alguém salva um homem da morte, salva toda a humanidade”), e

ampliá-la para: “Quando alguém mata, nem que seja um só inimigo da humanidade, não está a

matar, mas a salvar toda a humanidade”. O verdadeiro esforço ético não está apenas na

decisão de salvar vítimas, mas também – e talvez muito mais – na dedicação impiedosa de

aniquilar aqueles que fazem delas vítimas.

Quanto à primeira hipótese desta tese, afirmo que o terrorismo global é alimentado

pelo medo do Outro; sem dúvida, é um crime contra humanidade e se sustenta pela

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indiferença de milhões de sujeitos em que o pós-11 de setembro justifica sua omissão, seu

olhar indiferente, como vítimas “ainda que distantes” da barbárie comtemporânea.

Todos somos vitimados pela cultura da indiferença, alimentada através das mídias de

última geração, que bombardeiam informações diárias sobre intolerância, vandalismo,

crueldadade e violência letal dos Outros, como se estes não fizessem igualmente parte da raça

humana, como se, em nosso silêncio, consumismo átavico e egoísmo extremado, não

contribuíssemos para o aumento vertiginoso da indiferença patológica.

A condição preliminar dos afetos torna-se ainda mais desconfortável e vazia pelo fato

de que, com bastante frequência, não encontramos evidencias suficientes de que o Outro,

estranho a mim e a quem devo amar, me ama ou, ao menos, demonstra por mim a mínima

consideração. Poderíamos ampliar esta discussão , mas me limito as conclusões.

Confirmo a segunda hipotese deste trabalho, ao afirmar que o principal inimigo da

excelência moral é a fantasia pessoal exarcebada, a trama do autoengrandecimento e dos

desejos que impedem os sujeitos de enxergarem o que há fora e além deles mesmos. Essa

conduta medíocre é a mais fria confirmação da singularidade.

A cultura da indiferença é analisável tanto como característica existentencial em

determinada sociedade – e, sem dúvida, a sociedade global a promove –, quanto como

tendência que surge do mais profundo do ser humano. Ao negarmos nosso olhar aos

miseráveis da terra, ao ignorarmos as crianças que dormem ao relento das grande cidades,

desconhecemos nosso prórpio rosto refletido na face do Outro.

A relação ética com outrem não é um ato ontológico que compreende o interlocutor a

partir de um horizonte do ser, nem é orientada pela ontologia, ou seja, no outro ser humano

anuncia-se algo que não pode ser captado nas malhas do saber ontológico. A alteridade

exprime-se na pobreza, na ignorância intelectual, no despojamento e na miséria de não ter

consciência de que é consciente, de que tem potencial, mas só depende de ter oportunidades

para desabrochar-se como pessoa humana e como cidadão.Isto pode ser entendido como

confirmação de hipóteses de elucubrações teóricas e sensíveis sobre uma cultura vilipendiada

pela indiferença.

E isso nos condena à triste confirmação da terceira hipotese desta tese: somos

potencialmente destrutivos para nós mesmos e, dessa forma, nos constituímos em nosso pior

inimigo; fomos sujeitados aos efeitos da globalização negativa, e aprendemos a estigmatizar

os diferentes, a ignorar os direitos culturais e prórpios de cada nação, a substimar o que não

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conhecemos, a temer nossa prórpia face perdida no olhar do Outro. A cultura da Indiferença,

aliada à Cultura do Medo, virou refém do terrorismo global.

Esta tese não estaria completa sem considerar dois eventos marcantes na minha

trajetória como advogada, psicanalista e docente. Por ocasião dos ataques terroristas de 11 de

setembro de 2001, eu estava em classe, ministrando Filosofia do Direito, para o sétimo

periodo do curso de Graudação em Direito na Universidade Candido Mendes ,bairro de

Ipanema na cidade do Rio de Janeiro.

Na sala de aula, havia uma televisão. Aos poucos, mas de forma contundente, meus

alunos foram cercados por outros discentes, e eu pude perceber o medo e a perplexidade em

seus olhos. Ligamos a televisão e, juntos, testemunhamos a queda da primeira torre do World

Trade Center. Confesso que procurei me convecer e aquietá-los de que era apenas um terrível

acidente aéreo, e recordo que continuei a ministrar minha aula sobre Foucault e seu livro As

diferentes formas da verdade (1988). De repente, a sala foi invadida por uma segunda onda

de expectadores atordoados e confusos, que anunciavam o impensável: a segunda torre do

WTC fora atingida. Naquele momento, todos nós não sabíamos mais nada; no silêncio do meu

olhar de mestre impotente diante de fatos tão atrozes, estava decretada a bábarie, se a

entendermos como o conjunto de forças que ameaçam tanto a ordem social quanto a paz de

espírito pessoal, nos submetendo ao desencadeamento de pulsões violentas e incontroláveis.

Dispensei minha classe, que, por longos minutos, permaneceu inerte, hipnotizados frente a

initerrupta repetição das imagens da catástrofe na tela global.

Oito anos depois, em 20 de janeiro de 2009, eu estava novamente em classe,

lecionando Políticas Públicas para a Pós-Graduação em Educação, da Universidade

Americana de Assunción del Paraguay, e tivemos, juntos, eu e minha classe, o privilégio de,

ao vivo, testemunharmos a posse do 44º presidente norte americano, Barack Husseim Obama,

o primeiro presidente transracial, transcultural a ocupar a Casa Branca.Talvez tenha se

iniciado aqui alguma relfexão sobre a Cultura da Indiferença .É a audácia da esperança

democrática, capaz de contemplar a alteridade entre as nações, a acender em mim e em todos

ao meu redor a chama dos ideiais de justiça, equidade e liberdade.

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FILMOGRAFIA

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (2008) - (Blindness)

• ELENCO

Mulher do Médico JULIANNE MOORE

Médico MARK RUFFALLO

Mulher dos Óculos Escuros ALICE BRAGA

Primeiro Homem Cego YUSUKE ISEYA

Mulher do Primeiro Homem Cego YOSHINO KIMURA

Contador MAURY CHAYKIN

Velho da Venda Preta DANNY GLOVER

Rei da Ala 3 GAEL GARCÍA BERNAL

Criança MITCHELL NYE

• FICHA TÉCNICA

Diretor FERNANDO MEIRELLES

Roteirista DON MCKELLAR

Baseado na obra de JOSÉ SARAMAGO

Produtores NIV FICHMAN

ANDREA BARATA RIBEIRO, SONOKO SAKAI

Produtores Executivos GAIL EGAN

SIMON CHANNING WILLIAMS, TOM YODA,

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AKIRA ISHII, VICTOR LOEWY

Co-produtores BEL BERLINCK & SARI FRIEDLAND

Cinematografia CÉSAR CHARLONE ABC

Production Designer TULÉ PEAKE

Montagem DANIEL REZENDE

Figurino RENÉE APRIL

Música MARCO ANTONIO GUIMARÃES/UAKTI

Elenco SUSIE FIGGIS & DEIRDRE BOWEN

Em associação com ALLIANCE FILMS, FOX FILM DO

BRASIL, GAGA COMMUNICATIONS,

ASMIK ACE ENTERTAINMENT INC,

IFF/CINV, TELEFILM CANADA, ANCINE,

POTBOILER PRODUCTION

Com a participação T.Y. LIMITED, CORUS ENTERTAINMENT,

FIAT, BNDES, PAULÍNIA MAGIA DE CINEMA, C&A

Produção O2 FILMES / RHOMBUS MEDIA / BEE VINE

PICTURES

• SINOPSE

O vencedor do Prêmio Nobel de literatura, José Saramago, e o aclamado diretor Fernando

Meirelles (O Jardineiro Fiel, Cidade de Deus) nos trazem a comovente história sobre a

humanidade em meio à epidemia de uma misteriosa cegueira. É uma investigação corajosa da

natureza, tanto a boa como a má – sentimentos humanos como egoísmo, oportunismo e

indiferença, mas também a capacidade de nos compadecermos, de amarmos e de

perseverarmos.

O filme começa num ritmo acelerado, com um homem que perde a visão de um instante para

o outro enquanto dirige de casa para o trabalho e que mergulha em uma espécie de névoa

leitosa assustadora. Uma a uma, cada pessoa com quem ele encontra – sua esposa, seu

médico, até mesmo o aparentemente bom samaritano que lhe oferece carona para casa terá o

mesmo destino. À medida que a doença se espalha, o pânico e a paranóia contagiam a cidade.

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As novas vítimas da “cegueira branca” são cercadas e colocadas em quarentena num hospício

caindo aos pedaços, onde qualquer semelhança com a vida cotidiana começa a desaparecer.

Dentro do hospital isolado, no entanto, há uma testemunha ocular secreta: uma mulher

(JULIANNE MOORE, quatro vezes indicada ao Oscar) que não foi contagiada, mas finge

estar cega para ficar ao lado de seu amado marido (MARK RUFFALO). Armada com uma

coragem cada vez maior, ela será a líder de uma improvisada família de sete pessoas que sai

em uma jornada, atravessando o horror e o amor, a depravação e a incerteza, com o objetivo

de fugir do hospital e seguir pela cidade devastada, onde eles buscam uma esperança.

A jornada da família lança luz tanto sobre a perigosa fragilidade da sociedade como também

no exasperador espírito de humanidade. O elenco conta com: Julianne Moore (Longe do

Paraíso, As Horas), Mark Ruffalo (Zodíaco, Traídos Pelo Destino), Alice Braga (Eu Sou a

Lenda, Cidade de Deus), Yusuke Iseya (Sukiyaki Western Django, Kakuto) Yoshino Kimura

(Sukiyaki Western Django, Semishigure), Don McKellar (Monkey Warfare, Childstar), Maury

Chaykin (Verdade Nua, Adorável Julia), Danny Glover (Dreamgirls – Em Busca de Um

Sonho, A Cor Púrpura) e Gael García Bernal (Babel, Diários de Motocicleta, E Sua Mãe

Também).

LEÕES E CORDEIROS (2007)

Filmografia Diretor Robert Redford

1. 2007 - Leões e Cordeiros (Lions for Lambs)

2. 2000 - Lendas da Vida (The Legend of Bagger Vance)

3. 1998 - O encantador de cavalos

4. 1994 - Quiz Show - A Verdade dos Bastidores (Quiz Show)

5. 1992 - Nada é para Sempre (A River Runs Through It)

6. 1988 - Rebelião em Milagro

7. 1980 - Gente Como a Gente (Ordinary People)

• SINOPSE

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O senador Jasper Irving (Tom Cruise) pretende lançar sua nova "estratégia completa" para a

guerra dos Estados Unidos no Afeganistão e, para divulgá-la, precisa convencer a jornalista

Janine Roth (Meryl Streep). Simultaneamente o dr. Stephen Malley (Robert Redford), um

professor idealista, tenta convencer Todd (Andrew Garfield), um de seus alunos mais

promissores, a mudar o curso de sua vida. Ao mesmo tempo Ernest (Michael Peña) e Arian

(Derek Luke) são soldados que estão lutando nas montanhas geladas do Afeganistão,

buscando se lembrar do porquê de terem se alistado no exército americano.

• FICHA TÉCNICA

· título original: Lions for Lambs

· gênero: Drama

· duração: 09hs 27 min

· ano de lançamento: 2007

· site oficial:http://microsites2.foxinternational.com/br/leoesecordeiros/

· estúdio:United Artists / Cruise/Wagner Productions / Brat Na Pont Productions /

Andell Entertainment / Wildwood Enterprises

· distribuidora:20th Century Fox Film Corporation

· direção: Robert Redford

· roteiro:Matthew Michael Carnahan

· produção:Matthew Michael Carnahan, Tracy Falco, Andrew Hauptman e Robert

Redford

· música:Mark Isham

· fotografia:Philippe Rousselot

· direção de arte:François Audouy

· figurino:Mary Zophres

· edição:Joe Hutshing

· efeitos especiais:Tweak Films / Industrial Light & Magic / NAC Co. Effects & Prop

Animation / New Deal Studios

• ELENCO

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· Robert Redford (Dr. Stephen Malley)

· Meryl Streep (Janine Roth)

· Tom Cruise (Senador Jasper Irving)

· Peter Berg (Wirey Pink)

· Michael Peña (Ernest)

· Derek Luke (Arian)

· Andrew Garfield (Todd)

· Louise Linton (Srta M.)

· Tracy Dali (Entourage)

BABEL (2006)

Filmografia do Diretor Alejandro Gonzalez-InarrituFilmografia de Alejandro Gonzalez

Inarritu

· Rudo y Cursi 2008, Produção.

· Babel 2006, Gerente.

· Nine Lives 2005, Produção Executiva.

· 21 gramas 2003, Gerente.

· In the Cut 2003, Gerente.

· The Haunted Mansion 2003, Gerente.

· Setembro Eleven 11'09''01 2002, Gerente.

· Amores perros 1999, GerenteCada um com Seu Cinema (2007) (Longa-metragem),

(segmento "Anna")

· Babel (2006) (Longa-metragem)

· 21 Gramas (2003) (Longa-metragem)

· 11 de Setembro (2002) (Longa-metragem)

· Amores Brutos (2000) (Longa-metragem)

• FICHA TÉCNICA

Título Original: Babel

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Gênero: Drama

Tempo de Duração: 142 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 2006

Estúdio: Dune Films / Zeta Film / Anonymous Content

Distribuição: Paramount Vantage / UIP

Direção: Alejandro González-Iñárritu

Roteiro: Guillermo Arriaga, baseado em idéia de Guillermo Arriaga e Alejandro González

Iñárritu

Produção: Steve Golin, Alejandro González Iñárritu e Jon Kilik

Música: Gustavo Santaolalla

Fotografia: Rodrigo Prieto

Desenho de Produção: Brigitte Broch

Direção de Arte: Rika Nakanishi

Figurino: Michael Wilkinson

Edição: Douglas Crise e Stephen Mirrione

Efeitos Especiais: Intelligent Creatures Inc. / Lola Visual Effects

• ELENCO

Cate Blanchett (Susan)

Brad Pitt (Richard)

Gael García Bernal (Santiago)

Jamie McBride (Bill)

Kôji Yakusho (Yasujiro)

Lynsey Beauchamp (Isabel)

Nathan Gamble (Mike)

Adriana Barraza (Amelia)

Elle Fanning (Debbie)

Rinko Kikuchi (Chieko)

Aaron D. Spears (Oficial Lance)

Boubker Ait El Caid (Youssef)

Said Tarchani (Ahmed)

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Clifton Collins Jr. (Policial)

Michael Pena (John)

Jamie McBride (Bill)

• SINOPSE

Um ônibus repleto de turistas atravessa uma região montanhosa do Marrocos. Entre os

viajantes estão Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett), um casal de americanos. Ali

perto os meninos Ahmed (Said Tarchani) e Youssef (Boubker At El Caid) manejam um rifle

que seu pai lhes deu para proteger a pequena criação de cabras da família. Um tiro atinge o

ônibus, ferindo Susan. A partir daí o filme mostra como este fato afeta a vida de pessoas em

vários pontos diferentes do mundo: nos Estados Unidos, onde Richard e Susan deixaram seus

filhos aos cuidados da babá mexicana; no Japão, onde um homem (Kôji Yakusho) tenta

superar a morte trágica de sua mulher e ajudar a filha surda (Rinko Kinkuchi) a aceitar a

perda; no México, para onde a babá (Adriana Barraza) acaba levando as crianças; e ali

mesmo, no Marrocos, onde a polícia passa a procurar suspeitos de um ato terrorista.

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